Ano 4 • Número 158
R$ 2,00 São Paulo • De 9 e 15 de março de 2006
A grande farsa da reforma agrária A
s políticas que transformam a terra em mercadoria, propagandeadas pelo Fundo das Nações Unidas para Agricultura (FAO), não interessam aos movimentos sociais – que aproveitaram a Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, entre 7 e 10, em Porto Alegre (RS), para defender uma reforma agrária promotora de desenvolvimento, de soberania alimentar e que combata a concentração de propriedade. “Estamos mostrando ao mundo que não há reforma agrária no Brasil. Os números do governo não são verdadeiros”, afirmou Adelar Pretto, da coordenação estadual do MST-RS. Contas que enganam – Dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário contabilizam, no saldo do atual governo, famílias assentadas há mais de 60 anos. Feito o expurgo dos números indevidos, vê-se que, das 127,5 mil famílias que Lula diz ter assentado em 2005, 82 mil não se referem à reforma agrária real. Mas a regularizações fundiárias. Págs. 2, 5, 6 e 7
Valter Campanato/ ABr
Nem o modelo do Banco Mundial, nem a maquiagem de Lula. Movimentos sociais querem desapropriações de terras
Abertura da Conferência Terra, Território e Dignidade, em Porto Alegre: movimentos sociais exigem verdadeira reforma agrária
MAB debate novas formas de mobilização
Plano Colômbia pode ser reforçado
Criado há 15 anos, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realiza o 2º Encontro Nacional. Entre os dias 13 e 17, em Curitiba (PR), mais de mil militantes de 14 Estados vão discutir estratégias para enfrentar as gigantes corporações nacionais e estrangeiras do hidronegócio, que aumentam seus lucros com a construção de usinas hidrelétricas no Brasil. Ao todo, existem hoje, no país, mais de 1 milhão de pessoas atingidas diretamente pelos impactos dessas obras. Pág. 3
Pág. 11
No Oscar, filmes com conteúdos políticos e sociais
ças à segurança nacional”. No fim de fevereiro, Bush pediu ao Congresso que fosse expandida a atuação dos militares estadunidenses no país sul-americano. Pág. 9
Mulheres contra a violência e a guerra
O papel sujo da Petrobras na América do Sul
No Brasil, onde a cada 15 segundos uma mulher é espancada por um homem, uma das principais bandeiras do Dia Internacional da Mulher, 8 de março, foi o combate à violência de gênero. Feministas pedem a aprovação de lei pela qual a violência doméstica deixa de ser crime menor. Pág. 8
Nos países da América do Sul onde está presente, a Petrobras agride o ambiente, provoca danos a comunidades tradicionais e viola direitos de trabalhadores. Movimentos sociais da Argentina, Bolívia, Colômbia, Equador e Peru denunciam, em livro, a atuação da estatal brasileira. Pág. 5
Jack Guez/AFP
Rejeição a Bush bate recorde nos Estados Unidos
Será a Venezuela um risco para a Colômbia? O presidente estadunidense George W. Bush acredita que sim. Tanto que pretende usar o Plano Colômbia contra o que considera “amea-
Pág. 16
E mais: ECONOMIA – Brasil é um país sem risco para os banqueiros e especuladores internacionais; enquanto os trabalhadores convivem com baixos salários e o desemprego. Pág. 4 PRIVATIZAÇÃO – O prefeito de Juiz de Fora (MG), Carlos Alberto Bejani, já privatizou quase todos os serviços públicos, em pouco mais de um ano no segundo mandato. Pág. 14
Governo neoliberal – Dia 7, empunhando faixas com os dizeres: “Salvemos nossos direitos”, franceses foram às ruas para protestar contra a política do primeiro emprego, idealizada pelo primeiro-ministro Dominique de Villepin, que prevê perda de direitos trabalhistas
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De 9 a 15 de março de 2006
NOSSA OPINIÃO
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Görgen • Horácio Martins • Ivan Cavalcanti Proença • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Áurea Lopes, Jorge Pereira Filho, Paulo Pereira Lima • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, 5555 João Alexandre Peschanski, Luís Brasilino, Marcelo Netto Rodrigues, 5555 Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55
Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus
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Por uma reforma agrária autêntica
A
2ª Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, promovida em Porto Alegre pelo órgão das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), tem pouca legitimidade para apresentar conclusões definitivas sobre o tema. Organizada às pressas, sem as atividades preparatórias que, por regra, marcam os encontros da ONU, a Conferência só conseguiu atrair metade dos países membros da FAO – que ainda por cima mandaram, em sua maioria, representantes que ocupam cargos de segundo ou terceiro escalão. Além disso, muitos desses mesmos países, na prática, aplicam as políticas ditadas pelo Banco Mundial para a questão fundiária. São governos que nos últimos 15 anos foram dominados pela ofensiva neoliberal, deixando de pautar a questão agrária – pois ao capital internacional interessa apenas controlar a produção, o comércio e os serviços relacionados à agricultura. Um solo fértil para que nesse período os governos se sentissem incitados a perseguir e a criminalizar os movimentos sociais do campo, como acontece no Brasil. Num contexto em que a luta pela terra foi enfraquecida pela implementação do modelo neoliberal, via Banco Mundial, de políti-
cas de compra de terra, preservando a estrutura fundiária e transformando a terra, que deveria ser um bem comum, em mera mercadoria. Por outro lado, a realização da Conferência acabou sendo positiva por produzir um encontro paralelo protagonizado pela sociedade civil – o Fórum Terra, Território e Dignidade –, espaço onde os movimentos sociais se uniram para defender uma reforma agrária autêntica. Que redistribua as terras dos latifúndios aos sem-terra e permita o acesso e o controle sobre os recursos naturais ao povo organizado. Assim, para que seja feito um debate sério e aprofundado sobre o tema da reforma agrária, a Conferência em Porto Alegre não deve representar um fim, em si. A FAO deve desenvolver um processo preparatório em nível internacional para facilitar a participação ampla e profunda das organizações e dos movimentos sociais, além de um rigoroso processo de preparação em nível governamental, de modo a alcançar resultados concretos que respondam à necessidade histórica por reforma agrária – uma vez que o debate que realmente interessa está sendo feito pelos movimentos sociais, com suas mobilizações. Mobilizações como, por exem-
plo, as ocupações de terra que ocorrem em todo o Brasil, se contrapondo ao discurso oficial de que a reforma agrária brasileira é um modelo para o mundo. Mobilizações que mostram também que só haverá avanços significativos para a reforma agrária e para a agricultura camponesa se houver uma forte ruptura com a atual política econômica. Sobre a FAO, e sobre como devemos ficar atentos aos seus interesses, fica a análise do geógrafo e professor da Universidade de São Paulo, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, para pensar: “A FAO sempre defendeu a Revolução Verde, defende a biotecnologia, a cobrança pela água, etc. Portanto, é um centro de produção de informações para o capitalismo na agricultura. Sua defesa da reforma agrária sempre foi na direção de procurar evitar as revoluções. Por isso, será mais um encontro internacional para os ‘gurus’ do sistema dizerem o que devemos fazer, e não um encontro onde se possa efetivamente discutir a fundo a FAO e suas políticas, ou a reforma agrária no mundo. Aos movimentos sociais resta uma só coisa: fazer a conferência paralela e denunciar ao mundo o que a FAO é, e o que pretende”.
FALA ZÉ
OHI
5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Assistente de redação: Bel Mercês 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Valdinei Arthur Siqueira 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos – CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 – São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907
CRÔNICA
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As deficiências de todos nós
CARTAS DOS LEITORES IRAQUE A situação no Iraque está extremamente ruim. Recentemente dois restaurantes, um em Mossul e outro em Bagdá, foram alvo de bombas. Alguns civis inocentes foram mortos e muitos feridos. Dias depois, duas mesquitas xiitas foram bombardeadas. Os xiitas retaliaram e bombardearam mesquitas sunitas. As vítimas foram centenas de pessoas inocentes, mortas, e muitas pessoas foram feridas. O povo em Bagdá está vivendo com muito medo e pânico. Estamos morrendo de medo da guerra civil que se anuncia. Os cristãos talvez sejam envolvidos porque houve alguns ataques contra as igrejas. As irmãs e seus familiares estão agüentando bem. Também os frades dominicanos e os leigos. Estamos tentando partilhar o medo e a tristeza de nosso povo. Estamos fazendo o máximo para dar alguma esperança, embora a esperança pareça ser a coisa mais desesperançada. Por favor continuem a rezar. Tenho certeza de que as orações de vocês farão milagres para mudar esta situação perigosa e difícil. De qualquer modo estamos certas de que nosso Pai Compassivo não irá esquecer seus pequeninos e não permitirá que sejam machucados. Irmã Sherine Bagdá (Iraque) Por correio eletrônico
UTILIDADE DA VEJA Sou assinante do Brasil de Fato há dois anos, quando o conheci através do livro Mídia & Democracia, de Pedrinho Guareschi. Leio as matérias com toda atenção, em especial as que falam da mídia brasileira, matérias tão bem focadas, escritas de maneira clara. Em desobediência ao jornal, fiz a assinatura da revista Veja (promocional, sem precisar pagar nada, claro, não contribuiria para um desserviço à imprensa brasileira). Um colega enviou uma proposta de assinatura para o meu e-mail, na qual teria direito a 6 edições grátis. Eu não poderia, de forma alguma, deixar passar essa oportunidade. Tenho um afilhado de dois anos que adora pegar meus jornais e revistas. Não dou a ele o Brasil de Fato, a Caros Amigos, a Revista Sem Terra nem o Mundo Jovem, pois sei que ele rasga, e são edições para se ler e guardar por um bom tempo. Essa promoção da Editora Abril foi perfeita. Meu afilhado terá uma revista exclusivamente para fazer o que quiser – menos ler – e, inclusive, rasgar. Crescerá tendo esse prazer. Erivagno Oliveira Avelino Conceição do Coité (BA) Por correio eletrônico
Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815
Marcelo Barros Conforme o censo mais recente, 27 milhões de pessoas no Brasil são portadoras de necessidades especiais e vivem com algum tipo de deficiência, seja motora, visual, auditiva, mental ou psicológica. Este número corresponde a 14, 5 da população brasileira. No mundo, são mais de 500 milhões de pessoas com alguma deficiência. Conforme dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), as pessoas com deficiência mental correspondem a 50% do total das pessoas portadoras de deficiências. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lança a Campanha da Fraternidade 2006, com o tema “A fraternidade e as pessoas com deficiência”. O objetivo ao qual esta campanha se propõe é apresentar a realidade das pessoas com deficiência e as iniciativas para promever cada vez mais sua inclusão social e assegurar o exercício de sua plena dignidade. Ao estimular a solidariedade das comunidades cristãs às pessoas com deficiência, a Campanha da Fraternidade deseja incentivar o desenvolvimento de mecanismos para a participação efetiva dessas pessoas, como protagonistas de sua história, na família, na Igreja e na sociedade. Na sociedade atual, dominada pelo dogma do corpo malhado e da forma física, as pessoas que não cabem nos padrões convencionais de saúde
e beleza incomodam. A maioria das pessoas com deficiência não consegue inserir-se no mundo do emprego e não tem acesso a estudos qualificados. As estatísticas mostram que, enquanto no conjunto da população brasileira, 22,87% não possui nenhuma instrução ou tem menos de três anos de escolaridade, entre as pessoas com deficiência, este percentual atinge 48,77%. Apesar disso, cada vez mais, as pessoas portadoras de necessidades especiais são protagonistas de seu caminho. A própria noção de deficiência evoca falta ou insuficiência de um orgão, função fisiológica, intelectual ou até social. Já houve épocas nas quais algumas religiões e culturas interpretavam as deficiências físicas ou mentais como sintomas de pecado ou impureza. Ainda no século 20, o nazismo defendia a eliminação das pessoas com deficiência. Ao contrário, algumas religiões orientais consideram a pessoa com problemas físicos ou mentais como cumpridora de uma missão especial em favor dos outros. Consideram-nas como profetizas a serem consultadas e valorizadas. Algumas comunidades indígenas vêem crianças hiperativas ou com uma inteligência que não consegue colocar-se no ritmo das outras crianças, como receptoras especiais do Espírito. Em culturas que se expressam pela espiritualidade, é uma
forma de chamar a atenção para uma função profética que têm estas pessoas. Não basta acolher e se solidarizar com a pessoa portadora de deficiência. É preciso descobrir, na comunhão com essas pessoas, as fragilidades e deficiências que todos nós, de um modo ou de outro, trazemos tatuadas no corpo e inscritas na mente. Já na Idade Média, Santo Tomás de Aquino definiu o ser humano como “caracterizado basicamente pela carência”. E explicava que, enquanto os outros animais têm orgãos especializados para as suas funções, o ser humano nasce e cresce, carente e dependente das outras pessoas. Uma criança recém-nascida é imensamente mais frágil e carente do que qualquer outro filhote de animal. A vida social nos leva a esquecer esta carência básica, inscrita no mais profundo do nosso ser. A relação justa e digna com as pessoas com deficiência, nos ajudam a não mascarar ou negar as nossas. O confronto com a humanidade, sintetizada na pessoa portadora de uma determinada deficiência, nos torna mais humanos e humanizadores. Marcelo Barros é monge beneditino. É autor de 27 livros, entre os quais está no prelo A Vida se torna Aliança, (Como orar ecumenicamente os Salmos), Ed. CEBI-Rede da Paz, 2005
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De 9 a 15 de março de 2006
NACIONAL MODELO ENERGÉTICO
Os desafios dos atingidos por barragens Alexania Rossato de Brasília (DF)
Arquivo MAB
Em Encontro Nacional, MAB reafirma a luta para que a energia e a água estejam a serviço da soberania do povo recentemente foram recebidas à bala pela polícia enquanto se manifestavam.
O
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realizará, entre 13 e 17 de março, o seu 2° Encontro Nacional em Curitiba. Na pauta, estarão os desafios da organização que, em 15 anos de história, vem crescendo e hoje é uma dos principais movimentos populares do país. É esperada a participação de cerca de 1,5 mil militantes. Em confronto com gigantes nacionais e estrangeiras do hidronegócio que aumentam seus lucros com a construção de usinas hidrelétricas, o MAB tem sido referência para atingidos que buscam garantir seus direitos, resistindo pela terra e pela água que lhes querem roubar. Na década de 1990, a organização estava limitada a partir de focos de resistência, principalmente no Pará, com a construção da barragem de Tucuruí e, no sul do país, com a construção de Itaipu e Machadinho. A partir deste período, o movimento começou a ganhar corpo e se tornar uma organização de caráter nacional, com princípios definidos e compreendendo seu papel na luta de classe em favor dos assalariados e camponeses. Hoje, no Brasil existem mais de 1 milhão de pessoas atingidas por estas obras, o MAB se organiza em 14 Estados, trabalhando em várias frentes como educação, formação e produção.
