Ano 3 • Número 138
R$ 2,00 São Paulo • De 20 a 26 de outubro de 2005
EUA e europeus blefam na OMC O
ministro Antônio Palocci costura a rendição do G-20, e do Brasil, na Organização Mundial do Comércio (OMC), ao buscar apoio para reduzir de 35% para 10,5% as tarifas brasileiras sobre os produtos industriais importados – um desastre para o parque fabril nacional e a geração de empregos. Ótimo para os países ricos, que querem abertura dos mercados para os seus produtos, de preferência, sem contrapartidas. Assim, Palocci já acenou com o fim da exigência de decreto presidencial para permitir acesso de bancos estrangeiros ao país, e a abertura do setor de resseguros. De seu lado, EUA e União Européia (UE) propõem cortes de 60% nos subsídios agrícolas. Pura trapaça: ambos registraram na OMC valores muito acima do que, de fato, desembolsam. A UE pode conceder até 67,2 bilhões de euros, mas subsidia 24 bilhões. Portanto, a redução não passaria de 5%. Já os EUA estão autorizados a subsidiar 19 bilhões de dólares, mas pagam 11,4 bilhões. Corte de meros 5% em relação aos 18,140 bilhões de dólares gastos na safra 2004/2005. Págs. 7 e 11
Michael Kamber/NYT/AE
Promessa de cortar subsídios é falsa, mas Palocci está disposto a abrir o mercado em troca de quase nada
Eleições livres – Simpatizantes do candidato presidencial George Weah, ex-jogador de futebol, festejam pelas ruas de Monróvia (Libéria) a vitória de 11 de outubro
Mídia racista ignora a África real
Petróleo: governo leiloa futuro do país
Encontro Internacional ÁfricaBrasil – Igualdade Racial: um Desafio Para a Mídia, realizado em São Paulo. Eles discutiram a omissão e o racismo da im-
prensa ao tratar temas ligados aos negros e à África, trocaram experiências e estabeleceram medidas de cooperação. Págs. 13 e 14
Tasso Marcelo/AE
Até o dia 18, a União arrecadou R$ 1,08 bilhão na sétima rodada de leilões de bacias petrolíferas. É menos de 1% do que o país pagou com juros da dívida este ano, em troca de um recurso estratégico. A medida escancara a falta de projeto de nação do governo Lula. Enquanto isso, o preço do petróleo dispara e as exportações decorrentes dos leilões acabarão com a reserva brasileira do insumo. Pág. 5
Mais de 600 educadores, professores e profissionais de comunicação do Brasil e de nove países da África fizeram história entre os dias 14 e 16, durante o
Relator da ONU constata descaso com indígenas Ativistas de direitos humanos e lideranças indígenas denunciaram o Estado brasileiro ao relator da Organização das Nações Unidas Doudou Diène, que iniciou uma viagem pelo Brasil. Dia 17, o cacique do povo Krahô-Kanela relatou o sofrimento de 96 pessoas que, há dois anos, vivem confinadas em uma casa de 100 metros quadrados, em Gurupi (TO); 80% delas estão infectadas por verminose. Pág. 3
Fraudes no referendo sobre Carta do Iraque
Globalização solidária na América Latina
O referendo da Constituição iraquiana, realizado dia 15, está sob suspeita de fraude. O diretor da Comissão Eleitoral ordenou a recontagem dos votos apurados, pois desconfiou dos resultados que indicavam vitória esmagadora da aprovação da Carta. Dia 13, funcionários estadunidenses se reuniram com lideranças contrárias ao documento que, após o encontro, mudaram radicalmente sua posição. Pág. 11
Processo irreversível, na opinião do cientista político Atílio Boron, a globalização não precisa obedecer à lógica mercantilista. É possível, segundo ele, uma alternativa solidária que preserve o ambiente e os direitos sociais. Um exemplo é a proposta de comércio internacional do presidente venezuelano Hugo Chávez, com quem os países da América Latina deveriam estreitar laços, diz Boron. Pág. 10
E mais: PT – Em vez de clarear a situação, resultado das eleições internas do partido segue dividindo a esquerda. Pág. 5 CHINA – Em entrevista ao Brasil de Fato, o pesquisador Gao Xian explica o que considera “a primeira etapa do socialimo chinês”. Pág. 12
No Rio de Janeiro, sindicalistas repudiam a sétima rodada de licitação dos blocos de petróleo
Sem-terrinha querem escola no campo Pág. 3
Começa jornada Povo mineiro por comunicação discute projeto democrática para o Brasil Pág. 4
Pág. 3
Violas afinadas com as raízes da cultura popular
Pobres votam “sim” no referendo
Arte e resistência estiveram em sintonia no palco do 3º Encontro Nacional dos Violeiros, realizado em Ribeirão Preto (SP), dias 14 e 15. Cerca de 3 mil pessoas participaram da festa, que foi animada por mais de 70 violeiros de todo o país. Além de preservar a cultura popular, o encontro defendeu o direito à terra e repudiou o agronegócio. Pág. 16
Os brasileiros estão divididos entre o “sim” e o “não” no referendo que vai decidir sobre a proibição da venda de armas e munição no país, dia 23. Pesquisa mostra que, do lado do “não”, estão os mais ricos. Os pobres, maiores vítimas das armas de fogo no Brasil, pedem o “sim”. Todo ano, quase 40 mil brasileiros são assassinados com armas de fogo. A maioria vive em favelas. Pág. 8
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De 20 a 26 de outubro de 2005
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Jorge Pereira Filho, 5555 Paulo Pereira Lima • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, 5555 João Alexandre Peschanski, Luís Brasilino, Marcelo Netto Rodrigues, 5555 Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Assistente de redação: Bel Mercês 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Valdinei Arthur Siqueira 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ
NOSSA OPINIÃO
Mudança de prioridades
O
Brasil realiza um referendo sobre a comercialização de armas ao mesmo tempo em que dá continuidade a uma hemorragia de recursos destinados ao sistema financeiro, com as mais altas taxas de juros do mundo, sem que o povo brasileiro seja convocado a dizer “sim” ou “não” sobre essa rapina da oligarquia financeira internacional. Enquanto a atenção dos brasileiros é voltada para esse referendo, questões nacionais importantíssimas, que exigem soluções urgentes e implicam passos decisivos para que o Brasil possa libertar-se das amarras do neocolonialismo financeiro, estão fora do debate. Esta semana, houve mais uma rodada do leilão para a exploração de petróleo, com a Petrobras ficando com a minoria dos poços, sem que o governo altere a decisão de enviar para o exterior esse petróleo, como havia prometido Lula durante a campanha de 2002. Por que não uma consulta popular para saber o que os brasileiros querem fazer com o petróleo? Por que não uma consulta popular, como fez o Uruguai, para saber se os brasileiros apóiam a recuperação para o patrimônio público de tudo o que foi ilegalmente privatizado na era FHC? Por que não consultar se os brasileiros desejam manter esse modelo perverso de comunicação
Ajude a manter o Brasil de Fato Caros amigos e amigas Durante todo o ano de 2002, intelectuais, artistas, jornalistas e representantes de movimentos sociais somaram forças em nome de um projeto político e editorial. A idéia era construir um novo jornal que ajudasse a veicular informações não divulgadas ou noticiadas de forma deturpada pela mídia tradicional. A publicação também teria a missão de contribuir para a formação da militância social e da opinião pública em geral. Assim nasceu o Brasil de Fato. Seu ato de lançamento se transformou numa grande festa com a presença de mais de 7 mil militantes sociais, durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em 2003. Para tocar o jornal, foi montada uma equipe de jornalistas comprometidos com o projeto. E todos fomos à luta. Nos últimos dois anos e meio, o jornal sobreviveu graças a uma grande disposição de transpor os obstáculos que qualquer veículo da imprensa independente enfrenta, incluindo boicotes de todo tipo. Apesar de tudo, estamos
resistindo! Mas, neste momento, estamos precisando de apoio extra para driblar as dificuldades resultantes da concentração do poder econômico e do aumento dos custos de produção do jornal. O Brasil de Fato depende da valiosa contribuição de seus assinantes. Só assim vamos manter um veículo de imprensa independente e de esquerda. Mesmo elogiado por todos, tanto por sua linguagem quanto por sua linha editorial, o Brasil de Fato precisa aumentar o número de assinaturas para seguir adiante. Por isso, apelamos para sua consciência e seu compromisso pessoal. Se você ainda não é assinante, faça a sua assinatura. Se é assinante, conquiste mais uma assinatura com um (a) amigo (a). Se você é vinculado (a) a algum sindicato ou movimento, coloque nosso pedido na pauta da reunião da diretoria, para que a instituição faça assinaturas coletivas. Contamos com seu apoio. Conselho Editorial do Brasil de Fato
Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815
o denuncia. Em alguns momentos, Lula ensaia um discurso mais popular, o que apavora a direita com o fantasma do chavismo – indicando que realmente Lula teria enorme apoio se buscasse uma aliança com os movimentos populares. O desespero da direita se evidencia quando ela nota que, apesar dos erros da cúpula do PT, das concessões ao capital financeiro e da timidez nos programas sociais, ainda não conseguiu torpedear a possibilidade de reeleição de Lula, como apontam as pesquisas. Entretanto, para assegurar a aplicação de um programa que atenda às necessidades mais gritantes, Lula não poderá ignorar os movimentos sociais, deverá basear-se nos sindicatos, buscar uma política que estimule a participação popular e reunifique a esquerda. A realização da Assembléia Popular, na próxima semana, em Brasília, será fundamental para definir linhas para o próximo período. Uma coordenação entre governo e movimentos sociais exige mudanças de prioridades, mudanças de rumos na política, ao mesmo tempo em que a separação entre as forças progressistas é tudo o que deseja a direita para criar as condições para a volta do esquema da privataria.
FALA ZÉ
OHI
CRÔNICA
Sobre palhaços e “cucarachas” Luiz Ricardo Leitão
CARTAS AOS LEITORES
ou trocá-lo por um modelo público e educativo de rádio e televisão? Foi esse modo de fazer política sem povo, trocando a participação e a mobilização popular pelos milionários esquemas de marqueteiros, que aproximou o PT das formas convencionais de fazer política, facilitando o surgimento de desvios, bem como a amplificação desmedida e artificial do denuncismo por parte da direita. Com isso, mesmo as medidas positivas adotadas pelo governo recentemente – recuperação da indústria naval com a construção de 42 petroleiros pela Petrobras, acordo com a Venezuela para construção da Refinaria Abreu e Lima em Pernambuco, programa de compras antecipadas feito pela Conab, inauguração de centenas de Pontos de Cultura e expansão do número de empresas e subsidiárias de empresas estatais –, embora tenham efeito social relevante, não sinalizam mudanças no esforço de engordar o superavit primário, ou, superavit sedentário, com cortes, redução e limitação de vários programas sociais. Tangenciando as mudanças mais relevantes, o governo continua a linha de fazer concessões aos partidos tradicionais, evitando o debate frontal com a direita corrupta que
Em meio à farra do “mensalão” e outras efemérides que temperam com seu molho de desfaçatez e cinismo a vida pública de Pindorama, uma curiosa polêmica travada em terras do Velho Mundo esteve durante vários dias em destaque nas páginas dos principais jornais de aquém e além-mar. O motivo do bafafá, como nossos leitores já devem saber, foram as coreografias e brincadeiras que a legião brasileira do Real Madrid, a megaempresa esportiva espanhola, tem promovido para celebrar seus gols nos gramados europeus. Tudo começou quando Ronaldo, Robinho e Roberto Carlos resolveram imitar uma barata “em apuros” (ou seja, de costas e com as patas agitadas) após os dois gols que o “Fenômeno” marcou contra o Alavés, na vitória por 3 a 0 do Real no campo do adversário. O presidente do clube local, sentindose ofendido com a insólita comemoração, não hesitou em tachar o trio de “palhaços” e, de quebra, com um racismo de dar inveja a Hitler e Franco, acusou o Real de acolher a qualquer um que viesse das “selvas” do Brasil. Ronaldo, sem travas na língua (e nos pés...), tratou prontamente de ironizar o falso moralismo do cartola, lembrando que este já foi até fotografado nu pela imprensa espanhola, uma proeza que nem sequer os nossos desvairados dirigentes cometeriam. Uma semana depois, em Madri, o
Real goleou a equipe do Mallorca por 4 a 0. Durante as comemorações da tarde, os três craques imitaram um coelho, após o gol de Ronaldo, e pularam “carniça”, como um bando de crianças irreverentes, para festejar o segundo gol de Roberto Carlos no encontro, cujo placar, aliás, só registrou gols em verde-amarelo. Pois apesar da inocente brincadeira, lá estavam os “civilizados” a censurar os “selvagens”: afinal de contas, uma valiosa mercadoria da sociedade espetacular global não poderá jamais ofender a moral e o decoro burguês. Confesso aos amigos que, ao contrário de gente como Parreira e Zagallo, saboreei com raro deleite as brincadeiras do grupo. Em primeiro lugar, porque esses artistas da bola, embora sejam peças de uma colossal engrenagem capitalista – tantas vezes triturados pelos apelos da mídia e as pressões do consumo – não dissimulam suas raízes tupiniquins: eles ainda jogam futebol por prazer e pura “molecagem”, como também o faz Ronaldinho, campeão espanhol pelo Barcelona e melhor jogador do mundo pela Fifa. Por isso, encantam as platéias e fazem com que o Brasil desperte a admiração e a simpatia de milhões de pessoas do planeta. Aliás, como já escrevera o saudoso Helio Pellegrino, a ginga e as “pedaladas” do brasileiro são o legado de seus avós escravos, sempre em fuga pelas matas, driblando em desabala-
da carreira os cães e capatazes para conquistar a liberdade. Por outro lado, desconfiem sempre dos moralistas, caríssimos leitores. Diante do mar de hipocrisia reinante nos quatro cantos da Terra, as “cucarachas” latinas são uma singela gota de irreverência. Senão, vejamos: o que fazia o sr. Edílson Pereira de Carvalho antes de iniciar cada partida que ele apitava no Brasileirão? Sempre fiel ao seu Deus, a “piedosa” criatura beijava os cartões do jogo e os elevava aos céus, como se fossem uma hóstia consagrada. É claro que, atrás de cada um, vinham também anotados os valores do “mensalinho” que a máfia das apostas cibernéticas lhe repassava, a fim de “arranjar” os resultados dos confrontos... E o que dizer do “iluminado” George W. Bush, o mais notável fundamentalista da era globalizada, que não hesitou em declarar que suas decisões de invadir o Iraque e o Afeganistão resultaram de mensagens celestiais enviadas por Deus (!) ao próprio canastrão? Enfim, no reino dos homens, quem são afinal os palhaços e cucarachas??? Luiz Ricardo Leitão é editor, escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-Americana pela Universidade de La Habana, é autor de ¿A dónde va la telenovela brasileña? (Editora Ciencias Sociales, Cuba)
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De 20 a 26 de outubro de 2005
NACIONAL DISCRIMINAÇÃO
Indígenas, grandes vítimas do racismo Cristiano Navarro de Brasília (DF)
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oudou Diène, relator da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Formas Contemporâneas de Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia, iniciou a sua viagem pelo Brasil, na Capital Federal, ouvindo denúncias feitas por representantes e entidades da sociedade civil que acusaram o governo e o Estado brasileiro como os maiores promotores da discriminação. No dia 17, representantes do Movimento Nacional de Direitos Humanos, a organização não-governamental Enegrecer, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos, lideranças do povo Krahô-Kanela e defensores dos direitos dos imigrantes apresentaram seus testemunhos ao relator da ONU. A mais contundente das denúncias foi feita pelo cacique do povo Krahô-Kanela, Mariano Ribeiro. Em seu testemunho, ele relatou o sofrimento de 96 pessoas do seu povo que, há dois anos, vivem confinadas em uma casa de 100 metros quadrados no município de Gurupi (TO), onde antes era o depósito de lixo público da cidade. Mais de 80% dos confinados convivem com uma verminose que pode levar à morte. Sem espaço para plantar ou ter com o que sobreviver, há mais de 20 anos os Krahô-Kanela reivindicam 29,3 mil
Cristiano Navarro
Relator da ONU colhe informações e denúncias sobre destratos cometidos contra negros e índios no Brasil MORTALIDADE INFANTIL Causa
DIFERENÇAS “Precisamos de uma educação voltada para realidade dos alunos. Por isso, é importante a Escola do Campo, onde poderemos aprender a mexer com a terra”, diz Olavo Pereira, 13 anos. “Queremos uma escola com professores que ensinem agroecologia, porque quando as crianças ficarem jovens irão saber trabalhar com a terra, e tirar o seu próprio sustento”, completa Ana Paula, 11 anos.
Desnutrição de crianças
44
Causa
Nº de Vítimas
Assassinatos
33
Suicídios
23
Tentativas de assassinatos
22
Ameaças de morte
12
Violência sexual
17
Atropelamentos
11
Bebida alcoólica
8
Tortura
10
Abuso de autoridade Trabalho escravo
9 03 casos
Fonte: Cimi
O relator especial da ONU, Doudou Diène, recebe de lideranças indígenas relatório sobre a violência de que foram vítimas
hectares de sua terra tradicional, chamada de Mata Alagada. Apesar das evidências antropológicas, a Funai nega a demarcação da Mata Alagada, alegando que não seria uma terra de ocupação tradicional. Assim, passou a responsabilidade para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Após ouvir o relato de Ribeiro, Diène afirmou que, assim como no Brasil, em outros países por onde passou os índios são as principais vítimas do preconceito. “A discriminação contra os povos indígenas é o começo de tudo. No princípio, a
discussão era se os índios tinham ou não uma alma humana. E é a partir da discriminação contra o índio que veio a discriminação contra o negro, por isso as duas estão intimamente ligadas”, lembrou o relator da ONU. Diène questionou o cacique Krahô-Kanela sobre como o governo brasileiro trata a questão indígena. “A Fundação Nacional do Índio e o governo federal, que na campanha se dizia nosso amigo, trabalham discriminando o índio. A Funai é um órgão que foi criado para cuidar dos interesses dos índios, mas ela deixa de defender o índio
para defender o interesse dos fazendeiros”, respondeu o cacique.
ASSASSINATOS Já o Cimi entregou ao relator uma prévia do relatório de violência contra os povos indígenas que produz anualmente. Somente neste ano, os números do Cimi apontam 33 assassinatos decorrentes da questão da terra, 43 mortes de crianças indígenas causadas por desnutrição e 34 mortes por falta de assistência à saúde (veja quadro). Diène explicou que o seu trabalho está dividido em três partes. Na
primeira, ele se encontra com autoridades para fazer essencialmente três perguntas: “Há racismo no Brasil? Quais são as manifestações deste racismo? Quais as soluções que o governo tem dado para o problema?” Na segunda etapa, visita grupos e comunidades vítimas da discriminação e movimentos de defesa da sociedade civil e repete as mesmas perguntas, acrescentando uma quarta pergunta “o que o governo deve fazer?” A terceira parte do trabalho é a produção do relatório, considerando as entrevistas e a vivência. São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife são os próximos pontos da visita. Os primeiros resultados da viagem devem ser apresentados à ONU no dia 7 de novembro.
