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Ano 3 • Número 151

R$ 2,00 São Paulo • De 19 a 25 de janeiro de 2006

FÓRUM SOCIAL MUNDIAL

Na Venezuela, a inspiração bolivariana Valter Campanato/ABr.

Cerca de 100 mil pessoas devem avaliar o crescimento das tendências antineoliberais na América Latina

Luta pelo passe livre – Cerca de mil estudantes protestaram, no dia 13, contra o aumento do preço da tarifa de ônibus em Brasília (DF). O valor, que até o final de 2005 era R$ 2,50, subiu para R$ 3, uma elevação de 20%. O Movimento pelo Passe Livre, organizador da manifestação, já anuncia novo protesto para o dia 20, reivindicando redução no preço das passagem e gratuidade para os estudantes

Povo brasileiro pode reaver Vale do Rio Doce

O governo gastou R$ 129 bilhões com o pagamento de juros da dívida, entre novembro de 2004 e o mesmo mês de 2005. Se fossem usados em programas sociais, esses mesmos recursos seriam suficientes, com folga, para comprar cestas básicas de R$ 300, por dois anos, para os 190 milhões de brasileiros. Po-

rém, mesmo usando o dinheiro dos impostos para os credores, o governo não conseguiu reduzir a dívida que, pelo contrário, subiu para R$ 929 bilhões, em novembro de 2005. Enquanto alardeia que pagou a dívida de 15,5 bilhões de dólares com o FMI, o governo esconde o prejuízo causado pe-

los juros altos e pela tomada de novos empréstimos. “O Brasil antecipou o pagamento de uma dívida com juros de 4% ao ano e acelerou a contratação de outra, aumentando seu endividamento em títulos externos, a um custo de 10% ao ano”, afirma Maria Lúcia Fattorelli, da Unafisco. Págs. 8 e 14

Divulgação

Decisão da Justiça Federal abre brecha para reestatizar a Vale do Rio Doce. Em outubro de 2005, a desembargadora Selene Maria de Almeida decidiu que o mérito das ações que pedem a nulidade da privatização, ocorrida em 1997, terá que ser julgado. Assim, o Movimento Reage Brasil rearticula-se denunciando as ilegalidades da privatização. Pág. 3

Lula prioriza gastos com dívida

Governo infla números da reforma agrária

Em São Paulo, a árdua luta por um teto

CIA monitora forças sociais sul-americanas O relatório anual da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) de 2005 tem um tom preocupante para os povos da América do Sul. A CIA equipara atores sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e trabalhadores cocaleiros bolivianos a organizações consideradas “terroristas”. Pág. 9

Bolívia põe ProUni oferece limites em ação vagas em cursos da Petrobras Em visita ao Brasil, o prereprovados sidente boliviano Evo Morales Págs. 2 e 7

Pág. 3

Walden Bello: o papel sujo do Brasil na OMC

Eleição no Chile – A esquerda se dividiu no apoio à presidente eleita, Michelle Bachelet (à direita). Para Tomás Hirsch, do Partido Humanista, Michelle vai “administrar o neoliberalismo” Pág. 11

E mais: AMAZÔNIA – Projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas é ato de coragem do governo. Desagrada latifundiários, madeireiros, grileiros, ambientalistas e sem-terra. Pág. 6 RAP – O músico Happin` Hood fala do papel da cultura como forma de protesto e da importância da música rap nesse contexto. Pág. 16

Militância em formação – Pelo 19º ano consecutivo na PUC, Curso de Verão capacita integrantes de movimentos socias de todo o país Pág. 4

Pág. 10 Márcio Baraldi

Luciney Martins

O ano de 2006 começou com graves violações do direito à moradia. No dia 11, a Justiça de Taboão da Serra determinou o despejo imediato das cerca de 800 famílias do acampamento Chico Mendes. No dia 5, a polícia invadiu, sem ordem judicial, o acampamento Carlos Lamarca, em Osasco, ferindo dez pessoas e prendendo cinco. Pág. 5

M

ovimentos sociais de todo o mundo vão ao Fórum Social Mundial, que começa dia 24, em Caracas, Venezuela, ver a aplicação prática de temas debatidos nas edições anteriores do evento – reforma agrária, cooperativismo, comunicação comunitária e luta antiimperialista estão sendo incorporados à revolução bolivariana. A sexta edição do encontro terá entre seus principais pontos o crescimento do número de governos com plataformas antineoliberais. “A experiência latino-americana vai ser o tema mais quente do evento”, destaca o sociólogo Cândido Grzybowski, do Comitê Internacional do Fórum Social Mundial. Diferentemente dos anos anteriores, o Fórum Social Mundial de 2006 será policêntrico. O primeiro encontro acontece na cidade de Bamako, Mali, na África, de 19 a 23, quando o continente terá, pela primeira vez, a oportunidade de unir as demandas do povo mais gravemente atingido pela globalização neoliberal. Dessa vez, as diversas lutas do continente estarão juntas. Págs. 12 e 13

defendeu a nacionalização dos hidrocarburetos e disse ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que a companhia petrolífera brasileira “não será dona dos recursos naturais” bolivianos. “Precisamos criar uma economia estável e digna para nosso povo”, defendeu Morales. Pág. 11


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De 19 a 25 de janeiro de 2006

CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Görgen • Horácio Martins • Ivan Cavalcanti Proença • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Áurea Lopes, Jorge Pereira Filho, Paulo Pereira Lima • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, 5555 João Alexandre Peschanski, Luís Brasilino, Marcelo Netto Rodrigues, 5555 Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Assistente de redação: Bel Mercês 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Valdinei Arthur Siqueira 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos - CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 - São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro - RJ

NOSSA OPINIÃO

Uma manipulação inaceitável

O

Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) anuncia, com grande fanfarra, que atingiu a meta de assentamento de famílias sem-terra em 2005. As tabelas que publicou somam 127 mil famílias, ou seja, chegou até a ultrapassar a meta de 115 mil fixada no Plano para esse ano. A leitura das tabelas mostra, porém, que houve clara manipulação das cifras – manipulação, aliás, bem primária. Entende-se que o governo FHC manipulasse as estatísticas para apresentar falsamente um desempenho menos ruim na reforma agrária. Afinal, era um governo da elite e os movimentos populares não esperavam muito dele. Mesmo assim, não se cansaram de protestar contra essas manobras e de denunciá-las veementemente à opinião pública. Causa profunda tristeza que o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) use o mesmo expediente. Contudo, os movimentos populares não podem deixar de cumprir o dever de fazer a mesma denúncia. Afinal, o compromisso desses movimentos é com o povo da terra e não com governos, por mais amigos que se proclamem. O truque usado pelo MDA consiste em somar situações completamente distintas: famílias que não tinham nada e andavam vagando pelos cam-

pos atrás de algum trabalho e que entraram pela primeira vez numa terra que vai ser sua; famílias que já estavam numa terra desapropriada em anos anteriores; e famílias que foram assentadas em terras públicas, perdidas nos confins da Amazônia. O conceito de “família assentada” é um conceito técnico que se refere unicamente ao caso das famílias do primeiro grupo. Valha a repetição: família que não tinha acesso à terra e que entrou em um assentamento feito com terras de uma fazenda desapropriada. O MDA está incluindo nas suas tabelas famílias que entraram em anos anteriores. Em outras palavras: está fazendo uma dupla contagem, a fim de aumentar indevidamente o número de famílias beneficiadas pela ação do governo. O mesmo acontece com a inclusão de famílias que foram colocadas em terras públicas. Estas também não podem ser consideradas “famílias assentadas” no conceito correto de reforma agrária. Colocar famílias em terras públicas é típico dos projetos de colonização – não de reforma agrária. Porque os projetos de colonização não afetam a correlação de forças entre os grandes proprietários de fazendas improdutivas e a massa trabalhadora rural em áreas até então dominadas pelos primeiros – ou

seja, não fazem parte da essência da reforma agrária. Subtraindo-se a contagem dupla e as famílias assentadas em terras públicas, verifica-se que o governo assentou, de fato, apenas 26.951 famílias em 2005! Isto pode ser facilmente comprovado, atentando-se para o número de famílias que receberam o crédito de implantação em 2005. O crédito de implantação consiste em uma quantia que se concede a toda a família no momento em que ela entra em um assentamento, a fim de que possa organizar-se para ali viver. As cifras do próprio MDA dizem: 29 mil famílias receberam esse tipo de crédito. Ora, se fossem mesmo 127 mil as famílias assentadas, o número de beneficiários do crédito de implantação não poderia ter sido apenas 29 mil. Esconderam a realidade debaixo do tapete, mas o rabinho ficou de fora. Que tristeza! É grave deixar de cumprir a meta já tão rebaixada do Programa de Assentamentos Rurais que o governo insiste erroneamente em chamar de Programa de Reforma Agrária. Mais grave ainda é a tentativa de enganar a opinião pública com dados falsos, porque, neste caso, é o próprio projeto democrático que se desmoraliza.

FALA ZÉ

OHI

CARTAS DOS LEITORES DÍVIDA EXTERNA Li a matéria sobre a dívida externa, onde é informado que a dívida brasileira é superior a 230 bilhões de dólares. Ontem, as emissoras de televisão anunciaram a visita do diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI), dizendo que o Brasil havia liquidado a dívida com o FMI. Qual é a verdade sobre essa questão? O que foi que o governo Lula liquidou, que dívida, ou o quê da dívida? Salomão Freitas Alves por correio eletrônico ANÚNCIO NO BRASIL DE FATO Sou assinante desse jornal e sei que é difícil manter um veículo de comunicação importante como esse apenas com assinaturas e compras avulsas de jornais pelos cidadãos. Mas confesso que fiquei chocado ao ver um anúncio de página inteira (pág. 11, da edição 148, de 29 dezembro de 2005 a 4 de janeiro de 2006) de uma empresa hidrelétrica do Paraná, dizendo-se comprometida com o social. Por todo o país tem crescido o temor por essa indústria geradora de energia e diversos movimentos sociais e ambientais têm se levantado contra esses empreendimentos. Hidrelétricas são a nova mania da nossa política econômica e estão causando os maiores impactos sociais no país, além do maior retrocesso ambiental dos últimos 20 anos, com projetos que nem a ditadura militar conseguiu realizar. Quando se aceita um anunciante como esse, fica difícil ser imparcial na hora de relatar um acontecimento grave ao povo brasileiro, como a construção de uma nova hidrelétrica e seus impactos reais ao nosso país. Realmente espero que o Brasil de Fato saia por cima desses acontecimentos, e continue independente, sendo um importante mecanismo divulgador do movimento

de esquerda nacional e internacional. André Frainer Barbosa Porto Alegre – RS PÁGINA NA INTERNET Acho que vocês deveriam reformatar o site (página na internet) do Brasil de Fato. Ele realmente não é agradável e prático. Que o Brasil, de Fato tenha um feliz 2006! Saudações socialistas. Janes Jorge por correio eletrônico Totalmente reformulada, com recursos para interação com leitores e colaboradores, a nova página do Brasil de Fato na internet entra no ar dia 23. Além da publicação do noticiário do jornal, de recursos para pesquisa em edições anteriores, a página terá produção diária de notícias e edição de reportagens especiais.

Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815

CRÔNICA

O pastor que nos ensina a sonhar Marcelo Barros Nos meados de janeiro, a humanidade recorda o nascimento de um homem que marcou o século 20 com o seu testemunho libertário. Nos Estados Unidos, 15 de janeiro é feriado nacional, porque neste dia, em 1929, nasceu Martin Luther King, negro pobre e discriminado, que conseguiu se formar em Teologia e se tornar pastor batista. Na sociedade norte-americana, extremamente racista e discriminatória, o pastor Luther King, dizia claramente: “Eu tenho um sonho: o de ver meus filhos julgados por sua personalidade e não pela cor de sua pele.” Para realizar o seu sonho, o reverendo Luther King reuniu multidões na sua campanha pela igualdade racial e humana. Ele dizia: “Quem aceita passivamente o mal, no fundo, está misturado com ele. Quem convive com a injustiça sem nada fazer para detê-la, está cooperando com ela. Quando o oprimido aceita a opressão contribui para que ela se prolongue”. Em 1955, os coletivos de Memphis obrigavam os negros a sentar nos últimos bancos do ônibus e a se

levantar cada vez que entrava um branco. Luther King educou toda a população negra a boicotar os ônibus. Esta greve contra empresas racistas durou 381 dias, até que as empresas cederam e reconheceram direitos iguais para todos os passageiros. O pastor organizou contra o racismo um grande movimento pacífico e não-violento de desobediência civil contra o racismo. Em 1963, o pastor lidera a grande “Marcha dos Viajantes da Liberdade” até Washington, com mais de 250 mil participantes. O país todo pára diante desta marcha pacífica e dela resulta a Lei dos Direitos Civis (1964) e a Lei dos direitos de Voto (1965) que garantem aos negros, ao menos no plano legal, direitos iguais para todos nas escolas, nas igrejas e nas ruas. A sociedade racista fez tudo para impedir a ação do pastor. Inúmeras vezes, ele foi preso, agredido e ameaçado de morte. As paredes de sua casa e da igreja foram cobertas de insultos ao “negro sujo que quer mudar as leis deste país branco”. Apareceram ameaças à vida dos filhos e da esposa do pastor, se este não parasse todas as atividades. Ele

respondeu: “Adoro meus filhos e minha esposa. Mas as suas vidas e a minha estão nas mãos de Deus”. Em 1968, o pastor King recebe o Prêmio Nobel da Paz e o reconhecimento da humanidade. No mesmo ano, em meio a um discurso, é assassinado. Até hoje, não se venceu a discriminação social, mas, ao menos, o racismo é ilegal e condenado por todas as Igrejas e religiões. É urgente retomarmos a profecia do pastor Luther King. Ainda hoje, ressoam as suas palavras: “Cedo ou tarde, os povos de todo o mundo terão de descobrir uma forma de convivência pacífica. O ser humano nasceu na barbárie: matar o próximo era normal. Depois, ele foi dotado de consciência. A violência contra outro ser humano deve converter-se em algo tão abominável como devorar a sua carne. A ação não-violenta dos marginalizados pode se transformar em solução para toda a humanidade”. Marcelo Barros é monge beneditino. É autor de 27 livros, entre os quais está no prelo A Vida se torna Aliança, (Como orar ecumenicamente os Salmos), Ed. CEBI-Rede da Paz, 2005

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NACIONAL PRIVATIZAÇÃO

Campanha tenta reestatizar a Vale A

pós quase uma década da batida do martelo, a privatização da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) volta a gerar inconformismo e revolta, no momento em que se abre uma brecha para a sua reestatização. A estatal foi leiloada, dia 6 de maio de 1997, por R$ 3,3 bilhões – valor semelhante ao lucro líquido da empresa, apenas no segundo trimestre de 2005 (R$ 3,5 bi). Estimativas indicam que o lucro total da CVRD no ano passado deve superar os R$ 10 bilhões. Num panorama como esse, movimentos sociais, entidades e políticos procuram rearticular o Movimento Reage Brasil que, nos últimos anos da década de 1990, resistiu às privatizações realizadas pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). A luz no fim do túnel surgiu em outubro de 2005, quando a desembargadora federal Selene Maria de Almeida, da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, decidiu dar provimento à ação que pede a anulação da privatização da Vale. A notícia foi ignorada pela imprensa. A decisão da juíza obriga a Justiça federal de Belém a dar prosseguimento à ação e analisar todos os seus fundamentos. Existem mais de cem ações pelo país questionando a privatização da Vale e a juíza Selene é relatora de outras 68. A expectativa é de que todas tomem o mesmo caminho e a mobilização do Reage Brasil ganhe caráter nacional. Outro elemento que pode impulsionar a mobilização é a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Privatizações. A comissão foi criada dia 16, pelo presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), para investigar todo o processo de desestatização conduzido na gestão FHC.

Em 2004, bancários do Paraná lutaram contra a privatização do Banestado que deixou um rombo de 1,8 bilhão de dólares. Vendida por R$ 3,3 bilhões, a Vale do Rio Doce teve, em março de 2005, valor de mercado estimado em R$ 92,64 bilhões

(PT-PR) acredita que, com pressão popular, será possível reverter o processo de nove anos atrás e reestatizar a empresa. Para a parlamentar, a privatização foi conduzida à margem da lei: “Estamos pedindo a nulidade dos editais da privatização. Eles estão repletos de vícios, como o fato de o banco de investimentos Merrill Lynch (gigante estadunidense do mercado financeiro) ter feito a avaliação do edital. Não tem como esse banco ser imparcial”. Problemas com o banco dos Estados Unidos também foram levantados pela juíza Selene, na justificativa da sua decisão. “Os argumentos dos autores populares, no que tange à subavaliação ou não-avaliação do patrimônio da CVRD, encontram respaldo no Relatório do Grupo de Assessoramento Técnico da Comissão Externa da Câmara dos Deputados, formada por especialistas reunidos pela

ILEGALIDADES Autora de uma dessas ações contra a privatização da Vale, a deputada federal Clair da Flora Martins

Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que apurou significativa diferença entre os valores das reservas registrados pela Vale na Securities and Exchange Comission, em Nova York, que foram conferidos e admitidos pelas autoridades americanas, porém, posteriormente, foram reduzidos pela empresa Merrill Lynch quando da avaliação do patrimônio da empresa, entre os anos de 1995 e 1996”, escreveu a desembargadora.

PREÇO DE BANANA Clair explica que as ações também questionam os critérios de avaliação, ou seja, a forma como o preço da Vale foi calculado: “Simplesmente verificaram o preço da ação da CVRD no mercado e multiplicaram pelo número total de ações com direito a voto. Não se observou todo o patrimônio da Companhia”. Ela cita

CVRD

Luís Brasilino da Redação

Henry Milleo/Gazeta do Povo/Folha Imagem

Desembargadora pede estudo sobre anulação da venda e movimentos sociais articulam ofensiva em caráter nacional

como exemplos do que foi deixado de fora das contas as 54 empresas onde a Vale operava diretamente (controladas e coligadas), a reserva mineral, duas das três ferrovias mais rentáveis do mundo, o capital tecnológico e intelectual da Docegeo, os terminais marítimos e o Complexo de Carajás (PA) inteiro. Este último, aliás, foi alvo de um mandado de segurança que recebeu parecer favorável do Supremo Tribunal Federal por

constituir reserva de urânio. Para se ter uma idéia do que foi deixado de fora, Fábio Barbosa, diretor financeiro da Vale, foi à imprensa, em março de 2005, comemorar um feito: a CVRD se tornava a maior empresa da América Latina. Segundo Barbosa, à época, a empresa já valia cerca de 40 bilhões de dólares (R$ 92,64 bilhões) ou 28 vezes o valor pela qual a estatal foi vendida.

EDUCAÇÃO

Dafne Melo da Redação Do total de 91.100 vagas oferecidas a estudantes de baixa renda pelo Programa Universidade Para Todos (ProUni), cerca de 1.100 são em cursos superiores reprovados em sistemas de avaliações do Ministério da Educação (MEC), seja pelo Provão, no governo Fernando Henrique Cardoso, ou pelo Exame Nacional de Estudantes (Enade). O balanço foi publicado dia 8, no jornal carioca O Globo. São 87 cursos reprovados pelo provão, uma ou mais vezes. Quatro também foram reprovados no Enade. O restante dos cursos oferecidos ainda não foi avaliado, ou o resultado não foi divulgado.

BOLA DE NEVE Criado em 2005 por meio de medida provisória, o ProUni dá isenções fiscais a instituições privadas de ensino que concedam bolsas integrais e parciais a estudantes de baixa renda. Na época, a proposta criou polêmica entre os movimentos sociais, dividindo opiniões dentro dos movimentos estudantil e de docentes. De um lado, estava a crítica de que o programa privilegiava o setor privado da educação, em detrimento de um modelo público. Para outros, o programa cumpria um papel de inclusão, dando oportunidade à população de baixa renda. Roberto Leher, do Sindicato Nacional dos Docentes das Insti-

Arquivo Brasil de Fato

ProUni oferece vagas em cursos reprovados namental ao setor que obtém altos lucros (veja reportagem abaixo). Além disso, de acordo com o próprio MEC, cerca de 40% das vagas das privadas estão ociosas.

