Ano 3 • Número 139
R$ 2,00 São Paulo • De 27 de outubro a 2 de novembro de 2005
As saídas para um país mais justo Jeroen Kramer/NYT/AE
Milhares de integrantes de movimentos populares discutem, em Brasília, novos rumos para a sociedade brasileira
Nova invasão – Em Damasco, capital da Síria, população protesta contra as recentes ameaças de invasão feitas pelo presidente dos Estados Unidos George W. Bush
Referendo: “não” foi um equívoco
Um homem que lutou ao lado de Che Guevara
Luis Magnani
Harry Villegas Tamayo, o Pombo, acompanhou Che Guevara em três guerrilhas: na Sierra Mestra, em Cuba, no Congo e na Bolívia. Ao todo, foram dez anos de convivência. Aos 65 anos, Pombo é general em Cuba e ostenta o título de “Herói da República”. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, ele diz que Hugo Chávez hoje tem chances de concluir o que Che começou. Págs. 12 e 13
Na avaliação de defensores de direitos humanos, a derrota do “sim” no referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogo mostra que a população brasileira votou de forma
“equivocada”. Para eles, mesmo não confiando na capacidade do Estado de garantir a proteção de seus cidadãos, a sociedade deveria rejeitar as armas e exigir um sistema de segurança pública efi-
caz. A campanha feita pelos parlamentares, deixando a sociedade civil fora do debate, foi outro fator apontado como responsável pela vitória do “não”. Págs. 3 e 14
A
participação popular na elaboração de propostas que se contraponham ao modelo neoliberal e na realização de ações conjuntas que pressionem o governo a resolver os problemas do povo ganha corpo, na Assembléia Popular, que acontece de 25 a 28 de outubro, em Brasília. Cerca de dez mil integrantes de movimentos sociais estão reunidos para elaborar as diretrizes de um projeto popular para o Brasil. “Estamos propondo um mutirão de casa em casa. O povo precisa saber que o Brasil tem saída, que é possível desenvolver um projeto para sair da crise”, diz Luiz Bassegio, do Grito dos Excluídos, uma das entidades organizadoras do encontro. A Assembléia inova na organização. As discussões em grupo são realizadas por biomas, definidos como regiões com a mesma identidade cultural, social e ecológica. Cada bioma – Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal – tem formas de resistência popular próprias. Na perspectiva da Assembléia, unir essas manifestações é a chave para mudar os rumos do Brasil. Págs. 2 e 3
Nanotecnologia desperta medo e esperança A Universidade de São Paulo (USP) sediou, entre os dias 19 e 21 de outubro, um seminário internacional para discutir os riscos e benefícios da nanotecnologia, que permite a manipulação de partículas atômicas. Segundo especialistas, a técnica pode se tornar mais uma ferramenta de opressão das grandes corporações, como alerta o canadense Pat Mooney, em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato. Pág. 8
Prefeitura de SP tenta “comprar” sem-teto
Unidos contra a globalização e as barragens
Os sem-teto acampados nas ruas Plínio Ramos e Mauá, no Centro da cidade de São Paulo, asseguram que o secretário de Assistência Social, Floriano Pesaro, lhes prometeu R$ 5 mil por família que fosse embora para o seu Estado de origem. Na verdade, a proposta se restringe apenas ao custeio das passagens de ônibus. Independentemente disso, as 124 famílias concordaram em ir para um alojamento. Pág. 6
Na Guatemala, de 17 a 21 de outubro, centenas de representantes de movimentos sociais latino-americanos se reuniram para elaborar um plano de resistência à construção de barragens no continente. Consideram que a exploração da hidroeletricidade atende aos interesses das grandes corporações e é um canal para a expansão de acordos de livre-comércio. Os prejudicados, como sempre, são os pobres. Pág. 9
E mais: JUSTIÇA - O Ministério Público e seis entidades da sociedade civil pedem a cassação da concessão da Rede TV! Pág. 4 CRISE ANUNCIADA - No terceiro trimestre do ano, a economia mostra indícios de colapso, reflexo da política econômica. Pág. 7
No Dia do Saci, homenagem à cultura popular Em 31 de outubro, comemorase, em São Paulo, o Dia do SaciPererê, personagem da mitologia brasileira. A data coincide com a festa de Halloween, importada dos EUA. A Sociedade dos Observadores de Saci pretende consolidar uma resistência à invasão cultural estadunidense. A entidade organiza uma campanha para nacionalizar a comemoração do saci. Pág. 16
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De 27 de outubro a 2 de novembro de 2005
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Jorge Pereira Filho, 5555 Paulo Pereira Lima • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, 5555 João Alexandre Peschanski, Luís Brasilino, Marcelo Netto Rodrigues, 5555 Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Assistente de redação: Bel Mercês 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Valdinei Arthur Siqueira 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ
CARTAS AOS LEITORES
Ajude a manter o Brasil de Fato Caros amigos e amigas Durante todo o ano de 2002, intelectuais, artistas, jornalistas e representantes de movimentos sociais somaram forças em nome de um projeto político e editorial. A idéia era construir um novo jornal que ajudasse a veicular informações não divulgadas ou noticiadas de forma deturpada pela mídia tradicional. A publicação também teria a missão de contribuir para a formação da militância social e da opinião pública em geral. Assim nasceu o Brasil de Fato. Seu ato de lançamento se transformou numa grande festa com a presença de mais de 7 mil militantes sociais, durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em 2003. Para tocar o jornal, foi montada uma equipe de jornalistas comprometidos com o projeto. E todos fomos à luta. Nos últimos dois anos e meio, o jornal sobreviveu graças a uma grande disposição de transpor os obstáculos que qualquer veículo da imprensa independente enfrenta, incluindo boicotes de todo tipo. Apesar de tudo, estamos
resistindo! Mas, neste momento, estamos precisando de apoio extra para driblar as dificuldades resultantes da concentração do poder econômico e do aumento dos custos de produção do jornal. O Brasil de Fato depende da valiosa contribuição de seus assinantes. Só assim vamos manter um veículo de imprensa independente e de esquerda. Mesmo elogiado por todos, tanto por sua linguagem quanto por sua linha editorial, o Brasil de Fato precisa aumentar o número de assinaturas para seguir adiante. Por isso, apelamos para sua consciência e seu compromisso pessoal. Se você ainda não é assinante, faça a sua assinatura. Se é assinante, conquiste mais uma assinatura com um (a) amigo (a). Se você é vinculado (a) a algum sindicato ou movimento, coloque nosso pedido na pauta da reunião da diretoria, para que a instituição faça assinaturas coletivas. Contamos com seu apoio. Conselho Editorial do Brasil de Fato
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NOSSA OPINIÃO
Saídas para mudar
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ez mil militantes sociais de todos os Estados, empenhados em refletir e debater os problemas estruturais do país e buscar saídas para as graves questões que afetam o povo brasileiro. A Assembléia Popular realizada em Brasília, entre 25 e 28 de outubro, propôs uma ampla discussão dos rumos do Brasil. Mas de um Brasil pautado pela democracia econômica, social e política. Um Brasil que rompa com preconceitos e discriminações de gênero, cor, etnia, religiões. Que respeite e garanta os direitos dos idosos e das crianças. Que promova o poder popular como fonte soberana das decisões em questões que afetam a sociedade. Os lutadores e lutadoras do povo que foram a Brasília sabem que, para mudar, é preciso organização e participação popular. É do povo que virão as mudanças estruturais necessárias para a democratização radical e para a socialização dos bens da natureza. Denominada “Mutirão por um novo Brasil”, a Assembléia Popular resulta do esforço e da união de movimentos sociais, igrejas pastorais sociais, redes, organizações da socie-
dade civil, que há mais de dez anos vêm trabalhando na perspectiva de conscientizar, organizar e mobilizar o povo na construção de um projeto popular para o Brasil. Desse esforço coletivo nasceram o Grito dos Excluídos, a Campanha Jubileu Brasil, três edições da Semana Social Brasileira. Mas houve mais frutos: os plebiscitos populares sobre a dívida externa e o Fundo Monetário Internacional, em 2000; sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e a Base de Alcântara, em 2002; e tantas outras frentes de luta contra a Organização Mundial do Comércio, o livre-comércio, a guerra e a militarização estadunidense. A Assembléia Popular é um exercício da liberdade. É um estímulo para que o povo tome para si a história do país. Por isso, implica o resgate da história e uma criteriosa avaliação da conjuntura – bases de construção do documento “O Brasil que queremos”, do Manifesto e da Carta de Acordos da Assembléia Popular. Nas atividades coletivas, representantes de cada Estado foram incumbidos de olhar, escutar e pensar o Brasil a partir
das diferentes regiões, de uma rica diversidade cultural e social. As lutas são comuns: pela valorização do salário-mínimo, pelo direito ao trabalho, pelos direitos dos migrantes, por mais vagas em universidades públicas, contra o pagamento da dívida interna e os altos juros com dinheiro do orçamento público, pela auditoria e suspensão da dívida externa, por uma reforma política de fato, que mude o processo de representação política e pela democratização da terra e reforma agrária. Mas é preciso ampliar a organização das bases e a articulação dos movimentos. Para isso, a Assembléia Popular propõe um processo de mutirão de casa em casa. O povo precisa saber que o Brasil tem saída, que é possível desenvolver um projeto para sair da crise. Investir no trabalho de base, construir assembléias populares locais, conselhos populares e, se possível, investir num estado de Assembléia Popular Permanente, para manter as pessoas sempre mobilizadas. É assim que a Assembléia Popular planeja estimular as iniciativas que já estão construindo um novo Brasil.
FALA ZÉ
OHI
CRÔNICA
Dia das Flores para a humanidade Marcelo Barros O calendário diz que, no Brasil, 29 de outubro é o “Dia das Flores”. Não explica o motivo, mas, certamente, é ligado à primavera no Hemisfério Sul, assim como, no Norte, o final de outubro marca o outono, a tal ponto que antigas festas à natureza se uniram à celebração cristã de Todos os Santos e Defuntos para resultar no Hallowen anglo-saxão. Celebrar as flores é um modo de ressaltar que a vida vale a pena e que aceitamos nos renovar. Assim como as abelhas levam o pólen e as roseiras florescem, sempre podemos testemunhar um milagre de amor. Esta semana é rica de datas marcantes. O dia 30 recorda o dia em que o doutor Martinho Lutero deu início à Reforma Protestante. Já o dia 24, aniversário de Goiânia, por feliz coincidência, é também o aniversário da ONU. Isso pode ser sinal de que Goiânia tem uma vocação universal. É chamada a ser ponto de encontro e laboratório de convivência multicultural. A ONU completou 60 anos, fato celebrado em setembro por uma reunião de cúpula de chefes de Estado. Infelizmente, a reunião mostrou que a ONU precisa mesmo de mudanças. Revelou-se incapaz de tomar posição diante dos temas importantes do mundo atual. Não teve força
nem para aplicar as decisões já assumidas pela assembléia geral. Todo mundo falava em reforma do organismo. Não se conseguiu um acordo nem sobre a criação de um novo Conselho Permanente para os direitos humanos. O que o mundo assistiu foi uma indecorosa competição entre os governos, inclusive o nosso, para ter um lugar no Conselho de Segurança. Esta luta de interesses nacionais mesquinhos substituiu a preocupação com a função da ONU de ser instrumento de unidade do mundo. A única proposta original foi a de que todos os países com condições aceitassem destinar 0,7% do seu produto interno como contribuição ao desenvolvimento. Entretanto, isso foi proposto de uma forma tão genérica que não resultará em nada. Conforme o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 2015, os pobres que viverão com menos de um dólar por dia serão 380 milhões de pessoas a mais do que hoje. Em 2003, 18 países com um total de população de 460 milhões de pessoas, viviam uma situação de pobreza mais grave do que no início da década de 1990. De cada dólar investido no desenvolvimento humano, a humanidade continua a investir dez dólares em armas. Internacionalmente, a humanidade continua armada.
No meio deste inverno internacional, começam a surgir algumas flores que anunciam a primavera. O próprio secretário geral da ONU reconheceu: “Hoje, existe uma sociedade civil internacional que não pode mais ser deixada de lado na discussão dos grandes problemas internacionais”. No início de setembro, em Assis, na Itália, aconteceu a 6ª Assembléia da ONU dos Povos que reuniu mais de 200 pessoas, representantes de 140 países. A proposta deste encontro foi a instituição imediata de um parlamento não-governamental das Nações Unidas que funcionaria como consultoria do organismo dos Estados. No Canadá um encontro realizado em outubro propôs transformar a ONU em OMH: “Organização Mundial da Humanidade”. O próprio fato de que a ONU acolhe estas propostas e se propõe a estudá-las é um sinal de esperança. Como diz o profeta: do tronco velho aparentemente morto, sempre pode brotar uma rama nova que florirá. É preciso manter a esperança. Marcelo Barros é monge beneditino. É autor de 27 livros, entre os quais está no prelo A Vida se torna Aliança, (Como orar ecumenicamente os Salmos), Ed. CEBI-Rede da Paz, 2005
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De 27 de outubro a 2 de novembro de 2005
NACIONAL ASSEMBLÉIA POPULAR
Movimentos debatem um novo Brasil Gissela Mate de Brasília (DF)
“A
s eleições, apenas, não vão resolver os problemas do povo brasileiro. É preciso que a população participe diretamente das questões que vão definir os rumos da sua própria vida”. Foi nesse tom que o sociólogo Luiz Bassegio, da Secretaria Intercontinental do Grito dos Excluídos, definiu os objetivos da Assembléia Popular: Mutirão por um Novo Brasil, que começou dia 25 e vai até 28 de outubro, em Brasília. Reunindo milhares de militantes de todo o país para discutir um novo rumo político para a história brasileira, a Assembléia também tem como propósito estabelecer uma agenda unificada de ações para 2006. A iniciativa – que segue o espírito de mobilizações sociais como a Consulta Popular, organizada em 1999, e as Semanas Sociais Brasileiras, realizadas pelas pastorais sociais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – está sendo promovida por mais de 60 entidades religiosas e movimentos sociais, entre os quais a Campanha Jubileu Sul, a 4ª Semana Social, a Cáritas Brasileira, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Marcello Casal Jr./ABR
Milhares de ativistas se reúnem em Brasília para encontrar saídas que levem à justiça social
Representantes de movimentos sociais e de igrejas debatem um novo projeto político para o Brasil, durante a Assembléia Popular, em Brasília (DF)
direção nacional do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB). Os coordenadores do encontro fizeram críticas aos espaços de participação política atual e aos rumos neoliberais da economia brasileira. “Haverá mais arrocho social em 2006 e, além disso, a previsão é de que o Brasil pague cerca de R$ 175 bilhões em dívidas, no próximo ano”, diz Sandra Quintela, integrante da Campanha pela Auditoria da Dívida Externa. A economista considera que instrumentos como referendos e plebiscitos são essenciais à democracia.
CRÍTICAS As novas formas de participação popular vão ser definidas pelos debates da Assembléia, segundo esclareceram os organizadores – entre eles, dom Odílio Pedro Scherer, secretário-geral da CNBB; dom Demétrio Valentini, presidente da Cáritas brasileira; Sandra Quintela, economista do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS); e Gilberto Cervinski, da
O referendo do dia 23 de outubro, sobre a comercialização de armas de fogo, foi analisado por dom Odílio como exercício de participação popular, ainda que não tenha havido o debate político necessário. “O povo decidiu, mas não houve espaço de reflexão profunda sobre o tema. A sociedade entendeu que não pode confiar na segurança pública e isso soa como distorção do real significado que tem o Estado de Direito”, disse o secretáriogeral da CNBB. Complementando, dom Demétrio ressaltou que “faltou valorizar mais o debate. Parece que
formamos nossa opinião diante da televisão e a idéia do referendo é mais do que isso”, observa. “Enxergamos essa Assembléia como instrumento que vem sendo construído em nome de um projeto popular de sociedade”, explicou dom Demétrio. Bassegio acrescentou que o jeito que se faz política, hoje, “não serve mais ao povo do país”. Os integrantes da comissão organizadora da Assembléia reafirmaram, ainda, a independência dos movimentos sociais com relação ao governo. “Não nos reunimos para essa atividade com a idéia de
fazer críticas ao governo, mas para discutir o que é bom para o povo”, reiterou Bassegio. Um exemplo concreto da necessidade de debate público popular está na transposição do Rio São Francisco. “Do ponto de vista da racionalidade, não entendemos a transposição”, afirma o presidente da Cáritas. “O discurso oficial sobre a obra aponta melhorias para a população, mas temos muita experiência para afirmar que não é o povo pobre que irá se beneficiar com a transposição”, completa Cervinski, do MAB.
REFERENDO
Tatiana Merlino e Igor Ojeda da Redação O resultado do referendo sobre a proibição da comercialização das armas, dia 23 de outubro – o “não” venceu com 63,94% dos votos, contra 36,06% do “sim” – reflete um “equívoco” da população brasileira, que não confia na capacidade do Estado de garantir proteção aos cidadãos. Essa é a avaliação de ativistas de direitos humanos e apoiadores do “sim”, para os quais a sociedade deveria rejeitar as armas e exigir que o governo cumpra seu papel. O jurista e professor da Universidade de São Paulo (USP), Dalmo de Abreu Dallari, considera ingenuidade alguém achar que vai comprar um revólver “e sair por aí se defendendo”. Segundo ele, “se as pessoas acham que a situação está ruim, deveriam votar para mudar alguma coisa, não para manter tudo como está”. Os ativistas de direitos humanos também atribuem a vitória do “não” ao formato das campanhas veiculadas na mídia, em que o debate ficou centrado em duas frentes parlamentares, uma de cada lado. “A sociedade civil ficou à margem da discussão; o referendo se tornou exclusividade dos partidos e dos parlamentares”, critica Paulo Carbonari, do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH).
MANIQUEÍSMO Outro problema apontado foi a transformação do debate sobre a comercialização de armas em uma disputa maniqueísta, “uma falsa luta entre o bem e o mal, onde, de um lado, estava o cidadão, e do outro, os bandidos”, explica Carbonari. “O apelo emocional atrapalhou a
Valter Campanato/ ABR
Vitória do “não” abre brecha para endurecimento
Vitória do “não” poderá significar um avanço do conservadorismo na discussão das políticas nacionais
reflexão consistente”, diz. A campanha do “não” explorou bastante a questão do direito à defesa, enquanto a do “sim” não trabalhou com a idéia da defesa do direito coletivo, lembra Orlando Fantazzini, deputado federal pelo PSOL (SP). Para ele, o grupo do “sim” deveria ter atuado propositivamente, explicando que defendia o direito coletivo de não sofrer violência, “o direito à paz”. O deputado também acha que a campanha a favor da proibição da venda de armas deveria ter abordado melhor a questão das vidas perdidas em função do porte de arma. “Poderia ter sido reforçada a tese de que o cidadão não deve ser uma extensão da polícia, de que a questão de segurança pública é de responsabilidade do Estado e não do cidadão”, afirma.
