Ano 3 • Número 143
R$ 2,00 São Paulo • De 24 a 30 de novembro de 2005
Na surdina, a transposição avança S
urgem novas denúncias de que o acordo do presidente Lula com o frei Luiz Cappio e a decisão da Justiça baiana estão sendo desrespeitados. Ambos exigem a paralisação da transposição do Rio São Francisco. No dia 17, Alzení Tomáz, do Conselho Pastoral dos Pescadores, encontrou oficiais do Exército fazendo trabalho topográfico para a captação das águas do Velho Chico em Petrolândia (PE). Fotos da atividade foram registradas. Comandante do destacamento que atua na região, o tenente Alysson Hayalla alega que os militares apenas faziam reconhecimento da área quando Alzení apareceu. Segundo ele, a topografia teria sido interrompida logo que a determinação da Justiça saiu. Já o governo informa não haver obra iniciada e que o trabalho feito anteriormente para a transposição será utilizado para “uma outra coisa”; porém, não soube definir qual finalidade é esta. Pág. 3
João Zinclar
Exclusivo: fotos flagram militares trabalhando na área de captação de águas do Rio São Francisco em Pernambuco
Em Petrolândia, interior de Pernambuco, soldados do Exército realizam picadas para demarcar áreas em vista da transposição do Rio São Francisco
Lula não governa para a classe trabalhadora, diz Marilena Chauí
Equador: Texaco ameaça a vida de camponeses
Palestinos, prisioneiros no seu território
Lentidão na reforma agrária gera violência
Reportagem do Brasil de Fato acompanha a rotina de famílias em Hebron e em Ramallah, na Palestina. Crianças longe das escolas, famílias separadas pelo Exército. Medo e terror. “A polícia israelense entra na minha casa quase todos os dias”, conta Samed Said. Págs. 10 e 11
O relatório final da CPMI da Terra constata que a concentração fundiária é a principal causa da violência no campo. O texto conclui que 2,6% das propriedades rurais cadastradas representam pouco mais da metade da área total ocupada no país. Pág. 8
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato – uma das raras publicações para as quais a filósofa e fundadora do Partido dos Trabalhadores concorda em falar –, Marilena Chauí explica
por que não considera o governo de Luiz Inácio Lula da Silva de esquerda. Para Marilena, a crise é “miudinha” como a “politiquinha” brasileira. E avalia: “Justamente porque as elites
estão muito satisfeitas, o PSDB tem medo de não ter financiamento para a sua campanha. Portanto, os tucanos se perguntam: o que será de nós?” Págs. 6 e 7
Lindomar Cruz/ABR
47 milhões de barris de óleo cru e quase 12 milhões de água de formação. Riachos foram contaminados e moradores sofrem de diversas doenças. Pág. 9
Nama
Na província de Sucumbíos, no Equador, população sofre com a exploração de petróleo e gás feita pela ChevronTexaco. Em 26 anos, a transnacional estadunidense extraiu mais de
“2ª Marcha Zumbi dos Palmares contra o racismo, pela igualdade da vida” reúne milhares de manifestantes em Brasília, dia 22
PFL e PSDB na Juros seguem ofensiva; e elevados e Palocci balança emprego encolhe E mais: EDUCADORES – Escola Nacional Florestan Fernandes forma primeira turma de especialistas em Educação no Campo e Desenvolvimento. Pág.13 ARTE – Em São Paulo, edição do Experiência Imersiva Ambiental questiona o espaço público das cidades. Pág. 16
Painel fotográfico em homenagem ao líder palestino Yasser Arafat, exposto em uma escola de Hebron, um ano após a sua morte, dia 11 de novembro
Pág. 5 Santiago
Pág. 4
A resistência dos atingidos por barragens Pág. 13
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De 24 a 30 de novembro de 2005
NOSSA OPINIÃO
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Görgen • Horácio Martins • Ivan Cavalcanti Proença • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
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O melancólico, mas esclarecedor, fim da CPMI da Terra
A
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra encerrou seus trabalhos esta semana. E terminou mal – rachada. Para começar, apreciou dois relatórios: o do relator, deputado João Alfredo, do PSOL, e o do presidente da Comissão, senador Álvaro Dias, do PSDB. Relatório de presidente é novidade. Quebra toda a lógica do trabalho. O lógico é que o relator, relate e o presidente, presida. Se a maioria da Comissão rejeitar o parecer do relator, ela própria elege um novo relator para proferir o voto majoritário. Quando o presidente da comissão se antecipa e dá um parecer absolutamente parcial, está instalada a desordem. Desordem esta desejada pelos que fazem de tudo para bloquear a reforma agrária, com os olhos voltados para o voto dos latifundiários e de seus aliados. O objetivo claro do relatório do presidente da Comissão, senador Álvaro Dias, revelado, aliás, pelo modo faccioso como presidiu os trabalhos, é criminalizar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), porque sabe que a organização e a conscientização do povo da terra é o caminho para o
fim do latifúndio no Brasil. O resultado da Comissão precisa ser bem analisado pelo trabalhador. É mais uma prova daquilo que o sociólogo Florestan Fernandes nos ensinou: a classe dominante brasileira completou a sua revolução burguesa em 1964 e, a partir daí, não tem mais qualquer função civilizatória a cumprir na sociedade. É uma classe dominante parasita. Não cede absolutamente nada ao povo. Basta ver que até hoje o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, legítimo representante do agronegócio, recusa-se a assinar a portaria que estabelece os novos índices de produtividade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) – promessa formal do presidente Lula para acelerar o processo de identificação de terras a serem desapropriadas, feita em maio deste ano! O texto apresentado pelo relator João Alfredo mostra questões fundamentais, como a imensa concentração de terras nas mãos de poucos, a violência crescente e a organização dos sem-terra como única alternativa de sobre-
vivência. Por isso, não adianta alimentar ilusões. O trabalhador rural sem-terra só conquistará o seu pedaço de chão se for capaz de mobilizar a massa de pobres que vivem no campo e se contar com a solidariedade dos explorados das cidades para criar a pressão popular – sem a qual as coisas ficarão exatamente como estão. Os lutadores do povo pertencentes a outras classes sociais podem e estão ajudando essa luta. Não dá para ficar triste, cobrar lealdades, sentir-se vítima. O capitalismo não tem entranhas mesmo. Só entende a linguagem da força. Se os trabalhadores rurais sem-terra não tiverem força política, não haverá apelo à humanidade ou argumento racional que os mova. Ou melhor, que demova os senhores de terra de usar violência contra a população rural. Todos estamos vendo o aumento assustador do número de líderes camponeses assassinados, nestes dois últimos meses. É preciso denunciar esses crimes. É preciso também denunciar a hipocrisia maior: as reportagens da imprensa capitalista e burguesa, a respeito da “violência dos sem-terra”.
FALA ZÉ
OHI
CARTAS DOS LEITORES REFERENDO Até que em vários pontos este Brasil de Fato tem pontos de vista razoáveis. Mas na questão do referendo de 23 de outubro, artigos como o de Emir Sader e outras choradeiras de votantes do SIM veiculadas são absolutamente ridículos. Vocês são democráticos e a favor das “diretas já”, mas quando o povo diz – e em voz bem alta, já que em nenhum Estado o SIM ganhou – vocês e seus colunistas dizem que a questão é de marketing. Ora, então o sufrágio universal é vontade popular quando seu ponto de vista ganha e é marketing quando perde. Belíssima conclusão. Vocês são de esquerda ou são democráticos? Querem princípios liberais e ao mesmo tempo toda força ao Estado. Escolham. Afonso Chrispim por correio eletrônico TRANSPOSIÇÃO Pela seriedade com que apostamos na consolidação deste jornal, não podemos aceitar que ele reproduza prática tão perniciosa e comum nos periódicos da chamada grande imprensa. A reportagem publicada no número 136 sobre a transposição do São Francisco deu voz a um só lado, com uma visão maniqueista do tema. Lutemos por mais debates e por decisões democraticamente adotadas, mas informemos com clareza todas as faces do projeto. Jovino Amâncio de Moura Filho Lavras- MG HOLOFOTES DA MÍDIA Estas CPIs são todas em sua to-
talidade de conteúdos eleitoreiros e chamariz aos holofotes da mídia nacional. Fico pasmo com políticos inclusive de meu Estado que são suspeitos em falar da vida politica alheia posando como bons cordeirinhos, com voz mansa e atitudes duvidosas e enganatórias. Acabem de uma vez com estas palhaçadas e deixem nosso presidente da República governar este país de excluidos! Célio Borba Curitiba-PR REELEIÇÃO Como a maioria da oposição é do PSDB/PFL e quer barrar a candidatura de Lula a reeleição quero declarar: Lula foi contra a reeleição; muito menos comprou votos para aprová-la. Os indicadores do atual governo são muito superiores aos anteriores. Parece que isso está claro para seus opositores que sabem da dificuldade para enfrentá-lo nas urnas por isso querem impedir sua candidatura. Emanuel Cancella Rio de Janeiro (RJ)
ERRAMOS Na edição 141, página 8, erroneamente a matéria Repúdio a Bush une esquerda no Brasil foi assinada por Luís Brasilino, Cecília Guimarães e Roberto Lessa. O correto é: Luís Brasilino, Cecília Guimarães e Roberta Lessa.
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CRÔNICA
A dívida maior do PT Leonardo Boff A grande dívida do Partido dos Trabalhadores (PT) não é financeira. É política e ética. Os eventos ocorridos nos últimos meses envolvendo sofisticada corrupção no grupo de direção do partido tiveram um efeito devastador na população, especialmente, naqueles que alimentavam um sonho histórico de mudanças de rumo. Vigorava grande despolitização como de resto no mundo inteiro. Mas com o advento do PT e com a irrupção carismática de Lula se acendeu a chama da libertação tão ansiada. O slogan de campanha “agora é Lula” queria dizer: agora não tem para ninguém, é tempo de outro sujeito histórico no poder, de outra política, de outro projeto Brasil, de outra via para a inclusão e a sustentabilidade do desenvolvimento nacional. Tudo se faria sob a égide da ética, da transparência e de uma articulação orgânica e dinâmica do governo com as bases da sociedade. Toda uma geração seria mobilizada. Depois de dois anos e meio não foi o que ocorreu. Não cabe aqui analisar os constrangimentos sistêmicos, as fragilidades pessoais dos atores políticos, a falta de ousadia, aquilo que Machiavel chama com razão de “virtu”, a capacidade de captar o sentido profundo da história e intervir
nela para inaugurar um novo rumo. Faltou tudo isso. Infelizmente. Mas o que dói mais é a repetição simplória da queda original. Estratos importantes do partido sucumbiram às ilusórias cantilenas do grande tentador, o poder como vantagem pessoal e partidária ao arrepio da ética do interesse geral e do bem comum. Trocaram a pérola mais preciosa que possuiam, a ética, por quinquilharias baratas de camelô. A decepção provocada é, em termos políticos, irremissível. Ela exige reparação. Caso contrário os dirigentes receberão a maldição do povo e o desprezo dos militantes. Por que esta defecção é grave? Porque no atual contexto brasileiro e mundial a volta da ética era a forma de preencher o vazio da utopia. Esta se encontra em baixa no mundo inteiro. A ética rasgava um horizonte de esperança de que um pacto ao redor de valores podia suprir as deficiências da prática política, viciada por interesses classistas e por ideologias de baixa intensidade. A ética na política mobilizou os atores mais generosos e comprometidos como o Betinho e o Lula das lutas sindicais e da nova democracia participativa. A traição da ética fez com que a política voltasse a ser vista novamente como mundo do sujo, dos propósitos escusos, das negociatas
e da corrupção. Esta leitura faz injustiça aos políticos sérios dentro do PT e dentro de outros partidos. Ela induz a tomar a política in malam partem, pelo seu lado patológico, o que é errôneo, porque política em si não é isso. De mais a mais o patológico sempre remete ao sadio que é a referência de base. Cabe ao PT resgatar sua opção originária. Ele nasceu e se estruturou por mais de duas décadas com esta intenção, de ser o conduto das transformações necessárias. Por causa de um pecado não pode perder toda a graça acumulada. A graça tem mais direito que o pecado. O partido pode voltar ao primeiro amor agora amadurecido pela humilhação. O PT deve pagar a dívida ética com a moeda da humildade e da coerência. Os valores que propõe deve também vivê-los e testemunhá-los em todos os níveis. Por ai começa o resgate e se renova a esperança. Agora é olhar para frente e caminhar. Leonardo Boff é teólogo e professor universitário. É também autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística. A maioria de sua obra está traduzida nos principais idiomas modernos
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NACIONAL RIO SÃO FRANCISCO
Com Exército, transposição segue Luís Brasilino da Redação
N
ovas denúncias incriminam o Exército brasileiro de estar trabalhando para a transposição do Rio São Francisco. Tal atitude descumpre o acordo firmado entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o frei Luiz Flávio Cappio. Entre setembro e outubro, o bispo da diocese de Barra (BA) enfrentou 11 dias de greve de fome e só a interrompeu com a promessa do governo de paralisar o avanço do projeto e debatê-lo. A ação dos militares desrespeita também a determinação da 14ª Vara da Justiça Federal, na Bahia, que, em 6 de outubro, suspendeu a licença prévia e proibiu a continuidade da obra. Depois de denúncias de camponeses, no dia 17, Alzení Tomáz, do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), foi até a região dos municípios de Petrolândia e Floresta (PE). Segundo o projeto, é nessa área que as águas do Eixo Leste da transposição serão captadas (veja mapa ao lado). Chegando lá, ela viu e conversou com oficiais do 3º Batalhão de Engenharia e Construção (BEC) do Piauí que estavam fazendo a realização geométrica do eixo do canal e o levantamento topográfico da faixa de domínio e segmento de captação da água. Alzení explica: “Estão fazendo picadas no solo para demarcar a área onde os canais passarão. Trabalho topográfico na tomada da água é o início da obra”. Alzení assegura que ouviu tais informações da boca dos militares. “Não só vimos os soldados trabalhando, como eles confirmaram que estavam fazendo isso para a transposição. Perguntamos o que eles achavam da questão do bispo (frei Luiz) e eles responderam que continuavam trabalhando independentemente disso”, revela Alzení.
Fotos: João Zinclar
Mais uma denúncia de que militares trabalham em Pernambuco para o início da captação das águas; governo nega
Ao contrário do que prometeu o governo em acordo com o frei Luiz Cappio, soldados do Exército fazem picadas no solo para demarcar a área por onde os canais passarão
GOVERNO NEGA O tenente Alysson Hayalla, comandante do destacamento do 3º BEC em Petrolândia, negou as denúncias. Ele diz que o trabalho topográfico que fizeram para a transposição já está parado há muito tempo por causa da decisão judicial. “Quando ela (Alzení) chegou lá, estávamos só fazendo um reconhecimento do terreno. Não era serviço. Foi só um reconhecimento”, garante Hayalla. Segundo a Secretaria de Relações Institucionais (SRI) – chefiada pelo ministro Jacques Wagner, mediador das conversações com frei Luiz durante a greve de fome –, não existe nenhuma obra iniciada por parte do governo e do Ministério da Integração, responsável pelo projeto. Isso por conta da decisão judicial e do acordo com o bispo. Representante da SRI que pediu para não ser identificado afirmou: “Isso é uma obra
de infra-estrutura do governo, não é uma obra de transposição do Rio São Francisco”. A SRI ainda informa que a topografia já feita será utilizada para “outra coisa”. Porém, não souberam precisar o quê.
MAIS DENÚNCIAS O Eixo Leste da obra será responsável pelo transporte da água para os Estados da Paraíba e de Pernambuco. Subindo o Velho Chico, próximo à cidade de Cabrobó (PE), fica o ponto de captação do Eixo Norte, previsto para levar água ao Ceará e ao Rio Grande do Norte. De acordo com Alzení, os oficiais com quem conversou em Petrolândia disseram que, em Cabrobó, estão efetivos do Grupamento de Engenharia de Construção da Paraíba fazendo o mesmo trabalho. A informação reforça as denúncias do Neguinho Truká, publicadas
na edição 140 do Brasil de Fato. Segundo o líder indígena, o Exército está trabalhando na Ilha de Assunção, em Cabrobó, para desalojar famílias. O objetivo é preparar as áreas para receber máquinas que seriam usadas na transposição. A SRI alega que o Exército está na região atendendo a reivindicações da tribo Truká, resolvendo problemas de pequenas estradas, reconstruindo 150 casas destruídas pelas cheias e asfaltando 20 quilômetros da ilha. Neguinho Truká confirma as informações do governo, porém garante que o desalojamento das famílias também ocorre.
FREI LUIZ VAI A LULA No sul do Ceará, terra do principal empreendedor da obra, o ministro Ciro Gomes (Integração Nacional), indenizações já foram pagas para famílias de dois municípios, Brejo Santo e Mauriti. Essas
pessoas foram recompensadas para deixar suas terras e dar passagem aos canais da transposição. Questionado sobre as denúncias, frei Luiz contou que, até agora, “apesar de algumas entradas inconvenientes do ministro Ciro Gomes na mídia”, o que sabe de oficial é que o governo tem se mantido fiel ao acordo. No entanto, o bispo revela ter ouvido, não oficialmente, que o Exército estaria fazendo alguns trabalhos, apesar de não saber ao certo qual o tipo da ação: se é demarcando área ou realizando obras em áreas indígenas. “Tomei conhecimento, sim, de que Exército estaria lá, mas não sei se é desobedecendo o acordo ou fazendo um outro tipo de trabalho não diretamente ligado à transposição. Contudo, com toda a certeza, estão fazendo alguma coisa indiretamente relacionada ao projeto”, sentencia Cappio.
O frei reitera que retomará a greve de fome se o governo descumprir o acordo, encerrando os debates e colocando as obras em execução. Atualmente, ele está preparando – ao lado de movimentos sociais – mobilizações, palestras e encontros no país inteiro. “A coisa está efervescendo. Nos dias 14 e 15 de dezembro, vamos para Brasília participar de uma mesa de trabalho sobre por que não queremos a transposição. Nessa ocasião, vamos formular um programa alternativo para o Semi-Árido e levá-lo para o encontro que tenho agendado com o Lula nesses dias. Queremos ir ao presidente com este material nas mãos explicar concretamente os motivos que não nos permitem aceitar a transposição de águas e também apresentar-lhe as alternativas”, planeja frei Luiz.
SOBERANIA ALIMENTAR
Governo garante: vai proibir milho transgênico Raquel Casiraghi de Porto Alegre (RS) A notícia de que milho transgênico contrabandeado da Argentina está entrando no Rio Grande do Sul (RS), publicada com exclusividade, na semana passada, pelo Brasil de Fato, deu sustentação à denúncia feita na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, dia 16, pelo deputado estadual Frei Sérgio Görgen (PT-RS). O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), principal responsável pelo combate à venda ilegal do grão, garantiu que a denúncia será investigada e, se for comprovada, o órgão vai tomar as medidas cabíveis. “Se for descoberto que alguém plantou, vamos
destruir a lavoura, multar e abrir um processo contra o agricultor”, disse Francisco Signor, superintendente do ministério no Estado. Signor destacou que o ministério não vai tolerar desrespeito à lei, como ocorreu com a inserção da soja geneticamente modificda no RS, a qual foi disseminada por contrabando: “Tudo o que estiver fora da legalidade, não vamos permitir que avance”. Atualmente, somente o plantio da soja transgênica está legalizado, por Medida Provisória emitida em 2003 pelo governo federal, que também foi prorrogada para a safra de 2004/2005. No entanto, a regulamentação da nova lei de Biossegurança libera o plantio da semente modificada no Brasil.
