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Ano 3 • Número 136

R$ 2,00 São Paulo • De 6 a 12 de outubro de 2005

Uma vida pelo Rio São Francisco A

contrário, ele, que vive há mais de 30 anos à beira do rio e que, em 1993, conscientizou a população ribeirinha, percorrendo 6 mil quilômetros a pé, está disposto a entregar a sua vida pelo Velho Chico e pelo povo do rio. A determinação de frei Luiz tem recebido solidariedade em todo o país. Ocupações de pontes e estradas, peregrinação a Cabrobó, cartas de apoio e um abaixo-

assinado que será encaminhado ao presidente. Dia 4, frei Luiz recebeu mais uma comovente adesão à sua causa: três militantes do Movimento dos Pequenos Agricultores se juntaram a ele na greve de fome. Até o fechamento desta edição, o presidente Lula não tinha tomado qualquer iniciativa para evitar o sacrifício de vidas humanas. Págs. 2, 3 e 4

Roberto Pereira/AE

s águas do Rio São Francisco são o único alimento do frei Luiz Flávio Cappio, desde 26 de setembro – quando começou sua greve de fome contra o projeto de transposição das águas do rio. Bispo da diocese de Barra (BA), frei Luiz está em Cabrobó (PE), numa pequena capela à espera de um documento assinado por Lula, arquivando o projeto. Caso

Rodrigo Lobo/ JC Imagem/AE

Em greve de fome contra a transposição, frei Luiz conquista apoio da sociedade para defender o povo ribeirinho

Moradores de Cabrobó (PE) participam de romaria em apoio ao bispo dom Luiz Cappio, em greve de fome desde 26 de setembro. Ele só volta atrás se o presidente Lula suspender o projeto de transposição

Polícia mata sindicalista no RS

Até agosto, cada contribuinte comum pagou algo como R$ 231 em impostos de todo tipo – 80% do salário-mínimo. Mas só ele pagou, porque grandes grupos empresariais e sonegadores querem mais um perdão de impostos. Desde maio, tramita na Câmara projeto do deputado José Mentor (PT-SP) – acusado de envolvimento no suposto esquema do “mensalão” – que concede ampla anistia a quem remeteu dólares ilegalmente ao exterior. Em 2003, o governo tucano anistiou dívidas fiscais que hoje somam R$ 128 bilhões. Mesmo reparcelada, os sonegadores não querem pagar a dívida. Pág. 7

E mais: ÁFRICA – Apesar da falta de investimento em pesquisas, cientistas avançam na busca de uma vacina anti-HIV. Pág. 12 GUEVARA – Aleida, filha de Che, traz aos militantes brasileiros o legado do guerrilheiro em reflexões sobre a sociedade e a consciência do homem. Pág. 14

desempregados. Vítimas da política econômica vigente, eles denunciam as decisões governamentais de manter os juros altos e de aumentar impostos. Pág. 5

Despejo tucano – Polícia Militar do governo Alckmin despeja sem-teto de um prédio ocupado desde 2002 no Centro de São Paulo, onde viviam 350 pessoas

Crise do leite afeta pequenos produtores Com preços ao produtor com queda da ordem de 30%, o litro do leite atinge o seu menor valor dos últimos dois anos. E os pequenos produtores enfrentam uma das maiores crises dos últimos tempos. Além disso, o Ministério da Agricultura e Pecuária emitiu uma norma que exige sofisticada tecnologia de produção, muito distante da realidade das famílias associadas em cooperativas regionais. Pág. 13

Maringoni

De novo, lobby dos sonegadores para fugir da lei

to dos Sapateiros de Igrejinha. Jair, 31 anos, foi asfixiado com um cassetete no pescoço durante protesto de trabalhadores do setor coureiro-atacadista, que contabiliza cerca de 20 mil Fábio Mallart

Em truculenta repressão a uma manifestação pacífica, dia 30 de setembro, na cidade de Sapiranga (RS), a Polícia Militar provocou a morte de Jair Antônio da Costa, diretor do Sindica-

América do Sul amplia integração econômica Reduzir barreiras comerciais, realizar obras de infra-estrutura e cooperação na produção de energia foram as propostas apresenta-

das no encontro da Comunidade Sul-Americana de Nações, em Brasília, dia 30 de setembro. Pág. 9

A hora e a vez de o aborto não ser mais ilegal

Bancos devem R$ 25 bi, mas querem anistia

Fato inédito: o governo chamou para si a responsabilidade de debater o aborto. Por fim, a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, levou à Câmara, dia 27 de setembro, o anteprojeto de lei de descriminalização do aborto. Talvez o país possa legalizar o aborto, cuja clandestinidade é a quarta maior causa de morte materna. Pág. 8

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) pressiona o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que perdoe uma dívida de R$ 25 bilhões, resultante de práticas de corrupção cambial iniciadas na era Fernando Henrique Cardoso. Enquanto a anistia não sai, as instituições financeiras tentam conseguir a prescrição do débito, o que pode acontecer até o final do ano. Pág. 6

Pacho, vítima do terrorismo de Estado boliviano

Tuca: 40 anos de vanguarda e resistência

Pág. 10

Pág. 16

Reconstrução alternativa de Nova Orleans Movimentos sociais estadunidenses lançaram, no final de setembro, uma proposta para a reconstrução das cidades atingidas pelo furacão Katrina. Defendem a multiplicação de comitês locais e a implementação de políticas públicas que beneficiem a população pobre. O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, ignorou o plano social e deixou a reconstrução das cidades por conta das grandes corporações. Pág. 11


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De 6 a 12 de outubro de 2005

CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Jorge Pereira Filho, 5555 Paulo Pereira Lima • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, 5555 João Alexandre Peschanski, Luís Brasilino, Marcelo Netto Rodrigues, 5555 Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Assistente de redação: Bel Mercês 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Valdinei Arthur Siqueira 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

NOSSA OPINIÃO

Uma luta pela democracia

O

povo brasileiro está chocado. Um bispo está fazendo uma greve de fome há vários dias, para chamar atenção da população e do governo, e promete ir até as últimas conseqüências. O frade franciscano dom Luiz Flávio Cappio, bispo da diocese de Barra, às margens baianas do Rio São Francisco, é um homem de fé, conhecido pela coerência com que pratica suas idéias e ideais. O que pede o bispo? Que o governo suspenda o projeto faraônico de transposição do Rio São Francisco e abra mais espaço para discussões com o povo ribeirinho, com a sociedade e com as entidades empenhadas na revitalização do rio. A que ponto chegamos: um bispo precisa fazer greve de fome para sensibilizar o governo a debater com a sociedade um projeto que vai afetar a vida de milhões de pessoas. Um bispo precisa fazer uma greve de fome para fazer cumprir o que está na Constituição. Os temas candentes para a sociedade devem se decididos pelo povo. Nem os parlamentares, nem o Judiciário, nem o executivo tem esse direito. O povo é o detentor do mandato de decisão. Essa manifestação do bispo, que está recebendo a solidariedade de milhares de pessoas, personalidades, de toda a Igreja Católica, de outras igrejas e de todas as entidades da sociedade brasileira é apenas conseqüência da insensatez do governo. O Ministério da Integração Nacional – comprometido saiba lá São Francisco com que interesses – atropelou o processo e resol-

veu começar as obras em 2005, para concluir 30% ainda em 2006. Muitas entidades protestaram, nos últimos meses, mas o governo não deu bola. Se comportou como nos tempos da ditadura militar – aliás, o ministro Ciro Gomes deve ter apreendido os métodos nessa época, em sua juventude arenista. Aziz Abi Saber, fundador do PT, papa dos ambientalistas, conselheiro de Luiz Inácio Lula da Silva, cientista da USP, foi ignorado solenemente porque se manifestou contra a transposição. Há seca no semi-árido? Há. Atinge milhões de camponeses? Atinge. Falta água em Campina Grande? Falta. Mas será que a única solução é a transposição do Rio São Francisco? Os milhões de camponeses que vivem na pior região do semi-árido do Ceará, do Piauí e do Rio Grande do Norte não verão uma gota dessa água. A água do canal cearense, por exemplo, vai correr direto para o parque industrial do porto próximo a Fortaleza. Seria possível ter um canal, mais modesto, para levar água para Caruaru, Campina Grande? Quem sabe? E se forem, de fato, construídos os dois canais que o governo quer, quem vai pagar a conta da água? Quem vai querer tirar lucro disso? Alguns meses atrás, deputados federais aprovaram na Comissão de Constituição e Justiça o direito do povo debater e decidir por meio de plebiscito popular. E o projeto está parado. Por que o governo não

usa sua base parlamentar, que elege presidente da Câmara, para aprovar o direito de o povo decidir? As entidades representativas da sociedade e a população que será afetada quer apenas participar e decidir. É um direito constitucional. E é uma forma de exercitarmos a verdadeira democracia, sem intermediários. Quando o povo debate, se organiza, se manifesta, em geral decide melhor do que os governantes. Um exemplo de como é possível pensar em diferentes saídas: durante o governo FHC, o governo destinou recursos da Sudene e do BNDES – o equivalente a 300 milhões de dólares, poupança nacional, com juros irrisórios e a perder de vista – para a transnacional Monsanto construir uma fábrica de venenos no Pólo de Camaçari. Na época, o montante equivalia a R$ 900 milhões, dinheiro do Nordeste, que deveria ser utilizado para reduzir a pobreza, mas foi transferido para a maior transnacional da agricultura estadunidense. Existem no semi-árido nordestino um milhão de famílias de camponeses que passam necessidade de água. Construir uma cacimba doméstica custa R$ 900 reais. Se o governo tivesse destinado aquele dinheiro para construção de cacimbas, teria resolvido o problema de seca de um milhão de famílias de camponeses. Bem que o governo Lula poderia apreender com os erros do governo FHC. Em vez de repeti-los. E ouvir o povo, ouvir o bispo. Enquanto há tempo!

FALA ZÉ

OHI

CARTAS DOS LEITORES PARABÉNS Tenho acompanhado com muito interesse o Brasil de Fato. As matérias sobre o furacão Katrina e “A revolução dos fazendeiros” trouxeran enfoques distintos e inovadores que nos ajudam na reflexão. Gosto da forma simples e precisa das reportagens do Brasil de Fato. Trabalho num sindicato de trabalhadores e o jornal, que é colocado na mesa de leitura, é o que mais circula. Parabéns pelo trabalho. Margarete dos Santos por correio eletrônico SEVERINO E OS TUCANOS Deputados do PFL e do PSDB, principais eleitores de Severino, agora dizem que o referido deputado cobrava comissão até do restaurante que prestava serviço à Câmara. Ora, se o homem já era assim antes de ser guindado à presidência da Câmara, por que o colocaram lá? O mais curioso é que com um parlamento cheio de mensalões e mensalinhos (e não foram revelados nem um décimo dos casos escabrosos do nosso parlamento, porque não interessa à maioria dos parlamentares) a única forma política que o PSDB prega é o parlamentarismo, ou seja, mais poder pra quem rouba mais... Antonio Rodrigues de Souza São Paulo - SP LIBERTAÇÃO DO POVO Parabenizo toda a equipe envolvida neste grande trabalho de informação, que contribui para a construção de um projeto popular para o Brasil. Gostaria

de ressaltar a importância das reportagens do jornal que tratam de contar os fatos políticos da semana. Assim como acontece com as reportagens que tratam de contextualizar criticamente os números da economia (investimentos públicos e privados, PIB, desemprego, inflação), o resumo dos acontecimentos políticos auxiliam na contextualização de atos, discursos e bravatas que, isoladas no noticiário diário de rádios, TVs ou jornal impresso, tornam-se de difícil compreensão para uma leitura crítica da conjuntura. Acredito que o Brasil de Fato tem conseguido “costurar” estes fatos, oferecendo ao leitor importante material para analisar a grave conjuntura política que vive nosso país. Desta forma, esta cobertura factual reforça as análises que o próprio jornal apresenta, além de informar a elaboração de leituras de conjuntura construídas por militantes de todo o Brasil, e que muitas vezes estão acampados ou assentados em regiões em que a fonte de (des)informação mais difundida é a imprensa dominada pelos grandes grupos empresariais, que fragmenta intencionalmente a notícia e o fato, para torná-los incompreensíveis à análise do povo. Aos companheiros do Brasil de Fato, mais uma vez os parabéns e a vontade de que o jornal siga cumprindo esta importante tarefa de comunicar para a libertação do povo! Thomaz Ferreira Jensen São Paulo, SP

Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815

CRÔNICA

O PT e a esperança Leonardo Boff O vexame dado pela cúpula do Partido dos Trabalhadores (PT) envolvida em atos de corrupção produziu grande decepção e sentimento de indesculpável traição histórica. A vitória de Lula e do partido simbolizava a ruptura do estilo de poder com o qual as classes dominantes mantiveram sua dominação e que fizeram do Brasil um dos paises mais injustos do mundo, dito teologicamente, onde mais campeia o pecado social que penaliza pesadamente os pobres e ofende a Deus. Um tipo de sonho foi destruido. Mas não se destruiu a capacidade de sonhar. Esta capacidade é intrínseca ao ser humano, pois percebemos que o dado não é todo o real. Pertence ao real o potencial, o que ainda não é e pode ser. Por isso a utopia não se antagoniza com a realidade. Ela revela a dimensão potencial e ideal da realidade. Bem dizia o velho E. Durkheim: “A sociedade ideal não está fora da sociedade real: é parte dela”. Deste transfundo potencial nascem sempre as utopias. Sua função, já se disse belamente, é fazer-nos andar na medida em que vamos transformando as possibilidades em nova realidade. Esse é o desafio do novo PT: se refazer a partir de suas potencialidades internas. Podemos perder a fé e isso é grave

pois desaparece um sentido que vai além desta vida. Mas sobrevivemos. O que não podemos é perder a esperança, pois isso é trágico porque nos tira as razões de existir e de lutar. Então vivemos simplesmente porque não morremos, numa vida sem relevância. Uma das expressões mais significativas que encontrei da esperança foi na Tate Gallery de Londres, de um pintor da escola simbolista Georg Frederik Watts (1817-1904). O quadro mostrava a Terra em forma de esfera toda conturbada por ondas avassaladoras e coberta de nuvens negras. Sobre ela sentava uma mulher com uma longa saia branca totalmente molhada como quem sobrevivera de um grande naufrágio. Estranhamente tinha os olhos vendados, mas segurava na mão uma arpa, com todas as cordas arrebentadas, menos uma. Tocava esta única corda, com o ouvido colado a ela como se estivesse ouvindo uma melodia quase imperceptível. Era a melodia da esperança. Tudo naufragara menos essa melodia escondida na única corda. Enquanto houver ainda uma corda, pode-se refazer a melodia da Terra, consolar uma alma aflita e resgatar o sonho de um partido como o PT. O PT se propôs cumprir uma

missão histórica: melhorar a democracia na medida em que pudesse incorporar os milhões de excluídos através de um novo estilo de fazer política a partir das vítimas, vistas como sujeito histórico, consciente e organizado, com a ética da transparência, com propostas de mudanças e de distribuição de renda, fruto de um desenvolvimento socialmente justo e ecologicamente sustentado. Esse sonho não pode morrer. Ele representa um legado, a revolução possível dentro da democracia, revolução das grandes maiorias que já não podem mais esperar. A crise abriu uma chaga que vai sarar. As recentes eleições internas mostraram a vitalidade das bases. Há virtualidades ainda não ensaidas que configurarão o perfil renovado do PT. Esse desafio é dos militantes mas também dos cidadãos interessados numa política submetida à ética e a ética que se articula com o cuidado, com a responsabilidade e com a compaixão para com todos, para com os que sofrem, a Terra incluida. Com escreveu dom Pedro Casaldáliga: “Podem tirar-nos tudo, menos a esperança fiel”. Há ainda caminho. Leonardo Boff é teólogo e professor universitário. É também autor de mais de 60 livros

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De 6 a 12 de outubro de 2005

NACIONAL TRANSPOSIÇÃO

Greve de fome sensibiliza o Brasil N

o dia 4, três militantes do Movimento dos Pequenos Agricultores iniciaram uma greve de fome em Cabrobó (PE), pontes e estradas foram bloqueadas em quatro Estados do Semi-Árido, uma cerimônia ecumênica foi realizada na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, mais de mil pessoas protestaram nas ruas de Salvador (BA) e em frente ao Palácio do Planalto. Além disso, dezenas de entidades escreveram cartas e dez mil internautas subscreveram um abaixo-assinado eletrônico endereçado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Todas essas mobilizações são manifestações de apoio ao frei Luiz Flávio Cappio, bispo da diocese de Barra (BA), que desde o dia 26 de setembro se alimenta apenas de uma hóstia por dia e bebe água do Rio São Francisco. Ele garante que só volta a comer no dia que Lula desistir do projeto de transposição das águas do Velho Chico. A capela onde frei Luiz está fica em frente à Ilha da Assunção, três quilômetros distante de Cabrobó. Com o início da greve de fome, o lugar virou ponto de peregrinação. Na alvorada do dia 4, mil pessoas saíram em romaria de Cabrobó até a capela. Cantaram Parabéns pelo aniversário de 59 anos do bispo e ouviram dele as seguintes palavras: “Eu não quero morrer. Mas também não quero viver para ver morto este rio e morto o povo que vive dele”. Depois, chegaram 28 ônibus vindos de Sergipe, com cerca de 1,5

Amâncio Sena

Luís Brasilino da Redação

Maria Oberhofer

Coragem de bispo que luta contra a transposição do São Francisco inspira protestos em diversos pontos do país

Frei Luiz recebe apoio de trabalhadores rurais sem-terra e dos povos indígenas

mil manifestantes. Outras pessoas vieram da Bahia, de Minas Gerais e de Pernambuco, num total de 5 mil visitantes. “Aqui não interessa a morte, mas a vida. Nós estamos nessa luta pela vida do rio, pela vida do povo ribeirinho. E a gente gostaria que todos participassem dessa luta. Pois dessa luta depende a vida de todos nós. Que Deus abençoe e proteja a todos, com vida e saúde. Muito obrigado pela solidariedade de vocês!”, agradeceu frei Luiz. Ele passou o dia do seu aniversário recebendo as pessoas, uma a uma.

RADICALIZAR No período da tarde, os movimentos sociais e pastorais reuniram 800 pessoas na Assembléia dos Povos do Semi-Árido. Predominaram depoimentos na linha da ofensiva popular. “É o que não estava aconte-

cendo: o povo se mexer, confrontar os poderosos interesses que estão por trás da transposição. Sabemos que o lobby em defesa da transposição também deve estar agindo”, destaca Ruben Siqueira, coordenador do Projeto São Francisco da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Conselho Pastoral dos Pescadores. Desde o dia 1º ao lado de Cappio, Siqueira garante que a esperança depositada na vitória aumentará na medida em que se consiga multiplicar, fortalecer, propagar e ampliar o que o frei começou. “Se o presidente radicalizar e não ceder, vamos elevar o número de greves de fome e de atos como os que fizemos hoje (dia 4)”, anuncia o militante da CPT. Apoios para isso não faltam. “Sabemos que estamos diante de uma atitude extrema, mas também de grande generosidade. (...) Que

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) garantiu que, até dia 7, emite parecer sobre a licença de instalação da transposição do Rio São Francisco. Essa é a derradeira etapa legal que o governo federal precisa superar para iniciar a construção dos canais. Caso a permissão seja concedida, em poucos dias o exército irá a campo iniciar as obras, uma vez que o Tribunal de Contas da União (TCU) não concluiu o processo de licitação (previsto para o dia 26) e as empreiteiras não foram definidas. Trata-se da última demonstração do que o frei Luiz Flávio Cappio, em greve de fome, chama de “rolo compressor” do governo. O próprio Ibama, responsável agora pela palavra final acerca da construção, já deu mostras de subordinação às pressões vindas do Palácio do Planalto e do Ministério da Integração Nacional, o empreendedor do projeto. Dia 29 de abril, o Instituto concedeu a licença prévia da obra sem que nenhuma das audiências públicas programadas nos Estados doadores, onde a oposição ao projeto é mais forte, fosse realizada. Nas que aconteceram, o governo fez uma apresentação de duas horas e concedeu somente três minutos para cada integrante da platéia se manifestar. Essa postura fez o professor Apolo Heringer, coordenador do Projeto Manuelzão, de Minas Gerais, apontar a transposição como “a guerra do Iraque” do governo Luiz Inácio Lula da Silva, dada a falta de debates e de “seriedade”.