FÓRUM SOCIAL MINEIRO
Thea Tavares
A luta por escolas do campo Com o lema “Educação do Campo, direito nosso, dever do Estado” durante três dias, mil sem-terrinhas de várias acampamentos e assentamentos do Paraná, se reuniram na região metropolitana de Curitiba para cobrar do governo do Estado a implantação de escolas do campo nos assentamentos rurais. As crianças participavam do 6º Encontro Estadual dos Sem Terrinha, realizado de 10 a 12 de outubro, no Parque Newton Freire Maia, em Quatro Barras (a cerca de 30 km de Curitiba), como parte da Jornada Nacional de Luta “Por Escolas Públicas do Campo em Assentamentos e Acampamentos”, que ocorre durante todo mês de outubro, no Brasil inteiro. “Esse também é um momento de fortalecer a identidade sem-terra, das crianças que vivem nos acampamentos e assentamentos do MST, para que entendam por que são semterra”, diz Sandra Scheeren, educadora da Escola Itinerante. Alessandro Santos Mariano, um dos coordenadores de Escola Itinerante argumenta que a Escola do Campo foi a principal reivindicação dos sem-terrinhas durante o encontro, “porque em muitos assentamentos ainda não existem escolas e as crianças estudam na cidade, enfrentando muitas dificuldades para se deslocar até lá. Além disso, muitas dessas escolas não têm uma educação voltada para a realidade das famílias que vivem no campo”, destaca.
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OUTRAS VIOLÊNCIAS
SEM-TERRINHA
Solange Engelmann de Curitiba (PR)
Nº de Vítimas
Desassistência à Saúde
Por um projeto popular para o Brasil Joana Tavares de Belo Horizonte (MG)
Sem-terrinhas se reúnem com vice-governador do Paraná para exigir escolas
A diferença da escola do campo para a tradicional é o uso e a adaptação de elementos da realidade do campo nas atividades didáticas, atributos existentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais, porém, pouco utilizados. “Nessa escola a realidade serve como ponto de partida para a busca do conhecimento. O currículo é construído coletivamente pela comunidade, não é algo que já vem pronto, imposto”, argumenta Mariano.
AUDIÊNCIA No dia 11, uma comissão de quinze sem-terrinha participou de audiência com o vice-governador do Estado, Orlando Pessutti, no Palácio do Iguaçu. As crianças entregaram uma pauta exigindo a implantação de nove escolas em assentamentos, capacitação de educadores, ampliação de salas de aulas, aquisição de equipamentos didáticos pedagógicos, bibliotecas, construção de espaços culturais e esportivos, melhoria no transporte escolar e nas estradas rurais, além de mais empenho do governo estadual em pressionar o federal para agilizar a reforma agrária. Durante a audiência Pessutti afirmou que vai encaminhar as reivindicações ao governador Roberto Requião, e que concorda que as escolas do campo tenham um programa
pedagógico voltado para a vida no meio rural. “Os filhos de agricultores devem ter a perspectiva de permanecer no campo”, declarou. A sem-terrinha Ana Paula achou a negociação positiva. “Mas se ele não estiver falando sério, voltaremos e faremos outra mobilização”, garantiu. Em seguida, os filhos de assentados e acampados saíram em marcha até a Catedral, para receber a bênção do bispo auxiliar de Curitiba, dom Ladislau Bienarski. “Os sem-terrinhas estão construindo o fundamento da vida, pedindo um presente que nunca acaba, que é a escola, que ensine todos a amar a terra”, observou o religioso. Atualmente, no Paraná, existem 53 áreas com cerca de 8 mil famílias acampadas, sendo que em nove destes locais funciona a Escola Itinerante, que atende cerca de 3 mil crianças. Além disso, há 17 mil famílias instaladas em 380 assentamentos, onde há apenas 62 escolas, muitas delas com infra-estrutura precária, o que obriga as crianças a se deslocar até a cidade. A coordenadora estadual do setor de educação do MST no Paraná, Izabel Grein, defende a necessidade de o Estado resolver o problema. “Seria importante que tivéssemos uma escola em cada assentamento. Só aqui no Estado precisamos de, no mínimo, 200 escolas”, relata.
Em 2004, dos 1.810 filmes transmitidos pelas redes abertas de televisão, onze eram nacionais. O país pagou R$ 500 bilhões em juros da dívida ao longo do governo Lula. O Brasil tem a maior taxa de juros do mundo (19,5%), o que dá rentabilidade garantida ao capital, que não sofre qualquer controle para remeter lucros ao exterior. Esses dados – relativos à transposição do Rio São Francisco, ao movimento negro, à economia popular solidária, aos direitos da criança e do adolescente, partidos de esquerda, impactos do imperialismo, integração entre os povos – foram a tônica dos três dias de encontro entre movimentos, organizações, militantes e pastorais sociais. O 4º Fórum Social Mineiro foi realizado dos dias 13 a 15 de outubro, na PUC São Gabriel, em Belo Horizonte. No evento ficou claro, nas palavras do professor Valério Arcary, que “inventar o futuro é o desafio do presente”. “Acho que o Fórum acertou na escolha do eixo temático ‘Articulação das forças sociais e a construção de um projeto popular para o Brasil’, apontando diversos elementos para a construção desse projeto popular e possibilitando que diversas organizações nivelassem o entendimento e a necessidade de articulação para defender e discutir o projeto”, afirma Frederico Santana Rick, assessor da Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais, e membro do conselho editorial do Brasil de Fato.
SOMANDO FORÇAS A articulação entre diversas forças sociais – estiveram presentes representantes do MST, PSOL, PSTU, PT, PCO, Consulta Popular, pastorais sociais e diversos outros – mostrou nas conferências e atividades autogestionadas o desafio de se analisar a conjuntura e propor atividades e sugestões reativas aos
avanços do capitalismo. “Percebi uma desesperança grande, mas acho que as pessoas vão levar daqui um pouco de força para recuperar tudo isso”, afirma Berenice dos Santos Borges, do Movimento Negro do Rio de Janeiro, que participou do fórum para conhecer como está a organização do grupo em Minas. A seu ver, as discussões foram muito ricas em conteúdo, com espaço para troca de idéias e exposição, mas lamenta a baixa participação. Cerca de 900 pessoas participaram do fórum e 60 atividades auto-gestionadas foram realizadas, além de diversas apresentações culturais, de grupos latino-americanos, de rap e tambores. José Luiz Alcântara Filho, aluno da Universidade Federal de Viçosa, foi um dos 50 estudantes que saiu da cidade da zona da mata mineira para participar do fórum. Ele diz que o fórum cumpre um importante papel para quem está tomando consciência do debate agora, propiciando um abrangente painel do pensamento da esquerda. “Foram feitas varias análises de conjuntura e vejo uma certa aproximação de setores da esquerda, um certo diálogo, uma conversa bem madura”, avalia. No dia 14, à tarde, os participantes do Fórum realizaram uma marcha pelo centro da capital. Uma das atividades que refletiram a importância da articulação entre as forças sociais foi uma reunião realizada, dia 13, entre representantes de diversas organizações, com o objetivo de trocar experiências e programar atividades conjuntas. O Fórum Mineiro de Segurança Alimentar, Fórum Mineiro de Economia Popular Solidária, a Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, Articulação do Semi-Árido, Via Campesina, Comitê Mineiro do Fórum Social Mundial, Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana e Articulação Mineira de Agroecologia discutiram formas de atuação conjuntas.
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Espelho
DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO
Você tem voz na mídia?
da Redação
Concessão pública A campanha contra a baixaria na TV, criada em 2002 pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, por iniciativa do deputado Orlando Fantazzini (PSOL-SP), recebeu mais de 17 mil denúncias em três anos. Nesse período, o programa líder em baixaria foi o de João Kléber, na Rede TV, especialmente por promover a humilhação das pessoas. A questão é saber por que o Estado permite que uma concessão pública seja usada de forma tão imprópria. Limite midiático O 9º Juizado Especial Cível de Goiás determinou à empresa estadunidense Google excluir da internet todos os textos ofensivos à honra e à imagem da artista plástica Neusa Maria Peres de Almeida, publicados no site Orkut, depois que a artista decidiu retirar do ar desenhos de sua autoria. Além disso, o juizado aplicou multa de R$ 500 por dia pelo descumprimento da decisão. Vai dar uma boa polêmica. Abuso publicitário A 4ª Vara Cível do Rio de Janeiro decidiu condenar a Editora Globo ao pagamento de indenização de R$ 15 mil, por utilização indevida de imagem da atleta Aída dos Santos Menezes na revista Marie Claire. A editora publicou, sem autorização, uma foto da atleta em anúncio de venda de assinatura da revista. A Globo alegou que era material jornalístico, mas a Justiça não aceitou. Lucro escondido O jornal inglês Financial Times, baseado na Rede de Justiça Fiscal do Reino Unido, estima que existam mais de 11 trilhões de dólares depositados em paraísos fiscais, e cuja maior parte é transferência de lucros de bancos e empresas que “escondem” o dinheiro para não pagar impostos nos países de origem. Como se vê, o capitalismo “legal” concorre diretamente com o contrabando, o narcotráfico e demais quadrilhas de criminosos do mundo. O que é pior? Servidão midiática Os jornais brasileiros da burguesia, sempre servis aos interesses do imperialismo, e os jornalistas capachos dos EUA estão alardeando a preocupação do governo George W. Bush com a cooperação nuclear entre Brasil, Argentina e Venezuela. Os olhares colonizados tratam de procurar logo a reação do império. O assunto deve ser bastante explorado até o visita de Bush ao Brasil, dia 5 de novembro. Novo discurso O recém-eleito presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini, em entrevista à Rádio CBN, na última semana, acabou inaugurando um novo conceito de “ética federalizada”, ao afirmar que os diretórios estaduais do partido é que deveriam analisar os casos de renúncia dos deputados federais acusados de corrupção. O contorcionismo presidencial muda declaração anterior de que o Diretório Nacional vetaria a legenda para quem renunciasse ao mandato. Ficou o dito pelo não dito. Pura contradição O presidente Lula afirmou, categórico, no seu programa matinal de rádio, que o foco de febre aftosa no Mato Grosso do Sul estava “debelado”. Poucas horas depois, o próprio governo anunciou a existência de mais três focos da doença na mesma região. Todos os veículos da mídia empresarial exploraram a contradição, o que reforçou na opinião pública a idéia de que o presidente é mal informado (alienado) ou não tem compromisso com a verdade. Você decide!
Campanha critica monopólio empresarial nos meios de comunicação e propõe alternativas Bel Mercês da Redação
“A
mídia olha para você?”, “Você tem voz na mídia?” Estampadas em letras garrafais, sobre uma faixa de quatro metros de comprimento, essas perguntas chamavam a atenção de quem passava a pé ou de carro na Avenida Paulista, na cidade de São Paulo, no dia 17. Um mural com depoimentos anônimos mostrava alguns pontos de vista de quem vê a mídia do lado de fora da produção de conteúdo. “A mídia brasileira deveria ser mais democrática”, ressaltava uma das frases escritas. Em uma privada colocada em meio à calçada, as pessoas também jogavam papéis com suas opiniões, registro esse que também foi gravado em vídeo. Logo em frente, uma banquinha, como aquelas de camelô, distribuía CDs de software livre gratuitamente. Esse ato público, organizado por militantes de diversas organizações e entidades, marcava o início de uma série de atividades da semana de 17 de outubro – dia que simboliza a luta pela democratização dos meios de comunicação no país. A 3ª Semana Nacional pela Democratização da Comunicação ocorre, esse ano, em dez cidades brasileiras. Atividades serão feitas também na Baixada Santista, litoral paulistano, em João Pessoa (PB), Porto Alegre (RS), Vitória (ES), Brasília (DF), São Luís (MA), Rio de Janeiro (RJ), entre outras. Já, em Recife (PE), as ati-
Na agenda das mobilizações da Semana pela Democratização da Comunicação, muita crítica ao ministro Hélio Costa
sentantes de movimentos sociais foi organizada na sede da Ação Educativa, entidade que também organiza a Semana. Estiveram presentes representantes de movimentos de moradia urbanos como a União dos Movimentos de Moradia, do movimento negro, como o Grupo Identidade, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e do Fórum de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, entre outros. O debate abordou como o monopólio da mídia no Brasil atrapalha a luta dos movimentos sociais e de que maneira a democratização da comunicação poderia ajudar na conquista de seus objetivos. Além de apontar as dificuldades para as lutas sociais causadas pela concentração da mídia no país, a iniciativa pretendeu unir atores de diferentes campos para a busca de soluções conjuntas. Em Brasília, uma série de debates nas universidades antecipou o evento, que começou com um ato lúdico-político no Circuito Jovem (Ceilândia) no domingo, dia 16. No dia 17, houve uma exibição do filme Super Size Me – A dieta do Palhaço em frente a uma loja do McDonalds, com o objetivo de problematizar o papel da indústria do fast-food e questionar a influência da propaganda nas pessoas. Segundo o jornalista Jonas Valen-
vidades foram realizadas antecipadamente, há duas semanas.
MOBILIZAÇÃO A iniciativa partiu, há dois anos, da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação (Enecos). Segundo Rodrigo Mendes, coordenador da entidade, o objetivo do evento é provocar alguma mobilização sobre um tema que não está colocado no imaginário das pessoas. “A democratização da comunicação é uma bandeira histórica da Enecos. A gente espera também que seja um momento de acumular informações sobre o tema.” No dia 18, também em São Paulo, uma mesa de diálogo com repre-
Av. Paulista, em São Paulo, foi palco de protesto contra o monopólio da comunicação
te, integrante do Intervozes, coletivo que atua na área de comunicação social, “a Semana pela Democratização é a data mais importante do calendário de lutas das entidades da área de comunicação. É quando diversas organizações, tendo ou não relação orgânica umas com as outras, se juntam para botar esta pauta na rua e levar o debate à sociedade”. Esse ano, a Semana pela Democratização tem um alvo específico de protestos, o atual ministro das Comunicações Hélio Costa. Um ato público batizado de “De costas para Hélio Costa” está previsto para ocorrer em São Paulo, em frente à sede da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e no Rio de Janeiro, num ato cultural na Praça 15. A proposta é promover uma manifestação simbólica contra as políticas do ministro. Mendes explica: “Como ex-funcionário da Globo, ele representa os interesses dos empresários das comunicações e tudo o que nós somos contra.” As políticas de Hélio Costa têm desagradado as entidades que trabalham com o tema. Os militantes pretendem sair em defesa de um sistema brasileiro de TV digital, do software livre e das rádios e TVs comunitárias. Em todas as cidades ocorrem também debates e seminários sobre a digitalização dos meios de comunicação.
PASSE LIVRE
Movimento anuncia mobilizações pelo país da Redação O Movimento Passe Livre (MPL) realizará, em cidades de todo o país, mobilizações que marcarão o Dia Nacional de Lutas pelo Passe Livre, em 26 de outubro. Florianópolis, São Paulo, Aracaju, Goiania, Campinas, Fortaleza, Vitória e Brasília são algumas das cidades que confirmaram atividades para este dia. (As programações podem ser conferidas em www.midia independente.org). Segundo Marcelo Pomar, integrante do coletivo do MPL em Florianópolis, os principais objetivos são pautar as reivindicações do movimento na sociedade, promovendo o debate acerca do tema, e também dar visibilidade nacional ao MPL. “Nossa luta continua sendo pela desmercantilização do transporte público, um serviço público essencial que não pode ficar a mercê da lógica do lucro”, explica. Em Florianópolis, há ainda mais motivos para as mobilizações. A cidade é a única que aprovou a Lei pelo Passe Livre após grandes protestos realizados na cidade, motivados pelo aumento abusivo das tarifas, em julho de 2004. A lei começaria a vigorar
a partir de 1° de janeiro de 2006, se o Ministério Público (MP) catarinense não tivesse entrado com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), em outubro deste ano. Segundo Pomar, o MP alega, entre outros motivos, que a Lei pelo Passe Livre é “populista e injusta”, e que deveria valer apenas para populações carentes. “Nós sabíamos que a prefeitura estava procurando alguma instituição para entrar com uma ação e protelar a aplicação da lei. Esta Adin é uma ação política da prefeitura”, avalia. Com essa medida, acredita o militante, a Prefeitura de Florianópolis tenta se eximir da questão. “O alvo das mobilizações sempre foi a prefeitura, e agora, joga-se a responsabilidade também para o MP”, diz. A atitude contrária à aplicação da lei, entretanto, era esperada pelo MPL de Florianópolis. “Vemos isto como mais uma etapa da nossa batalha”, afirma Marcelo Pomar, que lamenta ver o papel desempenhado pelo MP. “Teoricamente, eles teriam que garantir os interesses sociais, mas ao invés disto, tentam barrar a aplicação de uma lei que foi fruto de reivindicações da sociedade”, conclui.
Divulgação
Referendo confuso Enquete realizada pelo jornal O Estado de S. Paulo no Centro da capital paulista mostrou que 29% dos pesquisados não souberam identificar corretamente as opções do referendo do dia 23 de outubro. A pergunta e a ordem das respostas geram muita confusão. Ou houve incompetência na formulação, ou foi algo realmente deliberado para embaralhar a posição dos eleitores. Mais uma trapalhada.
Fotos: Bia Barbosa/ Agência Carta Maior
da mídia
NACIONAL
Cartaz convida população de Florianópolis a aderir ao movimento
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NACIONAL LEILÃO DE PETRÓLEO
Brasil teima em entregar suas riquezas Luís Brasilino da Redação
P
or pressão do Ministério da Fazenda, o Brasil está vendendo mais uma importante e estratégica riqueza, para fazer superavit primário e pagar juros da dívida pública. Esta é a avaliação de Fernando Siqueira, diretor de comunicações da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), sobre a sétima rodada de leilões de petróleo e gás natural que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) promove desde o dia 17. Nos dois primeiros dias, foram arrecadados R$ 1,08 bilhão e concedidos 251 blocos de exploração, dentre os 1.134 mil ofertados. Tradicionalmente, a Petrobras fica com a esmagadora maioria dos blocos e, nesta sétima rodada, não é diferente. O problema é que o dinheiro que sai da estatal, não é reinvestido no Brasil. Vai para o mercado financeiro. Além disso, muitos dos blocos são arrematados pela Petrobras em parceria com empresas transnacionais, como a espanhola Repsol, a anglo-holandesa Shell e a estadunidense Devon. É sempre bom lembrar que 37% do capital total da Petrobras pertence ao governo. Segundo Siqueira, 40% foram vendidos em Wall Street, na bolsa de valores de Nova York (Estados Unidos); 20% estão nas mãos de empresas brasileiras que funcionam como testas-deferro de interesses estrangeiros; e outros 3% foram passados ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Patrícia Santos/AE
O insumo é estratégico, o consumo crescerá mais do que a produção, e o governo Lula não tem projeto de nação
Sindicalistas e integrantes de movimentos sociais protestam contra a sétima rodada de licitação dos blocos de petróleo no Rio de Janeiro
se quiser. E é isso que a Shell vem fazendo. Diariamente, ela envia para fora do país 40 mil barris, antes mesmo que o Brasil se torne auto-suficiente no insumo. O leilão das bacias de petróleo é ainda mais incompreensível quando se considera o valor estratégico que o petróleo vem ganhando no cenário mundial nos últimos anos. Em 1999, ano da primeira rodada de licitações, o barril custava 13 dólares. Até 2003, o preço mais do que dobrou, chegando perto dos 30 dólares. No ano passado o barril valia cerca de 45 dólares,
ESTRATÉGICO A Lei 9478, aprovada em 1997 pelo governo Fernando Henrique Cardoso, concede a propriedade do petróleo para quem explorá-lo. Ou seja, se extraiu, pode exportar
já chegou perto dos 100, e agora passa dos 60 dólares. Segundo diversos especialistas, a produção mundial de petróleo, que hoje é de 80 milhões de barris/dia, atingirá seu pico em 2010. A demanda, atualmente, é de 79 milhões de barris diários e a tendência é que cresça junto com a economia mundial, principalmente graças à China, que deve triplicar seu consumo na próxima década. Como daqui a cinco anos a produção vai parar de aumentar, ao contrário do consumo, um terceiro choque mundial do petróleo
é esperado e deve elevar o preço do barril a mais de 100 dólares, de modo a conter a demanda. Segundo o IXIS, banco de investimento do grupo francês Caisse d`Épargne, a situação ficará ainda pior. Pelas suas estimativas, em 2015 o barril pode custar 380 dólares.