Entidades do setor relatam que o contrabando de grãos é uma prática reincidente no Rio Grande do Sul. “A venda de semente contrabandeada da Argentina é comum. Prova disso é que, neste ano, as vendas de sementes legais caíram 30% devido ao aumento no uso de produtos ‘piratas’ no Estado”, conta Narciso Barison Neto, presidente da Associação dos Produtores e Comerciantes de Sementes e Mudas do Rio Grande do Sul (Apassul). Iwao Miyamoto, da Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem), confirma: “Temos notícia de que a prática ocorre no Rio Grande do Sul com a soja e o milho. Também há denúncias referentes ao algodão”. Para o deputado Görgen, a omis-
são do governo federal no combate ao crime acaba dando espaço para o contrabando. “O governo federal é o responsável pela entrada dos transgênicos no país. Não tomou qualquer medida para interromper a entrada da soja contrabandeada, servindo aos interesses das transnacionais”, salienta. Miyamoto, da Abrasem, compartilha a crítica: “O maior responsável é Ministério da Agricultura, que não fiscaliza as vendas nas agropecuárias”. O parlamentar diz ainda que o fato está relacionado às táticas das transnacionais, nesse caso, a Monsanto, de inserir os transgênicos no país por meio da venda contrabandeada, como aconteceu com a soja. “O que vemos é parte de uma estratégia.
Quem movimenta as peças é a Monsanto, que cria o fato consumado e depois consegue a legalidade por lobbys”, argumenta. O deputado recebeu a denúncia da venda de milho transgênico na região norte do Estado há duas semanas. Um teste biogenético do grão comprovou que o milho apresenta 27,5% do gene GA21, resistente ao herbicida glifosato. Além disso, o gene constitui o milho transgênico RR GA21 da transnacional de sementes Monsanto, largamente utilizado na Argentina. O grão é comercializado por R$ 15 o quilo, sem nota fiscal, pela Agropecuária Campesato, pertencente a Jânio Luciano Campesato, no município de Barão de Cotegipe.
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Espelho ELEIÇÕES 2006
Oposição desgasta o governo
Da Redação
Lição televisiva A suspensão do programa de João Kléber e a punição da Rede TV por desrespeitar uma decisão judicial abriram um precedente positivo para que a sociedade possa controlar as baixarias praticadas pelas emissoras de televisão. É um avanço para melhorar a qualidade e a responsabilidade social da programação. Mas ainda falta democratizar o acesso a canais de rádio e de televisão para setores excluídos dos meios de comunicação. Protesto incômodo A imprensa comercial não deu muito destaque ao gesto do ambientalista Francisco Anselmo de Barros, que se suicidou em protesto contra a construção de usinas de açúcar e álcool no Pantanal do Mato Grasso do Sul. A mídia não explorou o verdadeiro interesse do governador Zeca do PT no projeto das usinas e a maneira irônica como tratou o episódio ocorrido com o ex-companheiro seu de PT. É triste ver o que o dinheiro e o poder são capazes de fazer! Ambiente contaminado Quem assistiu pela TV Câmara o depoimento do “sombra” de Celso Daniel, o ex-segurança e “empresário” Sérgio Gomes da Silva, na CPI dos Bingos, ficou com a noção exata de onde chegaram algumas lideranças do PT em sua degradação no submundo do crime. O depoente confirmou, também, o padrão de cinismo que tomou conta de determinado grupo petista. Parece inacreditável, mas é a dura realidade! Tratamento desigual A imprensa comercial costuma chamar o presidente Fidel Castro de “ditador”, o presidente Hugo Chávez de “autoritário”, mas não chama o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, de violador dos direitos humanos e torturador, por permitir a prisão ilegal e a tortura na base militar de Guantánamo, e nem de assassino e genocida, por ter inventado uma guerra contra o Iraque e provocado a morte de milhares de pessoas. Cada qual com os seus amigos. Posição ridícula O Brasil disputa a 15ª economia mundial, mas, de acordo com a revista britânica The Times Higher, a única instituição brasileira a figurar no ranking das 200 melhores universidades do mundo foi a Universidade de São Paulo, na 196ª posição. Dá para imaginar qual seria a classificação das universidades privadas que transformaram o ensino superior num supermercado de mercadorias maquiadas e fraudulentas. Quem diz que a educação brasileira vai muito bem? Exclusividade burguesa Três jornalistas que trabalham na imprensa universitária – André Castro, Luciana Bezerra e Carla Lisboa, da UnB – foram retirados de uma entrevista coletiva no MEC, na semana passada, pela própria coordenadora de imprensa do ministério, Vera Flores, de forma arrogante e agressiva. A assessora fascista do MEC só deixou ficar na entrevista, sobre a greve dos professores nas universidades federais, os representantes da imprensa burguesa – sempre contrária aos trabalhadores. É isso aí. Oligarquia aliada Reportagem da última edição da revista Carta Capital mostra que os 40 anos de domínio do clã José Sarney, no Maranhão, estão agora ameaçados pela oposição. O império do senador inclui o controle absoluto das comunicações – com mais de 150 jornais e emissoras de rádio e TV nas mãos – e do Executivo, Legislativo e Judiciário. Resultado: o pior Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil. E ainda tem gente que considera a família Sarney como aliada política.
PFL e PSDB querem derrubar Antônio Palocci; Lula diz que vai manter política econômica João Alexandre Peschanski da Redação
Agência Brasil
Intriga sistemática No afã de intrigar o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, com os países da América Latina, o que tem sido feito de forma sistemática, alguns jornais brasileiros traduziram com erro grave um comentário da Chávez sobre o presidente do México, Vicente Fox, pois trocaram o sentido de “filhote” para o de “cachorro”. Alguns veículos corrigiram a besteira, mas outros não. A mídia conservadora latino-americana tem sido mais imperialista que George W. Bush.
B
ombardeio intenso sob o ministro da Fazenda, Antônio Palocci. No dia 22, ele depôs, durante várias horas, em uma audiência na Câmara dos Deputados. Os parlamentares da oposição não atacaram diretamente o ministro. Em suas indagações, insinuavam que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva o queria fora do governo e já teria nome certo para substituí-lo. Durante a semana, os meios de comunicação comerciais insuflaram, insistentemente, a polêmica. Em aparições especiais na televisão, repórteres noticiavam que Palocci estaria demissionário. Nos jornais, indicava-se, com base em fontes não reveladas, eventuais substitutos. Entre os mais cotados, o senador Aloizio Mercadante (PTSP) e o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes. Para quem os quisesse ouvir, integrantes do governo desmentiam as informações. Parlamentares do PSDB e PFL, usando o noticiário, apontavam um racha no governo. Na audiência, Palocci disse que sua permanência no cargo depende de Lula. “Vou colaborar com o presidente enquanto ele achar que o estou ajudando”, afirmou. Manteve o tom do depoimento que prestou na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, no dia 16. Nos dois encontros, a oposição também manteve a estratégia: elogiou a política econômica, posta em prática por Palocci, mas disse que não há mais espaço para o ministro no governo.
Protestos contra a política econômica do governo, que permaneceria inalterada com ou sem Palocci
constranger Lula até a realização do pleito presidencial, em 2006. “A mídia tem um papel fundamental nisso, pois mantém o presidente sob tensão. Não dá tempo de ele mostrar reação, que a oposição retruca com um discurso pronto. A tensão é uma estratégia para levar Lula a cometer um erro”, explica Sader. Para ele, a disputa se acirra, pois o PSDB sente que tem chance de vencer, daí “precisa sangrar o Lula para se fortalecer”. De acordo com pesquisa do CNT/Sensus, divulgada no dia 22, o prefeito de São Paulo, José Serra, do PSDB, venceria Lula no pleito do ano que vem.
Reinaldo Gonçalves, professor de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que, mesmo pressionando para a saída Palocci, a oposição não quer pôr em risco a política econômica de Lula, com a qual concordam. “O cálculo da oposição é que, mesmo se o ministro cair, o presidente vai colocar alguém que faça o mesmo trabalho sujo”, comenta.
QUERELA REALÇADA A situação de Palocci se complicou com declarações, na segunda semana de novembro, da ministrachefe da Casa Civil, Dilma Rous-
seff, segundo quem uma proposta de ajuste fiscal de longo prazo, defendida pelo ministro, seria “rudimentar”. De acordo com a imprensa comercial, Lula teria apoiado Dilma. Em seus pronunciamentos públicos, o presidente não tomou partido. A proposta de Palocci visava estabelecer metas de superaavit primário até 2015, tornando menos autônoma a condução da política econômica. Para Gonçalves, a querela entre os ministros não é mais do que “uma briga de cabeleireiro”. Isto porque ambos concordam em relação à política econômica, “há simplesmente uma disputa por espaço no governo”.
DISPUTA ELEITORAL
Orientação de economia vai permanecer igual
O sociólogo Emir Sader, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), considera que a oposição está movida por interesses puramente eleitoreiros. “Palocci é um dos fatores de estabilidade do governo. Sua eventual saída vai gerar instabilidade no empresariado. Daí, o PSDB e o PFL vão surgir como os únicos capazes de manter a política econômica que beneficia os empresários e, o que é melhor para a elite, com menos gastos sociais”, analisa Sader, em entrevista ao Brasil de Fato. Para o sociólogo, a estratégia é
Apesar das especulações sobre a saída do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, a política econômica não vai ser alterada. A afirmação foi feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 21 de novembro, e reiterada por Palocci, no dia seguinte. “O presidente reafirmou a orientação da política econômica. Deixou claro que acima das pessoas está a política. Muito antes do ministro, está a política econômica do Brasil. Não devemos alterar seu rumo. E estou muito seguro disso, pois o presidente tem reafirmado,
insistentemente, que a política econômica é essa que está aí”, afirmou o ministro. O economista Reinaldo Gonçalves acredita que a saída ou permanência de Palocci é irrelevante para o povo brasileiro. “Quem decide a política econômica é Lula. O ministro só a executa. O presidente quer que se faça a política econômica mais conservadora possível e é isso que o ministro da Fazenda, quem quer que seja, vai fazer”, disse. Segundo ele, a política econômica é “pusilânime”, no sentido que não
apresenta um projeto de desenvolvimento para o país. Para Gonçalves, a economia brasileira está voltada para o mercado externo, pois está concentrada na exportação de matérias-primas e produtos agrícolas. Além disso, afirma, há uma série de medidas mantidas por Lula que esfolam a população para cumprir compromissos com credores internacionais, como a manutenção de juros altos. “No final, a economia tem péssimo desempenho e não garante a governabilidade para o presidente”, destaca. (JAP)
MOVIMENTO NEGRO
Mobilizações marcam o mês da consciência negra Dafne Melo da Redação O mês de novembro foi marcado por pelo menos três mobilizações do movimento negro. Em Brasília, diversas organizações sociais organizaram duas marchas nacionais, batizadas de Zumbi+10 nos dias 16 e 22. Em São Paulo, no dia 20, a organização Educação e Cidadania para Afrobrasileiros e Carentes (Educafro) realizou uma caminhada pelas ruas da cidade. “Para nós, foi um momento extraordinário, de emoção, de afirmação da identidade negra, e com uma perspectiva autônoma”, comenta Sueli Carneiro, do Instituto Geledés da Mulher Negra, sobre a manifestação do dia 16. Uma comissão se reuniu com representantes do governo e discutiu, entre os assuntos abordados, a democratização do acesso ao trabalho, a violência contra jovens negros, a intolerância religiosa contra religiões africanas e as políticas específicas para mulheres negras. Segundo Sueli, o presidente Lula teria se comprometido a abrir uma agenda de trabalho para discutir as questões apresentadas. A metodologia de como vão funcionar os grupos de trabalho será discutida entre os
Lindomar Cruz/ABR
da mídia
NACIONAL
Movimento negro reivindica políticas públicas para pôr fim ao racismo no país
movimentos e o ministro Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência). Representantes da marcha do dia 22 também se encontraram com parlamentares e entregaram um dossiê com reivindicações aos presidentes da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoBSP), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). A passeata marcou os 95 anos da Revolta da Chibata, comandada pelo marinheiro negro João Cândido, no Rio de Janeiro. Zelândia Cândido, de 81 anos, filha de Cândido, esteve na marcha. Para ela, a participação resgata a memó-
ria do pai e de seus companheiros. “O que mais me dói é ver o meu pai ser visto por algumas camadas de brasileiros como um marginal e um louco”, disse.
SÃO PAULO Na capital paulista, os 3 mil estudantes da Educafro partiram do marco zero da cidade para realizar um ato a favor das políticas afirmativas para a Universidade de São Paulo (USP). “Fizemos um apelo à nova reitora, Sueli Vilela, para que se sensibilize para essa questão”, explica
Eduardo Pereira Neto, coordenador da Educafro. Na Rua Boa Vista, centro da capital, os manifestantes colaram uma carta de advertência na porta das agências bancárias em virtude da discriminação de negros nas contratações. “Queremos que as contratações obedeçam a proporção de negros e brancos em cada localidade”, defende Pereira Neto. No Viaduto do Chá, onde há 300 anos existiu um Quilombo, os manifestantes acenderam 310 velas em nome dos “inúmeros Flávios Sant’Ana anônimos”, em homenagem ao dentista negro de 28 anos assassinado pela Polícia Militar em fevereiro de 2004 por ser suspeito de um roubo que não cometeu. Dois dos policiais que participaram do crime foram condenados a 17 anos de prisão. Segundo relatório divulgado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), baseado na cidade do Rio de Janeiro, a violência praticada por policiais atinge três vezes mais negros do que brancos. “É o pobre mal equipado e preparado contra o pobre negro da periferia, o Estado põe o pobre contra o pobre, um com farda e um sem”, opina Neto. (Com Agência Brasil, www.radiobras.com.br)
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De 24 a 30 de novembro de 2005
NACIONAL POLÍTICA DE EXCLUSÃO
Bancos lucram, desemprego aumenta Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
A
disputa corre solta entre ministros em Brasília, e já não há mais como esconder que a política econômica, louvada pelo setor financeiro, analistas badalados e pela grande imprensa, jamais foi exatamente uma unanimidade dentro do governo. Uma comparação relativamente simples pode contribuir para entender o que há por trás das desavenças ministeriais e demonstrar quais os setores favorecidos pela política de juros escorchantes. Entre janeiro e setembro de 2005, enquanto os lucros dos cinco maiores bancos do país (excluída a Caixa Econômica Federal), somados, registraram um salto recorde de 52%, o total de empregos criados no mercado formal de trabalho (ou seja, com carteira de trabalho assinada) encolheu 16% na comparação com os mesmos nove meses de 2005. A política de juros altos, de um lado, turbinou os ganhos dos bancos e, de outro, fez murchar a oferta de empregos ao provocar desaquecimento da atividade econômica. Bradesco, Itaú, Unibanco, Banespa e Banco do Brasil acumularam lucros totais de R$ 13,9 bilhões até setembro, diante de R$ 9,2 bilhões em igual período de 2004. Os dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que afere o desempenho do emprego no mercado formal, excluindo as pessoas que trabalham por conta própria (em bom português, que fazem bicos para sobreviver diante da ausência de alternativas mais promissoras), mostram que foram abertas, naqueles nove meses, pouco menos de 1,4 milhão de vagas no país, quase 258 mil abaixo dos níveis alcançados no acumulado entre janeiro e setembro de 2004 (quando foram criados 1,7 milhão de empregos novos, já descontadas as demissões ocorridas no período).
Arquivo Brasild e Fato
Política de juros beneficia banqueiros, esfria economia, e reduz o número de vagas abertas no mercado formal LUCROS (DOS BANCOS) EM ALTA Resultados somados do Bradesco, Itaú, Unibanco, Banespa e Banco do Brasil, em R$ milhões Variável Total de empréstimos Lucro líquido Rentabilidade ao ano (BB exclusive)
Rentabilidade ao ano (BB/3º trimestre)
227.873
272.921
+19,8
9.159
13.921
+52,0
21,9%
29,1%
+32,9
27,5%
40,8%
+48,4
Fonte: Austin Asis/Balanços dos bancos
MERCADO DESAQUECIDO Saldo entre contratações e demissões no mercado formal de trabalho entre janeiro e outubro de cada ano, valores em milhares Período
Lucro dos bancos brasileiros é quase o triplo dos similares nos Estados Unidos
equipe econômica. Os lucros dos bancos, neste ano, são não apenas vergonhosamente altos para os padrões brasileiros, mas superam, proporcionalmente, até mesmo os resultados colhidos pelos maiores grupos financeiros do planeta.
LUCRO&PATRIMÔNIO Especialistas em contabilidade, analistas financeiros e consultores adotam alguns critérios para avaliar o desempenho de empresas e instituições financeiras. Entre esses critérios, um dos mais utilizados compara o lucro líquido (quer dizer, o ganho final, depois de descontadas todas as despesas, inclusive o pagamento de im-
postos) de determinada empresa ou banco com o seu respectivo patrimônio líquido (bens, títulos, ações, aplicações financeiras em geral e dinheiro em caixa, que ficam à disposição dos acionistas, donos da empresa ou banco), após descontado o passivo total da companhia (dívidas em geral e outros compromissos com terceiros). Quanto maior a relação entre lucro e patrimônio líquido, mais rentável, ou lucrativa, é a empresa ou banco. No Brasil, os quatro maiores bancos privados, segundo levantamento da empresa de consultoria Austin Asis, tiveram sua rentabilidade ampliada de 21,9%, até setembro de 2004, para 29,1%,
EMPREGO EM BAIXA Saldo entre contratações e demissões no mercado formal de trabalho e variação frente a igual mês do ano anterior Período
Novos empregos
Variação (%)
QUEDA CONTINUA
Out/04
130.159
83,7
A tendência de queda prosseguiu em outubro, quando foram gerados 118 mil empregos, perto de 9% abaixo dos 130 mil criados em igual mês do ano passado. Na comparação com setembro (190 mil vagas), houve um tombo de 38%. Com exceção de janeiro e abril, os resultados mensais anotados pelo MTE têm sido repetidamente inferiores aos dos mesmos períodos de 2004, o que ressalta a desaceleração na economia como um todo. A estatística fria aponta exatamente quais têm sido os setores verdadeiramente beneficiados pela política de arrocho imposta pela
Nov/04
79.022
127
Dez/04
-352.093
17,3
Jan/05
115.792
15,7
Fev/05
73285
-47,3
Mar/05
102.965
-4,8
Abr/05
266.095
41,9
Mai/05
212.450
-27,2
Jun/05
195.536
-5,9
Jul/05
117.473
-41,8
Ago/05
135.460
-41,0
Set/05
189.458
-5,2
Out/05
118.175
-9,2
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego
Uma perversa concentração de renda Neste ano, no Brasil, ao contrário do que ocorreu em outros períodos, não foram apenas os ganhos na ciranda financeira, obtidos na compra e venda de títulos do Tesouro Nacional e do Banco Central, que alimentaram os lucros das instituições financeiras. Na verdade, uma parcela importante das receitas dos bancos (65% no caso do Itaú, por exemplo) veio dos empréstimos a pessoas físicas e empresas, com o crescimento dessas operações e com a cobrança dos juros mais altos do mundo. No Bradesco, 39% do lucro vieram das operações de crédito, dos empréstimos tomados por empresas e pessoas físicas. Estudo preparado pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio) informa que o consumidor desembolsou, entre outubro de 2004 e setembro de 2005, nada menos do que R$ 65 bilhões, apenas para pagar juros a bancos, financeiras
Jan-set 2004 Jan-set 2005 Variação (%)
e empresas de cartão de crédito. Aquele valor corresponde a um crescimento de 28% em relação aos R$ 51 bilhões consumidos pelas despesas com juros nos 12 meses de 2004. O aumento, de quase R$ 14 bilhões, está relacionado ao crescimento do total de empréstimos (R$ 12 bilhões) e ao aumento dos juros (R$ 1,6 bilhão). Cada ponto percentual de elevação dos juros básicos, segundo a Fecomércio, custa R$ 500 milhões ao consumidor.
