Ano 3 • Número 146
R$ 2,00 São Paulo • De 15 a 21 de dezembro de 2005
PSDB quer privatizar São Paulo Fotos: CMI
José Serra e Geraldo Alckmin retomam agenda de privatizações na prefeitura e no governo do Estado
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e depender da vontade do prefeito de São Paulo, José Serra, saúde, educação e cultura são assuntos da iniciativa privada – não do Estado, como diz a Constituição. Um projeto de lei do tucano autoriza a transferência da administração de serviços públicos para o setor privado. A proposta, aprovada na Câmara Municipal em primeira votação, foi criticada por sindicatos,
vereadores do PT e defensores dos direitos sociais. Mesmo sem aprovação da Câmara, a prefeitura já repassou a administração de hospitais públicos a entidades privadas geridas por pessoas ligadas à prefeitura. E o governador paulista Geraldo Alckmin prepara a privatização da linha 4 do Metrô, da Nossa Caixa e da estatal de energia Transmissão Paulista. Pág. 6
OMC coloca em risco empregos no Brasil
OEA determina intervenção na Febem de SP
em risco dois milhões de empregos na indústria do país. Estudo do Instituto Observatório Social concluiu que a maior competitividade estrangeira causaria a eliminação e a precarização dos postos de trabalho. Pág. 9
Exportações geram exército de mutilados
Capital externo agora controla universidade
Para suportar o aumento das exportações – de mais de 200% de 2000 até outubro de 2005 –, as avícolas aceleram as linhas de produção. Os trabalhadores, submetidos a um ritmo frenético, adquirem doenças que levam à invalidez. Segundo a deputada Luci Choinacki (PT-SC), que integra a comissão de parlamentares que avalia os problemas, a situação é mais grave do que se imaginava. “Essa guerra econômica produz um exército de mutilados”. Pág. 8
Pela primeira vez, uma universidade é vendida ao capital estrangeiro. O grupo estadunidense Laureate Education adquiriu o controle da Universidade Anhembi-Morumbi (SP). Hoje, não há lei que impeça tais operações. Por isso, o temor de que outros casos ocorram. Entregar a educação para setores estrangeiros significa fazer com que o país, ao invés de criar conhecimento, apenas imite o que se faz em outras partes, alertam especialistas. Pág. 4
Roosewelt Pinheiro/ABr
Contra a liberalização comercial, manifestantes intensificam protestos contra a 6ª Conferência da OMC
Uma redução drástica das tarifas brasileiras de importação de bens industriais de 30% para 10% – proposta dos países desenvolvidos para a 6ª Conferência da Organização Mundial do Comércio, que se realiza entre os dias 13 e 18 – se aprovada, pode pôr
Mercosul ainda despreza as questões sociais
Pág. 3
No Tocantins, Krahô-Kanela lutam pela terra Pág. 3
Salário mínimo: aumento digno só no discurso Pág. 5
Caso Dorothy: vitória contra a impunidade A condenação, dia 10, de dois acusados pelo assassinato da Irmã Dorothy foi recebida como uma primeira vitória no caso. Os outros três estão presos e seu julgamento está previsto para o primeiro semestre de 2006. “O Estado se sentiu desafiado e cumpriu sua função num julgamento correto e íntegro. Mas, para nós, só estará completo se alcançarmos os mandantes”, afirmou dom Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra. Pág. 3
Índios fazem manifestações na Comissão de Direitos Humanos do Senado, em Brasília (DF)
E mais: REDE TV! – Programa Direitos de Resposta mostra que é possível fazer televisão com respeito aos direitos humanos. Pág. 4 CULTURA – Livro do jornalista Mário Augusto Jakobskind, colaborador do Brasil de Fato, denuncia como a mídia comercial manipula notícias da América Latina em defesa de seus interesses. Pág. 16
Criado em 1991, o Mercosul continua distante da realidade dos povos que vivem na Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor de Relações Internacionais da UnB, José Flávio Sombra Saraiva, avalia que, desde a sua origem, o bloco se concentra em assuntos comerciais ou político-estratégicos. No dia 9, em Montevidéu, a Venezuela se tornou o quinto sócio do bloco comercial. Na mesma ocasião, os presidentes decidiram criar o Parlamento do Mercosul. Pág. 11
EUA boicotam Palestina nas Nações Unidas Às escondidas, os EUA têm se empenhado em fazer com que a Organização das Nações Unidas (ONU) elimine os seus programas de ajuda aos palestinos. Segundo um jornal de Nova York, um embaixador estadunidense revelou que a administração Bush condicionou a aprovação do orçamento da ONU para o período 20062007 à “eliminação de missões desatualizadas” – designação que inclui os programas palestinos. Israel apóia a iniciativa. Pág. 12
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De 15 a 21 de dezembro de 2005
NOSSA OPINIÃO
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Görgen • Horácio Martins • Ivan Cavalcanti Proença • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
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OMC, para quê?
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ais uma vez fica evidente que a principal função da Organização Mundial do Comércio (OMC) é garantir vantagens comerciais para grandes empresas. Apesar do discurso sobre “desenvolvimento”, as políticas defendidas no âmbito de suas negociações se baseiam na desregulamentação de setores estratégicos que, ao longo da história, garantiram a autodeterminação e o bem-estar de muitas sociedades. Somos constantemente “bombardeados” com mitos sobre a OMC. Um deles se manifesta na própria idéia da OMC como instituição que promove o “livre-comércio”. Na verdade, o principal papel da OMC é estabelecer mecanismos de controle do mercado mundial, por meio da imposição de regras restritas que podem inviabilizar políticas nacionais de desenvolvimento de setores econômicos estratégicos, sejam agrícolas ou industriais. Outro mito é o suposto caráter multilateral da OMC. Na prática, poucos dos 149 países afetados pelos resultados de seus acordos participam efetivamente das negociações. Isso ocorre por vários motivos. A maioria dos governos não tem condições de manter representantes em Genebra, onde está localizada a sede da OMC, e cumprir um calendário que demanda dezenas de reuniões por semana. Além disso, existem outros mecanismos de exclusão, como a criação do grupo de países “mais interessados” nas negociações que realiza reuniões fechadas para tentar impor suas posi-
ções. Atualmente, participam deste grupo Estados Unidos, União Européia, Austrália, Brasil e Índia. Sob o lema do “livre-comércio”, a OMC busca interferir em questões muito mais amplas do que negociações comerciais. Seus acordos incluem a imposição de leis de patente ou “propriedade intelectual” que, entre outras coisas, dificultam o acesso a medicamentos para as populações mais empobrecidas, e favorecem o controle de sementes e biotecnologia por grandes empresas. Os acordos sobre “serviços” defendidos na OMC buscam privatizar direitos básicos como saúde, educação e previdência, além de promover o monopólio privado de setores estratégicos como transporte, correios, água, energia e telecomunicações. O debate na OMC sobre redução de tarifas de produtos não-agrícolas exclui um elemento importante. Na verdade, para muitos países nãoindustrializados, tarifas de importação significam fontes importantes de recursos, pois funcionam como impostos cobrados a empresas estrangeiras pelos lucros obtidos nestes mercados. Muitas vezes, estas tarifas representam a maior fonte de investimento destes países em infraestrutura e serviços essenciais. Em relação aos países caracterizados como “emergentes”, ou com alguma estrutura industrial significativa, a proposta de redução de tarifas discutida na OMC pode significar a inviabilidade da continuidade de
FALA ZÉ
uma estratégia de desenvolvimento deste setor. Apesar da difusão constante de diversos “mitos”, a OMC segue enfrentando uma grave crise de credibilidade. Desde as grandes manifestações em Seattle e Cancún até a mais recente Conferência Ministerial em Hong Kong, cresce a oposição da sociedade. Os protestos populares contra a OMC, em todos os continentes, devem servir de base para o debate. Afinal, para que precisamos da OMC? O próprio objetivo desta organização tem sido contestado. Afinal, só há duas possibilidades de os governos chegarem a um acordo: se os países “centrais”, como Estados Unidos e os da União Européia, abdicassem da proteção de sua indústria, sua agricultura e sua economia; ou se os países “periféricos” aceitassem as imposições da OMC para abdicar de um modelo soberano de desenvolvimento. Ninguém deve realmente acreditar que a primeira opção irá ocorrer. Em relação à segunda possibilidade, esperamos que os governos de nossos países escutem as manifestações da sociedade. Na abertura da 4ª Conferência Ministerial em Hong Kong, dia 13 de dezembro, o diretor-geral da OMC Pascal Lamy afirmou: “Quem nada arrisca, nada ganha”. Esperamos que nossos países não coloquem em risco seu próprio direito de autodeterminação, o que ocorrerá se aceitarem as imposições da OMC. OHI
CARTAS AOS LEITORES
Ajude a manter o Brasil de Fato Caros amigos e amigas Durante todo o ano de 2002, intelectuais, artistas, jornalistas e representantes de movimentos sociais somaram forças em nome de um projeto político e editorial. A idéia era construir um novo jornal que ajudasse a veicular informações não divulgadas ou noticiadas de forma deturpada pela mídia tradicional. A publicação também teria a missão de contribuir para a formação da militância social e da opinião pública em geral. Assim nasceu o Brasil de Fato. Seu ato de lançamento se transformou numa grande festa com a presença de mais de 7 mil militantes sociais, durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em 2003. Para tocar o jornal, foi montada uma equipe de jornalistas comprometidos com o projeto. E todos fomos à luta. Nos últimos dois anos e dez meses, o jornal sobreviveu graças a uma grande disposição de transpor os obstáculos que qualquer veículo da imprensa independente enfrenta, incluindo boicotes de todo tipo. Apesar de tudo, estamos resistindo! Mas, neste momento, estamos precisando de apoio extra para driblar as dificuldades resultantes da concentração do poder econômico e do aumento dos custos de produção do jornal. O Brasil de Fato depende da valiosa contribui-
ção de seus assinantes. Só assim vamos manter um veículo de imprensa independente e de esquerda. Mesmo elogiado por todos, tanto por sua linguagem quanto por sua linha editorial, o Brasil de Fato precisa aumentar o número de assinaturas para seguir adiante. Por isso, apelamos para sua consciência e seu compromisso pessoal. Se você ainda não é assinante, faça a sua assinatura. Se é assinante, conquiste mais uma assinatura com um (a) amigo (a). Se você é vinculado (a) a algum sindicato ou movimento, coloque nosso pedido na pauta da reunião da diretoria, para que a instituição faça assinaturas coletivas. Contamos com seu apoio. Conselho Editorial do Brasil de Fato
ERRAMOS Na reportagem “Repressão tem novos alvos no centro de SP”, publicada na edição 144, de 1º a 7 de dezembro, o manifesto lido por Simão Pedro na Assembléia Legislativa foi elaborado pelo Cedeca-Sé e não pelo Fórum Metropolitano de Educação Social na Rua, como foi publicado.
Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815
CRÔNICA
Carta da Terra: novo reencantamento? Leonardo Boff É de todos sabido que a sociedade mundial vive no olho de uma incomensurável crise de sentido e de falta de rumo histórico. Não sabemos para onde vamos. Os sonhos e as utopias morreram, o que tem deixado as sociedades e as pessoas sem fundamento. Somos entregues ao sistema econômico dominante que de tudo faz mercadoria, regendo-se por feroz competição e não por laços de cooperação. Há dois pensadores que nos ajudam a entender esta crise, Max Weber e Friedrich Nietzsche. Weber caracteriza a sociedade moderna pelo processo de secularização e pelo desencantamento do mundo. Não que as religiões tenham desaparecido. Elas estão aí e até voltam com renovado fervor. Mas não são mais elo de coesão social. Agora predominam a produção e a função e menos o valor e o sentido. O mundo perdeu seu encanto. Nietzsche anunciou a morte de Deus. Mas há que se entender bem Nietszche. Ele não diz que Deus morreu, senão que nós o matamos. Quer dizer: Deus está socialmente morto. Em seu nome não se cria mais comunidade nem se funda coesão social. Por milhares de anos era a religião que ligava e religava as pessoas e criava o laço social. Agora não é
mais. Isso não significa que agora impera o ateismo. O oposto à religião não é o ateismo mas a ruptura e a quebra da relação. Hoje vivemos coletivamente rompidos por dentro e desamparados. Praticamente nada nos convida a viver juntos e a construir um sonho comum. Entretanto, a humanidade precisa de algo que lhe confira um sentido de viver e que lhe forneça uma imagem coerente de si mesma e uma esperança para o futuro. É neste contexto que deve ser vista a Carta da Terra, documento nascido das bases da humanidade. Já foi assumida pela Unesco no ano 2000 e a idéia é que seja incorporada pela ONU à Carta dos Direitos Humanos. A Carta da Terra reúne um conjunto de visões, valores e princípios que podem reencantar a sociedade mundial. Coloca em seu centro a comunidade de vida à qual pertencem a Terra e a Humanidade que são momentos do universo em evolução. Todos os problemas são vistos interdependentes, os ambientais, os sociais, os econômicos, os culturais e os espirituais, obrigandonos a forjar soluções includentes. O desafio que a situação atual do mundo nos impõe é este segundo a Carta: ou formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros
ou então arriscar a nossa destruição e a devastação da diversidade da vida. Dois princípios visam viabilizar esta aliança: a sustentabilidade e o cuidado. A sustentabilidade se alcança quando usamos com respeito e racionalidade os recursos naturais pensando também nas futuras gerações. E o cuidado é um comportamento benevolente, respeitoso e não agressivo para com a natureza, que permite regenerar o devastado e zelar por aquilo que ainda resta da natureza, da qual somos parte e com um destino comum. Estes dois princípios fundam como diz a Carta da Terra um modo de vida sustentável. Eles permitem um desenvolvimento que atenda às necessidades de todos os seres vivos e ao mesmo tempo garanta a integridade e a capacidade de regeneração da natureza. Devemos viver um sentido de responsabilidade universal. O futuro da Terra e da Humanidade está agora em nossas mãos. Leonardo Boff é teólogo e professor universitário. É também autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística. A maioria de sua obra está traduzida nos principais idiomas modernos
Brasil de Fato é o resultado das aspirações de milhares de lutadores de movimentos populares, intelectuais de esquerda, sindicatos, jornalistas e artistas que se uniram para formar uma ampla rede nacional e internacional de colaboradores. • Como participar: Você pode colaborar enviando sugestões de reportagens, denúncias, textos opinativos, imagens. Também pode integrar a equipe de divulgação e venda de assinaturas. • Cadastre-se pela internet: www.brasildefato.com.br. • Quanto custa: O jornal Brasil de Fato custa R$ 2,00 cada exemplar avulso. A assinatura anual, que dá direito a 52 exemplares, custa R$ 100,00. Você também pode fazer uma assinatura semestral, com direito a 26 exemplares, por R$ 50,00. • Reportagens: As reportagens publicadas no jornal podem ser reproduzidas em outros veículos - jornais, revistas, e páginas da internet, sem qualquer custo, desde que citada a fonte. • Comitês de apoio: Os comitês de apoio constituem uma parte vital da estrutura de funcionamento do jornal. Eles são formados nos Estados e funcionam como agência de notícias e divulgadores do jornal. São fundamentais para dar visibilidade a um Brasil desconhecido. Sem eles, o jornal ficaria restrito ao chamado eixo Rio-São Paulo, reproduzindo uma nefasta tradição da “grande mídia”. Participe você também do comitê de apoio em seu Estado. Para mais informações entre em contato. • Acesse a nossa página na Internet: www.brasildefato.com.br • Endereços eletrônicos: AL:brasil-al@brasildefato.com.br•BA:brasil-ba@brasildefato.com.br•CE: brasil-ce@brasildefato.com.br•DF:brasil-df@brasildefato.com.br•ES:brasil-es@brasildefato.com.br•GO:brasil-go@brasildefato.com.br•MA:brasil-ma@brasildefato.com.br•MG:brasil-mg@brasildefato.com.br•MS:brasil-ms@brasildefato.com.br•MT:brasilmt@brasildefato.com.br•PA:brasil-pa@brasildefato.com.br•PB:brasil-pb@brasildefato.com.br•PE:brasil-pe@brasildefato.com.br•PI:brasil-pi@brasildefato.com.br•PR:brasil-pr@brasildefato.com.br•RJ:brasil-rj@brasildefato.com.br•RN:brasil-rn@brasildefat o.com.br•RO:brasil-ro@brasildefato.com.br•RS:brasil-rs@brasildefato.com.br•SC:brasil-sc@brasildefato.com.br•SE:brasil-se@brasildefato.com.br•SP:brasil-sp@brasildefato.com.br
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NACIONAL DIREITOS HUMANOS
Condenação é primeira vitória R
ayfran das Neves Sales, o Fogoió, e Clodoaldo Carlos Batista, o Eduardo, dois dos cinco acusados pelo assassinato da irmã Dorothy Mae Stang, foram condenados, dia 10, a 27 e 17 anos de prisão, respectivamente. Rayfran admitiu ter disparado os seis tiros que mataram a freira. Clodoaldo estava junto e não impediu o crime. Os outros três acusados, o intermediário Amair Feijoli da Cunha, o Tato, e os mandantes Regivaldo Pereira Galvão, conhecido como Taradão, e Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, estão presos aguardando julgamento, que deve acontecer no primeiro semestre de 2006. “O Estado se sentiu desafiado e cumpriu sua função num julgamento correto, completo e íntegro. Mas, para nós, só estará completo se alcançarmos os mandantes”, afirmou dom Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT). André Muggiati, da campanha da Amazônia, da organização não-governamental Greenpeace, considerou a condenação dos dois pistoleiros “uma vitória da sociedade civil na luta contra a impunidade”: “Centenas de outros crimes semelhantes não ganham as páginas dos jornais, nem chegam a ser investigados. Esperamos que esse julgamento represente a retomada da justiça na Amazônia, com a apuração e punição dos responsáveis”, acrescentou. Rayfran alegou no Tribunal do Júri, em Belém, que atirou por legítima defesa. Disse que, no mo-
Carlos Silva /Imapress/AE
Evanize Sydow de Brasília (DF)
Luciano Cocca / Chromafotos/AE
Depois dos pistoleiros, sociedade civil espera que se faça justiça no julgamento dos mandantes do crime
Uma lutadora brasileira A missionária estadunidense Dorothy Stang, de 73 anos, vivia há mais de 30 anos na região da rodovia Transamazônica. Naturalizada brasileira, dedicou quase a metade de sua vida a defender os direitos de trabalhadores rurais contra os interesses de fazendeiros e grileiros da região, de forma pacífica. Desde 1972, ela trabalhava com as comunidades rurais de Anapu, pelo direito à terra e por um desenvolvimento sustentável, sem destruição da floresta. Sindicalista e militantes de movimentos sociais e partidos políticos celebram memória da irmã Dorothy, em São José dos Campos (SP)
mento em que ela iria tirar a Bíblia da bolsa, ele achou que fosse uma arma. Seu argumento não foi aceito. O Conselho de Sentença reconheceu – por unanimidade, no caso de Rayfran, e por 5 sim contra 2 não, no caso de Clodoaldo – terem os réus “praticado o crime mediante promessa e por recurso que dificultou a defesa da vítima”. O pistoleiro negou que receberia R$ 50 mil de Vitalmiro Bastos de Moura e Regivaldo Pereira Galvão
pelo assassinato de Dorothy. No entanto, o Tribunal do Júri reconheceu que o crime ocorreu sob promessa de pagamento. O julgamento contou com as presenças da relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Situação dos Defensores dos Direitos Humanos, Hina Jilani, do secretário Especial dos Direitos Humanos, Mário Mamede, dos irmãos de Dorothy, do presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (In-
MATO GROSSO
cra), além de muitos representantes de movimentos sociais e entidades de defesa de direitos humanos.
