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Ano 3 • Número 144

R$ 2,00 São Paulo • De 1º a 7 de dezembro de 2005

O terror dos ruralistas na CPMI da Terra Kevin Frayer/AP/AE

Em relatório, sem provas, parlamentares da direita criminalizam movimentos sociais e a luta pela reforma agrária

Na Cisjordânia, território ocupado por Israel, estudantes palestinos são obrigados a se submeter à revista em posto de fiscalização, no caminho da escola

Israel: esperança de democracia Em Israel, desponta uma nova liderança de esquerda, Amir Peretz. Em 10 de novembro, ele assumiu a liderança do Partido Trabalhista, agremiação que Maringoni

Nas Filipinas, a ditadura do livre-comércio

estava alinhada com o primeiroministro, Ariel Sharon. Peretz pretende reavivar o diálogo com o governo da Palestina para acabar com a ocupação. Isolado,

Uma em cada três brasileiras sofre violência de seus parceiros. É o que mostra uma pesquisa recente da Organização Mundial de Saúde. Para mudar essa situação, é necessário que as mulheres tenham acesso à

A incapacidade do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, do PSDB, em resolver o problema da Fundação do Bem-Estar do Menor (Febem) ficou inteiramente escancarada. Em resolução inédita, a Organização dos Estados Americanos (OEA) vai investigar denúncias de espancamento de jovens na unidade da Febem no Tatuapé, bairro da capital paulista. Outro dirigente tucano, o prefeito de São Paulo, José Serra, promove operação de limpeza social no centro da cidade, que intimida e ameaça os educadores sociais que trabalham com crianças em situação de rua. Pág. 6

Dez anos de marchas por uma vida digna

Valter Campanato/ ABR

No Rio Grande do Sul, sindicalistas, movimentos sociais e excluídos realizaram uma semana de mobilizações que culminaram, dia 26 de novembro, com a décima edição da Marcha dos Sem, em Porto Alegre. Pág. 5

MASSACRE 1 – Missão da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti, comandada por general brasileiro, é suspeita de ter participado de massacre de moradores de favela haitiana. Pág. 2

Violência doméstica atinge 30% das mulheres educação, ao mercado de trabalho e à informação. A dependência econômica das mulheres e o elemento religioso, igualmente, contribuem para a persistência da violência. Pág. 8

Truculência, Bancos lucram a marca dos e trabalhadores governos tucanos perdem renda

A Organização Mundial do Comércio (OMC) determina as políticas econômica e social das Filipinas. O resultado, denuncia o líder camponês Wilfredo Marbella, em entrevista ao Brasil de Fato, é a penúria dos trabalhadores. Pág. 10

E mais:

Sharon antecipou as eleições israelenses em oito meses. A esperança de mudanças na política de Israel renasce. Pág. 11

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bancada ruralista do Congresso mostra suas garras. Violência. Truculência. Autoritarismo. Dia 29 de novembro, em manobra política, parlamentares de direita, que integram a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Terra (CPMI da Terra), aprovaram um relatório em que criminalizam movimentos sociais do campo, especialmente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). No documento, ocupações de terra, principal instrumento de luta dos camponeses, são classificadas como atos terroristas e crimes hediondos. O relatório não tem valor legal, até mesmo porque contradiz a Constituição Federal. Mas seu conteúdo repugna, pois escancara a influência da bancada ruralista, que manda e desmanda no Congresso. As entidades que atuam no campo repudiam o relatório e dizem que é preciso investigar os recorrentes assassinatos de sem-terra e a escravização de trabalhadores em latifúndios. Pág. 3

No Brasil é assim: enquanto o lucro dos cinco maiores bancos dá um salto de 52% de janeiro a setembro, em relação a igual período de 2004, o rendimento médio dos trabalhadores começa a encolher em outubro, quinto mês de virtual estagnação no mercado de trabalho. Como o desemprego está na mesma desde junho e o emprego cresce cada vez menos, a massa de rendimentos encolhe: declinou de R$ 19,7 bilhões para pouco mais de R$ 19,4 bilhões, entre outubro e setembro, com uma perda real para os trabalhadores de aproximadamente R$ 267 milhões. Pág. 7

Transgênicos: pressa para montar a CTNBio Pág. 4

Vitória de africanas contra a mutilação

MASSACRE 2 – Entidade do Paraguai acusa soldados estadunidenses, instalados no país, de perseguir e assassinar camponeses. Pág. 9

Pág. 12

O hip hop como “arma” de transformação Dignidade – Em Brasília, 15 mil sindicalistas reivindicam mudanças na política econômica e aumento do salário mínimo. Pág. 3

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De 1º a 7 de dezembro de 2005

NOSSA OPINIÃO

CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes•

A trágica farsa do Brasil no Haiti

Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Görgen • Horácio Martins • Ivan Cavalcanti Proença • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Anamárcia Vainsencher, Áurea Lopes, Jorge Pereira Filho, 5555 Paulo Pereira Lima • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, 5555 João Alexandre Peschanski, Luís Brasilino, Marcelo Netto Rodrigues, 5555 Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Assistente de redação: Bel Mercês 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Valdinei Arthur Siqueira 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

LIBERTEM PADRE MEDINA Solicito apoio à campanha humanitária pela libertação do padre Olivério

ção de eleições no país. No dia 24 de novembro, o Comitê Eleitoral Provisório adiou, pela terceira vez, para o dia 8 de janeiro, as eleições convocadas para 27 de dezembro. A situação social e política do Haiti é absolutamente caótica, tendo como pano de fundo uma das mais pobres economias do planeta. O caos foi agravado por um processo de guerra civil desencadeado após a deposição, em março de 2004, do então presidente Jean-Bertrand Aristide (ele próprio chefe de um governo corrupto e autoritário), por um golpe articulado pela CIA (serviço secreto dos Estados Unidos). O controle do exército local foi assumido por notórios criminosos, chefes de bandos paramilitares acusados de prática de tortura e vinculação com o narcotráfico. A Minustah, inicialmente comandada pelo general brasileiro Augusto Heleno Ribeiro Pereira, depois substituído pelo general Urano Teixeira da Matta Bacellar, tinha três objetivos bastante precisos: manter a segurança e a estabilidade do país; promover a governabilidade e o desenvolvimento de processos constitucionais e políticos e proteger os direitos humanos. Nada disso foi realizado, demonstra, por exemplo, o relatório “Mantendo a Paz no Haiti?”, produzido pelo Centro da Justiça Global, coordena-

do por James Cavallaro, professor de Direito da Universidade de Harvard. Cavallaro participou de um grupo formado por várias organizações de defesa dos direitos humanos que visitou duas vezes o Haiti, em outubro de 2004 e em janeiro de 2005, com o objetivo de avaliar o trabalho da Minustah. Durante as duas semanas que passaram no Haiti, os observadores conversaram com representantes do governo, de grupos armados, da população e também da missão, realizando mais de 100 entrevistas. Segundo Cavallaro, não apenas a força de estabilização não está ajudando a acabar com a impunidade dos criminosos, como faz com que ela continue: “A Minustah oferece apoio logístico às forças que estão de fato no poder. Em vez de entrar no país e desarmar a todos, o que fez? Escolheu um lado, o do governo atual, e está dando apoio a ele”. Em síntese, o Brasil está envolvido até o pescoço no caos, por obra e graça de uma decisão desastrosa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de enviar tropas ao Haiti. O objetivo de Lula, inspirado por uma estratégia formulada pelo Itamaraty, era o de “mostrar serviço” para, em troca, obter uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Tudo errado.

FALA ZÉ

OHI

CRÔNICA

CARTAS DOS LEITORES JARBAS NEOLIBERAL Gostaria de prestigiá-los pelo excelente jornalismo que vocês fazem com o Brasil de Fato, único jornal que dá voz aos movimentos sociais. Represento milhares de estudantes da Universidade de Pernambuco (UPE) e o povo pernambucano. E por meio desta gostaria de denunciar o governador Jarbas Vasconcelos. Nós estudantes da UPE enfrentamos um dilema: a nossa universidade é a única pública do país em que se paga mensalidades. Desde o início de seu mandato, o governador deixou claro que ia entrar na onda privatizante, como fez FHC, com a desculpa que o Estado é pobre e não tem recursos para sustentar a educação. E não é só na educação. Ele já privatizou a companhia de energia elétrica de Pernambuco (Celpe) que nos últimos meses aumentou 30% na conta de energia. Gostaria de chamar a atenção do Brasil de Fato para estes problemas e ver da possibilidade de aparecer uma matéria no jornal denunciando ao povo brasileiro a gestão deste governo neoliberal de Jarbas Vasconcelos e mostrar essa pouca-vergonha que é a educação em Pernambuco, pois quase todos os jornais de nosso Estado estão vendidos ao governo e defendem a privatização da universidade. Charles Alan Gomes Lopes Por correio eletrônico

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Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah), liderada pelo Brasil, participou de massacres de civis no Haiti. A acusação foi encaminhada à Organização dos Estados Americanos (OEA), no dia 15 de novembro, por um grupo de organizações e de ativistas estadunidenses. Um dos casos citados na petição acusa a Minustah de ter matado pelo menos 63 pessoas e ferido outras 30 quando mais de 300 homens armados invadiram o bairro pobre de Cité Soleil, em Porto Príncipe, na madrugada de 6 de julho. Em nota à imprensa, divulgada no dia 16 de novembro, o Itamaraty negou: “A petição em causa sugere que ‘há um modelo sistemático de assassinatos extra-judiciais e massacres em Porto Príncipe, perpetrados pela Polícia Nacional Haitiana e forças da Minustah sob o comando brasileiro’. Sem prejuízo do exame de acusações específicas, claramente definidas, o governo brasileiro rejeita esta afirmação genérica e assinala que houve, na verdade, uma diminuição sistemática e consistente de assassinatos e massacres e uma melhoria constante do ambiente de segurança geral no Haiti, graças à presença e atuação das forças da ONU.” A guerra das versões apenas reflete o fracasso total da Minustah, que sequer consegue garantir a realiza-

Medina. Esse refugiado colombiano foi preso pela Polícia Federal por ordem do governo da Colômbia e da CIA. Essa prisão é um ato arbitrário e um atentado aos direitos humanos. Perseguido e ameaçado de morte em seu país, padre Medina viu-se obrigado a refugiar-se no Brasil. Refugiados colombianos no estrangeiro têm sido seqüestrados por agentes a serviço dos Estados Unidos. Na Colômbia, trabalhadores têm sido assassinados pelo Exército, ajudado por estadunidenses e paramilitares pagos pelos EUA. Ao se recusarem a abandonar suas terras, os camponeses são torturados e fuzilados, tendo ainda suas casas incendiadas. Jornalistas são proibidos de escrever ou fotografar a violência do ditador narcotraficante Uribe e seus paramilitares. Carlos Ávila G. Brito Itaboraí (RJ)

ERRAMOS O editorial da edição 143 afirma que o relatório que seria apresentado na CPMI da Terra para se contrapor ao relatório do relator da CPMI, deputado João Alfredo, era de autoria do senador Álvaro Dias (PSDB-PR). Na verdade, o autor deste relatório é um outro representante da bancada ruralista: o deputado federal Abelardo Lupion (PFL-PR).

Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815

Os donos da praça Luiz Ricardo Leitão “A praça! A praça é do povo Como o céu é do condor.” (Castro Alves, “Ao povo o poder”) Os colunistas “sociais” de Pindorama deliciaram-se com os ingredientes de conto de fadas que, há poucos dias, pontuaram o casamento de dois filhos da secular burguesia paulistana. Em homenagem a si mesmos, os porta-vozes do grande capital não pouparam espaços para descrever a boda “vip” do ano, cujos noivos eram a filha do empresário José Ermírio de Moraes e um rebento da tradicional família Almeida Prado, ou seja, a nata da elite tupiniquim. O evento talvez não despertasse maior interesse, não fora o cenário escolhido pelas famílias para a realização da cerimônia: a Praça da Sé, em São Paulo, local que já acolheu manifestações históricas do nosso povo e hoje, abandonado pelo poder público, tornou-se o refúgio de centenas de moradores de rua que sobrevivem de recolher, no centro da metrópole, os restos do grande banquete que o capital financeiro patrocina às custas das riquezas desta Pátria amada. De certa forma, a efeméride é um marco da privatização do espaço público no país. Em suma, se já “blindaram” até a política econômica, por que não “blindar” a praça? Já que o movimento popular, fragilizado pelos descaminhos do governo Lula, anda

às turras consigo próprio e não logra mobilizar a sociedade para barrar a “farra do boi” que o latifúndio e os banqueiros (sob as bênçãos do Consenso de Washington) promovem às margens plácidas do Ipiranga, a burguesia dispõe a seu bel-prazer de logradouros que, um dia, simbolizaram para ela uma ameaça concreta de transformação social. Não é para menos: das 15 às 23 horas, a praça foi palco de uma operação de guerra, que contou com um exército de 400 seguranças e manobristas de carro, para demarcar sem maiores sutilezas o espaço reservado à nobreza da área ocupada pela plebe, que, ao contrário do que muitos previam, ao invés de reagir como os imigrantes africanos dos subúrbios parisienses depois que um certo ministro chamou-os de escória, contentou-se em acompanhar à distância, com um misto de revolta e deslumbramento, o desfile das personagens que compunham aquele autêntico conto da carochinha. A julgar pelo relato de uma jornalista da Folha de S.Paulo, somos de fato o mais “cordial” dos povos, como um dia escreveu Gilberto Freyre. No pátio dos milagres da Sé, não havia hostilidades: a senzala até aplaudiu e desejou felicidades à noiva, quando esta subia a escadaria da igreja; e a filha de iaiá, para surpresa de muitos, sorriu e acenou para a massa dos excluídos, que se agrupava na geral, como sempre, porém sem nenhum

cartaz a exibir, nem câmeras de TV para seus 15 segundos de fama. Um pouco antes da meia-noite, hora em que as carruagens viram abóbora, alguém recitou, com sarcasmo, os versos de Castro Alves. Finda a festa da casa-grande, enquanto os Mercedes e BMW partiam com as sinhás e os sinhôs, a praça voltava a ser do povo, vale dizer, de dezenas de menores cujo sono se embala com saquinhos de cola e outros tantos mendigos que comentam o episódio tomando seu trago de cachaça. Ia-se também o abnegado padre Lancelotti, da Pastoral de Rua, que, ironicamente, tampouco pôde entrar na Catedral para assistir à boda; haveria, decerto, algum pastor evangélico buscando arrebanhar para a sua seita as ovelhas perdidas do Senhor. No silêncio da noite, porém, uma pergunta não quis calar: quais são, afinal, os donos da praça? Quais são, enfim, os senhores deste grande mercado chamado Brasil? Será que o céu ainda é do condor, como sonhou o poeta, ou será que apenas as aves de mau agouro irão revoar neste manto azul anil? Luiz Ricardo Leitão é editor, escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-Americana pela Universidade de La Habana, é autor de ¿A dónde va la telenovela brasileña? (Editora Ciencias Sociales, Cuba)

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NACIONAL REFORMA AGRÁRIA

Relatório final criminaliza luta pela terra O

s parlamentares ruralistas da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra conseguiram o que mais queriam: a criminalização dos trabalhadores que lutam por um pedaço de terra para sobreviver. Dia 29 de novembro, a bancada ruralista aprovou, por 12 votos a 1, o relatório paralelo do deputado Abelardo Lupion (PFL-PR) como texto final da comissão, instalada em dezembro de 2003. Antes disso, o relatório do deputado João Alfredo (Psol-CE) – relator da CPMI – foi rejeitado pela CPMI da Terra, por 13 a 8. O documento de Lupion sugere a aprovação de um projeto de lei que considere crime hediondo a ocupação de propriedade privada e pede o enquadramento da ocupação como ato terrorista. Além disso, solicita ao Ministério Público (MP) o indiciamento de José Trevisol e Pedro Christóffoli, ex-diretores da Associação Nacional de Cooperativas Agrícolas (Anca), e Francisco Dal Chiavon, diretor da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (Concrab).

presidente da UDR, Luiz Antônio Nabhan Garcia, e mudanças no Judiciário para a aceleração dos processos referentes à reforma agrária.

PROTESTO

Em protesto contra a manobra dos ruralistas, a senadora Ana Júlia rasga o relatório da CPMI da Terra

O conceito de terrorismo pressupõe ameaça à vida. O relatório só expressa a opinião da bancada ruralista”. O relator da CPMI da Terra, João Alfredo, considera o texto de Lupion um “arremedo de relatório, um retrocesso de cem anos”. Para ele, o relatório vai contra a reforma agrária quando não analisa a situação fundiária brasileira, não traça um diagnóstico dos processos de reforma agrária que se tentou fazer no Brasil, desconhece o trabalho escravo e não cita a violência no campo. “É como se fosse um outro mundo. E é pior ainda do ponto de vista das propostas”, diz. Segundo o relator, a comissão ficou super-representada pela bancada ruralista, que praticamente não participou dos trabalhos. “Quando era para quebrar sigilos das lideranças do MST ou das entidades de trabalhadores, eles se faziam pre-

OUTRO MUNDO “Esse relatório não é referência nem para os integrantes da CPMI. Eles pedem o indiciamento de exdiretores da Anca e um diretor da Concrab, mas não apresenta fatos. Quando os recursos foram desviados? Não têm dados básicos para o pedido. São coisas sem pé nem cabeça”, contesta Elmano de Freitas, advogado das duas entidades, que defende a ocupação de terra como forma legítima de pressionar o governo a fazer a reforma agrária. Em relação à classificação das ocupações como atos terroristas, Freitas é enfático: “Não tem nenhum fundamento legal. Isso é inconstitucional.

sentes. E se fizeram presentes, em peso, agora na votação do relatório. Eles não conheciam o relatório, foram para votar contra e aprovar o relatório deles”, diz.

CRIMINALIZAÇÃO Na opinião de Romário Rossetto, coordenador do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), a CPMI da Terra foi criada com o intuito de criminalizar os movimentos sociais, em particular o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “Nasceu comprometida, irresponsável e anti-ética. Não investigou o que tinha que ser investigado, que é a União Democrática Ruralista (UDR), que assassina trabalhadores rurais, militantes, religiosos”, protesta. De fato, a primeira versão do documento depois aprovado pela CPMI da Terra pedia também o in-

TRABALHO

diciamento de cinco coordenadores nacionais do MST e recomendava a imediata suspensão de repasses de recursos federais para organizações de trabalhadores rurais. No entanto, os senadores Eduardo Suplicy (PTSP) e Heloísa Helena (Psol-AL) articularam a retirada desses pontos do texto final. O relatório de João Alfredo apontava a lentidão no processo de reforma agrária, a concentração fundiária e a impunidade como as principais responsáveis pela violência no campo e fazia 150 recomendações. Entre elas, o cumprimento das metas do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), com o assentamento de 400 mil famílias até 2006, a criação de uma forçatarefa pela Polícia Federal (PF) para investigar as organizações que incentivam e promovem a violência no campo, o indiciamento do

DIREITOS HUMANOS

Marcha cobra valorização do salário mínimo Leonardo Severo de Brasília (DF)

feita em um período pertinente. “O tema salário mínimo mexe com a sociedade, e, portanto estou convencido do acerto em se fazer esta marcha antes da votação do Orçamento da União. Foi, com certeza, o momento mais adequado para fazermos a reivindicação”, avaliou.