UM GOLPE No entanto, foi em janeiro que a Integração Nacional promoveu seu maior golpe na sociedade civil. Depois de uma batalha jurídica que se arrastou por quase dois meses, dia 17, o governo conseguiu reverter decisão do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF) que restringia o uso externo das águas do Rio São Francisco (o objetivo da transposição)

Caritas

O rolo compressor do governo

“Vocês não são os reais beneficiários deste projeto. Pior, vocês vão pagar pelo seu alto custo e pelo benefício dos privilegiados de sempre”, escreve dom Luiz

para consumo humano e animal, em caso de comprovada escassez de recursos hídricos. Tal resolução inviabilizaria a continuidade do projeto, pois seu objetivo principal é fomentar a atividade econômica. Além disso, diversas técnicas e uma nova mentalidade de convivência com o SemiÁrido já estão deixando claro que não falta água na região. Sendo assim, o governo convocou o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), composto por 57 integrantes, sendo 29 do Poder Executivo federal, e conseguiu suprimir a decisão do CBHSF – formado majoritariamente pela sociedade civil organizada. A nova determinação garantiu a disponibilidade de água para começar as obras. Dentro da institucionalidade,

resta ainda um último recurso para impedir a obra: um plebiscito sobre a transposição. Atualmente, o projeto tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados e seu relator, deputado Sérgio Miranda (PC do B-MG), antecipa que seu parecer será favorável à consulta popular, ainda que não tenha prazo para a emissão. No entanto, dada à atual crise política, a possibilidade de o plebiscito ser aprovado nos próximos meses é remota. Depois da CCJ, a proposta ainda precisa passar pelo plenário da Câmara e também pelo Senado. De todo modo, caso venha a ser realizada, a consulta popular tem o poder de suspender as obras em qualquer estágio que ela esteja. (LB)

Desde 26 de setembro em greve de fome contra a transposição, frei Luiz Cappio se alimenta apenas de uma hóstia por dia e bebe a água do Rio São Francisco

Deus ilumine igualmente nosso governo e nossa sociedade no encaminhamento de uma solução mais partilhada e convergente com relação às águas do Rio São Francisco e dos pobres do Nordeste”, escreveu a frei Luiz o cardeal Geraldo Majella, presidente da Conferência Nacional dos Bispos dos Brasil (CNBB). Dom Tomás Balduíno, presidente da CPT, endereçou mensagem a Cappio dizendo: “Acima de tudo, quero cumprimentá-lo pelo seu audacioso gesto de realizar essa greve de fome em solidariedade a todos os pobres do semi-árido, vítimas, no

passado, da ‘indústria da seca’ que corrompeu a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) no favorecimento a políticos e a empreiteiras, e futuras vítimas do mesmo favorecimento que virá com o faraônico projeto de transposição do Rio São Francisco”. A coragem de frei Luiz também é louvada pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), pela Articulação do Semi-Árido (ASA), pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), entre outras milhares de entidades, de maior ou menor porte, da sociedade civil.

Por que o frei não engole a transposição Dia 30 de setembro, frei Luiz Flávio Cappio escreveu ao povo do Nordeste: “Há muito tempo os poderosos querem fazer vocês acreditarem que só a água do Rio São Francisco pode resolver os problemas que vos afligem todos os anos no período da seca. Não é verdade. Estes mesmos problemas são vividos a pouca distância do Rio São Francisco. Ter água passando próxima não é a solução, se não houver a justa distribuição da água disponível. E temos, perto e longe do rio, muitas fontes de água: da chuva, dos rios e riachos temporários, do solo e do subsolo. O que está faltando é o aproveitamento e a administração competente e democrática dessas águas, de modo a torná-las acessíveis a todos, com prioridade para os pobres. Não lhes contam toda a verdade sobre este projeto da transposição. Ele não vai levar água a quem mais precisa, pois ela vai em direção aos açudes e barragens existentes e a maior parte, mais de 70%, é para irrigação, produção de camarão e indústria. Isso consta no projeto escrito. Além disso, vai encarecer o custo da água disponível e estabelecer a cobrança pela água além do que já pagam. Vocês não são os reais beneficiários deste projeto. Pior, vocês vão pagar pelo seu alto custo e pelo benefício dos privilegiados de sempre”. O professor João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco, de Recife (PE), especialista em recursos hídricos e desenvolvimento do Semi-Árido, expõe abaixo alguns erros do projeto de transposição que fundamentam a insatisfação do frei Luiz: 1 - Priorizar a transposição e deixar a revitalização em segundo plano: para a transposição está alocado R$ 1 bilhão no orçamento da união de 2005 e para a revitalização, R$ 100 milhões. 2 - Considerar insignificante o volume a ser retirado do rio

(cerca de 1% de água que joga no mar): deve-se considerar a vazão alocável de 360 m³/s e não a vazão média do rio, 2.800 m³/s. Assim, a retirada de 127 m³/s pode significar 47% do saldo atual para consumo. 3 - Considerar como possível o uso das águas de represa de Sobradinho para satisfazer o volume máximo requerido no projeto de 127 m³/s: Sobradinho atinge 94% de sua capacidade em 40% dos casos, ou seja, a cada dez anos, a represa fica cheia apenas quatro vezes. 4 - Desconsiderar que é um rio de múltiplos usos: já foram aplicados cerca de 13 bilhões de dólares no setor elétrico, a área irrigada cresce cerca de 4% ao ano e a navegabilidade está prejudicada em vários trechos pelos assoreamentos. 5 - Não-observância dos conflitos existentes nos usos das águas para irrigação e geração de energia: houve necessidade de racionar energia em 2001 e as alternativas energéticas ainda não são muito convincentes. 6 - As águas serão transportadas para regiões do Nordeste onde já são abundantes: Açude do Castanhão (CE) – 6,7 bilhões m³; Açude Armando Ribeiro Gonçalves (RN) 2,4 bilhões de m³; as regiões do Seridó (RN) e Inhamuns (CE) não serão beneficiadas. 7 - Não se levou em consideração o custo elevado da água nos Estados receptores: Custo da água foi estimado em R$ 0,11 o m³ (sem contar com os custos dos bombeamentos até as propriedades); a Codevasf fornece água aos seus projetos a R$ 0,023 o m³, cinco vezes menor. 8 - O desconhecimento do potencial hídrico existente na região: Volume repassado estimado em cerca de 37 bilhões de m³; metade desse volume encontra-se no Ceará (18 bilhões de m³); as descargas dos rios nordestinos representam uma infiltração nos aqüíferos (lençóis subterrâneos de água doce) de cerca de 58 bilhões de m³ por ano. (LB)


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Espelho TRANSPOSIÇÃO

Vida do bispo depende de Lula

da Redação

Campanha empresarial A Associação Nacional dos Jornais, que congrega os donos dos principais jornais empresariais do país, está fazendo lobby e campanha para acabar com o direito de resposta e de indenização por dano moral aos cidadãos atingidos por mentiras e ataques da imprensa. A última edição do Jornal ANJ publica entrevista com o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal, que apóia a campanha da entidade. Pau mandado Os veículos empresariais sempre contaram com jornalistas, artistas e personalidades públicas que aceitam fazer o papel de leão de chácara das posições reacionárias dos proprietários, que, enrustidos, alegam a defesa da liberdade de expressão. O ex-cineasta Arnaldo Jabor cumpre essa missão para a família Marinho e ataca, na TV Globo tudo o que se move no campo da esquerda, na sociedade e dentro do governo Lula. Claro, ele confia na proteção de seus donos. Jogo bolivariano Entrevistado no programa Roda Viva, da TV Cultura, o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, deu um show de visão política do continente, deixou claro seus compromissos com as transformações sociais no seu país e o enfrentamento com as oligarquias e o imperialismo. Por sua vez, a maioria dos jornalistas (brasileiros) entrevistadores demonstrou despreparo para tratar de questões fundamentais e interesse apenas em fazer intrigas políticas. Não pegou. Imagem comprada Uma das empresas multinacionais mais danosas ao meio ambiente, a Bunge Fertilizantes foi premiada recentemente no 3º Benchmarking Ambiental Brasileiro, junto com outras indústrias químicas, farmacêuticas e – por incrível que pareça – usinas açucareiras. A mesma Bunge está gastando uma boa grana em propaganda televisiva para “mostrar” que aposta num futuro saudável para as crianças. Está provado: o cinismo de certas empresas não tem limite mesmo. Homenagem global Estudantes de comunicações vinculados à Enecos estão preparando várias atividades para lembrar o Dia Internacional da Comunicação Social, em 17 de outubro, e a luta pela democratização das comunicações no Brasil, onde o sistema de rádio e TV está ilegalmente concentrado nas mãos de alguns poucos grupos empresariais. Vai sobrar também para o ministro da TV Globo, Hélio Costa. Alienação explícita Na semana passada, agentes da Polícia Federal e da Anatel tentaram fechar a rádio Várzea do Rio Pinheiros, uma emissora livre e de baixa potência de estudantes da USP, em São Paulo. Só não fecharam porque a mobilização dos estudantes impediu. Será que o governo federal não tem missão mais nobre para os seus solertes fiscais, como por exemplo caçar sonegação de impostos nas transnacionais de telefonia? PSOL petista Em entrevista para o Jornal do Brasil, o deputado federal Chico Alencar, o mais votado do PT no Rio do Janeiro na eleição de 2002, com 170 mil votos, explicou por que deixou o partido para filiar-se ao PSOL: “Não dá mais para ser petista dentro do PT”. Filme livre Já estão abertas – até 31 de outubro – as inscrições para a 5ª Mostra do Filme Livre que acontecerá no Rio de Janeiro, em fevereiro de 2006. Mais informações pelo endereço eletrônico contato@mostradofilmelivre.com ou pelo telefone (21) 2539-7016.

Ingerindo apenas água do São Francisco, frei Luiz não abre mão da vida do rio e a de seu povo Marcelo Netto Rodrigues da Redação

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omo se ainda faltasse algum sinal místico para o bispo dom Luiz Flávio Cappio, 59, adotar a greve de fome como último recurso possível contra a transposição das águas do Rio São Francisco, ele veio no dia em que a Agência Nacional de Águas (ANA) concedeu a outorga e o Certificado de Sustentabilidade Hídrica ao projeto. Não bastasse frei Luiz ser franciscano, ter nascido no dia em que se celebra a morte de São Francisco e estar decidido a entregar a sua vida pela do rio, ele ainda se viu impelido a entrar em greve de fome no mesmo dia em que a ANA deu a sua licença ao projeto – 26 de setembro, a data de nascimento do santo. A data, desconhecida pela ANA (que a escolheu aleatoriamente, de acordo com a sua assessoria) e também pela maioria dos fiéis (já que os dias dos santos referem-se aos dias de sua morte), não passou em branco aos olhos de frei Luiz. “Estou desde 26 de setembro de 2005, dia do aniversário de São Francisco, em jejum e oração permanente”, escreveu, referindo-se à data, em carta endereçada ao povo do Nordeste. “Estou em Cabrobó, Pernambuco, às margens do São Francisco (local onde está previsto o ponto de captação no eixo norte do rio), numa capela dedicada a São Sebastião. Minha disposição, amadurecida e lúcida, é de dar a minha vida pela vida do Rio São Francisco e de seu povo, contra o projeto de transposição, e em favor de soluções verdadeiras e sustentáveis para a região semi-árida”, diz outro trecho da carta. Da mesma forma que frei Luiz não teve controle sobre o dia do anúncio da ANA, ele também não pode ser acusado de ter planejado sua greve para coincidir com o dia de São Francisco, também o do seu aniversário – em 4 de outubro, frei Luiz completou 59 anos. O mesmo dia em que, há 779 anos, São Francisco era sepultado em Assis, na Itália, aos 45 anos.

IRMÃ ÁGUA A predisposição em sacrificar a sua própria vida “pela vida do Rio São Francisco e de seu povo”está devidamente registrada em cartório desde a Páscoa (veja box abaixo), e a greve só não aconteceu antes porque frei Luiz ainda tinha a esperança de que a ANA recusasse o projeto. Desde que parou de comer – oito dias até o fechamento desta

Na foto ao lado, frei Luiz Cappio em peregrinação pelas comunidades ribeirinhas do São Francisco (acima), em 1992, quando percorreu 6 mil quilômetros

edição, 4 de outubro – frei Luiz só ingere água do rio, que trata de “Irmã Água, preciosa e casta, humilde e boa”, a exemplo de São Francisco (1181-1226) que, no “Cântico das Criaturas”, trata a água como “Irmã bondosa, útil e bela”. São Francisco é considerado o santo dos pobres, dos humildes e protetor dos animais. Bispo da diocese de Barra, na Bahia, desde 1997 (escolhido por não ter outro que se dispusesse a viver na região), frei Luiz vive na beira do rio há mais de 30 anos. Antes de vir para o sertão nordestino com a roupa do corpo, este paulista de Guaratinguetá, filho de italianos, ordenado sacerdote franciscano em 1971, trabalhou três anos na periferia de São Paulo, junto à Pastoral Operária. No dia 4 de outubro de 1992, para alertar os ribeirinhos dos sintomas de morte do rio, e como prova de seu amor por ele e por seu povo, o religioso iniciou uma peregrinação de 6 mil quilômetros ao longo do São Francisco, completada em um ano, que gerou o livro O Rio São Francisco – Uma Caminhada entre Vida e Morte. Saiu da nascente do rio, na Chapada da Zagaia, na Serra da Canastra, em Minas Gerais, até chegar, no dia 4 de outubro de 1993, no oceano Atlântico, entre Alagoas e Sergipe. Um trajeto conhecido pelo indígenas que chamavam o rio de Opará, “rio-mar”, e que remete à canção de Luiz Gonzaga: “Riacho do Navio, corre pro Pajeú; o rio Pajeú vai despejar no São Francisco; e o Rio São Francisco vai bater no

“Uma Vida pela Vida” Declaração de dom Luiz Flávio Cappio, registrada em cartório na Páscoa: Em nome de Jesus Ressuscitado que vence a morte pela Vida plena, faço saber a todos: 1. De livre e espontânea vontade assumo o propósito de entregar minha vida pela vida do Rio São Francisco e de seu povo contra o Projeto de Transposição, a favor do Projeto de Revitalização. 2. Permanecerei em greve de fome, até a morte, caso não haja uma reversão da decisão do Projeto de Transposição. 3. A greve de fome só será suspensa mediante documento assinado pelo Exmo. Sr. Presidente da República, revogando e arquivando o Projeto de Transposição. 4. Caso o documento de revogação, devidamente assinado pelo Exmo. Sr. Presidente, chegue quando já não for mais senhor dos meus atos e decisões, peço, por caridade, que me prestem socorro, pois não desejo morrer. 5. Caso venha a falecer, gostaria que meus restos mortais descansassem junto ao Bom Jesus dos Navegantes, meu eterno irmão e amigo, a quem, com muito amor, doei toda minha vida, em Barra, minha querida diocese. 6. Peço, encarecidamente, que haja um profundo respeito por essa decisão e que ela seja observada até o fim. Barra, Bahia, domingo de Páscoa de 2005 Dom Frei Luiz Flávio Cappio, OFM R.G.: 3.609.650 C.P.F.: 291.828.835-72 “Quando a razão se extingue, a loucura é o caminho” (frei Luiz) Para saber mais sobre a luta de frei Luiz Cappio e assinar o abaixo-assinado contra a transposição, visite a página www.umavidapelavida.com.br

CPT Nacional

Direita assumida Ao tomar partido – no referendo do dia 23 – a favor do comércio de armas, a revista Veja, da Editora Abril, deixou claro que não está preocupada com os níveis da violência no país. Preferiu alinhar-se com os setores mais atrasados e direitistas da sociedade. A revista chega ao absurdo de argumentar que é contra o desarmamento porque isso favorece as ocupações de terras do MST. Ainda bem que a insanidade da Veja não é contagiosa.

João Zinclar

da mídia

NACIONAL

meio do mar”. O nome São Francisco foi dado por Américo Vespúcio por ter chegado à foz do rio no dia do santo, a 4 de outubro de 1501. Em 1994, durante a Caravana da Cidadania pelo São Francisco realizada por Lula, frei Luiz foi apresentado a ele por seu professor de teologia, Leonardo Boff.

RAZÃO E LOUCURA Aos que acham sua atitude extrema, frei Luiz responde: “Quando a razão se extingue, a loucura é o caminho”. Mas, ao contrário do que isso possa dar a entender, ele deixa bem claro que não não deseja a morte: “Eu não quero morrer, mas eu quero vida para todos”, disse durante missa que reuniu cerca de 2.500 pessoas em frente à capela em que está, em Cabrobó, no dia 4 de outubro. O fim da greve de fome está na dependência de um documento “assinado pelo Exmo. Sr. Presidente da República, revogando e arquivando o Projeto de Transposição”. É assim que está registrado em cartório, no item número 3 da declaração a única condição para que frei Luiz suspenda a sua manifestação. A declaração diz mais: “Caso o documento de revogação, devidamente assinado pelo Exmo. Sr. Presidente, chegue quando já não for mais senhor dos meus atos e decisões, peço, por caridade, que me prestem socorro, pois não desejo morrer”.

DETERMINAÇÃO Ele deixa claro, ainda: “Peço, encarecidamente, que haja um profundo respeito por essa decisão e que ela seja observada até o fim”, um pedido feito para motivar o povo a protegê-lo caso a polícia ou médicos tentem levá-lo à força para algum hospital nos momentos finais. O religioso sabe que, tradicionalmente, um desejo de morte é visto como lei entre as pessoas

simples do povo. O recado parece ter surtido efeito. Romeiros que chegam para visitá-lo, “querem estar próximos do bispo como se quisessem protegê-lo ou como se quisessem sua proteção”, reportou à Agência Carta Maior, frei Florêncio Vaz, que esteve com frei Luiz nos dias 1º e 2. “Frei Luiz está cada dia mais fraco. De sábado para domingo, foi visível como ele definhou, ficou com os gestos mais lentos e com o rosto mais magro. É dado como certo em Cabrobó que o bispo só sai dali em procissão, ‘celebrando a vitória do povo ou indo para o cemitério num caixão’. E isso nos assusta a todos, pois não é bravata. E Lula é quem carregaria este caixão por toda a vida”. Até o fechamento desta edição, o presidente Lula já havia, por duas vezes, tentado demover frei Luiz de sua determinação em levar a sua greve de fome até as últimas conseqüências. Mas o presidente não fala do arquivamento do projeto. Primeiro, ele enviou uma carta convidando o frei a ir à Brasília. O religioso rejeitou o convite, considerando que a carta não mudava a posição do Planalto. Depois, Lula enviou uma proposta, por meio do deputado Walter Pinheiro (PT-BA), de liberar R$ 400 milhões para a revitalização do rio, antes de dar início às obras de transposição. Como se a situação já não fosse delicada, Lula afirmou, no dia 3, “que se todo mundo for fazer greve de fome por alguma coisa, fica complicado”. Uma declaração no mínimo constrangedora sabendo-se que Lula leu a última frase da primeira carta que frei Luiz lhe escreveu: “Minha vida está em suas mãos”. No dia 4, para piorar ainda mais a situação, frei Luiz respondeu em mensagem gravada: “Presidente, em toda minha vida vesti a sua camisa, e neste momento, eu espero que você vista a minha”.


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NACIONAL TRUCULÊNCIA

Policiais gaúchos matam trabalhador Nanda Duarte e Raquel Casiraghi de Sapiranga (RS)

Divulgação

Em Sapiranga (RS), sindicalista é vítima de violência durante protesto contra política econômica

História de luta

“S

Em Sapiranga, familiares e amigos se despedem do sindicalista Jair Antônio da Costa, vítima da ação truculenta da polícia

conversando com o policial, e ele gritou que ia prender o Jair”. As testemunhas contam que pelo menos cinco policiais tentavam imobilizar o sindicalista “à base de pancada”, completa a também sindicalista Neiva Alves Barbosa. Santos estava muito próximo da ação: “O Jair até lutou para se soltar, mas não conseguiu. Um policial puxou o pescoço dele para trás com um cassetete. Assim ele foi dominado”. O motivo utilizado pelo soldado como justificativa para a ação trucuDivulgação

e a gente não fizer nada, a matança vai se generalizar. Nós esperamos defesa e o que encontramos é violência gratuita e injustificável”, revolta-se a dirigente sindical Jussara Oliveira. Ela presenciou a agressão policial que levou à morte o colega sindicalista Jair Antônio da Costa, por volta das 19h do dia 30 de setembro. Algumas horas antes da morte, cerca de duas mil pessoas – trabalhadores, sindicalistas e integrantes de movimentos sociais – protestavam nas ruas do município de Sapiranga, na região gaúcha do Vale do Rio dos Sinos, a 50 km de Porto Alegre. Os alvos da manifestação eram as políticas econômicas estadual e federal, responsáveis pela grave crise que atinge o setor coureiro-calçadista e que já provocou o desemprego de 20 mil trabalhadores (veja matéria abaixo). O protesto seguiu tranqüilo até mesmo quando os manifestantes bloquearam um viaduto, no centro da cidade. A confusão começou quando eles já estavam se dispersando. “A gente viu um brigadiano, o Brito, correr com uma pistola em punho e uma algema, dizendo que ia prender o Jair”, conta o diretor sindical de Sapiranga, Leandro Rodrigues dos Santos. “Nós tentamos apaziguar,

Jair Antônio da Costa (de camisa laranja) segura a faixa durante a manifestação

Dia 3, diversos sindicatos de trabalhadores calçadistas da região, movimentos sociais, entidades e parlamentares compareceram à reunião realizada no prédio do Sindicato dos Calçadistas de Sapiranga. Além de homenagens prestadas ao sindicalista assassinado pela polícia, Jair da Costa, foi definido um calendário de manifestações por emprego e pela mudança na segurança pública. Entre os protestos, foram programados um ato regional no dia 6, em Sapiranga (RS), e um ato estadual no dia 7, para marcar o sétimo dia da morte do sindicalista. Nesse dia, será realizada uma caminhada de Sapiranga até o Palácio Piratini sede do governo estadual, localizada em Porto Alegre (RS). Também foram definidos a criação de um comitê dos sindicatos, para acompanhar as apurações do caso; a criação de um observatório, sobre a violência no Rio Grande do Sul, dos movimentos sociais; e o pedido para que o assassinato seja investigado pelos órgãos federais. Será aberta uma conta bancária a fim de que sindicatos e entidades depositem dinheiro para ajudar a família do sindicalista (ND e RC)

provocada por contusão hemorrágica de laringe e traumatismo cervical”.