NEGÓCIO DAS ÁGUAS Neste sentido, o MAB vem sendo referência também para outros países como um dos princi-
PROCESSOS FRAUDULENTOS
A maioria das barragens construídas atualmente apresenta inúmeras fraudes, é violenta e nega os direitos dos moradores
pais movimentos da luta contra a construção de barragens, já que se fortaleceu na medida que se intensificava a investida de empresas para barrar rios em todo país. Do ponto de vista do capitalismo, a água e a energia são vistas como simples mercadorias. O Brasil é visto como um grande mercado, já que concentra 20% do total de água doce do mundo. “Construir barragens em nosso país é ser dono da galinha dos ovos de ouros”, diz Dorival Gonçalves Júnior, professor da Universidade Federal do Mato Grosso
(UFMG). O caso de Barra Grande ilustra o que o professor quer dizer. Os donos dessa barragem lucram cerca de R$ 1 milhão por dia e um deles, o Banco Bradesco em 2005 teve um lucro recorde de R$ 5,514 bilhões, maior dos 62 anos de sua história. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Michel Camdessus, ex-diretor e gerente do Fundo Monetário Internacional e atual conselheiro da ONU para questões relacionadas à água, disse que “não devemos satanizar a iniciativa pri-
vada” e que organizações sociais fazem de tudo, promovem “manifestações, gritam e cantam para impedir que uma opinião diferente das delas seja expressada”. No entanto, os atingidos pela barragem de Barra Grande, considerada a menina dos olhos do setor elétrico brasileiro e construída pela voraz estadunidense Alcoa, em parceria com Votorantim, Camargo Côrrea e CPFL, estão ainda sofrendo as conseqüências com a construção da obra. Centenas de pessoas ainda não receberam terras, outras tantas
Barra Grande, que foi construída após uma fraude no estudo de impacto ambiental e teve repercussão internacional, não é um caso isolado. A maioria das barragens construídas hoje no Brasil é marcada pelas fraudes, pelo tratamento violento e negação sistemática dos direitos das populações atingidas. Minas Gerais, Pará e Santa Catarina são alguns dos Estados onde isso tem se tornado prática. Infelizmente o resultado da resistência é a repressão. O MAB apresentou à relatora da ONU para Defensores dos Direitos Humanos em dezembro passado uma lista de 107 lideranças da Região Sul que sofrem processos civis e criminais. Considerado como anarquista por Mario Menel, presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia Elétrica (Abiape), o movimento tem sofrido estes processos pelo Sistema Judiciário , conivente com a conduta das empresas. O próprio Menel declara que “a Justiça prevalece sobre a grosseria e os instintos selvagens”. Se a barragem de Barra Grande custou cerca de R$ 1 bilhão, para os atingidos está custando a angústia da incerteza, a dor das balas de borracha e a dor moral de ver seus pais e filhos serem presos inocentemente, por motivações políticas. Por isso, as lideranças do MAB estão determinadas a não recuar.
“O modelo elétrico brasileiro explora a população” Jorge Pereira Filho da Redação O presidente Lula pretende inaugurar, ainda neste semestre, a barragem de Aimorés, na divisa de Minas Gerais com o Espírito Santo. Mas aquilo que, nos dizeres da publicidade oficial, será tratado como “um impulso ao desenvolvimento”, é o símbolo do atraso e da pobreza para as cerca de 1,5 milhão de famílias atingidas pela construção da nova hidrelétrica. São pessoas que perderam sua terra, sua referência geográfica da própria sobrevivência. O projeto é comandado por uma parceria entre a empresa estatal mineira Cemig e a privatizada Vale do Rio Doce. As companhias reconheceram a existência de apenas 700 famílias como atingidas. E, mesmo assim, a indenização oferecida não foi suficiente. “Os atingidos não receberam terras para garantir seu sustento e, hoje, não têm emprego”, explica Joceli Adrioli, liderança do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Eram agricultores, meeiros, pescadores, arrendatários. “Os pecadores estão em situação de extrema miséria; receberam barco, mas não têm o que pescar depois da construção da barragem”, relata. Em entrevista, a liderança do MAB comenta quais os principais temas que serão discutidos no Encontro Nacional da organização, que vai de 13 a 17 de março em Curitiba. Brasil de Fato – Quais são os principais desafios que hoje estão colocados para o MAB, 15 anos após sua fundação? Joceli Adrioli – Um dos principais é elevar o nível de sua organicidade, ou seja, como criar uma estrutura mais elevada em nível nacional. A segunda questão é o debate sobre o modelo energético brasileiro. Queremos discutir com a população urbana, que é a principal explorada pelos altos preços cobrados pelo modelo energético injusto do Brasil. Vamos programar grandes lutas, em 2006, para
nacionais, o Brasil deve ser um fornecedor de recursos naturais para a economia mundial. Em Minas Gerais, 59% da energia vai para o setor industrial. São as grandes mineradores, siderurgia. Apenas 16,8% vão para o setor residencial. Na receita, no entanto, a composição é diferente: 37% da receita da Cemig é do setor industrial e 32% do setor industrial. Um reflexo da política de subsídios em que o consumidor residencial paga mais do que o industrial.
Localização dos principais conflitos
Fonte: MAB
que a energia e a água estejam a serviço da soberania do povo brasileiro. Está prevista a participação de 1,5 mil militantes de todo o Brasil, dos 14 Estados onde o MAB está organizado. Queremos definir novas estratégias de organização e de luta.
econômica das grandes empresas. No Brasil, mais de 300 lideranças do MAB estão sendo processadas por essas companhias. A acusação, quase sempre, é de formação de quadrilha, desobediência civil, quando na verdade estamos reivindicando nossos direitos.
BF – As lideranças do movimento têm sido submetidas a um processo de criminalização. O que o movimento pensa a respeito? Adrioli – Trata-se de um processo de perseguição aos movimentos que no Brasil fazem a luta popular. Todos os movimentos que não foram cooptados pelo governo e pelas grandes empresas são criminalizados. De certa forma, o Judiciário está a serviço da política
BF – Como as empresas se comportam em relação às reivindicações dos atingidos por barragens? Adrioli – As empresas têm sido intransigente à causa dos atingidos. A estratégia é baixar o custo da construção da barragem. Não economizam no cimento, nos equipamentos, mas sim nos impactos sociais e ambientais. Cerca de 70% dos atingidos no Brasil (mais de 700 mil pesso-
as) não são reconhecidos como atingidos. E só pela previsão de construção de novas hidreléticas, a expectativa é que esse número de atingidos cresça em mais 850 mil pessoas. BF – E qual a avaliação sobre o novo modelo elétrico do governo Lula ? Adrioli – Na verdade, não há um novo modelo. É uma continuação da política de privatização do setor elétrico brasileiro, na qual o Estado entra com o dinheiro – por meio do BNDES, que é o principal financiador de hidrelétricas do Brasil – e as empresas com a gestão, os lucros e o benefício da energia. Na lógica das instituições financeiras inter-
BF – Qual a campanha que o MAB está desenvolvendo em relação ao preço da energia? Adrioli – Temos uma campanha nacional pelo abuso do preço da energia. Estamos dizendo para a população urbana que ela está sendo explorada. Muita gente no Brasil tem energia cortada ou, então, deixa de comer, de garantir educação para pagar a conta no final do mês. Esse debate é muito fértil no Brasil. Queremos mostrar como funcionam as políticas das grandes indústrias no Brasil. Defendemos que a população de baixa renda não pague energia. E, para o restante da população, queremos que seja cobrado apenas o justo, ou seja, o mesmo que pagam os consumidores industriais. Hoje, grande parte da energia é exportada em aço, ferro, papel celulose. As indústrias pagam muito pouco pela energia. São mais de 400 milhões de dólares por anos em subsídios. Só a Alcoa, dos Estados Unidos, recebe R$ 200 milhões por ano do governo brasileiro. E o povo paga essa conta nas tarifas de energia. Isso para não falar dos altos impostos que o consumidor paga. Em Minas Gerais, representam 30% do preço da energia, enquanto os industriais pagam 18% de impostos. Aqui, para a população, cada megawatt custa R$ 607; já para as indústrias, R$ 127.
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De 9 a 15 de março de 2006
Espelho ECONOMIA
O “melhor” risco Brasil
Cid Benjamin
Dor-de-cotovelo A mídia conservadora não esconde a dor-de-cotovelo com a vitória da Vila Isabel e o enredo sobre a América Latina, com patrocínio da PDVSA, a empresa estatal petrolífera venezuelana. Criticam a escola por ter recebido recursos de fora. A reclamação tem claro viés ideológico. Afinal, Chávez enfrenta Bush e é exemplo incômodo para o bom-mocismo de Lula. Mas há precedentes de financiamento externo no carnaval carioca, sem que tivesse havido críticas. Bobagens do carnaval - I É realmente difícil um repórter de TV encher lingüiça nos desfiles das escolas de samba. Mas cabe à produção buscar formas criativas de preencher o tempo. No desfile do Rio, um repórter da TV Globo lascou a seguinte pergunta a um japonês que desfilaria na Mangueira, fantasiado de São Francisco (o enredo era sobre a transposição do rio): “São Francisco é um santo muito popular no Japão?” “Não”, foi a singela resposta do folião do Sol Nascente. Bobagens de carnaval - II No desfile das escolas de samba campeãs no Rio de Janeiro, o veterano Luciano do Vale sapecou esta pérola: “Hoje no Rio está fazendo muito calor; os cronômetros marcaram 40 graus”. Só faltou dizer que os termômetros marcariam o tempo de desfile das escolas. Está bem que a praia de Luciano do Vale não seja o carnaval, mas esta mancada não tem a ver com conhecimentos (ou falta de conhecimentos) de samba. Orgia com dinheiro público O jornal O Globo do dia 5 publicou uma boa matéria sobre gastos com propaganda oficial. Neste ano, o governo Lula usará 43% de sua gigantesca verba de publicidade para fazer propaganda de si mesmo. Governos estaduais e prefeituras fazem o mesmo. Isso deveria ser proibido. Divulgação de realizações de governos deve ser bancada com recursos privados – de governantes ou de seus partidos. Dinheiro público, só para campanhas educativas. Bancos seguem numa boa O Jornal do Brasil publicou, dia 5, interessante matéria mostrando que o crescimento recorde dos lucros dos bancos em 2005 não se refletiu num pagamento de impostos proporcional. Enquanto os ganhos do sistema financeiro avançaram 41% (sim, cresceram 41% num ano!), atingindo R$ 21 bilhões, o montante de Imposto de Renda pago pelos bancos aumentou apenas 9,9% no período. Não é de se estranhar seus elogios ao governo. Dirceu e a mídia O ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, vai conseguindo se manter na mídia. Anuncia recurso ao Supremo Tribunal Federal sobre a cassação de seus direitos políticos. Em seguida, avisa que muda de idéia. Promete um livro com novidades sobre sua experiência no governo Lula e, mais tarde, recua, dizendo que só depois das eleições. Depois, planta nota sobre suposta tentativa de recolher um milhão de assinaturas nas ruas para projeto de lei de iniciativa popular que o anistie. Enquanto isso, não deixa de ser notícia. Blog do Cid Benjamin: http://blogdocidbenjamin.zip.net/
Para mercado financeiro, país vai muito bem. No mundo real, baixos salários e desemprego Luís Brasilino da Redação
O
mercado financeiro comemora. O risco Brasil caiu. Aliás, de 2002 para cá, baixou mais de 1.000% e está pouco acima dos 200 pontos – os menores já registrados pelo banco de investimentos estadunidense JP Morgan. Tudo isso graças à política de juros e superávit primário conduzida pelo ministro Antonio Palocci, da Fazenda. Às vésperas do carnaval, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2005 foi anunciado: 2,3%, metade do desempenho global. Na América Latina, o Brasil superou apenas o Haiti. Quem sabe, não fosse pela ocupação militar que lidera no país caribenho, estaria segurando a lanterna. É a diferença entre o mundo real e o mundo dos negócios. O discurso oficial sustenta que a política econômica atual permitirá ao país gerar emprego e renda nos próximos anos, assim como manter um crescimento sustentado da ordem de 3% anuais pelas próximas duas décadas. No entanto, de acordo com o economista José Carlos de Assis, editor do portal de internet Desemprego Zero, há uma relação entre esses dois mundos: o do risco Brasil e o do crescimento da economia. “A política fiscal de gigantesco superávit primário exerce uma força contracionista na economia, pois tira mais recursos com a arrecadação do que devolve sob a forma de políticas públicas. O excedente financeiro é usado para pagar juros e os que recebem esse capital não necessariamente o revertem para o sistema produtivo. Ficam na especulação financeira. Isso leva invariavelmente a uma queda ou pelo menos a um crescimento baixo do produto, enquanto o risco Brasil cai porque a lucratividade do sistema bancário aumenta”, explica Assis. Em 2005, o lucro dos cinco principais bancos brasileiros foi o seguinte: Bradesco, R$ 5,5 bilhões, Itaú, R$ 5,25 bi, Banco do
Brasil de Fato
Aproveitando o carnaval O governo federal escolheu cuidadosamente o dia de divulgação para a imprensa do índice de crescimento (quase haitiano) do PIB em 2005: sexta-feira de carnaval. Evitou repercussão maior na mídia e o debate sobre a realidade do tal “espetáculo do crescimento” prometido por Lula. Lembrou o ministro Ricupero, aquele flagrado pela antena parabólica ao dizer: “O que é bom a gente mostra, o que ruim a gente esconde”.
O excedente financeiro é usado para pagar juros, que não são revertidos em políticas públicas, mas sim em especulação
Brasil, R$ 4,15 bi, Caixa Econômica Federal, R$ 2.07 bi, e Unibanco, R$ 1,84 bi. Ao todo, são R$ 18,8 bilhões, quantia equivalente a quase o triplo daquilo que o governo gastou com o programa Bolsa Família no mesmo ano, atendendo 8,7 milhões de famílias.
meio da contração da economia. No que se refere ao crescimento do PIB é um sucesso, assim como em relação à inflação. Divulgado dia 7, o Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), medido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), registrou deflação de 0,06%.