DEFESA

Programa inclui 87 cursos com baixa avaliação do Ministério da Educação (MEC)

tuições de Ensino Superior (AndesSN), acredita que os dados publicados pelo O Globo “são apenas a ponta do iceberg” e mostram que o governo está pouco preocupado com a qualidade da educação brasileira. “Além das reprovadas, muitas outras instituições privadas de péssima qualidade participam do ProUni”, avalia. Leher cita os cursos seqüenciais de curta duração e os cursos que foram reprovados seguidamente no Provão, mas, como obtiveram boa avaliação no Enade, não constam da lista de cursos reprovados. Como exemplo, aponta um curso de medicina, no interior do Rio de Janeiro: “Na época do (ex-ministro da Educação) Paulo Renato de Souza, a comissão do MEC pediu o fechamento da faculdade, o que não aconteceu. No Enade, a faculdade ficou em tercei-

ro lugar entre as avaliadas”. Em sua opinião, isso acontece porque os sistemas de avaliação de ambos os governos têm critérios e metodologias falhas. Leher conta também que, no início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Andes apresentou estudos para um programa de expansão das universidades federais. Em um ano, com investimentos de R$ 1 bilhão, seria possível abrir 400 mil vagas em cursos noturnos. Segundo Leher, a isenção fiscal concedida às privadas pode chegar a R$ 4 bilhões, em quatro anos, o equivalente à criação de mais de um milhão e meio de vagas nas federais, se o investimento fosse nas públicas. Para Leher, o ProUni vai ao encontro aos interesse dos empresários da educação, uma vez que consiste em um subsídio gover-

Frei David dos Santos, coordenador da ONG Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro) tem outra visão sobre o ProUni, que considera “um grande programa de inclusão”. De acordo com dados do próprio MEC, cerca de 50% das vagas do ProUni foram ocupadas por negros. Frei David critica, entretanto, a inclusão de cursos reprovados: “Queremos colocar o povo negro em faculdades de qualidade”. No dia 11, o MEC recebeu representantes da União Nacional dos Estudantes (UNE), do Movimento dos Sem Universidade (MSU) e da Educafro, que pediram mais rigor na escolha das instituições privadas que participam do ProUni. “O MEC aceitou a crítica e se comprometeu a formar uma comissão que irá às universidades. Em 60 dias será feito um relatório e os cursos terão três meses para se regularizar”, explica frei David. O deputado federal Paulo Delgado (PT-MG) anunciou que vai levar ao Congresso uma proposta de emenda ao projeto que retire do ProUni os cursos reprovados no Provão. De acordo com o atual projeto, isso só poderia acontecer em 2009, após três reprovações consecutivas no Enade, já que o Provão não foi levado em conta.

Ensino privado: lucro certo Um levantamento da Ideal Invest, empresa que concede empréstimos a escolas, avaliou 78 instituições de ensino privado em todo país que têm mais de mil alunos. O resultado é que mesmo as escolas com os “piores” desempenhos financeiros obtiveram lucro em 2004. O estudo classifica as instituições nas categorias “melhor”, “intermediária” e “pior”. No primeiro grupo, a porcentagem média da receita que se transformou em lucro é de quase 27%, número superior ao de empresas como a Petrobras e a Companhia Vale do Rio Doce. Em 2004, o setor chegou a faturar R$ 15 bilhões. A mais lucrativa, a Universidade Anhembi-Morumbi (a primeira a ser vendida a um grupo estrangeiro no Brasil), obteve lucros de R$ 52,8 milhões, o que representa 30% de sua receita. Outro dado é que essas instituições também estariam pouco endividadas: o valor das dívidas representariam de 1% a 18% de suas receitas. (DM)


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Espelho Cid Benjamin Apologia ao crime A coluna de Ancelmo Góis, no Globo do dia 17, conta que o Big Brother – que concorre ao prêmio de pior programa da TV brasileira – levou ao ar conversa de dois integrantes trocando impressões sobre experiências com drogas, de forma a estimular seu uso. “Usei aquele cheirinho da loló”, disse um. “Eu misturo lança-perfume com cerveja. Dá o maior barato”, responde o outro. A apologia ao uso de drogas é crime previsto no Código Penal. Preconceito contra Morales - I Legenda de uma foto de Lula com Evo Morales, publicada na primeira página do Globo, dia 14: “Depois de usar o mesmo suéter em viagens a três países, o presidente eleito da Bolívia, Evo Morales...”. Ora, qual o problema de repetir uma roupa? Ou O Globo queria que Morales aposentasse o suéter depois de usá-lo uma vez, como fazem alguns bacanas? Não fosse o presidente de origem índia, O Globo faria esse comentário? Preconceito contra Morales – II No mesmo dia, O Globo traz matéria informando que Lula ofereceu a Evo Morales e sua comitiva um avião da Presidência para levá-lo a La Paz. Um gesto de cortesia com o presidente eleito da Bolívia, que ainda não tomou posse, e portanto não dispõe de apoio em seus deslocamentos. De forma mesquinha, O Globo informa que a viagem “deve custar aos cofres públicos R$ 45.200”. Se Morales fosse europeu o jornal publicaria matéria semelhante? Veja se supera Veja resolveu abrir baterias contra o jornalista Fernando Morais. Em recente edição dedica duas páginas para desancá-lo. A revista o ataca porque ele está escrevendo a biografia do ex-ministro José Dirceu (goste-se ou não de Dirceu, este teve sua importância) e porque ele defende o presidente Hugo Chávez, que, segundo a revista, “está levando a Venezuela ao buraco”. Não é o que pensam os venezuelanos, como demonstram as eleições naquele país. A juventude e os jornais impressos Seguindo tendência mundial, na França os jovens abandonam os jornais impressos. Segundo o jornal francês Le Monde, em 2004, além de cair em 2,3% a circulação dos impressos franceses, deixaram de ler jornais 8,5% dos leitores entre 14 e 15 anos de idade. Entre os jovens que lêem os impressos, a maioria prefere os gratuitos, como o 20 Minutes (que tem nos jovens 35,9% de seu público) e o Metro (com 30,2% de jovens entre seus leitores).

MOVIMENTOS SOCIAIS

Curso reúne militantes do Brasil Em sua 19ª edição, jornada de formação discute a ética e a cidadania nas comunicações Ana Maria Straube de São Paulo (SP)

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á dezenove anos consecutivos, a Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo abre suas portas, no mês de janeiro, para receber estudantes vindos de todas as partes do Brasil. Essas pessoas pouco têm a ver com os universitários que circulam pela universidade durante o ano letivo. São militantes de movimentos sociais e populares, público normalmente excluído de instituições de ensino superior. Ano após ano, eles estão lá, lotando o Tuca (teatro da PUC) e as salas de aula, para participar de palestras, definir os temas dos próximos encontros e praticar, nas oficinas, os conceitos teóricos aprendidos no Curso de Verão – que este ano acontece de 9 a 21, reunindo 460 pessoas dedicadas ao estudo do tema “Comunicações: ética e cidadania”. Um dos responsáveis pela iniciativa é o padre Oscar Beozzo, integrante do Centro Ecumênico de Serviço e Evangelização e Educação Popular (Cesesp). Ele explica que o curso é ecumênico e voltado para pessoas que desenvolvem trabalhos sociais, ligados ou não a igrejas. Além de ter a colaboração da PUC, padre Oscar conta que, para baixar os custos, tudo é feito em mutirão. Os participantes são alojados em casas de famílias que os hospedam gratuitamente e as aulas e oficinas são ministradas por professores e monitores voluntários. Cada participante arca apenas com os custos do material – livros distribuídos no início do encontro, e um vídeo, entregue ao final da quinzena. A produção de material torna-se essencial para que se cumpra uma das propostas do curso, que é a multiplicação, por cada militante, em suas comunidades. Para atender à demanda de participantes, crescente a cada ano, a iniciativa do Curso de Verão passou a se repetir em diversos Estados. Brasil de Fato – Como surgiu a idéia do Curso de Verão?

ANÁLISE

O fiel da balança A Editora Abril e o grupo RBS, do Rio Grande do Sul, preparam abertura de seus capitais. Com ações dessas corporações nas bolsa de valores, o cenário do monopólio da mídia ganha novos contornos. Agora, sujeitas à avaliação do público investidor, as publicações dessas empresas precisam pensar duas vezes antes de praticar atos de bárbarie jornalística como as reportagens infundadas que já se tornaram marca registrada, por exemplo, da revista Veja.

Curso realizado no TUCA, há 19 anos, conta com a participação de pessoas das mais diferentes partes do mundo

Padre Oscar Beozzo – O curso surgiu de uma contradição que sentimos no trabalho do Cesesp, que começou em 1982, com um longo curso básico de formação para pessoas de movimentos populares. Esse curso era intensivo, muito puxado, e só podia ser freqüentado por pessoas que estivessem liberadas e tivessem um certo nível intelectual. Algumas pessoas começaram a questionar esse formato e nos colocamos o desafio de desenvolver uma metodologia para um trabalho mais massivo, mais próximo das pessoas e das demandas populares BF – O curso acontece em quais Estados? Padre Beozzo – Dois anos após iniciarmos em São Paulo, começou o curso em Goiás. Hoje tem também no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e no Ceará. Todo ano a coordenação dos cursos se reúne e cada Estado tem muita liberdade para escolher seu tema, organizar da sua forma, dentro de uma mesma filosofia. Mesmo assim, esse ano temos pessoas de 19 Estados e de alguns países do mundo participando em São Paulo. Tem gente do México, da

Bolívia, da Argentina, do Equador e até de Angola, Moçambique, Sudão, Nigéria, Indonésia e Eslováquia. Ano passado tivemos duas pessoas de Cuba que vieram só para acompanhar, pois queriam começar o curso lá. BF – Existe um intercâmbio entre o Curso de Verão e a universidade? Padre Beozzo – A gente procura os melhores professores, não necessariamente da PUC. E eu posso te dizer que já passaram aqui, nesses 19 anos, umas 140 pessoas. Nunca houve um veto. Eu vou procurar sempre quem é o mais competente na área. E as pessoas depois ainda agradecem por ter vindo e trabalhado de graça, pois dizem que não têm oportunidade, na universidade, de encontrar os setores populares. É parte do resgate de uma dívida social de quem pôde ter educação superior e vem dizer “como é que nós pagamos a nossa dívida social, num país onde as pessoas dos setores populares são carentes de uma educação de qualidade?”. BF – É grande a participação de pessoas com deficiência? Padre Beozzo – Há muitos anos

começamos a receber alguns. Depois o Movimento da Fraternidade Cristã das Pessoas com Deficiência passou a mobilizar gente de vários lugares do Brasil. Este ano, temos umas vinte pessoas portadoras de deficiências. Isso obriga a gente a se adaptar, a colocar o tema na agenda e os abrigar de forma correta, como fizemos aqui com rampas na entrada e no outro prédio. BF – Qual é a perspectiva desses participantes, ao encerrar cada Curso de Verão? Padre Beozzo – A perspectiva é sempre terminar com uma proposta e um compromisso. Ano passado o tema foi educação popular, o ano anterior foi a água, o outro foi sobre saúde. A cada ano as pessoas escolhem os temas e a gente faz um levantamento. Para o ano que vem a escolha de todos foi ecologia, em 2008 será a juventude e em 2009, arte na educação. O curso tem a perspectiva de sempre de valorizar o que as pessoas estão fazendo, mapear os problemas, para aprofundar e tirar propostas de como podemos melhorar nossa atuação e abrir novos campos.

Veja erra gravemente. De novo

A juventude e os blogs Ao mesmo tempo em que vão abandonando os jornais impressos, os jovens correm para a internet. Na França, a cada dia são criados entre 10 mil e 15 mil blogs (páginas pessoais na internet). Hoje, dois milhões e meio de adolescentes franceses têm seu próprio blog, isso computando-se apenas os blogs vinculados ao Skyblog, o hospedeiro mais popular. Barbárie midiática Estão circulando na internet várias manifestações de solidariedade ao padre Júlio Lancelotti, conhecido por seu trabalho pastoral e social junto a crianças portadoras de HIV e aos moradores de rua de São Paulo, e que foi violentamente atacado pela revista Veja, da Editora Abril. Tudo indica que a publicação perdeu a noção, para defender de forma ostensiva a especulação imobiliária e a política segregacionista do prefeito José Serra, do PSDB.

Luciney Martins

da mídia

NACIONAL

Fernando Altemeyer Júnior Monsenhor Júlio Renato Lancelotti é o vigário episcopal do povo de rua, há mais de dez anos, com muitas virtudes e particularmente a virtude da caridade vivida na esperança. Padre Júlio é fiel servidor da Igreja de Cristo há vinte anos como presbítero. É homem de confiança do cardeal arcebispo de São Paulo e do papa Bento 16. Se a repórter da revista Veja – que atacou violentamente o religioso – não fosse tão demagoga, teria entrado na pequena igreja da Rua Taquari e visto a fé viva do povo da Mooca, guiada por um sacerdote de missa diária e compromisso eterno. Teria visto a luta dos amigos de S. Miguel Arcanjo contra o pecado e a injustiça. Teria visto como senhoras e senhores se cotizam para ajudar a

emancipar pessoas de situações de miséria e de exclusão. A categoria “povo de rua” não é uma criação sua, nem neologismo, mas um conceito válido para compreender estas milhares de pessoas que vivem nas ruas paulistanas. Bastaria ler clássicos como O mito da desterritorialização, de Rogério Haesbaert; ou Homens invisíveis: relatos de uma humilhação social, de Fernando Braga da Costa; ou ainda, São Paulo, segregação, pobreza e desigualdades sociais, de Eduardo Marques e Haroldo Torres, organizadores. Aliás, eivada de preconceitos está é a própria repórter, ao classificar de forma simplista estes seres humanos de mendigos, menores abandonados e loucos. Pesquisa de órgãos de governo e de universidades desmentem-na facilmente. Há famílias, há jovens, há gente desempregada, há drogados, há crianças, há estrangeiros, há negros, brancos, mestiços, há gente pobre e migrante, há gente que foi rica e há até aqueles com universidade feita. Há muitos alcóolatras. Há muitos jovens. Há catadores de papel. Há trabalhadores e albergados. E há muitos: algo como dez a quinze mil pessoas. É, portanto, realidade complexa que exige respostas complexas. Ela comete o pecado original do mau jornalista: matéria sem pesquisa e comprovação de dados. Criou ficção e não foi capaz de ver a realidade. Este é um paradoxo

terrível para um órgão semanal que denomina-se Veja.

O REI ESTÁ NU As críticas do padre Júlio quanto aos moldes higienistas da prática administrativa do candidato a prefeito da cidade de São Paulo, Andrea Matarazzo, são corretas e deixaram o rei tucano nu. Este é o nó da questão. O que falta mesmo na cidade é política pública para esta população e as rampas não são de forma alguma solução para nada. Não solucionam nem o problema dos pobres, nem dos demais cidadãos como eles, e, muito menos a grave situação da segurança pública, a que todos (os que têm teto e os que não têm) estamos expostos. Nesta mesma semana são os policiais que estão sendo aniquilados e metralhados em nossas ruas. Os motivos de padre Júlio são religiosos, antropológicos, políticos, humanos, filosóficos, teológicos, sentimentais, e sobretudo, éticos. Por que tanta dicotomia entre religião e política? Medo da denúncia? Quem quer construir um bode expiatório é a repórter, seu editor e a Veja, ao permitir essa matéria malfeita. A igreja de padre Júlio sempre foi abrigo, pequenina que é, desde seu nascedouro, pois os católicos da Mooca e do Belenzinho sempre souberam acolher os mais pobres com amor e carinho. Nenhuma grade jamais existiu nessa capela e igreja para impedir de receber qualquer ser

humano. Se alguém dúvida, que vá e veja. Sem o tampa-olhos da Veja e sem demagogia. Dezenas de comunidades na zona leste se cotizaram para construir a comunidade S. Martinho. Para apoiar a Casa Vida, para acompanhar a Liberdade Assistida, para visitar a Febem, para valorizar as crianças, para apoiar os portadores de HIV-Aids, para recolher e apoiar migrantes e sem-teto. Fizeram com o padre Júlio aquilo que todos sempre quiseram e buscaram numa cidade digna: transformar as vidas e construir igualdade social. Padre Júlio é doutor honoris causa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Padre Júlio acaba de receber o Prêmio Alceu Amoroso Lima, da Universidade Cândido Mendes. Padre Júlio é diretor da Casa Vida I e II. Padre Júlio é da Pastoral do Menor. E de inúmeras Comissões de Direitos Humanos. Padre Júlio Renato Lancelotti é um homem transparente. Não é conivente com o pecado nem com a injustiça. É lamentável que a repórter Camila Antunes não tenha sido capaz de ver isso com discernimento e respeito. Continuarei a recomendar a todos que cancelem suas assinaturas dessa revista. Fernando Altemeyer Junior é professor universitário e atual ouvidor público da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo


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NACIONAL MORADIA

Novo ano, velhas injustiças em SP Igor Ojeda da Redação

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al começou o ano e o direito à moradia – garantido pela Constituição – já sofreu dois importantes reveses. No dia 11, a juíza Daniela Cláudia Herrera Ximenes, da 2ª vara cível de Taboão da Serra, região metropolitana de São Paulo, determinou o despejo imediato das cerca de 800 famílias do acampamento Chico Mendes, mesmo que para tal as pessoas e seus pertences fiquem na rua. Segundo a sentença, a prefeitura de Taboão deve, “se possível”, conceder caminhões e galpões para transportar e armazenar os móveis dos moradores, que ocupam a área há mais de cem dias. Portanto, tais condições não são necessárias. “Estamos esperando o despejo a qualquer momento. A Polícia Militar (PM) disse que não vai avisar quando será realizada a reintegração de posse. Estamos aguardando ansiosos”, diz Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). O MTST, além de solicitar na Justiça que a reintegração de posse não seja feita enquanto não se providencie os meios para tal – como um novo local para abrigar as famílias, o transporte e um galpão para os móveis –, entrou com pedido de concessão de prazo, já que há acordo com os governos federal, estadual e municipal prevendo a inclusão das famílias em um programa de habitação, em 2006. No entanto, como o processo de-

Luciney Martins

Famílias de Taboão da Serra temem mais truculência policial em ação de despejo Sindicato dos Químicos de Osasco e Região contra a repressão policial e a criminalização dos movimentos sociais. Os manifestantes protestaram contra a invasão violenta, dia 5, do acampamento Carlos Lamarca pela polícia, sem ordem judicial (veja detalhes na entrevista abaixo). Dez pessoas foram severamente agredidas, cinco foram presas e soltas em seguida.

ACORDO

Cerca de 800 famílias estão sob ação de despejo da ocupação Chico Mendes em Taboão da Serra, na Grande São Paulo

manda tempo, existe o risco de as pessoas não terem onde morar por um bom período.

