Ano 3 • Número 134
R$ 2,00 São Paulo • De 22 a 28 de setembro de 2005
O faz-de-conta das Nações Unidas Instituição comemora 60 anos e, apesar de discursos de parabéns, quem recebe os presentes são as grandes potências
A
Organização das Nações Unidas (ONU), criada em 1945 para promover o progresso social e econômico do mundo, vai mal. A 60ª Assembléia Geral da instituição, que ocorreu em Nova York, entre os dias 14 e 16, foi palco para belos discursos de governantes de países ricos. Nenhuma medida substancial foi apresentada. Em
No Brasil, indicadores sociais são vergonhosos
ricos. Em discurso indignado, Hugo Chávez, presidente da Venezuela, se esforçou em lembrar aos governantes: “O Sul também existe”. Ele denunciou o autoritarismo das decisões da instituição, como a elaboração do documento final da Assembléia, redigido em segredo por representantes das grandes potências. Págs. 10 e 11 João Zinclar
relação ao combate à pobreza, cuja elaboração da estratégia era o principal objetivo da Assembléia, nada além de demagogia e propostas estapafúrdias. Os representantes das grandes potências, assim como o secretáriogeral das Nações Unidas, Kofi Annan, ocultam que a principal causa da pobreza no mundo é a política dos próprios países
Se alguém duvida da perversidade do modelo econômico vigente no país é só olhar para as suas conseqüências. Por exemplo, desde o período colonial, uma minoria (os 10% mais ricos do Brasil) controla a maior parte das terras, dos meios de produção, do comércio, das fábricas, dos bancos. Concentração que se
reflete nos padrões de consumo, educação e cultura. Olhando para 2004, tem-se que, enquanto o Banco do Brasil emprestou mais de R$ 4 bilhões a oito transnacionais do agronegócio, o Pronaf destinou pouco mais de R$ 6 bilhões a 5 milhões de pequenos agricultores. Pág. 6
PT: oposição propõe união contra Berzoini Com uma participação acima das expectativas, as eleições para direção do PT, realizadas dia 18, terão segundo turno. Pela primeira vez em 10 anos, o Campo Majoritário (CM) não venceu por maioria absoluta. Candidatos da oposição pregam união contra
Ricardo Berzoini, mas Plinio Arruda Sampaio, da Ação Popular Socialista, diz que não apoiará Valter Pomar, da Articulação de Esquerda, que para ele representa a “perpetuação do Campo Majoritário no poder”. Págs. 2 e 5
Popularidade de Bush despenca
Funcionários dos Correios reivindicam aumento de salário e pedem punição aos corruptos
Lula decide se Cuba cria equipe enterra de vez médica para agir a biossegurança em catástrofes E mais: GREVES – Trabalhadores em educação, estudantes e servidores dos Correios e do Banco Central se mobilizam contra perdas salariais. Pág. 3
Pág. 9
Pág.16
Márcio Baraldi
Pág. 8
Resistência no esporte vira livro nos EUA
JAPÃO – Koizumi, primeiroministro japonês, usa eleição para avançar com agenda neoliberal. Pág. 12
Fonte: USA Today, CNN e Gallup
® GRAFFO
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De 22 a 28 de setembro de 2005
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
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NOSSA OPINIÃO
Não falaremos apenas do Corinthians
O
resultado do primeiro turno das eleições internas do PT, com o deslocamento (pelo menos aparente) do centro de gravidade do partido para outros rumos que não aqueles traçados pelo assim chamado Campo Majoritário – responsável há mais de década pela política que conduziu à atual crise e a outras tantas derrotas – é, sem dúvida, importante sinal a ser percebido na atual conjuntura. No entanto, trata-se apenas do primeiro turno, e convém sempre termos cautela e aguardar o dia 9 de outubro para uma análise mais adequada do novo cenário que se inaugura. Isto porque a boa análise deverá levar em conta as alianças, apoios e compromissos que assumirão as chapas que disputam a segunda rodada, para entender realmente se haverá de fato mudanças, qual sua dimensão e profundidade. Além do mais, sabemos que, apesar da inequívoca manifestação das bases partidárias por mudanças (à esquerda) nas políticas do partido (e, portanto, do governo federal), muitos dos seus dirigentes mantêm tradicionalmente absoluta indiferença a este respeito. Deste primeiro turno, porém, o sinal mais grave foi o comporta-
mento do presidente da República, que não compareceu para votar no pleito interno da agremiação da qual é um dos fundadores. Gravidade cuja verdadeira dimensão pode ser percebida quando temos em conta que a atual crise resulta diretamente da orientação política imposta pelo Campo Majoritário que, se não tem formal e/ou organicamente o presidente da República em suas fileiras, cresceu à sua sombra e a seu serviço. Questionado sobre a atitude, o presidente disse que falaria apenas sobre o Corinthians, acrescentando mais uma graciosa evasiva – como já se tornou estilo: “O voto é secreto”. O voto do representante deve ser sempre aberto. É no voto aberto, público, que reside grande parte da prestação de contas que ele deve aos representados. E quando se abstém, todo representante deveria fazer sua declaração de motivos. Seria com seu voto (declarado em público) que o presidente estaria de fato prestando contas e se comprometendo com os militantes e filiados (eleitores e também a todos os cidadãos e cidadãs), num gesto que não estaria sujeito a edição ou manipulação. Seria com seu voto
que, por fim, descobriríamos o que o presidente pretende que mude, ou o que não mude na política hoje hegemônica e da qual o Campo Majoritário vem sendo o artífice e grande fiador. Com a atitude escolhida pelo presidente, permanecemos sem qualquer sinal sobre o que ele pretende que mude na política. No entanto, quanto aos métodos e à ética – indica o gesto – parece querer que permaneçam os mesmos métodos e a mesma ética. Já há quem argumente que, como presidente da República, era de fato mais aconselhável a neutralidade. Sempre há quem o faça, quem a aconselhe. A omissão em público e a ação nos bastidores. O conchavo na sombra substituindo a fala franca, a posição clara, a prestação de contas aos representados, o esclarecimento aos perplexos. Aos que assim pensam (e agem), respondemos que o papel de um dirigente político – seja frente ao seu partido, seja frente à nação – é apontar e disputar rumos. Enfim, como afirma Dante na sua Divina Comédia, “O circulo mais ardente dos infernos, reservou Deus àqueles que, em época de maior crise moral, optam pela neutralidade”.
FALA ZÉ
OHI
CRÔNICA CARTAS AOS LEITORES
Ajude a manter o Brasil de Fato Caros amigos e amigas Durante todo o ano de 2002, intelectuais, artistas, jornalistas e representantes de movimentos sociais somaram forças em nome de um projeto político e editorial. A idéia era construir um novo jornal que ajudasse a veicular informações não divulgadas ou noticiadas de forma deturpada pela mídia tradicional. A publicação também teria a missão de contribuir para a formação da militância social e da opinião pública em geral. Assim nasceu o Brasil de Fato. Seu ato de lançamento se transformou numa grande festa com a presença de mais de 7 mil militantes sociais, durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em 2003. Para tocar o jornal, foi montada uma equipe de jornalistas comprometidos com o projeto. E todos fomos à luta. Nos últimos dois anos e meio, o jornal sobreviveu graças a uma grande disposição de transpor os obstáculos que qualquer veículo da imprensa independente enfrenta, incluindo boicotes de todo tipo. Apesar de tudo, estamos
resistindo! Mas, neste momento, estamos precisando de apoio extra para driblar as dificuldades resultantes da concentração do poder econômico e do aumento dos custos de produção do jornal. O Brasil de Fato depende da valiosa contribuição de seus assinantes. Só assim vamos manter um veículo de imprensa independente e de esquerda. Mesmo elogiado por todos, tanto por sua linguagem quanto por sua linha editorial, o Brasil de Fato precisa aumentar o número de assinaturas para seguir adiante. Por isso, apelamos para sua consciência e seu compromisso pessoal. Se você ainda não é assinante, faça a sua assinatura. Se é assinante, conquiste mais uma assinatura com um (a) amigo (a). Se você é vinculado (a) a algum sindicato ou movimento, coloque nosso pedido na pauta da reunião da diretoria, para que a instituição faça assinaturas coletivas. Contamos com seu apoio. Conselho Editorial do Brasil de Fato
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Dizer, fazer e comunicar a Paz Marcelo Barros Nesta semana preparatória ao 21 de setembro que a Organização das Nações Unidas (ONU) consagra como “Dia Internacional da Paz”, acontece na Itália um encontro que tem poucas chances de ser divulgado nos meios de comunicação dominados pelos poderosos do mundo. Nestes dias, em Perúgia, (Itália), organizações civis de todo o mundo e pessoas amantes da paz reúnemse na 6ª Assembléia da “ONU dos Povos”. Em Ferni, perto de Perúgia, reúne-se a 2ª Assembléia da “ONU da Juventude” com o tema “Dizer, fazer e comunicar a Paz”. Não é por acaso que estes dois encontros internacionais da sociedade civil coincidam com a reunião dos chefes de Estado da ONU em Nova York para celebrar os 60 anos das Nações Unidas e rever, após cinco anos, as Metas do Milênio, através das quais a ONU prometia que até 2015, diminuiria pela metade a pobreza no mundo. Na sede da ONU, os governantes do mundo constataram que, nestes cinco anos, o abismo entre ricos e pobres aumentou tanto que as Metas do Milênio já não poderão ser cumpridas. Ficou claro que, de todos os continentes, é a América Latina
que, atualmente, tem os mais altos índices de desigualdade social. Na maioria dos paises do continente, a desigualdade econômico-social é muito maior neste 2005 do que na década de 1970. O número de latino-americanos pobres atinge 224 milhões, dos quais 58 milhões (18% da população) vivem na pobreza considerada extrema. Em Perúgia, a Assembléia da ONU dos Povos, nesta sua sexta assembléia, tomou os mesmos temas e agenda da reunião dos governantes na ONU, para expressar ao mundo os pontos de vista, preocupações e propostas da sociedade civil: luta contra a pobreza, construção da paz, fortalecimento da ONU e da democracia internacional. Uma comissão de jovens decidiu fazer nos mesmos dias a Assembléia da ONU dos Jovens. Expressaram que a maior preocupação da juventude mundial é “trabalho e democracia para um mundo mais justo”. “Nós, jovens, queremos ser, nós mesmos, construtores do nosso futuro”. A assembléia partiu de questões formuladas pelos jovens: “Será que terei um trabalho digno?” “Quem decide minha vida e meu futuro?” “Como estão sendo tomadas estas decisões?” “De que modo posso
construir um mundo mais justo do que este que recebi da geração que me precede?” As duas assembléias foram encerradas no domingo 11, com uma grande marcha pela Paz e pela Justiça. No século 13, Francisco de Assis percorria o caminho, de Perúgia a Assis, reconfortando pobres e doentes e comunicando a todos o amor divino. Agora, esta marcha anuncia que a paz não só é possível, como, em grande parte, depende de todos nós. No Brasil, no domingo 23 de outubro, o povo brasileiro não fará uma marcha pela paz por estradas convencionais, mas irá às urnas para confirmar pelo voto se o Estatuto do Desarmamento deve continuar em vigor, em sua totalidade. Ao votar para que a produção e comercialização de armas de fogo continuem proibidas em todo o país, estaremos dizendo sim ao desarmamento e aprofundaremos o tema da ONU dos Jovens: “Dizer, fazer e comunicar a Paz”. Marcelo Barros é monge beneditino. É autor de 27 livros, entre os quais está no prelo A Vida se torna Aliança, (Como orar ecumenicamente os Salmos), Ed. CEBI-Rede da Paz, 2005
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NACIONAL CRISE POLÍTICA
A caixa preta dos fundos de pensão Marcelo Netto Rodrigues da Redação
U
m “acordão” entre o PT e o PSDB para limitar as cassações dos 16 deputados e evitar que as investigações cheguem aos fundos de pensão está sendo costurado no Congresso. A manobra, de alto risco, alimenta a hipótese de que os alegados empréstimos realizados pelo publicitário Marcos Valério para abastecer o chamado “mensalão” podem esconder, na prática, movimentações irregulares e ingerência nos fundos de pensão por parte de integrantes do governo. O acordo, segundo corre nos bastidores, visa preservar preliminarmente: Antônio Palocci, José Dirceu, Luiz Gushiken e Cássio Casseb (pelo lado do PT) e Pimenta da Veiga, Andrea Calabi e Eduardo Azeredo, que ficou de fora da lista das CPI’s apesar de também ter recebido dinheiro de Marcos Valério (pelo lado do PSDB). Todos, exceto Azeredo, estão envolvidos com o banqueiro Daniel Dantas, do banco Opportunity, que entre outros negócios, é sócio dos fundos de pensão e do Citigroup nas empresas Telemig e na Amazônia Celular, justamente duas empresas que repassaram R$145 milhões a Marcos Valério – motivo pelo qual Dantas foi chamado a depor nas CPI´s dos Correios e do Mensalão, no dia 21. Pimenta da Veiga, ex-ministro das Comunicações de FHC (que teve Valério como avalista em um empréstimo de R$ 152 mil com o banco BMG, em 2004), e Andrea Calabi, ex-presidente do Banco do Brasil à época do processo que ficou conhecido como “privataria”durante o governo FHC – quando os fundos de pensão,
Antonio Cruz/ ABR
PT e PSDB costuram acordo para tentar afastar investigações que comprometem caciques dos dois partidos
CPI dos Correios quer convocar Gushiken para investigar a sua intervenção nos fundos de pensão ligados a estatais
incluindo a Previ (do Banco do Brasil) foram usados para comprar empresas brasileiras na privatização – estariam blindados pelo governo. Isso apesar de Pimenta e Calabi terem à época ajudado o Opportunity, de Dantas, a obter o controle da Brasil Telecom, mesmo com apenas 10% das ações contra 45% dos fundos de pensão.
PRESSÃO Não trazer à tona a relação fraudulenta dos fundos de pensão com a privataria parece ser a moeda de troca oferecida pelo PT para o PSDB.
OBRA DE MALUF
Nesse suposto acordo, os tucanos não encampariam as acusações de Dantas contra Palocci, Dirceu, Gushiken e Casseb (presidente do Banco do Brasil na gestão Lula até novembro de 2004 e ex-vice-presidente do Citibank no Brasil) – todos são acusados pelo banqueiro de agir politicamente, com sucesso, para que o Opportunity perdesse o controle da Brasil Telecom, convencendo o Citibank a se opor ao banqueiro. A CPI dos Correios quer convocar o ex-ministro Luiz Gushiken para investigar a sua intervenção
nos cinco maiores fundos de pensão ligados a estatais: Previ (Banco do Brasil), Funcef (Caixa Econômica Federal), Postallis (Correios), Real Grandeza (Furnas) e Petros (Petrobras), que juntos somam um patrimônio de R$ 120 bilhões. Todos esses fundos também aparecem como investidores dos mesmos bancos utilizados por Valério – o Rural e o BMG.
FRAGILIDADE Apesar de tantas teias que se entrelaçam, o professor de ética e filosofia política da Unicamp, Roberto
Romano, levanta dúvidas sobre tal acordo, apesar de não o descartar. “Isto só é possível se os dois inimigos estiverem na mesma situação, mas que garantias o PT tem de que não vão surgir mais denúncias como a do irmão do Palocci ? Até que ponto o Azeredo tem hegemonia in contest entre os tucanos?”, pergunta Romano. O filósofo se refere à acusação contra Ademar Palocci, irmão do ministro da Fazenda, de tráfico de influência para favorecer a seguradora Interbrazil em contratos bilionários com estatais. A empresa teria sido também seguradora da Leão Leão, empresa de coleta de lixo acusada de pagar propina ao então prefeito de Ribeirão Preto, Antônio Palocci. Após o nome de seu irmão ter sido cogitado para depor na CPI dos Correios, o ministro da Fazenda ameaçou renunciar e conseguiu barrar a convocação. Além disso, Romano lembra que um acordo deste tipo entre PT e PSDB seria um prato cheio para o PFL, que está à espreita, na figura exemplar da “personalidade autoritária” de ACM Neto – citando o livro sob este título do filósofo alemão Theodor Adorno: “Apesar de o PFL jogar com o PSDB, ele não o perdoa, como escreveu o sociólogo Francisco de Oliveira, porque as privatizações promovidas pelos tucanos tiraram as estatais das mãos do PFL e das oligarquias regionais”. Sob outra perspectiva, o pacto entre PT e PSDB já existiu, na visão de Romano, com relação ao foro privilegiado a ex-autoridades e autoridades (que semana passada foi considerado inconstitucional pelo Superior Tribunal Federal). “Fernando Henrique visava não ser processado pelas privatizações, enquanto Lula queria se precaver contra possíveis denúncias que venham a aparecer com a crise”.
GREVE
Igor Ojeda da Redação A prisão de Paulo Maluf, dia 10, “é a resposta a uma expectativa de anos de que os corruptos paguem pelos seus atos. Simboliza o encerramento de um ciclo de impunidade que no caso dele durou décadas”, avalia o deputado estadual Renato Simões (PT-SP). Conhecido como o político dono do estilo “rouba, mas faz”, principalmente por seus próprios eleitores, tudo indica que desta vez o ex-prefeito de São Paulo não tem para onde fugir, já que os indícios de desvios de dinheiro público estão cada vez mais explícitos. Paulo Maluf e seu filho, Flávio, entregaram-se à Justiça após a juíza da 2ª Vara Criminal de São Paulo, Sílvia Maria Rocha, ter aceito os pedidos de prisão preventiva, feitos pela Procuradoria da República, que entendeu que eles poderiam atrapalhar as investigações. Gravações feitas pela Polícia Federal mostraram que Flávio Maluf tentou coagir Vivaldo Alves, o doleiro Birigüi – que teria operado as contas no exterior para a família –, a não revelar detalhes da relação à polícia.
OS CRIMES Pai e filho são acusados de formação de quadrilha, evasão de divisas, corrupção passiva, lavagem de dinheiro. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), entre 1997 e 1998 a Prefeitura de São Paulo, então sob o comando de Celso Pitta, pagou cerca de R$ 57 milhões à construtora Mendes Júnior. O dinheiro recebido pela empresa era direcionado a subem-
preiteiras “laranjas”, que devolviam 90% do valor ao ex-diretor da construtora Simeão Damasceno de Oliveira, após pagamento de serviço por notas frias. O dinheiro devolvido era enviado ao exterior por Birigüi. O doleiro afirmou ter movimentado pelo menos 141 milhões de dólares de Maluf e do filho, pela conta Chanani, do Safra National Bank de Nova York (EUA). A ligação entre a construtora e a conta bancária Chanani ficou comprovada quando o MPF apresentou à Justiça uma comparação entre os valores pagos pela prefeitura à empresa e o montante depositado no banco de Nova York. Os números batem, até nos centavos. Além disso, segundo Clair Hickmann, diretora de estudos técnicos do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Unafisco Sindical), Maluf poderá responder por sonegação fiscal. A Unafisco vai encaminhar uma representação para o MPF, que dará início à acão penal. “Ele se locupletou de dinheiro público, de forma ilícita, e com isso aumentou seu patrimômio pessoal”, afirma Clair. De acordo com ela, na teoria, esse acréscimo de patrimônio deveria ser declarado e tributado pelo Fisco, independentemente de Maluf ter enviado tais recursos ao exterior. Paulo e Flávio Maluf prestariam depoimento à Justiça Federal, dia 21, no dia seguinte ao fechamento desta edição. Para dia 22, eram esperados os depoimentos de Birigüi e Simeão Damasceno de Oliveira, ex-diretor da construtora Mendes Júnior.