BOM PARA UNS “Essa política econômica não favorece apenas os bancos. As grandes empresas e famílias de alta renda, que têm fundos de aplicação diários, também se beneficiam. Em parceria com o sistema bancário, o saldos de caixa são aplicados no Over Night (fundo de rendimento de um dia para outro)”, denuncia Assis. O Brasil tem apenas 260 empresas com ações na bolsa. Entre as 64 maiores o lucro líquido em 2005 foi R$ 21,5 bilhões, um crescimento de 12,3%. Segundo o discurso oficial, as altas taxas de juros são um mecanismo para conter a inflação por
RUIM PARA OUTROS Para um governo que se pretende de esquerda, isso é um desastre. O baixo crescimento econômico castiga diretamente emprego e renda. Há cerca de sete anos o salário médio encontra-se no mesmo patamar. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em janeiro, o rendimento médio do trabalhador foi R$ 985,90, queda de 1,2% com relação a janeiro de 2005, R$ 998,26. Já o desemprego subiu para 9,2%. No mês anterior era 8,3%. Assis acusa o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de fazer um
governo de favorecimento aos poderosos, conscientemente ou não. O economista acredita que a política econômica é de transferência de renda do setor produtivo para o setor financeiro e, principalmente, de pobre para rico, baseada nesse mecanismo que contempla alto superávit primário acoplado ao pagamento de taxas de juros elevadíssimas. “O pior da história toda não foi aceitar o capitalismo. Lula aceitou o sistema na sua pior forma, a liberal. O capitalismo regulado, do pós-guerra na Europa, gerou o que conhecemos como social democracia, uma situação de alto bem-estar social para os de baixo. Poderia acontecer conosco. Mas o fato é que Lula decidiu seguir o caminho do liberalismo econômico e não simplesmente do capitalismo. Ele usou a forma selvagem, rapinante, que só sabe tirar e não devolver e regressiva do ponto de vista social”, critica Assis.
DIREITOS HUMANOS
Sociedade reage à absolvição e pede Justiça Tatiana Merlino da Redação Preocupadas com a absolvição do coronel Ubiratan Guimarães, comandante da operação conhecida como Massacre do Carandiru, que resultou no assassinato de 111 presos, em 1992, organizações de direitos humanos reagiram à decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. Em manifestações, reuniões e debates realizados nas semanas seguintes ao resultado do julgamento de Ubiratan, dia 15 de fevereiro, as organizações nacionais e internacionais decidiram fazer pressão para que o Ministério Público (MP) recorra da decisão no Tribunal Superior de Justiça e “se faça Justiça”. “Essa decisão é uma ofensa à sociedade civil”, afirma Danilo Chammas, advogado da Federação Interamericana de Direitos Humanos. De acordo com ele, uma das preocupações é que a absolvição do coronel influencie o julgamento dos 84 policiais militares que estavam sob comando de Ubiratan durante a operação e que respondem por homicídio. “Os jurados podem ficar sugestionados pois, se Ubiratan, que deu a ordem de entrada no presídio, foi absolvido, imagine
aqueles que cumpriram as ordens”, o coronel Ubiratan Guimarães –, questiona Chammas. contrariando até as normas internas da Polícia Militar. RECURSO Mesmo com a garantia do MP, O Ministério Público assegu- as organizações irão solicitar a rou que vai entrar com recurso ajuda da Organização dos Estados para anular a decisão do TJ de São Americanos (OEA) para ajudar Paulo. “Esperamos que a sociedade a pressionar o TJ. “Essa decisão também se mobilize para reverter denigre a imagem do país no exteessa decisão do TJ”, disse o promo- rior”, afirma o jurista Hélio Bicutor do caso em primeira instância, do, presidente da Fundação InteFelipe Cavalcanti. Segundo ele, o ramericana de Defesa dos Direitos grande responsável pelo massacre Humanos, lembrando que, na épofoi quem assumiu a ação – ou seja, ca do massacre, o caso gerou coLuciney Martins
da mídia
NACIONAL
Coronel Ubiratan Guimarães, absolvido da culpa pela morte de 111 presos
moção internacional e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA determinou, em 2000, que o Brasil deveria condenar os responsáveis pelo massacre.
CASOS DE VIOLÊNCIA No início de abril haverá uma audiência na Comissão de Direitos Humanos da OEA para discutir casos de violência no Brasil, quando as organizações irão pedir à Comissão que leve o caso à Assembléia Geral da Organização. Deputados da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo e entidades também vão entrar com uma representação contra a decisão do TJ no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em repúdio à decisão do Judiciário e solicitando uma revisão da medida. Também está previsto um ato público para o dia que o recurso impetrado pelo Ministério Público for entregue ao Supremo Tribunal de Justiça. A sucessão na Procuradoria Geral de Justiça de São Paulo, que acontece no fim de março, também está deixando as organizações em alerta. Um dos candidatos à procuradoria é o promotor Carlos Henrique Munti, que deu parecer pela absolvição do comandante do Massacre do Carandiru.
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NACIONAL EXPLORAÇÃO
A marca da Petrobras na América Latina Igor Ojeda da Redação
Divulgação
Denúncias de danos a comunidades e ao ambiente revelam práticas da estatal brasileira em cinco países nos Aires, e Hernán Scandizzo, jornalista do Colectivo Pueblos Originarios de Indymedia Argentina, também autores do livro, afirmaram ao Brasil de Fato que a forma de atuação da Petrobras na Argentina se explica pelos lucros que a empresa brasileira alcança no país. Ou seja, persegue os mesmos objetivos de qualquer transnacional: “Aumentar permanentemente sua rentabilidade a qualquer preço, seja este flexibilizar seus trabalhadores, terceirizar a produção ou não tomar os cuidados ambientais necessários na exploração, refino e transporte de seus produtos”, relatam.
D
anos ao meio ambiente, desrespeito a comunidades indígenas e camponesas e violação dos direitos dos trabalhadores. Uma folha corrida como essa poderia ser facilmente atribuída a qualquer transnacional atuante em países em desenvolvimento. Mas tal histórico de abusos agora deve, também, ser contabilizado na conta da Petrobras. A Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), por meio do Projeto Brasil Sustentável e Democrático, lançou recentemente o livro-denúncia Petrobras: integración o explotación? (Petrobras: integração ou exploração?), obra em cujas 130 páginas estão descritos os impactos decorrentes da atuação da estatal brasileira de petróleo em cinco países da América do Sul: Argentina, Bolívia, Colômbia, Equador e Peru. A idéia do livro surgiu com as denúncias recebidas pela Rede Brasileira de Justiça Ambiental, da qual a Fase faz parte. Movimentos sociais equatorianos revelaram que a Petrobras vinha causando danos ao ambiente e às populações locais com atividades de exploração de petróleo. As organizações temiam também a pretensão da empresa em atuar no Parque Nacional Yasuni, onde há uma reserva do povo indígena Huaorani. A partir daí, Rede quis saber das demais organizações sul-americanas com as quais tinha con-tato de que maneira viam a atuação da Petrobras em seus respectivos países.
HEGEMONIA BRASILEIRA
Organizações indígenas e camponesas acusam a transnacional brasileira de causar danos às populações locais
“A integração energética e a de transportes têm sido prioridade, mas com o objetivo de exportar recursos naturais. Por exemplo: abrem-se hidrovias para exportação de soja”, diz. Segundo a técnica da Fase, o papel da sociedade civil organizada é o de reivindicar outro tipo de política, que privilegie “não uma integração de mercado, mas uma integração de projetos socioculturais, que não desconsidere grupos que tenham uma outra percepção, uma outra relação com o ambiente”. Elizabeth Bravo, pesquisadora da Oilwatch, do Equador, e uma das autoras do livro, disse ao Brasil de Fato que o início da atividade da Petrobras no bloco 31 – onde se encontram o Parque Nacional Ya-
DUAS CARAS Julianna Malerba, técnica da Fase e uma das organizadoras do livro, diz que a estatal brasileira utiliza, nos países sul-americanos, um padrão diferente do adotado no Brasil, terceirizando, aproveitando-se de brechas na legislação. “E o mais importante, não dando atenção necessária aos conflitos com as populações afetadas e não se importando com conflitos potenciais que podem acontecer em áreas frágeis, como territórios indígenas”, aponta Julianna. A explicação? Na opinião de Julianna, a política de integração equivocada do governo brasileiro.
suni e o território indígena Huaorani – irá afetar algumas comunidades da região, já que será preciso construir algum tipo de infra-estrutura. “A operação petroleira nunca pode ser compatível com a conservação de uma área protegida, muito menos com os direitos coletivos e a sustentabilidade das comunidades indígenas, sobretudo de povos da selva, que há 50 anos não tinham contato com o mundo exterior”, diz.
FLEXIBILIZAÇÃO Em julho de 2005, o Ministério do Meio Ambiente equatoriano suspendeu a licença ambiental para a exploração da área, concedida à Petrobras no governo anterior, de Lucio Gutiérrez. De acordo com
Elizabeth, existe um documento de agosto do mesmo ano dizendo que o governo do Brasil estava pressionando o do Equador para que este liberasse a licença ambiental. Na Argentina, a atuação vai além dos danos ao ambiente. Os movimentos sociais daquele país acusam a estatal brasileira de também violar os direitos de seus funcionários. Trabalhadores de uma refinaria da empresa em Bahía Blanca denunciam, por exemplo, a flexibilização das relações trabalhistas e a terceirização de algumas operações. Além disso, há relatos de acidentes de trabalho e de fadigas causadas pela exigência de turnos rotativos. Laura Calderón, estudante de filosofia da Universidade de Bue-
Além disso, para eles, o controle de boa parte do petróleo argentino pela Petrobras traz também um grave problema geopolítico, uma vez que se “acentua a relação assimétrica entre ambos países e demonstra uma vez mais que a integração regional não se dará em termos de paridade, mas consolidará a hegemonia brasileira sobre o restante dos integrantes do Mercosul”. Na Colômbia, a Petrobras é acusada de perfurar poços próximos a nascentes de rios e superexplorar as águas do Rio Sumapaz, na região de Melgar. Na Bolívia, uma planta de produção de gás da empresa vem causando impactos devido às aberturas de poços e à contaminação do Rio San Alberto por resíduos da operação de processamento. No Peru, a estatal brasileira pretende explorar o gás em áreas próximas à reserva indígena Nahua Kugapaori, pondo em risco o espaço usado por povos que vivem isolados. Em nota enviada à Agência Brasil, a Petrobras negou todas as acusações feitas no livro. Afirma que suas atividades não causam danos ao ambiente e que mantém bom relacionamento com as comunidades adjacentes às áreas de exploração, inclusive com investimentos em projetos sociais. O livro custa R$ 5 e pode ser adquirido, por enquanto, somente em espanhol, pela página da Fase na internet: www.fase.org.br/loja. Uma versão em pdf pode ser baixada pelo endereço http://www.fase.org.br/ acervo_fase_rits/petrobras.pdf.
REFORMA AGRÁRIA
Maíra Kubík Mano de São Paulo (SP) A distribuição de terras no Brasil não avança. Essa é a avaliação das 45 organizações que fazem parte do Fórum Nacional de Reforma Agrária e Justiça no Campo. Durante a divulgação do balanço de 2005, os representantes das entidades criticaram a lentidão no processo de assentamento das famílias de trabalhadores rurais e a prioridade ao agronegócio. Para Elisângela Araújo, da coordenação da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf), não é possível considerar que a reforma agrária está sendo realizada porque quase nada mudou. “Precisamos buscar a implementação do Plano Nacional de Reforma Agrária”, afirmou. O plano, elaborado em 2003, previa o assentamento de 400 mil famílias semterra até o fim deste ano. Apenas no ano passado a previsão era de 120 mil famílias assentadas. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, a meta foi cumprida e até ultrapassada. Porém, os movimentos sociais defendem que apenas 36 mil famílias vieram de desapropriações de terra. As demais foram remanejadas ou colocadas em áreas
Valter Campanato/ABR
Em balanço de 2005, movimentos criticam lentidão
Integrantes da Via Campesina, em Porto Alegre (RS), criticam o governador do Estado por dar prioridade ao agronegócio
públicas, como a Amazônia Legal (veja reportagem na página 6). “No início do governo pedimos também o fortalecimento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, com a contratação de mais de 3 mil técnicos. No entanto, nos últimos quatro anos foram contratados apenas 530 novos
funcionários”, denunciou João Paulo Rodrigues, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Outro ponto central de reivindicação é a atualização dos índices de produtividade, utilizados como critério para declarar se um imóvel cumpre sua função social. Desde
1975 eles não são modificados e essa discussão, que estava em pauta no governo, ficou paralisada no Ministério da Agricultura. Dom Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra, acredita que a demora no processo ocorre porque a atualização dos índices abriria as porteiras de muitos
latifúndios para a reforma agrária. “A quantidade de imóveis aumentaria significativamente”, concordou o dirigente do MST. Para os movimentos sociais, a mudança na política econômica é essencial para o avanço da distribuição de terras. Em seu documento de balanço, eles pedem a alteração na taxa de juros e a eliminação do superávit primário para o fortalecimento do mercado interno. “Sabemos que 82% da população é a favor da reforma agrária”, lembrou dom Tomás Balduíno ao exigir o assentamento de todas as famílias acampadas no país. Entre as medidas do governo consideradas positivas, o balanço 2005 aponta a implantação do seguro rural, o aumento do volume de crédito rural para pequenos agricultores, o programa Luz para Todos, a ampliação do programa de construção e melhoria de casas para agricultores, entre outros. Medidas consideradas nocivas: a liberação do plantio e comercialização de soja transgênica, a elaboração da lei de biossegurança, a falta de fiscalização de rotulagem de produtos transgênicos, a manutenção da lei Kandir e a manutenção do apoio dos bancos oficiais ao crédito rural para o agronegócio.
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NACIONAL DIREITO À TERRA
Lula só assentou cem mil
Hamilton Octavio de Souza
Para geógrafo, total de 245 mil famílias, divulgado pelo governo, não se refere à reforma agrária
Privilégio inaceitável Os deputados federais que renunciaram a seus mandatos por envolvimento no escândalo do “mensalão” conseguiram aposentadorias de R$ 4,5 mil a R$ 5,5 mil por mês, por terem ficado alguns anos na Câmara dos Deputados. Essa regalia afronta a Nação, em especial a grande maioria dos trabalhadores que trabalham pelo menos 35 anos para conseguir uma aposentadoria que não chega a dois salários mínimos (R$ 600).
Agência Estado
Fatos em foco
FAMÍLIAS BENEFICIADAS EM 2005 DIVIDIDAS POR CATEGORIAS Reordenação fundiária – Substituição ou reconhecimento de famílias presentes nos assentamentos já existentes, um total de 47,6
mil famílias.