MOVIMENTOS SOCIAIS NA MIRA Os cinco policiais (três militares e dois rodoviários) envolvidos na agressão estão afastados de seus cargos e devem permanecer assim até o final do inquérito policial militar aberto para investigar o caso. Porém, o presidente do sindicato dos metalúrgicos de Sapiranga, Anilton Pereira, exige: “Que os culpados sejam presos e julgados, sim. Mas também exigimos uma ruptura com essa política de perseguição aos movimentos por parte do governo estadual”. A reivindicação de Anilton tem fundamento. O ano de 2005 tem sido marcado por repressões violentas às manifestações populares no Rio Grande do Sul. Há poucos dias, na cidade de Ivoti, vizinha de Sapiranga, uma mulher foi gravemente ferida em um protesto popular. Na manifestação do Movimento dos Trabalhadores Desempregados em Porto Alegre, em setembro, o militante Paulo Becker também foi agredido pela polícia. Na mesma semana da manifesta-

ção em Sapiranga, o acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Nova Hartz também recebeu tratamento truculento da Polícia Rodoviária, que chegou armada e se utilizando de “violência psicológica”, segundo os acampados, para intimidar os sem-terra. Um ônibus que levava comida ao acampamento chegou a ser detido pelos policiais. Dia 2, durante o jogo entre Internacional e Fluminense no Estádio Beira Rio, a falta de preparo ou má orientação da Brigada Militar gaúcha pôde ser testemunhada por todo o país. A torcida colorada contabilizou mais de trinta feridos, entre eles, crianças e idosos.

Crise do setor calçadista revela caos da política econômica A atual crise do setor coureiro-calçadista é apenas uma entre tantas que o setor já enfrentou. Iniciada em novembro de 2004, com a queda do dólar, foi intensificada com o aumento de 5% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) dos combustíveis, da telefonia e da energia elétrica residencial e comercial, aprovado no final do ano passado no Estado. Hoje, há cerca de 20 mil desempregados no setor, na região do Vale dos Sinos. No entanto, o fator decisivo da crise é a importação dos calçados chineses, que chegam ao Brasil com preços bem abaixo dos preços dos produtos nacionais. “Relatos apontam que, somente este ano, já entraram 23 milhões de pares de calçados chineses no Brasil. Isso é muito ruim porque as empresas que exportavam agora estão entrando no mercado interno, quebrando também as pequenas empresas que se dirigem ao mercado interno”, conta Neiva Alves Barbosa, dirigente do Sindicato dos Sapateiros de Novo Hamburgo. Ela afirma que há tempos os sindicatos da região denunciam a crise do setor. “Ninguém escuta a gente. O governo federal diz que o calçado é 1,5% do PIB brasileiro, portanto não é prioridade. Mas nós somos milhares de sapateiros. E isso não está importando para ne-

Jean Spaniol

Movimentos organizam agenda de manifestações

lenta é que Jair teria pego a chave de sua moto. Santos, que estava ao lado do sindicalista ao final da manifestação, nega o roubo e afirma que o estranhamento entre Brito e Jair pode ter começado no início do protesto, quando o soldado teria tentado passar de moto por entre as pessoas que estavam na calçada, entre elas, Jair. O soldado já é conhecido, na região, por outras ações truculentas e agressões a integrantes de movimentos sociais e a civis. Santos, Neiva e Jussara, entre outros manifestantes, também foram agredidos quando se aproximaram para ajudar o colega. “Eu pedi para não algemarem, que ele estava inconsciente. Pedi para que nós pudéssemos levá-lo ao hospital. Disseram que eles mesmos o levariam no camburão”, conta Neiva. As testemunhas afirmam que nesse momento Jair já estava com o corpo mole e uma coloração diferente. Os sindicalistas receberam a confirmação da morte do colega no Hospital Sapiranga, na própria cidade, depois de os médicos tentarem reanimá-lo por cerca de uma hora. No laudo do Posto Médico Legal, consta “asfixia mecânica,

Jair Antônio da Costa, 31 anos, vivia em São Miguel d’Oeste (SC), onde arrendava terra para plantar milho, feijão e soja. Estava na segunda gestão da diretoria do Sindicato dos Sapateiros de Igrejinha. Há 13 anos, ele saiu de Santa Catarina e veio para Igrejinha (RS) em busca de emprego melhor. Logo que chegou ao Rio Grande do Sul, Jair trabalhou durante três anos em uma empresa pequena. Depois foi contratado pela Calçados Beira-Rio, onde ficou dez anos – até ser assassinado. De acordo com o relato do amigo e compadre Luiz Carlos Vieira Cardoso, Jair era um homem alegre. “Onde ele ia, só tinha amizade”, conta Cardoso. No dia da manifestação, Luiz estava na parte de cima do viaduto: “Ele (Jair) corria para um lado, corria para outro, tentando escapar, e a polícia em cima. Com certeza estavam na marcação dele. Talvez, se não tivesse sido ele, poderia ter sido outra pessoa”, opina. (ND e RC)

taxação dos produtos chineses como elemento catalisador da crise: “Nenhum outro mercado tem como competir com a China. Os produtos chegam muito baratos”.

POLÍTICA ECONÔMICA

Sapateiros protestam contra a crise no setor, causada pela política econômica

nhum dos dois governos, federal e estadual”. Embora quase todas as empresas e cidades da região tenham sido atingidas pela crise, são as voltadas para a exportação as que mais sofrem as conseqüências. “As indústrias de calçados fizeram os pedidos de sapatos com determinado preço do dólar. Com a desvalorização da moeda, as empresas passaram a ter prejuízo, fechando as portas e redu-

zindo o número de funcionários”, relata o representante do Sindicato dos Sapateiros de Sapiranga, Adelino Frank. Somente na cidade de Sapiranga, 17 empresas – de um total de 220 na região de Sapiranga, Nova Hartz e Araricá – fecharam as portas entre o final do ano passado e setembro deste ano. O resultado foi a demissão de 5.300 trabalhadores no primeiro semestre. O dirigente também aponta a entrada com baixa

Para os sindicalistas, a política econômica dos governos estadual e federal estão no centro das causas da crise. No manifesto emitido pela categoria em junho, intitulado “Carta de Sapiranga”, os calçadistas enumeram os fatores que estão gerando as quebras das empresas. Todos eles relacionados às decisões governamentais de manter os juros em níveis altos e de aumentar os impostos. “Moradores mais antigos contam que, há vinte anos, no auge da economia calçadista, os prefeitos aqui da região pagavam transporte para trazer agricultores do interior do Estado para trabalhar nas fábricas. Hoje essas pessoas são demitidas e vivem na pobreza”, analisa Neiva. Para ela, os governos pecam por não pensar em alternativas: “Na minha opinião, a economia dos calçados do Vale dos Sinos se esgotou. Agora, governos e empresários precisam pensar em alternativas, ter um outro parque industrial, trazer outras indústrias”. No momento, existem 12 mil pessoas trabalhando nas fábricas. No auge das indústria calçadista, esse número chegou a 35 mil. (ND e RC)


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NACIONAL LEI PARA OS POBRES

Bancos querem mensalão

Hamilton Octavio de Souza

Febraban pressiona Lula para perdoar dívidas por práticas de corrupção cambial

Fé comunista Em sua primeira entrevista após ser eleito presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo (Pc do B-SP), ex-ministro de Lula e integrante da base aliada, declarou que não acredita na existência do mensalão – pagamento feito aos deputados para aprovação de projetos de interesse do Palácio do Planalto. Para quem instituiu o Dia do Saci, fica estranho não acreditar no esquema DelúbioValério, que movimentou bilhões de reais, em grana viva. Não é lenda. Tática petista No afã de impedir que as CPIs sejam usadas pelos deputados e senadores da direita para atacar o PT e o governo Lula, os parlamentares petistas acabam contribuindo para defender os interesses da fina flor do capitalismo selvagem e especulativo. Dias atrás, os representantes do PT se retiraram da sessão e não deram quorum para quebrar o sigilo bancário das corretoras financeiras – verdadeiras lavanderias dos banqueiros e grandes empresas. Triste aliança. Ato franciscano Nem bem a imprensa empresarial burguesa reduziu a artilharia para cima do governo, o MST ocupou prédios públicos e fazendas improdutivas. Agora, a greve de fome do bispo Luiz Flávio, contra a transposição das águas do São Francisco, mobiliza a comunidade e coloca o Brasil em alerta. Se o governo não agir rápido, e com competência, pode pagar caro se o religioso falecer. O estopim está aceso. Está esquentando A Polícia Federal decidiu abrir inquéritos para apurar sonegação de impostos e evasão de divisas dos 3.500 clientes de um banco fechado nos Estados Unidos e utilizado por doleiros brasileiros. É a ponta do iceberg dos milhares de casos já identificados por operação da PF com procuradores da República. Se esses processos não acabarem em pizza, muitos empresários vão ter de explicar por que mandaram fortunas para o exterior. Fantasma eterno A Polícia Federal (PF) e a Receita Federal comprovaram que os supostos empréstimos de Marcos Valério ao PT não constam da contabilidade das agências do publicitário e tudo indica que foram forjados. A PF pede mais tempo para investigar e desconfia que o dinheiro veio de alguma conta do PT no exterior, controlada pelo Banco Rural, e que era abastecida por empresários. Se essa questão não for esclarecida, certamente vai perseguir o PT para sempre. De onde saiu o dinheiro? Inscrições FSM Já está no ar a ferramenta de inscrição e de preparação do Fórum Social Mundial 2006, que será realizado simultaneamente nas cidades de Bamako, no Mali; Caracas, na Venezuela; e Karachi, no Paquistão. As organizações que quiserem se inscrever devem se informar no www.wsf2006.org/spanish/spanish ou www.forumsocialmundial.org.ve. O evento será realizado de 26 a 30 de janeiro de 2006. Pesos diferentes Perseguidos pelos setores conservadores do Amapá, o senador João Capiberibe e sua mulher, deputada federal Janete Capiberibe, ambos do PSB, acabaram mesmo perdendo seus respectivos mandatos por crime eleitoral. Eles foram acusados de comprar votos de alguns eleitores em 2002. O processo acabou no Supremo Tribunal Federal, que arquivou o último recurso. Os dois têm uma trajetória de lutas ao lado dos setores populares, e a Justiça foi implacável com eles. Apelação fascista Os lobbies vinculados ao comércio de armas, empenhados em ganhar o referendo de 23 de outubro, estão usando imagens da luta popular contra a ditadura militar, no Brasil, para defender a conquista das liberdades e dos direitos civis. Na verdade, a manipulação inverte o sentido daquelas lutas que culminaram com o fim do regime autoritário. Tanto é que estão defendendo o comércio de armas muitos dos apoiadores da ditadura militar. Basta identificar as figuras.

César Fonseca de Brasília (DF)

O

presidente Luiz Inácio Lula da Silva está sendo pressionado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) a conceder aos grandes grupos econômicos e financeiros um bilionário mensalão, em forma de perdão de dívida – seja por meio de supressão de juros sobre multas, seja por prescrição de prazo de cobrança de multas e juros da ordem de R$ 25 bilhões, referentes a práticas de corrupção cambial ligadas às importações de mercadorias como escudo para ganhar, especulativamente, com a taxa de juros, durante o período de 1997 a 2003, na era FHC. As empresas tomavam, nesses seis anos – como continuam fazendo até hoje – recursos baratos no mercado internacional, para liquidar suas dívidas cambiais em 180 dias junto aos bancos. Mas, antes disso, jogavam o dinheiro na especulação dos juros altos. Faturaram bilhões com a taxa de juro básica (Selic), que chegou a 45% em 1997. Isso é mais que o suficiente para pagar multas e juros sobre operações cambiais especulativas aplicadas pela Receita, sobre as quais são cobrados custos financeiros mais baratos, inferiores à TJLP. Criada em 1997, pela MP 1569, para coibir operações de arbitragem entre juros externos (mais baratos) e juros internos (mais altos) – feitas por importadores, em transação com os bancos – a multa de importação passou a ser ludibriada sistematicamente por bancos e empresas desde o momento em que entrou em vigor. Os bancos e as grandes empresas transnacionais, apesar de faturar alto graças ao diferencial de juros internos e externos, passaram a atrasar além dos 180 dias de prazo que já possuíam para liquidar os compromissos cambiais. Por isso, tiveram que suportar a capitalização dos juros sobre as multas. Quem com ferro fere, com ferro será ferido.

OS CLIENTES PAGAM Para fugir do pagamento das multas engordadas pelos juros, os devedores recorreram à Justiça. Os bancos emplacaram o argumento de que o pagamento das multas, mais os juros capitalizados, somente seria viável mediante maior prorrogação de prazo e fixação de limite de 100% do valor das importações para as multas. Disseram que tal prorrogação seria o tempo necessário para cobrar esse custo financeiro (multa + juros) dos seus clientes. Milhares de demandas judiciais, sob o ritmo lento do Judiciário, têm evitado o pagamento das dívidas dos que descobriram a fórmula da felicidade: multiplicar capital via importações bancadas por empréstimos externos baratos, que, aplicados à taxa Selic, produzem supermensalões bilionários. Enquanto isso, os clientes dos bancos estarão pagando (amortizando) as dívidas dos banqueiros – em forma de aumento de tarifas e juro de toda a espécie disponível na rede bancária –, que somam R$ 25 bilhões, quantia que o Banco Central (BC) tem cobrado infrutiferamente. Vale dizer: transferência fantástica de renda da sociedade para o sistema financeiro e para grandes grupos empresariais transnacionais e nacionais, que se fartaram (e fartam) na arbitragem financeira especulativa. A renda disponível para o consumo, conseqüentemente, diminui na mesma proporção, em R$ 25 bilhões, intensificando a já elevada insuficiência relativa de demanda global que mantém a economia em forçado banho-maria. Os bancos jogam com o tempo para obter prescrição dos débitos, na medida em que esticam prazos na Justiça para atrasar pagamentos dos compromissos cambiais. Mais de

Zeka/Agência A Tarde/AE

Fatos em foco

No Brasil dos juros altos, renda da população engorda o sistema financeiro e grandes grupos transnacionais

dois mil contratos poderão ter suas dívidas perdoadas. Funcionários do BC alertam para a possibilidade de até o final de 2005 as prescrições ocorrerem. Três mil processos que foram abertos em 2002, segundo levantamento feito dia 29 de junho pelo jornal Valor Econômico, corriam risco de prescrição – número, no momento, reduzido a 2018, pendentes. Trata-se de irregularidades cometidas antes de 2003, com amplas possibilidades de serem prescritas. O levantamento dá conta de que em setembro havia 2.333 averiguações sobre importações, correspondentes ao universo dos processos administrativos em análise no Banco Central. Os restantes são 237 processos de sonegação de cobertura cambial e 214 de irregularidades cambiais diversas. O trabalho de acompanhamento e fiscalização das intermináveis tentativas dos bancos e das transnacionais de ir empurrando com a barriga na Justiça as dívidas juridicamente caloteadas representa, atualmente, a maior fonte de ocupação dos supervisores do Banco Central.

MP DO ÓTIMO Enquanto tentam ganhar prazos mais longos na Justiça, que garantiriam prescrições certas – ou seja, perdão de dívidas –, e simultaneamente elevam sua taxa de lucro aumentando os custos dos serviços oferecidos aos clientes, como forma de precaução, para evitar prejuízos, os bancos cuidam, também, de emplacar nova alternativa capaz de ajudá-los a fugir dos juros sobre as multas. Para alcançar a vitória de ganhar perdão (supermensalão) bilionário relativo a multas e juros não pagos, de R$ 25 bilhões, eles tentam convencer a ministra Dilma Rosset, da

Casa Civil, e o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, a introduzir na chamada Medida Provisória (MP) do Bem (n. 252) artigo determinando limite de 100% do valor das importações para as multas, de forma retroativa. Antes de 1997, não havia limites para tais multas, calculadas a juros cobrados sobre capital de giro, inferior ao da Selic. Defendem que essa limitação valha para o período anterior a 2003. Vale dizer, que seja perdoada a divida em juros cobrados acima dos 100% do valor das importações para as multas, abrangendo de 1997 a 2003. A MP do Bem se transformaria, para bancos transnacionais, em MP do Ótimo. Que faz, então, o Banco Central, para tentar garantir a receita dos juros e das multas não pagas, totalizando R$ 25 bilhões? A administração do BC, presidido por Henrique Meirelles – alvo, no momento, de cobrança de multa de R$ 1 milhão, por desvios fiscais – tenta manobrar a situação de forma a favorecer os bancos e as empresas devedoras. O BC conseguiu reduzir a abertura de processos a partir de 2003, com aprovação da Lei 10.755, que impôs teto de 100% do valor das importações para as multas. A lei faculta ao BC arbitrar valores, de modo que quantias até determinado valor sejam deixadas de lado, dado que no balanço de custos e benefícios não valeria a pena ter trabalho de cobrá-las, critério naturalmente subjetivo. Não seria preciso, portanto, abrir processos para apurar “fatos de pouca relevância” ocorridos antes de 2003. Os bancos não ficaram satisfeitos. A lei estabelece regras para frente. É o que o Banco Central deseja inserir na MP do Bem para transformá-la em MP do Ótimo, beneficiando quem contraiu mul-

tas em operações cambiais de elevado valor. Os banqueiros querem mais. Defendem que a lei vigore, igualmente, para trás. Ficariam livres das dívidas acumuladas no período 1997-2003. Assim, o sistema financeiro e as grandes empresas, nacionais e internacionais, buscariam cercar o problema, para tentar anulá-lo. De um lado, jogando com o tempo, para alcançar prescrições sobre dívidas e juros não pagos. De outro, defendendo, retroativamente, perdão sobre a dívida (multas e juros) de R$ 25 bilhões acumulada ao longo de seis anos (1997-2003). Enquanto isso, o Congresso Nacional se esfacela em torno da discussão sobre a corrupção do mensalão patrocinada pelos empréstimos de pouco mais de R$ 100 milhões tomados em bancos tamboretes, como Rural e BMG, por Marcos Valério, a fim de repassá-los ao PT para sustentar caixa dois eleitoral e apoio ao governo pela base político parlamentar supostamente corrompida. É a briga do milhão contra o bilhão, dos R$ 100 milhões contra R$ 25 bilhões, do mensalão contra o supermensalão, sendo que sobre esse não se toma, no Legislativo, nenhuma providência para investigar os desvios financeiros que impossibilitam a cobrança de tributos sobre os capitais especulativos, ampliados no compasso do elevado endividamento governamental ao ritmo da taxa de juro mais alta do mundo. Lula terá força para barrar as pretensões da Febraban, de modo a privilegiar ações especulativas desencadeadas na era FHC, alvo de combate encarniçado entre governistas e oposicionistas no campo de batalha das CPIs do mensalão e dos Correios?

REPRESSÃO

Anatel fecha 27 emissoras em MG Antonio Diniz e Bruno Zornitta de Brasília (DF) e do Rio de Janeiro (RJ) A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), em conjunto com a Polícia Federal (PF) de Minas Gerais, fechou 27 emissoras de rádio consideradas ilegais e apreendeu os equipamentos de 17 delas. Segundo a PF, a operação demorou uma semana e os responsáveis pelas rádios irão a julgamento, podendo pegar até dois anos de prisão. A repressão contra as rádios livres e comunitárias sem licença para funcionar tem aumento no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Conforme dados da própria Anatel, aproximadamente 1.200 emissoras foram fechadas este ano. Por outro lado, organizações ligadas ao tema denunciam a lentidão do Ministério das Comunicações em conceder a licença. Um levantamento realizado pelo Fórum Nacional de

Democratização da Comunicação (FNDC) indica que mais de 15 mil pedidos de rádios estão na fila pela aprovação do Ministério. Para realizar essas operações de repressão, a Anatel argumenta que as transmissões dessas emissoras podem gerar interferências em sistemas eletrônicos, provocando até queda de aviões. Mas diversos representantes das rádios comunitárias afirmam que tais suposições nunca foram comprovadas e que a perseguição às emissoras se deve às reclamações das rádios comerciais, temendo a concorrência.

RIO DE JANEIRO Fiscais da Anatel e da PF também arrombaram, na manhã do dia 4, os estúdios da rádio comunitária Pop Goiaba (FM 104,1), da Universidade Federal Fluminense, em Niterói. A ação aconteceu por volta das 10h30 e não havia ninguém na rádio, mas os equipamentos foram apreendidos. Os fiscais deixaram

no local duas cópias de um mandado de busca e apreensão. Os agentes levaram transmissores, mesa de som, processador, compressor e o computador da rádio, além de 160 gigabytes de música em MDs (Mini Disks). Um agente que se identificou com Fitipaldi telefonou para um dos programadores da rádio, Cláudio Salles, e disse que ele deveria comparecer à Polícia Federal de Niterói. “O fechamento da rádio não se deu por questões técnicas, mas políticas. Nossa rádio já havia sido autorizada pelo Ministério das Comunicações, faltava apenas a outorga, que depende da assinatura do presidente Lula”, diz Salles. A rádio Pop Goiaba cumpre importante papel de divulgação cultural, uma vez que é a única a promover os artistas independentes de Niterói, e também divulgação científica, pois trata-se de um projeto de extensão da Universidade Federal Fluminense.


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De 6 a 12 de outubro de 2005

NACIONAL RALOS DA ECONOMIA

De novo, perdoar dívidas de sonegadores Projeto anistia quem desviou dólares para o exterior ilegalmente, autorizando seu retorno ao país, sem punições SOBRAM DÓLARES NO BRASIL

O TAMANHO (PARCIAL) DA SONEGAÇÃO Parcelamentos de impostos federais em atraso

PARCELAMENTO ESPECIAL (PAES) Faixas de valores (em R$)

RALOS DA ECONOMIA Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)

E

m apenas seis meses, você, contribuinte, pagou quase R$ 47 bilhões a mais em impostos à União, governos estaduais e prefeituras. Ou seja, um desembolso, por cabeça, de quase R$ 231, ou 80% do saláriomínimo. No primeiro semestre deste ano, o total de impostos recolhidos em todos os níveis de governo somou R$ 361,4 bilhões, quase 15% acima dos R$ 314,5 bilhões recolhidos em igual período de 2004, segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Isso quer dizer que cada contribuinte pagou, de janeiro a junho, de R$ 1.966, frente a R$ 1.735 nos primeiros seis meses de 2004, de acordo com o IBPT. Mais. Comparada à riqueza total produzida pelo país naquele período (PIB), a carga tributária (que soma todos os impostos, contribuições e taxas cobradas no país) passou a representar 39,34% do Produto, diante de 37,83% na primeira metade de 2004, contrariando as promessas de redução de impostos feita pelo governo. Mas só você, contribuinte, pagou e continuará carregando essa conta nas costas, porque grandes grupos industriais, banqueiros e milionários sonegadores se articulam para ganhar mais um perdão de impostos. Na verdade, desde que surgiram as primeiras denúncias de caixa dois, mensalão e desvios de dólares para paraísos fiscais (onde a cobrança de impostos é praticamente zero, ou nula), o grande lobby dos sonegadores colocou em marcha duas campanhas com alvos distintos e um objetivo único: permitir que os grupos de sempre continuem sem recolher um centavo de impostos a governos e prefeituras.

