Ano 4 • Número 156
R$ 2,00
Anderson Barbosa
São Paulo • De 23 de fevereiro a 1º de março de 2006
Justiça fecha os olhos para massacres Tribunal paulista inocenta o coronel Ubiratan e comprova que, quando a polícia mata pobres, a impunidade é certa
O
Protesto em frente ao Tribunal de Justiça de São Paulo, dia 20 de fevereiro, contra absolvição do coronel Ubiratan
A resistência popular no carnaval Catadores fazem prestação de serviço público
Janeiro, a Vila Isabel celebrará a unidade latino-americana que inspirou o libertador Simón Bolívar. E, em São Paulo, o
cordão BibiTantã mostrou como a cultura pode apoiar a inclusão social. Págs. 12 e 13
Douglas Mansur
No Maranhão, a escola mais tradicional de São Luís – a Turma da Mangueira – prestará uma homenagem ao MST. No Rio de
resultado do julgamento do coronel Ubiratan Guimarães, comandante da operação conhecida como Massacre do Carandiru, na qual foram executados 111 detentos, em 1992, deixa clara a diferença com que a Justiça trata ricos e pobres, no Brasil. Para o jurista Hélio Bicudo, a impunidade “é a marca da Justiça brasileira, que funciona apenas para os chamados pés-de-chinelo. As delegacias estão cheias deles”. A absolvição do coronel engrossa a lista dos crimes come-
tidos por policiais que ficaram impunes, como nos casos das chacinas de Eldorado dos Carajás e Corumbiara. Em 15 de fevereiro, 20 desembargadores anularam a pena de 632 anos, determinada pelo 2º Tribunal do Júri, em 2001, e inocentaram o coronel por considerar que houve contradição entre as respostas dos jurados e a condenação. Porém, a absolvição foi baseada em entendimentos da Justiça bastante questionáveis, segundo especialistas. Págs. 2 e 7
Presidente do Haiti assume sem programa
Catadores de lixo vão a Brasília propor a criação de 39 mil postos de trabalho na categoria, a um custo de R$ 170 milhões. O valor por posto de trabalho, de R$ 3,10 mil, é bastante baixo comparado com outras profissões. Submetidos a uma atividade pouco nobre, eles dão contribuição importante para a reciclagem de resíduos sólidos das metrópoles brasileiras. Pág. 3
René Préval assume em março a Presidência do Haiti, como um salvador da pátria. A população do país deposita nele esperanças de um futuro melhor. Segundo um político próximo ao novo presidente, Rénald Clérismé, que concedeu entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, ele não tem meios para fazer uma política soberana no Haiti. Pág. 9
Religiosos se unem contra desigualdades
Indígenas se articulam e cobram governo
Em defesa da pluralidade religiosa e contra as injustiças sociais, cristãos de 110 países se reuniram, de 14 a 23 de fevereiro, na 9ª Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), no Rio Grande do Sul. O encontro abrigou também representantes de outras religiões e de povos indígenas. Pág. 5
O movimento indígena se articula em nível nacional, com a criação de uma nova entidade. O líder indígena Jecinaldo Barbosa Cabral explica como se dá essa mobilização e dispara: “O governo só vai começar a acertar na política indigenista quando tiver a participação direta das populações”. Pág. 8
Nações Unidas defendem fim de Guantánamo
Prisões tentam calar atingidos por barragens
Avós argentinas acham mais um desaparecido Las Abuelas, como são conhecidas na Argentina as avós da Praça de Maio, encontraram o seu 82º neto, dia 16 de fevereiro, depois de 27 anos de buscas. Desde 1977, o grupo busca os 500 netos filhos de mães desaparecidas que deram à luz nos centros clandestinos de detenção durante a ditadura militar. Segundo as Avós, o jovem Sebastián José foi adotado quando bebê por civis ligados às Forças Armadas. Seus pais desapareceram em dezembro de 1977, quando sua mãe estava grávida de cinco meses. Pág. 11
Pelas estreitas ruas do Centro de São Paulo, a alegria do colorido cordão de carnaval BiBiTanTã
E mais: PETROBRAS – Com a eleição do Evo Morales a Presidência do país, a estatal brasileira será obrigada a rever modelo de exploração dos hidrocarbonetos na Bolívia. Pág. 11 FRANÇA – Governo aprovou projeto de lei sobre imigração que prevê escolher os estrangeiros de acordo com sua capacidade. Pág. 16
Marcio Baraldi
Pág. 16
Pág. 6
Estados ignoram lei de proteção a crianças Considerados “prontos-socorros” do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os Conselhos Tutelares – obrigatórios em cada município brasileiro – são as únicas instâncias que encaminham denúncias de violação de direitos. Porém, 19 dos 27 Estados do país não têm todas as cidades contempladas com um Conselho, segundo levantamento da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). Piauí, Bahia e Maranhão lideram a lista dos desprovidos desse mecanismo de proteção infanto-juvenil. Pág. 4
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De 23 de fevereiro a 1º de março de 2006
NACIONAL ECONOMIA
Trabalho para além da sobrevivência Luís Brasilino da Redação
Arquivo TRF
A coleta de material reciclável consolida-se como carreira profissional e presta serviço de proteção ambiental emprego. “Durante esse período, não apenas aumentou o desemprego mas também várias modalidades de sobrevivência. Assim, o trabalho dos catadores se expandiu e se organizou muita rapidamente nos principais centros metropolitanos, a ponto de colocar o Brasil entre os principais países em termos de reciclagem de vários produtos”, diagnostica o economista.
O
governo federal pode criar 39 mil postos de trabalho e reciclar 9% daquilo que é possível no país, com um investimento pouco inferior a R$ 170 milhões (quantia que o Banco Itaú levou, em média, 12 dias para lucrar, em 2005, segundo resultados apresentados pela instituição). Essa é a proposta que o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) deve apresentar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em encontro previsto para o dia 3 de março. A fundamentação para a proposta é forte: a criação de postos de trabalho para catadores é das mais baratas do mercado. Cada vaga exige investimentos em torno de R$ 3,10 mil, quando o catador está melhor equipado e organizado, e de R$ 4,98 mil, quando não. Na comparação com outros segmentos, a diferença é bastante significativa. Em uma sorveteria, por exemplo, o posto de trabalho custa R$ 9,60 mil (dado do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae). Em uma indústria de material elétrico, custa R$ 100 mil (segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES). Essas informações constam de um estudo elaborado pelo MNCR e realizado pela ONG Pangea – Centro de Estudos Socioambientais, em parceria com o Grupo de Estudos de Relações Intersetoriais (Geri) da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em um convênio entre o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e a Organização de Auxílio Fraterno (OAF).
NOVA CATEGORIA
Segundo estudo dos catadores, bastaria investir apenas R$ 170 milhões para criar cerca de 40 mil postos de trabalho
A profissão do catador teve origem na miséria das grandes cidades como uma estratégia de sobrevivência. Assim, o MNCR estima que, caso sua proposta seja aceita, os beneficiados poderão elevar sua renda mensal, hoje entre R$ 60 e R$ 100, para alguma coisa entre R$ 300 e R$ 450. Ou seja, na melhor das hipóteses, cerca de um terço do “salário mínimo necessário” calculado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), R$ 1.496,56 (janeiro/2006). Apesar das dificuldades, Severino Jr., catador de Natal (RN), faz questão de desmistificar a situação de seus colegas. “Uma coisa é um filho de classe média ver aquele monte de gente, de urubu, de lixo tudo amontoado. Para nós, aquilo
é local de trabalho. Não estamos lá para comer comida estragada”, desabafa. No entanto, as dificuldades são grandes para a imensa maioria dos catadores. Desorganizados, com péssimas condições, sem capital, equipamentos e formação, eles estão em situação de pobreza crítica, à mercê da exploração dos intermediários. Na Bahia, por exemplo, os catadores vendem o quilo da garrafa PET a R$ 0,15. Os intermediários repassam por R$ 0,90. O estudo da Pangea constata: “A coleta de materiais recicláveis encontra-se baseada na apropriação de um superexcedente econômico, assentado na exploração do trabalho infantil, trabalho degradante, sendo que em algumas situações parece haver indicações empíricas,
inclusive, de trabalho escravo contemporâneo, através da servidão por dívida junto ao intermediário”.
SOBREVIVÊNCIA As políticas neoliberalistas, que contribuem para deteriorar o mercado de trabalho, fazem crescer o desemprego e as ocupações informais. Com isso, cresce o número de catadores, uma atividade com liquidez diária. O que se coleta é comercializado no mesmo dia. Não há números oficiais sobre a quantidade de catadores no Brasil, mas o MNCR estima algo entre 300 mil e um milhão de trabalhadores. Márcio Pochmann, professor de economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), esclarece que o Brasil vive há mais de 20 anos uma profunda crise do
Pochmann avalia que a atividade – que não é nada “nobre” – começou como estratégia de sobrevivência, absorveu muitas pessoas graças à falta de emprego, e terminou identificada pelo setor público como uma ocupação reconhecida pelo Estado. “Não vejo como algo negativo, pelo contrário, o trabalho humano precisa ser regulado e valorizado. Não há razão para que recebam esses valores relativamente baixos (de R$ 300 a R$ 450). Se tiverem mais organização, é possível que a renda aumente. Ao mesmo tempo, é necessário regular o ingresso de pessoas na coleta porque sem controle haverá uma contínua expansão de pessoas coletando. Isso reprimirá a remuneração e dificultará a organização da categoria”, aponta o professor. De acordo com a irmã Regina Maria Manoel, coordenadora-geral da Organização de Auxílio Fraterno, agora os catadores querem participar de toda a cadeia de reciclagem e assumir sua profissão. “Ao se organizar em cooperativas e num movimento nacional, eles descobrem uma forma de se inserir e de fazer parte da sociedade consolidando-se como atores importantes na cadeia de reciclagem. Foi uma grande sacada”, celebra a religiosa.
Reciclagem é um serviço público QUANTO CUSTA UM POSTO DE TRABALHO
Caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aceite proposta de geração de 39 mil postos de trabalho elaborada pelo Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), o Brasil gastaria R$ 170 milhões e passaria a reciclar pelo menos 9% de todo o seu potencial. Para chegar aos 100%, seria necessário um investimento de R$ 2 bilhões. Comparando com o que o país gasta com o sistema financeiro, mesmo
Valor por posto de trabalho R$ 5.472,00
Microempresa Sorveteria*
R$ 9.635,80
Microempresa Livraria*
R$ 18.277,75
Indústria da Construção Civil**
R$ 33.300,00
Indústria de Máquinas e Equipamentos **
R$ 62.500,00
Setor de Bens de Consumo***
R$ 98.252,00
Indústria de Material Elétrico**
R$ 100.000,00
Turismo***
R$ 147.378,00
Indústria Automobilística***
R$ 203.203,00
Indústria Metalúrgica***
R$ 323.785,00
Indústria Química***
R$ 491.260,00
Fontes: (*) Sebrae, (**) BNDES (1998), (***) BRASIL (1997) apud ANA/GEF/PNUMA/OEA – 2004
Catador não tem patrão “Nas ruas, as pessoas vivem do imediatismo e do individualismo. Mas o catador não pode viver pensando em disputar espaços com um colega. A partir do momento em que se quebram esses dois paradigmas, temos condições de competir de igual para igual com as empresas privadas”. É assim que Severino Jr., catador de Natal (RN), explica a opção pelo trabalho em cooperativas. Essa é a principal modalidade de organização dos catadores. O Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) tem em seu cadastro 94 cooperativas, que totalizam 4.134 trabalhadores. No entanto, estes representam apenas 12% dos trabalhadores cadastrados no MNCR. Os demais ainda estão em situação precária de organização. Elisabeth Grimberg, coordenadora de ambiente urbano do Instituto Pólis, revela que as cooperativas contrapõem-se à lógica de concentração de renda das empresas. “É a proposta da horizontalidade, da conquista de um trabalho com autonomia e autogestionário. No mundo de hoje, a busca por um trabalho com
autonomia não é mais uma bandeira exclusiva dos anarquistas, como foi no século 19”, recorda Elisabeth. Assim como o crescimento da atividade dos catadores, a economia solidária – prática que contempla o cooperativismo – é um produto da crise do emprego gerada pelo neoliberalismo. Márcio Pochmann, professor da Universidade Estadual de Campinas, conta que suas primeiras experiências remontam aos anos 1980, como resistência a um quadro de enorme perversidade e sofrimento humano decorrente da ausência de postos de trabalho e sobrevivência digna. “A economia solidária vem dando passos importantes, inclusive com o apoio de políticas públicas, que tentam potencializar essas atividades para que deixem de ser apenas de resistência e se tornem alternativas consolidadas em termos de trabalho e renda”, avalia Pochmann. No entanto, ele acredita que a economia, ao não crescer, coloca para a economia solidária dificuldades e limites do ponto de vista da sua expansão; do outro lado, as políticas públicas são muito tímidas. (LB)
esse é um serviço que pode ser prestado de forma a integrar todo um contingente que já é profissional da área e reconhecer essas pessoas como profissionais atuando sem remuneração. É quase um trabalho escravo – traz benefício para a cidade e não é recompensado. O fato de as pessoas trabalharem por conta própria para sobreviver não retira esse caráter de prestação de serviço”, alega Elisabeth.
A CONTA Anderson Barbosa
Microempresa Pizzaria*
o número máximo fica pequeno: corresponde a 2% do superávit primário de 2005. De quebra, com os R$ 2 bilhões, o governo federal geraria 450 mil postos de trabalho, reconhecendo o esforço feito pela categoria nas últimas décadas. Para a socióloga Elisabeth Grimberg, coordenadora de ambiente urbano do Instituto Pólis, é possível estruturar a cadeia de reciclagem com uma concepção cooperativista. “Para a sociedade,
Com 2% do superávit de 2005 seria possível reciclar todo o lixo brasileiro
Segundo a socióloga, uma boa parte do investimento para reciclagem deveria vir da iniciativa privada. Elisabeth revela que, no caso de produtos como o café e o leite, o custo do insumo é menor do que se paga com embalagem. “Você paga para ter o café, o leite em embalagem, você paga impostos sobre o produto, o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), taxa de resíduos sólidos, o impacto ambiental dos aterros quando tem vazamento, o consumo de energia para reciclar. Tudo isso é pago por nós”, protesta. Do outro lado, o empresariado não se responsabiliza. O Instituto Pólis propõe uma política nacional de resíduos na qual os empresários arcariam com uma parcela desses gastos. Esses recursos poderiam ser usados em um fundo municipal de reaproveitamento dos resíduos. Estes contemplariam a educação para as pessoas saberem o que descartar e onde, que o governo tem que coletar e providenciar infra-estrura de conteiners ou caminhões para as pessoas levarem os materiais, a coleta, locais de triagem, comercialização e reciclagem. “Os recursos poderiam vir do sistema empresarial, todos eles tributados difereciadamente. Mas precisa haver a exigência de que os municípios implantem a coleta seletiva e a remunerem”, sugere Elisabeth. (LB)
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De 23 de fevereiro a 1º de março de 2006
Espelho JN com menos política Franklin Martins, Arnaldo Jabor e Chico Caruso não estão mais no Jornal Nacional. Franklin e Jabor apareciam algumas vezes na semana. Chico Caruso tinha uma charge mostrada pelo telejornal diariamente. Aparentemente as mudanças estão vinculadas à queda na audiência do JN e ao caminho escolhido para revertê-la: dar menos espaço para política e fazer um noticiário mais sensacionalista. “A dor da gente não sai no jornal” A primeira página do O Globo de 16 de fevereiro mostrou como a dor dos humildes choca menos do que o incômodo dos ricos. A manchete do jornal foi “Sem polícia, guerra do tráfico volta à Rocinha”. O subtítulo: “Moradores de São Conrado e Gávea se apavoram”. Quem mora nesses dois bairros de classe média alta tinha razões para temer uma bala perdida. Mas nada comparável ao que sofreram os 50 mil moradores da Rocinha, com a guerra em suas portas. “A dor da gente não sai no jornal”, já dizia um velho (e lindo) samba. Olho na TV digital A sociedade não vem acompanhando o debate sobre a implantação da TV digital com a atenção devida. O governo tenta transformá-lo em algo puramente técnico e o ministro das Comunicações, Hélio Costa, tem sido acusado de fazer o jogo dos ex-patrões da Rede Globo. Com a TV digital será possível triplicar o número de canais de TV aberta em cada região. Há rumores de que o ministro pensa em ceder os novos canais a quem já detém concessões. Seria (mais) um escândalo de enormes proporções. Rede quase nacional O presidente da Câmara, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), fez um pronunciamento em 16 de fevereiro, em horário nobre, em rede nacional de TV. Ou melhor, em rede quase nacional: justamente a TV Câmara se esqueceu de entrar em cadeia. Mais uma de Tanure Nelson Tanure, o dono do Jornal do Brasil, não se emenda. Deu uma entrevista irresponsável ao site Jornalistas&Cia. Nela, afirma que o presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio, Aziz Filho, “é um rapaz que saiu do emprego em uma editora porque estava tentando vender matérias”. Segundo Tanure, tal fato teria ocorrido na Isto É. Só que Aziz, figura querida e profundamente ética, é chefe de redação da sucursal da Isto É no Rio. Programa Ver TV Estreou no dia 16 de fevereiro o programa Ver TV, que se propõe a analisar criticamente o conteúdo da televisão brasileira. Sempre com três convidados, ele vai debater temas como a função social da TV, a classificação indicativa, a programação infanto-juvenil, papel da mulher na TV e a TV digital. Vai ao ar todas as quintas, às 22h30, pelos canais TV Nacional e NBR, da Radiobrás, e ainda pela TV Câmara. Bairrismo bobo O jornalista Mário Marona, que é gaúcho, chama a atenção em seu blog para mais um capítulo da disputa idiota originada pela rivalidade entre São Paulo e Rio. No dia 19 de fevereiro, a segunda matéria mais importante da Folha On Line sobre o show dos Rolling Stones foi sobre o intenso trabalho dos bombeiros. No título, um exagero evidente: “Show foi um inferno, dizem bombeiros”. Numa festa de rock que reuniu mais de um milhão de pessoas, incidentes causados por gente que bebe demais e recebe atendimento médico são inevitáveis. Mas, diga-se, no caso foram até poucos. Processo contra TV Record O juiz Alexandre Cassetari, da 4ª Vara Criminal de São Paulo, acolheu denúncia do Ministério Público e abriu processo contra o bispo Edir Macedo, chefe da Igreja Universal e dono da TV Record, e mais seis diretores da emissora. A acusação é de importação ilegal de equipamentos eletrônicos e falsificação de documentos. A pena prevista para esses crimes é, respectivamente, de um a quatro anos e de um a cinco anos de reclusão. Blog do Cid Benjamin: http://blog docidbenjamin.zip.net/
Maioria dos Estados descumpre lei Os Conselhos são a única instância que encaminha denúncias de violação de direitos Rilton Pimentel de Brasília (DF)
O
Agência Brasil
Cid Benjamin
CONSELHOS TUTELARES
s Conselhos Tutelares (CTs) são chamados pelos especialistas da área de infância e juventude de “prontos-socorros do Estatuto da Criança e do Adolescente”. Registros de agressões de todos os tipos contra meninos e meninas, negação de atendimento médico ou educacional, privação da liberdade e diversas outras reclamações chegam a essas entidades, que encaminham as denúncias. Pela lei, cada município brasileiro deveria ter, pelo menos, um CT. Mas, na realidade, 19 dos 27 Estados brasileiros (70% do total) não têm todas as cidades contempladas com um Conselho, como mostra levantamento elaborado pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) e as organizações não-governamentais ligadas à Andi. A pesquisa faz um cruzamento entre o número de municípios existentes em cada Unidade da Federação (dados fornecidos pela Secretaria Especial de Direitos Humanos) e a quantidade real de CTs nessas cidades, informações colhidas junto aos Conselhos Estaduais dos Direitos da Criança e do Adolescente. O resultado é um ranking que mostra a deficiência em cada Estado. Piauí, Bahia e Maranhão estão no topo dessa lista. No primeiro, 61% dos municípios não dispõem de nenhuma instância. O território baiano vem logo atrás, com ausência em 60% das cidades. Não há Conselhos em 53% das cidades maranhenses. Para José Fernando da Silva, presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), a ausência de CTs na maioria dos municípios revela uma falta de comprometimento das prefeituras com o Estatuto. “Onde não existe Conselho Tutelar há um prejuízo muito grande para as crianças e adolescentes, pois não conhecemos a totalidade de violações dos direitos infanto-juvenis, a dimensão dos problemas na área”, afirma o especialista. José
Onde não há conselhos tutelares, a vulnerabilidade das crianças e dos adolescentes é maior
Fernando salienta que, conseqüentemente, a elaboração de políticas públicas voltadas a essa parcela da população fica prejudicada. Os Conselhos Tutelares são instâncias independentes, inclusive para denunciar e corrigir distorções na própria administração municipal, relativas ao atendimento a crianças e adolescentes. Suas decisões só podem ser revistas pelo juiz da Infância e da Juventude. Em cada órgão trabalham cinco conselheiros, escolhidos pela comunidade para mandato de três anos, sendo permitida uma recondução. Eles são responsáveis por encaminhar as denúncias aos órgãos competentes (Ministério Público, Vara da Infância etc.) e acompanhar o desenrolar dos casos. Também determinam medidas para a proteção da criança e a encaminham a programas sociais, quando necessário.