Regularização fundiária – Reconhecimento do direito das famílias (populações tradicionais, extrativistas, ribeirinhos, pescadores, posseiros, etc.) já existente nas áreas-objeto da ação (flonas, resex, agroextrativista, desenvolvimento social, fundo de pastos, etc.), um total de 32,8 mil famílias. Reassentamentos fundiários de famílias atingidas por barragens – Proprietárias ou com direitos adquiridos em decorrência de grandes obras de barragens e linhas de transmissão de energia realizadas pelo Estado ou empresas concessionárias ou privadas, um total de 1,6 mil famílias.
Marajá togado De 1995 a 2004, a média salarial no Brasil caiu de R$ 400 para R$ 391, um arrocho violento para um país que continua batendo recordes de desigualdade. Em compensação, a média dos salários dos desembargadores, que são funcionários públicos dos Tribunais de Justiça dos Estados, chega a R$ 35 mil por mês – isso mesmo, trinta e cinco mil reais. E ainda tem gente que acredita que o Poder Judiciário serve para fazer Justiça. Doce ilusão!
Reforma agrária – Assentamentos decorrentes de ações desapropriatórias de grandes propriedades improdutivas, compras de terra e retomada de terras públicas griladas, um total de 45,5 mil famílias.
Mistério econômico Analistas econômicos costumam comparar o fraquíssimo crescimento do PIB brasileiro durante os governos de FHC (médias de 2,3% e 3,4%) e de Lula (média de 2,6%), mas raramente fazem qualquer referência aos dois anos do governo Itamar Franco, 1993 e 1994, quando a média de crescimento foi de 5,4% – a maior dos últimos 20 anos, desde o fim da ditadura militar, em 1985. Por que ninguém esclarece esse mistério do governo Itamar?
Concentração pura Estudo de uma consultoria privada constatou que, de 2003 a 2005, duas centenas de grandes empresas instaladas no Brasil tiveram crescimento médio cinco vezes maior do que milhares de pequenas e médias empresas. Um dos fatores para explicar essa evidente concentração é o acesso a financiamentos no exterior, com juros mais baixos do que as taxas cobradas no Brasil. A transferência de renda é imoral e impune. Negócio eleitoral A nova queda na taxa de juros fixada pelo Banco Central não vai sair de graça para o povo brasileiro. Para obtê-la, em ano eleitoral, o presidente Lula aprovou, em contrapartida, a isenção de impostos para os investidores estrangeiros. Ou seja, esses especuladores financeiros vão ter seus lucros (rápidos e fáceis) garantidos. A isenção de impostos representa menos recursos para os programas sociais no Brasil. Afinal, de que lado Lula está? Crime consentido A empresa Monsanto, dos Estados Unidos, continua agindo impunemente no Brasil: já fez contrabando de sementes transgênicas, estimulou o plantio ilegal, comprou deputados para aprovar lei favorável aos produtos transgênicos e agora está criminosamente apoiando o plantio de soja transgênica no entorno do Parque Nacional do Iguaçu, área de proteção ambiental. Por que a diretoria da Monsanto não está na cadeia? Mera coincidência Há vários anos, seguidamente, os bancos que operam no Brasil batem recordes de lucros, Coincidentemente foram os bancos os maiores financiadores da campanha eleitoral do PT em 2004, fora o que rolou no caixa dois do “valerioduto”. Isso explica por que o governo Lula não teve nenhum interesse em mudar o modelo econômico. É o famoso toma-lá-dá-cá.
Marcelo Netto Rodrigues da Redação
diária e também à contra-reforma agrária do Banco Mundial estão claramente separadas. “Portanto, por que somar tudo? Para esconder o essencial. Não me restam dúvidas de que Rossetto e sua equipe não cumpriram as metas de assentamentos, e isso foi feito intencionalmente. Eles não queriam, desde 2003, fazer a reforma agrária, e não fizeram”, conclui.
L
uiz Inácio Lula da Silva não era nem nascido quando o presidente Getúlio Vargas, em 1942, assentou quase mil famílias em Barra do Corda, no Maranhão. No entanto, como num passe de mágica, passados mais de 60 anos, essas mesmas famílias – atualmente, um total de 947 – aparecem nas estatísticas de 2005 como se tivessem sido assentadas por Lula. O milagre da multiplicação de assentados não pára por aí. Para engrossar as estatísticas da reforma agrária, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) contabiliza como assentadas famílias que há muitos anos moram em terras ocupadas e que apenas tiveram sua situação formalizada. É o que acontece, por exemplo, com as 4.362 famílias do projeto de assentamento agroextrativista Lago Grande, em Santarém, no Pará, e com as 2.664 famílias da Reserva Extrativista Marinha Carté-Taperaçu, no mesmo Estado. Isso pode ser tudo – reordenação fundiária, regularização fundiária ou reassentamentos de famílias atingidas por barragens –, menos reforma agrária. De acordo com o geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, da Universidade de São Paulo (USP), são dignos da classificação reforma agrária somente “assentamentos decorrentes de ações desapropriatórias de grandes propriedades improdutivas, compras de terra e retomada de terras públicas griladas”. Distinção que, segundo o professor, está sendo propositadamente ignorada pelo governo. “Há uma confusão intencional na divulgação dos dados. Qualquer um que acessar a página da internet do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) encontrará o arquivo do 2º Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), que eu chamo propositadamente de Plano Rossetto (referência ao ministro Miguel Rossetto, do MDA), para diferenciá-lo do Plano Plinio (encabeçado pelo especialista Plinio Arruda Sampaio, a pedido de Lula)”, diz Oliveira. Nesse documento, explica o professor, as metas relativas à reforma agrária, à regularização fun-
REFORMA AGRÁRIA DE FATO Assim, segundo o professor de Geografia Agrária da USP, com o expurgo dos números indevidos, chega-se à seguinte conclusão: das 127,5 mil famílias que o governo Lula prega ter assentado no ano de 2005, 82 mil não se referem à reforma agrária de fato. Seriam apenas regularizações fundiárias (veja quadro acima). “Pelos meus cálculos aproximados, nos três anos de governo Lula, o ministro Rossetto – que deixa o cargo no final do mês para concorrer a uma vaga ao Senado – assentou algo em torno de cem mil famílias e regularizou a situação fundiária de outras 145 mil. Portanto, não cumpriu nem as metas da reforma agrária, nem as metas da regularização fundiária”. Oliveira acredita que o ministro Rossetto e sua equipe “enganam o presidente da República” com
esses números e acham que podem fazer o mesmo com os movimentos sociais e a sociedade civil inteira. “Aliás, a minha experiência de participação na equipe do Plinio mostrou-me o quanto eles são presunçosos, e boa parte deles, incompetentes técnica e cientificamente”, avalia.
PROVA DOS NOVE Nem mesmo o malabarismo que o governo faz com os números oficiais pode ser levado a sério. Quando somados, eles não batem. Em 2003, o Incra diz ter “assentado” 36.301 famílias. Em 2004, outras 81.184; e em 2005, 127.506. Um total de 244.991 famílias, em três anos, número inferior às 245.061 famílias que o governo divulga oficialmente ter “assentado”. Isso quando, em uma tentativa de demonstrar transparência, o governo não faz pior: dia 24 de janeiro, a página do Incra na internet teve que sair do ar às pressas porque trazia a listagem das famílias beneficiadas, com os anos de criação dos assentamentos. Imprudência que permitiu a patética constatação de que assentamentos criados à época de Getúlio, por exemplo, estavam dentro do computo atual. “Primeiro, divulgaram a lista com o ano dos assentamentos, depois de alguns dias, substituíram-na
Robson Oliveira
Altos negócios Uma simples manobra do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior dispensou as montadoras estrangeiras que operam no Brasil de recolher impostos no valor de R$ 9 bilhões. Da mesma forma, o governo autorizou a redução de impostos para as empresas importarem equipamentos para a futura TV Digital. Ou seja, a mãozinha silenciosa do governo sempre acaricia os lucros das empresas.
Segundo Umbelino, Rossetto estaria enganando Lula e os movimentos sociais
por outra sem os anos, e agora, já retiraram também essa segunda versão. Portanto, agiram efetivamente de má-fé”, condena Oliveira, que conseguiu copiar as tabelas antes que fossem apagadas.
DEUS E O DIABO Ainda segundo o geógrafo, a prioridade dada à revitalização de assentamentos antigos é proposital para evitar o confronto direto com o latifúndio. “O governo acendeu uma vela a Deus e outra ao diabo. Portanto, para eles, Terras devolutas – São as terras reforma agrária públicas ainda é apenas política não discriminadas que devem compensatória ser devolvidas ao social, para que Estado. não se mexa com o agronegócio”. “Quem tiver acesso ao cadastro do Incra, que, aliás, é declaratório – as informações são dadas pelos próprios proprietários –, encontrará propriedades dos maiores capitalistas da agricultura classificadas como improdutivas. Mas quem é que vai colocar o guizo no pescoço do leão? Há muita hipocrisia entre os proprietários de terra, e mesmo entre parte expressiva da esquerda”, pergunta Oliveira.
GRILAGEM LEGALIZADA Com relação à Amazônia, o balanço geral do MDA de 2005 orgulhosamente apresenta a informação de que serão regularizados os imóveis abaixo de quatro módulos fiscais na região, por meio de um financiamento oferecido pelo Banco Mundial – cujo empréstimo foi aprovado pelo Senado, em novembro. Ao todo, serão regularizadas 500 mil pequenas posses. “Eu já disse ao ministro Rossetto e ao Rolf (Rackbart, presidente do Incra), que será a maior grilagem legalizada das terras devolutas da história do Brasil. É evidente que muitos camponeses posseiros têm direito a essa regularização, mas a maior parte dessas terras está em mãos dos grandes proprietários, que cercaram mais do que seus títulos permitem. Para dar um exemplo, em 2003, encontramos no cadastro do Incra posses com área acima de 500 hectares ocupando mais de 37 milhões de hectares”, afirma o geógrafo.
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NACIONAL REFORMA AGRÁRIA
Mobilizações superam encontro oficial Daniel Cassol e Igor Felippe Santos de Porto Alegre (RS
A
pós 27 anos desde a primeira edição, a segunda Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, realizada em Porto Alegre, entre os dias 7 e 10, sob convocação da FAO (órgão das Nações Unidas para Agricultura), é marcada pelo debate entre dois modelos de reforma agrária e de produção agrícola. De um lado, a defesa da política que o Banco Mundial busca implementar em diversos pontos do globo, por meio de programas de crédito fundiário que transformam terra em mercadoria. Essa é a política implementada em grande parte dos países que participam da conferência governamental. De outro, está a visão dos movimentos sociais, que participam do Fórum Terra, Território e Dignidade – paralelo à conferência –, os quais defendem uma política de desenvolvimento com vistas à soberania alimentar, que mexa na concentração de propriedade e coloque a terra a serviço dos povos. Pelo modo como foi organizada, porém, a Conferência da FAO tem também outra marca: a do esvaziamento. Com a presença de 81 dos 188 países membros, sem a participação de chefes de Estado – nem o presidente anfitrião, Luiz Inácio Lula da Silva, compareceu –, a Conferência parece atender muito mais o calendário eleitoral brasileiro. E deve ter, de positivo, apenas a visibilidade maior que
Valter Campanato/ABr.
Pequenos agricultores, indígenas e quilombolas marcham contra modelo do Banco Mundial
Militantes da Via Campesina montam acampamento em frente à PUC do Rio Grande do Sul
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Para a Via Campesina Internacional, a Conferência foi organizada às pressas, sem um processo preparatório nos países que representasse um acúmulo de discussão. “A Conferência, pela falta de participação dos governos e as enormes dificuldades que encontramos para organizar uma séria participação da sociedade civil, não poderá ser o momento para finalizar compromissos internacionais sobre um assunto tão
ganharão as lutas por reforma agrária e por políticas de incentivo à soberania alimentar. “A tendência é um acordo para que a reforma agrária seja classificada muito mais como uma reforma da política agrícola do que uma reforma da estrutura fundiária. Politicamente, os governos não vão querer aprovar um documento que defenda o modelo de reforma agrária do Banco Mundial, mas na prática é o que eles vão continuar implementando”, afirma Egídio Brunetto, da direção nacional do
importante. Exigimos que seja só o primeiro passo nesse processo”, defendeu, na abertura da conferência oficial, o indonésio Heny Saragih, coordenador internacional da Via Campesina.
MOBILIZAÇÕES “Estamos preocupados com os rumos da conferência oficial. Não sabemos o que vai sair de lá, uma vez que existe um empoderamento do agronegócio, com uma perspectiva do capital”, afirma Carmem Helena Ferreira, da exe-
cutiva-nacional da Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (Contag). O que ganha destaque durante as atividades em Porto Alegre são as mobilizações das organizações camponesas, como a Via Campesina, a Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Fetraf) e a Contag. O fórum paralelo reúne mais de 70 organizações de pequenos agricultores, indígenas, quilombolas e sem-terra. Na abertura, dia 6, aconteceu uma marcha da Fetraf contra o baixo preço do leite pago ao pequeno produtor brasileiro. No dia 7 pela manhã, a Via Campesina Brasil fez uma marcha de 8 quilômetros até o prédio da PUC-RS. Foi montado um acampamento com dez barracos à frente do local das atividades. “Estamos mostrando para o mundo que não está acontecendo a reforma agrária no Brasil, os números do governo não são verdadeiros e não existem condições de mudar a estrutura fundiária de forma conciliada com o agronegócio”, afirmou Adelar Pretto, da coordenação estadual do MST-RS. As ações da Via Campesina, que defende a urgência da reforma agrária e combate o agronegócio, acabam por dar o tom da cobertura da imprensa e provoca respostas do lado do governo brasileiro. O MST gaúcho recebeu os visitantes com uma ocupação de quase dois mil trabalhadores, denunciando o atraso da reforma agrária no Brasil e a necessidade de revisão dos índices de produtividade (veja reportagem nesta página).
Leonardo Melgarejo
MST faz maior ocupação Banco da Terra ou terra do banco? dos últimos anos no RS
Objetivo dos sem-terra é pressionar por assentamentos no Estado
Christiane Campos de Porto Alegre (RS) Eram cinco horas da manhã da terça-feira de carnaval quando 1,8 mil famílias organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam um dos maiores latifúndios do Rio Grande do Sul, a fazenda Guerra, uma área de 7 mil hectares no município de Coqueiros do Sul, região norte do Estado. Famílias dos 14 acampamentos gaúchos participam dessa ocupação, que é a maior realizada pelo MST no Rio Grande do Sul nos últimos dez anos. “Reunimos as famílias acampadas para denunciar à sociedade que a reforma agrária no Rio Grande do Sul não avança porque não há vontade política dos governos. O governo federal está mais preocupado em fazer propagandas que assentamentos e o governo do Estado só investe na repressão policial, despejando acampamentos até das margens das rodovias”, explica Ana Soares, da coordenação estadual do MST. A principal reivindicação do movimento é o assentamento das 2.500 famílias acampadas no Estado. “Algumas famílias estão há
sete anos embaixo da lona preta, nas beiras de estrada, e nos últimos três anos somente 220 famílias foram assentadas”, afirma Edenir Vassoler, também da coordenação estadual do MST.