PROMESSA DE PAGAMENTO Os outros três réus são acusados de homicídio duplamente qualificado, uma vez que o crime foi realizado mediante promessa de pagamento e porque os assassinos impossibilitaram a defesa, ou seja, atiraram em Dorothy por trás e ela estava desarmada.
Irmã Dorothy Mae Stang foi morta à queima roupa no dia 12 de fevereiro, em Anapu, no Pará, onde a situação de violência no campo é considerada uma das mais graves. Segundo o secretário da Comissão Pastoral da Terra, Antônio Canuto, no Pará, nos últimos 33 anos, houve 772 assassinatos de trabalhadores rurais e de pessoas que os apoiavam. “Somente em três casos houve o julgamento de mandantes dos crimes”, afirma. (Com Adital, www.adital.org.br)
SÃO PAULO
Descriminação por serem índios, Corte da OEA determina providências na Febem descriminação por não serem Priscila Carvalho de Brasília (DF)
de desocupação, foram considerados não-índios e clientes da reforma agrária. No assentamento para onde foram, eram descriminados porque eram índios. Ou seja, ora eram descriminados porque não eram índios, ora porque eram índios”, afirmou. A omissão foi tão forte que, em novembro, foram apresentados à Justiça Federal um mandado de segurança e uma ação civil pública contra a União e contra a Funai, solicitando da presidência da Fundação encaminhamento do processo administrativo de demarcação da terra Krahô-Kanela. A decisão da Funai sobre a terra deve ser feita nas próximas semanas. (Com informações do Conselho Indigenista Missionário, www.cimi.org.br)
Roosewelt Pinheiro/ABr.
O povo Krahô-Kanela vive espalhado por diversas cidades do Mato Grosso e do Tocantins. Por quase 30 anos, os indígenas perambularam por terras de outros povos, foram removidos para assentamentos, tentaram retomar terras e de lá foram expulsos. Desde 1963, eles reivindicam como terra tradicional um local chamado Mata Alagada, no município de Lagoa da Confusão, Tocantins. Ali viveram até 1984, quando foram violentamente expulsos por uma empresa que havia comprado a terra do Instituto de Terras de Goiás, em uma venda feita sem levar em conta a população que lá vivia. Expulso da Mata Alagada, o grupo dividiu-se. Parte das famílias seguiu pelo Rio Formoso e hoje vive dispersa ao longo do rio, como população ribeirinha. Outro grupo foi levado, em caminhões, para a cidade de Dueré, Tocantins, onde foi deixado nas ruas. A notícia mais recente é de que existe também um grupo com mais de cem pessoas vivendo em São Felix do Araguaia, Mato Grosso. Outras 86 pessoas moram em um único terreno, da antiga Casa do Índio da cidade de Gurupi, sem condições de saneamento (apenas dois banheiros), sem ter onde plantar, e tendo que conviver com todos os conflitos gerados por essa situação de confinamento. “Há 28 anos lutamos para que a Funai resolva a situação de nossa terra. Já passamos por muitas doenças, já teve mortes, passamos fome e muita necessidade. Não temos onde plantar um único pé de pimenta. Não tem mais o que ser discutido para resolver esta
situação. Eles sabem que estão sendo omissos por não regularizar a nossa terra”, disse o cacique Krahô-Kanela, Mariano Ribeiro, referindo-se à Fundação Nacional do Índio (Funai), durante uma audiência pública realizada dia 12, no Senado Federal. Na audiência, Deborah Duprat, coordenadora da Câmara do Ministério Público Federal responsável por temas ligados a indígenas e minorias, relatou a forte descriminação a que esse povo vem sendo submetido. “O caso dos KrahôKanela foi um dos maiores dramas que eu já vi na história dos povos indígenas deste país. Tinham sido expulsos de suas terras e os funcionários da Funai os colocaram na Ilha do Bananal. No processo
Índio na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal
Adriana Franzin e Fábio Calvetti de Brasília (DF)
A Corte Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos anunciou, dia 12, as determinações que o governo brasileiro deverá seguir em relação aos internos do complexo da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor de São Paulo (Febem) de Tatuapé, em São Paulo (SP). A decisão, proferida no dia 30 de novembro, na sede da Corte, Costa Rica, fixa oito providências urgentes para a proteção de crianças e adolescentes detentos. O presidente da Corte, juiz Antônio Augusto Cançado Trindade, estabeleceu que o Estado brasileiro “tome as medidas necessárias para impedir rebeliões, de forma a garantir a vida e a integridade física dos internos e demais pessoas nas unidades; identifique os responsáveis pelas práticas de tortura e maustratos e lhes imponha as punições devidas; impeça as internações prolongadas (trancas) e os maus-tratos físicos; reduza substancialmente o contingente de jovens nas unidades; separe os internos de acordo com os padrões internacionais sobre a matéria; ofereça atendimento médico necessário a todos os adolescentes; realize, juntamente com os representantes dos beneficiários das medidas provisórias, supervisão periódica das condições de detecção e do estado físico e emocional dos internos; informe à Corte, a cada dois meses, as medidas adotadas para cumprir o que foi ordenado”. Pela primeira vez, a organização tomou uma decisão específica sobre ações de detenção estatal. Desde 2004, os casos de tortura e morte vêm sendo denunciados por quatro organizações de direitos humanos no Brasil: a Associação
das Mães e Amigos da Criança e do Adolescente em Risco (Amar), a Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos, o Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional e a Conectas Direitos Humanos. Se as normas não forem cumpridas, o Estado brasileiro pode ser condenado no processo e sofrer sanções econômicas e políticas.
RESPONSABILIDADE O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, pretende convidar os juízes da Corte Interamericana a visitar São Paulo para convencer os sete árbitros da entidade de que o governo cumpre os princípios de direitos humanos nas unidades da Febem. Em nota oficial, o secretário estadual da Justiça e da Defesa da Cidadania, Hédio Silva Júnior, afirma que está “otimista com relação ao arquivamento dessas medidas provisórias, em breve”. O governador, candidato à Presidência da República, foi alvo de duras críticas feitas pelo jurista Dalmo de Abreu Dallari, na abertura da 6ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, dia 12, em Brasília. “O Brasil precisa cumprir os compromisso internacionais que assumiu. Aos invés disso, o governador de São Paulo vai aos jornais tentando transferir a culpa pelas rebeliões à Conceição Paganele, presidente da Amar. Simplesmente porque essas mulheres estão defendendo os direitos de seus filhos”, afirmou. Dallari chamou de “presídios da pior espécie” as unidades que deveriam ser “entidades educacionais”. “Além de fugir de suas responsabilidades, Alckmin não está dando prioridade para resolver a situação, conforme determina a constituição”, disse o jurista. (Agência Brasil, www.radiobras.gov.br, com informações da Andi, www.andi.org.br)
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Espelho
COMUNICAÇÃO DEMOCRÁTICA
No ar, o direito de resposta
Cid Benjamin Cobaias humanas A temática do filme Jardineiro Fiel, passado na África, repete-se na Amazônia. Dez pessoas de uma comunidade ribeirinha do Amapá foram contaminadas por malária em pesquisa financiada pela Universidade da Flórida e pela organização não-governamental Instituto Nacional de Saúde, dos Estados Unidos. Moradores de Santana, cidade que fica a 18 km de Macapá, recebiam de R$ 12 a R$ 20 para se deixar picar por mosquitos. Vejamos o que dizem o governo e a mídia. Censura prévia Muito perigosa a decisão judicial que proibiu o portal Vermelho e a Folha de S. Paulo de divulgar informações sobre o processo criminal que apura a contratação da empresa Kroll para fazer espionagem empresarial. O caso veio à tona em julho de 2004 e tem a ver com a disputa suja entre dois gigantes no campo das telecomunicações. A Brasil Telecom contratou a Kroll para espionar a concorrente Telecom Italia e até o então ministro Luiz Gushiken foi vítima de arapongas. Privilégio para a Globo? Quando da recente prisão de Flávio Maluf, filho do ex-prefeito de São Paulo, o repórter César Tralli, da TV Globo, estava entre os policiais federais, vestindo um colete que parecia da corporação. Além disso, Tralli foi o único jornalista admitido no carro da PF que conduziu Flávio preso. O episódio motivou queixas de outros veículos. A promotora Marucia Ramos pediu abertura de inquérito policial para apurar o ocorrido. Dono do JB compra Varig O empresário Nelson Tanure, proprietário do Jornal do Brasil e da Gazeta Mercantil, comprou a companhia aérea Varig. Comprometeu-se a pagar pela empresa 112 milhões de dólares, em 12 meses. A conferir se, na Varig, Tanure vai assinar carteira profissional dos funcionários. Nos jornais ele não faz isso com a maior parte das redações, para fugir dos encargos trabalhistas. No Chile, direita é direita As notícias sobre a eleição no Chile trazem uma curiosidade. Lá, partidos e políticos de direita se assumem como tal. Isso é positivo. No Brasil, todo mundo se diz de esquerda, de centro-esquerda ou, no máximo, de centro. O PP do paulista Paulo Maluf e o PFL do baiano Antônio Carlos Magalhães seriam de centro. PSDB e PTB seriam de centro-esquerda. E, assim, a vida segue. Os bancos mantêm os lucros estratosféricos, mas parece que não existe direita no país. Viva a Daspu! Prostitutas cariocas, ajudadas por uma organização não-governamental, estão montando uma confecção. Escolheram um nome bem-humorado: Daspu. Mas as donas da Daslu, loja de bacanas paulistas, entraram com uma ação judicial tentando vetar o uso do nome. Agora os jornais publicaram que elas foram denunciadas à Justiça pelo Ministério Público, que pede penas de dois a 12 anos de prisão, por falsidade ideológica, formação de quadrilha etc. Pensando bem, as meninas da Daspu devem mesmo mudar o nome da confecção para evitar qualquer associação com a Daslu. Cueca de volta Essa notícia saiu no jornal O Globo, dia 8. Dois paranaenses foram presos ao embarcar para a China com 30 mil dólares escondidos nas cuecas. O flagrante ocorreu no Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos (SP). Parece que isso está virando moda. Não há notícias da filiação partidária de ambos. Rádios comunitárias Lançada dia 7, na Câmara dos Deputados, a Frente Parlamentar da Radiodifusão (FPR) divulgou um manifesto de criação que começa com a defesa da “livre manifestação do pensamento”. No entanto, o documento da FPR descamba para recomendar o aumento da repressão às rádios não-autorizadas, entre outras pérolas que refletem o caráter antidemocrático das propostas. Para conferir: www.observa toriodaimprensa.br
Programas sobre direitos humanos mostram que uma outra televisão é possível Bel Mercês da Redação
A
expectativa era grande e as pessoas esperavam apreensivas, em frente à televisão ligada na Rede TV!. Reunidos no centro de São Paulo, dezenas de ativistas da área de direitos humanos assistiram à estréia de Direitos de Resposta, às 16 horas do dia 12. Um marco na luta pela democratização dos meios de comunicação: a ocupação do espaço público televisivo pela sociedade, para mostrar que uma outra televisão, mais justa e plural, é possível. Pela primeira vez na história da TV brasileira, foi ao ar um programa caracterizado como contrapropaganda a violações de direitos humanos. Um efetivo direito de resposta a ofensas cometidas contra homossexuais pelas pegadinhas do extinto programa Tardes Quentes, apresentado por João Kleber, recentemente demitido da emissora. O primeiro programa – dos trinta que serão exibidos entre dezembro e janeiro de 2006 – foi apresentado pela cantora Anelis Assumpção, com a participação do escritor Ferréz e do jurista Oscar Vilhena. Em um cenário que lembra intervenções artísticas urbanas, com paredes grafitadas e coloridas, os convidados e Anelis debateram o papel da grande mídia na degradação dos direitos humanos. Falaram sobre cultura: hip hop, literatura e arte na efetivação da cidadania. Discutiram sobre a sociedade globalizada e a função de denúncia da Organização das Nações Unidas (ONU) nos países pobres. Vilhena enfatizou que, no Brasil, viola-se constantemente os direitos “das pessoas invisíveis, como aquela criança que vive na rua”. Ele ressaltou: “A dor dessa criança não mobiliza a sociedade. Ela pode ser morta pela polícia. Para fazer
Maringoni
da mídia
NACIONAL
valer os direitos humanos é preciso humanizar esses fantasmas. A única forma de superar o massacre social é redignificar as pessoas”.
AVALIAÇÃO Ferréz destacou que a grande dificuldade das comunidades carentes é reconhecer seus direitos e comparou a situação do Brasil com a dos subúrbios franceses: “Nós somos subespécie comparados com eles, mas eles conseguem reivindicar muito mais”. Produções independentes enviadas pelas sociedade civil permea-
ram o debate, além do quadro “TeleVisão”, apresentado pelo procurador regional dos direitos do cidadão em São Paulo Sergio Suima, um dos responsáveis pela ação civil pública contra a Rede TV! que resultou na exibição do Direitos de Resposta. Suiama chamou atenção para o descompasso entre a Constituição Federal e a legislação do país: “A Constituição e vários estatutos são maravilhosos, mas as leis não são cumpridas”. Para os representantes das seis entidades que compõe o conselho
editorial do Direitos de Resposta, o programa representa uma vitória da sociedade civil sobre o poder dos meios de comunicação do país. Marcelo Dayrell, do Centro de Direitos Humanos, destaca que “esse processo deu voz a quem nunca teve. Vamos discutir vários temas, é um primeiro passo para mostrar o que a gente quer falar”. Marcelo Gouveia Gil, da Ação Brotar pela Cidadania e Diversidade Sexual, ressalta a perpetuação da pluralidade: “Ser homessexual é participar, estamos presentes em toda a sociedade e partilhamos o mesmo espaço com todos os cidadãos”. “É o evento mais representativo do movimento homossexual brasileiro em relação à mídia. Historicamente, nada se equivale a essa conquista”, afirma Fabrício Viana, da Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo. Adriano de Angelis, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, acredita que o programa mostra a possibilidade de fazer uma televisão que reflita as questões sociais: “Isso é parte de um processo que está sendo construído, onde a sociedade civil toma consciência da importância do direito à comunicação. É preciso modificar a estrutura de organização dos meios de comunicação para que a diversidade de manifestações, vozes e opções possa realmente aparecer”. Direitos de Resposta Programação sobre direito à comunicação, diversidade sexual, crianças e adolescentes, questão racial Quando: de segunda a sexta-feira, às 16h Onde: Rede TV! Informações: www.direitosderesposta.com.br
MERCANTILIZAÇÃO DA EDUCACÃO
Capital externo nas universidades Dafne Melo da Redação “Entregar esta área para setores estrangeiros significa fazer com que o país, em lugar de criar conhecimento, seja apenas um imitador do que se faz em outras partes”. Esta é a opinião de Marco Antônio Rodrigues Dias, professor aposentado da Universidade de Brasília, atualmente conselheiro especial do reitor da Universidade das Nações Unidas. Dias se refere à venda de 51% das ações da Universidade Anhembi-Morumbi ao grupo estadunidense Laureate Education, proprietária de uma rede de 20 universidades, em 15 países. O grupo, de capital aberto, tem suas ações negociadas na Nasdaq (bolsa de valores estadunidense, onde são negociadas ações de empresas de tecnologia). A operação, anunciada no início de dezembro, é a primeira, no Brasil, que passa o controle de uma instituição de ensino a um grupo estrangeiro. Outro grupo semelhante, o Apollo, também estadunidense, possui 50% da Faculdade Pitágoras, em Minas Gerais. Dias conta que, em conferência realizada pela Unesco, o diretor do grupo Apollo deixou claro o interesse pelo setor educacional brasileiro. “As possibilidades de lucro na educação superior não são igualadas em parte alguma”, afirmou.
REGULAMENTAÇÃO Luiz Antônio Barbagli, presidente do Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro-SP), alerta que não há impedimento na legislação brasileira para que uma instituição de ensino estrangeira passe a con-
trolar um empreendimento local. “O anteprojeto da reforma universitária estipula que a participação de grupos estrangeiros em instituições privadas não exceda 30%, mas enquanto ela não for aprovada, acredito que vamos ver mais casos omo estes”, acredita o dirigente. Para o presidente do Sinpro-SP, a interferência de grupos estrangeiros na educação superior suscita muitas perguntas. “Como eles vão tomar conta da educação? Eles terão que respeitar a Constituição brasileira, que garante a autonomia das universidades? Como vão se aproveitar de brechas na legislação?”, questiona. Barbagli, como Marco Antonio Dias, acredita que há contradição entre o desenvolvimento nacional do país e a presença de interesses estrangeiros em universidades. “Te-
mos a intromissão na educação de um grupo que não tem vínculo com a cultura, os interesses e o desenvolvimento brasileiros”, argumenta.
MAIS CRÍTICAS Procurado pela reportagem do Brasil de Fato para comentar a negociação, o Ministério da Educação não deu retorno. Para Marco Antônio Dias, o governo Lula não se diferenciou do de Fernando Henrique Cardoso, uma vez que privilegiou o setor privado da educação, ao invés de reforçar o sistema público. Para ele, este caminho, “cheira à busca de compromissos políticos com quem só pensa em dinheiro e que vê a educação apenas como comércio”. Na análise de Dias, é falso o argumento de que investimentos estrangeiros trarão qualidade às
universidades. “Não há qualidade se não houver pertinência, se os programas não estiverem voltados para as necessidades do país, se não levarem em conta os aspectos culturais de cada Nação”, afirma ele. A visão privatista da educação vai de encontro às pressões estadunidenses na Organização Mundial do Comércio (OMC) para classificar a educação como serviço comercial. “Se educação é serviço comercial, a sociedade, diretamente ou através de seus governos democraticamente eleitos, nada poderá fazer contra o desenvolvimento de uma educação que visará formar técnicos culturalmente dependentes”, avalia Dias, que cobra do Itamaraty uma postura que não “venha a entregar aos países ricos toda a área de serviços, incluindo educação, pesquisa e cultura”.