AUTO-SUFICIÊNCIA A expectativa é que, nesse período, o Brasil tenha alcançado a auto-suficiência. No entanto, essa vantagem pode durar muito pouco. De acordo com o plane-
jamento estratégico da Petrobras, 522 mil barris de petróleo devem ser exportados, diariamente, entre 2006 e 2010. Assim, o Brasil se equipararia a alguns países membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), como o Catar e os Emirados Árabes. Prejudicado pela invasão estadunidense, a exportação de petróleo do Iraque ficaria num patamar inferior à do Brasil. E para isso nem foi necessário que o Reino Unido e os Estados Unidos enviassem suas tropas.
PARTIDO DOS TRABALHADORES
Ao contrário do que se esperava, o Processo de Eleições Diretas (PED) do Partido dos Trabalhadores (PT), encerrado dia 13, levantou mais questões do que respondeu. A direita venceu? A oposição ganhou espaço? O PT é um instrumento de transformação social ou colabora para a manutenção do status quo? Nesse debate – e apenas nele – estão em lados opostos importantes e históricas figuras da esquerda brasileira. Plinio Arruda Sampaio e mais quatro deputados federais lideraram, logo após o primeiro turno, uma saída carregada de tristeza do PT. Raul Pont e os demais candidatos da esquerda para a presidência no PED permanecem entrincheirados no partido, com o apoio de intelectuais de peso como Leonardo Boff e Emir Sader.
DIRETÓRIO NACIONAL Essa situação se desenhou pois o resultado do PED não foi nem uma grande vitória do Campo Majoritário (tendência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que domina o partido há mais de uma década), nem uma virada da esquerda. Até mesmo a grande presença de eleitores não é consenso. Para quem fica, os quase 550 mil votos, nos dois turnos, mostram a pujança militante do PT. Para quem sai, são reflexos da máquina burocrática em que o partido se transformou, com direito a transporte gratuito de eleitores e pagamento de mensalidades, entre uma infinidade de irregularidades postas em prática com o propósito de manter o partido nas mãos em que esteve nos últimos anos.
Wilson Dias/ABR
Futuro do PT divide esquerda
Eleição de Berzoini (à direita) não representa grande vitória do Campo Majoritário
“As correntes minoritárias tiveram uma grande vitória. Elegemos a maioria do Diretório Nacional: das 81 cadeiras, fizemos 42”, comemora Raul Pont, derrotado no segundo turno do PED por Ricardo Berzoini, deputado federal paulista e presidente eleito do PT. Berzoini teve 113.130 votos (51,6% dos votos válidos) e Pont, 106.224 (48,4%). No entanto, as definições com relação à composição do Diretório Nacional do PT estão longe de ser claras. São 81 cadeiras, mais o presidente do partido (Berzoini) e os líderes da bancada no Senado (Delcídio Amaral, ex-PSDB) e na Câmara dos Deputados (Henrique Fontana, que apoiou Pont nas eleições internas). O Campo Majoritário perdeu 18 postos em relação à gestão anterior mas continua o maior agrupamento, com 34 lugares no Diretório, e pode contar
com os votos de cinco membros da chapa Socialismo e Democracia – grupo ligado à família Tatto e, pode-se dizer, à direita do Campo. Assim, são 39. Já a oposição contará com as dez cadeiras da Democracia Socialista, de Pont; dez da Articulação de Esquerda, do terceiro candidato à presidência melhor votado no primeiro turno, Valter Pomar; nove do Movimento PT de Maria do Rosário, quinta colocada no primeiro turno; sete do grupo que apoiou Sampaio e permaneceu no PT; duas da corrente trotskista O Trabalho; e uma da chapa Movimento Popular. Ao todo, 39.
INDEFINIDO Existem mais três cadeiras: duas da chapa mineira O Partido que Muda o Brasil, ligada ao deputado federal Virgílio Guimarães (MG), e uma da cearense O Brasil
Agarra Você. Pairam ainda muitas incógnitas sobre como será o comportamento do Movimento PT. Até o início do ano, quando Maria do Rosário decidiu lançar candidatura à presidência do partido, a tendência esteve junto do Campo Majoritário. Assim, jamais defender resolução de enfrentamento à política econômica atual e foi favorável à saída do PT da senadora Heloísa Helena (AL) e de outros três deputados federais que votaram, em 2003, contra a reforma da Previdência. No final desse mesmo ano, os quatro foram expulsos e, com exceção de João Fontes (hoje no PDT), fundaram o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), para o qual foram Plinio Arruda Sampaio e os outros quatro deputados que deixaram o PT. Pont acredita que mesmo a vitória de Berzoini não é a vitória do núcleo duro do antigo Campo Majoritário: “Ele assinou, com o Tarso (Genro, atual presidente), o Aloisio Mercadante (líder do governo no Senado), o Luiz Dulci (secretáriogeral da Presidência da República) e o Marco Aurélio Garcia (assessor especial da Presidência), um manifesto defendendo um congresso a curto prazo, o movimento pela refundação do PT e a retomada do debate programático”.
UNIDADE Os dois pontos de vista, no entanto, defendem o combate ao sectarismo dentro da esquerda, criticam a política econômica e têm claro que o principal inimigo é a direita e o imperialismo, e não o PT e o governo Lula. Em sua análise de conjuntura
de setembro, para o programa Outro Brasil, do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (LPPUerj), Emir Sader colocou que “a esquerda tem um grande desafio dentro de si. Mesmo considerando a derrota que significa para ela o governo Lula – que não rompeu com o modelo neoliberal e ainda se viu envolvido em graves acusações de corrupção –, a esquerda pode sair com força suficiente para reconstruir o perfil da esquerda brasileira. Para isso, precisa lutar para evitar uma segunda – e, nesse caso, irreversível – derrota: sua fragmentação, organizativa e política”. Pela reunificação, Sader sugere um seminário congregando todos na discussão de um modelo pós-neoliberal e na aprovação da lei que facilita a realização de plebiscitos e referendos. O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), em carta a seus eleitores justificando sua saída do PT, escreveu: “Saio tendo uma tarefa que julgo primordial, ao lado de valorosos companheiros militantes do PSOL, da esquerda do PT e junto com os socialistas de todos os partidos progressistas: formar um forte movimento pelo socialismo. Também integrarão tal movimento militantes sindicais e estudantis, do movimento popular, intelectuais, economistas e parlamentares do Norte ao Sul deste país, os quais querem criar um movimento de opinião pública, de ação e prática que garanta a formação política, que procure entender a realidade e lute para transformá-lo. Falo de um movimento suprapartidário de esquerda”. (LB)
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NACIONAL SAÚDE ANIMAL
Fatos em foco
Aftosa, barbeiragem do governo
Hamilton Octavio de Souza
Ministério da Fazenda senta em cima dos recursos destinados à saúde animal
Boi expiatório Governos e fazendeiros trocam acusações para ver quem é culpado pelo surto de febre aftosa no rebanho bovino do Mato Grosso do Sul, o que deve dar um prejuízo de um bilhão de dólares por ano ao Brasil. No entanto, todos sabem muito bem que as fazendas localizadas na fronteira com o Paraguai, onde apareceu o foco da doença, os pecuaristas costumam engordar seus rebanhos e seus lucros com o gado contrabandeado do país vizinho. Sem fiscalização estatal. Assalto desarmado Os principais bancos privados que operam no Brasil estão cobrando, em média, taxa de juros de 5,42% por mês para empréstimos pessoais, o que dá 88,46% ao ano; já os juros do cheque especial estão na média de 8,32% ao mês, 160,77% ao ano. Quem assalta quem? O governo Lula não tem nada com isso? Petróleo perdido O PSOL ingressou, na semana passada, junto ao Supremo Tribunal Federal, com pedido de suspensão do edital de concorrência pública da 7ª Rodada de Licitações de Bacias Petrolíferas, marcada para o início desta semana. O partido alega que a licitação está amparada em legislação inconstitucional. Na verdade, o edital representa mais um passo na entrega das riquezas naturais do Brasil ao capital privado nacional e estrangeiro. Resta saber o que será feito da licitação. Greve policial Consulta realizada no último Encontro Nacional de Delegados da Polícia Federal constatou o seguinte: o descontentamento com os salários é tão generalizado que 45% dos presentes defenderam a decretação de greve da categoria e 19% a adoção de operação padrão para pressionar as autoridades federais. Agora, as assembléias estaduais dos delegados devem definir a forma de luta por melhores salários. Inovação lingüística O ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, chamou o caixa dois do partido de “recursos não contabilizados”. Agora, o novo presidente do partido, Ricardo Berzoini, declara ao jornal Folha de S. Paulo que “existe caixa dois com corrupção e caixa dois sem corrupção”. Ou seja, pegos na contramão da história, os petistas resolveram criar conceitos inovadores para velhas práticas dos partidos e políticos da direita. Traição inaceitável Preso ao desembarcar no Equador, na última semana, o ex-presidente Lucio Gutiérrez responderá processo por ameaça à segurança nacional. Eleito em 2002, Gutiérrez ficou 825 dias na Presidência, rompeu aliança com movimentos indígenas, aproximou-se dos partidos de direita, alinhou-se com os EUA e acabou deposto devido a uma revolta popular. No exílio, passou por Brasil, EUA, Peru e Colômbia. Pura curiosidade Afinal, com quem está a administração do “caixa dois” do PT, em especial das supostas contas no exterior que pagaram o publicitário Duda Mendonça?
FEBRE AFTOSA: causada por inúmeros tipos de diferentes vírus contagiosos, pode liqüidar plantéis inteiros de bovinos, suínos, ovinos e caprinos. Contaminado, o animal é proibido de ir para o abate, não pode pastar, perde peso e produz menos leite. O vírus continua ativo na medula do animal, mesmo depois de sua morte. A doença se espalha pelo contato entre os animais, e pela contaminação do solo e da água. E o vento pode espalhar o vírus por até 90 quilômetros.
E
sperteza quando é demais, vira bicho e come o homem, diz o ditado popular. O presidente Lula entrou nessa fria em Portugal, ao dizer que o governo liberou a tempo recursos do orçamento para cuidar da saúde do gado brasileiro. No Mato Grosso do Sul, o plantel foi atacado por mais um surto (o segundo em dois anos) de aftosa, doença considerada fruto de incompetência dos governos com a prevenção da saúde animal consumida pelo ser humano. No mesmo momento em que tentava ser esperto, o presidente era desmentido pelos fatos. No Brasil, as informações dadas pelo ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, foram na direção contrária. Ele anunciava, que, no dia 13, conseguira, finalmente, liberação de R$ 78 milhões, para completar programa de vacinação do gado contra a aftosa e outras doenças.
OS FOCOS DA DOENÇA
EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS DE CARNE BOVINA em bilhões de dólares 2,4 Fontes: MDIC e Abiec
2,1 Tiago Queiroz/Agência Estado/AE
Brasil moderno A “lista suja” do Ministério do Trabalho denomina 180 fazendeiros e latifundiários que, comprovadamente, utilizaram trabalho escravo em suas propriedades rurais. Muitos deles continuam impunes e recebendo apoio de órgãos governamentais. No Brasil do neoliberalismo e do agronegócio, o trabalho escravo ainda é uma realidade medieval: só nos últimos 10 anos, de acordo com dados oficiais, foram libertados mais de 16 mil trabalhadores.
César Fonseca de Brasília (DF)
1,5
0,98
1
0,69 2000
2001
2002
2003
2004
2005 (Jan-Ago)
IRRESPONSABILIDADE Este programa, sabe-se agora, estava paralisado por falta de verbas, contingenciadas, como tantas outras, para, certamente, contribuir com formação de elevado superavit primário (receitas menos despesas, excluindo pagamentos de juros) para pagar serviços da dívida. Traduzindo: o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, guardião do superavit, sentou no orçamento de R$ 169 milhões estimados para a defesa sanitária em 2005. Desse total, diz Rodrigues, 40% foram contingenciados (R$ 67,6 milhões). A verba específica para combate à aftosa sofreu um corte de 80%. No Congresso, a bancada ruralista se irritou quando o presidente, fugindo de suas responsabilidades, transferiu a responsabilidade pela aftosa aos fazendeiros. O presiden-
te da Comissão de Agricultura da Câmara, deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO), rebateu imediatamente, lembrando que o cuidado com a saúde animal é tarefa constitucional de governo, tanto via liberação de verbas, como na fiscalização do cumprimento das leis. Intramuros, o titular da Fazenda admitia sua responsabilidade pelo novo surto da doença, além de reconhecer as suas conseqüências para o país e para o Mato Grosso do Sul em particular.
BUROCRACIA Dia 10, Lula chamou Palocci ao Planalto e cobrou, na frente de Rodrigues, liberação imediata do dinheiro. Vai sair? Três dias depois, em entrevista ao Bom Dia Brasil, da TV Globo, o ministro da Agricultura informava que o dinheiro
disponível para lidar com a aftosa se limitava a R$ 3,5 milhões. A liberação estaria condicionada à apresentação de plano de aplicação dos recursos. A novela tirou do sério o presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne, o ex-ministro Marcus Vinícius Pratini de Moraes. Na Alemanha, onde estava, declarou não entender por que dos quase 5 bilhões de dólares de exportações de carne, em 2005, não se poderia liberar R$ 100 milhões para cuidar da saúde do gado. A trapalhada do presidente na Europa mostrou uma primeira (e feia) derrapada da equipe econômica no trato de questão fundamental para a saúde das exportações brasileiras, braço mais forte da economia do país. Quer dizer, enquanto dependiam só do estí-
mulo externo decorrente do crescimento da economia mundial, os empresários, mesmo com a baixa rentabilidade proporcionada pelo câmbio sobrevalorizado, tocaram seus negócios. Perderam pique quando precisaram do governo. Que foi omisso. Não bastasse o desgaste da crise política, o presidente terá de suportar a reação dos governadores dos Estados produtores de gado, como Mato Grosso do Sul, Goiás, São Paulo e Rio Grande do Sul. Todos serão prejudicados pela suspensão das importações dos 32 países consumidores, principalmente Rússia, Inglaterra e Egito, os maiores compradores. De quebra, os efeitos da aftosa também vão respingar no partido do governo, o PT, às vésperas de um novo ano eleitoral.
PÓLO SIDERÚRGICO
Um projeto ameaça São Luís Ed Wilson Araújo de São Luís (MA) Militantes contrários à instalação do pólo siderúrgicio em São Luís, dia 11, fizeram manifestação nas escadas da biblioteca pública Benedito Leite, na Praça Deodoro. Integrantes do Movimento Reage, formado por várias entidades sindicais e populares, participaram do protesto na capital do Maranhão. Lideranças das comunidades da área pretendida pelo pólo e o comitê de estudantes, também contrário ao projeto, participaram da manifestação. O empreendimento, liderado pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), em parceria com a corporação chinesa Baosteel, visa instalar em São Luís, próximo ao porto do Itaqui, um complexo de três usinas e duas gusarias, em uma área de 2.471 hectares, onde moram cerca de 14 mil pessoas, agrupadas em 11 comunidades rurais. Cada usina teria capacidade de produzir 7,5 milhões de toneladas de aço por ano, totalizando 22,5 milhões de toneladas. Siderúrgicas deste porte, em ilhas, são rejeitadas por estudos técnicos de várias instituições científicas que alertam para os graves riscos ambientais e sociais, como a poluição do ar, do solo e do subsolo, além dos impactos causados pelo deslocamento de comunidades tradicionais. O projeto é defendido pelos governos federal e estadual, e acolhido pela Prefeitura de São Luís, com respaldo da quase totalidade dos
dores do Reage, a diminuição da área não resolve o problema, mas é um passo importante. “A Câmara já está tendendo a reduzir a área de 2.471 hectares para 1.000 hectares. Eu credito isso a uma vitória, à participação expressiva da população nas 11 audiências públicas, com cerca de 3 mil pessoas nos eventos. A maioria dos que foram às audiências é contra a implantação do pólo em São Luís. Mas mesmo a redução da área que está sendo anunciada pela Câmara de Vereadores – de três usinas para uma só – ainda é muito preocupante”, reitera.
CVRD
Obra eleitoral Várias entidades – entre as quais o Cimi, Caritas, CPT, Coiab – denunciaram o Ibama de ter “capitulado” diante das pressões das empreiteiras e de setores do governo federal interessados nas obras de transposição do Rio São Francisco, independentemente dos danos que venham causar ao meio ambiente. A luta por alternativas de combate à seca que atendam de forma mais abrangente a população mais pobre do Nordeste continua.
Projeto da Vale do Rio Doce representa ameaça à população
SÓ O COMEÇO meios de comunicação, que vêem nele oportunidades de geração de empregos diretos e indiretos, bem como um estímulo ao desenvolvimento do Estado.
ENTRAVES Para o empreendimento ser viabilizado, é necessário modificar a Lei de Uso do Solo Urbano, transformando a zona residencial rural em zona industrial. Nas 11 audiências públicas realizadas para debater o tema, o pólo foi rejeitado. A própria validade das audiências foi questionada porque os mapas da área apresentados pela prefeitura omitiram várias nascentes d’água, para atenuar o impacto na legislação ambiental. Atualmente, o projeto está em fase de tramitação em quatro comissões temáticas na Câmara de
Vereadores: Constituição e Justiça, Planejamento Urbano, Meio Ambiente e Saúde. O estudante de Jornalismo Jorge Luis Prado Correa, integrante do Movimento Reage, afirma que a Lei de Zoneamento não pode ser aprovada antes de ser discutido o Plano Diretor. “De acordo com o que está previsto no Estatuto das Cidades, o debate sobre o Plano Diretor deve ter ampla divulgação e participação popular com amplos segmentos da sociedade”, reitera Jorge Prado.
RECUO A participação das comunidades nas audiências públicas e a repercussão das ações do Movimento Reage levaram os defensores do projeto a propor uma área menor para o pólo. Para o advogado Guilherme Zagallo, um dos coordena-
Segundo Zagallo, após o trâmite na Câmara Municipal, o projeto ainda vai passar por mais quatro processos de licenciamento ambiental: do subdistrito siderúrgico, das indústrias, do Porto do Itaqui e da captação de água. As estimativas do pólo prevêem o gasto de 2.400 litros de água por segundo, correspondente a todo o consumo da população de São Luís, retirada do rio Itapecuru, já em adiantado estado de assoreamento e poluição. Os licenciamentos devem seguir o ritual de novas audiências públicas. “A luta contra a implantação dessas usinas em São Luís está apenas começando. A ilha não comporta mesmo uma usina siderúrgica, pelos impactos sociais e ambientais que esta instalação irá causar”, enfatiza o advogado Guilherme Zagallo.
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NACIONAL ARROMBANDO A PORTEIRA
Palocci entrega o jogo antes de jogar Agência Brasil
Como se falasse em nome de um país rico, o ministro defende proposta de abertura radical do mercado brasileiro Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
públicos que operam volumes mais expressivos de recursos). Trata-se, na prática, de “um seguro para um seguro”. A empresa resseguradora é que passa a responder pelo pagamento de indenizações, no caso de algum sinistro (um desastre natural, por exemplo), cobrindo a posição da empresa seguradora, responsável pelo contrato original com o cliente. Como se vê, é um mercado que movimenta cifras milionárias e mesmo bilionárias, um verdadeiro “filé” para grupos estrangeiros, diante das possibilidades de lucros que oferece e que o governo do Brasil pretende abrir em troca de bulhufas. O ministro parece ter se deixado levar pelo “canto de sereia” dos seus colegas mais ricos. Diz Palocci que os ministros do setor econômico têm uma tendência mais favorável à abertura de mercados do que seus equivalentes na área de relações exteriores.