EDUCAÇÃO Desde o primeiro dia da ocupação foi iniciado o processo de organização da escola itinerante. A estrutura da escola, construída em forma de mutirão, foi inaugurada dia 5, com direito a gincana envolvendo pais, mães e crianças das 250 que estão freqüentando a escola do acampamento. As turmas de 3ª a 8ª série têm aulas de manhã e as de pré, 1ª e 2ª série, à tarde. Mas a escola funciona em tempo integral – as crianças estudam num período e no outro participam de oficinas de teatro, artesanato, leitura, contação de história. Trinta educadores e educadoras, a maioria voluntária, realizam o trabalho com as crianças. No acampamento também funciona a ciranda infantil que realiza atividades pedagógicas com quase cem crianças menores de 6 anos. Em poucos dias também devem começar as aulas de Educação de Jovens e Adultos.
Ângela Vargas e Raquel Casiraghi de Porto Alegre (RS)
Banco da Terra ou terra do banco? Essa é a pergunta que os camponeses que acessaram em 2003 o Crédito Fundiário, programa Banco da Terra, reproduzem entre risos e tons de decepção. As 33 famílias que saíram da cidade de Pedro Osório (RS) com o sonho de cultivar alimento no campo estão voltando à vida urbana e buscando as mais variadas formas de
trabalho informal para sobreviver. Os agricultores foram assentados em 2002 pelo sistema do Banco da Terra, programa de crédito fundiário criado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. O agricultor Leonardo Decrescenzo, um dos assentados, conta que os camponeses estão endividados, enfrentando problemas como a falta de água para a produção e para o consumo e de escolas para seus filhos. “Não tem condições de acordo nenhum. Se a gente pede um maquinário emprestado
para a prefeitura, para plantar em um período pouco movimentado, eles dizem que não podem emprestar. Eles dificultam em tudo a situação. Isso mostra o fracasso do Banco da Terra”, relata. O pequeno agricultor deu seu testemunho durante a divulgação dos resultados de uma pesquisa sobre os programas do Banco Mundial para reforma agrária. De acordo com o levantamento, realizado pela Rede Terra de Pesquisa Popular entre 1,7 mil agricultores que acessaram os programas Cédula da Terra, Banco da Terra, Crédito Fundiário e Nossa Primeira Terra, de 1997 a 2005, 46% dos entrevistados não produzem o suficiente para o sustento da própria família, enquanto 19% afirmam passar fome (veja quadro nesta página).
CONTRA A REFORMA AGRÁRIA Para Maria Luísa Mendonça, diretora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, tais dados mostram que os programas de crédito fundiário do país, baseados na política do Banco Mundial, são inviáveis. “O Banco da Terra é inviável porque é contra a reforma agrária constitucional pela desapropriação, como manda a Constituição brasileira. O programa não dá condições de viabilidade de produção nas terras, favorece o latifúndio, não desconcentrando a terra. Deve ser interrompido”, defende. “A alternativa é a reforma agrária, como manda a Constituição. Desapropriação do latifúndio improdutivo, aplicando a função social da terra. E que a reforma agrária seja uma política de desenvolvimento e não compensatória, promovendo a soberania alimentar”, completa. A pesquisa também verificou casos de corrupção na compra da terra: a maioria das famílias não participou da negociação da compra da terra e nem teve direito de escolher a região em que seriam instaladas.
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De 9 a 15 de março de 2006
MULHERES DIREITOS IGUAIS
Pelo fim da violência de gênero Tatiana Merlino da Redação
Agência Brasil
No Dia Internacional da Mulher, brasileiras pedem a aprovação de Projeto de Lei que pune a violência contra a mulher
Unidas contra a ocupação do Iraque
A
cada 15 segundos, uma mulher é espancada por um homem no Brasil, uma em cada cinco brasileiras (19%) declara já ter sofrido algum tipo de violência por parte de um homem, um terço das mulheres (33%) admite já ter sido vítima de alguma forma de violência física. Os dados da pesquisa do Núcleo de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo demonstram que, ainda no século 21, a violência contra as mulheres continua sendo um dos principais problemas enfrentados pelos brasileiros. O estudo, o mais completo já realizado até agora, é de 2001 mas não perde a atualidade. Não por acaso, o combate à violência de gênero é uma das principais bandeiras do Dia Internacional da Mulher, celebrado dia 8. Grupos feministas de todo o país realizaram atos contra a impunidade da violência contra a mulher e reivindicaram a aprovação do Projeto de Lei 4559 de 2004, em tramitação na Câmara dos Deputados, aguardando entrada na pauta de votação. Apresentado pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), o PL prevê que a violência doméstica deixe de ser caracterizada como crime de menor potencial ofensivo, e inclui medidas preventivas, assistenciais, punitivas, educativas e de proteção às mulheres e seus filhos. O texto prevê a criação de varas e juizados especializados para tratar da violência doméstica contra a mulher.
Na atual legislação a violência doméstica é crime com pena máxima de um ano; projeto prevê maior punição
os Juizados Especiais Criminais para tratar especificamente das infrações penais de menor potencial ofensivo, aquelas consideradas de menor gravidade, cuja pena máxima prevista em lei não seja superior a um ano. “Essa legislação não está preparada para atender as mulheres, e, além disso, em muitas vezes a interpretação da lei é feita de maneira patriarcal”, denuncia Dulce. De acordo com a Lei 9099, a pena para o agressor tem sido a entrega de duas cestas básicas a uma instituição de caridade. Para a Sempreviva Organização Feminista, esse tipo de pena, “além de colocar a mulher em uma situação
de humilhação, tem contribuído para a impunidade e o descrédito das mulheres para com a lei”.
NÚMEROS DA VIOLÊNCIA Enquanto organizações de defesa dos direitos da mulher pressionam o Congresso e alertam a sociedade para a necessidade da aprovação do Projeto de Lei 4559, os números de violência de gênero do país preocupam. De acordo com dados da pesquisa da Fundação Perseu Abramo, dentre as formas de violência mais comuns destacam-se a agressão física mais branda, sob a forma de tapas e empurrões, sofrida por 20% das mulheres; a violência psíquica de xingamentos, com ofensa à conduta
moral da mulher, vivida por 18%; e a ameaça por meio de objetos quebrados e atirados, roupas rasgadas e outras formas indiretas de agressão, vivida por 15%. Em Pernambuco, a situação é uma das piores do país. De acordo com dados do Núcleo contra as Desigualdades da Secretaria de Defesa Social, em 2005, foram assassinadas 290 mulheres no Estado, sendo que, destas, 235 estavam na faixa etária acima de 18 anos. Em 2006, somente em janeiro e nos dois primeiros dias de fevereiro, houve 37 homicídios de mulheres no Estado, a maioria jovem e assassinada por parceiros (ex ou atuais) ou homens com quem estabelecia uma relação de proximidade.
ESPAÇO PARA IMPUNIDADE A socióloga Dulce Xavier, da organização não-governamental Católicas Pelo Direito de Decidir, ressalta a importância de as entidades feministas apoiarem o projeto, que, de acordo com ela, foi elaborado com a participação democrática e oferece uma estrutura adequada para atender casos de violência contra as mulheres. “A violência de gênero precisa deixar de ser tratada com naturalidade. Apesar de haver um amparo da legislação atual, ela não trata especificamente do assunto, e, com isso, abre-se um espaço para a impunidade no país”, afirma. Em outros países da América Latina, como Chile, Colômbia, México e Peru, há legislação específica a respeito da violência contra a mulher. No entanto até hoje, no Brasil, aplica-se a chamada Lei 9099 de 1995, que instituiu
A DESIGUALDADE É FEMININA Por ser considerado crime, cerca de 1,2 milhão de abortos são realizados por ano na clandestinidade, causando 9% das mortes maternas e 25% das esterilidades. Quatro mulheres são espancadas a cada minuto, a maioria por seu marido ou parceiro.
Quase metade das mulheres que está no mercado de trabalho ganha 1 salário mínimo. Nos primeiros 5 meses de 2004, foram registrados 132 mil casos de violência contra a mulher no Estado de São Paulo.
As mulheres negras recebem, em média, a metade do rendimento das mulheres brancas e pouco mais de um terço do que os homens brancos. As mulheres trabalhadoras têm mais anos de estudo do que os homens, mas ganham, em média, 30% a menos do que eles.
Fonte: Marcha Mundial de Mulheres; Fundação Perseu Abramo; OAB
Além das reivindicações históricas, como o direito à saúde, educação, valorização do salário mínimo e fim da violência doméstica, as feministas brasileiras assumiram uma nova bandeira no Dia Internacional da Mulher de 2006: a campanha “Mulheres dizem NÃO à guerra”. Lançada pela organização não-governamental estadunidense Code Pink e da qual são signatárias diversas outras entidades – entre elas a Marcha Mundial de Mulheres –, a iniciativa exige o fim da ocupação ilegal do Iraque. “Nós, mulheres dos Estados Unidos, Iraque e de todo o mundo, já não temos mais paciência nem para a guerra sem sentido no Iraque nem para os cruéis ataques contra outros países”, diz o manifesto. A campanha pretende recolher cem mil assinaturas de mulheres de todo os continentes. O abaixo-assinado será levado à Casa Branca, em Washington (EUA), no dia 18, quando haverá uma manifestação mundial contra a guerra do Iraque e com protestos em frente às embaixadas dos Estados Unidos. De acordo com Medea Benjamin, co-fundadora do Code Pink e da organização de direitos humanos Global Exchange, “a manutenção das tropas estadunidenses no Iraque está perpetuando o ciclo de violência. Estamos organizando um coro global feminino que grita: Basta!”. O documento pede, entre outras coisas, a retirada de todas as tropas e dos combatentes do Iraque, a participação feminina no processo de construção da paz e um compromisso com a igualdade feminina no Iraque, após o término da ocupação e o empenho de descartar as construção de bases militares estrangeiras no Iraque. “Juntas, vamos pressionar os nossos governos, as Nações Unidas, a Liga Árabe, os Prêmios Nobel da Paz, os líderes religiosos e outros integrantes da comunidade internacional para por fim ao conflito armado e negociar uma solução política”, defende o manifesto. A adesão à campanha pode ser feita a partir da página da Code Pink: www.womensaynotowar.org. (TM)
PERSEGUIÇÃO
Igor Ojeda da Redação Uma dolorosa ironia. A maneira como a organização não-governamental Global Exchange encontrou para definir o fato de as iraquianas Vivian Salim Mati e Anwar Kadhim Jawad terem negados seus vistos de entrada nos EUA não poderia ser mais adequada. No dia 6 de abril de 2003, forças estadunidenses entraram e atacaram o centro de Bagdá, a capital do Iraque. Bombas, tanques de guerra, tiros. Com muito medo, Vivian e seu marido, Izzat, que moravam na região, pegaram seus três filhos, colocaram-nos dentro do carro e resolveram fugir para um local mais seguro. Ainda perto de casa, cruzaram com um tanque. Sem aviso algum, os soldados que se encontravam no veículo começaram a disparar. Não adiantaram os gritos e apelos de Vivian. Só quando para-
ram os soldados puderam perceber que tinham assassinado uma família de civis desarmados. Apenas Vivian sobreviveu. Seu marido e seus filhos – Hussam, de 15 anos; Waseem, de 12 e Merna, de 6 – estavam mortos. “Eu vi as balas entrarem nas cabeças dos meus filhos”, contou Vivian à Global Exchange. O Exército dos EUA nunca reconheceu seu erro nem pediu desculpas e ou ofereceu ajuda financeira a ela. “Em um minuto, eu era uma mãe, uma esposa com sua família. No minuto seguinte, minha família tinha desaparecido.” Anwar tem história muito parecida. Junto com o marido e quatro filhos, também andavam pelas ruas de Bagdá quando foram atingidos por tiros de soldados estadunidenses. Não havia nenhum posto de checagem, nenhum aviso. Seu marido, o filho e duas filhas morreram na hora. Apenas a filha de 14 anos e Anwar – que estava grávida na época – sobreviveram.
Global Exchange
O drama das iraquianas, proibido ao público dos EUA
Família da iraquiana Anwar: somente ela e a filha mais velha sobreviveram
A Global Exchange e a Codepink, movimento feminista contra a guerra do Iraque, decidiram convidar Vivian e Anwar para contar suas experiências a jornalistas, congressistas e ao público estadunidense durante as comemorações do Dia
Internacional da Mulher. Além disso, as duas iriam se juntar no dia 8 a outras mulheres em Washington, na marcha Women Say No to War (Mulheres dizem não à guerra). A princípio, não queriam ir. Tiveram que ser convencidas de que suas
histórias ajudariam a abrir os olhos dos estadunidenses. Fizeram, então, uma perigosa viagem até Amman, na Jordânia, apenas para tirar o visto de entrada nos EUA. Só que, no dia 4 de fevereiro, receberam a notícia de que este havia sido negado. O motivo? As duas não teriam laços familiares suficientes no Iraque que pudessem servir como incentivo para que retornassem ao país. Seria cômico se não fosse trágico. A suspeita das duas organizações é mais do que óbvia. Para elas, o governo dos EUA claramente não quer que os estadunidenses ouçam o drama de Vivian e Anwar. Ou seja, que não descubram a realidade da invasão do Iraque. Medea Benjamim, co-fundadora da Global Exchange e da Codepink, escreveu em artigo sobre o episódio: “Agora, vemos justamente quão longe este governo irá para manter as vozes iraquianas distantes da opinião pública estadunidense”.