Na São Marcos, estudantes ocupam reitoria Um grupo de estudantes da Universidade São Marcos acampou em frente à reitoria no dia 9, exigindo a redução das mensalidades. Segundo a estudante de psicologia Cintia Tavares Pereira, os alunos deixaram a reitoria no dia 13. “Não conseguimos a redução das mensalidades, a reitoria não aceita negociar isto”. Entretanto, um acordo assinado com a reitoria garante, além de um desconto de 10% nas mensalidades – até a data de vencimento – dos cursos de Letras e História, a presença de um representante do Diretório Central dos Estudantes no Conselho Universitário. Cíntia conta que durante os quatro dias em que permaneceram em frente à reitoria, houve muita pressão para que desistissem da reivindicação. “Deixaram um alarme ligado das 11 às 6 horas da manhã todos os dias. Havia policiais militares dentro da universidade, não nos deixavam usar os banheiros, e o próprio chefe da segurança nos intimidou”, conta a estudante. Segundo nota divulgada pelos estudantes, explicando os motivos do acampamento, o movimento pela redução da mensalidade existe desde do final de 2003 na São Marcos. No segundo semestre deste ano, os estudantes participaram de uma campanha nacional pela redução das mensalidades, articulada com outras universidades privadas e a União Nacional dos Estudantes (UNE). A campanha também quer pressionar pela aprovação de um projeto de lei, da autoria de Renildo Calheiros (PCdoB-PE), que visa evitar o aumento das mensalidades escolares. Após inúmeras tentativas frustradas de estabelecer um canal de diálogo com a reitoria, os estudantes decidiram fazer a ocupação. A nota dos estudantes também inclui outras reivindicações: “Acreditamos que essa campanha nacional não pode se limitar à questão das mensalidades, mas deve pautar os diversos problemas que enfrentamos no cotidiano da instituição, como a ausência do investimento em pesquisa, a falta de democracia interna e a falta de atividades artísticas, acadêmicas e esportivas.” (DM)
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De 15 a 21 de dezembro de 2005
NACIONAL SALÁRIO MÍNIMO
Aumento para reduzir desigualdades N
Manifestantes da Carreata Sindical do Salário Mínimo na Esplanada dos Ministérios, na capital federal
Lindomar Cruz/Abr
este ano, praticamente 90% dos mais de 1,5 milhão de empregos criados no setor formal da economia, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), foram ocupados por pessoas com renda de até dois salários mínimos. Quase 70% dessas novas vagas, numa avaliação mais detalhada, asseguravam rendimentos de, no máximo, um salário mínimo e meio. Entre o total de pessoas ocupadas na economia, nada menos do que 80% recebem até três salários mínimos, o que configura uma população fundamentalmente de baixa renda, aponta o economista Márcio Pochmann, professor do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Os dados comprovam a necessidade premente de formulação de uma política de prazo mais longo para o salário mínimo, de forma a assegurar a recuperação de seu poder de compra em termos permanentes, livrando-o da ditadura financeira que se estabeleceu na área econômica do governo federal. “O salário mínimo é fundamental para a redução das desigualdades no país e a recuperação de seu poder aquisitivo diante da inflação tem acontecido em um ritmo muito
lento, levando-se em conta a necessidade de corrigir as distorções que impedem um crescimento mais acelerado da economia”, avalia Pochmann. Citando números do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), o economista da Unicamp aponta que cerca de 80% das categorias profissionais acompanhadas pela entidade conseguiram negociar reajustes salariais acima da inflação, recompondo sua capacidade de consumir. “Mas aquelas são categorias que não recebem o salário mínimo, não dependem, portanto, de uma política para o salário mínimo”, destaca o economista. A grande parte dos brasileiros que tem rendimentos de até um salário mínimo não está representada por sindicatos. São trabalhadores desorganizados, sem poder para negociar seu próprio salário, afirma Pochmann. “Eles não têm outro tipo de proteção a não ser o salário mínimo regulamentar. Na ausência de uma política para o mínimo, sua remuneração será ainda mais baixa”. Entra ano, sai ano, as discussões em torno do reajuste do salário mínimo se repetem, assim como os argumentos contrários a uma velocidade maior para a correção de seu valor. Numa espécie de terrorismo fiscal, qualquer proposta ligeiramente mais ousada é tratada como se fosse provocar o final dos tempos, com quebradeira generalizada de governos, em todas as esferas, e da Previdência em particular.
Marcha Nacional de Luta pela valorização do salário mínimo, em Brasília
“Hoje, tem-se uma supremacia da discussão financeira nesta área, que transforma em prioridade o debate simples sobre o impacto do aumento do salário mínimo sobre as contas do setor público”, constata o professor da Unicamp. Quando o atual governo foi eleito, relembra o economista, havia duas propostas em cena: a primeira falava em dobrar o valor do menor salário na economia, “não se sabe com certeza se em termos reais (ou seja, depois de descontada a inflação) ou nominais”; a segunda defendia a criação de políticas de médio e longo prazos para o setor, “o que não foi apresentado até o momento”. Foi criada uma comissão, com representantes do governo, dos empregadores e dos sindicatos, encarregada de estabelecer diagnósticos e definir limites que passariam a orientar a correção dos valores do mínimo ao longo do tempo. Essa comissão, na análise de Pochmann, deveria assumir para si a responsabilidade de “colocar o debate em torno do mínimo em outros termos”, fugindo do imobilismo que tem marcado esse tipo de discussão no país.
Despesas com juros: 28 vezes maiores do que gastos com novo mínimo Rápida no gatilho, a equipe econômica já fez circular na imprensa o que acha da proposta, supostamente do Palácio do Planalto, de corrigir o salário mínimo para R$ 350, no ano que vem. Aquele valor corresponderia a um reajuste nominal de 16,7%, representando um aumento real, ou superior à inflação, de pouco mais ou pouco menos de 10,5%. Em 2005, o reajuste aprovado ficou em 15,4%, com o mínimo passando de R$ 260 para R$ 300 – valor que vigora ainda hoje. Descontada a inflação, o aumento foi de aproximadamente 7,9%. Nas contas da equipe econômica do governo Lula, o novo reajuste aumentaria as despesas do governo em R$ 4,6 bilhões, ao longo de 2006, incluindo gastos com a folha de salários e com o pagamento de benefícios da Previdência. Apenas para manter a argumentação no mesmo nível, a conta de juros do governo federal, em 2006, deverá ficar bastante próxima de R$ 128 bilhões – nada mais, nada menos do que 28 vezes o valor dos gastos adicionais projetados se o mínimo subisse para os R$ 350 antecipados pela imprensa.
MAIS CONSUMO... Não há, evidentemente, termos de comparação e os números são claros: a prioridade da equipe econômica é o pagamento de juros à ciranda financeira, ao cassino de lu-
cros fáceis do mercado financeiro. Esse tipo de cálculo despreza avaliações de maior fôlego e mais ampla, como a do economista Márcio Pochmann. Historicamente, estudos comprovam que ganhos de salários, para faixas de renda mais baixa, são transferidos integralmente para o consumo, negligenciado nas fases de “aperto” ou desemprego. Numa avaliação recente, Pochmann demonstrou que o efeito direto de um aumento do salário mínimo sobre a arrecadação de impostos, impulsionada pelo maior consumo das famílias de renda mais baixa, seria mais de sete vezes superior ao impacto sobre as contas públicas, representado pelo incremento dos gastos com pessoal nos Estados, municípios e governo federal, basicamente.
...MAIS IMPOSTOS Segundo os dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2004 perto de 34,5 milhões de pessoas recebiam até um salário mínimo, representando 23,1% da população residente. Estimativas sugerem que a correção do mínimo favoreceria perto de 45% daqueles brasileiros, num total de 15,5 milhões de pessoas, em números arredondados. Teoricamente, portanto, um aumento de R$ 50 no
salário mínimo tenderia a injetar na economia alguma coisa ao redor de R$ 775 milhões por mês ou R$ 10,1 bilhões ao longo de um ano (já se computando o 13º salário). O total de impostos sobre o consumo, segundo estima Pochmann, tem um peso de aproximadamente 24,3% sobre a renda daquela faixa da população. Num cálculo direto, isso representaria uma arrecadação, em 12 meses, de quase R$ 2,5 bilhões, compensando parcialmente a conta apresentada pela equipe econômica. Na verdade, o impacto sobre o lado real da economia tende a ser maior pelo efeito multiplicador relacionado ao aumento da renda disponível, com maior produção e mais contratações nas empresas, criando-se um círculo virtuoso de crescimento, como visto. A equipe econômica, obviamente, não parece interessada em fazer esse tipo de conta, até porque ela obrigaria a uma reviravolta na política econômica adotada até aqui. Na verdade, defende Pochmann, “a economia brasileira tem demonstrado uma grande dependência do setor externo para continuar crescendo (via incremento das exportações). Já passa da hora de fortalecer o mercado interno e promover a redução de desigualdades sociais e econômicas por meio do estímulo ao consumo de bens populares e de produtos básicos”. (LVF)
“Quando se fala em corrigir o valor do mínimo, há sempre uma corrente dentro do governo que tem dados prontos para apontar o impacto financeiro do aumento. Toma-se, por exemplo, uma base de informações Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)
Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
Valter Campanato/ABr
Ao invés de elevar o mínimo, a opção preferencial do governo é pagar R$ 128 bilhões em juros ao setor financeiro
que permite uma avaliação estática dos reflexos sobre as finanças da Previdência, sempre evidenciando o suposto risco de explosão de suas contas via aumento das despesas com benefícios”, critica Pochmann.
EVOLUÇÃO RECENTE DO SALÁRIO MÍNIMO Valores em reais Período
Valor nominal
Valor real*
Reajuste nominal (%)
Reajuste real (%)*
Mai/1995
100,00
130,90
42,86
–
Mai/1996
112,00
124,69
12,00
-4,73
Mai/1997
120,00
124,85
7,14
0,12
Mai/1998
130,00
129,07
8,33
3,39
Mai/1999
136,00
130,80
4,62
1,34
Abr/2000
151,00
137,65
11,03
5,31
Abr/2001
180,00
153,27
19,21
11,27
Abr/2002
200,00
155,33
11,11
1,35
Abr/2003
240,00
155,59
20,00
0,17
Abr/2004
260,00
158,92
8,33
2,14
Abr/2005
300,00
171,41
15,38
7,87
(*) Atualização com base na variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Base: dez/1994 = 100
Ganhos na arrecadação, na saúde, na educação Essa visão “engessada” e parcial da realidade não permite que se tenha uma avaliação mais abrangente de todos os efeitos sobre a economia de uma política mais agressiva de reajustes para o salário mínimo. Márcio Pochmann, professor da Unicamp, mostra que, numa abordagem mais ampla, é preciso considerar que as famílias diretamente beneficiadas pelo aumento do salário mínimo tenderiam a ampliar o consumo de alimentos, roupas, calçados, televisores, geladeiras e outros bens e serviços, incluindo transportes, por exemplo. “O consumo de todos esses produtos e serviços é tributado pelos Estados, pelas prefeituras e pelo governo federal, de uma forma ou de outra”, lembra o professor. Isso significa que um aumento do consumo vai gerar, imediatamente, um incremento na arrecadação de impostos, taxas e contribuições. De uma forma mais indireta, à medida em que cresce o consumo, as empresas passam a produzir mais e a contratar mais empregados, gerando novamente mais renda, maior consumo e mais receitas de impostos, como se fosse uma bola de neve, com efeitos positivos em cadeia para toda a economia.
MENOS DOENÇAS “É importante frisar”, acrescenta um trabalho preparado pelo economista quando ainda ocupava a
Secretaria Municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo, “que existem formas indiretas de retorno que se verificaram em experiências de transferência de renda para famílias carentes. A possibilidade de acesso ao alimento de melhor qualidade e em maior quantidade previne doenças ligadas à desnutrição e subnutrição infantil, que acabam gerando internações desnecessárias e sobrecarregando o sistema público de saúde”.
INVESTIMENTOS Em outros termos, ao assegurar alimentação em maior quantidade e qualidade, via aumento do salário mínimo, uma política permanente nesta área contribuiria para reduzir despesas dos governos com a saúde pública, criando “sobras” de recursos para investimentos nesta e em outras áreas. Há, ainda, um outro efeito indireto, destacado por Pochmann. O aumento da renda dos chefes de família, decorrente de uma correção mais generosa para o salário mínimo, tende a permitir que a mesma família possa abrir mão da renda gerada pela exploração do trabalho dos filhos, o que estimularia o retorno dessas crianças à escola, reduzindo as taxas de evasão e de repetência escolar “que oneram os municípios e os Estados, comprometendo o futuro das crianças”. (LVF)
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De 15 a 21 de dezembro de 2005
NACIONAL AGENDA TUCANA
Serra quer privatizar serviços
Hamilton Octavio de Souza
Tucanos afirmam que proposta vai agilizar atendimento; para oposição, idéia fere a Constituição
Camiseta misteriosa O vice-presidente da República, José Alencar, e a sua empresa Coteminas, trataram de esclarecer rapidamente, com toda a documentação, a questão da venda de camisetas e o recebimento de um milhão de reais do PT. O partido ainda está com dificuldade de explicar de onde arranjou essa quantia e por que fez o pagamento em dinheiro vivo. Ainda tem muita história para ser contada. Etnocídio petista No lançamento do Relatório de Direitos Humanos no Brasil, organizado pela Rede Social, na semana passada, o assessor do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Paulo Maldos, deixou claro que a violência praticada contra os povos indígenas no Mato Grosso do Sul está fora do controle da sociedade. Segundo ele, o etnocídio conta com a conivência e cumplicidade do governador Zeca do PT. Capital improdutivo Os trabalhadores do banco Santander-Banespa continuam lutando contra a ocorrência de novas demissões na empresa. Já fizeram manifestações e paralisações de várias agências. Nos últimos anos, os bancos fizeram milhares de demissões, fecharam postos de trabalho e aumentaram seus lucros acima de qualquer outro setor – graças aos juros altos, às tarifas extorsivas e aos baixos salários. E não produzem nada de bom para a sociedade. Proposta adequada O ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, que deu um grande golpe financeiro na praça e levou o Banco Santos à falência, teve a sua casa no Morumbi, em São Paulo, avaliada em R$ 50 milhões, incluída entre os bens da massa falida. Agora, um juiz quer transformar a casa em museu ou centro cultural. Se a proposta for aprovada, pelo menos uma parte do golpe poderá reverter para a sociedade. Contradição oficial Discursos do governo federal apresentam números ufanistas sobre o crescimento econômico, a distribuição da renda, os resultados dos programas sociais. Pesquisa divulgada pelo IBGE, na última semana, mostrou queda na produção industrial em 14 das 20 regiões analisadas. O desemprego voltou a aumentar em novembro, um mês de economia aquecida. O ufanismo oficial não combina com a percepção geral. Onde está a razão? Grife criminosa Os procuradores federais que investigam a Daslu – a butique de luxo de São Paulo – chegaram à conclusão de que os donos da loja constituíram uma verdadeira organização criminosa, com crimes suficientes para uma condenação a 21 anos de cadeia. Mas como o estabelecimento é freqüentado pela fina flor da elite e tem a proteção do governador Alckmin, do PSDB, é mais do que provável que tudo termine em pizza. Mais uma! Proposta enganosa Defensores da Alca e de acordos subordinados aos Estados Unidos deveriam refletir sobre a situação do México, que, após cinco anos de Nafta, viu 6 milhões de agricultores perderem o emprego e, de exportador de alimentos, em 1999, importa agora cerca de 50% dos produtos agrícolas para consumo interno. Isso é que é conquista de mercado. Dos gringos! Discórdia mínima Todo ano, o Brasil assiste o mesmo debate demagógico em cima do reajuste do salário mínimo. Todo ano, se cria uma expectativa de recuperação do seu poder aquisitivo, mas, no final, acaba prevalecendo o argumento do sistema econômico, sempre puxando o mínimo para baixo. Agora, as centrais sindicais falam em passar o mínimo de R$300 para R$400; o presidente falou em R$350, mas o governo prevê apenas R$330 no orçamento.
Tatiana Merlino da Redação
A
Prefeitura de São Paulo segue tentando transferir a sua responsabilidade de administrar serviços públicos para entidades privadas. A Câmara Municipal aprovou dia 8 em primeira votação, o Projeto de Lei 318/05, do prefeito José Serra (PSDB) que permite que organizações sociais – instituições privadas e sem fins lucrativos – gerenciem serviços nas áreas da educação, saúde, cultura, esporte e meio ambiente sem licitação de serviços públicos. A votação em segundo turno da proposta estava prevista para ocorrer no dia 14, após o fechamento desta edição. Sindicatos ligados às entidades públicas denunciam que os contratos de gestão propostos representam a privatização do sistema. “Esse projeto reduz o papel do Estado e do investimento público em políticas sociais”, afirma Maria Benedita de Castro de Andrade, presidente do Sindicato dos Especialistas em Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo (Sinesp). Ela acrescenta que, como uma outra conseqüência da aprovação do projeto de lei, as instituições de ensino público passarão a ser consideradas de iniciativa privada e, assim, poderão deixar de receber recursos financeiros destinados ao ensino público.
CHEQUE EM BRANCO A bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara tem a mesma opinião e afirma que a prefeitura pretende passar a responsabilidade de administrar, que é do município, a terceiros. Para o vereador petista Antônio Donato, a aprovação do projeto será o mesmo que “entregar um cheque em branco ao prefeito Serra”. O líder da bancada petista, João Antônio, afirma que a proposta não determina especificamente qual será seu objetivo, tornando-se uma “terceirização do serviço público municipal”. O projeto apresentado foi criticado pela falta de clareza nas obrigações das entidades que serão
Fernando Donasci/Folha Imagem
Fatos em foco
Prefeitura de São Paulo quer transferir contratações de médicos para o setor privado
contratadas e nas especificações para o atendimento. O vereador Paulo Teixeira (PT) cita a falta de obrigações por parte das entidades. “Não foi falado sobre as metas e as obrigações que terão de cumprir”, explica.
ARGUMENTOS DUVIDOSOS A prefeitura argumenta que a transferência da gestão dos serviços públicos para as organizações sociais iria agilizar a administração e evitaria a burocracia. O secretário municipal de Gestão, Januário Montone afirmou: “Quando um hospital precisa de médicos, por exemplo, é preciso abrir concurso, o que atrasa o andamento das coisas. Passar a responsabilidade por contratações para as organizações sociais vai agilizar esse processo”. No entanto, os críticos ao PL 318 rebatem o argumento da gestão tucana, lembrando que a terceirização e a transferência de recursos públicos para o setor privado não garantem a melhoria do serviço oferecido. “O Executivo não terá qualquer controle sobre as organizações sociais e os conselhos populares de saúde também não poderão
Relações suspeitas Mesmo antes de aprovar o PL 318, que prevê a entrega da administração de serviços públicos a entidades privadas, o prefeito José Serra já está colocando em prática a sua política de terceirização. O Hospital Municipal do Campo Limpo – que atende moradores da Região Sul de São Paulo e dos municípios de Itapecerica da Serra, Juquitiba, São Lourenço da Serra e Taboão da Serra – recebeu, no dia 7 de julho, uma doação de R$ 8 milhões da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein para sua reforma e ampliação. O Albert Einstein também foi contratado para fazer projetos de reforma de 12 prontos-socorros municipais. O curioso é que o presidente do hospital Albert Einstein é o ex-secretário da Saúde de São Paulo, Claudio Lottemberg. No início do ano, a Prefeitura de São Paulo também entregou uma unidade de emergência, no bairro do Jardim Ãngela, a uma entidade privada, o Centro de Estudos e Pesquisas Dr. João Amorim (Cejam). Não por acaso, o secretário municipal da Educação, José Aristodemo Pinotti, foi o vice-presidente da organização. A Universidade de Santo Amaro (Unisa) também fechou um convênio com a prefeitura para reformar três unidades básicas de saúde, que atenderão emergências na região do Grajaú, zona sul da cidade. Coincidência ou não, a atual secretária da Saúde de São Paulo, Maria Cristina Faria da Silva Cury, foi reitora da Unisa. Outra unidade da prefeitura que está sendo reformada pela iniciativa privada é o pronto-atendimento Gloria Rodrigues Santos Bonfim, em Cidade Tiradentes, zona leste da cidade. A obra na unidade será bancada pela indústria farmacêutica Eurofarma e deverá custar R$ 240 mil. O presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de São Paulo (Sindsep), Leandro de Oliveira, critica o avanço das transferências sem amparo do Legislativo. “A privatização já está sendo colocada em prática, os vínculos com a iniciativa privada já foram estabelecidos. Agora, só falta a aprovação da Câmara”, diz. O Ministério Público também questiona a administração pelas organizações sociais que, na visão dos promotores, seria uma maneira de burlar licitações e concursos. (TM)
fiscalizar as entidades”, afirma Teixeira.
passarão a ser funcionários das entidades privadas”.