RISCO É MAIOR O reduzido número de CTs é um fator que pode aumentar a
vulnerabilidade das crianças e adolescentes, principalmente em Estados com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDI). O indicador, criado pelo Unicef, incorpora em seu cálculo variáveis relacionadas à oferta de serviços de saúde e educação, além do cuidado e proteção à vida do menino ou menina. Quanto menor, piores são as condições de vida da população infanto-juvenil. Justamente as unidades da Federação que lideram o ranking de deficiência de CTs têm os menores IDIs do país, segundo o recentemente divulgado Relatório Situação da Infância Brasileira 2006. Piauí e Bahia registram 0,53, enquanto o Maranhão tem índice de 0,54. A situação desses Estados contrasta com São Paulo, por exemplo, que ostenta o maior IDI (0,80) e tem o maior número de CTs do Brasil: 719 órgãos para 645 municípios. Os Conselhos Tutelares foram criados há 15 anos (em 1990) pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, por meio de seu artigo 132.
É papel e obrigação do município implantá-los, por lei específica. Nas cidades onde não existe um CT, o Ministério Público pode exigir dos prefeitos a criação do órgão, por meio do chamado “termo de ajustamento de conduta”. Se a prefeitura não tomar as devidas providências no prazo estipulado pela Promotoria da Infância, pode ser responsabilizada judicialmente e pagar multa por descumprimento do ECA. “É preciso uma cobrança articulada entre os Conselhos Estaduais dos Direitos da Criança e o Ministério Público, para estabelecer um limite de tempo no qual todos os municípios devem criar seus CTs”, diz José Fernando da Silva. Segundo o presidente do Conanda, essa experiência deu certo em Pernambuco, onde todas as cidades pressionadas pelo MP já aprovaram lei municipal que prevê a criação do órgão. Rilton Pimentel é jornalista da Coordenação de Pautas da Andi
TRABALHO INFANTIL
Transnacionais reagem às denúncias Marques Casara de São Paulo (SP) A denúncia de exploração de trabalho infantil na cadeia produtiva de transnacionais, feita pelo Instituto Observatório Social, provocou reações diferenciadas nas três empresas envolvidas, Basf, Faber-Castell e ICI Paints, fabricante das tintas Coral. Governo e organizações da sociedade civil também reagiram. O caso envolve a exploração de minério talco em jazidas clandestinas localizadas em Ouro Preto (MG). Em seu relatório, o Observatório Social mostra que a empresa Minas Talco obtém o produto mediante exploração de mãode-obra infantil e vende o produto para as transnacionais. Após a denúncia, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão do Ministério das Minas e Energia, determinou a paralisação da atividade de mineração e encaminhou o caso à Polícia Federal, já que a atividade envolve empresas de fachada para maquiar o controle da jazida por estrangeiros que não têm autorização para trabalhar no país. O DNPM também solicitou intervenção da Polícia Federal porque as atividades prosseguem na área da jazida, apesar da determinação de paralisação de lavra. Empresas
Marques Casara
da mídia
NACIONAL
Governo manda parar mineração e envia caso para Polícia Federal
que não têm autorização para retirar o talco continuam a trabalhar e exportar o produto para a Europa, via porto de Vitória (ES).
EMPRESAS O Ministério de Desenvolvimento Social e de Combate à Fome intensificou em toda a região de Ouro Preto o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). Aumentou de 60 para 280 o número de crianças atendidas, o que deve contemplar todas as famílias na localidade de Mata dos Palmitos, onde a empresa Minas Talco explora a mão-de-obra infantil. A postura foi diferenciada entre as empresas envolvidas. A Faber-
Castell, tão logo tomou conhecimento do caso no início de dezembro, afirmou que suspenderia a compra da matéria-prima fornecida pela Minas Talco e divulgou uma nota informando estar “estarrecida” com a denúncia. A Faber-Castell também prometeu divulgar em breve uma série de iniciativas no que diz respeito ao controle de sua cadeia produtiva. A Coral, controlada pela multinacional britânica ICI Paints, a maior fabricante de tintas do mundo, enviou ao Observatório Social uma nota oficial, dia 17 de fevereiro. A empresa informou que interrompeu suas relações comerciais com a Minas Talco. Também anun-
ciou que aguarda providências por parte do Ministério Público. A Basf não interrompeu a compra do talco. Ainda aguarda informações que solicitou de diversos órgãos, tais como DNPM, Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e Procuradoria Regional do Trabalho de Minas Gerais. Dia 15, o vice-presidente da Basf para a América do Sul, Fernando Figueiredo, visitou o Observatório Social e foi recebido pelo presidente do Instituto, Kjeld Jakobsen. Figueiredo fez questão de ressaltar que o talco proveniente da Minas Talco não é usado pelas Tintas Suvinil, uma das empresas do grupo Basf, mas sim pelo setor de tintas industriais e automotivas. Figueiredo pediu que a informação fosse retificada. O destino do talco, tinta para residências ou para automóveis, não altera a essência do problema, ou seja, a compra de matéria-prima de empresa que explora trabalho infantil em jazidas clandestinas. Marques Casara é coordenador de Comunicação do Observatório Social (marques@os.org.br). Mais informações sobre a denúncia contra as transnacionais na página na internet: www.os.org.br
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De 23 de fevereiro a 1º de março de 2006
NACIONAL CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS
Cristãos se unem por transformações Daniel Cassol e Raquel Casiraghi de Porto Alegre (RS)
wcc-assembly.info
Encontro, realizado em Porto Alegre, defende pluralidade religiosa e ações efetivas contra injustiças sociais
P
UNIÃO Em praticamente todos os espaços do encontro, fala-se em união. Desmond Tutu, arcebispo da Igreja Anglicana da África do Sul e Prêmio Nobel da Paz em 1984, afirma que é somente por meio de um diálogo inter-religioso que as comunidades conseguirão a unidade, elemento necessário para uma ação mais efetiva das Igrejas na sociedade. “A unidade da Igreja só vai existir quando houver respeito à pluralidade e à diversidade”, diz. Tutu comparou sua luta ao lado de Nelson Mandela contra o regime racista do apartheid durante a década de 1980 na África do Sul, à que ele trava atualmente pelo fim do preconceito aos homossexuais e às mulheres. “Lutei contra o racismo porque se tentava castigar alguém que não tinha culpa de nada, que somente era si próprio. Atualmente, tenho lutado muito pela ordenação de mulheres nas Igrejas. E assim, também, é com os homossexuais. Nós não temos o monopólio sobre Deus”, argumenta. O pluralismo religioso, apesar de considerado necessário, é muito temido por algumas Igrejas, o que dificulta a união pregada por Tutu. A avaliação é recorrente nas discussões realizadas no encontro. A solução é dada por Margot Kässmann, da Igreja Luterana da Alemanha: “Se você quer entrar em diálogo, tem que saber quem é. Assim, não teremos medo uns dos outros”.
CONTRA O IMPÉRIO A luta dos pobres latino-americanos e o enfrentamento ao impe-
Representantes de diversas religiões aproveitam a reunião em Porto Alegre (RS) para discutir os rumos e o papel das Igrejas frente aos desafios da globalização
rialismo estadunidense ganham em importância pelo fato de o encontro ser realizado em Porto Alegre. Temas que estão na pauta do dia dos movimentos populares são discutidos no Mutirão, nome dado ao conjunto de oficinas paralelas da Assembléia. “Essa é uma das assembléias que conseguiu abrir espaço para os movimentos sociais
se manifestarem e trazerem sua agenda”, afirma o teólogo Carlos Gilberto Bock, da organização do evento (leia entrevista abaixo). A presença de teólogos latinoamericanos, identificados com a Teologia da Libertação, garante a força do discurso antiimperialista. “Existem mudanças importantes na América Latina. O surgimento
de pessoas como Chávez, Lula, Kirchner, Tabaré, permite gerar um espaço de pensamento próprio. Temos o desafio de nos unir contra a imposição do pensamento único. Quem está impondo neste momento bases militares em todo o continente latino-americano? Os Estados Unidos, infelizmente”, afirma o pacifista argentino Adolfo Pérez Esquivel.
ENTREVISTA
Buscar o diálogo e a cooperação As assembléias do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), como a que ocorre em Porto Alegre (RS), em fevereiro, servem para melhorar o diálogo entre as igrejas cristãs e definir programas de atuação conjuntos. Para o teólogo Carlos Gilberto Bock, a realização do evento na América Latina aponta uma preocupação com o continente e um incentivo às lutas sociais. Brasil de Fato – Quais são os resultados das assembléias do CMI? Carlos Gilberto Bock – A Assembléia é o momento máximo do Conselho e tem caráter deliberativo. Elas define os programas principais do CMI, assim como ênfases e políticas. Mas a Assembléia também tem o caráter celebrativo. Um dos momentos de destaque é o dos estudos bíblicos, que reforça a comunhão entre igrejas e pessoas. BF – O que busca o movimento ecumênico? Bock – O CMI se propõe, desde seu surgimento, a fomentar o diálogo e a comunhão entre Igrejas, que nasceram ou estão separadas. A constatação é que, apesar de diferentes, há aspectos fortes que unem os cristãos do mundo. É preciso buscar a cooperação. Num primeiro momento, há o esforço pelo diálogo interno, no plano teológico e doutrinal, mas também na atuação e no testemunho públicos sobre questões sociais mais importantes. BF – Existe um debate interno entre progressistas e conservadores sobre esses temas? Bock – Nem sempre existe unanimidade, seja em debates teológicos ou em posicionamentos
sobre questões públicas. De qualquer forma, as Igrejas que integram o CMI têm a compreensão de que o papel da Igreja Cristã é do amor ao próximo, mas um amor engajado. Um caso específico é a Guerra do Iraque: o CMI fez uma declaração bastante clara, de oposição à guerra. BF – Em que medida a realização da Assembléia na América Latina pode fortalecer as lutas sociais no continente? Bock – Essa é uma das assembléias que conseguiram abrir espaço para os movimentos sociais se manifestarem e trazerem sua agenda. O movimento ecumênico, que resultou na criação do CMI, é um movimento comprometido com as causas sociais, tanto no apoio político quanto no apoio financeiro. Na América Latina, o papel que teve esse auxílio no processo de redemocratização e na defesa dos direitos humanos foi bastante significativo. A África foi a sede da última assembléia e ganhou um destaque maior dentro do CMI, inclusive nos investimentos. BF – Isso pode acontecer também com a América Latina? Bock – É o que se espera, embora numericamente o continente não tenha a mesma representatividade que a África. A América Latina tem presença mais forte da Igreja Católica Romana e de igrejas pentecostais, que não estão formalmente no CMI. Mas a expectativa é que o CMI tenha uma declaração bastante clara de como entende o cenário latino-americano hoje, destacando a solidariedade com a situação das pessoas mais empobrecidas do continente. BF – Por que a Igreja Católica não integra o CMI? Bock – Tem uma razão de ordem teológica, que tem a ver com a
compreensão da natureza da Igreja. A unidade, na compreensão católica romana, se dá em torno do papa. Com os processos de Reforma, no caso das Igrejas Protestante e Anglicana, e antes com a Ortodoxa, houve uma autonomia dessas igrejas em relação a Roma. Portanto, ter a unidade sob a liderança do bispo de Roma, é um tanto difícil de ser aceito pelas igrejas que integram o CMI. E há uma outra questão: a maioria das igrejas do CMI está organizada nacionalmente, e a Igreja Católica é universal. Então há uma dúvida sobre como seria a representatividade da Igreja Católica, sendo ela a maior igreja cristã, com quase o dobro de fiéis que todas as outras igrejas cristãs. (DC) Divulgação
orto Alegre se transforma, por alguns dias, no centro mundial dos cristãos. A capital gaúcha recebe a 9a edição da Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), de 14 a 23 de fevereiro, na Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS). O último encontro ocorreu em 1998, em Harare, capital do Zimbábue. A participação no evento não é, entretanto, exclusiva dos adeptos do cristianismo: 4.014 católicos, ortodoxos, luteranos, anglicanos, evangélicos, afro-brasileiros, indígenas e integrantes de outras religiões de 110 países discutem os rumos e a função das Igrejas, além dos desafios do Conselho frente à globalização. Para Federico Pagura, presidente do CMI na América Latina, a realização do encontro em um país latinoamericano é simbólico. É a primeira vez que a Assembléia do CMI ocorre no continente. “Os povos da América Latina estão tensionados entre a pressão de países imperialistas e a necessidade da organização popular para combater a pobreza, a exclusão e a violência. Devido a essa realidade, o encontro precisa trazer respostas ao povo, posicionando-se sem ambigüidades sobre tais problemáticas sociais”, defende. As atividades da Assembléia são diversas: grupos de discussão e de estudo, plenárias, bate-papos e oficinas. Na manhã e no final de cada dia, ocorrem orações conjuntas. Pela primeira vez, as deliberações do encontro são tomadas por consenso entre os participantes. Outra novidade é a participação de mulheres e jovens: 45% dos inscritos são mulheres e 15% são jovens. Dentro dessa perspectiva de renovação, a temática dos jovens é destaque nas atividades. Foi montada uma programação paralela em que se discute os problemas da juventude e as perspectivas de organização. “A juventude reivindica maior espaço de participação no Conselho Mundial de Igrejas”, diz Nerissa Celestine, de 22 anos, que veio de Granada, na Espanha.
Quem é Carlos Gilberto Bock é doutor em teologia pelo Instituto Ecumênico de Pós-Graduação, de São Leopoldo (RS). Assessor da presidência da Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil, integra o comitê organizador da 9a Assembléia do CMI.
Para ele, os EUA promovem uma manipulação do religioso para justificar a guerra. “Quando Bush ora, Deus tapa os ouvidos”, declara.
TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO Para a teóloga Elsa Tamez, a América Latina vive uma renovação da Teologia da Libertação, que não enfoca apenas a exclusão do ponto de vista econômico, mas trabalha o problema das mulheres, dos indígenas, dos negros, dos jovens, dos homossexuais. “Esses tipos de opressões são importantes, mas têm que ser vistos pela opção pelos pobres. A pobreza tem rosto de mulher, já que está ocorrendo uma feminilização da pobreza. E também tem uma cor, porque os mais pobres são os indígenas e os negros. Se formos falar nos grupos de gays, precisamos falar também dos gays pobres”, afirma. É das vozes dos latino-americanos que partem os apelos mais fortes para a aproximação das Igrejas às realidades dos pobres, defendendo que a Assembléia do CMI resulte não apenas em declarações, mas em ações práticas. “É preciso que as Igrejas levem toda a riqueza destes debates a suas bases, para que possam gerar uma consciência crítica”, defende Esquivel.