CONTA SALGADA A despesa realizada nos 12 meses terminados em setembro, aqueles R$ 65 bilhões apontados pelo estudo, representou praticamente um mês da renda das 48 milhões de famílias brasileiras que recebem mensalmente perto de R$ 69 bilhões segundo dados de 2004 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desde 2001, a despesa das famí-
lias com juros aumentou nada mais, nada menos do que 81%, saindo de R$ 36 bilhões, ou o equivalente a 3% de todas as riquezas produzidas pelo país naquele ano. A relação entre despesas com juros e o Produto Interno Bruto (PIB) atingiu um recorde de 3,4% neste ano, de acordo com a Fecomércio, no maior percentual em cinco anos. A conta salgada paga pelos consumidores no momento de honrar a prestação do crediário, o cheque especial ou as parcelas do financiamento ajudou a alimentar o lucro dos bancos, num processo de transferência de renda que ajuda a entender como operam os mecanismos que perpetuam a concentração de riquezas no Brasil. Mais claramente, a política de juros altos não só impede a economia de crescer, inibindo investimentos, como concentra a renda em favor de grandes grupos econômicos e financeiros. (LVF)
Novos empregos
Variação (%)
2002
1.023,7
–
2003
910,5
-11,0
2004
1.796,3
+97,3
2005
1.526,9
-15,0
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego
em idêntico período deste ano. Quase um terço a mais.
RECORDE MUNDIAL O Itaú, por exemplo, alcançou uma rentabilidade de 39,4% (isso significa que seu lucro trouxe um retorno de quase 40% para os acionistas, considerando o dinheiro que investiram na instituição). Numa comparação feita por outra empresa de consultoria, a Economática, a pedido do jornal Folha de S.Paulo, numa lista de 26 instituições financeiras de porte semelhante, daqui e dos Estados Unidos, Itaú, Bradesco e Banco do Brasil lideram, com rentabilidade, pela ordem, de 34%, 30% e 26% ao ano.
O banco estadunidense melhor colocado – o National City Corp. – conseguiu devolver um lucro equivalente a 25% do investimento feito por seus acionistas. Os donos dos gigantes JP Morgan Chase e Bank of New York reembolsaram 13,5% e 16,5% dos seus investimentos, respectivamente. Como se percebe, a rentabilidade dos maiores bancos brasileiros chega a ser duas vezes e meia maior do que a de instituições similares nos EUA. A diferença está exatamente nos ganhos permitidos pela política de juros altos, já que a taxa básica de juros no mercado financeiro dos Estados Unidos está entre 4% e 4,5% ao ano.
Um debate distorcido. Para não mudar nada Manipulação vergonhosa: os setores que hoje se opõem à formulação e adoção de uma política de “ajuste” fiscal (leia-se mais cortes de despesas e arrocho aos salários do funcionalismo) de longo prazo, defendida pelos ministérios da Fazenda e do Planejamento, passaram a ser taxados como gastadores irresponsáveis, desligados de qualquer obrigação com responsabilidade fiscal e com a estabilidade da economia, em última instância. Do outro lado, estaria a “turma dos responsáveis”, zeladores da boa política fiscal e, portanto, da estabilidade. Na verdade, o que se propõe é a correção dos abusos cometidos em nome de uma austeridade burra e imediatista, que tem produzido coisas como a paralisação efetiva de investimentos em manutenção de barragens pelo país afora, com graves riscos ambientais e para a vida humana. Ou a bilionária, literalmente, transferência de renda de 48 milhões de famílias para o sistema financeiro. A equipe econômica parte do pressuposto segundo o qual os juros só poderão cair mais aceleradamente se houver um arrocho maior sobre os gastos públicos, de forma a permitir uma economia de recursos suficiente para pagar os juros da dívida e impedir seu crescimento. O ex-ministro Antônio Delfim Netto, hoje deputado federal, lança mão de um sofisma, em recente artigo, para justificar a proposta de um arrocho permanente nas contas do governo. Diz ele que o superavit primário (a “sobra” de receitas para pagar despesas com juros no setor público) deve ser igual ao tamanho da dívida pública multiplicado pela taxa de juros, excluída a taxa de crescimento da economia, para que a dívida não
cresça em relação ao total de riquezas geradas. O resultado dessa equação demonstra, segundo o ex-ministro, que o superavit deveria ser de 5,56% do PIB – não só em 2005, mas por anos a fio, apenas para evitar que a dívida cresça mais do que o PIB. Para se ter uma idéia, a meta estabelecida pelo governo em acerto com o Fundo Monetário Internacional (FMI) era de 4,25% do PIB para o superavit primário, praticamente um quarto abaixo da taxa defendida por Delfim.
DERRUBAR JUROS A premissa, falsa, é que não haveria espaço para queda dos juros (que só poderiam cair depois de imposto o “arrocho”). Invertendo-se a equação, é possível atingir resultados idênticos sem a imposição de novos sacrifícios ao povo brasileiro. Assim, se os juros caírem para 10%, e a economia crescer 5% ao ano, o superavit necessário para evitar um aumento da dívida seria de 2,6% do PIB, menos da metade do que propõe o ex-ministro. A queda dos juros colocaria em risco a “estabilidade”? Confira o que escreveu a um grande jornal especializado em economia e finanças um ex-assessor de Delfim e até mais conservador do que o próprio ex-ministro: “A combinação de uma forte desaceleração da atividade econômica com a persistência de todas as forças que conduzem à valorização do real (frente ao dólar, o que barateia as importações e torna os produtos brasileiros proporcionalmente mais caros no mercado internacional) clama pela aceleração da velocidade de declínio da taxa de juros”. Palavra de um ex-presidente do Banco Central, Affonso Celso Pastore. (LVF)
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De 24 a 30 de novembro de 2005
NACIONAL ENTREVISTA
Hamilton Octavio de Souza Quadro eleitoral A candidatura de Lula em 2006 está mesmo nas mãos da direita e do empresariado, que controlam a mídia, boa parte do Congresso e das CPIs, e o fornecimento de recursos para as campanhas eleitorais. Esses setores apostam numa eleição garantida com Lula ou sem Lula, seja com Ciro Gomes, José Alencar, Garotinho e mais alguém do PSDB. Os setores populares e as esquerdas estão sem candidatos que ameacem o neoliberalismo. Alternativa popular Na Assembléia Popular Nacional, realizada no final de outubro em Brasília, oito mil militantes de base dos movimentos sociais aprovaram um plano de mobilizações e de lutas para 2006 que não leva em conta – como prioridade – o processo eleitoral. Está claro que os setores populares e os trabalhadores do campo e da cidade estão conscientes de que eventuais conquistas dependem muito mais da força das ruas do que dos gabinetes governamentais. Enterro anunciado O ex-ministro da Educação e expresidente do PT, Tarso Genro, declarou que a candidatura Lula para a reeleição presidencial em 2006 é consenso na direção do partido e para 90% dos filiados. Pode até ser, mas o advogado gaúcho se esqueceu de dizer que todas as lideranças petistas que tentaram disputar o apoio do partido – entre elas, Cristovam Buarque, Luiza Erundina e o próprio Tarso Genro – foram dizimadas pela máquina do Campo Majoritário. Tratoraço é apelido. Virada argentina Seguidores fiéis da cartilha do FMI, os economistas e jornalistas econômicos brasileiros com maior espaço na mídia empresarial não querem reconhecer, mas a recuperação econômica da Argentina, fora da ortodoxia neoliberal, é invejável: o desemprego caiu de 25% para 10%, o pagamento da dívida renegociada é baixo, o juro anual está na faixa dos 7% (contra os 19% do Brasil) e o crescimento de 2005 deve passar dos 8,5% do PIB, muito maior que o brasileiro. E ainda tem gente aplaudindo o Palocci. Acordo cruel Em artigo para a Folha de S. Paulo (20/11/2005), a embaixadora do México no Brasil, Cecília Soto González, conta algumas sacanagens dos Estados Unidos contra o México, dentro do Nafta (acordo de livre comércio), inclusive o fato de a economia mexicana perder 150 mil empregos em dois anos porque o governo George W. Bush aumentou o comércio com a China. Vale como lição para os ingênuos ou mal-intencionados defensores da Alca. Modelo errado De acordo com a agência espanhola EFE, o ritmo acelerado de crescimento da China, na base de 9,5% ao ano nos últimos dez anos, está provocando o aumento de casos de estresse e de doenças causadas pela fadiga crônica, como hipertensão, câncer, além de problemas mentais e aumento de divórcios. Os trabalhadores de Pequim apresentam 75% mais problemas de saúde do que os trabalhadores de outras regiões do país. É o preço – inaceitável – do modelo de desenvolvimento. Até quando Os Estados Unidos estão ameaçando endurecer, na próxima reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), contra a venda de remédios genéricos – dos países ricos para os países pobres ou em desenvolvimento – sem o pagamento de royalties. Durou pouco a política de “boa vontade” para combater doenças crônicas e epidêmicas, como a Aids. Resta saber qual será a posição brasileira diante das grandes máfias que comandam a indústria farmacêutica.
Marilena Chauí ataca a imprensa Filósofa, fundadora do PT argumenta que o presidente não se assume mais enquanto representante Baby Siqueira Abrão, Marcelo Netto Rodrigues e Nilton Viana de São Paulo (SP) e da Redação
D
esde que Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o poder, a filósofa Marilena Chauí vive sob forte ataque da imprensa tradicional. Que diz, entre outras coisas, que ela preferiu o silêncio a ter de rebater as acusações que pairam sobre o governo Lula e o Partido dos Trabalhadores (que ela ajudou a fundar). Aquela mídia não se conforma que ela não abra a boca aos seus repórteres. E, por isso, acusam-na de omissão intelectual. Nesta entrevista exclusiva ao Brasil de Fato – uma das únicas publicações com as quais Marilena concorda em falar – a filósofa prova que, ao contrário do que diz a imprensa convencional, sua capacidade crítica subsiste a conveniências partidárias. Em suas palavras, o que temos “não é um governo de esquerda”; o grupo de José Dirceu “não tinha a menor noção de revolução”, e Lula peca porque acha que é “possível governar concedendo um pouco para cada uma das classes sociais”, em vez de dizer: “Eu vim em nome da classe trabalhadora, e é com eles, e para eles, que eu vou governar”. Quanto à crise, Marilena resume: é “miudinha como a ‘politiquinha’ brasileira”. Brasil de Fato – Como vê o governo Lula, e qual a sua avaliação sobre a conjuntura atual? Marilena Chauí – Infelizmente, não é um governo de esquerda. Porque o elemento fundamental que faria com que ele se abrisse como um governo de esquerda não é como o PSOL diz: a ruptura com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o abandono de várias políticas econômicas. O gesto que definiria este governo como de esquerda teria sido a reforma tributária para a redistribuição da renda. Lula marcaria a sua posição se dissesse: “Eu vim em nome da classe trabalhadora, eu vim em nome dos movimentos sociais e populares, e é com eles, e para eles, que eu vou governar”. Então, a ausência deste elemento faz com que a política econômica, a lentidão das políticas sociais, a falta de coordenação entre vários dos ministérios assumam importância maior do que efetivamente têm. BF – Mas por que os aspectos negativos aparecem tanto? Marilena – Justamente porque seu elemento nuclear, que seria a redistribuição da renda, não se realizou. Assim, critica-se pelas bordas e não vai ao núcleo. Mas, se você faz uma análise comparativa, estes três anos de governo fizeram nas áreas social e de infra-estrutura mais do que os oito anos do PSDB. Isto é indiscutível, os números estão aí. Mas, isso não define o perfil do governo, porque dizer que você fez mais do que o PSDB não quer dizer muita coisa. BF – Mas como é possível fazer uma reforma tributária progressiva sem se ter uma maioria de esquerda no Congresso? Há um caminho dentro da democracia formal no Brasil? Marilena – Não. De jeito nenhum. Qual é a minha expectativa, e por que eu sou petista, e por que com todos os desastres deste partido, eu continuo nele? Porque acho que temos um processo histórico lento a realizar, que começou muito antes de mim, e que os meus bisnetos vão finalizar. É um processo pelo qual você vai desalojando a classe dominante dos seus principais pólos de poder.
Nino Andrés/Caros Amigos
Fatos em foco
Marilena Chauí aponta entre os erros políticos do presidente Lula o fato de ele não governar com os movimentos sociais
Você não fará mudanças com a sociedade brasileira do jeito que ela é – vertical, autoritária, hierarquizada e violenta. Muito menos com a classe dominante que nós temos: a mais primitiva e a mais bárbara que se possa imaginar. Nestas condições, em termos de mudança estrutural, você fará muito pouco. Mas o que se pode fazer, e isso é a tarefa de um partido de esquerda, é ir ganhando espaços de poder e de força para ir desalojando essa classe dominante de postos estratégicos na sociedade, na política e na economia. Isso envolve não só as questões econômicas e sociais, mas um trabalho no plano da desmontagem da ideologia. E é um processo que só os movimentos sociais e partidos de militância à esquerda podem fazer.
Lula marcaria a sua posição se dissesse: ‘Eu vim em nome da classe trabalhadora, eu vim em nome dos movimentos sociais e populares, e é com eles, e para eles, que eu vou governar’ BF – Faz tempo que o PT deixou de ser um partido de classe, de militância e foi ganhando característica idêntica à dos partidos tradicionais. A senhora ainda acredita que o PT seja capaz de aglutinar os movimentos sociais em torno de um processo de transformação, mesmo lento? Marilena – Acredito. E penso que o passo mínimo neste sentido é a primeira grande mudança da direção. Vai ser a primeira vez, nos últimos 15 anos, que não se terá uma direção de uma tendência majoritária. A isso, soma-se o fato de a militância ter ido votar, de ter formado grupos de discussão, de ter proposto a refundação do partido. Tudo isso indica que o PT que havia se tornado vai desaparecendo. BF – Mas a descaracterização do PT não tem mais a ver com uma nova concepção ideológica? Marilena – Acho que não. É preciso lembrar a formação do PT, ou seja, que é um partido extremamente heterogêneo. Que tem a esquerda que estava na clandestinidade, ex-guerrilheiros, ex-comunistas, ex-trotskistas, as comunidades eclesiais de base e a teologia da libertação, o novo movimento sindical, movimentos sociais como o das mulheres, dos negros, dos índios, dos ho-
mossexuais, que se aglutinavam em torno de um eixo norteador fundado na noção de que os direitos sociais – a justiça e a igualdade econômica e social – eram o fundamental. BF – E o que produziram tantas diferenças? Marilena – Isso significou que dentro do PT existiam inúmeras concepções muito diferentes de partido, da política, da relação com a sociedade, da relação partido-movimento, da relação partido-institucionalidade. E a concepção, que de alguma maneira foi vitoriosa através da Articulação, que, num determinado instante, passou a ter o controle do partido, era representada por gente que veio de partido comunista, de célula trotskista, de célula guerrilheira, e que tem, portanto, a concepção clássica do partido de vanguarda. Eu não atribuo isto ao Campo Majoritário, que ao meu ver, é uma coisa abstrata, fictícia, é um nome fantasia que foi dado num instante em que havia filiados de tudo quanto era jeito, era uma coisa inteiramente eleitoral (...) então, eu vou deixar de lado esta história do Campo Majoritário. BF – A descaracterização do PT foi, então, obra da Articulação? Marilena – A partir da concepção da Articulação, não se tem mais um partido de quadros, de militância, de filiados. E esta vanguarda se considera não só a portadora da verdade do partido, mas a detentora do poder dentro dele. E a única maneira que ela é capaz de pensar isso é através da burocratização. Então, se se desmonta a Articulação, o que aconteceu com o PT vai ser desmontado também. BF – Nessa concepção de partido de vanguarda, faz sentido a hipótese de que José Dirceu foi pego pavimentando o caminho para um processo revolucionário? Marilena – Ah, não, de jeito nenhum (ri com indignação)! Esta visão é uma mescla do que uma parte da esquerda pensava nos anos 1950 e final dos 1960. Não, não, não havia a menor noção de revolução neste caminho. E eu nem personalizo na figura do Zé Dirceu. É um grupo que identifica a política e a tomada de poder dentro do aparelho do Estado. Portanto, não se coloca a questão da revolução, nem de uma transformação social que seria a condição da própria transformação política. É a idéia de que através do aparelho de Estado são produzidas as mudanças na sociedade e na economia. Isso não é inovador e é profundamente autoritário.
BF – A saída de Plinio Arruda Sampaio do PT foi acertada? Marilena – Ele poderia sair depois do processo eleitoral. Achei inconcebível que ele se retirasse antes. É preciso avaliar o quanto esta retirada prejudicou o Raul Pont, já que a diferença para o Berzoini foi mínima. E se o Plinio não tivesse saído, as chances de vitória seriam maiores. BF – O PSOL é avanço ou retrocesso? Marilena – Nem uma coisa, nem outra. O PSOL representa uma das tendências clássicas da esquerda brasileira, que é a política dos intelectuais. Na história política do Brasil, isso é uma constante como aquela idéia do Antonio Candido de que os intelectuais formam o partido do contra. Faz parte da tradição brasileira, e é importante que haja isso. Eu acho que os intelectuais devem se manifestar no contra e à esquerda. Mas o PSOL tem um problema adicional, que é a proposta de que ele, efetivamente, faça oposição. Só que, enquanto o PT fez um percurso no qual chegou, finalmente, à figura do político profissional, aos parlamentares, aos prefeitos, aos governadores, o PSOL já nasce com estes políticos profissionais, senador, deputado, com gente que faz parte do jogo. BF – O governo Lula tem se mostrado fraco em decisão política. A senhora imagina que um eventual segundo mandato Lula seja mais firme? E como a senhora vê a iniciativa da Assembléia Popular? Marilena – Do mesmo modo que eu não compartilho a concepção política da Articulação – que também é de uma grande parte da esquerda brasileira – eu nunca considerei que o PT tendo prefeituras, governos de Estado, chegando à Presidência, significasse mudança estrutural, porque isso seria abdicar do meu marxismo. Eu considero que ter um conjunto aguerrido de parlamentares, prefeituras como a da Luiza Erundina ou a primeira prefeitura do Olívio Dutra, são elementos que operam em duas direções. A primeira é um reforço e um estímulo à auto-organização, ao desenvolvimento, à ampliação e à participação dos movimentos sociais. A segunda, é assinalar para as classes populares, para a classe trabalhadora, para a grande massa da população brasileira que se pode, através da política institucional, realizar uma série de ações que garantam um mínimo de transformação das condições econômicas e sociais. E não mais do que isso. Ou seja, coloco tudo isso no campo do acúmulo de forças. É na luta
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NACIONAL
e diz que governo Lula não é de esquerda A ação dele não está fundada na divisão social. Ele acha que é possível governar concedendo um pouco para cada uma das classes sociais, sem definir, portanto, o seu próprio perfil.