Luís Brasilino da Redação O dia 28 será decisivo para a educação paulista. Estudantes, funcionários e docentes das três universidades estaduais prometem se somar aos alunos e professores do ensino médio e fundamental num grande ato para pressionar a Assembléia Legislativa a derrubar veto do governador Geraldo Alckmin ao aumento de verbas da educação. A concentração está marcada para as 13 horas no vão livre do Masp, na Avenida Paulista. De lá, partirá “o maior ato que já promovemos”, nas palavras de Magno de Carvalho, diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade de São Paulo (Sintusp). Tudo porque, na mesma data, a Assembléia deve votar a cassação do veto de Alckmin que impediu o aumento de um ponto percentual (de 30% para 31%) no repasse de recursos proveniente de impostos para a educação, aprovado pelos deputados dia 7 de julho. Além disso, o tucano também barrou a elevação de 0,43 ponto percentual (de 9,57% para 10%) na parcela do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) destinada às universidades e a vinculação de 1% do mesmo tributo ao Centro Paula Souza, de ensino técnico e tecnológico. “O governador argumenta que a mudança privilegiaria apenas o ensino superior, em detrimento dos demais. Mas o aumento que reivindicamos é para toda a educação. Outro argumento de Alckmin é que a elevação dos recursos para educação acarretaria prejuízo para
Daniel Garcia
Enfim, a cadeia Trabalhadores da educação e por desvio de dinheiro público estudantes prometem ir às ruas de SP
Pressão contra o veto de Alckmin ao aumento de verbas da educação
os demais setores, já que teria de tirar da saúde, por exemplo”, analisa Rodolfo Vianna, diretor do Diretório Central dos Estudantes da USP.
CORREIOS Depois de seis dias em greve, cerca de 75 mil trabalhadores (70% da categoria, segundo o sindicato) da Empresa de Correios e Telégrafos receberam, dia 20, proposta conciliatória do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Nos próximos dias, assembléias vão decidir se um aumento de 8,5%, abono linear de R$ 800 e reajuste de 3,61% em fevereiro de 2006 serão suficientes para encerrar a paralisação. A reivindicação inicial é de aumento real de 20%, correção de 6,57% da inflação e elevação do piso de R$ 448 para R$ 931. Segundo a Federação Nacional dos Trabalhadores dos Correios, a proposta é perfeitamente factível se for reduzida a disparidade entre os vencimentos pagos pela empresa. Enquanto dois mil funcionários co-
missionados consomem 70% da folha de pagamento, 109 mil empregados dividem os 30% restantes. Os Correios perderam R$ 20 milhões por dia de greve e usaram de todos os expedientes para impedir a mobilização. “Contrataram 4 mil temporários, os grevistas sofreram assédio moral com ligações às suas esposas para ameaçar com demissão e intensa repressão da Polícia Militar aos piquetes”, conta Márcio José Pereira, diretor de imprensa e divulgação do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios e Telégrafos de São Paulo.
BANCO CENTRAL A paralisação dos servidores do Banco Central (BC) cresceu, dia 20, e superou os 33% de adesão do dia anterior, o primeiro da greve. Eles reivindicam reajuste linear de 57% para os 4,6 mil funcionários da instituição, sendo 15% emergenciais, mais plano de cargos, carreiras, salários e benefícios, plano de saúde, além de melhorias institucionais.
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De 22 a 28 de setembro de 2005
Espelho Obrigação social 1 A 7ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) condenou a Rede Globo de Televisão, dia 14, a pagar R$1,35 milhão aos donos e ao motorista da Escola Base, por danos morais, devido à denúncia infundada ocorrida em 1994. Na época, depois que a TV veiculou reportagens sobre o abuso sexual de crianças, os denunciados tiveram a escola depredada, foram levados à falência, ameaçados de morte e perderam tudo o que tinham. Obrigação social 2 A 6ª Câmara do TJSP já havia condenado o jornal Folha de S. Paulo a pagar uma indenização de R$750 mil pelo mesmo motivo, e o jornal O Estado de S. Paulo, R$250 mil. Da mesma forma, a 10ª Câmara do TJSP também condenou a revista Isto É a pagar uma indenização de R$200 mil para cada um dos denunciados. Todas as empresas recorreram para instância superior e não reconheceram publicamente o seu erro. Instrumento futuro No debate realizado pela Rádio CBN, dia 16, o candidato a presidente do PT, Plinio Arruda Sampaio deixou claro o seguinte: “O Partido dos Trabalhadores é a coisa mais importante que o povo brasileiro construiu ao longo da história, mas é um instrumento para a sua luta. No momento em que esse instrumento não servir mais, o povo deve deixar ele de lado e construir outro”. Para bom entendedor, meia palavra basta. País surrealista Não tinha nem três dias de prisão, o empresário Paulo Maluf, um dos maiores assaltantes dos cofres públicos da história do Brasil, recebeu visitas de amigos e parentes, ganhou pratos de quitutes árabes e deu entrevista exclusiva à TV Bandeirantes, emissora que sempre apoiou suas façanhas. E ele ainda reclamou da baixa qualidade dos serviços da carceragem da Polícia Federal. Reação midiática O PT divulgou nota, dia 19, manifestando sua indignação contra a campanha de denúncias que atinge o partido. Prometeu “iniciar mobilizações regionais articuladas com o Diretório Nacional, visando esclarecer a opinião pública sobre os objetivos do denuncismo em curso, inclusive estabelecendo diálogo com aqueles órgãos de comunicação regionais e nacionais que não estejam inseridos voluntariamente nesta campanha de massificação totalitária da opinião contra o governo Lula e o PT”. O partido demonstra que ainda não entendeu como funciona a imprensa burguesa. Maldição química Acusada da prática de crimes ambientais nos Estados Unidos, a empresa estadunidense Monsanto tem sido danosa também no Brasil. Primeiro fez contrabando de sementes transgênicas de soja, depois corrompeu parlamentares para aprovar a liberação dos transgênicos. Agora, para melhorar sua imagem pública, resolveu criar um projeto de cinema para populações do interior. Só que os filmes são todos do pior nível cultural. E ainda por cima com o dinheiro público. Pirataria legalizada O engenheiro Reynaldo Andersen Pellegrini, do Instituto Tecnológico da Aeronáutica, em artigo divulgado pelo Consultor Jurídico, informa que o Speedy da Telefônica não passa de uma grande farsa, já que o sistema utilizado no Brasil é obsoleto para o funcionamento rápido da internet. Segundo Pellegrini, bastaria usar um aparelho mais barato para conseguir o mesmo efeito – sem a necessidade de pagar mensalidades. Piratas! Dica de leitura Já está em circulação a revista SEM TERRA número 32, de setembro-outubro, com reportagens sobre os caminhos das esquerdas (PT, PSOL, PSTU etc), a ação educacional do MST, uma análise do modelo econômico, as novas táticas do Exército Zapatista e uma entrevista com o lendário Apolônio de Carvalho. Contatos pelo telefone (11) 3361-3866 ou pelo email revista@mst.org.br
20 anos de luta pela igualdade Conselho Nacional dos Direitos da Mulher comemora avanços e inicia pesquisas Benedito Mendonça e Irene Lôbo de Brasília (DF)
O
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, que completou 20 anos dia 15, reafirmou o compromisso de fazer o “controle social e o acompanhamento das políticas dirigidas à conquista da igualdade entre homens e mulheres” no Brasil, segundo a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), em entrevista à Rádio Nacional. A ministra lembrou que, nesse período, aumentou a visibilidade do problema da violência contra a mulher e, conseqüentemente, o nível de consciência da população: “Este ano também comemoramos os 20 anos de criação da primeira delegacia especializada de atendimento à mulher. Foi o primeiro instrumento da sociedade para combater a violência contra a mulher”. Entre as conquistas do conselho, Nilcéa citou a inscrição, na Constituição, da perspectiva da igualdade entre homens e mulheres, passando pela ampliação da participação política das mulheres com uma cota de 30%. Iaris Cortes, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), contou que, na área dos direitos da família, houve conquistas em 1988, quando se estabeleceu que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações sobre os filhos. Antes da Constituição, o poder era do pai. Na área trabalhista, a assessora aponta a vitória da licença maternidade de 120 dias. A professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Clair Castilho, que já foi integrante do Conselho, avaliou que o melhor momento das conquistas femininas será a aprovação do projeto de lei que deixa de considerar o aborto um crime, quando autorizado pela mulher. “Estou certa de que esse projeto será aprovado no parlamento, marcando a atuação do Brasil na América Latina, com esse avanço na legislação”, disse ela. O Conselho coloca, ainda, como desafio, a defesa de oportunidades iguais para as mulheres no mercado de trabalho, “de maneira a ampliar sua autonomia econômica
ESCRAVIDÃO
STF nega habeas corpus a fazendeiro no PA da Redação O fazendeiro Aldimir Lima Nunes, acusado de utilizar trabalho escravo em fazendas no Pará, teve habeas corpus negado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A Justiça decretou a prisão preventiva de Nunes este ano, porém ele continua foragido. Além de uso de trabalho escravo, o fazendeiro é acusado de formação de quadrilha, sonegação de impostos, invasão de terra pública e destruição de floresta. Apesar das tentativas da defesa de revogar a prisão sob o argumento de falta de fundamentos, o relator do habeas corpus, ministro Gilmar Mendes, afirma que “existem razões suficientes para a manutenção da prisão”. Mendes também ressalta que o fazendeiro é acusado de pertencer a uma quadrilha que utiliza pistoleiros para apropriação de enormes extensões de terra e que intimidam e executam pessoas para esse fim. Segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), no Brasil existem mais de 25 mil pessoas que vivem sob condições de trabalho escravo, principalmente nos Estados do Mato Grosso e do Pará.
Conselho Nacional de Mulheres reafirma compromisso de fazer o controle social das políticas públicas voltadas aos público feminino
as relações de gênero e promover a participação das mulheres nas áreas das ciências e carreiras acadêmicas – hoje predominantemente masculinas. O programa abrange três tipos de incentivo: um edital de pesquisa, o Concurso Nacional de Redações e Trabalhos Científicos Monográficos e o Encontro Nacional de Núcleos e Grupos de Pesquisa sobre Questões de Gênero. O edital de pesquisa, lançado em 15 de agosto, prevê R$ 1,2 milhão para pesquisas sobre gênero. “Esperamos muito tempo por esse tipo de financiamento. É realmente um grande avanço. É também pensar a mulher dentro da ciência
e permitir que elas exerçam a plena cidadania”.
FINANCIAMENTO A PESQUISAS Além dos debates e da posse das novas conselheiras, que marcaram as comemorações, em Brasília, o aniversário do Conselho foi prestigiado com o lançamento de um programa de incentivo à produção de pesquisas e estudos sobre as desigualdades de gênero. Uma parceria da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres com o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e o Ministério da Educação (MEC), o programa Mulher e Ciência vai estimular a produção científica sobre
e tecnologia e refletir até que ponto as mulheres estão conseguindo entrar nessa carreira”, diz Lia Zanota, representante da Rede Nacional Feminista de Saúde no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. O edital estará disponível para inscrições até 17 de novembro e podem participar pesquisadores de ambos os sexos vinculados a instituições de ensino superior ou a institutos e centros de pesquisa e desenvolvimento, públicos ou privados, sem fins lucrativos. As inscrições podem ser feitas pela página da internet www.cnpq.br/ serviços/editais (Agência Brasil, www.radiobras.org.br)
JURISTA
Dallari defende democracia direta Glauco Faria de São Paulo (SP) Aperfeiçoar os mecanismos de participação direta já previstos na Constituição. Para o jurista Dalmo Dallari, essa deve ser uma das prioridades em um momento em que a democracia representativa mostra sérias limitações. “Precisamos vencer a resistência dos ACMs da vida, que detestam a idéia de que a população participe mais, e também os intelectuais que se mascaram de esquerda mas não acreditam nas decisões do povo”, afirmou Dallari durante a comemoração de quatro anos da revista Fórum, dia 14, em São Paulo. Segundo o jurista, as elites tradicionais manobram para impedir o uso dos princípios constitucionais que garantam o fortalecimento da cidadania, entre eles aqueles que prevêem a participação direta: “O neocoronelismo quer barrar os avanços que conseguimos em 1988”. Ele cita como exemplo o fato de a Constituição ter sofrido diversas alterações em pouco tempo, especialmente no período de Fernando Henrique Cardoso. “A carta constitucional norte-americana sofreu 27 alterações desde 1787, enquanto a nossa, apenas durante o governo de Fernando Henrique, teve 35 emendas”, esclareceu. Para Dallari, não devem ser pensados apenas instrumentos como o plebiscito, o referendo e a lei de iniciativa popular, mecanismos clássicos de democracia direta, mas também a participação em conselhos e associações. “Claro que esses expedientes são muito recentes na história política brasileira e existem algumas dificuldades, mas podemos participar também por meio de associações”, defendeu. “Eu mesmo sou diretor da associação de moradores da Vila Nova Conceição. Posso me considerar um dos responsáveis pela expulsão da Daslu de lá”, brincou. Sobre a crise política, Dallari alertou que os intelectuais, ao
Revista Fórum
da Redação
MULHER
Elza Fiúza/ABr
da mídia
NACIONAL
Dalmo Dallari (segundo da direita à esquerda) participa de debate da Fórum
contrário do que prega a grande imprensa, não estão calados, eles simplesmente não são ouvidos quando não convém. “Às vezes, alguns ex-alunos meus que trabalham em grandes veículos me pedem entrevista, mas já aviso: é perda de tempo porque o editor vai lá e veta”, explicou. Ele também destacou o fato de que alguns jornais, como a Folha de S.Paulo, se recusam a publicar seus artigos. “Atualmente, só escutam aqueles que falam o que lhes interessa. Se eu desse uma entrevista para falar mal do PT ou do governo teria páginas inteiras”, ironizou. Dallari criticou o modo como as denúncias de corrupção têm sido tratadas tanto pela mídia quanto
pelo Congresso. “O que sempre ouvimos falar é que o setor público é corrupto, mas nunca chegamos nos corruptores. Precisamos dizer que os beneficiários desses esquemas são as grandes empresas”, ponderou. Ele ataca, ainda, a delação premiada: “Isso é um mecanismo imoral, falase até que Roberto Jefferson poderia ser beneficiado. É um absurdo”. Para o jurista, é necessário haver maior fiscalização da classe política, adotando-se até critérios semelhantes àqueles empregados para admissão no serviço público. “Para ser porteiro ou ocupar um outro cargo dentro de uma repartição é preciso ter uma atestado de idoneidade moral. Por que o deputado e o senador não precisam?”, questionou.
Fórum faz quatro anos A revista Fórum, publicação inspirada no Fórum Social Mundial, comemorou quatro anos, dia 14, com a palestra do jurista Dalmo Dallari e a apresentação de seu conselho editorial, formado por representantes da sociedade civil. Para o editor Renato Rovai, a formação do conselho é mais um passo rumo ao diálogo permanente com as entidades que apóiam e colaboram com a revista. “A Fórum nasceu para ser um projeto coletivo e nosso objetivo é intensificar ainda mais a participação dos mais variados setores sociais na elaboração da revista”, defendeu. Outra novidade da edição de aniversário, que tem como principal entrevistado o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, é que a Fórum passa a ser a primeira publicação distribuída em bancas feita totalmente em papel reciclado. (GF)
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NACIONAL ELEIÇÕES NO PT
Votação expressiva e segundo turno A
eleição interna para a direção do PT, dia 18, superou as expectativas, ao levar cerca de 295 mil pessoas às urnas. Dos 820 mil filiados, 40% compareceram, somando mais que o dobro do quorum mínimo estipulado pelo estatuto do partido. Tanto a coordenação nacional do Processo de Eleições Diretas (PED) quanto os candidatos consideraram o comparecimento um sucesso. “O resultado mostra a força do partido. Após mais de cem dias de ataques terríveis, ele ainda mobiliza milhares de pessoas para votar”, avalia Plinio Arruda Sampaio, candidato da Ação Popular Socialista (APS). A terceira parcial, divulgada às 19h do dia 20, no fechamento desta edição, apresentou o candidato do Campo Majoritário (CM), Ricardo Berzoini, com 42,4% dos votos; Valter Pomar, da corrente Articulação de Esquerda (AE), com 15,4%; Raul Pont, da Democracia Socialista (DS), com 14,5%; Plinio Arruda Sampaio, da Ação Popular Socialista (APS), com 13%; Maria do Rosário, do Movimento PT, com 12,6%; Markus Sokol, de O Trabalho, com 1,4%, e Gegê, liderança do movimento de moradia de São Paulo, com 0,7% dos votos válidos. De acordo com essa apuração parcial, não é possível prever quem estará com Berzoini no segundo turno, a ser realizado no dia 9 de outubro. Mas o presidente do partido, Tarso Genro, aposta em Pomar ou Pont. Pela primeira vez em dez anos, o candidato a presidente do CM não atingiu a maioria absoluta da votação e irá disputar o segundo turno. O fato de um candidato da oposição ao Campo Majoritário chegar ao segundo turno indica um desejo de mudança por parte da base do partido, na opinião dos seis candidatos oposicionistas, que declaram, como objetivo comum, derrotar Berzoini. “Decretamos o fim do reinado de dez anos do Campo Majoritário”, avalia o candidato Valter Pomar. De acordo com ele, todas as candidaturas de esquerda cresceram, desde o PED
P-Sol obtém registro no TSE da Redação
Presidente do PT, Tarso Genro, reúne-se com bancada na Câmara: partido fragilizado
de 2001, o que seria perceptível na votação das chapas, que, apesar de terem atraído menos votos do que os presidenciáveis de esquerda, tiveram uma votação proporcionalmente ascendente.