PREVIDÊNCIA Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS/ CUT), Irineu Messias, o altíssimo superavit primário praticado pela Fazenda tem provocado um inaceitável contingenciamento de 40% nas verbas do INSS, prejudicado o custeio da Previdência, atrasado a concessão de benefícios

e obrigado milhares de pessoas a dormirem nas intermináveis filas. “Lutamos pela melhoria do serviço público e isso só é possível com uma política de valorização dos servidores”, afirmou Messias. A forte chuva que caiu em Brasília durante todo o dia atrapalhou a concentração em frente à Esplanada dos Ministérios, mas centenas de militantes continuram no local aguardando o término das audiências com os ministros do Trabalho, Luiz Marinho, da Fazenda, Antônio Palocci, da Casa Civil, Dilma Roussef, do Planejamento, Paulo Bernardo, e com Luiz Dulci, da Secretaria-Geral da Presidência da República. (Portal Mundo do Trabalho)

Valter Campanato/ ABR

A 2ª Marcha Nacional em defesa da valorização do salário mínimo reuniu mais de 15 mil trabalhadores em 29 de novembro, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, em uma enérgica manifestação por mudanças na política econômica e pelo desenvolvimento econômico e social do país. O protesto defendeu também a redução da jornada de trabalho e o reajuste da tabela do Imposto de Renda e foi convocado por organizações sindicais, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) e a Força Sindical. O presidente nacional da CUT, João Antonio Felício, avaliou que a marcha representou uma forte injeção de ânimo e ousadia para pressionar o governo e os parlamentares a garantirem os recursos necessários no Orçamento de 2006 para o aumento do salário mínimo. “Se há recursos para o capital financeiro, para pagar os juros mais altos do mundo, temos de garantir o dinheiro para o salário mínimo, que é o mais poderoso instrumento de justiça social e redistribuição de renda no país”, disse Felício, lembrando que “diminuindo o superavit, o Estado brasileiro encontrará as condições para readquirir capacidade de investimento”. Para o presidente da CUT-RS, Quintino Severo, a mobilização foi

Após a rejeição do relatório de João Alfredo e a inclusão na pauta da reunião da CPMI da Terra do texto paralelo, o relator deixou a sala, acompanhado dos deputados Adão Pretto (PT-RS), Luci Choinacki (PT-SC) e da senadora Ana Júlia Carepa (PT-PA). Antes disso, Luci e Ana Júlia rasgaram o relatório de Lupion. “Como uma senadora do Estado do Pará, que presidiu a comissão que acompanhou as investigações sobre o assassinato covarde da irmã Dorothy, e que há dezenas de anos vem acompanhando enterros de trabalhadores rurais, eu não poderia deixar de tomar uma atitude de indignação. E rasgaria de novo”, explica Ana Júlia. “Esse relatório é um incentivo à violência, uma ode à impunidade”. No dia 28 de novembro, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou em Brasília relatório apontando o Pará como o Estado onde há o maior número de assassinatos de trabalhadores rurais em conflitos pela posse da terra. Para o presidente da entidade, dom Tomás Balduíno, a CPMI da Terra não considerou a ineqüidade existente no Brasil na questão agrária e preferiu indiciar os líderes da luta pela reforma agrária. “É mais uma desmoralização da Câmara. Instituição que apodreceu, que não tem mais razão de ser, que é nefasta. Serve a interesses particulares das oligarquias”. O presidente da CPMI da Terra, senador Álvaro Dias (PSDB-PR), comprometeu-se a encaminhar parte das recomendações do relatório rejeitado ao Poder Executivo. (Colaboraram Tatiana Merlino e João Alexandre Peschanski)

Organizado pelas centrais sindicais, protesto de trabalhadores pedem o aumento do salário mínimo e mudança na política econômica

Assassinos da irmã Dorothy vão a julgamento Evanize Sydow e Sabrina Petry do Rio de Janeiro (RJ) Está previsto para os dias 9 e 10 o julgamento de Rayfran das Neves Sales e Clodoaldo Carlos Batista, executores da irmã Dorothy Mae Stang. No processo, o juiz pronunciou os cinco réus – outros três acusados, o intermediário Amair Feijoli da Cunha, o Tato, e os mandantes Regivaldo Pereira Galvão, conhecido como Taradão, e Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, aguardam, presos, julgamento. Os cinco são acusados de homicídio duplamente qualificado, uma vez que o crime foi realizado mediante promessa de pagamento e porque os assassinos impossibilitaram a defesa, ou seja, atiraram em Dorothy por trás e ela estava desarmada. Segundo o advogado de assistência da acusação, Aton Fon Filho, Rayfran e Clodoaldo são réus confessos: “Tato, além de ter confessado, é acusado por Rayfran e Clodoaldo. Bida é acusado por Tato e, indiretamente, por Rayfran e Clodoaldo. Regivaldo é acusado por Tato, ainda que depois este negasse.” Para o advogado, uma das principais dificuldades encontradas ao longo do processo é o corporativismo das instituições. Segundo ele, a magistratura paraense e o Ministério Público trabalham afirmando que não há impunidade no Pará, e o caminho lhes foi facilitado pelo Superior Tribunal de Justiça. “O Poder Judiciário paraense e o Ministério Público continua dando

Carlos Silva/ Imapress/AE

Igor Ojeda da Redação

Valter Campanato/ ABR

Bancada ruralista quer considerar ocupação um ato terrorista e pede indiciamento de lideranças sem-terra

Irmã Dorothy assassinada em fevereiro

força à polícia que, em Anapu, segue aliada aos fazendeiros, que lhes fornecem até carros para prisões de posseiros.” A acusação acredita na condenação dos mandantes do crime, mas reconhece que não dá para ter certeza disso: “Afinal, estamos falando de uma rede de impunidade estabelecida há séculos, e que tem métodos há tanto tempo estabelecidos”, avalia Fon. “Essas separações entre os julgamentos de executores e mandantes; essas acusações seguidas de retratações; essas relações entre Judiciário, Ministério Público, advogados, fazendeiros e políticos; o papel da imprensa, tudo isso tem influência muito grande nas perspectivas”. Mil camponeses devem acampar em frente ao Tribunal de Justiça do Pará para aguardar a decisão. No Dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 10 de dezembro, também será realizado um ato no Estado contra a impunidade e pela justiça no campo.


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Espelho Luta armada Clara Charf, a viúva do ex-deputado e líder político Carlos Marighela, entrou com ação contra a Editora Abril, por ter incluído o nome do exguerrilheiro da ALN no livro Os 10 maiores terroristas do mundo, junto com Bin Laden e Carlos, o Chacal. A sacanagem da Abril é tentar confundir a opção de luta armada para a defesa de um povo – como forma de resistência e de libertação – com ações terroristas inconseqüentes e mercenárias. Mais uma dos Civita. Lentidão deliberada O jornal A Notícia, de Santa Catarina, acaba de ser condenado a pagar uma indenização de R$ 50 mil à filha do presidente Lula, Lurian Cordeiro da Silva, por ter publicado – durante a campanha eleitoral de 2002 – que ela tinha conseguido emprego em autarquia pública devido ao esquema do prefeito municipal de Blumenau, do PT. A notícia, além de mentirosa, foi considerada ofensiva pelo juiz da 4ª Vara Cível de Blumenau. O jornal ainda pode recorrer a instância superior. Desabafo geral Mais de 1.200 pessoas aplaudiram de pé o ator Toni Tornado, de 74 anos, que ao agradecer o Troféu Raça Negra, recebido dia 20 de novembro, em São Paulo, quase chorou ao pronunciar a seguinte frase: “Vocês não têm idéia do que é ser negro trabalhando naquele lugar”. Ele se referia à TV Globo, onde tem participado de novelas geralmente com papéis de mordomo, escravo, lixeiro e coisas do tipo. É o Brasil sem preconceito! Artilharia amiga Na edição da última semana, a revista Carta Capital, muito mais simpática ao governo federal do que as demais revistas semanais empresariais, abriu as baterias contra os inimigos do PT no Congresso Nacional e publicou denúncias de corrupção que envolvem o presidente do Conselho de Ética, deputado Ricardo Izar (PTBSP), e o clã de ACM na Bahia. Resta saber se a revista terá fôlego para sustentar esse tipo de material. Estágio tabagista O jornal Folha de S. Paulo, que arrogantemente vive ditando regras de comportamento para a sociedade brasileira, admite que o curso de treinamento dado pela empresa é patrocinado pela transnacional Phillips Morris, uma das maiores “vendedoras de câncer” do mundo. A indústria de cigarros não apenas patrocina o curso, como também promove roteiros turísticos com os futuros jornalistas às suas fábricas. Tudo muito politicamente correto! Elite incomodada Em editorial do dia 28 de novembro, o jornal O Estado de S. Paulo voltou a criticar a política internacional brasileira e a relação do governo Lula com os governos de Hugo Chávez, da Venezuela, e de Néstor Kirchner, da Argentina. O jornal não se conforma que a Venezuela venha a fazer parte do Mercosul. A posição do Estadão combina com a visão da elite rica que gosta de se subordinar aos interesses das transnacionais e do imperialismo. O incrível é que essa elite não muda nunca! TV digital O ministro das Comunicações, Hélio Costa, também conhecido como ministro da TV Globo, está fazendo um verdadeiro leilão para definir qual o sistema de TV digital será adotado pelo Brasil a partir de 2006. Cientistas, técnicos, estudiosos e empresários brasileiros já disseram que o país tem conhecimento tecnológico suficiente para produzir um padrão próprio, sem dependência do exterior, mas o ministro continua falando em sistema japonês. Quais são os interesses em jogo? Bicada tucana O jornal Agora, filhote do Grupo Folha, adota há algum tempo um método bastante democrático de selecionar cartas de leitores para publicar: a direção censura todas que contenham críticas aos governos municipal e estadual do PSDB. Os jornalistas contam histórias também de reportagens que foram “derrubadas” por ordem de José Serra e de Geraldo Alckmin. Como se pode ver, a fina flor da democracia não aceita nem crítica de jornal empresarial.

Rolo compressor entra em ação Ministério da Ciência e Tecnologia corre para formar comissão responsável pela liberação Luís Brasilino da Redação

tuição Federal, obriga a realização de tal procedimento para qualquer atividade com potencial de causar degradação ao meio ambiente. O mesmo artigo, no seu inciso V, reconhece que os OGMs representam este risco.

A

Lei de Biossegurança foi regulamentada no dia 22 de novembro, depois de oito meses de queda de braço dentro da Casa Civil. Insatisfeito com essa demora, que paralisou a liberação de transgênicos, o lobby das transnacionais de biotecnologia pressiona agora pela rapidez no processo de formação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). A entidade, entre outras atribuições, é responsável pela liberação comercial de produtos geneticamente modificados (OGMs) no Brasil. Mas a constituição da Comissão está em andamento. Segundo a assessoria de imprensa do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), a lista dos cientistas indicados para a CTNBio está pronta, com 140 pesquisadores. A explicação para isso é que a indicação dos nomes estava sendo feita paralelamente à regulamentação da lei. Outra prova da pressa do MCT é a portaria publicada no dia 23 de novembro, que estabelece a composição da comissão interna que escolherá, dentre os 140, os doze cientistas que vão integrar a CTNBio. Estes doze são muito importantes, pois são quase a metade dos 27 integrantes da CTNBio. A comissão interna que vai escolher os doze cientistas é formada também por doze pessoas. Segundo Gabriel Fernandes, da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), cinco daquelas doze são ex-integrantes da CTNBio que, na sua versão antiga, comportava-se como um órgão de promoção da biotecnologia. A Associação Nacional de Biossegurança e o Conselho de Informações sobre Biotecnologia também conseguiram, cada um, colocar um representante na comissão interna. Estas entidades têm entre os associados transnacionais como Cargill, Monsanto e

SUPERPODERES

Produtores de transgênicos pressionam para garantir representantes na CTNBio

Syngenta; além dos ruralistas da Sociedade Rural Brasileira. A comissão dos doze vai se reunir pela primeira vez no dia 13, e tem 30 dias para elaborar uma lista tríplice a partir dos 140 nomes listados. A partir dela, Sergio Machado Rezende, titular do MCT, vai escolher os doze cientistas que farão parte da CTNBio.

dade, isso é o mínimo que poderíamos esperar”, pondera Fernandes. Para ele, o ideal seria a exigência de consenso. Entretanto, destaca que uma lei ruim não poderia ter um decreto bom. Desde 21 de junho, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) movida pelo então procurador geral da República, Cláudio Lemos Fonteles tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). A ação fundamenta-se em dois pontos. Primeiro, que a Lei de Biossegurança concede à CTNBio o poder de dispensar estudo prévio de impacto ambiental, enquanto o artigo 225, inciso IV, da Consti-

PEQUENAS CONQUISTAS Apesar de tudo, a regulamentação da Lei de Biossegurança tem aspectos positivos. O principal é a exigência do voto de dois terços dos membros da CTNBio para liberar comercialmente os OGMs. “Na ver-

Assentamento ganha biodigestor de energia

TRANSPOSIÇÃO

Governo não explica presença de militares O governo ainda não sabe explicar o que um destacamento do 3º Batalhão de Engenharia e Construção (BEC) do Piauí faz na região de captação das águas do canal leste da transposição do Rio São Franscisco, entre as cidades de Petrolândia e Floresta (PE). A denúncia de que o Exército estaria fazendo o levantamento topográfico para o início da obra e, portanto, descumprindo decisão judicial e acordo firmado em outubro entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o frei Luiz Flávio Cappio, bispo da diocese da Barra (BA), foi divulgada, com exclusividade, na edição 143 do Brasil de Fato.

NEGATIVAS Na ocasião, a Secretaria de Relações Institucionais (SRI) informou que os militares, apesar de terem sido deslocados para lá com aquela finalidade, tinham suspendido os trabalhos logo que foi selado o acordo com o religioso. A SRI disse que as atividades dos militares, agora, seriam destinadas a alguma “outra coisa”, mas sem precisar o quê. Essa versão foi mantida pela assessoria de imprensa da SRI no dia 28 de novembro. Procurado pela reportagem no dia 29 de novembro, Egídio Serpa, assessor especial do ministro Ciro Gomes (Integração Nacional, o

Dirceu Pelegrino Vieira de Chapecó (SC)

empreendedor da obra) e um dos principais defensores do projeto, afirmou que o Exército não se encontra na região de captação das águas do Eixo Leste da transposição. “(Pelas determinações judiciais que existem) O Exército só estaria fazendo isso se fosse louco”, garantiu Serpa.

Com cinco anos de existência, o assentamento Sepé Tiaraju, no município de Campos Novos (SC), se destaca pela produção agroecológica. Dia 26 de novembro, os assentados deram mais um passo para a melhoria de suas condições de vida, inaugurando um biodigestor de energia. Com o tratamento dos dejetos de suínos, será produzido o biogás que permitirá a substituição de 23 chuveiros elétricos, por meio de um aquecedor comunitário, que será aquecido pelo biogás de forma automática. A nova tecnologia permitirá ainda o aquecimento dos fogões em todas as casas, substituindo o gás de petróleo. O projeto do biodigestor é fruto de uma parceria entre os assentados, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Eletrosul.

FOTOS E DEPOIMENTO Luciana Khoury, promotora de Justiça da Bahia e coordenadora do Projeto de Defesa do São Francisco da Bahia, informa que vai enviar ao Supremo Tribunal Federal (STF) as fotos do 3º BEC trabalhando em Petrolândia. Mandará também o depoimento de Alzení Tomáz, do Conselho Pastoral dos Pescadores, confirmando que ouviu dos militares a admissão de que estavam trabalhando pela transposição. A intenção é cobrar do ministro Sepúlveda Pertence, responsável pelas ações que paralisam a obra, uma atuação para fazer cumprir as determinações legais. Para Luciana, o governo não ouve as críticas. “Mesmo com relação às ações judiciais, a única preocupação é vencê-las no julgamento de mérito. O governo não faz qualquer esforço para se adequar ao que elas pedem. precisa um juiz vir e obrigá-los a adotar as medidas”, protesta. (LB)

Outra inconstitucionalidade são os superpoderes dados à CTNBio, retirando dos respectivos ministérios a responsabilidade de averiguar os riscos de transgênicos para a saúde e o meio ambiente. A expectativa é que a regulamentação acelere o andamento da Adin, uma vez que nenhum ministro do STF se pronunciou a esse respeito até hoje. Mas ainda há espaço para disputa dentro da CTNBio. Os defensores da precaução e da soberania alimentar vão contar com pelo menos nove membros. São os cinco representantes da sociedade civil, e os quatro dos ministérios do Meio Ambiente, Saúde, Desenvolvimento Agrário e Pesca. Como a liberação comercial precisa de 18 votos (dois terços de 27), a resistência aos transgênicos só precisa mais um (totalizando dez) para impedi-la. “São as entidades e movimentos sociais que vão indicar os representantes da sociedade civil. Por isso, precisamos de mobilização e troca de informações para fazermos as indicações o quanto antes”, alerta Fernandes. Outro aspecto positivo da regulamentação é que cada integrante da CTNBio será obrigado a assinar uma declaração de conduta, nomeando os projetos com os quais está envolvidos e que podem representar conflito de interesse. Mesmo nesse caso, no entanto, ele poderá compor a comissão. Mas não poderá votar nas questões diretamente vinculadas à sua área de pesquisa. Por exemplo, um pesquisador de milho transgênico tem a permissão de se posicionar em relação a liberação comercial de algodão, mas não à do milho.

Durante a inauguração, as crianças do assentamento fizeram uma apresentação de teatro e música, contando a história de luta das famílias até a conquista da terra. Com a conquista do biodigestor de energia, será possível dar continuidade ao projeto de agroecologia, qualificando a relação das pessoas que vivem no assentamento com a natureza, garantido economia e proteção ao ambiente. Santiago Ibarra, representante da Geter, empresa que produz a tecnologia do biodigestor de energia, falou que os profissionais da empresa se surpreenderam com os assentados: “A grande surpresa que encontramos foi perceber que tínhamos uma visão distorcida do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Aqui no assentamento encontramos pessoas organizadas e muito trabalhadoras, nos deixando a certeza de que qualquer sistema implantado vai ter sucesso”.

Dirceu P. Vieira

Da Redação

TRANSGÊNICOS

Agência Brasil

da mídia

NACIONAL

Nova tecnologia permitirá melhorias na qualidade de vida dos assentados


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NACIONAL LUTA UNITÁRIA

Marcha dos Sem chega à décima edição O

Rio Grande do Sul teve uma semana de mobilizações de sindicatos, partidos de esquerda e movimentos sociais, que culminaram com a 10ª edição da Marcha dos Sem, dia 26 de novembro, e que reuniu milhares de pessoas em Porto Alegre. Criada em 1996, a Marcha nasceu com a radicalização da política de privatizações do ex-governador Antônio Britto, então no PMDB. Na véspera da Marcha, o Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD) e o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), com o apoio do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ocuparam o prédio das secretarias do governo gaúcho, exigindo a implementação de frentes de trabalho e a construção de moradias. “Já está se tornando uma tradição os movimentos sociais realizarem ações antes e depois da Marcha dos Sem. Além de um ato de protesto, a Marcha é também espaço de aglutinação e de estímulo às lutas”, diz Mauro Cruz, da coordenação do MTD. Após a Marcha, a Via Campesina realizou um protesto no Ministério da Agricultura, contra a entrada ilegal de milho transgênico no Estado, e os trabalhadores urbanos ocuparam um prédio abandonado no centro da cidade.

PAUTAS GERAIS O caráter aglutinador da Marcha foi evidenciado nas suas quatro colunas que, com pautas específicas, partiram de pontos diferentes da capital gaúcha para se encontrar em frente ao Palácio Piratini, sede do governo estadual. Os trabalhadores rurais e urbanos pautaram o acesso à terra, moradia e trabalho. Estudantes e os professores defenderam a educação pública e criticaram o desmonte da universidade estadual. Os sindicalistas reivindicaram mudanças na política econômica, valorização do salário mínimo e redução da jornada de trabalho. A quarta coluna pediu investimentos em segurança, saúde e educação. “O sucesso desta edição da Marcha nos estimula para a próxima e outras marchas, sempre com unidade e responsabilidade”, afir-

Fotos: Daniel Cassol

Daniel Cassol de Porto Alegre (RS)

Renato Rabino

Reivindicações específicas e gerais uniram trabalhadores rurais e urbanos, sindicalistas, professores e estudantes

Em manifestação pelas ruas de Porto Alegre, trabalhadores rurais e urbanos reivindicam trabalho, moradia e reforma agrária

mou Quintino Severo, presidente estadual da CUT. PSol e o PSTU não participaram oficialmente da Marcha dos Sem.

vas frentes emergenciais do trabalho, além de mudanças na política econômica do governo federal e desburocratização dos programas da Caixa Econômica Federal.