O que é o CMI O Conselho Mundial de Igrejas foi fundado em 1948 em Genebra, na Suíça. Sua inspiração procedeu dos missionários protestantes, no início do século passado, que despertaram as Igrejas para a importância e a urgência do ecumenismo. A proposta era rejeitar a divisão dos cristãos, principalmente na orientação das ações missionárias. Em 1959, com a criação do Secretariado para a União dos Cristãos, estabeleceu-se relações de cooperação entre o CMI e a Igreja Católica. Considerada o maior encontro ecumênico do mundo, a Assembléia do CMI é realizada de sete em sete anos, há mais de seis décadas. A última, ocorrida em 1998, em Harare, no Zimbábue, tirou como encaminhamentos: formular soluções para a exclusão econômica gerada pela globalização, em especial na África; combater a Aids; aplicar melhor a tecnologia; e construir um movimento ecumênico unitário. (DC e RC)
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De 23 de fevereiro a 1º de março de 2006
NACIONAL ATINGIDOS POR BARRAGENS
Novas prisões políticas no Sul
Hamilton Octavio de Souza
Manifestantes foram reprimidos e detidos por exigir cumprimento de seus direitos
Paraíso fiscal O governo estuda isenção total para o especulador estrangeiro que venha a comprar títulos brasileiros, ganhar uma fortuna com os juros mais altos do mundo e retirar o lucro para fora do país sem pagar um tostão de imposto. Além de favorecer o especulador estrangeiro, vai estimular uma nova onda de operações triangulares – que é o capital brasileiro enviado para o exterior e que vem fazer turismo no Brasil como se fosse capital estrangeiro para aproveitar a isenção fiscal. Ação lacerdista O movimento sem-teto denuncia: o esquema da Prefeitura de São Paulo de pagar para os migrantes deixarem a cidade é apenas mais uma medida de discriminação e preconceito da gestão José Serra, do PSDB, contra as famílias engajadas na luta por moradia. Raimundo Bonfim, da Central de Movimentos Populares, ironizou essa forma de campanha eleitoral dizendo que o vampiro tucano tenta “comprar votos” em várias regiões, especialmente no Nordeste. Esquema feudal Um dos braços mais antigos do agronegócios, o dos usineiros de álcool e açúcar, que há séculos mama nas tetas do Estado e pratica até trabalho escravo, é responsável direto pelas pressões inflacionárias com os seguidos aumentos do álcool combustível. De junho de 2005 para cá, o setor promoveu aumento de 41%, dez vezes mais que a inflação no período. E o governo ainda trata esse pessoal com o carinho dos aliados. Falência superior Empurrada pela concorrência do ensino privado lucrativo a engrossar o modelo das escolas mercantis e neoliberais, a PUC de São Paulo acabou se rendendo ao corte de pessoal para reduzir custos: demitiu na semana passada 472 professores e 413 funcionários, o equivalente a 30% do total de trabalhadores empregados. Sem contar com ajuda de recursos públicos ou de entidades privadas, a crise da PUC favorece os grandes grupos empresariais do ensino. Mais uma obra do MEC. Palavra perdida No fim do ano passado, o presidente Lula, com base em informações do ministro do latifúndio, Roberto Rodrigues, garantiu aos compradores de carne de vários países que o foco de febre aftosa estava contido e isolado no sul do Mato Grosso do Sul. Na última semana, o governo reconheceu o aparecimento de mais seis focos no norte do Paraná. É apenas erro de informação ou é mesmo incompetência no controle da doença? Falta ousadia Segundo o economista Márcio Pochmann, da Unicamp, o Brasil precisa crescer pelo menos 5% ao ano para absorver os 2,3 milhões de brasileiros que ingressam no mercado de trabalho todos os anos. Está aí uma meta clara, mínima, que deveria ter sido levada a sério nos três anos do governo Lula. Nem isso foi feito. As pesquisas indicam que 30% dos jovens de 15 a 24 anos de idade não estudam e nem trabalham. Belo futuro! Colonialismo puro A Folha de S. Paulo publicou, domingo, uma enquete com ricos e famosos sobre os botecos preferidos deles. Foram indicados, por exemplo, o Blue Space, o Bourbon Street, o D-Edge, o Disco Fever, o Milo Garage, o The Week. Dá para ver, pelos nomes, a cultura produzida e adotada no mundinho dessas elites. Em tempo, o boteco mais barato cobra ingresso individual de R$ 10. Só para entrar.
Alexania Rossato de Brasília (DF)
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pequena cidade catarinense de Anita Garibaldi, na divisa com o Rio Grande do Sul, transformou-se numa verdadeira praça de guerra, no dia 15 de fevereiro. Cerca de 70 policiais reprimiram violentamente centenas de agricultores atingidos pela barragem de Barra Grande. Os manifestantes ocupavam o escritório da Baesa, consórcio dono da barragem de Barra Grande, formado pelas empresas Alcoa, Votorantin, Camargo Corrêa, Companhia Paulista de Força e Luz e DME. Dez pessoas foram feridas com balas de borracha e destroços de bombas de gás lacrimogêneo, cinco lideranças do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) foram presas e outras cinco tiveram mandado de prisão decretado. Segundo dirigentes do MAB, a falta de motivos claros para as detenções as caracteriza como prisões políticas, fruto da arbitrariedade, numa manobra do advogado da Baesa, Luciano de Maria, aceita pelo juiz da Comarca de Anita Garibaldi, Alexandre Karazawa Takashima. Os atingidos pela barragem de Barra Grande querem o cumprimento do acordo social firmado entre o MAB e o Consórcio Baesa, em dezembro de 2004, depois da denúncia de fraude no Estudo de Impacto Ambiental da obra. O acordo prevê medidas para o ressarcimento das famílias, entre as quais reassentamento, construção de casas populares, crédito para custeio. Um ano e dois meses depois de fir-
Saldo da perseguição aos atingidos pela barragem de Barra Grande: dez feridos, cinco presos e cinco com prisão decretada
mados, muitos dos compromissos assumidos pelas empresas e que já deveriam ter sido realizados não foram cumpridos. “Devemos lembrar à sociedade que estamos cobrando os nossos direitos, previstos nos acordos e nas condicionantes para a Licença de Operação da barragem, ambos com consentimento e assinados pelas donas da barragem que faturam aproximadamente R$ 1 milhão por dia”, dizem as lideranças. Caso as empresas não cumpram imediatamente os acordos que assinaram, os atingidos exigem do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) a suspensão da Licença de Operação da barragem.
APOIO DA SOCIEDADE Depois de seis dias de detenção, as lideranças foram libertadas e os mandados de prisão foram revogados. Para os coordenadores do MAB, a liberação foi fruto da organização popular e do apoio da sociedade. Ainda segundo os coordenadores, os direitos humanos de pequenos agricultores têm sido afrontados sistematicamente por algumas das maiores e mais poderosas corporações nacionais e transnacionais, as quais, amparadas por uma equivocada e retrograda noção de
PORTO ALEGRE
ONU volta a discutir reforma agrária Marcelo Netto Rodrigues da Redação
não-governamentais (ONGs), movimentos e entidades da sociedade civil, deverá estar mais alinhado àquele que o governo Lula está pondo hoje em prática no país – com parcos assentamentos em terras novas, voltando-se mais à regularização e à revitalização de assentamentos antigos, apesar de também haver espaço para que essa visão seja rediscutida. O terceiro modelo de reforma agrária estará em pauta no acampamento da Via Campesina: defende, por exemplo, que a reforma agrária só se efetivaria no Brasil pela execução plena do 2º Plano Nacional de Reforma Agrária, com o assentamento massivo de famílias sem-terra em fazendas desapropriadas.
Após 27 anos, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) volta a debater a reforma agrária em nível internacional. Só que os mais interessados nessa discussão – movimentos sociais e sociedade civil – foram convidados apenas para apresentar propostas em uma conferência paralela. Com isso, não irão interferir efetivamente na declaração final, construída por representantes de governos de 188 países que vão participar, em Porto Alegre, da 2ª Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, entre os dias 7 e 10 de março. Nesses quatro dias de Conferência – que será aberta pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dia 6 de março – três modelos de reforma agrária para o mundo devem ser discutidos, em três espaços diferentes. Nas duas conferências (a oficial e a paralela), que acontecem na Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS); e em um acampamento montado pela Via Campesina, com dois mil camponeses, na orla do Lago Guaíba.
EIXOS BÁSICOS Ao despertar para o assunto depois de tantos anos – a primeira e última edição de uma conferência internacional de reforma agrária aconteceu em 1979, em Roma, na Itália –, a FAO deveria levar a sério a experiência dos movimentos sociais que continuaram resistindo durante todos estes anos em que o órgão das Nações Unidas (ONU) esteve ausente. Como na prática ainda dá prioridade aos argumentos dos governos, a FAO tenta minimizar essa contradi-
TRÊS MODELOS Na conferência oficial, da qual só governos participam, e que contará com 1.500 delegados, as propostas devem girar em torno do modelo da ONU – que, em vez de desapropriações para fins de reforma agrária, estimula políticas de financiamento para compra de terras via Banco Mundial, aos moldes do Banco da Terra. Vale dizer que a própria ONU financia “especialistas” no assunto para realizar estudos e escrever publicações em defesa desse tipo de reforma agrária. Já o modelo discutido na conferência paralela, que espera contar com 700 delegados de organizações
“desenvolvimento”, vêm se apropriando dos rios, florestas e campos pertencentes ao povo brasileiro. A região de Anita Garibaldi, que além da barragem de Barra Grande compreende a barragem de Campos Novos, tem sido palco de inúmeras arbitrariedades policiais e do judiciário, além de registrar fraudes graves e omissão do poder público no licenciamento das hidrelétricas. Recentemente, uma denúncia de prisões arbitrárias feitas em março de 2005, em Campos Novos, levou a relatora das Nações Unidas para defensores de direitos humanos, Hina Jilani, a visitar a região. Suas conclusões devem ser apresentadas em junho.
CTNBIO
ção declarando que o objetivo da conferência oficial “é fomentar o apoio aos processos de reforma agrária e desenvolvimento rural em curso” e que “o encontro entre os países poderá resultar em uma agenda internacional comum”, atingindo assim os anseios da sociedade organizada. Só que a generalidade dos seus eixos temáticos, quando confrontados com os da conferência paralela, levantam dúvidas sobre até que ponto os representantes dos governos estarão dispostos a cutucar pontos centrais que norteariam um processo profundo de reforma agrária mundial. No evento oficial, os quatro eixos básicos vão estar centrados em: políticas e práticas para garantir o acesso à terra; novas oportunidades para revitalizar as comunidades rurais; reforma agrária, justiça social e desenvolvimento sustentável. E, na conferência paralela, em: princípios e recomendações para uma nova reforma agrária baseados na soberania alimentar; conceitos de terra versus território; gêneros, gerações e juventude: resistência à privatização, a contra-reforma agrária e as políticas neoliberais da terra e acesso a recursos do Banco Mundial; resistência à repressão e criminalização de movimentos sociais.
MAB
Pizzaria Brasil A solerte Polícia Federal está ameaçando indiciar 18 bancos nacionais e estrangeiros por envolvimento em crimes contra o sistema financeiro, como remessa ilegal de divisas, lavagem de dinheiro e outras operações lesivas ao fisco. Boa parte dessa bandalheira só ocorreu porque o Banco Central do governo FHC abriu a porteira das remessas sem controle, o que foi seguido pelo Banco Central do atual governo. Dificilmente algum banco pagará pelos crimes.
MAB
Fatos em foco
Na Conferência da ONU, movimentos sociais e sociedade civil ficarão de fora
Organizações criticam escolha de presidente Gisele Barbieri de Brasília (DF) A escolha do novo presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) causou descontentamento em ambientalistas e diversas organizações civis, como o Greenpeace e a Terra de Direitos. O médico Walter Colli foi nomeado pelo ministro de Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, a partir de uma lista com três possíveis indicados encaminhada ao ministro pelos integrantes da comissão. De acordo com as entidades, a indicação contraria o processo legal de escolha. Maria Rita Reis, assessora jurídica da Terra de Direitos, explica: “O principal problema é que a indicação de Walter Colli foi feita para a vaga dos movimentos sociais na área de saúde e o Ministério da Saúde não seguiu os procedimentos legais determinados pela Lei de Biosegurança e pelo decreto que a regulamenta para proceder a indicação”. Outro ponto de preocupação das organizações da sociedade civil é que Walter Colli é relator de dois processos de liberação comercial de milho transgênico, quando foi integrante da CTNBio, há dois anos. As entidades, que são contrárias aos organismos geneticamente modificados, desconfiam que o seu favorecimento seria pelo interesse na agilidade de aprovação desses processos. Na tentativa de reverter essa nomeação, foram entregues duas notificações ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Mas até agora as entidades não receberam nenhuma resposta. (Agência Notícias do Planalto, www.noticiasdoplanalto.net)
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NACIONAL DIREITOS HUMANOS
A impunidade vence, outra vez Tatiana Merlino da Redação
A
recente absolvição do coronel Ubiratan Guimarães, comandante da operação que ganhou repercussão internacional em 1992 como o massacre do Carandiru, na qual foram executados 111 presos (veja matéria abaixo), confirma: via de regra, crimes cometidos por policiais ficam impunes no Brasil. Não são poucos os exemplos, na história recente. “Os casos da Candelária, de Vigário Geral, de Corumbiara e de Eldorado dos Carajás comprovam que o país não é capaz de responsabilizar os envolvidos nas execuções”, afirma Sandra Carvalho, da organização não-governamental Justiça Global. Ela vai mais além: “Se os responsáveis não foram condenados nem no caso do Carandiru – citado em relatórios de entidades internacionais e tema de um filme amplamente exibido em vários países –, imagine nos pequenos casos individuais”. O resultado do julgamento do coronel, que ocorreu no dia 15 de fevereiro, também coloca em xeque o aperfeiçoamento das instituições de controle da polícia, como ouvidorias e corregedorias, além de influenciar o andamento de processos em vias de ser julgados – tanto os que envolvem o próprio massacre do Carandiru, quanto os que acontecem diariamente. “A decisão do tribunal de Justiça de São Paulo legaliza o uso da força e estimula a matança”, alerta a pesquisadora da Justiça Global. Defensores de direitos humanos e juristas ainda acusam a Justiça de tratar ricos e pobres de maneira diferente. “A impunidade é a marca da Justiça brasileira, que funciona apenas para os chamados pés-dechinelo. As delegacias e os presídios estão cheios deles”, denuncia o jurista Hélio Bicudo.
Anderson Barbosa
Tribunal de Justiça de São Paulo inocenta o comandante do massacre que resultou em 111 mortes no Carandiru
São Paulo,19 de fevereiro: em sinal de protesto, manifestantes deitam no chão segurando placas com os nomes dos presos que foram assassinados em 1991
pelo 2º Tribunal do Júri, em 2001, e inocentaram o coronel por considerar que houve contradição entre as respostas dos jurados e a condenação. O começo da votação animou os favoráveis à condenação, uma vez que os votos dos dois primeiros desembargadores mantinham a pena. “Não por acaso, os dois foram os que mais estudaram o processo criminal, pois eram o relator e o revisor”, lembra Valdênia Paulino, do Centro de Direitos Humanos do Sapopemba. O voto seguinte, do desembargador Walter de Almeida Guilherme – que também anulou o recurso do caso da Favela Naval, absolvendo policiais condenados em primeira instância – foi pela absolvição. Depois dele, mais 19 votos de desembargadores favoreceram Ubiratan.
INDIGNAÇÃO E PERPLEXIDADE A decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo deixou as entidades de direitos humanos indignadas e perplexas. Vinte desembargadores anularam a pena de 632 anos, determinada
PRINCÍPIOS LEGAIS De acordo com os desembargadores, o tribunal de Justiça considerou que os jurados queriam inocentar o oficial da PM, mas as respos-
tas teriam sido mal analisadas pela juíza Maria Cristina Cotrofe. “Isso não é verdade. O júri estava bem esclarecido, mas como representa a vontade da sociedade e não da elite conservadora, os desembargadores se sentiram no direito de contrariar princípios legais”, protesta a advogada Valdênia. Para Sandra, da Justiça Global, que acompanhou as investigações do massacre do Carandiru, a “história foi mascarada desde o começo”, visto que nem o ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho e nem o secretário de Segurança Pública, Pedro Franco de Campos, foram investigados. “Alguns crimes, como o de lesões, prescreveram. Além disso, o único julgamento realizado foi o do coronel. E ficou comprovado que as mortes foram execuções sumárias”. O caso também teve impacto em organizações internacionais, como a Anistia Internacional. “O tribunal diz que o oficial agiu no estrito cumprimento do dever. Mas sabemos
A maior chacina da história das penitenciárias recurso e esperou o julgamento da apelação em liberdade. Os outros 84 policiais envolvidos nas execuções ainda não foram julgados. Enquanto isso, após 14 anos do massacre, os crimes de lesão corporal leve prescreveram e 29 policiais nem chegaram a ser julgados. O secretário de Segurança da época, Pedro Franco de Campos, e o go-
vernador do Estado, Luiz Antônio Fleury Filho, também não foram responsabilizados. O caso do Carandiru gerou comoção internacional e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) determinou, em 2000, que o Brasil deveria condenar os responsáveis pelo massacre. (TM)
Luciney Martins/ BL 45 Imagem
Dia 2 de outubro de 1992, o coronel Ubiratan Guimarães – absolvido pela Justiça do Estado de São Paulo dia 15 de fevereiro – estava no comando das tropas que invadiram o pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru. Para conter uma suposta rebelião, os policiais deixaram 111 mortos. Entre eles, 80% não tinham sido condenados; a maioria estava presa por roubo, e quase metade tinha menos de 25 anos de idade. Uma perícia da ação mostrou que 86 presos foram agredidos no chamado “corredor polonês” e vários detentos estavam ajoelhados, ou mesmo deitados, quando foram mortos. Para escapar dos tiros, muitos se jogaram entre as dezenas de corpos no chão, fingindo-se de mortos. A operação, da qual participaram dois batalhões da Tropa de Choque da Polícia Militar, o Comando de Operações Especiais (COE), o Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) e a Rota, aconteceu na véspera das eleições municipais de 1992. Mas o número de mortos foi divulgado só no final da votação. De todos os acusados, apenas o coronel Ubiratan Guimarães, hoje deputado estadual, foi julgado. Em 2001, ele foi condenado pelo 2º Tribunal do Júri, em São Paulo, a 632 anos de prisão – seis anos por morte. O coronel entrou com
que não houve o cuidado para evitar o excesso de força na operação. Então, fica parecendo que não era responsabilidade dos comandantes das operações evitar tais violações”, diz Tim Cahill, persquisador da Anistia.