FRAUDES Se, por um lado, os petistas comemoram a participação da militância no PED, por outro, supostas fraudes nas eleições internas foram alvo de duras críticas de candidatos. As principais denúncias envolvem transporte de filiados para votação e pagamento de contribuições partidárias para militantes que estavam em débito. O candidato Raul Pont considera tais práticas “lamentáveis e inaceitáveis”. “O ato de filiação partidária tem que ser consciente e voluntário”, diz. Para Pont, buscar pessoas para participar de uma eleição interna de partido é uma demonstração de “fragilidade ideológica e programática”. As irregularidades na votação do dia 18 podem levar a um racha na coalizão das forças de esquer-
POVOS INDÍGENAS
Mais uma ameaça se consuma J. Rosha de Manaus (AM) Impunidade, lentidão da Justiça na apuração de crimes contra indígenas e desaparelhamento da Polícia Federal contribuíram para que mais uma ameaça contra os povos indígenas de Roraima se consumasse. Na madrugada do dia 17, mais de 150 homens encapuzados e armados invadiram o Centro de Formação Indígena de Surumu, a cerca de 230 quilômetros de Boa Vista. Destruíram a escola, a igreja, o hospital, agrediram indígenas e um professor de mecânica. O atentado aconteceu quatro dias antes da festa comemorativa da homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, que vai até o dia 25, em Maturuca, a cerca de 140 quilômetros de Surumu. O Conselho Indígena de Roraima (CIR) considerou que os responsáveis podem ser os mesmos que participaram de outros atos de violência – como o do dia 6 de janeiro do ano passado, quando três missionários e um grupo de alunos foram seqüestrados e mantidos reféns por quatro dias na maloca do Contão, local que tem sido reduto de indígenas contrários à homologação e aliados dos rizicultores e outros grupos contrários
aos índios. Apesar do clima de tensão, quatro ônibus e outros veículos pequenos seguiram para a festa em Maturuca, onde são esperadas aproximadamente dez mil pessoas. Ao contrário do que era previsto, a caravana não teve escolta da Polícia Federal. Em várias ocasiões, lideranças do CIR mantiveram contato com a Superintendência da Polícia Federal e foram informadas das dificuldades de recursos humanos para efetivar a segurança na terra indígena. Os grupos contrários à homologação tentam confundir a opinião pública. Primeiro, plantaram nos meios de comunicação a tese de que os conflitos eram estimulados pela Igreja Católica a serviço da internacionalização da Amazônia. Depois, argumentaram que a homologação expulsaria mais de 15 mil pessoas das cidades localizadas no interior da reserva. Agora, sugerem que os próprios índios estariam por trás da violência pois nem todos querem a homologação. No entanto, as comunidades lideradas por indígenas articulados com rizicultores representam menos de dez por cento do total existente em Raposa Serra do Sol, conforme mapeamento do CIR.
da. Como as práticas de quitação de dívidas teriam ocorrido na cidade de São Paulo, reduto do ex-secretário da ex-prefeita Marta Suplicy, Jilmar Tatto – que era candidato a presidente estadual do PT pelo Campo Majoritário e declarou apoio a Valter Pomar – Plinio Arruda Sampaio revelou que não vai apoiar Pomar no segundo turno. De acordo com Sampaio, a tática do CM foi fazer com que, num segundo turno com Pomar, o eleitor “vote em seis ou no meia dúzia. Assim, de uma maneira ou de outra, eles conseguem se perpetuar no poder. Isso é o uso da máquina”. O petista acredita
que, ao final do PED, foi possível constatar que “o Campo Majoritário não aprendeu nada com a crise. Eles continuam a usar os mesmos métodos”. Sobre as denúncias de irregularidades, Pomar reconhece que o problema atinge todas as chapas, mas acredita ser natural que, “numa eleição com 800 mil filiados, haja problemas e desrespeitos pontuais ao estatuto e regulamento interno”. O candidato da Articulação de Esquerda afirma que gostaria de ter o apoio de Sampaio, caso vá para o segundo turno com Berzoini: “No momento, temos que estar juntos contra o Campo Majoritário”.
O Partido Socialismo e Liberdade (P-Sol) anunciou, dia 19, a homologação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do seu registro definitivo. A legenda, agora, tornou-se a 29ª agremiação partidária a conseguir o registro nacional. Foram recolhidas assinaturas de 820 mil eleitores em 10 Estados brasileiros, superando os 427 mil nomes exigidos pela lei. A partir da decisão, o P-Sol receberá recursos do Fundo Partidário, participará das eleições e terá direito ao horário político gratuito. O número do partido será o 50. A homologação foi anunciada pela senadora Heloísa Helena (AL), em depoimento emocionado no Congresso em que se referiu em tom elogioso ao TSE por não colocar empecilhos ao registro do partido. “Vocês sabem como é: quem não quer, encontra um punhado de detalhes burocráticos para impedir que um processo vá à frente”, disse. De acordo com declarações do secretário-executivo do PSol, Martiniano Cavalcanti, a legenda quer se apresentar como a opção das esquerdas e já decretou guerra ao PT. “Consideramos inimigos todos os partidos que governaram o país desde a ditadura, que governaram para as elites. Especialmente o PT”, declarou Cavalcante à Agência Carta Maior.
PRIVATIZAÇÃO
STF: banco privado não pode monopolizar conta pública Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO) Se confirmada em seu mérito, decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pode alterar a privatização de bancos estaduais e até levar à revisão dos leilões de venda já realizados. No dia 14, o plenário do STF decidiu, por unanimidade, que instituições privadas não podem administrar contas públicas de governos estaduais, cancelando a vigência do parágrafo primeiro do artigo 4º da Medida Provisória (MP) 2.192-70, de 2001. Tal parágrafo garantia aos futuros compradores dos bancos virtual monopólio das contas do setor público estadual, Distrito Federal, municípios, demais órgãos públicos e estatais, até o fim de 2010. Autorizava, ainda, o depósito nos bancos privatizados de disponibilidades de caixa, decorrentes da arrecadação de impostos, destinadas ao pagamento de salários do funcionalismo e outros pagamentos. Assim, os bancos privatizados continuariam exercendo as mesmas prerrogativas asseguradas pela Constituição exclusivamente a bancos públicos. Por isso mesmo, o STF considerou a MP inconstitucional, acolhendo ação movida pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), em decisão ainda liminar (provisória). O partido questiona, especificamente, a legislação adotada para orientar a privatização do Banco do Estado do Ceará (BEC), cujo leilão fora confirmado para o dia 15 pelo Banco Central (BC). Face à decisão do Supremo, porém, foi suspenso. O mérito da ação deve ser ana-
Arquivo JST
Tatiana Merlino da Redação
Wilson Dias/ ABR
Presença de 40% satisfaz candidatos, que articulam aliança de oposição para derrotar Berzoini
Decisão de Sepúlveda Pertence pode alterar a privatização de bancos estaduais
lisado em breve pelos ministros do STF, mas a liminar permite antever certa disposição para acatar os argumentos do PC do B. Relator do processo, o ministro Sepúlveda Pertence concordou parcialmente com a tese defendida pela ação, segundo a qual o dispositivo questionado fere o parágrafo 3º do artigo 164 da Constituição Federal. Com base nesse artigo, as disponibilidades de caixa dos Estados e dos órgãos ou entidades públicas e das empresas por ele controladas devem ser depositadas em instituições oficiais, salvo casos previstos em lei. Quatro bancos estaduais foram privatizados depois da edição da MP 2.192-70 (do Maranhão, Amazonas, Goiás e Paraíba). Todos esses casos podem ser revistos, se o STF confirmar sua decisão ao analisar o mérito da ação proposta
pelo PC do B. Naqueles casos, a transferência das contas dos Estados aos novos controladores foi também referendada por leis estaduais. Analisando o caso do BEC, Pertence aponta que o governo do Ceará não teria “competência para estabelecer exceções à regra constitucional”, como fizeram os governos dos outros quatro Estados. Relator da ação, o ministro afirmou, ainda, em nota, que o “monopólio da conta única do Estado também fere o princípio da moralidade, ao promover o favorecimento indevido de instituições privadas e violar a regra constitucional de licitação pública”. E prosseguiu: “É inegável que a conta única é a real atrativa da alienação de bancos públicos, todavia, isso não pode servir de pretexto para que seja implementada”.
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NACIONAL RETRATO DO BRASIL
Fatos em foco
O paraíso é bem longe daqui
Hamilton Octavio de Souza
O agronegócio é a opção preferencial do governo petista, a renda encolhe e não há emprego
Modelo econômico 1 Os defensores do atual modelo econômico enaltecem a estabilidade cambial, inflacionária e da balança comercial; mas não se importam se o crescimento econômico é baixíssimo, a geração de empregos é insuficiente e a concentração da renda e da riqueza continuam acontecendo. Além disso, no atual modelo, o Estado não consegue investir em infraestrutura e nos serviços básicos para a população. Modelo econômico 2 A alternativa ao atual modelo implica em controle do capital especulativo, redução do juro para estimular o investimento nos setores produtivos e na geração de empregos, redução do superavit primário e maior investimento em infra-estrutura, educação e saúde. Além disso, a dinamização da economia seria dirigida para a redistribuição da renda e para a democratização do acesso aos bens públicos. Capitalismo seguro O governo federal continua preparando o terreno para a implementação das Parcerias Público-Privadas (PPPs) até o final do ano. Depois de se lambuzar com as privatizações do governo FHC, o empresariado procura abrir novas frentes para sugar os cofres públicos. As “parcerias” vão transferir recursos em investimentos sem nenhum risco para o capital. Como sempre, no Brasil, a maravilha do capitalismo é a garantia do Estado. Pesos diferentes Antes de entrarem em greve, os trabalhadores dos Correios tentaram e não conseguiram negociar com a diretoria da estatal. O tratamento dado aos grevistas é parecido com o que aconteceu nos governos de FHC, Collor e Sarney. Na verdade, a greve poderia ter sido evitada se o critério da negociação – defendido nos discursos governamentais – tivesse sido adotado com os trabalhadores. Truculência tucana Não é de hoje que o governador Geraldo Alckmin, do PSDB, adota métodos autoritários para reprimir movimentos de trabalhadores no Estado de São Paulo. Agora, mandou a Polícia Militar descer o cacete em estudantes, professores e funcionários das três universidades públicas estaduais (USP, Unicamp e Unesp), que reivindicam mais verbas para a educação. Mais um filhote do fascismo. Alerta boliviano O secretário executivo da Central Obrera Boliviana (COB), Jaime Solares, denunciou para a imprensa e para lideranças latino-americanas que está em gestação um golpe militar para impedir uma eventual vitória do candidato da esquerda na eleição presidencial de 4 de dezembro. De acordo com a última pesquisa divulgada, Evo Morales, do Movimento ao Socialismo, liderava a preferência do eleitorado.
mostram alguns indicadores apresentados nesta página. Olhando para anúncio veiculado pelo Banco do Brasil, a impressão é que o BB apóia a agricultura. Entretanto, o que se constata é que a maior instituição de crédito rural do país financia, sim, o agronegócio, muito melhor aquinhoado em empréstimos do que o universo de pequenos
produtores atendido pelo Pronaf. Os números: R$ 4,1 bilhões para oito transnacionais, R$ 6,2 bilhões para 5 milhões de pequenos agricultores. E enquanto desaba a confiança dos eleitores no Senado, na Câmara, nos partidos e nos políticos, como mostra o Ibope, entra século, sai século, os 10% dos brasileiros mais ricos se apropriam de parcela
Você confia, ou não, nas seguintes instituições? Instituição
(Em R$ milhões)
Empresas
Valores
Cargill
1.157
Bunge
904
Perdigão
625
ADM
660
Aracruz
455
Sadia
325
BASF
240
Rhodia
220
Souza Cruz
200
Seara
162
Bayer
100
Total
Nível de confiança, em %
Nos médicos
81
Na Igreja Católica
71
Nas Forças Armadas
69
Nos jornais
63
Na televisão
57
Nas rádios
56
5 milhões de pequenos produtores rurais (cerca de 1,6 milhão de contratos) obtiveram empréstimos de R$ 6.200 milhões.
Nas igrejas evangélicas
53
Nos sindicatos de trabalhadores
51
Nos advogados
48
No poder judiciário
45
...e, dentro do mesmo programa, para um universo de 580 mil famílias de assentados, ao redor de 60 mil famílias conseguiram financiamentos de menos de R$ 400 milhões.
Nos empresários
37
Na polícia
35
No Senado
20
Na Câmara
15
Nos partidos políticos
10
Nos políticos
8
Em contrapartida, comparese o volume de crédito concedido pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) a todos os pequenos agricultores do país:
60
Monsanto
cada vez maior da riqueza produzida no país. A renda per capita patina, os mais pobres gastam mais de um terço do que ganham em alimentos, continua enorme o contingente de desempregados, as condições de habitação de milhares de domicílios são impróprias, batalhões de jovens estão fora da escola e das universidades.
ELEITORES NÃO CONFIAM EM POLÍTICOS
CRÉDITOS CONCEDIDOS PELO BANCO DO BRASIL EM 2004
4.108
Pesquisa realizada entre 18 e 22 de agosto, com amostra de 2002 eleitores, de 143 municípios brasileiros.
Fonte: Anúncio do Banco do Brasil veiculado em revistas semanais
Fonte: Ibope
Brasil: alguns indicadores socioeconômicos I – Riqueza, Concentração e Exclusão Social Históricas 1. Os 10% mais ricos do Brasil controlavam
75% da riqueza
Valores bichados Agora a própria Polícia Federal do Rio de Janeiro se jogou para dentro da lixeira. No final de semana passada ganhou projeção por prender quadrilha de traficantes de cocaína; no início desta semana, o dinheiro apreendido com a quadrilha foi roubado de dentro da sede da PF.
A
considerar o discurso oficial, o Brasil sempre viveu – e vive – no melhor dos mundos. Longe de Brasília e das telinhas das TVs, porém, a vida da esmagadora maioria dos brasileiros está bem longe de padrões aceitáveis de dignidade. É o que
73% da riqueza
Caixa preta Em seu depoimento na CPI dos Bingos, o doleiro Toninho da Barcelona voltou a dizer que a CPI do Banestado, encerrada prematuramente por acordo entre PT e PSDB, tinha muito mais a revelar sobre as contas clandestinas de empresários e políticos no exterior. Além das transações ilegais feitas pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, sempre protegido pelo Planalto.
da Redação
69% da riqueza
Cruel realidade As eleições internas do PT confirmaram que o partido ainda conta com uma militância numerosa (mais de 200 mil), mas aquém do número total de filiados (acima de 800 mil), e que boa parte da militância é influenciada pela máquina partidária e pelos seus dirigentes. E que, apesar do desgaste do partido na opinião pública e da crítica dos setores de esquerda, a direção do PT continuará nas mãos do mesmo grupo e sem maiores perspectivas de mudanças.
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2. Crescimento da renda per capita
3. A desigualdade, medida pelo censo de 2000
Durante o século 19, a renda per capita cresceu, em média, anualmente, 0,30%;
De um lado, são 1.162.164 de famílias ricas, com renda familiar superior a R$ 22.487 por mês (valores de setembro de 2003), que representam apenas 2,4% da população. E cerca de 58% delas vivem no Estado de São Paulo, e quase 40% na cidade de São Paulo.
Durante a crise do final do século 19 para o século 20, a renda per capita cresceu, por ano, 0,71%; Durante o modelo de industrialização dependente 1930-1980, a renda per capita cresceu, anualmente, 3,25%;
século
Assim, uma minoria sempre controlou, desde o período colonial, a maior parte das terras, dos meios de produção, do comércio, e depois das fábricas e bancos.
A partir de 1981, com o advento da crise e, depois, do neoliberalismo, a renda per capita cresceu 0,33% ao ano.
Do outro lado, há aproximadamente 20 milhões de familias, classificadas como pobres, pois sua renda familiar é inferior a dois salários-mínimos mensais (menos de R$ 520, em valores de setembro de 2003). Esse universo representa 48% de toda população do país, ou seja 82.164 milhões de brasileiros.
II – Níveis de consumo dos pobres e dos ricos no Brasil (dados de 2002) 1. Percentual de consumo / posse de bens por tipo de bens, e condição familiar Pobres (48% da pop)
Ricos (2,4% da pop)
Total da população
81%
98%
94%
Videocassete
5%
85%
39%
Freezer
2%
55%
18%
Geladeira
70%
99%
91%
Lavadora de pratos
0,3%
31%
6%
Lavadora de roupas
12%
88%
47%
Ar condicionado
1%
27%
8%
Automóvel
4%
86%
36%
21%
54%
40%
1%
4%
3%
Bens Televisão
Bicicleta Motocicleta
2. Padrão de gasto do orçamento familiar dos pobres (renda de até dois salários-mínimos) Total: 77% do orçamento
26%*
Aluguel
9%* Transporte
9%*
Impostos municipais
33%* Alimentação *do orçamento
III – Condições de trabalho
IV – Educação
Em 1980, 2,8% da população economicamente ativa (PEA) estava desempregada, isso representava 1,8 milhão de trabalhadores;
1. No ensino médio, onde estão jovens de 15 a 17 anos, estavam em sala de aula apenas 35% da população na faixa etária correspondente.
Em 2000, havia 15% da PEA desempregada, o que representava 12 milhões de trabalhadores. Outros 25% da PEA estava no trabalho informal. Ou seja, no total cerca de 40% de toda PEA não tinha quaisquer direitos sociais garantidos. Apenas 61% dos trabalhadores têm cobertura da Previdência Social. Portanto, há 27 milhões de trabalhadores que trabalham, mas não têm cobertura da seguridade social, nem direitos trabalhistas.
V – Habitação
V – Cultura
Dos 40 milhões de domicílios existentes no país, registrados pelo IBGE, cerca de 10 milhões das habitações são consideradas insalubres, impróprias para sobrevivência humana, por se tratarem de casebres, cortiços, favelas, barracos. E destes, cerca de 2 milhões de domicílios, em especial no meio rural, não têm luz elétrica.
1. Os brasileiros lêem, em média 1,8 livro por pessoa/ano. Já em outras sociedades, como Colômbia, lê-se 2,4 livros por ano; 5 livros nos Estados Unidos e 7 livros na Europa. 2. Há, no Brasil, 17 mil bibliotecas, entre públicas e de colégios. No entanto, 60% delas se encontram nos Estados de SP, MG e RS.
2. No ensino superior, que compreende jovens de 18 a 24 anos, estavam matriculados em faculdades apenas 7,4% dos jovens da respectiva faixa etária.
3. Há, no país, apenas 3.730 salas de cinema, para mais de 5.800 cidades, sendo que 60% das salas estão, também, nos Estados de SP, MG e RS. 4. Acesso à rede internacional de computadores: dos 4,9 milhões de domicílios que possuem computadores e estão ligados à internet, 20% estão na cidade de São Paulo. E, em 2002, apenas 8,2% da população brasileira tinha acesso à internet.
Fontes: IBGE, dados brutos do Censo de 2000; IBGE, dados da Pesquisa por Amostragem de Domicílios (PNAD), 2002, publicados na coleção Atlas da Exclusão Social - 5 volumes, organizado por Andre Campos, Alexandre Barbosa, Marcio Pochmann, Ricardo Amorim e Ronnie Silva,editora Cortez, São Paulo, 2004
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De 22 a 28 de setembro de 2005
NACIONAL JUROS NAS ESTRELAS
Mais R$ 40 bilhões nos gastos da União France Presse
Redução das taxas em 0,25 pontos percentuais paga duas esfihas por mês para cada brasileiro com conta em banco Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
EM DISPARADA Estrago provocado pela alta dos juros nas contas da União; despesas acumuladas em R$ milhões
N
um ato de extremo desprendimento e absoluta coragem, a turma do arrocho total, também conhecida como a diretoria do Banco Central do Brasil (BC), decidiu reduzir a taxa básica de juros na semana passada, depois da mais longa jornada de altas observada no país, desde 1999. O BC começou a puxar os juros para cima em setembro do ano passado, quando as taxas estavam em 16% ao ano, e só interrompeu o avanço em junho, mantendo os juros em 19,75% até quarta-feira, dia 14. Nesse dia, num rasgo de generosidade, a taxa foi reduzida para, atenção, 19,5% – o suficiente para pagar duas esfihas de carne por mês, em qualquer loja da rede Habib’s. A conta dessa política já foi apresentada ao governo, e parcialmente paga, com dinheiro dos impostos (vale dizer, dos contribuintes). Entre outubro de 2004 e julho de 2005, apenas o governo central (a União, todos os ministérios e suas estatais) enfrentou despesas de R$ 96,063 bilhões no acumulado do período – uma conta que tende a crescer ainda mais, obviamente, quando forem divulgados os dados referentes a agosto e setembro. Nos dez meses anteriores, entre dezembro de 2003 e setembro de 2004, os juros consumiram R$ 57,130 bilhões.