LUTA CONJUNTA Para Mauro Cruz, a participação dos movimentos sociais têm aumentado. “Percebemos que há um grande potencial na Marcha. Poderíamos ter mobilizado ainda mais gente se tivéssemos mais recursos e condições. Há vontade de lutar e a Marcha mostra isso. Também achamos que estamos com mais força, e podemos organizar ações mais radicais”, afirmou. Dia 25 de novembro, cerca de 300 trabalhadores do MTD e do MNLM, com o apoio do MST, ocuparam a entrada do Centro Administrativo, onde funciona a maioria das secretarias do governo gaúcho. A luta é pela construção de dez mil moradias pelo governo estadual em 2006 e pela criação de dez mil no-

ORÇAMENTO Os movimentos também questionaram o orçamento do Estado para 2006, votado durante a semana. O de 2005 destinava R$ 10 milhões para frentes de trabalho, mas menos da metade foi gasto. Para moradia, foram direcionados menos de 5% do orçamento. “Se faz um orçamento fictício e as demandas do povo não são atendidas. Queremos que o governo Rigotto cumpra sua palavra”, afirma Mauro Cruz. O MTD e o MNLM tiveram audiência com os secretários do Trabalho, Edir Oliveira, e o da Habitação, Alceu Moreira. Na avaliação de Cruz, os movimentos urbanos estão avançando, ao

conseguir realizar lutas conjuntas e com pautas mais amplas do que reivindicações pontuais. “Esta luta conjunta do MTD e do MNLM demonstrou muita força e conseguimos pressionar o Estado, denunciando o corte de verbas e os espaços vazios nos centros urbanos que poderiam ser usados para a moradia. Isto nos dá a vontade de seguir unificando as lutas e pensar coletivamente as estratégias de ocupação”, diz.

TRANSGÊNICOS A denúncia de contrabando de milho transgênico no Rio Grande do Sul, noticiada em primeira mão pelo Brasil de Fato, levou cerca de 300 trabalhadores da Via Campesina a protestar na delegacia do Ministério da Agricultura, em Porto Alegre, contra a entrada ilegal do produto no Estado. Os manifestantes foram recebidos pelo delegado regional do MAPA, Francisco Sig-

nor, que justificou a falta de ação do ministério em razão da greve dos fiscais agropecuários e da falta de informações sobre as denúncias, apesar da existência de gravações e laudo comprobatórios. “Ficou claro, mais uma vez, que o Ministério da Agricultura tem uma postura dúbia na hora de enfrentar uma situação ilegal. O delegado disse que só agora vai visitar a região onde foi constatada a venda de milho transgênico. É uma medida muito tímida”, avaliou Flávio Vivian, da direção do Movimento dos Pequenos Agricultores. O delegado do MAPA afirmou que vai encaminhar a denúncia ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal. “Vamos tentar verificar alguma lavoura, ou quem comercializa e trafica, para enquadrar esses indivíduos nos rigores da lei”, prometeu. (Colaboraram João dos Santos e Silva, Kátia Marko, Miguel Stédile e Renato Rabino)

SEMINÁRIO

Um debate criativo sobre pobreza e desigualdade Igor Ojeda do Rio de Janeiro (RJ) As causas da pobreza no mundo, os fatores que geram concentração de renda e desigualdade, e as alternativas para a superação desses problemas foram debatidos por diversos especialistas durante o seminário “Diálogos sobre pobreza e desigualdades”, realizado nos dias 23 e 24 de novembro, no Rio de Janeiro. Na abertura do evento, promovido pela ActionAid, organização não-governamental (ONG) que atua na área, Adriano Campolina, diretor da ActionAid Américas, afirmou que a discussão sobre a pobreza e a desigualdade está cada vez mais relegada ao segundo plano. “Discute-se quanto será o superavit primário, mas não qual sua implicação nas políticas públicas de erradicação da pobreza”, disse.

NÃO É SÓ RENDA O primeiro painel, “Atualização do debate sobre pobreza e desigualdades”, abordou a forma equivocada como a pobreza é discutida pela sociedade. Na opinião da economista Lena Lavinas,

da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a pobreza é debatida como uma questão isolada. “A gente olha os pobres, sem olhar a questão da redistribuição”, afirmou. Plínio Pereira, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), questiona o fato de a pobreza ser tratada apenas como deficiência de renda. Para ele, na verdade, ela significa um conjunto de privações, como a falta de participação na tomada de decisões, a desigualdade de gêneros e o acesso à saúde e à educação. “Devemos tratar a pobreza por sua face multidimensional”, concluiu.

RUPTURA No painel “Poder, enriquecimento e empobrecimento”, os participantes avaliaram os processos econômicos, políticos, históricos e estruturais que geram a concentração de renda e a desigualdade. Marcio Pochmann, do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp), alertou que só houve avanços sociais em países onde aconteceram revoluções. Na opinião de Pochmann, mesmo nos movimentos liderados pela

burguesia ocorreram as rupturas necessária para tais avanços. “No Brasil, não tivemos revoluções. Em 1930 e o fim do regime militar foram transições negociadas, de cima para baixo. Não aconteceu revolução burguesa, muito menos socialista”, analisa. Asssim, o país não fez reforma agrária, reforma tributária, nem universalizou os serviços públicos. O coordenador-executivo da ActionAid Brasil, Jorge Romano, alertou para a importância de refletir sobre os processos de empobrecimento. Do contrário, “as respostas não são adequadas”, observa. Por exemplo: se a linha de pobreza é de R$ 100, se uma pessoa que ganha R$ 99 passa a ganhar R$ 101, deixa de ser pobre, ilustrou.

CRÍTICAS A grande polêmica ocorreu no painel “Ações contra a pobreza e as desigualdades”, no qual participaram dois representantes do governo: Wilson Dias, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e Adriana Aranha, do Ministério do Desenvolvimento Social. Eles relataram as ações do governo Luiz Inácio Lula da Silva

em suas respectivas áreas e foram criticados pela lentidão e ineficiência das medidas tomadas e por seu suposto caráter assistencialista. Adriana argumentou que o Estado estava desmontado depois das duas gestões do PSDB e defendeu o governo Lula afirmando que houve uma mudança de paradigma na questão da pobreza, porque as políticas sociais passaram a ser tratadas como um direito e não mais como compensação.

LIVRE-COMÉRCIO Durante sua explanação, Marcelo Resende, da organização Land Research Action Network, analisou o modelo venezuelano de reforma agrária. Elogiou a nova Lei de Terras, o desenvolvimento endógeno promovido pelo presidente Hugo Chávez e o valor simbólico da declaração de guerra do presidente contra o latifúndio. “Na Venezuela, as terras distribuídas continuam sendo públicas e do Estado, diferentemente da visão do Banco Mundial, que promove a titulação para criar um mercado de terras”, alertou. O último painel, “Atores e processos: dívida, livre-comércio,

privatização e abuso corporativo”, debateu como os tratados de livrecomércio (TLCs) contribuem decisivamente para a concentração de renda e o empobrecimento, ao incentivar o modelo exportador e a diminuição dos serviços públicos. “Um TLC é um pacote de regulações para criar condições para instituir o livre-mercado. Com ele, não pode haver intervenção do Estado, o que gera um cenário propício às privatizações”, afirmou Gonzalo Berrón, coordenador da Aliança Social Continental. Para Adhemar Mineiro, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) e da Rede Brasileira pela Integração dos Povos, o modelo exportador, privilegiado pelos TLCs, nunca foi includente, pois fomenta a especialização de produtos da pauta de exportações. “Isso reproduz o sistema de concentração de terras”, declarou. Na opinião de Adriano Campolina, o comércio não pode ser discutido apenas como aumento do fluxo comercial. “Devemos condicioná-lo a um projeto de desenvolvimento”, argumentou.


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NACIONAL DIREITOS HUMANOS

OEA investiga tortura na Febem

Notícias internacionais O Brasil já é o país com maior número de imigrantes barrados na Inglaterra. Eles querem entrar, mas o primeiro mundo não deixa, manda todos de volta. Já no México, 12 brasileiros foram presos recentemente com passaportes falsos. Todos se preparavam para a aventura de tentar entrar nos Estados Unidos de forma clandestina. Milhares tentam o mesmo, todo mês. Ou seja, o desespero dos brasileiros está aumentando rapidamente. Por que será? Ócio informático Os fanáticos pelas novidades tecnológicas e informáticas em geral comemoraram a notícia de que o Brasil é o país com maior tempo de participação no Orkut (relacionamentos pessoais) e no MSN (grupo de mensagens instantâneas) no mundo. Esqueceram de considerar o alto índice de desemprego existente no país e a falta de atividades sociais, culturais e educacionais – especialmente para os jovens de 15 a 25 anos. Está explicado! Feitiço invertido A situação do governo Lula e do PT anda tão complicada que a cassação do mandato do deputado José Dirceu, ex-dirigente partidário e ex-ministro, interessa mais ao governo Lula do que à oposição conservadora. Enquanto Dirceu não for cassado, o governo e o PT são alvos diretos de todo o desgaste político. Se ele for cassado logo, o governo Lula e o PT se livram do desgaste político. Responda rápido: a quem interessa cassar José Dirceu ainda este ano? Desgaste contínuo A pesquisa bimestral do Instituto Sensus, sobre a situação do governo e do presidente da República, constatou que a avaliação negativa continua em crescimento – desde que surgiram as primeiras denúncias contra os Correios e o PT, em junho passado. Já o índice de aprovação ao desempenho pessoal de Lula, que era de 50% em setembro, caiu para 46,7%, e é o mais baixo registrado desde a posse, em janeiro de 2003. Jogatina perigosa Além de ser iludido com bingos e loterias, ser estimulado a especular com títulos e na bolsa de valores, ser extorquido pelos juros dos bancos, o cidadão brasileiro tem sido golpeado sistematicamente por grupos empresariais que atuam impunemente na sociedade: depois da aventura do boi gordo, muita gente foi lesada no golpe das fazendas de avestruz. E nunca acontece nada com os golpistas. Repressão popular O Tribunal de Justiça do Distrito Federal condenou a rede Carrefour de supermercados a pagar uma indenização de R$ 5 mil a uma consumidora acusada de furtar uma barra de cereal em uma das lojas da rede. Ficou provado que a barra de cereal encontrada na bolsa da cliente – depois de ter sido abordada pelo segurança, acusada de furto e levada para a delegacia – não era vendida naquele supermercado. A Justiça entendeu que a cliente sofrera constrangimentos e danos morais. Direitos Humanos A Rede Social de Justiça e Direitos Humanos divulga, todo ano, um balanço sobre a violação dos direitos humanos no Brasil. Este ano, o relatório será lançado dia 6, às 11 horas, na sede da Ação Educativa, em São Paulo, e às 17h30, no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, em ambos com entrevista coletiva para a imprensa nacional e internacional. A Rede Social é uma entidade com credibilidade internacional. Projeto nacional Empresários do setor industrial, liderados pela Fiesp, lançaram dia 28 de novembro um manifesto em defesa do desenvolvimento, em especial dos setores produtivos. Eles cobraram o compromisso feito por Lula ainda na campanha eleitoral, mas o modelo econômico continua favorecendo o setor financeiro: só os bancos privados nacionais tiveram, em 2004, um lucro de R$12,5 bilhões, equivalente a uma rentabilidade de 21,9% sobre o patrimônio. Concentração é apelido.

Tatiana Merlino da Redação

E

m uma resolução inédita, uma acusação de maus-tratos e espancamento de internos da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) de São Paulo vai ser submetida à Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). “Até que enfim o mundo vai ver como o Estado brasileiro trata as suas crianças”, desabafa Conceição Paganele, presidente da Associação das Mães de Internos da Febem (Amar). Segundo ela, com essa visibilidade externa, as entidades de defesa de direitos da criança ganham mais espaço para negociação. “Vamos fazer justiça contra o Estado e a Febem, responsáveis por tantas mortes”, diz Conceição. Na história do Brasil, apenas outros três casos graves de violência chegaram à Corte, instância jurídica mais alta no sistema interamericano de defesa de direitos humanos. O envio do caso à Corte da OEA é o resultado de um processo iniciado em 2004. Em abril daquele ano, o Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (Cejil) e a Comissão Teotônio Vilela encaminharam à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA um pedido de medidas cautelares – ações de emergência para garantir o direito imediato – em favor de internos do complexo Tatuapé, na zona leste de São Paulo. De acordo com as entidades, os jovens da fundação, administrada pelo governo Geraldo Alckmin, eram torturados e submetidos a maus-tratos. Em dezembro de 2004, a Comissão Interamericana da OEA concedeu a cautelar e cobrou do governo brasileiro providências para garantir a integridade e a vida dos internos, investigação e punição dos responsáveis por torturas, além de fiscalização do complexo por parte de organizações de defesa da criança e do adolescente.

Arquivo Brasil de Fato

Corte tem poder para impor sanções econômicas e políticas ao país

Hamilton Octavio de Souza

Organizações de direitos humanos e familiares de internos da Febem denunciam perseguição por parte do governo paulista

piorou muito em 2005, na opinião de Rita Lemy Freund, advogada do Cejil. Rita aponta a demissão de 1.751 funcionários, em fevereiro, feita de “maneira irresponsável, porque foram todos mandados embora ao mesmo tempo”. Outro problema é a contratação, para lidar com jovens, de funcionários oriundos do sistema penitenciário. Em visita ao complexo Tatuapé, Rita confirmou, ao observar marcas de violência nos corpos dos internos, novas denúncias de tortura. Desde outubro, a Febem passou a impedir a entrada de organizações da sociedade civil nas unidades. As organizações brasileiras voltaram a mandar relatórios à OEA, apontando o agravamento da situação. Em um desses relatos, foram informadas quatro mortes: um interno caiu do telhado durante um motim, outro foi espancado por outros internos, o corpo do terceiro foi encontrado em um matagal após uma suposta fuga e o último morreu de Aids, depois de ser transferido para um presídio em Tupi Paulista, no interior. No dia 21 de outubro, em Washington, o Cejil, a Amar, a ONG Conectas e o governo paulista par-

SITUAÇÃO PIORA No entanto, além do Estado de São Paulo não cumprir as medidas cautelares, a situação da Febem

ticiparam de uma reunião na OEA. O governo sustentou que os problemas tinham sido solucionados. A comissão interamericana não concordou e encaminhou o caso, que foi acolhido pela Corte dia 17.

as medidas provisórias concedidas pela Corte determinam que o Estado tome providências urgentes para proteger a vida e a integridade pessoal de todos os adolescentes da unidade Tatuapé.

FEBEM NEGA

REBELIÕES E ACUSAÇÕES

Por meio de sua assessoria, a Febem negou a continuidade da prática de tortura e maus-tratos nas unidades e afirmou não entender por que a OEA não levou em consideração os argumentos do governo paulista. Segundo a fundação, o governo respondeu todos os quesitos formulados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em relação às denúncias de espancamentos. Para a advogada do Cejil, com a decisão da Corte, a situação dos internos da Fundação “vai ter que melhorar”, uma vez que a instituição tem “poder de determinar medidas e impor sanções econômicas e políticas ao país que não seguir suas decisões”. Até o fechamento desta edição, dia 29 de novembro, estava sendo realizada a primeira audiência com a Corte, representantes das entidades e do Estado brasileiro. Por enquanto,

Enquanto a violência na Febem é discutida na OEA, as rebeliões continuam na unidade Tatuapé. Dia 22 de novembro, a maior rebelião do ano, até então, terminou com 55 feridos. A presidente da Febem, Berenice Maria Gianella, há cinco meses à frente da instituição, acusou a presidente da Amar, Conceição Paganele, de ter incitado a rebelião – Conceição visitou o complexo na manhã do dia 22 de novembro, junto com o Coordenador Estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves. Os dois também foram acusados pelo governador Geraldo Alckmin de “criar problemas” e “trabalhar contra o governo”. “Essa declarações são graves e nos preocupam muito”, afirma Rita, advogada do Cejil. Conceição acredita estar sendo perseguida pelo governo estadual que considera “violento e truculento”.

Repressão tem novos alvos no centro de SP A limpeza social promovida pela Prefeitura de São Paulo no centro da cidade continua, mas, agora, além de moradores e meninos em situação de rua, os novos alvos são os educadores sociais. Um dos casos mais preocupantes ocorreu dia 7 de novembro. Três educadores do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca-Sé) foram ao Vale do Anhangabaú no que seria um típico dia de trabalho, caso não fossem violentamente abordados por policiais da Força Tática. Um deles, identificado pelos educadores como sargento Aranda, obrigou dois dos jovens a deitar no chão. Um teve a arma apontada para sua cabeça e o outro levou chutes. Ambos pediram calma, e tentaram se identificar. A resposta foi dada em palavrões. Depois de ofensas e ameaças de “que se tivessem passagem pela polícia, o bicho ia pegar”, os educadores apresentaram os documentos de identificação. Antes de mostrar seu crachá, Renata Rodrigues de Lima foi ameaçada de ser detida por “corrupção de menores e tráfico de cola de sapateiro”. Os adolescentes que estavam na região foram colocados em camburões e viaturas e retirados do local. Para a coordenadora do Cedeca-Sé, Mônica Silva do Nascimento, o caso faz parte de uma ação higienista da prefeitura, que, se não

Luciney Martins/ BL 45Imagem

Fatos em foco

Educadores sociais que atuam no centro de São Paulo são vítimas da violência

for denunciada, “pode se espalhar por outras partes da cidade”.

OPERAÇÃO LIMPA Em março, a intervenção no centro de São Paulo, denominada pela prefeitura “Operação Limpa” – na região da Avenida São João, da Rua Vitória e imediações da Praça da República – fechou hotéis e bares, prendeu estrangeiros, prostitutas e meninos em situação de rua. Foi uma ação conjunta das polícias Civil e Militar, da subprefeitura da Sé, da Secretaria Municipal da Habitação e Desenvolvimento Urbano, da Guarda Civil Metropolitana, da Companhia de Engenharia de Tráfego, da Secretaria Municipal de Desenvolvimento de Ação Social, da Se-

cretaria Municipal da Saúde e da Vara da Infância e da Juventude. A “Operação Limpa na Cracolândia” – área do bairro da Luz que ficou conhecida como ponto de venda e uso de drogas – e as reintegrações de posse feitas no mês passado em prédios na região central da capital empurraram mais crianças de rua para a área do Vale do Anhangabaú, um dos locais atendidos pelos educadores do Cedeca.

INQUÉRITO Dia 16 de novembro, a advogada do Cedeca-Sé, Alexandra Santos, pediu a instauração de inquérito no terceiro distrito policial de São Paulo, sob acusação de violência arbitrária e abuso de autoridade: “Não são só os educadores do Cedeca que

foram vítimas de ações violentas. Outras entidades da cidade também estão sofrendo violações de direitos humanos”. Organizações que integram o Fórum Metropolitano de Educadores de Rua também estão sendo vítimas de intimidações por parte da polícia, mas, por receio, pedem para não ser identificadas. “Vamos elaborar um documento conjunto, para mostrar que o que houve conosco não foi um fato isolado, mas é parte de uma política”, diz Mônica Silva do Nascimento, coordenadora do Cedeca-Sé. A violência contra os educadores foi denunciada pelo vereador Paulo Teixeira, na Câmara Municipal de São Paulo, dia 23 de novembro. O deputado estadual Simão Pedro também leu um manifesto do Fórum Metropolitano de Educadores de Rua na Assembléia Legislativa, repudiando a ação da polícia e, encaminhou, dia 25 de novembro, o caso para a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia e para a Ouvidoria de Polícia do Estado São Paulo. “Criticamos a omissão da Secretaria de Segurança Pública, mas há indícios de uma ligação com a operação limpeza promovida pelo subprefeito da Sé, Andréa Matarazzo, que quer expulsar a pobreza do centro da cidade”, afirma o deputado petista. Procurado pela reportagem do Brasil de Fato, o subprefeito da Sé não quis dar entrevista. (TM)


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De 1º a 7 de dezembro de 2005

NACIONAL EMPREGO & RENDA

Trabalhador perde R$ 267 milhões Mercado de trabalho continua estagnado pelo quinto mês consecutivo, enquanto a renda sofre queda de 1,4% Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)

SEM MUDANÇAS

EM MARCHA LENTA

(Taxa de desemprego mensal, em %) 10,5

10,6

10,6

10,8 10,8

10,2

10,2

19.834

19.765

19.750

19.816

19.500 19.666 9,6

9,6 9,4

9,4

9,6

19.430

19.250

9,4

19.000

Out

Nov Dez 2004

Jan

Fev

Mar Abr

Mai Jun 2005

Jul

Ago

Set

Out

Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out 2004 2005

Fonte: IBGE

Fonte: IBGE

SALÁRIOS EM BAIXA

(Rendimento real médio, valores em R$) 1.000 979,89

980 966,62 960

966,10

940 949,24 920

932,38

935,53

900

Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out 2004 2005 Fonte: IBGE

Num cálculo que toma como base os dados apurados nas regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, em outubro, o total de pessoas ocupadas atingiu 20,081 milhões, praticamente o mesmo número de setembro (20,072 milhões). O salário ou rendimento médio de cada uma daquelas pessoas, no entanto, sofreu baixa de 1,4% entre um mês e outro, depois de descontada a inflação de outubro. Em valores absolutos, o rendimento médio reduziu-se de R$ 979,83 para R$ 966,10 – o que significa dizer que a massa de rendimentos declinou de R$ 19,667 bilhões para pouco mais de R$ 19,400 bilhões, indicando uma perda real para os

trabalhadores equivalente a R$ 266,9 milhões, aproximadamente. Essa perda poderá ser recuperada em novembro e dezembro, quando os trabalhadores recebem o 13º salário, mas prenuncia uma tendência preocupante para o final do ano, encurtando as chances de um Natal tão bom como o esperado pelo comércio. Mais do que isto, o comportamento recente da economia, num reflexo dos juros altos e do corte de investimentos públicos, parece indicar que o mercado de trabalho teria pouco fôlego para retomar o ritmo verificado entre a segunda metade de 2004 e os primeiros meses deste ano.