Nino Andrés/Caros Amigos
Ricardo Stuckert/PR
da classe trabalhadora e que, por isso, o governo não se permite exercer a autonomia que precisa ter
Quem é Marilena Chauí sempre é lembrada como a mais renomada filósofa do Brasil. Exemplo de intelectual engajada, a também professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH) teve participação ativa na concepção do Partido dos Trabalhadores, no início da década de 1980. Anos depois, foi Secretária Municipal de Cultura de São Paulo, na gestão Luiza Erundina (19891992). Suas áreas de especialização são História da Filosofia Moderna e Filosofia Política. Convite à Filosofia, de 1994, é o seu livro mais popular. Marilena também desenvolve trabalhos sobre ideologia, cultura e universidade pública. Lula visita canteiro de obras em São Carlos (SP): política social de remendo
social, é na luta política de participação como na Assembléia Popular, ou do MST, que a mudança virá. BF – Como avalia as críticas ao governo Lula? Marilena – O que me preocupou sempre, desde a posse, é que tanto a militância como a esquerda só tiveram dois comportamentos. Um foi dizer que “está tudo errado, é uma traição, não serve, vou romper, e já vou criticar no segundo dia”. Em um mês, Lula não conhecia nem quais eram os corredores pelos quais tinha que andar dentro daqueles prédios. Outra é a de que, uma vez que o PT está no governo, é ele que vai solucionar todos os problemas, e cada vez que não fizer isso, eu grito. Ao invés disso, o fundamental é que você incessantemente seja capaz de exigir, criticar, aceitar e trabalhar no convencimento de coisas que precisariam ser feitas e que foram feitas e, ao mesmo tempo, empurrar o governo para a realização deste mínimo e deste acúmulo de forças que ele tem de fazer. Mas não. O que eu vi foi a crítica radical e a apatia. E neste momento, com o enfraquecimento institucional do país, é que, de novo, os movimentos sociais e populares se deram conta do que significam, e de que têm de fazer esta retomada. BF – Neste raciocínio, como viu a greve de fome de dom Cappio? Marilena – Vi de longe, mas como fato político foi tão fundamental que houve até a tentativa da direita de dizer que estávamos de volta a Canudos. BF – O que achou da declaração de Lula, no programa Roda Viva, de que “a imprensa brasileira é livre e democrática”? E que gostaria que Cuba fosse uma democracia igual à brasileira? Marilena – Mesmo que essa declaração tenha sido estratégica, ela é inaceitável. Porque ele, como um líder político, que tem a história que tem, tem a obrigação, perante à sociedade brasileira, de explicar por que que a imprensa brasileira não é livre e nem democrática. É não cumprir o seu próprio papel histórico e político. Não dá, para um indivíduo com a história que o Lula tem, com o lugar que ele ocupa,
fazer esta afirmação. Ele não tem o direito. E olha que eu defendo o Lula em tudo que posso. BF – Foi antiético a Folha de S.Paulo publicar uma carta que a senhora tinha endereçado só aos seus alunos? Marilena – Claro, mas eu não me surpreendo com nada. A Folha tem uma relação poético-literária comigo. Eu chamo a publicação da carta de momento shakespeariano. Como em Hamlet, o personagem não consegue dizer uma verdade para alguém, ninguém acredita. Então, ele monta um teatro dentro do teatro, e a verdade é dita. O Hamlet quer dizer à corte que o pai foi assassinado, que aquilo é uma usurpação, mas ninguém acredita porque já disseram que ele era maluco. Então, ele contrata uma trupe para representar a morte do pai perante a corte. Acho que alguém lá na Folha teve um instante hamletiano porque, ao publicar a carta, o que foi dito foi: “Tudo o que ela está dizendo é verdade, nós fazemos aqui um gesto de prova da verdade do que ela está dizendo com a publicação”. BF – E no caso do manifesto de apoio a José Dirceu? Marilena – Este foi o que chamo de um instante Alice no País das Maravilhas, do Lewis Carrol. A reportagem dava o nome de alguns intelectuais que tinham assinado, e realçava que não o tinham feito a Marilena Chauí e o Chico Buarque. Lembrei da Alice quando ela diz que tem 364 dias de “desaniversário”. Você não diz quem assinou o manifesto, destaca quem não o assinou. BF – Por que especificamente a Folha tem esta relação de amor e ódio com a senhora? Marilena – Não vou detalhar, porque não é o caso dizer qual é a causa de tudo isto. Depois que a poeira baixar, quando tudo estiver em ordem, eu contarei, nem que seja na minha autobiografia. Aliás, já está escrito por que que isto está sendo feito. BF – Os movimentos sociais têm sido muito pacientes com este governo, que não assume posições firmes. Faz medida provisória liberando transgênico, mas não para desapropriar terras. Lula
negocia para cá, para lá, tentando agradar a todos. O Estado tem de decidir. Na sua opinião, Lula se acovardou? Marilena – Eu não faria uma avaliação quase de tipo psicológico, de que ele se acovardou. O que me pergunto é qual o grau de autonomia que este governo deu a si próprio. Acho que ele não se deu a autonomia que teria que ter. Quando você diz o Estado decide, acho que, muitas vezes, o Estado tem que negociar. Agora, isso é diferente de definir uma agenda autônoma. Ou seja, há determinadas questões e resoluções que o governo tem de tomar enquanto representante da esquerda e enquanto representante da própria história petista. Às vezes a atitude de Lula aparece como “ele não decide” ou “ele é fraco” ou “ele não toma conhecimento”. Mas não é isso. A cada passo, algo que pertence a uma agenda do PSDB, do PMDB, dos bancos, dos latifundiários, algo que pertence à agenda deles vem primeiro. Então, a agenda do governo é determinada fora dele, tanto que quando, por exemplo, você toma a política externa, ela é brilhante. Porque essa é a única que se define autonomamente.
Lula tem obrigação, perante à sociedade brasileira, de explicar por que a imprensa brasileira não é livre e nem democrática BF – Então, este governo não tem projeto de sociedade? Marilena – Ele tem projeto. Mas não toma todas decisões necessárias para implantá-lo. Por um lado, ele é tímido, e por outro lado, ele não é efetivamente de esquerda. Sobre o que vocês chamam de negociação, de conduta sindicalista. Uma posição à esquerda significa que o ponto de partida de sua reflexão, da sua análise, da sua prática é a divisão social das classes. É por aí que você pode pensar e agir de outra maneira. É neste marco da divisão social que o governo não pensa.
BF – Se este governo não é de esquerda e, ainda por cima, agrada às elites, por que elas vêm com esta ofensiva para cima dele? Marilena – Ah, mas não são as elites. É o PSDB e o PFL. É uma questão eleitoral. BF – Mas eles são a elite. Marilena – Não dêem grandeza política, nem histórica a esta crise. Esta crise é a antecipação da disputa eleitoral. Ponto. Parágrafo. É disso que se trata. O Serra quer ser presidente da República. Como é que a crise se montou? Há um trabalho interessantíssimo do professor Sérgio Cardoso (do Departamento de Filosofia da USP) que diz que desde que o governo Lula foi montado, existiam três discursos separados de ataque ao governo: o discurso moral, que era o da classe média; o economicista, que era o da esquerda; e o pseudopolítico, que era o discurso do PSDB. BF – E qual era o discurso do PSDB? Marilena – O discurso pseudopolítico do PSDB é dizer que eles são “a gente séria, responsável e moderna que entende de política. Então, nós temos que ter o poder de volta, e faremos qualquer negócio, qualquer jogada para ter o poder de volta”. Esta crise, embora tenha inúmeros elementos reais, tem como causa conjuntural o jogo eleitoral do PSDB e do PFL. Nada mais do que isso. BF – E onde entram as elites? Marilena – É justamente porque as elites estão muito satisfeitas que o PSDB tem medo de não ter financiamento para a sua própria campanha. E se perguntam: “O que será de nós?”. Não é mais do que isso. É miudinho, como a “politiquinha” brasileira. BF – Como viu o artigo que constata “a falência de Marilena Chauí”, escrito por um moleque de 28 anos, que vive nos EUA? Como a senhora vê o papel de gente como Roberto Mangabeira Unger? Marilena – Pensei: puxa vida, a grandiosidade que me foi dada. Isso é formidável, é maravilhoso. Quanto ao Mangabeira Unger, ele é o mistério planetário. Uma vez, nos EUA, quando ele estava começando a aparecer com algumas coisas no Brasil, meu marido e eu fomos num desses lugares em que o Mangabeira dava aula. As pessoas estavam entusiasmadas, mas também diziam que ele era muito “piradão”. Aí, ele começou a escrever, veio, fez o programa do Brizola, depois se afastou, e se aproximou do PT. Eu lembro que quando alguns amigos me disseram que o Mangabeira Unger viria para o PT, para a campanha do Lula, eu disse: “Ichh”. BF – A senhora não acha que os intelectuais e ativistas de esquerda no Brasil só deveriam, como a senhora, dar declarações exclusivas aos veículos de esquerda (Brasil de Fato, Caros Amigos, entre outros)? Marilena – Concordo plenamente. A partir do instante em que você tem plena consciência do jogo econômico e do jogo político que está efetivamente envolvido com os meios de comunicação – e é por isso que eu não posso perdoar as palavras do presidente da República –, e que você não
tem efetivamente a constituição de um espaço público, muito menos à esquerda, porque o que você tem é o interesse privado do mercado (...), você simplesmente aceita entrar num processo de servidão voluntária. E aceita ser um instrumento passivo como um arauto da negação do que você pensa e do que você quer. E mais do que ser instrumentalizado pelo adversário, é ser instrumentalizado na direção daquilo que você nega. É preciso aceitar que há divisão social, que há divisão de classes, e que a gente tem que tomar partido.
Justamente porque as elites estão muito satisfeitas, o PSDB tem medo de não ter financiamento para a sua campanha. E, portanto, se perguntam ‘o que será de nós’? BF – A senhora acompanha o que está acontecendo com a América Latina e o governo de Hugo Chávez, na Venezuela? Marilena – O Chávez é um gênio político porque ele soube aproveitar aquilo que lhe deu a possibilidade de fazer a mobilização popular e social, e ter o sustentáculo que ele tem, sabendo lidar com o petróleo que ele tem. Eu me lembro que assim que Lula tomou posse, houve a tentativa de deposição de Chávez, e o primeiro ato da política externa brasileira foi criticar veementemente o golpe. Aqui, houve cobrança de que o Lula fizesse como o Chávez, mas, no nosso caso, seria impossível. Lula não teria este cacife. Ele não tem petróleo para fazer isto. No nosso caso, seria uma aventura que terminaria em impeachment ali mesmo. BF – E como a senhora avalia o que está acontecendo na França? Marilena – Meu marido tem a mania sádica de ler em voz alta o que sai na Folha, no Estadão. Dias atrás, ele me disse que tínhamos “uma pérola”: Um jornalista escrevendo que o atual movimento francês era o “maio de 68 dos pobres” (silêncio). É inominável que um jornalista (Marcelo Coelho, da Folha) ouse falar uma coisa dessas, citando Proust, Bergson. É inacreditável. O movimento começa como um recado político ao ministério e ao próprio Chirac. O que ele envolve não é só a lógica própria do movimento social de recusa do que se passa. Por trás dele, há uma história pesadíssima de racismo, de exclusão social, de ‘guetização’, de perseguição que vem à tona. Num primeiro instante, o movimento se apresenta como a luta pelo desemprego, mas depois é a luta contra à sociedade francesa tal como ela está estruturada, e à política francesa como tal. Então, do ponto de vista do significado, ele tem um significado simbólico colossal porque é a cultura francesa que está posta em jogo, é a maneira pela qual o mundo francês está organizado. O protesto vai além da questão racial, econômica e social. Abrange um confronto muito mais poderoso. Meu receio é que o movimento francês fique num cinturão ‘guetizado’. Mas ele é colossal. O fato de a maioria dos manifestantes ser de uma terceira geração de imigrantes mostra a exclusão levada ao seu limite. Ainda mais quando o noticiário os chamam de imigrantes.
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NACIONAL DIREITO À TERRA
CPMI pede reforma agrária e indiciamentos A
concentração fundiária e a impunidade são as principais causas da violência no campo, segundo constata o relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra. O texto, apresentado dia 22, também aponta como causa da violência a lentidão no processo de reforma agrária. Segundo o documento, 2,6% das propriedades rurais cadastradas representam pouco mais da metade da área total ocupada no país. Entre as 150 recomendações do relatório, está o cumprimento das metas do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), com o assentamento de 400 mil famílias até 2006. Também é pedida a aprovação, pelo Congresso, por meio da Lei Orçamentária, do envio de recursos para o Ministério de Desenvolvimento Agrário. Até agora, o governo federal não conseguiu cumprir nenhuma meta de assentamentos.
PROBLEMAS CRÍTICOS Da proposta de atender 60 mil famílias em 2003, somente 36,8 mil foram beneficiadas. Em 2004, os números também decepcionaram: da promessa de assentar 115 mil famílias, 81,2 mil foram assentadas. “Hoje há cerca de 200 mil famílias vivendo embaixo de lonas pretas. Isso é resultado da política adotada pelo governo”, denuncia o relator da comissão, deputado João Alfredo (Psol-CE). Durante dois anos de trabalho, a comissão ouviu mais de cem
Deputado João Alfredo identifica a concentração fundiária e a impunidade como as principais causas da violência no campo
pessoas, analisou mais de 500 documentos e visitou nove Estados. “Todos têm problemas críticos, mas no Pará a situação é gravíssima”, afirma o relator. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) apresentados no texto, de 1985 a 2004, 1.349 trabalhadores rurais foram assassinados, e apenas 15 mandantes condenados. No Pará, em 31 anos (1971-2002), foram assassinados 726 camponeses. O relatório propõe ainda uma emenda constitucional e quatro projetos de lei, a análise de propostas já em tramitação no Congresso Nacional e alterações de leis existentes.
QUESTIONAMENTO O documento também sugere que a Polícia Federal crie uma forçatarefa para investigar a constituição de “organizações que incentivam e promovem a violência no campo” e pede o indiciamento do presidente da
Onda de mortes e ameaças
Chacina de Felisburgo completa um ano Joana Tavares de Belo Horizonte (MG)
tenham prisão definitiva decretada. Também pedem que os outros 11 pistoleiros sejam julgados e punidos, visto que eles continuam ameaçando as famílias na região. “Reivindicamos também que os órgãos competentes para fazer a reforma agrária acelerem o processo de assentamento das mais de três mil famílias acampadas no Estado, em especial as 80 famílias que vivem no acampamento Terra Prometida”, diz. Em audiência realizada no dia 28 de fevereiro, na vara de conflitos agrários de Belo Horizonte, ficou decidido que 568 hectares da fazenda são de terras devolutas e devem ser destinados à reforma agrária. As famílias acampadas ainda esperam a transferência desses hectares para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para ser feito o projeto de assentamento e a liberação do crédito do assentamento. Arquivo MST
Em plena luz do dia, um fazendeiro e seus capangas invadem o acampamento Terra Prometida, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Assassinam cinco trabalhadores sem-terra, deixam vários feridos, inclusive uma criança de 12 anos, e ateiam fogo no acampamento. A chacina de Felisburgo completou um ano dia 20. Para lembrar a data, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) organizou um ato público no cemitério de Felisburgo e inaugurou um monumento em memória dos cinco mártires. Vicente Martini, da direção estadual do MST, diz que embora o mandante da chacina, o fazendeiro e empresário Adriano Chafik Luedy, esteja preso, assim como outros três pistoleiros, o movimento cobra que eles sejam julgados e
A semana anterior à divulgação do relatório final da CPMI da Terra que aponta a concentração fundiária como uma das principais causas da violência no campo foi marcada por assassinatos e ameaças de morte a sem-terra. No município de Nova Guarita (MT), dois acampados da Gleba Gama, Vanderlei Macena Cruz e Mauro Gomes Duarte foram mortos na manhã do dia 16. A Gleba é uma área pertencente à União Federal que deveria ser destinada ao assentamento de 336 famílias. Porém, o local foi ocupado por mais de 40 fazendeiros grileiros, no final de 2002. Em junho de 2003, cerca de 350 famílias montaram no local o acampamento Renascer. Desde então, seis trabalhadores rurais foram mortos. Em outubro deste ano, segundo Adair Moreira, agente educacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) na região, o fazendeiro conhecido como Chapéu Preto invadiu o acampamento com pistoleiros que espancaram vários trabalhadores. De acordo com Moreira, o próprio prefeito de Nova Guarita, Antonio Zanatta, vive sob ameaças de morte, e uma representante da CPT na região, a irmã Leonora Brunetto, foi retirada do município pela mesma razão. Em outubro, uma comissão do Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República foi enviada ao município para averiguar as denúncias. Concluiu que a solução do conflito na região depende da agilidade da Justiça, de ações imediatas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da apuração dos crimes de pistolagem. Um mês depois, os dois trabalhadores foram assasinados.
O MESMO DO MESMO
Trabalhadores rurais cobram prisão para os pistoleiros e o mandante da chacina
União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antônio Nabhan Garcia. O relatório ainda não foi votado porque vários parlamentares pediram vista do documento. A votação foi marcada para dia 24, às 11 horas. Os parlamentares próximos à bancada ruralista pretendem contestar o relatório do deputado cearense. O presidente da CPMI, senador Álvaro Dias (PSDB-PR), deve divulgar um documento questionando um possível desvio de verbas públicas em cooperativas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O senador pretende pedir o ressarcimento aos cofres públicos de R$
São sugeridas mudanças no Judiciário para acelerar o julgamento de processos referentes à questão agrária. João Alfredo lembra que, durante o período em que a comissão trabalhou, vários trabalhadores rurais que participaram de audiências foram assasinados – caso da missionária estadunidense Dorothy Stang.