PREOCUPAÇÃO Outra medida tomada pelo movimento foi entrar com uma representação no Ministério Público Federal para que sejam garantidos o direito à moradia e o direito das crianças que vivem no Chico Mendes. Enquanto isso, as famílias estão apreensivas. “Temos preparado os acampados para o despejo”, afirma Boulos. Segundo ele, há

um diálogo com a PM e o MTST irá trabalhar para que tudo ocorra de forma pacífica. Mas o medo da violência policial é grande. Os moradores da Comunidade Chico Mendes ainda devem decidir em assembléia o que farão após a reintegração. Duas das opções de protesto podem ser acampar em frente à Prefeitura Municipal de Taboão da Serra e fazer uma barreira na rodovia Régis Bittencourt. No domingo, dia 15, o MTST realizou um ato no próprio acampa-

mento contra o despejo dos ocupantes da área. A manifestação teve a presença de representantes do Movimento Terra e Liberdade (MTL), do Movimento dos Moradores da Região do Centro (MMRC), da Frente de Luta por Moradia (FLM), do Sindicato dos Químicos de Osasco e Região, do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade de São Paulo (Sintusp) e de integrantes do Movimento Hip Hop. No dia 13, em Osasco, Grande São Paulo, cerca de 300 pessoas participaram de um ato na sede do

Segundo João Batista de Albuquerque, o Jota, do MTST, a manifestação aconteceu em um espaço fechado, por pressão da Polícia Militar. “Um grupo da PM, que a gente chama de banda podre, ficou rodeando o local onde seria realizado o ato”. Na ocasião, os moradores da comunidade entregaram um relatório sobre os acontecimentos para o Ouvidor da PM que, segundo Jota, assumiu o compromisso de fazer uma investigação. O texto detalha a truculência policial, exibe fotos e relata o que aconteceu com oito pessoas , inclusive com a menina J., de apenas 11 anos, que levou uma forte coronhada logo abaixo do olho esquerdo. As famílias do acampamento Carlos Lamarca têm um acordo com o governo federal para serem incluídas em um programa que financia a construção de habitações populares. O local já foi escolhido: o bairro Quitaúna. Uma petição contra o despejo das famílias do acampamento Chico Mendes, de Taboão da Serra, pode ser acessada no endereço da internet www.petitiononline.com/paulo12/ petition.html

Movimento sem-teto evita despejo A anulação, na semana passada, da liminar de despejo da ocupação Carlos Lamarca, localizada na região metropolitana de São Paulo, veio acompanhada de uma ação violenta da Polícia Militar, dia 5. Mais de dez pessoas foram feridas, inclusive uma criança, e cinco militantes foram presos. A coordenadora estadual de São Paulo do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Helena Silveira, avalia essa face da luta social no Brasil. Para ela, que não pôde exibir sua foto nesta entrevista, por medidas de segurança pessoal, “os policias que participaram daquela ação expressaram um terrível ódio pelas pessoas”.

vez de ir para a delegacia foram levados a um pronto-socorro. Eles chegaram dizendo que havia uma denúncia, conseguiram identificar que essa denúncia não era real e ainda assim expressaram um terrível ódio pelas pessoas, que se concretiza todo dia nas ações de criminalização da pobreza e dos movimentos sociais organizados que representam as classes mais pobres. É um tremendo desrespeito a todos os direitos humanos que temos conhecimento. Os policias fazem isso não só nos acampamentos. Eles fazem todos os dias nas favelas, nas periferias, onde as pessoas são mais pobres. A polícia conta muito com a impunidade desses atos e por isso cada vez mais abusa da autoridade.

Luciney Martins

Nina Fideles de Brasília (DF)

No acampamento Carlos Lamarca, ação policial deixa mais de dez feridos

Brasil de Fato – Como foi o processo da liminar de reintegração de posse da ocupação? Helena Silveira – Na verdade, estamos há quase três anos ocupando a área e ficamos surpresos quando a liminar saiu porque, após um ano e um dia de ocupação, não cabe mais nenhuma decisão judicial de despejo por liminar. O que sabemos é que um oficial de Justiça e dois policiais militares foram ao acampamento mostrar uma notificação da liminar de outubro do ano passado e nem deixaram cópias. No processo, eles dizem que estamos no terreno desde o início de 2005, mas a ocupação foi em setembro de 2003. Já são quase três anos. Agora uma decisão de despejo deve ser por outras vias, muito mais complicadas. Entramos com um pedido de prazo e até mesmo de agravo. Nosso pedido foi aceito pelo juiz de 1ª instância e ele revogou a liminar. Neste momento, não tem mais nenhum risco de reintegração, pelo menos legal, no acampamento Carlos Lamarca.

BF – A área pertence a quem? Helena – Essa área era o antigo Lar Consolador da Verdade, uma instituição que fazia atendimento a crianças órfãs. Essa instituição foi fechada por denúncias no Ministério Público de abuso de autoridade com crianças. Durante esse período de ocupação eles nunca entraram com processo, pois a pessoa responsável, que poderia entrar com o processo, estava sendo procurada pela Justiça. Não sabemos como anda a ação contra eles, pois é sigilosa. Desde 1997, não são pagos os impostos, o que resultou em uma dívida muito grande com o município. BF – Houve uma ação arbitrária da polícia na ocupação. Como aconteceu? Helena – Sofremos uma situação muito lamentável. O oficial de Justiça esteve na ocupação dia 2, apenas para mostrar a notificação da liminar de reintegração de posse. Depois disso começamos a fazer contatos. Buscamos falar com o secretário

municipal de Habitação, que nos ajudou muito. Como nossa vitória era visível, avaliamos que alguns setores não ficaram muito contentes com isso. Então fizemos, dia 5, na Câmara Municipal de Osasco, um ato para angariar apoio dos vereadores da cidade. Conseguimos e voltamos para o acampamento. Às 18h30 desse dia, a PM apareceu com uma denúncia anônima de que alguém estaria armado. Revistaram pessoas e começaram a agredir. Uma moça se negou a tirar uma criança do colo e levou um tapa na cara. Aí a PM começou uma ação completamente arbitrária. Muitas pessoas ficaram feridas, com pé quebrado e clavícula deslocada. Uma criança de onze anos levou uma coronhada no rosto e teve um vaso da vista esquerda rompido. Mais ou menos dez pessoas feridas foram fazer exame de corpo de delito para entrarmos com um processo contra essa ação abusiva. Além disso, prenderam cinco integrantes do movimento. Dois deles apanharam tanto que em

BF – Qual a fonte de renda das famílias da ocupação Carlos Lamarca? Helena – Uma parte das famílias construiu vínculos com a região e já tem emprego. Outros se mantêm com trabalhos informais. Parte significativa dessas pessoas trabalha com materiais recicláveis. Estamos agora construindo uma cooperativa de catadores de materiais recicláveis. Fizemos discussões com a comunidade para definir estatutos e forma de trabalho. Essa é a fonte de renda de pelo menos 50% da ocupação. BF – Como o movimento atua hoje em nível nacional? Helena – Estamos em sete Estados. Pensamos, para este ano, ações conjuntas para potencializar a unidade nacional e criar uma reivindicação comum, que dê força ao movimento. Os trabalhos nos Estados têm avançado bastante. No Pará, estávamos com uma liminar de reintegração de posse de outra ocupação com o nome de Carlos Lamarca que também foi anulada. As coisas estão mais tran-

qüilas nos Estados onde havua problemas de liminar. No Rio de Janeiro, participamos no ano passado da Semana de Geografia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. BF – Como é a relação com os governo federal e estadual? Helena – Lidamos com as prefeituras e com poderes regionais. A última ocupação que teve uma proximidade maior foi a ocupação Chico Mendes, quando o Ministério das Cidades se fez presente. Quando sofremos a liminar de reintegração da posse da ocupação Chico Mendes, com 800 famílias, resolvemos pressionar para refazer o contato com o governo federal em uma escala mais séria, como uma organização que precisa ser considerada também, tanto como outras, como a União dos Movimentos de Moradia e a Central de Movimentos Populares. O governo tem que abrir canais de diálogo com todas as organizações legítimas, inclusive para potencializar alguns projetos e alternativas que ele próprio construiu. Existe o crédito solidário, que é uma forma de construção de moradias populares e pode ser gerido por associações de moradores. Ou seja, existe uma parceria muito maior com organizações da sociedade civil que não está sendo aproveitada exatamente por não existir um diálogo igualitário com todas as organizações de movimentos populares vinculados à moradia. Então nós pressionamos um pouco e acho que fomos vitoriosos nesse sentido, conseguimos uma resposta positiva. Mas acho que essa resposta positiva não é pontual. Agora temos que trabalhar para isso ser permanente e conseguirmos sempre dialogar com as alternativas institucionais criadas para fortalecer a luta dos trabalhadores por moradia, terra e emprego.


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De 19 a 25 de janeiro de 2006

NACIONAL FLORESTAS

Projeto polêmico aguarda votação

Hamilton Octavio de Souza

As propostas do governo para a Amazônia podem ser aprovadas este mês

Lucro crescente Governo, empresariado e mídia comercial comemoraram o “recorde” de produção de veículos em 2005, de 2,44 milhões de unidades. Porém, a capacidade instalada é de 3,5 milhões, o que mostra ociosidade. A venda de veículos no Brasil foi de 1,71 milhão, menos do que os 1,72 milhão de 1995. Na verdade, o “recorde” de exportação tem a ver com o baixo salário pago no Brasil, quatro vezes menos – por exemplo – que o salário de um operário alemão. Faz sentido. Exemplo medieval Pródigo na formulação de expressões para definir novos modos de exploração, o capitalismo neoliberal acaba de adotar o termo walmartización para se referir ao esquema da rede de supermercados Wal-Mart no sentido de rebaixar os salários e os convênios sociais de seus trabalhadores, tanto nas lojas localizadas nos Estados Unidos como em outros países onde se instala. Mais uma obra da liberdade dos mercados. Quadro negativo Sondagem feita pela Fundação Getúlio Vargas com 480 empresas industriais prevê um aumento das demissões no primeiro semestre de 2006; apenas 9% das indústrias consultadas manifestaram expectativa de crescimento nos próximos meses. Ou seja, o empresariado não está acreditando que a queda dos juros – agora eleitoralmente estimulada pelo presidente Lula – seja capaz de promover crescimento econômico no curto prazo. Esperar para ver. Posição reveladora O ministro do Trabalho afirma que o governo não tem condições de antecipar o novo salário mínimo – de R$ 350 – de maio para março. O ministro do Planejamento diz, no mesmo dia, que o governo tem condições de bancar a antecipação. Confusão geral: ministro do Trabalho não é o cargo no governo criado para defender os interesses dos trabalhadores? Em tempo de neoliberalismo, tudo acaba invertido. Bronca pública A visita do diretor do FMI, Rodrigo Rato, ao Brasil, na semana passada, foi mais reveladora do que pareceu. O representante dos banqueiros dos países ricos, em especial dos Estados Unidos, que sempre defende políticas de arrocho financeiro e fiscal, de preferência com o sacrifício dos trabalhadores e dos pobres, simplesmente surpreendeu ao dizer que o Brasil está crescendo menos do que deveria. Deu um pito em Lula, Palocci e Meirelles, que são mais realistas que o FMI. Esquemão fascista Os pré-candidatos do PSDB à Presidência disputam entre si para ver quem é mais reacionário e desumano: o prefeito José Serra implantou o apartheid e está expulsando catadores, moradores de rua e mendigos do Centro de São Paulo; já o governador Geraldo Alckmin, devidamente assessorado pelo Opus Dei, impede os familiares de visitar os menores internados nas unidades da Febem. O povo brasileiro não merece! Brado imperial Parece brincadeira, mas os Estados Unidos se consideram no direito de impedir que uma empresa multinacional sediada no Brasil, no caso a Embraer, venda seus produtos no mercado internacional. Os Estados Unidos têm muita moral para baixar essa proibição, depois que armaram os talebans no Afeganistão, as tropas de Sadan no Iraque, o Xá do Irã e dezenas de ditaduras na América Latina e na África. Resta saber se o Brasil vai acatar ou proclamar a soberania – comercial, que seja.

Dioclécio Luz de Brasília (DF)

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a Amazônia, a vida de uma pessoa às vezes é mais difícil do que a de um macaco. Principalmente se ela estiver envolvida com algum projeto social, com a luta ambiental ou com a reforma agrária. Isso porque na Amazônia a terra é grilada, os pistoleiros cobram barato para trabalhar, a retirada ilegal de madeira ocorre livremente, muitos fazendeiros se acham acima da lei e o Estado recebe listas dos marcados para morrer e eles morrem. O assassinato da missionária estadunidense Dorothy Stang, em 12 de fevereiro de 2005, foi um desses crimes anunciados. Serviu para acordar o governo, que, imediatamente (como bem disse o professor Plinio Arruda Sampaio, na época, em artigo publicado na Folha de S. Paulo) lançou um “kit tragédia”: uma série de medidas com o objetivo de mudar o cenário. Do kit fez parte o Projeto de Lei nº 4.776/05, encaminhado ao Congresso Nacional em regime de urgência. O projeto trata basicamente das concessões para exploração de madeira, outros produtos e serviços das florestas sob domínio da União, dos Estados ou dos municípios, em todo Brasil, e não somente na Amazônia. O projeto de concessão de florestas não é novo. A versão original, feita no governo Fernando Henrique Cardoso (PL 7.492/02), foi retirada de pauta por não conseguir agradar a todos os aliados. A nova versão, apresentada pela ministra Marina Silva, do Meio Ambiente (MMA), divide os movimentos sociais e as organizações não-governamentais (ONGs). Mas também divide a direita. Embora tenha perdido o regime de urgência, já passou pela Câmara e chegou ao Senado, onde consta da pauta da convocação extraordinária do Congresso deste ano, podendo ser votado a partir do dia 16. Submetido a um amplo debate no Executivo e no Legislativo, com diversos setores da sociedade, o projeto foi alterado, mas ainda é bastante polêmico. Ninguém o defende na íntegra. Boa parte dos movimentos ambientalistas da Amazônia e das ONGs acredita que o projeto tem o mérito de fazer com que o Estado, pela primeira vez, assuma o

Fotos: Envolverde

Fatos em foco

Na nova versão do projeto de concessão de florestas, apresentada pela ministra Marina Silva, Estado assumiria controle fundiário

controle fundiário, e crie condições para estabelecer um ordenamento territorial da região. Outros aspectos positivos: permitir que o Estado identifique os espaços protegidos (unidades de conservação, terras indígenas, quilombolas, etc.) e adote meios de garantir essa proteção; permitir que se estabeleça uma política para a economia florestal, saindo do caos existente hoje. Também é considerado louvável o reconhecimento dos direitos das comunidades.

PONTOS NEGATIVOS As críticas surgem no que diz respeito às concessões, que entregam ao setor privado a exploração de um bem público. A história mostra que as concessões feitas até hoje, regra geral, só têm sido vantajosas para os concessionários. Acredita-se também que o Estado não terá condições de fiscalizar as terras concedidas – a devastação ambiental seria maior porque, dessa vez, seria legitimada oficialmente. Se até hoje o Estado não fiscalizou suas terras, será que o fará agora? Os ativistas e especialistas contrários ao projeto alegam ainda que as concessões podem ampliar a biopirataria, o roubo da biodiversidade, o tráfico de animais, o desmatamento irregular. Outra preocupação é o artigo que permite aos atuais ocupantes de terras de até 2.500 hectares, em áreas de florestas públicas, conti-

nuar suas atividades econômicas por mais cinco anos, depois da lei aprovada. O projeto ajuda alguns pequenos posseiros, mas quem comemorou de verdade foram os grileiros. Reconhece-se que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi corajoso ao encarar um problema que se arrasta há séculos, sabendo que iria enfrentar a fúria do agronegócio, de olho na expansão da fronteira da soja sobre a Amazônia; das madeireiras, que precisam sustentar um negócio de interesse do país; dos grileiros, que usam todo tipo de artifício para não perder o poder de vida e de morte sobre a região e o povo do lugar; dos ambientalistas, que sabiam que a solução tinha que ter um viés preservacionista, mas também social; dos pequenos

posseiros e sem-terra, que querem respeitar o direito de viver e produzir no lugar. A madeira é o cerne da questão. Em 2004, a madeira ocupava o 12º lugar em faturamento com exportação: 2,45 bilhões de dólares. O que saiu do país ilegalmente, estima-se, pode ser dez vezes isso. Ocorre que o Brasil tem a segunda maior reserva de florestas naturais do mundo. E a Amazônia tem a maior reserva de madeira tropical do planeta. Como explorar essa riqueza sem destruí-la? O projeto talvez reduza o desmatamento. Nos últimos três anos, os índices de desmatamento têm se mantido acima de 23 mil km2, número superior aos da época da ditadura militar. A polêmica, como se nota, não se esgotará tão cedo.

Como explorar essa riqueza sem destrui-la?

As novas regras da exploração florestal Principais pontos contidos no projeto de concessões, que já está no Senado concessão de cada lote será por licitação, precedida de audiência • O primeiro Paof deve ser realizado em caráter experimental, de• Apública, de aprovação de estudo de viabilidade socioambiental. vendo ser avaliado cinco anos depois da lei aprovada. Dez anos

O edital de licitação deve definir os produtos e os serviços florestais cuja exploração será autorizada.

depois da lei aprovada a área total com concessões não poderá ultrapassar 20% do total de área de florestas públicas disponíveis para a concessão.

O governo vai definir um Plano Anual de Outorga Florestal (Paof), • O contrato de concessão florestal terá o prazo de, no mínimo, um • com a descrição de todas as florestas públicas a serem submetidas a ciclo de colheita ou exploração e, no máximo, de 40 anos. processos de concessão, no ano em que vigorar. florestas públicas ocupadas ou utilizadas pelas comunidades locais serão •Aspreviamente identificadas antes da abertura das licitações, para serem legitimadas como reserva de extrativismo, de assentamentos ou similares. julgamento da licitação deve ser feito com base no maior preço e • Omelhor técnica, entendida como menor impacto ambiental e maior benefício socioeconômico.

controle das concessões será feito pelo Instituto Brasileiro do Meio • OAmbiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), por órgãos estaduais e municipais de fiscalização ambiental e pelo Serviço Florestal Brasileiro. Pelo menos a cada cinco anos, será feita auditoria independente das concessões, custeada pelo concessionário. Deve ser criado o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal • (FNDF), destinado a fomentar o desenvolvimento de atividades sustentáveis de base florestal no país.

• É vedada a subconcessão. ser criada a Comissão de Gestão de Florestas Públicas, com• Deve O contrato de concessão deve conter a descrição de unidades de maposta por representantes do governo, empresários, trabalhadores, • nejo, dos produtos e dos serviços a serem explorados, a forma e as comunidade científica, movimentos sociais e organizações não-gocondições de exploração dos serviços e da prática do manejo florestal, indicadores da qualidade ambiental e as ações voltadas para os benefícios da comunidade local. O Paof irá definir lotes com unidades de manejo de tamanhos diver• sos, para viabilizar o acesso a pequenas e médias empresas.

vernamentais. Deve ser criado, ligado ao MMA, o Serviço Florestal Brasileiro • (SFB), com a função de órgão gestor das concessões florestais no âmbito federal. O SFB vai manter o Sistema Nacional de Informações Florestais e o Cadastro-Geral de Florestas Públicas. (DL)


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NACIONAL REFORMA AGRÁRIA

Em 2005, mais manipulação dos números Dafne Melo da Redação

U

m documento do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), obtido pela reportagem do Brasil de Fato, coloca ponto final na polêmica sobre os números da reforma agrária. Esse relatório mostra que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva assentou apenas 26,951 mil famílias em projetos criados em 2005, a partir da desapropriação de terras. Esse contingente é bem inferior às 127,506 mil famílias que o governo diz ter assentado em 2005. Mas por que os números são tão divergentes? Como mostra o próprio documento do MDA, a questão é que o governo contabiliza também como reforma agrária: projetos criados antes de 2005 e assentamentos em terras públicas. Na visão de estudiosos do campo, esses procedimentos se caracterizam como projetos de colonização, mas não de reforma agrária. É o que diz Bernardo Mançano, professor de Geografia e pesquisador da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), onde coordena o Data Luta (Banco de Dados da Luta pela Terra). O geógrafo analisa que os dados de 2005 dão continuidade ao que o governo petista tem feito desde o início de seu mandato. Segundo Mançano, do total de 245 mil famílias que diz ter assentado nestes três anos, apenas 25% são fruto de novas desapropriações, como mostrou o Brasil de Fato em reportagens anteriores. As outras 75% são de regularização e reordenamento fundiário e de projetos de colonização em terras públicas (ou seja, terras que já pertencem à União). Dessa forma, pouco se alterou na concentração fundiária no país. “A reforma agrária no Brasil não desconcentra a propriedade da terra, só impede que a concentração seja maior ainda”, avalia Mançano.

