Ano 4 • Número 154
R$ 2,00 São Paulo • De 9 a 15 de fevereiro de 2006
Ministro faz o jogo da Rede Globo Daniel Cassol
Hélio Costa, das Comunicações, defende TV digital antidemocrática; sociedade civil quer aprofundar debate
Em São Gabriel (RS), povos indígenas e trabalhadores rurais comemoram os 250 anos do martírio do líder guarani Sepé Tiaraju
Um milhão nas ruas em apoio a Hugo Chávez
Namas
Sepé Tiaraju, símbolo de resistência
E
mbora o debate sobre a implementação do sistema de TV digital no país tenha sido incipiente, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, não só já fez sua escolha como tenta impô-la ao restante da sociedade. Essa é a opinião de vários especialistas envolvidos na discussão. Gustavo Gindre, coordenador do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura, avalia que Costa atropela e reduz o tema para apressar a escolha pelo modelo japonês e favorecer os interesses da maior rede de televisão do país: a TV Globo. O deputado federal Walter Pinheiro (PTBA) afirma que o debate sobre a TV digital é, antes de tudo, político, e sua essência está na possibilidade de se efetivar políticas de democratização dos meios de comunicação no país. Gindre acredita que a estratégia é sensibilizar a sociedade para a importância da questão e buscar apoio de parlamentares para “puxar o freio de mão e fazer o debate”. Pág. 3
Em São Gabriel (RS), de 4 a 7, cerca de quatro mil indígenas, jovens e trabalhadores do campo e da cidade comemoram os 250 anos do martírio de Sepé Tiaraju e de 1.550 guarani assassinados em Sete Povos das Missões. Eles resgatam o exemplo de Sepé como símbolo de resistência popular e denunciam a invasão do agronegócio nas terras indígenas e quilombolas, a falta de reforma agrária e o aumento do desemprego entre os jovens. Pág. 8
Mais de um milhão de pessoas marcharam, no dia 4, por Caracas, Venezuela. Foi a comemoração dos 16 anos da levante militar comandado pelo presidente Hugo Chávez. Pouco antes da manifestação, um militar estadunidense foi expulso do país acusado de espionagem. “Os EUA fomentam clima de instabilidade para ver se, em algum momento, organismos internacionais possam intervir no país”, analisa Vladimir Acosta, sociólogo venezuelano. Pág. 9
Juiz criminaliza camponeses que lutam por terra
A nova forma zapatista de fazer política
O “crime” dos cinco sem-terra que tiveram prisão decretada, em Pernambuco, foi participar, em 2005, de manifestação pela desapropriação da Usina Estreliana, avaliada como improdutiva, e protestar contra o cancelamento da imissão de posse da terra. Pág. 4
Mais diálogo com todo o povo mexicano – não só os indígenas – e formação de uma frente anticapitalista de esquerda. Esses são os eixos da Outra Campanha, proposta defendida pelos zapatistas, que percorrem o México para construir a nova articulação. Pág. 11
ECONOMIA – Estudo do Dieese desmente argumentos usados pela mídia comercial, por analistas do mercado financeiro e pela equipe econômica do governo para barrar a correção do salário mínimo. Pág. 7 FÓRUM – Em reunião com o presidente venezuelano, Hugo Chávez, movimentos sociais discutem alianças para aprofundar integração da América Latina. Pág. 10
Câmara aprova mais recursos para educação Um primeiro passo para se garantir mais recursos para a educação foi dado no dia 2, com a aprovação, pela Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que cria o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Apesar de envolver mais recursos e abranger todo o ensino básico, o projeto recebe críticas por representar avanços tímidos. A PEC do Fundeb será agora avaliada e votada no Senado. Pág. 5
Marcio Baraldi
E mais:
Dia 4, em Caracas, mais de um milhão de venezuelanos marcham para comemorar os sete anos da revolução bolivariana
Projeto de lei ameaça cooperativas Pág. 6
No Congo, massacre de 4 milhões Pág. 13
A revolução e a estética na arte cubana Pág. 16
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De 9 a 15 de fevereiro de 2006
CONSELHO POLÍTICO
NOSSA OPINIÃO
Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Görgen • Horácio Martins • Ivan Cavalcanti Proença • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
Bush não leu o Manifesto Comunista
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
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É
notável a extrema cautela adotada pelos Estados Unidos e União Européia em relação ao Irã, apesar de seu presidente Mahmoud Ahmadinejad ter afirmado, inúmeras vezes, que não pretende interromper o desenvolvimento do programa de produção de enriquecimento do urânio “para fins pacíficos”. Além de desafiar abertamente todas as determinações das potências que controlam o mundo, Ahmadinejad multiplica afirmações provocadoras, incluindo a retomada da idéia de destruir o Estado de Israel. Como explicar a cautela dos Estados Unidos e aliados? A resposta, do ponto de vista mais estratégico e estrutural, resume-se a uma palavrinha mágica: petróleo; no plano mais conjuntural e imediato, remete ao grande fiasco da intervenção estadunidense no Iraque, onde já foram mortos mais de 2.100 soldados de George W. Bush. A “crise do Irã” concentra todos os aspectos mais determinantes do jogo geoestratégico do mundo contemporâneo. A economia mundial depende, mais do que nunca, da estabilidade do fornecimento de petróleo e gás, segundo preços razoavelmente previsíveis. Os preços atuais, em torno de 65 dólares o barril, já beiram o limite do suportável para a economia mundial. O extremo rigor do inverno no Hemisfério Norte tornou a situação ainda mais grave, por acentuar a dependência, principalmente européia, do gás e petróleo importados.
Os preços do barril saltaram dos 30 dólares, às vésperas da invasão do Iraque (março de 2003), para os valores atuais, graças à política desastrosa e agressiva adotada pela equipe de malfeitores que ocupa a Casa Branca. A resistência iraquiana jamais permitiu a normalização da produção e exportação do petróleo daquele país, e isso gera um ambiente propício a especulações desenfreadas no mercado mundial do petróleo. Nesse quadro, bastaria com que um dos grandes países exportadores – por exemplo, o Irã – anunciasse a sua intenção de “fechar as torneiras”, para gerar pânico e descontrole no mercado mundial. É tudo que o brilhante estadista George Bush não precisa. Se alguma coisa ainda lhe garante um certo nível, cada vez menor, de apoio da opinião pública estadunidense, é a relativa estabilidade econômica dos Estados Unidos, mesmo assim obtida graças à pilhagem dos recursos mundiais. Uma elevação ainda maior dos preços do petróleo atingiria o mercado consumidor estadunidense (o maior consumidor mundial de gasolina) e poderia desencadear uma grave crise política de seu governo. A hipótese de invadir o Irã, por outro lado, está descartada, graças à resistência iraquiana. Bush, o esperto, não sabe mais o que fazer com o Iraque. Não pode permanecer no
país, sem acabar provocando uma crescente oposição dentro dos Estados Unidos; mas não pode deixar o país, pois isso poderia implicar o controle das reservas do petróleo pelos xiitas aliados ao Irã, ou pelos fundamentalistas sunitas. A última opção seria, agora, correr o risco de provocar uma união sagrada entre todas as correntes islâmicas, mediante a invasão do Irã. Sem levar em conta, aliás, que tal atitude seria inaceitável aos olhos da opinião pública mundial. Para piorar um pouco mais o quadro, do ponto de vista da Casa Branca, a recente vitória do Hamas na Palestina introduz um novo elemento de instabilidade no Oriente Médio. O Hamas não é “dócil” nem facilmente controlável como eram os antigos líderes derrotados da Fatah. Ele é muito mais ligado e permeável aos sentimentos da população mais pobre e sofrida da Palestina, que, certamente, jamais ficaria indiferente a uma nova agressão imperialista no Oriente Médio. George Bush, o breve, está sentindo na pele aquilo que Karl Marx já dizia em 1848: a história mundial é movida por forças profundas, complexas e contraditórias, que não podem ser controladas, nem pelo capital nem pelas armas. Alguém poderia lhe fazer um favor: enviar-lhe uma cópia do Manifesto Comunista.
FALA ZÉ
OHI
CARTAS DOS LEITORES ELEIÇÕES PALESTINAS A Federação de Entidades ÁrabeBrasileiras do Estado de S. Paulo (FEARAB/SP) cumprimenta a Autoridade Nacional Palestina e o povo palestino pelo exemplo democrático que foram as eleições realizadas em 25/1. Saúda também o vencedor incontestável do pleito, o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), lembrando que tal grupo se caracteriza por um belo trabalho de beneficência e assistência social (manutenção de escolas, creches, hospitais, auxílio a necessitados, etc.), e que suas ações armadas, que, infelizmente, costumam também atingir civis, normalmente são apenas represálias às práticas israelenses de terrorismo de Estado, que, há décadas, também matam civis palestinos, destroem suas casas e plantações milenares, expulsam-nos das terras de seus ancestrais, etc. Tanto assim que, provavelmente, nem existiria Hamas se não fosse o terrorismo de Estado israelense. Aliás, é preciso lembrar que, até alguns anos atrás, e por motivos escusos (dividir o povo palestino e tentar minar a liderança do saudoso e inesquecível Yasser Arafat), o próprio Estado Judeu ajudou o Hamas a se fortalecer. Os milhões de brasileiros de origem árabe só desejam que haja paz para todos os povos envolvidos no conflito. Uma
paz com justiça. Porque, sem justiça, não pode haver paz. Mauro Fadul Kurban, diretor-secretário da Fearab São Paulo (SP) PROGRAMA DIREITO DE RESPOSTA Sou assinante deste jornal, gosto muito de ler seus artigos e o faço logo que recebo em casa. Acho muito ilustrativo e crítico, principalmente em assuntos políticos. Na edição 150, de 12 a 18 de janeiro de 2006, traz um artigo sobre “Programa conquista telespectador”, Direito de Resposta, na RedeTV. Fui levado pela propaganda deste jornal e tive uma decepção ao ligar tal canal, 13, Rede TV. Deparei-me com o programa do “Missionário” RR Soares com declarações claramente preconceituosas contra a Igreja Católica e religiões afro-brasileiras. O mesmo “Missionário” apresenta uma história de cura miraculosa, como se ele fosse o único autorizado por Deus, no mundo, intérprete do Espírito Santo, ofendendo os outros com sua convicção de superioridade enquanto os demais estão com o diabo. Pelo o que li neste jornal o programa não confere com a realidade. Não vejo nada de novo, nada me atraiu; ao contrário, permanece de outra maneira, ofendendo a muitos brasileiros e brasileiras que querem ver sua religião ou sua crença respeitada de modo digno e civilizada. Pe. Itamar Alves Pereira Rio do Antonio (BA)
Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815
CRÔNICA
O padre guerrilheiro e a revolução Marcelo Barros Este fevereiro marca os 40 anos da morte em combate do padre Camilo Torres, sacerdote católico que, nos últimos anos de sua vida, participou de um grupo guerrilheiro e lutou até morrer para libertar a Colômbia e transformar o mundo. Muitas vezes, quando se fala em Camilo Torres, propaga-se a idéia de que ele era um padrezinho fanático, ingênuo que tomou o caminho que, hoje, corresponde ao terrorismo. Por questão de justiça e verdade histórica, é bom esclarecer: Camilo Torres entrou na guerrilha em 1965, aos 35 anos. Era teólogo e tinha mestrado em Sociologia, feito em Louvain (Bélgica). Em Bogotá, foi fundador e professor da Faculdade de Sociologia, deão na Escola Superior Pública e no Instituto de Administração Social. Foi representante do cardeal junto à Junta Diretiva do Instituto Colombiano de Reforma Agrária (Incora). Ali Camilo toma conhecimento direto das condições sub-humanas em que lavradores e índios vivem e como a própria ajuda que o governo e a Igreja dão serve para mantê-los na dependência social e na escravidão. Luta para introduzir critérios mais justos e que a lei se aplique sem exce-
ções. Quando vê que nada consegue, se convence de que a revolução era a única saída possível. Sabe que sua posição escandalizará a todos. Por isso, escreve: “Sou revolucionário, como colombiano, como sociólogo, como cristão e como sacerdote. Como colombiano, porque não posso estar alheio às lutas de meu povo. Como sociólogo, porque graças ao conhecimento científico que tenho da realidade, cheguei à convicção de que as soluções técnicas e eficazes não são alcançadas sem uma revolução. Como cristão, porque a essência do cristianismo é o amor ao próximo e somente pela revolução se pode conseguir o bem da maioria. Como sacerdote, porque a entrega ao próximo que a revolução exige é um requisito do amor fraterno, indispensável para celebrar a eucaristia”. É demitido de todos os seus altos cargos na Universidade e destituído das funções de padre. Bispos e padres não perdoam que ele tenha pedido a expropriação dos bens da própria Igreja. Camilo tentou fazer um amplo movimento educativo na cidade. Tem a vida ameaçada. Refugia-se no campo. Interpreta que o único grupo que, verdadeiramente, procura mudar
a situação do povo é a guerrilha. Não é, de modo algum, um homem violento. Ao contrário, todos que o conheceram o consideravam uma pessoa pacífica e humilde. Mas, o Mahatma Gandhi, o grande mestre da paz, dizia preferir a ação violenta à covardia ou à omissão. Camilo se insere em um grupo de guerrilheiros do Exército de Libertação Nacional. Os militares armam uma emboscada e Camilo cai morto, sob as balas da 5ª Brigada do Exército colombiano. Quarenta anos depois, as pessoas que continuam a viver o ideal de Camilo Torres compreendem que ele foi obrigado a optar pela luta armada. Ele mesmo insistia que a revolução mais profunda só se dará pela educação. Hoje, os que se sentem herdeiros de sua luta se consagram a uma revolução não violenta, mas honram a memória de Camilo Torres que, da forma que podia, deu sua vida por um mundo de justiça e de paz. Marcelo Barros é monge beneditino. É autor de 27 livros, entre os quais está no prelo A Vida se torna Aliança, (Como orar ecumenicamente os Salmos), Ed. CEBI-Rede da Paz, 2005
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De 9 a 15 de fevereiro de 2006
NACIONAL TV DIGITAL
Hélio Costa quer impor decisão Dafne Melo da Redação
Agência Brasil
Sociedade civil denuncia postura autoritária de ministro, busca ampliar o debate e aposta na democratização de novos canais, o que poderia aumentar a concorrência. A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) teme que as pressões das emissoras ganhem força por conta das eleições. “Ninguém quer brigar com emissora de TV em ano eleitoral”, avalia.
A
ERROS E ACERTOS “O governo acertou em algumas coisas no início, mas com Hélio Costa, só tem errado”, avalia Gustavo Gindre, coordenador-geral do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (Indecs) e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. Em 2003, com Miro Teixera no ministério, o governo criou um Grupo Gestor que definiria as
REAÇÃO
Ministro Hélio Costa, ex- funcionário da TV Globo, dá privilégios aos interesses da emissora no debate sobre a TV digital
políticas para a implementação de um Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD). Esse fórum seria assessorado por um Comitê Consultivo, com representantes de diferentes setores, incluindo organizações não-governamentais, representantes da indústria de eletro-eletrônica, pesquisadores e as próprias emissoras de TV. Nesse mesmo ano, o governo federal começou a financiar pesquisas de 22 consórcios formados por universidades brasileiras. Entretanto, assim que assumiu a pasta das Comunicações, Costa “sabotou o debate dentro do Comitê Consultivo”, avalia um de seus integrantes, Celso Schroder,
O que muda com a transmissão digital A introdução da tecnologia digital na radiodifusão é vista por especialistas como uma verdadeira revolução, que irá criar um novo meio de comunicação. “A TV digital pode quebrar todos paradigmas existentes na comunicação”, diz Gustavo Gindre, coordenador geral do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (Indecs) e integrante do Coletivo Intervozes. No atual cenário de convergência tecnológica na área de telecomunicações – em que as diferenças entre os meios (rádio, TV, internet) tendem a ficar mais tênues –, a TV digital terá um papel preponderante, muito mais amplo do que apenas fornecer uma imagem melhor. Com o uso da interatividade, a TV digital pode suprir tanto demandas comerciais das grandes emissoras como permitir a inclusão digital, oferecendo serviços de internet à população, por exemplo. Entre as mudanças mais importantes está a possibilidade do aumento de novos canais de TV, conhecida como multiprogramação. Ou seja, onde hoje se transmite um canal, com a TV digital podem ser transmitidos quatro canais. Com isso, abre-se espaço para novos atores produzirem os conteúdos televisivos – sindicatos, movimentos sociais, organizações não-governamentais, canais comunitários e universitários. Para isso, no entanto, seria preciso o Brasil optar pelo modelo tecnológico que permite a multiprogramação. E não por outros modelos, que utilizam o avanço tecnológico para melho-
rar a imagem dos canais existentes, sem permitir a criação de novos, ou para abrir espaço para serviços de telefonia celular (a chamada portabilidade). Em todo o mundo, apenas o padrão europeu (DVB) seguiu o caminho tido como mais democratizante, que usa a banda de transmissão disponível para ampliar os agentes de comunicação. Japoneses e estadunidenses privilegiaram a alta definição, barrando a inserção de novos canais. O padrão estadunidense (ATSC), para muitos, paga o preço do pioneirismo e é o pior entre os três existentes, com interatividade muito limitada e sem trasmissão para celulares. O sistema japonês (ISDB) alia alta definição com mais interatividade e portabilidade. No padrão europeu, a imagem digital é inferior à de alta definição, mas melhor do que a atual, analógica. Para o deputado federal Walter Pinheiro (PT-BA), o Brasil precisa optar por um modelo que atenda à demanda da população e que busque a democratização da comunicação. “Podemos dialogar com outros padrões, mas precisamos adotar um padrão nosso, que atenda às especificidades brasileiras”, avalia. Gindre esclarece que não se trata de “reiventar a roda”. A seu ver, o sistema brasileiro deve privilegiar a multiprogramação e a interatividade, aproveitando, se necessário, tecnologias já existentes. (DM, com informações do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, www.intervozes.org.br)
ser definido em fevereiro”, diz. Ainda de acordo com o pesquisador, o Decreto 4. 901, de 2003, que cria o Sistema Brasileiro, não estabelece prazo para a definição. “Essa pressa é para cumprir a agenda da Globo”, revela. Ex-funcionário da TV Globo, o ministro já declarou publicamente sua escolha: quer o padrão japonês, que privilegia a alta definição e não permite a inserção de novos canais. Curiosamente, esse é o mesmo padrão defendido pela Globo – que seria uma das únicas emissoras com poder aquisitivo para migrar para o novo modelo. A outra opção – chamada multiprogramação – permitiria a entrada
coordenador-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Desde então, o ministro teria se reunido periodicamente apenas com as emissoras de TV, e permitido que elas formassem um grupo de trabalho junto com alguns consórcios de pesquisas.