Um estudo preparado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) mostra por que a economia continua enfrentando surtos de crescimento temporários, seguidos de desaceleração e mesmo queda da atividade econômica. Utilizando médias anuais, o trabalho aponta que a renda real (já descontada a inflação) média das pessoas ocupadas na região metropolitana de São Paulo despencou de R$ 1.515 no acumulado entre setembro de 1994 e agosto de 1995, para R$ 1.048 no período entre setembro de 2004 e agosto deste ano. Um tombo da ordem de 31%. Mas o rendimento médio do paulistano chegou a atingir R$ 1.565 entre setembro de 1996 e agosto de 1997. Nesta comparação, a queda chegou a 33%. Houve um achatamento geral da renda no período, com perdas maiores para os rendimentos mais elevados, o que encurtou a distância entre os salários maiores e os mais baixos na região. Na faixa superior, o rendimento dos 10% mais ricos sofreu perdas de 38,6% desde agosto de 1995 (de 1997 para cá, a queda foi de 42,1%). Os 10% mais pobres perderam 17,2% a partir de 1995. A renda média dos 10% mais pobres, que representava apenas 7,39% da renda dos 10% mais ricos, passou a corresponder a 9,96%. A menor perda para os 10% mais pobres deve-se, principalmente, ao aumento real do salário mínimo (mais 39% entre agosto de 1995 e agosto de 2005). (LVF)

20.081

20.000

RENDA CAI

Salários valem 30% menos

20.250

Anderson Barbosa

V

ocê, leitor, lembra-se que o lucro dos cinco maiores bancos do país experimentou um salto de 52% entre os primeiros nove meses deste ano e idêntico período de 2004. O melhor resultado para o setor, em uma década. Agora, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que o rendimento médio dos trabalhadores começou a encolher em outubro, quinto mês de virtual estagnação no mercado de trabalho nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pela instituição. Como a taxa de desemprego não sofre alteração desde junho e o emprego cresce cada vez menos, o resultado tem sido um encolhimento proporcional do que os economistas chamam de “massa de rendimentos” – que nada mais é do que o resultado da multiplicação do rendimento médio pelo total de ocupados no mês, refletindo o total de salários e de outras formas de renda recebidos pelas pessoas com mais de dez anos e que mantinham algum tipo de ocupação no período.

Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, em milhares

TAXAS DECRESCENTES É verdade que o salário médio e a massa de rendimentos ainda foram maiores do que em outubro do ano passado, crescendo, pela ordem, 1,8% e 3,9% (resultado de uma variação de 2,1% no total de pessoas ocupadas). A questão é que aquelas taxas têm sido decrescentes neste segundo semestre enquanto o desemprego permanece congelado em 9,6%, mesmo índice observado em setembro e ligeiramente acima dos registrados em junho, julho e agosto.

Nos dez primeiros meses de 2005, de acordo com o IBGE, o rendimento médio acumulou um incremento de apenas 1,6% frente ao mesmo período de 2004. A paralisação, conforme destacam o IBGE e o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), contradiz a tendência geralmente observada nesta época do ano, quando o comércio tende a incrementar as contratações para fazer frente às vendas de fim de ano e a indústria em geral acelera a produção para atender as encomendas do varejo. Em 2005, até outubro pelo menos, nada disso vem ocorrendo. A produção e o faturamento da indústria apontavam queda e a oferta de vagas tem sido modesta.

MAIS DISPENSAS No mês passado, levando-se em conta os dados de setembro, foram abertas apenas 9 mil novas ocupações. O comércio chegou a abrir 51 mil empregos novos, mas os setores de serviços prestados a empresas, serviços domésticos e outros serviços dispensaram, no total, 85 mil trabalhadores. O resultado negativo foi contrabalançado pela entrada de 46 mil novos empregados na indústria, na

Reflexo dos juros altos, número de desempregados é igual desde junho

geração e distribuição de energia, gás e água e na administração pública, educação, saúde e serviços sociais. Em outubro de 2004, no entanto, foram criadas 41 mil novas colocações, quatro vezes e meia a mais do que em igual mês deste ano. A evolução do emprego, mês a mês, também tem sido decrescente. Entre setembro de 2004 e junho deste ano, o total de ocupados vinha incorporando entre 700 mil a 800 mil trabalhadores a mais do que em relação aos mesmos

meses do ano anterior. Esse ritmo caiu pela metade e, em outubro, o nível de ocupação indicava variação equivalente a 415 mil trabalhadores além daqueles ocupados em outubro de 2004. Dito de outra forma, o total de ocupados, que vinha crescendo a uma taxa anual próxima a 4% até maio, passou a crescer ao redor de 2%. Um ritmo claramente insuficiente para reduzir o desemprego e absorver os novos trabalhadores que desembarcam todos os meses no mercado de trabalho.

Menos empregados com Juros caem, a conta-gotas carteira assinada Depois de meses de evolução, o total de empregados com carteira assinada voltou a recuar: de 9,030 milhões, em setembro, para 8,966 milhões de pessoas em outubro, nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE. Portanto foram demitidos 64 mil trabalhadores com registro. Na contramão, o número de empregados no trabalho principal sem carteira assinada aumentou 0,8%, para 4,5 milhões, o que significou a contratação de 35 mil empregados. Na comparação com outubro do ano passado, percebe-se um total menor de contratações de empregados com carteira e ligeiro avanço também para os sem carteira. Em números absolutos, foram registrados mais 391 mil empregados com registro e mais 26 mil informais. Coincidência ou não, o total de empregados no trabalho principal cresceu na mesma proporção em que avançou o número de pessoas em situação de subocupação. Em ambos os casos, houve uma variação correspondente a 24 mil novas contratações.

Como as empresas só admitiram praticamente trabalhadores sem registro em outubro, pode-se supor que estes tenham sido contratados para trabalhos temporários, com jornadas reduzidas. São considerados subocupados trabalhadores sujeitos a carga horária insuficiente para assegurar sua subsistência e que, por isso, são obrigados a buscar uma segunda ou terceira ocupação. Enquanto o crescimento do mercado formal de trabalho perde sustentação, a informalidade também não demonstra a mesma capacidade de antes para absorver os trabalhadores sem ocupação. O número de empregados por conta própria, que somava 3,981 milhões em outubro do ano passado, baixou para 3,918 milhões de pessoas em outubro de 2005. Por esse e outros motivos, o total de desempregados tem se mantido praticamente inalterado, na casa dos 2,1 milhões. Um contingente 7% menor do que o existente em outubro do ano passado. (LVF)

Novas projeções e estudos distribuídos à imprensa na semana passada por empresas de consultoria e departamentos econômicos de grandes grupos financeiros mostravam, ainda antes do final de mais uma reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que a economia corre o risco de não crescer nem mesmo os 3% anteriormente previstos – taxa modestíssima diante do ânimo da economia em outros países em desenvolvimento. Já se fala em um crescimento ao redor de 2,8% para o total de riquezas que o país produz – o Produto Interno Bruto (PIB) – sempre na comparação com 2004. Uma estimativa que não se alterou muito depois que o Copom anunciou sua decisão.

NO TOPO DO RANKING Só para lembrar, o tal comitê é formado pelo presidente e diretores do Banco Central (BC) e tem como função definir, todos os meses, o nível da taxa básica de juros, vale dizer, decidir sobre o custo do dinheiro para tomadores de empréstimo e determinando, de

certa forma, o tamanho dos lucros do sistema financeiro. Na quarta-feira, 23 de novembro, o Copom decidiu, magnanimamente, que a taxa poderia baixar de 19,5% para 19% ao ano, o que continua assegurando ao Brasil a primeira colocação mundial no ranking dos juros altos. A lentidão do BC, insensível aos sinais evidentes de desaquecimento da economia, acabará reduzindo as possibilidades de uma retomada mais vigorosa da atividade econômica neste fim de ano, já causando preocupação sobre o desempenho da economia também nos primeiros meses de 2006. Numa decorrência da política de juros altos e do aumento do endividamento do consumidor, a inadimplência das pessoas físicas aumentou mais de 12% em outubro, frente a setembro, 8% diante do mesmo mês de 2004. O aumento dos cheques sem fundos para 19,7 a cada mil documentos compensados, segundo levantamento mensal realizado pela Serasa, foi o principal responsável pelo crescimento da inadimplência.(LVF)


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De 1º a 7 de dezembro de 2005

NACIONAL VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Um terço das mulheres sofre agressões Dafne Melo da Redação

A

última pesquisa da Organização Mundial de Saúde (OMS), divulgada no dia 25 de novembro (data escolhida pela ONU como o Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher) mostra, em números, a realidade que entidades feministas constatam, cotidianamente: as agressões sofridas pelas mulheres geram seqüelas duradouras, tanto físicas quanto psicológicas. Elas vão da insônia, depressão e tentativas de suicídio, até a contração de doenças sexualmente transmissíveis. “Esta pesquisa focou na intersecção entre a violência doméstica e a saúde física e mental da mulher. Em alguns países do mundo, esses dados já foram coletados. Apesar de quem trabalha com isso conhecer esta realidade, a pesquisa mostra a realidade brasileira”, avalia Lenira da Silveira, do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde. Realizado pelo Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em conjunto com duas Organizações Não-Governamentais (ONGs) – o Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde (SP) e o SOS Corpo - Gênero e Cidadania (PE) – o estudo colheu estatísticas da cidade de São Paulo e da Zona da Mata, em Pernambuco, para obter uma mostra de uma área urbana e outra rural. Em São Paulo, 29% das mulheres já sofreram violência física ou sexual praticada pelos parceiros, e na Zona da Mata, o número sobe para 37%. Segundo o relatório, conso-

Anderson Barbosa

Pesquisa da OMS mostra que índice de atos violentos não é muito diferente em São Paulo e na Zona da Mata (PE) mulheres que foram se confessar com o pastor, ele pediu que rezassem e tivessem paciência, dizendo que o marido estaria possuído. Ou, ainda, casos de mulheres que saíram de casa, e o pastor orientou que voltassem, e elas continuaram a apanhar”, conta Dulce.

LEIS BRANDAS

Agressões sofridas pelas mulheres geram seqüelas duradouras, tanto físicas quanto psicológicas

lidadas as informações das duas áreas por escolaridade, desaparece aquela diferença entre as taxas de violência. Isso significa, segundo Lilia Blima Schraiber, pesquisadora da USP e uma das coordenadoras da pesquisa, que a escolaridade é um dos fatores preponderantes no combate à violência doméstica. Não importando o fato de ser uma área rural ou urbana.

REFORÇO Quando o assunto é a violência contra a mulher, aspectos estruturais e culturais se misturam. Para Lenira, a questão central que resume estes dois aspectos é o reforço da mulher na sociedade. “Para transformar o

papel da mulher, são necessárias ações objetivas como prover educação, acesso ao mercado de trabalho e à informação. Além de questões mais subjetivas, de ordem cultural, como a necessidade de se repensar as formas de relação entre homens e mulheres”, resume. Quanto às ações objetivas, Dulce Xavier, do grupo Católicas pelo Direito de Decidir, acredita que o fator econômico é o que mais pesa na hora de decidir se separar do parceiro agressor. “As mulheres que dependem financeiramente dos parceiros têm dificuldade maior de estabelecer outra relação de poder dentro da relação”, avalia. Outra informação da pesquisa é

Em questão, a pílula do dia seguinte

Priscila Carvalho de Brasília (DF)

RETROCESSO “A pílula tem que ser distribuída, mas a informação é imprescindível, para que as mulheres saibam que ela não previne a Aids e outras doenças socialmente transmissíveis e que, se usada com freqüência, perde a eficácia”. Para ela, a própria denominação popular do medicamento, “pílula do dia seguinte”, deve ser evitado, por dar idéia de que se pode tomá-la com assiduidade. Lenira da Silveira, do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, considera o PL um “enorme retrocesso”. E rebate os argumentos dos que dizem que a distribuição da pílula incentivaria as pessoas a não usar preservativo. “Não é tirar esta pílula do mercado que levará ao uso da camisinha. As mulheres já não estão usando, estão se contaminan-

POVOS INDÍGENAS

Terena retomam terras

Agência Brasil

Mais uma questão polêmica sobre a saúde sexual da mulher é o uso da pílula de contracepção de emergência, conhecida como “pílula do dia seguinte”. O principal argumento em defesa da sua proibição é a hipótese de que o medicamento seria abortivo – e o aborto é proibido no país. Um Projeto de Lei (PL) da médica e deputada federal Angela Guadagnin (PT-SP) pede o fim da comercialização do medicamento no país, distribuído pelo Sistema Único de Saúde, obedecendo a uma norma técnica do Ministério da Saúde. Alguns Estados e municípios decidiram fazer seus próprios projetos. No Estado de São Paulo, o deputado estadual Valdomiro Lopes (PSB) pede o fim da venda e do uso da pílula. Na Assembléia Legislativa do Mato Grosso do Sul, projeto semelhante foi apresentado, idem na Câmara de vereadores de São José dos Campos (SP). “Eu sou uma das que estão na batalha para derrubar esse PL”, afirma Dulce Xavier, da organização não-governamental Católicas pelo Direito de Decidir, que enfatiza a importância da informação neste processo.

que 31% das mulheres na Zona da Mata e 32% em São Paulo alegaram que não saem de casa porque “perdoaram” o companheiro. Aqui, analisa Dulce, entram as questões culturais. “No imaginário, ainda prevalece uma visão conservadora, patriarcal das relações de poder. O homem fica como o provedor, a mulher, o lado submisso, que cuida da casa e dos filhos, que aceita tudo e perdoa.” A integrante do grupo das Católicas chama a atenção, ainda, para o fator religioso. “No catolicismo, o casamento é indissolúvel”, diz. Segundo a ativista, as religiões evangélicas tendem a ser ainda mais conservadoras. “Conheci casos de

Os meios adotados hoje pelo Estado para coibir a prática da violência doméstica, sobretudo no aspecto jurídico, ainda são muito “brandos”, afirma Lenira da Silveira. “Como a lei é suave, o agressor não se intimida, e às vezes fica ainda mais agressivo. A área jurídica é a mais despreparada, a agressão é vista fora do contexto, como se fosse uma simples lesão, não uma agressão feita pelo companheiro”. Atualmente, tramita no Congresso um Projeto de Lei (PL) para reformular o forma de tratar a violência. Rubia Abs da Cruz, da Themis – Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, diz que o ponto principal do PL é justamente tratar em conjunto tanto o aspecto cível quanto o criminal, além de estabelecer penas mais severas. “Não se trata de ser rigoroso regularmente, mas se ter como lançar mão de uma pena mais rigorosa, quando necessários. Por exemplo, em caso de reincidência e quando a vida da mulher está em risco”, argumenta Rubia. O PL ainda não tem data prevista para ser votado, mas há expectativa de isso ocorra até o fim do ano. “Vamos pressionar para que, no máximo, seja votado antes do 8 de março (Dia Internacional da Mulher) de 2006”, anuncia Dulce Xavier.

Aids em mulheres continua a crescer no Brasil, alertam organizações feministas

do e engravidando. As campanhas de Aids devem continuar, paralelamente”, afirma. Para Dulce Xavier, o argumento de quem defende a proibição é religioso. “Nós vivemos num Estado laico, a pílula não é abortiva, e impede a fecundação”, enfatiza.

AIDS AVANÇA Paralelamente, o avanço da Aids em mulheres continua a crescer no Brasil. “A questão central ainda é a posição das mulheres nas relações privadas. Uma mulher que vive uma relação violenta não consegue negociar o uso de preservativos”, opina Lenira. Os dados do Ministério da

Saúde mostram que, enquanto a síndrome da imunodeficiência segue controlada entre os homens, e nas regiões mais ricas do país, como a Sudeste, o número de casos de Aids entre mulheres tem subido, sobretudo nas camadas mais pobres. Diante disso, Dulce Xavier enfatiza que o acesso à informação deve ser visto como prioridade nas políticas públicas de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis (DST). Lenira, entretanto, pondera que “muitas mulheres têm acesso a informação, mas não conseguem se impor, até porque não encontram respaldo na sociedade”. (DM)

O povo Terena retomou, dia 28 de novembro, uma fazenda localizada no município de Miranda, Mato Grosso do Sul. A área faz parte da terra indígena Cachoeirinha, que teve seu estudo antropológico e fundiário concluído em 2004. O processo foi encaminhado para o Ministério da Justiça em 30 de março do mesmo ano, para a publicação de sua Portaria Declaratória, medida que deve ocorrer em 30 dias. Desde então, aguarda-se a declaração dos limites da terra. Enquanto o Ministério da Justiça descumpre prazos, os cerca de 5 mil indígenas vivem em 2.600 hectares, apesar de o estudo antropológico ter identificado 36.288 hectares como terra indígena. “Tomamos a decisão de retomar a terra porque estamos esperando uma resposta da Funai que não vem. No espaço que a gente vive não dá mais para plantar”, afirmou o cacique Zacarias Terena. Segundo Ramão Terena, uma das lideranças da retomada, o grupo de cerca de 200 indígenas já recebeu algumas ameaças dos fazendeiros da Fazenda Santa Vitória, que tem 600 hectares, aproximadamente. A terra Cachoeirinha faz parte da lista de terras que os participantes do Abril Indígena (mobilização que reuniu 800 indígenas na Esplanada dos Ministérios, em abril) solicitavam serem encaminhadas com urgência pelo Ministério da Justiça.

POVO AGRICULTOR Os Terena são conhecidos como um povo agricultor. No início do século, o marechal Rondon, quando andou pela região que hoje é o Mato Grosso do Sul, levou indígenas desse povo para outras partes do Estado, porque queria que eles “ensinassem” aos outros povos da região o apreço pela agricultura.

Esse povo participou da Guerra do Paraguai (1864–1870) e, quando os combatentes voltaram para suas terras, elas tinham sido tomadas pelos fazendeiros. Desde então, eles foram espalhados pelas fazendas da região, até que voltaram a se agrupar no início do século 20, quando as reservas foram demarcadas pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Para a sobrevivência, muitos indígenas continuaram trabalhando em fazendas ainda por um bom tempo. Hoje, muitos Terena vivem não só em fazendas, mas também nas cidades. A saída das terras indígenas é, muitas vezes, relacionada à densidade populacional das terras, que é alta.