18 milhões repassados à Associação Nacional de Cooperativas Agrícolas (Anca), à Confederação das Cooperativas da Reforma Agrária (Concrab) e ao Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (Iterra). O pedido baseia-se em auditorias realizadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). No entanto, o deputado federal João Alfredo lembra que a apuração do Tribunal de Contas da União ainda está em fase preliminar. “Como eles querem pedir devolução de dinheiro se o TCU ainda não tem uma conclusão?” questiona. Para ele, o pedido prova que “essa é uma questão política, porque tecnicamente isso não é possível”. O relator da CPMI lembra que, de 1995 a 2005, as associações que representam o MST receberam cerca de R$ 41 milhões por meio de convênios feitos com o governo federal, “enquanto as entidades patronais receberam R$ 1 bilhão. O curioso é que isso ninguém cita”, diz João Alfredo. Tanto ele, quanto integrantes do MST acreditam que, durante o trabalho da comissão, a bancada ruralista desviou o foco da questão agrária: “Eles não querem que a reforma agrária avance e tentam rotular o MST como uma organização que desvia dinheiro”, afirma o parlamentar. Para João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST, “houve uma tentativa de transformar a CPMI em um instrumento ideológico”. O militante acredita que existe uma “briga de classe” dentro da comissão, que vai continuar “com essas emendas que o presidente da CPMI vai apresentar”.
Em Pernambuco, a violência contra famílias de camponeses semterra aumentou no segundo semestre deste ano e a meta de assentamentos do governo não chegou nem perto
Rose Brasil/ABR
Tatiana Merlino da Redação
Roosewelt Pinheiro/ABR
Relatório da CPMI da terra conclui que a lentidão no processo de reforma agrária é principal motivo da violência
Ações violentas dos fazendeiros ameaçam a vida de diversas lideranças dos
de ser atingida – apenas pouco mais de 10% das 8.800 famílias da meta foram assentadas. O início da escalada de violência contra sem-terra começou dia 27 de outubro, num posto de gasolina em Itaíba, agreste pernambucano. O coordenador do Movimento pela Libertação dos Sem Terra (MLST), Hanilton Martins da Silva, levou 18 tiros. Na mesma noite, na cidade de Altinho, 25 famílias acampadas na entrada da fazenda Santo Antônio foram cercadas por 15 pistoleiros. Todos os camponeses se abrigaram dentro da casa grande da fazenda. A polícia foi avisada, mas só chegou ao local pela manhã, depois que os pistoleiros tinham fugido. No sábado seguinte, Antônio dos Santos, liderança do acampamento do MST Maiada de Cavalos, em Tacaimbó, foi espancado, torturado e assassinado com 14 facadas. No último dia de outubro, Luiz Manoel, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Taquaritinga do Norte, também no Agreste, foi assassinado dentro de casa. Tanto Hanilton quanto Antônio vinham sendo ameaçados de morte há mais de um ano e haviam avisado ao Ministério Público sobre as ameaças e pedido proteção policial – que foi negada.
Em novembro, foram registradas várias ameaças de morte em acampamentos do MST no sertão do Estado. Pedro Laurindo da Silva, coordenador do acampamento Zumbi dos Palmares, localizado na Fazenda Cabo de Aço, foi assassinado dia 18, na cidade de Marabá, no Pará. Silva foi atingido por dois disparos na cabeça. O pistoleito Valdemir Coelho de Oliveira, pistoleiro, vaqueiro da fazenda Cabo de Aço, tentou fugir, mas acabou sendo detido por um policial. Valdemir alegou que cometeu o crime por causa de uma dívida entre ele e a vítima. Porém, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) afirmou, em nota publicada no dia do assassinato, que a justificativa do acusado é uma maneira de confundir as investigações e plantar a idéia de que o crime não foi homicídio de uma liderança, mas motivado por conflitos internos do acampamento. O acampamento Zumbi dos Palmares tem 150 famílias. Em maio deste ano, a Polícia Militar de Marabá realizou um despejo dos moradores do acampamento. Essa ação da PM provocou protestos de diversas entidades, pois o despejo só poderia ser realizado pelo Batalhão de Choque de Belém. (Carlos Magnata, de Recife, e TM)
Ano 3 • número 143 • De 24 a 30 de novembro de 2005 – 9
SEGUNDO CADERNO EQUADOR
Uma terra devastada pela ChevronTexaco Eduardo Seidl de Shushufindi (Equador)
Eduardo Seidl
Exploração de petróleo feita pela transnacional deixa rios contaminados e pessoas com graves doenças
“Os rios eram petróleo puro”
D
Vítimas da ChevronTexaco na província de Sucumbíos, no Equador, foram obrigadas a mudar seus costumes de vida
mente ela estava bem”. Não pôde ir trabalhar durante cinco dias, ilhado dentro de sua casa. Quando chegou à empresa, lhe despediram. “Eu não quero ficar reclamando para que não digam que eu sou contra as companhias; apenas estou reivindicando o direito ao meu trabalho”, explica. Segundo ele, em nenhum momento a empresa fez recomendações sobre os males causados pela contaminação.
TERROR NEGRO Perto de onde vivia a família de Guaramac, a transnacional ChevronTexaco construiu e operou uma estação que explorou o petróleo da região entre os anos 1974 e 1990. Ali eram separados o óleo cru, a água de formação e o gás natural em dez poços. Segundo a Frente de Defesa da Amazônia (FDA), nesse período de 26 anos, a transnacional extraiu mais de 47 milhões de barris de óleo cru, quase 12 milhões de água de formação e queimou ao ar livre cerca de dez milhões de pés cúbicos de gás. A água de formação, altamente tóxica, vertia diretamente a riachos que
Ameaça de morte Quatro representantes do processo contra a transnacional ChevronTexaco apresentaram uma petição frente à Comissão de Direitos Humanos da Organização de Estados Americanos (OEA) denunciando recentes ameaças de morte e roubos ocorridos no seus respectivos locais de trabalho. Respaldam esta petição o Centro por la Justicia y el Derecho Internacional (Cejil) e a Amazon Watch (Observatório da Amazônia, tradução livre). O pedido de proteção aos direitos de livre trabalho se referem ao advogado Pablo Fajardo Mendonza, ao ambientalista Alejandro Ponce Villacís, integrante da equipe legal dos afetados pela contaminação, ao presidente da Frente de Defesa da Amazônia, Ermel Chávez, e ao coordenador do processo para a assembléia dos afetados, Luiz Yanza. (ES)
INTEGRAÇÃO Eduardo Seidl
Breve histórico da transnacional
Kircher e Chávez ampliam aliança estratégica Victor M. Carriba de Caracas (Venezuela)
da Redação Essa transnacional estadunidense é a 4ª maior produtora de petróleo e gás natural do planeta. Está presente em nada menos do que 180 países. Nos Estados Unidos, possui oito mil postos de gasolina – o mesmo número na América Latina e na Europa. É a segunda maior rede de venda de combustível no Sudeste Asiático e líder da produção de petróleo na Eurásia. Do currículo dessa companhia constam acusações de apoio à ditadura militar de Abdulsalami Abubakar, na Nigéria, e de ter ajudado a financiar a invasão do
des de Siona e de Secoya e outros colonos da região entraram com um processo judicial contra a ChevronTexaco. Pelo “Juicio del Siglo” (Julgamento do Século), desde 1992, ambas as partes vêm fazendo inspeções técnicas em alguns locais da região. No total, serão 123 pontos inspecionados. Até agora 100% das analises químicas das amostras inspecionadas mostraram índices de contaminação que violam a lei nacional e internacional.
desembocam no Rio Aguarico, que atravessa o território habitado pelas comunidades indígenas Siona e Secoya. Os moradores sofrem hoje de diversas enfermidades como conseqüência (veja reportagem ao lado). Esse rio é a única fonte de água para consumo das pessoas, animais e plantações. Essas populações originárias tiveram seu território reduzido, foram obrigadas a mudar seus costumes de vida e de alimentação. Representantes das comunida-
Iraque pelos Estados Unidos. Na Angola, organizações de direitos humanos acusam a Chevron de corrupção e também de financiar conflitos armados. A transnacional conta com o apoio do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, e doou 800 milhões de dólares para a campanha de reeleição do republicano. Antes de integrar o governo Bush, a secretária de Estado, Condoleezza Rice, fazia parte da alta direção da empresa e foi inclusive homenageada pela Chevron, que batizou um petroleiro de 136 mil toneladas justamente de “ Condoleezza Rice”.
A tragédia da família de Daniel Guaramac não é uma história isolada na região de Shushufindi (na província de Sucumbíos, no Equador). Wuilmo Moreto, que trabalha como professor em uma escola na margem do Rio Napo, por exemplo, sofre de enfermidades há dez anos e teve que sair de lá em busca de trabalho. Sua pele ficou extremamente sensível como efeito colateral dos medicamentos que usou. Moreto gasta mais da metade do seu salário mensal com remédios. “Aqui, não há nenhuma medida de prevenção porque ninguém faz nada por ninguém, tudo gira em torno do dinheiro e do petróleo.” Já Alberto Mendonza chegou em Shushufindi ainda criança e não sabia da ChevronTexaco. Lembra que caminhava pelos rios que eram puro “petróleo cru”. Os pescados e outros animais morriam. Toda sua família trabalhava com agricultura, mas hoje nada se produz. “Eu não deixo meus filhos soltos e os proíbo de brincar em certos lugares. Tenho de privá-los da liberdade que tínhamos porque senão podem se contaminar.” A jovem Carmen Perez, de 24 anos, também trabalhava com agricultura, pescava e caçava alguns animais na mata. “Hoje, não há como subsistir. Nos deixaram apenas com o prejuízo. E o pior é que eles (a Chevron-Techaco) dizem que nossa região não está contaminada. Mas vocês podem ver que estamos todos com doenças. Não temos onde pedir ajuda porque não há remédio para as enfermidades daqui do Oriente”. Hoje, as poucas pessoas que continuam vivendo no Shushufindi bebem água de poços artesianos, mesmo sem análises que atestem que é boa para o consumo. (ES)
Em meio ao crescente rechaço à projetada Área de Livre Comércio das Américas (Alca), o presidente argentino, a integração sul-americana conta com um novo estímulo, depois de uma reunião entre os presidentes da Argentina, Néstor Kirchner, e da Venezuela, Hugo Chávez. Ambos se encontraram na cidade venezuelana de Puerto Ordaz no dia 21 e anunciaram acordos que qualificaram de “inesperados” e que dão um “salto qualitativo” nos esforços de integração. O anúncio dos novos convênios entre Venezuela e Argentina foram feitos ao mesmo tempo em que circulavam notícias de que emperrava mais uma vez as negociações dos Estados Unidos para conseguir o Tratado de Livre Comércio (TLC) Andino com Colômbia, Equador e Peru. A declaração assinada por Chávez e Kirchner ao final do encontro afirma que já estão lançadas as bases para impulsionar a troca no comércio e em outros âmbitos de relação bilateral “tanto por meio do Mercosul como da Comunidade Sul-Americana de Nações”. Os presidentes se comprometeram a trabalhar para que a Venezuela passe a integrar já em dezembro
Marcelo Garcia
aniel Guaramac é um dos pais de família que teve de abandonar sua terra em Shushufindi (povoado da província de Sucumbíos, no Equador). O motivo: a contaminação causada pela extração de petróleo na Estação Aguarico pela transnacional estadunidense ChevronTexaco. A mudança de residência não foi a única conseqüência da ação da companhia. Os oito filhos de Guaramac e sua esposa sofrem de enfermidades causadas pela contaminação por petróleo cru e por águas de formação (subproduto da extração). Feridas na pele, problemas estomacais, cardíacos, dores de cabeça. Sua esposa já teve quatro abortos e um filho morto aos cinco anos, vítima também da ação da transnacional. Luciano Vicente era seu nome. Certo dia, o garoto caminhava pela beira de um riacho, escorregou, acabou caindo na água e ingeriu um pouco de petróleo cru. Depois de seis meses, faleceu. Daniel Guaramac semeava mamão e tinha porcos em seu terreno. Perdeu dez cabeças de gado, dez cavalos, algumas centenas de galinhas. O café que plantava não produz mais. Faz seis anos que vendeu sua terra e se mudou com a família para Guayaquil, maior cidade equatoriana localizada na região litorânea. Mas não consegue trabalho. Reclama da insegurança, das quadrilhas que perturbam seus filhos. Vive em uma casa que não concluiu por falta de recursos. Até hoje não se acostuma à vida urbana. “Até água tenho de comprar, o galão custa 80 centavos de dólar.” Antes de sair de Shushufindi, Guaramac trabalhava como auxiliar de cozinha na empresa OKC, que pertencia à ChevronTexaco. Um dia chegando em casa, seu terreno estava tomado pelo petróleo. Teve que nadar até a porta, segurando a comida que trazia acima da cabeça. “Eu pensei que minha esposa estava afogada no petróleo, mas feliz-
Kirchner e Chávez reforçam aliança em defesa da integração sul-americana
o Mercosul como membro permanente. Atualmente, essa condição vale apenas para Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, os fundadores do bloco comercial. Chile, Bolívia, Peru, Colômbia, Equador e a própria Venezuela são considerados membros associados.
GÁS NATURAL Chávez e Kirchner também decidiram que vão avançar na construção de um megagasoduto de seis mil quilômetros que beneficiará Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai. “A realização de um projeto dessa
envergadura será um dos passos decisivos para o processo de integração, dada a importância vital da energia para o desenvolvimento da economia regional”, registra a declaração final. Os dois presidentes defenderam também a criação de um Fundo Monetário Latino-Americano, contrapondo-se ao Fundo Monetário Internacional (FMI), para “garantir a autonomia de nossos países na escolha das vias mais convenientes em seus processos de desenvolvimento econômica e social”.(Prensa Latina, www.prensa-latina.com)
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INTERNACIONAL ESTADO PALESTINO
A terceira geração de refugiados Claudia Jardim de Hebron (Palestina), especial para o Brasil de Fato
Nama
Em Hebron, crianças palestinas sofrem as conseqüências do convívio diário e opressor com o Exército israelense
O
Uma das centenas de famílias palestinas atingida pela violência das tropas israeleneses em Hebron
REVOLTA Há dois meses, desesperado pela precária situação da família, Mahmad (o pai de Taneh) resolveu enfrentar o inimigo à sua maneira: incendiou um carro israelense. “Agora o estão perseguindo. A polícia entra e deixa a casa de pernas para o ar. As crianças têm pesade-
A encenação em Gaza; e a expansão de Israel A secretária de Estado estadunidense, Condoleezza Rice, anunciou dia 15 a reabertura da fronteira da Faixa de Gaza (Palestina) com o Egito. O acesso ao exterior é determinante para fortalecer a economia da região, submetida ao bloqueio israelense. A fronteira deverá ser reaberta no dia 25, segundo o acordo firmado entre a estadunidense, o governo isralense e o palestino. Israel havia condicionado a abertura da cidade de Rafah (na região fronteiriça) ao seu monitoramento, tanto dos bens como das pessoas, como ocorre em todo o país, alegando risco de contrabando de armas para os militantes palestinos. Segundo o acordo, o monitoramento será feito em uma sala de controle a alguns quilômetros do município, que será operada por palestinos e israelenses, por meio de câmaras instaladas na fronteira. Cerca de 1,5 milhão de palestinos vivem no pequeno território da Faixa de Gaza (extensão de 365 quilômetros quadrados) e muitos o consideram como uma grande prisão. A retirada das colônias israelenses, realizada pelo primeiroministro de Israel, Ariel Sharon,
los à noite, pensam que vão matálos”, afirma a avó enquanto os seis netos escutam o relato. Taneh se diverte com um desenho. “Isso também ocorre porque tivemos que sair da nossa terra. Tudo mudou”, afirma Samed, que vivia na cidade de Yasur (Falluja), quando os filhos ainda eram pequenos. Em 1948, quando foi criado o Estado de Israel, a família de Taneh foi expulsa de sua casa pelo Exército. Depois disso, foram levados de um a outro campo de refugiados. De Gaza vieram para Hebron, onde estão há cinco anos.
detido pelo Exército israelense e, ainda hoje, é procurado. “A polícia israelense entra na minha casa quase todos os dias buscando meu filho. Ele está foragido”, explica a avó do menino, Samed Said.
“Viemos montados em um burro”, recorda. A família Said conta que, durante a noite, os enfrentamentos são constantes. Não há sossego. Neste campo de refugiados ninguém precisa pagar aluguel. A moradia é gratuita e, ainda assim, só em 2004, mais de 40 mil pessoas deixaram a cidade. “Não temos mais vida”, lamenta Fatena Oner Said, mãe de Taneh, que até então acompanhava a conversa, calada. Seu marido era o único que trabalhava na casa. Agora, dependem do “cartão re-
Fotos: Nama
sol forte do meio-dia reflete nas antigas construções do velho centro de Hebron (sul da Cisjordânia). Ninguém nas ruas, com exceção de um grupo de meninos que joga futebol e de dois velhos árabes que insistem em abrir seu pequeno comércio, mesmo sem clientes por perto para quem vender. “Esse centro perdeu a vida. A violência fez com que as pessoas abandonassem tudo”, conta Jamil Mahad, um dos resistentes. Os moradores da cidade contam que abrir as portas de uma pequena loja já representa risco de vida. Qualquer movimento na janela pode ser motivo para um disparo. O controle está em todos os cantos. A cidade está cercada por soldados israelenses que, dia e noite, vigiam a entrada e saída dos palestinos. O argumento para manter os militares no local, entre outras coisas, é o de garantir a segurança de uma colônia israelense construída ao lado do que se tornou um campo de refugiados palestinos. Dois mil soldados garantem a permanência de 400 colonos, ou seja, uma escolta de cinco soldados para cada israelense. Do outro lado da cerca, as conseqüências da repressão permanente. Há menos de um mês, uma assistente social palestina, acostumada a trabalhar com crianças em situação de violência, percebeu que o menino Taneh, de 4 anos, tinha dificuldade em se relacionar com os amigos na escola. Logo descobriu o porquê. Seu pai esteve preso durante um ano, após ser
fugiado”, que às vezes garante a comida da família. Quando estavámos deixando a casa, chega o filho mais velho de Fatena, de 12 anos, carregando um estilete na mão. “Tenho que proteger meu pai se os soldados vierem buscá-lo”. Mas o psicólogo palestino Imad Tomazy, que acompanhava a reportagem do Brasil de Fato, consegue dissuadir o menino, que joga fora a arma branca. “Esse é o retrato de muitas famílias que há três gerações sofrem os efeitos da ocupação. Há um processo de destruição da sociedade e, principalmente, da estrutura familiar”, analisa Tomazy. O estado de alerta em que vivem esses moradores de Hebron é herança de um massacre. Em 1994, um isralense da extremadireita judia, durante o Ramallah, assassinou 29 palestinos enquanto rezavam na mesquita. A cidade esteve sitiada durante dois meses. A solução do conflito imposta por Israel foi a divisão do templo entre judeus e muçulmanos. Desde então, para entrar na mesquita os palestinos são submetidos a três controles militares, onde são revistados (os check-points). Imediatamente depois do massacre, o Exército israelense transformou a escola Jabel Al Shareef, situada no ponto mais alto da cidade, em base militar. Durante dois anos, as crianças da região não puderam freqüentar as aulas. Devido a pressões de grupos em defesa da paz nacionais e internacionais, há dois meses a escola foi reaberta. Na sala, uma aula de inglês para crianças da quarta série. A lição do dia: “Segurança e alerta no caminho”.
como parte de uma estratégia de marketing internacional, as condições de vida dos palestinos em Gaza não mudaram. A repressão e violência a que são submetidos sob vigilância dos soldados israelenses permanecem idênticas. Assim como a retirada das colônias roubou a atenção da opinião pública internacional, o mesmo está acontecendo com a abertura de Rafah. Enquanto isso, nas outras regiões do país, o governo israelense continua expandindo a ocupação em território palestino. A Administração de Terras de Israel emitiu, no dia 18, uma licitação pública para a construção sobre 13 parcelas na colônia de Ma’aleh Adumim, enquanto o Ministério da Habitação autorizou a edificação de imóveis nesse assentamento e nos de Ariel e de Adam. De acordo com o movimento “Paz Agora”, as licitações violam o Mapa de Caminho, iniciativa diplomática internacional à qual Sharon se comprometeu respeitar. Desde o princípio deste ano, foram emitidas licitações para a construção de 315 casas, fato que provoca um isolamento cada vez maior da população palestina. (CJ)
ISRAEL
Sharon renuncia ao Likud da Redação O primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon, decidiu no dia 20 que deixará o seu partido, o conservador Likud, informou a rádio militar de Israel. Momentos antes, o Partido Trabalhista anunciou que abandonará o gabinete de Sharon encerrando uma aliança de dez meses com o Likud.