ATROPELO O rolo compressor de Hélio Costa se presta a apressar, para fevereiro, a escolha do padrão pelo Executivo, explica Gindre. “Costa está contando várias mentiras. E, como tem a Rede Globo a seu favor, a imprensa não desmente. Ele criou o mito de que o padrão deve
No final de janeiro, o presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), anunciou a entrada da Câmara no debate – conseqüência, segundo Schroder, da “grita que alguns movimentos fizeram”. A decisão foi tomada antes de duas datas importantes: no dia 8 (um dia depois do fechamento desta edição, dia 7), integrantes do Comitê Consultivo do Sistema Brasileiro tinham reunião marcada com parlamentares. No dia 10, o presidente da República deveria receber um relatório com o resultado da pesquisa dos consórcios. Gindre acredita que a discussão com os deputados é fundamental para mostrar a eles que esse assunto é muito maior do que uma simples escolha de padrões. “É uma discussão que diz respeito à democracia. É preciso puxar o freio de mão e fazer o debate”, diz. Tanto Gindre como o deputado Pinheiro criticam a tentativa de Hélio Costa – com apoio da imprensa – de forjar a idéia de que no dia 10, com a entrega dos relatórios, se encerrem os debates sobre a TV digital. “Como o decreto não fala de prazo, nada impede que o debate continue o quanto for necessário”, alerta Gindre. Para Pinheiro, o dia 10 deveria ser visto como uma data que apenas inicia um processo de escolha, e não o encerre: “Essa decisão não pode ser tomada com a faca no pescoço”.
Implementação está sendo feita de ponta cabeça Outra decorrência da falta de um debate com toda a sociedade a respeito da TV digital é que o caminho foi feito “na ordem inversa”, diz Celso Schroder, coordenador-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). “Primeiro quer se escolher a tecnologia para depois fazer a disputa política?”, questiona. Gustavo Gindre, coordenadorgeral do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (Indecs), acredita que o ideal seria que duas ações antecedessem a escolha de um padrão. Antes deveria se debater o que se quer alcançar com o uso da nova tecnologia. “O governo faz o debate ao contrário. O certo seria, em função da necessidade, se escolher um modelo”. Segundo, aponta Gindre, o Brasil – a exemplo de países europeus, dos Estados Unidos e do Japão – deveria mudar a legislação antes de qualquer decisão sobre a TV digital. O pesquisador explica que é necessário um marco legal para regulamentar um novo cenário das comunicações, definido pela convergência tecnológica. “O Brasil tinha que ter feito um marco regulatório, o básico, o chão onde tudo se alicerça”, avalia. No caso brasileiro, alerta Gindre, há outro agravante. No governo de Fernando Henrique Cardoso, para realizar a privatização da Telebrás, foram separadas as áreas de radiodifusão e telecomunicações. “A nossa lei foi amputada. A primeira é de 1962 e a segunda, de 1997. No mesmo momento em que, nos EUA, se cria uma lei para fazer a convergência, aqui se separa”, explica o pesquisador. Caso a implementação da TV digital se dê antes da elaboração de uma legislação, Gindre teme que possa prevalecer a lei do fato
Agência Estado
o definir os padrões da TV digital no Brasil, o governo poderá optar, basicamente, entre dois caminhos: um deles é dar um importante passo rumo à democratização dos meios de comunicação, privilegiando o desenvolvimento da indústria e da tecnologia nacionais. O outro caminho – velho conhecido – é ceder a interesses privados que beneficiam apenas uma elite, além de reiterar a dependência tecnológica do país. Para deputados e especialistas do setor, esse é o verdadeiro debate a ser feito em torno da adoção de um padrão digital de televisão – debate que o ministro das Comunicações Hélio Costa (PMDB-MG) escamoteia, ao reduzir a questão à simples escolha entre os padrões tecnológicos existentes: o japonês, o europeu e o estadunidense (veja o quadro abaixo). Para o deputado federal Walter Pinheiro (PT-BA), a essência do debate é a democratização das comunicações. “Se desenvolvermos um sistema brasileiro, que atenda aos interesses do Brasil, poderemos ser detentores de tecnologia, fomentar a indústria e a pesquisa nacionais”, defende.
A tecnologia está sendo escolhida antes de ser feito o debate político
consumado. “Como não tem lei para dizer o que pode e o que não pode ser feito, cada um vai fazer o que quiser. Quem pode fazer o que quer é quem tem poder econômico. Aí vamos ver se o governo vai ter peito para barrar algo que já está funcionando”, alerta. Para Celso Schroder, mesmo as pesquisas dos consórcios foram feitas de forma “esquizofrênica”,
uma vez que aconteciam paralelas ao debate. “As pesquisas não aconteceram a partir de demandas de um modelo previamente pensado”, explica. Gindre concorda, mas chama a atenção para o lado positivo das pesquisas: “Com os resultados obtidos até agora já deu para provar que, se o governo quiser, o Brasil tem total condição de desenvolver um sistema brasileiro”. (DM)
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Espelho Cid Benjamin Circulação dos jornais cresce O Instituto Verificador de Circulação (IVC) atestou que, em 2005, a venda dos jornais impressos (incluindo venda em bancas e por assinatura) aumentou 4% em relação ao ano anterior, depois de três anos de estagnação. Em grande medida, o crescimento foi impulsionado por jornais populares. O jornal que mais cresceu foi o Lance (34%), diário esportivo editado em São Paulo e no Rio. A expectativa é de que a circulação continue aumentando em 2006, puxada pela Copa do Mundo e pelas eleições. O Globo erra sobre a Folha Num jornal há erros que, embora possam ter sido causados por distração, são incômodos. Foi o que aconteceu com O Globo, ao noticiar na semana passada a circulação dos jornais brasileiros. Ele afirmou que a circulação da Folha, seu maior concorrente, havia caído 1% em 2005. Foi obrigado a se corrigir dois dias depois. JB sai dos dez mais O Jornal do Brasil, que teve uma queda de 10% em sua circulação, pela primeira vez não figurou entre os dez diários mais vendidos no país. Os métodos de gestão de seu dono, Nelson Tanure, que não assina a carteira da maioria dos profissionais e utiliza abusivamente estagiários para fazer o trabalho de jornalistas, certamente contribuíram para a queda. Processo arquivado O juiz Juarez Costa de Andrade, do 10º Juizado Especial Criminal do Rio de Janeiro, arquivou a ação penal promovida por Nelson Tanure, dono do JB, contra os jornalistas Aziz Filho, Fred Guedini e Murilo Fiúza de Melo e o líder metalúrgico Luiz Chaves. O juiz viu na ação tentativa de constrangimento. O pretexto de Tanure ao entrar na Justiça foi um perfil seu publicado na revista Lide, do Sindicato dos Jornalistas do Rio. Ele processou o autor do perfil e pessoas que deram depoimentos desabonadores sobre seus métodos de trabalho. Direitos autorais I Segundo a agência espanhola EFE, a Associação Mundial de Jornais (AMJ) criou um grupo de trabalho para estudar modalidades da cobrança de direitos autorais aos sites de busca da internet. A AMJ considera que os sites de busca “exploram o conteúdo” dos jornais “sem entregar uma compensação razoável aos proprietários dos direitos autorais”. Essa briga ainda vai dar pano para mangas. Direitos autorais II Ainda no quesito direitos autorais, seria bom que os mesmos jornais que pensam em cobrar dos sites de busca respeitassem os direitos autorais de jornalistas que têm suas matérias publicadas em mais de um veículo ou, até, vendidas por agências vinculadas aos órgãos de imprensa em que trabalham, sem receber um centavo por isso. É uma antiga reivindicação dos jornalistas. Mortes de jornalistas I A guerra do Iraque caminha para se tornar o conflito bélico em que morreram mais jornalistas em todos os tempos. Dados coletados pelo The Freedom Fórum e divulgados pelo instituto estadunidense Poynter <http://www.poynter.org/resource/ public/20060130_173608_ 15609.gif> mostram que já morreram em solo iraquiano 66 jornalistas – três a mais do que os 63 da Guerra do Vietnã e três a menos do que os 69 da Segunda Guerra Mundial. Fica a dúvida se não haverá, por parte do Exército dos EUA, a política deliberada de alvejar jornalistas que não estejam sob suas asas. Mortes de jornalistas II Pelo menos 63 jornalistas foram mortos no mundo em 2005 – o índice mais alto na última década – revelou o grupo Repórteres sem Fronteiras (RSF). O Iraque lidera essa corrida macabra, com 24 mortos. No Brasil, o jornalista José Cândido Amorim Pinto, da Rádio Comunitária Alternativa, foi assassinado em julho de 2005 quando chegava ao trabalho, em Carpina (PE). Ele vinha recebendo ameaças por suas denúncias sobre corrupção. Blog do Cid – http://blogdocidbenj amin.zip.net/
REFORMA AGRÁRIA
Juiz pede prisão de trabalhadores Cinco pessoas tiveram prisão preventiva decretada por lutar por direito à terra Mariana Martins do Recife (PE)
João Caldas
da mídia
NACIONAL
P
risões preventivas de cinco integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), entre eles o coordenador estadual do movimento, Jaime Amorim, foram decretadas, dia 27 de janeiro, pelo juiz substituto da Comarca de Gameleira, Antônio Carlos dos Santos. Em decorrência de uma manifestação organizada pelo MST dia 15 de dezembro de 2005, na Usina Estreliana, em Gameleira (PE), os trabalhadores estão sendo acusados de formação de quadrilha, invasão de propriedade industrial, dano qualificado, incêndio, incitação, apologia ao crime e desobediência de ordem judicial. Apenas José Bernardo de Sena foi preso, dia 1º de fevereiro. Dia 3, advogados, parlamentares e representantes de entidades e organizações sociais entregaram no Fórum de Gameleira o pedido de revogação das cinco prisões preventivas. Na praça principal da cidade, em ato simbólico, centenas de sem-terra receberam a comitiva e acompanharam pacificamente a entrega da petição. A juíza titular da Comarca de Gameleira, Dulceana Maciel Oliveira – que estava de férias quando as prisões preventivas foram decretadas – não se encontrava no Fórum para receber o documento. A petição foi protocolada e entregue ao promotor da Comarca, Valdir Mendonça. A decisão da juíza estava prevista para dia 8 de fevereiro.
AMEAÇA Em carta de apoio ao movimento, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e outras organizações de defesa dos direitos humanos argumentam que “a decretação de tais prisões denota ameaça à liberdade de reivindicação e criminaliza trabalhadores/as sem que haja os fundamentos plausíveis para aplicação de medida tão rigorosa, comprometendo dessa forma a credibilidade da Justiça”. Marcelo Santa Cruz, coordenador do Centro Dom Helder Câmera de Estudos (CENDHC), enfatiza que as prisões preventivas são
As prisões preventivas foram decretadas durante uma manifestação em frente a uma usina, em Pernambuco
meramente políticas e só tiveram como fim a criminalização do movimento. “O Supremo Tribunal de Justiça já entende que militantes de questões agrárias não podem ser tipificados como formadores de qua-
drilha quando se manifestam para fim da reforma agrária”, diz. Jaime Amorim, do MST, para quem as prisões só interessam aos usineiros, afirmou: “O Poder Judiciário se submeteu ao poder dos
usineiros. Essa submissão arcaica e colonial não vai acabar com o sonho do trabalhador rural. Ninguém está foragido, estamos usando o nosso direito de entrar com o pedido de relaxamento da prisão”.
Um passado revelador Cerca de 150 famílias aguardam há mais de quatro anos a imissão de posse do engenho Pereira Grande. Na mesma situação estão os engenhos Alegre I, Alegre II, São Gonçalo e outros que também fazem parte da já avaliada como improdutiva Usina Estreliana. Mais de três mil semterra participaram da marcha do dia 15 de dezembro do ano passado, quando houve conflito com a polícia. Parte do canavial e um trator foram incendiados. A manifestação pedia agilidade na desapropriação das terras da usina e protestava contra o cancelamento da imissão de posse. Em novembro de 2005, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), mediante decreto presidencial que caracterizou o imóvel como de
interesse social para fins de reforma agrária, obteve na Justiça federal decisão autorizando a imissão de posse da área. Dias depois, a decisão foi cancelada por uma liminar. A Usina Estreliana tem um histórico questionável no que diz respeito a suas relações com a Justiça e com os trabalhadores. Data de 1963 o episódio de assassinato de trabalhadores relatado pela historiadora Socorro Abreu e Lima em sua publicação O sindicalismo rural em Pernambuco e o Golpe de 64. “Os trabalhadores rurais foram à Usina Estreliana, em Ribeirão, cobrar o pagamento do décimo terceiro salário e foram trucidados pelo dono da usina, que era deputado pelo PTB. Cinco camponeses foram assassinados e houve mais três feridos”. Os donos da Usina teriam sido, ainda, responsáveis
por ameaça de morte ao deputado federal e militante das causas agrárias, Gregório Bezerra. O relato está no Cordel O ABC de Gregório, de autoria de Genivaldo Tenório. Na Justiça, a situação da Estreliana não é das melhores. O Diário de Pernambuco de 14 de março de 1998 noticiou que no dia 11 de março do mesmo ano a Usina teve a sua falência decretada. No dia 16 do mesmo mês, a falência foi suspensa. Sua dívida era de R$ 175 milhões e 1.065 títulos protestados, para um patrimônio em torno de R$ 40 milhões. A usina devia R$ 90 mil em salários. Ainda hoje as dívidas da Usina são enormes. A Usina está na lista dos maiores devedores da Previdência. (MM)
POVOS INDÍGENAS
Funai: a serviço de quem? Bruno Terribas de São Paulo (SP) A crise na relação entre a Fundação Nacional do Índio (Funai) e defensores dos direitos dos povos indígenas agrava-se a cada dia, com demissões de funcionários e críticas à política do governo. O episódio mais recente foi o desligamento de cinco dos oito antropólogos integrantes do Conselho Nacional Indigenista do órgão. O pano de fundo para a decisão do grupo é a crise institucional provocada pela polêmica afirmação do presidente Mércio Gomes – que considerou “muita terra” os 12,5% do território brasileiro ocupado por áreas indígenas. A afirmação foi rechaçada pelo sertanista Sidney Possuelo (veja a edição 153 do Brasil de Fato), o que resultou em sua exoneração após 33 anos de carreira. “Nossa atitude pretende questionar enfaticamente procedimentos da política indigenista constatada nas ações da Funai, que se fundamentam em concepções arcaicas sobre os povos indígenas, seja no campo da ação política, seja nas orientações teóricas dos métodos das Ciências Sociais e da Antropologia”, escrevem Bru-
na Franchetto, Gilberto Azanha, Isa Maria Pacheco, José Augusto Laranjeira Sampaio e Rubem Ferreira Thomas de Almeida, em carta divulgada dia 30 de janeiro e entregue ao ministro da Justiça, Márcio Thomáz Bastos.
DENÚNCIA Os demissionários pretendem divulgar, em breve, um documento denunciando a retenção de 14 a 17 terras indígenas sob responsabilidade da Funai. Segundo eles, as áreas já têm parecer favorável dado pelo grupo técnico especializado e os laudos foram aprovados dentro do departamento específico da entidade. O órgão estaria, portanto, contrariando o Decreto 1775/96, que dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação. O decreto determina que os resumos dos estudos devem ser publicados em até 15 dias após a conclusão, no Diário Oficial da União e nos diários oficiais do Estado e do município da área, para que qualquer possível manifestação contrária possa ser efetuada até 90 dias. Os antropólogos apontam duas grandes falhas na gestão da Funai: a questão fundiária, que envolve a
demarcação das terras indígenas e sua posterior administração, e a problemática relação do Estado brasileiro com o índio. “A Funai não tem uma política de diálogo com os índios. É tudo de cima para baixo, tratando-os como subordinados diretos. É um resquício dos tempos da ditadura militar, que sempre procurou tratar os povos indígenas com tutela e autoritarismo”, afirma José Augusto Laranjeira Sampaio, professor de Antropologia da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e coordenador executivo da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí). O mestre em Antropologia Social Gilberto Azanha tece críticas diretas à gestão Mércio Gomes frente à Funai: “Nunca vi um governo tão paralisado na questão dos índios, sobretudo na questão de terra. Existe um jogo claro como política de governo de não dar prosseguimento às regulamentações fundiárias. É uma atitude de impor um limite às reinvindicações”. O também mestre em Antropologia Rubem F. Thomaz de Almeida se mostra desapontado com a posição “subalterna” da entidade frente ao Ministério da Justiça, ao qual está subordi-
nado. “Pensava que teríamos uma gestão com uma coerência maior, uma vez que o presidente também é antropólogo”, completa.
CONSELHO INOPERANTE O Conselho Nacional Indigenista deveria ter reuniões trimestrais. Ao longo dos últimos dois anos, entretanto, se reuniu apenas cinco vezes, três em 2004 e duas em 2005. Sampaio afirma que “as reuniões não tinham uma pauta previamente divulgada”. Além disso, “eram marcadas com um ou dois dias de antecedência, o que impossibilitava a presença de todos os integrantes, dada a distância geográfica de cada um em relação a Brasília”. O presidente da Funai rebateu as acusações dos antropólogos, afirmando ter apoio da maioria do conselho, pois 9 dos 14 conselheiros não se demitiram. “Eles não conseguiram convencer os outros, apesar de terem tentado”, atacou Mércio. O que o presidente parece não ter considerado é que o movimento de demissão foi organizado apenas entre os antropólogos do Conselho, que eram 8. “O grupo conseguiu o apoio de 5 dos 7 antropólogos que foram contactados”, contesta Sampaio.
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NACIONAL EDUCAÇÃO
Mais recursos, ainda que escassos Igor Ojeda da Redação
José Cruz/ABr
Pressão da sociedade consegue avanços nas políticas públicas para o ensino básico
O
s avanços são inegáveis. Mas poderiam ter ido ainda mais longe. No dia 2, a Câmara dos Deputados aprovou em segundo turno a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que cria o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). De autoria do Poder Executivo, o projeto será agora avaliado e votado no Senado. O Fundeb vai substituir o atual Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), instituído em 1996 e que expira em setembro. O novo fundo vai durar 14 anos e atender um universo de cerca de 47,2 milhões de alunos da educação infantil, dos ensinos fundamental e médio e da educação de jovens e adultos – ampliando a abrangência do fundo atual, que dispõe de recursos apenas para o nível fundamental. Pelo texto aprovado, a União deve complementar o fundo com recursos próprios sempre que o valor mínimo por aluno nos Estados não alcançar o mínimo definido nacionalmente. No entanto, a complementação será gradual. No primeiro ano, o governo federal vai entrar com R$ 2 bilhões. No segundo, com R$ 2,85 bilhões; no terceiro, com R$ 3,7 bilhões e, no quarto, com R$ 4,5 bilhões. A partir do quinto ano, o complemento da União passará a 10% do total de recursos dos fundos criados em cada Estado. Além disso, a PEC estipula que 60% do valor total do Fundeb será usado para pagamento de professores e funcionários das escolas.
O presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo, preside sessão plenária para votar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que cria o Fundeb
aprovado contempla propostas como a inclusão das creches, a criação de um piso salarial nacional e a definição do percentual de 10% de complementação da União a partir do quinto ano de vigência do Fundeb. “A PEC tem limites, mas é uma das propostas mais voltadas para uma estruturação do financiamento da educação, em um país cuja responsabilidade pela educação básica recai sobre Estados e municípios e não sobre a União”, avalia Juçara Dutra Vieira, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), uma das entidades integrantes da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. A relatora da PEC do Fundeb, deputada federal Iara Bernardi (PTSP), acredita que seria “inaceitável” a exclusão das creches, uma vez que o fundo pretende ser um projeto de inclusão. “Todas as teorias e práticas pedagógicas sabem da importância da estimulação das crianças até os três anos de idade”, diz.