VISÃO SIMPLISTA
“PAS DO SERRA”
Pelo projeto de Serra, qualquer universidade privada estatutariamente “filantrópica” poderá receber o dinheiro do orçamento da educação ou da saúde para gerenciar escolas e hospitais. O vereador petista acredita que “o projeto tem uma visão simplista de que o Estado é ineficiente e basta ao governo pagar e gestores filantropos e altruístas prestarão serviços de qualidade”. As organizações ligadas aos servidores da saúde ainda afirmam que o PL 318 contraria diversos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), pois não cria concursos para a contratação de profissionais, desvalorizando e flexibilizando suas atividades. “O projeto também não obriga a participação das organizações sociais em conselhos gestores, o que retira toda a possibilidade de controle social do uso dos recursos públicos”, acredita Leandro Oliveira, presidente do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo. Além disso, ele alerta para uma possível extinção dos cargos públicos. “Os 132 mil servidores
As entidades que se opõem ao projeto o apelidaram de “PAS do Serra”, em referência ao fracassado Plano de Atendimento à Saúde implantado na gestão do ex-prefeito Paulo Maluf, que terceirizou a rede municipal de saúde através de cooperativas privadas e foi acusadode desvios de recursos públicos da ordem de R$ 2 bilhões. Com a aprovação da lei, afirma Leandro Oliveira, o governo também pode fechar hospitais públicos e selecionar atendimento aos pacientes. Para ele, Serra está descumprindo os artigos 196 e 198 da Constituição Federal que definem a saúde como um direito de todos e um dever do Estado, com acesso universal, igualitário e atendimento integral. Atualmente, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, também tucano, utiliza o modelo de organizações sociais na administração de hospitais e ambulatórios. No ano passado, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) alertou o governo sobre falhas no sistema.
Metrô: presente de Alckmin aos empresários O jeito tucano de governar também está sendo aplicado ao Metrô de São Paulo, administrado pelo governo estadual. O presidenciável Geraldo Alckmin pretende conceder por 30 anos a exploração do novo trecho do metrô, a linha 4, à iniciativa privada, por meio da implantação da primeira Parceria Público Privada (PPP) do Estado. De acordo com o contrato proposto, a divisão das responsabilidades é bem desigual. O setor público investirá 922 milhões de dólares no empreendimento, ou 73% do total dos recursos, além de modernizar e ampliar a Linha C da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), enquanto o setor privado entrará com apenas 340 milhões de dólares – o que corresponde aos 27% do investimento restante.
DENÚNCIA De acordo com o Sindicato dos Metroviários de São Paulo, a privatização do metrô será um “presente” aos empresários, já que, caso a arrecadação tarifária não atinja a meta do contrato da PPP, o Estado irá assegurar ainda que o investidor privado não tenha prejuízo, pagando a diferença do lucro esperado. Além disso, argumentam os sindicalistas, ao contrário do que acontece hoje, o Estado não terá participação nos rendimentos
resultantes da utilização comercial do espaço do metrô e seus arredores. “Isso trará um grande prejuízo, ainda mais se levarmos em conta o impacto positivo da implantação do metrô no meio urbano. De 1995 a 2004, o balanço social apresentou um resultado acumulado de R$ 35,4 bilhões”, relata nota do sindicato. A categoria afirma que esses argumentos colocam em xeque o discurso do governo Alckmin de que há escassez de recursos para ampliar a malha metroviária de São Paulo. O tratamento que será dispensado aos trabalhadores também preocupa os metroviários. “O metrô cumpre um papel importante como instrumento de política pública na transformação urbana, da cidade de São Paulo, e também de toda a região metropolitana”, avaliam os sindicalistas. A privatização do metrô faz parte de uma agenda do PSDB para dar continuidade ao longo período de políticas neoliberal no Estado, iniciado em 1994, e “que privatizou a energia elétrica, o gás, as rodovias e tem metas ambiciosas de privatização do saneamento e outros serviços públicos”, afirma Wagner Pereira, presidente da Federação Nacional dos Metroviários. Alckmin também pretende privatizar, até o final de seu governo, a Nossa Caixa e a estatal energética Transmissão Paulista. (TM)
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NACIONAL SÃO PAULO
Comunidade marcha por direito a um teto Integrantes de ocupação urbana pedem imediata desapropriação de prédio abandonado há 40 anos Gissela Mate de Jandira (SP)
F
altam cerca de 6,5 milhões de moradias em todo país. Entre os domicílios existentes, 12 milhões, aproximadamente, estão em péssimas condições de infra-estrutura. Cerca de 10% dos imóveis de zonas urbanas no Brasil estão vagos. Somente na região central da cidade de São Paulo, são mais de 200 edifícios residenciais vazios. Na cidade de Jandira, Grande São Paulo, que se tornou um exemplo desse trágico quadro, um grupo de famílias deixou as margens do rio
em que morava sob péssimas condições e ocupou, dia 12 de novembro, um prédio abandonado no bairro Jardim Alvorada. O edifício, que registra amplo histórico de abandono e depredação, tem dívida com a prefeitura de R$ 400 mil. “Todos estavam unidos com o mesmo objetivo, que é morar de forma digna”, afirma Tatiana Galvão, que participou da ocupação com sua família. Agora, as 250 famílias da comunidade Vila Esperança lutam para conseguir a posse do prédio. Dia 10, as famílias realizaram um ato político seguido de uma marcha, do centro até o local da ocupação, para exigir
atenção e ação imediata do poder público para a compra do imóvel. Antes de ocupar o prédio, as famílias moravam às margens do Rio Barueri-Mirim, expostas a enchentes, ratos e cobras. “Os alimentos ficavam molhados e contaminados com as chuvas”, relembra Tatiana. Apesar das péssimas condições do local, havia uma liminar na Justiça para despejar a comunidade da área – de posse da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Com demanda urgente por mudança, a ocupação do prédio foi tomando proporções concretas. O despejo da área da CPTM tinha data marcada
para dezembro, mas os moradores decidiram ocupar o prédio abandonado antes do cumprimento da reintegração de posse. Enquanto as negociações avançam, a comunidade já trabalha a perspectiva da organização popular. “A idéia é formar a Comuna Urbana Dom Hélder Câmara, com coordenação por núcleos de famílias. Se apenas repetirmos a estrutura das casas da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), estaremos repetindo também as mesmas relações sociais que se formam nesses espaços. Queremos associar a moradia à ci-
dadania e não apenas à idéia da casa própria”, esclareceu o padre João Carlos, que atua junto às famílias. Na idéia de resgatar novas relações sociais, as famílias já falam em comuna urbana, que retoma também a idéia da comuna da terra, organização presente em alguns assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “A comuna urbana vai funcionar a partir do tripé trabalho, moradia e renda”, explica Naveen Manikkonpel, do MST de São Paulo. Assim como nos assentamentos do Movimento, a propriedade da terra e a organização das famílias serão coletivas.
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NACIONAL EXPLORAÇÃO NO CAMPO
Lesões e invalidez, para cumprir a meta Leonardo Severo de Lajeado (RS)
Agência Brasil
Para aumentar exportações, indústrias avícolas intensificam ritmo de produção e prejudicam trabalhadores
A
Comissão de Justiça e Direitos Humanos da Câmara dos Deputados analisou, dia 7, as conseqüências do ritmo intenso de trabalho na indústria avícola, que vem gerando uma legião de trabalhadores lesionados e inválidos – vítimas da aceleração do ritmo das nórias, correntes que transportam o frango até os trabalhadores na linha de produção. Os parlamentares acompanharam os depoimentos de ex-funcionários com lágrimas nos olhos. “A situação é bem mais grave do que se imaginava. Ficamos emocionados com o grau de crueldade dessa guerra econômica, que produz um exército de mutilados”, declarou a deputada Luci Choinacki (PT-SC). Integrante da Comissão, a parlamentar considerou “inaceitável a continuidade de uma relação social que agride a dignidade do trabalhador”, alertando ainda para o incremento da participação estrangeira no setor. “A desnacionalização é outro ponto preocupante”, acrescentou. As exportações do setor avícola vêm crescendo vertiginosamente – de 879 milhões de dólares, em 2000, para 2 bilhões e 862 milhões de dólares, até outubro de 2005. Para atender a essa demanda, as empresas aceleram a produção, mas não querem aumentar despesas com novas contratações – o que resulta em mais trabalho para os empregados. Nos três últimos anos, as exportações duplicaram, atraindo os grandes conglomerados transnacionais. Famosa por suas práticas antisindicais (veja matéria abaixo), a estadunidense Cargill abocanhou, entre outras, a Seara e a Ceval, saltando no ranking das maiores empresas do Brasil, da 14ª colocação, em 2003, para a 11ª, em 2004. “Com a gripe aviária, as exportações aumentaram mais ainda. Mas as fábricas não ampliaram o espaço físico nem contrataram mais pessoas. É preciso que os parlamentares e o Executivo se posicionem com rapidez, pois o ritmo intenso de trabalho está provocando graves enfermidades e isso é uma questão de saúde pública”, defendeu o presidente da Confederação Nacional
Depoimentos de trabalhadores levam parlamentares ao choro. Mutilações e depressão afetam cada vez mais os funcionários das indústrias avícolas
dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação (Contac), Siderlei Oliveira. Um dos problemas detectados, denunciou Oliveira, é que os trabalhadores estão adoecendo cada vez mais precocemente. No caso das mulheres, há registro de muitas manifestações de depressão, comumente relacionadas às Lesões por Esforço Repetitivo (LER), conforme esclareceu Roberto Mauro Arroque, médico perito do INSS numa região do Rio Grande do Sul onde estão sediados frigoríficos de frango, entre eles a Penasul, hoje pertencente à estadunidense Osi Group. Arroque informou que o quadro mais comum é a síndrome do túnel do carpo.
INFLAMAÇÃO O médico explica que esse túnel é como se fosse um vale do antebraço, do punho, por onde passa o nervo mediano, os tendões, que acabam comprometidos pelo movimento contínuo das mãos. “A infla-
mação nos tendões afeta estruturas próximas, músculos e nervos. O trabalhador passa a ter dificuldades, dor, e se o quadro perdurar, pode ficar permanentemente incapacitado, inclusive para atividades banais do cotidiano”, conta. A partir de uma certa altura, esclarece Arroque, “a pessoa começa a se sentir incapaz e, por fim, se sente inválida, temendo pelo próprio futuro, por sua integridade física, pelo cuidado com seus familiares. É muito comum que o paciente com LER tenha algum grau de depressão”. Inconformado com a exploração a que os trabalhadores das indústrias avícolas vêm sendo expostos, o perito desabafa: “Entendemos que ocorre às vezes um fenômeno de despejo de funcionários da empresa – aqueles que não estão rendendo o máximo – para cima da Previdência Social. É aproveitado o máximo de sua capacidade, e às vezes o máximo é o esgotamento. Depois ainda exigem um suquinho final. Então ele é mandado para nós
“A paciente está muito limitada por suas patologias, suas lesões já sendo crônicas e muito evoluídas (...) O quadro é irreversível, mesmo com conduta cirúrgica (...) Há comprovada tenossinovite de punho/mão. A paciente também tem síndrome do túnel do carpo bilateral grave à direita com comprometimento sensitivo e motor, comprovado por eletroneuromiografia recente. A clínica é também compatível com bursite e tendinite de ombro direito com quadro de dor constante (...) Considero que não apresenta condições de exercer a atividade laborativa normal, o que agravaria ainda mais suas lesões, tendo incapacidade definitiva”. O laudo médico de Sara Odete Plach, funcionária da transnacional estadunidense Osi Group – controladora da Penasul, proprietária de indústrias avícolas nas cidades de Roca Sales e Garibaldi, no interior gaúcho – revela o drama dos trabalhadores do setor rural. Vivendo às custas do seguro-doença, Sara tem o braço direito completamente incapacitado. Com a mão caída ao lado da canastra que equilibra em suas pernas, ela fala de seu falecido pai, que perdeu um braço, amputado na colheita agrícola. É a força da recordação que lhe dá energia para tocar a vida em frente, com os três filhos menores, diz.
Leonardo Severo
O drama de Sara Plach
Funcionária da Osi Group tem o braço direito incapacitado
Funcionária da transacional, Sara não foi nem aposentada por invalidez. Após muita briga da Contac, ela recebe hoje R$ 434,94 do auxílio-doença. Como a empresa não
emitiu Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), ela ganha 80% do montante a que teria direito por lei, caso a empresa tivesse registrado o caso como seguro acidente. (LS)
no bagaço. Isso é muito freqüente. Eu não diria que é a regra, mas está muito longe de ser a exceção”.
DORES Moradora da cidade gaúcha de Lajeado e trabalhadora desde 1995 na Avipal – controlada pelo grupo francês Doux –, Lourdes Fátima Dias Lopes contou que apesar de já ter se submetido a cinco cirurgias, nas mãos e nos ombros, devido à intensidade do serviço repetitivo, não houve cura e a dor permanece. “Chega uma hora que a gente começa a sentir uma dor forte. Aí aquela dor no braço sobe para o pescoço e dá uma dor intensa na cabeça. Esse é um dos sintomas que eu sinto até hoje, e vem piorando. Tem bastante gente na empresa com o mesmo problema. Não vou dizer que seja grave como o meu, mas que tem muita gente operada na empresa por causa disso, tem, sim”. Atendente do INSS na cidade de Serafina Correa, também no
interior gaúcho, Julce Maria Grechi relatou que são cada vez mais freqüentes os casos de depressão: “A dor causada pelas doenças por esforço repetitivo abala a pessoa, que vai trabalhar e não consegue desenvolver o serviço como gostaria, e ainda tem cobrança dos superiores”. Para pôr um freio a esses abusos, o presidente nacional da CUT, João Antonio Felício, propõe o estabelecimento de normas que regulem o funcionamento das nórias – implementação de tacógrafo; horário do setor reduzido para seis horas diárias; rodízio nas funções – e reconhecimento, pelo INSS, de que as lesões causadas pelos movimentos são uma doença profissional do setor. As reivindicações constam da Agenda do Trabalhador, entregue pela CUT ao ministro do Trabalho, Luiz Marinho; ao ministro da Previdência, Nelson Machado; e aos presidentes da Câmara, Aldo Rebelo, e do Senado, Renan Calheiros.
Cargill abusa da truculência Trabalhadores da transnacional estadunidense Cargill – que assumiu o controle da Seara – foram mantidos em cárcere privado no frigorífico avícola de Jaraguá do Sul, a cerca de 200 quilômetros de Florianópolis (SC). A denúncia foi feita por cinco trabalhadoras que conseguiram escapar e registraram Boletim de Ocorrência contra a direção da empresa. Em greve desde o dia 7, os trabalhadores reivindicam aumento real de salário, diminuição do ritmo intenso de trabalho e melhoria no ambiente da fábrica, onde um número expressivo de empregados tem lesões por esforço repetitivo (LER). De acordo com o secretáriogeral da CUT-SC, Neudi Giachini, “a Cargill vem abusando da truculência e da intransigência contra os trabalhadores desde quando assumiu a Seara, no começo do ano”. “Esse é o histórico dessa transnacional. Em Xanxerê, onde comprou a Ceval, teve essa mesma prática de imposição, de não negociar. Aqui, colocaram lonas pretas em volta da empresa e um som potente, para tentar impedir os companheiros de ouvir os informes do sindicato sobre a greve. Pior, contrataram seguranças para
impedir o livre trânsito dos trabalhadores”, denunciou. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Alimentação de Jaraguá, Sérgio Eccel, frisou que a prática da empresa é “terrorista”: “Colocaram guardas até dentro dos ônibus”. A Cargill tem deslocado funcionários de outras unidades para conseguir manter o abate de cerca de 120 mil frangos/dia. “A empresa vai ter de responder também por isso, pois tal prática é um crime contra a organização dos trabalhadores”, acrescentou Eccel. O presidente nacional da CUT, João Antonio Felício, defendeu uma fiscalização rigorosa da transnacional: “Foi com esse tipo de prática que a Cargill conseguiu saltar da 14ª para a 11ª colocação no ranking das maiores empresas em atividade no país. Estamos em contato com as autoridades e vamos ampliar a pressão para que tal conduta criminosa não fique impune”. Siderlei Oliveira, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação (Contac), sublinhou que “é preciso que o poder público puna exemplarmente essa prática fascista, de coação e chantagem, que agride a toda sociedade brasileira”. (LS)
Ano 3 • número 146 • De 15 a 21 de dezembro de 2005 – 9
SEGUNDO CADERNO LIVRE-COMÉRCIO
A manutenção do subdesenvolvimento Igor Ojeda da Redação
Fotos: CMI
Estudo mostra que proposta em debate na OMC poderia prejudicar dois milhões de trabalhadores no Brasil
C
hega a ser motivo de riso o fato de a pauta de negociações comerciais vigente desde 2001 no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) ser chamada de “Rodada Doha de Desenvolvimento”. Desde então, os inúmeros movimentos sociais e entidades da sociedade civil que no mundo todo lutam contra o livre-comércio fazem, em alto e bom som, uma pergunta inevitável: desenvolvimento para quem? Na teoria, deveria ser para os países mais pobres; mas, na prática, os mais ricos são os favorecidos. As nações desenvolvidas pedem uma redução radical nas tarifas para importação de bens industriais dos subdesenvolvidos, mas não abrem mão de seus subsídios e tarifas agrícolas. A União Européia (UE) e os Estados Unidos (EUA) propõem – apoiados pelo Ministério da Fazenda de Antônio Palocci – que o Brasil corte cerca de 65 % das tarifas médias registradas na OMC (de 30% para 10%). Já o Ministério das Relações Exteriores (MRE) oferece 50% (de 30% para 15%).