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SEGUNDO CADERNO MILITARIZAÇÃO
EUA tentam ampliar atuação na Colômbia O
governo de George W. Bush passou a defender uma polêmica proposta: quer usar os recursos do Plano Colômbia e do Plano Patriota contra “ameaças à segurança nacional”. No final de fevereiro, o presidente dos Estados Unidos pediu ao Congresso que fosse expandida a atuação dos militares estadunidenses no país sul-americano. O objetivo é obter permissão dos parlamentares para que as ações dos EUA na Colômbia não se restrinjam apenas ao combate ao narcotráfico e às guerrilhas, mas também possam ser empregadas em “qualquer ameaça contra a segurança nacional”. Essa expansão dos limites da missão estadunidense está incluída, quase de maneira secreta, em um apêndice do orçamento nacional que Bush apresentou ao Congresso. Atualmente, os Estados Unidos repassam ao país cerca de 700 milhões de dólares anuais – o equivalente a cerca de R$ 1,47 bilhão. Em tese, esses recursos só podem ser usados para o combate ao narcotráfico e aos “grupos terroritas”, segundo a classificação do Departamento de Estado dos EUA: Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs), o Exército de Libertação Nacional (ELN) e a Autodefesas Unidas Colombianas (AUC). Na proposta do orçamento estadunidense, o presidente Bush pede que seja eliminada essa restrição. Além disso, redefine a ajuda dos EUA à Colômbia como “uma campanha unificada para enfrentar o narcotráfico, atividades terroristas e outras ameaças para a segurança nacional da Colômbia”. Essa mudança no conceito dos planos desenvolvidos pelos EUA no país foi criticada por organizações
Uribe aceita acordo de livre-comércio
O plano do presidente George W. Bush é usar os recursos do Plano Colômbia e do Plano Patriota contra “ameaças à segurança nacional”
ton está muito preocupado com a Venezuela e que isto seria um primeiro passo para sua “política de contenção”, caso seja necessária. O Departamento de Estado, apesar de não fornecer detalhes, rejeita a afirmação de que a mudança do conceito da atuação na Colômbia tenha influência da Venezuela ou do processo iniciado pelo presidente Hugo Chávez de fortalecer suas Forças Armadas. De qualquer forma, se ocorrer um conflito entre os dois países, a mudança pleiteada por Bush permitiria que o dinheiro dos Estados Unidos fosse usado para apoiar as Forças Armadas colombianas. Também é certo que Washington
de direitos humanos, que denunciam uma dramática ampliação da ajuda militar. “Esta é uma nova expansão do objetivo da ajuda estadunidense, que deve ser rejeitada. A proposta é muito vaga. O quer dizer ‘ameaças à segurança nacional’? Será que a Venezuela é um risco para a Colômbia? Ou se trata de crime comum? Ou de protestos nas ruas?”, adverte Adam Isacson, do Centro para a Política Internacional, em um memorando enviado ao Congresso estadunidense.
POLÍTICA DE CONTENÇÃO Mesmo que diga desconhecer quais são as intenções dos Estados Unidos, Isacson crê que Washing-
prossegue com a tentativa de cada vez mais isolar Chávez no continente. Para tanto, conta com a ajuda de um grande aliado, o presidente colombiano, Álvaro Uribe. O plano de Bush é submeter a essa nova orientação toda a ajuda até agora já fornecida à Colômbia. Desde 2000, já foram desembolsados mais de 2,5 bilhões de dólares (cerca de R$ 5,25 bilhões), usados para a aquisição de 100 helicópteros e no treinamento de quase 20 mil soldados.
AMPLIAÇÃO DO ACORDO Originalmente, o dinheiro do Plano Colômbia – iniciado em 2000 – só podia ser usado no combate ao
narcotráfico e contra as guerrilhas rurais, mas apenas em operações em que esses grupos estivessem diretamente envolvidos com o tráfico de drogas. Em 2002, o governo de Andrés Pastrana trabalhou para que os recursos dos Estados Unidos fossem empregados diretamente no combate às guerrilhas. O acerto que ratificou essa nova política foi obtido em outubro deste ano, a partir da política de combate ao terrorismo de Bush desencadeada depois do ataque de 11 de setembro de 2001. Desde então, boa parte dos fundos que são entregues à Colômbia são empregados em operações sem nenhuma relação com o narcotráfico, como a defesa do oleoduto Caño Limón-Coveñas.
VENEZUELA
Oposição lança estratégia separatista
da Redação
Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)
O presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, anunciou em 27 de fevereiro que chegou a um consenso com o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, sobre um Tratado de Livre Comércio (TLC) entre os dois países. “A Colômbia é um nobre e solidário irmão latino-americano e um leal aliado dos EUA. Este tratado entrará, agora, na etapa das assinaturas, ratificação e revisão constitucional e nos dará acesso ao maior mercado do mundo”, explicou Uribe, em um pronunciamento em rede nacional de televisão e de rádio. O governo colombiano pretende desencadear uma campanha no país para convencer a população dos supostos benefícios do acordo. Os ministros de Uribe e o próprio vicepresidente, Francisco Santos Calderón, começaram a percorrer comunidades no interior do país no dia 6. O acordo, no entanto, dividirá o país. O procurador Edgardo Maya advertiu que Uribe não pode assinar o acordo porque “violenta muitos direitos colombianos”. Segundo o jurista, se o presidente colombiano ratificar o TLC, dará início a uma interminável batalha jurídica. Já o senador opositor Jorge Enrique Robledo (Polo Democrático Alternativo) avaliou que a luta está apenas no início. “A conclusão é que, a partir desse acordo, a Colômbia se tornará uma espécie de colônia dos Estados Unidos. Isso leva aos democratas desse país a repudiarem de maneira enfática esse ato de submissão do interesse nacional ante o interesse estrangeiro”, afirmou o parlamentar. (Com agências internacionais)
Conservador no plano político, liberal no econômico e cristão por príncipios. Essas são as linhas que definem o movimento separatista Rumo Próprio, que propõe a separação do Estado Zulia, principal produtor de petróleo, do restante da Venezuela. Não é por acaso que a herança separatista dos zulianos aflora neste momento. O ano de 2006 determinará o futuro do processo revolucionário em curso no país. Em dezembro, os venezuelanos decidirão se o presidente Hugo Chávez será reeleito ou não. De acordo com as últimas pesquisas realizadas pela empresa North American Opinion Research Inc, se as eleições fossem hoje, Chávez seria mantido no poder com 66% dos votos. Diante desse cenário, a oposição começa a trabalhar no processo de desestabilização política, prevista pelos principais analistas do país. “Somos de direita e, portanto, contrários ao socialismo. Queremos convencer a sociedade que o capitalismo liberal gera riqueza e bem-estar”, define Alberto Mansurte, vice-presidente do Rumo Próprio. A seu ver é necessário resgatar a independência comercial do país impedida pela “implantação do socialismo” na Venezuela. A proposta do Rumo Próprio é aniliquilar o poder do Estado com processos de privatizações dos serviços públicos e a liberalização comercial. Em um país onde a ruptura com o modelo capitalista ainda
não pode ir além dos discursos do presidente, Mansurte justifica que a decisão do movimento de segregação em realizar um plebiscito visa o direito de escolha da população “zuliana” em decidir entre o capitalismo ou o socialismo. “Há miséria no país porque temos socialismo”, argumenta. A organização separatista espalhou pelas principais rodovias que levam à Zulia, situado ao norte do país, outdoors com mensagens como: “Capitalismo Liberal, esperança dos pobres”, “Família, mercado e propriedade privada, pilares de uma sociedade livre”, ou “Sim, ao Estado Autônomo. Não, ao Socialismo. Basta de Esquerdas”.
O Ministério Público (MP), por sua vez, abriu uma investigação para determinar se a iniciativa da organização Rumo Próprio atenta contra a Segurança Nacional. Na opinião do fiscal-geral da República, Isaías Rodríguez, se trata de crime de “traição à Pátria, atentando contra a soberania e a segurança da nação”, anunciou em um comunicado oficial do MP.
DE OLHO NO OURO NEGRO Ainda que pareça uma ação isolada – e absurda pela fragilidade dos argumentos e de legalidade constitucional –, o cenário no Estado de Zulia é tenso e propício para as ações orquestradas pelos Estados Unidos. Zulia é uma das
Marcelo Garcia
da Redação
Indymedia/ Bogotá
Além de ações contra o narcotráfico, Bush quer financiar o combate a “ameaças à segurança nacional”
O presidente Hugo Chávez enfrenta oposição da direita capitalista e liberal
regiões que corta a gigantesca fronteira com a Colômbia, de onde vieram os paramilitares que foram treinados, depois, do lado venezuelano para tentar um assalto ao Palácio Miraflores no ano 2004. Outro elemento importante é a presença constante do embaixador estadunidense, William Browsfield, no Estado, onde mantém estreitas ligações com o governador opositor Manuel Rosales. E o fator mais importante: Zulia é responsável por 78% da produção petroleira de todo o país, sendo a Venezuela o quinto maior produtor de petróleo mundial. Na atual conjuntura, é impossível dissociar os interesses econômicos depositados nesta região aos da Casa Branca e sua necessidade por controlar o petróleo mundial. O presidente Hugo Chávez respondeu ao que qualifica de um novo intento desestabilizador, no programa dominical Alô Presidente, dia 5. “O imperialismo estadunidense utiliza movimentos infiltrados no país para gerar este tipo de medida de desestabilização. (Os movimentos) se chocarão contra nossas Forças Armadas e nosso povo unido”, assegurou. Não à toa, no dia 5, cerca de 500 mil reservistas-civis junto a voluntários da guarda territorial começaram um treinamento especial, com duração de quatro meses. A tática das Forças Armadas venezuelanas é a de preparar o novo efetivo para enfrentar uma possível guerra assimétrica, considerando a possibilidade de uma invasão estadunidense e a desigualdade bélica entre os dois exércitos.
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AMÉRICA LATINA BOLÍVIA
Congresso convoca Constituinte T
odas as bancadas do Congresso Nacional boliviano aprovaram, no dia 4, duas novas leis que podem mudar a configuração política de forças no país: a convocação de uma Assembléia Constituinte e a Lei do Referendo sobre a autonomia dos Departamentos. “Aqui começa a revolução democrática e cultural”, analisou o presidente boliviano, Evo Morales. De acordo com ele, esses dois processos deverão ocorrer simultaneamente no próximo dia 2 de julho. “Missão cumprida”, disse Morales ao enfatizar que, com essas leis, seu partido – o Movimento Al Socialismo (MAS) – e seu governo consumaram parte de seu programa. O presidente boliviano avaliou que, a partir desse momento, começa “a verdadeira mudança esperada pelo povo” e elogiou o vice-presidente, Alvaro García, responsável pela negociação com os parlamentares. “Sempre dissemos que é preciso buscar consensos, não se trata de vencer, mas de convencer e persuadir com razões que sirvam às maiorias nacionais”, explicou. Morales reconheceu as mobilizações sociais de mineiros, organizações indígenas e de pensionistas que “serviram para fazer com que algum setor do Congresso que queria bloquear a Assembléia Constituinte entendesse que era necessário aprovála”. García explicou também que, como resultado das negociações políticas, a Assembléia Constituinte resguardará o resultado do referendo sobre autonomia. No entanto, a pergunta aprovada pelos parlamentares pouco dialoga com a realidade de grande parte dos eleitores – muitos deles analfabetos. O texto diz: “Você está de acordo, no marco da unidade nacional, em dar à Assembléia Constituinte o mandato vinculante para estabelecer um regime de autonomia departamental aplicável imediatamente depois da promulgação da nova Constituição política do Estado nos departamentos onde esse referendo tenha maioria, de maneira que suas autoridades sejam eleitas diretamente por cidadãos e recebam do Estado nacional competências executivas, atribuições normativas administrativas e recursos econômicos financeiros que corroborem a nova Constituição política do Estado e das leis?” Além de representantes dos partidos políticos, a lei aprovada pelo Congresso garante que os povos indígenas possam também lançar candidatos para participar da Constituinte.
AGENDA Depois de o projeto da nova Constituição ser aprovado, em um prazo mínimo de seis meses e máximo de um ano, o Poder Executivo convocará um referendo constituinte dentro de 120 dias. O povo boliviano deverá referendar o projeto por maioria absoluta de votos para aprová-lo. Se esse resultado não for obtido, seguirá valendo a atual Constituição. A Assembléia Constituinte é uma reivindicação do movimento indígena boliviano – maioria da população – que afirma não se identificar com as atuais leis. Cobra a aprovação de uma Constituição que preserve os direitos indígenas, para formar uma Bolívia de “índios, mestiços e brancos”. Já o referendo sobre autonomia é uma medida defendida principalmente pela elite de Santa Cruz de la Sierra, que almeja obter maior independência do poder central para manejar recursos locais e definir políticas. Nesta região, porção oriental da Bolívia, mais próxima do Brasil, ficam a sede da Petrobras (principal empresa estrangeira do país) e as principais fazendas de soja. (La Jornada – www.unam.jornada.mx)
“Aqui começa a revolução”, comentou Morales sobre a nova Constituinte; ele também anunciou a estatização de 51% das empresas privatizadas na década de 1990
Morales quer retomar controle de privatizadas da Redação
disse que “o Estado boliviano tem vontade política de tomar decisões, esse é o fundamental. Independente de comprarmos as ações ou tomarmos outras medidas para reaver o controle, a questão é que a Bolívia precisa exercer seu direito proprietário de 51%”. O governo boliviano tornou privadas as quatro principais empresas do Estado (YPFB, Entel, ENFE e LAB). Deste processo, sugiram dez companhias que ope-
O governo boliviano anunciou que garantirá ao Estado o controle de 51% das empresas que foram privatizadas entre 1993 e 1997. No entanto, o presidente Evo Morales não descartou que esse processo seja feito a partir da compra de ações para o Estado exercer novamente o poder sobre as companhias. O ministro de Planificação do Desenvolvimento, Carlos Villegas,
ram atualmente no país em diversos ramos: três com petróleo, três em eletricidade, duas são ferroviárias, uma em telecomunicações e outra em transporte aéreo. Nessas dez empresas, as ações dos capitais privados chegam a 50% – 45,5% das ações estão no Fundo de Capitalização Coletiva e os 4,5% foram adquiridos pelos trabalhadores das empresas estatais. Villegas explicou que, para retomar o controle dessas companhias, fará uma ne-
Manifestações contra soldados dos EUA na República Dominicana da Redação Cresce na República Dominicana o repúdio à presença das tropas dos Estados Unidos no país. A justificativa dada pelo governo caribenho para abrir suas fronteiras é a de que os militares estrangeiros vão realizar “obras sociais”. Organizações políticas e setores populares estão organizando protestos quase diários contra os soldados estadunidenses que desembarcaram em fevereiro na cidade de Barahona, a 200 quilômetros da capital Santo Domingo. “A presença armada de centenas de militares estadunidenses constitui uma violação à soberania nacional e a integridade do território da pátria”, disse em um comunidade a Fundação Minerva Mirabal e o Movimento Revolucionário Nova Pátria. Para as organizações, a alegação de que os soldados vão fazer ações sociais é inaceitável. “Isto nos lembra a chegada de Cristovão Colombo frente a invasores espanhóis, quando trocavam espelhos e bugigangas com o ouro dos povos originários”. Os movimentos lembram, ainda, que “para se construir hospitais, uma escola ou uma estrada, é necessário ter picaretas, pás e argila; não se requer fusíveis, basucas e tanques”. Nesse comunicado, as organizações dominicanas denunciam também que as tropas estão se fixando no alto da cadeia de montanhas de Loma del Curro, de onde se pode ver os mares do sul do país.
tem como objetivo influenciar um importante período de definições na ilha Hispaniola, que abriga a República Dominicana e o Haiti. O desembarque das tropas ocorreu um dia antes das eleições presidenciais haitianas (6 de fevereiro) – país que está sob uma ocupação militar liderada pelo Brasil, por parte da Organização das Nações Unidas (ONU). Os militares estarão, ainda, em solo dominicano em 16 de maio, data em que se realizarão eleições para escolher representantes do poder municipal e do Congresso. Narciso Isa Conde, da organização Força da Revolução, acusou os Estados de planejarem a instalação de uma base militar no país. O porta-voz do governo local, Roberto Rodríguez de Marchena,
negou que a presença estrangeira no país seja “uma ingerência”. “Nem o governo dominicano tem a necessidade (de instalar uma base) nem o governo dos Estados Unidos, presumo”, disse. No entanto, a própria embaixada dos Estados Unidos em Santo Domingo deu uma conotação bélica para a presença das tropas ao anunciar que, entre 21 de fevereiro e 22 de março, será desenvolvido um exercício denominado “Novos Horizontes 2006” com a participação do Comando Sul estadunidense e as Forças Armadas da República Dominicana. Segundo a embaixada, tais operações são “um projeto humanitário bilateral que beneficia as comunidades humildes, os centros comunitários, as escolas e assistência médica”.