AVANÇOS Para as entidades que participaram do debate sobre a PEC, na Câmara dos Deputados, o projeto aprovado representa uma conquista em relação ao texto original enviado pelo Executivo, em julho de 2005. Como resultado das mobilizações da sociedade civil, o fundo
Entre os limites do Fundeb, Juçara cita três principais. Primeiro, o fundo receberá 20% da receita de impostos dos Estados e municípios a partir do quarto ano – as entidades queriam 25%. A segunda restrição se refere ao pagamento dos professores e funcionários das escolas. De acordo com a presidente da CNTE, o ideal seria destinar 80% do Fundeb, e não 60%. A terceira reivindicação não atendida é a complementação da União em valores percentuais desde o início da vigência. Na opinião de Juçara, a instituição de valores nominais nos quatro primeiros anos criará defasagens. Para o deputado federal Ivan Valente (Psol-SP), no entanto, os limites comprometerão a eficácia do Fundeb. Segundo ele, “se não há uma viabilização maciça de recursos, o fundo não terá impacto. Vira uma socialização da miséria na educação”. Valente calcula que se o governo federal complementasse o fundo em 10% do total já no primeiro ano e
caso o Fundeb contasse com 25% da cesta de impostos – percentual previsto pela Constituição –, teria-se, de imediato, entre R$ 6 bilhões e R$ 7 bilhões para a educação. O deputado lembra ainda que os 10% em questão seriam absolutamente viáveis: “Pagou-se algo em torno de R$ 34 bilhões adiantados ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e o gasto da União com o Fundeb, em quatro anos, acumulados, vai ser de R$ 8,6 bilhões. Quatro vezes menos. Há um enorme conformismo. Aumentou um pouquinho, já está bom”.
PRESSA Valente critica ainda os escassos recursos destinados às creches e a não inclusão na PEC de uma comissão de controle dos recursos do fundo. “Os deputados são pressionados pelos secretários de Educação dos Estados, que não querem uma vigilância tão grande”, alerta. Para começar a vigorar ainda este ano, o Fundeb precisa ser
aprovado no Congresso Nacional antes do fim da convocação extraordinária, dia 14. Segundo Iara Bernardi, o consenso construído na Câmara dos Deputados em torno da PEC dá uma boa perspectiva para sua tramitação no Senado: “As reivindicações dos governos estaduais foram contempladas”. Depois de sancionada a PEC, uma lei ordinária – que já está sendo elaborada – tratará da regulamentação do Fundeb, definindo detalhes como a distribuição proporcional dos recursos, a forma de cálculo do valor mínimo por aluno, a fiscalização e o controle dos fundos e o piso salarial nacional para os professores e seus planos de carreira. No dia 6, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que amplia o ensino fundamental de oito para nove anos. Com a medida, a entrada das crianças na escola acontecerá aos seis anos de idade – hoje, é aos sete. Estados e municípios terão até 2010 para se adequar à determinação.
ANÁLISE
Denise Carreira Desde junho de 2005, quando o Poder Executivo apresentou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 415 para a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), desencadeou-se uma forte movimentação da sociedade civil reivindicando o aperfeiçoamento da proposta. Com o mote “Direito à educação começa no berço e é pra toda a vida”, várias organizações da sociedade civil aderiram ao movimento “Fundeb pra Valer!”. O texto do Fundeb aprovado recentemente com votação expressiva em dois turnos, pela Câmara dos Deputados, já reflete a pressão da sociedade, mas ainda há muito por avançar. Em primeiro lugar, é preciso explicitar que a criação de um fundo único para a educação básica é uma antiga reivindicação de movimentos e organizações sociais da área. Desde 1996, quando foi criado o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que entrou em vigor em 1998, movimentos e organizações apontavam para a necessidade de se criar um fundo que possibilitasse condições para superar distorções entre níveis e modalidades de en-
Arquivo Brasil de Fato
O destino da educação pública em jogo
Novas leis para o Fundeb trarão melhores condições para o ensino público
sino e que pudesse construir um pacto federativo e de revisão dos mecanismos redistributivos, garantindo condições mais justas para o conjunto da educação pública. As conquistas da pressão social – o texto apresentado pelo governo ao Congresso, em junho de 2005, trazia várias e graves limitações à expansão e à melhoria da qualidade da educação básica no Brasil. A primeira delas era a exclusão da educação infantil de 0 a 3 anos de idade, ferindo o próprio conceito de educação básica e deixando de fora os 13 milhões de crianças brasileiras nessa faixa etária. A insuficiente participa-
ção da União no fundo também era e continua sendo um ponto crítico.
CONQUISTA A inclusão das creches no Fundeb representou uma grande conquista de todas as entidades, dos movimentos, grupos e ativistas que se uniram na mobilização “Fundeb pra Valer!”. A força do nosso movimento levou a área econômica do governo e parlamentares articulados a determinados governadores a recuarem e admitirem a entrada da educação infantil de 0 a 3 anos, o que parecia impossível para muitos, no início da nossa pressão.
Porém, a inclusão das creches não foi seguida do necessário aumento de recursos do Fundeb. A área econômica aprovou apenas mais R$ 200 milhões ao montante do fundo, totalizando o valor de R$ 4,5 bilhões ao final de quatro anos, para o conjunto da educação básica. Nossa expectativa é de que o governo federal aumente sua contrapartida em pelo menos mais R$ 1 bilhão. Na verdade, a contrapartida da União necessária para garantirmos os referenciais de custo aluno-qualidade (CAQ) calculados pela Campanha seria em torno de R$ 18 bilhões, que representam apenas cerca de 1% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, 10% do que o governo gasta com o pagamento dos encargos financeiros da dívida pública. Além da inclusão das creches, conseguimos emplacar uma emenda que trata do padrão mínimo de qualidade, base do CAQ, lutando contra o MEC e a área econômica do governo, que queriam a retirada dessa emenda, temendo ações na Justiça e cobrança da sociedade para implementação do custo. Também conseguimos a retirada de duas das três travas colocadas para barrar a expansão do atendimento de jovens e adultos. Avaliamos que setores vinculados a governadores, após reconhecer a derrota com relação às creches, se voltaram para a educação de jovens e adultos, criando obstáculos para o crescimento acelerado de
matrículas, temerosos da perda de recursos para os municípios. Com relação a fixar a contrapartida da União em 10% do total do fundo, apesar de ter sido uma emenda apoiada pela maioria dos deputados, houve uma resistência declarada da área econômica. Quanto ao piso salarial para os profissionais de educação, também uma de nossas pautas prioritárias, foi fechada a negociação de que o Congresso terá 60 dias após a aprovação da emenda para regulamentar o piso. A participação de cada um, de cada uma, das mais diferentes formas, nos mais diferentes lugares do país, foi decisiva para alcançarmos essas conquistas. Agora que elas foram garantidas pelo plenário da Câmara, precisamos continuar mobilizados para que sejam confirmadas no Senado, onde as disputas podem ser mais acirradas. Denise Carreira é jornalista, mestre em Educação pela Universidade de São Paulo e coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação Para saber mais sobre o novo fundo e o movimento “Fundeb pra Valer!”: www.campanhaeducacao.org.br, campanha@acaoeducativa.org, tel. (11) 3151-2333.
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De 9 a 15 de fevereiro de 2006
NACIONAL COOPERATIVAS
Sob o risco do monopólio
Hamilton Octavio de Souza
Trabalhadores denunciam distorções em projeto que deve ser votado este mês
Disputa bilionária Cálculos preliminares indicam que a definição do padrão de TV digital pode gerar negócios da ordem de 100 bilhões de dólares nos próximos anos. Por isso mesmo existe uma briga de foice no escuro entre fornecedores de tecnologia, redes de televisão e empresas de telefonia – especialmente de capital estrangeiro interessado em manter o Brasil cativo. Com a conivência do atual governo. Sigilos atrasados Dificilmente o presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, cujo nome tem sido especulado para ser candidato a vice-presidente, nas chapas de Lula ou Serra, poderá negar o novo pedido de quebra do sigilo bancário do ex-metalúrgico Paulo Okamotto, atual presidente do Sebrae, já que a CPI dos Bingos corrigiu o erro anterior. Para a tormenta do Palácio do Planalto. Crime organizado O programa Big Brother Brasil, da TV Globo, além de estimular a “espiação” alheia e privada sem qualquer conteúdo informativo e cultural, pratica escancaradamente um crime contra a economia popular, pois fatura com as ligações telefônicas da falsa interatividade e participação do telespectador. Não tem nenhuma diferença com as múltiplas atividades do crime organizado. Contrastes diários Famílias ricas invadem terras públicas ao longo da costa brasileira, que pertencem à Marinha e às reservas naturais, constroem lindas mansões e as autoridades nada fazem de concreto, no máximo multam ou enviam notificações pelo correio. Famílias pobres sem moradia ocupam terrenos e prédios abandonados e são imediatamente reprimidas pela Justiça e pela Polícia Militar. Baixaria geral Analistas políticos prevêem que as eleições gerais de 2006 serão as mais sujas da história do Brasil, com denúncias e acusações generalizadas de roubo e de corrupção. O mensalão e o caixa dois colocaram o PT e o governo Lula no mesmo nível das principais forças políticas da burguesia. O tucano Fernando Henrique Cardoso iniciou o ataque com a frase “a ética do PT é roubar”. O troco vem aí. Fazendo escola Candidato folclórico a prefeito de São Paulo nas últimas quatro ou cinco eleições, o picareta Levi Fidélix ficou conhecido por apresentar uma única proposta de governo: construir um mirabolante aero-trem dentro da cidade. Agora, em período de précampanha eleitoral, o governo Lula retira do baú o projeto do trem-bala para ligar São Paulo e Rio de Janeiro. Levi Fidélix tem discípulos. Novo entreguismo Cantado em prosa e verso desde a posse de Lula, o tal de desenvolvimento sustentável ainda não vingou no Brasil, apesar dos recordes do superávit primário ano após ano. Tanto é que o ministro Antonio Palocci está preparando um novo pacote de atrações para o capital estrangeiro, com mais isenções, mais regalias e, certamente, mais sacrifício do povo brasileiro. Quem sobreviver, verá. Madre Cristina Fundada oficialmente no dia 25 de janeiro, com assembléia-geral realizada no Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo, a Associação Ação Solidária Madre Cristina, que congrega representantes de vários movimentos sociais e militantes políticos e de direitos humanos, pretende promover campanhas de mobilização, formação e solidariedade com o povo brasileiro.
Maria Mello e Nina Fideles de Brasília (DF)
A
pós 14 anos de discussões e divergências na sociedade civil e no parlamento, o novo Projeto de Lei (PL) do cooperativismo será votado em 14 de fevereiro, último dia da convocação extraordinária do Congresso Nacional, na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária Situação (CRA) do Senado. Apresentado em 1999, o PL de autoria do senador Osmar Dias (PDT-PR) é uma tentativa clara de monopolizar e controlar as cooperativas brasileiras. Existem, no país, cerca de 24 mil empreendimentos cooperativistas. Quase seis mil filiados à Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), que agrega majoritariamente as grandes cooperativas – com destaque para agronegócio, crédito e consumo. Aproximadamente dois mil se organizam em torno das entidades da Economia Solidária, como a Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (Concrab), a Universidade Solidária, ligada à CUT, e a Associação Nacional de Trabalhadores e Empresas de Autogestão (Anteag). Os outros cerca de 18 mil são independentes. Mas todos são regidos pela Lei 5.764, de 1971, instaurada pela ditadura militar, que institucionalizou o cooperativismo e centralizou sua organização em uma única representação: a OCB, criada dois anos antes. Durante esse período, a obrigatoriedade de filiação restringiu o número de organizações não lucrativas, que tiveram sua liberdade devolvida apenas em 1988, com a nova Constituição Federal.
Sócia de cooperativa de costureiras em Gravataí, interior do Rio Grande do Sul: direitos ameaçados pelo novo Projeto de Lei
ria, movimento social que ganhou força nos anos 1990 em função dos efeitos da crise e do desemprego em massa, concordam com a necessidade de uma nova legislação para o setor, mas repudiam a proposta de Dias. “Da forma com está, o projeto interessa exclusivamente a um setor do cooperativismo nacional, representado pela OCB e suas representações estaduais”, afirma Francisco dal Chiavon, presidente da Concrab. Outro dos muitos pontos condenáveis do PL é a obrigatoriedade de submissão das cooperativas à OCB quando do registro na Junta Comercial. “As associações deverão entregar seus documentos à OCB. Tratase, mais uma vez, de um mecanismo de controle”, reitera Chiavon.
Os artigos 17, 57 e 58 pretendem “mudar a cara” das cooperativas e transformá-las em empresas – tal e qual as instituições capitalistas. Nessa proposta, pessoas jurídicas poderiam ser admitidas como sócias, teriam acesso aos resultados e gozariam das vantagens tributárias fixadas em lei, contrariando a natureza cooperativista de fins não lucrativos. Para Chiavon, este é um dos pontos mais negativos do projeto: “Começa a descaracterizar o verdadeiro papel das cooperativas. A empresa é beneficiada pela isenção de impostos, participação nos lucros e o trabalhador nada ganha”. A destituição do limite máximo de capital subscrito pelos sócios – o que acarreta a dominação econômi-
Origens da cooperação
FILIAÇÃO COMPULSIVA O projeto a ser votado traz pontos semelhantes aos da lei vigente nos anos de chumbo, e reproduz quase por completo um outro PL, apresentado em 1989 pelo então deputado do PMDB catarinense, Ivo Vanderlinde, que nunca foi votado. O projeto de Dias (assim como o de Vanderlinde) exige, por exemplo, a filiação compulsiva das cooperativas à OCB. A medida é considerada inconstitucional, pois a lei assegura o direito à escolha da representação. Integrantes da Economia Solidá-
As organizações cooperativas surgiram no mundo inteiro como forma de unir os trabalhadores face ao desemprego crescente nos meios rural e urbano, advindos da Revolução Industrial. No Brasil, particular e historicamente, o aparecimento dessas organizações esteve muito mais ligado ao campo, como forma de organizar a produção e a comercialização da agricultura familiar. O registro da primeira cooperativa data de 1847, quando o médico francês Jean Maurice Faivre fundou no Paraná a colônia Tereza Cristina, de propriedade coletiva. A Lei 5.764 diz que uma cooperativa “é um contrato celebrado entre pessoas que reciprocamente contribuem com bens e serviços para exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivar lucro”. (MM e NF)
ca (e, por conseqüência, política) do maior cotista sobre os outros integrantes – e a obrigatoriedade do pagamento anual de 0,2% das cooperativas à OCB também são criticadas pelas entidades populares.
CONSELHO Além da exclusão dos artigos inconstitucionais e que prejudicam a maioria das cooperativas, as associações da Economia Solidária propõem a criação de um conselho, a ser composto por decreto-lei, do qual participariam as entidades já constituídas e o governo. Em 31 de janeiro, senadores da CRA e entidades reuniram-se em Brasília para procurar pontos consensuais no projeto. Segundo Chiavon, a OCB está irredutível, pois também não perde com a legislação atual – que não assegura ou incentiva o cooperativismo e nem dá tratamento tributário adequado ao ato cooperativo. “Nós estamos abertos à discussão”, conclui. Nos últimos dez anos, a OCB angariou dos cofres públicos mais de R$ 12 milhões em convênios, e não apenas do repasse destinado ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Sescoop), no valor de R$ 187 milhões. No ano passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) revelou resultados preliminares de auditorias apontando indícios de irregularidades nesses repasses às entidades.
VALE DO RIO DOCE
Cresce campanha para anular leilão Dafne Melo da Redação Deputados estaduais e federais, além de movimentos sociais entraram na luta pela revisão do processo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), ocorrido no governo Fernando Henrique Cardoso, em 1997. No dia 2, os deputados federais Dra. Clair (PT-PR), João Alfredo (Psol-CE), Babá (Psol-RJ) e Socorro Gomes (PCdoB-PA), entre outros, se reuniram para discutir a criação de uma Frente Parlamentar pela anulação do leilão que privatizou a então maior estatal do país.
CRIAÇÃO DE COMITÊS Segundo a deputada Dra. Clair, os deputados pretendem mobilizar outros parlamentares e a sociedade civil para garantir a manutenção da decisão da desembargadora federal Selene Maria de Almeida, da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal de Brasília. Em outubro de 2005, a juíza determinou a revisão do processo de desestatização da Vale e pediu uma perícia técnica na mineradora, para averiguar se o patrimônio da empresa foi subestimado no edital de privatização, de modo a reduzir o preço de venda. Entre os réus da ação, estão o
Assembléia Legislativa SP
Jogo imperial Analistas internacionais concordam que o esgotamento das reservas de petróleo dos Estados Unidos obrigará o governo George W. Bush a usar cada vez mais o expediente da violência, como a ocupação militar do Iraque, para assegurar o fornecimento de combustível. Vale lembrar que dois grandes produtores – Irã e Venezuela – não se submetem facilmente ao governo de Washington.
Divulgação
Fatos em foco
tização da CVRD não seja apenas institucional, mas que haja um processo de mobilização popular: “Na época das privatizações, a opinião pública ficou majoritariamente contra, queremos resgatar isso”, avalia.
IRREGULARIDADES
Campanha pela anulação do leilão da Vale ganha apoio de parlamentares
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que financiou as privatizações, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a União. Em ação conjunta, o BNDES e a própria Vale do Rio Doce entraram com recurso para reverter a situação, o que paralisa a continuidade da ação. Dra. Clair acredita que é essencial pressionar a Presidência da República e a Advocacia Geral da União para atuarem na resolução da questão. Como um dos réus, a União pode passar de um papel passivo para o ativo e retomar o processo, explica Dra. Clair. Para dar mais força a esse movimento, também estão sendo criados
comitês estaduais com representantes do parlamento de cada Estado e de movimentos sociais. Paraná e São Paulo já criaram os seus, e ainda este mês serão lançados fóruns semelhantes no Rio de Janeiro e no Pará. A deputada acredita que essas ações também vão fortalecer a CPI das Privatizações, criada no dia 16 pelo presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Atos públicos estão sendo programados em cada Estado. Em São Paulo, no dia 3 de março, e em Curitiba, dia 23 deste mês. Para Renato Simões, deputado estadual (PT) que coordenará o comitê em São Paulo, é importante que a luta pela reesta-
De acordo com a sentença da desembargadora, argumentos consistentes provam o rebaixamento do preço de venda da estatal. Ainda em 1995, a própria estatal teria declarado uma produção de minério de ferro muito maior do que o que consta do edital de privatização. A diferença, somada a produção na Serra de Carajás (PA) e em Minas Gerais, chega a quase dez bilhões de toneladas. “O objetivo é reavaliar o patrimônio da CVRD e ressarcir a União”, diz Dra. Clair. Socorro acha que a CPI das Privatizações pode ajudar a esclarecer o caso da Vale, bem como de outras empresas de telefonia e energia elétrica. “Não é vingança, queremos corrigir o erro e reintegrar o que foi retirado do patrimônio público. Queremos a verdade sobre as privatizações”, diz. Renato Simões salienta que o envolvimento da sociedade nesse debate será essencial para que a CPI não seja enterrada pela oposição.
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De 9 a 15 de fevereiro de 2006
NACIONAL ECONOMIA
A falácia sobre o reajuste do mínimo Lauro Veiga Filho de Goiânia (GO)
PODER DE COMPRA Quantidade de cestas básicas que um salário mínimo pode comprar em São Paulo Relação entre salário mínimo e valor da cesta básica (médias anuais)
Ano 1995
1,06
1996
1,14
1997
1,23
1998
1,22
1999
1,25
2000
1,28
2001
1,37
2002
1,42
2003
1,38
2004
1,47
2005
1,60
Maio de 2005
1,59
Abril de 2006*
1,91
(*) Valor da cesta básica em abril = dezembro/2005 Fonte: Dieese
se opõem a qualquer medida que favoreça os mais pobres.