DESEMPREGO
Protestos contra o desenvolvimento só para os países ricos durante a 6ª Conferência Ministerial, que ocorre entre os dias 13 e 18 em Hong Kong
Um estudo realizado pelo Instituto Observatório Social (organização que pesquisa o comportamento de empresas em relação aos direitos dos trabalhadores) e encomendado pela Aliança Social Continental (ASC) mostra, como esta proposta afetaria os interesses nacionais. Segundo o texto, os termos colocados atualmente na OMC – cuja 6ª Conferência Ministerial ocorre entre os dias 13 e 18 em Hong Kong, na China – poderiam afetar dois milhões de empregos na indústria brasileira, já que a maior competitividade estrangeira causaria a eliminação de postos de trabalho e a precarização de outros devido à contratação de trabalhadores em caráter informal. Significariam também a “consolidação de uma estrutura produtiva de baixo valor agregado”. Além disso, a abertura indiscri-
minada reduziria a possibilidade de o país realizar políticas industriais e comerciais, ao reduzir a distância entre a tarifa de fato aplicada e a consolidada (a que é registrada na OMC). Traduzindo: um corte nas tarifas consolidadas deixaria uma margem de manobra menor para o Brasil proteger certos setores das indústria. Por exemplo: em agosto de 2005, para evitar a invasão de calçados chineses, o governo elevou a tarifa de importação deste bem de 14% para 35%, dentro da variação registrada na OMC. Com o corte proposto, isso não seria possível. Ainda segundo o estudo, os setores mais afetados seriam o automotivo, eletroeletrônico, de calçados, têxtil e vestuário e químico. Uma das bases do relatório do Observatório Social é a abertura
ocorrida na América Latina e no Brasil durante a década de 1990. “A tarifa média praticada hoje, de 10,8%, existe por conta de uma redução brusca das tarifas industriais brasileiras durante este período, quando ocorreu uma eliminação de 1,9 milhão de empregos na indústria, de 1990 a 1999”, explica Alexandre de Freitas Barbosa, pesquisador do Observatório Social e um dos autores do estudo. Segundo ele, a causa foi o corte nas tarifas aliado a um crescimento muito pequeno do PIB industrial, a uma forte valorização da moeda entre 1994 e 1998, com o Plano Real, e a política de juros altos. Para Barbosa, caso as tarifas sejam reduzidas novamente de forma drástica – e com as demais condições permanecendo praticamente as mesmas –,
“estaríamos matando um processo de reindustrialização pós-1999”.
AGENDA DO AGRONEGÓCIO Ainda segundo o pesquisador do Observatório Social, a visão do Ministério da Fazenda, que apóia a proposta dos países ricos, é totalmente equivocada ao focar apenas na produtividade. “Obviamente, ela vai aumentar, mas só nas empresas que sobrarem. Nossa idéia é uma produtividade que expanda a base industrial e de empregos”, diz. No entanto, mesmo a postura do MRE merece ressalvas, na opinião de Adriano Campolina, diretor da ActionAid (organização não-governamental que atua no combate à pobreza) para as Américas. Embora elogie a atuação do Brasil desde a criação do G20 (grupo de
OMC, um Robin Hood às avessas
Entidades e movimentos sociais de dezenas de países, como Brasil, Coréia do Sul, Estados Unidos, Filipinas, entre outros, transformaram Hong Kong, na China, em um caldeirão de mobilizações, desde o dia 11. Gritam nas ruas da cidade: Kong yee sai mau (Não à OMC, em chinês). Protestam contra as negociações que ocorrem no Centro de Convenções de Hong Kong, onde governantes de cerca de 140 países participam da 6ª Reunião Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), que ocorre de 13 a 18. No encontro, a maioria dos governantes pretende estabelecer acordos comerciais, visando estimular a liberalização econômica. Como fizeram na reunião anterior, que ocorreu em Cancún, no México, em 2003, manifestantes esperam “descarrilhar a OMC”, ou seja, impedir que as negociações ocorram . Na cerimônia inicial, mais de 20 mil pessoas se manifestaram contra o encontro, de acordo com relato enviado pela entidade Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip), que participa dos protestos. No texto, intitulado “Hong Kong: Protestos do lado de fora, impasses persistindo do lado de dentro”, afirma que os manifestantes foram barrados por policiais, quando se aproximavam do Centro de Convenções. “Destaque para a presença importante das entidades de camponeses da Via Campesina, e os cerca de 2.500
CMI
Um caldeirão de mobilização da Redação
• Na
O grito contra as políticas da OMC ecoa pelas ruas
sul-coreanos, alguns dos quais seguiam de barco e se jogaram ao mar quando a marcha foi estancada pela barreira policial”, diz o relato. No mesmo dia, quarenta ativistas entraram, sem permissão no local da reunião, e protestaram, com cartazes, contra as negociações. “Acompanhamos dez anos de falsidade na OMC. Manifestamo-nos porque não podemos continuar assistindo as políticas da OMC matarem camponeses e operários em todo o mundo”, afirmou Walden Bello, diretor de Foco no Sul Global, segundo relato dado pela própria entidade, que desenvolve programas de desenvolvimento alternativo em diversos países asiáticos, como Filipinas, Índia e Tailândia. Dois dias antes, quando se ini-
ciaram os protestos contra a OMC, chamados Semana de Ação dos Povos, 4.000 manifestantes marcharam, durante cinco horas, pelas ruas de Hong Kong. Em nota enviada à imprensa, participantes das manifestações afirmaram que os efeitos da liberalização econômica, promovida pela OMC, são catastróficos: “Desde os anos 1990, 270 mil trabalhadores, principalmente das Filipinas e Indonésia, foram obrigados a abandonar suas casas e suas famílias porque seus países estão economicamente devastados”. Os protestos devem ocorrer até o dia 19 e podem ser acompanhados pela internet na página do Mutirão Informativo dos Movimentos Sociais (em espanhol): www.movimentos.org/semanahk
países em desenvolvimento, liderados por Brasil e a Índia), teme a possibilidade de o país considerar uma posição mais flexível nas negociações em indústria e serviços para obter acesso a mercados para a agricultura exportadora – que causa danos ao meio ambiente, não distribue renda, gera pouquíssimos empregos e não produz alimentos básicos para a população. “O que nos preocupa é que, para atender aos anseios do agronegócio, comprometa-se tanto os interesses da agricultura familiar quanto os vinculados às questões de bens industriais e de serviços. Isso poderia ter impactos muito grandes em termos de desemprego e no acesso das pessoas excluídas à educação e saúde. Para nós, é algo inaceitável, seria um retrocesso”, diz.
Índia, quase 500 fábricas foram fechadas em 2004 após reduções nas tarifas sobre as importações de produtos industriais, que causaram invasão de importados mais baratos; • No Brasil, a eliminação de barreiras comerciais contribui para que as transnacionais expulsem os pequenos produtores de leite do mercado; • No Paquistão, a competição estrangeira no setor pesqueiro está tirando 300 mil pescadores locais do mercado; • Na África do Sul, a privatização do abastecimento de água ocasionou corte deste serviço para 500 mil pessoas pelo não pagamento de contas, durante um trimestre de 2001. Algumas famílias passaram a utilizar água de rios poluídos, o que causou surtos de cólera. Estes e outros efeitos das medidas de abertura comercial já em marcha nas nações subdesenvolvidas constam do relatório Trade Invaders (Invasores Comerciais), elaborado pela ActionAid e lançado no dia 7 em Londres (Inglaterra). “A liberalização forçada que ocorreu em vários países já levou ao desemprego e à exclusão, tanto no campo quanto na cidade”, afirma Adriano Campolina, diretor da ActionAid Americas e coordenador da pesquisa. De acordo com o estudo, as
negociações realizadas durante a preparação da 6ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) ameaçam a subsistência de milhões de pessoas, já que os países ricos desejam “novos compromissos comerciais que vão abrir suas economias ainda mais à competição internacional”. Para a ActionAid, isso aumentaria a pobreza e a desigualdade nas nações periféricas, ao contrário do que está estabelecido no mandato regulatório da Rodada de Doha, pauta de negociações no âmbito da OMC criada em 2001 cujo argumento é o da liberalização como caminho para o desenvolvimento. “O mundo está pleno de exemplos de que o livre-comércio não é uma solução para tal”, discorda Campolina. O diretor da ActionAid defende um comércio regulado de forma multilateral e voltado à promoção do desenvolvimento e à preservação do direito dos países pobres de proteger sua agricultura familiar, seus serviços e sua indústria nascente. Para Campolina, o provável fracasso nas negociações em Hong Kong é uma boa oportunidade para que as nações periféricas ponham em pauta este outro modelo e para que rediscutam o processo de tomada de decisões na OMC, “profundamente não-transparente e não-democrático”. (IO)
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AMÉRICA LATINA BOLÍVIA
Pressão pela eleição direta da Redação
O
candidato mais votado nas eleições do dia 18 deverá ser empossado como presidente da República, mesmo se não tiver mais de 50% dos votos válidos. Essa é a posição de diversos partidos políticos que defendem a instituição do segundo turno na legislação boliviana. A atual lei eleitoral na Bolívia define que, caso nenhum concorrente obtenha maioria dos votos, o Congresso é o responsável pela definição de quem ocupará o principal posto do Poder Executivo no país. Mesmo assim, seguem as especulações de que estaria sendo articulada uma coalização de forças centro-direitistas para minar a candidatura do cocalero socialista Evo Morales – líder nas pesquisas eleitorais com mais de 30% dos votos, à frente do conservador Jorge Quiroga. Para impedir que o candidato do Movimiento Al Socialismo (MAS) seja empossado, se ganhar o pleito, os conservadores terão de garantir maioria parlamentar no Congresso. As pesquisas eleitorais mostram que, até o momento, nem o partido de Morales e tampouco o Podemos de Quiroga terão hegemonia absoluta entre os deputados e senadores.
Marcelo Curia
Bolivianos discutem se Congresso vai ratificar a vontade do povo ou, mais uma vez, rejeitará Evo Morales
Para vencer eleição presidencial, é necessário também obter maioria no Congresso. Votação é dia 18 e Evo Morales possui 30% nas pesquisas
turno eleitoral se ninguém conseguir 50% dos votos. Em vez disso, o político do MAS exige que Quiroga cumpra a promessa feita no início da sua campanha – quando as pesquisas o favoreciam – de desistir da participação em um segundo turno se fosse o primeiro nas urnas. O conservador, agora, rejeita essa posição, pois espera que uma coalização possa lhe favorecer, mesmo se for derrotado nas urnas. O terceiro colocado nas pesquisas, o empresário Samuel Doria
POSIÇÃO VACILANTE O candidato cocaro tem lembrado, no entanto, que o MAS sempre respeitou a Constituição e a vontade popular. Morales está também rejeitando a negociar um pacto proposto por Quiroga de pressionar o Congresso a convocar um segundo
Medina, da Unidad Nacional (UN), manifestou dúvidas ao responder como se posicionaria a respeito de um impasse. O político centro-direitista disse que, se algum candidato vencer por 5 pontos percentuais de vantagem, o Congresso deverá reconhecê-lo como governante. Caso contrário, seu partido se manterá neutro, o que também pode favorecer Morales. Isso porque a Constituição diz que, se depois de três votações no Congresso, nenhum candidato conseguir 51%
dos parlamentares, a vontade popular deverá ser mantida. Não por acaso, uma das estratégias da campanha de Quiroga é a defesa do voto útil contra Morales, ou seja, dizer que quem votar no empresário Medina acabará elegendo o político do MAS. Quiroga chegou inclusive a sugerir publicamente ao candidato da UN que abandone as eleições para não dividir quem não deseja ver Morales como novo presidente da Bolívia. Especialistas políticos locais
CHILE
avaliam que é praticamente inviável do ponto de vista social e político que um acordo parlamentar para reverter uma vitória de Morales nas urnas, considerando que o país já vive uma profunda crise de legitimidade do poder político – dois presidentes foram depostos em três anos. Uma pesquisa feita recentemente apontou que 90% dos bolivianos são favoráveis a que o Congresso confirme o vencedor das urnas como o novo presidente. (Prensa Latina, www.prensa-latina.com)
COLÔMBIA
As eleições dividem a esquerda
MICHELLE GANHARÁ? O ultra-direitista Joaquín Lavín, aspirante pela União Democrática Independente, relutou em admitir a força do rico empresário Piñera até a contagem do último voto, quando foi obrigado a admitir sua derrota. O patrimônio de Piñera, estimado em cerca de 1,2 milhão de dólares, é tido como uma espécie de espada de Dâmocles, que seus adversários denunciam o tempo todo, para assinalar como é pouco ético ter ações de empresas e, ao mesmo tempo, governar um país. Porém, agora, as projeções discutem como Michelle conseguirá se eleger. Segundo analistas, nem todos os seguidores de Lavín vão favorecer o empresário. Caso isto se confirme, a ex-ministra da Defesa se
da Redação O governo colombiano e o Exército de Libertação Nacional (ELN) começaram no dia 12 uma jornada de dez dias de “diálogos exploratórios de paz” em Cuba, no mesmo lugar onde – há mais de 30 anos – chegaram ao mundo os elenos, a segunda força insurgente da Colômbia. Com a presença e o apoio oficial de cinco países e de personalidades políticas colombianas, as partes ficarão frente a frente. Vão se encontrar em Havana Luis Carlos Restrepo, comissário de Paz do presidente Alvaro Uribe, e o chefe militar do ELN, Antonio García, número dois do comando da guerrilha, abaixo de Nicolás Rodríguez, Gabino, chefe máximo e fundador do grupo rebelde. Nos dias prévios ao encontro de Restrepo e García, haverá reuniões entre delegados das partes e os representantes do grupo de “facilitadores”, que terão a incumbência de aliviar o que os analistas estão classificando de “clima de alta desconfiança”. Durante os três anos do governo de Alvaro Uribe, as partes
Chilenos pedem punição dos torturadores da ditadura de Pinochet
transformará na primeira chilena a chegar ao poder, e a sexta na América Latina, nos últimos 30 anos. Em discurso público, Michelle afirmou ser a continuidade e a mudança, e que trabalharia para realizar a maior revolução educacional do Chile, mudanças na saúde e maior geração de empregos. “Sejamos claros: neste país há uma única coalizão cuja governabilidade é indiscutível. A direita treme quando a Concertación se mobiliza”, declarou.
HUMANISTAS APÓIAM A candidata socialista também disse que a soma dos votos de Piñera e Lavín não conta. Caso contrário, se poderia pensar que o povo chileno estaria disposto a aceitar novamente os direitistas. Ela assinalou que são duas candidaturas muito diferentes. Os adeptos da Juntos Podemos Mais definem, nos próximos dias,
se apóiam a candidata da situação, que também obteve a maioria parlamentar pela primeira vez, desde a ditadura do ex-general Augusto Pinochet (1973-1990). O militante Tomás Hirsch, do grupo Humanista, deixou aberta a possibilidade de tentar redirecionar para Michelle os 5,27% dos votos que obteve. Antes, tinha assegurado que os sufrágios do seu grupo não eram negociáveis. Hirsch disse que a quantidade de votos que conseguiu mostra o constante ascenso da esquerda como forço política e social. Na sua opinião, este resultado “deveria representar a eleição de, pelo meno s, oito deputados, mas temos um sistema absolutamente discriminatório”, criticou. A campanha de Hirsch foi uma das melhores – ele propôs um programa alternativo em benefício dos setores desprotegidos da sociedade chilena.
têm trocado animosidades. Tanto o ELN como Uribe, no entanto, anunciaram que a agenda será aberta, sem temas proibidos e sem nenhum tipo de condicionamentos. Francisco Galán, dirigente guerrilheiro preso há mais de dez anos em um cárcere de máxima seguridade, e que agora faz parte da mesa de diálogo, confirmou que durante essa fase das negociações “tentaremos chegar a uma agenda de processo de paz por fases”. Os analistas estão também se mostrando cautelosos sobre o eventual início de um processo de paz entre o governo de Uribe e o ELN, pois – asseguram – cada parte tem uma idéia muito distinta da paz: para o governo consiste na desmobilização das forças insurgentes e, para essas, a paz significa um processo de profundas reformas econômicas e sociais, assim como um manejo soberano de recursos naturais. Atualmente, na Colômbia, há uns 30 mil guerrilheiros – somadas às forças das Forças Armadas Revolunárias da Colômbia (Farcs) e ELN. (La Jornada, www.jornada.unam.mx)
CMI/Bogotá
A aliança chilena de esquerda Poder Democrático Social (Podemos) está analisando opções de voto para o segundo turno das eleições presidenciais e parlamentares. Um dos dirigentes do bloco, que aglutina grupos progressistas e extra-parlamentares, como os partidos Humanista e Comunista, informou que avalia a possibilidade de descartar o voto nulo. Um representante do pacto Juntos Podemos Mais, que prefere o anonimato, disse que os humanistas e os seguidores do grupo comunista Ação Proletária defendem o voto nulo. E que o Partido Comunista e a Esquerda Cristã argumentam que se deve orientar os eleitores para a votação. Em meados de janeiro próximo, a candidata oficial, a médica Michelle Bachelet disputará a Presidência com o representante da Renovação Nacional, Sebastián Piñera. No primeiro turno, Michelle – militante do mesmo Partido Socialista do presidente Ricardo Lagos – teve 45,87% dos votos, contra 25% de Piñera.