REMESSAS ILEGAIS Desde 12 de maio, tramita quase em surdina na Câmara, o projeto de lei 5.228/05, de autoria do deputado federal José Mentor (PT-SP), que propõe a concessão de ampla anistia a quem remeteu dólares ilegalmente para o exterior, para fugir do Leão ou encobrir crimes ainda mais graves. Para regularizar sua situação, basta que o sonegador informe onde estão os recursos e quais os valores desviados. Se preferir, pode, ainda, trazer a dinheirama de volta, escolher um banco no Brasil para depositar a grana, livrando-se de qualquer tipo de punição. Detalhe: sonegadores contumazes terão apenas que pagar míseros 3% de Imposto de Renda (IR) sobre o dinheiro repatriado. Um simples mortal, com renda anual de R$ 14,41 mil (quatro salários-mínimos por mês), contribuinte que faz questão de honrar seus compromissos, é obrigado a recolher o correspondente a 3,7% de seu rendimento bruto ao final do ano, desconsideradas quaisquer formas de dedução. Aos sonegadores, uma única exigência: os recursos deverão ser mantidos em contas bancárias no país por pelo menos dois anos. Quem preferir, poderá deixar o dinheiro rendendo em dólares mesmo, em bancos e outras insti-

Número de contratos

Participação (em %)

Valor devido (em R$ bilhões)

Participação (em %)

Reservas em dólares, excluídos empréstimos do FMI, em US$ milhões Período

Reservas líquidas

Acima de 10 milhões

977

0,47

43,746

57,85

Entre 5 milhões e 10 milhões

833

0,40

6,175

8,17

2002

16.339

Entre 1 milhão e 5 milhões

5.481

2,62

11,622

15,37

2003

20.525

Entre 500 mil e 1 milhão

5.544

2,65

3,870

5,12

2004

27.541

Entre 100 mil e 500 mil

30.480

14,55

6,657

8,80

Jan-ago 2005

40.402

Entre 50 mil e 100 mil

22.718

10,84

1,615

2,14

Set-dez 2005*

41.910

Abaixo de 50 mil

143.481

68,48

1,937

2,56

2005*

41.910

Total

209.514

100,00

75,621

100,00

(*) Projeção Fonte: Banco Central (BC)

PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL (REFIS) Faixas de valores (em R$)

Número de contratos

Participação (em %)

Valor devido (em R$ bilhões)

Participação (em %)

Acima de 10 milhões

816

3,16

39,675

75,47

Entre 5 milhões e 10 milhões

594

2,30

4,139

7,87

Entre 1 milhão e 5 milhões

2.511

9,72

5,596

10,65

Entre 500 mil e 1 milhão

1.812

7,02

1,289

2,45

Entre 100 mil e 500 mil

6.168

23,88

1,461

2,78

Entre 50 mil e 100 mil

3.171

12,28

0,229

0,44

Abaixo de 50 mil

10.757

41,65

0,179

0,34

Total

25.829

100,00

52,567

100,00

Fonte: Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN)/Valor Econômico

tuições financeiras fora do Brasil. Basta, para isso, recolher 6% a título de IR. De acordo com o texto do projeto, o imposto será devido uma única vez e, sobre os valores não declarados, não será exigido qualquer outro tipo de tributo, taxa ou contribuição.

CPI DO BANESTADO Para quem não se recorda, Mentor foi relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Banestado, que investigou esquemas de lavagem de dinheiro e de remessas ilegais de dólares por meio daquela instituição financeira (mais tarde vendida ao Itaú). A CPI, como se sabe, não che-

gou a ser concluída, já que o relatório final preparado por Mentor não foi votado em plenário. Hoje, corre-se o risco de se perder todo o esforço feito para identificar os desvios, que teriam retirado do país entre R$ 90 bilhões e R$ 150 bilhões segundo apurou a CPI – 56 vezes mais do que os investimentos previstos para a Saúde neste ano (R$ 2,69 bilhões) e quase sete vezes acima de todos os investimentos públicos incluídos no orçamento da União para 2005 (R$ 22,32 bilhões). O perdão proposto por Mentor cobre desde o valor original dos tributos e contribuições federais devidos até multas e juros. Além

disso, seria declarada extinta a possibilidade de punição dos crimes relacionados ao desvio do dinheiro. Há duas exceções que servem apenas para apaziguar a consciência de uns e outros. A anistia não poderá beneficiar as pessoas físicas que já tenham sido condenadas por tráfico de pessoas, órgãos e drogas, contrabando de armas, pornografia infantil, terrorismo, corrupção no setor público, improbidade, fraudes em licitações públicas, seqüestro, crimes contra o sistema financeiro, a economia popular e os direitos do consumidor. Numa segunda hipótese, se já

tiver sido aberto um inquérito policial, processo administrativo ou judicial para averiguar o desvio, o perdão só valerá depois de encerrada a investigação por falta de provas ou por inexistência de crime. Na ampla maioria dos casos, com poucas exceções (a exemplo da investigação aberta contra o exprefeito e ex-governador por São Paulo, Paulo Maluf, que resultou em sua prisão preventiva), não há sequer processos abertos. O que significa dizer que todos poderão se safar de condenações futuras, se e quando o projeto de Mentor for aprovado. A proposta do deputado encontra-se sob análise da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara. No último dia 2 de junho, o deputado Sílvio Torres (PSDB-SP) foi indicado para relatar o projeto naquela comissão e seu parecer ainda não foi concluído. O prazo para emendas foi encerrado em 10 de junho, mas não houve registro de alterações no texto original. Se não houver oposição, o projeto seguirá para a Comissão de Justiça e Cidadania. Para ser aprovada, a proposta não precisará ser votada pelos 513 deputados federais reunidos no plenário da Câmara.

Nas anistias, débitos parcelados ultrapassam R$ 128 bilhões Em 2000 e, novamente, em 2003, ainda na gestão do tucano Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), o governo foi dobrado pelo lobby dos sonegadores e concordou em anistiar dívidas fiscais que hoje somam R$ 128,2 bilhões. Numa continha simples, o valor é quase dez vezes maior do que os R$ 13,2 bilhões que o governo federal programou investir em 2005. Mesmo reparcelada a prazos a perder de vista, grandes grupos, representados pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), não querem pagar essa dívida. Nas últimas semanas, a entidade máxima do alto empresariado paulistano tem feito pressões

crescentes para que o Ministério da Fazenda concorde com uma nova renegociação, que pressupõe a possibilidade de repactuação indefinida dos débitos fiscais. Segundo a proposta da Fiesp, os devedores poderiam atrasar o pagamento das suas dívidas junto ao Tesouro Nacional quantas vezes desejarem. A cada atraso, haveria uma renegociação nova com os sonegadores, que recuperariam o direito de participar de licitações públicas e de tomar empréstimos nos bancos oficiais em condições favorecidas, mesmo que voltem a atrasar o pagamento das parcelas renegociadas. Para não parecer mais escandalosa do que é, a proposta autoriza

o governo a reduzir o prazo final para o pagamento total da dívida a cada renegociação (obviamente, já se pode antecipar que nem esse prazo final será cumprido, mediante a concessão, mais adiante, de novo perdão, como é previsível). Os dados a seguir ajudam a entender como opera o lobby da sonegação. Quando foi lançado, em 2000, o Programa de Recuperação Fiscal (Refis) chegou a registrar 129.177 adesões de empresas em dívida com o Leão do IR e com a Previdência. Como muitas deixaram de pagar as parcelas, que variavam entre 0,3% e, no máximo, 1,5% da receita bruta, acabaram excluídas do programa.

Que tal uma operação mãos limpas? O país não precisa de dólares. Precisa, isto sim, retomar as investigações iniciadas pela CPI do Banestado, identificar e punir os responsáveis pelas remessas de dólares irregulares. Dados oficiais, computados pelo Banco Central (BC), confirmam a sobra de dólares, neste momento. Entre janeiro e agosto, as contas externas do país fecharam com um superavit de 4,575 bilhões de dólares. Traduzindo para o português: entraram no Brasil quase 4,6 bilhões de dólares a mais do que todos os dólares gastos para honrar,

entre outras despesas, importações de bens, juros e prestações da dívida externa, gastos com viagens internacionais, remessas de lucros e dividendos, fretes. Nos mesmos oito meses de 2004, o saldo foi de 990 milhões de dólares. Comparando os mesmos períodos, houve um salto de quase cinco vezes (362% em números exatos). Na justificativa do projeto, o deputado José Mentor argumenta que países como México, Itália, Cazaquistão, Turquia e Alemanha adotaram medidas semelhantes. Os governos adotam anistias

assim, em geral, como forma de ordenar a situação jurídica e fiscal de seus países (caso da Itália, com a chamada Operação Mãos Limpas, que moralizou o país e colocou corruptos e corruptores na cadeia), ou para atrair dólares em períodos de crise (exemplo do México). No caso brasileiro, como visto, há sobras de dólares, neste momento, com as reservas em moeda estrangeira superando as despesas com a dívida (juros e amortizações) em 30%. O país precisa, sim, de uma Operação Mãos Limpas. (LVF)

Hoje, restam 25.829 empresas, o que significa dizer que 80% delas (103.348) foram eliminadas.

CAPITALISMO DE HOSPITAL Três anos depois, foi criado um novo programa de parcelamento especial de débitos tributários (Paes), com a fixação de um valor mínimo para as parcelas e um limite de 180 prestações (15 anos). Aderiram ao Paes 374.635 empresas, das quais 165.121 (44% do total) foram excluídas, restando, portanto, 209.514. A dívida renegociada, neste caso, supera R$ 75,6 bilhões, com um recolhimento mensal de R$ 262 milhões (ou R$ 3,1 bilhões por ano). Dito de outra forma, nesse ritmo, serão necessários 24 anos para zerar toda a dívida. As empresas com dívida acima de R$ 10 milhões (977), representam 0,47% das inscritas no programa, mas respondem por 58% (R$ 43,7 bilhões) do débito total. No caso do Refis, a situação é mais gritante. A dívida soma R$ 52,6 bilhões, com parcelas mensais de apenas R$ 69 milhões (R$ 828 milhões por ano). Assim, mantidos os valores atuais, seriam necessários 63 anos e meio para pagar todo o débito. Há casos de empresas favorecidas com prazos superiores a cem anos ou mais. Da mesma forma que no Paes, 816 empresas (mais de 3% do total) com dívidas acima de R$ 10 milhões detêm 75,5% (R$ 39,7 bilhões) do total. (LVF)


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De 6 a 12 de outubro de 2005

NACIONAL DIREITOS DA MULHER

Pela descriminalização do aborto Tatiana Merlino da Redação

O

Brasil está diante de uma oportunidade ímpar para descriminalizar a prática do aborto clandestino, a quarta maior causa de morte materna no país. Depois de enfrentar resistências por mais de um mês, a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM), apresentou à Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara dos Deputados, dia 27 de setembro, o anteprojeto de lei que propõe a descriminalização do aborto. O texto foi elaborado pela comissão tripartite para a revisão da legislação sobre a interrupção voluntária da gravidez, formada por representantes do executivo, legislativo e sociedade civil, e será incorporado pela deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) a um projeto de lei sobre o assunto, do qual ela é relatora. A proposta da comissão prevê a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação para qualquer mulher, e até a 20ª semana quando a gravidez resultar de violência sexual. Nos casos em que houver risco à vida da gestante ou má-formação fetal, o prazo para interrupção da gravidez pode ser fixado por um médico. Quando a gestante tiver menos de 18 anos, os pais ou responsáveis legais também precisam consentir com o procedimento. Se houver discordância entre eles, fica a cargo do Ministério Público a decisão final. A proposta determina que a interrupção da gravidez nunca poderá ser feita sem o consentimento da gestante. Prevê, ainda, que o acesso ao aborto terá de ser garantido não só pelo Sistema Único de Saúde (SUS), como pelos planos de saúde, que ficariam obrigados a cobrir os custos, independentemente do tipo de plano, e sem a necessidade de cumprimento do período de carência.

Fotos: Marta Santana

O Congresso tem a faca e o queijo na mão para acabar com a quarta maior causa de morte materna no país

Proposta no Congresso prevê descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação para qualquer mulher, e até a 20ª, quando a gravidez resultar de violência sexual

ponsabilidade de fazer um debate sobre o aborto. “A proposta é o resultado de um trabalho conjunto das feministas com o governo”, comemora. A comissão tripartite foi criada pelo governo federal em abril, como uma das ações previstas no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, resultado da 1ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em 2004. O resultado do trabalho da comissão é considerado uma vitória para a garantia de direitos das mulheres. “Nesse processo, outros atores se somaram à nossa luta” lembra a socióloga Dulce Xavier, coordenadora de comunicação de Católicas pelo Direito de Decidir e representante das Jornadas pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro. Ela diz que as organizações defendem que a legalização do aborto seja seguida de medidas preventivas como a educação sexual e o acesso a meios de contracepção. “Aí o Estado vai ter que assumir, de uma vez por todas, o

OPORTUNIDADE Para as organizações feministas, a criação da comissão e a entrada do projeto na Câmara representam um “momento único na história do país”. De acordo com Fátima Oliveira, da Rede Feminista de Saúde, esta é a primeira vez que o governo chama para si a res-

planejamento familiar”, argumenta Dulce.

NEGRAS E POBRES As feministas também alertam para o fato de que as mulheres que sofrem em procedimentos arriscados, e são mais afetadas pela legislação punitiva do aborto, são as negras e pobres, já que mulheres com recursos financeiros fazem aborto seguro em clínicas clandestinas. Atualmente, o Código Penal, de 1940, ainda vigente, considera o aborto um crime, exceto quando se trata de perigo de vida para a gestante, ou quando a gravidez é conseqüência de estupro. “O importante é que o aborto deixe de ser crime e passe a ser tratado como saúde pública e justiça social”, diz Dulce Xavier. Calcula-se que a cada ano mais de um milhão de abortos clandestinos são feitos no Brasil. Cerca de 250 mil mulheres são internadas anualmente no SUS em decorrência de abortos, que são o segundo procedimento obstétrico mais praticado

nas unidades de internação, superadas apenas pelos partos normais. O aborto inseguro é a quarta causa de morte materna no país. Para se ter uma idéia, só em 2004, 244 mil mulheres foram internadas no SUS em decorrência de curetagens pósaborto, ao custo de R$ 35 milhões.

CRISE POLÍTICA O documento da Comissão Tripartite foi concluído no começo de agosto, mas apresentado ao Congresso no final do mês, em decorrência da atual crise política pela qual o governo passa. No entanto, o movimento de mulheres acredita que a pauta não pode ficar parada, esperando um momento ideal. “Preferimos que o documento fique parado lá, ao invés de ficar parado nas nossas mãos”, pondera Fátima Oliveira, da Rede Feminista de Saúde. Para a deputada Jandira Feghali, que há mais de oito anos luta pela legalização do aborto, o projeto não vai tramitar com facilidade. Ele será submetido à votação na Comissão de Seguridade da Câmara. Se

aprovado, segue para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para redação final e só então deve ir a plenário. Para chegar à votação, dependerá do empenho do novo presidente da Câmara, Aldo Rebelo. “Se ele não ajudar, pelo menos não vai atrapalhar”, ironiza Fátima. Outro entrave à luta das feministas é a Igreja Católica, que vem fazendo pressão contrária à revisão da lei do aborto, sobretudo por meio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). De acordo com o movimento feminista, a CNBB tentou participar da comissão tripartite. Como não conseguiu, pressionou para que o projeto não fosse para o Congresso. No início de agosto, em carta ao presidente da CNBB, Lula reafirmou sua “posição em defesa da vida em todos os seus aspectos, e em todo o seu alcance”. Na avaliação de Fátima Oliveira, o presidente Lula utilizou o aborto para conquistar apoio político da Igreja Católica, “o que é lamentável, porque o Estado deveria ser laico.”

MODELO TUCANO

Dafne Melo da Redação Geraldo Alckmin (PSDB) conseguiu manter o veto que impede o aumento de recursos para todos os níveis da educação estadual. No dia 28 de setembro, a Assembléia Legislativa votou a favor da manutenção do veto emitido pelo governador em 4 de agosto. A votação também foi marcada pelo confronto entre a Polícia Militar e estudantes, que saíram às ruas para protestar. Para César Minto, presidente da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp), tanto o veto como a ação da PM mostram o autoritarismo do governo Alckmin. “Vemos pessoas que reivindicam mais recursos para as áreas sociais serem tratadas como marginais, como se estivessem prestando um desserviço à sociedade”, opina. Márcio Azevedo, do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da USP, conta que a polícia usou bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha. “Jogaram muitas

Adusp

Em São Paulo, Alckmin ganha, educação perde dades e escolas técnicas estaduais), que antes não contava com nenhum tipo de verba fixa vinculada.

RECUO

Pressão do governo e da imprensa foram decisivas para a manutenção do veto

bombas, por cima dos ônibus, na população, uma selvageria. Ainda que estivéssemos perturbando o trânsito, o comportamento da polícia foi abusivo”, relata. No dia 14 de setembro, pelo menos três estudantes ficaram feridos, e treze foram presos em um primeiro confronto, em frente à Assembléia Legislativa. De acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), definida

pela própria Assembléia estadual em junho, haveria um aumento de 30% para 31% da arrecadação tributária para a Educação. Dessa forma, as universidades estaduais teriam um aumento da vinculação de verbas, e passariam a receber 10% do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), em vez dos 9,57% atuais. Outro ponto, era a destinação de 1% do ICMS para o Centro Paula Souza (facul-

Em relação ao recuo dos parlamentares paulistas, César Minto acredita que a pressão do governo e da imprensa foram decisivas para a manutenção do veto. “Os grandes jornais foram obrigados a colocar a cara para fora e, nos seus editoriais, saíram em defesa do Alckmin”. Márcio de Azevedo acredita que o episódio também serviu para mostrar a ingerência do executivo sobre o legislativo. “Vimos, na prática, como funciona o processo legislativo, um cotidiano viciado em políticas escusas”, diz o estudante, que não economiza críticas à política tucana para a educação. “A Educação é prioridade apenas no discurso. Ele (Alckmin) conseguiu fazer as universidades paulistas voltarem à situação anterior à autonomia: o orçamento fica a mercê da vontade política do governo”, avalia o representante do DCE. Ele destaca que a luta por

maiores verbas é uma bandeira antiga de professores, funcionários e alunos das universidades, mas, nos últimos anos, tem-se observado “ampliação de vagas sem ampliação proporcional dos recursos”. Para Minto, isso mostra o tratamento que a gestão tucana dá à educação. Ele cita o deputado estadual Mauro Bragato (PSDB), que tem nove projetos tramitando, pedindo a criação de novas unidades de faculdades técnicas (Fatecs), porém ele votou a favor do veto. “Quer ampliar, mas não quer investir. Isso é propaganda enganosa e irresponsabilidade política”, critica o presidente da Adusp. Apesar de não ter conseguido reverter o veto, César Minto acredita que a mobilização das universidades paulistas foi importante para “acumular forças” para os desafios de 2006, que incluem a reivindicação de uma maior vinculação tributária. “Acabamos construindo algo inédito no país, que foi uma greve por mais recursos para a educação, mas que poderia ter sido mais ostensiva, principalmente por parte dos docentes”, avalia.


Ano 3 • número 136 • De 6 a 12 de outubro de 2005 – 9

SEGUNDO CADERNO COMUNIDADE SUL-AMERICANA DE NAÇÕES

Com divergências, integração prossegue O

s presidentes de 12 países da América do Sul se comprometeram a ampliar a integração econômica do continente. O documento final do encontro da Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), realizado em Brasília no dia 30 de setembro, propõe a redução de barreiras para ampliar o comércio entre os países da região, a realização de obras comuns de infra-estrutura (como estradas) e também a cooperação na produção de energia. A Comunidade Sul-Americana de Nações foi constituída em 8 de dezembro de 2004 e, na reunião de Brasília, os presidentes tinham como desafio definir a estrutura organizacional e tarefas prioritárias da Comunidade. A declaração final assinada por todos os membros da comunidade diz que a integração econômica da região deverá ser feita por meio da convergência dos Acordos de Complementação Econômica. Significa que os acordos de complementação existentes são restritos: envolvem grupos pequenos de países. A idéia, então, é trabalhar para unificá-los num único conjunto de medidas, solidificando os laços entre os sul-americanos. Um exemplo é o acordo assinado entre os países do Mercosul e da comunidade andina. Há também um acordo entre o Mercosul e o México. Os primeiros estudos para unificar os acordos podem estar prontos em meados de 2006. É o que pede a declaração a algumas organizações da região: a Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), o Mercosul, a Comunidade Andina (CAN) e do Mercado Comum e Comunidade do Caribe (Caricom). Os estudos ainda devem ter a cooperação com o Chile, a Guiana e o Suriname. O texto prevê também a preparação de uma proposta de área de livre-comércio sul-americana. Mas “orientada principalmente para a promoção de melhores níveis de qualidade de vida, geração de trabalho decente, justa distribuição

Comunidade Sul-Americana de Nações prevê criação de área de livre-comércio baseada na distribuição de renda e na melhoria de qualidade de vida

de renda e extensão de benefícios sociais a seus habitantes”. Os presidentes e chefes de governo dos países membros da Casa se comprometeram também com a redução das assimetrias regionais, “quando possível”, mediante complementação das economias sul-americanas – o tema será discutido em reunião convocada para o dia 21 de outubro, na Bolívia.