N
uma jogada aparentemente ensaiada, em pleno campo do adversário, o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, não teve o menor pudor em defender a sua proposta de abertura radical do mercado brasileiro a bens, produtos e mercadorias industriais importadas. Desta vez, Palocci aproveitou uma reunião entre ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais das 20 maiores economias do planeta para ampliar um pouco mais sua proposta, incluindo o setor financeiro. Música para os ouvidos dos governos dos países mais ricos, que querem mesmo que as nações menos desenvolvidas escancarem seus mercados aos produtos que suas indústrias fabricam. De preferência, sem contrapartidas (ou seja, sem oferecer, em troca, a mesma coisa aos menos desenvolvidos). Desta vez, o ministro brasileiro cercou-se de alguma cautela e chegou a afirmar que o Ministério da Fazenda, segundo noticiaram os jornais, “tem uma visão muito clara” em relação ao processo de negociações comerciais entre países. E que, portanto, qualquer oferta de abertura do mercado estaria condicionada a concessões dos países mais ricos. Uma versão ainda a se confirmar, já que, no movimento seguinte, Palocci antecipou que poderá ser derrubada a exigência de um decreto presidencial para que bancos estrangeiros possam ter acesso ao mercado brasileiro.
FAZ-DE-CONTA
O ministro Palocci promete escancarar ainda mais o mercado brasileiro
pitais estrangeiros. Hoje, na verdade, empresas seguradoras já podem contratar o resseguro a grupos internacionais, desde q ue devidamente autorizadas pelo Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), que detém o monopólio virtual do setor no país.
BANCOS, RESSEGUROS... O ministro acrescentou, ainda, que o governo petista concordou em abrir o setor de resseguros a ca-
Para entender, o resseguro é exigido sempre que uma empresa seguradora fecha um contrato de grandes valores, superiores a suas reservas técnicas, com algum cliente (geralmente grandes empresas privadas e estatais ou organismos
Será mesmo? O governo dos Estados Unidos e a União Européia, supõe-se que com o apoio de seus ministros de finanças, apresentaram propostas à Organização Mundial do Comércio (OMC), que discute regras para facilitar o acesso a mercados e liberalizar o comércio mundial, de cortes de 60% e de 70% nos subsídios que ambos destinam a seus produtores rurais. Parece muito, não é mesmo? Então, por que o Itamaraty (o Ministério de Relações Exteriores do Brasil) continua a insistir em cortes ainda maiores? O sacrifício proposto pelos países ricos, coitadinhos, já não seria suficiente? Na verdade, tudo não passa de um jogo – que o ministro Palocci pretende entregar aos ricos antes de jogar.
Cada uma daquelas regiões registrou na OMC, há alguns anos, valores para os subsídios que pretendiam conceder à agricultura, assegurando o direito de subsidiar a produção sem serem contestados pelos demais países. O problema é que, tanto os EUA quanto a União Européia, claro, registraram valores muito acima do que realmente pagam anualmente a seus produtores, sob a forma de subsídios diversos. As propostas de redução desses subsídios levam em conta os limites fixados na OMC e, na prática, não cortam nada – ou melhor, numa imagem utilizada por diplomatas brasileiros, cortam água.
NADA EM TROCA Aos números. A União Européia está autorizada pela OMC a conceder subsídios de até 67,160 bilhões de euros (coisa aí de uns R$ 200 bilhões, por ano), mas distribui 24 bilhões de euros anualmente. A redução proposta, na verdade, atingiria meros 5% dos subsídios realmente concedidos. Nada ou quase nada, diante da proposta de Palocci (que reduz o imposto de importação de 35% para 10,5%, na média). No caso dos EUA, o governo poderia distribuir 19,1 bilhões de dólares (R$ 43 bilhões) aos seus produtores, mas utiliza 11,4 bilhões de dólares (R$ 25,6 bilhões). Estudos recentes mostram que, mesmo com o corte de 60% proposto, no total, os EUA ainda teriam espaço para conceder 17,180 bilhões de dólares (R$ 38,6 bilhões) em subsídios, o que significa uma redução também de 5% em relação aos 18,140 bilhões de dólares (R$ 40,8 bilhões) gastos na safra 2004/2005. (Leia também matéria da página 11)
CONJUNTURA
Emprego não cresce há quase um ano O desempenho incerto da indústria, que enfrenta uma espécie de gangorra neste ano, alternando fases de crescimento tímido e períodos de recuo puro e simples, não estimulou as empresas do setor a retomar as contratações. Em agosto, último dado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o total de empregos na indústria encolheu 0,1% em relação a julho, registrando estabilidade virtual na comparação com agosto do ano passado. Na análise do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o emprego setorial tem oscilado ao ritmo da produção industrial. Os números de agosto, segundo o Iedi, sugerem que o total de pessoas empregadas pela indústria não sofre variações relevantes desde setembro de 2004.
Para ser mais claro, na avaliação do organismo, os juros altos causam incertezas entre as empresas a respeito das possibilidades futuras de crescimento da economia, desestimulando a contratação de pessoal (já que os novos contratados correriam o risco de demissão nos meses seguintes, resultando em custos que não estariam dispostas a bancar). Para reverter esse cenário, o organismo empresarial volta a defender uma revisão radical da política de juros escorchantes, com uma aceleração na queda das taxas, iniciada no mês passado pelo Banco Central (BC). Uma mudança nesse sentido seria vista pela indústria como “uma sinalização mais clara de que a recuperação do crescimento veio para ficar”. Como resultado, as empresas poderiam “abreviar sua decisão de aumentar o emprego”. Até o momento, não é o que tem ocorrido. A produção industrial até cresceu ligeiramente em agosto (1,1% frente ao mês anterior, variação insuficiente para repor a perda de 1,9% verificada em julho). Mas o emprego, como visto, recuou 0,1%. Na comparação com agosto do ano passado, a produção avançou 3,8%, e o emprego apenas 0,3% (veja tabelas). No acumulado deste
FUTURO INCERTO Há quase 12 meses, portanto, praticamente não têm ocorrido contratações na indústria. “Esse baixo dinamismo do mercado de trabalho (na indústria) foi uma das principais decorrências da política de juros adotada desde o último trimestre do ano passado e que só há pouco meses começou a ser revertida”, analisa o Instituto.
Produção caminha à frente (Variação em %) Variáveis
Ago-05/ Jul-05
Ago-05/ Ago-04
Jan-ago 05/ Jan-ago 04
Acumulado em 12 meses
Produção
1,1
3,8
4,3
5,1
Emprego
-0,1
0,3
1,9
2,6
Horas pagas
0,3
0,4
1,5
2,3
Folha de pagamento
2,3
5
2,1
3,3
Fontes: Iedi/IBGE
ano, em relação aos primeiros oito meses de 2004, enquanto a produção cresceu 4,3%, o nível de emprego na indústria apontou variação de somente 1,9%. Nos 12 meses encerrados em agosto deste ano, a produção registrou taxas de crescimento quase duas vezes maiores do que o total de empregos. Na ponta do lápis, a
indústria produziu 5,1% a mais do que nos 12 meses terminados em agosto de 2004, mas ampliou o total de empregados em apenas 2,6%. Isso significa que a indústria tem produzido mais, com praticamente o mesmo número de empregados, ao ampliar o volume de bens e mercadorias produzidos por funcionário contratado. Por ora,
sem prever tempos melhores, as empresas têm preferido aumentar o número de horas pagas na produção (0,4%), ao invés de contratar mais, o que tem resultado um avanço real (ou seja, depois de descontada a inflação) da folha de pagamentos per capita (por empregado), de 5%, segundo o Iedi, com base em dados do IBGE. (LVF)
Vendas do comércio tropeçam Na ponta do varejo, os números mais recentes sugerem um menor impacto do crédito nas vendas, que registraram em agosto o primeiro declínio em seis meses. Na comparação com julho, houve um recuo de 0,38%, puxado pela queda de 2,4% nas vendas de tecidos, vestuário e calçados – segmentos diretamente influenciados pelo nível de renda do consumidor. Nos últimos meses, o avanço do volume de vendas, de uma forma geral, vinha sendo sustentado, basicamente, pelo aumento da oferta de crédito ao consumidor, com destaque para as linhas de financiamento com desconto em folha de pagamento. Em agosto, esse fator parece não ter prevalecido, indicando um possível esgotamento da influência do crédito sobre as vendas. Um dos principais alvos dos financiamentos, o setor de móveis e eletrodomésticos, registrou virtual estabilidade (+0,03%) no volume comercializado entre julho e agosto deste ano. Para contrabalançar, as vendas de combustíveis e lubrificantes, antes do mais recente au-
MENOR PRESSÃO DOS PREÇOS NO VAREJO (Variação em %) Ago-05/ Jul-05
Ago-05/ Ago-04
Jan-ago 05/ Jan-ago 04
Acumulado em 12 meses
Volume de vendas
-0,38
6,47
4,86
6,30
Receita
-0,32
9,98
11,27
12,50
Variáveis
Fonte: IBGE
mento de preços, haviam crescido 1,4% em relação a julho, seguidas de uma elevação de 0,5% no setor de hiper e supermercados, alimentos, bebidas e fumo. Isoladamente, as vendas dos super e hipermercados registraram variação de 0,5%. A comparação com agosto do ano passado é mais favorável, já que reflete um avanço de 6,5%, influenciado pelo salto de quase 17% nas vendas de móveis e eletrodomésticos – praticamente quatro vezes mais do que os 4% anotados pelos setores de super e hipermercados, alimentos, bebidas e fumo.
DESACELERAÇÃO A comparação entre o desempenho do volume de vendas e das receitas obtidas pelas lojas de varejo confirma a desaceleração recente dos preços, influenciando positiva-
mente as taxas de inflação. Em 12 meses, num dado “velho”, que inclui tendências que já não vigoram mais, verificadas entre o final do ano passado e o começo deste ano, o faturamento do varejo cresceu a uma taxa quase duas vezes maior do que o volume de vendas (12,5% diante de pouco mais de 6%). Em agosto, na comparação com o mesmo mês do ano passado, a diferença entre as duas taxas foi menor e, quando se leva em conta a relação entre agosto e julho, receitas e volume de vendas andaram no mesmo ritmo, com recuo de também 0,3% para o faturamento – o que reflete menor espaço para o comércio repassar elevações de custos para os preços finais de venda. (LVF)
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De 20 a 26 de outubro de 2005
NACIONAL DESARMAMENTO
Jovens, negros e pobres pedem “sim” A
poucos dias da realização do referendo que vai decidir, dia 23, sobre a proibição da venda de armas e munição no país, os brasileiros estão divididos. Pesquisa do Ibope divulgada dia 14 apontou que 49% dos brasileiros votariam “não” e 45% escolheriam o “sim”. O resultado é considerado empate, apesar da vantagem de quatro pontos percentuais, devido à margem de erro, que é de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos. Ainda segundo a pesquisa, eleitores homens, jovens, mais instruídos e com maior poder aquisitivo, moradores das regiões Sul, Norte e Centro-Oeste são os mais favoráveis ao “não”. Entre pessoas menos instruídas, com menor poder aquisitivo, e moradores da Região Nordeste estão concentrados os maiores índices de “sim”. As principais vítimas das armas de fogo no Brasil são, não por acaso, as mesmas que escolheriam o “sim”: pobres, jovens, negros e moradores de periferia e favelas das grandes cidades brasileiras. Nos últimos 25 anos, das mais de 600 mil pessoas mortas por armas de fogo no Brasil, 40% tinham entre 15 e 24 anos. Além disso, por ano, quase 40 mil brasileiros são assassinados com armas de fogo, a maioria pobre. É sabido que proibição do comércio de armas e munição no Brasil não é capaz de acabar com a criminalidade no país. No entanto, para os defensores do “sim”, é o primeiro passo. O problema da violência no Brasil está relacionado com a desigualdade social e econômica, com
Criminais mostram exatamente o oposto: a média de mortes em latrocínios (assalto seguido de morte) quando o assaltado estava armado é de 2,2, frente a 1,5 morte no geral.
NEGÓCIO LUCRATIVO
Nos últimos 25 anos, das mais de 600 mil pessoas mortas por armas de fogo no Brasil, 40% tinham entre 15 e 24 anos
o desemprego e com a precariedade das condições de vida.
ARGUMENTOS FALACIOSOS Texto do relatório anual produzido pela Organização das Nações Unidas (ONU), que mede o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 177 países, comprova: “A pobreza é parte do ciclo que cria e perpetua o conflito violento, que, por sua vez, é reforçado pela pobreza”. O Brasil, considerado um país de desenvolvimento humano médio, ainda ocupa a 63ª posição. Um dos argumentos dos defen-
Por que dizer SIM 1. Desarmar os criminosos – É verdade que parte do arsenal do narcotráfico e de parte dos criminosos tem origem ilegal, seja na polícia, no exército ou de outra forma. No entanto, uma significativa parcela tem origem no mercado formal de armas. Ou seja, se proibirmos sua venda, vamos combater as armas dos criminosos – Dois terços (61%) das armas apreendidas com criminosos no Rio de Janeiro nos últimos seis anos pertencem ou pertenceram aos chamados “cidadãos de bem’, sem envolvimento com o crime; (Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro); – Em São Paulo, das 77 mil armas apreendidas em 1998, 71.400 foram roubadas de seus donos originais e 5.500 extraviadas por eles (Polícia Civil de São Paulo). 2. Menos homicídios, um sistema de saúde melhor – O Brasil é o país onde mais se morre por arma de fogo no planeta, segundo a Unicef, à frente inclusive da Colômbia e de outros países em guerra civil. A situação no Brasil é de tamanha barbárie que o Sistema Único de Saúde (SUS) já considera as tentativas de homicídios como uma epidemia. Isso em função do enorme esforço que essas violências ao ser humano requerem do poder público, como a criação de leitos em UTIs, Prontos Socorros equipados. Se houvesse menos vítimas de armas de fogo, o SUS poderia usar sua estrutura para atender melhor a população. – O governo gasta cerca de R$ 140 milhões para tratar pessoas feridas por armas de fogo (SUS); – Mesmo assim, a taxa de mortos por homicídios triplicou no país;
Janeiro, entre 1993 e 2000, mais de cem mil armas foram roubadas. “A estimativa que nós fazemos é que cerca de 40 mil armas por ano caem nas mãos dos bandidos, por meio de furtos e roubos. Esse talvez seja um dos principais canais de abastecimento do mundo do crime”, alerta Marcos Rolim, jornalista e consultor em Segurança Pública e Direitos Humanos. A idéia de que um portador de arma está mais protegido diante de um assalto é outro argumento dos defensores do “não”. Porém, dados do Instituto Brasileiro de Ciências
sores do “não” é que, com o desarmamento, os chamados “cidadãos de bem” teriam seus direitos cerceados e ficariam à mercê dos bandidos. Pesquisa divulgada pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Rio de Janeiro revela a influência das armas de fogo adquiridas legalmente nos índices de criminalidade no Estado: 61% das armas usadas por criminosos no Rio de Janeiro foram compradas em lojas por pessoas sem antecedentes criminais. Ou seja, as armas usadas por criminosos são fabricadas legalmente. Ainda segundo a SSP do Rio de
As armas que mais matam no Brasil, além de migrar das mãos dos “homens de bem” para as mãos do criminosos, são, na maioria, produzidas pela indústria nacional. A empresa gaúcha Taurus-Rossi é responsável por 63% do mercado de armas no país. Financiadora da campanha do “não”, a Taurus-Rossi terá o faturamento comprometido caso o “sim” vença. Em 2004, a empresa faturou R$ 48, 1 milhões, 72% a mais do que no ano anterior. As armas representam 41% da produção total da empresa, dos quias 23% são destinados ao mercado civil. Segundo estudo do cientista político Gláucio Soares, o impacto econômico da proibição do comércio de armas é mínimo. As empresas armamentistas representam 0,048% da produção industrial do Brasil e 0,015% do Produto Interno Bruto (PIB). Menos do que a indústria de meias. Em propagandas veiculadas pela campanha contra o desarmamento, alega-se que a indústria armamentista emprega 40 mil pessoas. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de empregados é de 6.442, o que representa 0,02% dos empregos formais no Brasil. (Colaboraram Igor Ojeda, João Alexandre Peschanski, Jorge Pereira Filho, Luís Brasilino e Marcelo Netto Rodrigues)
Agência Brasil
da Redação
Agência Brasil
Pesquisa aponta empate no referendo. Os pobres são as maiores vítimas das armas de fogo
5. Uma sociedade menos militarizada – Os opositores do desarmamento argumentam que a proibição do comércio seria uma medida sem efeito, já que poucas pessoas compram armas no Brasil. Nada mais enganoso. – De acordo com o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), em 2004, foram registradas 53.811 novas armas de fogo compradas por civis no Brasil (Polícia Federal); – Entre 1979 e 2003, as vítimas de armas de fogo cresceram 461,8%, enquanto a população do país cresceu apenas 51,8%. – O Brasil tem 2,8% da população mundial, mas responde por 7% dos homicídios com arma de fogo em todo o mundo; 3. Menos mortes tolas – As armas de fogo são também uma oportunidade permanente de acidentes domésticos ou, então, de mortes por motivos fúteis, como brigas no trânsito, discussões, vingança. Proibir seu comércio significa preservar essas vidas.
6. Vamos zelar por nossos jovens – A maior causa de mortes de jovens no Brasil são as armas de fogo. – Jovens, entre 15 e 24 anos, são as principais vítimas das mortes por armas de fogo. Do total de vítimas
– A Austrália proibiu o porte de armas em 1996. Resultado: redução do número de mortes em 43% e da taxa de homicídios em 50%; – A Inglaterra restringe o acesso às armas de fogo. Conseqüência: apenas em 8% dos assassinatos usam armas de fogo; – O Japão também é adepto da proibição e registra as taxas de homicídio mais baixas do mundo: 0,03 em cada 100 mil habitantes.
DEMOCRACIA
Mais poder para o povo decidir Luis Brasilino e Jorge Pereira Filho da Redação
– Cerca de 40 mil pessoas são mortas anualmente no Brasil em decorrência do uso de armas de fogo, por motivos banais; – 70% dos homicídios são cometidos por pessoas que se conhecem. 4. Proibir as armas diminui a violência – A violência social no Brasil tem uma série de causas, entre elas, uma das piores distribuições de renda do planeta e um modelo social que impede a ascensão social. Mas se é verdade que a proibição da venda de armas não vai resolver de uma vez a questão da violência, poderá diminuí-la.
Familiares de vítimas defendem a proibição da venda de armas de fogo
em 2003, 206 mil estavam dentro dessa faixa etária. Só no ano de 2003, 41,6% dos casos registrados foram de jovens. (Unesco) – Entre os jovens, o crescimento do uso letal de armas de fogo entre 1979 e 2003 foi de 640,3%; – Em 1979, houve 2.208 mortes juvenis por armas de fogo, representando 31,6% do total de vítimas pr armas de fogo. Em 2003, os 16.345 jovens que morreram por balas de armas de fogo representaram 41,6% do total de vítimas; – No Brasil a probabilidade é 2,5 mais alta de um jovem morrer por arma de fogo (34%) do que num acidente de trânsito (14%).
A consulta popular sobre o desarmamento no dia 23 de outubro é o primeiro referendo da história brasileira. Em duas ocasiões (1963 e 1993), a população participou de um outro processo de consulta, os plebiscitos, para definir o sistema de governo no país e, em ambas, venceu o presidencialismo. De qualquer forma, ainda é muito pouco para a nossa democracia. “Precisamos lembrar que só temos democracia e República quando o povo se coReferendo X Plebiscito – O referenloca no centro do constitui a prática das decisões”, de consultar o eleitorado, por meio de argumenta o uma votação, para professor Fábio ratificar ou rejeitar Konder Compauma proposta de um órgão legislativo. rato, da FaculJá no plebiscito, a dade de Direito consulta é formulada antes do ato do da Universidade Parlamento. de São Paulo (USP), enfatizando que esse referendo representa um avanço ao transferir ao povo o poder de decidir sobre sua segurança.