Cris Bouronbcle/AFP
da Redação
Desconfiança no diálogo entre governo e ELN
Entidades de direitos humanos pedem punição dos grupos paramilitares
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INTERNACIONAL INTEGRAÇÃO
Mercosul precisa avançar no social A
trajetória de mais de 14 anos de existência do Mercado Comum do Sul (Mercosul) é marcada por um vácuo em relação à adoção de políticas que combatam a histórica desigualdade social dos seus países-membros (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai). Nesse período, a quase nula atuação nessas questões mostra que o bloco precisa se democratizar para se consolidar como uma integração, de fato, dos povos. “O Mercosul começou pelo comercial e pelo diplomático e há uma grande dificuldade em fazêlo ativo no campo das políticas sociais”, analisa José Flávio Sombra Saraiva, professor de História das Relações Internacionais da Universidade de Brasilía (UnB). O especialista exemplifica uma medida que poderia ser aproveitada pelo Brasil: a escola pública argentina em período integral. “Seria o Mercosul educacional”, afirma. Segundo ele, a entrada da Venezuela voltará o Mercosul para questões energéticas – como o petróleo – e de infra-estrutura, mas tampouco resolverá o problema. Brasil de Fato – A entrada da Venezuela no Mercosul pode acrescentar à pauta do bloco comercial um conteúdo mais político? José Flavio Saraiva – A entrada da Venezuela – agora ou mais tarde – era quase inexorável, porque a complementaridade e a centralidade econômica da América do Sul passam pela triangulação Argentina-Brasil-Venezuela. É muito difícil aceitar um futuro na região sem essa articulação econômica. As três economias juntas representam mais de três quartos de toda a economia regional. Há um eixo estratégico no plano energético e uma complementaridade nessa área de infra-estrutura da região pelas duas interligações, via Amazônia e via platina. BF – Mas o que significa para o Mercosul o fato de a integração venezuelana ter se dado com o presidente Hugo Chávez? Saraiva – Creio que empurra o Mercosul para uma dimensão mais de infra-estrutura e cooperação econômica, sobretudo de complementaridade. A vocação comercialista do Mercosul ancorada na dualidade ArgentinaBrasil marcou a história do bloco. Essa polarização se modifica com a chegada da Venezuela, que é mais distinta em relação à Argentina e ao Brasil por sua própria história. A Venezuela está mais ancorada em uma realidade caribenha, andina e amazônica, enquanto o Brasil esteve mais voltado para o mundo platino. O resultante dessa inclusão é positivo. BF – Alguns analistas dizem que as divergências comerciais entre Argentina e Brasil são o sintoma do fracasso do Mercosul. O senhor concorda? Saraiva – Não. Os avanços estruturais do Mercosul teriam, em algum momento, que esgotar certos padrões de negociação e partir para para outros padrões. Isso ocorreu na formação da União Européia. As disputas comerciais compõem um capítulo da aproximação das duas economias. Houve uma forte dramatização desses conflitos, creio que foram menores do que poderiam ser porque, afinal, envolvem os grandes grupos econômicos, os que têm vozes na mídia, isso é natural. Mas não vejo isso como falência. Evidentemente, haveria
Venezuela, o novo sócio
Lula e os presidentes da Argentina, Néstor Kirchner, e da Venezuela, Hugo Chávez, durante reunião tripartite, em Montevidéu
O Mercosul O Mercado Comum do Sul (Mercosul) surgiu em março de 1991com Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, a partir da assinatura do Tratado de Assunção, que criava uma zona de livre-comércio no Cone Sul do continente. Depois, em dezembro de 1994, os mesmos países assinaram o Protocolo de Ouro Preto reconhecendo a personalidade jurídica de direito internacional do bloco – o que permite negociações conjuntas com terceiros países, outros grupos de nações e organizações internacionais. Lentamente, a pauta do Mercosul avançou além dos interesses comerciais (a discussão de redução de tarifas, por exemplo), assumindo também posições políticas comuns no campo diplomático, como nas negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). A questão dos direitos sociais e da cidadania, no entanto, pouco se fez presente na breve história do bloco de países sul-americanos.
conflitos nessa área, pois o Brasil manteve uma base industrial avançada, enquanto a Argentina passou por uma desindustrialização dramática. A longo prazo, a perspectiva é uma visão de cooperação nessa área. BF – E por que a pauta social do Mercosul é tão tímida, no sentido de proposição de políticas para a redução das desigualdades? Saraiva – Isso é algo a registrar como uma deficiência do Mercosul, que ficou prisioneiro desse primeiro ciclo de acomodação no campo econômico, especialmente o comercial. Depois, veio o segundo ciclo de evolução de coordenação de políticas públicas até na área da educação, com avanço de protocolos de reconhecimento de títulos mútuos, na movimentação dos cidadãos. No entanto, ficou aquela deficiência, uma cooperação que se esperaria ao longo desses anos um pouco mais efetiva de intercâmbio nas experiências das políticas sociais. É algo a lamentar. A dimensão social do Mercosul é um paradoxo justamente para esses governos que vieram reparar as conseqüências da desnacionalização da economia e uma internacionalização perversa que os países do bloco assistiram nos anos 90. Mesmos com uma agenda social não conseguiram avançar. Há mais déficits nesse campo do que nas questões econômicas e comerciais. Há um longo caminho a ser percorrido. BF – E por que a questão social não avança? Saraiva – Porque o núcleo duro dos processos decisórios do Mercosul prioriza o comércio, a articulação da diplomacia, as questões estratégicas de longo prazo, e o capítulo social foi ficando de fora, como a cooperação em saúde e em educação. Durante muitos anos, tínhamos condições de transportar para o Brasil grande parte da experiência da formação de uma sociedade mais civilizada
às margens do capitalismo como a experiência da escola de Sarmiento (Domingo Faustino Sarmiento, presidente argentino entre 1868 e 1874), a escola pública argentina em período integral. Seria o Mercosul educacional, poderíamos aprender com essa sociedade, apesar de todos os choques e do crescimento da desigualdade social nos últimos anos. É um exemplo de experiência importante que o Brasil poderia incorporar. O Mercosul começou pelo comercial e pelo diplomático e há uma grande dificuldade em fazê-lo ativo no campo das políticas sociais. BF – Na mesma reunião em que a Venezuela foi aceita no bloco, determinou-se também a criação do Parlamento do Mercosul em 2006. No entanto, esse órgão terá apenas caráter consultivo. Isso não restringe a possibilidade de ampliação da pauta do bloco? Saraiva – Eu diria que esse é o limite do possível. Há uma dificuldade latente no Mercosul. Os seus sócios jamais abdicaram de manter a força do Estado nacional em detrimento de uma redução da soberania para compartilhar com os demais. O problema do Parlamento é justamente esse. Sua dimensão absolutamente recomendatória ficará amarrada ao fato de que serão os dirigentes dos Estados nacionais e as forças econômicas e políticas que darão a última palavra no bloco. É parte do déficit participativo no Mercosul. BF – O senhor vê ligações entre a presença dos militares estadunidenses no Paraguai e o fortalecimento da proposta de integração regional na América Latina? Houve críticas públicas da diplomacia brasileira e argentina... Saraiva – Todos sabemos que os Estados Unidos enfrentam uma dificuldade para construir consensos. Sua hegemonia já foi melhor aceita. Mas isso foi se perdendo, a presença estadunidense na América Latina nem sempre manteve uma visão cooperativa, muitos in-
População: 225 milhões de pessoas PIB: 642 bilhões de dólares Área: 11,8 milhões de km² Desemprego: 10,9% Venezuela População: 26 milhões de pessoas PIB: 130 bilhões de dólares Área: 912.050 km² Desemprego: 15% (números oficiais de dezembro de 2003)
teresses pesados se chocaram com as soberanias nacionais. E há uma preocupação com a militarização de certos conflitos na região como na Colômbia, o Plano Colômbia. Existe um temor dos setores autonomistas da América do Sul de que a presença dos EUA seja nociva ao desenvolvimento nacional. Trata-se de uma questão histórica, permanente, no intuito de zelar para que a América Latina não passe por crises como a que passou a região dos Balcãs, onde houve intervenções de todos os lados. Ante um império na fronteira, os Estados menores têm tendência de não se subordinar e construir um espaço próprio. É uma lógica do sistema internacional e creio que o Mercosul – como é econômico e político-estratégico – também tem essa preocupação. BF – E o Paraguai? Saraiva – Países menores às vezes tentam barganhar melhoras nas ofertas do bloco via aproximação com os Estados Unidos. O próprio Uruguai já utilizou desse expediente com os acordos financeiros – não com o presidente atual, Tabaré Vázquez. Sempre insisto que a política internacional se move por barganhas, trocas e entendimentos acoplados aos interesses de longo prazo dos Estados nacionais. Isso ainda não deixou de existir nas relações internacionais. Houve muitas análises segundo as quais, com o avanço do liberalismo da década de 1990 na América Latina, era só acompanhar as reformas do capitalismo global que tudo se resolveria com uma certa bonança internacional. BF – E tudo se resolveu? Saraiva – Não. A abertura dos anos 90, o 11 de setembro, a crise da Organização Mundial do Comércio, a guerra do Iraque, as dificuldades da América Latina em superar suas velhas questões sociais, tudo isso levou a um realismo político maior. As resistências de Argentina, Brasil e Venezuela à influência externa mostra um certo
O país governado por Hugo Chávez aderiu, oficialmente, dia 9, ao Mercado Comum do Sul (Mercosul). A Venezuela, assim, será o 5º sócio do bloco, ao lado de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Trata-se de uma decisão política inédita para o bloco comercial que, desde 1991, quando foi criado, não registra a entrada de nenhum novo integrante. Bolívia, Chile, Equador e Peru são membros associados. Durante reunião realizada em Montevidéu, ficou acordado que a Venezuela vai se incorporar ao Mercosul em duas etapas. Primeiro, apenas terá direito a voz nas reuniões e, somente depois de se ajustar às normas e regras do bloco, terá direito a voto e veto. Outra decisão importante tomada no encontro presidencial no Uruguai foi a decisão de instituir o Parlamento do Mercosul a partir de 2006, formado, em princípio, por 18 representantes de cada um dos quatro países que já são membros do bloco. A primeira legislatura será indicada pelos Congressos nacionais. As eleições diretas serão realizadas apenas a partir de 2011. O Brasil defende que a representação seja proporcional ao tamanho da população do país-membro. O Parlamento, no entanto, não terá caráter decisório, mas apenas consultivo. (JPF)
Daiane Souza
Jorge Pereira Filho da Redação
Ricardo Stuckert/PR
Para professor da UnB, bloco de países tem dificuldade para atuar no campo das políticas sociais
Quem é José Flávio Sombra Saraiva é professor de História das Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). Tem pós-doutorado em Relações Internacionais pela Universidade de Oxford (Inglaterra). É autor de diversos livros, entre eles Política externa e regimes políticos: história e teoria (Ibri, 2003). cuidado estratégico com a região. Afinal, não temos interesse de que nossos netos e bisnetos venham apenas a exercer um papel de cidadãos de segunda categoria. Queremos construir um país civilizado que, além de cumprir com seu esforço de inclusão social e igualdade, seja dotado também de uma capacidade decisória para defender o emprego, a autonomia, suas empresas, capacidade política de construir uma estabilidade democrática sem intervenções. Daí a importância de cuidar para que países vizinhos não abram espaço para intervenções ou experiências de militarização estrangeira. Ou alguém acha que agradam a Vladimir Putin as bases dos Estados Unidos na Tchetchênia? Ali, a tensão é permanente ali, há uma presença militar estrangeira. Essas questões de defesa militar são antigas, tiveram presença forte na Europa e na Ásia, durante a Guerra Fria. E por que aqui não? Porque o quintal do Sul era um ambiente relativamente calmo do ponto de vista das questões geopolíticas.
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INTERNACIONAL ORIENTE MÉDIO
EUA atuam na ONU contra a Palestina Thalif Deen de Nova York (EUA)
O
s Estados Unidos lideram nos bastidores uma tentativa para eliminar ou reduzir missões e programas da Organização das Nações Unidas (ONU), entre eles os relativos aos palestinos. A sugestão de cortar programas de assistência à população dos territórios ocupados por Israel provocou fortes protestos, não só da Missão Observadora Permanente da Palestina junto às Nações Unidas, como também da Liga de Estados Árabes e da Organização da Conferência Islâmica. O embaixador da missão palestina, Riyad Mansour, confirmou que existem ações para fazer com que a Secretaria-Geral da ONU tome um “posição hostil” em relação aos palestinos. “A Secretaria não tem papel nisto”, acrescentou, lembrando que as decisões sobre os mandatos dos comitês são tomadas pela Assembléia Geral, composta por 191 membros. Em uma reunião a portas fechadas, realizada no final de novembro pelo Grupo dos 77 países subdesenvolvidos, Mansour disse ao secretário-geral da ONU, Kofi Annan, que havia “uma conspiração” para usar a Secretaria no sentido de eliminar alguns dos programas palestinos. “Esses programas deveriam permanecer até a ocupação israelense terminar”, defendeu Mansour para Annan, quando também opinou que os mesmos são avaliados anualmente de uma maneira democrática pela instância máxima da ONU. “Não devemos permitir que ninguém exerça pressões sobre o secretário-geral e a Assembléia Geral”, acrescentou.
Fotos: Eva Berglund/IKON
Nos bastidores, governo Bush defende corte de programas das Nações Unidas de ajuda aos palestinos
Os Estados Unidos articulam junto à ONU cortes de programas assistênciais aos palestinos
“Suspeito que as considerações financeiras são a menor das preocupações dessa proposta”, disse Mouin Rabbani, editor colaborador do Middle East Report, com sede em Washington. Existe uma coerente política israelense pela qual a ONU não deve se preocupar com os palestinos, especialmente com relação aos seus direitos humanos e nacionais, disse Rabbani. “Uma das expressões mais claras desta política é o constante veto de Israel de permitir que o Comitê Especial para Investigar as Práticas Israelenses nos Territórios Ocupados pelo menos visite a Cisjordânia e a Faixa de Gaza”, acrescentou. Naseer Aruri, professor emérito da Universidade de Massachusetts, afirma que as tentativas da Secretaria da ONU de reduzir ou eliminar alguns programas referentes aos palestinos são parte de uma campanha de inspiração estadunidense e israelense para desmantelar a jurisprudência internacional sobre a questão palestina, que encarna
CHANTAGEM Segundo um jornal de Nova York, o embaixador estadunidense John Bolton revelou que o governo de George W. Bush condicionou a aprovação do orçamento da ONU para o período 2006-2007 à implementação de amplas mudanças na administração, incluindo “a eliminação de missões desatualizadas”, designação que inclui os programas palestinos. Israel, logicamente, é outro país que defende a revisão dos programas.
centenas de resoluções da ONU que definem e consagram direitos nacionais e jurídicos Em 1975, por meio da resolução 3376, a Assembléia Geral estabeleceu o Comitê para o Exercício dos Direitos Inalienáveis do Povo Palestino, com o objetivo de promover o apoio e a assistência internacionais a essa população árabe, de acordo com as resoluções da ONU, disse Aruri, autor de Dishonest Broker: The U. S. Role in Israel and Palestine (Intermediário Desonesto: o papel dos Estados Unidos em Israel e na Palestina).
ATAQUE À SOBERANIA O Comitê tinha o objetivo de recomendar um programa para reabilitar o povo palestino a exercer seus direitos de autodeterminação sem interferência externa, sua independência e soberania nacionais e regressar aos seus lares e propriedades. Segundo Aruri, há uma ação deliberada para impedir que os comitês cumpram seu mandato de proteção dos direitos humanos
O governo britânico admitiu que, nos anos 50, vendeu 25 toneladas de água pesada – elemento empregado na fabricação de armas nucleares – para a Noruega, mas cujo destino final era Israel. Segundo a investigação divulgada por um programa da British Broadcasting Corporation (BBC), um porta-voz do Ministério de Relações Exteriores britânico revelou no dia 10 que Londres tinha conhecimento que o produto seria encaminhado para a Organização de Energia Atômica israelense, apesar de a negociação ser com a Noruega. Já o secretário britânico do ministério disse que a transação envolveu apenas excedentes de água pesada. Israel nunca reconheceu que dispõe de armas nucleares, mas especialistas estrangeiros – amparados pelo depoimento do técnico israelense Mordehai Vanunu – afirmam que o país possui, pelo menos, 200 ojivas e mísseis de longo alcance. Um dia após a informação ser divulgada, o presidente palestino, Mahmoud Abbas, fez um chamado aos grupos militantes para seguir comprometidos com a paz respeitando a atual trégua com Israel, negociada em março e que termina em dezembro – data quando serão
Jfednepa.org
Israel recebeu insumo de arma nuclear da Redação
e de denúncia da repressão israelense sob a ocupação, “descrita pela Anistia Internacional e outras organizações de direitos humanos como crimes de guerra”.
Sem programas assistenciais, palestinos poderão sofrer graves conseqüências
TRANSNACIONAIS
Universidade de Nova York boicota Coca-Cola da Redação
Governo britânico contribuiu na produção de armas nucleares para Israel.
realizadas eleições parlamentares na Palestina.
TRÉGUA? O grupo Hamas, por sua vez, registrou que “Israel nunca se comprometeu com alguma trégua ou calma com a Palestina”. De acordo com a porta-voz do grupo, Mushir Masri, caso Tel-Aviv continue a se mostrar intransigente nas negociações, é possível que o Hamas rejeite o prolongamento do período de trégua para 2006. Ao contrário da organização Jihad Islâmica – acusada de realizar recentes ataques suicidas –, o Hamas não tem violado o cessar-fogo acer-
Rabbani aponta outro fator-chave: pelo menos desde a década de 1990, os Estados Unidos mantêm a política de que a ONU deve se desinteressar do conflito palestinoisraelense. Exemplo dessa política é a carta dirigida aos Estadosmembros pela ex-embaixadora estadunidense Madeleine Albright demandando a anulação de muitas resoluções do fórum mundial referentes aos direitos dos palestinos. O analista também lembrou as reivindicações (depois retiradas) de eliminar a Agência das Nações Unidas para a Ajuda aos Refugiados Palestinos. “A única pergunta é se essas propostas terão êxito desta vez, pois no passado fracassaram rotundamente”, afirmou. No entanto, o especialista considera que as perspectivas de sucesso são maiores, pois a ONU se alinha cada vez mais com as posições dos Estados Unidos e Israel no Oriente Médio. Para Aruri, a aspiração dos neoconservadores do governo Bush – que compartilham o ponto de vista do primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon – é equiparar a luta armada com o terrorismo. Por isso, os contínuos ataques aos direitos palestinos que tentam solapar meio século de êxitos diplomáticos em âmbitos internacionais e de jurisprudência. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
tado em 13 de março entre facções palestinas e Israel. Apesar disso, a marinha israelense matou no dia 9 um pescador palestino de 27 anos no sul da Faixa de Gaza, informaram fontes hospitalares e de segurança palestinas. Com essa baixa, subiu para 4,903 mil o número de mortos desde o início da Intifida, em setembro de 2000. A imensa maioria das vítimas é palestina. Ainda no dia 9, o Exército de Israel negou que estava implicado no atentado a bomba contra a casa de Mohammed Yazbeck em Baalbeck, no leste do Líbano. (La Jornada, www.jornada.unam.mx)
Quem quiser tomar uma CocaCola gelada na maior universidade privada dos Estados Unidos não terá como. Pelo menos enquanto a transnacional se recusar a aceitar uma investigação independente sobre as acusações de cumplicidade em violações de direitos humanos na Colômbia, nenhum de seus produtos poderá ser vendido no campus da Universidade de Nova York (NYU, na sigla em inglês), que atende a mais de 50 mil alunos e cerca de 16 mil funcionários.
ASSASSINATOS No dia 3 de novembro, após seis meses de deliberações, o All University Senate (AUS, sigla também em inglês) – maior corpo decisório da NYU – decidiu, por 28 votos a 10, apoiar a petição feitas pelos estudantes a favor do banimento. A instituição estipulou o prazo de 8 de dezembro para a empresa se posicionar, mas não obteve resposta. No dia 9, os produtos Coca-Cola começaram a ser recolhidos. Em março de 2004, estudantes da NYU iniciaram a campanha pelo banimento
dos produtos Coca-Cola e ganhou apoio através de eventos culturais e manifestações. Nos últimos 16 anos, sete trabalhadores das plantas engarrafadoras da empresa na Colômbia filiados ao Sindicato Nacional de Trabalhadores da Indústria de Alimentos (Sinaltrainal) foram assassinados, enquantos muitos outros sofreram ameaças, intimidações, seqüestros ou tiveram membros de suas famílias mortos. Dirigentes do sindicato acusam a Coca-Cola de contratar paramilitares para tirar de circulação os funcionários que a “incomodavam”. A NYU é a 12ª faculdade ou universidade do país a banir a comercialização e a publicidade dos produtos Coca-Cola. A empresa, por sua vez, afirma que as acusações de violações de direitos humanos na Colômbia são falsas e que já investigou as denúncias, não encontrando provas do abuso. No dia 28 de novembro, a porta-voz da transnacional, Kari Bjorhus, havia expressado preocupação a respeito do banimento: “A NYU é uma universidade que define padrões. Isto pode prejudicar seriamente nossa reputação”.