DIVERGÊNCIAS A aprovação da declaração final da Casa, no entanto, não transcorreu de maneira tranqüila e só foi obtida após um apelo enfático feito pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim. Em discurso, o presidente venezuelano Hugo Chávez questionou a falta de aprofundamento do debate político sobre o documento final. Segundo ele, os documentos apresentados não foram discutidos pelo seu país e foram apresentados aos presidentes apenas para aprovação. Chávez negou-se, então, a assinar o acordo,

Chávez propõe ações para alfabetização e saúde Lílian de Macedo e Keite Camacho de Brasília (DF) O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, propôs durante o encontro de chefes de Estado da Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa) três ações conjuntas para os países sul-americanos na área social: um plano continental contra o analfabetismo, uma ação para tratamento gratuito de saúde e um banco de desenvolvimento da região. O presidente da Venezuela afirmou que, em 28 de outubro, o território de seu país vai estar livre do analfabetismo graças à colaboração de Cuba. “Uma questão de 200 anos foi erradicada em um ano e meio”, ressalta. Ele destacou que, antes de fazer estradas e gasodutos, os governantes deveriam resolver o problema do analfabetismo. Hugo Chávez sugeriu um plano latino-americano para o tratamento da saúde também com parceria de Cuba. “A doença dos pobres não tem cor política”, acentua. De acordo com ele, o governo venezuelano poderá ajudar a região a desenvolver a medicina gratuita. Chávez disse que Cuba também poderia auxiliar. “Não falei com Fidel Castro,

mas tenho certeza de que Cuba já ajuda muitos países e poderia nos ajudar nisso.” Chávez ressaltou a parceria entre Venezuela e o governo cubano nesta área: um plano para capacitar, entre 2005 a 2015, 200 mil médicos sul-americanos. “Sobretudo medicina social integral. Não essa medicina do capitalismo que atende a quem tem dinheiro.” Um Banco de Desenvolvimento do Sul também foi sugerido por ele. “Não é como os que já existem. É mais. Venezuela propõe uma comissão técnica com coordenação com os Bancos Centrais. Não me digam que é impossível, pelo amor de Deus, porque é só uma decisão política. Parece uma estupidez que a maior parte das nossas reservas estejam em bancos do Norte”, afirmou. Chávez também reclamou do nome dado ao encontro e sugeriu outro: União Sul-Americana (Unasul). De acordo com ele, a escolha do nome deveria ser um dos focos principais do encontro. “Anunciamos como projeto a união sul-americana, como um sonho de 200 anos. Mas o nome não foi debatido e é muito importante. O Brasil chama de Casa. Propomos o Unasul – União Sul-Americana”, disse.

dizendo que a Casa começava mal. Momentos antes, o venezuelano já criticara o desenrolar da reunião: “Não se falou nem por um minuto na verdadeira causa da falta de segurança na América Latina, a pobreza e a miséria. Quantas crianças famintas temos na América Latina, que a essa hora ainda não tomaram café? São milhões.” Chávez reclamou também da falta de avanços concretos na estruturação institucional do bloco. “Desse jeito, teremos alguma coisa concreta no ano 2200”, disse e, depois, comparou a reunião dos líderes sul-americanos às da Organização das Nações Unidas (ONU), que definiram as Metas do Milênio sem prazos ou métodos. O venezuelano lembrou a proposta que apresentou, junto com o presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, de criar uma Comissão Sul – que seria encarregada de definir “um Plano Estratégico 2005-2010 para a verdadeira integração sulamericana”. Celso Amorim argumentou que o texto era apenas uma declaração política. “Mas se não tivermos um documento, mesmo que provisório, não podemos começar o debate”, afirmou o ministro. O presidente venezuelano só decidiu rever sua posição, após o presidente Lula propor que as discussões sejam novamente retomadas dentro de

três meses, às vésperas da reunião do Mercosul com a Comunidade Andina de Nações. O ministro brasileiro tirou ainda o peso político do documento final: “Essa é uma declaração quase provisória, não damos esse nome para não tirar sua força, mas, na realidade, é isso”, disse. A reunião da Casa estabeleceu também que serão realizadas reuniões ministeriais setoriais para exame e promoção de projetos e políticas específicas nas áreas de saúde, educação, cultura, ciência e tecnologia, segurança cidadã, infraestrutura de energia, transportes, comunicações e desenvolvimento sustentável. O Brasil exercerá a secretaria temporária até a 2ª Reunião

de Chefes de Estado da Comunidade Sul-Americana de Nações, que se realizará na Bolívia, ano que vem. Das 12 nações que participam da Casa, não vieram ao Brasil, mas mandaram representantes, os presidentes da Colômbia, Uruguai, Guiana e Suriname. (Agência Brasil www.radiobras.gov.br)

PAÍSES QUE INTEGRAM A COMUNIDADE SUL-AMERICANA DE NAÇÕES (CASA) Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela.

Wilson Dias/ABr.

Daniel Merli e Flávio Diegues de Brasília (DF)

Ricardo Stuckert/PR

Líderes da América do Sul assinam declaração “provisória” e vão retomar debates sobre projeto regional em 90 dias

Hugo Chávez (à esquerda) criticou a falta de aprofundamento do debate político

Venezuela e Argentina assinam acordos na área de petróleo da Redação As empresas petrolíferas da Venezuela, PDVSA, e da Argentina, Repsol YPF, assinaram dia 30 de setembro um acordo nas áreas de exploração, produção e comércio de produtos derivados de petróleo. Pelo acordo, a PDVSA vai adquirir 10% da produção de petróleo bruto produzido na Argentina. A carta de intenções foi assinada, em Brasília, pelo presidente da PDVSA e ministro de Energia e Petróleo da Venezuela, Rafael Ramirez, e pelo presidente da Repsol, Antonio Brufau. Presente à solenidade, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, ressaltou a importância do acordo assinado com a Argentina e o classificou como uma prova de que a integração sul-americana já é uma realidade, a exemplo do que Brasil e Venezuela já anunciaram ao assinar um acordo para a instalação de uma refinaria de petróleo em Pernambuco. “Estamos diante de uma grave crise energética mundial. E a América

Latina tem uma das grandes reservas petrolíferas do mundo. Deixar essa crise chegar à América do Sul, com as reservas que temos, não pode ser”, disse. Em entrevista ao jornal argentino Clarín, Chávez afirmou que o petróleo é uma das “cartadas geopolíticas” que a Venezuela vai usar para se contrapor à pressão dos Estados Unidos, insatisfeitos com as mudanças que afetam seus interesses e estão sendo conduzidas pelo venezuelano. Chávez citou também outros acordos, como o assinado com Cuba que, em troca do fornecimento de petróleo a preços mais baratos, oferece ajuda médica aos venezuelanos. Com o Uruguai, o governo bolivariano envia petróleo e, como contrapartida, recebe cimento. “Com esses convênios, a Venezuela deixa de receber a curto prazo uma parte dos seus investimentos, mas recebe em troca outros benefícios”, explicou Chávez, detalhando um pouco mais do princípio de integração que defende, ao lado do governo cubano, na

proposta da Aliança Bolivariana das Américas (Alba). O convênio venezuelano-argentino prevê a produção de 6 mil barris de petróleo bruto e de 3,5 mil barris de outros produtos petrolíferos, na Argentina, durante um ano, para consumo venezuelano. Além disso, duas empresas mistas serão instaladas na Venezuela, uma na área de Barúa-Motatán e outra na faixa petrolífera do Rio Orinoco. Ainda na entrevista ao Clarín, quando perguntado sobre a desapropriação de terras na Venezuela, o presidente venezuelano disse que não está conduzindo uma reforma agrária, mas uma revolução no campo, cuja primeira etapa é regatar as terras do latifúndio para criar cooperativas com camponeses capacitados. Chávez também esclareceu que não está ocorrendo “expropriação de terras privadas”, mas sim a recuperação de terras do estado ocupadas ilegalmente por latifundiários. (Agência Brasil, www,radiobras,gov,br, e Prensa Latina, www.prensalatina.com.br)


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De 6 a 12 de outubro de 2005

INTERNACIONAL TERRORISMO DE ESTADO

A guerra real, na Bolívia, é a pobreza Pacho, de militante dos direitos humanos, virou um narcoterrorista trancafiado nos porões do governo

N

o dia 10 de abril de 2003, na cidade de El Alto, região metropolitana de La Paz, capital da Bolívia, às 7h da manhã, a casa de Claudio Ramirez, militante sindical, foi cercada por mais de 100 agentes encapuzados da polícia militar boliviana. Armados com metralhadoras, os policiais invadem a casa, assustando os moradores que ainda dormiam. Na presença da imprensa local, os agentes tiram da casa um bebê de um ano, mais duas menores e três adultos, todos com roupas íntimas. No ato da prisão, as pessoas não sabiam do que se tratava. No dia anterior, o presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, em depoimento nacional, afirmava que, frente aos conflitos sociais que sacudia o país, era preciso defender a democracia com armas. Um dos detidos do dia 10 era Francisco José Cortés Aguilar (Pacho), camponês e líder sindical colombiano que já estivera na Bolívia outras vezes para seminários e encontros com movimentos campesinos. A primeira voz de prisão que recebeu foi sob a acusação de fazer parte das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Logo, a sentença era de envolvimento com o Movimento Revolucionário Tupac Amaru, do Peru. Depois, passaram a citar o Sendero Luminoso.

PROVAS FORJADAS Por fim, após citarem também o Exército de Libertação Nacional da Colômbia (ELN), nos altos do processo ficou registrado que Pacho estava no país criando um grupo guerrilheiro, já com 250 integrantes, de ideologia política subversiva. Três horas depois da detenção, a polícia apresentou supostas provas que teria encontrado na casa: drogas, munição, bandeiras e materiais impressos do ELN da Colômbia. Durante o processo judicial, o Estado indiciou 48 pessoas, acusou 18, mantendo preso apenas Pacho Cortés. Durante um mês, o colombiano ficou no presídio de San Pedro, em La Paz. Transferido para o presídio de segurança máxima de Chonchocoro, em El Alto, a 4,1 mil metros de altitude, lá ficou durante 52 dias confinado, sem luz do sol, com um banho a cada 4 dias. Depois de um pedido da comunidade internacional feito por movimentos de direitos humanos da Colômbia e da Bolívia, conseguiu o direito de 1 hora de sol por dia, durante nove meses. Em seguida, transferido às celas normais, Pacho foi escolhido representante dos presos internacionais – argentinos, peruanos, chilenos, colombianos, brasileiros, a maioria enquadrada na Lei 1.008, do narcotráfico. Presos políticos bolivianos quase não havia, diz. “Para muitos, eu era um preso de respeito. Assim, pude ajudar muita gente, inclusive na defesa de seus direitos humanos. Transmiti minhas idéias, incentivei as pessoas a superar as dificuldades”, relata o líder camponês. Em um mês, um motim é organizado, e Pacho é acusado de comandá-lo. A administração do presídio volta a isolá-lo, e ele fica muito doente, devido às condições insalubres. A comunidade internacional, agora fortalecida pela Via Campesina de diversos países, volta a se manifestar em frente às embaixadas bolivianas de cada país. Envia cartas à Presidência da Bolívia. Pacho recebe visitas de delegações européias. A campanha próliberdade ganha dimensão internacional, e ele volta a San Pedro, on-

de as condições eram melhores. Em pouco tempo, consegue a liberdade condicional, que é o cárcere privado onde está há nove meses. Abaixo, a entrevista com Francisco José Cortés Aguilar (Pacho), feita na prisão, no dia 16 de setembro, em La Paz.

drocarburantes, mas que adotem uma lei para nacionalizar cada um dos recursos naturais sobre e sob seu solo. Caso contrário, teremos presos, mortos e feridos para nacionalizar petróleo e gás, outros mais para nacionalizar a água, a terra, a madeira. O caminho não é este. O povo tem de batalhar pesado para que todos os recursos naturais da Bolívia sejam dos bolivianos, administrados por ele. Se uma empresa estiver interessada em negociar algo, que negocie uma parte, administrar, explorar ou processar, mas sempre na condição de contratada pelo Estado, e por determinado tempo.

Eduardo Seidl

Eduardo Seidl de La Paz (Bolívia)

Brasil de Fato – Como é o cotidiano neste cárcere privado? Pacho – O cárcere tem um pequeno quarto, onde durmo; uma pequena sala de estudos; um posto policial onde vivem dois guardas; uma pequena cozinha; banheiro com chuveiro. Não há pátio. Portanto, é um espaço bastante reduzido, mas muito bem controlado. Fico aqui com duas escoltas. Quando vem gente, fazemos café, mascamos coca, conversamos. BF – Recebe visitas? Pacho – Vêm muitos jovens universitários que querem trocar idéias, averiguar quem sou. Mas a mim não importa quem venha, mas que minhas idéias cheguem às pessoas. Os policiais que estão aqui compartilham a luta comigo. Alguns estão há quatro ou cinco meses comigo. Eles também sofrem. Até mais do que eu, porque onde ficam faz mais frio. Ao meio dia cozinhamos, comemos juntos, os três, ou quem mais esteja. À tardezinha, fazemos uma sopa. Cafezinho. Não há mais que fazer. Pacho: campanha pela sua libertação ganha dimensão internacional

BF – Por que você está preso na Bolívia? Pacho – No mundo globalizado política e economicamente, imposto pelo capitalismo, matamse os pobres. Por isso, quando surgem lideranças contra este sistema, são presas sob qualquer pretexto. Nos chamam de terroristas, ou de narcotraficantes, delinqüentes, ou nos matam. Minha história, desde jovem, é envolvida com comunidades campesinas. Depois de me casar, fomos para o leste do país, onde comecei a trabalhar como professor rural. BF – Além de ensinar, o que mais fazia? Pacho – Apoiava e assessorava a organização da comunidade, buscando soluções para as necessidades básicas da região, planos de desenvolvimento alternativo. Chegamos a ter 450 cantões organizados, trabalhando juntos. Minha detenção obedece a interesses políticos do capitalismo. Por isso hoje, depois de cumpridos 29 meses, não me dão a liberdade. BF – Apesar de toda mobilização internacional? Pacho – As Nações Unidas acabaram de decretar neste ano que Francisco Cortés é um preso detido arbitrariamente. Muitos dirigentes foram afastados de suas terras, têm que buscar refúgio em outros países. Muito foram presos, como eu. E muitos tiveram que oferecer suas preciosas vidas por lutar contra este sistema. Minha luta, primeiro, foi pela liberdade dos povos. Agora, é pela minha, inclusive. BF – A luta continua, então? Pacho – Sim, pelos homens e mulheres que lutam por um mundo melhor. Porque Francisco Cortés não morreu. Meu cárcere continua sendo minha trincheira de luta. BF – Como está seu processo judicial? Pacho – Na etapa de preparação para o início do julgamento no tribunal, para definir a sentença. Entramos com um recurso contra

o Quinto Tribunal de Sentença, para trocar o tribunal e os juízes, porque eles são comprados pelo Ministério Público boliviano e pela embaixada estadunidense. Trabalham para os interesses da globalização política e econômica do mundo, para o capital. E neste tribunal eu já estou condenado. Eu já tenho oito mil dólares pagos como fiança, obtidos através da solidariedade da comunidade internacional, tenho trâmite de arraigo. BF – O que é isto? Pacho – Uma declaração que não fujo do país. Tenho contrato de trabalho, matrícula para estudar jornalismo em uma universidade. Já apresentamos todos os requisitos exigidos pela lei, mas a Justiça não tem feito nada. BF – Afinal, por que você está preso? Pacho – Até Yerko Kucock, ministro do Interior no governo de Gonzalo Sánchez de Lozada, declarou publicamente que Francisco Cortés deixava sua consciência pesada por estar detido injustamente, e que os advogados de defesa deveriam lhe procurar. Meu caso foi usado para justificar a guerra contra os movimentos sociais, o investimento em armamento, cadeias e modernização das forças armadas. Para justificar uma guerra na Bolívia, que não existe.

cálculo é que governará só um ano. Governar, na Bolívia, continua sendo um problema, face às duas forças em cena – a social e a da direita. Pela esquerda, sobe o Evo Morales, pela direita, Tuto, ou qualquer outro. Se Evo ganha, a classe média, a oligarquia, as empresas, alguns meios de comunicação vão começar a bloquear o país política e economicamente, partir para a violência militar e a repressão aos movimentos sociais. Vão fazer de tudo para derrubar Evo. BF – E se a direita ganhar as eleições? Pacho – Se as coisas continuarem como estão, não restará ao povo senão continuar derrubando presidentes. Há muitos interesses em jogo, a Bolívia tem muitas riquezas naturais e há muita gente interessada em se apropriar delas. Por isso, estão transformando o país em um pólo turístico, para viver bem às custas dos pobres. Sendo assim, não tenho muita esperança com as eleições.

BF – O país está em paz, então? Pacho – Na Bolívia não há terrorismo, só um povo que clama por Justiça, que tem fome, não tem emprego, um povo que tem sido governado por regimes ditatoriais, apoiados em um poder capitalista. Temos o terrorismo de Estado. Faz dois ou três anos que umas 150 pessoas morreram vítimas do Estado, mil pessoas foram feridas, companheiros expulsos das suas regiões. Eu estou encarcerado porque sou uma vítima do terrorismo de Estado.

BF – Quais as alternativas que vê? Pacho – Tenho dito aos companheiros e companheiras que tratem de curar o câncer eleitoreiro, que comecem a semear planos alternativos de desenvolvimento integral e equilibrado. Por exemplo, bons colégios agropecuários, boas universidades agrárias; hospitais que incentivem o uso de medicamentos naturais, baseados em plantas medicinais e no saber do povo, e não baseados nos medicamentos de morte, químicos. Desenvolver projetos hidrelétricos, para que o povo tenha sua própria eletricidade e não tenha de pagar às transnacionais nem ao governo. Implementar projetos de economia solidária, onde a produção e a comercialização sejam feitas pelas comunidades; alternativas orgânicas para que toda contaminação química seja afastada dos cultivos.

BF – Quais as suas perspectivas para a eleição de dezembro? Pacho – Qualquer que seja o partido que ganhe a eleições, meu

BF – E o que pensa da nacionalização? Pacho – Eu aconselharia aos bolivianos a não nacionalizar os hi-

BF – A assembléia constituinte será no final do ano que vem? Pacho – A constituinte não resolve nada. Os problemas se resolvem na luta de um povo. A verdadeira democracia é distribuir a riqueza entre os pobres, fazer com que os hidrocarbonetos se convertam em universidades, hospitais, estradas, tudo que for produzido se transforme em bem-estar social para os povos e os pobres. Por isso digo que os pobres têm que organizar empresinhas, começar a partir da economia solidária, lentamente construir um mundo melhor desde a base. Não há alternativa. Os governos são conjunturais em qualquer parte do mundo, e existem muitos companheiros que chegam ao poder e se perdem, se vendem à burguesia. Então nós temos de fazer o contrário, ir organizando projetos que até incluam burgueses e a oligarquia trabalhando pelo povo. Porque é melhor ganharmos todos juntos. BF – Qual o verdadeiro objetivo do combate ao narcotráfico que vem sendo feito na América do Sul? Pacho – Há alguns anos, EUA, Alemanha, Inglaterra etc. se dedicavam à guerra pelo petróleo e pelos recursos naturais do mundo. Depois, disseram que não era muito rentável, que havia outros negócios importantes como as comunicações, e investiram em mega-projetos de comunicações. Hoje, dizem que os recursos naturais, as comunicações e as demais riquezas têm que dar mais rentabilidade, inclusive o narcotráfico. Como? Com o melhor negócio que surgiu nos últimos anos, que é a guerra. A guerra é rentável, por isso a promovem em qualquer país onde os EUA tenham interesses. Significa venda de armas, de sistemas de comunicação, de medicamentos químicos, empregos para os países ricos, alimentação para os soldados, aviões, barcos. BF – Quais são os seus planos? O que faria se fosse libertado hoje? Pacho – Tenho um compromisso social com duas linhas. Uma, é continuar a luta pelos direitos humanos e pela paz na América do Sul, ajudando a construir um mundo melhor. Depois da prisão vem a morte, e dela não podemos nos esquivar. Mas antes quero deixar registrada uma série de idéias que, no futuro, outras gerações vão poder aproveitar. Que realmente brilhe, não só para mim, mas para todos, nossos filhos e futuras gerações uma liberdade digna e justa. É isto que vou fazer se me deixarem ficar na Bolívia. À Colômbia não posso voltar, não tão cedo. Lá, corro risco de vida. É possível que vá ao Brasil, talvez à Venezuela, possivelmente Cuba. Eu não tenho pátria. Penso que, para um lutador, a pátria é o mundo onde vivemos. Não há fronteiras.