QUASE 70% A MAIS Na comparação entre os dois períodos, a despesa com juros aumentou o correspondente a R$ 38,933 bilhões, indicando um salto de 68%. Um sacrifício imposto desnecessariamente ao Brasil. Desde o último trimestre do ano passado, as pesquisas de preços indicavam que a inflação já havia entrado em um novo ritmo, com elevações menores, projetando taxas mais baixas para o final de 2004, e também para 2005 (como este jornal chegou a antecipar em setembro e, de novo, em outubro de 2004). Se as taxas tivessem permanecido nos 16% registrados até agosto do ano passado, um nível já elevado pa-
Variação
+68,1% 96.063
57.130
Dez/03 a set/04
Com os juros mais altos do planeta, Brasil perpetua a política atrelada ao Fundo Monetário Internacional, mesmo sem acordo
ra uma economia como a brasileira, haveria possibilidade de quase triplicar os investimentos autorizados pelo orçamento da União para este ano. Neste caso, teria sido possível investir algo como R$ 61 bilhões, em relação aos R$ 22 bilhões incluídos no orçamento – 174% a mais. Num primeiro momento, no entanto, a equipe econômica fixou um limite de pouco mais de R$ 13 bilhões para investimentos, praticamente 41% abaixo dos valores autorizados pelo Congresso. A despeito do corte, foram efetivamente liberados para aqueles gastos perto de R$ 2 bilhões até agosto, representando somente 16,6% do limite estabelecido pelo próprio governo. Comparado ao valor original, menos de 10% (ou exatos 9,8%) dos investimentos foram efetivamente realizados. No começo deste mês, o Ministério do Planejamento anunciou um novo limite para as despesas com investimento, elevando o teto anterior para R$ 14 bilhões. Restariam quatro meses, portanto, para o governo conseguir gastar R$ 11,9 bilhões, equivalentes a
BURACO SEM FUNDO Gastos com juros do governo central, em R$ milhões Mês/ano
84,5% do novo limite. De volta à calculadora, se o dinheiro desviado para o pagamento de juros pudesse ser destinado a investimentos, a União teria quase quatro vezes mais recursos do que o teto agora anunciado pelo Planejamento.
ARROCHO NO SANEAMENTO Por conta desse arrocho nas despesas públicas, por exemplo, só foram contratados financiamentos no valor de R$ 254 milhões para obras de saneamento básico entre janeiro e meados de setembro deste ano, com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O fundo, criado para funcionar como um pé de meia dos trabalhadores, ajudando-os a enfrentar períodos de desemprego e crise, dispõe de R$ 2,7 bilhões para emprestar a empresas do setor de água e esgoto, mas só conseguiu contratar 9% daquele total. O principal motivo remonta aos tempos do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) – uma instituição multilateral, dominada pelos Estados Unidos, que tem pretensões a funcionar como uma espécie de xerife dos governos nacionais, especialmente nos países em desenvolvimento.
A CEGONHA E O FMI Você acreditava que o Brasil tinha se livrado do FMI? Potocas. A equipe econômica preserva as mesmas políticas e os mesmos objetivos de antes, como se o acordo
Despesas
Taxa básica de juros (%)
Out/04
7.656
16,75
Nov/04
7.329
17,25
Dez/04
7.309
17,75
Jan/05
10.257
18,25
Fev/05
8.827
18,75
Mar/05
10.394
19,25
Abr/05
8.690
19,50
Mai/05
10.722
19,75
Jun/05
14.007
19,75
Ranking
Jul/05
10,872
19,75
Taxa de juros dos últimos 12 meses descontada a inflação dos últimos 12 meses (set/04 a ago/05)
FREIO NOS INVESTIMENTOS PÚBLICOS Governo segura outras despesas para pagar a conta dos juros Valores em R$ milhões, acumulados até agosto Limite fixado para investimentos
Valores liquidados
Percentual liquidado (%)
Transportes
3.828
714,7
18,6
Saúde
2.627
123,3
4,6
Desenvolvimento Agrário
1.048
605,9
57,8
Defesa
955
224,6
23,5
Integração Nacional
925
132,0
14,2
Educação
699
70,4
10,0
Ciência e Tecnologia
655
63,3
9,6
Fazenda
526
28,7
Cidades
516
Justiça Subtotal
País
Taxa Ano (%)
1
Brasil
11,6
2
Turquia
9,0
3
China
6,4
4
Hungria
6,0
5
México
5,4
6
Polônia
4,8
7
África do Sul
3,5
8
Índia
3,5
9
Austrália
3,1
10
Israel
2,6
Taxa de juros atuais descontadas a inflação projetada para os próximos 12 meses Ranking
País
Taxa Ano (%)
1
Brasil
14,0
2
China
6,3
3
México
6,1
4
Turquia
5,8
5,4
5
Índia
3,7
89,6
17,3
6
Polônia
3,4
426
43,8
10,3
7
Hungria
3,4
12.205
2.096,3
17,2
8
Austrália
3,1
9
África do Sul
3,1
10
Israel
2,2
985
93,7
9,5
13.190
2.190,0
16,6
Demais Total
estivesse em pleno vigor. E o acerto com o Fundo determinava que os bancos oficiais (no caso, a Caixa Econômica Federal, que administra o FGTS) e instituições de crédito em geral têm que obedecer limites rígidos para emprestar recursos a organismos e empresas estatais. A pretexto de conter o déficit nas contas do setor público (despesas superiores a receitas, incluindo os juros), a regrinha foi mantida pela atual equipe econômica. Assim, quando cresce o total de empréstimos tomados por estatais (caso da maioria das empresas estaduais de saneamento, controladas pelos governos estaduais), considera-se que acontece um aumento correspondente daquele déficit, ainda que os recursos sejam destinados a investimentos. Por isso, os bancos ficam proibidos de fazer empréstimos a empresas públicas. Como nos tempos do FMI. Numa atitude igualmente burra, pelos efeitos negativos que trará para a economia, no longo prazo, os fundos de investimento em pesquisa e tecnologia, controlados pelo Ministério de Ciências e Tecnologia, foram autorizados pela equipe econômica a gastar apenas R$ 850 milhões em 2005, embora disponham de mais de R$ 2 bilhões em caixa. A diferença ficará congelada na “reserva de contingência” e só poderá ser usada com autorização expressa do Congresso, mediante projeto de lei proposto pelo governo.
TAXA DE JUROS REAIS NOS PRINCIPAIS PAÍSES DO MUNDO
Fonte: Banco Central
Ministérios
Fontes: Ministério do Planejamento/Valor Econômico
Out/04 a jul/05
Fonte dos dados brutos: Banco Central
Fonte: GRC-Visão
Uma economia de R$ 1,20 por mês O ganho permitido pela redução das taxas de juros não seria suficiente para bancar uma incursão menos ambiciosa do consumidor pelas lojas de R$ 1,99, que ficaram famosas logo depois do lançamento do Plano Real, e hoje estão fora de moda. No máximo, cada brasileiro com conta em banco, supondo-se que todos tenham tomado dinheiro emprestado nos últimos meses, para complementar o orçamento doméstico, poderia consumir mais duas esfihas por mês, ao preço de R$ 0,59 cada uma. Reabilitado pela equipe do Banco Central (BC), o esfihômetro retoma suas funções como indicador da saúde financeira da família brasileira. Em julho, dado mais recente disponível, o total de empréstimos a pessoas físicas somava R$ 139,4 bilhões, segundo números oficiais do BC, submetidos a juros de 64,5% ao ano, na média. Isso significa que, no total, as pessoas físicas teriam um gasto, ao longo de 12 meses, de R$ 89,9 bilhões apenas com os juros de sua dívida.
NO TOPO DA LISTA Suponha que os bancos repassem àqueles empréstimos a redução aprovada pelo BC para a taxa básica de juros (que serve de parâmetro para definir os juros na economia). Assim, a taxa média cobrada das pessoas físicas recuaria para 64,25% – o que significaria uma redução de R$ 348 milhões no gasto anual com juros, ou R$ 29 milhões por mês. Estima-se que 24,6 milhões de brasileiros tinham conta em banco até o final de 2004, para um total de 73,9 milhões de contas correntes (incluindo pessoas físicas e empresas). Se todos eles tiverem tomado dinheiro emprestado, o ganho por cabeça se aproximaria de R$ 1,20 por mês. Por essas e outras, o Brasil continua no topo da lista dos maiores juros do mundo, segundo levantamento da consultoria GRC Visão (veja tabela ao lado). Descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses, na faixa de 4,8% segundo estimativas do mercado colhidas pelo Banco Central, os juros brasileiros chegam a 14% ao ano, mais de duas vezes as taxas cobradas na China (6,3%) e no México (6,1%). (LVF)
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De 22 a 28 de setembro de 2005
NACIONAL TRANSGÊNICOS
Sociedade pede precaução a Lula Luís Brasilino da Redação
do grupo interministerial pode dar algumas pistas sobre o caráter da proposta. Trata-se do advogado Caio Leonardo Bessa Rodrigues, ex-funcionário da área de Assuntos Regulatórios e Relações Governamentais (leia-se, lobby) do escritório Pinheiro Neto Advogados; cuja lista de clientes sempre teve em destaque a Monsanto. Sem mobilização, esse imbróglio será resolvido pelo poder econômico. Por isso, a sociedade civil preparou um abaixo-assinado (veja quadro abaixo) que foi entregue a Lula, dia 7, endossado por 80 organizações de oito países e mais de 300 pessoas. “Estamos cobrando que a CTNBio opere de forma mais transparente e que a sociedade possa acompanhar de perto os processos de liberação dos transgênicos”, conta Gabriel Fernandes, assessor técnico da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA).
A
biodiversidade brasileira pode seguir o mesmo caminho da argentina, ou seja, desaparecer. A monocultura da soja transgênica Roundup Ready (RR), da transnacional Monsanto, invadiu a terra do tango e, hoje, 15 milhões de hectares estão cobertos pelo herbicida glifosato. Para que o mesmo aconteça com o Brasil, basta o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ceder ao lobby pró-transgênicos – como fez durante seus mais de dois anos e meio de mandato – e permitir que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) ignore os princípios de precaução. A situação chegou a esse ponto porque, dia 24 de março, Lula sancionou a Lei de Biossegurança aprovada pelo Congresso, conferindo superpoderes para a CTNBio. Com a nova legislação, não é mais necessário estudo de impacto ambiental ou impacto na saúde para liberar o plantio ou a comercialização de organismos geneticamente modificados (OGMs). Com a sanção, o funcionamento e a composição da nova CTNBio agora dependem de decreto de regulamentação da Lei de Biossegurança. Trabalho que está a cargo de técnicos dos dez ministérios que compõem o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), coordenado pela Casa Civil. Dia 24 de agosto, a Casa Civil encaminhou uma minuta do projeto de regulamentação para os dez ministérios, que devem se reunir nas próximas semanas e encaminhar uma posição consolidada para o presidente Lula ratificar o decreto. Nesse período, a Casa Civil abrigou a disputa entre aqueles que querem uma CTNBio comprometida com os interesses da indústria e os que defendem uma comissão rigorosa em relação aos critérios de segurança para liberar transgênicos. Os ministérios não divulgaram a minuta de regulamentação. Entretanto, o nome do técnico da Casa Civil responsável pela coordenação
Arquivo Brasil de Fato
Superpoderosa CTNBio define se alimentos produzidos no Brasil são escolhidos pelo povo ou por multinacionais
Abaixo-assinado promovido por mais de 80 organizações de oito países cobra transparência da CTNBio
Abaixo-assinado reivindica transparência e participação do povo Composição da CTNBio – Serão 27 membros, 15 escolhidos pelos ministérios do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) e 12 pela comunidade científica, por meio de lista tríplice. O abaixo-assinado recomenda que as indicações destes últimos sejam feitas pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A escolha de uma instituição imparcial é importante, pois o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), responsável pela escolha dos representantes a partir da lista tríplice, indicou, dia 9 de agosto, Luiz Antônio Barreto de Castro para secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento. Tudo indica que Barreto de Castro, diretor científico da Associação Nacional de Biossegurança (Anbio), organização não-governamental financiada pelas empresas Bayer, Dupont e Monsanto, será indicado para escolher os componentes da CTNBio. Competência dos órgãos de fiscalização – O lobby pró-transgênico tenta, na regulamentação, reduzir ao máximo as possibilidades que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) têm de apresentar recursos questionando os processos que liberam transgênicos e pedindo testes complementares. O abaixo-assinado cobra o respeito às competências de tais órgãos. Quorum para deliberação comercial – Dois terços de toda a comissão para liberação comercial e maioria absoluta para as demais deliberações. Para Gabriel Fernandes, assessor técnico da AS-PTA, o ideal seria as decisões serem tomadas por consenso, uma vez que a biossegurança é um campo com diferentes especialidades. Assim, caso o Ministério do Meio Ambiente, por exemplo, julgue certo produto como inseguro, a decisão dos demais não deveria poder passar por cima dessa recomendação. “Mas dada a divisão política dentro do governo, é impossível colocar isso”, explica Fernandes. Conflito de interesses – O abaixo-assinado sugere que os integrantes da CTNBio subscrevam um documento atestando que não participam, nem
participaram, de qualquer projeto de desenvolvimento de OGMs. Pelo que está posto na Lei de Biossegurança, o especialista que cria transgênicos apenas não pode posicionar-se quando a matéria for específica da sua área. Ou seja, hipoteticamente, ele não pode votar sobre o milho, mas pode sobre o algodão. Revisão das decisões – Num extremo, é possível liberar um transgênico sem haver estudo comprovando que ele provoque danos à saúde, mas, depois de um ano, pode-se provar que ele leva pessoas a morte e a decisão não precisaria, necessariamente, ser revista. Isso contraria até a própria atualização científica. Por isso, a proposta é que qualquer membro da CTNBio, órgão da administração pública, entidade científica, universidade ou organização da sociedade civil possa apresentar fato novo que deve ser considerado para reavaliação de decisão. Prazos para o CNBS – A proposta original indicava um prazo de 45 dias para o conselho de ministros avocar o processo. Como esse trecho foi vetado por Lula, esse é um aspecto que está vago. A lei dizia que, se passasse o prazo e os ministros não se pronunciassem, a decisão da CTNBio valeria automaticamente. De acordo com o abaixo-assinado, o conselho não deve ter prazo para se pronunciar, por ser uma instância superior e pelas dificuldades em se reunir 11 ministros. Eficácia da decisão da CTNBio – O grupo composto por MCT, Ministério da Agricultura, das Relações Exteriores e Desenvolvimento, Indústria e Comércio quer que as decisões da CTNBio passem a valer imediatamente, mesmo existindo a possibilidade de recurso, do CNBS, do Ibama ou da Anvisa. No entanto, ao autorizar a introdução de uma semente no ambiente, está se tomando uma decisão irreversível, mesmo que algum recurso derrube a liberação. O abaixo-assinado pede que, enquanto todas as possibilidades de recursos não forem esgotadas, a decisão não possa ter efeito prático.
ATINGIDOS POR BARRAGENS
Alexania Rossato e Eduardo Zen de Brasília (DF) Na semana passada, a Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (Fatma) divulgou um estudo oficial realizado na região atingida pela barragem de Campos Novos, localizada sob o Rio Canoas, em Santa Catarina. No estudo, a Fatma confirma o direito a reparação de 237 famílias que estão sendo excluídas pelo consórcio Enercan, construtor da barragem – do qual faz parte a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), que tem como acionistas o grupo VBC (Votorantim, Banco Bradesco e Camargo Correa) e a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), também do grupo Votorantim. O relatório é resultado da luta permanente do povo atingido e teve a participação do governo de Santa Catarina, da Procuradoria Federal de Lages e da própria Enercan, no início do processo. Mesmo com o estudo, a empresa continua negando o direito aos atingidos e espera obter em breve a Licença de Operação (LO) que permitiria iniciar o enchimento da barragem, praticamente já concluída. Ao todo, a barragem atingiu mais de 700 famílias. Órgão responsável pelo licenciamento da hidrelétrica, a Fatma estudou o caso de 247 famílias. Dessas, dez tiveram o direito à reparação nega-
MAB
Comprovado direito de 237 famílias em Santa Catarina
Enercan conta com o apoio da polícia para reprimir atingidos por barragens
do, 165 famílias têm direito e estão sendo excluídas pela empresa. Há, ainda, 18 casos na Justiça contra a Enercan, oito precisando de revisão no valor da indenização, 14 sendo reconhecidos e 32 casos necessitando revisão da documentação. O resultado do relatório contradiz a juíza Adriana Lisboa, de Lages, que decretou a prisão de dez coordenadores do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) na região, dois dias antes das manifestações do 14 de março, Dia Internacional de Luta Contra as Barragens.
Na época, a juíza alegou que muitos deles não residiam no local, embora a detenção dos agricultores tenha sido feita numa grande operação policial que invadiu as casas na área atingida. A Enercan é um consórcio formado por grandes empresas que estabeleceram influência junto aos órgãos públicos da região, em especial as forças policiais, para reprimir as manifestações populares. Durante todo o período da obra, a Enercan tem se negado a negociar as reparações com a população.
Recentemente, Ramon Ruediger, um dos diretores da empresa, disse à revista Caros Amigos que “ser atingido é uma coisa, com direitos é outra”. Segundo André Sartori, um dos líderes do MAB, desde que a empresa se instalou, tem dito que os atingidos estão errados e que quando fazem suas lutas são chamados de criminosos e bandidos. Em entrevista ao MAB, quando saiu o resultado prévio do estudo, em março, o procurador Nazareno Jorgealém Wolff, que coordenou as tentativas de negociação entre atingidos e empresa, afirmou que o estudo comprova que os dados da Enercan não condiziam com a realidade. Com o anúncio do relatório, os atingidos decidiram intensificar as mobilizações. Dia 19, cerca de 500 pessoas realizaram uma assembléia em Campo Novos e decidiram reforçar o acampamento permanente instalado em Celso Ramos (SC), além de montar mais um, no portão que dá acesso à obra. “Estamos nos mobilizando para impedir a concretização de mais um crime social e ambiental. As famílias vão resistir e se a Licença de Operação for concedida, permaneceremos em nossas casas e prometemos sair somente com a água”, diz uma liderança do movimento. Depois da assembléia, os agricultores saíram em caminhada até o Fórum da cidade e foram recebidos em audiência pela juíza
Adriana Lisboa, onde entregaram o estudo feito pela Fatma.
ALTO PREÇO DA ENERGIA Em Goiás, um protesto com mais de 700 pessoas atingidas pela barragem de Serra da Mesa movimentou o município de Uruaçu, no fim da semana passada. Eles se manifestaram contra os altos preços da energia e questionaram o destino dos royaties recebidos pela prefeitura em função da obra. O primeiro ato foi em frente a companhia goiana de distribuição de energia, Celg. Segundo Patrícia José de Souza, liderança do Movimento na região, paga-se R$ 340 reais o megawatts, sendo que a energia produzida pelas hidrelétricas mais antigas sai da barragem a um preço médio de R$ 10. A revolta da população é grande, pois além de serem expulsas por Serra da Mesa há mais de dez anos, as famílias ainda não se restabeleceram economicamente e não conseguem pagar a conta da luz. Outra reivindicação é a clareza no destino dos royaties recebidos da barragem. Em 2004, segundo Patrícia, a prefeitura recebeu R$ 1 milhão e 455 mil e não tem médicos à disposição da população. “Isso é uma vergonha, temos que nos deslocar a outros municípios vizinhos para ter atendimento. Queremos saber o que o governo municipal faz com tanto dinheiro”, conclui Patrícia
Ano 3 • número 134 • De 22 a 28 de setembro de 2005 – 9
SEGUNDO CADERNO SOLIDARIEDADE
Cuba cria equipe médica internacional da Redação
O
mundo conta, agora, com um contingente médico disposto a prestar serviço em qualquer lugar ameaçado por uma epidemia ou catástrofe. No dia 20, o presidente cubano, Fidel Castro, anunciou a criação de uma equipe de socorro com 1,586 mil jovens doutores dispostos a atuar em todo o planeta. A gênesis dessa nova iniciativa do governo cubano data do dia 4, quando Castro ofereceu ajuda humanitária aos Estados Unidos severamente afetados pelo furacão Katrina, que deixou milhares de mortos. Batizada de Contingente Internacional de Médicos Especializados em Situações de Desastres e Graves Epidemias Henry Reeve, a equipe de cubanos prestará assistência também nas regiões pobres do planeta “onde especialistas dos países ricos nunca chegam”, como disse Fidel, durante o lançamento do contingente. “Nós oferecemos formar profissionais contra a morte, demonstramos que o ser humano pode e deve ser melhor, demonstramos o valor da ética e da consciência”, discursou o presidente cubano na cerimônia que também celebrou os graduados das faculdades de Ciências Médicas em todo o país. Os médicos do Continente Inter-
France Presse
Força especial com 1,5 mil médicos estarão prontas para atuar em casos de catástrofes naturais e controle de epidemias
Médicos cubanos estão prontos a prestar solidariedade às populações atingidas por furacões como o Katrina
nacional Henry Reeve vão receber uma formação com ênfase nos conhecimentos aprofundados de epidemiologias e enfermidades, aprenderão outros idiomas, terão boas condições físicas e deverão estar aptos a atuar em diversos lugares. “Seus integrantes devem atender às populações
em caso de furacão, inundações, epidemias, como a dengue hemorrágica que mata crianças em muitos países”, explicou Fidel.