PRESSÃO MILITAR Críticos do acordo feito pelo presidente Leonel Fernandéz sugerem que a presença dos militares
gociação para que, ao lado das ações dos bolivianos e trabalhadores, o Estado tenha o direito proprietário e, a partir disso, implemente mudanças relacionadas com investimentos, impostos e salários. Assim mesmo, anunciou que o próximo dia 15 de abril anunciará o Plano Nacional de Desenvolvimento que prevê mudanças na Lei de Pensões, no Código dos Trabalhadores Mineiros e superintendências. (Agência Pulsar, www.agenciapulsar.org)
GUATEMALA
MILITARIZAÇÃO
Air Force USA
da Redação
Marcelo Curia
Parlamentares aprovam, ainda, referendo sobre autonomia; resultado será acatado pela nova Constituição
Para críticos, tropas estão em processo de ocupação e não de ajuda humanitária
Alianças contra o muro da intolerância da Redação Movimentos sociais centro-americanos estão se organizando contra o muro que os Estados Unidos pretendem construir na fronteira contra o México para barrar a entrada de imigrantes em seu território. O projeto é acompanhado por uma série de medidas que endurecem a política local contra os estrangeiros. Na Guatemala, está sendo criada uma campanha batizada de “Pela vida, contra o muro”, com a coordenação do movimento indígena Tzuk Kim-pop com apoio de 11 Conselhos de Comunidades de Desenvolvimento. Em poucos dias, já se recolheram mais de 13 mil assinaturas em rechaço à política estadunidense que, segundo os organizadores, converte em criminosos cerca de 11 milhões de imigrantes. Indígenas, camponeses, mulheres e representantes de outros setores enviaram uma carta ao Senado dos Estados Unidos advertindo sobre as conseqüências que traria para a economia centro-americana a aprovação definitiva desta legislação. A carta assegura que a “América Central entrará em um período de instabilidade econômica e política tão grave que igualará ou superará a crise dos anos 1970 e de 1980”. O texto pede aos EUA analisar com prudência a mensagem de apartheid que embute a intenção de construir um muro de mais de mil quilômetros em sua fronteira com o México. Por sua parte, o Coletivo de Organizações Sociais anunciou que, ao lado de outros agrupamentos locais e centro-americanos, contará com apoio de imigrantes que vivem nos EUA para criar uma frente comum de luta contra o muro fronteiriço. (Agência Pulsar, www.agenciapulsar.org)
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INTERNACIONAL IMPERIALISMO
Bush, em queda livre D
entro e fora dos Estados Unidos é cada vez mais baixa a popularidade de George W. Bush. Pesquisa da CBS News divulgada dia 28 de fevereiro mostrou que a aprovação do presidente caiu para o índice mais baixo de todo o seu governo, 34%. Cinqüenta e nove por cento dos entrevistados disseram que desaprovam o desempenho de Bush no cargo. A maneira como Bush conduz o conflito no Iraque, que vinha sendo o ponto mais forte do governo, caiu para um novo recorde de baixa – 30%, em comparação a 37% de janeiro. Além disso, 62% dos estadunidenses disseram que acreditam que os esforços dos Estados Unidos para levar “estabilidade e ordem” ao Iraque estão indo mal. Outra pesquisa, do Le Moyne College/Zogby, mostrou que 72% dos soldados estadunidenses no Iraque gostariam que os Estados Unidos desocupassem o país dentro de um ano. Quase um em cada quatro militares gostaria que a retirada fosse imediata. Bush diz que os soldados vão permanecer no Iraque enquanto forem necessários. Atualmente, os Estados Unidos mantêm 136 mil militares no país. Mas a população vê com preocupação o crescente número de baixas, a instabilidade do Iraque e a enorme quantia gasta no treinamento de militares e policiais iraquianos. Desde a invasão de março de 2003, 2.295 militares dos Estados Unidos morreram no Iraque. Antes de embarcar na viagem à Índia e ao Paquistão, dias 1º e 3, onde foi recebido por protestos, Bush evitou responder a um jornalista que ques-
Indymedia/ Nova Iorque
da Redação
Glenn Brooks
Pesquisas revelam rejeição recorde do presidente dos Estados Unidos em seu país e baixa credibilidade no mundo
Segundo pesquisa Gallup, apenas um terço dos entrevistados acredita que Bush é um presidente respeitado pelos seus pares nos demais países
tionou a perspectiva de desocupação diante da onda de violência iniciada com o atentado a uma importante mesquita xiita do Iraque. 72% dos soldados estadunidenses, que estão no Iraque, apóiam a retirada das tropas, ainda assim Bush diz o contrário
QUEM RESPEITA BUSH? Outro levantamento reforça o quanto descreditada anda a política externa dos EUA. Quase dois terços dos estadunidenses ouvidos na última pesquisa sobre assuntos internacionais feita pelo Instituto Gallup consideram que Bush não é uma figura respeitada por seus pares do resto do mundo. Apenas um terço dos entrevistados disse acreditar que os líderes mundiais “respeitam” Bush, enquanto 63% responderam que “não o respeitam muito”. Trata-se de uma pesquisa periódica do Gallup e que nesta oportunidade revelou o pior resultado para o presidente dos EUA nessa área desde sua primeira posse há cinco anos. Também marca uma
queda estrepitosa desde seu momento de melhor desempenho, em fevereiro de 2002, pouco depois de Washington ter orquestrado a saída do movimento islâmico Talibã, à frente de uma coalizão internacional. Três de cada quatro entrevistados consideraram, então, que o presidente era respeitado por seus pares estrangeiros. O Gallup estimou que a população dos Estados Unidos já era bastante cética sobre o respeito do mundo em relação a Bush até que ocorreram os atentados que deixaram três mil mortos em Nova York e Washington, no dia 11 de setembro de 2001. Em seus primeiros seis meses de governo – iniciado
em 20 de janeiro de 2001 – apenas 45% dos entrevistados pelo Gallup consideravam que ele era um líder mundial respeitado. Mas depois dos atentados, a opinião pública se alinhou ao seu lado. De todo modo, tudo foi por água abaixo desde fevereiro de 2002. A nova pesquisa, feita por telefone com 1.002 adultos, entre 6 e 9 de fevereiro, concluiu que apenas 43% dos pesquisados expressam satisfação com a imagem atual dos Estados Unidos perante o mundo. Essa porcentagem chegava a 71% depois da queda do Talibã e a 69% durante a invasão do Iraque, em abril de 2003. Em um sinal do que pode ocorrer no futuro, o novo estudo indica que,
pela primeira vez desde que Bush assumiu a Presidência, o Irã é o país mais apontado como principal inimigo dos Estados Unidos (quase um terço dos entrevistados), seguido, de longe, por Iraque (22%), Coréia do Norte (15%) e China (10%). O analista do Gallup, Jeffrey Jones, disse, em um artigo que acompanhava o resultado da pesquisa, que entre os seis grandes conflitos bélicos em que os Estados Unidos se envolveram desde a Segunda Guerra Mundial, encerrada em 1945, só a guerra do Vietnã causou tanta oposição pública quando ainda estava em curso. (Com agências internacionais e IPS/Envolverde www.envolverde.com.br)
NAÇÕES UNIDAS
Thalif Deen de Nova York (EUA) Os Estados Unidos lançaram uma ofensiva final contra a atual proposta de criação de um Conselho de Direitos Humanos na Organização das Nações Unidas (ONU), cuja votação na Assembléia Geral está prevista para as próximas semanas. O embaixador estadunidense na ONU, John Bolton, disse estar “muito desiludido” com o rascunho da resolução para a criação do órgão, e agora ameaça votar contra o texto, se não for modificado. “Cremos que não é aceitável”, disse Bolton, numa tentativa de reiniciar todo o processo de negociação do texto elaborado pelo presidente da Assembléia Geral, o sueco Jan Eliasson, e que tem o apoio da esmagadora maioria dos 191 membros da ONU. O novo Conselho substituirá a Comissão de Direitos Humanos, que durante seis semanas se reúne entre março e abril de cada ano em Genebra, como organismo supremo da ONU em assuntos de violações dos direitos humanos. Estados Unidos e Europa Ocidental criticam insistentemente a atual Comissão por incluir entre seus integrantes países com questionados desempenhos em matéria de direitos humanos. Bolton insiste que os membros do Conselho deveriam ser eleitos por uma maioria de dois terços da Assembléia Geral, em lugar de maioria absoluta proposta no rascunho.
PRESSÃO DOS EUA Desta maneira, Washington tenta impedir o acesso de países que considera “violadores habituais dos direitos humanos”, entre eles Cuba, Líbia, Sudão e Zimbábue. O embaixador estadunidense também quer um Conselho menor do que o proposto, de 47 membros. Mas outros
Indymedia/Nova Iorque
EUA contra o Conselho de Direitos Humanos
EUA e Europa Ocidental criticam o Conselho por incluir países com desempenhos questionáveis em direitos humanos
países alertam que um organismo com menos integrantes seria mais vulnerável à manipulação política. “Creio que já tivemos vários meses de negociações. Se a esta altura começarmos a discutir o texto linha por linha, temo que haverá mais demora, e isso causará graves problemas”, afirmou o secretário-geral da ONU, Kofi Annan. Annan também destacou que o rascunho preparado por Eliasson é produto de intensas negociações realizadas desde dezembro de 2005 e que contempla os interesses de todos. “Peço aos Estados-membros que compreendam que este não é um mundo perfeito”, acrescentou o secretário-geral. Enquanto a União Européia não fixa sua posição, “pois alguns países estão sob influência de Washington”, segundo disse um diplomata do Sul em desenvolvimento, Annan espera que os Estados
Unidos “se unam à vasta maioria de governos que estão dispostos a aceitar” o rascunho de Eliasson, afirmou à imprensa o porta-voz do secretário-geral, Marie Okabe.