EXCESSO DE CONDUTA A absolvição foi baseada em entendimentos da Justiça brasileira bastante questionáveis, na opinião dos especialistas. Em 2001, os jurados decidiram que o coronel Ubiratan agiu no estrito cumprimento do dever legal, mas houve excesso na conduta. Já no julgamento do dia 15 de fevereiro, os desembargadores aceitaram a tese de estrito cumprimento do dever, mas no item que questionava o excesso absolveram o réu. “No entendimento deles, Ubiratan deveria ser absolvido por não haver conduta excessiva quando o cumprimento do dever legal é estrito. O termo estrito afastaria a possibilidade de haver excesso”, esclarece o pro-
motor Felipe Locke Cavalcanti, que atuou no 2º Tribunal do Júri, onde o coronel foi condenado a 632 anos de prisão. De acordo com o jurista Hélio Bicudo, a decisão viola o parágrafo único do artigo 23 do Código Penal, que prevê que o agente responde pelo excesso, mesmo no estrito cumprimento do dever. “Eles mostraram que desconhecem a lei e cometeram uma ilegalidade. Os desembargadores deveriam refrescar a memória lendo o artigo 23 do Código Penal”, ironiza Bicudo. Após a absolvição de Ubiratan, o procurador Antonio Visconti disse que a Procuradoria Geral de Justiça deve entrar com um recurso junto ao Superior Tribunal de Justiça e reafirmar a validade do julgamento de 2001. Porém, o trâmite pode levar mais de dois anos. As entidades de direitos humanos devem comunicar a decisão à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Para quem trabalha a Justiça? A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que inocentou o comandante do massacre do Carandiru, engrossa a lista dos crimes impunes no país. 1993 – Vigário Geral – Na madrugada de 30 de agosto, cerca de 50 homens encapuzados e armados com metralhadoras, escopetas e revólveres invadiram a Praça Catolé do Rocha, em Vigário Geral, disparando contra os moradores e matando 21 pessoas. Os principais indícios apontaram como executores policiais militares do 9º BPM, que teriam praticado o crime para vingar a morte de colegas assassinados no local, na noite anterior. Dos 33 policiais acusados, 6 foram condenados, 19 absolvidos, e 3 não foram julgados por falta de provas. 1993 – Chacina da Candelária – No dia 23 de julho, homens armados dispararam contra crianças e adolescentes que dormiam nas proximidades da Igreja da Candelária, no Centro do Rio de Janeiro. Três adolescentes foram seqüestrados, oito crianças e adolescentes foram mortos e dois sofreram lesões graves. Dos oito policiais citados no crime, apenas três cumprem pena. 1995 – Caso Corumbiara – No dia 9 de agosto, 187 policiais militares realizaram operação para retirar cerca de 500 famílias que ocupavam a Fazenda Santa Eliana, nas proximidades de Corumbiara, Rondônia. Os trabalhadores reagiram e houve troca de tiros. O confronto resultou em nove mortes, inclusive a de uma menina de 7 anos, e de dois policiais. Aproximadamente cem pessoas ficaram feridas. Laudos médicos mostraram que os trabalhadores foram espancados e mortos à queimaroupa. Julgamento realizado em 2000 condenou três dos 12 policiais indiciados 1996 – Eldorado dos Carajás – Em 17 de abril, policiais militares mataram 19 trabalhadores rurais sem-terra durante manifestação na rodovia PA-150, em Eldorado dos Carajás, no Pará. Cerca de 270 policiais, com ordem do governador Almir Gabriel, mas sem estar devidamente identificados no uniforme, cercaram os sem-terras. Os confrontos resultaram nas mortes e em 69 feridos. Em agosto de 1999, os três líderes das tropas envolvidas no massacre foram absolvidos em julgamento que foi posteriormente anulado devido a irregularidades. As segunda, terceira e quarta sessões do julgamento terminaram com a absolvição dos 11 sargentos, 4 tenentes e 128 soldados envolvidos no massacre. (TM com informações da Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos)
Coronel Ubiratan, em 2001, condenado a 632 anos de prisão, pelas 111 mortes
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NACIONAL BALANÇO DE GOVERNO
Na questão indígena, o saldo é negativo Líder indígena diz que o governo só vai acertar quando tiver a participação direta dos povos
Brasil de Fato – Como o movimento indígena nacional se organiza hoje? Jecinaldo Barbosa Cabral – Depois de várias tentativas de articulação – como a União das Nações Indígenas (UNI) e o Conselho de Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil (Capoib) –, e com a extinção dessas duas entidades, tiramos lições positivas e também negativas. Hoje, se retoma de uma maneira diferente a articulação. Não como uma estrutura isolada das bases, das comunidades, mas como uma consolidação do movimento indígena em nível nacional, que recomeça por meio da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Ela é uma forma de articulação, não é uma instituição burocrática, fechada, verticalizada, mas uma maneira mais participativa e mais aberta. A partir desta estrutura, acredito que o movimento na Amazônia, Nordeste, no Sul e no Centro-Oeste terá mais oportunidade de se reunir, refletir, de propor e de fortalecer o movimento indígena. BF – Como nasce essa nova articulação? Jecinaldo – Ela começa a partir do Abril Indígena de 2005, que deliberou a retomada da organização do movimento indígena nacional, junto com os aliados. As regiões estão acreditando, e a conjuntura nos leva a unir as forças, porque são problemas comuns a luta pela consolidação da demarcação das terras, a luta
BF – Quais os temas principais para o movimento em 2006? Jecinaldo – A defesa do território é algo central na luta dos povos indígenas. Educação e saúde também. A Conferencia Nacional de Saúde vai acontecer em março. Ainda está longe de o governo se estruturar para executar uma verdadeira política de saúde diferenciada. Um ponto-chave é o controle social. Hoje, não se respeitam as decisões dos Conselhos Distritais, onde os indígenas participam diretamente. Não houve Conferência de Educação. O Ministério da Educação, os governos estaduais e municipais ficam batendo a cabeça, ainda jogam a responsabilidade de um para o outro e não se entendem para executar a política de educação. Ainda precisa sair do discurso uma educação diferenciada que fortaleça língua, cultura, tradições culturais, que ajude a juventude a construir uma visão de futuro para os seus povos. E, por fim, outro tema deste ano são os conflitos, a pressão que existe contra a luta dos povos. Na luta pela garantia da terra há os assassinatos das lideranças, há uma vulnerabilidade. São temas dos direitos humanos que precisam ser aprimorados e o movimento deve brigar por isso. Independentemente desse final de mandado do governo federal, e do governo que assumir, o movimento vai manter sua agenda, para continuar sua luta em defesa dos direitos dos povos indígenas.
Para Jecinaldo Barbosa Cabral, atual conjuntura de problemas comuns aos indígenas facilita articulação de lutas
pela proteção dos territórios, por alternativas para fortalecimento da educação, da cultura e da saúde nos territórios indígenas. São ações que precisam de junção de força para termos mais intervenção junto ao governo e à opinião pública. BF – E como está a Coiab neste contexto? Jecinaldo – É um desafio enorme manter uma instituição, uma articulação do tamanho do Brasil. A Coiab sente esse desafio também para articular a Amazônia brasileira, onde vivem 60% dos povos indígenas no país. Como fazer essa articulação com os povos, as comunidades? Como transformar isso em diretrizes perante o governo e a sociedade? E como manter estas articulações vivas, com que recursos financeiros e com que recursos humanos e técnicos? Como garantir alternativas econômicas e financeiras para sustentar essas articulações? Muitas vezes há dificuldade dos indígenas com os códigos da administração pública. É um aprendizado, e é necessário saber isso. Não precisamos apenas fazer a parte política, mas também a parte administrativa e técnica, que hoje soma à política. Precisamos dominar temas presentes no nosso dia-a-dia, como a biodiversidade, bioprospecção, as discussões de COP-8 (8ª Conferência das Partes da Diversidade Biológica), as discussões internacionais. São análises muitas vezes técnicas e precisamos investir mais nos quadros do movimento indígena para estarmos aptos pra trabalhar com isso.
Permanece nos órgãos a filosofia do integracionismo e da comunhão nacional. Uma política arcaica, do tempo da ditadura BF – O que foi esta reestruturação da Coiab? Jecinaldo – Ela começou há mais ou menos um ano. Percebemos que, ao longo de 15 anos, tivemos muitas conquistas, principalmente na luta pela demarcação das terras na Amazônia. Mas há novas demandas a partir da homologação das terras, para buscar uma vida digna das
populações e a proteção dos territórios. Então, a Coiab passa a atuar também na proteção das terras, projetos que possam beneficiar as comunidades com alternativas de geração de renda, de saúde, educação e fortalecimento da cultura. E também a questão da mulher, da juventude e das crianças, que sofrem os primeiros impactos dessa falta de políticas claras do governo brasileiro. São temas novos que incluímos nas nossas preocupações.
Nós somos seres humanos, apenas o que nos diferencia é nossa cultura, e somos brasileiros como qualquer um BF – Quais são os impactos sobre as mulheres? Jecinaldo – Os impactos sobre as mulheres decorrem dessa ausência de uma política. Permanece nos órgãos a filosofia do integracionismo e da comunhão nacional. Uma política arcaica, do tempo da ditadura, rege o órgão indigenista oficial, a Fundação Nacional do Índio, ainda hoje. Estamos em um novo patamar de discussão e o governo brasileiro, de maneira geral, não acompanhou a evolução das discussões do movimento. Com isso, sofrem as terras indígenas, que não têm proteção. Não se consegue garantir a demarcação das terras e chega ao absurdo de o presidente da Funai pedir que o Judiciário intervenha para limitar o que é mais sagrado para a população indígena, a terra. Junto com isso vem a forma como o agronegócio, madeireiros e os megaprojetos afetam as populações indígenas. As mulheres sofrem com isso. Com o Exército nas faixas de fronteiras, há estupros, há mulheres que engravidam e os militares as abandonam. A falta da política começa a afetar também as crianças, como a desnutrição que está ligada à terra e a alternativas de vida dentro do território. BF – Como construir uma política indigenista alternativa à atual, que você chama de integracionista? Jecinaldo – O governo vai começar a acertar na política indigenista quando ele tiver a participação direta das populações e
das organizações indígenas na construção dessa política. Se não tiver isso, ela vai continuar a ser feita nos gabinetes e não vai dar certo, como nunca deu certo nesses mais de 500 anos. No início do governo, assinou-se uma carta de compromisso para que a gente pudesse visualizar uma nova política indigenista a partir da quebra destes tabus, do integracionismo do tempo da ditadura, da filosofia que o índio é incapaz, de que somos como crianças. Nós somos seres humanos, apenas o que nos diferencia é nossa cultura, e somos brasileiros como qualquer um. Nós havíamos proposto a criação de um Conselho Nacional de Política Indigenista, que teria a participação das populações indígenas. Propusemos também conferências regionais, trabalhadas com os povos indígenas e suas organizações. Houve conferências, mas não houve participação direta. Elas foram feitas a toque de caixa em vários lugares. Em alguns locais houve coisas produtivas, mas houve muita imposição da Funai em temas, na metodologia, na definição dos participantes. Com isso, ficou difícil atingir o que o governo havia se comprometido, que era construir uma Conferencia Nacional a partir de um processo grande. Propusemos também a criação de uma secretaria com status de ministério, que organizasse o orçamento para povos indígenas, evitando que as coisas fossem feitas de maneira paralela, com ações desarticuladas, como é hoje. BF – E como estão as discussões para a criação do Conselho, que era uma das reivindicações do Abril Indígena do ano passado? Jecinaldo – Quando o governo Lula assumiu, nossas esperanças foram muito renovadas, principalmente a partir desse acordo firmado, da questão social, da historia de luta dele. Nos dois primeiros anos de governo houve um descaso. A partir do segundo Abril Indígena, em 2005, começa uma discussão tímida com o governo. Ele criou vários grupos de trabalho para discutir a questão indígena e o conselho entrou na pauta de um deles. Acabou como proposta do governo criar apenas uma comissão, que seria uma ponte para depois se consolidar o Conselho Nacional. Houve um compromisso formal entre o movimento indígena, seus aliados e o governo, através do Grupo de Trabalho Interministerial, para que pudesse
Priscila Carvalho é jornalista do Conselho Indigenista Missionário (Cimi, www.cimi.org.br) CIMI
O
movimento indígena brasileiro retomou, em 2005, a tentativa de manter uma articulação nacional permanente. A nova entidade, chamada Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em conjunto com entidades indigenistas que fazem parte do Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas, prevê realizar a terceira edição do Abril Indígena, mobilização que reúne lideranças de todo o país na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para conseguir apresentar as reivindicações dos povos indígenas ao governo Lula. Neste ano, o encontro terá também caráter de análise e planejamento do movimento, segundo Jecinaldo Barbosa Cabral, da Coordenação da Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). O acampamento retomará a agenda da mobilização de 2005, que reivindicava agilidade na demarcação de terras e a criação de uma comissão que abra caminho para a participação dos indígenas na construção da política indigenista no país, assunto abordado por Jecinaldo na entrevista ao Brasil de Fato. O Abril Indígena será também uma preparação para a Conferência Nacional dos Povos Indígenas, organizada pela Fundação Nacional do Índio (Funai), prevista para ser realizada no fim de abril. Na agenda do movimento indígena no início de 2006, consta ainda a 8ª Conferência das Partes da Diversidade Biológica, que será realizada em Curitiba, entre os dias 13 e 17 de março, com debates sobre conservação da biodiversidade, seu uso sustentável e a repartição dos benefícios resultantes do acesso aos recursos genéticos, temas que influem diretamente na vida dos povos indígenas. Também em março, entre os dias 28 e 31, será realizada a 4ª Conferência Nacional de Saúde Indígena, da qual sairão diretrizes para a política de atendimento à saúde das populações indígenas de todo o país.
inicialmente discutir o conselho, sua composição e atribuições. Até agora isso está parado no Palácio do Planalto. O governo não se posicionou ainda. Estava previsto que o governo Lula criaria esta comissão em novembro do ano passado. Isso teria permitido que os indígenas participassem da definição dos temas, da metodologia, da avaliação, do processo de construção da Conferência Nacional, porque esta é uma conferencia dos povos, não é do governo. Com a demora, isso não ocorreu. Então, a gente vê esse saldo negativo do governo Lula, realmente.
Cristiano Navarro
Priscila Carvalho de Brasília (DF)
Quem é Jecinaldo Barbosa Cabral, 29 anos, é indígena do povo Sateré-Maué, que vive na terra Andirá, localizada próxima aos municípios de Maués e Barreirinha, no baixo Amazonas. Iniciou sua atuação no movimento indígena como professor. Foi presidente do Conselho Estadual de Educação Indígena do Estado do Amazonas, criado a partir de reivindicação do movimento. Desde 2002, é coordenadorgeral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, a Coiab.
Ano 4 • número 156 • De 23 de fevereiro a 1º de março de 2006 – 9
SEGUNDO CADERNO
Préval, a ilusão do salvador da pátria
Marcelo Casal/ABr
HAITI
Novo presidente haitiano assume sem programa e sem condições de governar de forma soberana João Alexandre Peschanski da Redação
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, o diplomata avalia que o novo governo não tem as condições para enfrentar as dificuldades sociais e econômicas do Haiti. O país é o mais pobre das Américas: 82% dos 7,66 milhões de haitianos vivem abaixo do índice da pobreza, de acordo com estatísticas oficiais. O analfabetismo atinge 52,9% da população e a esperança de vida não passa dos 51 anos. O governo interino, organizado pelas instituições internacionais que colaboram com a intervenção militar, é questionado pela população.
S
erá René Préval o homem que irá salvar o Haiti? No país caribenho, não são poucos os meios de comunicação que o comparam a Toussaint L´Ouverture, líder da Independência, expulsando os colonizadores franceses, em 1804. O governo dos Estados Unidos, responsável pela ocupação do Haiti por tropas estrangeiras desde fevereiro de 2004, teme uma aproximação entre Préval e os presidentes cubano e venezuelano, Fidel Castro e Hugo Chávez. O deslocamento de marines para a vizinha República Dominicana, em 10 de fevereiro (como noticiou o Brasil de Fato na edição 155), seria um meio de dissuadir o presidente haitiano de estreitar relações com esses governos. Em Porto Príncipe, capital haitiana, a eleição de Préval, oficializada dez dias após o pleito (leia reportagem abaixo), gera uma onda de esperança. Durante três dias, houve comemorações na cidade. O motivo de tantos elogios, preocupações e sonhos está superdimensionado. Nem Préval tem pulso para mudar os rumos do país, nem o Estado haitiano, que ele recebe, tem recursos para tal. A avaliação é de alguém que conhece bem o novo presidente: Rénald Clérismé, funcionário do Ministério das Relações Exteriores. Ambos atuaram juntos na luta contra a ditadura de Jean-Claude Duvalier (1971-1986) e, no primeiro mandato do próprio Préval (1996-2000), quando Clérismé foi nomeado embaixador do Haiti na Organização Mundial do Comércio (OMC).
SEM PROGRAMA Durante a campanha, Préval não apresentou um programa político. Em relação à ocupação do país, comandada desde junho de 2004 pela Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah), não se pronunciou. “Ele disse que é preciso garantir a paz e a ordem no país. Não falou como isso seria feito. Em conversas particulares, afirmou que é contra a criação de um Exército nacional, que o país não teria como custear”, relata Clérismé. Sobre a questão agrária, em um país onde 80% da população é camponesa, Préval também não se comprometeu. “O desenvolvimento da zona rural, devastada, depende da ajuda internacional. As grandes potências prometeram enviar dinheiro, mas este nunca veio, nem virá”, avalia o diplomata. Se falta programa, sobram desafios. Em suma, criar um Estado. Construindo políticas soberanas, principalmente econômica e social. Controlando a criminalidade, galopante em Porto Príncipe. Lutando
O novo presidente do Haiti, René Préval, com 63 anos, tem uma longa trajetória política. Agrônomo de formação, luta, com o então padre Jean-Bertrand Aristide, nos movimentos de resistência à ditadura de Jean-Claude Duvalier (1971-1986). Quando Titid, como é conhecido Aristide, é eleito presidente, em 1991, assume o cargo de primeiro-ministro. Além de homens de confiança, são amigos próximos. Foge do país, assim como Aristide, após o golpe militar que depõe o governo, ainda em 1991. Aristide volta ao Haiti em 1994, depois de uma estada nos Estados Unidos, continua próximo de Préval e o indica como seu sucessor pelo seu partido, Lavalas (a avalanche, em crioulo). O ex-primeiro-ministro vence as eleições e faz um governo ambíguo. Por um lado, mantém o projeto político de Titid, como a privatização de parte do setor público, sob pressão do Fundo Monetário Internacional (FMI), e a priorização do livre-comércio ao desenvolvimento econômico haitiano. Por outro, contrariando as determinações do governo dos Estados Unidos, restabelece relações diplomáticas com Cuba e estimula trocas com países do Caribe. Seu mandato, que se encerra em 2000, é marcado por grande turbulência. Em primeiro, o racha do Lavalas, entre os partidários e os críticos a Aristide. A divisão se
Divulgação
Quem é o novo presidente haitiano
René Préval: o amigo de Aristide
faz sentir em seu governo e, como pode, Préval tenta manter um equilíbrio entre os rivais. No final do mandato, alinha-se a Aristide, que assume proeminência no governo. Em 1999, Préval dissolve o Parlamento para garantir a posse de um primeiro-ministro apoiado por Titid. A Organização das Nações Unidas (ONU) critica a decisão. Préval é o único presidente haitiano a encerrar, no tempo previsto e sem interrupção, seu mandato. Quando Aristide reassume a Presidência, em 2001, Préval mantém uma atitude discreta. Não rompe com o governo, criticado por diversos setores da sociedade, mas também não participa deste. Desde a ocupação do Haiti por tropas estrangeiras, em fevereiro de 2004, e até a campanha para as eleições presidenciais, dois anos depois, Préval não aparece muito no noticiário político do país. (JAP)
O novo presidente do Haiti tomará posse em meio ao caos social do país mais pobre das Américas
contra a corrupção, disseminada em um país onde reina a impunidade. Desvencilhando-se, como puder do jugo das grandes potências, especialmente Canadá, Estados Unidos e França.
FRATURA POLÍTICA Clérismé considera que Préval vai estar sob muita pressão. Em primeiro, de seu antigo mentor e expresidente haitiano Jean-Bertrand Aristide, exilado desde 2004 na África do Sul. “Aristide vai tentar,
por todos os meios, interferir na administração de Préval, para que este o aceite de volta ao Haiti”, diz. Em suas declarações, o novo presidente não se pronunciou sobre seu antigo mentor, apenas disse que todo haitiano é livre de ir e vir do país. O segundo desafio do novo presidente é a comunidade internacional, segundo Clérismé, pois vai pressionar para que ele siga a linha política que as grandes potências querem. Por fim, Préval vai ter que lidar com um racha nos movimentos so-
ciais haitianos, analisa Clérismé. Durante a campanha eleitoral, a principal organização do país, o Movimento Camponês de Papay (MPP), se colocou contra ele, pois considerou que ele defenderia Aristide. Outras criticaram a posição do MPP e romperam plataformas conjuntas que haviam criado, dizendo que era preciso manter uma aproximação crítica em relação ao novo presidente. Para o diplomata, a fratura social enfraquece ainda mais Préval.