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INTERNACIONAL ETIÓPIA
Linha dura do governo contra a oposição Gustavo Barreto do Rio de Janeiro (RJ)
CMI
A história de um país explorado, sub-administrado e esquecido pela mídia
H
ailu Shawel é membro do Parlamento e presidente da Coalizão pela Unidade e a Democracia (Coalition for Unity and Democracy, CUD). Mesfin Woldemariam, 75 anos, é professor e ex-presidente do Conselho Etíope de Direitos Humanos (Ethiopian Human Rights Council, EHRCO). Birtukan Mideksa é vice-presidente da CUD, advogada e ex-juíza. Berhanu Negga é parlamentar da CUD, prefeito de Addis-Abeba e economista. Gizachew Shifferaw é integrante do Comitê Executivo da CUD. Hailu Araya é membro da CUD, ex-diretor de Press Digest e parlamentar. Daniel Bekele é diretor de política da Organização NãoGovernamental Ajuda em Ação (ActionAid). Além de nomes de difícil pronúncia, estas pessoas têm algo mais em comum. São uma pequena parte das centenas de pessoas presas por crime de consciência na Etiópia, país africano com pouco mais de 67 milhões de habitantes, o 16º mais populoso do mundo. As prisões ocorreram após uma série de manifestações de protesto contra o controvertido resultado das eleições parlamentares, em maio. Foram detidas por terem expressado pacificamente suas convicções políticas. Correm perigo de serem submetidas à tortura ou aos maustratos, segundo ativistas de direitos humanos que atuam no país. Outras manifestações ocorreram na capital, Addis-Abeba, nos dias 1º e 2 de novembro, com o objetivo de protestar pelos polêmicos resultados das eleições parlamentares realizadas em 15 de maio. A polícia, informam os ativistas, está
Crime de consciência: no 16º país mais populoso do mundo, centenas estão presos por se expressar politicamente
levando sistematicamente de seus domicílios uma grande quantidade de integrantes da CUD, assim como jornalistas e defensores dos direitos humanos. Entre as pessoas detidas está Hailu Shawel, presidente da CUD que, de acordo com os informes, foi golpeado pelos agentes de polícia que o prenderam. O professor Mesfin Woldemariam foi detido em 1º de novembro. É um conhecido escritor e defensor dos direitos humanos que havia renunciado há pouco tempo a seu cargo no Conselho Nacional de Direitos Humanos para apoiar a campanha eleitoral da CUD.
Woldemariam está há três meses prostrado devido a dores na coluna vertebral que exigem fisioterapia e tratamento médico periódico. A organização Anistia Internacional revelou forte preocupação com sua saúde, já que é freqüente o desrespeito aos detidos, especialmente durante os primeiros dias de sua detenção. “Geralmente, são obrigadas a dormir em um frio piso de cimento, não podem receber comida ou roupa de seus familiares, a eles é negado o tratamento médico”, alertam. Não está claro se o professor Woldemariam teve permissão para levar consigo seus medicamentos
História de opressão e resistência instalada em Adis-Adeba. Além dos vínculos com Israel, a administração de Salassié se caracterizou pela implementação da burocracia estatal, de um sistema educacional inspirado no dos Estados Unidos e pela militarização, com a criação do maior exército da África subsaariana. A miséria também se dava pela manutenção das injustiças no campo. 80% das terras férteis do país pertenciam aos latifundiários feudais e à Igreja Ortodoxa. Salassié foi deposto em 1974, após uma série de greves, manifestações estudantis e protestos generalizados contra o absolutismo e a falta de alimentos. Em 1977, após sucessivas crises internas, chega ao poder o coronel Mengistu Hailé Mariam. O governo de orientação comunista nacionalizou os bancos, as companhias de seguro, as grandes indústrias de capital estrangeiro e fechou as bases militares estadunidenses. Além disso, estatizou o solo e liquidou, assim, o poder dos latifundiários. O socialismo científico foi adotado como ideologia oficial em junho de 1976. A oposição sofreu uma dura repressão, principalmente em 1977 e 1978. Milhares de pessoas foram sumariamente executadas. Um dos casos recentes que retomou a onda de estatização promo-
vida pelo governo militar a partir de 1974 foi a intenção da Nestlé, maior transnacional de alimentos do mundo, de cobrar uma indenização de 6 milhões de dólares pela nacionalização de uma de suas subsidiárias no país, em 1975. A ação foi movida em dezembro de 2002. Para se ter uma idéia, a renda per capita da Etiópia é de 100 dólares por ano. Na Suíça, sede da fábrica da Nestlé, por exemplo, a renda per capita é de 38 mil dólares por ano. À época, a transnacional se defendeu dizendo que “a empresa irá investir qualquer compensação que receber do governo da Etiópia no próprio país”. A organização não-governamental britânica Oxfam condenou a posição da Nestlé, dizendo que não há justificativa para desviar dinheiro do governo da Etiópia para uma transnacional que teve um lucro de0 3,9 bilhões de dólares no primeiro semestre de 2002. “Essa é uma empresa que disse publicamente que uma coisa que quer fazer no mundo é ajudar a melhorar a vida dos pobres. Essa é uma companhia que está tentando tirar 6 milhões de dólares de um dos países mais pobres do mundo”, disse um dos diretores da entidade, Justin Forsyth. (GB)
CMI
A Etiópia é um país com um histórico de opressão, tanto interna quanto externa. Em 1869, o imperador Menelik II assumiu o trono e se aliou à Inglaterra e à Itália para organizar a administração local (reino de Choa). Em 1895, os exaliados italianos invadiram o país, alegando falta de cumprimento dos compromissos. Em 1896, na batalha de Adua, morreram 4 mil dos 10 mil soldados italianos. Foi a derrota mais esmagadora sofrida por europeus na África, até a guerra da Argélia. Mesmo derrotado, o país europeu conseguiu, por meio da diplomacia, os territórios atuais da Eritréia e o sul da costa da Somália. Em 1936, no entanto, Benito Mussolini invadiu novamente o país africano, tirando vantagem da luta interna entre candidatos à sucessão de Menelik II. A então Liga das Nações, apesar de solicitada pelo novo herdeiro do trono, não deu apoio concreto. Entre outras realizações, em cinco anos de ocupação, a Itália estabeleceu um sistema de discriminação racial semelhante ao apartheid sul-africano. Com a queda de Mussolini, o Reino Unido assumiu a administração da Etiópia. Os etíopes conquistaram sua independência em 1948, reassumindo então o herdeiro do trono, Hailé Salassié. O país encontrava-se desgastado. A estrutura produtiva estava completamente desorganizada. Mesmo derrotando o inimigo externo, o imperador haveria de enfrentar os movimentos nacionalistas que resistiram contra o retorno a uma situação feudal. Com tantos problemas políticos, não era difícil prever que a miséria estava aumentando consideravelmente, sobretudo no interior do país. Salassié possuía um discurso de repúdio ao colonialismo e apoiou o Movimento dos Países Não Alinhados e a Organização da Unidade Africana (OUA), cuja sede foi
analgésicos. Segundo informam os ativistas, após sua prisão, a polícia revistou sua residência e levou alguns de seus documentos.
PROIBIDO MANIFESTAR As autoridades não revelaram o lugar de reclusão de nenhuma das pessoas detidas. Alguns informes indicam que muitas delas podem estar presas na sede da Direção Central de Investigações (Central Investigation Bureau, conhecido como ‘Maikelawi’), em Addis-Abeba, a capital da Etiópia. De acordo com os informes, nenhuma das pessoas detidas compareceu perante
ERITRÉIA
Governo expulsa funcionários da ONU da Redação Cerca de 180 integrantes da Missão de Paz da Organização das Nações Unidas (ONU) mobilizada na Etiópia e na Eritréia serão afetados pela ordem de expulsão emitida recentemente pelo governo eritreu. Segundo o vice-representante na Etiópia e na Eritréia do secretário-geral da ONU, Joel Adachi, a expulsão – que deve ser cumprida em menos de dez dias – afeta especificamente canadenses, estadunidenses e russos. Em entrevista coletiva, Adachi explicou que, do total de pessoas afetadas pela ordem de expulsão, 90 são observadores militares, 74 é pessoal encarregado das telecomunicações, do transporte, da segurança e da administração, e o restante é voluntário. O vice-representante disse que a Missão de Paz não sabe quais as repercussões negativas que a ação pode ter na missão de paz que está sendo realizada nos dois países do Chifre da África.
SEM EXPLICAÇÃO
Mesmo com lucro bilionário, Nestlé quer 6 milhões de dólares de governo etíope
uma autoridade judicial dentro do prazo de 48 horas previsto em lei. A “polícia antidistúrbios” tem usado munição real contra os participantes nas manifestações ocorridas em vários bairros de Addis-Abeba. Como resultado, mais de 30 pessoas perderam a vida e cerca de 150 ficaram gravemente feridas. Os atos de protesto pacíficos promovidos pela CUD em 31 de outubro tem como objetivo boicotar o novo Parlamento, devido à fraude eleitoral supostamente cometida pelo partido no poder, a Frente Democrática Revolucionária do Povo Etíope (Ethiopian Revolutionary Democratic Front, EPRDF), do primeiro-ministro Meles Zenawi. Cerca de 30 motoristas de táxi foram detidos por tocar a buzina durante os protestos do dia anterior. As autoridades afirmaram que a CUD está organizando uma “conspiração violenta” e, recentemente, o primeiro-ministro acusou Hailu Shawel de traição. A CUD, no entanto, reafirmou seu compromisso com a oposição e os protesto pacíficos, como observam as entidades de direitos humanos presentes na Etiópia. Nos últimos 20 anos, mais de um milhão de etíopes morreram de inanição e outro milhão teve de se refugiar nos países vizinhos. Três milhões, sendo 10% de todos os adultos do país, são portadores do vírus HIV. Segundo a organização Médicos Sem Fronteiras, um dos principais responsáveis por isso é o próprio governo, que não adota políticas públicas mais eficientes no combate ao problema. Além disso, os países centrais e os organismos internacionais pouco se mexem para baratear o preço dos remédios que poderiam efetivamente acabar com o problema.
Há cerca de 3,3 mil tropas de paz e observadores militares de 44 países, além de 191 civis e 74 voluntários da ONU trabalhando na missão. As tropas da ONU, incluindo 1,5 mil da Índia, patrulham 900 km de zona desmilitarizada de apenas 25 km de largura na fronteira, e que fica no lado da Eritréia da antiga linha demarcatória. Não houve qualquer explicação para a decisão da Eritréia de expulsar os integrantes das tropas de paz de determinadas nacionalidades ou por que foram escolhidos solda-
dos estadunidenses, europeus e russos. Segundo o correspondente da BBC, diplomatas afirmam que a decisão é uma expressão da frustração da Eritréia com o fato de a comunidade internacional ter feito tão pouco para finalizar a demarcação da fronteira com a Etiópia. O comandante da força de paz da ONU, Rajender Singh, admitiu que o fato de que tenham de ir embora do país 90 dos 220 observadores militares afetará a missão de uma maneira clara. “O caráter básico da Missão de Paz das Nações Unidas é de que é internacional”, disse Singh, que se mostrou consternado pelo fato de que dos 44 países que estão representados na missão, 18 são os que têm de ir embora. A missão da ONU tem como função vigiar a fronteira entre Etiópia e Eritréia para evitar um conflito como o que envolveu os dois países entre 1998 e 2000, com rastro de 100 mil mortos. As duas nações assinaram um acordo de paz em 12 de dezembro de 2000 em Argel, mas ainda falta a demarcação definitiva da linha fronteiriça, o que deixou feridas abertas e a possibilidade de que uma escalada na tensão deflagre de novo as hostilidades. O comandante da ONU declarou que o número de tropas dos dois países fronteiriços não foi reduzido, apesar de o Conselho de Segurança ter pedido isso oficialmente há duas semanas. “A situação permanece igual: tensa e potencialmente volátil. Assim ocorreu durante todo o mês”, observou Singh. (Com agências internacionais)
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DEBATE TRANSGÊNICOS NO MÉXICO
Até nunca mais, Monsanto mil famílias em Anniston, Alabama, Estados Unidos. Monsanto e Solutia, uma subsidiária sua desde 1997, produziram neste povoado o produto químico PCB durante mais de 40 anos, apesar de – como se demonstrou no julgamento que as condenou em 2003 – por décadas a Monsanto ter recebido evidências e notificações periódicas de que estava contaminando gravemente as bacias de água e intoxicando a população do lugar A Monsanto tinha o monopólio de produção de PCB e decidiu ocultar as notificações porque o PCB lhe rendia enormes ganhos.
Silvia Ribeiro empresa transnacional Monsanto ameaça: se não aprovarem o milho transgênico no México, ela deixa o país. E quem quer que ela fique? A multinacional que controla 90% dos transgênicos semeados no mundo, deu esta declaração a revista Poder (25/11/2005). Segundo Ernesto Fajardo, executivo da companhia, contrataram a agência de relações públicas Estratégia Total (de Fernando Lerdo de Tejada, exporta-voz nos seis anos de governo do ex-presidente Ernesto Zedillo) “para limpar sua imagem”.
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A Monsanto compartilha com a Dow a fabricação do Agente Laranja, arma química usada na Guerra do Vietnã
Na Indonésia, se comprovou que a Monsanto subornou mais de 140 funcionários públicos para conseguir a liberação de plantações transgênicas. A lista
das manobras legais e ilegais da Monsanto para continuar produzindo venenos, mesmo sabendo dos seus fortes impactos, é muito mais longa do que
se nomeia aqui. Um dos casos que mais claramente mostra a “ética” da multinacional é o seu julgamento por mortes e danos graves à saúde de mais de 20
Esta é a empresa que agora diz que o México vai sair perdendo se não autorizar o milho transgênico. Com uma série de dados tão certos como aqueles que manejava com a população do Alabama, a Monsanto afirma que os transgênicos aumentaram a produção e reduziram o uso de insumos químicos. As estatísticas dos Estados Unidos, principal produtor de transgênicos em nível global, mostram o contrário: em nove anos de transgênicos, estas plantações produziram menos ou igual o que se produz com sementes convencionais e aumentaram consideravelmente o uso de insumos químicos, devido ao surgimento de ervas daninhas e pragas resistentes, e a novos problemas de cultivo como efeito dos transgênicos. A Monsanto não menciona que além disso tem processado cen-
Silvia Ribeiro é pesquisadora do Grupo Erosão, Tecnologia e Concentração (ETC). Artigo publicado no jornal mexicano La Jornada, www.jornada.unam.mx
TRABALHO
Por um salário mínimo digno João Antonio Felicio Brasil teria um salário mínimo de R$ 321 em 2006, pelo previsto inicialmente no Orçamento. Se, neste momento, Congresso e governo federal discutem um mínimo entre R$ 350 e R$ 400, o avanço devese inegavelmente à mobilização da 2ª Marcha Nacional do Salário Mínimo, capitaneada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), que reuniu mais de dez mil participantes, no dia 29 de novembro. Antes da Marcha, que percorreu 15 quilômetros entre Candangolândia e a Esplanada dos Ministérios, a CUT elaborou propostas concretas que apontam caminhos para a criação de uma política permanente de valorização do salário mínimo, todas divulgadas abertamente. Mobilizou suas bases e fez diversos contatos com parlamentares e forças políticas, com o objetivo de forçar as autoridades a transcender os R$ 321 previstos no Orçamento. O mesmo ocorreu em 2004, quando a pressão do movimento sindical impediu que o salário mínimo estacionasse em R$ 260, como sinalizado pelo governo, e atingisse os R$ 300 atuais. Pressionamos o governo, contrariamos as orientações de
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Kipper
A lista das manobras legais e ilegais da Monsanto para continuar produzindo venenos, mesmo sabendo dos seus fortes impactos, é muito mais larga do que se nomeia aqui
Kipper
E haja coisa para limpar. A Monsanto não é a única transnacional de agrotransgênicos. As empresas Dow, Dupont, Syngenta, Bayer e Basf também têm um currículo nutrido de produção de agrotóxicos e ou medicamentos nocivos à saúde, mortes, desastres ambientais e outras “cositas” mais que “afetam sua imagem”. Como se fossem imagens, e não realidades. A Monsanto compartilha com a Dow a fabricação do Agente Laranja, arma química usada na Guerra do Vietnã. Apesar dos milhões de dólares em “lavagem de imagem”, milhões de vietnamitas da população civil seguem sofrendo as conseqüências. Na segunda Assembléia Mundial da Saúde dos Povos (julho 2005, Quito), um dos documentos mais dilacerantes foi a apresentação de centenas de casos de netos de vietnamitas que têm deformações devido às mutações genéticas que sofreram seus avós devido ao ataque com armas químicas. A Monsanto também deu ao mundo o hormônio transgênico BST (hormônio somatotropina bovina), cujo uso está proibido na União Européia, Canadá, Austrália e Nova Zelândia devido aos efeitos nocivos à saúde animal e as possíveis conseqüências aos consumidores deste leite. Nos Estados Unidos, apesar de reportagens de danos graves e inclusive morte de animais, o hormônio foi aprovado, já que no momento de sua aprovação, duas pesquisadoras que haviam trabalhado com a Monsanto no desenvolvimento do hormônio, “conseguiram” emprego na agência reguladora e emitiram um informe de inocuidade. Muito oportuno. Baseado neste informe altamente parcial, o BST está sendo usado também em algumas das principais bacias leiteiras do México.