A realização de mais consultas deste tipo – como também os plebiscitos – está no centro da campanha que Comparato coordena em defesa do poder popular. Atualmente, a Câmara dos Deputados discute um projeto proposto pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que facilita a convocação de plebiscitos e referendos. Essa proposta conta com apoio de diversos setores da sociedade, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT). O projeto enfrenta a oposição de parlamentares reacionários, mas pode ser aprovado se houver mobilização da sociedade em seu favor. Para o jurista, o próprio processo que antecede à votação tem um importante papel pedagógico, pois mostrará que o povo sempre esteve alijado das decisões políticas do país. “A população sentirá o gosto de participar desse processo e não vai quere mais deixar de ter este poder”, prevê o professor.
Ano 3 • número 138 • De 20 a 26 de outubro de 2005 – 9
SEGUNDO CADERNO ENCONTRO CONTINENTAL
As disputas da Cúpula das Américas Emilio Marin de Buenos Aires (Argentina)
A
menos de um mês da 4ª Cúpula das Américas, prevista para ocorrer entre 4 e 5 de novembro, em Mar del Plata, a relação entre Argentina e Estados Unidos entra em zona de definição: prevalece a unidade, mas subsistem discrepâncias quanto à Declaração Final e à Agenda. Os encontros anteriores foram marcados pela hegemonia neoliberal. A 1ª Cúpula, organizada pelos Estados Unidos, em 1994, ocorreu em Miami; a 2ª foi em Viña del Mar, no Chile; e a 3ª se passou em Quebec, Canadá. Agora, esta quarta edição, sem renegar esse passado do Consenso de Washington, não poderá deixar de refletir certos pontos de vista desenvolvimentistas devido ao matiz político que hoje têm os governos da Argentina, Brasil, Uruguai e, mais à esquerda, Venezuela. A disputa que corre nos bastidores da diplomacia é entre essa posição dos sócios do Mercosul e a dos velhos dogmas expressados na proposta estadunidense da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Há 34 mandatários convidados para a festa, com a notória exceção de Fidel Castro, eterno excluído das reuniões da Organização dos Estados Americanos (OEA). Cuba foi expulsa da organização em 1962, depois de uma pressão estadunidense aceita por governos
submissos que ainda hoje consentem com essa discriminação. Os participantes da 4ª Cúpula podem se agrupar, grosso modo, em três tendências: duas bem definidas e antagônicas e uma terceira que flutua por ambas. As duas primeiras são representadas pelos Estados Unidos e pela Venezuela. A posição conciliadora é expressa pela Argentina, cujo pêndulo ainda não está claro o quanto ficará próximo de Bush. Ocorre que o presidente Néstor Kirchner não pode ofender demasiadamente o líder bolivariano Chávez com quem firmou importantes acordos, como para a reparação e construção de barcos, aquisição de maquinaria agrícola, investimento petroleiro e compra de títulos da dívida pública argentina.
Marcelo Garcia
Venezuela duela com Estados Unidos em reunião com 34 países; já a anfitriã Argentina flerta com Bush melhores empregos” e mudanças no funcionamento dos organismos multilaterais de financiamento. A recente intervenção de Kirchner na Cúpula Mundial da ONU e na Assembléia Geral coincidiu com a do chefe do império quanto à necessidade da luta antiterrorista. Essa unidade foi matizada com referências a que essa luta deva ocorrer em um marco de multilateralismo e a preservação dos direitos humanos.
SEGURANÇA
EMBATE A trincheira de Washington insiste que a 4ª Cúpula das Américas faça a propaganda do livre-comércio, das desregulamentações e das privatizações definidas no Consenso de Washington. Para Bush, essa é uma boa política que falhou na sua implementação, pois alguns governos incorreram em defeitos de corrupção. Já os venezuelanos são partidários de um documento firme que questione as políticas intervencionistas dos Estados Unidos, defenda a autonomia dos povos e a construção dos espaços terceiromundistas como a Comunidade
Chávez e Fidel criticaram política imperialista de Bush na Cúpula das Américas
Sul-Americana de Nações, além de assinalar o fracasso das políticas do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Alca. Fazendo um equilíbrio entre essas duas posições, está a anfitriã da Cúpula, a Argentina, com uma terceira posição tão cara à história
do peronismo. Kirchner propõe um texto que promova o “trabalho decente” e “políticas ativas para erradicar a pobreza”. Em um nível internacional, postula um mundo menos desigual mediante “regras justas para as trocas”, “um modelo de desenvolvimento com mais e
GRITO CONTINENTAL
A segurança da 4ª Cúpula é outro motivo de agradecimento de Washington com os argentinos. Serão gastos 31 milhões de peso em segurança, além de 20 milhões com um cerimonial diplomático e 100 milhões em obras. O comando da polícia argentina tem sido mais que atento com os requerimentos do FBI e a CIA. Foi fixada uma ampla zona de acesso proibido para os manifestantes, que terão de enfrentar barreiras metálicas impenetráveis, além de 7,5 mil policiais. O Pentágono terá, ainda, à disposição até 8 mísseis inteligentes para abater eventuais naves intrusas. Essas concessões organizativas indicam que a Argentina até pode debater a pertinência do Consenso de Washington, mas sempre com o objetivo de melhorar a já “confiável” relação com o Norte. (Agência Latino-Americana de Informações, www.alainet.org)
SEMINÁRIO
Excluídos gritam para o continente Conferência resgata movimentos sociais da Redação
Vanessa Ramos do Rio de Janeiro (RJ)
políticas de governo que hoje dão incentivos para os produtos agrícolas estadunidenses entrarem na ilha. A população de Porto Rico reivindicou o fim do controle sobre seu território exercido pelos Estados Unidos. O país foi cedido pela Espanha aos estadunidenses em 1898. As atividades do Grito do Excluídos também se concentraram em apoiar e protestar contra a destruição do bairro San Mateo de Cangrejos, na capital do país, San Juan, feita a partir de um suposto plano de revitalização da área, à revelia da população local. Na Colômbia, o tema central das manifestações de 12 de outubro foi o repúdio à impunidade. Entre 1988 e 2003, o processo de aniquilação significou 14.472 crimes de lesa humanidade. Esses números são apenas um sinal que revela uma política de Estado com o objetivo de realizar o extermínio da diferença, e não são resultado de ações de paramilitares apenas. As organizações do Panamá aproveitaram o Grito dos Excluídos para protestar contra o projeto
de ampliação do Canal do Panamá, pleiteado pelos Estados Unidos. Mais de 100 mil camponeses terão de ser retirados de suas terras se o projeto for levado a cabo. No Equador, movimentos populares e indígenas fizeram uma manifestação em Quito para rechaçar a política neoliberal do governo de transição de Alfredo Palácio e a assinatura do Tratado de Livre Comércio Andino (TLC Andino), proposto pelos Estados Unidos também para Bolívia, Colômbia e Peru. Os movimentos querem também a suspensão do contrato com a petroleira Occidental que, sem autorização do governo equatoriano, estava explorando reservas de hidrocarburetos no subsolo do país. Já, no Chile, as manifestações do Grito dos Excluídos reuniram mais de 4 mil pessoas em Santiago, capital do país, na Marcha da Dignidade. Os protestos propuseram a unidade do povo Mapuche para enfrentar as políticas nacionais do Chile e da Argentina que desrespeitam seus direitos, e exigir também a libertação dos presos políticos.
Para transmitir conhecimento por meio das experiências sociais é que foi realizada, no Rio de Janeiro, a Conferência Internacional Pensamento e Movimentos Sociais na América Latina e Caribe, atraindo aproximadamente mil pessoas em seus quatro dias de evento, de 14 a 17 de outubro. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em parceria com o Grupo de Estudo da América Latina e Caribe (Gealc), trouxe para o campus da Universidade Federal Fluminense (UFF), no Rio de Janeiro, a primeira conferência reunindo intelectuais da área de movimentos sociais latino-americanos com objetivo de instruir “principalmente a formação política da massa popular brasileira”, afirma a coordenadora nacional do movimento, Marina dos Santos. O evento relembrou as transformações sociais e revolucionárias de líderes populares como Che Guevara e outros pouco estudados no Brasil como: Jose Carlos Mariátegui (Peru) e Augusto César Sandino (Nicarágua). Para resgatar esses
pensadores, a Conferência contou com a participação do cubano Bernado Pericas, da nicaraguense Mônica Baltodano e do colombiano Jaime Caycedo, entre outros. Os quatro dias de trabalho da Conferência se dividiam entre as manhãs com místicas e palestras e as tardes com debates, filmes, músicas e lançamentos de livros. Grupos de diversos Estados como Bahia, Maranhão, Pernambuco e Minas Gerais estiveram presentes.
CRÍTICAS Não faltaram críticas à política imperial e neoliberal dos Estados Unidos que, na opinião do colombiano Caycedo, é a responsável pelo narcotráfico em seu país, pois os cinco anos do “Plano Colômbia” contribui para manter a situação do jeito que está. Para a palestrante cubana Maria Del Carmen, “o evento é fundamental para entender o modelo de globalização atual.” Segundo José Luiz, um dos organizadores e integrante do Gealc, a experiência não se resumirá ao evento realizado no Rio de Janeiro. “Vamos tentar nacionalizar e socializar essas informações levando a Conferência para outras universidades públicas”, promete.
Vanessa Ramos
As populações dos países latino-americanos participaram em 12 de outubro do já tradicional Grito dos Excluídos Continental. Cada povo trouxe para esse movimento hemisférico as lutas específicas que travam em suas nações, o que confere um caráter articulador no continente para a resistência e as reivindicações por uma sociedade mais justa. Uma das novidades das manifestações foi a realização de protestos nos Estados Unidos, na Espanha e também na Holanda, que recordaram a data do Grito dos Excluídos. O tema da legalização dos imigrantes foi a principal bandeira desses atos. Veja, abaixo, um breve relato das mobilizações do dia 12 pela América Latina. Na República Dominicana, as pessoas saíram às ruas para gritar, principalmente, por duas exigências: o direito à moradia e contra o Tratado de Livre Comércio da América Central (Cafta, na sigla em inglês), que está sendo negociado com os Estados Unidos e outros países da região. Uma série de projetos de maquiladoras está sendo implantada na ilha e muitos moradores perdem suas moradias nos desalojamentos feitos pelo governo. Boa parte dos cidadãos não tem documentos comprovando a posse do imóvel. Estima-se que mais de 1 milhão de pessoas estejam ameaçadas de despejo nos próximos meses em função de obras de infra-estrutura. Os protestos exigiram o fim dos despejos forçados contra comunidades já estabelecidas e requerem também a aprovação imediata de uma Lei de Titulação de terra. No Haiti, o Grito foi pela autodeterminação e contra o pagamento da dívida externa. Os movimentos locais protestaram contra a ocupação militar do país, mantida por uma missão da Organização das Nações Unidas (ONU), capitaneada pelo Exército brasileiro. Os haitianos também cobraram a reversão das
Conferência reuniu intelectuais ligados aos movimentos sociais latino-americanos
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De 20 a 26 de outubro de 2005
INTERNACIONAL ENTREVISTA
Outra globalização é possível Nestor Cozetti
Nestor Cozetti, Mário Augusto Jakobskind e Maria Luiza Franco do Rio de Janeiro (RJ)
Paulo Pereira Lima
O cientista político Atílio Boron fala de uma alternativa livre da lógica mercantil para integrar a América Latina
E
m visita ao Rio de Janeiro para participar do Seminário Internacional Alternativas à Globalização, de 8 a 13, e da conferência internacional Pensamentos e Movimentos Sociais na América Latina e Caribe: Imperialismo e Resistência, de 15 a 17, o cientista político argentino Atílio Boron fez uma análise do que o linguista Noam Chomsky chamou de “meios de desinformação de massas”. Segundo ele, esses meios desinformam, com notícias que não interessam a ninguém, e escondem as notícias mais importantes. Ao comentar, nesta entrevista ao Brasil de Fato, a democracia na América Latina, o professor disse que “o modelo político cubano – que a grande imprensa chama de ditadura – é muito mais democrático do que as plutocracias (governo dos ricos) e oligarquias (governo de alguns) que surgem do sufrágio universal, mas que representam os interesses das minorias endinheiradas”.
Atílio Boron, PhD em Ciência Política pela Universidade de Harvard, é professor da Universidade de Buenos Aires e secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso). Entre suas obras estão Mercado contra Democracia no capitalismo contemporâneo (Vozes, 2002), Filosofia Política Marxista (Cortez, 2003). No Fórum Social Mundial 2005, representantes dos movimentos sociais defendem integração e solidariedade entre os povos
querem, e o Brasil presta muita atenção nos capitalistas que dominam a economia mundial... em vez de avançar decididamente no aprofundamento das relações com Chávez, o país anda muito lentamente nessa direção. Por isso, a Venezuela está acompanhada somente pelo presidente cubano Fidel Castro. E, como todos sabem, e Fidel já repetiu muito, Cuba é um país pequeno e subdesenvolvido. Com uma enorme vocação de transformação social, que faz milagres mesmo em face do bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos. Mas que não pode tomar a iniciativa num processo como esse. Toma-a Chávez, mas precisa de parceiros que estão atuando com muita lentidão.
BF – É isso que pode se chamar de solidariedade? Boron – Sim, uma solidariedade concreta, não retórica. Ou seja, quando Chávez disse: “Vou garantir aos países do Caribe petróleo abaixo do preço internacional, porque o combustível tem que ser um elemento civilizatório que permita a todos viver melhor”, está demonstrando que os países podem dar um passo muito importante nessa direção. Se ele fosse acompanhado com essa mesma força pelo Brasil, pela Argentina e pelo México, as mudanças na América Latina seriam enormes. Essa é uma direção alternativa para a globalização.
A relação entre o Brasil e a Venezuela é estratégica. O Brasil ganharia muitíssimo fortalecendo essa relação BF – Os governos da Argentina, Brasil e Uruguai, mais progressistas, não podem apoiar mais ativamente a Venezuela? Boron – Hoje, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sobretudo no terreno da política econômica, é um dos mais neoliberais da região. Muito mais do que os da Argentina e do Uruguai. Então, esses governos não estão acompanhando Chávez como deveriam. Ouvi dizer que ele insistiu em fazer acordos vantajosos para o Brasil, que só agora começou a aceitá-los. Porque a relação entre o Brasil e a Venezuela é estratégica. E o Brasil ganharia muitíssimo fortalecendo essa relação. Mas, como os Estados Unidos não Paulo Pereira Lima
Brasil de Fato – Qual a alternativa para a América Latina face à globalização? Atílio Boron – Eu creio que a forma de globalização que temos hoje não é a única possível. Ou seja, o formato dessa globalização obedece a uma repartição do poder mundial imposta pelo capital financeiro. Porém, os que estudam esse tema sustentam, com razão, que é possível uma outra forma de globalização. No meu entender, o pior, no movimento que propomos a essa globalização, seria nós nos retirarmos dela. O que significaria voltar ao passado. Isso é absolutamente impossível. É como se na época da Revolução Industrial quiséssemos voltar às velhas formas de produção da época pré-industrial. É impossível voltar atrás. A globalização chega para ficar. A pergunta que deve ser feita é: quais são os globalizadores? São o capital estrangeiro, os países mais ricos, as classes dominantes dos nossos países da América Latina. Pensamos que há outra globalização possível. Uma globalização solidária, que preserve o ambiente, a natureza e o planeta Terra. Que uniformize os direitos sociais e trabalhistas de todos os homens e mulheres. Isso depende de uma correlação de forças, neste momento. Em outro plano, tem-se a experiência da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) na América Latina, que tenta impor essa globalização quase como um estatuto constitucional. E tem como outra possibilidade a Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), proposta pelo presidente venezuelano Hugo Chávez. Assim, é possível estabelecer um esquema altamente globalizado, de intercâmbio de produtos, mas numa lógica não mercantil.
Quem é
Só se tem poder real com o respaldo popular organizado, defende Boron
BF – Essa lentidão não tem a ver com a difusão de informações que criam instabilidade na sociedade? Boron – Claro, assim são os meios de informação na América Latina, quase todos dominados pelos setores mais reacionários de nossos países. O objetivo fundamental desses veículos não é informar as pessoas, fazer com que pensem. Ao contrário. Por isso, o linguista estadunidense Noam Chomsky, em vez de dizer “meios de informação de massas”, fala de “meios de desinformação das massas”. O objetivo é desinformar. E a mídia desinforma com notícias que não interessam a ninguém, além de esconder as mais importantes. Ou dá uma informação parcial. Em todo caso, há um mecanismo pelo qual, na medida em que os EUA consideram a Venezuela um inimigo, um país que pode ser cúmplice do terrorismo, isso exerce um efeito paralisante sobre os governos que não têm uma vocação séria de mudanças. Senão poderiam dar de ombros ao que dizem os estadunidenses e fazer as políticas que lhes convêm. Eu tenho grandes dúvidas de chamar esses nossos governos de democráticos. São mais plutocracias (governo dos ricos) e oligarquias (governo de alguns). Governos que surgem do sufrágio universal, mas que representam os interesses das minorias endinheiradas. Que governam para essas minorias. Não é um acidente da divina providência que o capital financeiro dos grandes bancos no Brasil obtenha os maiores lucros da sua história. Foi obra de homens. Quais? Dos que governam. Que optaram por favorecer os lucros dos banqueiros em detrimento do Programa Fome Zero.
BF – O senhor acredita que esses governos, particularmente o do Brasil, só possam se modificar sob pressão popular? Boron – Na América Latina, nos últimos anos, as mudanças importantes não foram produzidas pelas vias institucionais, mas quando a gente saiu às ruas. Como foram as Diretas Já e a derrubada do ex-presidente Fernando Collor de Melo, no Brasil. Ou a saída do ex-presidente Alberto Fujimori, no Peru. Os três presidentes que foram derrubados por mobilizações populares no Equador. Dois presidentes na Bolívia. A saída de Fernando de la Rua na Argentina. Tudo feito pelas massas. Isso revela que na América Latina a institucionalidade política não tem nenhuma eficácia para resolver as crises.
Há outra globalização possível. Uma globalização solidária, que preserve o ambiente, que uniformize os direitos sociais BF – Por meio das eleições, então, não muda nada? Boron – Não muda nada. E o Brasil acaba de demonstrar com a eleição de Lula. O governo do PT tinha uma única arma que podia utilizar e não o fez. Imagine se, assim que chegou ao governo, Lula tivesse convocado o povo para um referendo, dizendo: “Senhores, eu fui obrigado a assinar essa Carta aos Brasileiros, mas fomos enganados. A realidade brasileira mostra um grau de dependência e submissão ao capital financeiro que é ruinosa para o Brasil. E temos que tomar uma decisão drástica: romperemos com esse sistema e avançaremos por outro caminho. E isso eu não posso resolver sozinho. Vou consultar o povo para que decidamos. Se seguimos como estamos ou mudamos de caminho”. Lula não fez isso. Custou-lhe o governo. O poder real só se tem com o respaldo popular organizado e mobilizado. BF – Os movimentos sociais representam uma saída? Boron – A única saída, não existe outra.