DOENÇAS AUMENTAM Os problemas de saúde entre os povos indígenas atravessaram o ano. Do norte do país, onde regiões com difícil acesso exigem transporte de médicos e pacientes por barco e por avião, vêm notícias das conseqüências imediatas da falta de recursos: falta de atendimento aos pacientes, faltam remédios simples como analgésicos, aumentam doenças como malária e tuberculose. No Vale do Javari, Amazonas, a maioria das denúncias vem do povo Yanomami. A ONG Comissão Pró-Yanomami informou que cerca de 60 Yanomami ocuparam a sede da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), em Boa Vista, no dia 23 de novembro, para cobrar melhorias no atendimento em terras indígenas. “Somente no subpolo do Toototopi, entre 15 e 22 de novembro, foram registrados 40 casos de malária. A situação piorou com o atraso de quatro meses do pagamento dos salários dos funcionários e agentes indígenas de saúde e das companhias aéreas que fazem o transporte de pessoal, medicamentos e alimentação para a área indígena”, afirma a entidade. (Com informações do Conselho Indigenista Missionário, www.cimi.org.br)


Ano 3 • número 144 • De 1º a 7 de dezembro de 2005 – 9

SEGUNDO CADERNO MILITARIZAÇÃO

Soldados dos EUA acusados de repressão Stella Calloni de Assunção (Paraguai)

U.S. Army

ONG paraguaia levanta suspeita sobre ligação de ação militar no país e assassinatos de camponeses em protestos enviados ao Paraguai. “Dificilmente, levanta-se uma base com milhares de soldados em um país sem saída para o mar e, por outro lado, as ações dos Estados Unidos no Paraguai se encaixam perfeitamente na renovada guerra de baixa intensidade”, sustenta Orlando Castillo, advogado e coordenador do Serpaj.

O

assassinato de camponeses paraguaios pode ter relação direta com as “visitas” e manobras que tropas dos Estados Unidos estão realizando nas zonas rurais do Paraguai. Essa é a denúncia que tem sido feita pelo Serviço de Paz e Justiça (Serpaj), sediado em Assunção, contra os militares estadunidenses que atuam no país desde junho, por meio de um acordo entre o presidente paraguaio, Nicanor Duarte, com George W. Bush. Os soldados estrangeiros ainda contam com imunidade diplomática, concedida pelo Congresso. Desde 2002, 88 camponeses foram mortos em manifestações, bloqueios de estradas ou despejos violentos. Nas zonas de maior presença militar estadunidense, como San Pedro, Caaguaçú ou Concepción, foram registrados 18, 15 e 11 mortos, respectivamente. Já em lugares com menos visitas de soldados, como Neembucú e Cordillera, foi registrado apenas um caso por região. A análise feita pelo Serpaj é reveladora sobre a distribuição de soldados estadunidenses no Paraguai e seus movimentos em regiões camponesas onde organizam as chamadas tarefas de “ação cívica” – que compõem a doutrina militar de contra-insurgência.

CAMPONESES

INVASÃO MILITAR

Presença militar estadunidense no Paraguai faz parte de uma estratégia mais ampla de militarização do continente

Entre 500 e 700 soldados e tropas especiais estadunidenses participam das “ações cívicas” e manobras. Foram programadas 18 operações deste tipo para este ano e para 2006. Está sendo criada também uma infra-estrutura especial para apoiar o esquema militar estu-

nidense e assegurar operações nas zonas rurais paraguaias, no caso de uma intervenção militar massiva na América do Sul. A base militar paraguaia de Mariscal Estigarribia é um ponto-chave. Com uma pista de 3,8 mil quilômetros, permitiria

a aterrissagem de aviões Galaxy e os B-52 e poderia receber milhares de soldados. Mariscal Estigarribia – localizada em uma região estratégica, próxima da população de Filadélfia e da fronteira da Bolívia (200 quilômetros) – tem também

condições para possibilitar um deslocamento rápido das tropas. Os investigadores do Serpaj, no entanto, não acreditam nas informações divulgadas em alguns endereços eletrônicos estadunidenses de que milhares de soldados seriam

Segundo ele, a militarização da região está avançando. “Nos três últimos anos, as forças armadas dos Estados Unidos, a partir do Comando Sul, incrementaram sua presença militar no território paraguaio com exercícios e visitas de reconhecimento em áreas onde existem organizações camponesas”, denunciou. O Serpaj levantou que, desde 2002, os soldados estadunidenses já realizaram 46 exercícios no país e tiveram à disposição um amplo espaço de mobilização em áreas chaves, como as fronteiras com o Brasil, a Argentina e a Bolívia. Para Castillo, os objetivos dos militares estrangeiros são repressores e visam intimidar os movimentos camponeses que lutam pelo direito à terra. O investigador também analisa que a presença militar ocorre justamente em um momento em que a política externa de Bush encontra resistência. “De um lado, estão os planos econômicos, como a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e os tratados bilaterais. E, de outro, está a militarização, que é a ocupação adiantada, com instalação de bases e assentamentos militares em toda a América. Busca-se com essa presença desestabilizar o processo de integração e, assim, converter Paraguai em ameaça para seus vizinhos”, afirma Castillo. (La Jornada – www.jornada.unam.mx)

ANÁLISE

Um passo importante dos zapatistas Octavio Rodríguez Araujo

O partido era concebido, em termos leninistas, como “a consciência organizada da classe trabalhadora”, (pois esta era pensada como o sujeito da transformação revolucionária). O objetivo era não apenas o assalto ao poder, e sim a inversão da pirâmide social própria do capitalismo por meio da transformação do Estado capitalista em um Estado proletário e da socialização dos meios de produção. Até hoje, isso não foi conseguido, mas esse foi – esquematicamente – o seu posicionamento. O Exército Zapatista, independentemente do significado da expressão “socialismo” em seu discurso, não aspira explicitamente ao poder, nem pela via revolucionária muito menos pela eleitoral. O que se pode conseguir dessa dinâmica? Arrebatar o poder e, por pressão da sociedade organizada, obter vantagens para a população, esteja ou não organizada. Será uma espécie de grupo de pressão, grande, mais ou menos organizado e, ao contrário dos outros grupos de pressão existentes, está constituído desde baixo e com os de baixo da atual

Arquivo Brasil de Fato

O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) deu um passo importante em sua outra campanha: decidiu dissolver a Frente Zapatista de Libertação Nacional (FZLN) para criar outra Frente, mas de novo tipo e com um acréscimo programático que antes estava apenas implícito: anticapitalista e de esquerda (veja ao lado). A nova FZLN será uma organização na qual se integrará exclusivamente por convite expresso da Comissão Sexta do EZLN. Segundo interpreto, essa nova organização será o motor da outra campanha. Com essa iniciativa, corrigi-se um erro tático – na minha opinião – desde a fundação da FZLN, que agora desaparece. O EZLN dava aval à FZLN apenas mediante à presença de suas bases de apoio na qualidade de observadores. A fundação da FZLN significou a formação de uma frente civil parala ao Exército Zapatista, supostamente com vida própria, em teoria. Não resultou o que se esperava dela, entre outros motivos, porque houve em seu seio demasiadas interpretações do que esse agrupamento deveria ser. Pessoas competiam com outras sobre os significados dos princípios e das táticas. Não houve direção e sua efetividade foi precária. A FZLN não funcionou. A heterogeneidade da sociedade, a grande variedade de posições ideológicas (inclusive antagônicas), o sectarismo de muitos e o eterno problema da interpretação dos “textos sagrados” por parte de aprendizes do sacerdócio zapatista foram elementos que, lamentavelmente, levaram a FZLN ao fracasso.

O que se pretende agora é uma espécie de partido de quadros (expressamente convidados) de novo tipo, ou seja, que não aspira ao poder. Seu objetivo é a organização da sociedade para que essa possa pressionar com maior efetividade o poder instituído em uma lógica anticapitalista. Todos os partidos políticos, por definição, aspiram ao poder, isoladamente ou em aliança com outros. Mas a nova FZLN, como o anterior, não. E essa negativa a aspirar o poder faz a diferença. Não estou sugerindo que todos os partidos políticos aspiraram no passado (e quem sabe alguns no presente) o poder pela via institucional, por meio de eleições, pois os que se consideram (ou consideravam) revolucionários também aspiravam (ou aspiram) o poder, mas por vias distintas das eleições. A idéia desses partidos foi, mais do que agora, influir na sociedade, estimular a formação de uma consciência anticapitalista e socialista de forma a preparar “as condições subjetivas” para a revolução.

Subcomandante Marcos anuncia “uma nova fase do zapatismo civil”

pirâmide social. Parece bom, mas na realidade não é nada tão original como se pretende. No passado, já foram levadas a cabo esforços semelhantes, mesmo que com outra linguagem. Lamentavelmente, não tiveram sucesso, pois a chamada sociedade civil não é como queremos que seja nem tão carente de egoísmos e mesquinharias individualistas de curto prazo como queremos imaginá-la. Pessimista? Pode ser, mas há uma larga

história que não podemos esquecer e essa larga história inclui, para o nosso pesar, divisões por princípios discutíveis e, ainda, por razões estratégicas. Oxalá isso não ocorra desta vez. Octavio Rodríguez Araujo é professor emérito da Universidade Autônoma do México (Unam), autor de Izquierdas e izquierdismo, De la Primera Internacional a Porto Alegre, entre outros livros

A nova fase do ELZN da Redação Desde julho deste ano, o Exército Zapatista de Libertação Nacional (ELZN) anunciou uma mudança em sua estratégia de ação. Os revolucionários que se tornaram conhecidos no planeta em 1º de janeiro de 1994 ao detonar uma rebelião armada na Selva Lacandona, sul do México, Estado de Chiapas, decidiram aprofundar seu diálogo com a sociedade civil e romper com um certo isolamento da luta zapatista. A partir da Sexta Declaração, o ELZN decidiu deixar Chiapas e iniciar uma caravana pelo país para realizar “a outra campanha”. Trata-se de uma iniciativa pacífica, que faz referência à campanha política dos candidatos à Presidência do México em 2006 e tem como um de seus objetivos fomentar a discussão de uma nova Constituição de acordo com os interesses populares, a partir de uma aliança estratégica com toda a sociedade

civil anticapitalista, não-eleitoral e de esquerda. Uma das ações definidas pelos rebeldes chiapanecos para levar adiante “a outra campanha” foi dissolver a Frente Zapatista de Libertação Nacional (FZLN), criada para ser o braço político do Exército zapatista. Em 20 de novembro, um comunicado assinado pelo subcomandante Marcos informou a decisão dizendo que é o início de “uma nova fase do zapatismo civil”. O subcomandante critica aqueles que usaram “a FZLN e sua proximidade com o EZLN em proveito próprio, para prejudicar outros, para se isolar e nos isolar, para ganhar força em rivalidades pessoais e lutas inúteis”. A caravana zapatista da “outra campanha” está prevista para ocorrer entre 1º de janeiro e junho de 2006. Até o momento, o EZLN já organizou uma série de encontros com lideranças de movimentos sociais e da sociedade civil em Chiapas para definir detalhes dessa iniciativa.


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INTERNACIONAL GLOBALIZAÇÃO

Nas Filipinas, a amarga lição da OMC João Alexandre Peschanski da Redação

N

o discurso de seus representantes, a Organização Mundial do Comércio (OMC) aparece como uma instituição que traz desenvolvimento e democracia para os países. Dizem: as diretrizes da globalização – liberalização, privatização e desregulamentação – vão fazer bem ao povo. Os governos, alinhados com a OMC, concordam. Entretanto, a conseqüência é desastrosa para os países pobres. Desemprego. Pauperização. Desespero. Em entrevista ao Brasil de Fato, Wilfredo Marbella, coordenador do Movimento de Camponeses das Filipinas, denuncia a crise que se alastra por seu país, desde que entrou na instituição internacional, em 1995. Por isso, Marbella é um dos coordenadores dos protestos contra a 6ª Reunião Ministerial da OMC, que vai se realizar em Hong Kong, na China, em dezembro. Nesse encontro, governantes de todo o mundo vão negociar acordos comerciais. O diretor da instituição, Pascal Lamy, divulgou, em 28 de novembro, um rascunho do que vai ser discutido. Ele quer que as grandes potências finalmente adotem as diretrizes da Rodada de Doha, negociadas no Qatar, em 2001, quando os governantes acertaram um plano de longo prazo para acelerar as diretrizes da globalização. Marbella diz que os movimentos sociais, como em encontros anteriores, vão barrar as negociações. Segundo ele, devem ocorrer protestos em diversos países na Ásia. Em Hong Kong, são esperadas dezenas de milhares de manifestantes. Para as Filipinas, assim como para todas as nações pobres, a ação das organizações sociais é fundamental, pois é a única capaz de deter a radicalização das políticas da OMC no país, pois, como diz o líder camponês, “nosso governo está disposto a negociar tudo o que for para entrar ainda mais nas graças das instituições financeiras”. Brasil de Fato – As Filipinas entraram na OMC em 1995. Quais foram as conseqüências para a população? Wilfredo Marbella – A implementação das políticas da OMC segue a linha de uma imposição imperialista nas Filipinas. A instituição define três diretrizes para a economia do país: liberalização, privatização e desregulamentação. Uma das primeiras determinações foi a abertura, quase irrestrita, do mercado interno para produtos agrícolas vindos de países ricos. Em 1994, as Filipinas tiveram um superavit na balança comercial de produtos agrícolas de 1,2 bilhão de dólares. Desde a entrada na OMC até 1999, houve um déficit de 3,4 bilhões de dólares. Desde então, a balança comercial só tem piorado. BF – E o que aconteceu com o mercado interno? Marbella – O país está inundado de produtos estrangeiros, como arroz, legumes, verduras, carne e frango. O governo filipino estimula a liberalização, oferecendo reduções tarifárias aos países ricos. Instituições financeiras – Banco Mundial (BM) e Fundo Monetário Internacional (FMI) – condicionam empréstimos, negociados com o governo, à implementação das diretrizes da OMC. Atendendo a esses organismos, o governo anulou subsídios a pequenos camponeses. Também iniciou programas de privatização de serviços, como educação e saúde. No plano negociado com o FMI, o governo aceitou dar o controle de fontes

Fotos: Luciney Martins/ BL 45Imagem

Para o líder camponês Wilfredo Marbella, a liberalização econômica resultou na opressão dos trabalhadores filipinos

Quem é Wilfredo Marbella é coordenador do Kilusang Magbubukid Ng Pilipinas (KMP – Movimento de Camponeses das Filipinas), principal organização social do país. O KMP integra a Via Campesina, rede internacional de movimentos de camponeses. Marbella denuncia os estragos causados pela política neoliberal imposta pela Organização Mundial do Comércio

de água do país e de setores estratégicos da economia, como a produção de energia, para empresas estrangeiras. BF – Houve mudanças na organização da produção agrícola? Marbella – A OMC ordenou uma conversão total. Antes de 1995, a maior parte da produção era para o consumo da população, principalmente arroz e legumes. O governo determinou a expulsão de pequenos agricultores e estimulou a criação de grandes fazendas, cuja produção está voltada para o mercado externo. A contradição é que a população, que antes comia o que produzia, agora tem que comprar produtos estrangeiros para se alimentar. Isso também é resultado da mudança do que é produzido. As grandes fazendas estão, muitas vezes, sob o controle de corporações transnacionais, que produzem o que consideram mais lucrativo.

Para as Filipinas e para todas as nações pobres, a ação das organizações sociais é a única capaz de impedir as políticas da OMC BF – Quais as conseqüências disso para os camponeses? Marbella – Muitos certificados de posse que os camponeses possuíam, foram considerados nulos. Não houve indenização. Aqueles que se revoltaram contra as corporações foram reprimidos pela polícia. As lideranças dos trabalhadores estão sendo criminalizadas. A concentração fundiária aumentou. O número de sem-terra, também – sete em cada dez camponeses não têm onde produzir. A pobreza atingiu índices recordes, com a grande parte dos 88 milhões de filipinos sem ter condições dignas de vida. BF – Qual foi a reação da elite filipina às diretrizes da OMC? Marbella – As instituições internacionais impõem a lógica imperialista nas Filipinas. É a cabeça do sistema. O corpo é o governo, que põe na lei as decisões globais das grandes potências, que burocratiza a exploração dos trabalhadores. Os pés são as relações feudais, que vigoram no campo filipino. Os fazendeiros são grandes proprietários, que negociam com o governo para facilitar a implementação das diretrizes da

OMC. Se algum camponês resiste, o fazendeiro manda reprimir, de modo violento, para servir de exemplo. Fazem o trabalho sujo da globalização, enquanto os funcionários da OMC se reúnem em belos escritórios nas capitais filipina e francesa, Manila e Paris, e na cidade estadunidense, Nova York. Os fazendeiros, muitas vezes, integram o governo, o que facilita a passagem das informações do corpo para os pés do sistema. Se um trabalhador se envolve em atos de resistência ao sistema, vai sofrer ameaças. O fazendeiro diz que ele nunca mais vai conseguir emprego. BF – Nesse sistema, com cabeça, corpo e pé, como ficam os pequenos produtores? Marbella – Vão desaparecer. Eles não têm como competir com os produtos importados. O governo acabou com todos os subsídios. O arroz dos países ricos, subsidiado, é mais barato do que o filipino. Além disso, as organizações de pequenos produtores sofrem repressão política. Ativistas são tratados como criminosos. BF – O que o governo diz sobre a crise do país? Imagino que não faça, como você, o vínculo direto com a agenda da OMC. Marbella – O discurso do governo, como esperado, está longe da realidade. Diz que crise já existia e que as mudanças, direcionadas pela OMC, são a solução. Que novos empregos vão surgir. Que a fome vai desaparecer. Que a economia vai crescer. Que as Filipinas vão se transformar em um novo tigre asiático. Lógico que isso não leva em conta que o país é de camponeses e que as diretrizes da OMC concentram a terra nas mãos de poucos, vão contra os pequenos produtores. O número de empregos formais está em queda livre, desde 1995.

Antes da adesão à OMC, a maior parte da produção era para o consumo da população. Agora o povo tem que comprar alimentos importados BF – Como o encontro de Hong Kong pode afetar a população filipina? Marbella – Nosso governo está disposto a negociar tudo o que for para entrar ainda mais nas graças das instituições financeiras. A reunião de Hong Kong

quer levar adiante a Rodada de Doha, na qual foram feitos planos para aumentar a liberalização e a desregulamentação da economia dos países que integram a OMC. Mas a nossa perspectiva é que o encontro não tenha sucesso. Em 2003, em Cancún, no México, o encontro da OMC foi paralisado pela ação dos movimentos sociais. Em Hong Kong, milhares de pessoas vão participar das manifestações e impedir o avanço das negociações. Os estudantes da cidade estão organizando mobilizações. O diretor da OMC, Pascal Lamy, sabe que as expectativas em relação às negociações são baixas. Há falta de sintonia entre as potências mundiais, e os movimentos sociais estão preparados para barrar o evento. BF – Como vão ser as manifestações? Marbella – Em toda a Ásia, haverá manifestações simultâneas contra as diretrizes da OMC. Em Hong Kong, em 12 de dezembro, haverá 24 horas ininterruptas de mobilizações. Em Manila, está programada uma concentração popular em frente ao consulado dos Estados Unidos. Estão planejadas manifestações no mundo todo, pois os movimentos sociais conhecem muito bem qual é o impacto da ação da OMC em seus países. O mesmo que aconteceu nas Filipinas. A instituição é orientada por uma visão imperialista, dominada pelos Estados Unidos. BF – Como estão sendo organizados os protestos? Marbella – Os movimentos sociais que lutam contra a OMC criaram a Rede de Coordenação Internacional (ICN, da sigla, em inglês), em fevereiro. O objetivo é articular as forças populares, em diferentes países, para impedir que o encontro de Hong Kong vá adiante. A Coalizão de Camponeses Asiáticos (APC, da sigla, em inglês), principal movimento do continente, integra a ICN. Em Hong Kong, haverá cursos e discussões sobre a estratégia da OMC e como detê-la. Esperamse muitos ativistas das Filipinas, Coréia do Sul e Taiwan. A coordenação da ICN conta com a presença de dezenas de milhares de manifestantes. O governo chinês afirmou que não hesitará em reprimir protestos violentos. Esse tipo de declaração não nos assusta. As políticas da OMC levam as pessoas ao desespero. As pessoas não agüentam mais, não vêem alternativa, como Oh Cho-ok e Lee Kyungi-hae, ativistas que se suicidaram, em protesto contra a OMC.