O jurista Dalmo Dallari considerou a pergunta do referendo mal elaborada: “Muita gente ficou confusa. Imagine quantas pessoas votaram não ao controle da comercialização achando que era não às armas. Por isso, o resultado do referendo é duvidoso, não reflete exatamente o pensamento das pessoas”, avalia. A campanha do “não”, cuja propaganda dizia que o governo federal não investe na segurança, “mas quer tirar um direito que é seu”, tirou proveito do descontentamento da população. “Com as pessoas desconfiadas do governo federal, fica fácil fazer os eleitores se apropriarem do discurso conservador dos que eram contrários à proibição do comércio de armas”, analisa a socióloga Julita Lemgruber, diretora do Centro de
Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes.
AVANÇO CONSERVADOR Além da manutenção dos índices de violência em níveis alarmantes, a vitória retumbante do “não” poderá significar um avanço do conservadorismo na discussão das políticas nacionais. “Temo que a gente esteja abrindo as portas, nas próximas semanas, para um endurecimento da legislação penal. Lamento esse tipo de desdobramento, que já é evidente”, alerta Julita. No próprio dia do referendo, com as pesquisas dando ampla vantagem ao “não”, os deputados federais Alberto Fraga (PFL) e Luiz Antônio Fleury Filho (PTB), respectivamente presidente e vice-presidente
da Frente Parlamentar Pelo Direito da Legítima Defesa, propuseram a realização de plebiscitos sobre proibição do aborto, instauração da prisão perpétua e fim ou redução da maioridade penal (hoje de 18 anos). “Uma pessoa de 12, 13 anos, se sabe o que está fazendo, tem de ser julgada”, afirmou Fraga. No entanto, segundo Fantazzini, apesar de a “indústria da violência” achar, devido ao resultado, que a sociedade está seguindo a linha conservadora, esse setor “vai ter uma surpresa”, pois as pessoas não votaram “não” por convicção. “O que mais pesou foi o descontentamento com o governo federal, mais do que a convicção do direito pessoal a ter uma arma”, diz. Para Mariana, do Instituto Sou da Paz, muitas pessoas votaram contra a proibição simplesmente para defender liberdades civis, e não por acreditar em políticas reacionárias. “Quando o pessoal do ‘não’ quiser usar esse discurso, elas vão começar a se rebelar e dizer ‘não foi nisso que eu votei’”, acrescenta. Para o jurista Dalmo Dallari, mesmo que essas questões sejam levantadas, não existe a menor possibilidade de serem postas em prática pois, segundo ele, algumas delas são inconstitucionais, não podendo ser objetos de projetos de lei. Independentemente do resultado do referendo, a realização da consulta foi “um passo para aprofundar a democracia” no país, na opinião de Paulo Carbonari. “A sociedade civil demorou muito para se apropriar desses mecanismos”. Dallari concorda: “É um instrumento de democracia direta previsto na Constituição que nós não temos usado. Esse é o momento de acelerar sua utilização, que é democratizante”.
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Espelho DIREITOS HUMANOS
Rede TV! pode ser cassada
da Redação
Gestão Gushiken Estava na cara que mais dia menos dia o esquema de comunicação do governo Lula apresentaria os aspectos espúrios das relações com as grandes agências de publicidade, gráficas e veículos de comunicação. O Tribunal de Contas da União acaba de revelar que a Secom deu prejuízos de R$ 15 milhões aos cofres públicos devido a serviços não prestados ou supervalorizados. O mar de lama continua. Posto avançado A empresa líder dos sistemas de buscas na internet, a Google, dos Estados Unidos, fechou o terceiro trimestre do ano com lucro líquido de 381 milhões de dólares, sete vezes mais do que no mesmo período de 2004, e está entrando no Brasil com força total sem encontrar nenhuma resistência legal e operacional. Mais uma área entregue à dependência estrangeira. Pesos diferentes A TV Globo não aprende mesmo: depois de Proconsult (1982), campanha das diretas (1984), debate Lula versus Collor (1989) e outras milhares de sacanagens contra o povo brasileiro, agora dá tratamento diferenciado ao caixa dois do tucano Eduardo Azeredo, ex-governador de Minas Gerais, que usou o mesmo esquema do Marcos Valério. Para a corrupção do PT, o “jornalismo” da Globo faz tremendo escândalo; a corrupção do PSDB, trata como caso corriqueiro. E ainda tem gente no Palácio do Planalto que considera a Globo uma emissora aliada. Chega de baixaria A campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania” foi criada por parlamentares do PT e faz denúncias de veículos de comunicação social que prestam péssimo serviço para a sociedade. Na última edição da Veja, a revista de maior baixaria no mercado, havia páginas de anúncios da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil, do Ministério do Esporte e dos Correios. Será que o governo Lula pediu autorização do povo para financiar a baixaria? Avanço reacionário Nem bem o resultado do referendo sobre o comércio de armas tinha sido concluído, os setores conservadores iniciaram uma grande investida para reduzir a idade penal (antiga luta da direita), criar a pena de prisão perpétua e proibir totalmente o aborto. A nova escalada fascista está contando com forte apoio da mídia e o silêncio dos movimentos de direitos humanos, das organizações de esquerda e dos intelectuais. Sentimento geral Autor do documentário Entreatos, que mostra por dentro a campanha vitoriosa de Lula em 2002, o cineasta João Moreira Salles, admite, em entrevista para a Folha de S. Paulo, que o então candidato não tinha projeto para o Brasil. Questionado sobre a avaliação que faz, hoje, do governo Lula, Salles responde: “Como cidadão, igual a todo o Brasil, acho que é uma imensa decepção. Ninguém poderia supor que a derrocada seria tão grande”. O que fazer? Visão crítica Defensora incansável do PT e do governo Lula, a filósofa Marilena Chauí, em entrevista que será publicada na revista Caros Amigos de novembro, faz, pela primeira vez, várias críticas ao governo e ao partido - e aposta na militância da base petista para dar novo rumo às lutas sociais. É só conferir.
Ministério Público pede suspensão da concessão e indenização à sociedade Bel Mercês da Redação
Divulgação
Ridículo oficial A grande imprensa escondeu, mas a Agência Carta Maior e o jornal Brasil de Fato registraram o ato público realizado na frente do prédio da Anatel, em São Paulo, dia 20 de outubro, pela democratização das comunicações, quando o gerente regional de fiscalização da agência, muito irritado, deu ordem de prisão aos manifestantes. Até a Polícia Federal tentou conter o desequilibrado fascista. Assim funciona o órgão de repressão às rádios comunitárias.
“A
ssim como o Pato Donald nas histórias em quadrinhos, os desgraçados na vida real recebem a sua sova para que os espectadores possam se acostumar com a que eles próprios recebem”. Com essa citação do filósofo alemão Theodor W. Adorno, o procurador regional dos direitos do cidadão em São Paulo, Sérgio Suiama, apresentou uma ação, protocolada dia 24 de outubro na Justiça Federal. Na ação, o Ministério Público Federal (MPF) pede a cassação da concessão da TV Omega Ltda., a Rede TV!, por violação dos direitos humanos, discriminação contra homossexuais e manifestações de homofobia cometidas pelo quadro de “pegadinhas” do programa Tarde Quente, apresentado por João Kleber. Segundo Suiama, o pedido de cassação é legítimo porque “o MPF vem apurando denúncias de humilhações há mais de três anos. Também não se trata de um único programa, há outros na emissora que violam os direitos humanos. Nós já tentamos com insistência um ajuste de conduta com a Rede TV! para suspender a exibição das pegadinhas, mas nada foi feito”. Seis entidades da sociedade civil, das áreas de direitos humanos, comunicação e do movimento Gays Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (GLBT) também assinam a ação. Segundo Renato Baldin, vice-
Banner divulgado na internet contra a baixaria do apresentador João Kleber
presidente da Parada Gay, uma das signatárias do documento, “ a Rede TV! não só viola os direitos humanos, mas incita à violência contra os homossexuais, que além de serem motivo de risada são sempre agredidos fisicamente”. O MPF já moveu outras ações contra concessões públicas em função da discriminação. A Rede Record foi notificada por discriminação afro-racial e duas recomendações foram feitas à Rede Globo em função da homofobia praticada no programa humorístico Zorra Total. O caso mais famoso aconteceu com a suspensão do programa
Domingo Legal, que apresentou entrevistas com supostos líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC). “Não queremos um controle moral da mídia, mas respeito à Constituição. Espero que o Judiciário veja que uma concessão pública não pode ser usada para desrespeitar os cidadãos”, esclarece Suiama. No caso da Rede TV!, o Ministério Público pede, além da cassação da concessão, que a Justiça conceda liminar determinando a suspensão imediata do programa. Requer, ainda, como direito de resposta aos ofendidos, que seja
exibida, no mesmo horário do programa, durante 60 dias, programação sobre direitos humanos e contra a discriminação por orientação sexual, com custos arcados pela própria emissora. A ação exige que o apresentador e a Rede TV! sejam condenados a indenizar a sociedade por dano moral coletivo, com R$ 20 milhões – cerca de 10% do faturamento bruto anual da emissora. Os dois programas apresentados por João Kleber, Tarde Quente e Eu vi na TV, recebem, desde 2003, via Ministério Público Federal, queixas de telespectadores. Também aparecem, desde 2004, na lista de campeões de reclamações da campanha “Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania”, criada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e coordenada pelo deputado Orlando Fantazzini (PSOL-SP). “A mídia tem um poder muito forte sobre as pessoas. Um estereótipo na TV estimula a discriminação. Nós queremos espaço na mídia, de participação e controle. Queremos colocar a homossexualidade em pauta por um discurso real, a partir do conceito de igualdade humana”, argumenta Baldin. Dia 25, o ativista gay Cláudio Alves dos Santos foi assassinado, no Rio de Janeiro. Informações dos movimentos sociais em defesa da causa homossexual informaram que sinais de tortura no corpo indicavam que ele foi vítima de crime de homofobia.
MÍDIA
Democratizar para transformar a sociedade A 3ª Semana Nacional pela Democratização da Comunicação terminou dia 23 de outubro, na cidade de São Paulo, com um ato simbólico realizado no Instituto Pólis. Entidades e movimentos de diversas frentes sociais assinaram uma carta onde assumiram o compromisso de incorporar a bandeira da democratização da comunicação, que integra a luta por uma sociedade mais democrática e igualitária. Assinaram a carta cerca de 20 entidades das áreas de comunicação, direitos humanos e movimento GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros), entre outras. Para a jornalista Bia Barbosa, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, uma das organizadoras da Semana, “sem esse compromisso político não conseguiremos efetivar o direito humano à comunicação”. Após a assinatura da carta, foram exibidos vídeos produzidos por jovens do Projeto Cala a Boca já Morreu, que trabalha com educação pelos meios de comunicação, dirigido a crianças e adolescentes de 7 a 18 anos. Também foi exibido o documentário Domingo no Parque, que conta
Bia Barbosa
da mídia
NACIONAL
Estudantes participam do protesto “De costas para Hélio Costa”, em São Paulo (SP)
a história de algumas organizações do movimento pela democratização da comunicação a partir da concepção da 2ª Semana Nacional pela Democratização da Comunicação, realizada em 2004. Em Brasília (DF), o encerramento da Semana Nacional teve um ato público na Torre de TV, onde foi montada uma rádio para transmissão ao vivo de debates e programação cultural. Aconteceram
atividades pela Semana também na Baixada Santista, litoral paulistano, em João Pessoa (PB), Porto Alegre (RS), São Luís (MA), Rio de Janeiro (RJ) e Vitória (ES), entre outras cidades.
ANATEL Durante a tarde do dia 20 de outubro, estudantes e ativistas contra o monopólio da mídia realizaram um protesto batizado com título
Trechos da Carta-Compromisso “Para que a diversidade e a pluralidade características da nossa sociedade se reflitam nos meios de comunicação e para que este passe a ser um espaço ocupado por todos e todas, se faz urgente a democratização da comunicação no Brasil, visando à plena efetivação do direito humano à comunicação. Acreditamos que: • a democratização da comunicação é uma luta fundamentalmente conectada às lutas populares; • a busca pela pluralidade de sujeitos e opiniões na mídia é central para mostrar que todas as pessoas têm direito de expressar suas opiniões; • a garantia da diversidade é pressuposto para a garantia da igualdade nos meios de comunicação; • a isenção e a imparcialidade dos meios de comunicação são mitos a serem desconstruídos; • as violações dos direitos humanos cometidas pelos meios de comunicação devem ser combatidas sistematicamente, assim como a criminalização dos movimentos sociais por parte da mídia; • a implantação de instrumentos de controle público sobre a mídia comercial deve ser uma luta de toda a sociedade; • é necessária a criação, por parte do Estado, de espaços de comunicação públicos e de gestão participativa, que possibilitem a plena apropriação da comunicação por parte de todos os sujeitos sociais; • movimentos sociais, ONGs e indivíduos devem ser solidários e se posicionar contra a repressão a todas as formas de comunicação; • modelos flexíveis de gestão da propriedade intelectual, assim como ferramentas e tecnologias livres e colaborativas devem ser adotadas como forma de estímulo ao desenvolvimento pleno e ao aumento do acesso aos benefícios do conhecimento humano”.
“De costas para Hélio Costa”. Os manifestantes fecharam com correntes e cadeados os portões do prédio da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) de São Paulo. Diogo Moyses, da Articulação Nacional pelo Direito à Comunicação (Cris Brasil), diz que Hélio Costa “tem atuado como um representante dos interesses das emissoras e, por tabela, como um adversário dos que acreditam que é necessária a democratização da mídia”. Os manifestantes tentaram entregar uma carta ao gerente da Anatel, Paulo Januário, mas o documento não foi protocolado. Nessa carta, as entidades que organizam a Semana na cidade e a Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço) reivindicam mudanças na política de radiodifusão comunitária, na hegemonia existente na radiodifusão nacional, e pedem a democratização do acesso à comunicação por um sistema brasileiro de TV digital, além de um sistema de rádios digitais que permita a multiplicação dos canais e desenvolva a tecnologia nacional. “A digitalização da televisão brasileira é a questão mais importante. A TV digital pode aumentar radicalmente o número de programações à disposição da população, inclusive abrindo espaço para emissoras públicas e privadas sem fins lucrativos. Pode se tornar um poderoso instrumento de inclusão digital, uma vez que haverá um canal de retorno. Também pode incentivar o crescimento da indústria nacional”, acredita Moyses. No Rio de Janeiro, a sede da Anatel foi igualmente interditada dia 19, com uma fita de isolamento. Uma ato público contou com apresentações de artistas como BNegão, De Leve e Marcos Lima. Assim como em São Paulo, a manifestação foi batizada de “De Costas para o Helio Costa”. (BM, com Agência Carta Maior, www.a genciacartamaior.com.br)
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NACIONAL CIDADANIA
O Brasil, uma falsa democracia racial Relator da ONU visita diversas cidades brasileiras e conclui: nestas, há discriminação pela cor da pele clara sua insatisfação com a mídia brasileira. “Quando chego num país, a primeira coisa que faço é ligar a TV, conhecer o lugar, ver as notícias, ver as pessoas. Mas a imagem que vi aqui parace vir de outro planeta”, ilustrou Diène. Em sua passagem, ele também pôde conversar com alguns veículos de imprensa, que não quis mencionar, e revelou que as respostas não foram satisfatórias.
Agência Brasil
Dafne Melo da Redação
A
pós um périplo por diversas cidades brasileiras, o relator especial da Organizações das Nações Unidas para o Racismo, a Discriminação Racial e Xenofobia, Doudou Diène, divulgou, em entrevista coletiva, uma visão preliminar do que tem visto e apurado pelo país: no Brasil, há discriminação racial. Ele passou por Brasília, Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Retornou à capital federal, em 26 de outubro, para reunir-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O resultado de suas reflexões será formalizado em um relatório, que deve ser divulgado no final de novembro. Sobre o documento, Diène declarou que seu trabalho não é fazer um julgamento subjetivo da discriminação racial no país. Ele pretende analisar a situação do Brasil com base em compromissos assumidos pelo governo brasileiro durante a 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial e a Xenofobia, em Durban, África do Sul, em 2001.
METODOLOGIA A última vez que o Brasil havia recebido um relator da ONU para o racismo foi em 1995. Daniel Teixeira, assessor jurídico do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e da Desigualdade (Ceert), que se reuniu com Diène, acredita que a visita é importante para “dar continuidade ao debate sobre a existência da discriminação racial no Brasil, o que a ONU já vem apontando”.
PAPEL DA ONU
O relator da ONU, Doudou Diène, recebe da ministra Matilde Ribeiro relatório sobre discriminação racial no Brasil
Durante sua permanência, o relator ouviu representantes dos governos em todas as esferas, organizações da sociedade civil e as comunidades – de indígenas, quilombolas, favelados – envolvidas. O relator especial contou que suas investigações sobre a discriminação brasileira têm como eixo três perguntas básicas: se há racismo no Brasil, como se manifestam o racismo e a intolerância e quais as soluções que têm se mostrado consistentes. Quanto à primeira ques-
tão, Diène salientou que o primeiro passo para se combater o racismo é admitir que ele existe.
ONDE ESTÁ O RACISMO Embora a resposta pareça óbvia, no Brasil, o mito da democracia racial ainda persiste em diversos setores da sociedade. Diène comentou que ouviu o discurso ser reiterado por diversos políticos. “Eles eram sinceros, acreditam mesmo na democracia racial”, contou, preocupado.
Diène, entretanto, enfatizou que o racismo existe sim, e que “é muito profundo”. Quanto ao modo em que esta discriminação aparece na sociedade, o relator citou indicadores sociais relativos às populações negras, o que reflete na maneira como se inserem na sociedade. “Nas estruturas de poder sociais, políticas e econômicas o Brasil é um país diferente daquele das ruas, pois não reflete a diversidade racial”, disse. Em sua fala, o relator da ONU também deixou
Para Teixeira, a reunião que teve com Doudou Diène e outras organizações do movimento negro foi muito válida para “encontrar os pares, ver os avanços, e o que outras organizações estão fazendo”. Para ele, outro ponto positivo foi verificar que todas as entidades enxergam a necessidade de uma ação mais efetiva da ONU. “Além de formular o diagnóstico, é necessário mais pressão por parte da ONU”, acredita o representante do Ceert. Tanto Teixeira quanto Diène manifestaram a necessidade de se cobrar a efetivação de políticas públicas, muitas já formuladas, mas não levadas para frente. “A esfera jurídica mostra vontade de combater o racismo. As leis são instrumentos de combate existentes, mas o que devemos colocar é: elas são aplicadas?”, questionou Doudou Diène. Teixeira acredita que este poderia ser um dos pontos de maior atuação da ONU, pressionando o poder público. “Poderíamos pensar em como a ONU pode contrubuir para construir estes instrumentos de pressão”, conclui.