AVANÇOS EM SAÚDE O presidente cubano aproveitou também para assumir novos
LIVRE-COMÉRCIO
REPRESSÃO
Arquivo Brasil de Fato
Bolivianos fazem protesto contra acordo com os EUA
Contrário ao TLC andino, Evo Morales lidera a corrida presidencial
da Redação Milhares de pessoas saíram às ruas na capital boliviana, La Paz, para se manifestar, dia 20, contra o Tratado de Livre Comércio Andino (TLC Andino), que está sendo negociado entre os países da região com os Estados Unidos. O protesto foi convocado pelas organizações populares que integram o Movimento Boliviano contra a Área de Livre Comércio das América (Alca). Movimentos sociais da Colômbia, Equador, Peru e Venezuela também anunciavam mobilizações para a mesma semana que representantes desses países iriam realizar uma nova rodada de negociação do tratado em Cartagena das Índias, na Colômbia. “Está crescendo o número de agrupações que se dão conta de que o TLC é uma grave ameaça. Esse tratado está sendo negociado à revelia da população e sem argumentos sólidos que demonstrem seus benefícios para o povo”, assinalou o Movimento Boliviano contra a Alca em uma declaração pública. A polêmica sobre o TLC Andino surge em meio a uma conjuntura em que ganha fôlego a disputa eleitoral na Bolívia. Estava previsto para o dia 23 um debate entre candida-
compromissos com o povo da ilha caribenha em relação a melhorias no campo da saúde. Fidel afirmou que Cuba está próxima de reduzir a mortalidade infantil para menos de 4 falecidos em mil nascimentos (para efeito de comparação, no Brasil, esse número é de 27 mor-
tos) e, em breve, poderá superar o Canadá nesse campo. Outro compromisso de Fidel foi o de elevar a expectativa de vida do cubano para os 80 anos. Hoje, esse indicador está na faixa dos 77,5 anos – já, no Brasil, a expectativa de vida dos brasileiros é de 71,3 anos. O presidente lembrou que, em 1959, quando a revolução cubana triunfou, os cubanos viviam em média 60 anos. “Essas palavras podem parecer presunçosas se não lembrarmos que Cuba é, com toda justiça, o país que mais tem feito por compartilhar com o mundo experiências e conhecimento médico”, disse Fidel, acrescentando que, mesmo em caso de diferenças ideológicas, o povo cubano deixou de prestar assistência a quem necessitasse. Na ocasião, o líder da revolução cubana reafirmou outro compromisso de seu governo: formar cem mil médicos latino-americanos e caribenhos em uma década, na Escola Latino-Americana de Medicina (Elam). Fidel criticou também o caminho que os serviços médicos têm tomado nas sociedades de consumo. “Esses serviços são inacessíveis para os setores mais pobres e, enquanto isso, os gastos militares crescem a uma quantia comparável apenas aos gastos com publicidade”, afirmou. (Prensa Latina, www.prensa-latina.com)
tos do Movimento al Socialismo (MAS) – que se opõem à Alca e ao TLC – e do Poder Democrático Social (Podemos) –, agremiação do ex-presidente Jorge Quiroga que apóia os acordos com Washington. Favorito à sucessão presidencial de acordo com as últimas pesquisas, o cocalero Evo Morales tem divulgado a posição do MAS de se opor ao tratado sobretudo porque os Estados Unidos mantêm pesados subsídios para a sua produção agrícola. Candidatos à Presidência da Bolívia de outros partidos também têm feito críticas às negociações, e sua maioria considera a hipótese de rechaçar a assinatura de qualquer TLC. Atualmente, a Bolívia é apenas observadora das negociações do TLC Andino, que envolve ainda Estados Unidos, Colômbia, Equador, Peru. O presidente transitório, Eduardo Rodríguez, já teria demonstrado intenção de mudar a situação do país e integrar, de fato, o grupo que oficialmente negocia o acordo. Os Estados Unidos, no entanto, são contrários à efetivação da Bolívia como membro pleno porque o país aprovou uma lei recentemente elevando os impostos das transnacionais petroleiras. (Prensa Latina, www.prensa-latina.com)
Porta-voz das Farcs continua preso em São Paulo Tatiana Merlino da Redação Após quase um mês, o ex-padre Francisco Antônio Cadenas Collazzos, conhecido no Brasil como Olivério Medina, continua preso na Superintendência da Polícia Federal (PF), em São Paulo. Porta-voz da Comissão Internacional das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Medina foi detido no dia 24 de agosto por ordem de Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), atendendo à solicitação do governo colombiano de Álvaro Uribe para fins de extradição. No entanto, até o fechamento desta edição, dia 20, o STF ainda não tinha recebido o pedido de extradição. Sem as provas apresentadas pelo governo da Colômbia, o trabalho da defesa de Medina fica prejudicado, já que os advogados do ex-padre desconhecem os argumentos de acusação do governo de Uribe. Desde a prisão do militante, entidades e organizações sociais elaboraram manifestos condenando a solicitação de prisão preventiva do porta-voz das Farcs e sua deten-
ção no Brasil, como o escrito pelo jornalista português Miguel Urbano Rodrigues (veja trechos abaixo). Um dos argumentos das organizações é que o pedido do governo colombiano foi feito sem autorização judicial.
FALTA DE PROVAS Um desses documentos foi enviado, no dia 15, ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), ligado ao Ministério da Justiça. Nele, sindicatos, intelectuais, religiosos e parlamentares contestam a legalidade da ação da Polícia Federal. “Não há sentença condenatória (contra o ex-padre), nem auto de prisão em flagrante, nem mandado judicial de prisão, o que contraria os termos do artigo 82 da Lei dos Estrangeiros”, registra o documento. Na Colômbia, o ex-padre é acusado de comandar um ataque, em 1991, a um quartel, onde teriam morrido dois militares. O curioso é que, em 2000, quando Medina foi preso em Foz do Iguaçu (PR) sob a alegação de estar com documentos vencidos, a Colômbia não apontou o ex-padre como comandante des-
de crime. Para o vereador de Guarulhos Edson Albertão (PT-SP), Medina não poderia estar preso, pois “o pedido foi baseado numa decisão da “Fiscalia de la Nacion” (o Ministério Público Colombiano). Nem julgamento foi feito. Isso é muito estranho”, indigna-se. Esse tipo de procedimento freqüente do governo colombiano foi condenado inclusive pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) que, de acordo com Antônio Carlos Viana, do Centro de Estudos Latino-Americanos (Cela), já pediu ao governo colombiano que não solicite extradições sem autorização judicial. A defesa do militante deve trabalhar com um pedido de refúgio ao governo brasileiro, alegando que, se estivesse na Colômbia, correria risco de vida. “Lá a situação é de barbárie. A extradição seria decretar a morte de Medina”, afirma Viana, que lembra que até os Estados Unidos já aceitaram pedidos de refúgio de integrantes da União Patriótica (braço político das Farcs, da qual o ex-padre faz parte).
Estamos contigo, Olivério! Trechos da carta do jornalista português Miguel Urbano Rodrigues a Olivério Medina Camarada Oliverio, (...) De longe imagino a decepção dos esbirros da polícia brasileira que te interrogaram a mando de Uribe. Sinto vergonha pelo Brasil, minha segunda pátria, e orgulho pela tua firmeza. (...) Quase certamente, Lula, no Palácio da Alvorada, não quer ouvir falar da tua prisão. Lava as mãos como o procônsul romano em Jerusalém, Poncio Pilatos, quando os judeus prenderam o profeta Jesus e esperaram dele uma decisão, antes de o crucificarem.
(...) Confiar na independência dos juízes do Supremo Tribunal Federal que ordenou a tua detenção seria uma ingenuidade perigosa. Uribe faz pressão para que te entreguem. Logo forjariam um processo acusando-te de narcotraficante, talvez de assassino. Washington trataria de pedir a tua extradição. Conheci o comandante Simon Trinidad, preso em Quito pelas polícias do Equador e da Colômbia (com a ajuda da CIA) e depois entregue a Uribe que aplaudiu a sua extradição para os Estados Unidos. Sou amigo fraternal do comandante Rodrigo Granda, seqüestrado em Caracas pela polícia secreta colombiana (com a colaboração da CIA de traidores
venezuelanos) e encarcerado num presídio uribiano. Repetem agora contigo, noutro contexto, uma “operação” criminosa cujo objetivo é o mesmo: capturar num país estrangeiro um quadro destacado das Farcs-EP, levá-lo para a Colômbia e entregá-lo, depois, aos EUA. Exigir do governo Lula uma tomada de posição firme que conduza à libertação de Olivério Medina é um dever para aqueles que, no Brasil e no mundo, acreditam nos princípios e valores pelos quais lutam há mais de quarenta anos os guerrilheiros de Manuel Marulanda, herói bolivariano da América Latina. Estamos contigo, Olivério!
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INTERNACIONAL ONU, 60 ANOS
Uma instituição a serviço dos ricos João Alexandre Peschanski da Redação
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efinir um plano global para o combate à pobreza era, segundo o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, o principal objetivo da 60ª Assembléia Geral da instituição, que ocorreu em Nova York, Estados Unidos, entre os dias 14 e 16, e reuniu representantes de 191 países. Ele pretendia dar continuidade a uma promessa feita há cinco anos: acabar com a pobreza extrema e a fome no mundo até 2015. Belas palavras, pífios resultados. Nos três dias da Assembléia, não houve plano global, não houve calendário de ações de apoio a países do Terceiro Mundo, não houve, na maioria dos discursos, mais do que demagogia. A principal proposta contra a pobreza foi apresentada, dia 14, pelo primeiro-ministro francês, Dominique de Villepin: instituir uma taxa sobre passagens aéreas, destinando o dinheiro arrecadado a programas sociais na África. Ele prometeu realizar uma conferência sobre o assunto na França, em 2006. Apesar de receber apoio, como o do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, a iniciativa não teve muitos seguidores.
Marcello Casal Jr./ABR
No grande espetáculo da Assembléia Geral, como sempre, belas palavras e pífios resultados no combate à pobreza
A secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, discursa na assembléia das Nações Unidas, marcada pela falta de ações de apoio a países do Terceiro Mundo
transferência de tecnologia, para que os países do Terceiro Mundo se desenvolvam. Não adianta apresentar propostas que acentuem ainda mais a dominação dos ricos sobre os pobres”, afirma. Para ele, as potências mundiais, principalmente os EUA, não estão dispostas a abrir mão de seu controle sobre a tecnologia, pois isso fundamenta seu poder. Isto porque “enquanto os países do Terceiro Mundo exportam produtos primários, não transformados, recebem – e pagam caro – por produtos industriais, de alto valor agregado, dos países ricos”.
ASSISTENCIALISMO Se implementada, a proposta de Villepin não vai passar de uma medida assistencialista, ou seja, não vai criar condições suficientes para acabar com a pobreza na África. A avaliação é de Christian Caubet, professor de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina e especialista em relações internacionais. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele diz que a idéia é aparentemente bonita, mas não representa uma alternativa à principal causa da pobreza: a política dos países ricos. “Não adianta só enviar alimentos e medicamentos aos países pobres. É preciso facilitar a
CHANCE PERDIDA No dia 16, em discurso na Assembléia, a ativista peruana Virginia Vargas cobrou dos chefes
de Estado um compromisso no combate à pobreza. “Faço eco às vozes insistentes e desencantadas dos movimentos sociais globais, que dizem que o mundo como está é eticamente inaceitável, politicamente devastador, economica e ambientalmente insustentável”. “Vozes”, continuou, “que dizem à Assembléia Geral que vocês estão perdendo uma oportunidade histórica de assumir suas obrigações e cumprir suas promessas de construir um mundo mais justo”. E os movimentos sociais têm o que cobrar. Em 2000, os países mais ricos do mundo se comprometeram a destinar 0,7% de seu Produto Interno Bruto (PIB) para um fundo de ajuda humanitária a países pobres. Novamente, uma medida assistencialista, segundo Caubet. Novamen-
te, uma promessa não cumprida. Os Estados Unidos repassaram apenas 0,16% de seu Produto, o Japão, 0,19%. A média dos países que compõem o G-7, bloco dos sete países mais ricos do mundo, é de 0,22%. Enquanto isso, como destacou o primeiro-ministro jamaicano, Percival James Patterson, em discurso na Assembléia, os países em desenvolvimento repassaram, pelo pagamento de dívidas externas, 1,174 trilhão de dólares aos países ricos.
LIVRE-COMÉRCIO Outros debates, sobre direitos humanos, desarmamento, reforma institucional, luta contra o terrorismo, não levaram a medidas substanciais. A falta de definições na Assembléia Geral se deve, segundo Caubet, à submissão da ONU a uma
outra prioridade: a expansão do livre-comércio. “A instituição, que deveria proteger os países pobres nas trocas comerciais, beneficia as grandes empresas e as grandes potências. São elas que se beneficiam com a abertura irrestrita das fronteiras e mercados”, analisa o professor. Em 1999, em Davos, Suíça, durante o Fórum Econômico de Davos, Annan propôs a grandes empresas – Coca-Cola, McDonald´s e Unilever, entre outras – a criação de um pacto global, a partir do qual as corporações desenvolvessem medidas para ajudar países pobres. Segundo Caubet, o pacto não pretende mais do que ampliar o livrecomércio, o que gera benefícios aos países ricos e mais pobreza para os países do Terceiro Mundo.
ANÁLISE
José Arbex Jr. “A sede principal da Organização das Nações Unidas (ONU) deve sair de Nova York porque os Estados Unidos são um país que não cumpre a legalidade internacional”, afirmou o presidente venezuelano Hugo Chávez, ao discursar durante a 60ª Assembléia Geral da organização, realizada naquela cidade, entre os dias 14 e 16. O discurso de Chávez dá uma boa medida da crise que afeta a instituição. Aos 60 anos, completados este mês, a ONU encontra-se desmoralizada pelas ações unilaterais da superpotência (em particular, a invasão do Iraque, em março de 2003), desafiada pela ação deletéria de grupos terroristas, usada como instrumento de barganha por blocos e potências “emergentes” (caso da China) que disputam o poder mundial. Nesse quadro, a assembléia foi encerrada de forma melancólica: tudo continua igual. E o Brasil, grande derrotado, não conseguiu emplacar o principal objetivo de sua política externa no governo Lula: conquistar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU (CS-ONU). Nada poderia mostrar mais claramente o desprezo da Casa Branca para com a ONU do que a nomeação, em agosto, de John Bolton como o seu representante na entidade. “Se a sede da ONU perdesse dez (de seus 40) andares, não faria a menor diferença”, afirmou Bolton, em 2001, quando era subsecretário da Defesa dos Estados Unidos. Para ele, apenas o seu próprio país deveria ter poder de veto na ONU (exercido, atualmente, pelos cinco
Marcello Casal Jr./ABR
Nações Unidas curvam-se ao império
Proposta de mudança do ministro Celso Amorim foi rejeitada pelos EUA
integrantes permanentes do CS: Rússia, China, França e Grã-Bretanha, além dos EUA). A nomeação de Bolton reafirma a lógica do presidente George W. Bush, que trata o mundo como o seu quintal. Segundo relatório da Anistia Internacional divulgado em 4 de agosto, os Estados Unidos mantêm cerca de 70 mil pessoas em bases e prisões secretas fora do território estadunidesne. A escandalosa situação da base militar de Guantánamo (Cuba), onde estão cerca de quinhentos prisioneiros capturados durante as guerras no Afeganistão e no Iraque, sem direito a julgamento, é apenas a ponta
do iceberg. Porta-vozes da ONU afirmam que a Casa Branca impede a visita de seus relatores especiais às bases usadas como prisão. Mas há limites que mesmo a Casa Branca não pode ultrapassar. O seu total isolamento diplomático mundial cobra um elevado preço político, hoje demonstrado pelo buraco sem fundo em que Bush se meteu no Iraque. Ele não pode, simplesmente, retirar suas tropas, sob pena de ver o país cair nas mãos de forças fundamentalistas completamente hostis; tampouco pode permanecer indefinidamente no Iraque, pois as constantes baixas de seus soldados causam a reprovação da opinião pública mun-
dial, e da estadunidense, em particular; e não conta com a cumplicidade das potências que ignorou ao decidir a invasão de Bagdá. Bush é obrigado a fazer o jogo diplomático na ONU, mas quer fazê-lo segundo os seus próprios termos. Assim, a Casa Branca é obrigada a aceitar a tese de que o CS deve ser ampliado. Mas veta a proposta do G4 (grupo formado por Brasil, Alemanha, Índia e Japão): admitir seis novos países permanentes no Conselho (os próprios quatro e outros dois da África), além de outros quatro membros rotativos. E favorece a eventual inclusão da Índia e do Japão. Com isso, Washington pretende sedimentar um “cordão sanitário” estratégico em torno da China, considerada pela Casa Branca como a grande rival ao longo do século 21. Pequim, com poder de veto sobre as decisões da Assembléia Geral, também rejeitou a proposta do G-4, mas tampouco concorda com a proposta de Washington, considerada uma manobra cuja destinação final é a sua derrota. Do ponto de vista da União Européia, a eventual inclusão da Alemanha ganhou importância, após a derrota do projeto de uma constituição (graças ao “não” francês e holandês, em plebiscitos realizados em maio e junho) que consolidaria, no velho continente, uma organização capaz de competir militar e tecnologicamente com os Estados Unidos. Por essa razão, a pretensão de Berlim cria uma nova linha de clivagem nos debates. Em meio a tantas incertezas, uma das poucas afirmações seguras é a de que foi derrotada a estratégia
arquitetada pelo governo Lula para incluir o Brasil no Conselho. A pá de cal – após o veto antecipadamente formulado por Washington e Pequim – foi a rejeição dos países africanos à proposta do G-4, anunciada após reunião da União Africana, em agosto. A organização pede seis cadeiras permanentes e mais cinco rotativas. O texto final aprovado pela assembléia fala, vagamente, na retomada dos debates sobre o assunto, sem definir qualquer prazo, e apenas após o cumprimento de condições impostas por Washington. Foram pelo ralo todas as demonstrações de “boa vontade” do governo Lula para com a Casa Branca, incluindo a desastrada missão de paz no Haiti e a completa subordinação do país aos planos do Fundo Monetário Internacional. A impotência da diplomacia curva-se à violência das armas. Atravessada por tantos impasses, a ONU continua paralisada, ao final da 60ª Assembléia Geral. Mas o terrorismo, como contrapartida, vai muito bem – tanto o terrorismo arquitetado por grupos fundamentalistas, como o que praticou o recente atentado em Londres, quanto o praticado por Estados que bombardeiam populações civis e empregam métodos de tortura e assassinatos em suas prisões, como é o caso dos Estados Unidos. Cria-se, portanto, um terrível círculo vicioso, cujas grandes vítimas são as populações do mundo, que, há seis décadas, saudaram a criação da ONU como um passo gigantesco rumo a uma sociedade mundial mais equilibrada e socialmente justa. José Arbex Jr. é jornalista
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INTERNACIONAL ONU, 60 ANOS
Chávez denuncia autoritarismo Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)
O
que fazer quando uma organização multilateral que prejudica a democracia, mas se diz aberta a uma reforma, decide, em uma pequena minoria, novas diretrizes para impor aos demais países? Apagar as luzes e fechar a porta. Essa foi a reação do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, frente ao documento apresentado na Cúpula Mundial da Organização das Nações Unidas, realizada na sede da instituição, em Nova York, entre os dias 14 e 16. Concluído às vésperas do encontro, sem a participação da maioria dos representantes dos 191 países presente à Cúpula, o documento redigido apenas em inglês foi entregue aos delegados cinco minutos antes de ser iniciada a sessão. “Foi aprovado com uma martelada ditatorial que denuncio perante o mundo como ilegal, nulo e ilegítimo. Foi aprovado violando o regulamento das Nações Unidas”, criticou Chávez, para depois reiterar que a ONU pretendia fazer o mundo acreditar em uma aprovação consensual de um texto que não foi debatido. “Seria o fim aceitar a ditadura aqui neste salão”, assinalou.