BF – Nas reuniões dos manifestantes haverá algum espaço para discutir alternativas às diretrizes da OMC? Marbella – Os protestos contra a OMC também têm um caráter pedagógico e de troca de experiências. Além disso, vamos organizar um tribunal popular, onde pessoas vão relatar os impactos das instituições financeiras em seus países. O objetivo é fazer um julgamento internacional da OMC, mostrando que não está a serviço dos pobres do mundo.

Em toda a Ásia, haverá manifestações simultâneas contra as diretrizes da OMC. Em todo o mundo, estão planejados protestos BF – Durante todo o ano de 2004, e até mais recentemente, a presidenta filipina, Gloria Macapagal-Arroyo, foi alvo de manifestações. Exigiam sua renúncia, pois ela é suspeita de fraude eleitoral, mas também criticaram sua subserviência à OMC. E mesmo com tantos protestos, ela não mudou os rumos da política? Marbella – Gloria está protegida pela Campanha Global contra o Terror, do presidente estadunidense, George W. Bush. As Filipinas têm uma parte da população que é muçulmana e, usando isso como pretexto, ela tem incentivado o governo dos Estados Unidos a manter militares no país. Isso lhe garante uma força diante dos protestos. Ao mesmo tempo, ela faz concessões a Bush, por exemplo, dando cargos de confiança a marines (soldados estadunidenses). Para se manter no poder, compra a obediência de parlamentares, governadores e prefeitos. Eles recebem dinheiro de Gloria, oriundo de verbas destinadas a programas sociais para pequenos produtores. BF – Por que não foi pedido o impeachment de Gloria? Marbella – Porque ela comprou os parlamentares. Não estou exagerando. A corrupção é deslavada. Na votação, em 6 de setembro, ela teve 158 votos a seu favor, e apenas 51 contra. As pesquisas de opinião pública indicavam que dois terços da população eram favoráveis ao impeachment. Agora, a palavra de ordem dos movimentos é pela saída da presidenta e dos parlamentares corruptos. Eles não nos representam.


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INTERNACIONAL ISRAEL

Entre incertezas e esperanças João Alexandre Peschanski da Redação

Nama

Mudanças em partidos israelenses quebram acordo tácito de lideranças de esquerda e de direita sobre ocupação meiro-ministro anunciou sua desfiliação do Likud e a criação de um novo partido, o Kadima. De acordo com o jornal israelense Haaretz, nove dias depois, 14 dos 120 deputados de Israel entraram na nova agremiação. Sharon deve conquistar o apoio de integrantes do Partido Trabalhista descontentes com a vitória de Peretz, dentre eles Peres. O Likud fica sob o controle de Netanyahu, que, em agosto, criticara Sharon publicamente pela retirada de colônias israelenses de Gaza, território palestino. O ex-primeiro-ministro pretende revogar a evacuação dos conjuntos habitacionais.

E

m Israel, os termos “esquerda” e “direita” não fazem muito sentido. Não faziam, pelo menos, até as reviravoltas do sistema político, que começaram em meados de novembro. Desde a década de 1970, lideranças de esquerda participaram de governos de direita, e vice-versa, sem quaisquer debates sobre planos de governo. Imperava um consenso tácito sobre as orientações do governo, com uma fórmula inquestionável: liberalização econômica, militarização da sociedade e radicalização da ocupação dos territórios palestinos. Alternaram-se no poder governantes que, na visão do eleitorado, melhor conduziriam o programa consensual, ou que tivessem mais prestígio. A exceção foi Yithzak Rabin, primeiro-ministro de Israel de 1992 a 1995, ligado ao Partido Trabalhista, mais alinhado à esquerda. Em seu mandato, estava determinado a mudar a política de seu país e negociar a retirada dos territórios ocupados com lideranças palestinas. Considerado um traidor por grupos conservadores, foi assassinado por um jovem militante de extrema-direita, Ygal Amir. Sucederam-no governantes pró-ocupação, tanto do Partido Trabalhista, quanto da principal agremiação conservadora, o Likud: Shimon Peres, Benjamin Netanyahu, Ehud Barak e Ariel Sharon.

ALTERNATIVA Em 10 de novembro, a inércia do sistema de partidos acabou, com a vitória, nas primárias do Partido Trabalhista, de Amir Pe-

RUMOS POLÍTICOS

O novo líder do Partido Trabalhista, de Amir Peretz, pretende debater a militarização do país em encontros sociais

retz, dirigente da principal central sindical israelense, Histadrut. Sua primeira determinação foi a saída dos integrantes de sua agremiação do governo Sharon (Likud). A decisão gerou descontentamentos dentro do Partido Trabalhista, principalmente do adversário de Peretz nas primárias, Shimon Peres. Ele Primárias – Eleitornou pública, ções internas em 19 dias depois, agremiações, nas sua intenção de quais são definidos os candidatos para mudar de sigla chefe do Executivo e permanecer de um país. no governo Sharon, no qual é vice-primeiroministro. Em discurso, dia 12 de no-

vembro, o novo líder trabalhista declarou sua intenção de recuperar a herança de Rabin. Mensagem enviada ao Brasil de Fato pelo ativista Michael Warshawski, coordenador do Centro de Informações Alternativas, entidade israelo-palestina que luta pelo fim da ocupação, afirma que a vitória de Peretz representa a possibilidade de uma nova oposição ao consenso tácito das lideranças políticas tradicionais. “Em seu primeiro discurso, ele se comprometeu a fazer uma mudança radical no cenário político israelense. Pretende transformar a orientação da economia, neoliberal

FRANÇA

A vitória de Peretz forçou o primeiro-ministro a reagir. Para alcançar maioria no Knesset, parlamento israelense, ele dependia dos votos do Partido Trabalhista, cuja nova orientação é não mais se alinhar com Sharon. Sem opção, ele antecipou as próximas eleições, que vão se realizar em 28 de março, oito meses antes do previsto. Em 20 de novembro, o pri-

Governo fecha o cerco a ONGs Paulo Lima

José Bové lança boicote aos produtos da transnacional estadunidense Monsato

Líder camponês na luta contra os transgênicos na França, Jose Bové afirmou ter declarado guerra contra a transnacional estadunidense Monsanto, maior produtora de sementes geneticamente modificadas. “Lançamos um apelo para um boicote dos produtos da Monsanto em todas as lojas. Vamos nos mobilizar para acabar com a vida da transnacional”, disse o integrante do sindicato agrícola francês Confederação Campesina (Confederation Paysanne, em francês). A ação é uma resposta à decisão da Justiça que permitiu que a empresa conseguisse o pagamento de parte de uma multa aplicada sobre o sindicato, integrante da Via Campesina – articulação de movimentos sociais camponeses de todo o mundo. Os 18 mil euros (quase R$ 47 mil) disponíveis na conta bancária da Confederação foram retirados por medida judicial, a título de indenização à Monsanto, por conta da destruição, pelos associados da entidade, de uma plantação de soja transgênica, em 1998. Ao todo, a Confederação e

SHARON REAGE

RÚSSIA

Bové declara guerra a Monsanto e convoca boicote

Beatriz Pasqualino de Paris (Franca)

ao extremo, e negociar com lideranças palestinas, acabando com cinco anos de unilateralismo de Sharon”, escreveu.

Toda esta movimentação partidária coloca em xeque o consenso dos principais partidos sobre as orientações políticas de Israel. Peretz não pretende aceitar a fórmula com a qual o país foi governado desde o assassinato de Rabin. Sharon e Netanyahu não devem se aliar e vão concorrer, separadamente, ao governo. Segundo Warshawski, a incerteza no cenário político israelense pode ser considerada como uma nova esperança para o fim da ocupação dos territórios palestinos. Isso porque, afirma o ativista, vai trazer o debate sobre os rumos do país de volta para a sociedade. “A política israelense vai ser democratizada. E, se Peretz ganhar, quem sabe não caminharemos para efetivar a democracia do país”, raciocina. O presidente palestino, Mahmoud Abbas, enviou uma mensagem ao líder do Partido Trabalhista, congratulando-o pela vitória, em novembro, e se dizendo disposto a se reunir com ele.

seu secretário nacional, René Riesel, foram condenados a pagar uma multa de 195 mil euros. Em um comunicado à imprensa, a Confederação Campesina repudiou a “invasão” e a retirada do dinheiro diretamente da conta bancária da entidade. Para a Confederação, é preciso que a sociedade se mobilize contra essa repressão a organizações sociais que lutam pela soberania alimentar e contra o avanço dos transgênicos. Para a Via Campesina, a decisão da Justiça francesa mostra que o poder político e econômico das transnacionais produtoras de sementes geneticamente modificadas já influencia os tribunais. “Chegou de fato, na Europa, o chicote da Monsanto, que compra e corrompe os tribunais”, disse João Diniz, da direção da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) de Portugal, entidade que também faz parte da Via Campesina. “A produção dos transgênicos está na mão de ‘meia dúzia’ de empresas que só visam o lucro e para isso aprisionam os agricultores com o pagamento de taxas pelo uso da patente, os chamados royalties”, denuncia.

Carine Clément de Moscou (Rússia) O parlamento russo aceitou, em 23 de novembro, a primeira proposta de um projeto de lei sobre as associações e organizações não-governamentais que visa reforçar o controle do Estado e ameaça a atividade de associações e fundações estrangeiras. Preparado pela administração presidencial, o projeto prevê a interdição de entidades dirigidas por estrangeiros não residentes no país, e coloca fora da lei todas as associações não registradas. O processo de registro se tornará mais restrito. Concretamente, trata-se de uma sentença de morte para cen-

tenas de grupos de iniciativa cidadã. Trata-se do agravamento dos problemas financeiros de todas as entidades que funcionam graças à ajuda de fundações estrangeiras. Sobretudo, como destacam as associações de defesa dos direitos humanos, trata-se do aumento do controle do Estado sobre a sociedade civil. As organizações mais críticas não têm dúvida de que serão as primeiras atingidas pela ameaça de interdição. Iouri Djibadze, presidente do Centro de Desenvolvimento da Democracia e dos Direitos Humanos, acredita que a medida é uma etapa de um processo que tem como objetivo acabar com todas as atividades

cidadãs consideradas não leais ao poder. As organizações de defesa dos direitos humanos lançou o manifesto “Não ao aumento do controle sobre a sociedade civil”, que reuniu milhares de assinaturas em poucos dias. Um grupo de jovens militantes ecologistas e de esquerda fizeram uma manifestação improvisada em frente ao parlamento no dia da apreciação da lei. Eles foram imediatamente retirados pelas autoridades. Apesar da mobilização, não há o que fazer. O projeto de lei vai passar, pois todos os setores do parlamento estão de acordo com o aumento do controle. (L´Humanité, www.presse.fr)

SUÍÇA

Mais da metade dos suíços diz não aos transgênicos O cultivo de sementes geneticamente modificadas está proibido na Suíça pelos próximos cinco anos. No dia 27 de novembro, o país aprovou a proibição em referendo, com o apoio de quase 56% do eleitorado. A iniciativa da consulta popular foi de ecologistas, grupos de esquerda e órgãos de defesa do consumidor que consideram insuficientes as leis que regulam os transgênicos na Suíça. O que se espera com a tecnologia de plantas transgênicas são benefícios para o agricultor, como a redução de custo de produção, facilidade no manejo (como controle de ervas daninhas e insetos) e aumento de

produtividade. Mas tudo isso é questionado por ambientalistas e movimentos sociais camponeses, que também denunciam que o objetivo das transnacionais é ter o monopólio da produção agrícola. Os agricultores suíços a favor e contra os organismos geneticamente modificados concordam sobre a importância do fator tempo para avaliar melhor os impactos na natureza dos transgênicos, no que se refere ao equilíbrio ambiental. A expectativa é de que nesses cinco anos de proibição sejam feitos estudos conclusivos sobre utilização da biotecnologia na agricultura e seus reflexos na saúde, meio ambiente e no mercado.

Enquanto isso, organizações contra os transgênicos esperam que o referendo sirva de exemplo para outros países europeus. E isso já parece estar acontecendo. Depois da consulta popular, o ministro italiano da Agricultura declarou que a decisão na Suíça deve fazer com que a União Européia reflita sobre o assunto “porque exprime a voz profunda que vem do centro do continente”. Desde novembro do ano passado, a Itália adota o sistema de coexistência de culturas geneticamente modificadas e de agricultura tradicional. Mas 13 regiões do país já se declararam zonas livre de transgênicos. (BP)


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INTERNACIONAL ÁFRICA

Uma vitória na guerra contra a mutilação da Redação

Unicef

Quinze países africanos assinam protocolo que proíbe e castiga a prática de mutilação genital feminina

O

Protocolo sobre os Direitos das Mulheres Africanas, primeiro texto de âmbito continental a proibir explicitamente práticas como a mutilação genital feminina (remoção do clitóris e dos lábios menores da vulva), entrou em vigor dia 25 de novembro. O documento foi adotado na segunda Assembléia Geral da União Africana (UA), realizada em Maputo (Moçambique), em julho de 2003. Mas, para entrar em vigor, devia ser ratificado por 15 países-membros. Togo foi o 15º país a assiná-lo, dia 26 de outubro, ativando automaticamente o período de 30 dias para sua entrada em vigor. Os países que assinam o documento são Cabo Verde, Comoros, Dgibuti, Gâmbia, Lesoto, Líbia, Maláui, Mali, Namíbia, Nigéria, Ruanda, Senegal, África do Sul, Benin e Togo. Há ainda 38 integrantes da UA que não aprovaram o documento. O texto – que integra a Convenção Africana sobre os Direitos das Pessoas e dos Povos – aborda especificamente a realidade das mulheres africanas. Ele estabelece, entre outras coisas, que os países-membros proibirão e castigarão “toda forma de mutilação genital feminina” e “protegerão as mulheres para que elas não corram o risco de serem submetidas” a essa prática. É a primeira vez que a mutilação genital feminina é abordada de forma explícita em um texto legal cujo âmbito é o continente africano, onde a prática continua sendo realizada em mais de 28 países. Também pela primeira vez reafirma-se o direito das mulheres de ter sua saúde reprodutiva respeitada, o que inclui, segundo o artigo 14, “o direito de controlar

Mutilação genital feminina é praticada ainda em 28 países do continente africano, afetando cerca de 130 milhões de mulheres, segundo relatório do Unicef

sua fertilidade, escolher métodos anticoncepcionais e se proteger da Aids”. O mesmo artigo indica que “os países tomarão medidas para proteger os direitos reprodutivos das mulheres, autorizando o aborto médico em caso de agressão sexual, violação, incesto e quando a gravidez puser em perigo a saúde física ou mental da mãe ou a vida da mãe e do feto”. Em um continente onde os casamentos arranjados são freqüentes e as meninas são obrigadas a se casar muito jovens, o protocolo estabelece que os países devem garantir que

dade de seu marido”, afirma o artigo 21. O mesmo princípio pode ser aplicado em caso de separação ou divórcio. Outros trechos referem-se à participação da mulher na política, bem como ao direito à educação, e ao direito da mulher ser protegida pelas leis e em caso de conflito armado. As organizações de mulheres consideram a entrada em vigor do protocolo um “marco”. “O fundamental é que ele (o documento) é africano, são nossos chefes de Estado que o adotam, e o texto dá às mulheres uma poderosa ferramenta para desafiar

“nenhum casamento ocorra sem o consentimento das duas partes” e determina os 18 anos como a idade mínima para o matrimônio.

DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICOS O texto também reconhece os direitos das viúvas, inclusão importante levando em conta que, em muitos países africanos, a tradição priva as mulheres do direito à propriedade. Elas perdem todos os seus pertences se os maridos morrerem e podem ainda ser “herdadas” por parentes destes. “Uma viúva terá direito a uma porção eqüitativa da herança da proprie-

aqueles que afirmam que os direitos das mulheres são um conceito ‘importado’ do Ocidente”, diz a diretora da Rede de Comunicação e Desenvolvimento das Mulheres Africanas, Muthoni Wanyeki. “Estamos muito orgulhosas de ter chegado até aqui, mas a grande batalha está por vir, em conseguir que o documento seja respeitado”, acrescentou Faiza Mohammed, da organização Equality Now (Igualdade Já), que coordenou 19 associações africanas para pressionar os governos a ratificar o texto. (Portal Vermelho, www.vermelho.org.br/ Agências internacionais)

QUÊNIA

da Redação Calcula-se que cerca de três milhões de meninas sofram mutilação genital (ablação) nos países da África subsaariana e do Oriente Médio, segundo relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgado dia 24 de novembro. O documento informa ainda que nos 28 países onde a mutilação genital de meninas é praticada o número total de afetadas chega a cerca de 130 milhões. Nos locais onde é praticada a mutilação, as pessoas pensam que o ato contribui para ressaltar a beleza, a honra, a posição social e a castidade – o que supostamente aumentaria as possibilidades de casamento das jovens, segundo o relatório do Unicef. Antes, calculava-se em dois milhões o número anual de ablações. Hoje, no entanto, acredita-se que essa cifra se aproxima dos três milhões, o que não significa que tenha aumentado o número de mutilações desse tipo, mas melhorado a coleta de dados. “É possível uma mudança real e durável”, afirma Marta Santos Pais, diretora do centro de pesquisas Innocenti, do Unicef. Segundo Marta, “tudo isso mudará quando as comunidades – os adolescentes de ambos os sexos, homens e mulheres – forem capazes de decidir eles mesmos, com base em conhecimentos reais sobre o modo como essa prática afeta negativamente o estado de saúde de quem a sofre”. Além de ser dolorosa, a mutilação pode resultar em sangramento prolongado, infecção, infertilidade e até

na morte da menina, acrescenta o documento.

SILÊNCIO Muitas meninas e mulheres suportam a mutilação em silêncio. Devido ao caráter privado dessa prática, é impossível calcular quantas morreram por conta de complicações geradas pela ablação. O relatório analisa algumas das estratégias que já estão ajudando comunidades a abandonar a prática, como as iniciativas apoiadas pelo Unicef no Egito e que são destinadas a estimular o debate aberto sobre essa questão. A participação nesse debate de líderes de opinião, entre eles líderes tradicionais ou religiosos, pode desempenhar um papel decisivo na promoção da discussão, segundo o documento. É preciso formar equipes sanitárias e médicas, curandeiros tradicionais, trabalhadores sociais e professores para que desaconselhem esse tipo de prática, acrescenta o texto. Além disso, a mutilação é uma preocupação global pois também afeta, embora em diferente grau, mulheres que vivem no centro de grupos imigrantes nos países ricos. Segundo o relatório, a eliminação da mutilação genital feminina em grande escala requereria maiores esforços por parte dos governos, da sociedade civil e da comunidade internacional. Já há leis que proíbem essa prática em alguns países africanos e do Oriente Médio, assim como em nações onde a mutilação afeta as comunidades imigrantes, entre elas Austrália, Canadá, Nova Zelândia, Estados Unidos e alguns países europeus. (Portal Vermelho, www.vermelho.org.br/ Agências internacionais)

Joyce Mulama de Nairóbi (Quênia) A população do Quênia negou-se a atribuir mais poder ao presidente Mwai Kibaki ao rejeitar, por ampla maioria, em referendo, o projeto de reforma constitucional. Segundo dados divulgados pela Comissão Eleitoral do Quênia, 3.548.477 de eleitores votaram, dia 22 de novembro, contra a nova Constituição (57%), enquanto 2.532.918 a apoiaram. Entretanto, um abatido Kibaki disse que “este é um passo gigantesco para o fortalecimento da democracia. Meu governo respeitará o veredicto do povo”, acrescentou o presidente. Kibaki e seu Partido da Aliança Nacional do Quênia haviam impulsionado a reforma, o que provocou uma divisão dentro da governante Coalizão Nacional do Arco-Íris. O ministro de Estradas e Obras Públicas, Raila Odinga, líder do Partido Democrático Liberal, defendeu o voto pelo “não”, assim como a opositora União Nacional Africana do Quênia. Para facilitar o voto dos analfabetos, os defensores da reforma adotaram uma banana como símbolo, enquanto os que eram contrários escolheram uma laranja. Opositores à proposta alegaram que o novo texto constitucional dava muito poder ao chefe de Estado e pediram que fosse retomado um projeto anterior que dividia a autoridade executiva entre o presidente e o primeiro-ministro, cargo criado recentemente. A versão anterior da reforma é conhecida como “Projeto Bomas”, em referência a “Bomas do Quênia”, centro cultural em Nairóbi

Divulgação

Na África subsaariana, são 3 milhões de vítimas População rejeita nova Constituição

Mwai Kibaki (ao microfone) sofre derrota no referendo popular

onde se reuniu, em 2003 e 2004, a Conferência Constitucional Nacional, integrada por delegados do governo e da sociedade civil. Esse diálogo foi registrado depois das consultas realizadas em todo o país pela Comissão para a Revisão Constitucional, que em 2002 recebeu a tarefa de reunir a opinião dos quenianos. A Comissão informou então que os cidadãos aspiravam reduzir o poder do presidente, ao que parece, em reação aos abusos cometidos pelos governos de Jomo Kenyatta (1964-1978) e Daniel Arap Moi (1978-2002). O texto rejeitado no referendo havia sido aprovado em 21 de julho no parlamento, por 102 votos contra 16. A iniciativa incluía mudanças introduzidas por parlamentares da Coalizão Nacional do Arco-Íris ao “Projeto de Bomas”, para manter a figura de um presidente poderoso e instaurar um primeiro-ministro não-executivo designado pelo chefe de Estado.