ALÉM DE METAS João Paulo Rodrigues, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), afirma que o movimento reconhece os números de famílias assentadas em 2005 como de 26,951 mil famílias. Rodrigues destaca, ainda, a importância das outras 49,203 mil famílias assentadas em terras públicas para a “regularização fundiária no país”, mas explica que não poderiam ser contabilizadas como beneficiadas por um processo de reforma agrária. “Esses dois números são legítimos, o resto é inchaço. Infelizmente, o governo Lula entrou na lógica de mostrar números a qualquer custo”, diz. O dirigente sem-terra chama a atenção para o fato de que os critérios para avaliar a realização da

Fotos: Arquivo Brasil de Fato

Documento do governo revela que número de famílias assentadas em novas terras é um quinto do anunciado

Números de famílias assentadas em 2005 foi de apenas 26,951 mil, em oposição 127,506 mil apresentados pelo governo

reforma agrária não podem ficar apenas na discussão de metas. Ou seja, precisam ser levados em conta os fatores ligados à infra-estrutura que deve ser dada aos assentamentos. Para Rodrigues, houve avanços nas áreas de educação, assistência técnica, moradia e fornecimento de energia elétrica. Por outro lado, a desapropriação de latifúndios improdutivos e a melhoria na estrutura do Estado ainda deixam muito a desejar. Outro ponto negativo é a concessão de crédito agrícola que Rodrigues avalia ser uma “política fracassada”.

ANÁLISE Para Bernardo Mançano, o projeto de reforma agrária em curso no país desde a década de 1990 não está transferindo as terras para as mãos de famílias camponesas. Segundo o professor, de 1993 a 2003, as áreas agricultáveis do agronegócio cresceram duas vezes mais do que a da agricultura camponesa, deixando claro a prioridade dos sucessivos governos. Isso explica por que é cada vez mais difícil fazer desapropriação de terras no país. “Onde o agronegócio já está bem estabelecido, como no Sul e no Sudeste, o governo tem ainda menos força para desapropriar terras”, diz Mançano. Para o geógrafo, além de cobrar metas de famílias assentadas e infra-estrutura, é necessário que os movimentos sociais invistam em um projeto político-territorial. “As metas têm que ser por número de famílias e em áreas agricultáveis”, defende o professor. Esta seria uma das maneiras de se evitar recontagem de famílias em projetos já existentes, ou seja, em territórios já desapropriados.

A reforma agrária do governo

• O número total de famílias assentadas seria de 127.506 • Deste total, apenas 26.951 famílias foram assentadas em projetos criados em 2005, em terras desapropriadas. • 31.373 famílias foram assentadas em projetos anteriores a 2005, podendo haver projetos anteriores a 2003, ou seja, durante o governo anterior.

• 69.182 famílias foram assentadas em terras públicas, ou seja, em projetos de colonização, sem desapropriação de terras, apenas com a regularização fundiária. Deste total, 19.979 famílias foram assentadas em projetos criados antes de 2005.

A reforma agrária, de fato Meta do governo para 2005: 115 mil famílias Número atingido: 26.951 famílias Região Norte meta: 34.350 famílias assentadas: 4.603 Região Nordeste meta: 39.900 famílias assentadas: 10.947 Região Centro-Oeste meta: 27.400 famílias assentadas: 7.421 Região Sudeste meta: 8.090 famílias assentadas: 3.256 Região Sul meta: 5.260 famílias assentadas: 724 famílias

SINDICATOS

Portuários unificam reivindicação Rosângela Gil de Santos (SP) No dia 10 de janeiro, na sede do Sindicato dos Operários Portuários (Sintraport), em Santos, quinhentos trabalhadores portuários reuniramse em uma assembléia histórica, que unificou as pautas de reivindicações de dez sindicatos que atuam no Porto de Santos. Compuseram a mesma mesa e dirigiram os trabalhos dirigentes dos sindicatos Sintraport, da administração portuária (Sindaport), dos guindasteiros (Sindogesp), dos conferentes, dos rodoviários, dos vigias portuários, dos trabalhadores do bloco, dos estivadores e dos consertadores, além de representantes de três federações nacionais. Desde a edição da Lei 8630, em 1993, essa foi a primeira assembléia conjunta, realizada para aprovar a primeira pauta unificada dos trabalhadores de Santos. A assembléia tem caráter permanente e a pauta já foi entregue aos patrões por meio do Sindicato dos Operadores Portuários do Estado de São Paulo. Os trabalhadores portuários

têm enfrentado muitos obstáculos para garantir direitos, valorizar as representações sindicais e lutar pela união dos trabalhadores: a armação patronal para dividir os trabalhadores, os preconceitos de dirigentes sindicais arredios com a brutal repressão que sofreram na ditadura militar e até mesmo a ação de sindicatos neófitos, que buscam dividir ainda mais e enfraquecer os sindicatos tradicionais. Nessas condições, e enfrentando todas as dificuldades, as diretorias estão conduzindo a unidade dos portuários de Santos. A campanha visa superar as divergências e as diferenças, com o objetivo de criar um embrião para a construção de um sindicato único dos portuários de Santos. As conquistas dessa campanha unificada transcendem ao Porto de Santos, responsável pela movimentação de 27% do comércio exterior brasileiro. A pauta reúne treze itens comuns a todos os segmentos de trabalhadores – entre os quais, manutenção de 1º de março como data-base, reposição da inflação, aumento real, adicionais, vale-refeição, seguro acidentes, plano de

saúde e odontológico. Também deve colocar em debate entre os trabalhadores e os operadores questões como o intervalo entre a jornadas de trabalho, a escalação eletrônica dos trabalhadores, a multifuncionalidade, o adicional de risco e o plano de participação nos lucros e resultados. Entre as várias reivindicações, destaca-se a garantia salarial diária ou mensal. Hoje, o trabalhador vai para escalação. Se conseguir trabalho, ganha, senão volta para casa de mãos vazias. A Convenção 137/73 e a Recomendação 147/72, ambas da Organização Internacional do Trabalho reconhecem esse direito. Essa questão foi alvo de Projeto de Lei do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), engavetado na Comissão do Trabalho da Câmara dos Deputados desde 1988. Marcada por enorme entusiasmo dos trabalhadores e discursos de dirigentes apontando como rumo inevitável o Sindicato Único, a assembléia propôs uma nova assembléia em local público, para uma forte campanha que não descarta paralisações em defesa dos direitos dos trabalhadores portuários.


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NACIONAL DÍVIDA PÚBLICA

Mais um rombo aberto pelos juros altos Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)

A

contabilidade oficial esconde um ralo aberto pela insistente teimosia da equipe econômica em manter a política de juros altos e que vem criando rombos e mais dívidas para o governo. Numa conta rápida, esse tal buraco oculto já consumiu ou irá consumir perto de R$ 86 bilhões, representando 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado para 2005 – ou seja, 4,5% de tudo o que o país produziu no ano passado. A sangria nas contas públicas corresponde, ainda, a toda a economia que o setor público realizou em 2005 para pagar juros (veja mais em reportagem nessa página). Para entender como isso foi possível, o leitor terá que exercitar sua paciência e boa vontade para acompanhar o raciocínio até o fim. A política de juros altos tem atraído uma verdadeira enxurrada de dólares para o mercado brasileiro, trazidos por especuladores internacionais e locais. Fala-se em quase 90 bilhões de dólares, dos quais mais de 70 bilhões de dólares estão aplicados em papéis que rendem aos investidores/ especuladores entre 32% e 35% ao ano – quase quatro vezes mais do que a pobre caderneta de poupança (que rendeu 9,2% no ano passado). Esse dinheiro não veio para criar riquezas e bem-estar para o povo, mas simplesmente para engordar os lucros de grupos econômicos e financeiros. Pois bem, com essa enxurrada de dólares, a cotação do real tem subido constantemente em relação à moeda estadunidense, encarecendo as exportações – que, no entanto, continuaram crescendo fortemente no ano passado, sob influência do avanço do comércio entre os países em todo o planeta.

DEMISSÃO Mas é ruim ter o dólar em baixa? Nem sempre. A queda pode abrir espaço para taxas de inflação menores, ao reduzir os custos de produtos importados, e para aumentos proporcionalmente maiores de salários. Ocorre que a manutenção do dólar desvalorizado penaliza setores exportadores, cujas empresas podem se ver forçadas a produzir menos e a demitir pessoal. Hoje, há quase um consenso entre economistas e analistas econômicos de que a queda do dólar chegou a um limite e o governo, portanto, deveria tomar providências para revertê-la. Por isso, o Banco Central (BC) e o Tesouro Nacional, por meio do Banco do Brasil, têm feito intervenções freqüentes no mercado financeiro nos últimos meses, comprando dólares numa tentativa (frustrada, até aqui) de provocar uma elevação nos preços da moeda e conseqüente desvalorização do real, o que estimularia as exportações. Juntos, BC e Tesouro teriam comprado algo em torno de 35,5 bilhões de dólares no ano passado – cerca de R$ 80 bilhões, em valores arredondados.

TROCA DE DÍVIDAS Esse dinheiro, obviamente, não saiu da arrecadação de impostos. BC e Tesouro emitiram papéis e venderam esses títulos a bancos, corretoras, fundos de investimento e grandes investidores em geral em troca dos reais usados para comprar dólares. Na prática, houve uma troca de uma dívida em dólares, que tinha um custo estimado em 8% ao ano, por outra dívida em reais, a um custo anual de 16%, no caso do Tesouro. Apenas essa “dívida nova” vai exigir um gasto de R$ 12,8 bilhões ao longo de 2006, levando-se em conta a estimativa de uma taxa de juros ao redor de 16% em média. Essa é a despesa “bruta”, no entanto. Como qualquer investidor, o BC também faz aplicações em

DÍVIDA MAIS QUE DOBRA Compra de dólares obriga BC a se endividar no mercado, valores em R$ bilhões Período

Valores

2000

397,481

2001

477,866

2002

532,893

2003

679,267

2004

768,821

2005*

929,901

Arquivo Brasil de Fato

Troca da dívida em dólar por outra em real traz perdas de R$ 86 bilhões; reduzir juros evitaria a despesa

(*) Novembro Fonte: Banco Central (BC)

títulos no exterior e recebe uma remuneração pelo investimento. A questão é que esta remuneração se limita a 4,5% ao ano, insuficiente para compensar o desembolso com juros da dívida em reais. No final, a despesa líquida, ou seja, depois de descontado o ganho do BC, chega a pouco mais de R$ 8 bilhões. A conta não pára por aí. Neste momento, entra em cena uma economista superconservadora, insuspeita de “radicalismos”. Segundo a professora Eliana Cardoso, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em matéria publicada pelo também insuspeito jornal Valor Econômico, se o governo tivesse simplesmente adiado o vencimento da dívida em dólares teria economizado o correspondente a quase 8% do PIB entre 2003 e 2005 (já que o barateamento do dólar faria reduzir as despesas com esse tipo de dívida). Ao recomprar a dívida no mercado, o BC conseguiu um ganho de menos de 4% do PIB. A diferença, diz a economista, deve ser contabilizada como “perda de capital”, o que significa dizer que o BC desperdiçou R$ 78 bilhões em valores de 2005. Somados aos R$ 8 bilhões desperdiçados na compra direta de dólares no mercado, os prejuízos somam, portanto, R$ 86 bilhões. Se o governo tivesse feito a opção de reduzir os juros, seria reduzida a entrada de dólares e sua cotação subiria, sem a necessidade de queimar dinheiro.

Enxurrada de dólares no mercado beneficia lucros de grupos econômicos e financeiros

A escalada Gastos acumulados em 12 meses com a dívida do setor público e da União, valores nominais em R$ bilhões Período**

Governo central

Setor público*

1998

49,857

68,335

1999

52,198

85,018

2000

47,425

81,446

2001

42,658

83,398

2002

53,240

104,682

2003

92,495

153,682

2004

72,115

125,606

2005

158,039

128,611

(*) Inclui despesas com juros do governo federal, Banco Central, governos estaduais, prefeituras e suas estatais (**) Fluxos em 12 meses até dezembro para 1998 e até novembro para demais anos Fonte: Banco Central (BC)

Juros engolem 8% das riquezas do país Em 2005, o setor público como um todo torrou quase R$ 160 bilhões – algo como 8% de todas as riquezas produzidas pelo país – apenas para pagar os juros da dívida e engordar lucros no cassino financeiro, favorecendo especuladores e grandes investidores. Uma despesa estrondosa que estranhamente não causa revoltas e muito menos manifestações de protesto de qualquer espécie. No governo federal, a conta gasto direto com juros em 2005 chegou a praticamente R$ 130 bilhões, quase dez vezes mais do que todo o dinheiro reservado pelo governo para investir em estradas, escolas, postos de saúde e outros setores igualmente essenciais ao longo de 2005. A diferença é que todo a grana dos juros foi mesmo desembolsada pela equipe econômica, que tratou de segurar o quanto pôde os recursos para investimentos. (LVF)

Despesa com serviço da dívida cresce 158% Nos 12 meses encerrados em novembro passado, o governo federal gastou R$ 128,61 bilhões com juros da dívida. Para se ter idéia da dimensão desse volume de recursos, a verba poderia ser usada para pagar uma cesta básica de R$ 300 para todos os 190 milhões de brasileiros por mais de dois anos – num total de quase 430 milhões de cestas – e ainda sobrariam uns trocados. No entanto, como os recursos foram usados para pagar os serviços da dívida, estima-se que apenas 20 mil privilegiados tenham sido “beneficiados” diretamente pelo pagamento dos juros. Entre o fim de 1998 e 2005, a conta dos juros subiu como rojão em quermesse, num salto de 158%. Apenas para comparação, a inflação oficial acumulada no período chegou a 74%, o que sig-

nifica dizer que os preços em geral não conseguiram acompanhar a evolução dos juros. Nos 12 meses de 1998, o governo central havia desembolsado menos de R$ 50 bilhões para fazer frente às despesas com juros da dívida pública. Como numa bola de neve, o valor da dívida expressa em títulos negociados todos os dias no mercado entre bancos, corretoras, fundos de previdência privada e outras instituições cresceu no mesmo ritmo dos juros. Não se trata de coincidência: como não há dinheiro para pagar toda a conta dos juros, o governo (Banco Central e Tesouro Nacional) é obrigado a emitir papéis e a vendê-los no mercado financeiro em troca de reais, contratando dívida nova para honrar os juros da “dívida velha”. Apenas a chamada dívida mo-

biliária (referente a títulos do BC e do Tesouro) subiu de R$ 397,5 bilhões em dezembro de 2000 para R$ 929,9 bilhões em novembro do 2005, num salto de 134%. A relação entre a dívida e o Produto Interno Bruto (PIB) avançou de 34,4% em 2000 para 48,1% no ano passado, correspondendo a quase metade de todas as riquezas criadas em um ano pelo país, suas empresas e habitantes. Só para dar uma medida de quanto o governo deve ao mercado, incluindo compromissos internos e externos, a dívida pública bruta (sem descontar as reservas internacionais mantidas pelo BC) praticamente dobrou desde 2000, pulando de R$ 745,8 bilhões para R$ 1,452 trilhão. Isso mesmo: trilhão, praticamente 75% do PIB. (LVF)

Contradições do pagamento ao FMI Ao mesmo tempo em que antecipou o pagamento de 15,5 bilhões de dólares ao Fundo Monetário Internacional (FMI) – uma dívida que só venceria nos próximos dois anos –, o governo federal anunciou que tomou emprestado no mercado internacional cerca de 3,5 bilhões de dólares. Essa operação estava programada só para ocorrer em 2006. “Na prática, o Brasil antecipou o pagamento de uma dívida que tinha juros de 4% ao ano e acelerou a contratação de outra, aumentando seu endividamento em títulos externos, a um custo de 10% ao ano”, afirma a segunda vice-presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Unafisco Sindical), Maria Lúcia Fattorelli Carneiro.

NOVAS DÍVIDAS Para completar a contradição, “inexplicável”, segundo Maria Lucia Fattorelli, as vendas de títulos da dívida interna para financiar a política de compra de dólares (veja reportagem acima) agravaram o endividamento interno, a um custo real (superior à inflação) de 13% em 2005. A combinação entre juros altos e queda do dólar, aponta Maria Lucia, garantiu um “rendimento de nada menos do que 35% ao ano para os investidores estrangeiros. Qual a explicação para movimentos tão contraditórios? Como justificar a antecipação e aceleração a ‘todo vapor’ da emissão de títulos se o próprio governo diz ser confortável a situação das reservas cambiais e das contas públicas, o que inclusive permitiu a antecipação do pagamento de outras dívidas junto ao FMI, Clube de Paris e até à Organização das Nações Unidas (ONU)?”, questiona a líder sindical. A vice-presidente do Unafisco Sindical critica, mais uma vez, o fato de o governo ter privilegiado a contratação de dívidas mais caras, dispensando um dinheiro mais barato, “especialmente considerando-se o sacrifício social imposto ao país, com cortes de gastos sociais e de investimentos em saúde, educação, transportes, segurança”.(LVF)


Ano 3 • número 151 • De 19 a 25 de janeiro de 2006 – 9

SEGUNDO CADERNO IMPERIALISMO

CIA mapeia movimentos da América do Sul MST e cocaleros da Bolívia aparecem no anuário 2005 da agência de inteligência dos EUA Marcelo Netto Rodrigues da Redação

MST E COCALEROS O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e os grupos cocaleros da Bolívia, por exemplo, já aparecem nominalmente no anuário mundial da CIA de 2005 no mesmo espaço reservado às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs) e ao Sendero Luminoso. Na lista feita pelo Departamento de Estado, apenas estes dois últimos são tratados abertamente como grupos terroristas. No entanto, o relatório de 2003 das ações terroristas no mundo já inclui ações do movimento indígena boliviano. A CIA iguala as organizações citadas porque o seu anuário não possui uma entrada específica que identifica quais grupos são “terroristas”. Em vez disso, a agência de inteligência coloca todas organizações em um mesmo saco denominado “grupos de pressão política”, que atuam fora da ordem institucional, mas podem tumultuá-la. Nessa mesma categoria, estão: os

De olho no Banco Central Após o 11 de setembro, é sabido que a “Guerra contra o Terrorismo” tem sido usada pelos EUA como desculpa para mapear movimentos sociais e cavar negócios para as suas transnacionais . Não é de se espantar que o anuário da CIA traga, além dos nomes de alguns líderes de movimentos sociais, os nomes de todos os presidentes dos Bancos Centrais de todos os países do mundo, atualizados semanalmente, junto aos nomes dos ministros destes países. Nesta página do anuário da CIA também estão, por exemplo, as reservas de gás já comprovadas na Bolívia, o consumo de petróleo diário do Brasil, a capacidade militar de todos os países do mundo, os desempregados de cada país, os seus parceiros econômicos. Uma gama de informações pormenorizadas impressionantes sobre o mundo produzidas pelos agentes da CIA, que nos levam a perguntar quem são e onde estão eles. (MNR)

www.cia.com

A

CIA (sigla em inglês para Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos) prepara terreno para rotular de terroristas os movimentos sociais do continente sul-americano que dão suporte aos seus presidentes eleitos que – ao menos no discurso – se proclamam de esquerda. É possível dizer que as conclusões da CIA – um órgão do governo estadunidense acostumado a derrubar governos sob o pretexto de serem ditaduras militares ou governos comunistas – permitiriam aos EUA invadir os países da América do Sul que insistirem em manter relações amistosas com tais movimentos ou, numa fase preliminar, pressioná-los com sanções econômicas. Além disso, a partir do instante em que estas organizações passam a ser tratadas como “grupos terroristas”, os seus recursos financeiros, por tabela, também estariam sujeitos a ser bloqueados em nível mundial. Em 2003, por exemplo, algumas entidades de apoio à libertação da Palestina espalhadas pela Suíça, França, Grã-Bretanha, Áustria e Líbano tiveram suas contas rastreadas e bloqueadas por associação ao terrorismo. Este procedimento está mais detalhado na página da internet do Departamento de Estado dos Estados Unidos (www.state.gov), sob o tópico “Contendo o Terrorismo no Front Econômico” (www.state.gov/s/ct/ rls/pgtrpt/2003/31750.htm).