PAZ PARA QUEM? Durante os três dias de debates, Chávez não hesitou em criticar a organização, o seu plano de reformas e o governo estadunidense de George W. Bush. O presidente venezuelano deu a entender que não se trata de mera coincidência a imposição de um documento
Marcello casal Jr./ABR
Venezuelano critica métodos antidemocráticos da organização e rejeita “carta-branca” ao intervencionismo
Na Assembléia da ONU, presidente Chávez criticou a organização, o seu plano de reformas e o governo de George W. Bush
sem antes haver sido debatido. A seu ver, trata-se de uma tentativa de reinterpretar os princípios do direito internacional para legalizar o intervencionismo. A aprovação do termo “responsabilidade de proteger” nesse documento seria uma nova roupagem para o conceito de “guerra preventiva” – algo como uma carta branca, outorgada pela ONU, para permitir invasões em outros países, à exemplo do que ocorreu no Iraque.
Em outro trecho polêmico do documento ratificado na Assembléia da ONU, fala-se na criação de uma “Comissão de Reconstrução da Paz” – ou seja, nada mais é do que a aceitação de um grupo, avalizado pela ONU, para reconstruir um país após ter sido destruído em um ataque externo. “Esse documento pretende legitimar as invasões e o atropelo da soberania dos povos. A Venezuela não apóia isso de nenhuma maneira”, afir-
mou Chávez, assim que aterrissou em Caracas. Na capital venezuelana, milhares de pessoas o esperavam em frente ao Palácio Miraflores para a costumeira prestação de contas dada pelo presidente ao povo após qualquer viagem que realiza como chefe de Estado.
NEOLIBERALISMO É SUICIDA Durante a Cúpula, Chávez, acusado por Washington de “desestabilizar”, criticou também
o modelo econômico neoliberal imposto pelos Estados Unidos, considerando-o responsável pelas mazelas que pretendem ser amenizadas pela chamada Metas do Milênio, o principal tema da Cúpula. “É suicida disseminá-lo e impô-lo como remédio infalível para os males dos quais ele é, precisamente, o principal causador”, afirmou o presidente venezuelano para uma tribuna que se limitou a debater superficialmente os temas, sem nenhuma crítica ao país que sedia a ONU. O mandatário voltou a criticar a brutalidade da guerra no Iraque e qualificou os EUA como um Estado terrorista. “É um governo que viola todas as disposições estabelecidas de maneira descarada”, afirmou para depois sugerir que as Nações Unidas saíssem de um país que não estava respeitando as próprias resoluções da Assembléia Geral da ONU. Para ele, a nova sede deveria ser em uma cidade internacional alheia à soberania de qualquer Estado. “E a nova sede deve estar no Sul, O Sul também existe”, acrescentou Chávez, parafraseando o poeta uruguaio, Mário Benedetti. Ao se referir à instituição que comemora 60 anos de sua criação, setenciou: não serve para nada. “As Nações Unidas esgotaram seu modelo. Não se trata simplesmente de realizar uma reforma. O século 21 exige mudanças profundas que apenas são possíveis com uma refundação desta organização”, avaliou o presidente venezuelano, para quem o principal tema a ser discutido na Cúpula ficou em segundo plano: o combate à pobreza.
BOLIVARIANAS
MST inspira projeto venezuelano Reforma agrária avança; natal de Chávez. A proposta beneficiará mais de 300 famílias da região que foram assentadas nos anos 1950, durante a pseudo reforma agrária do presidente Romulo Betancourt. Nesse período, pequenos lotes de terra foram distribuídos às famílias camponesas do interior do país. Sem acesso a créditos e apoio à produção, muitos trabalhadores rurais venderam as pequenas propriedades aos latifundiários locais e migraram para as cidades. Os que resistiram, como as famílias de Sabaneta, produziam esporadicamente sem nenhum auxílio do poder público.
SEM MONOCULTURA O projeto de construção da Central Açucareira desenvolvida pelo convênio Cuba-Venezuela é a fase mais adiantada do projeto. De olho na produção da cana-de-açúcar e suas conseqüências para a agricultura, uma das principais tarefas do MST será implementar um projeto de produção que rompa com o monocultivo ainda presente em muitos Estados do país. Para o projeto venezuelano de reduzir as desigualdades, distribuir renda e acabar com a pobreza, é Francisco Rojas
A guerra declarada contra o latifúndio na Venezuela contará com a ajuda dos sem-terra brasileiros. O presidente Hugo Chávez deve inaugurar no próximo dia 26 um Núcleo de Desenvolvimento Endógeno nos moldes dos assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A iniciativa de aplicar a experiência do MST no processo de reforma agrária e reestruturação da produção agrícola venezuelana veio do próprio Chávez, que adotou a chamada “revolução agrária” como uma das prioridades do seu governo. “Damos mais um passo no processo de integração que vai além das relações entre os governos. Podemos nos beneficiar muito com a experiência desenvolvida pelo MST no tema da organização, capacitação e educação”, explica ao Brasil de Fato, Maximilien Arvelaiz, assessor presidencial para Assuntos Internacionais. O Pólo de Batalha Endógeno “Abreu e Lima” – em homenagem ao general brasileiro que lutou com o libertador Símon Bolivar – conformado por cinco fazendas está sendo desenvolvido no município Sabaneta, Estado Barinas, terra
Chávez visita assentamento do MST no Rio Grande do Sul: revolução agrária
fundamental reimplementar um processo de produção no campo, praticamente abandonado a partir de 1925. Com uma economia baseada essencialmente no ingresso petroleiro, 12% da população está desempregada (com o governo Chávez, o índice caiu para 9%), 51% trabalham na economia informal e 70% dos alimentos consumidos no país são importados. A criação de núcleos de desenvolvimento endógeno foi uma das alternativas elaboradas pela revolução bolivariana para diversificar a economia e gerar novos postos de trabalho. A concepção dos núcleos já é bastante parecida com a estrutura de organização dos assentamentos do MST. No entanto, muitos projetos ainda estão estancados pela falta de organicidade das cooperativas em concretizar os projetos de produção. Para Edson Cadore, do MST do Rio Grande do Sul, o ponto de partida para a consolidação do projeto deve ser a organização e formação dos camponeses. “Esse terá que ser o primeiro passo para consolidar esse núcleo, e nossa escola de formação poderá contribuir nesse sentido”, afirma o militante do MST que foi a Caracas para elaborar junto com o Ministério de Agricultura e Terras o projeto do novo Núcleo. A partir daí se inicia o processo de implementação das agroindústrias e de cooperação agrícola. “Diferentemente da realidade dos nossos assentamentos no Brasil, ali os produtores têm garantia de venda da produção”, avalia Cadore. A produção dos núcleos de desenvolvimento endógeno é destinada para o Mercal (supermercado popular com preços subsidiados pelo Estado), para as Casas de Alimentação (que distribuem refeições gratuitas) e para os assentamentos locais. (CJ)
latifundiários protestam A reforma agrária dá novos sinais de avanço na Venezuela. O Instituto Nacional de Terras (Inti) anunciou em setembro o resgate de 6 fazendas consideradas improdutivas e de propriedade do Estado. As terras desapropriadas serão transformadas em assentamentos, os chamados Fundos Zamoranos, baseados no cooperativismo. Entre os resgates que mais tem gerado polêmica no país está a desapropriação das terras La Marqueseña, 8.490 hectares no Estado Barinas. Segundo o Inti, as terras estavam sendo subutilizadas. No caso, o solo possuía características favoráves à produção de hortaliças e vegetais, mas estava sendo utilizado apenas para a criação de gado. Isso em 20% da propriedade, pois os 80% restantes estavam improdutivas. A Lei de Terras proíbe a subutilização dos solos por considerar contrário ao alcance da soberania alimentar. Não foi só a improdutividade. Os supostos donos não puderam comprovar a titularidade da terra, consideradas de propriedade da Nação. Além da Marquesena, outras quatro fazendas foram resgatadas no Estado Apure e uma no Estado Bolívar que faz fronteira com o Brasil.
REAÇÃO MIDIÁTICA Bastaram essas novas ações do governo para a burguesia venezuelana dar início ao bombardeio midiático em defesa da propriedade privada. Todos os supostos analistas de direito e política entrevistados pelos jornais e pela televisão eram integrantes dos governos anteriores aos de Chávez. A manchete do jornal El Universal,
dia 19, proclamava: “Pretendem impor ordem de propriedade socialista”. Em entrevista ao jornal venezuelano, El Mundo, José Luis Betancourt , presidente da Fedecamaras (cúpula empresarial), afirmou que as ações dos organismos governamentais se opõem o processo produtivo do país. As intervenções “atentam contra valores e direitos fundamentais como a libertade e a propriedade, as quais a Fedecámaras jamais renunciará e defenderá”, afirmou.
RESPOSTA A resposta do movimento campesino foi imediata. Orlando Zambrano, da direção do Frente Camponês Nacional Ezequiel Zamora, disse ao Brasil de Fato que Betancourt é um dos “autores intelectuais” dos mais de 140 assassinatos de camponeses ocorridos desde a promulgação da Lei de Terras em 2001. “Betancourt rasgou a Lei de Terras, estimula o assassinato dos camponeses e quer falar de desrespeito à lei? Ilegal é deixar de produzir alimento em terra boa enquanto existem famílias passando fome”, afirmou.
COMPROMISSO Para desespero ainda maior dos latifundiários, dia 20, o presidente Hugo Chávez reiterou seu compromisso em acabar com o latifúndio no país. O presidente afirmou que a concentração de terra prejudica a produção agrícola e que o compromisso de seu governo é colocar em produção os hectares de terreno improdutivos que se encontre em território venezuelano. (CJ com informações da Agência Bolivariana de Notícias)
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INTERNACIONAL ORIENTE
Neoliberais avançam no Japão Carlos Katayama especial para o Brasil de Fato de Tóquio (Japão)
O
que parecia ser uma vitória fácil do principal partido de oposição – o Partido Democrático (PD) – acabou se revertendo em uma das mais extraordinárias vitórias do Partido Liberal Democrático (PLD) nos últimos 15 anos da política japonesa. No dia 11, o PLD, partido do primeiro-ministro, Junichiro Koizumi – pronuncia-se Junitiro –, conquistou 296 das 480 cadeiras da Câmara Baixa (algo como nossa Câmara dos Deputados). Segundo os analistas, o resultado se deu mais pela incompetência da oposição em politizar a campanha do que pela aceitação da proposta de reformas apresentadas por Koizumi. O PLD centrou todos os debates pré-eleitorais na proposta da privatização dos Correios, uma das principais bandeiras das reformas neoliberais de seu governo. A medida envolve a cifra de 3,3 trilhões de dólares em fundos e ofuscou da pauta eleitoral questões essenciais para o país, como a presença das tropas japonesas no Iraque em apoio aos Estados Unidos.
CORREIOS
O primeiro-ministro Junichiro Koizumi recebe o secretário de Defesa dos EUA, Paul Wolfowitz: apoio à invasão do Iraque
à privatização dos Correios, o PD não soube aproveitar a oportunidade da crise para mostrar à população que as reformas de Koizumi não eram solução para a tímida recuperação econômica A proposta que os democratas
apresentavam como alternativa era a privatização de apenas parte dos 3,3 trilhões de dólares de fundos dos Correios, principalmente as grandes contas, mantendo as pequenas agências espalhadas pelo país – onde os pequenos lavradores
depositam suas aposentadorias e ganhos – nas mãos do Estado. Já o Partido Comunista Japonês (PCJ) e o Partido Democrático Social (PDS) não perderam cadeiras, mas não obtiveram nenhum crescimento significativo.
Questões centrais ficaram fora do debate
CMI
Mesmo com avisos espalhados em estações de trem, nos pontos de ônibus e em alerta vermelho antiterrorista, o tema não recebeu a atenção que devia da grande imprensa japonesa. O barões da mídia preferiram ressaltar o carisma do primeiro-ministro, ignorando por exemplo o debate sobre a redução do número de sem-teto que estão
cada vez em maior quantidade nos parques e nas margens dos rios da capital japonesa, Tóquio. Com o argumento de que a medida reverteria os pífios resultados da economia – o índice de desemprego está na casa dos 4,4% –, Koizumi resolveu apresentar o projeto de privatização dos Correios à Câmara Alta – instância política equivalente ao Senado brasileiro, mas com menos poderes que a Câmara dos Deputados ou a Câmara Baixa. Os senadores, no entanto, rejeitaram o pedido. O primeiro-ministro, então, fez uso de um dispositivo constitucional e resolveu convocar eleições na Câmara Baixa antes de passar o projeto para a aprovação na Casa. A proposta de privatizar os Correios e dissolver a Câmara Baixa levou duas facções do partido do primeiro-ministro a abandonarem a legenda, criando o Novo Partido Popular às vespéras das eleições. De nada adiantou. As demais facções se renderam à facção Mori da qual pertence Koizumi e os principais caciques do PLD. O partido permaneceu unido perdendo somente três deputados para as novas fações. Na televisão, o governo apostou na despolitização dos mais jovens, colocando o goleiro da seleção japonesa de futebol e uma famosa e jovem atriz como garoto e garota propaganda do voto no PLD. Cerca de 24% dos votos recebidos pela coalizão governista saíram dos eleitores na faixa dos 20 anos de idade. A maioria apoiava uma privatização da qual não sabe o significado. Mas foi na oposição que o PLD teve seu maior aliado. Sem conseguir se contrapor no debate público
Pentagono
Partido do primeiro-ministro Koizumi vence eleições e abre caminho para a privatização dos Correios
O argumento usado pelo primeiro-ministro, Junichiro Koizumi, para defender a privatização dos Correios é de que essa medida resolverá os problemas econômicos do país. Só para refrescar a memória dos brasileiros, esse mesmo expediente foi usado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso para vender as estatais brasileiras. As empresas foram transferidas para os empresários e grupos estrangeiros, mas ocorre que a prometida época da bonança acabou não surgindo. Pelo menos para o povo. Uma das questões centrais da sociedade japonesa é a profunda crise da Previdência que ameaça paralisar a economia nos próximos 25 anos. Por volta do ano 2025, 25% da população estará com mais de 65 anos – fato que vai impactar o sistema previdenciário do país, reduzindo a população economicamente ativa. Os dois fatores combinados significam mais gente recebendo os benefícios e menos gente no mercado de trabalho contribuindo. Mesmo sabendo disso, o governo não toma nenhuma medida para reanimar os indíces de natalidade, que há anos estão negativos. Com impostos cada vez mais pesados, longas jornadas de trabalho e custo de vida cada vez mais alto, os jovens japoneses evitam ter filhos, temendo mais compromissos em um futuro
próximo que promete ser de grandes dificuldades. Durante a campanha, Koizumi insistiu na tese de que a privatização dos Correios injetaria 3,3 trilhões de dólares na economia. Assim, conseguiu desviar as atenções da crise da Previdência, da presença japonesa no Iraque, da crescente queda da taxa de nascimento, dos escândalos de corrupção envolvendo parte da cúpula do Partido Liberal Democrático (PLD) e dos tímidos resultados da economia japonesa, a segunda maior economia do planeta.
INDICADORES Enquanto o governo aponta para os pequenos resultados da economia, os índices sociais estão sendo encobertos, como o crescimento do número de suicídios por problemas econômicos e da violência entre os jovens, sem falar no crescimento da população sem-teto. Agora, nessa fase pós-eleições, Koizumi começa a reunir o Comitê que vai dirigir a privatização dos Correios e decidir para onde vão os 3,3 trilhões de dólares arrecadados. Provavelmente, esses recursos vão parar nas mãos das empreteiras, aquecendo o mercado da construção civil, já que o montante não é suficiente para aquecer definitivamente a economia japonesa. (CK)
Jovens protestam contra a privatização dos Correios
RESISTÊNCIA
Tarik Abdelazim de Binghamton (EUA) Quatro operários católicos – Teresa Grady, Peter DeMott, Clare Grady e Daniel Burns – estão correndo o risco de pegar até seis anos de prisão por participarem de um ato pacífico. A manifestação se opunha à decisão do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, de invadir o Iraque e ocorreu no dia 17 de março de 2003, dois dias antes de o Exército estadunidense iniciar os ataques ao país do Oriente Médio. Os operários, naturais de Ithaca (cidade estadunidense do Estado de Nova York), estão sendo julgados, desde o dia 19, sob acusações de conspiração federal e outras menos graves. Podem ser condenados também a passar um período de condicional e a pagar uma multa de 250 mil dólares. Bill Quigley, professor de Direito na Universidade Loyola, em Nova Orleans, e advogado dos acusados, explicou que o processo é um simples caso de intimidação. “O governo federal está claramente tentando fazer destas pessoas um exemplo e intimidar quem futuramente
queiram protestar, acusando estas pessoas de conspiração”, avaliou. Na referida manifestação de março de 2003, os quatro moradores de Ithaca – apelidados desde então de “Os Quatro de São Patrício” – entraram em um centro de recrutamento militar nos arredores da cidade e, simbolicamente, mancharam alguns itens, como os cartazes de recrutamento e a bandeira dos Estados Unidos, com um pouco do seu próprio sangue. Em seguida, se ajoelharam, rezaram e esperaram pelas autoridades.