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De 6 a 12 de outubro de 2005

INTERNACIONAL VÍTIMAS DE BUSH

Plano social para reconstruir Nova Orleans João Alexandre Peschanski da Redação

“O

CMI/ New Orleans

Movimentos criam projeto para região atingida pelo Katrina – ignorado por governo, que contratou corporações

s movimentos sociais na região de Nova Orleans eram fracos, antes da catástrofe. Não conseguiam organizar manifestações ou grandes atos. Em reação aos erros políticos do presidente George W. Bush, uniram-se. Agora, podem oferecer uma alternativa de desenvolvimento à região”. A frase, do ativista Curtis Muhammad, da União de Entidades de Trabalho Comunitário, traduz a estratégia das organizações que atuam nas áreas atingidas pelo furacão Katrina, no final de agosto: não basta reconstruir as cidades devastadas, é preciso transformá-las. Os Estados pelos quais passou o Katrina – Alabama, Louisiana e Mississippi – estão entre os mais pobres dos Estados Unidos. De acordo com dados anteriores ao furacão, 67% dos 1,3 milhão de habitantes de Nova Orleans eram negros, e 30% viviam abaixo do índice da pobreza. “Temos agora o desafio e a oportunidade de mudar a realidade da população pobre da região. O presidente tinha outras prioridades e não ajudou as vítimas do Katrina. Agora, as vítimas do Katrina estão dispostas a autodeterminar seu destino”, continua Muhammad, em discurso durante manifestação contra a política de Bush, em Washington, dia 24 de setembro. Participaram do ato cem mil pessoas, que, entre outros pontos, exigiram o fim da ocupação militar estadunidense no Iraque, iniciada em 2003. O presidente dos Estados Unidos é acusado de ter sido omisso na evacuação e na ajuda à população atingida pelo Katrina. Em

Movimentos sociais e entidades dos Estados atingidos pelo Katrina se unem em torno de um projeto de reconstrução

pronunciamento oficial, dia 13 de setembro, ele reconheceu o erro. De acordo com a imprensa estadunidense, 1.121 pessoas morreram em virtude da catástrofe.

GOVERNO PARALELO Quarenta e nove movimentos sociais e entidades dos Estados atingidos pelo Katrina se uniram e lançaram um plano para a região devastada, chamado Projeto Popular para a Reconstrução e Ajuda a Vítimas do Furacão. No texto, criticam o presidente dos Estados Unidos: “O desastre do furacão Katrina não é natural. Na verdade, é conseqüência da ação do homem,

Solidariedade internacional Afeganistão

100 mil dólares

Alemanha

700 mil lanches e equipes médicas

Arábia Saudita

5,3 milhões de dólares

Argentina

6 equipes de resgate

Austrália

7,6 milhões de dólares

Canadá

5 milhões de dólares, navios, helicópteros e equipes de resgate

China

5,1 milhões de dólares, 1.000 barracas e 600 geradores

Cuba

1.100 médicos

Djibuti

50 mil dólares

Emirados Árabes Unidos

100 milhões de dólares

França

1 milhão de dólares, aviões, helicópteros e equipes médicas

Índia

5 milhões de dólares e 22 toneladas de comida

Inglaterra

400 mil lanches, equipes médicas e de resgate

Iraque

1 milhão de dólares

Islândia

500 mil dólares

Japão

1,7 milhão de dólares

Kuwait

100 milhões de dólares

Libéria

100 mil dólares

México

1 milhão de dólares e 45 caminhões com comida

Mauritânia

200 mil dólares

Nepal

25 mil dólares

Nigéria

1 milhão de dólares

Panamá

54 mil quilogramas de bananas

Paquistão

1 milhão de dólares

Qatar

100 milhões de dólares

Quênia

100 mil dólares

Sri Lanka

25 mil dólares

Venezuela

1 milhão de dólares e petróleo

Vietnã

100 mil dólares

Brasil

Em nota oficial ao governo estadunidense, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se dispôs a enviar ajuda às vítimas do Katrina. A iniciativa foi reforçada pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, em encontro com a secretária de Estado dos Estados Unidos, Condoleezza Rice, no final de setembro. Conversaram sobre a possibilidade de o Brasil enviar leite e água, entre outros produtos. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, no encontro, Condoleezza disse que mandaria um documento, oficializando e permitindo a ajuda brasileira. Até o momento, não o mandou.

Fonte: Departamento de Estado dos Estados Unidos e Ministério das Relações Exteriores do Brasil

do imperialismo estadunidense de modo geral e da oligarquia de Bush de modo particular – onde o aquecimento global (causado pelos rumos da economia dos Estados Unidos), a intervenção imperialista no Iraque, o racismo, as crises das cidades e a opressão contra os negros se entrecruzam”. Participam da coalizão grupos religiosos, estudantes, ecologistas, movimentos de luta contra o racismo, entidades de trabalho comunitário, entre outros. Para reconstruir as áreas atingidas, principalmente Nova Orleans, propõem o estabelecimento de um governo alternativo, integrado pelos movimentos,

que administre o dinheiro para obras e projetos na região. “Nova Orleans e as outras cidades atingidas oferecem a oportunidade de ajudar a população pobre, majoritariamente negra, e reverter o processo histórico de segregação da região”, afirma o documento. A área, conhecida como Costa do Golfo, era um dos principais pontos de chegada de pessoas seqüestradas da África para ser escravas nos Estados Unidos.

PROPOSTAS A coalizão criou mecanismos para cobrar transparência das instituições e empresas responsáveis

pelas obras de reconstrução da região, como comitês locais. Esses espaços também servem para coordenar a ação de voluntários. Ativistas estimulam refugiados que voltam para cidades atingidas a participar de grupos locais de discussão e ação, organizados por movimentos sociais. Estimativas do governo indicam que 350 mil pessoas voltaram a Nova Orleans. Segundo o ativista Eric Mann, que colabora com os grupos locais, estes podem ser a base para criar associações locais duradouras, ou seja, que não restrinjam sua ação à reconstrução da Costa do Golfo. “Os bairros negros de Nova Orleans não podem ser habitados e vão demorar anos para ser reconstruídos. As famílias brancas e ricas já estão em pontos da cidade onde há serviços básicos. Bush diz que Nova Orleans vai ressurgir maior e melhor, mas quem vai morar nessa cidade? Quem vai ser privilegiado na reconstrução?”, diz. Ele considera que a organização política das famílias que foram evacuadas pode impedir a recriação de bolsões de pobreza em Nova Orleans. Mann defende a implementação de políticas de bem-estar social para famílias pobres que retornarem às cidades da Costa do Golfo, como previdência e créditos sociais. Entre outras medidas, propõe que bairros de Nova Orleans considerados ricos antes do furacão sejam destinados a moradias populares. Segundo ele, não é necessário construir casas nessas áreas, pois não foram atingidas pelas inundações. Antes da passagem do Katrina, de acordo com o Censo dos Estados Unidos, 17,4% dos domicílios do French Quarteir, bairro mais luxuoso de Nova Orleans, estavam desocupados.

Governo favorece corporações e renega ajuda estrangeira O presidente estadunidense, George W. Bush, entregou a reconstrução da Costa do Golfo a grandes corporações – como o grupo Halliburton – contratadas sem licitação, o que tem sido criticado por movimentos sociais da região. Segundo o diário estadunidense The New York Times, os valores dos contratos somam 1,5 bilhão de dólares. A Halliburton, por meio de sua subsidiária, a Kellog, Brown & Root, recebeu 16 milhões de dólares para drenar regiões inundadas. De acordo com a entidade Corpo

Watch, o contrato é superfaturado. Em relatório divulgado em maio, a entidade já havia denunciado as relações promíscuas entre Bush e a empresa, beneficiada pelo governo na concessão de contratos para a restauração de petróleo e outros serviços, durante a ocupação do Iraque, iniciada em 2003.

SEM RESPOSTA No final de agosto, após a passagem do Katrina, governos de mais de cem países ofereceram ajuda aos Estados Unidos (veja o quadro

ao lado). Na maioria dos casos, a ajuda não chegou, nem há previsão de chegar porque o governo estadunidense não enviou as cartas necessárias para permitir a entrada do dinheiro, dos alimentos e de equipes médicas estrangeiras. “Eu não estou esperando muito dos países estrangeiros porque não pedimos isso. Eu espero muita solidariedade e talvez algumas doações em dinheiro. Mas os Estados Unidos vão se levantar e cuidar de si mesmo”, afirmou Bush à rede de televisão estadunidense ABC. (JAP)

DIREITOS HUMANOS

Manifestações mundiais contra a pena de morte Igor Ojeda da Redação Em diversos países, manifestações, concertos, debates e encontros vão marcar, dia 10, a terceira edição do Dia Mundial Contra a Pena de Morte. Os eventos deste ano, coordenados pela Coalizão Mundial Contra a Pena de Morte (WCADP, na sigla em inglês) – organização criada em maio de 2002 em Roma e composta por 38 organizações nãogovernamentais, associações de foro, sindicatos e governos locais –, terão a África como foco. “Apesar dos inúmeros problemas relacionados aos direitos humanos no continente, pode-se notar uma tendência crescente para o fim da pena capital entre os países africanos. Nós vemos a África seguindo o caminho da abolição”, explica ao Brasil de Fato Susan Batley, da equipe de Pena

de Morte da Anistia Internacional (AI), entidade de defesa dos direitos humanos e um dos integrantes da coalizão. De acordo com ela, o Senegal aboliu a pena de morte para todos os crimes em dezembro de 2004, enquanto a Libéria tomou a mesma medida em setembro deste ano. Dos 53 países do continente, 13 já a aboliram permanentemente e outros 20 não fazem mais execuções. “A maioria dos países africanos abandonou o uso dessa punição cruel, desumana e degradante. Então decidimos usar o Dia Mundial Contra a Pena de Morte para incentivar mais mudanças nesse sentido”, diz Susan. Além dos eventos em todo o mundo, uma petição será apresentada aos chefes de Estado africanos durante o dia 10, pedindo o uso de “todos os meios disponíveis para estender a abolição da pena de morte para todo o continente”.

Segundo relatório da AI atualizado dia 27 de setembro, 97% de todas as execuções das quais se teve notícia em 2004 ocorreram em apenas quatro países: China (3.400), Irã (159), Vietnã (64) e Estados Unidos (59). Pelo menos 3.797 pessoas foram executadas em 25 países. Em 64 países, ao menos 7.395 foram setenciadas à morte. A entidade alerta que certamente esses números estão subestimados. Ainda segundo a AI, 121 nações já aboliram a pena de morte, na lei ou na prática, enquanto 75 ainda a utilizam. Até o fechamento desta edição, dia 4, haviam sido confirmados eventos pelo Dia Mundial Contra a Pena de Morte em 23 países. Para assinar a petição que será levada aos chefes de Estado africanos, basta entrar na página de internet www.abolition.fr/ecpm/french/petit ionscoalitiongb.php?ref=11.


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INTERNACIONAL ÁFRICA

Fórum discute vacinas contra a Aids da Redação

C

que, mesmo no caso de encontrar uma vacina, não tem condições econômicas para dela se beneficiar. “Haverá a necessidade de se criar um fundo social, que permita a distribuição da vacina de graça”, defende. Mas enquanto uma vacina não surge, Coumba chama a atenção para o fornecimento dos remédios anti-retrovirais (coquetel contra o HIV). Assim, o Gabão está construindo uma fábrica capaz de produzir os anti-retrovirais e a África do Sul tem uma indústria de ponta nesse setor, enquanto se acentua a importância do uso dos meios preventivos, que ainda não são usados pela maioria da população.

FUGA DE CÉREBROS

VACINA DE GRAÇA “Diversos países, como Uganda, Quênia e África do Sul já participaram dos testes clínicos com tipos de vacinas. Estamos otimistas”, afirma a especialista da OMS, embora surjam muitos desafios nessa pesquisa, como o da participação da própria África para que ela possa contribuir efetivamente no desenvolvimento de uma vacina contra a Aids. Coumba também acentua a existência de uma obrigação moral da chamada comunidade internacional para ajudar o continente africano, OMS

erca de 200 cientistas devem participar de um fórum internacional, que acontece de 17 a 20, em Yaundé, capital dos Camarões, para avaliação dos resultados dos testes feitos em voluntários em busca de uma vacina anti-HIV, capaz de imunizar a população vitimada pelo vírus da Aids. Existem atualmente 40 milhões de soropositivos no mundo, dos quais 70% estão na África (28 milhões). Cientistas brasileiros estarão levando resultados obtidos a partir de um estudo inédito, feito com pacientes brasileiros e franceses infectados pelo HIV há mais de oito anos e que nunca manifestaram nenhum sintoma, mesmo sem tomar medicação. Farmacêuticos, médicos e biólogos do Laboratório de Imunologia Celular e Tissular do Instituto do Coração, em São Paulo, trabalham em parceria com profissionais da França, do Hospital Pitié- Salpêtrière de Paris. Os pacientes estudados apresentam uma média de 500 a 1000 células por m3, mesma média de uma pessoa não-infectada. Quanto aos resultados colhidos em países africanos, o clima é de otimismo, segundo Coumba Tourá, técnica especialista da Organização Mundial da Saúde (OMS) em vacinas virais, da equipe organizadora do fórum. Ela esclarece que nenhum voluntário, no programa de testes de vacinas, corre o risco de se tornar soropositivo, pois nenhuma

experiência é feita com vírus vivos. “O produto utilizado nos testes de vacinas provém de cópias de vírus geneticamente modificados”, afirma Coumba. “Existe uma grande variação do vírus da Aids na África, sobretudo na África Central.” Yaundé foi escolhida a cidade para o evento, pois na República dos Camarões prolifera um grande número de subtipos do vírus HIV. “Não se sabe, no caso de se encontrar uma vacina eficaz na Tailândia ou nos Estados Unidos, se ela poderá ser utilizada com sucesso na África”, ressalta Coumba. Não se pode dizer se os vírus africanos são mais resistentes que os encontrados no Brasil ou na Tailândia, mas, segundo Coumba, assumem essas feições, “dadas as condições difíceis da população africana no plano da saúde, já sujeita a uma série de epidemias, parasitas e infecções tropicais diversas que enfraquecem o sistema imunológico”.

Divulgação

Apesar da falta de investimento em pesquisa, cientistas avançam na busca de uma vacina anti-HIV

Outro problema grave que vem ocupando a atenção dos cientistas africanos é a escassez de financiamento. Para a ministra de Pesquisa Científica do Senegal, Yaye Kene Gasama Dia, esse é o principal obstáculo ao desenvolvimento científico e tecnológico do continente. Yaye fez essa declaração durante a conferência ministerial sobre ciência e tecnologia organizada pela União Africana e pela Nova Associação para o Desenvolvimento Econômico da África (Nepad), dia 1º, em Dacar, a capital senegalesa. “A maioria dos países africanos dedica muito pouco de seu orçamento à pesquisa científica e tecnológica”, disse Yaye, ressaltando que os fundos atribuídos a essa especialidade oscilam entre 0,5% e 1,25% dos respectivos orçamentos, exceto na África do Sul, onde rondam os 2%. “Os países africanos devem se

No programa de testes, nenhum voluntário corre o risco de se tornar soropositivo

comprometer a financiar suas pesquisas”, acrescentou a ministra senegalesa, que também lamentou a “fuga de cérebros” rumo aos países ricos, que garantem melhores con-

dições de vida aos intelectuais. “A fuga de cérebros é uma verdadeira praga que diminui as possibilidades de desenvolvimento da África.” (Com agências internacionais)

SOMALILÂNDIA

População vota pela primeira vez da Redação O eleitorado da Somalilândia, território que se declara independente da Somália, votou dia 28 de setembro nas primeiras eleições legislativas da região, que foram observadas por várias delegações estrangeiras, apesar de a emancipação da região não ter sido reconhecida por nenhum país. Mais de 75 representantes do Reino Unido, Estados Unidos, Finlândia, Canadá, Austrália, África do Sul e Zimbábue, assim como da Comissão Européia, estão na Somalilândia para observar a apuração histórica, o que dá esperanças às autoridades locais de que a independência do território seja reconhecida. Cerca de 800 mil eleitores, de uma população estimada em 3,5 milhões de habitantes, foram às urnas para escolher 82 membros do Parlamento entre 246 candidatos apresentados por três partidos. Apesar de sua rivalidade política, a governante União de Democratas, liderada pelo presidente do Governo autônomo, Dahir Riyale Kahin, e os opositores do Partido Solidariedade e do Partido da Justiça e da Prosperidade basearam suas respectivas

da Redação Trinta centros de pesquisa especializados em malária e outras doenças tropicais na América Latina e na África agora vão trabalhar em rede. A iniciativa conta com o apoio da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi), com sede em Genebra (Suíça), e foi financiada por organizações suíças, entre elas a Fundação Rede Universitária Internacional de Genebra. Um desses centros é colombiano e dirigido pelo renomado cientista Manuel Elkin Patarroyo, conhecido internacionalmente por ter conseguido em 1986 a primeira vacina sintética contra a malária, cuja eficácia, que varia entre 40% e 45%, segue tentando melhorar. Na África, o projeto envolve países como Camarões, Chade, Gabão, Guiné Equatorial, República CentroAfricana e República do Congo. A idéia é ajudar os centros a proteger e patentear suas próprias descobertas, a negociar uma posterior comercialização e evitar a fuga de cientistas e pesquisadores para centros europeus ou dos Estados Unidos. “Em todos os lugares investigações são realizadas, e também nos países em desenvolvimento, mas, ao contrário dos mais industrializados, eles não contam com os recursos e os conhecimentos necessários para patentear e rentabilizar descobertas”, disse a consultora da Divisão de Propriedade Intelectual e Novas Tecno-

logias da Ompi, Marisol Iglesias. Assim que um avanço é obtido nos centros de pesquisa, é necessário contar com pessoas que saibam realizar uma solicitação de patente, elaborar contratos, buscar financiamento, desenvolver trabalhos de marketing e tramitar direitos de propriedade para a comercialização. Para que os centros de pesquisa não tenham que arcar sozinhos com o custo da contratação de especialistas, a Ompi desenvolveu um modelo de colaboração entre eles. Este consiste em formar alguns dos cientistas para que ofereçam, posteriormente, serviços aos grupos que integram a rede. Com os novos recursos, os centros de pesquisa científica poderão proteger juridicamente os resultados de suas investigações, promover alianças entre os setores público e privado, captar e negociar fundos e financiamento e fomentar a fabricação local de remédios. A partir de 2006 os centros devem começar a tramitar patentes, segundo os responsáveis pelo projeto, que esperam que o mesmo sirva de modelo de colaboração para outros tipos de instituições. “Quando a Ompi sair do projeto, os centros pertencentes à rede terão os recursos necessários, assim como pessoal formado, para patentear suas descobertas e, portanto, ajudar a rentabilizar seus próprios investimentos”, comentou Marisol. (Com agências internacionais)

classificou como “conspiração individual” dos líderes da região no norte do país. A Somalilândia era um protetorado britânico que, em 1960, se juntou à colônia italiana da Somália para formar a República da Somália. No entanto, restabeleceu sua própria administração quando a Somália se afundou na anarquia, em 1991. Em janeiro desse ano, os líderes dos clãs somalis, conhecidos como “senhores da guerra”, derrubaram o regime do ditador Mohammed Siad Barre, que foi para o exílio. Desde então, eles controlam o dividido território somali com a ajuda de milícias armadas que impõem “a lei do mais forte”. (Com agências internacionais)

SOMALILÂNDIA

Unicef

Rede integrará centros de pesquisa na África

campanhas no objetivo de conseguir o reconhecimento internacional de uma Somalilândia independente. Desde que declarou autonomia da Somália no início dos anos 1990, a Somalilândia vem escolhendo seus legisladores em reuniões entre os líderes dos clãs tribais do território, processo que não tinha a participação da população. O Governo Federal de Transição (GFT) da Somália se referiu às eleições parlamentares da Somalilândia como um pleito regional, não atribuindo um caráter nacional à votação como pretendem as autoridades de Hargeisa, a capital do território autônomo. “Reconhecemos as eleições da Somalilândia como regionais, mas não nacionais como pretendem fazer acreditar”, disse o ministro de Informação, Mohammed Abdi Hayer. “Nosso país é uma república federal e a Somalilândia é um de seus Estados”, disse Hayer, que garantiu que “a comunidade internacional não apoiará (reconhecendo a independência da área) a destruição de uma nação”. Hayer, que é natural da Somalilândia, reiterou que o Governo da Somália não aceitará o que

Localização: leste da África Nome oficial: República da Somalilândia Capital: Hargeisa Línguas: somali, inglês e árabe (oficiais) Tipo de governo: área pertencente à Somália com independência declarada, mas ainda não oficializada pela ONU Área: 137.600 km2 Nacionalidade: somalilandense População: 3,5 milhões Moeda: shilling somalilandense Religiões: islamismo sunita 99%, outras 1% População da Somalilândia reivindica independência junto à ONU


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NACIONAL LEITE

Crise preocupa pequenos produtores Suzane Durães de Brasília (DF)

Agência Brasil

Criadores familiares são atingidos pelo baixo preço do produto e por exigências de alta tecnologia de produção

D

No RS, protesto de sindicalistas em frente à sede da Parmalat, uma das transnacionais que dominam a cadeia produtiva do leite

indústria”, afirma Lecian Conrad. Percebe-se nitidamente que a cadeia produtiva do leite está em processo de dominação por grandes grupos internacionais. “O leite que antes era comprado pelas cooperativas agora é coletado diretamente pela indústria, a qual alega que o ”pedágio” cobrado pelas cooperativas é muito alto e que o atual momento de competitividade não mais comporta esse tipo de situação. Mas a verdade

real perante o dólar prejudica as exportações e beneficia as importações, que em 2005 já cresceram cerca de 60%. O quarto é o crescimento da importação de leite – o governo abriu as importações do produto e, como o dólar está baixo, é barato importar, o que faz baixar ainda mais o preço do leite. O último fator é a inexistência, por parte do governo, de uma política de proteção para a produção nacional de leite.

NOVAS NORMAS

é que a indústria quer o controle total da cadeia, subordinada a seus interesses”, diz Conrad.