Eleições fraudulentas, governo instável René Préval recebeu o apoio da maioria da população, mas seu governo nasce sob grande contestação. A eleição haitiana, realizada em 7 de fevereiro, foi marcada por fraudes na apuração, tumultos nas ruas e intervenções estrangeiras. Antes da votação, pesquisas apontavam logo no primeiro turno a vitória folgada de Préval, do partido Lespwa (Esperança, em crioulo) – agremiação fundada pelo político nessas eleições. Enquanto ocorria a apuração, que durou dez dias, os representantes do Conselho Eleitoral Provisório (CEP), criado pela Organização dos Estados Americanos (OEA), anunciavam que haveria uma segunda etapa no pleito, pois Préval não teria 50% dos votos. Partidários do candidato tomaram as ruas, principalmente da capital Porto Príncipe, exigindo que fosse considerado vitorioso.
POTÊNCIAS DECIDEM As manifestações ganharam impulso com a descoberta de urnas cuja maioria dos votos era para Préval, em aterros sanitários de Truithier e Titanyen, nos arredores de Porto Príncipe, em 15 de fevereiro. A apuração da eleição foi interrompida e se iniciou uma nova etapa para a definição do novo presidente haitiano: o concerto das grandes potências. Diante da crise, governos de países que ocupam o Haiti desde
fevereiro de 2004 – Brasil, Canadá, Chile, Estados Unidos e França – e representantes da Organização das Nações Unidas (ONU) começaram a se articular para evitar o fiasco do pleito. Primeiro, fracassaram na tentativa de convencer Préval a aceitar o segundo turno. Ele recusou. Também não vingaram as consultas feitas com os outros candidatos para desistirem do pleito e dar a vitória a Préval. Sem opção, a partir de uma proposta feita pelo governo brasileiro, os países estrangeiros mudaram, de última hora, as regras da eleição. Decidiram descontar os votos brancos e nulos dos resultados oficiais, o que garantiria a vitória de Préval no primeiro turno. Em 17 de fevereiro, o presidente do CEP, Max Mathurin, aclamava o candidato do Lespwa o novo presidente haitiano. A apuração oficial ainda não havia sido encerrada. O resultado definitivo só saiu três dias depois: descontados os votos brancos e nulos, Préval recebeu 51,2% das preferências e o segundo colocado, Lesly Manigat, 12,4%.
RESPONSABILIDADE DA ONU A Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos (RNDDH), da qual participam entidades e movimentos sociais haitianos, divulgou, em 20 de fevereiro, um
relatório sobre as eleições. “As irregularidades não afetaram a credibilidade do resultado oficial que são aceitáveis, na opinião de observadores nacionais e internacionais”, diz o texto. O relatório recomenda, entretanto, que seja investigada a responsabilidade do CEP e da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah), que tinha a tarefa de garantir a segurança dos eleitores, nos problemas que ocorreram no pleito. Quatro pessoas foram assassinadas, duas delas por soldados da Minustah, segundo o relatório. Segundo Rénald Clérismé, diplomata haitiano, o modo como se deu a eleição de Préval abre brechas para a contestação de seu governo. Primeiramente, diz, por parte da comunidade internacional, que não o queria como presidente por considerá-lo próximo a Jean-Bertrand Aristide (leia matéria ao lado). Em segundo, avalia Clérismé, por parte da oposição que, a cada proposta do presidente, vai dizer que sua eleição foi ilegítima. “Para Préval, era melhor ter havido uma recontagem dos votos, pois isto lhe daria mais legitimidade para governar. O compromisso com os países estrangeiros e a instabilidade eleitoral vão custar caro para ele e para o país”, afirma. (JAP)
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De 23 de fevereiro a 1º de março de 2006
INTERNACIONAL SUDÃO
Missão em Darfur enfrenta problemas Gustavo Barreto do Rio de Janeiro (RJ)
U
ma missão da União Africana (UA) para a manutenção da paz em Darfur, reino independente anexado pelo Sudão em 1917, poderá ser interrompida por falta de dinheiro, afirmou o presidente da Comissão da UA, Alpha Oumar Konaré. Num relatório apresentado à 45ª sessão do Conselho de Paz e Segurança (CPS) da UA, Konaré declarou que “esta presença reforçada teve incontestavelmente um impacto positivo na situação no terreno, mas o financiamento constitui um grande obstáculo”, informou a agência Angola Press. Ao analisar as operações da AMIS – como são conhecidas as missões de paz da União Africana – nos últimos anos, Konaré afirmou que a missão precisa de pouco mais de 252 milhões de dólares para as suas operações até julho de 2006, mas recebeu apenas 65 milhões e 400 mil dólares. A título de comparação, quando teve início a agressão anglo-estadunidense ao Iraque, em 19 de março de 2003, o custo diário para os Estados Unidos era de 500 milhões de dólares, aproximadamente. Uma das conseqüências da crise financeira da AMIS é o atraso no pagamento dos salários dos observadores militares da UA. “A experiência da AMIS mostrou as dificuldades para lançar operações de apoio à paz de grande envergadura por um longo período sem fontes de financiamento confiáveis”, explicou Konaré. Experiências de
outras crises humanitárias mostram que a presença de observadores internacionais ajuda a pacificar uma região e são decisivas para evitar genocídios, tal como está ocorrendo atualmente em Dafur. A crise na região começou na década de 1970, com uma disputa pelas terras de pastoreio entre nômades árabes e agricultores indígenas negros, ambos muçulmanos. Dois milhões de refugiados e 400 mil mortos é o saldo do conflito nessa região do Sudão, desde fevereiro de 2003, quando o país entrou em guerra civil. Isso ocorreu, explica a jornalista da IPS Thalif Deen, quando guerrilheiros negros responderam aos ataques da milícia Janjaweed (“Homens a cavalo”, em árabe), que é apoiada pelo regime islâmico de Cartum. Os Janjaweed são acusados de promover uma campanha de limpeza étnica contra três povos negros que apoiavam os rebeldes do Exército para a Libertação do Sudão e o Movimento pela Justiça e a Igualdade. Para reverter a situação, além da presença de observadores internacionais, a imprensa de grande alcance – a que mais silencia sobre crises humanitárias – também poderia ajudar a conter genocídios. “Quando a mídia se interessa, a população também se interessa e cobra uma reação de seus dirigentes. Isso ocorreu principalmente nos países europeus e nos EUA e, em escala bem menor, no Brasil e em outros países da América Latina. A mídia tem o poder de revelar coisas que desconhecemos e de dar voz a populações que normalmente
François Goemans/ ECHO
Dirigentes da missão de paz da União Africana pedem apoio financeiro para evitar genocídio; países ricos ignoram
Em Darfur, em guerra civil desde 2003, missão de paz custa ao ano cerca da metade do que a ofensiva no Iraque custava ao dia
em espécie feitas durante uma conferência organizada em maio de 2005 em Addis Abeba (Etiópia). Uma contribuição da União Européia (UE) de 70 milhões de euros (84 milhões de dólares) aos fundos da Facilidade da Paz na África reduziu a crise financeira. Konaré declarou que cerca de 12 milhões e 300 mil dólares deverão ser dados pelo Canadá para a compra de gasolina e para o alojamento da Polícia Civil. O Reino Unido, sem dinheiro para a ajuda humanitária por conta da investida bélica no Iraque,
não teriam”, afirma Simone Rocha, diretora da ONG Médicos Sem Fronteiras no Brasil, na Agência Carta Maior. “No geral, a mídia internacional se pauta pela mídia e pelos interesses dos EUA, por isso o espaço dedicado ao Iraque e ao Oriente Médio é tão grande, quando, na verdade, a política internacional vai muito além disso.”
MIGALHAS DOS PAÍSES RICOS O déficit da missão da UA em Dafur abrange promessas estimadas em 312 milhões e 700 mil dólares, sobretudo contribuições
concedeu seis milhões de dólares para a aquisição de gasolina. A França vai desembolsar um milhão de dólares para satisfazer outras despesas relativas às operações. Estas contribuições, estimadas em 103 milhões e 300 mil dólares, cobrirão várias despesas da missão africana, tais como o pagamento dos salários, de indenizações e outros. Mais de quatro milhões e 600 mil dólares adicionais serão necessários para cobrir outras despesas e apoiar a missão até 31 de março. (Fazendo Media, www.fazendomedia.com.br)
da Redação prioridade, fato que se evidencia nas verbas e na atenção diplomática dispensada a Nações africanas em guerra civil. Espera-se que a UA tome uma decisão final sobre o futuro de sua missão em Darfur. “Se formos assumir o controle, não poderá ser em março, porque haverá um prazo de amadurecimento. Não deveríamos ter uma brecha entre as duas forças”, acrescentou Annan. Há cerca de duas semanas, o secretário-geral da ONU se queixou do lento deslocamento de tropas por parte da missão de paz da ONU, que acontece no Sudão meridional. Em meados de dezembro de 2005, o número de soldados da missão da ONU no Sudão era de apenas 4.291, 40% de um total previsto entre 9.880 e 10 mil. Segundo os planos atuais, a quantidade total de pessoal militar enviado deveria passar dos sete mil até meados de fevereiro de 2006. “Entretanto, isso está muito abaixo dos requisitos previstos”, alertou Annan. A missão das Nações Unidas no Sudão foi estabelecida em março de 2005 para controlar a implementação do acordo de paz que pôs fim a uma longa guerra civil no sul do Sudão. (GB) François Goemans/ ECHO
Com a crise da União Africana (UA), a Organização das Nações Unidas (ONU), que dia 13 de janeiro comemorou o 55º aniversário da Convenção para a Prevenção e Sanção do Crime de Genocídio, anunciou um plano para enviar uma força de paz que freie os contínuos ataques em Darfur. O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, disse que a UA expressara sua vontade de permanecer no Sudão entre nove e 12 meses, “desde que a comunidade de doadores forneça os recursos necessários e apoio logístico. Se esse apoio não chegar, em março ficarão sem dinheiro”. “Obviamente, a comunidade internacional não pode permitir que essa situação fique sem ser abordada, e o mais provável é que tenhamos de considerar outras opções, incluindo a possibilidade de a ONU trabalhar com a UA para isso”, acrescentou Annan. Para o secretário-geral da ONU, os governos com capacidade militar precisam se unir à missão de paz – realidade, atualmente, muito distante da realidade. Atolados no Iraque e no Afeganistão, o governo que detém o mais poderoso Exército do mundo – os Estados Unidos – não vê na África uma
Annan, secretário-geral da ONU, quer adesão de governos com capacidade militar
Milícias sediadas em Darfur, no sul do Sudão, estão lançando mão de invasões nas fronteiras de povoados do vizinho Chade quase diariamente, matando civis, queimando as comunidades e roubando gado num padrão de ataques que mostra sinais de polarização étnica. A denúncia foi divulgada, dia 5 de fevereiro, pela organização internacional Human Rights Watch (HRW). Os pesquisadores da organização documentaram numerosos ataques de fronteira em comunidades chadianas ao longo da fronteira entre Adré, Adé e Mondona, no leste do país, desde o começo de dezembro de 2005. A maioria dos ataques foi realizada por milícias sudanesas e chadianas de Darfur, alguns com aparente apoio do governo sudanês, incluindo reforço de armamentos de helicóptero. Dezenas de milhares de pessoas estão agora deslocadas internamente no Chade por causa da violência. A maioria das vítimas é dos grupos étnicos Dajo e Masalit, que vivem em ambos os lados da fronteira entre os dois países. Árabes chadianos vivendo na mesma área aparentam apreciar a imunidade aos ataques, embora alguns tenham deixado suas casas e obtido refúgio no Sudão, aparentemente por medo de represálias. A Human Rights Watch também documentou uma nova onda de refugiados sudandeses em direção ao Chade. “Você deve ter pensado que a terrível situação em Darfur não poderia ter ficado pior, mas ficou”, disse Peter Takirambudde, diretor africano da Human Rights Watch. “A política do governo sudanês é armar milícias e deixá-las à solta, espalhando-as pelas fronteiras. Os civis não têm proteção dos ataques deles, em Darfur ou no Chade.”
Frederic Bonamy/ ECHO
Nações Unidas planejam CHADE-SUDÃO Milícias ameaçam civis nas fronteiras ampliar a missão
Fugindo dos ataques nas fronteira, chadianos migram para o centro do país
A Human Rights Watch disse que a situação tem aumentado a necessidade de uma grande e forte força internacional não apenas em Darfur mas ao longo da fronteira do Chade, com o mandado para proteger civis e desarmar os grupos armados. No fim de janeiro, a organização pediu autorização do Conselho de Segurança da ONU, em regime de urgência, para a transformação das forças da União Africana em Darfur para o status de Missão das Nações Unidas. “Esta missão deve ter um mandato forte e claro para sua própria proteção e dos civis utilizando a força, se necessário, e para desarmar e desarticular as milícias apoiadas pelo governo que confiscaram terras ou ameaçam a população civil”, diz o comunicado da Human Rights Watch . Os crescentes ataques às vilas no Chade, assim como a acampamentos e voluntários no oeste Darfur nos últimos meses, fez com que
a região se tornasse extremamente perigosa para grupos humanitários. Por isso, apenas poucos deles estão atualmente operando na área da fronteira. Muitas das pessoas desalojadas no Chade perderam a maior parte de suas colheitas e de seu gado como resultado dos ataques, e estão vivendo em cabanas de palha temporárias, dependendo de esmolas. A escassez de alimento pode se tornar crítica nas próximas semanas, pois os estoques de comida esgotaram-se. “As condições de segurança no leste do Chade e no oeste de Darfur estão intimamente conectadas. Se nenhuma ação preventiva for tomada, pode ser apenas uma questão de tempo antes que os campos de refugiados no Chade também sejam ameaçados”, disse Takirambudde. “O Conselho de Segurança precisa agir para prevenir que mais civis chadianos sofram este pesadelo.”
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De 23 de fevereiro a 1º de março de 2006
AMÉRICA LATINA ARGENTINA
O 82º neto das Avós da Praça de Maio O
sonho de Angela Barili de Tasca se fez realidade no dia 16 de fevereiro quando, depois de 27 anos de intensa procura, foi informada que havia sido identificado seu neto Sebastián, filho de desaparecidos na ditadura argentina (1976/83). O neto de Angela se transformou no neto número 82 achado pelas Avós da Praça de Mayo – las Abuelas, como são conhecidas na Argentina. “O que é o que você mais quer no mundo?”, perguntaram à Angela Barili de Tasca, e ela respondeu sem titubear: “Encontrar meu neto”. A resposta a comoveu até as entranhas: “Já o encontramos!” Assim começou outra das emocionantes histórias que fazem possível a existência das Avós da Praça de Maio, o grupo de mulheres que desde 1977 busca incansavelmente os 500 netos filhos de mães desaparecidas que pariram nos centros clandestinos de detenção. Esses bebês foram separados de sua família. Alguns foram assassinados; outros foram entregues justamente às famílias dos torturadores da mãe ou de militares apoiadores da ditadura; ou, então, encaminhados para a doação. Após o encontro com seu neto Sebastián José, na cidade de Mar del Plata, onde vive a família, Angela relatou em uma conferência de imprensa na qual jornalistas, avós
“Onde estão?”, indagam os cartazes da manifestação; à direita, “Os que lutam nunca morrem! Até sempre, companheiros!”
e familiares encheram as salas da entidade das Abuelas. “Abraça como seu pai”, recordou e admitiu que ele ainda não a chamou de avó, mas confia que alguma vez o fará. “Me deu um abraço forte e nos pusemos a chorar. Quanto tempo perdido”, disse o avô Giordano Bruno Tasca
entres as lágrimas que correm pelas bochechas. O jovem é filho de Gaspar Onofre Casado e Adriana Leonor Tasca que foram seqüestrados entre 10 e 15 de dezembro de 1977 na cidade de Buenos Aires. Na ocasião, a mulher tinha uma gravidez de cinco meses. A presidente das Abuelas, Estela de Car-
CONFLITO Sebastián não esteve presente na conferência de imprensa por decisão própria e pediu que não
Prisão de Videla é confirmada A Câmara Federal de Apelações de Buenos Aires confirmou, no dia 17 de fevereiro, a prisão preventiva do ex-ditador argentino Jorge Videla, acusado de ser um dos executores do Plano Condor – idealizado pelas ditaduras sul-americanas (inclusive a brasileira) para perseguir os opositores políticos. O tribunal ratificou a decisão da primeira instância dos juízes Jorge Urso e Guillermo Montenegro de prolongar a prisão preventiva de Videla e de outros repressores do regime militar (1976-83), entre os quais se encontram os generais reformados Domingo Bussi, ex-governador da província de Tucumán (norte), Albano Harguindeguy, ex-ministro do Interior de Videla, Luciano Benjamín Menéndez e Antonio Vañek, entre os mais destacados. (La Jornada)
Os pais desaparecidos
PETRÓLEO
Bolívia revê atuação da Petrobras
última vez que Adriana falou com sua mãe, Angela, foi em 5 de dezembro de 1977. Nascida em 1955, Adriana era a caçula das duas irmãs e, em 1973, deixou a casa dos pais em Mar del Plata para estudar em Ciudad de La Plata. Foi lá que conheceu Gaspar, que também trabalhava na Caixa de Proteção para Advogados. Gaspar era conhecido como o Quinto, conforme a ordem de seu nascimento entre os seus oito irmãos. Cursou direito na Universidade de La Plata e se formou entre 1974 e 1977, quando também começou sua militância política. Adriana e Quinto passaram a viver juntos em 1976 e já tinham escolhido o nome para o bebê: José ou Josefina. A última notícia que se tem de Quinto é de uma companheira de cativeiro também em Mar del Plata. Ele lhe perguntou se sabia algo de Adriana. (Argenpress – www.argenpress.info)
Igor Ojeda da Redação
Marcello Casal Jr./ABr
Sebastián nasceu em 27 de março de 1978 em La Cacha, um dos centros de detenção secretos da ditadura argentina. Por todos esses 27 anos, foi procurado por uma família enorme: tios, primos e sobrinhos. Seus pais são Gaspar Onofre Casado e Adriana Leonor Tasca, desaparecidos desde dezembro de 1977. Ambos eram estudantes de direito e trabalhavam na Caixa de Proteção Social para Advogados, em Ciudad de La Plata. Adriana revelou a gravidez para seus pais em julho de 1977. Estava preocupada, pois um de seus companheiros de trabalho já havia desaparecido, vítima da repressão. Ambos decidem mudar de cidade, mas depois regressam a La Plata. Comunica-se apenas por telefone com seus pais, a quem não revela seu endereço exato. Apenas alguns amigos próximos da faculdade os viam com alguma regularidade. A
lotto, disse que “os pais de Sebastián não são repressores” e que “o bebê foi deixado com um civil que tinha relação com as forças armadas”.