Pentagono
Bush tenta prender ativistas antiguerra
PROCESSO Julgados no Tribunal do Município de Tompkins em abril de 2004 pela acusação de dano criminoso e invasão, os quatro operários, pais e mães de família, decidiram elaborar sua própria defesa sem advogados e apresentaram argumentos incisivos, juntando história, moral e legislação constitucional e internacional. O resultado: 9 dos 11 jurados votaram pela inocência dos réus. Meses depois do julgamento, o juiz David Peebles admitiu que os quatro tinham se defendido a si mesmos “provavelmente melhor do que alguns
Governo Bush viola direitos civis no Iraque e em seu próprio país
dos advogados que praticam neste município, com franqueza”. No entanto, em fevereiro, as autoridades federais decidiram levar o caso a novo julgamento. Ao que
tudo indica, os operários não vão poder apresentar a mesma defesa que se mostrou ser tão persuasiva em seu primeiro julgamento. Há alguns meses, Thomas J. McAvoy,
juiz estadunidense sênior do distrito norte do Estado de Nova York, ditou uma norma dizendo: “Este tribunal não apresenta nenhuma opinião sobre a guerra no Iraque, porque isso é totalmente irrelevante a este assunto. Assumindo que seja uma guerra ilegal, isso não fornece uma justificativa para violar as leis criminais dos Estados Unidos.” Teresa Grady, uma das acusadas, respondeu: “Numa clara violação dos princípios de Nüremberg e da Constituição, (o juiz McAvoy) determinou que a legislação doméstica suplanta a legislação internacional”. Reagindo diretamente à regra ditada por Thomas J. McAvoy, pessoas que apóiam os Quatro de São Patrício convidaram testemunhas técnicas competentes para apresentar a defesa legal, histórica, e moral da resistência cívica a esta guerra injusta. Com o nome de “Tribunal dos Cidadãos e Cidadãs sobre o Iraque”, este evento de cinco dias será realizado ao mesmo tempo que a primeira semana do julgamento. Para ler sobre o programa do Tribunal e saber mais sobre o julgamento, veja a página da internet www.stpatricksfour.org
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INTERNACIONAL ÁFRICA DO SUL
Reforma agrária: dificuldades e lentidão H
erança da era colonial e do apartheid, abolido em 1994, as desigualdades raciais da África do Sul seguem refletindo-se na propriedade da terra, apesar dos esforços para incorporar a maioria negra sem-terra à produção agropecuária. Como agricultores emergentes, os negros, que anteriormente tiveram suas terras confiscadas durante o regime de segregação racial – e depois impedidos de comprá-las – enfrentam uma série de problemas, que vão desde o acesso a empréstimos até a falta de capacitação técnica. “O banco insiste em querer garantias que os camponeses não podem fornecer”, disse Lobias Mosadi, subdiretor da Unidade de Apoio à Implementação do Departamento de Agricultura e Assuntos
ÁFRICA DO SUL Localização: África Austral (do Sul) Nacionalidade: sul-africana Principais Cidades: Pretória (capital administrativa), Cidade do Cabo (capital legislativa), Bloemfontein (capital judiciária); Johannesburgo, Durban, Port Elizabeth Línguas: inglês, africâner, xhosa, zulu, sotho, entre outras oficiais Divisão política: nove províncias Regime político: república presidencialista População: 44 milhões Moeda: rand Religiões: cristã, hindu e islâmica
De um lado, sul-africanos vivem em condições precárias devido à falta de terra; do outro, brancos se fecham em condomínios
da Terra. O governo se viu obrigado a intervir. “Agora, o banco dá um empréstimo somente depois que um camponês tenha recebido um subsidio do governo”, destacou Mosadi. Depois do apartheid, o regime segregacionista branco que durou boa parte do século 20, o governo se propôs a transferir 30% da terra da minoria branca para agricultores negros até 2015. Até agora, no entanto, só 3,1 milhões de hectares mudaram de donos – uma pequena fração da quantidade total de terras pertencentes aos brancos –, ao todo 1,2 milhão de pessoas se beneficiaram do plano de reforma agrária. Isto despertou temor de que não se possa alcançar o objetivo traçado.
PREÇOS INFLACIONADOS A situação na Provincia Noroeste reflete o quão lentamente se está processando a transferência de terras. As autoridades provinciais querem distribuir dois milhões de hectares de terra até 2014, mas em março deste ano só haviam transferido 73.155 hectares. “Não é fácil abordar assuntos de terra em um país como a África do Sul, que, todavia, está emergindo de seu passado”, afirmou Nick Seobi, que trabalha para o Departa-
ÁFRICA – ONU
Continente está longe de atingir as metas da Redação A Comissão Econômica para a África afirmou, dia 14, que muitos países do continente serão incapazes de cumprir até 2015 os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). A conclusão foi anunciada pelo diretor de Políticas Sociais e Econômicas da Comissão, Augustin Fosu, ao divulgar um relatório sobre o cumprimento das metas na África. A Comissão Econômica para a África foi criada em 1958, sob a direção da ONU. Sua missão é apoiar o desenvolvimento social e econômico dos 53 países do continente, incentivar a integração e promover a cooperação internacional. O relatório estabelece que, sobre o objetivo de erradicação da pobreza e da fome, o número de pessoas afetadas por esses males aumentou em cerca de 90 milhões desde os anos 1990. Além disso, “a renda média da população pobre diminuiu, o que indica uma piora da distribuição em cada país”, acrescenta o documento. O texto sustenta ainda que pelo menos 14 países da África subsaariana conseguiram reduzir a população faÁfrica subsaariana minta em cerca – Abrange todos os de 25%. países de populaDe acordo com ção negra situados ao sul do deserto dados da Codo Saara. missão, citando sistemas de medição do Banco Mundial,o grau de desnutrição que pre-
valece na África subsaariana é ainda alto, de 40%. Houve avanços na meta de dar a todas as crianças acesso ao ensino básico. O número de crianças na escola aumentou de 50%, em 1990, para 61% dez anos depois. O progresso, no entanto, está longe de alcançar o objetivo para 2015, especialmente levando em conta que apenas 55% das crianças africanas completam a educação básica, contra 57% em 1995. Quanto ao tema da mortalidade infantil, se percebe uma redução “dolorosamente lenta” na África subsaariana. Em 1990, era de 186 por mil entre os menores de cinco anos. Em 2002, de 174 por mil. No norte da África, no entanto, o índice passou de 87 por mil em 1990 para 39 por mil em 2003, graças, entre outras razões, às campanhas de vacinação nessa região (93% das crianças contra 61% na África subsaariana). O relatório da Comissão Econômica para a África sustenta também que 7% da população da África está infectada com o vírus da Aids. A malária continua sendo a maior causa de mortes, especialmente entre as crianças. O norte da África demonstra maiores progressos quanto à proteção do meio ambiente e à luta contra o desmatamento. Apenas 1% do solo da região é afetado pelo problema. No resto do continente, chega a 33%. (Com agências internacionais)
mento de Agricultura do Noroeste, com sede em Mafikeng, a capital da província. Alguns alegam que os agricultores brancos inflacionaram os preços de suas terras para ganhar injustamente. ”O ritmo da reforma tem sido negativamente influenciado pelo enfoque do comprador disposto, vendedor disposto”, disse o vice-presidente Phumzile Mlambo-Ngcuka em um discurso antes da reunião da Cúpula da Terra, realizada de 27 a 31 de julho, em Johannesburgo, capital financeira da África do Sul. No entanto, Hans Van der Merwe, diretor do Agrisa, uma associação majoritariamente composta por produtores agropecuários brancos,
advertiu contra qualquer intenção de interferir nesse sistema.
POLÊMICA DO CONFISCO A terra é um assunto delicado em toda África meridional. No Zimbábue, as ocupações foram executadas por veteranos da luta pela independência nos anos 1970, assim como por militantes governistas, para corrigir os desequilíbrios raciais em matéria de propriedade de terras herdadas da era colonial. Em 2000, quando o governo iniciou a reforma agrária com ocupações, quase todas as melhores terras agrícolas eram propriedade de uns 4.500 fazendeiros e agricultores brancos. Em Namíbia, o governo tem se
empenhado em comprar fazendas pertencentes a brancos, para agilizar a distribuição da terra. O primeiro destes esforços se completou na semana passada. Diz-se que aproximadamente 4.000 brancos possuem quase a metade das melhores terras do país. Enquanto segue o debate sobre qual é a melhor maneira de efetuar uma reforma agrária na África do Sul, os esforços para descentralizar o processo de distribuição parecem ter ajudado. “Agora, a maioria das decisões é tomada no interior, para não sufocar o programa. Somente uns poucos casos são remetidos ao governo federal”, disse Seobi. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
ANÁLISE
Investimentos estrangeiros produzem efeitos perversos Philippe Bernard A Organização das Nações Unidas (ONU) analisa a “marginalização” do continente africano: será que atrair os investimentos estrangeiros para a África, privatizando e limitando o papel dos Estados, permite garantir o desenvolvimento? Seguramente não, responde a Conferência das Nações Unidas para o comércio e o desenvolvimento (Unctad) num relatório que foi publicado dia 13, no momento em que estava sendo realizada a cúpula da ONU em Nova York (EUA). O documento que atropela um bom número de idéias liberais dominantes, as quais acabaram conduzindo à aplicação do “remédio de cavalo” do “ajuste estrutural” imposto à África e à redução da ajuda pública, baseia-se numa constatação calamitosa: o fluxo dos investimentos estrangeiros diretos aumentou sensivelmente desde os anos 1990, mas o continente negro não parou de perder terreno na escala planetária. De fato, ele recebe apenas de 2% a 3% dos fluxos mundiais de capitais contra 28% em 1976, enquanto a sua participação no comércio internacional é apenas superior a 2%, contra 6% em 1980. “A África está marginalizada dentro de uma economia cada vez mais globalizada”, explica assim este relatório que, no seu título, apela a “repensar o papel dos investimentos estrangeiros diretos”. Multiplicação dos enclaves dedicados à exportação de recursos provenientes da mineração, os quais são entregues para as transnacionais que não têm nenhum vínculo com a economia local; separação entre os interesses dos investidores estrangeiros e os dos países que os acolhem; generosos incentivos fiscais que comprometem as receitas dos Estados; busca do lucro imediato em detrimento da extensão das capacidades de produção; peso da história colonial que limita a diversificação dos parceiros... É extensa a lista dos processos que transformam os investimentos
Arquivo Brasil de Fato
Moyiga Nduru de Mafikeng (África do Sul)
Fotos: Paulo Pereira Lima
População negra enfrenta problemas com a falta de terra e de financiamento
Africanos sofrem com globalização financeira, que só beneficia transnacionais
estrangeiros em instrumentos de “integração” na economia mundial, em detrimento da consolidação das economias nacionais, e que fazem com que os fluxos capitais pretensamente salvadores sejam, de fato, um “verdadeiro perigo”. Enquanto na África os três quartos dos investimentos estrangeiros convergem para os 24 países produtores de petróleo e de minerais, o setor agrícola beneficia pouco dos capitais exteriores. Ele permanece confinado à produção bruta, mas não conduz à emergência de um setor agro-alimentício ou têxtil. Contudo, esta mutação permitiria acabar com a dependência em relação aos produtos de base, cujas cotações são incertas. O relatório aponta o fato de que em Gana, onde as exportações de ouro triplicaram em quinze anos, o Estado recebeu apenas 5% do valor total dessa dádiva. Na África do Sul e no Gabão, as retiradas de lucros ultrapassaram as contribuições com in-
vestimentos estrangeiros. O relatório lembra que três países apenas – os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a França – geram 70% dos fluxos. Um erro básico de análise é responsável em grande parte por esses resultados “no melhor dos casos decepcionantes”: os africanos foram incentivados a abrir suas fronteiras antes que a sua economia seja competitiva. Assim fazendo, não foi levado em conta que os investimentos estrangeiros “acompanham o desenvolvimento, sem estimulá-lo efetivamente”. O relatório apela à implantação de políticas de Estado que sejam capazes de mobilizar os recursos domésticos “por meio da retomada dos investimentos públicos e da formação de uma função pública independente e competente”. Philippe Bernard é jornalista do Le Monde Diplomatique, veículo parceiro do Brasil de Fato, www.monde-diplomatique.fr
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DEBATE IMPERIALISMO
As guerras mentem Eduardo Galeano izem que as guerras acontecem por razões nobres: a segurança internacional, a dignidade nacional, a democracia, a liberdade, a ordem, o mandato da Civilização ou a vontade de Deus. Nenhuma tem a honestidade de confessar: “Mato para roubar”. Não menos de três milhões de civis morreram no Congo ao longo da guerra de quatro anos que acabou no final de 2002. Morreram pelo coltan, mas nem eles o sabiam. O coltan é um mineral raro, e seu raro nome designa a mistura de dois raros minerais chamados columbita e tantalita. Pouco ou nada valia o coltan, até que se descobriu que é indispensável para a fabricação de telefone celular, naves espaciais, computadores e mísseis. Então, passou a ser mais caro do que o ouro.
E a obsessão contra Chávez? Não tem nada a ver com o petróleo da Venezuela esta frenética campanha que ameaça matar, em nome da democracia, o ditador que ganhou nove eleições limpas? Quase todas as reservas conhecidas de coltan estão nas areias do Congo. Há mais de 40 anos, Patrício Lumumba foi sacrificado em um altar de ouro e diamantes. Seu país volta a matá-lo a cada dia. O Congo, país paupérrimo, é riquíssimo em minerais, e esse presente da natureza continua sendo a maldição da história. Os africanos o chamam de “petróleo excremento do Diabo”. Em 1978, se descobriu petróleo no sul do Sudão. Sete anos depois, sabe-se que as reservas chegam a mais do que o dobro, e a maior quantidade está a oeste do país, na região de Darfur. Ali ocorreu recentemente, e conti-
Kipper
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nua ocorrendo, outra matança. Muitos camponeses negros, dois milhões segundo algumas estimativas, fugiram ou sucumbiram, a tiros, facadas ou fome, na passagem das milícias árabes que o governo apóia com tanques e helicópteros. Esta guerra se disfarça de conflito étnico e religioso entre os pastores árabes, islâmicos e os famintos negros, cristão e animistas. Mas ocorre que as aldeias incendiadas e as plantações arrasadas estavam onde agora começam a surgir torres de petróleo que perfuram a terra.
Foi o Irã o país que jogou as bombas nucleares sobre a população civil de Hiroshima e Nagasaki? A negação da evidência, injustamente atribuída aos bêbados, é o mais notório costume do presidente do planeta, que gra-
ças a Deus não bebe uma gota. Ele continua afirmando, dia sim outro também, que sua guerra do Iraque não tem nada a ver com o petróleo. “Nos enganamos escondendo informação sistematicamente”, escrevia desde o Iraque, lá por volta de 1920, um tal Lawrence da Arábia: “O povo da Inglaterra foi levado à Mesopotâmia para cair em uma armadilha da qual será difícil sair com dignidade e com honra”. Sei que a história não se repete; mas às vezes duvido. E a obsessão contra Chávez? Não tem nada a ver com o petróleo da Venezuela esta frenética campanha que ameaça matar, em nome da democracia, o ditador que ganhou nove eleições limpas? E os contínuos gritos de alarme pelo perigo nuclear iraniano não têm nada a ver com o fato de o Irã possuir uma das reservas de gás mais ricas do mundo? Se não for assim, como se explica isso de perigo nuclear? Foi o Irã o país que jogou as bombas nucleares sobre a população civil de Hiroshima e Nagasaki?
A empresa Bechtel, com sede na Califórnia, havia recebido em concessão, por 40 anos, a água de Cochabamba. Toda a água, incluindo as das chuvas. Nem bem se instalou, triplicou as tarifas. Uma revolta se instalou e a empresa teve de deixar a Bolívia. O presidente Bush se apiedou da expulsão e a consolou dandolhe a água do Iraque. Muito generoso de sua parte. O Iraque não só é digno de aniquilamento por sua fabulosa riqueza petrolífera: este país, regado pelos rios Tigre e Eufrates, também merece o pior porque é a mais rica fonte de água doce de todo o Oriente Médio. O mundo está sedento. Os venenos químicos apodrecem os rios e as secas os exterminam, a sociedade de consumo consome cada vez mais água, a água é cada vez menos potável e cada vez mais escassa. Todos dizem, todos sabem: as guerras do petróleo serão, amanhã, guerras da água. Na realidade, as guerras da água já estão ocorrendo. São guerras de conquista, mas os invasores não lançam bombas nem desembarcam tropas. Viajam vestidos de civil estes tecnocratas internacionais que submetem os países pobres a estado de sítio e exigem privatização ou morte. Suas armas, mortíferos instrumentos de extorsão e de castigo, não fazem volume nem barulho.
As guerras do petróleo serão, amanhã, guerras da água. Na realidade, as guerras da água já estão ocorrendo O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, dois dentes da mesma pinça, impuseram, nos últimos anos, a privatização da água em 16 países pobres. Entre eles, alguns dos mais pobres do mundo, como Benin, Níger, Moçambique, Ruanda, Iêmen, Tanzânia, Camarões, Honduras, Nicarágua... O argumento era irrefutável: ou entregam a água ou não haverá
clemência com a dívida nem empréstimos novos. Os especialistas também tiveram a paciência de explicar que não faziam isso para desmantelar soberanias, mas por ajudar a modernização dos países afundados no atraso pela ineficiência do Estado. E se as contas da água privatizada resultavam impagáveis para a maioria da população, tanto melhor: quem sabe assim se despertaria finalmente sua adormecida vontade de trabalho e superação pessoal. Na democracia, quem manda? Os funcionários internacionais das altas finanças, em quem ninguém votou?