GANHOS DE RECEITA Conforme aponta o Dieese, reajustes do salário mínimo não provocam apenas aumento de despesas para os governos e prefeituras, como alardeiam os críticos. Os aumentos trazem igualmente ganhos de receita, já que o acréscimo na renda dos trabalhadores tende a ser transferido para o consumo de alimentos, bebidas, roupas, calçados, remédios, televisores, geladeiras, DVDs, celulares e outros – todos produtos sujeitos à taxação via impostos. Na ponta do lápis, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, 39,852 milhões de pessoas – incluindo assalariados e trabalhadores, aposentados e empregadores – recebem mensalmente até um salário mínimo em todo o país. Como cada trabalhador recebe 13 salários durante um ano, o poder de compra como um todo
E o impacto dos juros altos? Bastaria contrapor esses dados ao estrago concreto provocado pela política de juros altos para reforçar o despropósito das críticas dirigidas à correção do salário mínimo. Em 2005, o governo federal “torrou” literalmente R$ 130,2 bilhões apenas para pagar juros, alimentando os lucros de bancos e investidores no país. Essa despesa aumentou praticamente 52% em
relação aos R$ 85,7 bilhões gastos em 2004. Para arrematar: uma redução de 10% na conta dos juros, o que significaria baixar a taxa básica de 18,5% para perto de 16% (ainda excessivamente elevada), representaria uma “economia” de R$ 13 bilhões ou 65% mais do que o suposto impacto do novo salário mínimo sobre os gastos públicos. (LVF)
é reforçado por mais R$ 25,449 bilhões. “Em se tratando de salário mínimo, este valor deverá ser destinado, prioritariamente, ao consumo dos chamados ‘bens de salário’, propiciando um acréscimo de demanda por alimentos, vestuário, remédios etc. Trata-se, portanto, de um efeito positivo sobre o mercado interno através do crescimento da produção de bens de consumo”, analisa o Dieese. O novo valor do salário mínimo não trará rombos para a receita do governo
ESTRAGO REAL Na média, sempre de acordo com o levantamento, a tributação sobre o consumo, no país, gira em torno de 24,5% – ou seja, para cada R$ 100 destinados pelo trabalhador ao consumo de bens e produtos perto de R$ 24,50 terminam nos cofres do governo. O aumento do consumo, impulsionado pelo novo salário mínimo, tenderia a gerar, dessa forma, uma arrecadação de impostos correspondente a R$ 6,247 bilhões em 12 meses. Segundo a proposta orçamentária para 2006, ainda não votada
pelo Congresso, prossegue o trabalho do Dieese, cada aumento de um real para o salário mínimo corresponde a uma despesa adicional de R$ 163,1 milhões em um ano. Como o salário mínimo ganhará R$ 50, as despesas brutas aumentariam em R$ 8,155 bilhões, diante de um ganho de receitas tributárias na faixa de R$ 290 milhões. O resultado líquido (a diferença entre despesas e receitas) seria um gasto de R$ 7,865 bilhões. Mas ocorre que a cobrança de impostos indiretos (como o Imposto
sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços, o ICMS) sobre o valor dos bens e produtos consumidos pela classe média/trabalhadores traria um ganho para os governos de R$ 6,247 bilhões – o que reduziria o “impacto” do novo salário mínimo para R$ 1,618 bilhão. Esse valor corresponde a meros 0,31% das receitas do governo federal, previstas para 2006 em R$ 523,3 bilhões. Uma “gota d’água”, na verdade, que não trará riscos de desequilíbrios ou de quebradeira para governos e Previdência.
Números do trabalho em 2005 Anderson Barbosa
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ob pressão das centrais sindicais, a equipe econômica foi literalmente obrigada a aceitar, num mesmo ato, um aumento de 16,67% para o salário mínimo – que passará a valer R$ 350 em abril – e uma modesta correção de 8% para a tabela do Imposto de Renda (IR). Essas medidas devem aliviar ligeiramente a carga tributária sobre a classe média e os trabalhadores em geral e estimular a atividade econômica ao longo do ano. A consumação do acordo sacramentado em janeiro ainda depende de medidas formais do governo, mas já foi suficiente para instigar a reação conservadora. Nas páginas da imprensa comercial, articulistas, porta-vozes de grupos financeiros e da mesma equipe (como o Ministério da Fazenda) que assinou o protocolo de intenções com as centrais tentavam demonstrar o “estrago” a ser supostamente produzido sobre as contas do setor público. Em defesa de mais cortes nas despesas do governo, aqueles porta-vozes indicavam que as duas medidas criariam novos rombos no orçamento da União – o que obrigaria o Banco Central a manter as taxas de juros nas nuvens, já que os rombos alardeados teriam que ser cobertos com a venda de títulos federais no mercado, elevando a dívida do governo e exigindo juros estratosféricos. Mas um curto e precioso estudo preparado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) poderia contribuir para desnudar a retórica oficial. Com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da própria Previdência Social, o trabalho desmistifica o tal impacto da correção do mínimo e do IR, mostrando um dado premeditadamente escondido por aqueles que
Agência Brasil
Ao contrário do que dizem a imprensa comercial, o mercado e a equipe econômica, correção terá efeitos positivos
As previsões furadas No ano passado, quando o governo decidiu corrigir em 10% os valores da tabela do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), a mesma cantilena de sempre passou a dominar o noticiário econômico da imprensa comercial. O reajuste reduziria a arrecadação do imposto, descontado dos salários e recolhido diretamente pelas empresas, forçando a equipe econômica a aumentar outros impostos ou a cortar outros investimentos. Um fim de mundo, em resumo. O catastrofismo na área fiscal parece não ter limites e tem sido solenemente desmentido pelos fatos. Ao contrário do desastre, a arrecadação do IR cobrado na fonte sobre os salários cresceu fortemente, superando de longe a inflação de 2005. Justamente o inverso do que alardeou o mercado financeiro e publicou a imprensa comercial. Na comparação com o ano anterior, quando havia alcançado R$ 31,5 bilhões, o IR sobre
rendimentos do trabalho aumentou 13,6% (6,4 pontos percentuais a mais do que a inflação oficial do país), somando R$ 35,8 bilhões. Em 2005 houve uma suave queda nos números do desemprego
ARRECADAÇÃO EXTRA Entre um ano e outro, apesar da correção da tabela do IR (que reduz o imposto a ser pago pelos trabalhadores), a Receita Federal registrou um ganho, uma arrecadação extra, de R$ 4,298 bilhões. Apenas para comparar, as instituições financeiras, que anotaram lucros recordes em 2005, responderam por apenas 5% do crescimento da arrecadação do IR. E mais: o aumento do IR na fonte sobre salários correspondeu a pouco mais de 10% de todo o ganho de arrecadação da Receita Federal em 2005 que passou de R$ 322,5 bilhões no ano anterior para R$ 364,1 bilhões, num incremento de R$ 41,581 bilhões (12,9% a mais). (LVF)
DESEMPREGO • O total de pessoas desempregadas nas seis regiões metropolitanas pesquisadas mensalmente pelo IBGE caiu de 2,493 milhões em 2004 para 2,160 milhões em 2005, representando um recuo de 13,4%. A taxa anual de desemprego, que persistia em dois dígitos desde o início desta nova séria da pesquisa, em 2002, baixou pela primeira vez para 9,8%. • No entanto, como foram criados apenas 107 mil empregos novos, isso significa que 184 mil pessoas deixaram o mercado de trabalho, seja porque deixaram de procurar uma ocupação em função das férias ou porque simplesmente cansaram da busca. • O baixo crescimento da atividade econômica permitiu, ainda, um modesto avanço na participação dos trabalhadores com carteira assinada. Eles passaram a representar 40,3% da população ocupada no ano passado, diante de 39,3% em 2004. RENDA • O rendimento médio habitualmente recebido pelas pessoas ocupadas cresceu 2% em 2005, saindo de R$ 953,51 para R$ 972,61. O desempenho foi favorecido pela queda da taxa de inflação no passado, o que permitiu uma reação para o poder de compra dos salários. • No entanto, a recuperação colocou a renda do trabalhador apenas 1,2% acima do valor médio observado em 2003 (R$ 960,70). (LVF)
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De 9 a 15 de fevereiro de 2006
NACIONAL RESISTÊNCIA POPULAR
Esta terra tem dono, sim senhor Daniel Cassol, Cristiano Navarro, Priscila D. Carvalho e Raquel Casiraghi de São Gabriel (RS)
Daniel Cassol
Mais de quatro mil indígenas, jovens e trabalhadores do campo e da cidade resgatam o exemplo de Sepé Tiaraju
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ituais indígenas, assembléias, acampamentos e caminhadas marcaram as comemorações dos 250 anos do martírio de Sepé Tiaraju e outros 1.550 guarani que viviam nas missões jesuítas no sul do Brasil e foram dizimados por tropas espanholas e portuguesas. A série de eventos reuniu, entre os dias 4 e 7, em São Gabriel (RS), mais de quatro mil indígenas, trabalhadores rurais e jovens representantes de movimentos e organizações sociais de outros Estados brasileiros, da Argentina e do Paraguai. Em atividades paralelas, aconteceu a primeira Assembléia Continental do Povo Guarani e, assim como os descendentes de quilombos, os indígenas debateram o direito à terra. No Acampamento da Juventude, setecentos jovens discutiram a falta de emprego, o acesso restrito à educação e à cultura e a manutenção da identidade camponesa. “Na cidade, o jovem pobre não consegue estudar porque tem que trabalhar para sustentar a família. Mas também não consegue melhores empregos porque não tem estudo. A exclusão vem de todos os lados”, conta Cláudia Teixeira, do Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD). Diante das dificuldades, os jovens apontaram que a organização é a saída para enfrentar os problemas e mudar o sistema de exclusão vigente. Nesse sentido, foi
Nas comemorações do aniversário de morte do Sepé Tiaraju, indígenas, trabalhadores rurais e jovens discutem exclusão
apresentado o projeto Levante da Juventude, que pretende articular e preparar politicamente os jovens para reivindicar os seus direitos. “Queremos tirar essa juventude da passividade em que se encontra. Movimentos como o do Passe Livre mostram que a juventude tem dado resposta de que quer se organizar”, explica Ronaldo Pagotto, da Consulta Popular. Para os jovens, a forma de organização das entidades em geral está muito ultrapassada. “Os jovens chegaram à conclusão de que entidades como a União Na-
versidade Federal de Santa Maria (RS), que participou dos debates promovidos pela Via Campesina, organização que reúne movimentos do campo em mais de 60 países. Para Ceres, a história de Sepé ainda não terminou de ser contada. “Como todo mito, as pessoas buscam a sua figura e trajetória no passado a fim de encontrar soluções para os problemas atuais. E é isso o que está ocorrendo com Sepé Tiaraju”, argumenta a pesquisadora, que acredita que mesmo depois de 250 anos da morte do líder guarani a
cional dos Estudantes (UNE) não tem mais condições de organizar movimentos de massa”, aponta. No calendário de mobilizações, os acampados destacam a luta pelo passe-livre estudantil e pelo emprego e o acesso à universidade.
SÍMBOLO DE LUTA “Cada vez mais, a figura de Sepé se afasta das facções conservadoras da sociedade e se aproxima dos movimentos sociais do campo e dos excluídos”, analisa a pesquisadora Ceres Brum, professora do Centro de Educação da Uni-
Guarani: exemplo de diálogo intercultural
Indígenas resistem às agressões do agronegócio
“Foi importante perceber que a luta não é diferente nos outros países”, afirma Leonardo Guarani, de Santa Catarina. Por serem férteis e ricas em madeira, as terras habitadas pelos guarani foram ocupadas desde o início da colonização. Expulsos de suas terras, eles foram se concentrando em pequenos espaços de mata. Nesse processo, que no Brasil começou pelo litoral, muitos indígenas migraram para o interior do país, em direção às fronteiras a Oeste. No Paraguai, o processo de colonização foi mais lento. As terras situadas na Argentina foram ocupadas no século 18, na época das missões, mas só voltaram a ser exploradas depois da 1ª Guerra Mundial. Grande parte dos guarani vive próximo às fronteiras. Na última década, essas regiões
Brasil de Fato – Qual a importância da Assembléia Guarani? Bartolomeu Meliá – O que tem de mais importante nessa reunião é que para muitos indígenas é a primeira vez que escutam o discurso na língua do outro. É uma ocasião para se encontrarem e verem que os problemas são comuns. BF – O povo guarani que participa da Assembléia Continental é descendente de Sepé Tiaraju? Meliá – Os descendentes de Sepé se misturaram com a população gaúcha primitiva. Os povos das missões eram guarani, mas sempre houve grupos que ficaram fora dela, na selva, durante todo o tempo colonial e da independência. E agora, neste momento de crise, eles reaparecem porque não há mais selva e eles têm que enfrentar
Mais de 1.200 guarani protestam contra a invasão de suas terras
de fronteira foram tomadas pelas plantações de soja. Além dos problemas ambientais, a devastação das terras traz conseqüências culturais porque, na visão guarani, todos os seres que nascem da terra são vivos e, se o território é destruído, essa população tem dificuldade para encontrar sentido para a própria vida. Frente a isso, “lutaremos para que cessem as formas de violência, agressões e discriminação que continuam acontecendo com os guarani, com o assassinato de suas lideranças, roubo dos recursos naturais, destruição do meio ambiente e inviabilização de suas economias”, afirmam em carta conjunta as quinze pastorais indigenistas, universidades e outras entidades presentes à Assembléia Continental do Povo Guarani. Outro problema comum é a criação de unidades de conservação nos locais onde os indígenas vivem, porque são espaços onde ainda há matas originais. Há di-
versos casos em que o acesso dos indígenas aos parques é negado ou vira motivo de disputa. Exemplos no Brasil são o Morro do Osso, parque municipal da cidade de Porto Alegre, terra reivindicada pelos Guarani. O problema se repete na Argentina. “Comunidades da Reserva de Biosfera Yabuti, na província de Missiones, sofrem com o desmatamento indiscriminado e com o roubo de madeira”, relata Maria Josefa Ramirez, da entidade indigenista católica argentina Endepa. “Um dos grandes desafios no Brasil é que os indígenas, quando conseguem ter acesso à terra, voltam para terras totalmente degradadas”, completa Mário de Oliveira, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). As hidrelétricas também são ameaça comum: afetam as comunidades indígenas direta e indiretamente, destruindo a pesca, a medicina tradicionais e as terras. (DC, CN, PC, RC)
essa situação onde o seu modo de vida praticamente está sendo impossível. São um povo não apenas resistente, mas persistente. BF – Como percebe o diálogo dos guarani com as outras culturas? Meliá – Eles são muito mais abertos do que nós para aprender as coisas dos outros. O diálogo intercultural não somos nós que fazemos, são eles. Quantos de nós falamos guarani? E quantos deles sabem português? A maioria. BF – Como era a relação dos guarani com as missões? Meliá – Eles eram cristãos fazia 150 anos, mas, de certo modo, recriaram uma cultura que continuava sendo guarani, embora não fosse a religião guarani tradicional. Sepé parecia estar muito satisfeito com a Igreja nas cartas que enviou ao rei da Espanha. Eles tiveram gráfica, que demorou mais cem anos para existir em Buenos Aires e 150 anos no Brasil. Publicavam os próprios livros em guarani. Eles faziam sinos de bronze, instrumentos musicais. (PC e Coletivo Catarse)
Daniel Cassol
VÍTIMAS DO AGRONEGÓCIO
O jesuíta Bartolomeu Meliá estuda o povo guarani e convive com ele há mais de 50 anos, tendo contato especialmente com os grupos que vivem no Paraguai. Na sua opinião, os guarani dão exemplo de como fazer um diálogo intercultural, sem imposições.
Daniel Cassol
Antes da colonização européia, os guarani ocupavam grande parte do cone sul da atual América do Sul. Se a presença desses povos vem do passado, a Assembléia Continental do Povo Guarani que reuniu cerca de 1.200 pessoas, em São Gabriel (RS), prova que eles não são figuras de outros tempos. Pelo contrário, trata-se de um povo com enorme capacidade de resistência e que tem a defesa da terra como questão central na luta pela sobrevivência. Na província de Missiones, Argentina, apenas 25% das 70 comunidades guarani têm títulos de propriedade, e apenas cinco delas têm terra suficiente. No Paraguai, apenas um terço das terras indígenas é reconhecido pelo Estado. No Brasil, o Mato Grosso do Sul, onde vivem 35 mil guarani, tem a menor média de hectares demarcados por indígena. “A gente vê a vida indo nessa luta pela terra”, comenta Léia Aquino, liderança indígena do Estado.
diversidade de movimentos que ele inspira é grande e chega até a ser contraditória. Sepé é referência tanto para os movimentos sociais do campo quanto para os latifundiários. Na marcha da Via Campesina, realizada em São Gabriel, em 2003, os camponeses seguravam um estandarte com a imagem de Sepé, enquanto os agricultores ligados ao agronegócio carregavam faixas com a frase histórica do índio: “Alerta, essa terra tem dono”. No entanto, são os movimentos sociais e as organizações indígenas que resgatam a sua figura revolucionária. No Acampamento da Via Campesina, cerca de mil camponeses estudaram a história de Sepé Tiaraju e das missões jesuítas, relacionando a luta atual pela terra e pela reforma agrária com a resistência dos guarani. Em outro acampamento, que reuniu representantes de 21 das cerca de 40 comunidades quilombolas gaúchas organizadas, o tema da regularização e a titulação das propriedades dominou o debate. Os participantes propuseram, junto às comunidades indígenas, a formulação do mapa da terra do Rio Grande do Sul. “Definindo as terras quilombolas e indígenas, poderemos detalhar as áreas que são de proteção ambiental, conservando assim as matas”, afirma Consuelo Gonçalves, do Movimento Negro Unificado (MNU). Foi relembrada a conquista recente do Quilombo da Família Silva, que obteve o título da terra em dezembro do ano passado, em Porto Alegre (RS), tornando-se o primeiro quilombo urbano do país.
Bartolomeu Meliá convive com o povo guarani há mais de 50 anos
Ano 4 • número 154 • De 9 a 15 de fevereiro de 2006 – 9
SEGUNDO CADERNO VENEZUELA
Sete anos de revolução bolivariana Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)
Manuel Garcia
Em Caracas, um milhão de pessoas tomam as ruas para defender as conquistas do governo Chávez
Militar dos EUA é expulso por espionagem
S
ol forte, muito calor e 14 quilômetros a percorrer a pé, em marcha, junto a mais de um milhão de pessoas que tomaram as ruas da capital venezuelana, dia 4, para comemorar o dia do “Resgate da Dignidade” e os sete anos da revolução bolivariana. Assim começou o sábado de Renny Rodríguez, comerciante do Estado Aragua, que enfrentou três horas de ônibus para poder participar da manifestação. “Vim até aqui para defender esse processo. Com ele, o país ressurgiu e agora somos parte dele”, comenta Rodríguez, que orgulhoso exibia sua camiseta vermelha identificando a Missão Ribas (educação de ensino médio). “Há 30 anos não pisava em uma sala de aula”, comenta. O comerciante de 50 anos conta como foi o dia 4 de fevereiro de 1992 quando o então tenente-coronel, Hugo Chávez, liderou uma sublevação militar para tentar derrubar o governo neoliberal de Carlos Andrés Perez. “Já não aguentávamos mais a situação do país. Neste dia apareceu Chávez e surgiu uma esperança”, recorda Rodríguez, que afirma que neste dia se iniciava a revolução bolivariana. Entre faixas com lemas como “Guerra contra o latifúndio”, “Sete anos por ahora (por enquanto)”, em uma das maiores manifestações já realizadas no país, a população saiu às ruas para mostrar de que lado está a maioria e, ao mesmo tempo, marcar o início da campanha que poderá garantir a permanência de Chávez na Presidência por mais sete anos.