Isto é CIA. Serviço Clandestino. As situações desafiantes que os profissionais da CIA enfrentam no Serviço Clandestino demandam alto intelecto, engenhosidade e coragem. Isto é o que faz desta carreira mais do que apenas um emprego. É uma oportunidade audaciosa em ter de encarar circunstâncias complexas e desestruturadas que pode testar a sua compreensão de história, cultura, política e economia de uma região estrangeira. Tomar decisões independentes que podem afetar de maneira significativa os resultados. Ter conhecimento do seu amor de país faz uma diferença importante para a nação. Candidatos qualificados devem possuir no mínimo um diploma universitário, de preferência com ênfase em relações internacionais/negócios, ciência ou tecnologia. Fluência numa língua estrangeira é fortemente desejada. Habilidades interpessoais excepcionais e uma sólida capacidade para a escrita são exigidas. A idade máxima para a entrada no Serviço Clandestino é 35 anos. Todos os candidatos também devem passar com sucesso num exame médico e psicológico, numa entrevista monitorada por um polígrafo (aparelho usado como detector de mentiras) e por uma extensa investigação sobre o seu passado. Cidadania estadunidense é necessária.

(Veja tradução ao lado)

rastafaris da Jamaica, os estudantes do Chile, os refugiados que vivem na Alemanha, o movimento dos camponeses do Haiti, a Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), os grupos de direitos humanos do Quênia, a Igreja Católica, entre outros.

QUINTAL DE CASA O fato é que os EUA – recentemente mais preocupados com o Oriente Médio – poderão ter no “seu quintal”, ao final das eleições previstas para 2006 na América do Sul, 7 dos 12 países do continente se firmando em tons mais avermelhados de “esquerdização” (veja mapa nesta página). Isso, sem contabilizar países como a Nicarágua (na América Central) e o México (na América do Norte), que também têm grandes chances de mudar de cor neste ano. Um cenário destes faz com que o relatório aprovado pela CPMI da Terra em novembro de 2005 – que considera a ocupação de terra um ato terrorista – possa ser usado pelos EUA como prerrogativa jurídica para considerar o MST um grupo terrorista, se esta nova configuração regional exigir.

No momento, a conjuntura brasileira não inspira maiores preocupações. Mas o mesmo já não pode ser dito em relação à Bolívia e às declarações de seu recém-eleito presidente Evo Morales que, no presente, afrontam os EUA (leia reportagem na página 11). Em relatórios oficiais, o Departamento de Estado dos EUA já relaciona o narcotráfico com os cocaleros e alguns integrantes do Movimento al Socialismo (MAS), partido de Morales. A Casa Branca pressiona para que o plantio da coca seja considerado como uma ação criminosa, o que prejudicaria a cultura milenar dos indígenas da região andina, habituados ao consumo e uso da planta. Num desses relatórios, datado de 2003, os cocaleros são tratados como “militantes ilegais plantadores de coca que parecem ser os responsáveis por vários eventos de terrorismo doméstico, e há a preocupação que eles possam estar recebendo ajuda estrangeira para tornar os seus ataques mais mortais”. Em outra passagem do mesmo documento, “dois integrantes radicais do MAS” são acusados “de espionagem, terrorismo e subversão”. O texto diz ainda que as planta-

ções ilegais de coca são vistas como um risco para que a Bolívia “volte ao seu status de principal fornecedora de cocaína, que é o que sustenta economicamente o terrorismo nos Andes”.

TERRORISMO Esta insistência dos EUA em forjar elos de ligação entre movimentos nacionais e “uma ajuda estrangeira” – como descrito acima no caso dos cocaleros, e quando em 2005, funcionários da Embaixada dos EUA tentaram associar o MST às Farcs, em Pernambuco – encontra sua razão de ser na definição da CIA para “grupos terroristas”. Para a agência estadunidense, este termo é destinado a “qualquer grupo que pratica, ou possui subgrupos significantes que praticam, terrorismo internacional”, envolvendo “o território ou os cidadãos de mais de um país”. Fora isso, o termo “terrorismo” acaba recebendo uma definição muito mais indiscriminada: “Violência premeditada, motivada politicamente contra alvos não-combatentes por grupos subnacionais ou agentes clandestinos, normalmente com a intenção de influenciar um público”.

Países que se proclamam de esquerda Países que podem eleger “presidentes de esquerda” ainda este ano

Países que (ao menos no discurso) se proclamam de esquerda Argentina: Néstor Kirchner Bolívia: Evo Morales Brasil: Luiz Inácio Lula da Silva (eleições em 1º de outubro de 2006) Chile: Michele Bachelet Uruguai: Tabaré Vázquez Venezuela: Hugo Chávez (eleições em 3 de dezembro de 2006) País que pode eleger novo presidente “de esquerda” ainda este ano Peru: Ollanta Humala, em 9 de abril de 2006 Países que até o instante não apresentam chances reais de “esquerdização” Colômbia: Álvaro Uribe (eleições em maio de 2006) Equador: Alfredo Palacio (eleições em outubro 2006) Guiana: Bharrat Jagdeo (eleições em março de 2006) Paraguai: Nicanor Duarte Suriname: Runaldo Venetiaan *A Guiana Francesa – também parte do continente sulamericano – não é um país independente, e por isso, não consta na relação dos 12 países da América do Sul. A Guiana, que faz fronteira com o Brasil, pertence à França e, portanto, integra a União Européia – utilizando inclusive o euro como moeda oficial desde 1º de janeiro de 2002.

Nono lugar na preferência dos jovens Uma dona de casa especialista em informática, muito religiosa, do interior dos Estados Unidos deixa escapar que foi funcionária da CIA por muitos anos. Um nigeriano que se apresenta como espião da CIA diz que passou anos na Coréia do Sul, numa espécie de pombo-correio, viajando de duas em duas semanas para a Coréia do Norte disfarçado de turista para retirar informações daquele país auxiliado por um passaporte estadunidense. Um indígena equatoriano, que andava pelos corredores da ONU passando-se por jornalista e dizia ser representante dos povos de seu país, consegue modificar as atas de uma reunião na Suíça entre organizações da sociedade civil da América Latina para incluir cubanos anticastristas como parte dos seus representantes. As três histórias acima parecem ser extraída de filmes, mas são reais e foram testemunhadas por este repórter. A CIA não divulga quantos

espiões trabalham para ela, e nem qual é o orçamento da agência. Mas para termos uma idéia, em 1953, apenas seis anos depois de criada, a CIA já empregava dez mil pessoas.

GAYS E LÉSBICAS Em 2005, a CIA ocupou o 9º lugar em interesse de trabalho numa pesquisa feita entre 29 mil estudantes de 123 universidades dos Estados Unidos. A agência oferece, hoje, mais de 120 funções com salários médios de 80 mil dólares/ano (o equivalente a R$ 15 mil mensais). Entre as vagas disponíveis, aparecem oportunidades para psiquiatras, geógrafos e analistas de mídia internacional, que têm a tarefa de acessar páginas da internet, jornais, agências de notícias, televisão e rádio estrangeiras, coletando informações de interesses para os EUA. Isso sem citar as ofertas destinadas aos espiões que terão o desafio de se infiltrar em redes “terroristas”. Um esforço que, segundo a CIA, “exige treiná-los na língua da

organização, dispô-los nesta outra cultura e dar-lhes todo o apoio nesta difícil missão”. O número de escritórios que a CIA tem pelo mundo é desconhecido, apesar da recente revelação de que a agência tem prisões secretas no mínimo em oito países. Segundo relatório da entidade Human Rights Watch (do inglês, Observatório de Direitos Humanos), cerca de 26 prisioneiros encontram-se nestes locais.

ATO PATRIOTA A discrição é mantida também dentro dos EUA. Antes da queda das torres do World Trade Center, ninguém desconfiava que lá funcionava um escritório “que era usado para espionar e recrutar diplomatas que trabalhavam nas Nações Unidas (...) mantendo contato com executivos de ponta dos EUA, que dividiam seus informes com a CIA após suas viagens internacionais de negócios”, como noticiou o jornal The Washington Post. A Câmara Baixa dos EUA aca-

bou de prorrogar o Ato Patriota até o dia 3 de fevereiro. Assinado por Bush após os ataques a Nova York, o decreto que ampliou o poder do governo federal para grampear telefones e realizar buscas secretas corre o risco de não ser mais renovado. Hoje, juridicamente respaldado por ele, o governo pode, por exemplo, apreender confidencialmente livros que foram emprestados de bibliotecas por cidadãos suspeitos – atitude até mesmo contrária às leis que regem o código de conduta da CIA, que não permitem que cidadãos estadunidenses sejam espionados. Quem for curioso o bastante para checar as informações contidas nesta reportagem, basta entrar em www.cia.gov, sabendo que qualquer pessoa que acesse a página estará “expressamente consentindo em ser monitorada” contra tentativas de mudar o seu conteúdo, como alerta um dos seus avisos de segurança. (MNR)


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INTERNACIONAL LIVRE-COMÉRCIO

A traição brasileira na retomada da OMC João Alexandre Peschanski da Redação

Indymedia/UK

Para pesquisador, Brasil e Índia fizeram com que países subdesenvolvidos aceitassem acordos desfavoráveis

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e líder dos países subdesenvolvidos e pobres a representante do status quo. Essa foi a trajetória da atuação da diplomacia brasileira que se consolidou na 6ª Reunião Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Hong Kong, entre 13 e 18 de dezembro de 2005. “O ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) operacionalizou, juntamente com o ministro do Comércio e da Indústria da Índia, Kamal Nath, a sobrevida da OMC”, analisa o sociólogo filipino Walden Bello, da ONG Foco no Sul Global (tradução livre de Focus on the Global South). Na avaliação do pesquisador, os governos de Brasil e Índia usaram a sua reputação para convencer nações subdesenvolvidas a aceitarem um acordo na organização. Bello avalia que os movimentos sociais e as ONGs brasileiras devem reforçar a luta contra a OMC para “impedir que o Brasil se alinhe aos interesses das grandes potências”. O pesquisador participou dos protestos realizados durante o encontro da OMC em Hong Kong e presenciou a ação arbitrária da polícia chinesa que deteve centenas de ativistas – 14 deles ainda estão presos em Hong Kong (veja matéria nesta página). Brasil de Fato – Qual foi o desfecho do encontro da OMC, em Hong Kong? Walden Bello – Houve concessões substanciais dos países subdesenvolvidos, nas negociações. Tanto no que diz respeito aos serviços quanto ao Acesso aos Mercados para os Produtos Não-Agrícolas (da sigla em inglês, Nama) e à agricultura. Os países desenvolvidos saíram beneficiados das negociações. BF – Que concessões foram feitas? Bello – O objetivo das grandes potências foi criar mecanismos para manter a OMC viva. Estruturou-se o terreno institucional para negociações futuras. Um terceiro colapso, após os das reuniões em Seattle, em 1999, e Cancún, em 2003, seria o fim da OMC. Em Hong Kong, os resultados não foram modestos, as análises brasileiras têm dito, por exemplo. O principal acordo, que prejudica os países subdesenvolvidos, é a OMC continuar viva e disposta a seguir a agenda da Rodada de Doha.

Indymedia/UK

BF – Por que os países subdesenvolvidos fizeram concessões que vão contra seus interesses?

Quem é Professor de sociologia e administração pública na Universidade das Filipinas, Walden Bello é diretor da ONG Foco no Sul Global (Focus on the Global South), que pesquisa os impactos da globalização nos países subdesenvolvidos. É autor de diversos livros, como Desglobalização (Editora Vozes, 2003).

Em encontro da Organização Mundial do Comércio, em Hong Kong, os países subdesenvolvidos fizeram concessões que beneficiaram apenas as grandes potências

Bello – Os países desenvolvidos não se mostraram dispostos a fazer concessões, especialmente em relação à agricultura. Os Estados Unidos e a União Européia não pretendem acabar com seus subsídios agrícolas – e isso poderia ter emperrado o encontro de Hong Kong. A tarefa de ressuscitar a OMC ficou para os países subdesenvolvidos. E isso só era possível se esses países expusessem sua vontade de negociar acordos comerciais. Os Estados Unidos e a União Européia pressionaram para que os países subdesenvolvidos adotassem essa linha de ação. Concessões foram feitas, principalmente para a expansão da privatização de serviços e a estipulação de regras mais definidas para o Nama.

Agora que Brasil e Índia decidiram participar do status quo, outros países vão tomar a liderança dos grupos de países em desenvolvimento BF – Os grupos dos países subdesenvolvidos, como o G-20, não agiram para barrar as negociações? Bello – Pelo contrário. As duas principais lideranças do G-20, Brasil e Índia, pressionaram os países subdesenvolvidos para aceitar os termos das negociações. Usaram de sua influência para convencer os outros países. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, teve um papel decisivo para garantir o desfecho do encontro. O nome dele está na maioria das listas de presença das principais reuniões e dos documentos fundamentais divulgados em Hong Kong. Ele operacionalizou, juntamente com o ministro do Comércio e da Indústria da Índia, Kamal Nath, a sobrevida da OMC. O Brasil e a Índia chegaram a Hong Kong preparados para fazer um acordo, e conseguiram pressionar os países subdesenvolvidos para o seu lado. É ainda preciso analisar o que os dois países ganharam com essa estratégia. Não houve ganhos substanciais, a não ser o reconhecimento – por parte das grandes potências – de que ambos se tornaram decisivos no jogo de poder dentro da OMC. BF – Os líderes políticos brasileiros e indianos ganharam pontos. E o que ganhou a população desses países?

Bello – Ganhou pouco. Pode-se até questionar se, de fato, ganhou algo. No caso do Brasil, o agronegócio se beneficiou, mas não se pode dizer que isso seja bom para a população brasileira. No entanto, em relação ao Nama e às negociações sobre os serviços, o impacto para o Brasil é muito ruim. Fazendo um balanço, o Brasil sai pior do que entrou na OMC. Ganhou força na estrutura de poder, participando de um grupo que pretende determinar a agenda de negociações da OMC: o Novo Quadrado. Integram o grupo, além do Brasil, Índia, Estados Unidos e União Européia. BF – Como Amorim e Nath conseguiram convencer os países subdesenvolvidos a aceitar negociações que os prejudicaram? Bello – Convenceram os países menos desenvolvidos a aceitar uma série de acordos comerciais. Chamaram-na pacote de desenvolvimento, dizendo que estimularia o crescimento econômico. No entanto, é um mecanismo para aumentar o endividamento dos países pobres, ou seja, aumentar sua dependência em relação aos países ricos. Brasil e Índia fizeram uso de seu prestígio para pressionar os países subdesenvolvidos a aceitarem os termos das negociações e silenciarem os descontentes, como Indonésia, África do Sul e Venezuela.

mais concessões. Vai haver realinhamentos na estrutura de poder da OMC, e até da política internacional, com o que houve em Hong Kong. Agora que Brasil e Índia decidiram participar do status quo, outros países vão tomar a liderança dos grupos de países subdesenvolvidos.

Os movimentos sociais brasileiros têm dado grande atenção à luta contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), mas não têm dado grande importância às negociações na OMC BF – Qual o papel do Novo Quadrado, nessa conjuntura? Bello – Vão determinar a agenda de negociações e pressionar para que seja aceita. Vão expor

BF – Quais os próximos passos das negociações realizadas em Hong Kong? Bello – Em 2006, querem consolidar o aparato institucional para permitir o avanço das negociações da Rodada de Doha. Vai haver pressão para que os países em desenvolvimento façam

BF – A nova estrutura de poder dentro da OMC e da política global muda a estratégia dos movimentos sociais? Bello – Mostra aos movimentos sociais, especialmente na Índia e no Brasil, que têm de aperfeiçoar seus métodos de oposição à OMC. Têm que avaliar a linha de ação de seus políticos na organização. Os movimentos sociais brasileiros têm dado grande atenção à luta contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), mas não têm dado grande importância às negociações na OMC. O resultado, em parte, é a linha adotada por Amorim em Hong Kong. O governo brasileiro teria agido de modo diferente, mais defensivo, se estivesse sendo pressionado por movimentos sociais e ONGs. Mais do que nunca a sociedade brasileira precisa se preparar para resistir às negociações na OMC, pois é a única capaz de impedir que o Brasil se alinhe aos interesses das grandes potências.

PRESOS POLÍTICOS

Detidos em Hong Kong começam greve de fome da Redação

BF – Soa como se os governos brasileiro e indiano tivessem traído os países pobres, que contavam com eles. Bello – Isso é muito claro. Brasil e Índia neutralizaram grupos de insatisfeitos com os rumos das negociações, como o chamado Nama 11 que exigia, em contrapartida de uma expansão da liberalização da indústria e da pesca, concessões em agricultura por parte dos países desenvolvidos. Em relação aos serviços, a África do Sul e a Indonésia, que estavam relutantes em negociar, foram pressionados para aceitar acordos. O Brasil e a Índia traíram os interesses do G-20. Também isolaram Cuba e Venezuela de tal modo que a posição desses países – contrária às concessões desequilibradas – não surtissem impactos.

os limites da política comercial internacional.

Doze dos 14 detidos dia 17 de dezembro do ano passado, em manifestações contra a Organização Mundial do Comércio (OMC), em Hong Kong (China), iniciaram, dia 5, uma greve de fome. Os presos políticos querem chamar atenção da opinião pública para a injustiça do ato autoritário do governo chinês e reforçar as razões que os levaram a protestar contra as políticas neoliberais adotadas pela OMC, à revelia dos interesses dos trabalhadores, principais afetados pelas decisões da organização. Um comunicado dos presos – entre os quais estão provenientes da China Continetal, da Coréia do Sul, de Taiwan e do Japão – pede que as pessoas participem de ações de respaldo à greve, que não tem data para terminar. Uma dessas ações é o envio maciço de cartas pedindo a imediata libertação dos ativistas (endereçar para Mr. Donald Tsang, Chief Executive Special Administrative Region of Hong Kong, pelo fax 8522509-0577, ou pelo correio eletrônico ceo@ceo.gov.hk, com cópia para o Comitê Internacional pela Libertação dos Presos, nos endereços eletrônicos antiwto2005@naver.com e hkpa.documentation@gmail.com

Durante as mobilizações de dezembro, na reunião do OMC ocorrida em Hong Kong, foram presas, inicialmente, 1.300 pessoas de vários países, que questionavam as negociações comerciais prejudiciais aos camponeses, aos trabalhadores urbanos e aos recursos naturais de todo o mundo. Foram manifestações similares às realizadas em conferências ministeriais anteriores, ocorridas em Seattle (Estados Unidos), Doha (Catar) e Cancún (México). A polícia chinesa, porém, reprimiu os manifestantes com o uso excessivo de força, empregando gases e bastões de choque elétrico, entre outros instrumentos. Houve numerosas violações aos direitos humanos dos detidos, documentadas por organizações de direitos humanos internacionais. As organizações sociais que organizam uma campanha mundial pela libertação dos presos – a Via Campesina, a Confederação Coreana de Sindicatos, a Liga Camponesa de Sindicatos, entre outras – consideram que eles são, na realidade, “os primeiros presos políticos globalizados” pois não estão encarcerados por se opor a um governo nacional, mas “por ter se manifestado contra a instituição antidemocrática da OMC”. (Com agências internacionais)


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AMÉRICA LATINA ENERGIA

A Bolívia para os bolivianos Bel Mercês de Brasília (DF)

O

presidente eleito da Bolívia, Evo Morales, se encontrou no dia 14 com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília, para discutir como ficará a situação da Petrobras no país vizinho. Em uma reunião, da qual também participou o presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli de Azevedo, o indígena Morales reafirmou uma de suas bandeiras de campanha: a nacionalização dos hidrocarburetos bolivianos. Tal medida afeta os interesses da estatal brasileira que controla boa parte desses recursos energéticos no país vizinho. A Bolívia possui a segunda maior reserva de gás da América Latina, atrás da Venezuela, e a Petrobras é a empresa que mais investe no país e detém 18 % do Produto Interno Bruto (PIB) local. Morales chegou ao Brasil após um giro por alguns países antes de sua posse, prevista para 22 de janeiro. O líder cocalero passou por Cuba, Venezuela, Espanha, França, Bélgica, Holanda e China antes de desembarcar em Brasília. Com esses encontros, Morales – o primeiro representante da imensa maioria indígena a chegar à Presidência – procurou abrir novos canais diplomáticos com a Europa, a Ásia e o continente latinoamericano. O objetivo é reduzir a histórica dependência boliviana em relação à economia dos Estados Unidos. Uma das conquistas do presidente eleito foi a decisão do primeiro-ministro da Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero, de cancelar a dívida da Bolívia.