O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, dois dentes da mesma pinça, impuseram, nos últimos anos, a privatização da água em 16 países pobres No final de outubro do ano passado, um plebiscito decidiu o destino da água no Uruguai. A grande maioria da população votou, por esmagadora maioria, confirmando que a água é um serviço público e um direito de todos. Foi uma vitória da democracia contra a tradição de impotência, que nos ensina que somos incapazes de gerir a água ou outra coisa; e contra a má fama da propriedade pública, desprestigiada pelos políticos que a usam e maltratam, como se o que é de todos fosse de ninguém. O plebiscito do Uruguai não teve nenhuma repercussão internacional. Os grandes meios de comunicação não se inteiraram desta batalha da guerra da água, perdida pelos que sempre ganham; e o exemplo não contagiou nenhum país do mundo. Este foi o primeiro plebiscito da água e até agora, pelo que se sabe, foi também o último. Eduardo Galeano é escritor e jornalista uruguaio, autor de As veias abertas da América Latina e Memórias do fogo
FARROUPILHA
A revolução dos fazendeiros Mário Maestri A Guerra Farroupilha (183545) foi um entre os muitos movimentos liberais provinciais contra o centralismo do Império e, a seguir, as tímidas concessões regenciais. A crise que abalava o Brasil era alimentada pelas dificuldades da economia escravista. Movimentos como a Balaiada e a Cabanagem radicalizaram-se com a participação das classes subalternizadas, levando os liberais regionais a abandonarem a luta. O movimento farrapo interpretou as reivindicações dos criadores do meridião do RS. Sua longevidade deveu-se também à capacidade dos seus chefes de manterem as classes infames na sujeição. A revolta não galvanizou todo o RS. Os comerciantes, a população urbana, os colonos alemães mantiveram-se neutros ou optaram pelo Império, pois o programa farroupilha opunha-se aos seus interesses. Charqueadores e comerciantes escravistas temiam que a separação comprometesse o tráfico negreiro. Essas defecções facilitaram a perda das grandes cidades e do
litoral. Porto Alegre sublevou-se e resistiu aos farroupilhas, recebendo do Império o título de “Mui leal e valorosa”. Em 1835, os farroupilhas dominavam a província. Em 1845, apenas as bordas da fronteira. Propõe-se caráter progressista ao movimento porque parte das suas tropas era formada por peões, nativos e ex-cativos. Os gaúchos eram em geral descendentes de nativos que haviam perdido as terras comunitárias para os criadores. Eles acompanhavam os caudilhos nos combates como o faziam nas lides campeiras. O gaúcho buscava na guerra churrasco, saque e soldo. A política era monopólio dos proprietários. Era antigo direito do homem livre substituir-se por, em geral, um liberto, quando arrolado. Os libertos eram obrigados a combater nas tropas farroupilhas; preferiam a guerra à escravidão; creram na promessa da liberdade. Os chefes farroupilhas reforçavam as tropas com cativos comprados. Não houve democracia racial farroupilha. Negros e brancos marchavam, acampavam e mor-
riam separados. Eram brancos os oficiais dos soldados negros. Em suas Memórias, Garibaldi lembrava: “[...] todos negros, exceto os oficiais [...].” Para a Constituição republicana eram cidadãos apenas os “homens livres”. A República apoiava-se no latifúndio e na escravatura. Os chefes farroupilhas jamais prometeram terras aos gaúchos e liberdade aos cativos, como Artigas. Eles dependiam dos cativos para explorar as fazendas. Terra e liberdade eram conquistas que deviam nascer das reivindicações das então frágeis classes sociais. Não foi por democratismo que os farroupilhas exigiram do Império respeito à liberdade dos soldados negros. Eles receavam que se formasse guerrilha negra e que os ex-cativos se homiziassem no Uruguai. O Império não aceitava que negros gozassem da liberdade por combaterem a monarquia. A solução encontrada foi o massacre do serro de Porongos, quando o general David Canabarro, chefe militar republicano, em conluio com o barão de Caxias, entregou os soldados negros
aos inimigos, no mais vil fato de armas da história militar do Brasil. Carta do barão elucidou as razões da falsa surpresa militar. Caxias ordenou ao coronel Francisco de Abreu que não temesse surpreender os rebeldes. A infantaria farrapa estaria desarmada, devido à “ordem de um ministro e do general-em-chefe”. Ele esperava que o “negócio secreto” levasse em “poucos dias ao fim da revolta” e solucionasse o caso dos soldados negros. Caxias ordenava: “[...] poupe o sangue brasileiro quando puder, particularmente de gente branca da província ou índios, [...] esta pobre gente ainda nos pode ser útil no futuro.” Preparava já a intervenção no Prata, na qual os ex-farrapos marcharam com o Império, em defesa das suas fazendas no Uruguai. Na madrugada de 14 de novembro de 1844, as tropas imperiais caíram sobre os 1.200 soldados farroupilhas. Cem combatentes foram mortos e 333 presos. Eram sobretudo negros. A infâmia abriu as portas à rendição acertada em Ponche Verde. O Império pagaria as contas
republicanas e manteria os postos dos oficiais. Os rebeldes aceitariam a anistia e entregariam os soldados negros restantes. Em novembro de 1844, 220 lanceiros, aprisionados em Porongos e no Arroio Grande, foram remetidos ao Rio de Janeiro. Em início de 1845, 120 soldados negros foram entregues aos imperiais. Na Corte, em 1848, eles trabalhavam como cativos no Arsenal e na fazenda de Santa Cruz, como assinala Moacyr Flores em Negros na Revolução Farroupilha (Porto Alegre: EST, 2004). Neste 20 de setembro, merece celebração sobretudo a vontade libertária dos milhares de cativos que aproveitaram o confronto senhorial para aquilombar-se e fugir sobretudo para o Uruguai, seguindo a sábia lembrança de que, se “Deus é grande, o mato é maior!” Mário Maestri é historiador e professor da Universidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. É autor, entre outros, de Depoimentos de escravos brasileiros
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AGENDA SÃO PAULO
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LANÇAMENTO DA AGENDA LATINO-AMERICANA MUNDIAL 2006 30, 19h Desde 1993 é lançada a edição brasileira da Agenda Latino-Americana, com uma cerimônia no Parlamento Latino-Americano. Em 2006, o tema da Agenda será “Para outra humanidade, outra informação”, a partir do qual será tratada a questão das estratégias de comunicação como resistência contra o império. Participarão do lançamento o bispo dom Tomás Balduíno, a professora Maria Aparecida Aquino, o escritor Ferréz, o cartunista Carlos Latuff, uma representante da Marcha Mundial de Mulheres, entre outros. A agenda consiste em um livro que traz, para cada dia, as datas importantes das lutas dos povos do continente latinoamericano, os nomes de seus mártires e textos de jornalistas, pesquisadores e religiosos sobre assuntos atuais. A publicação também contém importantes fontes de informações em todo o mundo. Local: Parlamento Latino-Americano, Av. Auro Soares de Moura Andrade, 564, São Paulo Mais informações: (11) 3824-6325
bargador Moreira, 2807, Fortaleza Mais informações: eudes.ce@uol.com.br
NACIONAL
áreas da economia dissecam as relações entre mercado financeiro e a hegemonia (militar, política, no mercado de câmbio etc.) estadunidense. Na disputa políticaeconômica mundial, os autores questionam se a Europa representa de fato uma “alternativa” ou se é apenas um ponto de apoio para o capital financeiro em investimentos na região, na América Latina e na Europa Oriental. A obra explica, de modo claro e abrangente, com ensaios que dialogam e completam uns aos outros, a face real da globalização neoliberal: uma intrincada rede de interesses construída pelos mercados financeiros internacionais, sob a necessidade voraz de reprodução do capital que gera ilusões de riqueza, desestrutura países e estimula guerras em nome do lucro. O livro, editado pela Boitempo Editorial, tem 256 páginas e custa R$ 37. Mais informações: www.boitempoeditorial.com.br
REVISTA PALMARES Iniciativa da Fundação Cultural Palmares, do Ministério da Cultura, está sendo lançada a revista Palmares, veículo de divulgação da produção cultural de artistas, militantes e intelectuais negros brasileiros. A publicação chega ao mercado editorial com 96 páginas, dividida em nove editorias, ensaio visual em cores. A proposta é de integrar os estilos literários com diversidade de idéias e palavras. A principal reportagem da primeira edição da revista dá destaque para uma reflexão sobre a cultura brasileira, com textos de Gilberto Gil, Joel Rufino dos Santos e Marco Aurélio Luz. Mais informações: (61) 3424-0165 assecom@palmares.gov.br
LIVRO A FINANÇA MUNDIALIZADA - RAÍZES SOCIAIS E POLÍTICAS, CONFIGURAÇÃO, CONSEQÜÊNCIAS As relações e conseqüências dos poderes do mercado financeiro são analisadas e questionadas nessa coletânea organizada por François Chesnais, continuação e atualização de A mundialização financeira - gênese, custos e riscos, também lançado no Brasil. Na obra, Chesnais e mais 11 autores de diversas
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FRENTE BRASIL SEM ARMAS A Frente, que comanda a campanha pelo “sim” no referendo sobre a proibição do comércio de armas no Brasil, lançou um boletim diário com novidades e informações sobre o tema. Interessados em conhecer as novidades da campanha podem se cadastrar para receber o boletim no endereço www.referendosim.com.br/ cadastro.asp. O referendo sobre o desarmamento, o primeiro a ser realizado no Brasil, está marcado para o dia 23 de outubro.
CEARÁ SEMINÁRIOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA A partir de 29 Promovidos pela organização nãogovernamental Instituto Florestan Fernandes de Formação da Cidadania e do Desenvolvimento Humano, em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Prefeitura Municipal de Fortaleza, serão realizados cinco seminários temáticos sobre sócio-economia solidária. A iniciativa faz parte do projeto de Formação de Formadores em Socioeconomia Solidária e Desenvolvimento Local Sustentável para o Município de Fortaleza. Os debates têm como objetivo desenvolver ações de promoção das oportunidades de trabalho e renda de grupos de trabalhadores solidários, no âmbito das políticas de combate à exclusão social. Local: Auditório Murilo Aguiar, Assembléia Legislativa, Av. Desem-
EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA ITINERANTE - PERSPECTIVAS - CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RISCO NO BRASIL Até 12 de outubro O evento é uma iniciativa da Fondation Terre des hommes e reúne 35 fotografias de Pascal Bessaoud, Karin Zindel e Christian Knepper. Tendo como pano de fundo as comemorações dos 15 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), celebrados em julho, a exposição convida a sociedade a repensar seu olhar sobre meninos e meninas que vivem nas ruas das grandes cidades brasileiras. A exposição já passou pelo Rio de Janeiro e seguirá para São Luís e Brasília. Local: Espaço Mix do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, Praia de Iracema, Fortaleza Mais informações: (85) 3263-2172
SÃO PAULO DEBATE - A NATUREZA DA CRISE E PROJETO DE PODER 22, 19h30 Durante o encontro, promovido pela Associação dos Professores
da PUC-SP, serão discutidos temas como: governo Lula, PT e as esquerdas, sistema de repressão política, participação popular. Os debatedores serão: Carlos Eduardo Carvalho (economia); Vera Chaia (ciências sociais); Valdeci Tenório (teologia). Coordenação de Hamilton Octavio de Souza (jornalismo). Local: R. Monte Alegre, 984, sala 239, 2º andar, São Paulo Mais informações: apropuc@uol.com.br MOSTRA - CINEMA VENEZUELANO HOJE 27 de setembro a 2 de outubro Realizada pelo Centro Cultural São Paulo em parceria com o Consulado Geral da Venezuela em São Paulo, a mostra exibirá seis curtas e longasmetragens, produzidos no período de 1998 a 2000. Os filmes serão apresentados em suporte DVD e versão original em espanhol. Local: R. Vergueiro, São Paulo Mais informações: (11) 3277-3611 r. 221 DEBATE SOBRE ALBA 29, 19h A Coordenação dos Movimentos Sociais organiza o debate “Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba): integração soberana e luta contra o imperialismo e o neoliberalismo”, com participação do secretário de organização do Congresso Bolivariano dos Povos (CBP), Fernando Bossi, e de representantes da União Nacional dos Trabalhadores (UNT) da Venezuela. Entrada franca. Local: Sindicato dos Bancários de São Paulo, R. São Bento, 413, São Paulo Mais informações: (11) 2108-9200 2ª CONFERÊNCIA REGIONAL SOBRE MUDANÇAS GLOBAIS NA AMÉRICA DO SUL 6 a 10 de novembro O evento, promovido pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, pretende analisar as conseqüências das alterações climáticas geradas pelo aquecimento global na América do Sul. Local: Av. Ibirapuera, 2.927, São Paulo Mais informações: www.acquaviva.com.br/ mudglobais/Principal.asp
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CULTURA
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ENTREVISTA
O esporte, além do entretenimento Divulgação
Igor Ojeda da Redação
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O cronista estadunidense Dave Zirin conta, em seu livro, histórias de resistência política no mundo esportivo
“S
O cronista esportivo estadunidense Dave Zirin é editor do Prince George’s Post (jornal do condado de Prince George, em Maryland), onde escreve a coluna semanal Edge of Sports (EdgeOfSports.com). Colabora regularmente como comentarista esportivo no programa da rádio Air América “So What Else Is News”, que se propõe a desconstruir as notícias veiculadas pela mídia corporativa, e na revista Slam Magazine, especializada em basquete. Muhammad Ali, o atleta mais polêmico de sua época: apoio ao movimento negro e duras críticas à Guerra do Vietnã (1965-1975)
usam o esporte como uma boa oportunidade de foto e também durante os ciclos eleitorais. Estádios foram construídos nos EUA com dinheiro dos contribuintes. O Pentágono tem acordos comerciais com todas as grandes ligas para estimular o recrutamento: as Forças Armadas são um dos maiores patrocinadores das ligas de beisebol e futebol americano. Lembre-se que esporte, nos EUA, é um negócio de 220 bilhões de dólares, mais lucrativo que o aço estadunidense. É um processo muito político. O meu objetivo com o livro é lembrar a tradição radical nos esportes para se contrapor à “política de sempre” nas ligas profissionais.
Atletas, pessoas de esquerda, fãs de esportes em geral? Zirin – Eu queria que esse livro fosse lido por fãs de esportes que odeiam política e ativistas que odeiam esportes. Parece que vem cumprindo as duas metas, o que é muito excitante. BF – Você disse em uma entrevista que seu livro é sobre histórias escondidas de resistência. Por que essas histórias foram escondidas? Zirin – Elas estão escondidas pela mesma razão que a maioria das histórias de radicalismo nos EUA está escondida. Os EUA têm uma enorme tradição de lutas laborais, anti-racistas, batalhas contra opressão e por justiça social. O problema é que a mídia esportiva estadunidense é tão corporativa que sobra muito pouco oxigênio para contar a história esportiva de um povo.
BF – Por que o seu interesse por esse assunto? Zirin – Eu amo esportes. Sou um enorme fã da arte, da competição e da beleza nas disputas atléticas. Mas estou cheio e cansado de que os jogos que amo sejam usados como instrumentos para uma agenda que acho repulsiva. BF – Que tipo de agenda? Zirin – Por exemplo, o ufanismo e a transformação da mulher em objeto. BF – Que tipo de leitor você pretendia atingir com seu livro? Divulgação
Brasil de Fato – Esporte e política podem vir juntos? Devem vir juntos? Por quê? Dave Zirin – O fato é que esporte já é muito político, queiramos admitir ou não. Os políticos
Quem é
Nas Olimpíadas do México, atletas fazem um gesto típico dos Panteras Negras
BF – Foi muito difícil pesquisar para o livro, já que as histórias são secretas? Zirin – Algumas histórias foram muito difíceis de trazer à luz, mas as entrevistas ajudaram muito. Eu entrevistei pessoas como o cronista esportivo radical dos anos 1930 Lester “Red” Rodney (editor de esportes do jornal do Partido Comunista The Daily Worker, que, nos anos 1930 usou a publicação como um centro organizativo da luta pela integração racial no beisebol) e o atleta olímpico John Carlos (velocista medalha de bronze nas Olimpíadas de 1968, na Cidade do México, que, junto com Tommie Smith, medalha de ouro, subiu ao pódio erguendo o braço direito com as mãos cerradas e vestidas com luvas negras, em um gesto típico dos Panteras Negras, grupo político radical de defesa dos negros nos EUA). Eles me contaram suas histórias sem filtro. BF – Muhammad Ali é o personagem central do livro. Por quê? Ele é o personagem central da resistência política nos esportes nos EUA? Zirin – Esse livro é sobre a intersecção entre esporte e política radical. E o ponto alto dessa história é o momento quando o campeão mundial peso-pesado de boxe tinha um pé na luta pela liberdade dos negros e um pé no movimento antiguerra (Ali recusou-se a lutar na Guerra do Vietnã). Essa é a história do grande Muhammad Ali, a pessoa a quem de fato devo o título de meu livro.
Hoje fica difícil de imaginar, pois sua imagem é usada para vender de tudo, de Sprite a Microsoft, mas nos anos 1960 Ali foi o atleta mais polarizador, caluniado e destacado do planeta. O campeão tornou pública sua jornada política quando começou uma amizade com Malcolm X (líder do Movimento dos Muçulmanos Negros e mais tarde criador da organização Unidade Afro-Americana, não-religiosa e de inspiração socialista. Foi assassinado em fevereiro de 1965, com 13 tiros) e mudou seu nome de Cassius Clay primeiro para Cassius X e depois para Muhammad Ali. Não há palavras para descrever a tempestade que isso causou. O campeão dos peso-pesados, supostamente um símbolo da bandeira vermelha, branca e azul dos EUA, entra no Movimento dos Muçulmanos Negros, organização de Malcolm X que, de forma não-apologética, acreditava na violência dos negros em defesa própria. Se quiser pensar em uma comparação com os dias de hoje, imagine a filha de George W. Bush, Jenna Bush, casada com John Walker Lindh (jovem estadunidense preso em 2001 por lutar ao lado dos talebãs no Afeganistão). BF – E por que o título What´s my name, fool? (Qual é meu nome, idiota?)? Zirin – Chamar o campeão de Clay ou Ali dizia tudo sobre você. Dizia de que lado você estava na luta pela libertação dos negros, nas batalhas pelo direito à expressão e, em breve, na Guerra do Vietnã (1965-1975). Essa controvérsia sobre o nome alcançou seu auge em novembro de 1965, quando Ali lutou contra o patrioticamente e orgulhosamente chamado Floyd Patterson, boxeador que já havia sido duas vezes campeão mundial. Na coletiva de imprensa pré-luta, Patterson disse: “Esta luta é uma cruzada para recuperar o título dos muçulmanos negros. Como um católico, estou lutando contra Clay – e, sim, seu nome é Clay – como um dever patriótico para devolver a coroa para a América”. Ali prolongou a luta e golpeou Patterson brutalmente por nove rounds, gritando “Vamos América! Vamos, América Branca! Qual é meu nome? Meu nome é Clay? Qual é meu nome, idiota?” “Qual é meu nome, idiota?” foi uma declaração, um aviso de que uma voz emergente não seria silenciada.
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e eu ganhasse um dólar por cada coisa que há de errado no esporte, Bill Gates seria meu mordomo”, disse certa vez o cronista esportivo estadunidense Dave Zirin. Vivendo em Washington, capital dos Estados Unidos, Zirin se diferencia da imensa maioria dos colegas de profissão por seu estilo contestador. Critica o esporte como negócio e seu uso por políticos oportunistas. Sobretudo, abomina a mídia esportiva de seu país que, de tão corporativa, “diminui os esportistas que expressam opiniões políticas”. Segundo ele, nunca houve espaço nos jornais para demonstrações de resistência, ou para manifestações radicais no setor esportivo. São histórias muitas vezes escondidas, “pela mesma razão que a maioria das histórias de radicalismo nos EUA está escondida”. Mas agora Zirin se propõe a trazê-las à luz. Pela editora Haymarket Books (www.haymarketbooks.org), acaba de lançar o livro What’s my name, fool? Resistance in the United States (em tradução livre, Qual é meu nome, idiota? Esportes e resistência nos Estados Unidos). Na obra, resgata exemplos de resistência no esporte desde o começo do século 20 até os dias atuais. Exemplos como o de Marvin Miller, pioneiro na conquista de benefícios, pensões e melhores condições de trabalho para jogadores de beisebol na década de 1960. Ou como o de Jackie Robinson, primeiro negro a ingressar na liga profissional de beisebol, em 1947. Ou ainda como o de Pat Tillman, jogador de futebol americano do Arizona Cardinals que, apesar de voluntário para lutar no Afeganistão depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, recusou inúmeros convites do governo para fazer comerciais incentivando o alistamento (hoje, seus pais lutam contra Bush para saber a verdade sobre sua morte e contra o uso de sua imagem para fazer propaganda da guerra). Mas, principalmente, exemplos como o de Muhammad Ali, campeão mundial de boxe que, nos anos 1960, criou comoção nacional ao aderir à luta dos negros estadunidenses e ao movimento antiguerra – e que, além de tudo, inspirou o título do livro. Mas essa é uma história para o próprio Dave Zirin contar.
O pugilista Ali na capa do livro de Zirin
BF – Como foi a reação da sociedade e da mídia estadunidense aos exemplos de resistência no esporte? Zirin – Sempre depende do quão grandes são os movimentos sociais nos EUA. A mídia, quase de forma uniforme, diminui os esportistas que expressam opiniões políticas, principalmente se por trás do que eles falam há um movimento social avançado, ou se abraçam campanhas por justiça. BF – Parece que muitos dos exemplos de resistência no esporte têm um forte componente racial. É isso mesmo? Por quê? Zirin – Alguns têm. Isso acontece pelo modo como esporte e raça funcionam nos EUA. Esporte, na teoria, é um campo onde todos são iguais, então é um lugar onde os povos chamados “inferiores” podem desafiar idéias racistas em um ambiente muito público. BF – A Olimpíada é o melhor momento para protestar, como fizeram os Panteras Negras em 1968? Zirin – A Olimpíada é certamente o evento esportivo mais político e global do mundo. Então se torna uma plataforma onde os atletas podem expressar suas visões. BF – Você pretende um dia pesquisar histórias de resistência no esporte que aconteceram em outros países? Zirin – Certamente espero fazer isso em meus livros futuros, em especial pesquisar a função do futebol na Europa, África e América Latina. BF – Qual será o tema de seu próximo livro? Zirin – Quero pesquisar sobre futebol e movimentos sociais.