Manifestação dá início à campanha que poderá trazer mais sete anos de poder a Hugo Chávez
condições de vida, no que se refere à infra-estrutura, saúde e educação. “Esse grau de conscientização só é possível porque existe lugar para todos nesse processo. Nos sentimos valorizados”, avalia Manrique. Enquanto camponeses, indígenas, operários, mulheres e homens comuns exibiam o vermelho nas camisetas e bonés, ao mesmo tempo, do outro lado da cidade, a oposição também se manifestava, em menor número. Os partidos e as organizações da chamada “sociedade civil” não conseguiram preencher mais do que duas quadras de um dos bairros onde vive a burguesia caraquenha. A ausência de manifestantes contrários ao governo mostra, cada vez mais, a falta de unidade da oposição em torno a uma candidatura para disputar as eleições presidenciais (previstas para ocorrerem em 3 de dezembro) e expõe um diagnóstico que se arrasta há décadas nas fileiras dos partidos conservadores venezuelanos: a falta de um
PARTICIPAÇÃO POPULAR “Esse processo abriu a possibilidade para que o povo humilde participasse do desenho do seu destino. Aprendemos a reivindicar o direito à palavra”, comenta Franco Manrique, agricultor, coordenador dos Comitês de Terra Urbana (CTU) em Caracas. Os CTUs são uma das ferramentas de conscientização e organização popular nas periferias de Caracas. Por meio de assembléias populares, os moradores identificam as necessidades das comunidades e, a partir daí, passam a coordenar e tomar ações junto com o governo para melhoria de suas
projeto para o país, ainda que seja para uma minoria de privilegiados.
NOVA BATALHA Do outro lado da cidade, na manifestação bolivariana, críticas internas ao processo em curso e a visão clara do inimigo a enfrentar eram discutidas. “Estamos enfrentando o império mais poderoso, imoral e assassino de toda a história”, Batalha de Santa Inês – Em 10 de afirmou Chádezembro de 1859, vez, diante da o general Ezequiel multidão que se Zamora (um dos símbolos da revoluconcentrava na ção bolivariana) atrai Avenida Bolívar. a oliguarquia veneNa ocasião, o zuelana a seu campresidente anunpo de batalha e os derrota militarmente. ciou o início da Um dos episódios segunda Batalha mais importantes da de “Santa Inês” história do país no período da chamada – a primeira ratiGuerra Federal. ficou o seu mandato no referendo revogatório em 15 de agosto de 2004 – anunciando que a meta para estas eleições é garantir mais de dez milhões de votos.
Conseguir o maior número de votos é a melhor resposta que Chávez pode obter para freiar a ofensiva estadunidense que poderá ganhar força nos próximos meses para tentar impedir sua reeleição. “Caso contrário, a oposição tratará de deslegitimar a eleição para provocar uma intervenção no país”, comenta Franco Manrique. O presidente venezuelano que se vê em meio a outro conflito diplomático com os EUA (leia reportagem ao lado) e preferiu utilizar a metade do seu discurso para fazer uma autocrítica do processo que lidera. Burocracia, ineficiência e a corrupção foram alvos de ataques do presidente. O agricultor que neste momento acompanhava o discurso do presidente complementa seu raciocínio. “Temos que eliminar essas contradições. Temos que tomar o poder das instituições e destruir o estado capitalista para que essa revolução seja verdadeiramente governada pelo povo”, sentenciou.
A expulsão do território venezuelano do capitão da marinha de guerra dos Estados Unidos, John Correa, iniciou uma nova contenda entre Caracas e Washington. O presidente Hugo Chávez o mandou de volta para a América do Norte e citou como provas de espionagem a venda de gravações sobre operações militares e de códigos secretos e senhas. Oficiais do Exército venezuelano estariam envolvidos na operação. Chávez pediu a aplicação da pena máxima aos acusados de fornecerem informações confidenciais ao serviço de inteligência estadunidense. Segundo o Código de Justiça Militar, a punição para este delito é detenção de 22 a 30 anos. A resposta dos Estados Unidos começou com as declarações do chefe dos Serviços de Inteligência, John Negroponte. O estadunidense disse que uma vitória do presidente venezuelano Hugo Chávez nas próximas eleições poderia desencadear um onda de intervencionismo na política dos demais países do continente, “aproximando-o mais de Cuba, Irã e Coréia do Norte”. Logo depois, o secretário de Defesa de Estados Unidos, Donald Rumsfeld, comparou o presidente venezuelano a Adolf Hitler. “Chávez foi eleito legalmente, como Adolf Hitler, que depois consolidou seu poder”, afirmou. Durante a marcha de 4 de fevereiro, Chávez responsabilizou Washington por qualquer ruptura nas relações diplomáticas entre os dois países e anunciou que se isso ocorrer, deixará de enviar petróleo aos EUA. A Venezuela, quinto exportador mundial do combustível, exporta 15% do petróleo consumido no país governado por George W. Bush. (CJ)
A nova crise diplomática entre a Venezuela e os Estados Unidos (veja texto acima) tem um objetivo claro na avaliação do sociólogo Vladimir Acosta: tentar impedir a reeleição do presidente venezuelano, Hugo Chávez, nas eleições de dezembro deste ano. O caminho para isso é promover a desestabilização interna e externa do país. Em entrevista ao Brasil de Fato, Acosta avalia: “Aqui se tomou o governo, mas ainda não se tomou o poder”. Brasil de Fato – De que maneira o recrudescimento das tensões entre Venezuela e Estados Unidos está relacionado com as eleições presidenciais? Vladimir Acosta – Há que ver o que significará para os EUA ter que suportar mais sete anos com Chávez no poder (caso seja reeleito). A revolução bolivariana é um processo que está crescendo, se radicalizando e se projetando para a América Latina como exemplo de dignidade e soberania. Os EUA sabem que têm que parar esse governo. Não poderiam promover uma invasão porque estão atolados no Oriente Médio. Então, estão apelando para mecanismos indiretos.
Manuel Garcia
“Ainda não temos o poder”
Se Chávez vencer as eleições a ofenciva norte-americana tende a aumentar
A tentativa de outro golpe de Estado é bastante difícil porque, depois de 11 de abril, a maioria dos efetivos do Exército foi depurada e hoje a maioria das Forças Armadas apóia o processo. Além disso, o governo conta com um povo organizado que está disposto a defendê-lo. Trata-se de um governo legítimo, difícil de questionar. Terão que buscar alguma alternativa. BF – Que alternativa? Acosta – Os EUA continuam seu processo de desestabilização do
país financiando a oposição, mas com esta oposição que não sabe para onde ir, será muito difícil derrotar Chávez. É muito provável que repitam o que foi um ensaio geral em dezembro (quando os partidos de oposição se negaram a participar das eleições parlamentares alegando falta de transparência), pressionando por mudanças no Conselho Nacional Eleitoral, exigindo a volta do voto manual para que possam trapacear. A oposição provavelmente vai se retirar do pleito porque não tem
capacidade de ganhar, mas dirá ao mundo que na Venezuela existe uma ditadura. Fomentam um clima de instabilidade para ver se, em algum momento, isso pode permitir que organismos internacionais, como a Organização de Estados Americanos (OEA), possam intervir no país com algum pretexto, como ocorreu com o Haiti. Essa tem sido sua política. A meu ver, uma possibilidade nada remota é a tentativa de separação do Estado Zulia (principal produtor de petróleo do país) do resto da Venezuela e, com isso, provocar um caos absoluto. O embaixador estadunidense, William Browsfield, anda circulando pelo país e está trabalhando nessa hipótese. Outra coisa que não se pode descartar é a possibilidade do assassinato de Chávez. Somando todo esse cenário à uma crise internacional que se pretende gestar. BF – Como a inclusão da Venezuela no “eixo do mal” com Irã e Coréia do Norte... Acosta – Sem dúvida. Por exemplo, a acusação de que Chávez é antisemita não é casualidade. Isso significa acionar o enorme
poder midiático do sionismo judeu, vinculado à direita republicana, para criar um ambiente contra o presidente. Tudo isso forma parte de um plano claro. Já demonizaram o presidente de Irã, Mahmoud Ahmadinejad, como fizeram com Sadam Hussein. Agora, é o monstro da moda para justificar uma agressão armada contra seu país. Por outro lado, anunciam que a Venezuela esta vinculada a esse governo e está repartindo dinheiro pela América Latina para reforçar esse eixo. Essa é a lógica dos EUA. Qualquer governo progressista que surja no continente a culpa é de Chávez. Para eles, os povos são incapazes de pensar, como o boliviano, se organizar para lutar por seus direitos e promover a vitória de um candidato identificado com eles. Os EUA não podem entender essa lógica.
Quem é Vladimir Acosta é professor do curso de Sociologia da Universidade Central da Venezuela.
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De 9 a 15 de fevereiro de 2006
AMÉRICA LATINA FÓRUM SOCIAL MUNDIAL
Movimentos e Chávez constroem alianças Tatiana Merlino enviada especial a Caracas (Venezuela)
Indymedia/Caracas
Em reunião inédita, presidente venezuelano e organizações populares discutem a integração da América Latina
A
Segundo Gustavo Codas, da CUT, Hugo Chávez anunciou no encontro com os movimentos que tentará fazer uma auditoria da dívida venezuelana
alianças, convênios e parcerias em determinados temas como sementes, integração continental, questão do livre-comércio”, afirma Gerardo Fontes. Já o secretário de Relações Internacionais da CUT lembra que “o presidente Chávez não tem uma receptividade só no discurso, mas está implementando políticas concretas e se dispôs a discutir as campanhas com os movimentos. Foi aberto um diálogo entre as organizações e governo da Venezuela”.
FRENTE ANTIIMPERIALISTA Durante seu discurso no Estádio Poliedro, dois dias antes da reunião com os movimentos, Chávez defendeu a criação de uma frente antiimperialista internacional para
Novos desafios para o FSM Luís Brasilino enviado especial a Caracas (Venezuela) Apesar do sucesso da fórmula policêntrica do Fórum Social Mundial (FSM) em 2006 – com dois encontros já realizados, Bamako (Mali) e Caracas (Venezuela), e mais um a se realizar em Karachi (Paquistão) –, os organizadores avaliam que novos desafios estão colocados para o avanço da agenda dos povos frente às políticas neoliberais e imperialistas. “Tivemos muito êxito. O FSM fez e expressou várias lutas, foram apresentadas idéias e publicações. A pergunta central é se isso é suficiente para derrotar um modelo, porque esse é o objetivo. Se lutarmos sem pensar que algum dia teremos sucesso, não faz sentido o que estamos fazendo aqui. É preciso encontrar um sentido para este espaço”, expõe Irene León, que fez parte da organização do Fórum Social Américas (FSA), realizado em Quito (Equador), em julho de 2004. O presidente Hugo Chávez (Venezuela) foi talvez quem disse as palavras de maior impacto sobre os rumos do Fórum. Para ele, seria nefasto deixar o Fórum se “folclorizar, tornar-se um evento de turismo revolucionário”. Assim, o venezuelano propôs um plano de ação unitário resumido numa frase parafraseando a comunista alemã Rosa Luxemburgo: “Socialismo ou morte”. Chávez acredita que o capitalismo destruirá o planeta se o seu rumo não for alterado. “Por
isso, devemos fazer do Fórum um grande movimento antiimperialista. Não um espaço onde se debata sem tirarmos conclusões. Não temos tempo a perder”, alertou.
PAQUISTÃO Neste ano, haverá mais uma edição do FSM. Devido ao terremoto que atingiu o Paquistão em 2005, o evento foi adiado por dois meses e será realizado entre os dias 24 e 29 de março na cidade de Karachi. Abdul Hamud Nayyad, responsável pelo encontro, conta que três temas principais serão discutidos. “O primeiro são as guerras estadunidenses na Ásia. O segundo é que temos países com estratégias para construir armas nucleares. Alguns já as têm. Quando se fabrica esse tipo de artefato, é porque você pretende ter conflitos. Isso não pode contribuir para a paz. Por fim, o Fórum será importante para juntar idéias e discutir como confrontar o neoliberalismo em oposição a uma nova força que sendo gerada no países muçulmanos e que também enfrenta o imperialismo”, explica o paquistanês. Em 2007, o FSM voltará a ser centralizado, dessa vez em Nairobi (Quênia), entre o final de janeiro e o início de fevereiro. Para o professor Edward Oyugi, coordenador da Rede de Desenvolvimento Social e membro do comitê organizador do 7º Fórum, os conflitos e a luta pela paz serão os eixos centrais. Além disso, outro objetivo é a criação de uma frente comum na África para enfrentar a agenda neoliberal.
responder às investidas dos Estados Unidos. No encontro com as organizações sociais, dia 29, mesmo sem repetir as mesmas palavras, insistiu na necessidade de combater o imperialismo. De acordo com ele, o FSM deveria ser a base de uma das duas superpotências mundiais. De um lado, estaria o império americano; e de outro, a opinião pública mundial, que teria capacidade de enfrentar o imperialismo. Em relação a convênios e alianças para a integração da América Latina, Chávez falou da importância da Alternativa Bolivariana das Américas (Alba), como projeto alternativo à Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Também citou o projeto da Telesul (rede de televisão lançada
pelos governos da Venezuela, Argentina, Cuba e Uruguai), Petrosul (projeto de unificação das petroleiras da região para negociação do combustível) e convênios de cooperação, como o que mantém com o MST. “Para Chávez, esse é o exemplo de que outra integração é possível”, afirma Gerardo Fontes, que lembra que os sem-terra contribuem com a reforma agrária venezuelana por meio de cursos de capacitação em produção de sementes orgânicas e construção de assentamentos. De acordo com Gustavo Codas, Hugo Chávez também apoiou a intervenção do representante da Rede Jubileu Sul, o haitiano Camille Chalmers, sobre a ilegitimidade da dívida externa de países da Amé-
rica Latina. “Chávez anunciou que pretende fazer uma auditoria da dívida venezuelana, após uma tentativa frustrada três anos atrás”, revelou Codas. Para ele, mesmo havendo pontos “não resolvidos nas duas agendas”, o debate deve progredir “e chegar a novas sínteses, pois tivemos a apresentação de possibilidades e intencionalidades”. Sem um documento final, os movimentos devem voltar a discutir as campanhas apresentadas em Caracas e aprofundar o debate sobre a relação dos movimentos sociais e partidos políticos durante o Encontro Hemisférico de Luta contra a Alca, o Livre Comércio e pela Integração dos Povos, em Havana, Cuba, nos dias 27 e 28 de abril.
BOLÍVIA
Indígenas planejam pressionar Evo Depois de longos anos de luta, os indígenas e camponeses da Bolívia conseguiram eleger um presidente que os representasse: Evo Morales. Porém, após a vitória, os movimentos sociais do país alertam que não permitirão que se repita na Bolívia processo semelhante ao que ocorreu na Argentina, no Brasil e no Uruguai “onde os governos administram o modelo neoliberal”, afirma Oscar Oliveira, da Coordinadora del Agua y de la Vida de Cochabamba, Bolívia, uma das organizações que protagonizou a Guerra do Gás que teve como desfecho a expulsão, em 2002, da transnacional estadunidense Bechtel. Duas das principais exigências dos movimentos populares bolivianos são a convocação de uma assembléia constituinte nos próximos cinco meses e a nacionalização dos hidrocarburetos. “O governo vai ter que transformar o país e deixar de cuidar dos interesses das transnacionais, que saqueiam nosso país, incluive a Petrobras que me desculpem os amigos brasileiros”, diz Oliveira. Durante o Fórum Social Mundial, líderanças bolivianas presentes em Caracas alertaram para a necessidade de assumir um papel autônomo durante o governo Morales.
MODELO NEOLIBERAL O líder indígena Oscar Oliveira assume estar preocupado com uma tentativa de cooptação de
Marcelo Curia
aproximação do presidente venezuelano Hugo Chávez com os movimentos sociais vem aumentando gradativamente e ganhou força no último dia do Fórum Social Mundial (FSM), realizado em Caracas, de 24 a 29 de janeiro. Pela primeira vez, durante o FSM, representantes da Assembléia Mundial dos Movimentos Sociais se encontraram com um chefe de Estado. E não saíram desapontados. “Foi um encontro muito positivo que reflete a situação que estamos vivendo na América Latina, na qual as estratégias dos movimentos sociais podem dialogar com os governos, preservando o respeito à nossa autonomia”, avalia Gerardo Fontes, do setor de relações internacionais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Os movimentos sociais apresentam a Hugo Chávez um resumo das campanhas e mobilizações para 2006, referentes a temas como dívida externa, direitos humanos, meio ambiente, questão indígena, guerra e militarização, Organização Mundial do Comércio (OMC), soberania alimentar, reforma agrária. Criticaram, também, a posição do governo venezuelano que apoiou o documento final da OMC na Reunião Ministerial de Hong Kong, em dezembro de 2005. “Na nossa visão, a postura que o governo teve foi insuficiente”, afirma Gustavo Codas, integrante do Comitê Organizador do FSM e da Secretaria de Relações Internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT). De acordo com Codas, a novidade da reunião foi a abertura de um diálogo entre movimentos e governo venezuelano. “De um lado, apresentamos nossas estratégias, do outro, Chávez falou das tarefas do seu governo para o ano, e propôs parcerias”. O intuito de fazer uma reunião com o presidente da Venezuela “era para ver a possibilidade de construir
Lideranças alertam para a necessidade de manter o movimento social autônomo
movimentos sociais pelo governo. “Não quis expressar isso no Fórum, onde há tanta gente com esperança, mas esse é o grande perigo que vejo no governo de Evo Morales”, desabafou. De acordo com ele, sem mobilizações autônomas do aparato estatal, o governo corre o risco de fracassar: “A confiança que tenho na Bolívia é essa grande capacidade do movimento indígena e camponês de levar o processo adiante”. Román Loayza, da Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da Bolívia, cita as mobilizações dos camponeses indígenas desde a luta contra a priva-
tização da água em Cochabamba, em 2000, e contra a privatização do gás para reforçar a necessidade de “descolonizar o país”. Loayza reitera a importância em recuperar os recursos naturais da Bolívia e, pelo que disse João Antônio de Moraes, da Federação Única dos Petroleiros (FUP), o Brasil também não irá se opor. “Os petroleiros do Brasil apóiam a estatização das reservas de gás na Bolívia. O que o povo boliviano resolver em relação aos seus recursos, como gás e petróleo, terá o apoio do Brasil. O que não queremos para o nosso povo, não queremos para os outros países” (TM)
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INTERNACIONAL MÉXICO
A Outra Campanha zapatista Subcomandante Marcos percorre o país para articular uma frente popular anticapitalista e de esquerda
O
período de campanha eleitoral começou no México. Enquanto os grandes partidos engatam os últimos seis meses da campanha para presidente, é no banco de uma motocicleta negra, a Sombraluz, levantando poeira pelo território de Chiapas, que o zapatista subcomandante Marcos, relevado de seu cargo militar no Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) – e agora chamado de delegado Zero –, lança aos mexicanos uma nova forma de fazer política. A proposta ficou conhecida como “A Outra Campanha” e tem potencial para apimentar disputa eleitoral mexicana. A estratégia zapatista exclui partidos políticos tradicionais, aqueles que fazem da sua existência uma luta pelas estruturas estatais como instrumento de poder. Com este movimento, os rebeldes mantêm o compromisso assumido de cessar-fogo e suspender ataques contra forças governamentais e reafirmam a luta pela via do embate político.