MOBILIZAÇÕES O MPA considera que a saída é organizar e mobilizar os camponeses e pressionar o governo para que tome providências quanto à crise. Dia 26 de setembro, integrantes da Via Campesina foram às ruas de Governador Valadares (MG) protestar contra a IN nº 51. Partici-

ENERGIA RENOVÁVEL

Na avaliação do MPA, outro fator que também prejudica os camponeses é a Instrução Normativa nº 51 do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), que determina uma série de critérios para a produção do leite, como o uso de resfriadores e outros maquinários de alta tecnologia. A normatização entrou em vigor no mês de julho. “As regras são excludentes e irão prejudicar milhares de famílias que dependem da renda da atividade. As normas serão usadas como instrumento para vender equipamentos caros para os camponeses e até desnecessários para a melhora da qualidade do leite, gerando uma maior dependência à

Via Campesina vai produzir biodiesel no Rio Grande do Sul Daniel Cassol de Palmeira das Missões (RS)

Morten Gliemann

epois dos prejuízos com a seca, agora os produtores enfrentam a crise do leite. O produto apresentou queda expressiva nos últimos meses e em algumas regiões a redução atingiu mais de 30% do valor recebido pelo litro. O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) aponta que os produtores de Goiás são os que recebem menos pelo produto, chegando a apenas R$ 0,19 o litro. Em Minas Gerais, em alguns locais o valor recebido é de cerca de R$ 0,25. Em algumas regiões de Santa Catarina, os produtores receberam R$ 0,28 por litro. No Rio Grande do Sul, a média é de R$ 0,30, sendo que em março os produtores receberam até R$ 0,62 pelo litro. Para Lecian Conrad, MPA do Rio Grande do Sul, a crise é gravíssima e afeta toda a cadeia do leite. “A queda no preço afetou a renda de muitas famílias camponesas, já que essa é uma atividade que oferece renda mensal aos produtores”. De acordo com Euclides Rodrigues, um dos diretores da Cooperativa de Comercialização do Extremo-Oeste Ltda (Cooperoeste) – localizada em São Miguel do Oeste (SC) –, esse é o menor valor pago pelo leite nos últimos dois anos. Segundo Rodrigues, existe a perspectiva de mudança nesse quadro. “Mas é preciso que o governo crie mecanismos para aumentar o consumo interno do leite e frear a entrada do produto vindo de outros países”, alerta. Para Altacir Bunde, da direção nacional do MPA, entre os vários fatores que ocasionaram a crise, cinco são fundamentais. Primeiro, a adoção de uma política econômica equivocada agrava ainda mais a crise, que, junto com o baixo poder aquisitivo do povo brasileiro, leva a um baixo consumo de leite e derivados. O segundo é a falta de uma política para o setor: até agora o governo Lula não implementou uma política leiteira pois só se preocupa com agronegócio e soja. O terceiro fator é a política cambial, também equivocada, pois a valorização do

param do ato mais de mil agricultores da cidade e dos municípios de Alpercata, São Geraldo da Piedade, São José de Safira, Frei Inocêncio, Sobrália e Santa Efigênia de Minas, Marilac e Coroaci. Bunde, do MPA, acredita que para viabilizar a produção nas pequenas propriedades rurais é preciso haver mudanças profundas no modelo econômico, que é voltado para exportações e que não gera trabalho para o povo. Também são fundamentais medidas como: garantia de preço justo ao agricultor que produz leite, fim das importações de leite, estímulo ao aumento do consumo de leite por meio da melhoria da renda do povo, geração de empregos, criação de programas públicos de distribuição de leite, aumento de derivados de leite na merenda escolar, programas de assistência técnica para massificar a produção de leite à base de pasto para diminuir o custo de produção, subsidio para a produção de leite, recurso para formação de estoques pelo programa de aquisição de alimentos da Conab, prorrogação da entrada em vigor da Instrução Normativa 51 para depois que o governo cumprir a sua parte na implementação dos objetivos da mesma – assistência técnica, eletrificação, crédito, capacitação, estradas, redes de laboratórios –, linha de crédito específico para as pequenas cooperativas leiteiras.

Pequenos agricultores e assentados da reforma agrária deram mais um passo para concretizar a instalação de um projeto de produção de biodiesel do governo federal na região noroeste do Rio Grande do Sul. Dia 30 de setembro, em Palmeira das Missões, foi realizado o 2º Seminário sobre Produção de Biodiesel. O evento, organizado pela Via Campesina, contou com a participação de mais de 700 pessoas e com as presenças de empresas estatais, ministérios e universidades. A Via Campesina está em fase de criação de uma cooperativa de produção de biodiesel (Cooperbio) e organiza os agricultores das regiões sul e noroeste do Estado para a produção de oleaginosas. Cerca de 15 mil famílias de pequenos agricultores serão beneficiadas em 21 municípios. O biodisel – proveniente do aproveitamento das oleaginosas, entre elas a soja, o girassol, a mamona etc. – pode ser usado não só para mover motores

e máquinas, mas também para a geração de energia elétrica. Já os resíduos do esmagamento das oleaginosas servem como ração animal e adubo para a lavoura. Para José Carlos Miragaya, gerente de energia renovável da Petrobras, há possibildade de a região receber um dos projetos, mas para isso terá de demonstrar capacidade de produzir. “Tanto no noroeste quanto no sul do Rio Grande do Sul, existe demanda, potencial de produção e boa estrutura logística. A Petrobras trabalha com esses parâmetros para definir a localização de uma planta de biodiesel da empresa”, afirma. A intenção da Via Campesina é que os agricultores participem de toda a cadeia da produção, e não apenas vendam as sementes para grandes usinas. “Queremos que cada agricultor seja sócio da refinaria e participe do lucro final, ao contrário do que acontece na cadeia do fumo, em que o agricultor só participa com o sacrifício”, afirma o deputado estadual frei Sérgio Görgen (PT-RS). Para Romário Rossetto, da direção nacional do Movimento

dos Pequenos Agricultores (MPA) e presidente da Cooperbio, a produção de energia deve ficar nas mãos dos camponeses. “Não podemos seguir o exemplo do Pró-Álcool, que no princípio era para ser feito por pequenas destilarias. O programa foi desvirtuado e tomado por grandes usinas”, diz. Para Miragaya, da Petrobras, a empresa tem interesse em se associar aos agricultores organizados em cooperativas. “A Petrobras não pretende ser monopólio, vai se associar a diversos parceiros. Um deles pode ser uma cooperativa de agricultores”, afirma. No seminário, estiveram presentes representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do Banco do Brasil, da CGTEE, da Eletrobrás, da Eletrosul, da Embrapa, da Emater e de universidades, entre outras entidades. “O seminário mostrou a capacidade de articulação da Via Campesina com os pequenos e médios empresários e agricultores com empresas estatais que pela primeira vez estiveram na região com esse objetivo”, sustenta Rossetto.

PRIVATIZAÇÃO

Meganegócio dá à Odebrecht controle sobre setor de petroquímica

Retomada indígena – Dia 27 de setembro, cerca de 40 famílias Pataxó, lideradas pela Frente de Resistência e Luta Pataxó, retomaram parte do seu território tradicional no entorno do Monte Pascoal, vizinho à aldeia do Guaxuma, na divisa dos municípios de Porto Seguro e Itabela, no extremo sul da Bahia. Também foram queimados cinco hectares de eucaliptos. A área da Fazenda Bom Jardim vem sendo utilizada na monocultura de eucaliptos para fornecimento à Veracel Celulose, em programa da empresa de fomento ao plantio. A manifestação aproveitou a ida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a inauguração da fábrica da Veracel na região, um dia depois. Os Pataxó permanecem no local, onde dançam o Toré, ritual simbólico que representa as lutas indígenas, sem data para terminar.

Os protestos de centenas de trabalhadores não impediram a Petrobras de anunciar, dia 30 de setembro, a intenção de entregar ao grupo Odebrecht/Braskem sua participação no Pólo Petroquímico de Triunfo (RS), na Copesul e na Petroquímica Paulínia. O negócio, que deve ser concluído até 31 de março de 2006, envolve mais de um bilhão de dólares. A Petrobras Química (Petroquisa), subsidiária da Petrobras, deve entregar à Braskem 15% de sua participação na Copesul, 85% do capital total da Petroquímica Triunfo e 40% do capital total da Petroquími-

ca Paulínia. Em troca, a Petroquisa aumenta de 10% para 30% sua participação na Braskem. De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Petroquímicas de Triunfo (Sindipolo), a empresa privada Odebrecht/ Braskem, que já controla o Pólo de Camaçari (BA), deve ficar com o controle de 80% da indústria petroquímica nacional. “Isso tem grandes impactos no setor petroquímico, para a Petrobras e fortes impactos para o consumidor final. Além disso, essa empresa é conhecida por ser muito agressiva, muito perversa com relação ao trabalho e ao mercado”,

alerta o presidente do Sindipolo, Carlos Eitor Rodrigues. “A Odebrecht vai ditar não só o preço da matéria-prima como também os preços dos petroquímicos finais”, diz. A Odebrecht é considerada a maior petroquímica da América Latina. Para o Sindipolo, o negócio pode resultar em centenas de demissões. Nas empresas envolvidas estão mais de 2,2 mil trabalhadores diretos do Pólo e cerca de 2,7 mil terceirizados. Segundo o sindicato, quando a Odebrecht comprou a empresa Copene, no Pólo baiano, mais de 1,5 mil trabalhadores foram demitidos, em 2002. (DC)


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DEBATE CHE GUEVARA

que dirigem esta época e a ação revolucionária...” “... o homem deve transformarse conjuntamente com o avanço da produção e não faríamos uma tarefa adequada se fôssemos, por um lado, apenas produtores de artigos, de matéria prima e não fôssemos, ao mesmo tempo, produtores de homens.” Che sempre dá muita ênfase à superação do indivíduo, não importa que papel ele desempenhe na sociedade. É sempre imprescindível aumentar o nível cultural para impedir que sejamos usados ou enganosamente manipulados. “O problema da superação dos operários em todos os níveis, não falemos apenas do mínimo técnico, a continuação, a superação até o 6º grau, as bolsas de estudos, busca dos melhores operários para as bolsas especiais, o desenvolvimento de cursos especiais para operários, todas estas coisas, devem estar na ordem do dia; deve ser objeto de análise e de discussão constante, e a maior quantidade possível de elementos deve incorporar-se a ela. Também é óbvia a explicação de para quê? Por quê? Simplesmente porque nós necessitamos elevar o nível cultural da classe trabalhadora para, a partir daí, elevar seu nível técnico... Dentro de todas estas reflexões há um espaço para a importante tarefa de formar quadros que sejam capazes de levar à prática tudo o que necessitamos para a gigante tarefa de criar uma sociedade mais justa. “Devemos dizer que um quadro é um indivíduo que alcançou o suficiente desenvolvimento político para poder interpretar as grandes diretrizes emanadas do poder central, tomá-las para si e transmiti-las como orientação à massa, percebendo, além disso, as manifestações que esta faça de seus desejos e suas motivações mais íntimas. É um indivíduo de disciplina ideológica e administrativa; que conhece e pratica o centralismo democrático e sabe valorizar as contradições existentes no método para aproveitar ao máximo suas múltiplas facetas; que na produção sabe praticar o princípio da discussão coletiva e decisão e responsabilidade únicas; cuja fidelidade está provada

Aleida Guevara March ara mim, é uma difícil missão escrever sobre Che, sob qualquer ponto de vista, pois não tive a felicidade de compartilhar muito tempo de sua vida; é por isso que salvo pequenas recordações de minha infância, quando me pedem algo como isto, trato de remeter-me ao que ele disse sobre o tema em alguma ocasião. E em seus discursos e escritos encontro sempre um caudal infinito de sabedoria. É certo que muitas coisas mudaram ao nosso redor, temos vivido momentos muito difíceis, mas não mudou a essência do processo revolucionário e não tem variado a meta mais importante, a formação de um ser humano mais completo e melhor preparado para formar uma nova sociedade. Assim, pois, em um breve espaço tratarei de, através de alguns fragmentos de várias das coisas que ele nos deixou para a análise, demonstrar a vigência de seu pensamento em nossos dias. Encarecidamente lhes peço não apenas paciência, mas que juntos tragamos à nossa atualidade estas idéias e, de forma crítica e profunda, analisemos o quanto temos feito e quanto nos falta por fazer daquilo que ele nos legou. “A nova sociedade em formação tem que competir muito duramente com o passado. Isto se faz sentir não só na consciência individual em que pesam os resíduos de uma educação sistematicamente orientada ao isolamento do indivíduo, mas também pelo próprio caráter deste período de transição com a persistência das relações mercantis. A mercadoria é a célula econômica da sociedade capitalista; enquanto exista, seus efeitos se farão sentir na organização da produção e, portanto, na consciência.” “Que significa o desenvolvimento da consciência? Significa algo mais profundo que simples aprendizagem de teorias estritamente nos livros; teoria e prática, exercício da teoria, devem ir sempre juntos, não podem se separar de nenhuma maneira, de tal modo que o desenvolvimento da consciência deve estar estreitamente ligado ao estudo, ao estudo dos fenômenos sociais e econômicos

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Crédito: Arquivo Brasil de Fato

Queridos companheiros e companheiras

Che, defensor da “vigilância revolucionária” como nova forma de trabalhar

e cujo valor físico e moral foi evoluindo ao compasso de seu desenvolvimento ideológico, de tal maneira que está sempre disposto a enfrentar qualquer debate e a responder com sua vida pelo bom andamento da revolução. É, além disso, um indivíduo com capacidade de análise própria, o que lhe permite tomar as decisões necessárias e praticar a iniciativa criadora de modo que não se choque com a disciplina. O quadro é, pois, um criador, é um dirigente de grande envergadura, um técnico de bom nível político que pode, raciocinando dialeticamente, levar adiante seu setor de produção ou, de seu posto político de direção, promover o avanço das massas. O progresso de um quadro é conseguido nas tarefas diárias; porém deve empreender a tarefa, além disso, de um modo sistemático em escolas especiais,

onde professores competentes, exemplos por sua vez do alunado, favoreçam a mais rápida evolução ideológica.” Usando suas próprias palavras, remeto-me a 14 de junho de 1960, quando disse: “Para resumir, e se me permitem, para repisar um pouquinho: neste momento os deveres da classe trabalhadora são produzir e, lembrem-se que é produzir, sem deslocamentos: produzir mais, para criar mais riquezas que vão se transformar em mais fontes de trabalho: economizar todo o possível, não só em nível estatal, mas em qualquer setor em que a economia signifique de verdade uma economia nacional; aguçar a vigilância revolucionária para descobrir o que é importante, novos recursos e novas maneiras de trabalhar, que economizem para a nação; organizar-se, organizar-se para poder proporcionar

o melhor esforço à tarefa coletiva da industrialização.” E para fazer todas estas coisas, estudo e compreensão do processo revolucionário que nos levará à unidade absoluta e à maior firmeza, e estudos dos processos de produção, ao nível em que cada um possa chegar, para nos permitir, precisamente, buscar as inovações que nos permitam produzir mais e poupar mais.” Criar um ser humano capaz de entender como todos somos importantes ao ser donos de nossas riquezas, de poder explorá-las em benefício próprio, e do que somos capazes de fazer, se nos dispusermos, para melhorar cada dia nossa vida, é tarefa de todos. Nosso compromisso com as novas gerações é imenso e, segundo disse Che em O Homem e o Socialismo em Cuba, “Nossa tarefa consiste em impedir que a geração atual, desestruturada por seus conflitos se perverta e perverta às novas... Já virão os revolucionários que entoem o canto do homem novo com a autêntica voz do povo. É um processo que requer tempo.” Vivemos esse tempo, difícil, nem sempre com segurança no que fazemos, porém com capacidade para retificar nossos erros e continuar a construção da sociedade mais justa que conhecemos. O caminho é longo e nada fácil, mas é o caminho que nos permite viver com dignidade e inteireza. Não podemos duvidar nem um segundo, há que continuar e aperfeiçoar a obra que nos foi legada por aqueles que nos antecederam. Por eles, para não desonrá-los nunca; por nós, para continuar vivendo; e por amor a nossos filhos para que tenham todos a ternura e a força com que nós contamos. Busquemos a fundo nossas debilidades e nossos erros para poder superá-los e evitá-los. Em frente. Com todo meu afeto e respeito pela força de um movimento justo e necessário para nossa América. Havana, 1º de setembro de 2005 Aleida Guevara March é a filha mais velha de Che Guevara e Aleida March . É médica pediatra cubana e autora do livro/ documentário Cbarel, Veneluela y Ia Nueva América Latina

Ernesto Che Guevara nasceu em 14 de junho de 1928, em Rosário, na Argentina. É o mais velho dos cinco filhos de Ernesto Guevara Lynch e Célia de la Serna Llosa. Em abril de 1947 termina o segundo grau, e nesse ano a família se muda para a capital, onde Che se matricula na Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires. Em 1950, viaja pelo interior do país, de motobicicleta. Atravessa doze províncias argentinas, percorrendo cerca de 4,5 mil km. Em dezembro de 1951, em companhia do amigo Alberto Granado e da “Poderosa II” (motocicleta), inicia um percurso pela América que começa ao sul da Argentina e os leva ao Chile, Peru, Colômbia e Venezuela. A viagem é feita de moto, caminhões de carga (como caroneiros), barco ou uma simples balsa pelos rios caudalosos. Em San Pablo (Peru), trabalham em um leprosário. Em Caracas, os amigos se separam. Che regressa a Buenos Aires para terminar o curso de Medicina. Em junho de 1953 se gradua, e em 7 de julho sai de Buenos Aires, rumo à Bolívia, com Carlos “Caliça” Ferrer (6 mil quilô-

Crédito: Arquivo Brasil de Fato

A vida e a luta do guerrilheiro

Uma trajetória em nome da dignidade

metros em trem), atravessa o lago Titicaca, volta ao Peru, segue para o Equador, depois para o Panamá, Costa Rica, Nicarágua, El Salvador e, finalmente, Guatemala. Nas viagens, teve contato muito estreito “com a miséria, a fome, as doenças, com a impossibilidade de criar um filho por falta de condições, com o embrutecimento provocado pela fome e pelo castigo contínuo...” A esta experiência, soma-se um acontecimento marcante: na Guatemala, o encontro com exilados cubanos que tomaram os quartéis de Moncada e Bayamo. Entre eles, Ñico López, que o levaria a Fidel Castro.

Com a invasão mercenária contra o governo de Jacobo Arbenz, o governo estadunidense consegue reprimir a revolução da Guatemala, em junho de 1954. Che vai para o México. Na viagem de trem, conhece Júlio Roberto Cáceres, “El Patojo”, com quem trabalha como fotógrafo ambulante na capital mexicana. Em outubro de 1954, reata contato com Ñico López e com os revolucionários cubanos residentes no México. Em julho de 1955, conhece Fidel. Ao fim do encontro, Che era um dos futuros expedicionários do Granma. Em meados de 1955 casa com Hilda Gadea, com quem teve uma filha, Hildita. Em junho de 1956, é preso com Fidel e outros companheiros. Quando o iate Granma parte de Tuxpan, em 25 de novembro, Che é o médico da tropa. São dois anos de guerra, dispersão, reagrupamento, organização, batalhas. Em Alegria del Pío, é ferido. Che se torna um tático e estrategista insuperável. Em julho de 1957, é o primeiro expedicionário do Granma promovido a comandante e designado chefe da segunda coluna do Exército Rebelde. À frente de sua tropa, participa na derrota da tirania. Sua coluna chega à região montanhosa de Las Villas em 16 de outubro, e

começa a histórica Campanha de Las Villas. São tomadas suas principais cidades até a batalha final de Santa Clara, e a rendição das tropas inimigas em 1º de janeiro de 1959.

A CAMINHO DA BOLÍVIA Edita o jornal El Cubano Libre, em 1957 e, no ano seguinte, funda a Rádio Rebelde. Vitoriosa a revolução, por ordem de Fidel segue para Havana, para ocupar a Fortaleza de São Carlos de La Cabaña, onde chega em janeiro de 1959. Em junho, casa com Aleida March de la Torre, combatente que conhece na serra de Escambray, com a qual tem quatro filhos: Aleida, Camilo, Célia e Ernesto. Após o triunfo revolucionário, assume inúmeras responsabilidades de Estado e de governo. Atuou na política externa da Revolução Cubana e foi ministro da Indústria. Em 1965 começa um novo ciclo em sua vida, determinado por seu internacionalismo revolucionário. Em abril daquele ano, entrega sua carta de despedida a Fidel e ao povo de Cuba, onde diz que “outras terras do mundo reclamam a colaboração de meus modestos esforços”. No mesmo mês chega às selvas do Congo, onde fica por sete meses. Em 1966, por insistência de Fidel,

regressa a Cuba, onde, incógnito, se prepara junto a um grupo de companheiros e parte, em 23 de outubro, para a Bolívia, onde se dedica à causa da libertação da América Latina. Neste país, comanda o Exército de Libertação Nacional (ELN), que luta durante onze meses contra um exército treinado e armado por assessores estadunidenses. No combate de Quebrada del Yuro, em 8 de outubro de 1967, ferido em uma perna, é preso e conduzido ao povoado de La Higuera, onde é assassinado no dia seguinte, por ordens da CIA e do alto comando do Exército boliviano. Che Guevara foi enterrado em uma vala comum em Vallegrande, com outros militantes, Durante 30 anos, seus restos mortais permaneceram em Vallegrande, até 28 de junho de 1997, quando foram descobertos e trasladados para Cuba, no mês seguinte. Após inúmeras homenagens póstumas, seus restos mortais, juntamente com os de outros combatentes, são depositados no mausoléu que leva seu nome, na cidade de Santa Clara. Nele, a referência elogiosa de Fidel: “Companheiros heróicos do destacamento de reforço”.