Domingos Tadeu/PR

Em visita ao Brasil, Evo Morales diz que Petrobras não será dona do petróleo e do gás bolivianos

O presidente Lula recebe o presidente eleito da Bolívia, Evo Morales, no Palácio do Planalto. A situação da Petrobras estava entre os assuntos da pauta

No Brasil, Lula e Morales trataram de assuntos como perspectivas comerciais, investimentos mútuos futuros, programas sociais e, principalmente, sobre a exploração dos recursos energéticos bolivianos exercida pela empresa brasileira.

ENERGIA Em coletiva de imprensa, Morales afirmou que, por meio da revisão dos contratos com as empresas que exploram os recursos de seu país, será garantida uma maior participação do poder público: “Na Bolívia, vamos exercer o direito de propriedade, fundamentalmente sobre nossos recursos naturais. Esse é o grande pedido do povo boliviano”.

Segundo Morales, a Petrobras será apenas sócia de uma nova empresa já criada pelo governo para exploração dos hidrocarburetos, a Yacimientos Petroliferos Fiscales Bolivianos (YPFB). “A Petrobras será sócia, e não dona dos nossos recursos naturais. E assim se dará essa inversão: as empresas, sejam elas públicas, privadas ou estatais, têm o direito de ser apenas sócias. Precisamos criar uma economia estável e digna para nosso povo”, defendeu Morales.

LIVRE-COMÉRCIO Questionado sobre a entrada da Bolívia no Mercosul, o presidente eleito afirmou que essa é uma posi-

ção soberana de seu país. “É importante a unidade e integração regional”, alegou. O boliviano foi categórico ao dizer que vai analisar se as soluções de livre-comércio existentes nas Américas – tanto o Mercosul quanto a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e o Tratado de Livre Comércio (TLC) – são bemvindas para os produtores, microempresários, redes comunitárias, associações e cooperativas bolivianas. “Estou seguro que políticas que só visam beneficiar as empresas que recebem subvenção de seus governos para ter os produtos mais baratos em outros países não resolvem o problema econômico e a necessidade de meu país”, explicou.

O presidente eleito da Bolívia também confirmou que o Exército nacional efetuou uma denúncia sobre o possível desaparecimento de mísseis comprados da China, que teriam sido entregues pelo atual presidente boliviano Eduardo Rodrigues Veltze aos Estados Unidos. “Um general denunciou oportunamente que o presidente estava pressionando para que entregassem os mísseis aos Estados Unidos. O MAS (Movimiento Al Socialismo, partido de Morales) começou a investigar e vamos continuar, porque se trata de respeitar forças armadas que defendem o território nacional”, respondeu.

CHILE

Michelle Bachellet administrará o neoliberalismo O segundo turno das eleições presidenciais no Chile gerou polêmica e dúvida entre os partidos e movimentos de esquerda. Apoiar ou não a eleição de Michelle Bachelet? O Partido Comunista decidiu apoiar desde que a candidata se comprometesse a cumprir cinco pontos de uma amena agenda de negociação. O Partido Humanista, de Tomás Hirsch, que disputou o primeiro turno do pleito, mais do que negar apoio, convocou a população ao voto nulo. No domingo, dia 15, quando os chilenos foram às urnas e deram a vitória à candidata Michelle (54% ante os 46% de seu adversário Sebastián Piñera), Hirsch concedeu essa entrevista ao Brasil de Fato e explicou por que negou seu apoio à presidente eleita: “Não estamos dispostos a apoiar o neoliberalismo”. Brasil de Fato – Por que o seu Partido convocou a população chilena a votar nulo nas eleições presidenciais? Tomás Hirsch – A coalizão Junto Podemos (que reuniu os Verdes e o Partico Comunista) e nós, do Partido Humanista, fizemos um trabalho e um chamado ao voto nulo, branco ou abstenção porque não estávamos e não estamos dispostos e não acreditamos que seja bom apoiar a continuidade e o aprofundamento do modelo neoliberal que a Concertação vem aplicando no país há mais de 15 anos. Tivemos um respaldo considerável de votos brancos e nulos. Fizemos esse chamado, pela esquerda, porque o modelo neoliberal tem sido aplicado com tal dureza e rigor no nosso país que as transnacionais tiveram

em uma sociedade anônima, com vagas para acionistas, cargos de diretórios que se repartem os dividendos. A Concertação não tem absolutamente nada de processo social, de transformação da sociedade, de revolução. Parece-me bastante grave seguir postergando as necessidades dos que têm sido maltratados durante todos esses anos. A Concertação tem sido uma grande administradora do modelo neoliberal. A direita econômica nunca esteve tão contente como nos últimos anos do governo Lagos. Nunca tiveram tantos benefícios e um campo tão aberto para fazer o que desejavam.

Domingos Tadeu/PR

Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)

resultados que nunca puderam imaginar na sua história. BF – Então, para o senhor, o governo eleito terá o papel de administrar o neoliberalismo? Hirsh – Isso é o mais claro. A continuidade da Concertação significa mais do mesmo. Significa que as mesmas politicas de privatizações, de Tratados de Livre Comércio (TLC), de aliança com o poder dos Estados Unidos e de dar ao poder financeiro atribuições ilimitadas continuará sendo aplicada. Lagos (Ricardo Lagos, atual presidente) realizou uma excelente campanha publicitária para o exterior se fazendo como representante de um governo progressista, mas na realidade as políticas utilizadas no país são para favorecer os interesses do grande capital internacional. BF – Quais têm sido as conseqüências da aplicação do TLC firmado com os Estados Unidos? Hirsh – O TLC significou con-

centração de renda e acentuou as dificuldades para distribuição dos ingressos. Isso tem afetado principalmente os pequenos agricultores, pequenos industriais e comerciantes nacionais porque o acordo os deixa completamente desprotegidos frente às grandes corporações transnacionais. O tratado permite que o capital internacional entre e saia livremente. Tem a possibilidade de investir no país a custos baixíssimos, com isenção tributária e uma série de facilidades. Além do que, não tem que cumprir a legislação que, sim, é aplicada aos produtores nacionais. BF – Alguns movimentos sociais chilenos consideravam que com Michelle Bachelet seria aberta uma lacuna para uma nova ascensão dos movimentos de massas. O senhor concorda ? Hirsh – Não podemos nos confundir. Faz muito tempo que a Concertação deixou de ser um projeto social para se converter

BF – Diante desse cenário, qual a tarefa que se impõe aos movimentos sociais e aos partidos de esquerda? Hirsh – Hoje estamos reafirmando o compromisso do Juntos Podemos. Esse foi o maior acordo que a esquerda chilena tem visto nos últimos 30 anos. Reunimos todas as organizações políticas, sociais, éticas, religiosas, que pertencem à esquerda e ao campo progressista chileno e vamos seguir trabalhando para levantar um projeto alternativo como oposição construtiva e com mobilização permanente levantando as bandeiras de reivindicação dos nossos trabalhadores, dos nossos povos. Esse resultado eleitoral reafirma a necessidade e a importância de manter esse compromisso. BF – A situação chilena é antagônica aos processos que estão ocorrendo na América Latina. Como o senhor avalia essa conjuntura? Hirsh – O restante da América Latina nos está dando uma lição

de como os povos começam a se levantar e colocam como centrais as suas visões, suas necessidades, suas realidades humanas postergadas durante décadas. O povo boliviano tem dado uma clara mostra de que os povos necessitam lutar pelo o que querem e a lição é a vitória do Evo Morales, assim como o povo venezuelano que junto com o presidente (Hugo) Chávez tem mostrado essa vocação bolivariana de integração política, econômica, comunicacional, energética, humana. Essa direção nos inspira a continuar trabalhando. Não tenho dúvida de que hoje em dia nenhum país pode dar sua resposta ao neoliberalismo de maneira isolada. A única direção possível é a integração latinoamericana.

Quem é Tomás Hirsch foi um dos fundadores do Partido Humanista (PH), primeiro partido legalizado no Chile como instrumento de luta não-violenta contra a ditadura de Pinochet. Ex-dirigente nacional do “Movimento por Eleições Livres” durante o regime militar, Hirsch participou do primeiro turno das eleições presidenciais pelo PH.


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INTERNACIONAL FÓRUM SOCIAL

A vez e a voz da África para o mundo Igor Ojeda da Redação

S

ob o lema “Reconstrução do front do sul, 50 anos depois de Bandung”, estava previsto para ter início, no dia 19, o Fórum Social Mundial Policêntrico de Bamako, capital do Mali, país do oeste da África. A referência é promissora. Realizada em abril de 1955, na Indonésia, a histórica Conferência de Bandung reuniu 29 países da Ásia e da África, recém-saídos de processos de independência. Declararam-se independentes ao bloco capitalista e ao soviético. Manifestaram sua oposição ao neocolonialismo e ao imperialismo. E estabeleceram um programa mínimo comum: a descolonização política dos dois continentes, como etapa inicial de um processo que culminaria na libertação econômica, cultural e social. Meio século mais tarde, a realização de um Fórum Social Mundial (FSM) na África pela primeira vez colocará em destaque as demandas sociais dos povos mais sofridos do mundo. De acordo com a página do Fórum na internet (www.fsmmali.org), “o encontro irá oferecer às forças progressivas africanas a primeira oportunidade de fato de verem suas lutas e alternativas inseridas na busca global da construção de um mundo justo. Irá libertar o povo africano da pressão política e institucional a que ele foi submetido até agora por parte dos países ricos e das instituições financeiras internacionais”.

Francisco Rojas

Pela primeira vez, uma mobilização vai expor o conjunto das demandas sociais de povos marcados pelo sofrimento

Continente mais marginalizado do mundo, a África terá pela primeira vez a oportunidade de unir as lutas de seus movimentos sociais

internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT), concorda: “É muito importante que haja um FSM no continente mais atingido pelas mazelas da globalização”. Para ele, após o evento, quando haverá a discussão da luta contra a globalização, “os africanos terão mais força para questionar outros processos regionais”. Organizado sob a Carta de Princípios do Fórum Social Mundial aprovada pelo Conselho Internacional, em 10 de julho de 2001, o fórum de Bamako – que irá até o dia 23 – terá como pauta basicamente as mesmas discussões dos demais fóruns policêntricos. Entre

PAUTAS PRÓPRIAS Gustavo Codas, integrante do Comitê Organizador do Fórum e integrante da secretaria de relações

elas, guerra e militarização; globalização liberal; marginalização dos camponeses; aliança entre os sistemas patriarcal e neoliberal e comércio internacional e dívida. Apesar dos temas principais derivarem diretamente das demandas comuns dos movimentos sociais de todo o mundo, estes serão discutidos sob uma visão particular da África. O ativista Vitalis Mejia acredita que temas mais localizados, como a luta contra a Aids e a necessidade do fim da corrupção nos governos africanos também serão abordados. “O foco da conferência está voltado para as críticas à agenda neoliberal. Isso não significa que o HIV/Aids

e a governabilidade tenham sido descartados, mas sim que serão discutidos dentro de uma perspectiva mais ampla”, disse Mejia, que trabalha para a Rede da África sobre Dívida e Desenvolvimento.

GOVERNOS FRACASSADOS Ayesha Kajee, do Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais, concorda com os danos que os diversos governos africanos causaram e ainda causam ao continente. Para ela, o neoliberalismo não é o único culpado: “É um bode expiatório fácil. Temos de aceitar a responsabilidade pelos fracassos de nossos líderes”.

Mais de 600 atividades estão inscritas. Segundo os organizadores, o encontro de Bamako “fincará raízes no solo cultural” africano e de Mali. Um fórum de cultura também será realizado, com o objetivo de fazer a conexão entre as questões mundiais e do continente. Com o objetivo de aproximar o fórum da população de Bamako, o espaço do Território Social Mundial será amplo e descentralizado, de maneira que as atividades sejam realizadas em diferentes lugares da cidade. (Com informações da IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br. Colaboraram Moyiga Nduru, de Johannesburgo, e Tatiana Merlino, da Redação)

SUDÃO

ONU vai ampliar força de paz em Darfur A Organização das Nações Unidas (ONU), que dia 13 comemorou o 55º aniversário da Convenção para a Prevenção e Sanção do Crime de Genocídio, prepara um plano para enviar uma força de paz que freie os contínuos ataques na região sudanesa de Darfur. A crise nesse reino independente anexado pelo Sudão em 1917 começou na década de 1970 como uma disputa pelas terras de pastoreio entre nômades árabes e agricultores indígenas negros, ambos muçulmanos. Dois milhões de refugiados e 400 mil mortos é o saldo desse conflito nessa região do Sudão desde fevereiro de 2003, quando o país entrou em guerra civil. Isso ocorreu quando guerrilheiros negros responderam aos ataques da milícia Janjaweed (Homens a cavalo, em árabe), que é apoiada pelo regime islâmico de Cartum. Os Janjaweed são acusados de promover uma campanha de limpeza étnica contra três tribos negras que apoiavam os rebeldes do Exército para a Libertação do Sudão e o Movimento pela Justiça e a Igualdade. A atual força da União Africana (UA) em Darfur, com sete mil soldados de nações desse continente, ficará em breve sem recursos para financiar seu orçamento de 17 milhões de dólares mensais, e os doadores não renovaram seus compromissos para o futuro.

REFORÇOS A UA, com sede em Addis Abeba, divulgou na semana passada um relatório indicando sua disposição de passar a missão de paz para a ONU. “Chegou o momento de fazer um pronunciamento sobre o futuro

pida. Assim, seria um tipo diferente de estrutura”, afirmou Annan. Além disso, uma força mais ampla também necessitaria de equipamento muito sofisticado e apoio logístico. A atual força da UA tem apenas tropas africanas, mas a da ONU contará com contingentes de outras regiões. “Queremos que os governos com capacidade militar se unam” à missão de paz, disse. Espera-se que a UA tome uma decisão final sobre o futuro de sua missão em Darfur. “Inclusive, se formos assumir o controle, não poderá ser em março, porque haverá um prazo de amadurecimento. Não deveríamos ter uma brecha entre as duas forças”, acrescentou. Há cerca de duas semanas, Annan se queixou do lento deslocamento de tropas por parte da missão de paz da ONU, que acontece no Sudão meridional.

Unicef

Thalif Deen de Nova York (EUA)

SEM CONTINGENTE

População de Darfur recebe alimentos e medicamentos do Fundo da ONU

da missão da UA em Darfur e as maneiras e meios de adaptá-la aos desafios atuais, incluindo a passada para as Nações Unidas no momento apropriado”, diz o comunicado. O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, disse que a UA expressara sua vontade de permanecer no Sudão entre nove e 12 meses, “desde que a comunidade de doadores forneça os recursos necessários e apoio logístico. Se esse apoio não chegar, em março ficarão sem dinheiro”, advertiu. “Obviamente, a comunidade internacional não pode permitir

que essa situação fique sem ser abordada, e o mais provável é que tenhamos de considerar outras opções, incluindo a possibilidade de a ONU trabalhar com a UA para isso”, acrescentou Annan. O secretário da ONU também afirmou que, se a ONU se envolver em Darfur, estruturará a força militar de maneira diferente. O Sudão é um território grande, avaliou. “E penso que qualquer força com esse tipo de mandato tem de ser móvel, ter apoio aéreo tático, helicópteros e capacidade de resposta muito rá-

“O ritmo do deslocamento militar da ONU aumentou, mas está atrasado, por causa de demoras no processo de obtenção de forças”, disse Annan em um relatório ao Conselho de Segurança. Em meados de dezembro, o número de soldados da missão da ONU no Sudão era de apenas 4.291, 40% de um total previsto entre 9.880 e 10 mil. Segundo os planos atuais, a quantidade total de pessoal militar enviado deveria passar dos sete mil até meados do próximo mês. “Entretanto, isso está muito abaixo dos requisitos previstos”, alertou Annan. A missão das Nações Unidas no Sudão foi estabelecida em março de 2005 para controlar a implementação do acordo de paz que pôs fim a uma longa guerra civil no sul do Sudão.

A missão da ONU também colaborou com as forças da UA no controle da situação em Darfur, onde a violência e os crimes de guerra seguem impunes. A Convenção para a Prevenção do Genocídio tinha por objetivo impedir crimes de guerra, limpeza étnica e sérias violações dos direitos humanos e da lei humanitária, recordou o secretário-geral. No ano passado, na Cúpula Mundial 2005, realizada em setembro, em Nova York, os líderes mundiais afirmaram coletivamente a responsabilidade de cada Estado individualmente de proteger sua população do genocídio, dos crimes de guerra, da limpeza étnica e dos crimes contra a humanidade, acrescentou. Evocando os “fracassos coletivos” da ONU “em lugares como Ruanda e Srebrenica”, Annan disse esperar que nunca mais tantas vidas fiquem por um fio. Annan se referia ao massacre cometido em Ruanda em junho de 1994, por integrantes da etnia hutu, contra cerca de 800 mil tutsis e hutus moderados, e ao assassinato de cerca de oito mil jovens e adultos bósnios muçulmanos, em julho de 1995, por uma milícia sérvio-bósnia apoiada pela Sérvia, na cidade de Srebrenica, leste da Bósnia-Herzegoniva, que estava sob proteção das Nações Unidas. “Os Estados Unidos são o único governo que reconheceu que em Darfur ocorria um genocídio, e está aumentando a pressão por uma nova resolução do Conselho de Segurança que atenda à deteriorada situação” nessa região, disse Ann-Louise Colgan, diretora de análise política e comunicações da África Action, uma organização não-governamental com sede em Washington. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)


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AMÉRICA LATINA FÓRUM SOCIAL MUNDIAL

No embalo dos ventos bolivarianos Claudia Jardim e Tatiana Merlino de Caracas (Venezuela) e da Redação

Francisco Rojas

Movimentos sociais se encontram na Venezuela com o desafio de construir, de fato, uma agenda antiimperialista

Fórum Social Mundial 2006

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e Porto Alegre a Caracas. A capital gaúcha, sede do Fórum Social Mundial por quatro vezes, era bastante atrativa: cidade limpa, planejada, com um sistema de transporte público eficiente, verde, lagos, ares de progresso. Caracas é o seu oposto. Caótica, desordenada pela falta de um urbanismo planejado. Mas, na cidade brasileira, a marca do avanço político institucional não ia além do questionável orçamento participativo. Já na capital venezuelana, um processo revolucionário aguarda as mais de 100 mil pessoas que deverão participar, entre os dias 24 e 29 de janeiro, da sexta edição do Fórum Social Mundial e da segunda do Fórum Social das Américas. Diferentemente dos anos anteriores, o Fórum Social Mundial de 2006 será policêntrico. O primeiro evento acontece na cidade de Bamako, Mali, na África, de 19 a 23 de janeiro. Em seguida, em Caracas, Venezuela. O terceiro evento, no Paquistão, foi adiado por conta do terremoto que abalou o país em outubro passado.