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NACIONAL MORADIA
Prefeitura não cumpre promessa
Hamilton Octavio de Souza
Famílias afirmam que secretário de Serra garantiu R$ 5 mil para quem fosse embora de São Paulo
Cinismo elitista - 2 Apenas por um doleiro, o Birigui, o esquema de roubo de Paulo Maluf mandou 160 milhões de dólares para o exterior, resultado de obras superfaturadas com o dinheiro do povo de São Paulo. Essa grana toda ainda não foi recuperada, e é com ela que Maluf banca equipes de advogados, jornalistas e compadres no Poder Judiciário. Aquela mulher negra, desempregada, que furtou um xampu de uma drogaria ficou mais de ano esquecida na cadeia. Esse é o Brasil do Supremo Tribunal Federal. Cinismo elitista - 3 De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, do dia 22 de outubro, o criminalista e professor Luiz Flávio Gomes, da Unisul, de Santa Catarina, elogiou a decisão sobre Maluf: “O STF tem de agir rápido quando descobre alguma situação de injustiça; e foi o que fez, corajosamente”. Ainda bem que o Supremo Tribunal Federal está vigilante para acabar com todas as injustiças! Relação suspeita A última que faltava: a quebra do sigilo telefônico do publicitário Marcos Valério, o caixa dois do mensalão junto com o petista Delúbio Soares, revelou que ele esteve muito ativo nos contatos com o Congresso Nacional e o Banco Rural (fornecedor do dinheiro vivo) no dia de aprovação da Medida Provisória que liberou os transgênicos no Brasil, em maio deste ano. Tudo indica que o lobby vencedor contou com incentivo extra – contra os interesses nacionais. Vitória internacional A Unesco conseguiu aprovar, na semana passada, contra os votos de Estados Unidos e de Israel, a convenção internacional que procura preservar a diversidade cultural por meio da promoção das tradições étnicas e das culturas locais, contra os efeitos destrutivos da indústria cultural globalizada. O receio dos Estados Unidos é de que a convenção possa criar barreiras de mercado para seus filmes, músicas e outros produtos. Na verdade, é isso mesmo – em defesa da cultura de cada povo. Sem resposta Durante sua recente visita à Itália, o presidente Lula recebeu uma carta do Comitê de Apoio ao MST e da Associação de Amigos do MST, que funcionam há anos naquele país, na qual solicitam atendimento de emergência para as 140 mil famílias acampadas e para os pontos acordados em maio, após a Marcha Nacional pela Reforma Agrária, de Goiânia até Brasília. As entidades ficaram sem resposta. Realidade numérica Mesmo que o desempenho econômico do país registre um bom crescimento este ano, o que ainda é uma grande dúvida, dificilmente o governo Lula, no ritmo em que está, conseguirá recuperar os níveis salariais anteriores aos dos governos FHC. Segundo o IBGE, no período de 1996 a 2003, os salários médios pagos pelas empresas caíram 11%; valiam 5,5 vezes o salário-mínimo e fecharam 2003 valendo 3,7 vezes o salário-mínimo. Por isso tem ocorrido uma nova onda de greves. Guerra perdida Relatório da ONG Transparência Internacional classifica o Brasil na 62ª posição, entre 158 países, no ranking de percepção de corrupção, com índice 3,7. Segundo a entidade, índices abaixo de cinco representam níveis graves de corrupção. O problema do Brasil é que o aparato de corrupção das elites econômicas domina as forças políticas que controlam o aparelho de Estado, tira do povo e concentra nas mãos dos ricos. Ou seja, a corrupção gera e sustenta a desigualdade.
Marcelo Netto Rodrigues da Redação
D
iferentemente do que os semteto asseguram ter ouvido do secretário de Assistência e Desenvolvimento Social da cidade de São Paulo, Floriano Pesaro, a prefeitura não vai dar R$ 5 mil para cada família que aceite voltar ao seu Estado de origem. A proposta de ajuda do prefeito José Serra se restringe ao custeio das passagens de ônibus às 124 famílias que continuam acampadas nas calçadas das ruas Plínio Ramos e Mauá, na região central da cidade de São Paulo. “De nenhuma forma será dado dinheiro em espécie às famílias. Quando nós falamos em R$ 5 mil, nos referimos a um limite máximo por grupo familiar, na compra de passagens”, informou a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social – segundo a qual, até o fechamento desta edição, no início da noite do dia 25 de outubro, o secretário não poderia atender a reportagem. Em contrapartida, todas as famílias que o Brasil de Fato entrevistou dizem ter escutado o contrário do secretário, em uma reunião na semana passada. “Ele nos falou, sim, que daria R$ 5 mil para quem quisesse ir embora. Até dissemos que só íamos acreditar se ele nos desse um documento por escrito”, contestou Moisés José dos Santos, um dos nove coordenadores do Movimento de Moradia da Região Centro (MMRC), que organiza a ocupação da Plínio Ramos. “Eu estava sentada ao lado do secretário, compondo a mesa, quando ele disse que quem quisesse ir embora iria receber uma ajuda de custo de R$ 5 mil. Ele até pediu que quem quisesse, levantasse a mão”, confirma Roseneide Cândido. José Raimundo Souza Reis, que com mais duas pessoas coordena as outras famílias que estavam na ocupação Paula Souza (agora na Rua Mauá), também confirma a oferta feita pelo secretário: “Só acredito no que ele falou depois que o dinheiro estiver nas mãos das famílias que quiserem ir”.
Rosineide Cândido agora mora em um barraco armado na calçada: mais uma vítima da administração tucana
Casa e telefone. Na calçada “Pode me ligar, que eu não vou sair de casa a semana inteira”, diz Rosineide Cândido, 39 anos. A frase não soaria estranha se o que Rosineide chama de casa não fosse um barraco na calçada onde só cabe uma cama. E o telefone a que se refere não fosse um orelhão que serve de estrutura para amarrar a lona do teto sob o qual ela se abriga, com sete filhos, na Rua Plínio Ramos. Rosineide, natural de Itapetim (PE), está há 32 anos em São Paulo. Mesmo a contragosto, voltaria para sua terra natal se recebesse o dinheiro para a viagem: “Preferia ficar, mas não quero voltar para as calçadas ou ser esquecida no galpão”.
famílias concordaram em se mudar, até o dia 28 de outubro, para um galpão que está sendo transformado em alojamento pela prefeitura, no bairro do Canindé. A mudança, no entanto, não resolve a situação dos sem-teto. O alojamento só poderá ser usado pelas famílias até que elas consigam alugar um imóvel com os recursos obtidos por bolsa emergencial de R$ 300 mensais concedida pelo governo do Estado (R$ 250) em conjunto com a prefeitura (R$ 50), durante o período de um ano. “Como vou alugar um lugar para morar e sobreviver com R$ 300 se nos piores lugares que eu procurei, em pensões velhas, nas ruas que alagam, cobram mais do que isso, pedem três meses de depósito e não
ALOJAMENTO Mesmo se a hipótese de dar dinheiro às famílias fosse verdadeira, apenas 28 das 124 famílias aceitariam a proposta. De concreto, a única coisa certa é que todas as
Há quatro anos, ela perdeu o marido assassinado. Meses atrás, perdeu o emprego numa fábrica de cintos, depois que apareceu na televisão falando em nome das famílias despejadas. “Os patrões não gostam de pobre, disseram que pegaria mal se os clientes me reconhecessem como uma sem-teto”. Na função de auxiliar de produção, ela ganhava um salário-mínimo e meio. Seu sonho era voltar a viver no prédio do qual foi despejada há três meses – e onde morou por quase três anos. Mas seria praticamente impossível, pois depois de terminada a disputa judicial os apartamentos vão ser oferecidos só para pessoas que comprovem renda de três a quatro salários-mínimos. (MNR)
aceitam famílias com mais de duas crianças?”, pergunta Helenice Ribeiro de Souza, 36 anos e 6 filhos. As duas ocupações resistiram por quase três anos, antes dos despejos. Há três meses, as famílias da ocupação Plínio Ramos estão acampadas em frente ao prédio em que viviam, enquanto as da ocupação Paula Souza vão completar um mês acampadas numa rua paralela. Esta última conta com o apoio da Unificação das Lutas de Cortiço (ULC) e da União Nacional por Moradia Popular (UNMP).
GEGÊ O Comitê pela Liberdade de Gegê lembra que ainda está em vigor o pedido de prisão provisória con-
tra o militante do movimento dos sem-teto e moradia de São Paulo e coordenador nacional da Central de Movimentos Populares (CMP). Gegê está sendo acusado de co-autoria num homicídio ocorrido em 2002, em São Paulo. Estão sendo reivindicadas ao Ministério Público e ao Poder Judiciário garantias para que Gegê possa responder ao processo em liberdade e provar que não teve nenhuma participação no crime. O Comitê pede que sejam mandadas mensagens eletrônicas para acs@mj.gov.br ou para o fax (61) 3225-6288 pedindo ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, a realização de uma audiência para que se chegue a uma solução que acabe com a perseguição a Gegê.
EDUCAÇÃO NO CAMPO
Famílias comemoram um ano do centro de educação infantil em assentamento Christiane Campos de Eldorado do Sul (RS) O Assentamento Integração Gaúcha, em Eldorado do Sul, região metropolitana de Porto Alegre (RS), comemorou o primeiro aniversário do Centro de Educação Infantil. Trata-se de uma conquista especial porque esse é o primeiro assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) a ter educação infantil pública para crianças de 1 a 6 anos. Segundo a Pesquisa Nacional da Educação na Reforma Agrária, feita pelo Ministério da Educação em conjunto com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em 2004, apenas 4% das crianças de 0 a 3 anos e 47% das crianças de 4 a 6 anos são atendidas com educação infantil nas áreas de reforma agrária. Para o MST, esses números são ainda menores pois somente algumas escolas de assentamentos e acampamentos contam com pré-escola pública para crian-
Christiane Campos
Cinismo elitista - 1 O empresário Paulo Maluf, provavelmente um dos políticos mais corruptos do Brasil, passou 40 dias numa cela da Polícia Federal cercado de privilégios, depois de 35 anos de desmandos e roubalheiras. Na última semana, o Supremo Tribunal Federal mandou soltar o ladrão. A justificativa do ministro Carlos Velloso, defensor de Maluf, é de que “a Corte tem de fazer cumprir a Constituição”. Se isso valesse para o povo brasileiro, o país seria outro.
Anderson Barbosa
Fatos em foco
Centro de Educação Infantil atende crianças de 1 a 6 anos
ças a partir dos 4 anos; as crianças menores não têm acesso à educação infantil pública. Em geral, o próprio movimento organiza um espaço para os pequenos, as cirandas infantis, que funcionam com o trabalho voluntário de pessoas acampadas e assentadas. Por isso, na maioria das vezes, é um espaço de cuidado que viabiliza a
participação das mães nas atividades produtivas, reuniões, cursos. No assentamento Integração Gaúcha, 26 crianças freqüentam a educação infantil mantida pela prefeitura. No período da manhã, as crianças são divididas em duas turmas por faixa etária: uma turma de 1 a 4 anos e outra de 4 a 6 anos. No
período da tarde, as crianças ficam todas juntas. “Temos muito orgulho de ter rompido mais esta cerca para garantir a nossas crianças o direito à educação infantil, o que melhorou muito a qualidade de vida delas e nossa – agora podemos trabalhar com tranqüilidade, sabendo que nossos filhos e filhas estão em segurança, recebendo alimentação, cuidados e aprendendo”, diz Lúcia, mãe de Alice, de 5 anos. “Como tudo que temos aqui no assentamento – a terra, a casa, as plantações, a escola –, esse centro de educação infantil também é fruto da luta das famílias sem-terra, é mais uma conquista do MST”, afirma Mauro Cibulski pai de Luiza, de 3 anos. No assentamento vivem cerca de 80 famílias, entre assentados e parentes. A escola atende cerca de 50 crianças a partir dos 7 anos de idade. Antes do Centro de Educação Infantil as crianças menores tinham que acompanhar os pais e as mães nos trabalhos ou ficar trancadas em casa.
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NACIONAL CONJUNTURA
A economia volta a esfriar AFP
Até mesmo uma entidade de pesquisas econômicas ligada ao governo passa a prever queda da produção industrial Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
VENDAS DE VEÍCULOS NO PAÍS
H
á alguns dias, uma das maiores fábricas de motores elétricos do país decidiu reduzir em pouco mais de um quinto os investimentos que previa realizar em 2005. Entre outros motivos, porque a demanda não teve fôlego para alcançar as metas desenhadas pela empresa. Na mesma linha, num dado incomum para o período, grandes fabricantes de geladeiras, máquinas de lavar e fogões decidiram conceder férias coletivas a seus funcionários pela segunda vez neste ano. O motivo? Queda nas vendas desses produtos. Os números preliminares sobre o desempenho da economia entre julho e setembro, com destaque negativo para a produção industrial, apontam uma tendência de desaquecimento da atividade econômica no país, depois de um segundo trimestre ligeiramente mais vigoroso do que os três meses imediatamente anteriores. Os mesmos dados tendem a confirmar, portanto, que a economia entrou em fase de “gangorra”, alternando, como o Brasil de Fato tem mostrado, períodos de algum crescimento com etapas de esfriamento geral dos negócios, refletindo a política de juros estratosféricos que o governo insiste em preservar. Aparentemente, ganhos eventuais verificados para os salários e o emprego têm sido insuficientes para compensar os efeitos negativos da política de juros escorchantes, impedindo vôos mais altos para a economia. Neste momento, uma entidade de pesquisa subordinada ao Ministério do Planejamento acaba de revisar suas projeções para o segundo trimestre do ano, revendo o otimismo revelado no início da segunda metade do ano.
Dados em mil unidades, modelos nacionais e importados Período
Vendas
Set/04
137,7
Out/04
136,9
Nov/04
138,8
Dez/04
178,0
Jan/05
106,6
Fev/05
114,9
Mar/05
149,4
Abr/05
137,7
Mai/05
143,0
Jun/05
148,5
Jul/05
138,7
Ago/05
151,6
Set/05
144,4
Fonte: Anfavea
ção industrial no acumulado entre julho e setembro frente ao segundo trimestre – o que significaria dizer, se o dado viesse a ser confirmado, que a economia teria entrado numa fase de crescimento baixo, mas constante. Nem isso parece estar ocorrendo. Depois de estimar uma retração de 1,6% para a atividade industrial, em setembro, o Ipea passou a considerar a possibilidade de uma retração de 0,5% em todo o terceiro trimestre. Diante dos novos números, observados pelos pesquisadores da entidade, o Ipea não descarta sequer a possibilidade de um encolhimento também dos investimentos, o que poderá complicar as possibilidades futuras de retomada da atividade econômica. Projeções como essas tomam como base dados concretos, já divulgados, a respeito do comportamento de setores importantes da economia em setembro. As vendas domésticas de aço – insumo básico, fundamental na economia, já que é utilizado pelas principais indústrias, incluindo veículos, geladeiras, fogões, máquinas de lavar, má-
OTIMISMO REVISADO O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), há menos de 30 dias, chegou a projetar um crescimento de 1,8% para a produ-
Produção e venda de automóveis, entre outros produtos, registraram queda em setembro devido à política dos juros altos
quinas e outros – despencaram 19% no terceiro trimestre deste ano, no pior desempenho do setor desde o primeiro trimestre de 2003. Para quem não se lembra, naqueles três meses a economia experimentava uma crise em função das incertezas que rondaram as eleições de 2002 e a atividade econômica encontrava-se literalmente no fundo do poço. Em parte, a queda na produção e nas vendas de aço, de acordo com o Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS), deve-se ao fato de as indústrias em geral terem acumulado estoques elevados de aço no começo do ano, temendo novos aumentos de preços. Obviamente, como os custos para manter estoques permanecem proibitivos (devido aos juros altos), as indústrias esperavam um aumento do consumo para desovar aqueles estoques rapidamente ao longo do ano. A queda da produção (menos 9%) e do consumo de aço no terceiro trimestre sugere que tem havido dificuldades maiores
As vendas de produtos da chamada “linha branca” (fogões, geladeiras, máquinas de lavar roupa e lavadora de louça) chegaram a disparar, com salto de 28% na primeira metade de 2005, na comparação com idêntico período do ano passado. Entre janeiro e setembro, no entanto, os dados da indústria passaram a apontar queda de 3%, indicando brusca desaceleração exatamente no terceiro trimestre (o que pode sinalizar números abaixo daqueles esperados para as vendas de fim de ano). Apenas em setembro, os fabricantes de fogões, geladeiras e máquinas de lavar, pela ordem, venderam menos 25%, 15% e, novamente, 15% menos ao comércio, num reflexo de um mercado consumidor mais fraco. Algumas indústrias foram levadas a conceder férias coletivas em duas ocasiões desde o início do ano, numa situação inédita. Normalmente, quando há necessidade, o setor concede férias a seus funcionários no final do ano, aproveitando a paralisação geral em função das festas de Natal e reveillon. Em qualquer um dos casos, o objetivo é reduzir a produção e evitar o acúmulo de estoques em função do consumo desaquecido. Esses números contrastam com o desempenho das vendas de televisores de 29 polegadas e DVDs, que continuam crescendo em ritmo acelerado. A indústria espera vender mais de 8,6 milhões de
Agência Brasil
Vendas de geladeiras desabam e inadimplência aumenta
Cresce a venda de televisores de 29 polegadas e DVDs
aparelhos de televisão, superando o recorde de 1996. No ano passado, a indústria vendeu 7,7 milhões de aparelhos. Caso confirmada a projeção para 2005, haveria um incremento de quase 12% no fechamento do exercício. No caso dos DVDs, há ainda o fato de este ser um mercado em fase de consolidação, na qual saltos de vendas são rotineiros porque parte-se de uma base ainda reduzida para comparação. Essa tendência deve perdurar até que um maior número de famílias tenham acesso ao produto, quando as vendas atingirão
um ponto de saturação, passando a crescer com menor fôlego. O contraste entre esses dados, de qualquer forma, serve apenas para referendar o desempenho desigual e irregular da economia, observando-se a convivência de setores em plena crise com outros que ainda conseguem preservar o crescimento, muito especialmente em função da maior oferta de crédito ao consumidor – uma tendência que também parece ter alcançado um teto e que, daqui em diante, poderá não repetir o mesmo comportamento. (LVF)
do que as previstas para a venda daqueles estoques no mercado. Em setembro, especificamente, a produção foi 1,8% menor do que em agosto deste ano e encolheu 7,5% frente a igual período de 2004. Na previsão do IBS, a produção brasileira de aço deverá recuar 4,5% neste ano, em comparação a 2004, no primeiro tombo desde 2002.