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agenda@brasildefato.com.br

AGENDA NACIONAL Divulgação

BIBLIOTECA MÓVEL A Biblioteca Móvel Itapemirim, estruturada em um ônibus adaptado, leva informação e cultura aos moradores de centros urbanos, periferias, zonas rurais e localidades desprovidas de serviços bibliotecários. O projeto pedagógico foi desenvolvido pela professora Walda Antunes, doutora em educação e mestre em planejamento bibliotecário. Além de cuidar da seleção e do tratamento do acervo, a professora desenvolveu cursos de capacitação para a equipe que acompanhará a biblioteca pelo país e, também, para os monitores locais, potenciais multiplicadores do projeto. O lançamento da biblioteca aconteceu dia 21 de setembro no Museu Brasileiro de Escultura, em São Paulo Mais informações: (11) 3086-2607

Organizada pelo Comitê PróAssociação Cultural de Solidariedade ao Povo Cubano José Martí; Durante a semana haverá exibição de filmes e debates sobre os seguintes temas: Lutas de independência e revoluções na América Latina, O imperialismo e a geopolítica latino-americana, Símbolos e atributos da nação cubana e brasileira: história e identidade; Lutadores do povo latino-americano: Che, Martí, Bolívar e Paulo Freire. Local: Universidade Federal do Rio Grande, R. Eng. Alfredo Huch, 475, Rio Grande Mais informações: josemartirg@ibest.com.br

SÃO PAULO

SÃO PAULO

DISTRITO FEDERAL 2ª CONFERÊNCIA NACIONAL INFANTO-JUVENIL PELO MEIO AMBIENTE 5 a 9 de dezembro A Conferência, realizada pelo Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental, por meio dos ministérios da Educação e do Meio Ambiente, é um processo de mobilização para a formação de comunidades sustentáveis. É a segunda edição da proposta que, em 2003, reuniu mais de cinco milhões de brasileiros em torno da idéia: Cuidar do Brasil. A conferência se propõe a promover o debate nas escolas e nas comunidades sobre a diversidade étnico-racial, cultural, social e ambiental, sob o ponto de vista local e global. A atividade tem, entre seus objetivos, divulgar acordos internacionais assinados pelo nosso país, ouvir os adolescentes, criar e fortalecer espaços de debate na escola sobre as questões sociais e ambientais da comunidade. Local: Luiziânia, BR 040, entrada km 9,5, setor de Chácaras Marajoara, Brasília Mais informações: conferenciainfanto@mec.gov.br, www.mec.gov.br/conferenciainfanto

MINAS GERAIS 4º FÓRUM SOCIAL MINEIRO 13 a 15 Sob o tema “Articulação das forças sociais e a construção de um projeto popular para o Brasil”, o Fórum terá atividades culturais, exibição de vídeos e oficinas. Os seminários vão abordar os temas: Relações raciais e educação – apontando caminhos de transformação; Crise brasileira e as perspectivas da esquerda; Terra e territorialidade – a luta dos povos indígenas em Minas Gerais; Agenda 21 e sustentabilidade – uma construção social; Reorganização da esquerda; O movimento social – construindo as políticas de promoção da igualdade social; Avanços

OFICINA CORPO E MEMÓRIA 6 a 27 de outubro, às quintas-feiras, das 14h às 16h Trabalho experimental voltado para a percepção da memória corporal: Como carregamos a nossa história individual e coletiva nos nossos gestos, posturas e movimentos? A partir da leitura de contos mitológicos afro-brasileiros, o grupo será estimulado a perceber como o corpo expressa e recria constantemente essas memórias. O repertório cultural afro-brasileiro servirá de ponto de partida para que cada um, a partir de suas origens e referências, re-perceba sua própria história. A oficina é coordenada por Álvaro Santos (foto), do Grupo Okun de Cultura Afro-Brasileira. Local: Associação Palas Athena, Rua Leôncio de Carvalho, 99 – Paraíso, São Paulo Mais informações: (11) 3266-6188, www.palasathena.org

e desafios nos 15 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente; Movimentos sociais e educação: a greve e a luta dos trabalhadores. Local: PUC-MG, Campus São Gabriel, Anel Rodoviário km 23,5, R. Walter Ianni, 255, São Gabriel Mais informações: www.fsmmg.ongnet.org.br

na última quinta-feira de cada mês. Um expoente da área científica aborda temas relacionados à questão ambiental. A ONG faz campanhas pela defesa dos ecossistemas dos parques e reservas naturais do Rio de Janeiro. Local: R. Senador Dantas, 841.211, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 524-5809

RIO DE JANEIRO FÓRUM SOCIAL REGIONAL DO VALE DO PARAÍBA 26 a 31 A proposta do Fórum é criar estratégias regionais de enfrentamento das questões sociais, ambientais, econômicas e culturais; compartilhar as experiências de ações de desenvolvimento social; fortalecer a integração dos atores sociais envolvidos e construir subsídios para a participação regional no Fórum Social Mundial 2006. Além de discutir e de definir as metas do milênio para as cidades do Vale do Paraíba, o evento vai discutir a promoção da igualdade racial. Nos dias 28 e 29, será realizada a 2ª Conferência Regional de Promoção da Igualdade Racial, envolvendo vários municípios. Os trabalhos serão desenvolvidos no Colégio Municipal Noel de Carvalho, contando com a presença de diversas personalidades, entre elas a ministra Matilde Ribeiro. Local: Fundação Casa de Cultura Macedo Miranda, Casa da Amizade, Resende Mais informações: forumsocialre gional@resende.rj.gov.br

ASSEMBLÉIA POPULAR ESTADUAL - MUTIRÃO POR UM NOVO BRASIL 8 A proposta é reunir entre 500 e 600 militantes dos movimentos sindical, camponês, estudantil e popular urbano, num dia de debate e atividades culturais. A assembléia pretende ser um grande evento popular, como foram a Assembléia dos/as Lutadores/ as do Povo, o Plebiscito sobre a Dívida Externa (2000) e a Plenária dos 1.000 militantes debatendo a Alca e o próprio Plebiscito sobre a Alca (2002). Assembléias como esta estão acontecendo, simultaneamente, em todos os Estados brasileiros. Local: Centro Cultural LatinoAmericano Ernesto Che Guevara, R. Regente Feijó, 49, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2210- 2124, jubileubrasil@terra.com.br QUINTAS AMBIENTAIS 20, das 18h às 20h Promovidas pela organização nãogovernamental Defensores da Terra,

11º CURSO ANUAL DO NÚCLEO PIRATININGA DE COMUNICAÇÃO 30 de novembro a 3 de dezembro O tema do curso será: “Os desafios da comunicação de esquerda no Brasil de hoje”, com aulas sobre os seguintes temas: Pauta necessária para disputar a hegemonia; Uma linguagem adequada: palavras e frases; A diagramação indispensável para cativar o leitor; A diagramação visual do século 21: infográficos; Neoliberalismo e pós-neoliberalismo: do Consenso de Washington ao Consenso de Pequim; A centralidade da comunicação no marxismo; O Brasil que a imprensa sindical precisa mostrar; Os meios de comunicação no Brasil hoje; Profissão: repórter; Como a imprensa tratou a crise política de 2005; As concessões públicas de TV (Globo etc.) são intocavéis?; Democratização da comunicação e rádios comunitárias; Comunicação na América Latina; Governo Hugo Chávez e TV Sul; Comunicação e cultura dos trabalhadores; O NPC, a comunicação sindical e a disputa de hegemonia. Local: Sindicato dos Petroleiros do Rio, Av. Passos, 34, Centro, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2220-5618, npiratininga@uol.com.br

RIO GRANDE DO SUL SEMANA DE LUTAS DOS POVOS LATINO-AMERICANOS 24 a 29

POMBO, UM HERÓI CUBANO 14, 19h Chefe das Forças Armadas Revolucionáras (FAR) de Cuba, Harry Villegas, o Pombo, é o último sobrevivente do grupo guerrilheiro de Che Guevara. Em visita ao Brasil, ele participará de um encontro aberto ao público, em que vai falar sobre a situação de Cuba frente à ameça imperialista e contar um pouco de sua história ao lado do comandante Ernesto Che Guevara. O general Pombo era um dos melhores amigos de Che. Ingressou na guerrilha da Sierra Maestra, liderada por Fidel Castro Ruz, com 14 anos. Após o triunfo da revolução, acompanhou Che na missão internacional para a África. Também participou da guerrilha da Bolívia, onde Che foi assassinado, dia 8 de outubro de 1967. Promoção: Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo, Jornal Brasil de Fato. Entrada franca. Local: Apeoesp, Pça. da República, 282, São Paulo Mais informações: sasp@sasp.org.br, (11) 3105-2516 CHICO BUARQUE - O TEMPO E O ARTISTA Até 6 de novembro, terça a sexta, das 13h30 às 21h30; sábados, domingos e feriados, das 9h30 às 17h30. O evento multimídia, organizado pela Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, em 2004, e pelo Sesc São Paulo, este ano, chega a Ribeirão Preto. A mostra apresenta o trabalho de Chico e sua importante participação no cenário sócio-cultural brasileiro. A família, os parceiros, a participação política, a paixão pelo futebol... As influências na formação e criação musical. Registros da obra musical e literária, vídeos, CD Rom, fotos manuscritos e correspondências. Grátis Local: Sesc Ribeirão Preto, R. Tibiriçá, 50, Ribeirão Preto Mais informações: (16) 3977-4477

SOLIDARIEDADE

Sílvio Mieli de São Paulo (SP)

C

om o tema “Para outra humanidade, outra Comunicação”, foi lançada a 15ª edição da Agenda Latino-Americana mundial 2006, dia 30 de setembro, na sede do Parlamento Latino-Americano, em São Paulo. A iniciativa, do Grupo Solidário São Domingos, do Parlamento Latino-Americano e da Prelazia de São Félix do Araguaia, convocou o movimento social para uma autêntica “cidadania midiática”, a partir da celebração presidida por dom Tomás Balduíno, bispo emérito da Cidade de Goiás e fundador da Comissão Pastoral da Terra. A escolha do tema pretende impulsionar, simultaneamente, a prática habitual da comunicação; a conscientização; a educação responsável para a comunicação; a “leitura crítica” de toda informação; a criação de informação alternativa;

a contestação organizada contra todo controle, monopólio ou mentira e o rechaço de todo imperialismo cultural. Dentro desse contexto, foram homenageados a Marcha Mundial das Mulheres, que luta pela igualdade, justiça e contra a violência; a professora de história contemporânea da Universidade de São Paulo (USP) Maria Aparecida Aquino, pelas suas reflexões sobre a conjuntura contemporânea; a Escola Desembargador Amorim Lima, no Butantã, em São Paulo, pelo seu projeto inovador em educação; o Instituto de Teatro Pombas Urbanas e seu idealizador Lino Rojas, brutalmente assassinado no início do ano; o cartunista militante da causa palestina Carlos Latuff; o Observatório de Favelas no Rio de Janeiro e seus projetos “Escola Popular de Comunicação Crítica” e “Imagens do Povo”. Também foram homenageados a videomaker Aline Sasahara, autora dos vídeos Raíz Forte, Terra é mais que Terra

Luciney Martins/ BL 45Imagem

Agenda Latino-Americana defende novo modelo de comunicação

Lançamento da Agenda Latino-Americana, que defende a educação à comunicação

e Salve Santo Antônio!; o escritor Ferrez, cronista do Capão Redondo; o cordelista e repentista Costa Senna e a escritora, professora e artesã guarani Giselda Jerá, de uma aldeia na capital de São Paulo, representando todos os escritores indígenas.

O jornalista Alderon Pereira da Costa, presidente da Associação Rede Rua, outra entidade homenageada, recusou-se a receber o prêmio e retirou-se do evento em solidariedade aos moradores de rua, impedidos pela segurança do Parlatino de en-

trar no auditório do evento, que já contava com a sua lotação máxima (560 lugares). Além da homenagem especial à irmã Dorothy Stang, assassinada no Pará em fevereiro, ilustrada com imagens do memorial recémorganizado em Ohio (EUA), foram lembradas as vítimas do furacão Katrina, que expôs ao mundo as verdadeiras prioridades do império. Dom Tomás Balduino destacou a importância da resistência franciscana de dom Luiz Cappio, bispo de Barra (BA), em greve de fome há nove dias contra a transposição das águas do Rio São Francisco. Dom Pedro Casaldáliga não pôde comparecer ao evento, mas mandou uma mensagem gravada de São Félix do Araguaia. O bispo não se furtou a analisar a situação política, que considerou, “no mínimo, desagradável”, e profetizou: “Apesar de algumas estrelas cadentes, a estrela da esperança continua candente, sempre”.


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CULTURA

De 6 a 12 de outubro de 2005

TEATRO

Tuca, 40 anos de arte e resistência Bel Mercês da Redação

M

esmo após a ampla reforma que o reconstruiu pela segunda vez, em 2003, o Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), o histórico Tuca, guarda nas paredes de sua sala principal as marcas dos dois incêndios que o destruíram por completo em 1984. Esse é apenas um dos marcantes episódios ocorridos nos 40 anos de existência do teatro, que comemora o aniversário com uma exposição do fotógrafo Mário Luiz Thompson sobre música brasileira. Segundo a superintendente do teatro e professora do Departamento de Arte da PUC, Ana Salles Mariano, a proposta é traçar um panorama da história da MPB durante essas décadas e mostrar a importância do Tuca nessa história. “Nossa vontade era trazer ao Tuca alguns artistas que já passaram por seu palco”, expõe Ana, para quem a fotografia é um instrumento que cumpre esse papel. Além da exposição, shows. Vários artistas vão prestigiar o Tuca este mês (veja o quadro ao lado). Entre eles, a cantora Ceumar, representante da nova safra de talentos da música brasileira, e Antônio Nóbrega, que na época do incêndio chegou a fazer espetáculos beneficentes para reconstrução do teatro. Alunos dos cursos de teatro do Tuca fizeram uma remontagem de Morte e Vida Severina, espetáculo de João Cabral de Melo Neto que inaugurou o teatro, em 1965. Na época produzida por um coletivo de

Fotos: Mário Luiz Thompson

Teatro resgata sua história de luta e comemora aniversário valorizando novos nomes da cultura brasileira PROGRAMAÇÃO Exposição fotográfica do acervo de Mário Luiz Thompson, com curadoria de Patrícia Palumbo, jornalista e ex-aluna da PUC-SP. O Tuca apresenta uma retrospectiva fotográfica da MPB no saguão do teatro. SHOWS Walter Franco sexta, 14 de outubro Ceumar sábado, 15 de outubro domingo, 16 de outubro Trovadores Urbanos sexta, 21 de outubro Fernanda Porto sábado, 22 outubro Palavra Cantada domingo, 23 de outubro Antonio Nóbrega sábado, 29 de outubro Teatro Tuca R. Monte Alegre, 1024, Perdizes. Tel.: (11) 3670-8453 www.teatrotuca.com.br Fachada do Tuca e imagens de artistas consagrados da MPB, registradas pelas lentes do fotógrafo Mário Luiz Thompson

jovens universitários, a adaptação, dirigida pelo terapeuta anarquista Roberto Freire, foi musicada por um estudante de arquitetura da Universidade de São Paulo chamado Francisco Buarque de Hollanda, que logo trocou o primeiro nome por Chico. Em quarenta anos, muita arte e muita política ganharam vida e visibilidade sob as luzes do Tuca.

O teatro, criado para ser também um espaço de debates e palestras acadêmicas, protagonizou importantes manifestações durante a ditadura militar. Ana recorda: “O Tuca recebeu eventos políticos que não aconteciam em outros lugares. Por isso, passou a ser considerado um espaço de contestação”. O público do Tuca aplaudiu expoentes da cultura brasileira, como

Elis Regina e Vinícius de Morais, entre outros. Também no Tuca Caetano Veloso foi vaiado durante a fase paulista das eliminatórias do 3º Festival Internacional da Canção, em 1968, com a música “É proibido proibir”. Ana garante que o Tuca continua sendo um espaço de interlocução com a sociedade, além de estar sempre aberto ao artista brasileiro.

“Queremos aproximar o universitário da arte”, garante a professora. Com a última reforma, em 2003, a produção teatral e musical voltou a ter mais assiduidade nos palcos da sala principal e de seu teatro de arena, o Tucarena. Além disso, eventos organizados pelos próprios alunos, debates e mobilizações políticas continuam a ocupar com freqüência o lendário Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

CINEMA

Mário Augusto Jakobskind do Rio de Janeiro (RJ)

Divulgação

Festival do Rio traz obras engajadas e raridades tano Veloso Alegria, Alegria – se tornou um marco no jornalismo brasileiro, apesar do pouco tempo em que esteve em circulação. Neste filme também Chico Buarque de Holanda aparece relatando fatos pitorescos e lembrando ter sido um assíduo leitor de O Sol, precursor de jornais de humor crítico, como O Pasquim. Brilhante, dirigido por Conceição Senna, conta a história das filmagens, em 1976, de Diamante Bruto, dirigido pelo cineasta Orlando Senna e, segundo o diretor, uma criação coletiva da comunidade de Lençóis, na Bahia. Além de mostrar as filmagens da época, Brilhante aborda vários períodos da cidade de Lençóis, desde a época da extração de diamantes até a transformação do município em uma área turística, tendo como fundo a Chapada de Diamantina.

O Rio de Janeiro tornou-se, por duas semanas, a capital de cinema do Brasil e da América Latina. De 22 de setembro a 6 de outubro, aconteceu na cidade o Festival de Cinema do Rio, com 436 filmes de 60 países, debates e painéis com importantes ícones do mundo cinematográfico como Spike Lee, Carlos Saura, Dany Glover, Neil Jordan, Fernando Solanas, Miguel Lattin, entre outros cerca de 80 convidados. Em quase todos os pontos do Rio de Janeiro, da área nobre da zona sul a distantes subúrbios da cidade, os cinéfilos encontraram todos os gêneros de filme. As produções nacionais, tanto de curtas como longas-metragens, foram acompanhadas de uma pesquisa: os espectadores puderam dizer se acharam o filme ruim, regular, bom ou ótimo preenchendo uma cédula que era depositada em uma urna na sala de exibição. Segundo os organizadores do evento, que superlotava diariamente quase todas salas de cinema do Rio, essa foi uma forma de tornar o espectador atuante no Festival, promovido pela Secretaria da Cultura do Município do Rio de Janeiro em conjunto com empresas privadas.

AMÉRICA LATINA

DOCUMENTÁRIOS EMPOLGAM

Cena do documentário Vinícius de Morais, em mostra no Festival do Rio

A abertura do evento foi a apresentação do documentário Vinícius de Morais. Dirigido por Miguel Faria Jr. e produzido por Suzana de Morais, uma das quatro filhas do poeta, o documentário mostra às novas gerações um intelectual com raízes populares, ou como ele próprio se definia, “o branco mais negro do Brasil”. Poeta e diplomata, Vinícius acabou punido pela ditadura militar, sendo afastado da carreira diplomática depois de servir em vários países, inclusive

como adido cultural em Montevidéu e Paris. É o autor de uma das composições brasileiras mais executadas em todo mundo, Garota de Ipanema, criada em parceria com Tom Jobim. Um dos seus amigos, que no filme conta histórias hilariantes e se revela um repórter com grande desenvoltura, é nada mais nada menos que o consagrado Chico Buarque de Holanda. Outro documentário que agradou o público foi O Sol, cami-

nhando contra o vento, de Tetê de Morais, jornalista e diretora de outras películas, como História de Rose, números 1 e 2, sobre a reforma agrária. O Sol é o título de um semanário editado no Rio de Janeiro, lançado em 1967. A publicação esteve nas bancas durante seis meses e foi fechada pela ditadura militar. A diretora, que interpreta uma diagramadora do semanário, recria uma época em que a publicação – citada na composição de Cae-

O circuito latino-americano, que fez parte do Festival do Rio com 18 filmes, foi uma das poucas oportunidades de se olhar na tela os vizinhos e ver, por exemplo, o documentário Dignidade dos Ninguéns, de Fernando Solanas, que numa linguagem direta e sem subterfúgios mostra os malefícios do neoliberalismo na Argentina. O filme é uma continuação de Memória del saqueo, também de Solanas, sobre a decadência da Argentina após vinte anos de democracia e seis anos de uma ditadura responsável por 30 mil desaparecidos políticos. Não podem deixar de ser mencionados também o documentário O imortal, de Mercedes Moncada Rodrigues, que trata dos efeitos da guerra civil na Nicarágua. La Sierra, documentário colombiano dirigido por Margarina Martinez e Scott Dalton, acompanha a vida de três jovens moradores do bairro La Sierra, em Medellín, uma co-

munidade dominada por milícias paramilitares vinculadas aos narcotráfico.

ENCOURAÇADO POTEMKIN Uma atração que mereceu destaque foi, sem dúvida, a apresentação de O Encouraçado Potemkin, em cópia restaurada pela cinemateca de Berlim. O filme foi acompanhado pela Orquestra Sinfônica Brasileira da Cidade do Rio de Janeiro, com regência do concerto do maestro Luis Gustavo Petri. Essa mesma versão só foi apresentada antes no 55° Festival de Cinema de Berlim, em fevereiro deste ano. É a primeira vez que o filme, um clássico do cinema mundial dos mais censurados de todos os tempos, foi exibido com o discurso de abertura escrito por Leon Trotsky e vetado por Josef Stalin. Também foi remontada a célebre seqüência das escadarias de Odessa, com 15 tomadas que estavam desaparecidas. A partitura do filme foi restaurada por meio dos originais do compositor alemão Edmund Meisel. O Encouraçado Potemkin, filme que influenciou várias gerações de cineastas, conta a história do motim dos marinheiros daquele navio, revoltados com a péssima alimentação e os maus-tratos dos oficiais. O diretor Sergei Eisenstein, então um jovem de 27 anos, entrou para a história do cinema com suas técnicas pioneiras de edição e de efeitos especiais. No Brasil, durante a ditadura militar, o filme de Eisenstein foi proibido e muitas vezes apresentado de forma clandestina. As autoridades da época temiam as influências da obra, que explorava o conflito e o contraste, com ênfase numa justaposição dinâmica das 1.346 tomadas individuais que forçavam a platéia a tirar conclusões sobre a relação entre elas, enquanto era emocionalmente afetada pelas imagens.


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