Agora que os quenianos rejeitaram a Constituição proposta, a atual, que data de 1963 – quando o Quênia ficou independente da GrãBretanha – continuará em vigor. Porém, o presidente da Comissão Eleitoral do Quênia, Samuel Kivuitu, pediu à população para não esquecer a revisão constitucional. “É imperativo que continuemos lutando por uma Constituição melhor, que busque nos unir, que reconheça que o poder para governar está nas pessoas”, disse, ao anunciar o resultado do referendo. O presidente Kibaki havia prometido a aprovação de uma nova Constituição nos primeiros cem dias de seu governo, no final de 2002. Quase três anos depois, os quenianos continuam esperando. Já são muitas as especulações sobre mudanças no governo em razão do resultado do referendo, na medida em que se aproximam as eleições de 2007. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)


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DEBATE MANIFESTO DOS ECONOMISTAS

Aos povos da América Latina Cidade do México, outubro de 2005. surgimento e o fortalecimento do capitalismo na Europa a partir dos séculos 15 e 16 conferiu ao continente latino-americano um novo e triste destino. Já nos primeiros momentos da “conquista”, os povos que aqui viviam foram submetidos a todas as formas de exploração. De lá para cá pouca coisa mudou. Sua população é hoje muito maior e mais rica etnicamente, graças à bem-vinda miscigenação decorrente da chegada das populações, européia, africana e asiática. A exploração, contudo, permanece intocada. A forma que ela hoje toma é a da submissão incondicional dos países latino-americanos às políticas neoliberais de ajuste. Esse modelo é mal formulado e equivocado, do ponto de vista do desenvolvimento e da soberania latino-americanos. Mas é um sucesso e revela-se uma estratégia muito coerente e bem articulada, do ponto de vista da permanência no continente dessa situação de sujeição irrefreável à lógica do mercado e de subordinação aos ditames do imperialismo. Depois de ter sido fomentado na América Latina, principalmente durante os anos 1950 e 1960 do século 20, o sonho do verdadeiro desenvolvimento e da conquista efetiva de dignidade e liberdade para seus povos, ele foi substituído, tão logo começaram a ser afetados os interesses do grande capital, pelo abandono da democracia e pelo pesadelo da dívida, numa mudança de rota que contou sempre com o apoio e a subserviência das elites locais. Há três décadas o continente sofre as agruras da estagnação, do desemprego e da miséria crescente. Ao contrário do que apregoa o discurso da ortodoxia econômica, as políticas de ajuste não têm levado ao crescimento e à redução das desigualdades. Só nos últimos dez anos, a população vivendo abaixo da linha de pobreza na América Latina saltou de 200 para 225 milhões de pessoas, enquanto a renda per capita teve evolução praticamente nula. As reformas ditas necessárias para lograr o crescimento sustenta-

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do de nossas economias vêm contribuindo para piorar ainda mais esse quadro, precarizando as relações de trabalho, cortando direitos sociais e reduzindo a quantidade e a qualidade dos bens públicos oferecidos à população. As políticas públicas destinadas a “compensar” esse ininterrupto fluxo de produção de pobreza no continente, longe de resolver o problema, acabam por naturalizá-lo, consagrando a exclusão social. Com sua adoção admite-se que as benesses desse modelo econômico não são de fato para todos e difunde-se a idéia enganosa de que pobreza e miséria têm a mesma inevitabilidade de tempestades e terremotos. Tampouco têm aparecido os resultados relativos à estabilidade e sustentabilidade do crescimento no continente. Ao contrário, as práticas neoliberais vêm fragilizando ainda mais as economias latino-americanas, aumentando sobremaneira sua vulnerabilidade externa e elevando seu grau

de exposição às crises financeiras típicas deste momento da história capitalista. Além disso, esse conjunto de políticas enfraquece a organicidade econômica do continente, pois não contribui para a complementaridade produtiva, nem para a integração de suas populações e, no limite, joga Nação contra Nação. Essa política, de resultados tão danosos para os povos latinoamericanos, atende apenas aos interesses do grande capital, hoje fundamentalmente o capital transnacional e o capital financeiro. Trata-se sempre primordialmente da manutenção do valor desses capitais e de sua rentabilidade, pouco importando se este capital veio para cá ampliando capacidade produtiva, comprando capacidade produtiva já instalada, aproveitando a possibilidade de polpudos ganhos em moeda forte viabilizados pela emissão de

dívida pública ou simplesmente financiando governos corruptos. Essa situação deplorável é o resultado de uma relação secular de subordinação da periferia capitalista ao centro desse sistema mundial, relação que assumiu as mais variadas formas ao longo da história. Já fez do continente um produtor de bens agrícolas e matérias-primas baratas para alavancar a rentabilidade das potências industriais hegemônicas. Transformou depois nossos maiores mercados internos em espaços de valorização das multinacionais em crise nos países do centro. Numa nova etapa, fez dos países latino-americanos presas fáceis da oferta de capitais que não encontravam aplicação rentável num mundo em recessão aberta depois do choque do petróleo. Atualmente busca fazer de nossas economias plataformas de valorização financeira, objetivo este que exige a manutenção da liberdade plena para os fluxos internacionais de capitais, a cobrança incontornável dos estoques de dívida e de seu serviço, a manutenção de desumanos superavits fiscais e o sacrifício de milhões de vidas que jazem sem perspectiva e sem horizonte. Os economistas reunidos no 5º Colóquio Latino-Americano de Economistas Políticos nesta Cidade do México e que acabam de fundar a Sociedade LatinoAmericana de Economia Política e Pensamento Crítico acreditam que é preciso e é possível dar um basta a essa situação. Precisamos de um desenvolvimento que privilegie a verdadeira inclusão social, a universalização dos bens públicos, a eliminação das desigualdades, a elevação do padrão de vida, a integração de seus povos irmãos e que resgate a soberania e a altivez de nosso continente. Para isso é preciso travar uma dura luta contra o neoliberalismo e a ortodoxia econômica e contra todas as formas de imperialismo. É preciso ter consciência de que uma política alternativa, se corretamente formulada e gerida, não levará ao caos, como querem fazer crer aqueles que defendem a manutenção da situação. Ao contrário, será capaz de reduzir o desemprego, a miséria e a pobreza, além de criar mecanismos capazes de defender nossos países do rentismo parasitá-

rio e da especulação desenfreada que, de quando em quando, joga nossas economias num buraco ainda mais fundo, exigindo sacrifícios ainda maiores. É preciso igualmente lutar com todas as forças contra aqueles governos que, eleitos a partir de um programa que promete mudanças e faz nascer a esperança, frustram essas expectativas e se tornam reféns das políticas neoliberais. Da mesma forma é preciso lutar para que se sustentem no poder os governos dispostos a implementar políticas realmente populares, a enfrentar decididamente os imperativos do grande capital e a buscar a redução efetiva das desigualdades inaceitáveis de riqueza e de renda que marcam nossas sociedades. Mas nada disso será possível se não se mobilizarem nossas populações para os movimentos necessários ao alcance desses objetivos. Isso implica a radicalização da democracia com a criação de processos efetivamente participativos, o fortalecimento dos movimentos sociais e o fomento à solidariedade entre os povos latino-americanos. A juventude deve ter papel destacado nessa marcha. É preciso resgatar os jovens para a defesa de nosso continente e de suas populações há tantos séculos humilhadas e exploradas. É preciso impedir que eles sejam seduzidos pelas promessas do neoliberalismo, pelos encantos do poder e pelas vantagens da remuneração fácil. É preciso finalmente conclamar os povos latino-americanos para que se levantem contra todas as formas de opressão, de exploração e de imperialismo, como já vem acontecendo em alguns países cujas populações têm promovido lutas de libertação e destituído governos coniventes, mentirosos e corruptos. A continuidade e o aprofundamento dessa luta é indispensável para que o continente latinoamericano volte a ter dignidade e soberania, promova a benfazeja convivência de suas raças e povos e faça sua história com suas próprias mãos. Sociedade Latino-Americana de Economia Política e Pensamento Crítico (Sepla)

DIREITOS HUMANOS

O juiz Livingsthon mostrou que o rei está nu Frei Gilvander Moreira e Delze dos Santos Laureano roferindo sentença em uma ação civil pública movida pelo Ministério Público contra a situação carcerária do 1o Distrito Policial de Contagem (MG), o juiz Livingsthon José Machado determinou a soltura dos presos, sob o argumento de que a incúria do Estado feria o artigo 5o, LXV da Constituição Federal. Esse inciso diz o seguinte: “A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”. Provada a ilegalidade – 63 presos em uma cela com capacidade para apenas 7; provada a insalubridade; provado o risco à saúde dos presos – pessoas enfermas amontoadas junto com pessoas sadias; provado o abuso de manter presos sentenciados até quatro anos nessa cela insuportável, sem encaminhálos para penitenciária; dada a incapacidade de o juiz mandar construir cadeias; o juiz Livingsthon José Machado concluiu, após interpretar com inteligência a lei em vista dos princípios constitucionais: uma prisão que não cumpre os requisitos da lei

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é uma prisão ilegal e deve ser imediatamente relaxada. A postura corajosa e profética do juiz Livingsthon faz lembrar a história de A Nova Roupa do Rei, de Hans Christian Andersen. Enganado por dois espertos costureiros, o rei cego saiu em um desfile, mas uma criança, em sua inocência, gritou: “Coitado!!! Ele está completamente nu!! O rei está nu!”. O povo, então, enchendo-se de coragem, começou a gritar: “O rei está nu! O rei está nu!” Assemelha-se também à famosa decisão da Suprema Corte Norte Americana, conhecida como “Caso Miranda versus Arizona”. Refere-se a um jovem pobre de 23 anos, portador de distúrbios mentais e que confessou ter estuprado uma jovem. Acontece que violadas as garantias fundamentais no processo, o advogado invocou a 5a Emenda em favor do réu. O juiz alegou que Miranda não estava amparado pelo princípio do devido processo por não ser americano, no entanto, estava julgando-o e condenando-o usando essa mesma lei. Neste momento o que o Tribunal de Justiça de Minas fez

foi aplicar de forma implacável a lei penal e os princípios constitucionais contra os presos de Contagem. No entanto, negalhes esses mesmos direitos de que são titulares. Esses presos não têm nenhuma outra restrição a direitos senão a perda da liberdade, conforme determina o Código Penal brasileiro. Para espanto geral, em vez de cobrar medidas urgentes do governo Aécio Neves e autoridades administrativas, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que também deve interpretar corretamente a Constituição e as Leis, investiu contra o juiz! E mais: o Ministério Público, que solicitou a providência judicial, manifestou a intenção de processá-lo! A Rede Nacional de Advogados Populares de Minas Gerais e diversos movimentos sociais, como a Pastoral de Direitos Humanos e o Movimento Nacional de Direitos Humanos, entendem ser a decisão do juiz Livingsthon legal, justa e profundamente ética frente à situação desumana em que se encontram os presos. Também adequada à correta interpretação dos direitos constitucionais fundamentais e internacionais

pactuados nas convenções de que o Brasil é signatário. As cadeias públicas se encontram em situação de miséria. Dr. Livingsthon fundamentou a soltura dos presos no respeito ao que a humanidade consagrou na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que assim dispõe: “Ninguém será submetido a tratamento cruel, desumano ou degradante...”. Por essa razão, a soltura dos acusados ganha uma dimensão oportuna, no que tange à interpretação dos direitos humanos em tempos de desumanidade sangrenta nas cadeias de Minas e do Brasil. A situação carcerária em que vivem os presos é degradante e cruel, e não é fato novo. Portanto, a liberdade a alguns presos traz à tona as mazelas do sistema penal e da farsa da Segurança Pública em Minas. Com a sua atitude, o juiz Livingsthon humaniza o direito e faz cumprir o que a sociedade desejou na elaboração da Lei de Execuções Penais. Por trás das paredes das prisões estão amontoados os presos que muito antes de serem algozes dos crimes divulgados pela mídia, com deleite, são vítimas de

uma sociedade que, a cada dia, fabrica mais marginais e exclui a maior parcela da população de todas as oportunidades de vida digna. O juiz Livingsthon pode, assim como o frei dom Luiz Flávio Cappio, como a irmã Dorothy, como o ambientalista Francisco Anselmo, encorajar o povo para que este saia desse marasmo da ideologia capitalista reinante e assuma de vez a luta em favor dos pobres e dos excluídos. Ninguém deve se iludir. Na prisão de Contagem só estão os pobres e qualquer voz que se levante em favor deles certamente irá sofrer represálias. Acreditamos que essa deve ser a oportunidade de como aquele menino do conto de Hans Christian Andersen, aproveitarmos a coragem do juiz profeta e sairmos de pulmão aberto denunciando que o rei (governador, desembargadores e o poder econômico) estão nus. Frei Gilvander Luís Moreira é assessor da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Delze dos Santos Laureano é advogada da Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP)


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agenda@brasildefato.com.br

AGENDA ENCONTRO DA REDE DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO GRANDE BOM JARDIM 2e3 O evento pretende analisar o processo vivido por instituições e moradores na elaboração do diagnóstico e do planejamento do Grande Bom Jardim para o desenvolvimento sustentável; discutir o que precisa ser feito para a efetivação dos planos e projetos já elaborados e iniciar a discussão sobre experiências de efetivação de políticas públicas e negociações de projetos. Local: R. Dr. Fernando Augusto, 987, Fortaleza Mais informações: (85) 3497-2162, cdvhs@cdvhs.org.br 2º ENCONTRO CULTURAL DOS POVOS DO MAR DO CEARÁ 2a4 Representantes de cerca de cem comunidades do litoral do Estado vão participar do encontro idealizado pelo Instituto Terramar em parceria com o Fórum dos Pescadores e Pescadoras do Litoral Cearense, o Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará e a Rede de Educação Ambiental do Litoral Cearense (Realce). O encontro pretende apresentar o multifacetado universo cultural das populações costeiras, promovendo o intercâmbio entre as comunidades. Na programação, além de shows e apresentações culturais, acontecerá a Feira dos Povos do Mar, com cerca de 40 estandes, para comercializar produtos feitos por artesãos e artesãs das comunidades litorâneas a partir de preceitos da socioeconomia solidária Local: Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, R. Dragão do Mar, 81, Fortaleza Mais informações: (85) 8816-9216 4º FESTIVAL DE TEATRO DE FORTALEZA 9 a 17 O evento promove uma Mostra Especial (categorias adulta e infantil), uma Mostra Repertório e uma Mostra Paralela (lona livre), com apresentações na Praça do Ferreira, e espetáculos de Teatro com Bonecos e Teatro de Rua, nos terminais de ônibus. Serão realizadas oito oficinas e debates sobre os espetáculos da Mostra Especial. A inclusão de espaços como a Praça do Ferreira e os terminais de ônibus faz parte de uma proposta do festival de dessacralizar os espaços instituídos para o teatro, descentralizar a produção artística teatral e proporcionar oportunidade de acesso a espetáculos teatrais, em um movimento de encontro entre espaços centrais do cotidiano da cidade e a arte cênica.

Local: Teatros Antonieta Noronha, Sesc Emiliano Queiroz e São José, Praça do Ferreira e terminais de ônibus, Fortaleza Mais informações: (85) 3253-7879

MARANHÃO 1º ENCONTRO NORTE-NORDESTE DE COMUNICAÇÃO E CULTURA 8 a 10 O tema do encontro, promovido pelo Instituto de Comunicação, Educação e Cultura Chamamaré, será “Articulação local e global: construindo conexões culturais”. Durante o evento haverá oficinas, palestras, minicursos, conferências e grupos de trabalho. Local: Universidade Federal do Maranhão, Av. dos Holandeses, 3, Ponta D´areia, São Luis Mais informações: www.chamamare.org/encontro.html

RIO GRANDE DO SUL MEMÓRIA DE PAPEL Até 6 Exposição de reportagens de jornais e revista publicadas de 1985 até 2005. O objetivo da mostra é apontar a “permanência do passado (tão atual) no presente”. Local: Espaço Maurício Rosenblat, Casa de Cultura Mário Quintana, R. dos Andradas, 736, Porto Alegre Mais informações: (51) 3221-7147

RIO DE JANEIRO ATO PELA VIDA Dia 1º O Grupo Pela Vida organiza um ato público no Dia Mundial de Luta Contra a Aids, 1º de dezembro. O tema da manifestação será a qualidade da assistência ao doente soropositovo no Brasil. Local: Central do Brasil, Rio de Janeiro Mais informações: www.saberviver.org.br SEMINÁRIO - OS DESAFIOS DA DÍVIDA EXTERNA E INTERNA PARA A SOCIEDADE CIVIL 6, das 9h às 18h Promovido pela Rede Jubileu Sul Brasil / Campanha pela Auditoria Cidadã da Dívida, o seminário vai debater temas como o impacto do endividamento no emprego e no ambiente, modelo tributário, previdência, taxa de juros e direitos sociais. O evento pretende promover a articulação da sociedade frente à dívida, denunciando o fato de que a dívida pública é o pano de fundo para os demais problemas nacionais. Pretende também ampliar o debate em torno da demanda por uma auditoria de todo o processo de endividamento. Durante o seminário, serão divulgados livros de

autores presentes, como: Economia política internacional, de Reinaldo Gonçalves; Brasil: Oportunidades perdidas, de Ivo Poletto; Pleno emprego, de José Carlos de Assis; O petróleo é nosso, de Maria Augusta Tibiriçá Miranda; Novo desenvolvimentismo - um projeto nacional de crescimento com equidade social, de diversos autores, organizado por João Sicsú, Luiz Fernando de Paula e Renaut Michel; O Brasil frente à ditadura do capital financeiro: reflexões e alternativas, de diversos autores, organizado por Carla Ferreira e André Forti Scherer; Direitos humanos no Brasil 2005, relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. Local: Auditório João Theotônio, Centro Cultural da Universidade Cândido Mendes, R. da Assembléia, 10, subsolo, Centro, Rio de Janeiro. Mais informações: (11) 5572-1518 CINEMA E ARTES DRAMÁTICAS A Escola de Educação Audiovisual Nós do Cinema oferece cursos gratuitos de cinema e artes dramáticas para moradores de comunidades de baixa renda. Os cursos têm início no dia 23 de janeiro, com duração de seis meses. Haverá quatro turmas: duas de cinema e duas de artes e literatura, nos bairros de Botafogo e Lapa, no município do Rio de Janeiro, e na cidade de São Gonçalo, também no Estado do Rio. Local: R. Voluntários da Pátria, 53, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2226-0668

SÃO PAULO CHICO CÉSAR NO PROJETO O AUTOR NA PRAÇA 3, a partir das 14h O músico, compositor e escritor Chico César é o próximo convidado do projeto O Autor na Praça. Na ocasião, vai autografar seu primeiro livro, Cantáteis - cantos elegíacos de amozade, além de seu novo CD, De uns tempos pra cá. Haverá leituras, participação do músico, compositor e escritor Erton Moraes (Movimento Trokaoslixo), do violonista e craviolista Romano Nunes Cabelo, do artista plástico D`Ollynda e do cartunista Júnior Lopes. Local: Espaço Plínio Marcos, Feira de Artes da Praça Benedito Calixto, São Paulo Mais informações: (11) 3085-1502 ARTE PELA LIBERDADE 3, a partir das 15h Festival promovido pelo Comitê pela Liberdade de Gegê e contra a criminalização dos movimentos sociais e de moradia. Integrante do Diretório Nacional do PT e líder da Central dos Movimentos