A luta das Avós foi recompensada: Sebastián foi encontrado
seja divulgada a identidade da família com a qual esteve vivendo. Estela revelou que o garoto teve dúvidas a respeito de sua identidade e, em janeiro de 2005, escreveu à organização para averiguar sobre uma questão na qual se mencionava como possível filho de desaparecidos. Em um primeiro momento, não quis se aprofundar na investigação de sua identidade, mas se animou pouco depois, quando recebeu um periódico das Abuelas em que aparecia o relato de sua avó Angela. E nessa hora percebeu a semelhança que possuía com a foto de seu pai desaparecido publicado na página de internet da entidade. Em setembro de 2005, Sebastián se animou a fazer um exame de DNA que, no dia 16, confirmou em 99,9 % de chances de pertencer ao grupo familiar Casado-Tasca. “Nós, as Abuelas, seguiremos lutando pela verdade, a justiça e a memória, e por uma sociedade plena que acolha todos estes jovens”, sustentou a presidente da organização que desde 1977 tenta achar o paradeiro de cerca de 500 crianças seqüestradas. “Sabe quem é?... Não fique com a dúvida”, diz um cartaz que recebe os visitantes das oficinas das Abuelas, perto de um enorme quadro com os retratos de mulheres seqüestradas grávidas e de filhos desaparecidos. (La Jornada – www.jornada.unam.mx)
Depois da vitória de Evo Morales na Bolívia, muito se especulou no Brasil que o novo governo iria promover a nacionalização das reservas e das refinarias de petróleo e gás hoje controladas pela estatal brasileira Petrobras. A imprensa comercial e os analistas do mercado financeiro – em sintonia com o interesse dos acionistas privados da empresa – defenderam o fim dos investimentos em solo boliviano. De princípio, ficou evidente o desrespeito ao discurso de defesa de soberania do país andino. Os bolivianos reclamam que muito pouco é revertido para o bem da população mais pobre da América do Sul, que não usufrui da riqueza natural de seu próprio país. Essa crítica é endossada pelo filósofo Alberto Buela, vice-presidente do Centro de Estudios Estratégicos Suramericanos (CEES), da Argentina, que não vê a atuação da Petrobras de forma tão positiva. Segundo ele, a companhia “ajuda a manter o status quo boliviano”, embora esteja em melhor posição que a empresa privada hispano-argentina Repsol, por não haver nenhuma denúncia pública de fraude contra ela. Buela duvida da capacidade de Evo Morales em se manter firme em relação à questão dos hidrocarbonetos. Para ele, apesar de o presidente boliviano aparecer publicamente contra os interesses brasileiros na área, substancialmente fará o que o Itamaraty quiser. E faz uma provocação: “O dia em que o pedágio da estrada que une Corumbá (no Mato Grosso do Sul) com Santa Cruz de la Sierra (na Bolívia) custar cinco dólares, aí poderemos dizer que Evo tem uma política independente do Itamaraty”. Já Fernando Siqueira, diretor de Comunicação da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), não avalia a atuação da estatal da mesma forma, embora ressalve que a soberania boliviana deva ser respeitada. Na opinião de Siqueira, enquanto a Petrobras se-
Fabio Mallart
da Redação
Fotos: Divulgação
Organização encontra mais um filho de desaparecidos na ditadura; outros 500 seguem com paradeiro desconhecido
Bolivianos exigem uso dos recursos naturais em prol do povo
guir sendo uma empresa estatal, é positivo para a Bolívia que permaneça lá, por ser “muito mais séria” que as demais companhias petroleiras que atuam no país, como as “predatórias” Shell, Chevron, Total e Repsol. Por outro lado, para o Brasil, seria muito importante para a manutenção da grande fonte boliviana de gás natural, combustível estratégico para as necessidades nacionais. Siqueira prevê que a situação da estatal brasileira na Bolívia não deve se alterar de forma significativa. “A Bolívia praticamente só tem como comprador de gás o Brasil. Não se pode fechar um mercado desse” diz.
NOVO ACORDO Antes de tomar posse, no dia 22 de janeiro, Morales afirmou, em reunião com o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que a Petrobras seria sócia da Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), estatal boliviana. De fato, no dia 10 de fevereiro, a Petrobras anunciou que, até o final do mesmo mês, as empresas dos dois países, o Ministério de Minas e Energia, do Brasil, e o Ministério do Hidrocarbonetos da Bolívia assinariam em La Paz um “Memorando de Entendimentos visando à associação da Petrobras e da YPFB”. O comunicado ressaltava a possibilidade de cooperação
ou associação em sete áreas, entre elas a de refino do gás natural, exploração e produção de petróleo e gás e a capacitação tecnológica de trabalhadores bolivianos. Embora a assessoria de imprensa da Petrobras afirme, em comunicado do dia 14 de fevereiro – veiculado para esclarecer informações divulgadas na imprensa sobre as negociações entre Brasil e Bolívia – que as decisões da companhia levam em conta “critérios exclusivamente empresariais”, Fernando Siqueira, da Aepet, vê o dedo do Itamaraty em suas ações. “Apesar de o Lula falhar em muitos pontos, o saldo na política externa é positivo. O interesse na Bolívia é também político e muito bom. Dentro desses termos, haverá negócio bom para os dois lados”, diz. Já o argentino Alberto Buela não crê nessa tese. Para ele, a atuação Petrobras não traz grandes benefícios para o povo boliviano. “O conceito dessas grandes companhias de petróleo (Petrobras, Shell, Repsol, Total, etc) é o de não pagar pelo petróleo. A Total francesa tem uma plataforma próxima da ilha dos Estados da Terra do Fogo, onde há 30 anos extrai petróleo que carrega diretamente em seus barcos e não paga nada, absolutamente nada aos argentinos”, denuncia.
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De 23 de fevereiro a 1º de março de 2006
NACIONAL FOLIA
Um samba em homenagem ao MST U
m batalhão de 1.500 foliões vai ocupar a passarela do samba para celebrar os 20 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no enredo da Turma da Mangueira, a mais antiga e tradicional escola do Maranhão, fundada em 1928. A parceria do samba com a reforma agrária surgiu na produção da coletânea musical “Regar a Terra”, registrada em CD para comemorar as duas décadas do movimento. Compositor e conselheiro da Mangueira, Valter David Mendes Seabra, o Valtinho do Pagode, compôs para o disco uma toada de bumba-meu-boi de matraca. Depois, sugeriu Bumba-meu-Boi de Matraca – Uma o tema da rejunção da cultura forma agrária/ portuguesa, indígena e africana, a brin- MST à diretoria cadeira tem como da escola e foi símbolo um boi que contemplado. dança compulsoriamente, impulsionado “Esse ano vapor uma pessoa que mos com vontafica dentro dele, ao de de disputar o som de pandeirões, matracas, maracás título. Pela prie tambores-onças. meira vez, uma Ao longo da dança escola de samba ocorre uma encenação com três persono Brasil tem nagens: o dono da a coragem de fazenda, o índio e o levar para a avenegro, encenando uma sociedade nida um tema escravocrata. dessa importância. Antes, a Mangueira brigava para não ser a última colocada”, relata o compositor. O presidente da Mangueira, Mábio Frazão dos Santos, ressalta as características comuns dos parceiros. “São duas correntes que se casam. A Mangueira luta pela sobrevivência. Não temos patrono, não tem politicagem. Tudo isso pesa porque nós vivemos aos trancos e barrancos”. Frazão enfoca, ainda, o ineditismo da reforma agrária no carnaval e o trabalho que a escola vem fazendo para incorporar o tema. No período de preparação, os mangueirenses visitaram os municípios de Nina Rodrigues e Igarapé do Meio, onde está localizado o
No desfile, o lúdico e o político
Para Frazão, escola se assemelha ao MST, pois não se vende aos políticos e sobrevive da força da sua comunidade
assentamento Vila Diamante, para ensaiar e trocar experiências com a vivência do MST. “A gente vem trazendo um quadro do homem do campo, para mostrar que o movimento não é o que muita gente diz”, afirma, rejeitando a visão ainda preconceituosa associada à luta dos sem-terra.
APOGEU E RETORNO O presidente da Mangueira enfatiza a independência da agremiação, que não é total. A escola aceita os subsídios oficiais da Prefeitura de São Luís e do governo do Estado, mas não tem padrinhos fixos. “A Mangueira não é dominada por políticos. Às vezes, vem uma ajudazinha. Esse ano tivemos apoio do vereador Isaias Pereira, o Pereirinha, presidente da Câmara Municipal. A gente dá graças a Deus não ter patrão, porque o dia que o patrono vai embora a escola se acaba”, desabafa, explicando que a força da escola está na força de vontade da comunidade, nos eventos que realiza para angariar fundos. Aos 78 anos, a Mangueira teve um ciclo de apogeu até a década de
Tributo ao MST, 20 anos de luta A terra virgem Fértil e matizada É a mãe da mais querida A Mangueira idolatrada (bis) Mangueira vem contar a história Do movimento do trabalhador rural MST em festa De 20 anos, com o manto verde e rosa A justiça social, dignidade, luta por uma conquista Reforma agrária - solução do meu Brasil Vou sambar na passarela com esse povo varonil Vem, levanta essa bandeira Faz a terra produzir Terra pra quem trabalha A riqueza vem daí (bis) Andando, essa raça brasileira Por essas estradas sem fim Reivindicando do poder Um país bem melhor pra viver Não morre a esperança De um teto “sagrado” pra morar Sou da miscigenação Sou o fruto brasileiro Vamos dar as mãos Que alegria e emoção! O carnaval do Maranhão Homem do campo vem sambar com o pé no chão
1970 e, nos últimos 30 anos, vem enfrentando muitas dificuldades estruturais, mas sempre persistindo em recuperar os bons tempos. O presidente registra cerca de 20 títulos da escola e diz que, em 2006, o desempenho vai melhorar. “Nós vamos ser pedra no sapato de muita gente aí”, profetiza. Cerca de 400 pessoas dos assentamentos de várias regiões do Maranhão estão preparadas para entrar na avenida, contando a história da luta pela terra e pela liberdade no Brasil. Para o integrante da coordenação estadual do MST, Jonas Borges, a inserção do movimento no carnaval é uma novidade promissora, explicada pelo papel histórico da escola e pelos belos sambas que embalaram carnavais marcantes. “Estamos empolgados e animados. Com certeza, essa parceria é mais uma frente de batalha assim como a ocupação. Vamos levar o samba da forma mais original possível com a reforma agrária e o MST na avenida, ressaltando a importância do movimento e da cultura maranhense”, alegra-se Borges, torcendo pelo título.
A Turma da Mangueira está sediada no bairro do João Paulo, um dos mais tradicionais e antigos de São Luís, com marcas expressivas na produção cultural. É na avenida principal do bairro, São Marçal, que os batalhões de bumba-meuboi de matraca encerram os festejos juninos, num espetáculo de percussão e coreografia marcante na cultura popular maranhense. Esta expressividade e a participação dos mangueirenses na escola inspiram a persistência no carnaval e reafirmam o perfil da escola. O carnavalesco Washington Coelho evidencia a filosofia da Mangueira de sempre homenagear os movimentos sociais e pessoas ilustradas da cultura, como João do Vale, Zeca Baleiro, Maria Aragão, Dilu Melo, Zé Cupertino, Apolônio, bloco afro Akomabu etc. “A Mangueira nunca fez enredos para políticos. Esse ano é pertinente a homenagem ao trabalhador do campo, em prol de uma reforma agrária mais urgente, mostrando também o talento, a capacidade e as habilidades do homem do campo, de forma glamorosa”, sintetiza Coelho.
A apresentação da Turma da Mangueira ocorrerá no dia 26 de fevereiro, às 22 horas. Juntando o lúdico ao político, o carnavalesco Washington Coelho aposta em material reciclado e típico da vida do homem do campo: palha, cocos, sementes, cipós, folhagens, madeira, etc. O carro abre-alas representa o latifúndio e o cercado, mas que pode ser quebrado com as sementes de esperança da reforma agrária. Na seqüência, vem o carro com a representação indígena, simbolizando os pioneiros da terra. A homenagem ao MST é retratada no terceiro carro, simbolizando a produção e a partilha. Washington Coelho apresenta, ainda, o cotidiano do acampamento, os passos para a conquista da terra e a realidade do homem do campo. “Vai ser a surpresa na avenida”, revela. O quinto carro é dedicado à produção, aos resultados da reforma agrária com a produção e a fartura. Na etapa final do desfile, a escola presenteia o MST com um bolo de aniversário dos 20 anos, seguido da grande marcha – o arrastão que carrega o lema “Reforma agrária, uma luta de todos”, integrado pelos movimentos sociais parceiros do MST: ONGs, igrejas, pastorais, sindicatos, mulheres, negros, rádios comunitárias, ambientalistas, etc. “Acredito que, neste ano, a Mangueira tenha uma outra cara, um outro perfil. A gente está fazendo com muita garra e muita força de vontade”, anima-se Coelho. Além das alas, a escola tem uma bateria de 120 integrantes e 55 baianas. (WA)
Mangueira revive a esperança O saudosismo dos bons tempos da Turma da Mangueira tem uma data emblemática: o ano de 1978, quando a escola completou 50 anos com o samba “Bodas de Ouro”, de autoria de Zé Pivó. José Ribamar Costa ainda era um garoto quando ganhou o apelido de pivó. Só mais tarde, em viagem à cidade de Tutóia, um pescador revelou-lhe que o codinome referia-se a um peixe pequeno que serve de isca e comida. Mas foi pescando rimas que o sambista iniciou a carreira, aos 13 anos, quando começou a compor no bloco Boêmios da Folia, no bairro Caratatiua, vizinho ao João Paulo, bairro onde fica a Mangueira. “Ouvia eles fazerem e aquilo foi me empolgando, mas eu já tinha esse dom. Deus me deu. Tenho um espírito muito forte para rima. Na Mangueira, tenho 38 sambas-enredo. Ainda garoto me entregaram a responsabilidade de compor para a escola”, orgulha-se. “A Mangueira regrediu um pouco, mas não deixou de ir para a avenida. Esse ano, a gente procurou se reestruturar. A luta continua. E nós estamos lutando para a escola mais velha do carnaval maranhense ficar numa classificação melhor, para mudar o visual da nossa escola, do nosso povo, do bairro do João Paulo”, diz Pivó.
Compositores: Zé Pivó, Dito da Mangueira, Valtinho do Pagode e Alysson Ribeiro Intérpretes: Alysson Ribeiro, Kleber Costa e Gildásio Catimba
PÉ NO CHÃO
Enredo da Turma da Mangueira: Tributo aos 20 anos do MST Desfile: 26 de fevereiro (domingo), às 22 horas. Concentração: 18 horas, no retorno que dá acesso à Universidade Federal do Maranhão (Ufma)
De um ambiente que beirava a depressão carnavalesca, no qual a escola ia para a avenida apenas para cumprir a obrigação do desfile oficial, a Mangueira alimenta
Ed Wilson Araujo
Ed Wilson Araújo de São Luís (MA)
Ed Wilson Araujo
Turma da Mangueira, escola mais tradicional do Maranhão, canta os 20 anos de luta pela terra do movimento
Costureiras da escola de samba preparam as fantasias para o desfile
grandes expectativas. Alguns acreditam até no título. Reiteram que o tema é bom, o samba expressivo e a parceria com o MST vai dar mais garra ao desfile. Muitos querem relembrar os tempos áureos da escola, tatuados com o célebre samba Bodas de Ouro: “Eu me lembrava do tempo que eu era criança e, quando a Mangueira saía da sede aqui no João Paulo, era aquele alvoroço, aquele povão. A Mangueira sempre teve grandes compositores, bons sambas. O refrão Mangueira, Mangueira, teu samba faz levantar poeira é porque o samba da Mangueira sempre foi gostoso. Mas aquela história eu me baseei no pessoal, mais velho, fui procurando. Queria fazer uma homenagem. Como eu não tinha nada para dar eu disse: ‘esse é o presente que eu te dou, minha escola querida da ilha
do amor”, contou Pivó às gargalhadas, relembrando a letra. O presidente da escola, Mabio Santos, ecoa as impressões do compositor. “Naquela época, o asfalto era pouco e a Mangueira tinha uma bateria muito forte. O povão descia mesmo no arrastão. Nós íamos a pé e com aquele batalhão levantando poeira mesmo. Igual ao MST também quando chega”, entusiasma-se. Com os pés no chão, a Mangueira e o MST prometem fazer uma grande marcha na avenida. Podem não ganhar o título, mas já é uma vitória a troca de energias entre duas organizações que enfrentam muitos obstáculos e alimentam ideais de justiça e dignidade. Na arte do samba e na vida dura do campo, ambos desejam levantar poeira e dar a volta por cima. (WA)
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NACIONAL FOLIA
Na Sapucaí, o sonho de Bolívar Divulgação
No Rio, a Vila Isabel, escola de samba do bairro onde nasceu Noel Rosa, canta a unidade latino-americana Nas densas “Florestas de cultura” Do sombrero ao chimarrão Sendo firme, “sin perder la ternura” E o amor por este chão Em límpidas águas, a clareza Liberdade a construir Apagando fronteiras, desenhando Igualdade por aqui Arriba, Vila !!! Forte e unida Feito o sonho do libertador A essência latina é a luz de Bolívar Que brilha num mosaico multicor
Mário Augusto Jakobskind do Rio de Janeiro (RJ)
N
este carnaval de 2006, uma escola de samba, o Grêmio Recreativo Unidos de Vila Isabel, está antenada na unidade da América Latina com o tema Soy loco por ti América – A Vila canta a latinidade. O carnavalesco Alexandre Louzada é o carioca descendente de espanhóis responsável pela idéia que leva a escola do bairro de Noel Rosa a mostrar, no sambódromo da Avenida Marquês do Sapucaí, o continente latino-americano
Criticada por apresentar samba politizado, a escola Vila Isabel recebeu patrocínio de uma empresa estatal venezuelana
do Fogo – busca resgatar nossas raízes culturais, que estão fincadas nos povos pré-colombianos e na formação do mestiço, elemento que une as tradições branca, negra e indígena”. E a Vila está levando à Marquês do Sapucaí as figuras da galeria de história da América Latina de Che Guevara, general San Martin, o brasileiro Abreu Lima, que lutou no Exército do Libertador Bolívar e Tiradentes, entre outros. Desde a festa de lançamento no Rio, na quadra de Vila Isabel, as pilastras estão cobertas com posters gigantes de personagens como Bolívar, José Marti, Che Guevara, Camilo Cienfuegos, Salvador Allende, além de expoentes da cultura latino-americana como os chilenos Pablo Neruda e Gabriela Mistral e Vinicius de Morais. Soy loco por ti América – A Vila canta a latinidade, como observa o carnavalesco Louzada, “ é, antes de tudo, uma apaixonada declaração de amor às nações
“Sangue caliente” corre na veia É noite no Império do Sol A Vila Isabel semeia Sua poesia em “portunhol” E vai... buscar num vôo à imensidão “Dourados” frutos da ambição Tropical por natureza Fez brotar a miscigenação Segundo Louzada, o objetivo da Vila “é mostrar que os sonhos de Simón Bolívar, de união dos povos que vivem na América Latina, são possíveis”. A Vila Isabel, observa o carnavalesco, com o seu samba-enredo “lança um grito de alerta pela preservação e afirmação da identidade cultural latino-americana; a homenagem que faremos ao povo que habita essa longa faixa de terra – que vai da Península do Yucatán à Terra
latino-americanas, reforçando os laços de similaridade cultural que nos une, compondo um imenso mosaico, caracterizado pela riqueza e diversidade das práticas e representações de seus costumes. Assim, contaremos um pouco de nossa trajetória histórica e mostraremos os traços comuns de nossas manifestações culturais”.