DIÁLOGO COM O POVO Os zapatistas pretendem percorrer todo o território mexicano, escutar o que pensa o povo, perguntar-lhes como é sua vida, sua luta, seu pensamento. A partir disto, será elaborado um plano nacional de lutas conjuntamente com as pessoas e organizações de esquerda que aderirem à Outra Campanha. “É uma campanha, mas é outra, porque não é simplesmente eleito-
ROTEIRO Confira o roteiro da viagem da Comissão Sexta até junho. A programação em cada lugar deve ser divulgada pelas comissões de cada Estado. Fevereiro Dias 5, 6, 7, 8, 9, e 10 – OAXACA Dia 11 – TRASLADO A PUEBLA Dias 12, 13, 14, 15, 16 e 17 – PUEBLA Dias 18, 19, 20, 21, 22 e 23 – TLAXCALA Dia 24 – TRASLADO A HIDALGO Dias 25, 26, 27 e 28 e 1º e 2 de março – HIDALGO Y PARTE VERACRUZ Março Dia 3 – TRASLADO A QUERÉTARO. Dias 4, 5, 6, 7, 8 e 9 – QUERÉTARO. Dia 10 – TRASLADO A GUANAJUATO – AGUASCALIENTES. Dias 11, 12, 13, 14, 15 e 16 – GUANAJUATO – AGUASCALIENTES. Dia 17 – TRASLADO A JALISCO. Dias 18, 19, 20, 21, 22 e 23 – JALISCO. Dia 24 – TRASLADO A COLIMA O NAYARIT. Dias 25, 26, 27, 28, 29 e 30 – COLIMA-NAYARIT. Dia 31 – TRASLADO A MICHOACÁN. Abril Dias 1º, 2, 3, 4, 5 e 6 – MICHOACÁN Dia 7 – TRASLADO A MORELOS Dias 8, 9, 10, 11, 12 e 13 – MORELOS Dia 14 – TRASLADO A GUERRERO Dias 15, 16, 17, 18, 19 e 20 – GUERRERO Dia 21 – TRASLADO A ESTADO DO MÉXICO – DISTRITO FEDERAL Dias 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 abril e 1º, 2 e 3 maio – D.F. – EDOMEX Maio Dia 5 – TRASLADO A SAN LUIS POTOSÍ Dias 6, 7, 8, 9, 10 e 11 – SAN LUIS POTOSÍ Dia 12 – TRASLADO A ZACATECAS Dia 13, 14, 15, 16, 17 e 18 – ZACATECAS Dia 19 – TRASLADO A NUEVO LEÓN-TAMAULIPAS Dias 20, 21, 22, 23, 24 e 25 – NUEVO LEÓN – TAMAULIPAS Dia 26 – TRASLADO A COAHUILA – DURANGO Dias 27, 28, 29, 30, 31 maio e 1º junho – COAHUILA – DURANGO
ral. Não vamos dizer o que as pessoas devem fazer. Não vamos dar ordens. Nem vamos pedir para que votem em determinado candidato, pois os que existem sabemos que são neoliberais. Nem vamos dizer também para as pessoas serem como nós”, declarou o EZLN, na Sexta Declaração da Selva Lacan-
Delegado Zero, líder do movimento “A Outra Campanha”
em Quintana Roo, Yucatán, Tabasco, Campeche e estão agora em Vera Cruz. Até o final de junho, devem percorrer ao todo 31 Estados mais o distrito federal. (Veja o quadro acima). Segundo Raul Ornelas, pesquisador da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam) e
Este novo jeito de fazer política contrapõe-se aos modelos convencionais. “O que os zapatistas estão dizendo é que os partidos não servem como forma de organização e, assim, pensam em fazer uma organização não eleitoral. Incluir os que estão organizados e os que não estão, todos com pensamento de esquerda, de maneira que não haja uma força que hegemonize, mas uma construção nova, de forma que as várias forças de esquerda participem igualmente”, afirma Ana Esther Ceceña, pesquisadora filiada ao Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e diretora da revista Chiapas. Os zapatistas também prevêem na Sexta Declaração uma atuação internacional. “Na medida de nossas posibilidades, mandaremos apoio material como alimentos e artesanatos para os irmãos e irmãs que lutam em todo o mundo”, diz o documento.
A construção do consenso
trazido danos para os movimentos sociais e políticos de esquerda, analisa Raul Ornelas, pesquisador da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam). “Você é marxista, situacionista ou anarquista? O que temos que fazer é deixar de lado as etiquetas. Se continuarmos assim vamos reproduzir as divisões que já nos impôs o poder. Creio que devemos ter mais respeito uns com os outros”, diz. A experiência dos zapatistas está ensinando, segundo ele, que o grande objetivo é construir a unidade. “A Outra Campanha ensina a construir esta unidade na diversidade. E acredito que uma das questões fundamentais é encontrar uma linguagem comum onde ninguém se sinta ofendido e excluído”, afirma. Os zapatistas não têm a intenção de formar um partido político ou disputar o poder, adianta Ana Esther Ceceña, pesquisadora filiada ao Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e diretora da revista Chiapas. “O poder não é algo que tem um lugar. É certo que o Estado é um lugar de concentração do poder, mas o poder é algo que está diluído em todas as esferas da sociedade. Os zapatistas pensam assim”, explica. (RB e BR)
O plano de trabalho para a Outra Campanha foi iniciado no ano passado. Entre julho e setembro, houve uma série de reuniões preparatórias. Durante esses meses, o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) chamou as organizações de esquerdas e partidos progressistas sem registro eleitoral para realizar de maneira conjunta a Outra Campanha, iniciada 1º de janeiro deste ano. A idéia é formular uma plataforma única de luta. “Queremos colocar em um único plano todas as lutas que hoje se encontram apartadas”, diz a Sexta Declaração. Cada estado ou região forma um comitê, composto por organizações locais, para receber o delegado Zero e organizar assembléias. Participam comunidades sobretudo campesinas e indígenas, sindicatos, habitantes de colônias e bairros populares, artistas, grupos de mulheres, organizações nãogovernamentais (ONGs), movimentos de reivindicações diversas, como ecologistas e de gêneros. A proposta é que a Outra Cam-
O lema da campanha é a unificação da esquerda em um bloco anticapitalista
panha não se restrinja ao período eleitoral. Esta primeira etapa deve durar até junho, véspera das eleições que ocorrem no dia 2 de julho. Há uma pausa que coincide com as votações e os trabalhos devem ser retomados em agosto. Delegações formadas por pessoas do comando-geral do EZLN, indígenas dos diferentes povos que habitam a
região zapatista, sairão em turnê, na segunda etapa, reunindo-se com as pessoas e organizações que aderiram à Sexta Declaração na primeira fase da campanha para configurar o plano nacional de lutas. A terceira fase, ainda sem data prevista, deverá impulsionar as mobilizações para concretizar as demandas recolhidas no percurso. (RB e BR)
Novas alianças com organizações SNI-Chiapas
Ser anticapitalista e ser de esquerda. Estes são os dois pontos fundamentais previstos pela Sexta Declaração da Selva Lacandona para que as pessoas e organizações possam aderir à Outra Campanha. “Pensamos que é na esquerda política que está a idéia de resistência contra a globalização neoliberal e de fazer um país onde tenha para todos justiça, democracia e liberdade. Pensamos que somente da esquerda pode sair um plano de luta para que nossa pátria, o México, não morra”, diz a Sexta Declaração da Selva Lacandona, documento base da campanha, divulgado em junho de 2005. Em um momento em que pairam dúvidas sobre os significados do que é ser esquerda ou anticapitalista, os zapatistas argumentam. “Se você se define como anticapitalista, parte do princípio de que a transformação tem no seu horizonte o fim da exploração”, diz a Sexta Declaração. Já em relação à definição de “ser de esquerda”, os zapatistas propõem que cada um diga se é de esquerda ou não. “Porque, de outro modo, qualquer definição seria constituir mais uma maneira de dividir e de fragmentar”, diz a declaração. A idéia de exclusivismo tem
NOVA ORIENTAÇÃO Junho Dia 2 – TRASLADO A CHIHUAHUA – OTRO LADO Dias 3, 4, 5, 6, 7 e 8 – CHIHUAHUA – OTRO LADO Dia 9 – TRASLADO A SINALOA – SONORA Dias 10, 11, 12, 13, 14 e 15 – SINALOA – SONORA Dia 16 – TRASLADO A BAJAS – OTRO LADO. Dias 17, 18, 19, 20, 21 e 22 – BAJAS – OTRO LADO. Dias 23, 24 e 25 – RETORNO Y PLENARIA INFORMATIVA EN EL D.F. Dias 26 a 30 – RETORNO A LAS MONTAÑAS DEL SURESTE MEXICANO
dona, documento base da campanha que é divulgado desde junho de 2005. Acompanhado por uma comitiva e de seu galo de estimação, o delegado Zero já percorreu cinco Estados, justamente aqueles de maioria indígena. Partindo de Chiapas, os zapatistas estiveram
Esquerda e anticapitalista
militante da causa zapatista, A Outra Campanha vem preencher um vazio na sociedade mexicana. É uma nova orientação para os movimentos sociais do país. “O México é um país onde os partidos e as organizações não têm grande presença e a maioria da populacão não está organizada. Há muitas iniciativas de sobrevivência que aparecem em muitos bairros e nas cidades relacionadas a questões como o lixo, a água e, sobretudo, saúde. Mas não há esse outro passo de juntar os bairros, de se formar coordenações, de abrir espaços de discussões sobre temas mais amplos. E é esta a estratégia dos zapatistas”, diz Ornelas.
SNI-Chiapas
Renata Bessi e Beatriz Rangel de Caracas (Venezuela)
As mudanças nas ações zapatistas refletem a definição de ‘quem são os zapatistas’. Se antes eles se definiam como rebeldes, a Sexta Declaração deixa claro que hoje definem-se como anticapitalistas e de esquerda (veja texto ao lado). Outra diferença é que a Outra Campanha extrapola também a faixa territorial de Chiapas. “Vamos seguir lutando pelos povos indígenas do México, mas não somente com eles e nem só por eles, senão por todos os explorados e despossuídos do México. Vamos até eles, escutar e falar diretamente com eles e construir com eles um plano nacional de lutas”, explicita a Sexta Declaração, divulgada em junho de 2005.
Agora, os zapatistas abriram também a possibilidade de estabelecer acordos com organizações. “Antes, entrar na Frente Zapatista de Libertação Nacional (FZLN) era uma questão individual, não era por meio de organizações”, explica Pedro Manuel Acosta Granado, integrante do Comitê Político do Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT), no México. A organização é um dos dez partidos sem registro que fazem parte da Outra Campanha. “Optamos por não concorrer às eleições para participar deste processo paralelo”, afirma. A dissolução da Frente Zapatista, em novembro do ano passado, é outro marco de mudanças. Cria-
da em 1996, era o braço civil da EZLN e buscava uma nova forma de fazer política. “Pensávamos que seria possível pôr fim à guerra e começar a luta política. Mas não foi possível, pois os maus governos continuaram sua luta contra a nossa”, escreveu o delegado Zero em um artigo publicado em janeiro de 2006, no jornal mexicano Bandera Socialista. A Outra Campanha surge como uma nova etapa do zapatismo civil. “Eles estão avançando para um sentido um pouco mais atrevido. É uma mudança importante”, analisa Ana Esther Ceceña, pesquisadora filiada ao Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e diretora da revista Chiapas. (RB e BR)
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INTERNACIONAL ESTADOS UNIDOS
Direita recupera espaço no Judiciário Jim Lobe de Washington (EUA)
C
onfirmada a incorporação do juiz Samuel Alito à Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos. O movimento direitista, dedicado a reverter décadas de avanços das mulheres e das minorias, marcou um ponto de ouro. Alito ficará com a vaga que por mais de duas décadas foi da primeira mulher a ocupar o cargo no tribunal, Sandra Day O`Connor. A ala direita contará agora com quatro votos assegurados, apenas um a menos que a maioria absoluta, nessa corte de nove integrantes. Além disso, a relativa juventude de Alito – 55 anos – e o caráter vitalício do cargo garantem que, por muito tempo, o magistrado defenderá no tribunal as posições direitistas que professa desde sua época de universitário. “O juiz Alito pode ter um enorme impacto em nossos direitos básicos e em nossas liberdades nas próximas décadas”, alertou o senador Ted Kennedy, um dos mais veteranos líderes do opositor Partido Democrata no Senado. A confirmação foi aprovada por 58 votos a favor e 42 contra. “A união seria melhor, mais forte e mais sólida se tivéssemos confirmado uma indicação diferente, uma indicação que nos unisse, não que nos dividisse”, disse o senador democrata nova-iorquino Charles Schumer, que votou contra Alito.
CONTRA O ABORTO Desde que Bush propôs seu nome, há três meses, os inimigos de Alito expressaram preocupação por suas opiniões sobre o direito ao aborto, as faculdades do Poder Executivo (principalmente em tempos de guerra) e os direitos das minorias. A preocupação tinha por base suas próprias sentenças e decla-
Indymedia/New York
Bush nomeia para a Suprema Corte juiz conhecido por posições direitistas e contra as minorias
Cresce pressão por impeachment de Bush da Redação Uma proposta de impeachment do presidente George W. Bush circula pelo Congresso dos Estados Unidos desde o início deste ano. A idéia tomou corpo depois da ordem, sem autorização judicial, para realização de grampos telefônicos no país – um crime federal, na opinião de um reconhecido constitucionalista, o advogado Jonathan Turley. “A lei federal informa claramente que esse tipo de vigilância não pode ser efetuada no território nacional sem que seja cometido um crime passível de cinco anos de prisão”, disse Turley na Câmara. Segundo pesquisa realizada a pedido da After Downingstreet, organização contra a guerra do Iraque, a maioria dos estadunidenses (52%) concorda que, ‘’se o presidente Bush
realizou a escuta de cidadãos sem a autorização de um juiz, o Congresso deveria fazer com que ele prestasse contas em um processo de impeachment’’. O governo Bush evoca as prerrogativas de chefia de Estado, nos termos da autorização de uso da força aprovada pelo Congresso três dias depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 – o que lhe concede permissão de ordenar escutas sem autorização da Justiça. Porém, os parlamentares republicanos e democratas questionam a validade dessa justificativa, pois desde 1978 há um tribunal especial encarregado de se pronunciar sobre qualquer pedido de escuta nos Estados Unidos. O senador democrata Patrick Leahy pediu ao Congresso que declare ilegais as escutas autorizadas pelo presidente Bush. (Com agências internacionais)
Movimentos sociais estadunidenses temem retrocesso na garantia dos direitos civis
rações escritas. Em um pedido de emprego que preencheu em 1985, por exemplo, expressou sua oposição a uma sentença da Suprema Corte que defendia o direito das mulheres ao aborto voluntário. Em outro memorando, questionou o princípio de “uma pessoa, um voto”, sobre o qual se baseava a Lei de Direitos Eleitorais e outras normas sobre direitos civis. Como promotor durante a Presidência do republicano Ronald Reagan (1981-1989), escreveu memoran-
dos sobre o predomínio do Poder Executivo a respeito do Legislativo e do Judiciário. Trata-se de um assunto delicado, no momento em que Bush reivindica faculdades que lhe permitam ignorar ou redefinir convenções internacionais ratificadas pelo Congresso, ou fazer escutas particulares sem ordem judicial. O`Connor “será exilada”, disse John Podesta, atual presidente do Centro para o Progresso dos Estados Unidos. “Com seus amplos
antecedentes de extrema deferência para com o Executivo, é de esperar que Alito ratifique muitas das faculdades sem controle que o presidente Bush reivindicou desde 11 de setembro de 2001, desde as detenções arbitrárias até a vigilância sem autorização judicial de cidadãos estadunidenses”. A mais conhecida das opiniões de Alito é a posição que defendeu em minoria no caso Planned Parenthood versus Casey em um tribunal do Estado da Pensilvânia. Este
tribunal manteve em sua sentença várias restrições ao direito de abortar então vigente no Estado. Houve unanimidade em apoiar todas essas restrições, menos uma. Alito foi o único integrante da corporação a defender a manutenção dessa regra: a obrigatoriedade de as mulheres casadas informarem seus maridos sobre sua decisão de abortar, sem importar se elas temiam sofrer abusos físicos, coerção psicológica ou econômica. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
ANÁLISE
Laerte Braga A decisão do Conselho de Segurança das Nações Unidas levando o Irã a julgamento em conseqüência da retomada do programa nuclear daquele país é tão somente o predomínio do mais boçal e estúpido dentre todos os monopólios detidos ou pretendidos pelas grandes nações: o das armas nucleares. Países como o Irã são presas fáceis do terrorismo de mercado imposto ao mundo desde o fim da União Soviética. A hipocrisia da preocupação com a paz mundial se esvai quando é possível lembrar recente declaração do principal terrorista estadunidense, George W. Bush, de que “se necessário, usaremos armas nucleares para implantar a democracia no Iraque”. Foi feita quando se presumia que a reação da Guarda Republicana, considerada a principal força de Sadam Hussein, pudesse dificultar a ocupação do Iraque e o controle do petróleo. Não há que se ter dúvidas disso. Seja pela mentira das armas químicas e biológicas que não existiam, seja pelos exemplos de Hiroshima e Nagasaki. Arnold Toynbee considerava que a guerra nuclear era inevitável. Para o historiador inglês, os elevados gastos com armas e os interesses antagônicos dos dois blocos de então, URSS e EUA, além da irracionalidade clássica de setores das forças armadas dessas nações, acabariam levando ao que chamou de “holocausto nuclear”. Toynbee foi ainda mais longe. Fez conjeturas sobre o tipo de sociedade que emergiria do conflito. O voto do Brasil contra o Irã foi lamentável sob todos os aspectos. O governo de Lula vinha se abstendo
até agora, mesmo porque o Brasil tem um programa nuclear semelhante ao do Irã. O país tem sofrido pressões estadunidenses para abandoná-lo, ou submeter-se a um controle que, na prática, significa aceitar a imposição de tecnologias que permitam manter o programa brasileiro sob vigilância e dependência dos donos do monopólio nuclear. Os países com armas nucleares, à exceção da China e da Coréia do Norte, têm governos controlados pelos Estados Unidos, sobretudo Paquistão, hoje o mais importante aliado da Casa Branca na guerra do Afeganistão. Não há uma única linha de protesto sobre armas nucleares de Israel. Todas elas desenvolvidas com aval e parte generosa dos recursos provindos dos EUA. Pelo contrário, o governo israelense, quando ainda sob o comando de Sharon, colocou-se à disposição para bombardear as instalações nucleares iranianas, tal e qual fez com as do Iraque. A idéia só não foi levada à frente pois se constatou que, ao contrário de Sadam, o Irã tomou medidas para proteger suas instalações de eventuais sortidas terroristas. Sobre esse assunto é irrelevante o julgamento de mérito do governo do Irã.