BF – Como o senhor vê as democracias em nossos países latinoamericanos? Boron – Vejam o exemplo do modelo político cubano, que muitos consideram incompatível com a democracia. É um modelo que contém elementos democráticos muito mais profundos do que os que encontramos nas outras democracias. Porque há um traço fundamental na democracia: a redução da distância existente entre governantes e governados. Em nossos países, ditos “democráticos”, porque não o são, essa distância é imensa. Em Cuba, ela é absolutamente mínima. E isso foi reconhecido em uma assembléia do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso), em 2003, por um dos maiores pensadores do liberalismo político contemporâneo, que é o professor Robert Dall, da Universidade de Yale. Ter um sistema bipartidário é uma das bobagens mais difundidas na América Latina. Vejam o exemplo estadunidense. Como disse Noam Chomsky, sobre as últimas eleições presidenciais nos EUA, podia-se escolher entre dois grupos de supermilionários que iriam governar o restante da sociedade. Isso porque tanto George W. Bush quanto seus oponentes são todos supermilionários. Assim, Cuba, com um só partido, é muitíssimo mais democrática. Mas os EUA têm também partido único. A menos que demonstrem que republicanos e democratas representem opções diferentes de organização econômica e social, o que têm são duas equipes que realmente funcionam para os mesmos grupos dirigentes e nada mais. Claro que em Cuba eles não têm muitas coisas para comprar, como indivíduos. Mas como coletividade têm alimentação, saúde e educação asseguradas, estas últimas entre as melhores do mundo. E produzem uma população melhor preparada pelo que se pode ver pelas incontáveis medalhas de ouro que ganham nas olimpíadas e jogos pan-americanos. Esses são indicadores da qualidade de vida democrática. E isso não é dito pela grande mídia, que sobre Cuba só diz mentiras, como quando escrevem que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é um grupo insurrecional de guerrilheiros. Mentiras apresentadas de tal maneira que, para o leitor desinformado, parecem verdades.
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INTERNACIONAL CONSTITUIÇÃO IRAQUIANA
Resultado do referendo: fraudes Enquanto isso, os governos iraquiano e estadunidense manobram para condenar Sadam Hussein à morte, rapidamente A proposta de Constituição, cuja redação foi aprovada pelo Parlamento em agosto, defende a adoção de um regime federalista no Iraque. Ou seja, autonomia para cada província definir leis, programas políticos e relação com as tropas que ocupam o país, lideradas pelo governo estadunidense, desde 2003.
CMI
João Alexandre Peschanski da Redação
A
TEXTO PRÓ-EUA
Diversos atentados acompanharam a votação do referendo sobre a nova Constituição do Iraque, imposta pelos EUA
que suspeitou dos resultados, que apontam vitórias esmagadoras de uma das opções do referendo. Nas províncias controladas por políticos curdos ou xiitas, a aprovação da Constituição superou 95%.
Considerando “estranho” o resultado, mas sem falar na possibilidade de fraude, al-Hindawi ordenou a recontagem. A decisão do diretor da CEI retardou a apuração final dos votos,
Julgamento de cartas marcadas
LIVRE-COMÉRCIO
Palocci costura rendição do G-20 na OMC Jorge Pereira Filho da Redação
O veredicto de Sadam Hussein, ex-ditador iraquiano, está decidido. Culpado! E o julgamento só está previsto para começar no dia 19. Para Jalal Talabani, chefe do governo iraquiano, não importa. Em entrevista coletiva, ele declarou que Hussein confessou inúmeros assassinatos e “merece ser executado 20 vezes”. Após o julgamento, Talabani é responsável pela ratificação de uma eventual sentença de morte do ex-ditador. Hussein, e sete de seus generais, é suspeito de ordenar o massacre de 143 pessoas, no vilarejo Dujail, ao norte da capital Bagdá, em 1982. Durante o julgamento, os advogados de acusação devem citar outros massacres dos quais o ex-ditador é suspeito de ter participado. De acordo com entidades de direitos humanos, Hussein, que governou o Iraque de 1979 a 2003, se envolveu em 300 mil assassinatos. O julgamento ocorre no Tribunal Especial Iraquiano (TSI), cuja localização, assim como a identidade de seus cinco juízes, é mantida em segredo, por motivos de segurança. Não há previsão para o fim do processo. O TSI foi instituído por Paul Bremer, que administrou o Iraque quan-
Palocci foi endossada por ninguém menos que o mininistro mexicano Francisco Gil Díaz, do governo de Vicente Fox, incondicional aliado do estadunidense George W. Bush. O ministro brasileiro afirmou no encontro que o governo Lula está disposto a abrir seu setor de seguros para empresas estrangeiras. Detalhe: a proposta de Palocci não é consenso nem no próprio governo Lula. No dia 19 de setembro, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) não aprovou a sugestão do Ministério da Fazenda de que o Brasil leve para a reunião da OMC, em dezembro, uma posição de cortar substancialmente os impostos sobre produtos industriais importados. Enquanto isso, os movimentos sociais rurais brasileiros seguem tentando mudar a posição do governo, que dialoga apenas com os empresários reunidos na Coalizão Empresarial para definir sua proposta na OMC. Em um manifesto divulgado no início de outubro, diversas organizações sociais – entre elas, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura (Contag) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) – exigem que o governo defenda na OMC a soberania e a segurança alimentar do Brasil. Um dos pontos de reivindicações dos movimentos é de participação na negociação, além da cobrança sobre os representantes brasileiros para que mantenham a sociedade informada de seus desdobramentos. Para as organizações, o governo deve rejeitar toda proposta que coloque limites à sua ação no sentido de proteger a agricultura familiar e camponesa de importações, como a elevação de impostos.
Países do G-20 defendem a soberania e a segurança alimentar frente aos ricos
do o governo estadunidense iniciou a ocupação do país, em 2003. Os Estados Unidos gastaram 138 milhões de dólares para a construção do TSI. Em nota oficial, no dia 18, um dos advogados de Hussein, Ziad alKassauneh, afirmou que o Tribunal é uma farsa. “O julgamento é ilegal, pois o Iraque é um país ocupado. Tudo é ilegal: o atual governo, o tribunal especial e a Constituição, votada no dia 15. A única força legal é a resistência iraquiana”, disse. Ele criticou as humilhações que Hussein passou durante os 22 meses em que
esteve preso, como a veiculação de fotos em que o ex-ditador aparece de cueca. As denúncias do advogado são reforçadas pelo relatório “O Antigo Governo Iraquiano no Banco dos Réus”, publicado pela entidade estadunidense Human Rights Watch (do inglês, Monitoramento de Direitos Humanos), no dia 16. Acusam o TSI de não garantir condições para um julgamento justo, deixando o processo ser manipulado por grupos com interesse político na condenação de Hussein. (JAP)
Advogados de Sadam Husseim acusam Bush de destruir o país
INVASÃO DO IRAQUE
Esquerda quer apurar participação da Holanda Mario de Freitas de Hilversum (Holanda)
CMI
O ministro da Fazenda, Antônio Palocci, está buscando apoio internacional para sua mais nova investida: reduzir de 35% para 10,5% as tarifas brasileiras sobre os produtos industriais importados, uma medida que teria um efeito desastroso para o parque fabril nacional e a geração de empregos. No último dia 15, na cidade chinesa de Xianghe, Palocci e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, participaram de uma reunião com os ministros da Fazenda e presidentes das autoridades monetárias de outros 13 países subdesenvolvidos que compõem o G-20. Esse grupo de nações nasceu em uma reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), sob articulação do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, defendendo o bloqueio das negociações se os países ricos – sobretudo União Européia e Estados Unidos – não fizessem significativas concessões em relação ao fim dos subsídios pagos a seus exportadores agrícolas. O principal argumento do chanceler brasileiro, Celso Amorim, era que havia um “déficit negociador” por parte dos ricos, ou seja, os outros países já tinham cedido demais até o momento e era hora de esperar um movimento por parte dos europeus e dos estadunidenses. Palocci, no entanto, segue na direção contrária. No encontro com o G-20, o ministro brasileiro defendeu que os países do grupo sinalizem concessões expressivas em suas políticas industriais para “sensibilizar” as nações ricas e, assim, conseguir o corte dos subsídios. A posição de
cuja totalização estava prevista para o dia 18. Até o fechamento deste jornal, nessa mesma data, os resultados não tinham sido divulgados. The New York Times dava como certa a aprovação da Carta.
Em setembro, em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Ghali Hassan, responsável pelo acompanhamento da situação no Iraque para o Centro de Pesquisa sobre Globalização, sediado no Canadá, denunciou a intervenção de representantes estadunidenses na elaboração da Carta. No documento, não há menção à ocupação do país. Para ser ratificada, a Constituição deve ser aprovada em 16 das 18 províncias iraquianas. Até o dia 13, lideranças sunitas, que controlam três regiões, posicionavam-se contra a Carta. Após um encontro com representantes das outras etnias e funcionários estadunidenses, mudaram sua linha e começaram a defender o documento. (Com agências internacionais)
CMI
população do Iraque fez sua parte. Compareceu, em peso, para votar no referendo sobre a Constituição do país, realizado no dia 15. De acordo com a Comissão Eleitoral Iraquiana (CEI), 61% dos 15,5 milhões de eleitores participaram da votação. A população total é estimada em 26,1 milhões de pessoas. A participação popular, maior do que no pleito presidencial de 30 de janeiro, quando 55% dos eleitores votaram, não vai ser levada em conta. O resultado do referendo parece estar previamente decidido, após a realização de um acordo entre lideranças das três principais etnias iraquianas – curda, sunita e xiita. É o que denunciam entidades norteamericanas e européias que acompanharam a realização e a apuração dos votos. Os primeiros resultados, veiculados pelo jornal estadunidense The New York Times, no dia 18, comprovam as denúncias. Em metade das 18 províncias iraquianas, o diretor da CEI, Abdul al-Hussein al-Hindawi, pediu a recontagem dos votos. Por-
“A invasão anglo-estadunidense ao Iraque não foi uma ação razoável, inteligente”. Esta frase, pronunciada na Câmara dos Deputados, em Haia, no último dia 12, está ressoando nos Países Baixos. As agudas palavras foram pronunciadas pelo ministro das Relações Exteriores da Holanda, Ben Bot. Se estão repercutindo em todo o país, certamente terão conseqüências internacionais. Vale lembrar que o ex-secretário de Estado norte-americano, Colin Powell, também se retratou de sua participação naquela invasão, nas Nações Unidas, quando apresentou um falso relatório sobre armas de destruição massiva no Iraque. Segundo Powell, aquela farsa deixou uma mancha em sua carreira política. É certo que o ministro tentou suavizar suas palavras ao afirmar que, olhando para trás, talvez não tivesse sido prudente a invasão. Segundo ele, havia outros meios para dissuadir Sadam Hussein da construção de
poderosas armas químicas ou bacteriológicas. Dois anos e meio depois da ocupação, ainda não se encontrou nenhuma evidência de que Sadam Hussein tivesse essas armas ou que tivesse tentado fabricá-las. Com eleições na Holanda no próximo ano e as pesquisas apontando o crescimento dos partidos de esquerda e dos sociais-democratas, a declaração de Bot parece vir no melhor momento para esfriar um dos pontos-chave do debate da campanha eleitoral. “Os estadunidenses e britânicos que se virem sozinhos com o problema que criaram no Oriente Médio”, parece ser a maneira de pensar do ministro. Diplomaticamente, Bot se diz arrependido das decisões tomadas por seu país e confessa que talvez tivessem uma solução melhor que a invasão de março de 2003. Segundo o ministro, a avaliação agora é muito importante para o futuro. E aponta em direção ao Irã e à questão atômica. Ben Bot se pergunta se a informação que recebe é confiável. E disparou em seguida, que, “desta vez
vamos analisar a situação com cuidado, antes de se tomar uma decisão”.
ESQUERDA QUER CPI Após as declarações do ministro das Relações Exteriores da Holanda, o Partido Esquerda Verde quer interrogar o primeiro-ministro holandês, Jan Peter Balkenende, sobre a invasão do Iraque. A líder do partido na Câmara dos Deputados, Farah Karimi, vai entrar com uma moção pedindo uma investigação independente. Os liberais e os democrata-cristãos também estão irritados com o ministro. Van Baalen, porta-voz do VVD, agremiação dos liberais, disse que as observações do ministro foram “superficiais, brutas e especulativas”. Um deputado do partido democrata-cristão disse que era “desnecessário” o ministro fazer essas declarações neste momento, anos depois da invasão. Já os socialistas ficaram contentes e disseram que as palavras do ministro não devem ser interpretadas como uma condenação sobre a invasão do Iraque.
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INTERNACIONAL ENTREVISTA
“Socialismo não significa pobreza” Maria Luiza Franco, Mário Augusto Jakobskind e Nestor Cozetti do Rio de Janeiro (RJ)
Fotos: CMI
Intelectual fala da adaptação chinesa dos princípios socialistas e das formas de produção organizada no país
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onge de significar resignação ou pacificação, a paciência chinesa pode ser traduzida como uma eficaz compreensão da realidade, que sabe fazer a hora a partir da perspectiva dos seus próprios acontecimentos. Essa concepção, expressa no “socialismo do tipo chinês”, foi explicada por Gao Xian, diretor do Centro Chinês para estudos do Terceiro Mundo e integrante da Academia de Ciências Sociais da China, que participou do seminário internacional “Alternativas à globalização: potências emergentes e os novos caminhos da modernidade”, sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável (Reggen), realizado pela Universidade das Nações Unidas, de 8 a 13, no Rio de Janeiro. Xian conversou com o Brasil de Fato sobre as mudanças que estão ocorrendo na China, país que, segundo ele, “botou em marcha a idéia de primeira etapa do socialismo com características específicas chinesas, o que significa fazer a ligação entre a realidade concreta da sociedade da China e as teorias socialistas”. Brasil de Fato – O comércio e a grande imprensa ocidental afirmam que os produtos chineses, como têxteis e sapatos, por exemplo, são baratos em decorrência dos salários irrisórios e da falta de leis de proteção trabalhista na China. Essa avaliação é verdadeira? Gao Xian – Antes, gostaria de esclarecer que não falo em nome do governo da China, mas como um acadêmico. É verdade que os salários são mais baixos do que em outros países e as leis trabalhistas, embora existam, talvez não sejam as melhores, nem tão completas. Mas temos lei contra trabalho infantil, regulamentação do salário-mínimo, pagamento de horas trabalhadas, férias de primavera e inverno – se alguém precisa trabalhar nesses períodos, recebe entre duas e quatro vezes mais. BF – Quanto é o salário-mínimo na China? Xian – Eu não sou especialista no assunto. Eu sei que existe salário-mínimo na China mas não sei dizer quanto é. E é preciso dizer que essas leis trabalhistas ainda não estão em vigor em todo o país. Recentemente, li um artigo sobre trabalhadores que não reivindicam hora extra porque têm medo de perder o emprego. BF – Então, quais seriam as causas do baixo custo de produção na China? Xian – O aumento de produção e exportação dos produtos chineses não é resultado dos fatos mencionados na pergunta. Um jornalista estadunidense ou inglês, não lembro, investigou as causas desse enorme volume de produção e exportação. Ele visitou muitas aldeias, vilas e cidades, como Guangdong, e concluiu que a causa era o bom desenvolvimento da organização da produção na China. E isso não foi algo trabalhado pelo governo, mas natural, que resultou da transformação que está acontecendo no país. A China tem formado um sistema de produção muito efetivo. Cada parte do processo de produção é realizada em diferentes lugares do país, de modo muito organizado. Por exemplo, as camisas. Os botões, o fio, o zíper, cada componente da produção é produzido em uma aldeia, cidade ou
Na China, cada parte do processo de produção é realizada em diferentes lugares do país, de modo muito organizado, informa o professor Gao Xian
vila. Uma aldeia inteira produz o botão; outra, o fio. Cada parte da camisa é dividida geograficamente. E não é só um lugar que pode produzir determinada parte. Os gerentes do processo podem escolher mais vilas, cidades ou aldeias para produzir botões e todos esses espaços fabris estão prontos para atender imediatamente às demandas do mercado externo, tanto em quantidade quanto em estilo. Se o cliente muda o desenho do produto, eles estão prontos a responder a essa mudança. Mesmo em relação a grandes produtos, como carros e máquinas, em qualquer lugar do país há trabalhadores especializados e locais de trabalho especializados. A cidade de Yiu, em Zhijiang, região leste da China, é hoje conhecida como o “quartel-general mundial das mercadorias pequenas”. Não é só o Ocidente que importa sua produção. Empresários da Rússia e de todo o Leste Europeu vão até lá comprar. Todo o tipo de mercadoria pequena que você imaginar, encontra em Yiu: brinquedos e camisetas são produzidos em casa, e nas horas vagas, por famílias de camponeses, a partir de encomenda e obedecendo as especificações do comprador. Então, é um suprimento ilimitado em quantidade, qualidade e estilo nesse sistema de produção. Com isso, as famílias podem ganhar muito dinheiro. No passado,Yiu era conhecida por produzir mercadorias falsificadas de marcas famosas. Os líderes da cidade fizeram tudo para mudar essa imagem. Conseguiram, mas não posso afirmar se não há mais produtos falsificados (risos).
Pode haver mercado capitalista e mercado socialista, assim como pode haver planificação na sociedade capitalista BF – Na palestra de abertura do Seminário, o vice-presidente da Academia de Ciências Sociais da China, professor Li Shenming, afirmou que o socialismo está crescendo em todo o mundo. Baseado em que exemplos ele fez essa declaração e como a China vê as lutas em favor do socialismo, hoje, na América
Latina? Xian – Vou falar em meu nome e dar a minha opinião. Depois das mudanças no Leste Europeu, o mundo ocidental falou muito sobre a luta entre capitalismo e socialismo, que teria resultado na vitória do capitalismo. Eu acho que hoje o socialismo está em baixa no mundo, embora declarar que esteja morto seja muito precipitado. A fala do professor Li pode ser um pouco otimista demais, mas é correto dizer que o socialismo ainda está aí, não morreu. As conseqüências das mudanças ocorridas no Leste Europeu estão fazendo com que as pessoas voltem a pensar no socialismo e repensar o que verdadeiramente é o socialismo. Isso está ajudando as pessoas a pensar mais seriamente o que seriam as soluções socialistas. Em geral, se pensa que o objetivo de uma sociedade socialista é a distribuição igualitária dos bens. Que todos vão produzir para o bem-estar coletivo, eliminando a exploração, a pobreza, e usufruindo uma vida rica e igual. Esse é o ideal geral. Mas como chegar a essa sociedade ideal? Essas grandes mudanças ocorridas nos países que deixaram de ser socialistas estão permitindo que as pessoas pensem e consigam desfazer os mal-entendidos a respeito do socialismo. Por exemplo, as pessoas começam a entender e a admitir que mercado não é equivalente a capitalismo e planificação não é só socialismo. Pode haver mercado capitalista e mercado socialista, assim como pode haver planificação na sociedade capitalista. Essa equação foi muito rígida no passado, mas agora não é mais. Socialismo não significa pobreza. BF – A economia chinesa precisa crescer a altas taxas para incluir toda a sua população. Esse é o “socialismo do tipo chinês”? Xian – As teorias e os princípios dos mestres socialistas fazem parte do patrimônio da humanidade. Então, a questão é: como adaptar, utilizar esses princípios e colocá-los em prática. De fato, muitos desses princípios já são adotados no mundo pelos social-democratas. Agora, a China botou em marcha a idéia de primeira etapa do socialismo com características específicas chinesas. Isso significa fazer a ligação entre a realidade concreta da sociedade da China e as teorias socialistas. O socialismo pode ser um longo caminho. Nós es-
tamos na primeira etapa, e nela não se pode evitar as sobras das outras sociedades. Deve-se ter paciência. E esse é um problema que nós estamos enfrentando. Eu acho que não devemos correr e fazer tudo rápido. Mas independentemente dessa questão, esse tipo de pensamento, que é o “socialismo de tipo chinês”, é a nossa contribuição para a teoria geral do socialismo.