“Soy loco por tí, América” Louco por teus sabores (bis) Fartura que impera, mestiça mãe terra Da integração das cores Fartura que impera, mestiça mãe terra Da integração das cores Por apresentar este samba-enredo politizado e sintonizado com a idéia que prospera a cada dia no continente, a Unidos de Vila Isabel, a escola de samba de Martinho da Vila, recebeu críticas injustificadas dos inimigos da integração latino-
americana, que a cada dia prospera e está ganhando um importante espaço no carnaval carioca, com direito à transmissão pela TV para todo mundo e que deverá atingir um público estimado superior a um bilhão de telespectadores. A estatal venezuelana de petróleo, a PDVSA, patrocina a escola de samba cuja nova quadra foi projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. A escolha do enredo contou ainda com a colaboração de Martinho da Vila, presidente de honra da escola. O desfile contará parte da história da América Latina, desde os povos que habitavam esse território nos primórdios: os incas, astecas, caroías e tupis. Depois, haverá a apresentação de manifestações folclóricas e culturais de cada país ou região, como a cerâmica dos índios brasileiros, a tapeçaria inca e as escultura em pedra dos astecas. As fantasias do quarto setor da escola, intitulado “A formação da tradição mestiça – práticas e representações
culturais latino-americanas”, foram todas feitas com fibras naturais, um material muito usado no artesanato mexicano e peruano. Já o quinto carro da escola será todo decorado com palha de milho, juta e estopa e trará, no alto, um anjo abençoando a América Latina, feito com vergalhão trançado por palha em sua base. Para o presidente da Unidos de Vila Isabel, Wilson Moisés Vieira Alves, o desafio da escola será “mostrar o sonho de Simón Bolívar – o grande libertador – que um dia pensou em transformar todo o Novo Mundo em uma só nação livre com um só vínculo que ligasse suas partes entre si e com o todo”. O desfile da escola de samba está programado para ser o quinto da madrugada de domingo (dia 26 de fevereiro), entre 1h20 e 2h20, logo depois da Caprichosos de Pilares.
Para bailar “La Bamba”, cair no samba latino-americano som (bis) No compasso da Felicidade “Irá pulsar mí corazón” André Diniz, Serginho 20, Carlinhos do Peixe, Carlinhos Petisc são os autores do samba-enredo da Vila de 2006
Um cordão colorido pelas ruas de São Paulo Cristiane Gomes de São Paulo (SP)
ORIGENS DO SAMBA Além de utilizar a cultura como instrumento de inclusão social, o trabalho realizado pelo BiBiTanTã
– junto com o Kolombolo Diá – faz parte do resgate dos cordões no carnaval paulistano. Tradição que se perdeu no carnaval da cidade. Assim como o Maracatu faz parte da tradição do carnaval no Nordeste, os cordões integram a cultura paulistana. A origem das escolas de samba na cidade está no desfile dos cordões. E é esta memória que precisa ser preservada, já que, muita gente acredita que carnaval se limita ao desfile das escolas de samba do eixo Rio/São Paulo. A riqueza do samba paulista está no samba rural, no samba de bumba. Na música que os negros produziam nas fazendas do Estado. Preservar isso é manter viva parte da rica cultura brasileira. “O samba de São Paulo, vai além de Adoniran
Barbosa, que é maravilhoso e merecedor de homenagens, mas temos uma gama de ritmos que representam a diversidade do nosso samba de raiz”, conta Dias.
DESFILE E INCLUSÃO E, para quem viu e desfilou com o BiBiTanTã pelas estreitas ruas do Centro, o que ficou foi a emoção e a alegria do desfile. O colorido ficou por conta do cordão com suas fantasias. Nas janelas dos apartamentos, pessoas jogavam papel picado e celebravam o desfile. Para o carnaval de 2007, a idéia é que o BiBiTanTã saia novamente pelas ruas de São Paulo. De acordo com os profissionais do Caps, o objetivo é ir além do cordão, com a continuidade das tardes culturais,
de forma a usar as diferentes manifestações populares como meio de diálogo e inclusão social. Além do trabalho de resgatar as origens do samba paulista, o BiBiTanTã mostra, claramente, como é possível usar instrumentos alternativos para trabalhar a saúde mental. Com um tratamento que não se baseia em choques, internações ou medicação pesada. O cordão representa, nesse sentido, uma importante conquista do movimento antimanicomial, que conseguiu que esta iniciativa fosse realizada dentro do serviço público de saúde da cidade. A arte, a música, a dança, a alegria, o carnaval continuam sendo o melhor remédio para os males do mundo.
Fotos: Douglas Mansur
Música, carnaval e alegria. Elementos que articulam e integram pessoas dos mais diferentes tipos, classes sociais e, por que não, maneiras de enxergar a vida. O desfile do cordão BiBiTanTã, que aconteceu no dia 18 de fevereiro, pelas ruas do Centro de São Paulo (SP) foi uma prova inquestionável desta afirmação. Formado por pacientes, profissionais e colaboradores do Centro de Atenção Psicossocial (Caps), unidade da Secretaria Municipal de Saúde Mental, o cordão nasceu da proposta de utilizar a cultura como elemento de inclusão social, em que a ligação entre as pessoas vai muito além dos problemas de saúde. Tudo começou com o projeto tardes culturais, organizado pelo Caps, em dezembro de 2005. Semanalmente eram organizadas atividades com vídeos, dança circulares e música. Um dia, finalmente, o samba chegou. Surgiu a idéia de montar um cordão de carnaval. O músico Guta Stroeter, da organização Sambatá, apresentou aos integrantes do Caps o grupo Kolombolo Diá, que desenvolve um trabalho de valorização e resgate do samba paulista. O resultado do encontro foi uma parceria para seis ensaios semanais que juntou duas unidades do Caps, a Itaim e a Butantã. Nos ensaios os pacientes aprendiam a tocar instrumentos e a dançar a coreografia do cordão. Estava
dada a largada para uma explosão de alegria. “A cultura popular carrega a força do povo. O samba fala da nossa história. Tudo isso já está na gente. Só é preciso uma oportunidade para isso aparecer. Não precisamos fazer esforço, porque estamos expressando nossa própria identidade”, afirmou Roberta Kehdy, psicóloga que participou do BiBiTanTã. “Em seis semanas, um maravilhoso trabalho foi feito. Foi uma experiência em que todos participaram. Aprendemos mais do que ensinamos”, disse Renato Dias, do grupo Kolombolo Diá.
O samba e o carnaval se transformam em ferramenta de inclusão social para pacientes de um centro de atendimento psicossocial da capital paulista
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DEBATE LIVRE-COMÉRCIO
A retomada da OMC Maurren Santos resultado pífio e, ao mesmo tempo, contraditório da 6ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Hong Kong – realizada em dezembro de 2005 –, tornou realidade as poucas previsões que anunciavam o andamento das negociações e o sucesso da Rodada de Doha (conjunto de propostas globais de livre-comércio). O desfecho foi pífio devido aos avanços mínimos em agricultura – maior demanda dos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos. E contraditório, porque o que pareceu para os países mais pobres ser um avanço, na verdade, abriu grandes perspectivas para a liberalização em bens não-agrícolas (Nama) e em Serviços – áreas de grande interesse dos países desenvolvidos e de suas corporações transnacionais. A OMC, apesar de criada em 1994, é parte de uma tentativa que vem desde 1944 de instituir um “pacote de regulação econômica internacional”. Seu papel é, juntamente com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, ser a instituição mantenedora do status quo do mundo capitalista. Entre seus temas principais, estão o acesso a mercados em serviços, bens industriais e agricultura, e discussões setoriais de regras em áreas como propriedade intelectual, compras governamentais, investimentos, políticas de concorrência, entre outras. NOVA CONJUNTURA
Para entender melhor a nova conjuntura da organização, se é que se pode chamar de nova, é interessante decifrar alguns pontos fundamentais do documento final da reunião de Hong Kong. O primeiro ponto a se ressaltar é a chamada “discussão de coerência” (coherence) entre OMC, FMI e Banco Mundial, disposta em vários artigos da declaração. Na-
Kipper
O
da foi esquecido, estão todos lá: a dívida externa; o financiamento do desenvolvimento; a ajuda para o comércio; o Comitê do Banco Mundial e FMI para Desenvolvimento (mecanismo de apoio financeiro aos países que desejam liberalizar seu comércio e aplicar os acordos da OMC); o Marco Integrado para os países menos desenvolvidos (LDC´s, sigla em inglês) – instrumento que busca auxiliar estes países a melhorar suas ofertas, isto é, liberalizar mais. Está presente também o próprio mandato da coerência que, nas palavras da declaração final, significa a “formulação da política comercial e de desenvolvimento em escala internacional e a cooperação interinstitucional com a participação dos organismos afins das Nações Unidas”. Assim, o que se pode perceber é que a tentativa de estabelecer um grande pacote contradesenvolvimento, que cerca por todos os lados os países para que não possam fugir da total liberalização, ao
invés da promessa de Rodada do desenvolvimento de Doha. Um outro ponto importante a ser destacado é a institucionalização da barganha cruzada, ou, como está descrito no documento, equilíbrio entre bens nãoagrícolas (Nama) e agricultura. Na verdade, a troca de uma área por outra se estende também às negociações de serviços. Isso significa que as negociações devem caminhar ao mesmo tempo e concessões em uma área devem ser acompanhadas por concessões em outras. Por exemplo, se for acordada uma data para cancelar os subsídios para exportação de produtos agrícolas, então deverão ser ofertados setores cruciais em serviços como telecomunicações, energia, infra-estrutura, água, etc. Em janeiro de 2006, durante o Fórum Econômico de Davos, ocorreu uma reunião miniministerial da OMC na qual foi reforçado o acordo de que tudo deverá ser negociado ao mesmo tempo.
O certo é que, desde Hong Kong, a OMC e os países que querem o acordo estão fazendo de tudo para que a Rodada de Doha continue caminhando e seja concluída no fim deste ano. Pascal Lamy, diretor-geral da organização, está correndo por todos os cantos do mundo, se reunindo com países, grupos, participando de encontros de blocos regionais como a Comunidade Andina, tudo para que consiga pressionar os países a negociar. No Brasil, até mesmo o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, entra no jogo para fazer com que o acordo saia e seu governo não acabe sem que pelo menos um “grande” acordo comercial seja assinado. Uma reunião entre presidentes para discutir a Rodada Doha está sendo tentada por Lula e a idéia já foi bem recebida por Tony Blair (Inglaterra) e George W. Bush (Estados Unidos). Por último, a aprovação pelo Congresso estadunidense no corte de subsídio ao algodão, apesar de ter sido de apenas 10%, pode significar uma demonstração de que os Estados Unidos estão prontos a negociar em agricultura. PRESSÃO PELO LIVRE-COMÉRCIO
Concretamente, as negociações avançaram na OMC na institucionalização de modelos de negociação que reduzem a margem de manobra dos países para negociar. Assim, a declaração final saiu com um objetivo claro: salvar a Rodada e, portanto, a OMC. União Européia, Brasil e Índia foram considerados os grandes atores da reunião de Hong Kong, sendo que os dois últimos amargam desde então a má fama de serem chamados de traidores dos países em desenvolvimento (conforme denunciou Walden Bello, em entrevista ao Brasil de Fato, edição 151) por uns, e por outros, supostamente de terem feito menos do que era esperado para uma maior abertura comercial. O fato é que, no final das contas, todos os países
aceitaram participar do jogo e salvar a Rodada Doha. A 6ª Conferência Ministerial também serviu para desmentir alguns mitos que cercavam a OMC, como o forte discurso em relação aos princípios democráticos e multilaterais da organização. Na realidade, foram vistas cenas de total falta de democracia e transparência, como o retorno da utilização do modelo “sala verde”, por exemplo, na qual somente pouco mais de 20 países se reuniam e decidiam o que seria acordado. Além disso, há relatos de representantes de grupos que acordavam uma coisa com o grupo e faziam outra e reclamações sobre a falta de ata das reuniões. Ameaça aos povos Neste sentido, está mais do que claro que a OMC não atende à democracia e aos interesses populares, implica riscos seriíssimos e irreversíveis para os povos, como a perda do acesso aos serviços essenciais – medicamentos e saúde, água, energia; perda do emprego; privação da realização de políticas públicas e interferência na soberania dos países. Foi alterado o esqueleto, mas ainda faltam os órgãos. E é assim que devemos pensar, ou seja, que não podemos deixar que concluam o que falta ser preenchido. Precisamos nos mobilizar mais, pressionar nossos países a não assinar um acordo tão prejudicial para nosso futuro e o das gerações seguintes. A cada dia cresce o movimento global contra a OMC e temos que fazer parte disso. Os próximos três meses serão cruciais neste sentido, e não podemos nos deixar levar pelo pessimismo do golpe sofrido ou pela retórica de uma proposta vazia de desenvolvimento. Vamos à luta para tirar de vez a OMC dos trilhos! Maureen Santos é da Secretaria Executiva da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip)
DÍVIDA EXTERNA
O custo social do superávit primário ano de 2005 foi mais um ano de sacrifício para o povo brasileiro: recorde de arrecadação de tributos; recorde de contingenciamento de investimentos e gastos públicos, tudo para se cumprir e superar a estéril meta de superávit primário. Ao todo, os governos federal, estadual e municipal realizaram um superávit primário – reserva de recursos para o pagamento da dívida pública – de R$ 93,5 bilhões, valor esse equivalente a 4,84% do PIB (Produto Interno Bruto, que representa a soma de todas as riquezas produzidas no país durante o ano). Este valor superou a meta de 4,25% do PIB, e foi o maior desde a Era FHC. Porém, este superávit não foi suficiente para o pagamento dos juros da dívida pública, que atingiram R$ 157,1 bilhões (referentes às esferas federal, estadual e municipal), devido às altíssimas taxas de juros praticadas no país. Na esfera federal, as indecentes taxas de juros fizeram crescer a própria dívida e, apesar do superávit primário recorde e de todo o sacrifício social, a dívida interna rompeu a barreira dos R$ 1 trilhão: subiu de R$ 857,47 bilhões (em dez/2004) para R$ 1,002 trilhão em dezembro de 2005. Ou seja: em apenas um ano, esta dívida subiu nada menos que R$ 145 bilhões, ou R$ 276 mil por minuto!