MAIOR LENTIDÃO A produção e as vendas da indústria automobilística registraram ritmo mais lento em setembro. No primeiro caso, com a produção de 205,85 mil veículos, houve queda de 5,6% em relação a agosto e variação positiva de apenas 1,3% na comparação a setembro de 2004. As vendas no mercado domésti-
co, medidas pelo total de veículos licenciados, segundo a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), chegaram a 144,35 mil unidades, correspondendo a queda de 4,8% diante de agosto deste ano e a um avanço coincidentemente de 4,8% frente a setembro do ano passado. As exportações desabaram 12,4% em setembro, caindo de 69,465 mil unidades em agosto para 60,841 mil no mês seguinte. Foi o pior desempenho desde janeiro, quando a indústria havia embarcado apenas 40,6 mil unidades. O nível de emprego nas montadoras de veículos permanece virtualmente estabilizado desde julho, quando chegou a quase 108 mil empregados.
Cresce o número de cheques devolvidos No varejo, a situação não é mais tão animadora como parecia. A crescente oferta de crédito, que havia despertado temores de uma recaída da inadimplência entre os lojistas, parece ter encontrado seu limite como fator de estímulo às vendas em geral. Pelo menos é o que parecem sugerir as estatísticas sobre cheques sem fundos apuradas pela Serasa, empresa especializada na prestação de serviços de assessoria e análise de crédito a empresas e bancos. Em todo o país, o levantamento da Serasa mostra que o total de cheques devolvidos na segunda apresentação por falta de fundos aumentou 4,3% em relação a agosto e chegou ao correspondente a 19,4 documentos devolvidos a cada mil cheques compensados. Na comparação com setembro do ano passado, quando as devoluções limitaram-se a 15,2 a cada mil compensados, houve um salto de 27,6%. De acordo com a Serasa, trata-se da segunda maior marca do ano e, da mesma forma, do segundo maior índice desde 1991, quando a empresa iniciou a pesquisa. Em setembro deste ano, foram compensados 157,7 milhões de cheques no país, dos quais 3,1 milhões devolvidos por falta de fundos. Entre janeiro e setembro, a Serasa aponta um incremento de 17,8% no número de cheques devolvidos por falta de fundos, correspondendo a 18,5 documentos a cada mil compensados diante de 15,7 em igual período do ano passado. Em valores absolutos, o total de cheques compensados encolheu 6,2% (de 1,6 bilhão para 1,5 bilhão de documentos processados pelos bancos) e o número de cheques sem fundos avançou 9,7% (de 24,7 milhões para 27,1 milhões).
SEM FUNDOS Total de documentos devolvidos na segunda apresentação a cada mil compensados Período
Índice de cheques sem fundos
Set/04
15,2
Out/04
17,0
Nov/04
16,3
Dez/04
15,8
Jan/05
15,3
Fev/05
15,8
Mar/05
20,8
Abr/05
19,0
Mai/05
19,2
Jun/05
19,1
Jul/05
19,2
Ago/05
18,6
Set/05
19,4
Fonte: Serasa
Segundo a Serasa, o avanço da devolução de cheques em setembro teria sido estimulado pelo maior endividamento do consumidor, numa conseqüência direta da maior contratação de empréstimos por assalariados e aposentados, e pelas pressões sobre a renda líquida disponível, ocasionadas pelos juros altos. Mais claramente, a cobrança de juros altos, aliada ao crescimento na liberação de créditos ao consumidor, obrigou as famílias a destinarem maior parcela de sua renda para o pagamento de prestações do crediário. Mas nem sempre há sobras de dinheiro na conta para cobrir essas parcelas, o que provoca a devolução de cheques pré-datados ou seja, emitidos para desconto nos meses seguintes. (LVF)
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De 27 de outubro a 2 de novembro de 2005
NACIONAL NOVAS TECNOLOGIAS
Dilema humano: emancipação ou opressão Luís Brasilino da Redação
CMI
Seminário em São Paulo discute possíveis usos da nanotecnologia e seus efeitos sobre população e meio ambiente
Promessas de um novo mundo
N
a Idade Média, químicos tentavam criar ouro a partir da manipulação de outros materiais, como a pedra. Eram chamados de loucos. O desenvolvimento científico pode tornar isso possível, nos próximos anos. A nanotecnologia, técnica que permite a manipulação de partículas em nível atômico, está há uma década aproximando o poder dos seres humanos do sobrenatural, ao possibilitar a criação de elementos inexistentes e ao apontar até mesmo para a imortalidade. De forma geral, as perspectivas do uso dessas tecnologias, ao mesmo tempo que seduzem, amedrontam. Por ora, o certo é que o poder que a nanotecnologia concede aos seus controladores preocupa, em uma conjuntura dominada por grandes corporações oligopólicas e hegemonizada por uma potência belicista, os Estados Unidos. Para discutir essas questões, dezenas de especialistas de oito países participaram, entre os dias 19 e 21 de outubro, do 2º Seminário Internacional Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente. As discussões, realizadas na Universidade de São Paulo (USP), se centraram sobre os perigos apresentados pela nanotecnologia e na possibilidade de se utilizá-la no combate à pobreza e à degradação ambiental.
Ambientalistas defendem o uso da nanotecnologia no combate à pobreza e à degradação ambiental
tecnologia estão sendo feitos pelo setor privado. Por conta disso, as principais aplicações são destinadas ao aumento do lucro por meio de melhorias na produtividade. Ou seja, mais durabilidade dos produtos, conservação de energia e redução dos gastos com mão-de-obra. Para ilustrar, Schnaiberg lembra o que aconteceu quando a tecnologia nuclear chegou ao seu país, na metade do século 20. “Ela foi apresentada como uma novidade para revolucionar a qualidade de vida: a maior produtividade criaria
SISTEMA Segundo o sociólogo Allan Schnaiberg, professor da Universidade de Northwestern, Chicago (EUA), os maiores investimentos em nano-
um mundo de lazer. Ora, as pessoas trabalham mais hoje do que há 40 anos”, constata o sociólogo. Para o professor, a nanotecnologia será, como as demais técnicas já desenvolvidas, apropriada pela lógica do atual sistema de produção, o capitalismo. “No mínimo, ela será não-distributiva. Provavelmente, fará o contrário, transferirá dinheiro dos trabalhadores demitidos para os bolsos dos investidores”, prevê. Para Paulo Roberto Martins, coordenador da Rede de Pesquisa em Nanotecnologia, Sociedade e Meio
Ambiente (Renanosoma), a organizadora do Seminário, só será possível viver numa sociedade sustentável no momento em que a atividade econômica estiver sujeita, em primeira instância, a questões ecológicas. “A história conta que o capital tem se apropriado das inovações. Mas vai ser sempre assim? Se pensarmos assim, vamos concordar que a história não muda. No Seminário, debatemos métodos para levar essa discussão ao público, de modo que a população possa influenciar no destino dos recursos para pesquisa em
Os prognósticos da nanotecnologia assemelham-se a contar para um paulistano, em 1955, que dali a 50 anos 80 milhões de telefones celulares estariam no mercado brasileiro. Imagine a dificuldade só para explicar o que é um telefone móvel e depois garantir que haverá, no Brasil, um desse para cada duas pessoas. Já foram colocadas à disposição dos consumidores calças que não mancham nem amassam, mas com a manipulação de átomos espera-se ser possível encontrar a cura de doenças como a cegueira e o câncer; emular (imitar, a grosso modo) um cérebro, até 2012 e, quem sabe, em cem anos, teletransportar (como na série Jornada das Estrelas) pessoas a milhares de quilômetros de distância. Por outro lado, a nanotecnologia desperta panoramas sombrios para a humanidade. Desde aplicações militares, como a criação de soldados com roupas invisíveis e armas de destruição em massa formadas por nano-robôs, até um cenário apocalíptico com nano-partículas replicantes instaurando uma guerra entre máquinas e homens.
nanotecnologia. Precisa haver um investimento na inteligência social; fazer com que o povo saiba o que é a nanotecnologia e se posicione”, esclarece Martins, que também é pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) da USP.
ENTREVISTA
Brasil de Fato – O senhor classifica a nanotecnologia como a maior onda científica da história. Considerando a conjuntura neoliberal, o que significa isso? Pat Roy Mooney – Enfrentaremos uma mudança fundamental. Estamos saindo de uma era em que a matéria-prima e o controle do comércio são de suma importância, para uma fase em que a tecnologia se tornará mais importante. O conceito de matéria-prima será quase irrelevante e o capitalismo terá disponível o último recurso de que precisava: a matéria-prima desnecessária. Isso vai mudar profundamente a economia mundial. Uma estimativa do governo estadunidense aponta para um mercado de 2,6 trilhões de dólares, em 2015. BF – A nanotecnologia contribui para a construção de uma sociedade sustentável? Mooney – Existem dois aspectos nessa questão. Um é que não sabemos se a tecnologia, em si, tem falhas em relação ao ambiente e à saúde. Não estamos seguros se essa tecnologia é altamente centralizadora ou se pode ser pesquisada e controlada por muitos. Mas tenho certeza de que, caso a nanotecnologia fique concentrada nas mãos dos maiores países e das maiores corporações do mundo, eles vão dominar o uso e a nanotecnologia vai ser um fator negativo.
400 bilhões de dólares, mais o futuro do Partido Republicano, sem dúvida estaria disposto a “batizar” o Oceano Atlântico com nanopartículas.
CMI
O canadense Pat Roy Mooney, diretor executivo do ETC group, participou do 2º Seminário Internacional Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente, realizado na Universidade de São Paulo (USP), de 19 a 21 de outubro. Nesta entrevista, o ambientalista fala sobre os riscos potenciais da nanotecnologia e alerta para o perigo da nova tecnologia ficar concentrada nas mãos dos maiores países.
As corporações buscam controlar a vida a partir do átomo, diz Pat Mooney
BF – Quais os efeitos da difusão da nanotecnologia? Mooney – Ainda é cedo para prever os efeitos. Atualmente, estamos mais preocupados com o uso em termos de democracia, ambiente e, certamente, agricultura e alimentação. Já existem produtos alimentícios e técnicas agrícolas que usam nanotecnologia. Então, estamos em alerta. Atentos para a possibilidade de usar nanotecnologia na engenheira genética de organismos, o que é especialmente perigoso. O Zimbábue, por exemplo, é um grande produtor de platina, material usado para fazer baterias. O custo do material deve diminuir drasticamente pois companhias baseadas no Japão e nos Estados Unidos já desenvolveram métodos que substituem a platina por uma combinação de níquel e cobalto. Será preciso apenas um pequeno pedaço do átomo da platina. Boa notícia para quem usa baterias. Má notícia para os trabalhadores do Zimbábue, que ficarão desempregados. BF – A nanotecnologia poderia
ser usada para enfrentar o aquecimento global e as mudanças climáticas? Mooney – A idéia de utilizar a nanotecnologia para resolver problemas climáticos é estúpida. A maioria dos cientistas acredita que isso pode ser um engano perigoso. Os governos não têm coragem para fazer as mudanças necessárias, para impedir as alterações climáticas. Com os desastres provocados pelos últimos furacões, os governantes começam a admitir a necessidade de estratégias para testar novas tecnologias que revertam esse processo. Uma das possibilidades em discussão é a distribuição de nanopartículas na superfície do oceano, para conter a emissão de gás carbônico para a atmosfera. Outra proposta é colocar na estratosfera nanopartículas que refletiriam as ondas solares. São teorias ridículas. A maioria dos governos diria que nunca faria isso, mas sabemos que George W. Bush (presidente estadunidense), para evitar que um furacão tire Miami do mapa no ano que vem, o que custaria
BF – Quais as semelhanças entre nanotecnologia e biotecnologia? Podemos esperar os mesmos problemas? Mooney – Basicamente, não. Mas há algumas semelhanças. A maior é que estamos indo na seguinte direção: da semente para o gene, para o átomo. Estamos indo para “baixo”, onde o controle é melhor. Para as corporações, controlar a vida é mais fácil se elas começam a fazer isso desde o átomo. A maior diferença é que a nanotecnologia entrará em muitos setores da economia, ao contrário da biotecnologia, que se restringe basicamente a agricultura e alimentação. Isso é uma grande diferença. BF – Enquanto cresce o poderio das grandes corporações, o ambiente e os povos vão se deteriorando. É possível impedir esse processo? Mooney – Há esperança em diversas frentes. A sociedade civil está melhor organizada para entender esses problemas agora do que em toda a história. O Fórum Social Mundial é uma ferramenta incrível para fazer a sociedade civil trabalhar em conjunto. Para nós, está sendo muito mais fácil conversar sobre nanotecnologia com movimentos sociais do que foi, há 20 anos, alertar alguém sobre os perigos da biotecnologia. Em segundo lugar, uma vez que as pessoas têm a experiência da biotecnologia, é mais fácil entender o que acontecerá com a nanotecnologia. Trata-se da mesma correlação de forças e dos mesmos interesses econômicos. Além disso, governos e indústrias já estão assustados pois perceberam o erro que co-
Paulino Menezes
O desenvolvimento a serviço de quem?
Quem é Autor de diversos livros sobre biodiversidade e biotecnologia, Pat Roy Mooney estuda sementes desde 1977. Em 1984, foi co-fundador da organização da sociedade civil que desde 2001 se chama ETC group. Sem carreira acadêmica, recebeu, em 1985, no parlamento sueco, o The Right Livelihood Award, uma espécie de Prêmio Nobel alternativo. Em 1998, o governador geral do Canadá (semelhante ao presidente da República no Brasil) lhe concedeu o Pearson Peace Prize. meteram. Colocaram produtos no mercado sem garantia de segurança ou regulamentação. Portanto, há uma espécie de pânico na indústria, que é cobrada para agir rápido na solução dos problemas que vierem a aparecer. Esse pânico é saudável. Uma terceira razão para ser otimista: a maioria das promessas da nanotecnologia não vai acontecer ou será apenas parcialmente bem-sucedida. No final, ficará a cargo da Via Campesina, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, dos detentores dos fundamentos da vida e da segurança ambiental tomar conta de todos nós. (LB)
Ano 3 • número 139 • De 27 de outubro a 2 de novembro de 2005 – 9
SEGUNDO CADERNO AMÉRICA LATINA
Continente unido contra as barragens Eduardo Zen da Cidade da Guatemala (Guatemala)
Eduardo Zen
Encontro reúne 500 representantes dos movimentos de atingidos por barragens em 14 países latino-americanos
O
Na Guatemala, atingidos por barragens criticam o controle da energia e da água por grandes grupos transnacionais
Exército guatemalteco em 1982. (Leia matéria abaixo) O encontro contou com a participação de 500 delegados vindos de 14 países da América Latina e organizações de apoio da Europa, América do Norte e Japão. São representantes de organizações de populações afetadas por barragens, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) do Brasil e o Movimento Mexicano de Atingidos por Represas e em Defesa dos Rios (Mapder), assim como
LIVRE-COMÉRCIO Na avaliação de Gustavo Soto, coordenador de uma frente antirepresas no México, o movimento de resistência contra as barragens vem crescendo em toda a América Latina. “Nos últimos três anos, sete países da América Central constituíram suas frentes nacionais contra
Massacre na Barragem de Chixoy
INTEGRAÇÃO
Depois dos testes, Telesul vai ao ar da Redação
programa do governo da Guatemala para resolver o problema social trazido pela construção da barragem. “A empresa construtora se aproveitou da situação de conflito existente no país e disse ao Exército que os atingidos pela represa de Chixoy eram guerrilheiros.” No período, a política de combate aos movimentos guerrilheiros na Guatemala, orientada pelos Estados Unidos, era a de “terra arrasada”, ou seja, massacre dos combatentes inimigos e de todas as comunidades que pudessem lhes dar apoio. A barragem de Chixoy foi construída com financiamento do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Em 1988, os empréstimos concedidos ao governo da Guatemala para a construção da obra correspondiam a 40% de toda a dívida externa do país. Em 1991, um documento do Banco Mundial, intitulado Informe Confidencial de Consumación del Proyecto, reconheceu que 25% de todas as pessoas atingidas pela Barragem de Chixoy foram assassinadas. Segundo Marta Garcia, até hoje as famílias sobreviventes vivem em extrema pobreza nas montanhas ao redor do lago. Os assassinos, mandantes e cúmplices do massacre seguem impunes. (EZ)
O canal multiestatal Telesul começará, no próximo 31 de outubro, suas transmissões logo depois de um período de testes concluído com a criação de sua rede de correspondentes e instalação em uma sede permanente. No dia 23, foram concluídos em Caracas os planos de ajuste da nova emissora durante uma oficina que teve a participação de 12 correspondentes que o canal terá na Argentina, Cuba, Brasil, México, Estados Unidos, Colômbia, Bolívia e Haiti. No ato de apresentação dos correspondentes, o presidente do canal, Andréz Izarra, assegurou que a ofensiva dos meios de comunicação hegemônicos não deteve o projeto nem prejudicou também o contato com as distribuidoras de sinal, que mostraram grande disposição em retransmitir a Telesul pela América Latina. Izarra informou também que a demanda pelo sinal do novo canal multiestatal – considerado um instrumento dos processos de integração da região – transcendeu a América Latina e há solicitações da Ásia e Europa, que estão sendo analisadas. Segundo a opinião do diretor da Telesul, Aram Arahonian, as críticas ao canal origi-
Eduardo Zen
Em julho de 1980, a comunidade Rio Negro no departamento de Alta Verapaz, na Guatemala, decidiu enviar uma comissão de sete representantes para a capital, Cidade da Guatemala, distante 200 quilômetros. O objetivo era realizar uma audiência com representantes do governo para cobrar o reassentamento das famílias atingidas pela Usina Hidrelétrica de Chixoy. Assim como outras 23 comunidades, Rio Negro deveria ser evacuada para dar lugar ao lago da represa. Os representantes da comunidade nunca mais voltaram para suas casas, seus corpos foram encontrados com sinais de tortura. Dois anos depois, a Barragem de Chixoy estava prestes a entrar em funcionamento, mas os moradores de Rio Negro permaneceram em suas casas. O Instituto Nacional de Eletrificação decidiu então convocar o Exército para resolver a questão. De 13 de fevereiro a 13 de março de 1982, 444 camponeses foram mortos, a maioria indígenas maias. A Barragem de Chixoy entrou em funcionamento um ano depois. Segundo Marta Garcia, da Associação Camponesa Rio Negro Maya Achi (Ascra), que hoje luta pelos direitos dos atingidos de Chixoy, o massacre fez parte do
Telesul prioriza a difusão e a defesa da diversidade cultural
nam-se em setores opostos aos processos de integração no continente e defendem o monopólio da informação. Concebida como uma empresa conjunta de Venezuela, Argentina, Cuba e Uruguai – sendo que outros países poderão se somar –, a Telesul prioriza a difusão e a defesa da diversidade cultural e a divulgação de uma visão própria dos acontecimentos noticiosos. Em uma primeira etapa, os segmentos informativos preencherão 60% das transmissões que terão também documentários e filmes produzidos na região. Desde 24 de julho, o canal co-
meçou a transmitir seu sinal como promoção para as distribuidoras de sinais por cabo, sistemas abertos e também pela internet enquanto estruturava sue rede de correspondentes e colaboradores. A multiestatal Telesul é um dos projetos de integração impulsionados pelo governo do presidente Hugo Chávez, que propõe um misto de cooperação e complementaridade econômica a partir de um enfoque social. O projeto encampado por Chávez, a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), inclui ações para a defesa da diversidade cultura da região, entre as quais a Telesul recebe atenção especial.