A decisão do primeiro-ministro implicará a dissolução do Parlamento para convocar a eleições antecipadas. A televisão israelense disse que Sharon contará com o apoio de uns 15 deputados, a maioria do Likud, para dirigir uma nova organização política de centro-direita. As pesquisas apontam que o primeiro-ministro é o político mais popular em Israel.
Na escola, reaberta após dois anos, as crianças aprendem a lição do dia: “Segurança e alerta no caminho”
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INTERNACIONAL ESTADO PALESTINO
A caminho de Ramallah Claudia Jardim de Ramallah (Palestina) especial para o Brasil de Fato
Fotos Nama
Palestinos não podem circular livremente dentro de seu próprio território; muro de Sharon espalha a intolerância
I
magine um muro com extensão equivalente à distância entre as cidades de Porto Alegre (RS) e Curitiba (PR). Pois esse é projeto do governo israelense para o convívio com os palestinos. Em fevereiro, o trecho já concluído somava 245 quilômetros de cimento, arame farpado e camêras de vigilância. A reportagem do Brasil de Fato acompanhou a saga do palestino Khalil Marouf, que saiu de Hebron, sul da Cisjordânia, e seguiu até Ramallah, região central do território. No caminho, longas filas de carros e táxis. Chegamos ao primeiro ponto de controle militar (os chamados check-points), onde mais de uma vez ao dia os palestinos têm de se submeter à fiscalização e revistas. Apenas uma minoria possui autorização para circular de uma região a outra. Os que se arriscam sem permissão prévia das autoridades israelenses são detidos. Os carros palestinos só podem transitar dentro de um território demarcado previamente por Israel. Assim, centenas de mulheres, homens e crianças caminham de uma “fronteira” a outra dentro do seu próprio território em busca do próximo táxi que os levará a seu destino. Quem escolhe os que vão passar, ou não, são os jovens soldados de Israel, um território extremamente militarizado – o serviço militar é obrigatório para mulheres e homens, dos 17 aos 20 anos. A espera pode durar de quatro a cinco horas. “As crianças que estudavam fora, antes da construção do muro, já não podem sair. Muitas vezes perdem aulas porque
Território palestino é extremamente militarizado e vigiado por tropas israelenses
não chegam a tempo”, comenta Marouf, pai de dois filhos, que adquiriu o direito de ir a Jerusalém porque sua esposa nasceu nessa cidade. Caso contrário, não poderia passar.
MISÉRIA Com a construção do muro, milhares de pesssoas perderam o emprego. As empresas palestinas foram fechadas ou abandonadas à medida em que Israel intensificava a invasão. Em 2004, estimava-se que 32,4% dos palestinos estavam desempregados. Os trabalhadores subsistem com o mercado informal. De acordo com o Banco Mundial, 60% da população é pobre, sendo que metade vive abaixo da linha da pobreza.
Em 2004, a construção do muro foi condenada pela Corte Internacional de Justiça. De acordo com o direito internacional, a barreira que Israel está construindo para isolar seu território da Cisjordânia é ilegal. À época, a Corte mencionou, entre as violações, os obstáculos à liberdade de movimento dos palestinos e as limitações a seu direito ao trabalho, à saúde, à educação e a um “nível de vida adequado”, como previsto nas convenções internacionais. Israel ignorou a condenação e segue adiante com o projeto. Milhares de famílias permanecem segregadas pelo muro levantado pelo primeiro-ministro Ariel Sharon. A família de Marouf está dividida entre Ramallah, Nazareth
(já no território administrado por Israel, norte da Cisjordânia) e Jerusalém (região central, também administrada por Israel). Sua mãe não tem autorização para visitar a filha em Nazareth. “Somos prisioneiros dentro da nossa própria terra”, lamenta o palestino, enquanto estacionava o carro em frente à casa de sua mãe, em Ramallah. Da janela da sala de René Marouf, vê-se a pequena construção do que um dia foi o Quartel General do então presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Yasser Arafat. “Os vidros da casa explodiram. Todos os edifícios foram abaixo. Só restou a parte onde ele estava. Foi uma madrugada terrível”, conta René, que assistiu o momento em
que os helicópteros levaram Arafat para o hospital. “Depois desse dia, já não voltou”, recorda. Um dia depois do primeiro aniversário da morte de Arafat, em 12 de novembro, a palestina de 76 anos, mãe de cinco filhos, deixou Tel-Aviv. “Houve um massacre de mais de 50 palestinos e, amedrontados, abandonamos tudo”, afirma. Os doces que seu pai vendia na loja da família foram transferidos para um carrinho de mão e passaram a ser vendidos em Ramallah, em um campo de refugiados. “Pensávamos que um dia íamos voltar, mas isso nunca aconteceu”, recorda René. Em 1967, quando Israel invadiu a Palestina, René diz que sua família cometeu “o mesmo erro”. “Deixamos nossa casa mais uma vez. Fomos à Jordânia esperar que a situação acalmasse”. Meses depois, resolveram regressar. “Tivemos que vir caminhando. Não permitiam que carros passassem de um lado a outro”. À época, Marfout tinha apenas oito anos. Ao chegar em casa, já não puderam entrar. Estava tomada por israelenses. Apesar de tudo, “somos uma família de sorte”, avalia René. Milhares de palestinos não tiveram tempo de deixar suas casas. Muitos foram retirados à força pelo Exército israelense, quando os bombardeios não antecipavam a destruição das casas. René vive em uma casa alugada. Já não sai de Ramallah. Questionada sobre quando o conflito chegaria ao fim, a mulher foi incisiva. “Penso que não estarei viva para ver o final dessa história. Como Israel pretende estabelecer a paz se continuam dentro de nossas casas?”
Jovens palestinos registram seus protestos em forma de grafite no muro da vergonha construído por Israel e condenado pela Corte Internacional de Justiça e pelas Nações Unidas
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INTERNACIONAL MALÁUI
A fome atinge metade da população Igor Ojeda da Redação
A
pós quase um dia inteiro coletando e preparando as sementes de bambu, Lazaro Motibeki as transforma em uma espécie de purê. Não é muito. Dá apenas uma porção pequena, mais ou menos uma mão cheia. Mas é a única refeição dela e de seus filhos até o dia seguinte. Normalmente, ela teria ainda milho da última colheita, em abril. Mas, desta vez, a seca que anualmente atinge a região veio três meses mais cedo e avançou sobre a estação de chuvas, o que reduziu a produção de milho para subsistência em 24%, deixando sem comida a sua e muitas outras famílias de sua vila. Lazaro, que deu seu relato a agentes da Organização Não-Governamental (ONG) Action Aid, vive em Mwululu, no distrito de Salima, uma das áreas mais afetadas do Maláui, pequeno país do sul da África que passa por uma grave escassez de alimentos. Devido à seca e à falta de sementes e fertilizantes durante o plantio, a produção de milho de 2005 foi a mais baixa desde 1994. Organizações internacionais e o governo do Maláui calculam que, até a próxima colheita, em abril do ano que vem, cerca de 5 milhões de pessoas precisarão de doações urgentes de comida para sobreviver. Ou seja, quase a metade da população do país, de 12 milhões.
ENVENENAMENTO Michael Huggins, diretor de relações governamentais da divisão no sul da África do Programa Mundial de Alimentos (WFP, na sigla em inglês) da Organização das Nações Unidas (ONU), disse ao Brasil de Fato que as pessoas vêm se alimentando de plantas selvagens, como lírio d’água, que muitas vezes são venenosas (causando até mortes) e, quando têm algum valor nutricional, é muito pequeno. Além disso, conta Huggins, “te-
Richard Lord / UMCOR
Forte seca, preço do milho e alta incidência de Aids levam pequenos agricultores a comer plantas selvagens
REPÚBLICA DO MALÁUI
Distribuição de alimentos em Balamanja, onde a população chega a matar a fome comendo plantas selvagens
mos ouvido relatos de moradores sobre pessoas que estão sendo mortas por crocodilos enquanto colhem lírios d’água, em rios infestados por estes animais”. Para piorar, diz o diretor da WFP, que visitou as áreas afetadas, muitas plantas selvagens já acabaram, e quem não está recebendo a assistência da WFP ou de Organizações Não-Governamentais (ONGs) corre sérios riscos. As populações de outros cinco países do sul da África (Lesoto, Moçambique, Suazilândia, Zâmbia e Zimbábue) também estão sofrendo com a fome, mas a situação do Maláui é, sem dúvida, a mais drástica. Nos cálculos do WFP, que prevê que a fome será ainda pior em janeiro, pelo menos 9,7 milhões de pessoas da região (contando com o Maláui) vão necessitar de ajuda até abril. É o quarto ano consecutivo que a região vive este problema. Além da forte seca fora de hora, da escassez de milho e de razões estruturais e históricas relacionados à agricultura do Maláui e dos outros
AIDS Outra razão que não pode ser ignorada é a forte incidência da Aids, que impacta fortemente o setor agrícola. Nove dos dez maiores índices da doença em adultos do mundo pertencem a países da região sul-africana. No Maláui, é de 14%, embora em alguns lugares – principalmente em rotas de transporte – possa chegar a 50%, ou mais. “Muitas pessoas estão extremamente doentes para plantar, ou gastam seus escassos ganhos em remédios ou funerais, em vez de comprar sementes, fertilizantes e comida”, explica Huggins. O diretor da WFP aponta ainda outro motivo para a fome no Maláui. O incrível aumento no preço
CMI
Nicole Guardiola e Maria Pons de Joannesburgo (África do Sul)
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Liberalismo econômico: Num passado recente, ajustes estruturais promovidos pelas instituições financeiras internacionais promoveram redução da intervenção do Estado no setor agrícola. Como resultado, milhões de agricultores da região se tornaram incapazes de produzir comida suficiente para seu sustento. Modelo exportador: Os países que hoje estão sofrendo com a falta de comida são também exportadores de commodities agrícolas que são exportados a altos custos! Estamos falando aqui da insanidade do modelo de desenvolvimento promovido pelos países desenvolvidos, no qual os melhores solos são usados para este tipo de plantação. (IO)
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Uma das causas da fome é a falta de intervenção do Estado no setor agrícola
Segundo ele, a África do Sul vem produzindo um excedente agrícola um pouco superior ao déficit alimentício da região. “Em um mercado globalizado, deve ser mais lucrativo para a África do Sul exportar sua produção, por exemplo, para alimentar animais na Europa
A reforma agrária de Mbeki
Richard Lord / UMCOR
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FALTA AJUDA
do que para os países da região, cuja população carece de poder de compra”, diz. Segundo Michael Huggins, a WFP ainda precisa de 100 milhões de dólares em doações para os seis países do sul da África, recursos indispensáveis dinheiro fundamental para que os alimentos possam ser comprados e distribuídos às áreas mais vulneráveis antes que seja tarde demais. Para Mousseau, a comunidade internacional não está agindo de fato para resolver o problema, preferindo atacar seus sintomas ao adotar medidas de emergência como doação de alimentos. “Enquanto isso, os investimentos e compromissos de longo prazo necessários para atacar as causas são na maioria das vezes ignorados, e ajustes estruturais promovidos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e países desenvolvidos continuam a ser implementados, como se todos fossem incapazes de ver os danos que já causaram”, protesta.
ÁFRICA DO SUL
A natureza não é a única culpada Frederic Mousseau, do Oakland Institute, alerta para o fato de que a natureza não pode ser a única responsável pela fome no sul da África. A seu ver, existem, principalmente, três causas estruturais. Monocultura: Durante o período colonial, a agricultura de subsistência, que era diversificada em várias culturas, foi substituída pela monocultura do milho. A região dispunha de enormes fontes de minerais e o poder colonial precisava de um sistema agrícola que pudesse produzir excedentes para alimentar a nova força de trabalho urbana das minas. Esta transformação criou uma forte dependência dos agricultores a este sistema.
do milho – entre 50% e 70% – foi altamente prejudicial às condições da região, devido à pouca oferta e grande demanda. “Alguns comerciantes deliberadamente mantém seus cereais estocados até os preços aumentarem, e eles poderem maximizar seus lucros”, informa. A lógica do lucro também é criticada por Frederic Mousseau, autor do estudo Food Aid or Food Sovereignity? (Doação de comida ou soberania alimentar?), da organização estadunidense Oakland Institute. No trabalho, ele defende políticas agrícolas adequadas para acabar com a fome, em vez da ajuda internacional em alimentos.
países da região (veja reportagem abaixo), outros fatores devem ser considerados para explicar a fome no sul da África. Um deles é a pobreza extrema em que vive grande parte dos agricultores, o que os impedem de comprar alimentos básicos para sua sobrevivência.
Superfície: 118.480 km² Capital: Lilongüe Nacionalidade: malauiana População: 12,1 milhões Localização: sudeste da África Governo: república presidencialista Línguas: inglês e chicheua (oficiais), nyanja, yao, ngoni Religiões: cristianismo (70%), islamismo (20%), tradicionais (10%) Moeda: cuacha malauiana
Hannes Visser está prestes a entrar para a história da África do Sul como o primeiro fazendeiro branco a ser expropriado pelo programa de devolução de terras aos negros. Faz cinco anos que Visser sabe que a propriedade de 500 hectares, situada a 250 km de Joannesburgo, que possui desde 1968, é reclamada pelos herdeiros dos antigos donos negros, que foram obrigados a vendê-las a baixo preço, em 1943, quando entrou em vigor o apartheid. Apoiado pela Associação dos Agricultores (Agrisa), Visser não se opõe à restituição, mas exige o dobro do preço oferecido pelo governo, 221 mil euros. Segundo o governo, pelo contrário, os fazendeiros são os responsáveis pelo não andamento da reforma agrária, cuja lentidão exaspera a comunidade negra e está na origem da violência que causou, em dez anos, a morte de cerca de 1500 fazendeiros brancos. “Quando os fazendeiros sabem que o governo quer comprar as suas terras, sobem o preço de forma astronômica”, diz Tozi Gwanya, responsável da Comissão das Terras, encarregada da negociação. Ele garante que a expropriação “será sempre o último recurso”. Para a Agrisa, esse é “só o começo”. Outras seis fazendas estariam em processo de expropriação. “Tudo indica que o processo vai ser mais rápido do que pensávamos”, disse um porta-voz da organização, que prevê uma crise agrícola como a que vive o Zimbábue se os bancos e os
O presidente sul-africano Thabo Mbeki: terras aos negros
fornecedores deixarem de conceder créditos aos fazendeiros. Segundo a Aliança Democrática, principal partido da oposição, toda a economia sul-africana está em risco se os investimentos se retraírem e os capitais estrangeiros fugirem do país. Para o Movimento dos Sem Terra, pelo contrário, a hora é de esperança, porque o governo parece finalmente compreender que as leis do mercado não servem para “fazer justiça aos pobres”. A ministra da Agricultura, Thoko Didiza, prometeu devolver 30% das terras aos negros até 2014.
CRISE NO ZIMBÁBUE Os fazendeiros brancos do Zimbabue denunciaram a perda de milhares de dólares em equipamentos e sementes, por conta de uma nova onda de expropriação de terras, resultante da reforma agrária do presidente Robert Mugabe. O presidente da União de Propriedades Comerciais, Hendrik Olivier, disse que o “saque” de propriedades registrado
nos últimos meses inclui a perda de equipamentos como tratores, sementes e fertilizantes. Atualmente, há no Zimbábue 600 fazendeiros brancos, contra os 4 mil existentes em 2000, antes do governo iniciar a reforma agrária. As fazendas expropriadas e registradas em nome do Estado são mais de 6 mil. “Grande parte das pessoas que se apropriam dos equipamentos são os novos proprietários negros, que se aproveitam do caos criado com as recentes reformas constitucionais”, sublinhou Olivier. O Parlamento do Zimbábue aprovou uma reforma da Carta Magna que impede os fazendeiros brancos de recorrer aos tribunais pela ocupação de terras. Essa modificação constitucional provocou uma nova onda de expropriações de terras. O ministro da Segurança do Estado, Didymus Mutasa, ameaçou acabar com todas as propriedades dirigidas por brancos. (África Expresso, www.africa.expresso.clix.pt)
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NACIONAL ATINGIDOS POR BARRAGENS
No Vale do Ribeira, marcha de resistência N
a véspera da comemoração do Dia da Consciência Negra, 19, cerca de 800 pessoas – entre quilombolas, indígenas, grupos de pastorais, ribeirinhos e ativistas ambientais – marcharam contra a construção de barragens no Rio Ribeira de Iguape, em Registro (SP). A “Caminhada pela Vida”, organizada pela Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (EAACONE) e pelo Movimento dos Ameaçados por Barragens (Moab), reconstruiu também o passado histórico de luta por reconhecimento, demarcação e titulação das mais de 50 comunidades quilombolas e indígenas da região. Por todo o trajeto, da estrada até a cidade, os manifestantes denunciaram o projeto da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), pertencente ao grupo Votorantim, de construção de hidrelétricas na região do Alto Ribeira. Observados pelos olhos curiosos de comerciantes e moradores de Registro, que em geral defendem o projeto, os quilombolas deram seu recado. “Se houver um problema com a barragem ou resolverem soltar as águas em época de cheias, todos os quilombos vão ficar debaixo d’água”, alertou Ivo dos Santos. “Hoje a nossa união com as comunidades quilombolas é pelo mesmo objetivo: conquistar de novo as matas, os rios, a natureza, porque nós somos parte dela”, afirmou Renato da Silva, o Veramirim,
Dessa vez, um novo estudo – que agora prevê apenas a barragem de Tijuco Alto – foi encomendado pela empresa à CNEC Engenharia, do Grupo Camargo Corrêa. O EIARIMA foi entregue ao Ibama no final de outubro, e deve ser analisado em 60 dias. Caso seja aprovado, o Ibama tem 45 dias para realizar audiências públicas.
FALHAS DESDE O PRINCÍPIO
Na “Caminhada pela Vida”, quilombolas, indígenas e ribeirinhos denunciam o projeto de construção de hidrelétrica
cacique da aldeia guarani Pariquera, que fica na região do Baixo Ribeira. Assim como a maioria dos quilombos, a aldeia pode ser afetada pela construção da hidrelétrica de Tijuco Alto, próximo ao município de Cerro Azul (PR).
veis (Ibama) para a construção dessa barragem, que abasteceria exclusivamente a empresa. O principal objetivo do projeto é fornecer energia elétrica para o complexo metalúrgico da empresa em Mairinque (SP), que pretende aumentar sua produção de alumínio para exportação. Ao contrário do que acreditam os moradores da região, como Eldorado e Registro, nenhum município será abastecido pela energia da hidrelétrica.