A China, hoje, está promovendo em vários países a criação de institutos e faculdades para o ensino do pensamento de Confúcio BF – Os princípios de Confúcio foram banidos durante a revolução cultural e agora estão sendo reabilitados, na China. Nesses tempos de crescimento econômico acelerado, qual a importância da retomada dos valores confucianos, como respeito à família, aos mais velhos, o cultivo do caráter e da fraternidade? Xian – Eu venho de uma família confucionista. Minha formação escolar foi feita em casa, com uma professora particular. Não freqüentei a escola e li todos os clássicos de Confúcio. A revolução cultural promoveu uma educação muito importante, que ensinou a juventude a trabalhar pelo crescimento do país. Na pergunta, vocês usaram a palavra reabilitação. A China, hoje, está promovendo em vários países a criação de institutos e faculdades para o ensino do pensamento de Confúcio. Já tem na Suécia, e estamos em conversação com o professor Xu, da Universidade de São Paulo. Hoje, o respeito por Confúcio é um fato, na China. Ele foi o primeiro professor na China e, por isso, atualmente, o Dia do Mestre é comemorado na data de nascimento dele. BF – O ensino na China é gratuito ou pago? Xian – Os primeiros nove anos são gratuitos mas deve-se pagar a universidade, embora haja muitas bolsas de estudo, prêmios e empréstimos a alunos. A universidade é cara, e esse é um problema sobre o qual está se falando muito.
BF – A China é uma potência emergente ou um novo caminho da modernidade? Xian – Pode-se dizer que a China é um novo caminho da modernidade. Não é errado pensar assim, mas depende muito da definição de modernidade. Há muita discussão entre os teóricos sobre o que seja isso e a sociedade chinesa não entende modernidade como progresso, tecnologia e apoio material. Um estudioso chinês lançou a idéia de quatro etapas: modernização econômica, política, cultural e militar. Em geral, essas idéias constroem um país moderno. A questão é: como construir a modernidade com equilíbrio, num país tão grande em população e tamanho como a China? A emergência na China não significa apenas a emergência da costa chinesa, mas de toda a China. BF – Como estão as relações entre China e Venezuela? Xian – Eu penso que a China tem uma ótima relação com a Venezuela. Já está havendo uma parceria em relação ao petróleo e nós admiramos a coragem do presidente Hugo Chávez para enfrentar os Estados Unidos. É realmente lindo. Eu e muitos chineses desejamos que Chávez tenha sucesso, apesar das pressões que vem sofrendo. BF – Esses também são os votos do governo da China? Xian – Ah, sim, esse também é o desejo do governo da China. (Colaborou David Harris) Nestor Cozetti
Quem é Gao Xian é diretor do Centro Chinês para estudos do Terceiro Mundo e integrante da Academia de Ciências Sociais da China.
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INTERNACIONAL BRASIL-ÁFRICA
Encontro discute racismo na mídia C
omo que para selar de uma vez por todas a união entre africanos e brasileiros, o Grupo de Maracatu Ilé Aláfia encerrou com chave de ouro o Encontro Internacional África-Brasil – Igualdade Racial: um Desafio Para a Mídia. Após a leitura da declaração final (veja quadro abaixo), crianças, jovens e adolescentes fantasiados de reis, rainhas, princesas, indígenas e bonecos gigantes, em saudação aos orixás, saíram em cortejo ao som do batuque frenético típico do Carnaval nordestino – em especial o pernambucano –, mostrando a todos os presentes a contribuição dos escravos africanos à cultura popular brasileira. O encontro entre Brasil e África estava concretizado. O evento, realizado entre os dias 12 e 14 no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, foi “histórico”, nas palavras de Antoine de Padoue Chonang, jornalista e sacerdote da República de Camarões, país localizado na costa centro-oeste do continente africano. “Foi um grande sucesso. Posso afirmar, sem medo de ser contrariado, que todos os presentes, organizadores, patrocinadores, todos que contribuíram e trabalharam na realização deste Encontro fizeram história.” Fizeram história simplesmente pela troca de informações, experiências e contatos entre os mais de 600 participantes de nove países da África e do Brasil, a maioria educadores, professores e profissionais de comunicação. “È verdade que há um desconhecimento entre os povos africanos e o povo brasileiro. O conhecimento é superficial, é meramente comercial, meramente político em alguns casos, mas o limite fundamental, que é o homem, se desconhece”, disse Américo Xavier, diretor da Faculdade de Jornalismo de Maputo, em Moçambique, na costa sudeste africana. Por esta razão, o Encontro foi
respectivamente, o Dia Nacional da Consciência Negra e o Dia da Abolição da Escravatura. Dias responsabilizou ainda o baixíssimo número de negros nas redações como um dos fatores da ausência desta questão nos meios de comunicação brasileiros. O editor do Brasil de Fato, Paulo Pereira Lima, foi mais enfático ao criticar a imprensa nacional. “A mídia não contempla um Brasil negro e indígena. Não é apenas preconceito. É ser criminoso por não deixar o outro existir”. Já o jornalista e pesquisador da Universidade Federal da Bahia, Fernando Conceição, conclamou a criação de veículos de comunicação próprios dos negros. “É óbvio que os donos do capital jamais permitirão que os grupos subalternos imponham sua agenda. Reclamar da mídia é chover no molhado.”
MAIS COOPERAÇÃO
Brasileiros e africanos reclamam do preconceito e da omissão da imprensa em tratar temas ligados à África de fato
muito importante. “Estamos conhecendo a realidade brasileira e também apreendendo todos os aspectos ligados à luta que está sendo desenvolvida aqui para a visibilidade do movimento negro. Deu para perceber que muito trabalho há a ser feito, mas as pessoas estão comprometidas e sabem para onde querem ir”, completou.
MÍDIA E QUESTÃO RACIAL O tema principal do Encontro foi o papel da mídia no tratamento dos negros e das questões raciais, tanto na África quanto no Brasil. A conclusão, de certa forma óbvia, foi a de que este tema não é contemplado nos grandes meios de comunicação. Um exemplo emblemático desta situação era o próprio evento em si. Apesar de um exaustivo trabalho de divulgação de seus organizadores em
Declaração de São Paulo Em documento aprovado durante o Encontro Internacional BrasilÁfrica, os participantes fazem algumas recomendações no campo da relação entre a mídia e a igualdade racial:
• A expansão e consolidação de programas de cooperação na área da
comunicação entre instituições públicas e privadas brasileiras e africanas, visando maior aproximação de seus respectivos povos; • O incentivo à realização e divulgação de pesquisas multidisciplinares e intercontinentais sobre o papel e a responsabilidade da mídia na promoção da igualdade dentro da diversidade racial, étnica e cultural; A • elaboração e execução, mediante parcerias entre instituições públicas e a inciativa privada e o terceiro setor, de programas de capacitação para profissionais da mídia, habilitando-os para a promoção da igualdade para além das fronteiras raciais, de gênero, étnicas e culturais; • O desenvolvimento de programas de cooperação entre países africanos e Brasil, que estimulem o intercâmbio entre pessoas dos dois continentes, dando especial atenção a intercâmbios específicos entre os jovens; • O desenvolvimento de práticas educomunicativas pelas instituições e comunidades educativas, assim como pela mídia, visando a promoção de iniciativas voltadas para o combate a toda e qualquer forma de discriminação por raça, cor, etnia, gênero, classe e crenças religiosas; • O estímulo às iniciativas que visem reduzir a pouca informação sobre as realidades africanas e brasileiras; • Implementação de programas de capacitação para aquisição de knowhow sobre novas tecnologias de comunicação, visando a produção de mídia alternativa aos grandes conglomerados midiáticos; • O desenvolvimento de programas de estudo sobre a história da África em todos os níveis de ensino, para afro-brasileiros, e instituições africanas; • A criação de um núcleo disseminador, congregando os participantes africanos e brasileiros, visando sensibilizar os povos na África e no Brasil para as questões cruciais que os mesmos se deparam em seus respectivos países e as contribuições que possam fomentar para o desenvolvimento mútuo, com capacidade de implementar as recomendações aprovadas; • As informações resultantes deste Encontro deverão ser disseminadas em todas as línguas acessíveis na África e no Brasil; • O encorajamento a que afro-brasileiros busquem suas raízes genealógicas na África, promovendo seu sentido de pertencimento às suas origens; • A transformação do Encontro Internacional África-Brasil em atividade regular, realizada no Brasil ou em outro país africano.
mais de 400 órgãos de imprensa, um número muito reduzido deles – basicamente os alternativos – noticiou o Encontro. Para Carlos Veneranda, vice-prefeito de Fortaleza (CE), esta ausência dos negros na pauta da mídia mostra o “apartheid social colocado” na sociedade brasileira. “Acho que tem que haver mais eventos como este para que possamos debater e esclarecer essa mídia burguesa que a gente não quer só participar dela através de histórias do passado, de escravidão, e sim por meio de um processo novo, democrático, que é possível”, disse. Para Ismar de Oliveira Soares, coordenador do Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – um dos organizadores do Encontro, em conjunto com o Instituto Interna-
cional de Jornalismo e o Sesc –, este processo pode ser um dos frutos do evento. “A prometida continuação do intercâmbio entre profissionais da mídia da África e do Brasil certamente vai gerar maior compromisso dos profissionais da imprensa brasileira no tratamento dos temas referentes à etnia negra nos dois continentes.” No painel Comunicação Impressa e Etnia, o editor da Revista Raça, Carlos Dias, afirmou que o negro só tem espaço na mídia quando é artista ou esportista, e assim mesmo apenas quando se destaca. “Está faltando um espelho para o negro se enxergar na imprensa. É fundamental que ele se veja como parte da sociedade, e não só na arte e no esporte”. Segundo ele, a questão racial só é pauta nos meses de novembro e maio, quando são celebrados,
Além da discussão do comportamento da mídia africana e brasileira em relação ao negro, o encontro serviu também para se debaterem e se estreitarem as relações de cooperação entre o Brasil e os países africanos. Antoine de Padoue Chonang ressaltou que a questão racial é um problema mundial. “É muito importante que nos juntemos para refletir os meios e os caminhos de nos libertarmos e contribuirmos à nossa própria maneira com a civilização universal.” Durante a mesa-redonda Propostas de Cooperação entre Brasil e África, a embaixadora da África do Sul, país da costa setentrional africana, Lindiwe Zulu, disse estar confiante com os frutos gerados a partir do Encontro e que “nosso futuro é brilhante”. “ Estamos falando em uma só voz. Temos que pôr em prática esta voz para que, daqui a alguns anos, possamos dizer: ‘sentamos, falamos, mas fizemos’”. Lindiwe atentou para o fato de já existirem instituições e acordos que alimentam a relação entre africanos e brasileiros e para o papel dos participantes do evento de estreitá-los e fazê-los mais fortes.
Crianças e adolescentes fazem cobertura “jornalística” Quem participou do Encontro Internacional África-Brasil – Igualdade Racial: um Desafio Para a Mídia acostumou-se com a circulação das dezenas de crianças e adolescentes de camisetas azuis pelos espaços do Sesc Vila Mariana. Eram 80 no total (50 de escolas públicas e 30 do Colégio São Luís, de São Paulo), todos “trabalhando” na cobertura do evento. Eles participam de projetos de educomunicação, ou seja, a educação através da comunicação. Os jovens, que realizaram a cobertura por meio de rádio, televisão e internet, foram capacitados e coordenados pelo Núcleo de Comunicação e Educação (NCE) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP) e pelo Núcleo de Educação do Museu Afro-Brasil. Por se tratar de um tema específico, as crianças e adolescentes passaram, durante o mês que antecedeu o Encontro, por um período de formação, que contou com a assessoria de três especialistas no assunto. Além das discussões sobre as temáticas apresentadas no evento, os jovens e professores debateram a representação da África. “ É um continente, mas fica no imaginário tanto das crianças como dos adultos como um país. Eles não têm a idéia da dimensão. De que países os jornalistas estão vindo para evento? Qual a cultura deles?”, explica a coordenadora do Projeto
Cecília Bastos/JUSP
Igor Ojeda da Redação
Cecília Bastos/JUSP
Evento, que reuniu 600 pessoas do Brasil e de países africanos, analisa a exclusão do negro nos meios de comunicação
A ministra Matilde Ribeiro concede entrevista a crianças do Encontro Brasil-África
Educomrádio/Centro-Oeste, Patrícia Horta, adicionando que os jovens ficaram eufóricos com as entrevistas que realizaram. Douglas Lima, 17 anos, aluno da Escola Estadual Moacyr Campos e há dois anos trabalhando com educomunicação na Revista Viração, explica que a cobertura não irá se limitar ao evento. Uma espécie de agência de notícias trata-
rá a questão até o fim de novembro. “Trabalharemos produzindo material, mídia, fóruns de discussão, indicando material, lutando para que o assunto não morra, como é costume no Brasil.” O trabalho das crianças e adolescentes educomunicadores pode ser acessado nos endereços eletrônicos: www.usp.br/nce, www.saoluis.org e www.sescsp.org/africabrasil. (IO)
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DEBATE COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA
poder insiste em não nos enxergar, a não ser que façamos alguma coisa negativa.
Leci Brandão eus, com certeza, determinou que neste segundo milênio eu receberia todas as respostas pelo posicionamento de atitudes ao longo destes 30 anos de carreira artística. A opção de fazer da arte um instrumento para defender as diversas comunidades brasileiras me valeu o estigma de ser contestadora, xiita radical etc... Recebi punições do sistema e da mídia ficando excluída do mercado em dois momentos. Mas não fiz concessões. Em todos os álbuns que gravei, há o viés da lutas sociais e da defesa das minorias. Qualquer tipo de preconceito sempre recebeu o nosso combate através das músicas de nossa autoria e de outros companheiros. Sou oriunda de família pobre, minha mãe era servente de escola pública e sempre lutei para conquistar meus espaços. Sei o que é nascer mulher negra e pobre. No momento em que ingressei na carreira artística, jamais esqueci meus referenciais. Tenho plena consciência de que as coisas ficaram mais fáceis pela minha condição de ser pessoa pública. Entretanto não posso ignorar o que aconteceu com meu povo e sinto-me honrada quando sou apontada como cantora da comunidade. Sempre houve um discurso no Brasil de que o preconceito, na verdade, é social. Isto é uma grande mentira. Sabemos que o racismo está presente na instituição e que a sociedade dominante é perversa e injusta. A mídia do
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UNIVERSIDADE BRANCA
As páginas policiais sempre terão amplo espaço para os negros. Sabemos que a desigualdade econômica no Brasil atinge em cheio a população negra. A universidade brasileira é um gueto elitista e branco, e é preciso que esse gueto seja rompido, já dizia Edna Roland em 1991 na Conferência Internacional sobre o Racismo, em Durban, na África do Sul. O senador Paulo Paim, no Projeto de Lei 4.370 (1998), determinou a participação dos artistas afrodescendentes em filmes, programas e peças publicitárias em 25%. Observem a capa da revista, o comercial, o outdoor, a novela, o telejornal. Parece que estamos na Suécia. Os novelistas dificilmente escrevem para atores afrodescendentes uma história em que seus personagens sejam de destaque sob o aspecto cultural. Onde estão os protagonistas negros? As agências de publicidade entendem que negros e negras não usam sabonetes, creme dental, perfume. Não possuem conta bancaria, não adquirem automóveis, apartamentos, não viajam. Recentemente, uma famosa marca de sabonete colocou várias mulheres no seu comercial e não há presença da negra. ÁFRICA NA ESCOLA
Os shoppings não empregam jovens negros em suas lojas. A não ser que sejam para trabalhar nas praças de alimentação.
Fundação Cultural Palmares
Atitudes contra o racismo na mídia
As companhias aéreas evitam os negros para trabalhar como comissários de bordo. Produtos infantis são animados sem a participação das crianças negras, o que é uma grande covardia. Sabemos que quem dá a concessão para o funcionamento do canal de TV é o governo.
Escravidão às avessas controladas pelas trasnacionais, sediadas nos países ricos. E como já foi dito e escrito, nada acontece por acaso. Essas empresas noticiam e promovem as culturas das várias nações desenvolvidas e persuadem os povos, do mundo inteiro, a desejarem suas culturas. Estamos falando de culturas materiais e imateriais. Os jovens nigerianos querem pensar como os estadunidenses e europeus (cultura imaterial), vestir-se como os estadanidenses e comer em restaurantes do tipo fast-food, como os estadunidenses e os europeus (cultura material).