O
Ainda na esfera federal, o serviço da dívida (isto é, a soma do pagamento de juros e do principal das dívidas interna e externa) atingiu R$ 139 bilhões, bem mais que os R$ 99 bilhões gastos com a SOMA de todas estas áreas sociais: Saúde, Educação, Assistência Social, Agricultura, Segurança Pública, Cultura, Urbanismo, Habitação, Saneamento, Gestão Ambiental, Ciência e Tecnologia, Organização Agrária, Energia e Transporte. Com esses R$ 139 bilhões destinados ao serviço da dívida pública, o governo federal poderia ter assentado todas os quatro milhões de famílias sem-terra do Brasil (ao custo de R$ 35 mil por família). Ou então poderia construir sete milhões de casas populares (ao custo de R$ 20 mil cada).Outra alternativa para o uso destes recursos seria multiplicar por cinco os gastos com saúde no ano passado. Outro componente importante do superávit primário é aquele realizado pelas empresas estatais federais, que aumentaram em quase 50% sua “economia” em 2005, em comparação a 2004. Isto ocorreu devido às altas no preço do petróleo, que reforçaram o caixa da Petrobras. Esta estatal lucrou R$ 17 bilhões em 2004 (quantia maior que todos os gastos federais em Educação naquele ano), e deve superar os R$ 20 bilhões em 2005. Ou seja: além de pagarmos a conta do superávit primário arcando com pesados tributos (embutidos no
preço dos produtos essenciais à sobrevivência), também pagamos esta conta quando enchemos o tanque do carro, quando pagamos as altas tarifas de ônibus, ou mesmo quando contratamos qualquer serviço de transporte. De nada adianta um esforço fiscal absurdo, às custas de maiores pagamentos de tributos e altas no preço da gasolina (que penalizam principalmente as classes mais baixas), se o país continuar adotando esse modelo econômico suicida, que transfere renda do setor público e da população mais pobre para os detentores dos títulos da dívida – os rentistas nacionais e estrangeiros – e ainda compromete o futuro com o crescimento continuado da própria dívida pública. A alternativa: auditoria da dívida Antes de tomarmos qualquer posição frente ao endividamento, precisamos saber: como surgiu toda essa dívida pública? Quanto já pagamos, e quanto ainda devemos? Realmente devemos? Quem contraiu tantos empréstimos? Onde foram aplicados os recursos? Esse endividamento significou algum benefício para o povo brasileiro? O que foi feito diante de tantas ilegalidades e ilegitimidades desse processo? Essas são algumas perguntas que o grupo de estudos da “Auditoria Cidadã da Dívida”
– Rede Jubileu Sul – procura responder. O objetivo da Auditoria Cidadã é dissecar o processo de endividamento do país, revelar a verdadeira natureza da Dívida e, a partir daí, pressionar os órgãos oficiais pela realização da auditoria oficial, prevista na Constituição de 1988, mas nunca cumprida. Recentemente, a Campanha Auditoria da Dívida tem obtido resultados importantes. Dia 18
Kipper
Maria Lucia Fattorelli Carneiro
de maio de 2005 foi entregue ao Senado Federal requerimento para a Instalação de Comissão Parlamentar Mista para realizar auditoria das dívidas interna e externa, proposta pela Frente Parlamentar de Acompanhamento da Dívida. Como o requerimento obteve as assinaturas necessárias (1/3 dos senadores e 1/3 dos deputados), basta que ele seja lido em Plenário para que a Comissão seja oficialmente instalada. Porém, devido à recente abertura de várias CPI`s no Congresso para a apuração das denúncias relativas aos Correios e à compra de votos, as atenções da mídia e dos parlamentares estão totalmente voltadas para estas investigações. Diante disso, fomos informados que os representantes da Frente Parlamentar aguardam momento mais apropriado para a leitura do requerimento em Plenário, quando a Auditoria Oficial, tão esperada, deverá ser finalmente instalada. Outra iniciativa importante foi a ação impetrada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental nº 59/2004 – a qual exige que o Supremo Tribunal Federal (STF) obrigue o Congresso a realizar a auditoria da dívida, prevista na Constituição. Maria Lucia Fatorelli Carneiro é vice-presidente da Unafisco Sindical e coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida (www.auditoria-dividacidada.org.br)
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De 23 de fevereiro a 1º de março de 2006
agenda@brasildefato.com.br
AGENDA NACIONAL FORMAÇÃO DE CONSELHEIROS EM DIREITOS HUMANOS Inscrições até 13 de março O curso é a distância, via internet, e visa capacitar conselheiros e secretários executivos de conselhos municipais, estaduais e nacionais para promover e proteger os direitos humanos. O curso também aborda temas mais específicos, como direito das mulheres, dos idosos, questões sobre igualdade racial. Gratuito. Mais informações: www.faroseduc.com.br
voltado para jovens e adolescentes portadores do vírus HIV ou que convivem com portadores. O curso será ministrado por meio de debates em três áreas: sujeito em desenvolvimento, sujeitos sociais e sujeitos de direitos. A duração é de 5 meses, com dois encontros mensais. A participação é gratuita e será oferecido lanche e valetransporte. Local: R. João Lobo Filho, 267, Fátima, Fortaleza Mais informações: (85) 3247-7089
DISTRITO FEDERAL
CEARÁ PROJETO CONVIVA Inscrições até 3 de março Em parceria com o Unicef, o Instituto de Juventude Contemporânea organiza esse projeto Divulgação
PRÊMIO CRER PARA VER Inscrições até 15 de março Podem concorrer ao prêmio projetos de professores de escolas públicas, rurais ou urbanas que trabalhem com a educação de jovens e adultos (EJA). O prêmio é uma iniciativa da Fundação Abrinq, em parceria com a Natura Cosméticos e com o Ministério da Cultura. Serão contemplados cinco projetos de professores e cinco de escolas (para cada região do país). Mais informações: www.fundabrinq.org.br/crerparaver
PRÊMIO - MELHORES PRÁTICAS AMBIENTAIS NO NORDESTE Inscrições até 20 de março Promovido pela Sociedade Nordestina de Ecologia, o prêmio se propõe a reconhecer e divulgar iniciativas de êxito, realizadas individualmente ou em grupos, sobre preservação ambiental, uso sustentável de recursos naturais, desenvolvimento, aplicação de tecnologias ecologicamente corretas, e educação ambiental no Nordeste. Foram criadas três categorias: sociedade civil, empresas, instituições de ensino e pesquisa e poder público. O prêmio será um documento entregue durante o 11° Congresso Nordestino de Ecologia e as práticas serão relatadas no livro Melhores práticas ambientais no Nordeste. Mais informações: www.sne.org.br
SEMINÁRIO - CRIAÇÃO DE LIVRO DE REGISTRO DE LÍNGUAS 7 e 8 de março Para discutir a instituição de uma política patrimonial para as línguas brasileiras, o seminário será realizado na Câmara dos Deputados, promovido pela Comissão de Educação e Cultura em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) do Ministério da Cultura (Minc) e com o Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Lingüística (Ipol). Devem participar representantes de falantes de 6 línguas, que apresentarão em sua língua experiências próprias e de suas comunidades. Também serão discutidos os aspectos político-linguísticos da questão. O objetivo geral é debater sobre um meio de registros das línguas faladas pelo Brasil. Local: Câmara dos Deputados, Anexo II, Brasília Mais informações: (61) 3216-6631, ipol@ipol.org.br
MINAS GERAIS
3° PRÊMIO EDUCAR PARA IGUALDADE RACIAL Inscrições até 15 de abril Em sua terceira edição, o Prêmio Educar para Igualdade Racial: Experiências de Promoção de Igualdade Racial-Étnica no Ambiente Escolar se propõe a reconhecer práticas de professores (dos ensinos básico, fundamental e médio) que tenham abordado a temática com seus alunos. Podem se inscrever docentes de escola pública e privada. Promovida pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade, a premiação faz parte de um projeto maior, que tem como objetivo o acesso e a permanência na escola de crianças de raças e etnias diferentes. Mais informações: (11) 6978-8333, www.ceert.org.br
RESENHA
Para discutir com a militância Trabalho assalariado e capital & Salário, preço e lucro, dois textos de Karl Marx, foram escritos para serem discutidos com a militância operária, com o objetivo de formação da consciência e organização da classe. Neles, Marx trabalha conceitos fundamentais da economia política, de uma forma mais didática do que fez em O Capital. Nesses textos, encontramos o Marx formador, preocupado didaticamente com o fato de que a militância operária pudesse entender, na teoria e na prática, os mecanismos de exploração desenvolvidos pelo capital. Mecanismos que explicitam o fato de que a relação capital-trabalho não era (é) apenas uma questão de diferença de classes ou de ódio de classes. Era (é), isto sim, um mecanismo lógico de exploração dos que trabalhavam e vendiam sua força de trabalho recebendo apenas o salário e deixando a riqueza produzida para seus patrões. Trabalho assalariado e capital & Salário, preço e lucro 144 páginas – Preço: R$ 10 Editora Expressão Popular R. Abolição, 266, Bela Vista 01319-010, São Paulo, SP Tel. (11) 3105-9500 Fax. (11) 3112-0941 (fax) www.expressaopopular.com.br vendas@expressaopopular.com.br
4º ENCONTRO DO FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL 3 e 4 de abril Com o intuito de discutir medidas para o próximo biênio, o Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional pretende fazer análises das políticas que já foram implementadas e novas propostas ligadas ao campo da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), da atuação do governo em relação ao tema, das estratégias da sociedade civil para manter a SAN, além de um balanço do que foi realizado nos último dois anos de fórum. O prazo para envio de relatórios dos eventos preparató-
rios, com nomes de representantes estaduais, é 20 de março. Local: Sesc Belo Horizonte, R. Maria Borboleta, s/n°, Letícia, Belo Horizonte Mais informações: vanessa@fase.org.br
PARANÁ EXPOSIÇÃO ITINERANTE DE FOTOS até 5 de março A exposição “Terra e Juventude”, do fotógrafo Gustavo Stephan, reúne fotos do cotidiano de jovens rurais inscritos no programa social Centro de Desenvolvimento do Jovem Rural (Cedejur). Além da exposição com mais de cem fotos, há também a exibição de um filme, que mostra a produção das fotos. Vídeo e fotos pretendem captar os sonhos, as esperanças, o trabalho, dificuldades e desafios enfrentados por esses jovens. Entrada franca. Local: Memorial de Curitiba, Pça. Iguaçu, R. Claudinho, s/n°, Centro Histórico, Curitiba Mais informações: (41) 3321-3300
RIO DE JANEIRO 2ª JORNADA CARIOCA DE SEXUALIDADE 9 a 11 de março Organizado pelo Centro de Educação Sexual (Cedus), o ciclo de palestras terá o tema “Feminino e masculino na sociedade contemporânea: um equilíbrio pendente ou um novo desequilíbrio?” Para participar é necessário levar um quilo de alimento não perecível e pagar taxa de R$ 15. Local: Auditório do Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação, Praia de Botafogo, 158, Botafogo, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2559-8600, www.ibmr.br FÓRUM MUNDIAL DE EDUCAÇÃO 23 a 26 de março Sob o tema “Educação Cidadã para uma Cidade Educadora”, a segunda edição do Fórum Mundial de Educação propõe a defesa da educação pública como direito social inalienável e irredutível à condição de mercadoria. O fórum será formado por mesas-redondas, palestras e apresentações de trabalhos. As inscrições variam de R$ 15 a R$ 70. Local: Atividades em toda a cidade de Nova Iguaçu
Mais Informações: www.forummundialeducacao.org/ni
RIO GRANDE DO SUL PLENÁRIA ESTADUAL DA COORDENAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS 15 de março, 9h A plenária vai agregar as regiões onde existe a Coordenação de Movimentos Sociais (CMS). O objetivo é fazer uma discussão sobre a conjuntura, com enfoque para formulação de concepção do modelo de Rio Grande que os movimentos querem. Também serão apresentadas alternativas de desenvolvimento, entre outros debates. Local: Dr. Barros Cassal, 283, Floresta, Porto Alegre Mais Informações: www.cut-rs.org.br
SÃO PAULO BLOCO AFRO DE MULHERES ILÚ OBÁ DE MIN 28 de fevereiro, 22h Com sua bateria composta por mais de 60 mulheres, acompanhados de bailarinos e artistas pernas-de-pau, este ano o bloco homenageia a sambista Leci Brandão. O cortejo vai percorrer as ruas do Centro de São Paulo, seguindo em direção à Igreja Irmandade dos Homens Pretos, no Largo Paissandu. A concentração que antecederá o cortejo contará com a presença de artistas. Local: Concentração a partir das 19 horas, no Viaduto Major Quedinho, São Paulo PROJETO REDIGIR Inscrições até 11 de março Voltado para alunos que estão cursando o 3° ano do ensino médio, ou para aqueles que já terminaram, o curso de redação e gramática visa estimular o espírito crítico. Para inscrição é necessário cópia de documentos, do comprovante escolar e de renda. O curso é oferecido pela Universidade de São Paulo (USP). Será ministrado na Escola de Comunicação e Arte (ECA), terá duração de março a julho, com aulas uma vez por semana. Gratuito. Local: Centro Acadêmico Lupe Cotrim, Av. Professor Lúcio Martins Rodrigues, 443, Cidade Universitária, São Paulo Mais informações: (11) 3091-4013 www.projeto.redigir.sites.uol.com.br
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INTERNACIONAL IMPERIALISMO
ONU pede fechamento de Guantánamo da Redação
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nforme da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Guantánamo, prisão militar na Baía de Guantánamo, em Cuba, pede o seu fechamento e coloca o governo dos Estados Unidos mais uma vez na berlinda. Divulgado dia 16 de fevereiro, 38 páginas redigidas ao longo de 18 meses, o documento resume uma investigação de cinco especialistas da Comissão de Direitos Humanos da ONU, cujo conteúdo vazou à imprensa dias atrás e foi publicado no jornal Los Angeles Times. A publicação do relatório antecede as jornadas das Comissões de Direitos Humanos, que este ano estão previstas para serem realizadas no período de 13 de março a 21 de abril. O texto denuncia as torturas que infligem os guardas estadunidenses aos mais de 500 detidos. Pede ainda que os presos sejam processados ou liberados. Formado por especialistas em direito internacional e humano, o grupo utilizou documentos públicos, reportagens de imprensa, entrevistas com advogados dos detidos, um questionário que entregaram a Washington e, principalmente, relatos de ex-prisioneiros da base.
GREVE DE FOME Os investigadores documentaram a denúncia apesar dos entraves impostos pelo governo George W. Bush para o desenvolvimento dos trabalhos. Por isso, recusaram realizar uma visita à base de Guantánamo pelas limitações estabelecidas a seu raio de ação, o qual impediria chegar a conclusões reais. Os relatores pedem o fechamento imediato da instalação e pedem
ao governo estadunidense que ponha fim o quanto antes às torturas, relatadas nas denúncias. Criticam ainda a alimentação forçada a que são submetidos os encarcerados que se declaram em greve de fome para protestar contra as condições subhumanas em que se encontram. Nesse sentido, os especialistas estimam que as situações de confinamento nessa base constituem uma violação dos direitos humanos e à saúde dos detentos, ao afetá-los, mais ainda, mentalmente. Também questionam e lamentam que Washington os tenha negado acesso livre a essa prisão sem a possibilidade de reunir-se com os prisioneiros de forma privada. “Consideramos com muito cuidado todos os argumentos apresentados pelo governo dos Estados Unidos”, disse Manfred Nowak, relator especial da ONU sobre tortura e um dos enviados. “Não há conclusões fáceis. Mas concluímos que a situação em várias áreas viola o direito internacional e as convenções sobre direitos humanos e tortura”. Washington nega a esses presos o status de prisioneiros de guerra, mas tampouco apresenta contra eles acusações penais nem lhes reconheça o direito ao devido processo e à defesa legal. Nowak, integrante da Comissão Internacional de Juristas, é professor de direito constitucional na Universidade de Viena e diretor do Instituto Ludwig Boltzmann de Direitos Humanos. Desde 1996, atua como juiz da Câmara de Direitos Humanos para a BósniaHerzegovina em Sarajevo. Defensores dos direitos humanos esperam que as conclusões
Amnsty International
Comissão dos Direitos Humanos denuncia violação dos direitos dos prisioneiros e pede aos EUA o fim das torturas
da ONU dêem peso a conclusões semelhantes de organizações nãogovernamentais e do Parlamento Europeu. “A existência da prisão em Guantánamo e o tratamento dado aos presos ali viola o direito internacional”, disse Erwin Che-
Guantanamo Mobile.Org
Governo aprova lei mais severa para imigrantes da Redação O governo francês aprovou, dia 9 de fevereiro, um projeto de lei sobre imigração do ministro do interior, Nicolas Sarkozy, que prevê escolher os estrangeiros que cheguem ao país segundo sua capacidade. A decisão foi qualificada de “racista” por críticos do projeto. O plano estipula a criação de um novo visto renovável de residência de três anos para estrangeiros “altamente qualificados”, quer dizer, pesquisadores, engenheiros ou artistas que possam “contribuir ao desenvolvimento da economia francesa”. Além disso, o projeto prevê facilitar a permanência no país dos “melhores estudantes estrangeiros”, que se beneficiarão de uma permissão de residência especial na França. No
entanto, eles deverão retornar por um tempo a seus países de origem para não favorecer a “fuga de cérebros”. “Há que se mudar de uma imigração sofrida para uma escolhida”, previu o primeiro-ministro francês, Dominique de Villepin, ao apresentar este projeto redigido por Sarkozy, seu maior rival para as eleições presidenciais de 2007. A ele acrescentou que o objetivo é “dar à França os meios de controlar sua imigração para que se converta em um aspecto positivo para o país”. A lei prevê condições severas de entrada no país para os imigrantes “não qualificados”, dificulta a reagrupação de famílias de estrangeiros e aumenta o controle sobre os matrimônios de conveniência para que uma das partes obtenha a nacionalidade ou a permisão de residência.
CEU
Após a invasão do Afeganistão, ao final de 2001, os Estados Unidos deslocaram à sua instalação de Guantánamo mais de 500 pessoas sob acusação de terrorismo, capturadas em 30 países. Desde então, os mantêm em limbo legal sem direito a juízo. Na opinião de analistas, o relatório apresentado pela Comissão de Direitos Humanos da ONU poria novamente à prova o órgão, habitual cenário de manipulações políticas organizadas por Washington contra nações do Terceiro Mundo, em particular Cuba. O escândalo tem crescido com a aparição de prisões clandestinas operadas pela Casa Branca na Europa Oriental e outras latitudes, onde se aplicaram métodos de interrogatório ensaiados em Guantánamo. Especialistas pensam que há uma boa possibilidade de o governo Bush tentar usar a problemática composição da Comissão de Direitos Humanos da ONU para desacreditar as conclusões do relatório. “Suspeito que a Casa Branca tentará usar isto
merinsky, professor da Escola de Leis da Universidade de Duke. “Entretanto, se a base de Guantánamo for fechada, é essencial que não seja substituída por algo pior. Por exemplo, seria mais grave se os prisioneiros fossem transferidos
Este ponto de vista foi reiterado por Gabor Rona, diretor legal internacional da ONG Human Rights First, com sede em Nova York. “Guantánamo permanecer aberta ou não é apenas um sintoma de uma questão mais ampla: o que acontecerá com os prisioneiros?”, disse em uma entrevista. “Se o fechamento significar que os Estados Unidos vão abrir seu contexto legal e respeitar as normas internacionais sobre direitos humanos não só em Guantánamo, mas também em todos seus centros de detenção no mundo, seria um passo à frente. Se significar simplesmente embarcar os presos para outros destinos onde seus direitos continuarão sendo violados, não será um avanço”, acrescentou. Jonathan Turley, professor da Universidade de Georgetown e autoridade amplamente reconhecida em matéria de direito constitucional estadunidense e internacional, disse que “fechar Guantánamo seria uma mudança bem-vinda. Entretanto, significará pouco se os abusos continuarem em uma dúzia de lugares menos visíveis. O problema são as decisões legais do presidente e o contínuo fracasso do governo em cumprir o direito interno e internacional. A recomendação mais importante é que esses prisioneiros sejam julgados em tribunais federais, em lugar dos procedimentos sem sentido de Guantánamo”, acrescentou. (Com informações das agências IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br e Prensa Latina, www.prensa-latina.org)
FRANÇA
George W. Bush pode atacar veracidade de documento da ONU
para questionar a veracidade do documento, ou, pelo menos, sua credibilidade”, disse Patricia Kushlis, funcionária aposentada da Agência de Informação dos Estados Unidos e especialista em política internacional, diplomacia pública e segurança nacional. “Se irão cumprir, ou não, é outra questão”, acrescentou. Barbara J. Olshansky, diretoraconselheira da Guantánamo Global Justice Initiative (Iniciativa de Justiça Global para Guantánamo), do Centro para os Direitos Constitucionais, disse que, embora “a Comissão de Direitos Humanos inclua Estados com antecedentes longe de serem ideais em direitos humanos, o relatório é emitido por fontes irreprováveis”. Em novembro, o governo Bush ofereceu a três dos cinco especialistas da ONU a mesma visita à Guantánamo realizada por jornalistas e integrantes do Congresso. Mas proibiu entrevistas privadas com os prisioneiros, razão pela qual os especialistas rechaçaram a oferta. (Com informações das agências IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br e Prensa Latina, www.prensa-latina.org)
FRACASSO DE BUSH
Relatório aponta práticas violentas dos guardas estadunidenses
Pressão dos Estados Unidos
da Redação
para prisões em outros países fora da jurisdição dos tribunais norteamericanos”, acrescentou.
Pelo projeto de lei, escolha de estrangeiros se dará segundo suas capacidades
Para a esquerda, este projeto de Sarkozy prevê uma “imigracão seletiva”, que fomentará a exclusão, o racismo e a clandestinidade. “A partir de agora, haverá bons imigrantes que se beneficiarão de muitos direitos e os maus imigrantes, privados do mais elementar”, resumiram os porta-vozes do Partido Socialista. Segundo Sarkozy, a França não pode permitir a fuga de cérebros aos Estados Unidos ou Canadá enquanto toda Europa sofre uma imigração subqualificada. O ministro assegurou que não permitirá que o país fique “à margem” dos fluxos mundiais de inteligência e competência porque deles dependem seu dinamismo e a modernização de sua economia. “Meu desejo é propor um sistema de imigração seletiva, apoiado na mobilidade e a circulação de pessoas, competências e idéias. Devemos favorecer a chegada à França de estudantes brilhantes, trabalhadores qualificados e pessoas talentosas”, declarou Sarkozy em una coluna publicada no diário Le Figaro. Para reduzir o déficit de mãode-obra, o projeto de lei também prevê facilitar a chegada ao país de trabalhadores de setores em que os franceses já não desejam trabalhar ou existe uma falta como nos trabalhos públicos, enfermagem, mantimento industrial, comércio ou restaurantes. O projeto de lei decidiu finalmente não estipular cifras precisas sobre o número de vistos e permissões de residência que serão concedidos. “Este dispositivo permitirá a França escolher seus estrangeiros em função das necessidades de sua própria economia. Em outros tempos, chamávamos isto de escravidão”, declarou a senadora comunista Eliane Assassi. (Prensa Latina, www.prensa-latina.org)