COSTA RICA
Protestos contra tratado com EUA da Redação
Vítimas do massacre de Chixoy, em que 444 camponeses foram assassinados
as represas.” Ele ressalta que o movimento amadureceu sua compreensão sobre o papel estratégico que o controle da energia e da água nas mãos das empresas multinacionais cumpre para o capitalismo. “O grande desafio para o movimento social global é a construção de um sistema novo que contemple os interesses da grande maioria da população”, destaca. Elba Stancich, da organização Taller Ecologista da Argentina é da mesma opinião.
pastorais sociais, sindicatos, grupos ambientalistas e de defesa dos direitos humanos.
Marcelo Garcia
aumento crescente do preço do petróleo tem levado o grande capital a intensificar a exploração da hidroeletricidade, através da construção de barragens, como alternativa para suprir de energia as grandes indústrias. Além disto, projetos de integração da infra-estrutura associados à Área de Livre Comércio das Américas (Alca), como o Plano Puebla-Panamá (PPP), na América Central, e a Iniciativa de Integração da InfraEstrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), transformam a América Latina em terreno fértil para os investimentos na construção de represas. Como resultado deste processo, há a destruição de ecossistemas, a interrupção do fluxo dos rios, a entrega da água e da energia para o controle de grupos multinacionais e a expulsão de milhares de pessoas de suas terras. Dentro deste contexto, de 17 a 21 de outubro foi realizada a 3ª Reunião da Rede Latino-Americana Contra as Barragens, pelos Rios, suas Comunidades e pela Água (Redlar). O evento teve como palco a região atingida pela Hidrelétrica de Chixoy, no departamento de Baja Verapaz, na Guatemala. Neste local, por resistirem à construção da barragem, 444 camponeses foram brutalmente assassinados pelo
“Este modelo econômico está saqueando a região e expulsando as pessoas de suas terras,”, afirma. Para o padre Antônio Ernandes, pároco da comunidade de São Antônio Del Mosco em El Salvador, o atual modelo econômico que vigora nos países latino-americanos beneficia as grandes empresas em detrimento dos mais pobres. “As barragens são como um atentado terrorista contra os pobres. Em nome do desenvolvimento, se destrói a vida humana.” Padre Antônio trabalha numa comunidade salvadorenha ameaçada pela construção da barragem de El Chaparral, que poderá expulsar 30 mil pessoas de suas terras. A América Central sofre forte pressão dos Estados Unidos para a assinatura do chamado Tratados de Livre Comércio (TLC), que incluem a ampliação da infra-estrutura para facilitar a circulação de mercadorias. Somente o projeto de ampliação do Canal do Panamá poderá expulsar 100 mil famílias de suas terras, segundo dados da Pastoral Social do Panamá, também representada no encontro. Formar frentes nacionais contra as barragens e organizar e fortalecer os movimentos dos atingidos por barragens em todos os países do continente, estão entre as principais resoluções tomadas no evento, que também reafirmou o 14 de março, como Dia Internacional de Luta Contra as Barragens.
Diversos setores sociais costariquenses convocaram, a partir do dia 23 de outubro, greves e manifestações públicas durante uma semana em protesto contra a entrada do país no Tratado de Livre Comércio da América Central (Cafta, na sigla em inglês), proposto pelos Estados Unidos. Além da Costa Rica, Nicarágua, Guatemala, El Salvador, Honduras e República Dominicana também negociam o acordo que já foi assinado pelos presidentes da
maioria dos países e aprovados pelo Poder Legislativo na maioria deles, tendo recebido inclusive aval do Congresso estadunidense. A Costa Rica é a única nação que ainda não ratificou o tratado. Os protestos começaram na ilha com uma marcha dos estudantes e professores da Universidade da Costa Rica e foram sucedidos por outra manifestação dos alunos da Universidade Nacional. “O TLC comprometerá a educação e a permanência das instituições públicas”, denunciou César López, representante da Coor-
denadora Estudantil Universitaria. Albino Vargas, secretário da Associação Nacional de Empregados Públicos e Privados, acusou o presidente da Costa Rica, Abel Pacheco, de ceder às pressões de Washington com sua decisão de enviar o projeto de TLC à Assembléia Legislativa para sua discussão e eventual aprovação. Enquanto isso, diversas organizações centro-americanas avaliam que, em menos de uma década, foram extintos até 125 mil empregos no campo. (Prensa Latina, www.prensa-latina.com)
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De 27 de outubro a 2 de novembro de 2005
INTERNACIONAL GRIPE DO FRANGO
Laboratórios se fazem de surdos para o Sul Marwaan Macan-Markar de Bangcoc (Tailândia)
S
em nenhum resquício de vergonha, políticos do mundo rico deixam evidência de que, para eles, a vida de um ser humano no Norte vale mais do que a de outro no Sul. O senador estadunidense Chuck Schumer ameaçou a companhia farmacêutica Roche para que abra mão de seu direito de proteger a patente do Tamiflu, único remédio capaz, hoje, de combater o vírus H5N1, a cepa da gripe aviária que se transmite para seres humanos. Segundo Schumer, a Roche deveria permitir a produção do medicamento por outros laboratórios, pois não tem capacidade para fabricá-lo em quantidade suficiente, enquanto cresce o temor de que ocorra uma pandemia de gripe do frango, o que pode ocorrer se uma mutação do vírus permitir seu contágio entre humanos. “Se não começarem a ceder a patente do Tamiflu para aumentar radicalmente sua produção mundial, proporei um ‘remédio legislativo’ por mês a partir de hoje”, advertiu o legislador estadunidense. Cinco dias após a advertência, o laboratório cedeu a licença a quatro empresas dos Estados Unidos, que poderão fabricar o Tamiflu como genérico – os remédios identificados pelo nome de seu princípio ativo e muito mais baratos do que seus equivalentes de marca.
Dana Mixer/NYT/AE
Países ricos pressionam indústrias farmacêuticas para quebrar patentes de medicamentos; países pobres que se virem
Transnacionais como a Roche cedem a pressões dos EUA, mas ignoram pedidos dos países pobres que sofrem com a Aids
então, que esta virada nos acontecimentos era suficiente para qualificar a gripe aviária como “ameaça mundial”. E, para salvar seus cidadãos, funcionários da União Européia iniciaram um diálogo com a indústria farmacêutica. Os políticos asiáticos, por outro lado, consideraram que não podiam se dar ao luxo de se comportar como seus colegas dos Estados Unidos e da União Européia, apesar dos 60 mortos registrados na região, 43 no Vietnã e 17 na Tailândia, para citar apenas dois países. Esses países, e os do Sul em desenvolvimento, em geral, conhecem bem a rudeza com que Washington e Bruxelas defendem as patentes dos grandes laborató-
O JOGO DAS PATENTES Um pensamento tão iluminado – que a saúde pública tem mais importância do que o lucro da Roche – surgiu somente depois de saber-se que o vírus H5N1, que ataca o sudeste da Ásia desde janeiro de 2004, cruzou as fronteiras da Europa. As autoridades sanitárias européias sentiram,
rios. E não só os de medicamentos que combatem a gripe do frango, como também de outros contra numerosos males que anualmente ceifam milhões de vidas. “A reação nos Estados Unidos e na União Européia não só reflete um duplo discurso como também é absurda”, disse Nicola Bullard, pesquisadora do centro acadêmico Focus on the Global South, com sede em Bangcoc. “É um absurdo porque querem que a Roche renuncie aos seus direitos de patente para combater uma doença que é somente uma ameaça e não existe como pandemia humana”, afirmou Nicola. Não houve compaixão dos líderes dos Estados Unidos e da
União Européia com os afetados por pandemias como as da Aids, tuberculose e malária no Sul em desenvolvimento, com escasso acesso a medicamentos muito caros, segundo a especialista. A Aids matou mais de três milhões de pessoas no ano passado, a maioria na África; a tuberculose fez dois milhões de vítimas fatais e a malária um milhão.
SAÚDE PÚBLICA Em setembro, a organização humanitária Médicos Sem Fronteiras escreveu à Organização Mundial do Comércio uma carta pública advertindo sobre as conseqüências de se colocar o lucro acima da vida humana. “A crise
da Aids demonstra a urgente necessidade de se garantir a disponibilidade de remédios essenciais a preços acessíveis”, disse a MSF ao novo diretor-geral da OMC, Pascal Lamy. Contudo, esta não é a primeira vez que o mundo presencia o espetáculo de políticos do Norte ignorando um princípio que eles mesmos cristalizaram – como a proteção das patentes farmacêuticas –, como conseqüência de uma crise de saúde pública que afeta seus países. Alemanha, Austrália, Canadá, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Itália e Nova Zelândia, entre outros países, violam as normas internacionais sobre propriedade intelectual quando enfrentam emergências de saúde pública. O fazem por meio da “licença obrigatória”, uma medida prevista na legislação de muitas nações e que lhes permite autorizar a fabricação do medicamento por outros laboratórios instalados no país, estabelecendo uma remuneração fixa para o laboratório proprietário da patente. O Canadá determinou 613 licenças compulsórias para a importação ou fabricação de genéricos entre 1969 e 1992, e pagava aos laboratórios donos da patente 4% sobre o preço líquido de venda, informou a Organização das Nações Unidas em um antigo relatório. “Nos Estados Unidos, a licença compulsória foi usada em mais de cem acordos extrajudiciais em processos referentes a antibióticos e diversas patentes biotecnológicas”, acrescenta a ONU. Entretanto, como disse Nicola Bullard, nega-se esse privilégio aos governos do mundo em desenvolvimento, como se a vida dos pobres valesse menos do que a dos ricos. A bem-sucedida advertência do senador norte-americano Schumer reforça essa idéia, acrescenta a ativista. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
DIREITOS HUMANOS
Jim Lobe de Washington (EUA) Apesar das repetidas promessas dos Estados Unidos de que seriam investigadas todas as mortes de pessoas detidas pela “guerra contra o terrorismo”, os procedimentos grosseiramente inadequados e defeituosos tornam difícil ou impossível acusar e condenar os culpados. Esta é a conclusão a que chegou a organização humanitária Human Rights First (HRF), com 25 anos de trajetória nessa área. Os registros das mortes de prisioneiros, 108 desde 2002, segundo o Departamento de Defesa, são “extremamente inadequados” e os investigadores não conseguiram interrogar testemunhas importantes nem arrecadar e preservar provas úteis, como partes de corpos ou evidência balística básica para realizar as acusações. Entre as repetidas falhas dos comandantes militares, figura a de não informar sobre as mortes de pessoas detidas sob custódia de suas tropas, ou demorar dias e até semanas para relatá-las, complicando muito a possibilidade de reunir evidências. Um exemplo foi a morte de um preso iraquiano que foi informada um ano depois de ocorrer, e o caso foi encerrado sem que se determinasse a causa da morte. Em algumas ocasiões, o Exército fez investigações sérias, mas só depois de os meios de comunicação terem divulgado as mortes. Em outras, os falecimentos eram inicialmente atribuídos a causas naturais, segundo a HRF, que prepara
CMI/Boston
Mortes misteriosas de prisioneiros da guerra de Bush às convenções de Genebra. Estas convenções constituem a base do direito internacional humanitário, que protege os prisioneiros de guerra e a população civil em zonas de conflito. No início de outubro, os senadores do Partido Republicano se distanciaram em massa do governo do presidente George W. Bush, que havia se oposto à emenda, e somaram-se aos democratas para aprovar a emenda por 90 votos contra nove. A Câmara de Representantes agora deve decidir, mediante as reuniões do Comitê, se introduz essa emenda na versão do projeto de lei que deverá votar. O governo insiste em que os suspeitos de terrorismo não têm direito à proteção das convenções de Genebra e adverte reiteradamente que vetará o projeto se a emenda for incluída.
AFEGANISTÃO
Pacifistas estadunidenses repudiam as prisões arbitrárias dos Estados Unidos
um relatório sobre estes fatos para divulgação em breve.
TORTURA Entre as 108 mortes informadas pelo Pentágono (sede do Departamento de Defesa), o Exército identificou 27 homicídios, possíveis ou confirmados, e pelo menos sete nos quais os prisioneiros foram torturados ou golpeados até a
morte. A informação da HRF vem a público pouco antes da realização de reuniões de um comitê do Congresso estadunidense que deverá decidir se inclui no projeto de orçamento da Defesa uma emenda proibindo qualquer tipo de tratamento abusivo contra prisioneiros, em concordância com o Manual de Campo do Exército dos Estados Unidos, que, em geral, se ajusta
Dia 19 de outubro, o Pentágono anunciou que o Exército havia começado uma investigação sobre os informes de que seus soldados no Afeganistão queimaram os cadáveres de dois combatentes do Talibã e depois usaram os restos como parte de uma operação psicológica para escapar dos insurgentes e de seus seguidores em uma aldeia próxima. “Esta suposta ação resulta repugnante para nossos valores comuns”, disse na quinta-feira um porta-voz do Pentágono na base de Bagram, no Afeganistão. “Este comando leva a sério todas as denúncias de má conduta ou comportamento inapropriado e ordenou uma investigação sobre as circunstâncias que cercaram esta denúncia”, acrescentou. As
denúncias da Human Rights First também reforçarão a convicção dos legisladores e de um crescente número de militares da reserva – que publicamente pediram urgência ao Congresso para aprovar a emenda – de que a decisão do governo de não aplicar as convenções de Genebra contra suspeitos de terrorismo criou um ambiente propício para perdoar os abusos. Aproximadamente trinta generais da reserva assinaram uma carta de apoio à emenda. O ex-secretário de Estado e ex-chefe do Estado Maior Conjunto, Colin Powell, também assinou a carta. O coronel da reserva Lawrence Wilkerson acusou, em meados de outubro, o presidente Bush; seu vice, Dick Cheney, e o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, de serem responsáveis por “dizer aos nossos soldados: ‘Vocês não deveriam se preocupar. porque este é um tipo diferente de conflito’.” “Sabíamos que as coisas não eram como deveriam ser”, disse Wilkerson, se referindo à sua reação e à de Powell diante dos abusos contra presos. O fracasso em investigar as mortes de presos foi outro resultado da decisão do governo de não aplicar as convenções de Genebra, segundo Deborah Pearlstein, que supervisionou o novo estudo da HRF. “Estas pesquisas cheias de falhas são parte dos efeitos mais amplos de enviar soldados para combater com uma pauta ilegal sobre interrogatórios e detenções, ou sem nenhuma orientação em absoluto”, disse a ativista. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
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INTERNACIONAL COMÉRCIO INJUSTO
África ameaça as negociações na OMC da Redação
O
s países africanos produtores de algodão ameaçam bloquear as negociações na próxima conferência da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Hong Kong (China), se não obtiverem garantia da eliminação dos subsídios aos produtores dos países ricos. “Temos a impressão de que os principais atores do comércio mundial, em especial a União Européia e os Estados Unidos, não estão muito interessados no algodão”, lamentou na sede da OMC, em Genebra (Suíça), o ministro do Comércio de Mali, Choguell Maige. Os países africanos que apresentaram uma iniciativa à OMC para o setor de algodão (Benin, Burkina Faso, Mali, Chad) exigem que a conferência de Hong Kong (13-18 dezembro) fixe uma data para o fim das subvenções ao algodão, principalmente nos Estados Unidos, que distorcem os preços do produto no mundo e castigam os produtores do Sul. “Queremos ir a Hong Kong, mas queremos ter certeza de que voltaremos com propostas concretas e não com meras palavras sem interesse para nossas populações”, declarou a ministra de Comércio de Chade, Ngarmbatina Odjimbeye. “Somente por este preço ficaremos na OMC”, advertiu. Segundo dados do Environmental Working Group (EWG), que acompanha os dados de pagamentos feitos pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), em 2003 foram pagos 16
Arquivo Brasil de Fato
Na Organização Mundial do Comércio, produtores de algodão exigem garantias para o fim dos subsídios dos países ricos to que dê prioridade aos interesses dos países mais pobres.
FRACASSO
Produtores de algodão na África sofrem com as exportações subvencionadas dos Estados Unidos
ocasião do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, a entidade afirma que caso África, Ásia e América Latina aumentassem suas exportações em apenas 1%, cerca de 128 milhões de pessoas poderiam escapar da pobreza. Da mesma forma, um crescimento de 1% das exportações da África Subsaariana África Subsa– Abrange todos os ariana seria supaíses de populaficiente para que ção negra situados ao sul do deserto a região alcando Saara çasse os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. A Intermon-Oxfam mostra que um dos principais obstáculos
bilhões de dólares em subsídios. Estima-se que tenham sido gastos 17 bilhões de dólares em 2004, e que o total em 2005 tenha superado 19 bilhões de dólares. Em cinco anos, o total de subsídios pagos ficou em torno de 90 bilhões de dólares, segundo dados do EWG.