SÃO PAULO Divulgação

CEARÁ

ENCONTRO - QUILOMBOS DO BRASIL: RECONHECIMENTO, REGULARIZAÇÃO E TITULAÇÃO 2a4 O evento, promovido pela Associação dos Remanescentes de Quilombos da Comunidade Caçandoca e pela Comissão Provisória Estadual das Associações de Comunidades Quilombolas de São Paulo, pretende estimular o trabalho conjunto entre o poder público e a lideranças quilombolas, para identificar necessidades e prioridades das comunidades. A iniciativa também visa incentivar o desenvolvimento econômico sustentável; efetivar as competências das ações das associações das comunidades quilombolas, conforme o decreto lei 4.887; formalizar compromisso para a regularização fundiária dos quilombos, principalmente os que se encontram em conflitos judiciais, promovendo o levantamento de terras públicas e oficializar a comissão da Associação das Comunidades Quilombolas do Estado de São Paulo. Local: Quilombo de Caçandoca, Estrada Benedita Luiza dos Santos, 1474, Ubatuba (km 78 da Rodovia Rio-Santos), São Paulo Mais informações: (12) 3848-1669

Populares, Gegê está sendo acusado, sem provas, de ser co-autor de um homicídio ocorrido em 2002, em uma ocupação na zona Leste de São Paulo. Ele está foragido, depois de ter sido preso, libertado e de ter encerrada sua liberdade provisória. Bandas e grupos teatrais se apresentarão no festival, que no encerramento terá apresentação do cantor Chico César, irmão de Gegê. Local: Sindicato dos Coureiros, R. Cel. Cintra, 119, São Paulo Mais informações: gegelivre@ig.com.br EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA - NO OLHO DO FURACÃO Até dia 11 A exposição fotográfica organizada pela Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Estado de São Paulo traz 108 fotos que marcaram os últimos dois anos do Brasil. Muitas delas foram obtidas em situações extremas e, por isso, o nome No Olho do Furacão. Fazem parte da mostra fotos premiadas nacional e internacionalmente. A idéia da exposição é resultado de um projeto que tem como objetivo organizar, documentar e expor fotografias jor-

nalísticas produzidas tanto por veteranos como por jovens talentos. Entrada franca. Local: Centro Cultural São Paulo, Piso Verde, R. Vergueiro, 1000, São Paulo Mais informações: (11) 3277-3611 EXPOSIÇÃO - TERRA PAULISTA Até 11 O Sesc Pompéia abriga um panorama da história, da arte e dos costumes dos paulistas, desde o primeiro encontro entre os índios e os portugueses que aqui estavam até as manifestações culturais contemporâneas. A diversidade de linguagens é a marca da mostra Terra Paulista. Criações cenográficas, arte digital, maquete, vídeos, quadrinhos, reproduções de pinturas, objetos históricos, mapas, documentos e fotografias estimulam o público a entender as tradições paulistas, em especial as do interior do Estado. O projeto é uma realização do Centro de Estudos e Pesquisa em Educação, Cultura e Ação Comunitária. Local: Sesc Pompéia, R. Clélia, 93, São Paulo Mais informações: (11) 3871-7700

CULTURA

Um olhar profundo sobre a América Latina Mário Augusto Jakobskind do Rio de Janeiro (RJ)

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bservar a América Latina sem triagens e intermediários das agências internacionais e da grande mídia conservadora. Esse foi o objetivo do 1º Encontro Latino-Americano Raízes da América – Cultura de Resistência, realizado dia 26 de novembro, pelo Sindicato dos Servidores das Justiças Federais no Estado do Rio de Janeiro (Sisejufe-RJ), com a participação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outras entidades. O evento, de caráter cultural e político, teve a apresentação do grupo de dança popular Pé de Chinelo, debate sobre o tema de “A (des)construção das identidades latino-americanas”, com participação da antropóloga Christian Valles, integrante do Ministério da Cultura da República Bolivariana da Venezuela; do cineasta Orlando Senna, secretário executivo

de Audiovisual do Ministério da Cultura do Brasil; e do jornalista Abel Sardiña, correspondente da agência de notícias cubana Prensa Latina. Senna, que nos anos 1980 participou da criação da Fundação do Novo Cinema Latino-Americano e do seu projeto mais importante, a Escola de Cinema e TV de San Antonio de los Baños, destacou a importância da integração latinoamericana e falou dos esforços do setor que ele dirige no sentido de priorizar a ampliação do Mercosul para toda a América, do México à Argentina, do Rio Grande à Patagônia. “Na verdade, essa é a meta traçada por Bolívar, uma união latino-americana, uma comunidade econômica e cultural, apelidada pelo próprio Bolívar, poeticamente, de Pátria Grande”, disse Senna. Para o cineasta, as vias de acesso que possibilitem aos brasileiros conhecer o continente a que pertencem passam por três

movimentos relacionados, interdependentes: “Os brasileiros conhecerem o Brasil, que é a metade do continente; os brasileiros conhecerem os outros países; e estabelecerem contato com as outras culturas dessa Pátria Grande”. O outro movimento consiste em “as pessoas e instituições dos outros países conhecerem o Brasil”. Este, em síntese, observou Senna, é o que o setor de audiovisual do Ministério da Cultura vem tentando levar à frente.

BALANÇO O jornalista Abel Sardiña fez uma síntese da figura histórica de José Martí, um pensador latinoamericano que no século 19 viveu nas “entranhas do monstro”, os Estados Unidos, e participou ativamente da luta de independência de Cuba, morrendo em uma das batalhas. “Martí trabalhou intensivamente na organização da 2ª Guerra de Independência, a chamada Guerra Necessária, em 1895”.

A antropóloga Christian Valles fez um balanço dos esforços que o governo do presidente Hugo Chávez vem desenvolvendo para colocar a cultura ao alcance de todo o povo venezuelano, destacando a própria criação do Ministério da Cultura, em abril. Na área da educação, Christian revelou que a revolução bolivariana priorizou o ensino em tempo integral, das 7h às 16 h, o que não acontecia nos últimos 40 anos. O sindicalista Roberto Ponciano, presidente do Sisejufe-RJ, falou da necessidade de os brasileiros – os trabalhadores, em especial – se voltarem para as questões da cultura, conhecendo melhor, por exemplo, figuras como a poetisa chilena Gabriela Mistral, os compositores chilenos Victor Jara, Violeta Parra, o brasileiro Luiz Gonzaga, no lugar de figuras idolatradas pela mídia convencional “como uma Madona, por exemplo”. Yedo Ferreira, do Movimento Negro Unificado (MNU) e Eleu-

téria Amora, da Marcha Mundial das Mulheres-Brasil, destacaram as lutas específicas dos segmentos que representam no contexto da integração latino-americana. Na mesa sobre mídia e a comunicação alternativa, que contou com a participação, entre outros, do cineasta Silvio Tendler, de Cláudio Salles, representante das rádios comunitárias, e da jornalista Beatriz Bissio, o debate abordou o papel da imprensa alternativa frente à grande mídia. Os debatedores foram unânimes em apoiar o conceito do pensador italiano Umberto Eco, segundo o qual a “democracia na verdadeira acepção da palavra pressupõe que todos os segmentos sociais tenham vez e voz em pé de igualdade”. O 1º Encontro Latino-Americano Raízes da América terminou com um show de música de raiz e latino-americana, com Darcy da Mangueira, Monarco, o grupo Raíces de América, e o coral da Associação Scholem Aleichem.


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CULTURA

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HIP HOP

A informação, como arma de resistência Cinthia Saito do Rio de Janeiro (RJ)

Divulgação

Fundador do grupo LUTARMADA, Gas-PA defende um movimento cultural e social para a transformação

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ilitantes do movimento hip hop “de resistência”, Gas-PA é fundador do grupo LUTARMADA, “em maiúsculas e tudo grudado”, como ele gosta de repetir. “É uma galera que, como eu, acredita num hip hop comprometido com a transformação”, explica. A indumentária característica – calças largas, tênis enorme, boné – se completa com uma camiseta onde se vê a “arma” que o grupo defende: uma personagem segurando um livro. Gas-PA diz que o desenho simboliza a importância que o movimento dá à informação e de sua postura crítica da mídia corporativa: “Os grandes meios de comunicação dedicam todas as tardes de sábados e domingos a espetáculos de alienação, e quando tem que passar algo construtivo, instrutivo, tem que ser espremido em 30 minutos, às seis e meia da matina”. Em que sentido você acha que a existência da cultura hip hop contribui para melhorar o mundo? Gas-PA – Depende. O hip hop a que o grande público está tendo acesso hoje não contribui com nada. Pelo contrário, presta um desserviço à revolução, é machista, ostensivo, reprodutor dos vícios do mundo “capetalista”, do jeito que o Bush – o pai desse fundamentalista protestante que hoje apavora o planeta – quis. Pouca gente sabe, mas foi a partir de um encontro daquele déspota com o grupo N.W.A. que o hip hop tomou essa forma que hoje ganha o mundo. Aliás, esse hip hop já existia, mas foi a partir desse encontro que a indústria fonográfica passou a investir maciçamente nessa bosta. Dizem que é coincidência. Eu tive o privilégio de iniciar a minha militância no movimento quando o que nos chegava era majoritariamente revolucionário, em 1991, já na beira da transição. Felizmente – no Brasil, principalmente – o hip hop tem forças que resistem à cooptação. Quando os gringos vêm aqui, ficam “de cara” com a gente e dizem sem a menor cerimônia que “o hip hop brasileiro é o melhor do mundo!” É assim que eles falam. Vai vendo! E quando eles dizem isso, não é legal duvidar. Numa palestra com militantes de movimentos sociais do México, da Bolívia e da Colômbia, contei que aqui nosso nível de organização atingiu um ponto em que conseguimos “arrombar” um canal de negociação com o governo federal para discutir e propor políticas públicas e perguntei a eles se em suas respectivas terras eles podiam contar com o hip hop, como aqui no Brasil as organizações mais sérias da esquerda podem contar com a gente. A colombiana disse que não conhecia o movimento por lá, o mexicano e o boliviano falaram apenas sobre as políticas para a juventude. Nem entenderam aquela palavra: hip hop. É claro que eu sei que lá tem. Mas se fosse expressivo politicamente, eles saberiam dizer, imagino. Então, nesse sentido, a gente tem muito a contribuir. Mesmo os que não atuam diretamente, mas por meio de suas artes, propagam uma mensagem positiva e mobilizadora. Foi assim comigo. Eu era um merda. Não servia nem pra ser gente. Aí escutei uns raps que foram fundamentais para hoje eu ser o que sou. Como diz uma música minha, “se acha que hoje eu não estou bem, antes eu era pior ainda”. Quais os propósitos e objetivos de quem faz parte da cultura hip hop? Gas-PA – São várias cabeças pensando coisas diferentes. Tem gente que só quer divertir. Outros,

Quem é Músico do Rio de Janeiro, o rapper Gas-PA milita no hip hop há mais de dez anos, sendo fundador do movimento LUTARMADA, grupo que utiliza a música como instrumento de transformação. Gas-PA e o selo do LUTARMADA, grupo que utiliza o hip hop para fortalecer a luta pela democratização da comunicação

só “dindim”. E por aí vai. O lema do LUTARMADA é “mobilizar entretendo, entreter mobilizando”. O hip hop está a anos luz de ser homogêneo. Então é bom observar o que fazem determinadas correntes. Hoje, existem cinco organizações nacionais de hip hop e o LUTARMADA é filiada a uma delas. E o nosso objetivo é a revolução, o rompimento com essa estrutura vigente, uma sociedade sem classes. É clichê? Pode ser, mas se nossa realidade também é, qual o problema? Além da música, que outros meios vocês têm para expor o pensamento? Gas-PA – Nós incentivamos a leitura nas nossas vizinhanças, realizamos debates, exibimos filmes que geram reflexões sobre a realidade, mas sempre agregado ao entretenimento. Vivemos numa sociedade que depende muito do entretenimento. No livro Cidade Partida, Zuenir Ventura conta que foi num baile funk da Baixada Fluminense, naquela era em que ele era mais violento. Zuenir observa que naqueles chutes todos, em todos aqueles socos e cotoveladas, dedadas nos olhos etc., ele não conseguia sentir um resquício de ódio, rancor, ressentimento, que toda aquela violência era puro lazer. E eu não discordo. Eu tive muitos amigos que freqüentavam esses bailes. Então a gente conclui que no Rio de Janeiro o entretenimento é algo tão incutido que esse povo se diverte até tomando porrada. Ah, nós ainda não temos graffiteiros, mas acho muito eficaz. A mensagem tá lá e você vê todos os dias, não paga entrada e nem tem que comprar. A participação de jovens nesse movimento ajuda a reduzir a criminalidade? Gas-PA – A baixa auto-estima e a “invisibilidade” também levam ao crime. Acredito, sim, que poderíamos viver num Brasil um pouco mais violento se não fosse o envolvimento da juventude com o hip hop. Como a grande mídia normalmente expõe esses tipos de atividades culturais? Gas-PA – A exposição pode ser uma, se for pra alguma atividade da Central Única das Favelas (Cufa), que já está comprometida com a máquina, e outra para um LUTARMADA, que está comprometido só com a revolução e é crítico com a mídia. Nós nunca diríamos que o “Criança Esperança” é um projeto fidedigno. Por exemplo: uma equipe veio entrevistar-nos aqui no morro, para um programa que passa tanto no Canal Futura quanto na Rede Globo. Antes, perguntei quanto tempo o programa tinha de duração e a que horas iria ao ar. A resposta

foi: meia hora, às 6h30. Foi só ele me perguntar o porquê da pessoa segurando um livro na nossa logomarca que eu ressaltei a importância da socialização de informação, já que os grandes meios de comunicação dedicam todas as tardes de sábados e domingos a espetáculos de alienação, e quando tem que passar algo construtivo, instrutivo, tem que ser espremido em 30 minutos, às seis e meia da matina. Eles adoram mostrar aqueles artistas algemados ao terceiro setor, que não têm senso crítico, que em vez de cobrar dos governantes que eles cumpram o seu papel, assumem no lugar deles a lógica neoliberal. Nem todas as ONGs cabem nesse pacote, só

99%. Já me chamaram pra dar palestra sobre hip hop num colégio municipal. Eu sempre faço isso com o maior tesão, só que a dona lá queria agregar o meu trabalho ao projeto “Amigos da Escola”. Eu disse pra ela que em 1992 esse projetinho ainda nem existia e eu já palestrava em colégios, e que não tinha por que os Marinho [família Roberto Mrinho, dona da Rede Globo] se apropriarem da minha correria nessa altura do campeonato. E que com os impostos que eu pago, já sou amigo da escola, do hospital, da iluminação pública e até da polícia... Ela que não é nossa amiga! Por que você acha que o Brasil tem que retirar as tropas do Haiti? Gas-PA – Porque ninguém tem o direito de interferir nos rumos de povo nenhum. Eu chamo essa ocupação de “Operação brother san, versão tupiniquim”. Como a grande mídia está tratando desse assunto? Gas-PA – Com a maior discrição possível. Se der muito cartaz, parte desse povo que condenou a invasão do Iraque e está indiferente à permanência dos milicos brasileiros no Haiti, vai começar a questionar. Como a cultura hip hop vê essa ocupação? E por que esse grande engajamento da cultura hip hop em relação a essa ocupação? Gas-PA – É triste dizer, mas não posso omitir. Existe muito oportunismo no hip hop quanto a essa

questão. O governo nos chamou pra compor com eles a campanha “Pense no Haiti, zele pelo Haiti”, que consiste, entre outras coisas, em shows, palestras e atividades que visam arrecadar material escolar pra mandar pra “menorzada” haitiana. Em primeiro lugar, o hip hop, enquanto movimento de resistência, tem por obrigação ser contra qualquer ação que sufoque a luta de um povo oprimido. Portanto, tinha que se pronunciar contra a invasão do primeiro país a libertar os escravos negros no mundo. E depois, que criança quer material escolar de um país que manda militares pra matar seus familiares? No Iraque, depois das bombas, os aviões estadunidenses jogavam pacotes de mantimentos com uma mensagem mais ou menos assim: “Estamos reestabelecendo a democracia”. O que o governo quer é que sejamos o seu pacote de mantimentos pra ele poder dizer que “estamos reestabelecendo a cultura”. E quando eu digo oportunismo, você pode entender como medinho de perder alguns projetos no MinC [Ministério da Cultura], perder “prestígio” no governo. Você pode imaginar a projeção – até internacional – que isso pode trazer para os grupos participantes. Só que Geraldo Vandré se projetou nacionalmente com a música Pra não dizer que não falei de flores. Tiririca conseguiu se projetar com a Florentina. Não sei de onde Lamarca tirou aquilo, mas aquela frase guia meus passos: “Ousar lutar. Ousar vencer”.

O hip hop, enquanto movimento de resistência, tem por obrigação ser contra qualquer ação que sufoque a luta de um povo oprimido Por que o Brasil está lá? Gas-PA – Pra garantir um espaço permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. É triste ver o Lula vender todo um povo em nome de um Conselho que não serve pra porra nenhuma, já que não foi capaz de impedir a invasão do Iraque pelos Estados Unidos. E o pior é que não vai adiantar nada. As cadeiras ficarão com a Índia e com o Japão. Pode até ser que eu me engane, mas dá uma olhadinha no mapa. A primeira está ao leste e o segundo ao oeste da China. Pros EUA, que estão ameaçados de perder o posto de maior potência econômica e bélica do mundo para China em 20 anos, é ou não é uma distribuição

estratégica? E dizem por aí que a permanência das tropas brasileiras lá é um estágio pra atuar na tropa de infantaria leve, aquela de Campinas, montada para agir em “distúrbios sociais”. O que a retirada das tropas de lá representa para você, para o povo haitiano, para a cultura hip hop, para a cultura negra e para o mundo? Gas-PA – É claro que para o povo haitiano seria um alívio. Pra cultura negra, como eu disse, aquele país nasceu de uma rebelião de escravos. Ainda em 1816, o presidente Alexandre Pétion emprestou armas para Simón Bolívar, quando a chapa esquentou, desde que ele se comprometesse a abolir a escravidão quando a América estivesse liberta. Você participa de um movimento chamado LUTARMADA, o que pressupõe o uso de armas. Qual a sua opinião sobre a proibição da venda de armas? Gas-PA – Primeiro, é bom deixar claro que a nossa arma é a informação. A informação que não chega nas favelas por interesse da classe dominante e negligência da esquerda. E se ela conseguir se articular, a meu ver, esse é o momento de puxar a discussão dos referendos para as decisões mais importantes, que dizem respeito ao povo. A nossa Constituição, logo no comecinho, diz que todo poder emana do povo. Mas enquanto não conquistamos o direito a esses referendos, a verdade é que o povo não exerce poder nenhum. Bem, o LUTARMADA é uma organização onde as diferenças são respeitadas. Pode ser a única organização de hip hop que abriga evangélicos e ateus. Então, eu prefiro não falar em nome do grupo. Eu entendo que a burguesia teve vários motivos para apoiar a campanha pelo sim. Um deles é que, mesmo que ela não porte armas de fogo, ela tem quem porte pra ela. Tanto o crescente ramo da segurança privada, como a “segurança pública”, que é o seu braço armado. A nossa polícia existe para defender o patrimônio, e não a vida. A delegacia que registra o maior número de homicídio é a de Belford Roxo, mas é na zona sul da capital que se concentra todo o aparato tecnológico a serviço da polícia. Foi na Barra, a pretexto do crescimento de roubos e furtos de carros, que ficou sobrevoando aquele dirigível. Então, a burguesia não precisa portar, pode muito bem apoiar o desarmamento. Depois, é a própria burguesia que faz chegar até as favelas e bairros da periferia todo esse armamento. Quem lucra com isso é ela mesma. Só que esse comércio acontece clandestinamente, e com a proibição, clandestino vai continuar. (Fazendo Media, www.fazendomedia.com)


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