TRANSFORMAÇÃO A expectativa em relação ao Fórum em Caracas é grande tanto para os estrangeiros, que poderão conhecer o processo político do país como para os venezuelanos. A diferença fundamental com os países que sediaram o encontro anteriormente é que, na Venezuela, com maior ou menor êxito, os temas discutidos estão presentes no cotidiano das pessoas. Economia solidária, reforma agrária, cooperativismo, tecnologias de informação independentes, comunicação comunitária, controle de capitais, luta antiimperialista, todas essas questões, entre erros e acertos, estão sendo incorporadas à revolução bolivariana. Para o sociólogo Edgardo Lander, do Comitê Organizador do FSM Caracas, as atividades vão contribuir para o aprofundamento do processo venezuelano. “O processo de transformação que vivemos não é fruto somente das lutas do nosso povo. Aqui havia um acúmulo de forças e experiências dos demais países. É fundamental que os venezuelanos conheçam as outras experiências para romper com essa ‘vaidade’ vanguardista”, analisa. Por outro lado, o sociólogo acredita que o encontro entre o Estado e as organizações so-

Durante o encontro, serão definidas campanhas internacionais para 2006 e 2007

ciais é um bom exemplo de como se pode alinhar os dois trabalhos para transformar a realidade dos povos. Além disso, Lander afirma que um dos aspectos positivos da realização do encontro na Venezuela é que os movimentos sociais de todo o mundo poderão avaliar de perto a revolução bolivariana, independentemente da publicidade do governo ou da campanha opositora da direita e do imperialismo estadunidense.

APOIO AOS MOVIMENTOS A realização do Fórum em Caracas também é a consolidação de um processo. Nos últimos anos, o presidente do país, Hugo Chávez, manifestou apoio aos movimentos sociais latino-americanos e, mais do que isso, alinhou suas políticas à reivindicação das organizações populares. A Venezuela é o país da América Latina onde “há mais

impacto no que está ocorrendo no Iraque ou na Organização Mundial do Comércio (OMC)”, opina o sociólogo filipino Walden Bello. De acordo com Gustavo Codas, durante o evento, serão definidas campanhas internacionais para 2006 e 2007. Entre elas, destacamse quatro temas: o primeiro é a discussão sobre livre-comércio e “aquilo que a OMC não conseguiu resolver em Hong Kong em dezembro passado”; o segundo, uma campanha de repúdio ao aniversário de ocupação dos Estados Unidos do Iraque, com manifestações no dia 18 de março. O terceiro eixo são as ações contra a dívida externa, o Fundo Monetário Internacional (FMI) o Banco Mundial; e o quarto, mobilização na reunião do G8 em São Petersburgo, na Rússia, em julho. (Colaborou João Peschanski)

Comunicação em forma de Cayapa Para romper as cercas do poder hegemônico dos meios de comunicação, uma das principais atividades sobre comunicação não será discutida, será televisionada. A segunda edição do Fórum de TVs, apelidada pelos venezuelanos como “Cayapa”– nome dado pelos camponeses venezuelanos ao trabalho coletivo – será o espaço onde os meios de comunicação comunitários e produtores independentes se encontrarão

A memória das intervenções dos EUA “A experiência latino-americana será o tema mais quente do evento”, destaca o sociólogo Cândido Grzybowski, do Comitê Internacional do Fórum Social Mundial e diretor do Ibase. A expectativa é que o Fórum Social Mundial em Caracas tenha uma participação maior dos países da América Central. Essa presença antes era limitada pela distância e o custo da viagem até Porto Alegre, no sul do continente. Grzybowski entende que será fundamental a presença dessas “nações que sofreram muito com intervenções dos Estados Unidos”. Uma das atividades mais importantes relacionada ao tema será um debate sobre a luta antiimperialista, dia 25, organizada pela Via Campesina e pelo presidente Hugo Chávez. No dia 29, Chávez se reunirá uma vez mais com os movimentos sociais. A resolução da Assembléia Mundial de Movimentos Sociais será apresentada ao presidente venezuelano que deverá debater junto com as organizações as alternativas propostas pelas mesmas.

debate sobre a superação do neoliberalismo”, analisa Gustavo Codas, integrante do Comitê Organizador do Fórum e da Secretaria de Relações Internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Segundo ele, a sexta edição do encontro será marcada pela discussão do crescimento do número de governos com plataformas antineoliberais, como na Venezuelana e na Bolívia, com a recente vitória de Evo Morales (veja reportagem na página 11). O FSM em Caracas colocará em pauta um desafio permanente dos movimentos sociais: construir mecanismos capazes de concretizar as ações discutidas durante o encontro. “Temos de garantir que, além da troca de idéias, esse encontro seja o cenário de alianças claras, potencializando intervenções em assuntos econômicos e sociais. Temos que nos articular para ter mais

Outro tema que deve ser bastante discutido no evento, explica o sociólogo, é a relação entre partidos, governos e movimentos sociais. A seu ver, diferentemente do fenômeno europeu, em que há um desinteresse cada vez maior das organizações e da sociedade em geral pela política, na América Latina ocorre o inverso. “Mas o interesse não é pela política institucional”, ressalta Grzybowski.

PRESENÇA ZAPATISTA A organização do evento também se esforça para ter entre seus participantes representantes do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN). Convidados pela Rede de Movimentos Sociais, os militantes ainda não deram resposta, mas, de acordo com a organização do evento, sua presença seria importante. “Nessa discussão de estratégia política de esquerda, eles são atores principais”, acredita Gustavo Codas. Mesmo tendo sido convidados para as outras edições, os zapatistas nunca compareceram ao encontro, enviando apenas notas de apoio. (CJ e TM)

para realizar a cobertura audiovisual do FSM. O objetivo da Cayapa é garantir a maior cobertura possível das atividades do Fórum a partir de diversos olhares distintos e permitir a troca de experiências entre os produtores que participarão do coletivo. A Cayapa venezuelana integra a lógica de produção independente e coletiva de experiências como a Ciranda de Informação Independente, Fórum de Rádios e Minga Informativa dos Movimentos Sociais.

A programação produzida pelo Fórum de TVs será transmitida em uma espécie de cobertura oficial via satélite e também irá compor a programação regular da Vive TV (televisão pública venezuelana). “Este será um espaço fundamental para fazer o intercâmbio de conhecimentos e estabelecer uma rede solidária e permanente de comunicação internacional”, afirma Thierry Deronne, vice-presidente da Vive. (CJ)

Acampamento Antiimperialista, na periferia Camponeses, trabalhadores da cidade, estudantes, mulheres e homens de diferentes países estarão reunidos dia e noite a partir do dia 23 de janeiro no Acampamento Antiimperialista que será realizado no histórico bairro 23 de janeiro, periferia de Caracas. O bairro que abrigou dezenas de líderes sociais que lutaram contra a ditadura de Marcos Perez Jímenez na década de 1950 será o cenário onde os movimentos sociais de todo o mundo, em especial do campo, deverão compartilhar experiências e definir ações concretas de resistência frente ao imperialismo. “Nesse bairro, vemos a união do campo e da cidade. O 23 (de janeiro) é uma trincheira de luta permanente”, explica Inder Herrera, da direção nacional da Frente Nacional Campesino Ezequiel Zamora (FNCEZ), referindose aos milhares de camponeses que migraram à cidade na década de 50 e, em grande parte, formaram as comunidades que ocupam os morros de Caracas. “Não podemos segregar as lutas. É fundamental a união dos movimentos do campo e da cidade para consolidar nossos processos

revolucionários”, afirma Herrera. Para o dirigente do FNCEZ, o acampamento será a oportunidade de estabelecer redes permanentes de solidariedade e consolidar as que foram estabelecidas durante o Festival da Juventude, na primeira edição do acampamento bolivariano instalado na escola Gabriela Mistral, que servirá de alojamento, centro de discussões e assembléias durante os dias do Fórum. Entre as manifestações, está previsto um ato em repúdio à prisão dos camponeses detidos durante manifestação na reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), realizada em 2005, em Hong Kong (leia mais em reportagem na página 11). Articulado com as atividades do FSM e com a tenda da Vía Campesina Internacional, devem participar do acampamento: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimiento Esquerda Revolucionaria (MIRChile), organizações camponesas da Colômbia, Coletivo Alexy Vive e Frente Nacional Campesino Ezequiel Zamora (Venezuela). (CJ)

Abertura: 24 de janeiro Marcha contra o imperialismo e a guerra Encerramento: 29 de janeiro Assembléia Mundial dos Movimentos Sociais Atividades inscritas: 500 mil Atividades culturais: 200 Eixos temáticos: 1. Poder, política e lutas pela emancipação social 2. Estratégias imperiais e resistências dos povos 3. Recursos e direitos para a vida: alternativas ao modelo civilizatório depredador 4. Diversidades, identidades e cosmovisões em movimento 5. Trabalho, exploração e reprodução da vida. 6. Comunicação, culturas e educação: dinâmicas e alternativas democratizadoras Eixos transversais: Gênero Diversidade

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Tendas da solidariedade: Serão montadas dez tendas de solidariedade abordando temas como: Alba, Brasil, Pobres dos Estados Unidos, Palestina, Juventude, Congresso Bolivariano dos Povos, Mercosul entre outros Algumas personalidades e movimentos: Hugo Chávez Evo Morales Néstor Kirchner Luiz Inácio Lula da Silva (a confirmar) Eduardo Galeano Atilio Borón Emir Sader John Holoway François Houtard Noam Chomski (a confirmar) Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Exército Zapatista de Liberação Nacional (EZLN) (a confirmar)

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A Venezuela Bolivariana Desemprego:10,9 % Alfabetizados: 100% População:25,4 milhões

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Programas sociais: Missão Robinson 1 e 2 – alfabetização e ensino básico Missão Ribas – ensino médio Missão Sucre – preparação para ingressar ao ensino superior Universidade Bolivariana – ensino superior gratuito Missão Vuelvan Caras Formação técnica para criação de cooperativas agrícolas, texteis, alimentação e calçados. Missão Mercal – Alimentos a baixo custo subsidiados pelo governo Bairro Adentro – Assistência médica gratuita

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DEBATE RUMOS DO GOVERNO

Operação tapa-buracos Pe. Alfredo J. Gonçalves o último ano de seu mandato presidencial, a “operação tapa-buracos” representa uma boa metáfora para avaliar o governo Lula. E uma metáfora em duplo sentido: de um lado, um espelho, que retrata uma fisionomia devastada pelas intempéries de inúmeras denúncias, popularizadas e simbolizadas pelo “mensalão”; de outro lado, uma janela, por onde se descortinam resultados bem aquém das expectativas levantadas por sua eleição. De fato, num e noutro caso, o governo pouco mais fez do que tapar buracos. Com relação à imagem mostrada pelo espelho, foram infrutíferas todas as tentativas de barrar a instalação das CPI’s e, depois de instaladas, de impedir seu funcionamento. Uma a uma, o espelho encarregouse de desmascarar as fissuras e rugas da cara do PT no poder, em flagrante contraste com o PT da oposição. Ao mesmo tempo que se rasgou o véu da ética, escancarou-se a face nua da corrupção e da tradicional promiscuidade entre o público e o privado. A tropa de choque do governo e da base aliada, por mais que tentasse, não conseguiu tapar os rombos abertos pelo trabalho das comissões parlamentares. À medida que cresciam as proporções do “valerioduto”, os braços direito e esquerdo do presidente, bem como os principais dirigentes do PT, iniciaram um processo ruidoso e irreversível de declínio e queda. No que diz respeito ao cenário vislumbrado pela janela, as expectativas de mudança foram frustradas para grande parte dos eleitores. Salvo alguns programas compensatórios, o governo que se elegeu com o discurso do “social” pouco investiu em políticas públicas consistentes e duradouras. Não há planos, não há metas, não há planejamento; apenas uma operação tapa-buracos onde a fome e a miséria se mostram mais escandalosas. Nada de traçar novos rumos, de abrir novas

pistas, de apontar novos horizontes; apenas uma oper a ç ã o tapa-buracos nos caminhos construídos pelos governos anteriores. O discurso da mudança, tão enfático nos palanques, foi substituído pela acomodação de um continuísmo sem criatividade. A aliança pela governabilidade e a subserviência ao capital financeiro reduziram o brilho da estrela, convertendo o PT num planeta que, sem luz própria, reflete os raios da boa maré da economia mundial. O espelho revela, ainda, uma retórica oca e ineficaz, em que as melhores promessas acabam sendo abortadas pelas torneiras fechadas de um orçamento rígida e teimosamente contingenciado. Por falar nisso, onde estão os recursos da Cide e da CPMF, taxas sobre o preço da gasolina e sobre o valor do cheque, respectivamente, destinadas, a primeira à manutenção das estradas e a segunda à saúde pública? Os compromissos com os especuladores do mercado financeiro têm primazia absoluta, da mesma forma que o pagamento adiantado com o FMI. A saúde, a educação, a reforma agrária, os transportes, enfim, os serviços de infra-estrutura – tudo isso pode esperar! Afinal, para quem já esperou tanto tempo, o que significam quatro anos a mais! Enquanto os indicadores econômicos mostram um desem-

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penho razoavelmente positivo, avolumam-se as dívidas sociais. E assim a voz do Planalto, no programa “café da manhã com o presidente”, rola pela mídia como um tambor pelo asfalto: quanto mais vazio, mais barulho faz. Enquanto isso, pela janela desfilam os rostos desfigurados da multidão dos “sem”. São visíveis nas filas do INSS; nas estradas em êxodo forçado; no abandono das ruas e das calçadas; debaixo dos viadutos ou nos lixões; amontoados em favelas, periferias e cortiços; nos acampamentos ao lado de latifúndios improdutivos; nos descaminhos da droga e do álcool; sujeitos a enchentes e deslizamentos, na beira dos rios e nos morros; apinhados em ônibus e trens. Mas são invisíveis para os olhos de grande parte

dos meios de comunicação e dos representantes do governo. Entretanto, continuam pagando seus impostos, embutidos em tudo o que se come, se veste, se usa, se compra e se vende. Aliás, a carga tributária é digna de qualquer país desenvolvido, ao passo que o retorno em benefícios perde para a maioria dos países subdesenvolvidos. O resultado é que a “operação tapa-buracos”, ao lado de outras iniciativas de última hora, traduz uma tentativa desesperada de “tapar o sol com a peneira”, com vistas às eleições de 2006. No fechar das cortinas, as torneiras do orçamento se abrem generosamente. Uma vez mais, verifica-se o acerto da avaliação feita por alguns expoentes que vinham das origens do PT e que hoje se afastaram de seus quadros: um projeto

de nação deu lugar a um mero projeto de poder! Quando se chega a esse ponto, os fins justificam todos os meios. O pragmatismo político, a chamada realpolitik, toma o lugar dos princípios éticos que regiam o partido desde o berço. O projeto foi modificado em suas raízes mais genuínas, tornou-se uma verdadeira semente transgênica. A reeleição a qualquer custo assume o primeiro lugar nos compromissos da legenda. É como se o PT despisse sua derradeira máscara, para revelar a face noturna e diurna da política brasileira, onde os partidos não passam de siglas de aluguel para interesses de pessoas e grupos. Será o atestado de óbito de uma experiência tão dura e longamente construída? Em caso afirmativo, como ficam os milhões de filiados, simpatizantes e militantes? Em caso negativo, restarão ainda condições para uma re-fundação do partido, como sonham alguns? É possível juntar os cacos e refazer a estátua quebrada? Essas perguntas levantam outras de caráter mais geral e mais profundo. Perguntas que questionam não só o PT e os demais partidos políticos, mas a própria democracia jurídicoformal dos países ocidentais. Hoje, na verdade, ela não passa de um suporte institucional para uma ordem econômica cada vez mais globalizada, de corte neoliberal. Cabe, portanto, uma última pergunta: como passar de uma democracia representativa para um regime mais direto e livre de participação popular? Ou então, como criar ou fortalecer canais, instrumentos e mecanismos por onde possam atuar as forças vivas e ativas do país? Este é o desafio de uma reforma política real, como vimos nos debates da Assembléia Popular – Mutirão por um Novo Brasil. Caso contrário, teremos de nos contentar com a repetição, ad eternum, da “operação tapa-buracos”. Pe. Alfredo J. Gonçalves é coordenador nacional das Pastorais Sociais da CNBB

DÍVIDA EXTERNA

J. Carlos de Assis magine que você pague antecipado em dois anos uma dívida de 15 mil, barata, e imediatamente tome emprestado outros mil, a juros muito mais altos. Faz sentido? Pois é isso que o Brasil acabou de fazer ao formalizar com grande solenidade no Planalto a antecipação em dois anos do pagamento de 15 bilhões de dólares ao FMI, com o anúncio simultâneo da captação no mercado privado internacional de bônus de um bilhão de dólares. Afinal, ele precisa ou não de dinheiro emprestado? Não é tudo, porém. O presidente Lula anunciou orgulhosamente que, com o pagamento, o Brasil dava provas de que agora pode andar com as próprias pernas. Provavelmente não ouviu o que o ministro Palocci disse na mesma solenidade: que o pagamento não significava qualquer mudança na política econômica brasileira. Como essa política foi definida seguindo as condicionalidades do acordo feito com o FMI para tomar o empréstimo, continuamos andando voluntariamente com as pernas do FMI, não as nossas. Ainda não é tudo. O senhor

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Rato, representante do FMI, tomou a liberdade de aproveitar a solenidade no Planalto para dizer na cara do presidente que o Brasil deveria dar plena autonomia à direção do Banco Central. Não vou discutir a tese proposta do Banco Central independente, em si, mas a audácia da proposição. Quem é o senhor Rato para se meter na política interna brasileira para dizer como devemos organizar nossas instituições monetárias? Depois das vibrantes provas de vassalagem do governo Fernando Henrique perante os países ricos, e sobretudo os Estados Unidos, querendo inclusive nos enterrar na Alca, a política externa do presidente Lula tem sido razoável e prudente, como disse na recente resenha do livro de Paulo Nogueira Batista Jr. Isso se deve, porém, ao Itamaraty. Quando o assunto está no domínio do Ministério da Fazenda, aí caímos de novo no terreno da vassalagem e da submissão ao neoliberalismo e ao condomínio dos países ricos. Seria ótimo que recomeçássemos a andar com nossas próprias pernas, como o presidente anunciou. Acontece que a equipe econômica mantém nossas

pernas amarradas ao neoliberalismo, o que nos coloca nas piores posições da América Latina em termos de crescimento econômico, ainda mais distantes dos países asiáticos, e mergulhados na pior crise social de nossa história, com quase um terço de nossa força de trabalho em desemprego absoluto ou no subemprego. O modelo que nos impõe o FMI, junto com outras agências internacionais e as elites econômicas do Primeiro Mundo, está falido aqui e na esmagadora maioria dos países onde foi aplicado. Temos que sacudir esse peso das costas. Se é para isso que pagamos adiantado os 15 bilhões de dólares, ótimo. Mas a precondição para tirar FMI et caterva das costas do governo é tirar a equipe econômica neoliberal das costas do Brasil. Ou isso, ou continuaremos numa espécie de pacto com o diabo da estagnação! Mesmo na política externa é preciso manter reserva em face da influência nefasta de Palocci e dos seus. O Brasil, no âmbito