AUMENTO DA POBREZA Os países africanos contam com o apoio de organizações internacionais que acompanham as negociações na OMC, como a Intermon-Oxfam. No relatório Três de Três?, lançado dia 17 de outubro, em Madri (Espanha), por
ELEIÇÕES NA LIBÉRIA
QUÊNIA
Uma nova Constituição centralizadora e machista
Weah e Ellen Johnson no segundo turno da Redação
internacionais que supervisionaram o primeiro turno, vindos da África, América e Europa, manifestaram satisfação pelo sucesso da eleição, que qualificaram de “livres, transparentes e bem administradas”. A Libéria, um país de pouco mais de 3 milhões de habitantes, foi criada em 1847 com uma iniciativa dos Estados Unidos para dar uma pátria aos escravos negros. Atualmente, a nação tem um desemprego de 85%, esperança de vida de 42 anos, quase a metade da população analfabeta e apenas 37% das crianças na escola. O país não tem redes centralizadas de energia elétrica nem de esgotos, e os sistemas de saúde e educação são praticamente inexistentes em várias regiões. Milhares de liberianos fugiram do país e estão refugiados em nações como Costa do Marfim, Guiné, Serra Leoa, Gana, Nigéria e Gâmbia. O presidente eleito terá pela frente um caminho cheio de problemas, pois deverá reconstruir um país arruinado pela guerra civil. (Com agências internacionais)
Joyce Mulama de Nairóbi (Quênia)
Issouf Sanogo/AFP/Getty Images
O ex-astro de futebol George Weah e a economista ligada ao Banco Mundial Ellen Johnson-Sirleaf são os dois candidatos mais votados na eleição do dia 11 de outubro, segundo os resultados finais divulgados pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE). Weah, que no primeiro turno obteve 28,3% dos votos nos 3.070 colégios eleitorais habilitados em todo o país, e Ellen Johnson, que recebeu o voto de 19,8% dos eleitores, se enfrentarão novamente no dia 8 de novembro. Segundo a CNE, 74,9% dos 1,3 milhão de eleitores registrados foram às urnas nas eleições gerais do país, última etapa da transição política iniciada em 2003 com a saída do então presidente Charles Taylor, atualmente exilado na Nigéria. Além de eleger o presidente, os liberianos votaram para a renovação das 30 cadeiras do Senado e das 64 da Câmara dos Deputados. Os cerca de 400 observadores
O ex-craque de futebol George Weah lidera a corrida presidencial
para acabar com a pobreza são as regras comerciais injustas, sendo que as regras da OMC determinam a vida diária de 2,5 bilhões de pessoas que vivem na pobreza. Entre elas, 900 milhões de agricultores que não podem viver dignamente de seu trabalho “por causa das exportações subvencionadas dos EUA e da União Européia, que afundam setores econômicos essenciais”, como o algodão em Burkina Faso e o açúcar em Moçambique. Há quatro anos, os países ricos se comprometeram na cúpula ministerial da OMC, em Doha, a iniciar uma rodada de desenvolvimen-
Desde então, acrescenta a Intermon-Oxfam, 3 bilhões de pessoas esperam mudanças reais nas políticas comerciais, como a eliminação dos subsídios agrícolas à exportação, a abertura dos mercados a suas exportações têxteis e o acesso de milhões de pessoas a remédios baratos. Para a organização, a 6ª conferência ministerial da OMC, que será realizada em Hong Kong, representa uma oportunidade única de conseguir um acordo decisivo para a erradicação da pobreza e para conseguir um comércio internacional que estimule um autêntico desenvolvimento a longo prazo. De acordo com a IntermonOxfam, a criação da OMC não parece ter feito muito para mudar a situação da África e, na última década, a pobreza no continente aumentou 3%, enquanto em outras regiões do mundo diminuiu 7%. Dos 49 países menos desenvolvidos, 33 são africanos. No continente, 315 milhões de pessoas vivem com menos de 1 dólar por dia, o dobro do que em 1981, e 80% da população vive com menos de 2 dólares por dia. Além disso, a incidência da Aids diminuiu a expectativa de vida para 41 anos, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que aproximadamente dois terços das 30 mil mortes infantis diárias ocorrem devido a uma combinação de desnutrição e doenças curáveis. (Com agências internacionais)
O acalorado debate sobre o projeto da nova Constituição do Quênia, que será submetido a referendo no dia 21 de novembro, centra-se nos amplos poderes que outorga à Presidência, precisamente contrários às reduções reclamadas pela sociedade civil. O projeto de constituição também causa mal-estar entre as organizações que promovem os direitos da mulher, que reclamam a reincorporação de medidas concretas que incentivem a participação feminina na vida política, presentes na versão prévia do novo texto constitucional. Essa versão prévia recebeu o apoio da Conferência Constitucional Nacional (NCC), órgão representativo de diversos interesses e setores sociais. O anteprojeto redigido pela NCC, também conhecido como o “rascunho de Bomas” (em referência a um centro cultural da periferia da capital Nairóbia), estabelecia que um terço dos cargos hierárquicos, em todos os setores do governo, deveria ser ocupado por mulheres. Também propunha que essa participação fosse de 50% nos conselhos dos governos locais. O projeto defendia, ainda, procedimentos precisos para atingir esse objetivo, baseados na divisão do país em regiões e distritos. “É uma forma de garantirmos que as mulheres se envolvam na atividade política. Também cria uma oportunidade para que a sociedade visualize as mulheres em papéis de liderança, e que isso incentive mais mulheres a disputarem postos políticos cada vez mais altos”, disse Ann Njogu, dirigente da organização não-governamental
Agenda para a Mulher, que reúne um grande número de entidades locais que promovem os direitos femininos. Até agora, nesta nação da África Oriental, a cultura dominante e a tradição se combinam para garantir que a esfera política seja reservada aos homens. Dos atuais 222 membros do parlamento, apenas 18 são mulheres. Mas, as medidas de ação afirmativa propostas pela NCC foram descaracterizadas pelo parlamento. Inicialmente, os legisladores apenas podiam aprovar ou rejeitar o anteprojeto constitucional em sua totalidade, mas eles mesmos cuidaram de aprovar uma lei que os habilita a realizar emendas. Assim, alguns argumentaram que implementar a nova estrutura de governo custaria muito caro: 1 bilhão de dólares. A versão da nova Constituição que será colocada em votação ainda contempla reservar um terço dos cargos às mulheres, “mas não estipula nenhuma forma que leve a isso”, disse a diretora-executiva do Centro para a Terra, a Economia e os Direitos da Mulher, Akinyi Nzioki. “Uma vez mais, a Constituição delega à direção de um parlamento dominado por homens a aprovação de uma lei que estabeleça programas de ação afirmativa a favor das mulheres”, ironizou Akinyi. Os grupos de pressão que defendem a igualdade de gênero não têm muita fé em um parlamento que nunca demonstrou interesse nessa igualdade. “No momento, nenhum dos projetos de lei aprovados pelos atuais parlamentares teve alguma coisa a ver com questões que afetem a mulher. Então, como podemos confiar que este mesmo parlamento vote as leis neces-
QUÊNIA Nome oficial: República do Quênia Território: 569.259 km2 População: 32 milhões (2004) Capital: Nairóbi (2,5 milhões de habitantes) Grupos étnicos: kikuyu (22%); luhya (14%); kalenjin (12%); kamba (11%) Idiomas: inglês (oficial); swahili (nacional); kikuyu; luo; luhya; kamba Religiões: protestante (38%); católica (28%); religiões tradicionais (26%) Regime de governo: presidencialista Moeda: xelim queniano (1 dólar = 79,60)
sárias para efetivar uma maior presença feminina nos cargos de governo?”, perguntou Ann Njogu. Segundo o Instituto para os Assuntos Cívicos e o Desenvolvimento, uma organização que controla a atividade parlamentar com sede em Nairóbi, a atual legislatura, que já tem dois anos e meio em exercício, não abordou nenhum dos projetos de lei ligados a questões de gênero. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
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INTERNACIONAL ENTREVISTA
O herói cubano que lutou dez anos Marcelo Netto Rodrigues da Redação
A
os 65 anos, Pombo é o único guerrilheiro vivo que lutou com Che Guevara nas montanhas da Sierra Maestra, no Congo e na Bolívia. Foram dez anos de convivência com o comandante, até a sua morte, em 1967. Hoje, Pombo é general das Forças Armadas Revolucionárias de Cuba. Na semana passada, ele esteve no Brasil para participar da conferência internacional “Pensamento e Movimentos Sociais na América Latina e Caribe: Imperialismo e Resistências”, promovida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e pela Via Campesina. Não foi a primeira vez que ele pisou em solo brasileiro. Em 1966, quando a guerrilha de Che se instalou na Bolívia, Pombo passou por São Paulo e por Campo Grande (MS) como estratégia para sua entrada no país vizinho sem chamar atenção. Em entrevista ao Brasil de Fato, Pombo explica que o desfecho trágico da guerrilha na Bolívia, quando Che foi assassinado, teve origem na traição do Partido Comunista Boliviano e na decisão de Che de não abandonar uma coluna de guerrilheiros que havia se perdido do seu grupo. Ao comentar a situação da América Latina, Pombo diz que a Venezuela é a esperança do povo do continente e do Terceiro Mundo. Brasil de Fato – De onde vem o codinome Pombo? Sabe-se que, no Congo, Che usou números na língua local para renomear os guerrilheiros. Em Swahili – uma das línguas mais faladas na África – , Che passou a se chamar Tatu (que significa três), José Maria Tamayo tornou-se Mbili (dois) e Victor Dreke, Moja (um). Harry Villegas Tamayo “Pombo” – Eu não estava entre os primeiros que foram para o Congo, e que receberam codinomes de números. Eu estava no Exército Ocidental quando o presidente Fidel Castro me disse que Che havia mandado me chamar na África. Só que, com o aumento do número de guerrilheiros, era complicado continuar dando nomes referentes a números porque ficavam muitos compridos. Che decidiu, então, procurar nomes em um dicionário. Escolheu para mim o nome Pombo Poljo, que significa néctar verde. Da mesma forma, escolheu Tumaini Tuma para nomear Carlos Coelho. BF – Antes do Congo, o senhor havia se oferecido para ir junto com um grupo de guerrilheiros à Argentina, mas Che não quis. Como foi a sua reação? Pombo – No momento da saída do grupo, eu não entendi. Só depois percebi que, por ser negro, seria muito difícil me camuflar entre os argentinos. Então Che disse que eu não iria enquanto a guerrilha não adquirisse uma determinada força e até que ele próprio também já tivesse ido. Hermes Peña e Alberto Castellano foram se juntar a Jorge Massetti (jornalista argentino que entrevistou Che e Fidel, em 1958, na Sierra Maestra, e comandou a primeira guerrilha guevarista na Argentina, em 1963). BF – Como foi o seu primeiro contato com Che? Pombo – Era 1957, eu tinha 16 anos e já participava de uma célula no meu povoado, ao pé da Sierra Maestra. Pichávamos paredes com propaganda do Movimento Revolucionário 26 de Julho, fazíamos ações contra as redes de eletricidade e a todo instante íamos presos. Como estávamos coladinhos à Sierra, resolvemos subi-la. Foi quando
entramos em contato com um pelotão da coluna de Che. Pediram para que esperássemos porque Che estava percorrendo outros pelotões. Quando ele chegou, sua figura me impressionou: era esbelto, mas usava uma boina esfarrapada e desengonçada. Ele perguntou o que fazíamos ali. Respondemos que tínhamos ido lutar contra a tirania batistiana (de Fulgêncio Batista, ditador apoiado pelos Estados Unidos). Ele retrucou: “Com o quê?” Mostrei um pequeno fuzil 22 e ele começou a rir e disse: “Você acha que com isso vai derrubar Batista? Desce a montanha, se esconde atrás de um arbusto, dá uma gravata num dos soldados que estão aos montes por aí e lhe tire o fuzil”. Eu pensei que fosse fácil. Voltei para o meu povoado, onde havia muitos chivatos (informantes do Exército), mas me denunciaram. Consegui escapar do cerco e troquei minha arma por uma escopeta calibre 12. Não era o que Che havia pedido, os soldados nem usavam escopetas. Mas, ao voltar, Che me disse que o importante não era a arma, mas a minha decisão de lutar contra a tirania.
Luciney Martins/ BL 45Imagem
Pombo conta passagens das guerrilhas guevaristas, desde a revolução cubana até a
BF – A certeza de vencer era muito forte na Sierra Maestra? Pombo – A certeza sempre nos acompanhou. Uma coisa que tem Fidel, tinha Che, e é própria de todo revolucionário, é a confiança na vitória, nas massas. Por isso Fidel disse que com cinco fuzis e sete pessoas a revolução estava feita (ao sobreviver com poucos homens após o desastroso desembarque do Granma, onde sobraram, ao todo, 12 homens dos 82 iniciais). Porém, quando seria a vitória, ninguém sabia. Che pensava que fosse demorar mais. BF – Existiam outros estrangeiros na Sierra, além de Che? Pombo – Sim. Um mexicano, um francês e, entre os vários estadunidenses, até um sargento veterano da Guerra da Córeia (1950-1953), que foi instrutor e chefe da vanguarda no deslocamento da coluna de Che para o centro da ilha.
Eu nunca vi Che usando uma camisa de Marx ou de Lênin. Mas se você não vê o Che nas camisas, você nunca vai pensar nele BF – O que Che acharia de ver o seu rosto estampado em camisetas, a serviço da máquina capitalista? Pombo – Penso que ele não gostaria. Eu nunca vi o Che usando uma camiseta de Marx ou de Lênin. Mas eu acho que, se uma pessoa traz o Che no peito, com orgulho, para se sentir motivada, para divulgar quem foi Che, para que se vinculem a ele, essa camiseta é útil. A camiseta ajuda a lembrar. Se você não vê o Che nas camisetas, não pensa nele. BF – Para a revolução, Che acabou sendo mais importante morto? Como seria se ele estivesse vivo, hoje, com 77 anos? Pombo – Penso que ele seria mais importante vivo. Não tanto em relação a sua importância, mas ao que poderia fazer de útil. Ele era um homem com um pensamento em desenvolvimento, com uma capacidade extraordinária de autodidática, com espírito de
Aos 65 anos, Pombo é o único guerrilheiro vivo que lutou com Che Guevara nas diversas frentes de batalha
investigação. Estava escrevendo um livro sobre a economia política do socialismo. Pensava em escrever sobre sua concepção, do ponto de vista filosófico, de como construir uma sociedade socialista para a América, que não fosse a mesma da Europa ou da Ásia. Tinha em mente que, no continente, somos muito parecidos, mas não somos todos cubanos. Hoje, em Cuba, Che representaria uma grande ajuda a Fidel. BF – Como Che conciliava a vida familiar com a vida revolucionária? Pombo – O mais importante, para ele, era formar uma sociedade mais justa. Quando prenderam um filho de um dos nossos líderes da independência, Carlos Manoel Céspedes (primeiro fazendeiro a libertar seus escravos para lutarem contra os espanhóis), lhe impuseram a condição de que abandonasse a luta para o rapaz ser libertado. E Céspedes disse: “Não, eu sou o pai de todos os cubanos” – razão pela qual nós o chamamos de Pai da Pátria. Da mesma forma, se Che tivesse que decidir entre a sua família e a construção do socialismo, ou os interesses da pátria, ele decidiria pelos interesses da pátria. Mas isso não quer dizer que Che renegasse a família. Porque ele queria muito bem à sua família. Mas não no sentido estreito, de sua mulher, de seus filhos. Num sentido mais amplo, com uma confiança absoluta na sociedade.
Ele sabia que, por sua luta, seus filhos teriam direito à educação, assim como todos os cubanos. Che não se desprende do elemento familiar. Não é como os inimigos do marxismo dizem, que o marxismo destrói a família. Mas o contrário, a família é a base, é a célula da sociedade. BF – Como Che tratava as crises de asma em meio à guerrilha? Pombo – Com um tipo de inalador. Quando isso não era possível, Che usava o que os médicos chamam de “motivações primárias”. Isto é, na crise, fazia seu corpo reagir a algo maior. Provocava um pequeno corte, para que a infecção gerasse uma febre e assim saía do ataque de asma. BF – Por que Kabila (líder da resistência anticolonialista congolesa, que em 1997 viria a se tornar presidente da República Democrática do Congo, ex-Zaire) recusava um encontro com Che? Pombo – Na época, nós não entendíamos como a África funcionava. Só viemos descobrir depois, quando ficamos por 15, 20 anos em Angola. No Congo, começamos a enfrentar uma sociedade que não tinha um conceito de nação, mas um conceito de tribo. Não que o conceito de nação possa ser criado artificialmente, como os colonizadores quiseram impor. Mas um povo que queira lutar por sua pátria precisa ter um conceito de nação. Para nós, isso não fazia sentido porque
não temos tribo, somos uma mistura de espanhóis, africanos e chineses. Não temos índios. Eles desapareceram de Cuba. Os espanhóis não tiveram nem a idéia de fazer uma reserva, como fizeram os estadunidenses, e manter ali alguns índios para mostrar a todos: “Vejam, estes são os homens que eram donos de todas estas coisas que estão aqui, e agora não têm nada”. Nem isso fizeram os espanhóis. Chefe do que eles chamavam de “exército paralelo”, Kabila se encontrou apenas uma vez com Che porque guerrear não fazia parte de sua natureza. Não era um homem latino-americano. Não era como Bolívar, que dizia: “Vamos!”. Nunca houve um líder africano à frente de sua tropa, o que era uma coisa inconcebível para um latino, que leva, conduz o povo. Eles não necessitavam nem do contato conosco, não necessitavam da fala, eles mandavam tudo gravado. BF – Se a guerrilha comandada por Masetti na Argentina tivesse tido êxito, Che não teria ido ao Congo? Pombo – Sim, realmente, Che foi ao Congo para esperar que as condições na América ficassem mais favoráveis. Fidel lhe ofereceu para ficar em Cuba, mas Che achava que já havia cumprido seu papel com os cubanos e queria ir a outro lugar. Em 1964, ele havia voltado de uma conferência na Organização das Nações
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INTERNACIONAL
ao lado do comandante Che Guevara
Pombo (de chapéu) acompanha Che durante entrevista à rádio Italiana
Unidas, onde denunciou que os capacetes azuis haviam permitido o assassinato de Lumumba (revolucionário congolês). A meu ver, Che, que admirava Lumumba, se sentiu comprometido com a situação e decidiu ir ao Congo pensando que o movimento de Lumumba estivesse mais vertebrado, mas não estava. BF – A captura de Ciro Bustos e de Régis Debray (na tentativa de sair da área guerrilheira, foram presos pelo Exército boliviano) foi preponderante para a desestruturação da guerilha na Bolívia? Pombo – Não. Nós nos vimos sem a base. Com a experiência da Sierra Maestra, já sabíamos que o camponês só se incorpora quando vê alguma possibilidade de êxito, e uma forte possibilidade de respaldo. De início, nós tínhamos organizado nossa participação na luta boliviana por meio do Partido Comunista, que contava com milhares de militantes jovens dispostos a se engajar na luta. Mas Monje (então presidente do Partido Comunista Boliviano) mudou de lado, nos traiu. Che nunca soube se por covardia política ou pessoal. Ao nos trair, cortou nosso vínculo com o partido, acabou com a fonte onde íamos nos nutrir para gerar uma guerrilha forte, que Che queria desenvolver por um tempo limitado para poder expandi-la à Argentina e ao Peru, onde estavam Bustos e Chino. Não por acaso, de Ñancahuazú, na Bolívia, podia se chegar à Argentina e ao Peru, pela Cordilheira Oriental dos Andes. BF – Como foram os quatro meses de desencontros nas selvas da Bolívia, entre a coluna de Che e a outra em que estavam Joaquim e Tania (revolucionária alemã-argentina)? Pombo – Fizemos todo o possível. Che não desistia de achar o grupo de Joaquim. Tanto que ele nos manteve demasiado tempo por ali, mesmo não tendo a intenção de combater na região Sul da Bolívia. Por fim, o Exército nos descobriu e fomos obrigados a iniciar o combate ali mesmo. Originalmente, pensávamos em começar a guerrilha na região Central da Bolívia, no Chapare, onde havia um camponês amigo de Inti – um dos guerrilheiros do grupo de Che _, que organizava os camponeses. Esse camponês não estava comprometido, mas Inti acreditava que ele se incorporaria. Tínhamos, mais ao norte, a possibilidade de
que pudessem se incorporar à guerrilha os estudantes recrutados na América, na Europa, na União Soviética, em Praga, além de um conjunto de estudantes de Cuba. BF – Se houvesse o encontro entre os dois grupos no dia 31 de agosto de 1967, teria sido mera coincidência? (eles se desencontraram por questão de horas, estavam em linha reta, a 3 quilômetros de distância). Pombo – Convergimos ao mesmo ponto por coincidência. Nosso grupo estava indo para o Chapare. Estávamos bem próximos quando escutamos pelo rádio que o grupo de Joaquim combatia mais ao sul. Então, demos meia volta e nos metemos novamente na zona guerrilheira, atrás deles. Quase os encontramos antes de eles caírem na emboscada (em que morreram). Só voltamos ao Sul na tentativa de encontrar o grupo de Joaquim. Nunca havíamos previsto ir ao Sul porque sabíamos que era mais desprovido de bosques e de água. Foi só por isso que descemos demais ao Sul e se criaram as condições para a emboscada do dia 26 de setembro (onde 3 guerrilheiros são mortos), e, depois, para o desfecho de 8 de outubro (quando Che é feito prisioneiro e morto, no dia seguinte, junto com outros guerrilheiros). BF – Como era Tânia? Pombo – Uma mulher excepcional. Suas raízes latinas (era argentina, mas passou a juventude na Alemanha) foram de grande ajuda. Ela tinha a tarefa de ir à Bolívia criar condições de confiabilidade, até que lhe dessem instruções. Houve até um momento em que ela foi um pouco esquecida pela nossa Inteligência. A idéia de Che era preservá-la para que, se necessário, ela pudesse esconder alguém em lugar seguro. Mas ela acabou vindo para a guerrilha. Che tentou tirá-la de lá, o que foi impossível, porque ela já havia sido identificada. Assim, se estragou um trabalho de clandestinidade de três anos. Tânia foi uma revolucionária com grande capacidade de sacrifício. Quando lhe disseram para casar com um boliviano porque fazia falta ela não ter a nacionalidade boliviana, ela se casou. E quando disseram que era preciso dar um fora no boliviano porque ela tinha que sair do país, e que ela devia dar um jeito dele entender, ela o convenceu. Então ela foi “estudar” na Bulgária. Ela era extremamente disciplinada.