CONTRATEMPO PARA BUSH Desenvolver armas nucleares, por mais boçal que seja, acaba sendo um ato de legítima defesa diante da ameaça imperial e terrorista dos Estados Unidos. O controle da tecnologia nuclear é fundamental para a sobrevivência da soberania de boa parte das nações do mundo, postas de joelhos com o avanço do processo de globalização, codinome da recolonização. Quais as conseqüências da de-
Mohammad Kheirkhah / UPI
Irã: o monopólio da boçalidade tadas em relação a todas as nações detentoras de armas atômicas. Fora disso é apenas assinar uma procuração em branco para terroristas como Bush e assegurar ao império o domínio absoluto e total de todo o mundo.
NAÇÕES ARMADAS
Iranianas fazem ato em defesa do presidente Mahmoud Ahmadinejad
cisão do Conselho de Segurança, difícil prever. A Coréia do Norte foi condenada e até agora nada aconteceu. Talvez por conta do seu limitado arsenal nuclear, ou das facilidades de um ataque maciço contra o país. Pequeno e devastado por uma ditadura cruel e sanguinária. O caso do Irã é diferente. O país tem governo legítimo, condições de resistência a um ataque terrorista como a que aconteceu contra o Iraque bem melhores e mais efetivas e pode vir a representar um contratempo sério para as políticas de Bush, já sob forte contestação em seu próprio país. O controle dos meios de comunicação tem sido, no geral, suficiente para mascarar uma situação de caos no Iraque.
O pouco que chega ao conhecimento dos eleitores estadunidenses causa problemas e dificuldades ao governo terrorista de Bush.A conjuntura latino-americana, por exemplo, começa a mostrar-se desfavorável aos EUA e o antigo quintal, pelo menos neste momento, começa a se pretender varanda e ante-sala de um momento de intensa resistência. O discurso de Hugo Chávez no Fórum Social Mundial sinalizou nessa direção e reflete isso. Como a eleição de Evo Morales na Bolívia e as perspectivas no Peru e no México. Por mais que possa parecer quimera, só há sentido em políticas repressivas a programas nucleares se as mesmas forem ado-
A mudança de posição da Rússia e da China, que também vinham se abstendo no Conselho de Segurança da ONU, serve para mostrar que o que existe é um clube de nações armadas até os dentes e que concordam em repartir o mundo segundo seus interesses. Não exclui conflitos futuros entre elas. Apenas convergência momentânea de objetivos, o maior deles, repartir o botim. O fim do ciclo do petróleo, a perspectiva cada vez mais real de escassez de água doce, o avanço desmesurado e inconseqüente da economia de mercado, predadora por si e em si, sugerem uma nova Idade Média. A Idade Média da Tecnologia e o controle por poucos do poder de destruir o mundo só interessa a esses poucos. É o monopólio da boçalidade. O que parece ser uma preocupação com a paz é tão-somente a velha hipocrisia das democracias onde nada muda e tudo converge para um eixo, esse sim, do mal e que num dado momento, quando a reação iraquiana se fazia sentir de maneira acentuada, à época da invasão, Donald Rumsfeld chamou de “operação choque e terror”. Foi quando Bush disse que usaria armas nucleares se a democracia assim o exigisse. A democracia no caso é o que eles entendem, o conceito é deles. Laerte Braga é jornalista
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INTERNACIONAL REP. DEMOCRÁTICA DO CONGO
Todo mês, uma tragédia com 38 mil mortes François Goemans
Organizações humanitárias denunciam o genocídio da população que vive sob contínuo fogo cruzado Gustavo Barreto do Rio de Janeiro (RJ)
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uase quatro milhões de pessoas já morreram na guerra da República Democrática do Congo, afirmou um artigo publicado recentemente no jornal de medicina Lancet. O levantamento foi feito pelo Comitê de Resgate Internacional, com base em uma amostragem de 20 mil casas visitadas por uma equipe da organização em 2004. De acordo com o artigo, a maior parte das mortes ocorre em decorrência de doenças de fácil tratamento, como malária e diarréia, mais do que pela violência em si. Segundo os pesquisadores, as crianças são as principais vítimas da falta de cuidados. Comparando as estatísticas com as de outros países da África subsaariana e com dados do próprio Congo anteriores à guerra, os estudiosos concluíram que o conflito está matando 38 mil pessoas todo mês (no Iraque foram sete mil mortos em todo o ano de 2005). Os pesquisadores então projetaram a média mensal no período entre 1998, quando começou a guerra, e 2004, ano em que estiveram no país. Em algumas regiões, as taxas de mortes chegavam ao dobro do que eram antes do início do conflito.
REP. DEMOCRÁTICA DO CONGO Superfície: 2.344.86 km² Capital: Kinshasa Nacionalidade: congolesa População: 52,7 milhões Localização: centro-sul da África Governo: república presidencialista Línguas: francês(oficial), lingala, swahili, kikongo, tshiluba Religiões: católica, protestante, muçulmana e crenças tradicionais Moeda: franco congolês
comunidade internacional responde de forma inadequada à crise. O informe da ONU para o Desenvolvimento Humano (IDH) de 2000 apontou que, entre 173 países pesquisados, o Congo ocupava a 152ª posição. Atrás dele estão países em grande parte da África, entre eles Uganda, Ruanda e Etiópia. Entre 190 países, o Congo possui a nona maior taxa de mortalidade de crianças até 5 anos, de 207 crianças para cada 1.000 nascimentos. Em 1998, o país recebera apenas 126 milhões de dólares em ajuda oficial. A título de comparação, em abril de 2003 o Departamento de Defesa dos Estados Unidos levantou 1,7 bilhão de dólares em ajuda para a “reconstrução” do Iraque. A CIA reconhece – pelo menos – a existência do país, destacando em
PETRÓLEO À VISTA O artigo do Lancet destaca também a desnutrição generalizada e o colapso do sistema de saúde pública como conseqüências da guerra. Para reforçar o argumento, eles citam o caso de Kisangani, onde as taxas de mortalidade caíram 80%, quase retornando ao patamar pré-guerra, desde que os combates cessaram na região. Os cientistas afirmam que a
O conflito entre grupos armados e o Exército já provocou a fuga de mais de 100 mil civis congoleses
desertores do Exército congolês atacaram a cidade de Rutchuru em Kivu do Norte, provocando a fuga de mais de 30 mil pessoas. As equipes de MSF também tiveram que se retirar para Uganda”, disse. Todos esses eventos, completa Helen, acontecem numa área onde há uma forte presença da Missão de Observação das Nações Unidas no Congo (Monuc). “Isso mostra o quão instável a situação é e como é prematura, para muitas pessoas, a discussão sobre paz e democracia”. Em Katanga, desde agosto de 2004, os conflitos entre os diversos grupos armados já provocaram a fuga de mais de 100 mil civis congoleses vítimas de violência. Apesar disso, pouca assistência tem sido oferecida aos deslocados que perderam tudo e tentam agora
seu relatório, logo no início, que a República Democrática do Congo já é “um dos maiores produtores de petróleo da África”.
PAZ E DEMOCRACIA A diretora adjunta da organização de direitos humanos Médicos Sem Fronteiras (MSF), Helen O’Neill, esteve recentemente na cidade de Lukona, e relatou a catástrofe humanitária que atualmente acontece nas províncias de Katanga e Kivu do Norte. No dia 24 de janeiro, Helen fez um pronunciamento ao Conselho de Segurança da ONU. “Enquanto falamos, a vida e o sustento das pessoas estão sendo despedaçados pelo violento conflito entre facções armadas em ambas as províncias (Katanga e Kivu do Norte). Dia 20 de janeiro, soldados
Descaso das Nações Unidas pode levar a outro Ruanda
EGITO-SUDÃO
Organizações pedem investigação sobre refugiados
François Goemans
Doze organizações egípcias de direitos humanos pediram por escrito à Organização das Nações Unidas (ONU) uma investigação internacional para esclarecer a morte de mais de 20 sudaneses nas mãos da polícia do Egito em 30 de dezembro de 2005. As vítimas faziam parte de um grupo de mais de mil cidadãos sudaneses que tinham acampado três meses antes no centro de Cairo, em frente ao escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Assuntos Refugiados (Acnur). Eles solicitavam status de refugiado para poder ser enviados à Austrália, Canadá ou Estados Unidos. Na noite de 30 de dezembro, centenas de soldados e policiais dos grupos antidistúrbios empregaram medidas de força para acabar com o protesto e retirar os sudaneses. A maioria foi levada a instalações das forças de Segurança do Estado. No incidente morreram pelo menos 27 sudaneses, segundo fontes oficiais egípcias, e mais de cem, de acordo com representantes dos desabriga-
A violência das milícias castiga a população, e a ajuda humanitária é precária
mobilizar urgentemente para que possamos atender às demandas crescentes dessas pessoas.”
VIOLÊNCIA SEXUAL Helen afirma ainda que não entende por que a comunidade internacional de ajuda humanitária só está presente em áreas onde há um número significante de tropas da ONU, como na região de Kivu, enquanto as pessoas em Katanga estão abandonadas apesar das necessidades que são enormes e não param de crescer. “Há problemas preocupantes de saúde – malária, infecções respiratórias, diarréia – como resultado de milhares de pessoas obrigadas a viver em condições precárias de higiene e em locais superlotados. Atualmente, a MSF está respondendo a um surto de cólera na região. Foram tratados 570 novos casos de cólera entre os dias 6 e 20 de janeiro em Kikondja.” A violência sexual também é uma grande preocupação. “Em dezembro, a MSF tratou cinco mulheres e uma adolescente de 14
anos perto de Pweto que disseram ter sido estupradas por soldados do Exército congolês. O problema pode estar subestimado devido ao medo e ao estigma”, conta Helen. Não bastasse, a mortalidade infantil também é outro grave problema. Um relatório publicado pela entidade em novembro do ano passado revelou que os índices de mortalidade em Kilwa são de 4.4 mortes para cada 10 mil pessoas entre crianças com menos de cinco anos de idade. “Isto representa mais do que o dobro do índice considerado emergencial”, alerta a médica. “Hoje nós chamamos a atenção para a crise em Katanga. Mas isso não deve tirar a atenção das necessidades constantes que existem em toda a República Democrática do Congo.” Os projetos no país representam uma das maiores mobilizações de ajuda humanitária da Médicos Sem Fronteiras no mundo, com 220 profissionais estrangeiros e 2.100 profissionais congoleses oferecendo assistência em 26 localidades. (GB)
dos. As entidades desconfiam da imparcialidade das investigações do governo egípcio. Elas pediram ao Acnur a formação de uma comissão internacional para apurar os abusos cometidos. Poucos dias depois dos incidentes, o governo egípcio expressou seu desejo de expulsar cerca de 650 sudaneses, intenção abortada após as críticas da comunidade internacional. No início de janeiro, a Anistia Internacional fez um apelo ao governo egípcio para iniciar uma investigação rigorosa, independente e imparcial sobre a morte dos manifestantes sudaneses. A entidade também exigiu a interrupção da deportação sem o devido processo legal de qualquer manifestante de volta ao Sudão. Argumentou que tal investigação deve ser conduzida com a participação de peritos em direitos humanos da ONU e de integrantes das organizações independentes egípcias relacionadas aos direitos humanos. (GB, com informações da Agência Efe)
Indymedia/ Cairo
A República Democrática do Congo pode se tornar outro Ruanda, país onde em 1994, um milhão de pessoas foram mortas – com a bênção da comunidade internacional, que lavou as mãos e retirou o apoio emergencial ao país no auge do conflito. A afirmação é da diretora adjunta da organização internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF), Helen O’Neill, que, no fim de janeiro, visitou as províncias de Katanga e Kivu do Norte. “Só tem piorado. Desde meados de novembro de 2005, mais de 80 mil pessoas fugiram de suas cidades por causa das operações militares e dos ataques das milícias Mai Mai. Um civil ferido que tratamos no hospital de Bukama nos contou sobre os múltiplos assassinatos que presenciou e como os Mai Mai forçavam os civis a trabalharem para eles. Cerca de 15 mil pessoas vivem hoje em pântanos infestados por mosquitos ou em pequenas ilhas flutuantes do lago Upemba. No início de fevereiro, as milícias atacaram duas cidades, Kibondo e Kyubo, aumentando o sentimento de insegurança dos deslocados”, afirmou Helen. Apesar desta situação crítica, pouquíssima assistência tem sido oferecida aos mais atingidos pela violência. Os grupos de deslocados dependem da boa vontade da população local para terem acesso a comida, roupas e abrigo, provocando um estresse considerável nas comunidades. “Atualmente, a Médicos Sem Fronteiras oferece cuidados de saúde de emergência, abrigos, artigos de primeira necessidade, água e estruturas de saneamento em diversos locais. Mas estamos completamente sozinhos. Outras organizações nacionais e internacionais de ajuda humanitária precisam se
encontrar refúgio em áreas despreparadas para recebê-los. “Por que suas necessidades mais básicas como alimentação, abrigo, água e cuidados de saúde não estão sendo atendidas? Por que há uma quase total falta de ajuda humanitária tanto em nível nacional quanto internacional? Caso não haja uma mobilização imediata, muitas vidas poderão ser perdidas”, afirmou Helen. Um relatório do Conselho de Segurança do dia seguinte ao pronunciamento de Helen, de 24 de janeiro, acusa o Exército congolês de diversas violações aos direitos humanos, tal como a execução de seis pescadores, estupros, prisão de crianças e utilização de mãode-obra local para transporte de bens roubados. (Fazendo Média, www.fazendomedia.com)
Vinte sudaneses que participavam de protesto foram mortos pela polícia egípcia
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DEBATE AMAZÔNIA
À mercê da iniciativa privada e do mercado o dia 2 de fevereiro o Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) 62/05, que prevê a concessão de 13 milhões de hectares de florestas públicas, cerca 3% da Amazônia, para exploração comercial. Por haver recebido emendas, o PL volta à Câmara dos Deputados para ser votado em regime de urgência. Trata-se de um projeto controverso que tem suscitado acalorados debates desde que foi anunciado. E, pela sua importância, não poderia deixar de expressar minha opinião a respeito do PL, apresentado como um instrumento para solucionar os graves problemas que afetam a Amazônia. Mas esta não é uma tarefa tranqüila, uma vez que minhas opiniões caminham na contramão da opinião favorável que predomina na maior parte das ONGs ambientalistas e da própria ministra Marina Silva, a quem respeito profundamente por seu caráter e seu histórico de luta em defesa do meio ambiente. Há pouco mais de um ano expressei minha posição, com maior detalhamento, nas páginas deste mesmo jornal (Brasil de Fato edição 90). Os meus argumentos centrais permanecem os mesmos, e não me deterei neles. Meu propósito é, à guisa de um último alerta, apontar o que me parecem ser as questões centrais em jogo.