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Pagamos para andar com as pernas do FMI

da OMC, está insistindo com sede demais em queda de barreiras protecionistas de produtos primários nos Estados Unidos e

na União Européia. É preciso ver o que esses países estão exigindo em contrapartida. De repente, em troca de uma liberalização que terá apenas efeitos marginais em nossas vendas de primários, teremos que fazer concessões inaceitáveis em investimentos, patentes, serviços e compras governamentais, de uma forma que cristalizará o nosso desenvolvimento. Tome-se apenas um exemplo do risco prático que isso representa. O único grande programa industrial em curso no governo Lula são as encomendas de navios e plataformas de petróleo pela Petrobras a estaleiros instalados no Brasil. Pois bem, estivesse em vigor o acordo que os Estados Unidos e a União Européia exigem, em troca de redução de subsídios agrícolas, para compras governamentais, a maior parte das encomendas da Petrobras acabaria em estaleiros da Coréia do Sul, do Japão ou mesmo da Europa. Como, a propósito, aconteceu no governo tucano – que graciosamente quer agora voltar ao poder. J. Carlos de Assis, jornalista e economista, é coordenador do Movimento Desemprego Zero


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agenda@brasildefato.com.br

AGENDA NACIONAL

MEMÓRIA

PROGRAMA NOVOS BRASIS 2006 As inscrições para o Programa do Instituto Telemar estão abertas até o dia 19 de janeiro. Podem ser inscritos projetos que utilizem tecnologias de informação e comunicação e sejam realizados em comunidades de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e voltados preferencialmente para crianças e adolescentes. O objetivo é apoiar iniciativas que promovam o acesso ao conhecimento e à cidadania e que elevem o IDH das áreas onde atuam. Os formulários de inscrição e o regulamento completo estão disponíveis na página na internet (www.institutotelemar.org.br), onde também podem ser obtidas outras informações. A EDUCAÇÃO NA IMPRENSA BRASILEIRA A pesquisa realizada pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) e pelo Ministério da Educação (MEC), com apoio da Unesco revela que a educação foi a questão social mais enfocada pelos jornais em 2004, constituindo um grande avanço na estratégia editorial das redações nos últimos anos. Outras conclusões do estudo podem ser encontradas em www.andi.org.br/_pdfs/A_Educacao_na_Imprensa_22_nov.pdf>

BAHIA OFICINAS DE TEATRO Início: dia 23 O projeto Viver com Arte, da Fundação Cultural do Estado da Bahia, abre novas inscrições para as Oficinas de Teatro e Dança, a partir de janeiro. São oferecidas 30 vagas para cada oficina, e a idade mínima para participação é 14 anos completos. Local: Cine Teatro Solar Boa Vista, Bairro Barbalho, Salvador. Mais informações: (71) 3117-1520

RIO DE JANEIRO CURSO GRATUITO: FORMAÇÃO DE MONITORES AMBIENTAIS

Capa da Cartilha da Sempreviva Organização Feminista

PARANÁ SEMINÁRIO NACIONAL DE EXPERIÊNCIAS NA ATENÇÃO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E SEXUAL De 24 a 26 de maio O evento tem como objetivos reunir representantes das diversas iniciativas na atenção e prevenção à violência doméstica e sexual, assim como os diversos setores envolvidos no tema; criar espaço para a troca das experiências acumuladas; dimensionar as conquistas alcançadas e os desafios existentes; propor encaminhamentos para o fortalecimento e a multiplicação dessas iniciativas e discutir tecnologia/ metodologia de governança pública em rede. Promovido pela Prefeitura Municipal de Curitiba, o seminário conta com apoio da Área de Saúde da Mulher, do Ministério da Saúde. Local: Av. João Gualberto, 623, 2º andar, Torre B, Curitiba Mais informações: www.curitiba.pr.gov.br/saude/sms/seminario/seminario_violencia.htm

4 e 5 de fevereiro O curso será realizado no Rio de Janeiro (RJ) e tem como meta reunir o maior número de voluntários e voluntárias para as Caminhadas de Verão nas Praias do Rio (onde são distribuídas cartilhas e informações para os banhistas). Serão debatidos temas como: o que é ecologia, a diferença entre lixão e um aterro sanitário; como funciona uma Estação de Tratamento de Esgotos e uma Estação de Tratamento de Água Potável, além da legislação sobre crimes ambientais. Mais informações: contato@clubedaarvore.com.br

SÃO PAULO PROJETO CANTOS NOTURNOS 19, às 20h O projeto apresenta o premiado violeiro e escritor Paulo Freire tendo como pano de fundo a música de viola. Ele conta histórias de caçadas fabulosas, a luta dos beatos do Contestado e de Canudos, a solidão de Papai Noel no sertão brasileiro, a peleja do Coelho da Páscoa com o Curupira, emboladas e canções caipiras. Nesse seu novo espetáculo, Pau-

lo Freire mostra que o brasileiro possui um jeito próprio de narrar histórias destacando acontecimentos e músicas que tratam do humor e do imaginário que habitam a cultura popular. Freire defende que na tradição oral, existe uma história do Brasil sendo contada, que muitas vezes difere da versão oficial. Local: Sesc Pinheiros, R. Paes Leme, 195, São Paulo Mais informações: (11) 3095-9400 SHOW: CHORO BREJEIRO 20, às 18h30 Buscando valorizar a música brasileira, o grupo Choro Brejeiro interpreta canções de Jackson do Pandeiro, Pixinguinha, Hermeto Pascoal, Caetano Veloso, Mario Mascarenhas, Zequinha de Abreu, Valdir Azevedo e Jacob do Bandolim. Formado por Léo Doktorczyk (voz, violão e cavaco), Pixu (percussão) e Walter Pinheiro (flauta e sax), o grupo também apresenta composições próprias. Local: Praça de Entrada do Sesc Pinheiros, R. Paes Leme, 195, São Paulo Mais informações: (11) 3095-9400 ESTAÇÃO CIÊNCIA: CURSOS

E OFICINAS DE FÉRIAS Durante as férias, a Estação Ciência funcionará normalmente, com alguns programas especiais. Programação: Dia 25: durante o aniversário da cidade de São Paulo, a Estação Ciência funcionará em horário normal, das 9h às 18h e a visitação será gratuita. Além disso, às 16h haverá o espetáculo Marte, a Viagem, também de graça; De 24 a 27: A Estação Ciência oferecerá uma oficina gratuita do Programa Mão na Massa. O evento, que começa às 14h e termina às 17h, terá como objetivo a discussão da metodologia do ensino de ciências nas séries iniciais de ensino; De 26 a 28: O seminário A Ciência e a Tecnologia na História e no Desenvolvimento da cidade de São Paulo, que acontecerá no fim de janeiro, terá como objetivo a discussão sobre a Ciência, a Tecnologia e a relação dessas duas áreas com o desenvolvimento da cidade. Para participar do evento, é necessária a inscrição, que pode ser feita pelo correio eletrônico: eventos@eciencia.usp.br; Local: R. Guaicurus, 1394, São Paulo Mais informações: (11) 3673-7022

No legado de Magdoff, a crítica ao imperialismo Faleceu dia 1º de janeiro, nos Estados Unidos, o renomado economista estadunidense Harry Magdoff, um dos mais importantes analistas do capitalismo e do imperialismo. Magdoff, co-editor da revista Monthly Review, foi autor de estudos marxistas clássicos sobre a produtividade da economia dos EUA, sobre planificação, sobre o trabalho e o capital monopolista, sobre a economia política do imperialismo. Nascido no Bronx em 1913, Magdoff foi um dos primeiros intelectuais estadunidense a viajar para Cuba no início da revolução. Amigo de Che Guevara, publicou suas conversas com o comandante em Encontros com Che (2004). Participou de projetos do New Deal durante a Grande Depressão e se tornou assessor do secretário de Comércio dos EUA, Henry Wallace, ao final da Segunda Guerra Mundial. Perseguido pelo macartismo, ressurgiu em 1965 como intelectual marxista. Suas obras A Era do Imperialismo (1969) e Imperialismo: da Colônia até o presente (1977) foram leitura obrigatória dos pensadores de esquerda da década de 1970. Sobre a globalização, Magdoff argumentou contra a idéia de que está surgindo uma “nova internacional” do capital para promover conjuntamente as regras da ordem mundial. Ele considerava que a globalização do capital monopólico está se manifestando na brecha ente as nações de centro e as da periferia. “A liberdade política é igualada à democracia ao estilo ocidental. A base econômica desta democracia é a livre empresa. Portanto, o objetivo político da defesa do mundo livre também tem que abranger a defesa do livre-comércio e a livre empresa”, explicou. A lista de suas obras pode ser obtida na página da internet da revista Monthly Review, www.monthlyreview.org.


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CULTURA

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HIP HOP

Protesto na voz e na veia Suelen Cristina

Cínthia Almeida, Érika Santana, José Ramos “Macunaíma”, Larissa Roberta e Suélen Cristina de Embu das Artes (SP)

Suelen Cristina

Rappin’ Hood explica por que o rapper que se preza tem de ser fiel às suas raízes e defender o povo oprimido

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Brasil de Fato – Você realiza shows gratuitos na periferia e também em lugares mais fechados. Por quê? Rappin’ Hood – Eu me sinto à vontade em todo lugar. É sempre mais gratificante tocar para o povo mais pobre, em um evento de graça, pois é dali que a gente veio. É como se a gente estivesse vendo a gente mesmo ou as pessoas de onde a gente morou, entende? Eu me reconheço ali, naqueles rostos. Eu me sinto bem. Pode ser aqui ou no Olímpia (casa de shows num bairro nobre de São Paulo). É claro que quando tocamos para o povo e vemos o brilho no olhar de um garoto ou recebemos o carinho de uma irmã, de uma tiazinha mais coroa, de um pai que tem um o filho que curte rap, é sempre da hora. Na verdade, todo mundo trabalha pra ter esse reconhecimento. Eu espero continuar sendo digno de estar tanto no “up” como no “underground”. Quero ser digno de fazer essa parada por mais, no mínimo, uns quarenta anos.

O rapper não pode fugir das raízes. Tem que ter um compromisso, ser fiel ao propósito, que é falar da pobreza, da desigualdade social. Falar pelo povo oprimido BF – O que mudou desde que começou a cantar? Rappin’ Hood – O rap mudou. Quem cantava rap uns anos atrás era chamado de bandido. Teve gente que morreu porque cantava rap. Hoje em dia, isso mudou porque o rap tem mais exposição, toca nas rádios e todo mundo sabe o que é. Mas o rapper não pode fugir das raízes. Tem que ter um compromisso, ser fiel ao propósito, que é falar da pobreza, da desigualdade social. Falar pelo povo oprimido. BF – Rappers têm preconceito com a mídia ou estão conseguindo conciliar a questão da fama? Rappin’ Hood – Já disseram que

Quem é Antonio Luiz Júnior, o Happin’ Hood, é paulista e começou no rap junto com outros grandes nomes do movimento Hip Hop, como Thaíde, Dj Hum e os Racionais, mas por conta da ousadia que deu certo – misturar rap com samba – demorou mais a aparecer. Em 2001, sem sair da banda Posse Mente Zulu formada por ele no início dos anos 1990, grava o primeiro CD solo, Sujeito Homem, com uma mistura de gêneros como samba, reggae e rap tradicional. Seu nome artístico é uma homenagem ao legendário personagem Robin Hood.

Rappin´Hood com os jovens da Oficina-Escola de Comunicação do Consórcio da Juventude “Geração-Cidadã”

a revolução não será televisionada. O Hip Hop é revolucionário, por isso não existe uma junção do rap e da mídia. O que queremos falar, dependendo do que for, não vão querer mostrar. Interessa mais mostrar o rap comercial do que o rap que mostra a realidade nua e crua. O rap é contra a mídia, mas não só contra a mídia, é contra todos aqueles que oprimem o povo. BF – Somos jovens e estamos buscando formação para conseguir um primeiro trabalho. Como você vê a situação do primeiro emprego? Rappin’ Hood – Acredito que 99% das chances são de dar errado e 1% de dar certo. Toda juventude tem que acreditar nesse 1% , pois é neste 1% que Deus opera. Nossa vitória é mais difícil, mais árdua, mais dura porque a gente vem de condições de baixo. Não é simples, não é fácil, mas a gente tem que vencer. É batalhar, batalhar, batalhar e quando estiver cansado, continuar batalhando. Vocês têm que acreditar nos seus sonhos, vocês vão ser vitoriosos, é só acreditar. BF – Há alguns meses, os jovens da periferia da França fizeram aquele protesto irado. Você acha que o Brasil pode, um dia, chegar a ter esse tipo de revolta, ou acha difícil? Rappin’ Hood – O Brasil é o país do Carnaval, do futebol. Aqui a gente não fala muito de revolução. A UNE (União Nacional dos Estudantes), que era um órgão revolucionário há muito tempo atrás, hoje é um negócio que não está nas mãos dos caras revolucionários. É um órgão meio que controlado. Eu não acredito em revolução armada no nosso país. Mas eu acredito no Brasil, que ainda pode ser um país de Primeiro Mundo. Tem uns caras “apetitosos”, por exemplo. Respeito o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) pra caramba, respeito mesmo, pois os caras não estão brincando, os caras morrem pelo barato. A conversa é séria, não é brincadeira não. Sei também que tem uns malucos homem-bomba. O Brasil gosta muito de festa para fazer revolução, não temos essa tradição revolucionária. Até gostaria que tivesse, falta um pouco dessa rebeldia para o povo brasileiro. Mas acredito também que não seria bom porque a gente ainda não tem força, não tem organização. Então eu acho que é preferível falar para meus irmãos: vai estudar e se informar para, quem sabe, na próxima eleição ter uma noção básica para votar,

saber questionar, saber quem é o vereador da quebrada dele, para poder falar sobre leis. Isso é o mais importante.

A UNE, que era um órgão revolucionário há muito tempo atrás, hoje é um negócio que não está nas mãos dos caras revolucionários. É um órgão meio que controlado BF – O que você espera dos políticos, da política neste ano de eleições? Rappin’ Hood – Do político eu não espero nada. Da política eu espero muito porque ela governa a nossa vida, porque todas as decisões que eles tomam lá em cima influem na nossa vida. Este ano vai ter eleição de novo e nós temos que escolher alguém. As eleições diretas começaram quando o Collor ganhou em 1989. Foi o primeiro presidente eleito pelo povo, após o regime militar. Para mim, era um pilantra que roubou todo mundo. Depois, veio o Fernando Henrique Cardoso, que governou durante oito anos vendendo o nosso país, loteando tudo o que o povo conquistou. Agora, estamos com o Lula, o primeiro cara que veio do povo e conseguiu chegar a esse cargo. Não acredito em partido, vou acreditar em um homem e votarei nele novamente. Eu não vou entregar o país nas mãos do Serra (José Serra, prefeito de São Paulo), nem do Alckmin (Geraldo Alckimin, governador de São Paulo). Se depender de mim, vão morrer tudo à míngua, porque eles estão roubando há vários anos. O que aconteceu com o meu avô foi cul-

pa desses caras, o que a minha mãe sofreu foi culpa desses caras. Mesmo com essa história de mensalão, mesmo com tudo isso, esse trouxa aqui vai dar mais um voto pro seu Luiz Inácio Lula da Silva. Eu ainda acho que é o único representante que nós temos lá. Cara pobre, que veio da periferia e chegou onde chegou e eu ainda acho que é melhor do que aqueles outros safados. É o cara que pode ainda fazer alguma coisa por nós, porque os outros não vão fazer nada. Eu não sou bobo. Não ponho minha mão no fogo pelo Lula, só pelo Martin que é meu filho, mas ainda acho que ele é o melhor. Essa é a minha verdade. BF – Qual a mensagem que você costuma passar para os jovens que assistem aos seus shows? Rappin’ Hood – O que eu tenho para falar não é só pra juventude, mas para as pessoas de qualquer idade que vêm da periferia, que vêm do gueto, que estejam passando dificuldade. Para um irmão que, de repente, esteja em um barraco fumando pedra ou que esteja desempregado, não vendo saída, ou que esteja vendendo droga numa boca por aí, é que existe saída, existe vitória. Tem que acreditar em você mesmo, em Deus. Nós podemos tudo o que queremos, é só a gente lutar. Ninguém falou que seria fácil, mas temos que lutar. Então, levanta e anda porque a vitória é nossa. BF – Como foi gravar a música com o filho Martin, que faz parte de seu novo CD? Rappin’ Hood – Escrevi a música para meu filho, mas nunca esperava gravar com ele. Espero que, quando meu filho crescer, ele entenda a mensagem que quis passar, entenda a letra da música. BF – O rap brasileiro pode fazer sucesso no exterior? Rappin’ Hood – Pode. Qualquer

Jovens produzem mídia Esta entrevista do rapper Rappin’ Hood foi realizada por jovens que participam da Oficina-Escola de Comunicação do Consórcio Social da Juventude “Geração Cidadã”, que abrange os municípios de Embu das Artes, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra, Juquitiba, São Lourenço da Serra e Taboão da Serra (sudoeste de São Paulo). O Geração Cidadã é um dos 23 consórcios espalhado pelo Brasil, iniciativa do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que tem por objetivo inserir o jovem no mundo do trabalho. Cerca de 30 dos 2 mil jovens atendidos pelo Geração Cidadã participam da Oficina-Escola de Comunicação, fruto da parceria com o Projeto/Revista Viração. Eles são responsáveis pela produção de um jornal impresso mensal, um jornal mural, a rádio comunitária que funciona no Centro da Juventude (em Embu das Artes) e da atualização da página na internet (www.geraca ocidada.org.br), além de criar formas alternativas de participação de todos os jovens do consórcio.

Divulgação

ntônio Luiz Junior, mais conhecido como Rappin’ Hood, teve uma infância humilde. Nasceu no Bairro do Limão, na cidade de São Paulo, onde freqüentava desde missas a terreiros de candomblé. Participou de banda de fanfarra e coral. Foi por intermédio da dança de rua, o break, que rolava nas galerias e bailes e no metrô São Bento que conheceu o rap. Na cidade de São Caetano, subiu ao palco para cantar pela primeira vez, mas foi a partir do grupo PosseMente Zulu que ficou conhecido no cenário musical. Hoje em dia, Rappin’ Hood transforma e recria o rap em parcerias com outros ritmos musicais e mostra que este estilo também é música popular brasileira. No novo CD, Sujeito Homem 2, ele traz também uma grande mistura de gêneros com a participação de gente de peso, como Fundo de Quintal, Exalta Samba, Jair Rodrigues, Dudu Nobre, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Zélia Duncan e o grupo estadunidense Living Colour.

Rappin’ Hood com seu filho que participa do seu cd Sujeito Homem

pessoa pode fazer qualquer coisa que quiser, depende da luta da pessoa, de acreditar em Deus. O rap e qualquer outro estilo musical podem fazer sucesso no exterior. Mas tem que ser feito com qualidade, com bom nível. BF – Você cantava no coral da igreja, não é? Rappin’ Hood – Cantei quando moleque, era legal, eu gostava. Tinha o conteúdo da fé. Na verdade, quando a gente é criança, a gente é anjo. E eu fazia parte desse coral de anjos e era muito bom. Às vezes, tenho vontade de voltar a ter aquela ingenuidade, aquela pureza. Mas não dá mais. Hoje em dia, a gente sabe de muita coisa, coisas demais, mas a gente tenta. BF – E como foi a experiência de gravar um clipe no Quilombo de Ivaporanduva? Rappin’ Hood – Foi uma experiência bem legal conhecer a realidade dos quilombos e do povo deles. Visitei os quilombos de Ivaporanduva, Cafundó, Anastásia e Cassandoca (no interior de São Paulo). Foi bom poder ver a luta, que ainda hoje eles lutam e resistem pelas terras que deveriam ser deles há muito tempo. Os quilombos assimilam o rap e se identificam com ele também. Quis fazer o clipe no quilombo para mostrar essa realidade para as pessoas do urbano, das ruas. BF – E o grupo PosseMente Zulu? Você continua nele? Rappin’ Hood – A gente está preparando um solo do Jhonny Mc. E um disco remix do PosseMente. E o Posse também vai virar uma fundação em 2006, vai virar uma entidade com o objetivo de desenvolver a comunidade, dar alternativa para a molecada da quebrada. Então a gente continua atuando, a gente não pára não.


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