BF – Che estaria contente com o desenvolvimento da revolução cubana? Pombo – Acho que sim, porque quando ele saiu de Cuba fez um avaliação dos avanços da revolução, e justamente decidiu ir porque chegou à convicção de que o processo era irreversível. De que as massas haviam tomado consciência do seu papel de vanguarda, que, para Che, era o partido, era Fidel. Ele acreditava que a vanguarda precisa formar parte da massa a todo instante, sem ser a massa. Che dizia que esse vínculo, de tão próximo, deve fazer com que aquele que está à frente escute a respiração de quem vem atrás.
Nós, cubanos, somos o farol. Mas a Venezuela é a esperança do povo do continente e do Terceiro Mundo por seu potencial econômico, por seu tamanho, por ter fronteiras com tantos países que podem irradiar ainda mais o que o Che queria fazer na Bolívia BF – Por que Benigno traiu a revolução cubana? Pombo – Para Benigno, pesou a questão material. Quando ele se foi, o processo revolucionário cubano passava por uma etapa difícil, mas não a pior. Os problemas de Cuba não eram graves. Ele tinha uma pequena finca (chácara). Nós somos guajiros (camponeses), não tínhamos base cultural, nem intelectual. Quando você participa de uma luta como essa, começam a te dizer que você é o máximo, e se você acredita, se equivoca. Benigno deixou isso subir à cabeça e acreditou que era herói. Era, sim, uma pessoa de mérito, mas o que fizemos, muitos outros cubanos também fizeram. Estiveram na Venezuela, na Colômbia, na Guatemala e não ficaram conhecidos. O fato de ter participado da epopéia em que morreu Che o atingiu. Além disso, ele se casou com uma mulher da Inteligência Cubana, que falava inglês, francês. Acho que ela tem um peso nisso porque se
ela fosse firme quando ele lhe propôs essas coisas, tendo ela mais capacidade intelectual que ele, ela o influenciaria para o caminho correto. Outro problema é que, como camponeses, temos a mente pródiga, imaginamos coisas. Benigno acabou publicando um livro fantasioso, mentiroso, em grande parte. BF – Por que Benigno sustenta que Fidel abandonou Che? Pombo – Isso é uma maldade. Benigno tem que agradar o imperialismo, e para isso, tem que dizer as coisas que o imperialismo gosta de ouvir. Quando Che foi à África, com mais de uma centena de cubanos, Fidel não o abandonou. Quando os africanos consideraram que não era conveniente Che estar ali, e ele saiu de lá para Praga, com a Inteligência Cubana dando apoio todo o tempo, Fidel não o abandonou. Quando Che decidiu começar a luta na sua pátria, Fidel permitiu que ele pegasse vinte e tantos companheiros que haviam estado com ele na Sierra, Fidel não o abandonou. O que acontece é que, se Fidel mandasse mais de cem homens à América Latina, como fez 20 anos depois, mandando um exército de 50 mil homens comigo a Angola, a atitude seria vista como intervenção. BF – A guerrilha, hoje, ainda é um caminho para a libertação dos povos da América Latina? Pombo – Eu não diria nem que não, nem que sim. Depende das condições concretas de cada país e de cada momento. Hoje, é muito arriscado o surgimento de um movimento guerrilheiro em qualquer país, com a tecnologia que tem o exército inimigo, fundamentalmente o dos Estados Unidos. Mas também não é impossível porque existem guerrilhas na Colômbia, por exemplo, e mesmo com toda essa tecnologia não conseguiram aniquilá-la. BF – Como o senhor vê o MST? Pombo – A capacidade organizativa dos sem-terra me impressiona. Eles não podem perder nunca sua convicção. Depois de assentados, não devem se desvincular do movimento. Não importa que você tenha a terra. Por você ter lutado por ela, deve se manter unido, com terra ou sem terra, por solidariedade humana, não digo nem por companheirismo. Isso é o que pode unir as pessoas ao Che. Esse amor pelo próximo que está um pouco mais além dos ditos parâmetros normais, e que lhe deu um conceito superior como ser humano. BF – O senhor acredita que Chávez vai assumir o papel de Fidel nos próximos anos? Pombo – O papel de Chávez é assumir a dirigência do seu povo para depois assumir o mesmo papel sobre o restante do continente. Não podemos esquecer que o inimigo de Chávez é o país mais poderoso do mundo. E ele tem sabido lidar com a situação, solidamente, com o apoio das massas pobres, e tendo ainda que ganhar a classe média. O movimento de Chávez é novo. Tem a ver com um socialismo distinto, dentro do pluripartidarismo. Nós, cubanos, somos o farol, mas a Venezuela é a esperança do povo do continente e do Terceiro Mundo por seu potencial econômico, por seu tamanho, por ter fronteiras com tantos países que podem irradiar ainda mais aquilo que o Che queria fazer na Bolívia. Nesse sentido, Chávez tem muito mais vantagens do que nós, lá no meio do Caribe. (Colaborou Yamila Goldfarb)
Luciney Martins/ BL 45Imagem
Foto do livro Che, Sonho Rebelde
morte do comandante, na Bolívia, e avalia as perspectivas para a América Latina
Quem é Harry Villegas Tamayo conheceu Che aos 16 anos, na Sierra Maestra, em 1957. Com o triunfo da revolução cubana, em 1959, tornou-se um dos guarda-costas mais constantes do comandante. Em 1963, quando Che convocou ex-combatentes para uma guerrilha na Argentina, Villegas se ofereceu, mas foi recusado – por ser negro, sua presença levantaria suspeitas na Argentina. Em 1965, quando estava no Congo Belga (ex-Zaire e, depois de 1997, República Democrática do Congo), Che pediu a Fidel que mandasse Villegas ao continente africano. Nessa época Che escolheu para ele o codinome Pombo. Depois de sete meses, os cubanos se retiraram sem conseguir massificar o movimento guerrilheiro. Che (agora sob o codinome Tatu) foi à Tanzânia e Pombo o acompanhou a Praga, antes de voltarem a Cuba. No dia 4 de novembro de 1966, Che chegou à Bolívia, na região de Ñancahuazú. Pombo tinha chegado antes, tendo passado pelo Brasil para entrar no país, com o intuito de levantar as características do local. Onze meses depois, no dia 8 de outubro, Che caiu prisioneiro do Exército boliviano, com a ajuda dos Estados Unidos. Foi assassinado no dia seguinte. Pombo e mais cinco guerrilheiros (Ñato, Inti, Dario, Urbano e Benigno) conseguiram fugir e, durante seis meses – menos Ñato, que morreu no meio do caminho – percorrem mais de 600 quilômetros clandestinamente até cruzar a fronteira com o Chile. Desses sobreviventes, além de Pombo, outros dois combatentes ainda estão vivos: Urbano, que mora em Havana, e Benigno, que está em Paris, desde 1995. Dario morreu em 1968, mesmo ano em que Inti foi assassinado, numa tentativa de reorganizar a guerrilha na Bolívia. A partir de 1976, Pombo ainda esteve à frente das tropas cubanas enviadas a Angola para lutar ao lado do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), contra a Unita e a FNLA, sustentadas pelo regime de apartheid da África do Sul, e pelos Estados Unidos, respectivamente. Pombo hoje é general de Brigada das Forças Armadas Revolucionárias, vice-presidente da Associação de Combatentes da Revolução Cubana, membro do Comitê Central do Partido Comunista Cubano, deputado na Assembléia Nacional e um dos raros condecorados com a honra de “Herói da República de Cuba”.
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DEBATE INSEGURANÇA PÚBLICA
Paradoxos e desafios de um referendo tador desse autoritarismo racista. Mas o fracasso do governo Lula em encarnar valores alternativos é outra fonte de desengano, de gente que vai buscar explicações e refúgio nas visões naturalizadoras da violência, que fazem recair sobre os pobres o ônus mais grave – de supostos agentes da violência, mas na realidade de vítimas privilegiadas dela.
Emir Sader aradoxal a resposta à catastrófica situação da segurança pública no Brasil – de que São Paulo e o Rio de Janeiro são os exemplos mais claros: o descontentamento com a insegurança generalizada levou a que os que votaram no referendo do domingo passado preferissem não mudar nada, deixar tudo como está, sem nem sequer tentar verificar se a limitação da venda de armamentos pode diminuir a criminalidade. Costuma-se dizer que os processos judiciais são ganhos pelo melhor advogado, não pela culpabilidade ou inocência do acusado. Os processos de voto, cada vez mais submetidos ao marketing, elegem a melhor campanha, não necessariamente o melhor candidato, o melhor partido ou o melhor programa. Os brasileiros foram convencidos da vantagem de manter as coisas como estão, condenando-as. E, se forem ser coerentes – tomara que não o sejam – comprarão armas em massa, para matar o leiteiro imprudente do poema de Carlos Drummond de Andrade, que se arrisca a entrar cedinho no jardim da casa para deixar o leite.
Triunfaram os que ainda acham que “questão social é questão de polícia” (e de parapoliciais), como a UDR Triunfaram, em primeiro lugar, os bolsonaros, a “bancada da bala” – aqueles do “bandido bom é bandido morto”, de que “direitos humanos é defesa de bandido”–, gente ligada aos esquadrões da morte, às políticas sistemáticas de dizimação da população pobre – especialmente a jovem negra e mulata –, pagas por empresários das periferias das grandes metrópoles. Triunfaram os que ainda acham que “questão social é questão de polícia” (e de parapoliciais), como a UDR, Jorge Bornhausen e a Editora Abril (cuja sede, dizem, é de propriedade de uma feliz fábrica de cartuchos, contentíssima com a campanha de seu inquilino, que espera lhes propiciar mais mercado).
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Triunfaram os marginais, que poderão contar com mais armamentos comprados legalmente para resgatá-los de seus compradores e assaltá-los (como 75% dos crimes são cometidos com armas compradas legalmente e roubadas de seus proprietários, espera-se que com o aumento da venda de armas, exista um montante maior ainda disponível para esses marginais). Pode-se acusar os que votaram pela limitação do comércio de armamentos de ingenuidade ou de inocuidade, mas nunca de quererem legitimar o estado de coisas existentes. Certamente os movimentos sociais, os sindicatos, os movimentos pelos direitos humanos, a grande maioria dos militantes sociais e políticas das causas humanistas votaram pelo sim. Os que não acreditavam que houvesse no Brasil uma enorme onda direitista – conservadora, racista e repressiva –, devem considerar com toda atenção a campanha e os resultados do referendo. Aqueles que metem a cabeça, como cangurus, nos enfrentamentos imediatos dentro da esquerda, jogam aí toda sua energia e se esquecem de que existem direita, imperialismo, parapoliciais, indústria de armas etc. etc., que querem reduzir tudo ao combate imediato – de tendências ou de grupos dentro da esquerda –, ajudaram a esse resultado, a essa vitória da direita, pela ótica completamente equivocada que têm do país, da relação de forças entre direita e esquerda – no Brasil, na América Latina e no mundo – e das prioridades táticas e estratégicas. Por isso costumam ficar à margem da história, incapazes de
construir alternativas e incidir no processo histórico – como foram capazes as grandes lideranças de esquerda – entre elas, contemporaneamente, Fidel e Hugo Chavez, entre outros. Líderes que agregam, ao invés de dividir; que sabem discernir os grandes inimigos e os enfrentamentos decisivos; que sabem colocar a ideologia a serviço da política e não o inverso. Alguns chegaram a se opor à limitação da venda de armamentos, alegando que impediria que o povo se armasse, como se na Rússia, na China, em Cuba, na Nicarágua ou na Venezuela, os trabalhadores tivessem se armado mediante a compra legal de armas no comércio autorizado. Outros, com seus infalíveis olhos de lince, viram mais uma gigantesca manobra do governo para distrair a opinião pública – com uma ótica bem ao estilo da “guerra fria” – e se ausentaram da campanha.
Os programas sensacionalistas na TV, com o pretexto de pedir justiça para casos de violência, na verdade insuflam sentimentos ruins, que multiplicam a cultura da violência Incrível a falta de solidariedade de gente que se quer de esquerda, mas não se identificam com a posição do MST – vítima privilegiada da UDR e dos seus capangas, armados mediante
compras no comércio legal, como eles mesmo confessaram. Incrível a falta de solidariedade com os pobres, que são vítimas cotidianas dos massacres na periferia das grandes metrópoles. Mas não nos enganemos: o autoritarismo socialmente enraizado conseguiu uma grande vitória. Descontando a campanha malfeita pelo sim, a confusa opção do voto, o empenho abaixo do requerido por parte dos partidos, dos movimentos sociais, dos militantes, dos estudantes, dos intelectuais críticos – aparte isso, é preciso que tiremos lições sobre a gravidade do resultado do referendo. É preciso que os partidos de esquerda, os movimentos sociais, os movimentos de direitos humanos, as igrejas progressistas, os militantes de esquerda, os intelectuais de esquerda, as organizações estudantis, reflitam profundamente sobre o grau de isolamento das idéias e das forças de esquerda que o resultado desse referendo expressa. O impulso democrático existente no final da ditadura, se esgotou. Hoje o que se esconde em grande parte das mentes, é a expressão raivosa que, numa crise de sinceridade, Jorge Bornhausen deixou escapar: o ódio de classe, traduzido em “raça”, que gosta ou fecha os olhos diante das barbaridades que a polícia e os grupos de extermínio realizam. A esquerda, as forças democráticas, as pessoas com valores humanistas, saímos derrotados e a foto que sai do referendo é muito perigosa. O fracasso das políticas atuais de segurança pública e a ausência de alternativas no campo democrático, é um alimen-
O fracasso das políticas atuais de segurança pública e a ausência de alternativas no campo democrático, é um alimentador desse autoritarismo racista O isolamento social da esquerda é muito grande, a grande mídia privada – o verdadeiro partido das classes dominantes – forma e deforma a opinião publica a seu bel-prazer. Os programas sensacionalistas na TV, com o pretexto de pedir justiça para casos de violência, na verdade insuflam sentimentos ruins, que multiplicam a cultura da violência. O próprio fato de que grupos de esquerda, que se pretendem “classistas”, não incorporarem questões democráticas como a regulação estatal do comércio de armas, revela como há um enorme campo a ser trabalhado, inclusive dentro da esquerda. O referendo não muita nada em termos concretos no país, quem comprava arma continuará comprando, quem as roubava para cometer crimes, continuará fazendo-o, talvez aumente um pouco o comércio de armamento. Mas a maior diferença é a consciência – da direita e, espero, da esquerda – do enorme potencial de autoritarismo racista presente na mente de tanta gente, que pode ser explorado pela direita e deve ser um dos grandes temas de debate, polêmica e formação, por parte da esquerda. Emir Sader é professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). É também coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor de A vingança da História
DIREITO À COMUNICAÇÃO
A ocupação do Congresso e o silêncio da mídia Antonio Carlos Spis om exceção de algumas escassas linhas sobre o fato, sem sequer direito a foto, a mídia brasileira tentou ocultar a “ocupação” do Congresso Nacional, realizada por 200 dirigentes cutistas, representativos dos principais Sindicatos, Federações e Confederações de todo o país. Da mesma forma, calou por completo sobre três importantes audiências da CUT com os ministros do Desenvolvimento Agrário, Previdência e Trabalho. Salário-mínimo? Redução da jornada? Direitos sociais? Coisas sem importância... A censura tem sua principal razão na preocupação dos donos dos meios de comunicação em blindar os aspectos extremamente nefastos da política econômica herdada do neoliberalismo, como as mais altas taxas de juros do mundo e o escandaloso superavit primário, colocados em xeque por nossa central. Defendemos uma política de valorização crescente
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do salário-mínimo, o estabelecimento de metas de emprego e de investimento nas áreas sociais, em contraposição à camisa-deforça defendida pelos burocratas do Ministério da Fazenda e do Banco Central. Na tentativa de impedir que a sociedade dialogue, buscam calar a nossa voz questionadora e propositiva, limitando nossas possibilidades de interlocução e de mudança. Neste momento, quando o Brasil realiza mais uma Semana Nacional pela Democratização dos Meios de Comunicação, considero fundamental que o conjunto do movimento sindical amplie sua visão crítica sobre a excrescência que é manutenção dos atuais feudos de manipulação e desinformação dos donos da mídia, concentrada em nosso país em seis redes privadas que abrangem cerca de 700 veículos, entre emissoras de TV, rádios, revistas e jornais Reduzida à condição de mercadoria, a informação vem sendo prostituída para servir aos interes-
ses econômicos dessa meia dúzia de proprietários e de seus gordos anunciantes. Assim, a qualidade, diversidade e veracidade da informação se transformam em sub item dentro do foco financeiro. Estudos recentes demonstram que o faturamento das empresas de comunicação já representa mas do que 10% da economia mundial, e que vem crescendo quanto mais vinculado à indústria armamentista, ao sistema financeiro e ao poder imperial. Como o centro de tais conglomerados é o lucro, o desavisado consumidor dos seus venenos em forma de notícia acaba transformado em produto. Assim, como já foi dito, “os meios de comunicação deixaram de vender informação ao público e passaram a vender o público a seus anunciantes”. Mais do que garantir ao cidadão o direito de acesso, a democratização significa dar condições para que a sociedade possa influir na produção do conteúdo dos meios, abrindo espaço para suas demandas, seus
anseios, projetos e esperanças. Por isso defendemos o fortalecimento das redes públicas de rádio e televisão, o florescimento de rádios e televisões comunitárias, a destinação de verbas publicitárias governamentais também aos pequenos jornais, única forma de dar vida à lei que afirma ser o acesso à comunicação um direito de todos.