O mais insultante é a declaração que a Monsanto faz à revista Poder, quando afirma que sem transgênicos o México ficaria “reduzido a um simples museu do milho”. Não é ignorância, é racismo
tenas de agricultores por “uso indevido de patente” quando seus campos se contaminaram com transgênicos de seus vizinhos, e que isto é o que está à espera dos agricultores e camponeses mexicanos. Além da potencial aplicação da tecnologia suicida “Terminator”, para assegurar o seu monopólio. A Monsanto afirma à revista Poder que a contaminação não é um problema, como “demonstra” o (fracassado, mas útil) estudo de Sol Ortiz, E. Ezcurra, J. Soberón afirmando que não encontraram contaminação em Oaxaca (Sol Ortiz elaborou o ditame positivo do Instituto Nacional de Ecologia para que este ano a Sagarpa desse a autorização – agora revertida – para a Monsanto, Dupont e Dow realizar experimentos com milho transgênico no México em campos de instituições públicas). Segundo a empresa, este estudo demonstra que os camponeses podem “reparar” a contaminação, assim “aqueles que o elejam” podem plantar transgênicos. Só que o “direito de eleição” é mentira: onde há transgênicos, sempre haverá contaminação. O mais insultante é a declaração que a Monsanto faz à revista Poder, quando afirma que sem transgênicos o México ficaria “reduzido a um simples museu do milho”. Não é ignorância, é racismo. O milho está e seguirá vivo, não em museus, nem em bancos de genes, mas sim nas mãos e nos campos de milhões de indígenas e camponeses que o criaram e cuidam dele para o bem de toda a humanidade. Eles sabem que o milho faz parte de sua autonomia, sua economia e sua cultura, e justamente por isso, não permitirão que a Monsanto nem os funcionários a seu serviço lhe injuriem com seus transgênicos.
técnicos da equipe econômica e avançamos. Também como resultado de nossas mobilizações, alterou-se o calendário político em torno do salário mínimo. Hoje, a questão é debatida antes de a peça orçamentária da União ser votada. Antes, o assunto era postergado para março/abril, pouco antes da tradicional data em que o
reajuste do mínimo é anunciado – 1º de maio – quando pouco espaço havia para avanços. Entrava então em cena a demagogia de muitos que jamais contribuíram para dignificar o salário mínimo. Destacamos que, entre as delegações da CUT presentes às duas edições da Marcha, a maioria dos trabalhadores não
fazia parte de categorias que recebem salário mínimo, e portanto aderiram à mobilização por uma questão de princípio, de desejo de justiça social, por compreender a possibilidade de distribuir-se renda e promover o desenvolvimento. Consciência de classe, que nada tem a ver com reivindicações corporativas. Queremos, sim, R$ 400 para o mínimo em 2006. Mais que isso, exigimos que até o ano que vem seja apresentado um projeto de valorização permanente do salário mínimo, a ser adotado como política de Estado, acima de posições políticas ou orientações econômicas. A CUT persegue o salário mínimo preconizado pelo Dieese, estimado atualmente em R$ 1.458,42. Mas, em lugar de fazer dessa justa luta um mero palanque, damos-lhe consistência e nossa parcela de esforço para torná-la realidade. Por isso, achamos injusto não reconhecer o avanço obtido em torno dos valores do salário mínimo nos últimos dois anos. Continuaremos com a mesma força e obstinação que aplicamos na busca por esse objetivo nos próximos anos. João Antonio Felicio é presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT)
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agenda@brasildefato.com.br
AGENDA PUBLICAÇÕES NACIONAL AGENDA SOCIOAMBIENTAL 2006 A campanha pela recuperação e conservação das matas ciliares do Rio Xingu é o tema da agenda 2006 do Instituto Socioambiental. Escrita em português, inglês e espanhol, contém encarte colorido e é ilustrada com fotos de André Villas-Bôas, Beto Ricardo, Pedro Martinelli, Rosa Gauditano e Vincent Carelli. As imagens são acompanhadas de frases curtas de atores locais, na abertura de cada mês do ano. A campanha começou em outubro de 2004, a partir de uma mobilização inédita, que reuniu na cidade mato-grossense de Canarana representantes de povos indígenas, fazendeiros, pequenos agricultores, assentados, pesquisadores de universidades, organizações não-governamentais, autoridades municipais, estaduais e federais. A agenda custa R$ 20. Mais informações: www.socioambiental.org ZÉ CELSO E A OFICINA-UZYNA DE CORPOS O livro, de autoria do professor Ericson Pires, é um estudo sobre o dramaturgo José Celso Martinez Corrêa e seu grupo teatral. Tratase não apenas de um documento fundamental para quem quer pensar o Teatro e a Arte no Brasil, mas também de um romance que descreve uma das trajetórias mais bonitas já vividas por um grupo de artistas. O livro tem 165 páginas e custa R$ 32. Mais informações: www.annablume.com.br DEMOCRACIA DE MASSAS JORNALISMO E CIDADANIA O jornalista Victor Gentilli discute nesse livro o contexto políticocultural da prática do jornalismo. Produzida originalmente em 1995 como dissertação de mestrado, a obra é uma ampla reflexão que
1º CANTACUT Inscrições até 10 de março Promovido pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), em parceria com o Sindicato dos Artistas, o Festival da Nova Canção Brasileira (Cantacut) se propõe a valorizar a produção musical no país, estimular a inclusão sociocultural e propiciar o intercâmbio entre músicos e compositores de diferentes regiões do Brasil. O 1º Cantacut não tem restrição temática ou de estilo musical. A intenção é revelar novos talentos, com músicas inéditas. Haverá uma fase de seleção em Belém (PA), Recife (PE), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Florianópolis (SC) e São Paulo (SP). Os finalistas em cada região participarão de uma final em São Paulo, quando concorrerão a prêmios que totalizam R$ 26 mil, e farão parte de um DVD gravado ao vivo. A melhor música ganhará um prêmio de R$ 10 mil e a segunda colocada, R$ 5 mil. A melhor letra também levará R$ 5 mil, sendo que o melhor intérprete e a preferida do júri popular receberão R$ 3 mil cada. Mais informações: www.cut.org.br
procura sintonizar o leitor com as principais interpretações disponíveis na universidade e fora dela a respeito da produção noticiosa na sociedade de massas. Lançado pela Editora da PUC-RS, o livro tem 180 páginas e custa R$ 24. Mais informações: www.pucrs.br/edipucrs
CEARÁ ASSEMBLÉIA PELO DIREITO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES 15 e 16 A Assembléia vai reunir 8 grupos acompanhados pelo Programa de Defesa e Promoção dos Direitos da Infância, Adolescência e Juventude, desenvolvido pela Cáritas Diocesana de Sobral desde 1996. O objetivo do encontro é avaliar as ações desenvolvidas no ano de 2005 e planejar as ações para 2006, traçando objetivos comuns para que sejam efetivados os direitos de crianças, adolescentes e jovens. Durante o ano de 2005, foram desenvolvidas ações como: presença nas conferências municipais e regional de crianças e adolescentes; discussão do orçamento criança e adolescente de Sobral; atividades com jovens na linha de Economia Popular Solidária e o Festival Microrregional de Arte e Cultura.
Local: Diocese de Sobral, Pça. Quirino Rodrigues, 76-4, Sobral Mais informações: (88) 3611-1149
RIO DE JANEIRO MOSTRA – CADERNETA DE ANOTAÇÕES A exposição dá continuidade às homenagens da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) a Vladimir Herzog. O material produzido por quase 50 artistas plásticos paulistas – lista em que também estão incluídos Elifas Andreatto, Guto Lacaz, Certon Genaro e Fernando Lemos – será exposto como se estivesse cadernetas do tipo das que são usadas por repórteres. Local: R. Araújo Porto Alegre, 71, 9º andar, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2282-1292
SANTA CATARINA 3ª CONFERÊNCIA NACIONAL EM DEFESA DO EMPREGO, DOS DIREITOS, DA REFORMA AGRÁRIA E DO PARQUE FABRIL 16, 17 e 18 Organizada pela Coordenação dos Conselhos das Fábricas Ocupadas, pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e pelo Centro de Direitos Humanos (CDH) de Joinville, a conferência promove debates sobre os temas:
a defesa das fábricas ocupadas e a conquista das reivindicações, a luta pela reestatização das ferrovias, a luta contra a privatização da água, a luta pelos direitos humanos e da mulher trabalhadora, a luta pela reforma agrária, articulação internacional das fábricas ocupadas. Local: R. São Paulo, 1600, Joinville Mais informações: (47) 3026-9116
SÃO PAULO 1ª PRIMAVERA DANÇA Até 18 O evento pretende mostrar que a dança vem evidenciando questões que hoje não se situam apenas no simples treinamento corporal e se ampliam com investigações sobre as potencialidades do movimento em relação à dramaturgia, à composição cênica e à utilização de novas tecnologias. A edição da Primavera Dança conta com a participação de artistas que representam instituições de formação em dança contemporânea da cidade de São Paulo como o Estúdio Nova Dança (SP), o curso de Artes do Corpo da PUC-SP e os cursos de graduação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Anhembi Morumbi-SP. Local: Teatro Fábrica São Paulo, R. da Consolação, 1623, São Paulo Mais informações: www.teatro@fabricasaopaulo.com.br
EXPOSIÇÃO SACI E SEUS AMIGOS Até 30 Promovida pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, em parceria com a Sociedade dos Observadores de Saci ( Sosaci), a mostra apresenta 25 painéis com desenhos do Saci Pererê junto a figuras como Curupira, Iara, Boto, Cuca, Mula sem Cabeça e Boitatá. O intuito é promover o resgate e a valorização da mitologia brasileira, estimular seu estudo e a retomada das histórias caipiras. Entrada franca. Local: Espaço Cultural da Estação Brás, da CPTM, São Paulo Mais informações: www.sosaci.org 125 ANOS DA IMIGRAÇÃO LIBANESA NO BRASIL Até 1º de janeiro de 2006 A mostra conta a trajetória da comunidade líbano-brasileira e é composta por painéis fotográficos sobre a reconstrução de Beirute, documentos históricos, objetos de arte (como esculturas de Cláudio Aun e Odete Eid), livros de autores de projeção internacional (Aziz Ab’ Saber, Milton Hatoum e Gibran Kalil Gibran) e material jornalístico que demonstra a importância das atividades e da trajetória dos imigrantes libaneses e seus descendentes no país. Atualmente, vivem no Brasil seis milhões de libaneses e descendentes. Local: Caixa Cultural, Galeria Neuter Michelon, Praça da Sé, 111, São Paulo Mais informações: (11) 3107-0498 MOSTRA – DOM QUIXOTE DE LA MANCHA Até 28 de fevereiro de 2006 Exposição de desenhos e pinturas de Enio Squeff, em comemoração ao 4º Centenário da publicação Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes. Entrada franca. Local: Sesc Santo Amaro, Av. Adolfo Pinheiro, 940, São Paulo Mais informações: (11) 5525-1855
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CULTURA
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ENTREVISTA
A América que não está na mídia Arquivo pessoal
Nestor Cozetti do Rio de Janeiro (RJ)
CMI/Lima
O livro desvenda a omissão da grande imprensa sobre assuntos que contrariam seus interesses de classe dominante
O
livro, do jornalista Mário Augusto Jakobskind, enumera os fatos que a mídia conservadora esconde, ou veicula de forma distorcida, com o claro objetivo de levar a opinião pública a formar opinião sobre problemas relevantes, partindo de premissas falsas. Exemplos não faltam, enfatiza o autor. É óbvio o bloqueio informativo de que são alvo Venezuela e Cuba. Ou qualquer força política da América Latina que não se dobre ao esquema da manipulação da informação, ou que se insurja contra a política econômica neoliberal. Esses casos são automaticamente colocados nas páginas e nos noticiários de TV como grandes vilões. O pior, destaca o autor, é que toda a manipulação é feita em nome de uma pretensa democracia. “A nossa América, a América que o movimento social almeja, não está na mídia, mas precisamos furar esses bloqueios, exigindo pelo menos um tratamento midiático em pé de igualdade. Sem isso, não há democracia na verdadeira acepção da palavra”, argumenta o jornalista. No Brasil, o movimento social, por exemplo, é tratado pela grande mídia conservadora de forma preconceituosa e com o claro objetivo de levar a opinião pública a encará-lo de forma marginal. Isso é democracia ? questiona o jornalista. Abaixo, a entrevista concedida ao Brasil de Fato. Brasil de Fato – Por que América que não está mídia? Mário Augusto Jakobskind – A idéia do livro surgiu a partir de um curso livre, com esse título, que tive a oportunidade de ministrar na Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Foi daí que veio a idéia de desenvolver este trabalho, que reúne uma série de artigos e comentários relativos a fatos que a mídia conservadora omite ou noticia de forma manipulada, com o claro objetivo de levar os leitores, ou seja, a opinião pública, a formar juízo sobre problemas relevantes partindo de premissas falsas. BF – Você pode dar algum exemplo? Jakobskind – Exemplos? O bloqueio informativo de que são alvo Venezuela e Cuba. Qualquer força política latino-americana que não se dobre ao esquema da manipulação da informação, ou que se insurja contra a política econômica neoliberal, é automaticamente colocada nas páginas e nos noticiários de TV como grande vilã. Ou seja, a mídia conservadora, que posa de imparcial, adota como prática a filosofia do pensamento único. Os defensores da política econômica que levou a América Latina para uma situação de pobreza e miserabilidade têm tratamento diferenciado. Já os opositores...
A mídia conservadora omite ou manipula informações, enganando a opinião pública BF – Por que isso? Jakobskind – É a forma que as classes dominantes encontraram para fazer cabeças, arquivando a estratégia anterior de desgastantes e caros golpes militares. E tudo isso em nome de uma pretensa democracia. A nossa América, a América que o movimento social almeja, não está
Quem é Mário Augusto Jakobskind é jornalista e escritor. Seu livro mais recente é América que não está na mídia, da Editora Adia (Associação para o Desenvolvimento da Imprensa Alternativa). Jakobskind tem pesquisado e analisado a cobertura da mídia sobre as mais variadas questões, sobretudo em relação à América Latina e ao fenômeno do pensamento único, tão em voga na grande imprensa conservadora. Peruanos protestam em Lima, capital do país, contra o imperialismo e as políticas neoliberais
na mídia, mas precisamos furar esses bloqueios, exigindo pelo menos um tratamento midiático em pé de igualdade. Sem isso, não há democracia na verdadeira acepção da palavra. O livro, que reúne uma série de artigos e comentários de fatos contemporâneos, pretende, modestamente, dar a contribuição no sentido de ampliar o debate e levar informação sonegada pela mídia conservadora. O leitor agora vai julgar se a proposta atingiu esse objetivo.
Para Umberto Eco, só há democracia quando todos os setores sociais têm vez e voz em pé de igualdade BF – O seu livro trata de questões recentes sobre a Venezuela? Jakobskind – Trata. A República Bolivariana da Venezuela está presente, inclusive em um capítulo sobre a frustrada tentativa de golpe em abril de 2002, contra o presidente constitucional Hugo Chávez. O capítulo se chama “O papel da mídia, um papelão”. Trata-se de uma lembrança sobre os fatos ocorridos durante a ação que teve o apoio direto do Departamento de Estado estadunidense, e como a mídia latino-americana noticiou o acontecimento. Aqui mesmo, no Brasil, âncoras dos grandes canais de TV chegaram a saudar o golpe, silenciando posteriormente quando Chávez voltou ao governo nos braços do povo. BF – E as revistas? Jakobskind – As semanais saíram com chamadas de capa contra o “ditador”. A Veja, por exemplo, vinculada ao grupo do magnata das comunicações e golpista venezuelano Gustavo Cisneros, não escondeu o contentamento em relação ao golpe. Só que Veja, Época e outras publicações saíram no fim de semana e, como correm atrás do lucro fácil, foram para as bancas com as manchetes sensacionalistas que envelheceram em poucas horas. Como se diz em termos jornalísticos, foi uma das maiores “barrigas” (erro) dos últimos tempos. Estas revistas e canais de TV são os mesmos que hoje manipulam a informação contra a Venezuela, onde, por sinal, a mídia conservadora deixou cair a máscara de substituta dos partidos políticos
que mandaram no país, via revezamento no governo de cinco em cinco anos. Ou seja, jornais e canais de TV vinculados a Cisneros, apoiadores do golpe que durou 47 horas, são os mesmos que hoje desancam sobre Chávez e a revolução bolivariana. América que não está na mídia, portanto, mostra o lado que foi e vem sendo boicotado pela mídia conservadora que ainda tenta enganar posando de imparcial e dizendo que ouve os dois lados. BF – No seu livro você aposta na América Latina em transformação, “apesar dos traidores”. Quem são os traidores? Jakobskind – Há um capítulo com o título “América Latina, apesar dos traidores, continua apostando nas mudanças”. É isso aí. Neste continente houve presidentes que se elegeram, inclusive com o apoio do movimento social, e passaram a governar seguindo exatamente o oposto das promessas de palanque. O caso mais gritante dos últimos tempos foi o do Equador, onde o ex-presidente Lucio Gutiérrez, contando com o apoio do movimento indígena, passou para o outro lado. Tornouse um aliado incondicional do governo George W. Bush. Acabou tendo de abandonar o poder, por pressão do movimento popular, apesar da intromissão grosseira da Embaixada estadunidense que tentou, até o último momento, a permanência de Gutiérrez. BF – Que outros “traidores” cita? Jakobskind – No Peru, sem grandes ilusões, o presidente Alejandro Toledo, que teve destacada atuação nas mobilizações contra o ex-presidente, ditador-civil, Alberto Fujimori, elegeu-se com certa tranqüilidade. O seu governo é um desastre em matéria econômica. Como ex-funcionário do Banco Mundial, Toledo presidente parece até que continua no antigo emprego. BF – E o caso de Carlos Andrés Peres na Venezuela? Jakobskind – No final dos anos 1980, mais precisamente em 1989, o então presidente da Venezuela, Carlos Andrés Peres, tinha feito campanha prometendo caminhos diferentes das propostas do Fundo Monetário Internacional (FMI). Em menos de um mês, fez exatamente o contrário, adotando um tarifaço energético, como exigia o FMI. O povo se rebelou e Peres ordenou uma violenta repressão que resultou em mais de 300 mortos. Peres,
hoje, é um opositor ferrenho de Chávez e em uma de suas entrevistas chegou mesmo a propor o assassinato do atual presidente. O ex-presidente vive hoje entre Miami e São Domingos, a capital da República Dominicana, pois se voltar para a Venezuela vai ficar atrás das grades cumprindo pena decretada pela Justiça por desvio de verbas públicas. Temos outros líderes por aí que estão titubeando mas, como ainda têm oportunidade de voltar às origens, ou seja, cumprir as promessas de campanha, não estão sendo citados, mas, quem sabe, se houver nova edição poderão ser catalogados como traidores... BF – Você diz no seu livro que os meios de comunicação são usados até para ajudar golpes de Estado, como no caso da Venezuela. Você aponta alternativas para se contrapor a essa mídia golpista? Jakobskind – É necessário fortalecer os veículos alternativos à grande mídia, como, por exemplo, o Brasil de Fato. É fundamental que o Poder Público destine suas verbas publicitárias para este setor. Por que os governos que se pretendem populares continuam a seguir nesse terreno o esquema de sempre, ou seja, só contemplando a mídia conservadora? Nesse sentido, seguindo o raciocínio do pensador italiano Umberto Eco, não somos uma democracia, pois, segundo ele, democracia só existe, de fato, quando todos os setores sociais têm vez e voz em pé de igualdade. E hoje, no Brasil, o que acontece? A resposta, lamentavelmente, não é tão difícil de ser dada. O movimento social, por exemplo, é tratado pela grande mídia conservadora de forma preconceituosa e com o claro objetivo de levar a opinião púbica e encará-lo de forma marginal. Isso é democracia?
Como o Carlos Lacerda, há 40 anos, O Globo faz uma campanha sórdida pela remoção das favelas BF – A mídia não é ela mesma violenta quando criminaliza os favelados, negros e pobres em geral? Jakobskind – Sem dúvida. Inclusive agora nós temos exemplos mais recentes de grandes jornais
do Rio de Janeiro, como O Globo, que faz uma campanha sórdida pela remoção das favelas. Algo que no Rio se falava há 40 anos, na época do Carlos Lacerda, que foi governador, e agora eles acharam por bem voltar ao espírito elitista da velha UDN, o negócio da classe média da década de 1950/1960, que dava ênfase à moralidade. BF – Por que O Globo agora resolveu bancar a campanha pela remoção das favelas? Jakobskind – Porque uma meia dúzia, sabe-se lá quantos favelados, por questão de necessidade, construíram barracos em áreas chamadas verdes. Mas quem conhece o Rio de Janeiro, a Ladeira do Sacopã, por exemplo, que se vê da Lagoa Rodrigo de Freitas, um ponto nobre da cidade, sabe que se construiu prédios e mais prédios em áreas verdes, e a especulação imobiliária tomou conta. BF – E ninguém falou nada? Jakobskind – Nada. Porque os ricos tudo podem. Claro que se deve preservar as áreas verdes. Agora, remoção, uma jogada que os cariocas imaginavam já definitivamente arquivada, e que agora a mídia conservadora retoma? Só mesmo na cabeça dos elitistas e defensores de poderosos interesses econômicos.
Divulgação
Como comprar América que não está na mídia foi editado pela Adia Associação para o Desenvolvimento da Imprensa Alternativa – Adia. O livro custa R$ 25, e pode ser adquirido pelo telefone (21) 2233-9039, ramal 232. O pedido também pode ser feito ao endereço eletrônico augjak@ig.com.br