Kuha Indyer É fascinante notar que a mídia, com todo o progresso da tecnologia da informação, concretizou a profecia de McLuhan sobre a aldeia global. Também é interessante notar que a mídia moderna tomou para si a responsabilidade da socialização, que pertencia a instituições, tais como o lar, a igreja/mesquita e a escola, pois, hoje, muitas pessoas dependem da mídia para receber informações, sobre, por exemplo, como a sociedade funciona, sobre educação e entretenimento. Hoje, pessoas do mundo inteiro são informadas e discutem o Tsunami do Oceano Índico, o funeral do papa, em Roma, ou o furacão Katrina como se estivessem todos sentados numa grande cabana redonda no vilarejo. Contudo, surge a pergunta, que gera preocupações de natureza racial e cultural: quem controla esses meios de comunicação que afetam a maneira como as pessoas pensam e agem, no mundo inteiro? Não se faz necessário uma análise profunda para saber que as grandes empresas de comunicação são Fundação Cultural Palmares
TV COLONIALISTA
Outro exemplo é que nos velhos tempos, a juventude aprendia moralidade, de várias maneiras, em casa. Histórias contadas para as crianças, em volta da fogueira ou à luz da lua, ensinavam-lhes valores morais, respeitados pela sociedade. Hoje, porém, a criança nigeriana fica petrificada em frente a redes de televisão estrangeiras e seus programas, transmitidos via satélite, que são mais baratos e melhores do que os programas locais, que são, portanto, mais caros e menos atrativos. Esta situação criou a hegemonia cultural. A juventude nigeriana, por exemplo, deseja ardentemente mudar-se para essas nações desenvolvidas, pois o ouro deles brilha muito mais do que o nosso, conforme mostra a mídia ocidental. Isto criou o que o teólogo Luke Mbefo, da congregação dos Padres do Espírito Santo, chamou de “Escravidão às avessas”. Ele afirma que antigamente os escravos eram vendidos e levados à força para as Américas, para trabalhar em fazendas e plantações. Hoje, a situação é que muitos africanos talentosos e formados,
abandonam seus países, para ganharem sua sobrevivência no mundo ocidental. Uma visita a algumas embaixadas e Alto Comissariado das Nações Unidas, na Nigéria e outros países africanos, confirmam este fato. Os que lutam para viver nos Estados Unidos ou Inglaterra são a nata da nossa sociedade, aqueles que são formados e capacitados. Isso cria a impressão de que a raça branca é superior à raça negra. É hora de os africanos começarem a lutar contra essa hegemonia. A luta está nas mãos dos homens e mulheres da mídia. Devemos produzir programas que inculquem os valores respeitados nos países da África pelos nossos povos: trabalho, determinação, perseverança e lealdade para com os nossos países. Se fizermos isto, talvez não tenhamos um grande salário, mas motivaremos nossas gerações de hoje a sacrificar-se e a trabalhar para um futuro melhor para as gerações do futuro. Deus nos criou iguais e a crença em Deus e em nós mesmos que Ele nos fez à sua própria imagem e semelhança nos faz lutar para a melhoria da humanidade, independentemente de sermos negros ou brancos. Faz-se, portanto, premente que o governo brasileiro e seu povo possam, em parceria com as nações em desenvolvimento da África, promover este ambiente, para incentivar jornalistas e profissionais da mídia a trabalharem com o objetivo de fortalecer as culturas e valores dessas nações. Kuha Indyer é jornalista nigeriano e diretor do Centro para o Desenvolvimento Integral em Markurdi (Nigéria); tradução: Maria Aparecida Vieira e Mariana Cacau
Não podemos mais aceitar toda a forma de desacato que é feita diariamente às religiões de matriz africana através de algumas emissoras. Exigimos o respeito à ancestralidade. Tenho informações de que várias empresas que se instalam no Brasil não aceitam funcionários
afrodescendentes. O governo deveria proibir o funcionamento destas empresas. Estamos cansados de ter reconhecimento somente na hora do drible, do gol, do tempero do feijão, do samba. Aliás, no desfile das escolas de samba, estão pouco a pouco substituindo as moças da comunidade, que eram as verdadeiras rainhas da bateria, por modelos famosos (de preferência, brancas). Quem, com letra engajada, toca nos problemas sociais tem como contrapartida o boicote de alguns programas de grande audiência. Nosso trabalho para eles não interessa. A escravidão não teme romantismo. Aconteceram rebeliões, guerrilhas e quilombos, foram várias as formas de lutas pela liberdade. Essa capacidade de luta tem que ser mostrada hoje com a participação de todos os cidadãos. Se você sofre qualquer constrangimento, ainda que indireto no trabalho, na escola, em recintos públicos, você tem que tomar uma atitude. Lute pelos seus direitos. A Lei 10.639 está aí. A história da África de afrodescendentes vai ser contada nas escolas. Acredito que a capacitação dos professores também dependerá muito do comportamento da mídia. Nesse sentido, linhas editoriais e políticas públicas serão bem-vindas neste ano dedicado à igualdade racial no Brasil. Leci Brandão é cantora, compositora e consultora da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir)
As ameaças do tribalismo Antoine de Padoue Chonang Para melhor abordar esse tema, vamos contextualizá-lo mais precisamente em Camarões, país situado na África Central. Não se trata de argumentar sobre um combate para o equilíbrio racial, mas sobretudo de ver o problema a partir de uma outra forma de racismo ou de escravidão que mina os países africanos: o tribalismo. Se o tribalismo é um vetor de divisões entre os cidadãos de um mesmo país, e mais particularmente dentro de um setor da sociedade fragmentária onde parece haver nascido um sistema de governo, devemos nos perguntar qual deve ser o papel das mídias neste contexto, onde o nada é suficiente para que tudo se incendeie. Camarões, apesar de suas proezas no futebol reconhecidas no mundo inteiro, é um país com 15 milhões de habitantes fragmentados em 256 etnias. As vontades inúteis de dominação étnica de certas tribos ou de certas composições lingüísticas expõem o país a grandes riscos. Formados na escola colonial, ou tendo guardado os reflexos dos colonizadores (dividir para lucrar mais), os dirigentes utilizam o tribalismo para congelar o aparelho do Estado, a fim de conservar indefinidamente o poder político. Nesse contexto, revelase que o tribalismo estende seus tentáculos em todas as atividades sociais do país: política, gestão administrativa, religião, esportes etc. Alguns exemplos: a partir do momento em que um responsável é nomeado para chefiar uma estrutura, o primeiro reflexo é o de “etnizar”, ou seja, de apelar a colaboradores originais de sua tribo ou região. Geralmente, a língua mais falada nesse tipo de serviço é a do patrão, em detrimento do francês e do inglês que são as línguas oficiais de Camarões. O tribalismo é também propa-
gado sem freios no futebol, que é o porta-estandarte de Camarões para o resto do mundo. Os camaroneses, martirizados por tanto sofrimento causado pelo tribalismo, aprenderam, um por um, a desenvolver os reflexos de identidade. Ainda que os Leões Indomáveis sejam convocados para uma temporada, cada um procura conhecer o número de jogadores de sua tribo na equipe. Por vezes, mesmo que um gol seja marcado, os jogadores querem saber qual a etnia do jogador. No entanto, uma vitória dos Leões Indomáveis pertence a todos os camaroneses e não somente a uma tribo. RECONCILIAÇÃO
Nesse contexto, as mídias são, por vezes, tentadas a representar um papel negativo ao auxiliar a propagação do tribalismo (de acordo com o clã a que pertencem, à tendência política ou esotérica, por ignorância). Mas o papel das mídias é de instigar o tribalismo ou o ódio racial, a violência? Nós cremos que o mais sagrado dever das mídias não é de dividir, porém de reconciliar os corações. As mídias do terceiro milênio, em particular aquelas cujos responsáveis são crentes em Deus, devem trabalhar para diminuir aquilo que pode destruir, educando e plantando a semente do amor não somente entre os indivíduos de etnias diferentes, mas também entre os cidadãos que vivem em um mesmo país e que são expostos à praga do tribalismo, que ameaça destruir os países africanos. Daí a necessidade de se formar e de se informar seriamente para formar e informar objetivamente. Antoine de Padoue Chonang é jornalista e redator-chefe do jornal Effort camerounais; tradução: Gabriel Mitani
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agenda@brasildefato.com.br
AGENDA NACIONAL
LIVROS ENSAIOS SOBRE O CAPITALISMO NO SÉCULO 20 Com essa obra, Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, professor do Instituto de Economia da Unicamp, ganhou o Prêmio Intelectual do Ano 2004 (Troféu Juca Pato), promovido pela União Brasileira de Escritores (UBE). A coletânea de artigos publicados na imprensa pelo economista está estruturada em quatro partes: História, com pequenos ensaios sobre as principais inflexões do capitalismo; O mal-estar da globalização, sobre as transformações recentes do capitalismo; Críticos, principais pensadores críticos do capitalismo; O futebol, uma velha paixão, com destaque para textos sobre os craques Ademir da Guia e Canhoteiro. O livro é editado pela Fundação Editora da Unesp, tem 239 páginas e custa R$ 25. Mais informações: feu@editora.unesp.br ONDE FOI QUE VOCÊS ENTERRARAM NOSSOS MORTOS? Após três décadas de mistério, chega às livrarias a revelação dos últimos passos de seis guerrilhei-
Divulgação
PORTAL EDUCATIVO A organização Save the Children Suécia lançou, no Dia da Criança, 12 de outubro, a versão em português do portal “O Mundo de Dina”. A página da internet, que já tem uma versão em espanhol e outra em sueco, foi concebida para popularizar a Convenção dos Direitos da Criança, por meio de historinhas e jogos entre crianças de 7 a 13 anos. A Convenção, elaborada pela Organização das Nações Unidas, em 1989, é o tratado referente a direitos humanos mais ratificado do mundo e com o qual a grande maioria dos países está comprometida. O endereço do portal é www.omundodedina.org. Mais informações: (21) 9224-6841, rodbcp@yahoo.com.br
SÃO PAULO
SEMINÁRIO SOBRE MÍDIA CIDADÃ 28 a 30 de novembro Promovido pela Universidade Metodista de São Paulo, com realização da Cátedra Unesco de Comunicação e patrocínio da World Association for Christian Communication (Wacc), o Seminário tem como objetivo compreender o sistema brasileiro de mídia cidadã, tendo como principais referências as questões da propriedade intelectual e da diversidade cultu-
ros que estavam na Argentina e desapareceram ao ingressar no Brasil para promover ações armadas no sul do país. O paradeiro do grupo foi elucidado na obra do jornalista Aluízio Palmar, ex-líder da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e do MR-8. Resultado de 26 anos de investigação, o livro discute as circunstâncias das mortes e a localização da cova onde foram enterrados cinco brasileiros e um argentino que insistiram em continuar a luta armada contra a ditadura militar mesmo após a derrota das organizações guerrilheiras em meados de 1974. O relato de Palmar traz detalhes inéditos da cilada armada pela repressão e uma nova versão sobre o emblemático ex-sargento Alberi Vieira dos Santos, cuja participação na emboscada aos guerrilheiros está evidenciada em documentos e em entrevistas. O livro, editado pela
Travessa dos Editores, tem 366 páginas e custa R$ 30. Mais informações: (41) 3338-9994 NAS PEGADAS DO SACI O Dia do Saci, comemorado em 31 de outubro na cidade e em todo o Estado de São Paulo, ganha cada vez mais repercussão. Entre as atividades planejadas para festejar o personagem, está o lançamento do livro de Marcia Camargos, ilustrado por Marcos Cartum. Dirigida ao público infanto-juvenil, a obra conta as aventuras de um grupos de amigos para descobrir o que é o saci, de onde veio, em que lugares vive, enquanto dicutem questões ligadas à luta em defesa do meio ambiente e da cultura popular. O livro vai ser lançado dia 29, Dia Nacional do Livro, das 11 às 14 horas, na Pinacoteca do Estado. Editado pela Conex, o livro tem 80 páginas e custa R$ 35. Mais informações: (11) 3706-1453
ral. O Seminário terá três eixos: contexto midiático, políticas públicas e questão de gênero. Além disso, terá quatro territórios analíticos: imprensa local, rádios comunitárias, comunicação popular e mídia digital. Local: Campus Rudge Ramos, R. do Sacramento, 230, São Bernardo do Campo Mais informações: www.metodista.br/unesco, mcgobbbi.unesco@metodista.br, (11) 4366-5819
2º CONGRESSO IBERO-AMERICANO SOBRE VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS 26 a 28 Promovido pela Universidade da Amazônia (Unama), por meio da Superintendência de Extensão e do Observatório de Violências nas Escolas – Brasil/Núcleo Pará (Unama), o C ongresso pretende estimular a produção de trabalhos sobre o tema no contexto IberoAmericano, além de colocar em contato pesquisadores, gestores, organizações não-governamentais e demais interessados na área. Local: Universidade da Amazônia, campus Alcindo Cacela, Av. Alcindo Cacela, nº 287, Belém Mais informações: abrapia@openlink.com.br
SÃO PAULO
Vlado, 30 anos depois Dia 25 de outubro será o 30º aniversário do assassinato, sob tortura, do jornalista Vladimir Herzog, nos porões da ditadura. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, juntamente com dezenas de outras instituições, programou um mês de atividades em defesa da democracia, pelo respeito aos direitos humanos e pela paz. Serão várias ações em homenagem a Vlado e a outras vítimas da ditadura, bem como aos homens, mulheres e instituições que lutaram pela anistia, contra as prisões por motivos políticos, contra a tortura. Programação: até 23 – ciclo de curtas-metragens sobre Direitos Humanos, Sala Olido – Av. São João, 473 20 – Sessão Solene em homenagem a Vlado, 19h, Câmara Municipal de São Paulo 20 – Concerto da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, 21h, Sala São Paulo – Estação Júlio Prestes, Pça. Júlio Prestes, s/nº 22 – Exibição pela TV Cultura do programa Bem Brasil – Especial Vlado 23 – Ato inter-religioso, 16h, Catedral da Sé – Pça. da Sé, s/nº 24 – Ato em homenagem a Vlado, 19h, auditório da Universidade São Judas Tadeu – R.Vladimir Herzog, 75 25 – 27º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog e entrega do 1º Prêmio Vladimir Herzog para Novos Talentos do Jornalismo, Parlatino do Memorial da América Latina, Av. Auro Soares de Moura Andrade, 664 Mais informações: www.sjsp.org.br/index.asp
RIO DE JANEIRO ABUSO SEXUAL INTRAFAMILIAR EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES 11 e 12 de novembro e 2 e 3 de dezembro, das 8h30 às 18h A Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (Abrapia) oferece uma capacitação para instrumentalizar profissionais que trabalham com a promoção dos direitos da criança e do adolescente para prevenir, identificar, avaliar e intervir em situações de possível ocorrência de abuso sexual intrafamiliar. Local: Centro Cultural João 23, R. Bambina, 115, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 9619-1990, abrapia@openlink.com.br POR TI AMÉRICA Até janeiro de 2006, de terça a domingo, das 10h às 21h. A exposição mostra os traços de uma ocupação do território americano há 15 mil anos. Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Guatemala, México e Peru fazem parte da mostra, que traz mais de 300 peças de diversos museus de arqueologia. A exposição conta com cinema e vídeo, seminários e ciclos de debates, performances e ações educativas. No mesmo lugar, o visitante também poderá visitar a mostra “Tão Perto, Tão Longe”, que reúne títulos da produção cinematográfica latino-americana, com um enfoque na produção de jovens cineastas. Entrada franca. Local: R. Primeiro de Março, 66, Centro, Rio de Janeiro Mais informações: www.bb.com.br/cultura
SÃO PAULO PROJETO DE NAÇÃO DO BRASIL QUE TEMOS AO BRASIL QUE QUEREMOS 22, às 15h Debate promovido pelo Movimento Fé e Política, que terá como palestrantes frei Carlos Josaphat e Plinio Arruda Sampaio. Entrada franca. Local: Unisantos, Auditório da Faculdade de Direito, Av. Conselheiro Nébias, Santos Mais informações: (13) 3234-5607 5º ENCONTRO REGIONAL DE MULHERES NEGRAS 4 e 5 de novembro Promovido pelo Grupo de Mulheres, o Encontro vai discutir temas como avanços na saúde da população negra, Aids e as mulheres negras, influência do racismo na evasão escolar, mulheres negras e os direitos humanos e a relação da mídia com a população negra. Local: Salão Nobre da Câmara de Vereadores, R. Alferes José Caetano, 834, Piracicaba Mais informações: nzingambandi77@yahoo.com.br
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CULTURA
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MÚSICA
Nas cordas da viola, as raízes do Brasil Ana Maria Straube e Gissela Mate de Ribeirão Preto (SP)
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amosa pelo marketing que a consagrou como um centro country do Estado de São Paulo, a cidade de Ribeirão Preto abrigou, pela terceira vez, uma grande festa de viola genuinamente caipira, onde não entraram os enlatados que embalam os rodeios. No final de semana dos dias 15 e 16, cerca de 3 mil pessoas prestigiaram o 3º Encontro Nacional de Violeiros, uma verdadeira maratona de apresentações com mais de 70 artistas. “Além de resistir ao modelo country, a festa é uma resistência à presença do agronegócio e sua limitada mentalidade de desenvolvimento, que se restringe a plantar cana e exportar. Queremos mostrar que pode sair coisa muito boa da terra, como música e poesia”, diz Edvar Lavratti, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), uma das entidades organizadoras do Encontro, junto com a Associação Nacional de Violeiros do Brasil e a
Fotos: Luciney Martins/ BL 45Imagem
3º Encontro Nacional dos Violeiros, em Ribeirão Preto, preserva a cultura do campo e promove novos talentos
Na defesa da tradição popular, mais de 70 artistas participam do 3º Encontro Nacional dos Violeiros, em Ribeirão Preto (SP)
Arquidiocese de Ribeirão Preto. O arcebispo de Ribeirão, dom Arnaldo Ribeiro, aproveitou a festa para anunciar a renovação do contrato,
por mais cinco anos, do Centro de Formação dom Helder Câmara com o MST – que utiliza o espaço para realizar, além da festa de
Uma questão da terra
Instrumento abençoado
Para o mineiro Victor Batista, cuja cerimônia de casamento foi realizada durante o Encontro, a reunião dos músicos é uma das formas de lutar pela preservação da identidade e da cultura caipira. “Estamos vendo que todos estão progredindo, que têm projetos”, diz. Victor começou a tocar viola quando participou de um grupo de pesquisas folclóricas de Minas Gerais. “Lembro de um festival de cultura no Vale do Jequitinhonha em que eu fiquei o dia inteiro ao lado de um músico chamado Brasa Viola. Ele foi me passando as afinações e eu fui me interessando, estudando”, conta. Victor explica que a riqueza da viola deriva do fato de cada um ter seu jeito próprio de tocar, pois não há uma técnica única. “Cada violeiro tem uma mão distinta, e é isso que a gente quer mostrar nesse Encontro, a pluralidade de formas de lidar com o instrumento”. Além da diversidade, a viola é caracterizada por estar intimamente ligada à questão da terra. O instrumento chegou ao Brasil pelas mãos dos jesuítas, mas logo foi incorporado pelo povo.
Os irmãos Zico e Zeca tocam viola há mais de sessenta anos. A dupla, uma das mais antigas e respeitadas entre os músicos do gênero, já mostrou seu trabalho no Brasil inteiro. E também divulgou a música caipira no exterior, se apresentando na Argentina, no Paraguai, no Uruguai e na Venezuela. Pela primeira vez no Encontro Nacional dos Violeiros, os irmãos foram convidados para abrir a festa. Zico considera a viola caipira um “instrumento abençoado, que hoje está em todo lugar”. A des-
Assunto de mulher Mulher tocando viola? “Podem até achar estranho, mas quando começo a dedilhar, o pessoal logo muda de idéia”, esclarece Miriam, violeira do grupo de música regional Nheengatu. O preconceito contra as mulheres na música já foi forte, mas o trabalho de artistas como Helena Meirelles (violeira falecida há algumas semanas) e Inesita Barroso abriu muitas portas. Na estrada há mais de cinco anos, as amigas Cíntia, Miriam e Marli utilizam vários instrumentos
violeiros, diversas atividades de formação. Felinto Procópio, o Mineirinho, do setor de cultura do MST,
musicais em suas apresentações. Elas se juntaram aos músicos Davi e João, para formar o Nheengatu. “Quando você pega o instrumento, não dá para dizer ‘isso é ré, isso é o dó’. A viola vai entrando de outra maneira na gente, porque ela te faz olhar a história da sua família, a colonização do país, entre outras coisas”, diz Miriam. Com a experiência de quem participou das três edições dos encontros de violeiros, o Nheengatu elogia a iniciativa: “O melhor que se tem é o que se dá”, avalia.
explica que a viola sempre correu na contramão do mercado, fazendo trincheira às invasões da mídia no imaginário popular. Por isso, muitos violeiros não têm oportunidade para apresentar sua arte. “Abrir espaço aos violeiros e tentar mostrar a diversidade da cultura popular brasileira são as nossas propostas nesse Encontro”, diz Mineirinho. O 3º Encontro Nacional dos Violeiros, assim como as duas edições anteriores, agregou músicos de diferentes idades, gêneros e regiões do país. A aposentada Glória Guimarães, de 63 anos, nunca perdeu um Encontro. E gostou tanto de viola que há dois anos começou a aprender a tocar o instrumento. “Também faço cinema, já participei de dois filmes. E teatro. Mas gosto muito da viola”, diz a artista. No primeiro dia, Glória foi como espectadora, e levou seu amigo Epaminondas Pereira de Abreu, de 69 anos. No segundo dia, ela fez questão de integrar o cortejo de violeiros que tocou debaixo da imensa figueira do Sítio Pau D’Alho, emocionando o público que marcava o compasso com palmas entusiasmadas.
peito da ausência do gênero nas paradas de sucesso de emissoras de rádio e TV, ele afirma que a dupla faz sucesso por onde passa, até mesmo nos Estados do Nordeste, “onde estão aprendendo a gostar de viola agora”. Como acontece com a maioria dos violeiros, o instrumento faz parte da história da família da dupla. “Meu pai tocava viola e cantava com a minha mãe, assim fui aprendendo”, conta Zico. Além dos dois, há mais uma dupla caipira na família, Liu e Leo.
União e aprendizado Wellington Dias e André Melo, ambos de 22 anos, representam a nova safra de violeiros do Brasil. Os dois são alunos de Marcos Mesquita, estudioso e professor de música em Brasília. “Nossa carreira foi impulsionada por duplas como Zico e Zeca (veja matéria acima) e Zé Mulato e Cassiano. Todos os músicos se espelham neles”, explica Wellington, que há três anos saiu de Minas Gerais, para estudar música na capital federal. Quando começou aprender música, André só queria saber do violão, mas ao ouvir o som da viola mudou de opção. Hoje é conhecido por explorar novos timbres e possibilidades com a viola. Mistura erudito, caipira e cria novos sons. “Recentemente fizemos uma apresentação que unia alaúde e viola. A proposta era um resgate medieval e caipira que foi muito bem recebido pelo público”, relembra André. Os dois jovens falam da importância da viola por sua capacidade de resistir à invasão cultural estrangeira. “O instrumento retoma a cultura folclórica de várias partes do país. Corre paralelo à invasão cultural que vivemos”, reflete André.