A informação vem sendo prostituída para servir aos interesses econômicos dessa meia dúzia de proprietários e de seus gordos anunciantes Em nossa gestão temos investido bastante na comunicação com a sociedade, seja por meio dos programas de televisão e rádio
da CUT ou do nosso Portal do Mundo do Trabalho. Acreditamos que a partir destas trincheiras poderemos seguir avançando, com o apoio e a participação de todos. Mas para que a mudança ocorra, de verdade, em profundidade, precisamos que o governo federal se some conosco na batalha pela democratização, sem o que ficaremos reféns da verdadeira lei da mordaça que impede a sociedade brasileira de se ver. A democratização dos meios de comunicação será a Lei Áurea do século 21, rompendo os grilhões que mantêm ainda milhões de brasileiros aferrados a se intoxicar diariamente com informações transgênicas, fabricadas com a química da mentira, da baixa-estima e da alienação. Neste contexto, a ridícula cobertura da ocupação do Congresso é apenas uma agulha no palheiro. Antonio Carlos Spis é secretário nacional de Comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT)
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agenda@brasildefato.com.br
AGENDA LIVRO
Amines, como parte do Ano do Brasil na França. Local: R. Marquês de Abranches, 99, Rio de Janeiro Mais informações: www.tangolomango.com.br
DISTRITO FEDERAL Arquivo Brasil de Fato
UM TRABALHADOR NA REVOLUÇÃO LATINO-AMERICANA O aposentado e ex-condutor de bondes Sílvio de Souza Gomes conta, nesse livro, sua participação política no Brasil, no Chile, no Panamá e no Uruguai. No Brasil, Gomes enfrentou a ditadura. Exilado, foi para o Uruguai em 1969. No Chile, lutou pelo socialismo de Allende de 1970 a 1973. Depois participou da chamada “descolonização do Canal do Panamá” e apoiou a revolução sandinista na Nicarágua. Beneficiado pela anistia de 1979, Gomes retornou ao Brasil em 1981, retomando aqui a sua militância política e sindical, iniciada nas décadas de 1950/1960, no Rio de Janeiro, como condutor de bondes da Light e integrante do Partido Comunista do Brasil (PCB). Na década de 1980 retornou ao PCB, optando, já aposentado, pelo Partido dos Trabalhadores (PT). A obra, publicada pela Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, tem 261 páginas e custa R$ 28. Mais informações: (48) 3331-9686
CURSO - ABUSO SEXUAL INTRAFAMILIAR 11 e 12 de novembro; 2 e 3 de dezembro, das 8h30 às 18h A Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (Abrapia) promove uma capacitação com objetivo de instrumentalizar profissionais que trabalham ou venham a trabalhar na promoção e garantia dos direitos da criança e do adolescente para prevenir, identificar, avaliar e intervir em situações de possível ocorrência de abuso sexual intrafamiliar. Local: Centro Cultural João 23, R. Bambina, 115, Rio de Janeiro Mais informações: abrapia@openlink.com.br
MARCHA ZUMBI + 10 16 de novembro Homens e mulheres negros de vários Estados brasileiros vão marchar em direção a Brasília em defesa do Estatuto da Igualdade Racial, que prevê políticas públicas específicas para a população afrodescendente, de combate ao racismo e à exclusão social. A marcha está sendo coordenada por uma articulação nacional composta por várias organizações e grupos do movimento negro, com representação em 15 Estados. O movimento vai fazer um balanço sobre os avanços conquistados e dificuldades que ainda precisam ser superadas, uma década depois da primeira marcha. Durante a marcha, os manifestantes cobrarão do governo brasileiro o cumprimento dos compromissos assumidos pelo país nas Conferências do Sistema Nações Unidas e também da Constituição Federal, que garante a igualdade de todos e estabelece os mesmos direitos e obrigações para homens e mulheres. Também está na pauta de reivindicações a democratização dos meios de comunicação. Local: Brasília Mais informações: (61) 3447-1729,
BAHIA PROJETO MUSICAL PUB Até 31 de outubro O espaço cultural Salvador Pub apresenta uma programação com músicos renomados nas noites baianas. Tem jazz, blues, MPB, bossa, ritmos latinos. Programação: às terças – Orácio Reis e Vicente Penace; às quartas – Kossirê Trio e Anunciação (percussionista); às quintas – Wellington Mendes e Alexandre Ávila; às sextas – Duo Sens (violões e percussão); aos sábados – maestro Zeca Freitas e músicos (sax, piano e baixo) Local: Salvador Pub, R. do Meio, 154, Salvador Mais informações: (71) 3334-5911
servação de uso sustentável; mercado de produtos certificados etc. Local: Canteiro Central do Metrô, lote 8, galpão 1, Belém Mais informações: (61) 3346 7048, rubens@gta.org.br, cleo@gta.org.br
PARÁ
Local: UFF, auditório da Escola de Serviço Social, sala 405, campus Gragoatá, bloco E, Niterói (dia 26); UERJ, campus do Maracanã, Rio de Janeiro (dia 27) Mais informações: www.palestina1.com.br
RIO DE JANEIRO
SEMINÁRIO - MANEJO E CERTIFICAÇÃO COMUNITÁRIA 26 a 28 de outubro O objetivo do Seminário, organizado pelo Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), é promover o debate sobre as condições do manejo florestal e da certificação como instrumentos adequados para construção de cenários de sustentabilidade ambiental, econômica e social na zona rural brasileira. A programação do evento inclui temas como: contextualização sobre manejo florestal e certificação; questão socioambiental; manejo comunitário em unidades de con-
PALESTRA COM EMBAIXADOR DA PALESTINA 26, 16h e 27 de outubro, 18h Evento organizado pelo Comitê de Solidariedade à Luta do Povo Palestino em conjunto com a Associação dos Docentes da Universidade Federal Fluminense (UFF) e o Diretório Central dos Estudantes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Durante a palestra do Mussa Emid serão discutidos os seguintes temas: a resistência antiimperialista; a nova intifada; a construção do Muro da Vergonha; conseqüências políticas da morte de Yasser Arafat; e a retirada dos colonos israelitas da Faixa de Gaza.
A IMAGEM DO SOM DE DORIVAL CAYMMI 3 de novembro a 29 de janeiro de 2006 Esta é a sexta edição desse projeto no qual já foram homenageados nomes como Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Antonio Carlos Jobim e o rock-pop brasileiro. Agora é a vez de Caymmi. Como acontece a cada edição, 80 artistas, entre designers gráficos, fotógrafos, ilustradores, escultores, artistas plásticos, cenógrafos e carnavalescos foram convidados a dar sua interpretação visual para 80 composições do mestre baiano. Na exposição, a obra fica ao lado da letra da música e, próximo de-
la, um fone de ouvido permite ao visitante escutar cada uma das 80 canções. Entrada franca. Local: Pça. 15 de Novembro, 48, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2533-4407 4º FESTIVAL TANGOLOMANGO 4 a 27 de novembro Diversos pontos da cidade do Rio de Janeiro serão palcos de espetáculos de música, dança, exposições, filmes e debates durante o Festival. A proposta do evento é promover a diversidade e o intercâmbio cultural da zona norte à zona sul da cidade com a troca de experiências entre os grupos que associam cultura e inclusão social, incentivando o surgimento de iniciativas que ampliem o exercício dos direitos de expressão e de participação. Este ano, o evento recebe grupos de outros Estados e realiza uma mostra de filmes brasileiros na cidade de
SEMINÁRIO BRASILEIRO CONTRA O RACISMO AMBIENTAL até 30 de novembro A atividade se propõe a reunir universidades, movimentos sociais e populações diretamente atingidas pelo racismo ambiental. Entre os palestrantes estão Robert Bullard, da Universidade de Atlanta (EUA), Parajuli Pramod, da Universidade de Siracusa (Espanha) e Jan Fritz, da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. Local: Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense, campus Gragoatá, R. Visconde do Rio Branco, s/n, Niterói Mais informações: www.justicaambiental.org.br
SÃO PAULO MEMÓRIA DO JORNALISTA ALOYSIO BIONDI 1º de novembro, a partir das 22h Além da diversão, a festa em homenagem à memória de Aloysio Biondi trará informações sobre o projeto “O Brasil de Aloysio Biondi”, criado em 200, e que reúne cerca de 40 pessoas, entre filhos, amigos, ex-alunos e admiradores do jornalista. Os recursos arrecadados com a venda de convites serão destinados à finalização da página na internet, onde serão colocados os textos de Biondi, a ser lançada em 2006. Ingresso: R$ 15 (na entrada) ou R$ 10 (com filipeta que estará disponível pela internet - www.oenfartamadalena.com.br) Local: Enfarta Madalena, R. Fidalga, 46, São Paulo Mais informações: brasilbiondi@yahoo.com.br
AGRICULTURA FAMILIAR
Dirceu Pelegrino Vieira de Florianópolis (SC)
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omeçou a funcionar, dia 11 de outubro, mais uma loja da reforma agrária em Santa Catarina, desta vez em Florianópolis. A primeira loja no Estado foi criada em abril, em Chapecó. Várias entidades, autoridades e simpatizantes da luta pela reforma agrária prestigiaram a inauguração. Os recursos iniciais para a realização do projeto vieram de um convênio entre a Cooperativa Central de Reforma Agrária, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), denominado Projeto Terra Sol. Na loja, a população da grande Florianópolis terá acesso a mais de 60 produtos, industrializados e in natura, provindos dos assentamentos de reforma agrária. As lojas de reforma agrária do MST são exemplos do sucesso do modelo agrícola familiar. Nessas lojas são vendidos produtos dos assentamentos do movimento – onde se desenvolvem iniciativas como a primeira experiência de produção
Cristiane Cardoso
Mais uma loja da reforma agrária em Santa Catarina
Na nova loja do MST, em Florianópolis (SC), a população vai poder comprar mais de 60 produtos, industrializados e in natura, dos assentamentos de reforma agrária
de sementes de hortaliças agroecológica, realizada nos assentamentos do Rio Grande do Sul; a produção de leite à base de pasto, feita pelos assentados de Santa Catarina. Hoje mais de 1,5 milhão de pessoas, dos
três Estados do Sul e de São Paulo, consomem diariamente leite industrializado pelos assentamentos do extremo oeste catarinense. Vilson Santin, da direção estadual do MST, lembrou que “a reforma
agrária é essencial para alavancar esse novo modelo voltado para o desenvolvimento interno. Essa loja mostra os resultados da reforma agrária”. O superintendente regional do Incra de Santa Catarina, João
Paulo Strapazzon, disse que, com a loja, a população poderá conhecer a reforma agrária. Segundo ele, “a reforma agrária não é só para as populações rurais, mas interessa a todos e deve ser uma luta de todos”.
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CULTURA
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FOLCLORE
Saci passa a perna nas bruxas importadas Tatiana Merlino da Redação
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Pelo terceiro ano consecutivo, o Estado de São Paulo comemora o Dia do Saci, que ganha cada vez mais adeptos
O
moleque de gorro vermelho e cachimbo na boca está pulando – em uma perna só! – de tanta alegria. Dia 31 de outubro será comemorado, pela terceira vez no Estado de São Paulo, o Dia do Saci-Pererê. A data, 31 de outubro, foi escolhida pela Sociedade dos Observadores de Saci (Sosaci) exatamente para coincidir com a festa de Halloween, importada dos Estados Unidos, que vem sendo celebrada em grande escala comercial, no Brasil. “Há muitos mitos na cultura brasileira, mas escolhemos o saci por ser um dos mais simpáticos e ter um grande apelo nacional. Ele integra as raízes do povo brasileiro: indígena, européia e africana”, diz a historiadora Márcia Camargos, uma das fundadoras da sociedade. A Sosaci nasceu em 2003, na cidade paulista de São Luiz do Paraitinga, como resistência à invasão da indústria cultural dos Estados Unidos. Há três anos, promove a Festa do Saci, em comemoração ao Dia do Saci e Seus Amigos. A entidade, que começou com um pequeno grupo de artistas e intelectuais, hoje soma mais de cinco mil integrantes e tem núcleos em diversos Estados. “Somos um exército de Brancaleone, lutando contra uma força ponderosa, que é a hegemonia estadunidense”, diz Márcia, referindo-se ao filme italiano O incrível exército de Brancaleone, de Mário Monicelli. Convicta da necessidade de uma data para celebrar o folclore brasileiro, a Sosaci organizou um abaixo-assinado solicitando ao ministro da Cultura, Gilberto Gil, a instituição do dia 31 de outubro como Dia do Saci e seus Amigos, em âmbito nacional. Para isso, já existe um projeto de lei de autoria do então deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB). “Nós, brasileiros, temos nossos próprios mitos, que não ficam nada a dever a esses importados. Respeitamos os mitos dos outros, mas não queremos que eles sejam usados pela indústria cultural como predadores dos nossos”, diz o texto, disponível na página da Sosaci, www.sosaci.org.
Há tempos, eu era uma espécie de herói nacional – disse o saci, quando começou a contar a sua história. Mas, um dia, tudo começou a mudar. A migração deu início com o incentivo do governo. Levas de roceiros buscavam nas cidades oportunidades, enquanto, nas fazendas, eram substituídos por máquinas. Os trabalhadores rurais foram deixando de existir. Já não eram mais camponeses, e sim, operários na cidade. Perderam a identidade e, com ela, a cultura, as tradições e o folclore camponês deram lugar a culturas de outros países. A televisão chega trazendo os heróis urbanos. Super-homens, com os quais não posso competir. Era o começo da extinção dos sacis. O meu fim – explicava o saci, que, sem nenhum disfarce, chorava.
unem para ajudar a salvar o saci, o curupira e outros mitos brasileiros que tinham perdido terreno para lendas estrangeiras, como as bruxas do Halloween, festa tradicional estadunidense. A autora também se sentiu motivada a escrever um livro sobre o saci pela falta de obras paradidáticas sobre o tema: “No mercado editorial há muitos livros sobre duendes, mas uma carência de obras sobre lendas brasileiras”. Defensores e divulgadores do folclore brasileiro também encontram adeptos em Botucatu, no interior de São Paulo. Lá, é realizado anualmente o Festival Nacional do Saci, organizado pela Secretaria de Cultura de Botucatu e pela Associação Nacional dos Criadores de Saci (ANCS). No mês de outubro, o saci está sendo homenageado na exposição intinerante “Alma de Saci – Tem saci no pedaço”, que fica até dia 30 de outubro no Centro Cultural São Paulo. A mostra, que traz 39 trabalhos feitos por cartunistas, desenhistas e ilustradores, deve percorrer as bibliotecas da cidade de São Paulo. Em São Luiz do Paraitinga haverá, entre os dias 24 e 30 de outubro, a 3ª Festa do Saci. A programação está disponível no endereço www.paraitinga.com.br. Orlando
Pa u
lo
Ca
rus
o
meio da valorização da figura do saci, criticava as elites brasileiras e sua mania de “macaquear” a cultura vinda da França. Hoje, a elite continua a macaquear o que vem de fora, “mas em vez de imitarmos Paris, copiamos Miami”, assegura Márcia. A investigação de Lobato inspirou a historiadora Márcia Camargos. Ela escreveu um livro contando a história “contemporânea” do saci e de outros mitos brasileiros, “que estão desaparecendo por causa das lendas estrangeiras”. A obra, Nas pegadas do Saci, trata das mudanças ocorridas no habitat do saci em decorrência da urbanização, do desmatamento e do crescimento populacional. Os personagens do livro, cinco crianças, fazem uma excursão para investigar os efeitos de tais mudanças. Na volta, se
Caubóis fortes e valentes, que montam melhor do que eu, atiram em uma moeda lançada ao ar. Atacam a natureza e até a sua própria espécie, matam seus índios, num rito de violência e terror. E mesmo assim, tornam-se heróis em nosso país. A solidão me atacou. Senti-me muito só. Quase todos que me conheciam, partiram para a cidade, conheceram a TV e esqueceram o saci – novamente o saci se debulhava em lágrimas.
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A utilização da imagem do Saci como afirmação da identidade nacional vem do século passado. Em janeiro de 1917, Monteiro Lobato veiculou uma pesquisa no jornal O Estado de São Paulo na qual perguntava qual era a concepção pessoal dos leitores sobre o saci. O resultado foi publicado no livro SaciPererê – resultado de um inquérito, editado em 1918. O escritor, por
Gordo
ald Zir
IDENTIDADE NACIONAL
Companheiros camponeses
Um dia, fiz minha trouxa e parti também. Peguei o primeiro rodamoinho e fui parar na cidade.Que confusão! Gente indo e vindo, sempre correndo, prédios enormes, chaminés gigantescas poluindo o ar, carros, trens, fumaça, indústrias jogando dejetos nos rios. Senti-me mal. Cansado, sentei-me na calçada e tirando o meu gorro, joguei-o aos meus pés. Choveram moedas. Dinheiro, o remédio para todos os males nas grandes cidades. Pior ainda, fui confundido com um pedinte. Em que mundo vim parar! Mal cheguei, já morria de saudades da fazenda. Mas eu devia continuar, afinal, não podia permitir minha própria extinção.Certo dia até me senti feliz, quando um garotinho, ao passar por mim, gritou: Veja, é o saci!
EXPOSIÇÃO: Alma de Saci - Tem saci no pedaço De terça a sexta, das 10h às 20h; sábados, das 10h às 18h; domingos, das 10h às 16h Local: Centro Cultural São Paulo, Rua Vergueiro, 1000, São Paulo Entrada franca
Sua mãe se desculpou comigo. Sabe, moço, são esses caipiras, que chegam aos bandos todos os dias. Enchem a cabeça das crianças, com essas histórias de saci, deviam proibi-las. E foi assim que descobri onde eu poderia encontrar meus companheiros camponeses. Na periferia, nas favelas, onde vive a maioria assalariada. Esgoto a céu aberto, barracos amontoados, gatos na rede elétrica. Assim, viviam meus amigos. Alguns, até fome passavam. Estes, não conseguiram encontrar trabalho. Encontrei muitas pessoas que tiveram um dia a cultura de criar saci e até eles não me reconheceram!”
Gordo (Elias Antônio dos Santos) é militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e autor deste texto que faz parte da coleção Criando Saci, ainda não publicada