UMA AMEAÇA DE 18 ANOS A CBA tenta, desde 1988, obter licenciamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renová-
Furnas desrespeita estudo e não indeniza famílias Alexania Rossato de Brasília (DF)
EDUCAÇÃO NO CAMPO
Via Campesina forma primeira turma de especialistas
sados, 997 são de atingidos que precisam ser reassentados. No entanto, Furnas descumpriu o acordo. “Onde é a usina, hoje, eu me criei e criei minha família. Morava com meus vizinhos, tudo ali em rodinha. Eu tinha minha rocinha pra sobreviver, tinha meu garimpo. Tinha minhas criações no terreiro, que hoje não tenho mais”, diz o depoimento de Pedro Paulo Ferreira da Cruz, que consta do Relatório Nacional pelo Direito Humano ao Meio Ambiente, realizado pela Plataforma DhESC Brasil e publicado em fevereiro. O MAB denuncia que a desconsideração por estudos que órgãos responsáveis e competentes realizam está sendo uma prática entre as construtoras de barragens. Em Campos Novos, em Santa Catarina, o Consórcio Enercan, responsável pela obra, nega o estudo do Órgão Ambiental do Estado, que considerou 90% dos casos analisados como de famílias atingidas. “Nós não aceitaremos essa prática como fato consumado e estamos prontos para permanecer na barragem de Manso o tempo que for necessário, impedindo o funcionamento dessa obra que está matando nossa gente”, afirma Santana, coordenador do MAB na região.
Igor Felippe Santos de São Paulo (SP)
MAB Nacional
Desde o início da semana passada, cerca de 500 famílias ocupam a Usina Hidrelétrica de Manso, localizada no Rio Manso, município de Chapada de Guimarães (MT), a 100 quilômetros da capital do Estado, Cuiabá, para denunciar: depois de seis anos do fechamento das comportas para o enchimento do lago, muitas famílias ainda não foram indenizadas pela Furnas Centrais Elétricas, estatal que controla a barragem. A obra inundou 47 mil hectares de terra, atingindo 18 comunidades e expulsando mais de duas mil famílias. Destas, somente 442 foram reassentadas, mas receberam terras inférteis, com uma média de 94% de areia – o que inviabiliza sua reestruturação social e econômica. As demais famílias foram simplesmente excluídas pela empresa. Depois de muitas mobilizações, ocupações da usina e reuniões, em 2003 houve um acordo entre o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e Furnas, para que se fizesse um estudo da situação desses atingidos. O estudo foi realizado pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e constatou que, dos 1065 casos anali-
Os movimentos sociais do campo celebraram, dia 17, a formatura da primeira turma do Curso de Especialização em Educação no Campo e Desenvolvimento, realizado na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), centro de formação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O curso foi promovido pela Via Campesina, em conjunto com Universidade de Brasília (UnB), com apoio do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), e dos ministérios do Desenvolvimento Agrário (MDA) e da Educação (MEC). “Os trabalhadores e as trabalhadoras não querem apenas saber escrever e ler, mas querem produzir conhecimento com o objetivo de libertar a classe trabalhadora”, disse Maria Izabel Grein, militante do MST no Paraná e formanda. Batizada com o nome do geógrafo Milton Santos, a turma, de 53 estudantes, inaugurou as atividades na Escola Nacional. Os novos especialistas em educação para áreas rurais, todos com alguma graduação anterior, integram o MST, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e outras organizações camponesas.
INICIATIVA HISTÓRICA
Atingidos por barragens exigem a indenização das famílias expulsas
Na época, a CBA previa quatro barragens ao longo do rio. De acordo com levantamento do Instituto SocioAmbiental (ISA), caso essas barragens saíssem do papel, ao menos 12% das áreas quilombolas seriam inundadas. Em 2003, o Ibama indeferiu o pedido, alegando que o EIA-RIMA (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental) estava defasado – datava de 1994 – e era superficial na análise da fauna e da flora local.
O estudo que a CBA entregou tem falhas graves, segundo as entidades contrárias à construção. Os resíduos de chumbo expostos na região, deixados por mineradoras que ali atuavam, não foram completamente removidos pela empresa. Uma vez alagada, a área corre o risco de ser contaminada pelo minério e, conseqüentemente, a água será consumida por peixes e seres humanos. O termo de referência apresentado pelo Ibama – que determina os pontos que o estudo deve abordar – não obedece à legislação, segundo Nilto Tatto, do ISA. Ele explica que o Ibama deveria ter pedido o estudo de toda a Bacia Hidrográfica do Ribeira, o que não aconteceu, pois a foz do rio foi excluída do estudo: “Nós sabemos que esse impacto se dará principalmente na biodiversidade e no âmbito social. Comunidades tradicionais, caiçaras, próximas à foz, vivem dos peixes que sobem o rio para se reproduzir”. Além disso, a legislação brasileira permite que o empreendedor escolha a empresa de consultoria que realiza o estudo, que geralmente é favorável ao empreendimento.
Na cerimônia de formatura, o coordenador da ENFF, Adelar Pizetta, agradeceu à UnB pela parceria na formulação pedagógica do currículo. Segundo ele, a escola não vai copiar esquemas pedagógicos superados e pretende formar sujeitos conscientes da classe trabalhadora. “É importante perceber o quanto aprendemos com vocês (da Via Campesina) nessa parceria”, retribuiu Leila Chalub, deca-
Douglas Mansur
Fernanda Campagnucci de Registro (SP)
Fernanda Compagnucci
Entidades se unem para alertar sociedade sobre a ameaça das hidrelétricas no Rio Ribeira de Iguape
Os formados integram o MST, a CPT e outras organizações camponesas
na em extensão e representante da reitoria da UnB. “É um novo capítulo na história da educação brasileira, protagonizado pelos trabalhadores e trabalhadoras do campo. A linha pedagógica está ligada a uma disputa de projeto nacional, diferente do agronegócio e do latifúndio”, disse Mônica Molina, coordenadora do Pronera. O ministro Luiz Dulci, secretário geral da Presidência da República, esclareceu que a educação no campo não é uma subeducação e pode contribuir para melhorar a qualidade das escolas em áreas urbanas. “O curso é tecnicamente tão bom como qualquer outro, mas não se limita à técnica”, afirmou. Segundo o ministro, a capacitação técnica tem que caminhar junto com a elevação da consciência política dos estudantes. “Senti aqui a verdadeira paixão de aprender e de ensinar”, saudou. “A turma é formada por desbravadores, que abrem um caminho e mostram uma experiência que deu
certo para movimentos sociais, universidades e MEC”, disse Armênio Schmidt, diretor de Diversidade e Educação para a Cidadania da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), do MEC. “O mais importante para o MST e para a Via Campesina é recuperar a dignidade das pessoas, porque uma pessoa, quando começa a caminhar com a própria cabeça, ninguém mais controla”, disse João Pedro Stedile, dirigente nacional do MST e representante da Via Campesina. “ Participaram também da cerimônia o deputado federal Adão Pretto (PT-RS), Roseli Caldart, do Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária Josué de Castro (Iterra); Raimundo Pires, superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em São Paulo; Heloísa Fernandes (socióloga), Míriam Fernandes (esposa de Florestan Fernandes) e o prefeito de Jacareí, Marco Aurélio de Souza (PT).
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DEBATE MÍDIA
Controle público não é censura Diogo Moyses e Michelle Prazeres recente acordo firmado entre a Rede TV!, o Ministério Público Federal (MPF) e Organizações Não-Governamentais defensoras dos direitos humanos – em função de uma Ação Civil Pública movida pelo MPF e pelas entidades contra a violação de direitos no programa dirigido e apresentado por João Kleber –, é uma importante vitória de todos os defensores dos direitos humanos, em especial daqueles que acreditam que uma das condições fundamentais para a realização da democracia é o fortalecimento dos mecanismos de controle público da mídia, principalmente do rádio e da televisão. Para alguns, a interrupção do sinal da emissora – que não foi pleiteada inicialmente pelas organizações, mas ocorreu por descumprimento de decisão judicial que a obrigava a transmitir os programas que promovam os direitos humanos como forma de contrapropaganda – foi uma decisão arbitrária, injustificável num país com aspirações democráticas. Os acusadores, temerosos com o despertar da sociedade brasileira para o uso indevido do bem público, que é o espectro eletrônico por onde circulam os sinais da televisão, pregam que a decisão da Justiça foi um ato unilateral de censura. Os que acompanharam a repercussão dos fatos puderam notar que, aos acusadores, faltam argumentos, inclusive do ponto de vista jurídico, e sobram tentativas de defender interesses escusos, a exemplo da manutenção do atual cenário de concentração da mídia, que não permite que o cidadão brasileiro tenha acesso a uma televisão, cujo conteúdo seja de fato representativo da nossa diversidade. No entanto, a despeito dos gritos acusatórios, a sociedade brasileira compreendeu a motivação dos autores e aplaudiu os resultados da Ação Civil Pública, que solicitou a interrupção imediata do programa do apresentador João Kleber e a cessão de espaço pa-
Kipper
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ra veiculação de programas que promovam os direitos humanos em resposta às violações sistemáticas cometidas nos programas do apresentador. Mesmo diante do reconhecimento público da importância histórica desta iniciativa, é pertinente uma breve reflexão sobre o conteúdo do pedido acatado pelo Judiciário, para que não restem dúvidas de que a decisão não pode ser confundida com um ato de censura.
Durante anos, Rede TV! e João Kléber valeramse da omissão do Estado para disseminar mensagens de intolerância e preconceito O Estado brasileiro tem o dever de proteger tais direitos contra as violações promovidas pelas emissoras de televisão. Durante anos, Rede TV! e João Kléber valeram-se da omissão do Estado para disseminar mensagens de in-
tolerância e preconceito. Por isso, nomear de “arbitrária” a decisão da Justiça de conceder o direito ao telespectador de receber informações que promovam os direitos humanos, é um erro político, cultural e, também, jurídico. O fato em questão nada mais é do que um ato de controle público, de defesa do Estado de Direito e, portanto, da democracia. Baseada na Constituição Federal, a suspensão do sinal da emissora por aproximadamente 25 horas foi, na verdade, um ato de anticensura, que buscou única e exclusivamente garantir que o cidadão – que hoje tem acesso a um único ponto de vista, preconceituoso e racista, no programa de João Kleber – possa assistir a uma outra televisão, que lhe ofereça informações diversas e novos olhares não somente sobre a questão homossexual – foco da Ação Civil – mas também que respeitem os direitos humanos. Mais do que isso, a decisão da Justiça buscou garantir o controle e o interesse público sobre algo que pertence à população: as concessões de televisão. Os serviços de radiodifusão – ou o rádio e a TV – são objetos de concessões públicas. Ao contrário de um entendimento comum de
que os concessionários são donos dos canais que operam, o direito de explorar uma freqüência e a transmitir conteúdo (ganhando dinheiro com isso) é concedido pelo Estado brasileiro, em nome do povo, ou seja, de cada um de nós.
A decisão da Justiça buscou garantir o controle e o interesse público sobre algo que pertence à população: as concessões de televisão Mas por que a televisão e também o rádio são objetos de concessão pública? Em primeiro lugar, porque o espectro eletromagnético é finito, ou seja, é um bem escasso, e precisa ser organizado de maneira a não permitir que haja sobreposições de freqüências. Em segundo lugar, e mais importante, porque a radiodifusão é um espaço fundamental para o exercício de direitos humanos, como a liberdade de expressão e os
direitos à informação e à cultura, entre tantos outros. Além disso, a atual centralidade da mídia na formação de valores é incontestável, o que coloca aos concessionários de freqüências de televisão, uma série de deveres que devem ser cumpridos em nome do interesse público pelo qual devem zelar, sob pena da perda da concessão. No caso do Brasil, a responsabilidade das emissoras é ainda maior, pois a presença da televisão é extremamente forte, quase absoluta, já que a imprensa escrita, como se sabe, não alcança um número expressivo de leitores, e a internet ainda tem um universo de usuários muito restrito. Respeitar os valores éticos da pessoa, como afirma o artigo 221 da nossa Constituição, dentre os quais se encontram, certamente, a dignidade humana, a igualdade de todos e o respeito à honra, à liberdade e à privacidade alheias, são alguns dos deveres mais importantes das emissoras de televisão. Por isso, como concessionárias de serviço público, elas estão sujeitas às normas que regulam o setor, ou, pelo menos, deveriam estar. No caso da Rede TV!, o não cumprimento de suas obrigações legais atingiu níveis inaceitáveis, violando explícita e reiteradamente os direitos fundamentais, única e exclusivamente para a obtenção do lucro. Durante dois anos, em transmissão quase diária, foram emitidas mensagens preconceituosas e ofensivas à dignidade humana e, por isso, a decisão da Justiça – e o posterior acordo entre os autores da ação e a emissora – é nada mais do que o reconhecimento do direito de milhões de brasileiros a uma programação televisiva que respeite os direitos fundamentais (e constitucionais), já que a discriminação e as humilhações exibidas nos programas de João Kléber não atingem apenas um ou outro indivíduo ou grupo social, mas a todos nós. Diogo Moyses e Michelle Prazeres são jornalistas, integrantes do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
TRANSGÊNICOS
Impasses no governo ameaçam a biossegurança Jean Marc von der Weid s defensores dos transgênicos querem que o decreto de regulamentação da Lei de Biossegurança, em discussão dentro do governo, facilite o processo das liberações, inclusive comerciais. Para isto eles propõem que o quorum para a decisão destas liberações na CTNBio seja de maioria simples dos membros, ou seja, de 14 votos. Chegou-se a propor a maioria simples dos presentes à reunião de deliberação, cujo quorum para instalação é de 14 membros. Em tese esta proposta poderia implicar em aprovar a liberação comercial de transgênicos com apenas 8 votos num total de 27 membros da comissão. Mesmo a maioria simples dos membros pode significar uma forte divisão na Comissão, 14 votos em 27. Esta proposta é uma aberração científica. Biossegurança tem que ser um conceito integral e, portanto, implica que cada área científica esteja de acordo com a ausência de riscos. Que áreas são essas? Os riscos para a saúde humana já detectados nos transgênicos envolvem as áreas de alergenia, toxicologia e oncologia, entre outras. Nos riscos para o meio ambiente as áreas científicas são de entomologia, microbiologia de solos e de ciência das plantas daninhas, entre
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outras. Há outras especialidades nas áreas de saúde animal e vegetal. Com tal diversidade de especialidades, como votar com base em maiorias a segurança de um produto transgênico? Basta que um destes riscos seja significativo para que o produto caia na classificação de bioinseguro. Para fazer uma comparação simples vejamos o estado de saúde de uma pessoa que faz um checkup médico. Ela pode ter coração, pulmões, fígado, rins, estômago, cérebro, ossos etc. em ótimas condições, mas pode estar morrendo de câncer de pele. Que tal os especialistas envolvidos nos exames votarem, para dizer, por 7 ou mais votos a 1 que o paciente está muito bem, obrigado? O outro embate interno é a escolha dos 12 cientistas que comporão o corpo técnico da CTNBio.
Quem os escolhe? Quem os indica? Haverá transparência no processo? A proposta do lobby pró-transgênicos é que uma comissão ad hoc indicada pelo ministro de Ciência e Tecnologia selecione uma lista tríplice da qual o ministro escolherá os 12 cientistas. A sociedade civil apóia a proposta do Ministério do Meio Ambiente (MMA) que delega a escolha da lista tríplice à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e questiona a participação do sr. Barreto de Castro no processo de escolha dos 12 cientistas que comporão a CTNBio. O sr. Barreto de Castro é o atual secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do MCT e foi o presidente da CTNBio no governo FHC que comandou a liberação açodada da soja trans-
gênica da Monsanto. É membro da ANBIO (Associação Nacional de Biossegurança), entidade que tem como “sócios corporativos e institucionais” a Monsanto entre outras multinacionais de biotecnologia. O máximo que o lobby admitiu nas negociações interministeriais foi que a SBPC fosse um dos membros da comissão ad hoc, sendo os outros escolhidos pelo MCT.
A sociedade civil considera que os especialistas da CTNBio deveriam ser experts em biossegurança e não envolvidos com desenvolvimento de transgênicos A terceira questão crucial é a definição do que significa “conflito de interesses” para participar das decisões da CTNBio. Segundo a proposta defendida pelo MCT e pela Casa Civil um membro da CTNBio não deveria votar apenas no caso da liberação comercial de um transgênico em cuja pesquisa ele esteja diretamente envolvido. A sociedade civil considera que os especialistas da CTNBio deveriam ser
experts em biossegurança e não envolvidos com desenvolvimento de transgênicos. É lógico que um pesquisador envolvido em desenvolvimento de transgênicos tenderá a não “criar caso” na aprovação da liberação de qualquer transgênico, já que seu próprio produto estará submetido à aprovação em algum momento. No mínimo, deveria ser considerado conflito de interesses a participação de cientistas na aprovação de transgênicos desenvolvidos pela empresa ou centro de pesquisa ao qual os mesmos estão ou estiveram vinculados. Por outro lado, é claríssimo que um cientista vinculado a entidades financiadas ou apoiadas por empresas de biotecnologia (ANBIO, CIB e Pró-Terra, por exemplo) não podem participar de decisões sobre liberação comercial de transgênicos. É por estas razões que a sociedade civil se preocupa com o destino da biossegurança no país e apela para o presidente Lula apoiar as posições dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente nesta questão de interesse fundamental para o futuro do país. Jean Marc von der Weid, é coordenador de Políticas Públicas da AS-PTA Assessoria e Serviços a Projetos em Agroecologia e membro do CONDRAF/MDA
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agenda@brasildefato.com.br
AGENDA NACIONAL DIREITO DE RESPOSTA NA REDE TV! A Justiça brasileira determinou que a Rede TV! suspendesse a transmissão do programa Tarde Quente, do apresentador João Kleber, em função de uma ação civil pública, movida pelo Ministério Público Federal e assinada também por ONGs de direitos humanos. Além da suspensão da exibição do programa, durante 60 dias, haverá exibição, no horário do programa suspenso, de programas de TV que defendam os direitos humanos. Entidades que lutam pela democratização da comunicação, como a Associação de Incentivo à Educação e Saúde de SP (Aiessp), a Associação da Parada do Orgulho dos Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros de São Paulo, o Centro de Direitos Humanos (CDH), o Grupo Identidade Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social estão convidando produtores de documentários, filmes, entrevistas, debates ou qualquer outro programa de TV que aborde a temática dos direitos humanos para ajudar na elaboração da grade de programação para esse horário. Mais informações: direitosderesp osta@intervozes.org.br
LIVRO MÍDIA CONTROLADA – A HISTÓRIA DA CENSURA NO BRASIL E NO MUNDO Na obra, o escritor e jornalista Sérgio Mattos resgata a história da censura no Brasil e no mundo, analisando os instrumentos de controle, as leis e a estrutura dos meios de comunicação. O autor trata da influência estrangeira, da concentração da mídia nas mão de poucas pessoas, a orientação para o lucro, a dependência de subsídios e isenções oficiais, a localização nos grandes centros e diversos outros fatores que mostram como o jornalismo ainda hoje se sente dependente e de certo modo censurado, seja externa ou internamente. O livro é da Editora Paulus, tem 227 páginas e custa R$ 30 Mais informações: www.paulus.com.br
CEARÁ SEMANA INTERNACIONAL DE COMBATE A TODAS AS FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Até 25 Durante a semana, haverá oficinas nos bairros do Genibaú, Goiabeiras,
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SÃO PAULO RELATÓRIO DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL 2005 6 de dezembro Resultado do trabalho de pesquisa de 25 organizações de defesa dos direitos humanos, o Relatório de Direitos Humanos no Brasil 2005 foi organizado pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e traz um panorama das violações de direitos humanos. O lançamento do relatório acontece no Rio de Janeiro e em São Paulo. Local: Centro Cultural Banco do Brasil, R. 1º de Março, 66, Rio de Janeiro - Ação Educativa, R. General Jardim, 660, São Paulo Mais informações: (11) 3271-1237
Álvaro Weyne, Ellery, Dias Macedo, Carlito Pamplona e Pirambu, abordando temáticas diferenciadas do cotidiano das mulheres e as relações de gênero. Serão abordadas questões sobre o sistema público de saúde, especialmente sobre o acesso da mulher a exames como mamografia, prevenção de câncer e doenças sexualmente transmissíveis, numa roda de conversa com a comunidade. Estarão presentes representantes dos setores públicos de saúde. Local: R.Cônsul Gouveia, 44, Fortaleza Mais informações: (85) 3283-6363 CONCURSO – O DIREITO DE PARTICIPAR Inscrições até dia 30 Promovido pela Cáritas Brasileira, em parceria com Unicef, Caixa Econômica Federal, Rede Andi e Ministério da Educação, foi lançada a segunda edição do concurso “O Direito de Participar”. O tema deste ano, “Escola e comunidade: parceiras na cidadania”, está relacionado com a importância de envolver diversos atores sociais na construção da cidadania, além de incentivar os jovens e as escolas a participar dos Conselhos de Políticas Públicas do seu município. Para participar do consurso, é preciso desenvolver uma
ação na comunidade e transcrevê-la em forma de quadrinhos. Podem se inscrever crianças e adolescentes de todas as escolas municipais e estaduais de Minas Gerais, Acre, Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Santa Catarina e Rio Grande do Norte. Mais informações: www.caritasbrasileira.org.