N
AS QUESTÕES CENTRAIS
Não questiono as boas intenções dos propositores e defensores do PL. Mas não poderia deixar de assinalar uma grande dose de engano que, na minha opinião, existe na proposta. Não estaremos nos equivocando se afirmarmos que o cerne do projeto traz embutida a noção de que, uma vez aprovada a lei, a concessão de florestas públicas produziria um impacto positivo, levando as madeireiras a trocarem a exploração ilegal
e predatória por uma exploração comercial legal sustentável. Ainda que, com grandes diferenças, a mesma lógica e os mesmos argumentos estavam presentes no projeto original gestado durante o governo FHC. Em maio de 2003, pouco antes do projeto original do governo FHC ser engavetado, o diretor do Programa Nacional de Florestas, Tasso Rezende, informava em reunião acontecida em Genebra, a concepção do Projeto de concessão de Florestas Públicas para exploração. É verdade que o PL atual é bastante distinto do projeto de FHC, e que o mesmo sofreu, em seu percurso no Congresso Ñacional, algumas mudanças importantes, que não podem ser ignoradas. Mas, apesar disso, a realidade é que a sua essência permanece inalterada, e é aí que devemos incidir o nosso olhar crítico. Pensamos que existem aqui alguns equívocos ou enganos. Primeiro, é uma ingenuidade terrível presumir que agentes do mercado possam sobrepor aos seus interesses mercantis os interesses da sustentabilidade ambiental. O oposto, sim, é mais provável. Os grandes vilões na tragédia amazônica são exatamente os agentes do mercado que, ao arrepio de quaisquer preocupações ambientais e da própria legalidade, expandem a agropecuária e as plantações de soja que já se instalaram no coração da Amazônia. A sustentabilidade ambiental e a lógica mercantil, são por princípio, antagônicos. Em segundo lugar, mesmo que grandes madeireiras realmente deixem a exploração ilegal, nada garante que outras, em especial as de porte médio e que não dispõem de recursos técnicos e materiais para conquistar as con-
essa regularização. Mas fica a pergunta: por que, então, o governo federal não desmembrou a Concessão de Florestas Públicas em um PL que tratasse especificamente da regularização fundiária da Amazônia e outro sobre a concessão. APROFUNDAR O DEBATE
Kipper
Temístocles Marcelos Neto
cessões, continuem a exercer a exploração ilegal e predatória. E ainda menos garantias há de que o Poder Público possa controlálas, fiscalizá-las e puni-las. Outro aspecto não menos importante é que o Projeto traz o risco de que empresas transnacionais, pouco comprometidas com a sustentabilidade ambiental e com a nossa soberania nacional, possam se beneficiar. É verdade que o PL afirma que apenas pessoas jurídicas ou empresas nacionais podem participar das licitações. Mas é sabido que o conceito jurídico de “empresa nacional” não é ditado pela origem do capital. Uma empresa de capital estrangeiro que
tenha sede em território nacional pode ser definida, juridicamente, como “empresa nacional”. E não duvidemos que existam muitas “empresas nacionais” de capital estrangeiro dispostas a explorar nossas florestas. Um argumento sério apresentado pelos defensores do PL é o que se refere à situação fundiária. Afirma-se que com o Projeto será possível regularizar a atual situação fundiária, pondo fim à ilegalidade da ocupação das terras promovidas por grileiros para atividades do setor madeireiro e da agropecuária. Esta é uma questão sensível e crucial. E estou de acordo com
É minha opinião que o governo federal deveria retirar o caráter de urgência de tramitação do PL e aprofundar com o conjunto da sociedade brasileira. Realizar um debate que leve em consideração desde as perspectivas das comunidades tradicionais da Amazônia até as perspectivas das populações do Sul e do Sudeste brasileiros, bem como os estudos da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Que se ouçam as vozes de personalidades como o geógrafo Aziz Ab´Saber, profundo conhecedor do assunto, inclusive das experiências em países como a Indonésia, onde projetos semelhantes e em países da África, e que tem se colocado fortemente contra o PL. Dito isto, não proponho postergar a resolução da grilagem na região. Que se resolva a situação fundiária com outro PL específico. Mas a Amazônia não pode ficar à mercê da iniciativa privada e dos agentes do mercado. A Amazônia precisa de uma solução global que, entre outras coisas, discuta uma política de desenvolvimento pautado não pelo mercado mas pelas razões da sustentabilidade ambiental e justiça social para os milhões de camponeses, sem terras, indígenas, comunidades locais e povos ribeirinhos, estes sim, os verdadeiros agentes sociais que podem protagonizar uma solução para os graves problemas da Amazônia. Temístocles Marcelos Neto é coordenador da Comissão Nacional do Meio Ambiente da Central Única dos Trabalhadores (CUT)
TRANSGÊNICOS
Ameaça para os bebês m novo estudo científico mostrou que mais da metade das crias de ratos de laboratório cujas mães foram alimentadas com soja transgênica durante a gestação morreram nas três primeiras semanas de vida. Uma média seis vezes maior do que a de filhotes de outras ratas que receberam alimentação normal. A notícia foi divulgada dia 8 de janeiro no diário britânico The Independent, que meses antes também tornou público um informe secreto da gigante tecnológica Monsanto. O informe mostrava que ratas alimentadas com trigo transgênico dessa empresa tinham sofrido mudanças em seus órgãos internos, indicando possíveis danos ao sistema imunológico. O novo estudo, que se estima seja o primeiro a investigar os efeitos dos transgênicos em fetos e crias, é de responsabilidade da doutora Irina Ermakova, pesquisadora do Instituto de Neurofisiologia da Academia de Ciências da Rússia. O experimento consistiu em agregar farinha de soja transgênica resistente ao herbicida glifosato (conhecido como soja RR, da empresa Monsanto) à alimentação de um grupo de ratas grávidas, duas semanas antes da concepção, durante a gestação e o período de aleitamento. Outro grupo de ratas recebeu farinha de soja não-transgênica e um terceiro grupo não recebeu
U
Greenopeace
Silvia Ribeiro
soja durante o mesmo período. Ermakova verificou que 36 % das crias do grupo alimentado com transgênicos sofriam de peso severamente inferior ao normal, contra 6% de baixo peso nos outros grupos. Mas o mais alarmante foi que 55,6% das crias do grupo alimentado com soja transgênicas morreram nas primeiras três semanas – contra 9% de mortandade no grupo alimentado com soja normal, e 6,8 % no que não recebeu soja. A doutora Ermakova declarou ao The Independent que “a morfologia e a estrutura bioquímica das ratas é similar às dos humanos, o que torna esses resultados muito alarmantes... indica que
poderia existir riscos para as mães e seus bebês”. Em novembro de 2005, o centro de pesquisa científica mais importante da Austrália, o Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation (CSIRO), abandonou um projeto de dez anos e dois milhões de dólares para produzir ervilhas transgênicas, assim que a experimentação em ratas mostrou uma reação alérgica que poderia implicar sérios riscos para o consumo humano. O caso é muito significativo, porque a ervilha havia recebido genes de um feijão cujo consumo como tal não produz alergias. A combinação tinha o objetivo de tornar as ervilhas resistentes
aos ataques de pragas. Segundo os pesquisadores do CSIRO, os genes de feijão enxertados nas ervilhas se manifestaram de maneira sutilmente distinta, o que desencadeou a reação alérgica. Isso mostra mais uma vez o que muitos cientistas suspeitam, mas quase ninguém recebe fundos para investigar: a transferência de genes cria proteínas similares, mas com diferenças mínimas, que têm efeitos nos organismos vivos muito distintos das proteínas originais. Atualmente, nem a soja nem o trigo transgênico comercializados passam por esse tipo de prova em animais – o que se aplica apenas quando se trata de transgênicos para uso médico. Paul Foster da Universidade Nacional da Austrália em Canberra, que dirigiu a equipe de avaliação imunológica das ervilhas, alimentou ratazanas com ervilhas transgênicas, notando uma reação alérgica inesperada. Também expuseram ratos a essa proteína transgênica purificada, injetando-a nas vias sanguíneas e por inalação. As ratazanas injetadas mostraram hipersensibilidade na pele e as que inalaram tiveram inflamação e danos pulmonares. Paradoxalmente, enquanto aumentam as evidências de que os transgênicos teriam impactos importantes na saúde dos consumidores, a Monsanto, principal produtora de transgênicos no mundo, anuncia resultados econômicos extraordinários. E, segundo estatísticas de empresas produtoras
de transgênicos, em 2005 os cultivos modificados se expandiram para mais de 400 milhões de hectares no mundo. O que essas empresas não dizem é que essa expansão tóxica se produz com o ocultamento de dados reais sobre o cultivo de transgênicos: podem causar danos à saúde, rendem menos, usam mais substâncias químicas e são muito mais caros que os cultivos convencionais. A isso se soma que os cultivos camponeses contaminados por organismos geneticamente modificados, como o milho, sofrem deformações e quem sabe o que mais, nos próximos anos. É altamente provável que o milho e a soja transgênica que estão sendo colocados em nossa alimentação produzam alergias e outros danos à saúde. Não podemos saber por que, além de as empresas sabotarem com êxito a rotulagem identificando a presença de organismos geneticamente modificados no produto, a regulamentação para liberar o consumo ou para o cultivo não exigem o tipo de prova que os estudos científicos estão aplicando nos casos referidos. Não é necessário que um produto seja bom, em nenhum sentido, para chegar ao mercado. Basta o poder das transnacionais para pagar propaganda mentirosa e comprar governos e legisladores corruptos. Silvia Ribeiro é pesquisadora do Grupo ETC
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AGENDA LIVRO
R. Regente Feijó, 859, Centro, Campinas Mais informações: (19) 3705-8003
ADEUS AO DESENVOLVIMENTO: A OPÇÃO DO GOVERNO LULA Publicado pela Autêntica Editora, este livro é a continuação de A economia política da mudança: desafios e enquívocos do início do governo Lula. Em sua segunda obra, João Antônio reúne diferentes textos críticos sobre o governo. O livro tem 224 páginas e custa R$ 43.
Luciney Martins/ BL 45imagem
SÃO PAULO
1° CONGRESSO INTERNACIONAL DE PSICOLOGIA SOCIAL 8 a 11 de março O evento vai discutir o desenvolvimento da pedagogia social no Brasil e na Europa por meio de palestras e mesas-redondas. Essa diretriz da pedagogia vem crescendo devido à necessidade de se pensar uma forma melhor de lidar com a população brasileira e sua diversidade. A iniciativa é da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), do Centro de Cultura e Extensão da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Faculdade de Serviço Social do Centro Universitário. As inscrições variam de R$ 40 a R$ 90. Local: Faculdade de Educação da USP, bloco B, Av. da Universidade, 308, Cidade Universitária, São Paulo Mais informações: www.usp.br/pedagogiasocial
NACIONAL PRÊMIO ANA Inscrições até 22 de março Promovido pela Agência Nacional de Água (ANA), o prêmio tem o objetivo de reconhecer e valorizar iniciativas que assegurem água de boa qualidade e quantidade, visando também o futuro. Podem participar empresas, associações e indivíduos. Inscrições gratuitas. Mais informações: www.ana.gov.br/prêmio/ default.htm EXPERIÊNCIAS JUVENIS até 13 A Ashoka Empreendimentos Sociais está selecionando relatos de jovens ou organizações, sobre experiências sociais de inclusão social, as histórias serão organizadas em um livro, que tem como objetivo promover a participação dos jovens na sociedade. Os relatos devem responder a perguntas como “o que levou a experiência?”, ou então “como a prática envolveu os jovens?”. As inscrições deverão ser feitas pela internet. Mais informações: www.ashoka.org.br/iai, iai@ashoka.org.br
RIO DE JANEIRO OLHARES DO MORRO 7 a 12 Após fechamento devido às fortes chuvas, o Centro Cultural Telemar reabre as portas da exposição “Olhares do Morro”, com um acervo de fotos de grandes fotógrafos e de jovens moradores das favelas do Rio de Janeiro. A exposição traça um panorama estético da juventude do funk carioca. Entrada gratuita. Local: R. Dois de Dezembro, 63, Flamengo, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 3131-3060 www.institutotelemar.org.br/ centrocultural/ RECITAL JACOB DO BANDOLIM 14 Nomes como Joel Nascimento, Deo Rian, Hamilton de Holanda, Grupo Época de Ouro, Izaias Bueno (de São Paulo), Ronaldo do Bandolim e Pedro Amorim, irão interpretar músicas já conhecidas e inéditas de Jacob do Bandolim. Essas obras serão lançadas em um álbum de partituras que será distribuído nas escolas de música do brasil. O ingresso para o show varia entre R$5 e R$10. O show começa às 19 horas. Local: Teatro Carlos Gomes, Pça. Tiradentes, s/n°, Rio de Janeiro Mais informações: www.jacobdobandolim.com.br CRISE HEGEMÔNICA NA AMÉRICA LATINA E PÓS-NEOLIBERALISMO 16 e 17 Seminário internacional que vai tratar de temas como o balanço do neoliberalismo na América Latina, as experiências de governo dos movimentos sociais. Presenças de Emir Sader e Tarso Genro. As inscrições são gratuitas, e deverão ser feitas pela internet. Local: Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Auditório 11, 1° andar, R. São Francisco Xavier, 524, Maracanã, Rio de Janeiro Mais informações: www.lpp-uerj.net TRANSFORME SEU LIXO EM ARTE Inscrições até 22 O projeto “Transforme seu lixo
ATO DAS FAVELAS 15, às 10 h A União dos Movimentos de Moradia de São Paulo e as associações de moradores de diversas favelas da capital estão organizando um protesto contra a política habitacional dos governos Alckmin e Serra, além de um ato de desagravo ao padre Júlio Lancelotti, vítima de uma reportagem preconceituosa da revista Veja. Em audiência com os secretários Estadual e Municipal de Habitação, as entidades vão reivindicar propostas de urbanização, regularização e moradia dignas para os dois milhões de moradores das 1.700 favelas da região metropolitana de São Paulo. Local: Pátio do Colégio, R. Boa Vista, 148, Centro, São Paulo
em arte” oferece oficinas de teatro, cavaquinho, violão, reciclagem de papel e pet, capoeira, dança de salão, dança afro, curso pré-vestibular, entre outros. Para se inscrever é necessário levar cópias de documentos e 35 latinhas de alumínio. As mensalidades são doações de lixo reciclável. As aulas começam a partir de março, quando as turmas já estiverem completas. Inscrições podem ser feitas às segundas e quartas, das 14 às 18 horas. Local: Auditório da FIA, R. General Castrioto, 589, Barreto, Niterói Mais informações: (21) 2628-7523, (21) 9782-1917 9° ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES DE JORNALISMO 28 a 30 de abril O encontro é promovido pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Os debates terão como principal foco o Programa Nacional de Estímulo à Qualidade do Ensino em Jornalismo da Fenaj, avaliando os dez anos de formulação, implantação e contribuição à formação profissional do jornalista. As inscrições de trabalhos estão abertas até dia 12, e para aqueles que somente participarão dos debates, as inscrições devem ser feitas no próprio
encontro. O custo para a participação varia de R$ 70 a R$ 100. Local: Uniflu, Faculdade de Direito de Campos, R. Tenente Coronel Cardoso, 349, Campos de Goytacazes Mais informações: (61) 3244-0650 www.fnpj.org.br 2ª PARADA GAY DE NITERÓI 25 de junho Após o sucesso da primeira parada gay, em junho de 2005, organizada pelo Grupo de Diversidade Niterói (GDN) e outras 32 organizações, começa a mobilização para a segunda parada. Este ano o tema é “O Brasil em campo contra a homofobia”, com o intuito de conscientizar contra o preconceito. A parada prevê participação não somente de grupos GLBT, mas também de todos aqueles que lutam contra a discriminação. Local: Orla da Praia de Icaraí, saída em frente à reitoria da Universidade Federal Fluminense, Niterói Mais informações: www.gdn.org.br
RIO GRANDE DO SUL 9° ASSEMBLÉIA DO CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS 14 a 23
O encontro ecumênico, realizado pela primeira vez na América Latina, vai discutir, além das questões voltadas diretamente à fé, temas como o trabalho social promovido pela Igreja. Estão confirmadas participações de ativistas dos direitos humanos e ganhadores do Prêmio Nobel da Paz como o escritor argentino Adolfo Pérez Esquivel, o arcebispo africano Desmond Tutu e a defensora das causas indígenas na Guatemala, Rigoberta Menchu. O encontro será na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Local: Av. Ipiranga, 6681, Partenon, Porto Alegre Mais informações: (51) 3316-1177, (51) 9999-9628, (51) 3316-1177
SÃO PAULO CICLO DE VÍDEOS DE FICÇÃO CIENTÍFICA todas as sextas, sábados e domingos Promovida pelo Museu da Imagem e do Som (MIS) de Campinas, a mostra traz ficções científicas que vão desde clássicos como 2001 – Uma Odisséia no Espaço até o contemporâneo Matrix. Entrada franca Local: MIS, Palácio dos Azulejos,
PANORAMA SESI DE DANÇA 10 a 19 Grupos conceituados de dança contemporânea se apresentam no Teatro Popular do Sesi. São oito apresentações de sete grupos diferentes, entre eles o grupo Ana Vitória, do Rio de Janeiro, com o espetáculo O exército de Dom Quixote. A entrada é franca. Os ingressos serão distribuídos três horas antes do começo do espetáculo. Local: Av. Paulista, 1.313, Cerqueira César, São Paulo Mais informações: www.sesisp.org.br CONCURSO DE MARCHINHAS DE CARNAVAL Inscrições até 20 Promovido pela cidade de Votorantim, com apoio da Secretaria de Cultura do município e do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e região, o concurso pretente valorizar a música carnavalesca tradicional. Por isso, os interessados só poderão apresentar músicas dentro desse estilo. As inscrições poderão ser feitas via internet, na própria Secretaria de Cultura, ou via correio, com o envio de uma fita K7 ou CD. Inscrições gratuitas. Mais informações: www.culturavotorantim.com.br ÁGUA PARA VIDA, ÁGUA PARA TODOS 20 fevereiro a 15 de março Exposição itinerante promovida pela WWF-Brasil, com o apoio da Agência Nacional de Águas. A proposta do projeto é aumentar o envolvimento da sociedade no cuidado com a água por meio de interatividade e ações de mobilização. Uma carreta de 40 m2 percorrerá as cinco regiões do país. O primeiro local de instalação é o Parque do Ibirapuera, até o dia 20. Depois, irá para o Sesc Interlagos, até o dia 15 de março, de onde partirá rumo a Curitiba. Entrada franca. Local: Parque do Ibirapuera, Av. Pedro Álvares Cabral, s/n°, Vila Mariana; Sesc Interlagos, Av. Manoel Alves Soares, 1100, Interlagos, São Paulo Mais informações: www.wwf.org.br/agua
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CULTURA
De 9 a 15 de fevereiro de 2006
ARTES PLÁSTICAS
As cores fortes da ideologia Bruno Terribas de São Paulo (SP)
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artí, Fildel e Che; rum, tabaco e Buena Vista Social Club. Para ir além das primeiras lembranças que nos vêm à mente e ao coração, ao pensar na ilha caribenha, a exposição “Arte de Cuba” traz a oportunidade de entrar em contato com uma expressão cubana pouco conhecida por aqui: as artes plásticas. São 171 obras de 61 artistas cubanos, na maior mostra de peças cubanas já realizada no país. Até outubro, a exposição passará pelo Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB) em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte (veja o quadro abaixo). A iniciativa, fruto de uma parceria entre o Museu Nacional de Belas Artes de Cuba – instituição que administra a maior parte do patrimônio cultural da ilha – e a Associação Cultural Guantamera – responsável pela divulgação da produção cultural cubana no Brasil – apresenta três linhas temáticas que ajudam a compreender como se desenvolveu a produção das artes plásticas cubana desde o século 20. Busca de uma identidade nacional, reação da arte frente às aceleradas mudanças nos rumos de Cuba e no mundo durante o período, e experimentações em termos de linguagens artísticas e expressões poéticas pessoais compõem o vasto repertório da exposição.
MODERNISMO No terceiro andar do prédio do CCBB de São Paulo, estão obras relevantes do início do período modernista cubano, que se estendeu até meados do século 20. Victor Manuel é um dos ícones dessa geração. Ele procurava seguir a estética modernista ocidental enquanto buscava elementos próprios de sua cultura e identidade, que oscilava entre a valorização do criollo (afro-cubano) e do guajiro (“caipira” cubano). Da mesma época, mas com visão mais ampla em termos das classes populares, o marxista Marcelo Pogolotti, já na década
de 1930, questiona a realidade social dos trabalhadores do país, nos quadros Obreros y Campesinos e Fuerza del Trabajo. “Os conceitos definidos em seu trabalho entre as décadas de 1920 e 1930 fazem de cada obra um manifesto, que conjuga estética futurista com a definição de uma sociedade em termos marxistas”, explica a cubana Ania Rodriguez, historiadora da arte e curadora da exposição. No local reservado ao período de consolidação do modernismo cubano, o destaque é o pintor Winfredo Lam, considerado o mais importante do país. “Lam conquistou um espaço internacional nas exposições surrealistas e o reconhecimento dentro de acervos como o do MoMa (Museum of Modern Art), o Museu de Arte Moderna, de Nova York”, conta a curadora. O coordenador-geral da exposição, o cubano Rodolfo de Athayde, avalia as obras do pintor como “as mais representativas da integração das energias modernas com as raízes afro-cubanas”.
Imagens: Divulgação
A realidade social e a identidade cultural cubanas na maior exposição de artes plásticas de Cuba no Brasil
REVOLUÇÃO E ARTE No contexto da revolução cubana de 1959, os artistas encararam de forma diferente as modificações estruturais implantadas por Che Guevara e Fidel Castro. “Podemos citar cantos a uma nova era, como os de Mariano Rodriguez (Declaración de La Habana) ou de Servando Cabrera, ao lado de imagens expressionistas. Longe de serem momentos de limitação criativa, esses primeiros anos da década de 1960 foram de grande fertilidade intelectual e artística”, diz Ania. Outra forma de representação do momento revolucionário e seus mitos e ícones são as produções de Fernando Rodriguez (Mis Dioses Mi Familia) e Raúl Martinez (Martí y la estrella). Dos anos 1980 até hoje, as artes plásticas cubanas passaram a transcender a realidade local da ilha, inserindo-se em um contexto artístico universal. “São obras que abarcam realidades muito mais amplas e que bem poderiam ser enunciadas por artistas de diferentes latitudes”, completa Ania Rodriguez.
Martí y la estrella – Raúl Martínez
Ritmos da ilha Em evento paralelo à exposição “Arte de Cuba”, o Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, abre espaço para as diferentes gerações da música cubana. O programa Música de Cuba apresenta, dia 14, o veterano pianista e maestro Guillermo Rubalcaba e banda, tocando sucessos que edificaram a tradição da música cubana em diversas gerações. Rubalcaba já participou várias vezes do projeto Buena Vista Social Club como pianista convidado. Dia 21 é a vez do grupo Jóvenes Clássicos del Son. A banda combina a tradição musical da região e a inovação dos arranjos, tendo como destaque a voz do cantor Palma.
Mujer ante la ventana – René Portocarrero
ARTE DE CUBA Natureleza muerta con mameyes – Amelia Pelaéz
De 31 de janeiro a 10 de abril de terça a domingo, das 10 às 21 horas Local: Centro Cultural Banco do Brasil, R. Álvares Penteado, 112, Centro, São Paulo Mais informações: www.bb.com.br/cultura (11) 3113-3651 (11) 3113-3652 Entrada franca MÚSICA DE CUBA 14 de fevereiro - Guillermo Rubalcaba Local: Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil Ingressos: R$ 6 e R$ 3 (meiaentrada) 21 de fevereiro - Jóvenes Clássicos del Son Local: Térreo do Centro Cultural Banco do Brasil Entrada franca
Fuerza de trabajo – Marcelo Pologotti
Dos mujeres y paisage – Vitor Manuel García