DISTRITO FEDERAL SEMINÁRIO - PERSPECTIVAS PARA O SETOR DE ENERGIAS RENOVÁVEIS NO BRASIL Até dia 24, das 9h às 18h O evento pretende analisar leis e regulamentações e levantar proposições para garantir a governança e o sucesso dos programas governamentais de energias renováveis. Local: Setor Comercial Norte, quadra 6, conjunto A, bloco B, Brasília Mais informações: (61) 3031-9171, energiarenovavel@integrabrasil.com.br
RIO DE JANEIRO BUSH NO FESTIVAL DE TV 24, 16h O documentário Le Monde Selon Bush (O Mundo Segundo Bush), de William Karel, será exibido como
parte do módulo “TV e Transgressão”, no Festival Internacional de Televisão do Rio de Janeiro. Realizado em 2004, esse documentário irreverente sobre os primeiros mil dias do governo de George W. Bush despertou a atenção da crítica mundial, foi banido nos Estados Unidos e tem sido comparado ao filme Fahrenheit 9/11, de Michael Moore, realizado quase ao mesmo tempo. Local: R. do Catete, 311 / 503, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2558-8606 DIA INTERNACIONAL PELA ELIMINAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER 25, 11h A Marcha Mundial das Mulheres está organizando um grande ato de luto em solidariedade às mulheres vítimas de violência e também para protestar contra essa situação e a falta de punição aos agressores. As manifestantes vão caminhar até a Delegacia Especializada de Atendimento da Mulher, onde farão encenações de denúncia, uma mística em memória a todas as mulheres agredidas, estupradas e mortas, no Brasil e no mundo. Local: Concentração na Praça Tiradentes, Rio de Janeiro Mais informações: www.mmm.softwarelivre.org 7º SALÃO DA FUNDAÇÃO NACIONAL DO LIVRO INFANTIL E JUVENIL Até dia 27 O salão terá uma estrutura de mil metros quadrados montada no jardim do Museu de Arte Moderna (MAM), com 64 estandes de editoras. Estão confirmadas as presenças dos autores Adriana Falcão, Bartolomeu Campos de Queirós, Joel Rufino, Letícia Wierzchowski, Luciana Savaget, Luiz Antonio Aguiar, Nilma Lacerda, Rui de Oliveira e Thalita Rebouças. Entre as atividades paralelas ao salão, haverá o “Espaço de Leitura”, área reservada para os lançamentos de livros com a presença dos escritores e performance dos ilustradores, oferecendo a oportunidade para um bate-papo sobre o processo de criação. Outro ponto de atração é a Biblioteca da feira para crianças e jovens, que dispõe de três mil títulos. Local: Museu de Arte Moderna, Av. Infante Dom Henrique, 85, Rio de Janeiro Mais informações: fabio@vivaleitura.com.br 2ª CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE HUMANIZAÇÃO DO PARTO
E NASCIMENTO 30 de novembro a 3 de dezembro Durante o evento será discutida a situação do parto em todo o mundo, contribuindo para o desenvolvimento de um modelo holístico de assistência que favoreça a construção de uma sociedade mais solidária e comprometida com a paz. Entre os conferencistas estão parteiros, médicos e pesquisadores na área de epidemologia e mortalidade materna. Local: Av. Salvador Allende, 6.555, Rio de Janeiro Mais informações: www.congressorehuna.org.br
SÃO PAULO 10ª FEIRA DE ARTES DA VILA MARIANA 4 de dezembro, das 10h às 21h Com o tema, “A Vila Mariana é 10”, o evento, além de comemorar dez anos de sucesso, vai mostrar dez motivos para se freqüentar o bairro. O acervo da Cinemateca Brasileira, o Museu Lasar Segall, a programação do Sesc Vila Mariana, o Obelisco e o Parque do Ibirapuera são alguns dos marcos que serão citados e apresentados durante o evento. Além da grande variedade de expressões artísticas, os organizadores repetem o sucesso do espaço Boulevard, reservado a uma apresentação da velha guarda do chorinho e do samba paulistanos. A Feira irá contar com três palcos e também com mais de 300 barracas de artesanato e comidas típicas, criando oportunidade de geração de renda para inúmeros artesãos e pequenos comerciantes. Local: R. Sena Madureira, 1100, São Paulo Mais informações: (11) 5573-0911 CURSO - COMUNICAÇÕES: ÉTICA E CIDADANIA 9 a 21 de janeiro Estão abertas as inscrições para o curso de verão realizado pelo Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (Cesep). O tema desta edição, “Comunicações: Ética e Cidadania”, será abordado nas oficinas e seminários com base na metodologia da Educação Popular. O curso chega a sua 19ª edição mantendo um programa de formação popular abrangendo a esfera bíblica, teológica, pastoral e da militância cristã na sociedade, sendo um espaço ecumênico de convivência, de troca de experiências e de partilha espiritual. Local: Av. Brigadeiro Luís Antônio, 993, São Paulo Mais informações: www.cesep.org.br
RESENHA
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livro Sobre a evolução do conceito de campesinato, de Eduardo Sevilla Guzmán e Manuel González de Molina, analisa o papel do campesinato nas estratégias de desenvolvimento rural sustentável e apresenta a evolução desse conceito nas Ciências Sociais e no pensamento agrário. O objetivo da obra é recuperar as raízes de um pensamento alternativo em torno do campesinato no sentido de se obter uma nova consideração do campesinato e seu papel no desenvolvimento rural sustentável e, ao mesmo tempo, no que diz respeito à América Latina, efetuar uma interpretação do processo histórico latino-americano. Para descrever sobre a evolução do conceito de campesinato, os autores fazem uma incursão pelo pensamento social agrário para apresentar aqueles marcos teóricos que se movem numa práxis intelectual e política “contra o capitalismo”. E isso, independentemente de que atribuam ao campesinato um papel histórico progressista (potencial revolucionário) ou reacionário (saco de batatas), desde
o século 19 até a atualidade. Com tal contextualização histórica, se rastreariam aqueles processos que estabeleceram os conteúdos históricos de uma matriz sociocultural especificamente latino-americana. O primeiro deles, que se estende ao longo de todo o período colonial, ressalta o último terço do século 18, quando surge a Ilustração européia e têm lugar os levantamentos incaicos no Cone Sul latino-americano; isso permitiria ressaltar a heterogeneidade de formas conflitivas de luta e resistência à invasão e ocupação européia, no mesmo. O segundo processo abarca o primeiro terço do século 19, compreendendo a conjuntura histórica da dinâmica de emancipação americana. Aqui a reflexão histórica concluiria mostrando como na prática da totalidade do território que hoje constitui a América Latina a descolonização se realizou numa forma incompleta. O processo nunca chegou a se concluir já que, ainda que se obtivesse a independência dos reinos ibéricos, nunca se chegou a eliminar a estru-
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Altacir Bunde
lgaçã
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Sobre a evolução do conceito de campesinato
tura interna da colônia, mantendo-se o domínio ideológico do Ocidente. O terceiro processo move-se na segunda metade do século 19, com a consolidação do liberalismo
e do socialismo na Europa e a construção da independência na América Latina. Nele, as resistências aos projetos oligárquicos que pretendiam outorgar um status real de cidadão aos grupos indígenas ainda não exterminados foram interpretadas pelo despotismo ilustrado neocolonial como manifestações regressivas de oposição ao progresso. Consideram os movimentos camponeses e o desenvolvimento rural sustentável como estratégia desde o potencial de mudança do campesinato e o desenvolvimento endógeno. Descrevem a aparição de uma ética e de uma cultura alternativa à racionalidade globalizadora que esteve e está presente em muitos movimentos camponeses. Esse é supostamente o ponto de partida de qualquer estratégia de desenvolvimento rural sustentável, no que aparece uma propensão à mudança baseada na resistência camponesa, com sua estrutura organizativa que estabiliza
e organiza a reivindicação e o leva para adiante de maneira autônoma e participativa. Não é, para os autores, a única via, pois o Estado pode realizar algo parecido, mas, à vista do que faz o Estado na América Latina e a lentidão com que aborda o problema da reconversão ecológica da produção agrária no Ocidente, é imprescindível a presença e o empuxo de movimentos sociais camponeses e/ou ecologistas.
Altacir Bunde é dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e da Via Campesina do Brasil
Sobre a evolução do conceito de campesinato Eduardo Sevilla Guzmán e Manuel González de Molina 96 páginas, R$ 6 Editora Expressão Popular R. Abolição, 266, Bela Vista 01319-010, São Paulo, SP Tel. (11) 3105.9500 / Fax. (11) 3112.0941 (fax) www.expressaopopular.com.br
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CULTURA
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INTERVENÇÕES URBANAS
Quando a arte ocupa os espaços públicos Divulgação EIA
Floriana Breyer e Gisella Hiche de São Paulo (SP)
Divulgação EIA
Grupos independentes fazem apresentações e performances questionadoras, nas ruas da cidade de São Paulo
Mudas de plantas no asfalto, lambe-lambe nos muros e cortejo fúnebre para protestar contra o projeto de revitalização do centro da capital paulista, que prevê expulsão dos moradores de rua
lações antes impossíveis, despir-nos dos preconceitos que temos sobre a cidade”, comenta Eduardo Verderame, cuja ação no EIA foi a colagem de adesivos que reproduziam uma nota de cem dólares.
NOVAS PERCEPÇÕES Pernambuco esteve representado pelos grupos Pardiero e Associação dos Cartunistas de Recife. O Pardiero trouxe a proposta “Out-mídia”, que aborda a questão dos catadores de papel. Com lonas recicladas de propaganda, o grupo produziu banners (faixas) para serem instalados em carroças, tornando esses veículos, em geral ignorados, canais de comunicação dos catadores. A Associação dos Cartunistas enviou uma série de quadrinhos em formato lambe-lambe, que foram colados próximo a pontos de ônibus e tapumes. “Queremos testar novos espaços de inserção para uma produção bra-
sileira que trata de temas da realidade das metrópoles”, diz João Lin, presidente da Associação. É importante ressaltar que nenhum desses projetos tem como finalidade resolver problemas macroestruturais, mas sim plantar sementes por meio de pequenos deslocamentos de percepções. “Nós não estamos aqui para lhe salvar”, afirma o lambe-lambe do artista Lucas HQ. O olhar do participante do EIA vai atrás das brechas dentro da cidade, agindo nelas ou a partir delas, acreditando nessa instância de transformação. Manuela Eichner, de Porto Alegre, realizou o trabalho “Gramas Urbanas”, que cobriu de grama dois bueiros da Avenida Paulista. Na mesma linha de ação, Fabíola Salles plantou mudas de arvóres frutíferas em buracos do asfalto: “Imagine uma árvore em cada buraco da cidade”.
Isaumir Nascimento
A
rtistas de todo o Brasil realizaram, na semana passada, 74 trabalhos nas ruas da cidade de São Paulo. Eles participaram da segunda edição do Experiência Imersiva Ambiental (EIA), que abordou temáticas da vida urbana em uma grande diversidade de linguagens: lambe-lambe, performances, instalações e panfletagens. Os trabalhos tinham em comum a proposta de questionar a dinâmica da cidade, os abusos de poder que restringem a potencialização do espaço público, destituindo-o de sua função de agregar as pessoas. Dia 16, a artista Gira, do grupo Tranca-rua, entrou, silenciosa, no saguão do edifício onde fica a Prefeitura de São Paulo. Vestida de preto, com um capuz que só deixava seus olhos descobertos, ela carregava uma faixa onde estava escrito: “Quem representa o povo?” Gira conta que esse trabalho, chamado “Impertfeito”, foi uma ação de confronto com o poder público, que repetidamente nega a representatividade dos movimentos de moradia e isenta-se de qualquer responsabilidade. Segundo ela, “O Estado não representa, governa”. As intervenções do EIA não se restringiram ao centro da cidade. No dia 17, no Capão Redondo, o grupo Pigmeus recepcionou o EIA. O coletivo Madeiristas, de Rondônia, deixou suas marcas pelos becos e vielas com o trabalho “Inventário de Sombras”. “Minha matéria-prima é a luz”, conta o artista Joeser, que imprimiu no chão as sombras de pessoas. As reações da população às intervenções são as mais diversas. Alguns trabalhos causam indignação, outros são facilmente apreendidos e até conquistam a participação popular. Uma das idéias principais do EIA é inaugurar novos territórios para manifestações artísticas, novas possibilidades de convívio e uma visão da rua como fonte de inspiração e pesquisa para o trabalho, que voltará para essa mesma origem. “Estar na rua, em grupo, agindo, é tecer re-
Projeto organizado por um grupo independente, o EIA acontece na semana do feriado da Proclamação da República. Este ano, contou com o apoio do Centro Cultural São Paulo, dentro da Virada Cultural São Paulo 24 horas. O EIA questiona esse projeto de revitalização do centro em andamento, comemorado nessas 24
horas de cultura. Como ação final da semana imersiva, o EIA, junto ao Tranca-rua, propôs um Cortejo Fúnebre, que contou com a participação dos artistas de outros Estados, moradores de rua, moradores da ocupação Prestes Maia, participantes do Integração sem posse. O Cortejo realizou o percurso da ocupação até a prefeitura.
CINEMA
Quem assiste a O Jardineiro Fiel, primeiro longa-metragem em inglês dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles (o mesmo diretor de Cidade de Deus), é levado a crer que o filme começa antes da primeira cena. Numa jogada que confunde a maior parte dos espectadores, vê-se na tela um avião da Organização das Nações Unidas (ONU), na “vida real”, despejando comida sobre o Quênia, sob o olhar agradecido da atriz principal do filme, Rachel Weisz. As cenas são de uma propaganda institucional da ONU, veiculada antes da exibição do filme. Porém, quando a trama se inicia, a estratégia de marketing de “bom-mocismo” da ONU (para o bem do filme) é desmontada, transformando-se muito mais em uma confissão de mea culpa, como se a própria mensagem publicitária admitisse: “Só nos resta jogar comida dos céus porque somos incapazes de resolver conflitos”. A ONU está longe de aparecer bem na fita – a história de Tessa, uma militante inglesa de causas humanitárias (vivida por Rachel), que se muda para o Quênia com o seu marido Justin (interpretado por Ralph Fiennes), um diplomata britânico mais atento às suas plantas
Divulgação
Marcelo Netto Rodrigues da Redação
Revista Viração
Ficção descortina a realidade da ONU
Cenas de O Jardineiro Fiel e cena de vida do povo Masai, do Quênia: filme critica atuação da ONU no continente africano
do que ao sofrimento das pessoas a seu redor. Traída pelo seu próprio país, Tessa acaba assassinada por denunciar uma empresa farmacêutica que condicionava a entrega de medicamentos a pacientes com Aids – eles receberiam os remédios desde que servissem de cobaias para um novo tratamento contra a tuberculose. À procura de respostas para a morte de Tessa, Justin descobre que o agrotóxico que vem usando para matar ervas daninhas está sendo testado como remédio em seres humanos. Qualquer relação com a realidade não é mera coincidência, uma vez que as transnacionais
Monsanto e Bayer, por exemplo, são casos reais de empresas que desenvolvem herbicidas para suas sementes transgênicas e também produzem medicamentos para uso humano.
O PAPEL DAS NAÇÕES UNIDAS Logo na primeira cena, Tessa condena a ONU por ter sido (ir)responsável pela guerra do Iraque, enquanto interpela aquele que se tornará seu marido sobre a invasão patrocinada por seu patrão, Tony Blair, o primeiro-ministro britânico. Ao longo do filme, sobram críticas ao círculo vicioso em que a ONU se meteu com sua polí-
tica meramente assistencialista. Em uma das cenas mais tocantes, uma criança órfã da tribo massai, sobrevivente de um massacre, é proibida de embarcar num avião cargueiro da ONU, que só tem a permissão de levar voluntários a bordo. O piloto, resignado, mesmo sabendo que ela terá poucas chances de sobreviver, se vê obrigado a recitar o conhecido mantra moderno: “Paciência, igual a ela, existem milhões”.
PEDAGOGIA DO EXEMPLO Os efeitos da colonização britânica no Quênia vão além dos volantes trocados de lugar nos carros. O sentimento de impotência frente
a tanta injustiça deixada como herança faz com que o espírito de sacrifício e a pedagogia do exemplo tornem-se as únicas formas de contestação – como quando Tessa, branca e rica, abdica de sua situação social e resolve dar à luz no mesmo hospital caótico freqüentado por negros e pobres. A saga de Justin e Tessa no continente africano nos parece familiar em tempos que se disseminam, no Brasil, a greve de fome e a imolação da própria vida como último recurso capaz de defender a natureza e os excluídos. Nesse sentido, o cartaz do filme acerta quando estampa: “Love. At any cost” (Amor. A qualquer preço).