OPORTUNIDADE HISTÓRICA Bolton, que exerce este mês a presidência rotativa do Conselho de Segurança, provocou ressentimento também ao convocar esse organismo no final de fevereiro para examinar um informe interno que inclui acusações de fraudes e má administração de fundos contra a Secretaria-Geral. As duas maiores coalizões de países dentro da ONU, o Grupo dos 77, com 132 integrantes, e o Movimento dos Não-Alinhados, com 114, rejeitaram a convocação de Bolton, pois, afirmaram, essas acusações são da alçada da Assembléia Geral, não do Conselho de Segurança. Enquanto isso, o rascunho
de Eliasson continua conquistando apoio entre organizações defensoras dos direitos humanos. Embora o documento “seja curto” na visão de Annan sobre uma reforma da ONU, proposta no ano passado, “os governos deveriam aprovar esta resolução sem suavizá-la”, afirmou o diretor-geral da Human Rights Watch, (HRW), Kenneth Roth. “A capacidade da Organização das Nações Unidas para proteger os direitos humanos e sua credibilidade dependerão da disposição dos governos em converter o Conselho em um organismo forte e eficaz”, acrescentou. Roth disse que o novo Conselho proposto “é melhor do que a velha e desacreditada Comissão de Direitos Humanos, mas é menos do que esperávamos”, ressaltou. Roth se mostrou desiludido pelo fato de o texto não incluir
o requisito de que os membros do novo Conselho sejam eleitos por uma maioria de dois terços da Assembléia Geral, já que isso “criaria um grande obstáculo para que grandes violadores dos direitos humanos integrassem o novo organismo”. Por sua vez, a representante da Anistia Internacional na ONU, Yvonne Terlingen, exortou todos os governos a adotarem rapidamente a resolução, já que “é o primeiro passo concreto para o compromisso da Cúpula Mundial de 2005 no sentido de fortalecer a organização de direitos humanos” das Nações Unidas. “É uma oportunidade histórica que os governos não devem perder por causa de interesses políticos egoístas. É tempo de se permitir à Assembléia Geral criar o Conselho de Direitos Humanos”, disse Terlingen. Por sua vez, o diretor jurídico da Human Rights First, Gabor Rona, afirmou que “chegou a hora de a ONU ir mais além da Comissão de Direitos Humanos, que perdeu credibilidade”. A formação do novo Conselho se fará com base em uma distribuição eqüitativa das cadeiras entre os diferentes grupos regionais identificados pela ONU: 13 da África, 13 da Ásia, oito para a América Latina e Caribe, seis para a Europa Oriental e sete para a Europa Ocidental e o grupo de “outros países”. A integração será temporária. Cada país integrará o Conselho por três anos, e não poderá ser reeleito para dois períodos consecutivos. A Assembléia Geral, por maioria de dois terços, poderá suspender os direitos de participação no Conselho de qualquer nação que comprovadamente cometeu graves e sistemáticas violações dos direitos humanos. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
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INTERNACIONAL ÁFRICA
Violência brutal no cotidiano feminino A
violência sexual contra as mulheres africanas é uma tragédia “bem distribuída” pelo continente. É o que revela o relatório anual organização internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) divulgado por ocasião do Dia Internacional da Mulher. Nos últimos anos, segundo o documento, centenas de milhares de mulheres afetadas pelos conflitos sofreram a mesma situação que no recente caso de Darfur, no sul do Sudão. Na República Democrática do Congo, República Centro Africana, Libéria, Serra Leoa e Guiné, dezenas de milhares de mulheres e meninas foram violentadas, agredidas, torturadas, mutiladas. Uma violência que muitas vezes faz parte da estratégia de guerra e se exerce em grupo. “É uma violência que nem sempre acontece pelo mesmo motivo”, afirma Christelle Boulanger, especialista em violência sexual da MSF e uma das expatriadas que ajudam a identificar assuntos de direitos humanos no Sudão, Libéria e Congo. “No Zimbábue, por exemplo, é corrente o fenômeno do incesto, e recebemos muitas vítimas menores violentadas no ambiente familiar, e muitas meninas que estão na primeira adolescência e se oferecem por dinheiro.” O fim dos conflitos não significa que esse tipo de violência termine e que se aplique justiça aos agressores. Na Libéria, um país em paz desde 2003, a MSF viu aumentar o número de violações: em 2005 receberam entre 50 e 60 casos por mês em seu hospital de Monróvia, mas em janeiro passaram para 200. E o mais preocupante é que a metade dos agressores é menor de idade, quer dizer, jovens que nunca conheceram outro contexto que não o da guerra. “É uma das seqüelas da guerra: o intercâmbio social violento”, afirma Christelle. No Congo, a MSF atendeu 4.500 vítimas entre 2003 e 2005. A mais jovem tinha oito meses e a maior, 80 anos. A grande maioria, 82%, foi ameaçada com um fuzil ou machado. A brutalidade nesses casos é pouco comum, como indica o número de fístulas vesicovaginais (ruptura da membrana que separa a vagina do ânus). “A falta de justiça e a impunidade estimulam a seguir por esse caminho”, acrescenta o relatório. Desde novembro de 2005, a Libéria conta com uma nova lei de violação que não reconhece a violação marital. “Em quase nenhum país da África existe a noção da violação dentro do casal”, diz Christelle. No Sudão, um país muçulmano onde o tabu é tão forte quanto o estigma que sofrem as mulheres, soma-se à impunidade a forte probabilidade de a vítima sair perdendo caso decida denunciar. Diante do tribunal, deve provar com a ajuda de quatro testemunhas que foi violada. Se não conseguir e for casada, será condenada por adultério e se for solteira, por fornicação.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA Na Zâmbia, quase a metade das mulheres entrevistadas disse ter sido espancada pelo parceiro, segundo um estudo de 2004 financiado por organizações feministas dos Estados Unidos, o que significa a maior porcentagem de espancamentos nas nove nações em desenvolvimento pesquisadas nos três continentes. Na África do Sul, pesquisadores do Conselho de Pesquisa em Mídia estimaram em 2004 que a cada seis horas um homem mata a namorada ou a mulher – o maior índice de mortalidade devido à violência doméstica já registrado, dizem eles.
rido, ou contar o que se passou apenas a uma amiga ou a um parente.
DESCASO
Mulheres são as mais afetadas pelos conflitos; de cada dez assassinatos, seis são causados por violência doméstica
Em Harare, capital do Zimbábue, a violência doméstica responde por mais de seis em cada dez casos de assassinatos levados aos tribunais, segundo o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU).
Mas a maioria das mulheres continua silenciosa com relação a esses abusos, afirmam organizações de direitos das mulheres. Um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS) revelou que, embora mais de
um terço das mulheres namibianas tenha denunciado abusos físicos ou sexuais cometidos por um companheiro, muitas vezes resultando em ferimentos, seis em cada sete vítimas preferem fazer segredo sobre o ocor-
A comunidade internacional está fracassando na hora de assumir suas responsabilidades e prestar assistência às populações em situação de emergência onde ela é mais necessária: nas crises derivadas de epidemias, doenças esquecidas ou conflitos crônicos, que mais provocam mortes e sofrimento. É a mensagem implícita na “Memória Internacional 2005” da Médicos Sem Fronteiras, que ressaltou novamente a falta de compromisso dos países doadores, cujos programas de ajuda oficial, como o do Congo, são orientados para o desenvolvimento, esquecendo que milhares de pessoas continuam sofrendo as conseqüências de uma violência sistemática. A experiência do Níger, onde se combinaram três elementos (seca, insegurança alimentar e a praga do gafanhoto) e geraram uma emergência, foi uma das lições nesse sentido. Rafael Vilasanjuan, diretorgeral da MSF, lembra que em plena crise nutricional a comunidade internacional pretendeu condicionar a distribuição gratuita de alimentos à estabilidade do mercado, uma política que pôs milhares de vidas em risco, gente que não podia comprar alimentos nem por baixo custo. Afinal, pressionada pelas organizações não-governamentais, a comunidade internacional reagiu, embora um pouco tarde. “Acontece que em países em conflito ou pós-conflito se pretende que a ajuda humanitária seja um meio para conseguir uma paz política e uma governabilidade que acreditamos deva ser alcançada por outros meios. Ao ocorrer isso, a ajuda humanitária perde seu sentido, pois fica condicionada”, afirma Vilasanjuan. (Com agências internacionais e La Vanguardia, www.lavanguardia.es)
ANGOLA
Gravidez, amarga espera Karen Iley de Luanda (Angola) A falta de educação pré-natal e o difícil acesso a cuidados médicos fazem com que a gravidez e o parto sejam particularmente perigosos para as mulheres de Angola. No momento, o quinto Objetivo de Desenvolvimento das Nações Unidas para o Milênio (reduzir em três quartos a mortalidade materna até 2015) parece inatingível neste país da África Meridional. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) informa que para cada mil partos 17 mulheres morrem em Angola. A possibilidade de uma angolana morrer na gravidez e no parto é de uma em sete, muito superior à media de 1 em 16 para toda a África Subsaariana e muito pior do que a média de uma em duas mil das européias e de uma em três mil das estadunidenses. Este panorama é, em parte, um legado dos 27 anos de guerra civil que o governo enfrentou contra a União para a Independência Total de Angola (Unita). O país agora desfruta de seu quarto ano de paz, mas ainda sofre uma generalizada carência de instalações de saúde básicas. Além disso, as estradas são intransitáveis por causa da péssima conservação e pela presença de minas terrestres não detonadas, o que tornam inacessíveis os poucos serviços existentes para a população de vastas áreas distantes das cidades. As futuras mães prescindem freqüentemente de cuidados prénatais básicos, que incluem educa-
Arquivo BF
da Redação
François Goemans/ ECHO
Relatório anual da ONG Médicos Sem Fronteiras revela que as agressões fazem parte de estratégia de guerra
Angolanas têm grandes possibilidades de morrer durante a gravidez ou no parto
ção sobre Aids, nutrição, higiene e prevenção da malária, doença que causa anemia na gravidez e constitui a principal causa de mortes de mães e bebês. “Faltam instalações, mas as mulheres também procuram ajuda tardiamente”, disse Maryse Ducloux, coordenadora-assistente do ramo belga da organização Médicos Sem Fronteiras. Muitos partos transcorrem sem assistência técnica e, portanto, complicações comuns acabam em morte.
POUCA INFORMAÇÃO “Existe entre as mães uma arraigada crença na medicina tradicional e em ter seus filhos em casa sozinhas ou com familiares que as ajudem. E é difícil acabar com isso”, disse Maryse. “Quando as mulheres che-
gam aos hospitais, freqüentemente não há nada que possamos fazer por elas. Simplesmente, vêm para morrer”, acrescentou. Por outro lado, os abortos voluntários (ilegais em Angola, exceto para salvar a vida da mulher) complicam o panorama. A ilegalidade “não impede que algumas mulheres tentem abortar em casa, com métodos próprios da medicina tradicional. Costumam chegar aos nossos hospitais em um estado terrível”, acrescentou Maryse. Os altos níveis de fertilidade e a atividade sexual precoce agravam a ameaça de complicações, infecções e morte durante o parto. O governo pretende reduzir em um terço a mortalidade materna até 2008, o que marcaria substancial avanço rumo ao quinto Objetivo do
Milênio. Os oitos objetivos foram adotados pelos chefes de Estado e de governo na Cúpula do Milênio realizada em 2000 em Nova York (EUA). Estes são reduzir, até 2015 e em relação a 1990, pela metade o número de pessoas indigentes e que sofrem fome, bem como conseguir educação primária universal; promover a igualdade de gênero; reduzir em dois terços a mortalidade infantil e em três quartos a materna; combater a expansão do HIV/Aids, a malária e outras doenças; assegurar a sustentabilidade ambiental e criar uma sociedade global para o desenvolvimento entre o Norte e o Sul. Angola enfrenta uma lista quase infinita de necessidades tão graves quanto a saúde materna. Mas os doadores lhe dão menos importância do que, por exemplo, à luta contra a mortalidade infantil, por isso se teme que as autoridades façam pouco em benefício das grávidas. O panorama é desanimador em um país onde muitas mulheres carecem de acesso à educação e de maiores perspectivas para além da maternidade. As angolanas têm, em média, sete filhos. Setenta por cento dão à luz ao primeiro filho quando ainda são adolescentes. A informação sobre planejamento familiar é escassa. Quem exerce a medicina nestas áreas considera que as mulheres dispostas a utilizar anticoncepcionais ou espaçar os nascimentos enfrentam a atitude de seus companheiros, que costumam ver esse desejo como uma afronta à sua virilidade. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
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NACIONAL BIODIVERSIDADE
Soberania e saúde em jogo (político) Rui Ohkeda de São Paulo (SP)
Arquivo JST
Sob pressões de transnacionais, governos podem determinar medidas que comprometem o futuro do planeta dígenas para conservação e uso sustentável da biodiversidade, tal como previsto na Convenção. Assim, medidas políticas sobre o acesso a recursos genéticos e a repartição de benefícios devem necessariamente incluir os sistemas de conhecimento tradicionais, e esses sistemas necessitam ser protegidos e reconhecidos em toda sua complexidade.
H
averá muito mais do que discussões técnicas sobre temas ambientais, em São José dos Pinhais, no Paraná, local escolhido para ser a sede, no Brasil, de dois eventos da Organização das Nações Unidas: a 3ª Reunião das Partes sobre o Protocolo de Cartagena (MOP8), de 13 a 17 de março, e a 8ª Reunião das Partes sobre a Convenção sobre a Diversidade Biológica (COP8), de 20 a 31 de março. Representantes dos governos de quase 200 países estarão reunidos para tomar decisões a respeito de temas vitais ao futuro do planeta. Mas também haverá uma intensa disputa política, contrapondo visões e interesses antagônicos. Empresas como Monsanto, Syngenta, Basf, DuPont vão defender seus interesses, pressionando por posições que contemplem sua sede de ampliar lucros às custas da biodiversidade, da saúde humana e das comunidades tradicionais. O poder de fogo dessas corporações transnacionais junto aos representantes de governos é grande. Têm a seu dispor poder financeiro, apoio político dos “seus” governos, espaço nos órgãos da grande mídia corporativa – além de participarem diretamente dos organismos governamentais. No Brasil, por exemplo, a Monsanto conta com o apoio explícito do ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Roberto Rodrigues, e tem uma influência considerável na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
BIOPIRATARIA
Reuniões da Organização da Nações Unidas, no Paraná, discutirão transgênicos, venda de sementes estéreis e biopirataria
das empresas transnacionais, especificamente da Monsanto, que pretende aprovar a liberação das sementes estéreis para tornar os agricultores dependentes. Se a tecnologia for aprovada, o agricultor vai comprar a semente, plantar e, no ano seguinte, a mesma semente não se reproduzirá, obrigando o trabalhador a adquirir outra semente. “Se o agricultor quiser guardar a
REPARTIÇÃO DE BENEFÍCIOS A Convenção sobre Diversidade Biológica estabelece como objetivos o uso sustentável dos
Via Campesina faz encontro paralelo
TRANSPORTE DE ORGANISMOS
Solange Engelmann de Curitiba (PR)
Entre várias questões essenciais, serão abordadas, nas reuniões, a identificação de cargas contendo Organismos Vivos Modificados (veja reportagem na edição 157 do Brasil de Fato). No ano passado, os países que fazem parte do Protocolo de Cartagena deveriam ter tomado uma decisão sobre a identificação. E só não decidiram a favor da identificação por causa da postura confusa do Brasil, que está emperrando a discussão. Para Maria Rita Reis, assessora jurídica da organização não-governamental Terra de Direitos, a postura confusa do Brasil em relação à identificação dos transgênicos se deve a um conflito interno dentro do governo federal. Enquanto que o Ministério do Meio Ambiente é contra a liberação dos organismos geneticamente modificados, os ministérios da Agricultura e da Ciência e Tecnologia defendem essa tecnologia.
Terra Livre de Transgênico é o nome do acampamento paralelo que a Via Campesina vai realizar, dia 31 de março, para acompanhar as negociações da 3ª Reunião das Partes sobre o Protocolo de Cartagena (MOP8), e da 8ª Reunião das Partes sobre a Convenção sobre a Diversidade Biológica (COP8) – cuja pauta está diretamente relacionada ao projeto de agricultura da organização que agrega agricultores
ferências e atos públicos. Será discutida a proposta de agricultura da Via Campesina e o projeto popular para a agricultura mundial. “Queremos deixar claro para o mundo e para os povos da América Latina que os assuntos em discussão nas reuniões oficiais não refletem o pensamento do povo, mas das transnacionais e das grandes empresas que estão influenciando essa pauta. Há um descontentamento muito grande sobre a questão do tratamento do meio ambiente e da biodiversidade no mundo”, denuncia Santos.
de diversos países. O acampamento será no Parque Newton Freire Maia (antigo Parque Castelo Branco), em Quatro Barras (a 20 km de Curitiba), e a expectativa é reunir cerca de 6 mil agricultores, principalmente das regiões Sul e Sudeste. “O que for aprovado nas conferências pode ir contra o nosso projeto de agricultura. E pode mexer com a soberania dos agricultores no mundo todo”, alerta Diorlei dos Santos, integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O acampamento também vai abrir espaço para debates, con-
Reunidos em Curitiba, entre 7 e 8 de fevereiro, vários movimentos sociais lançaram uma carta para esclarecer a população sobre o que está em jogo nos encontros MOP8 e COP8. O documento, intitulado “Carta de Curitiba”, afirma que a expansão do agronegócio é a principal causa de destruição da biodiversidade. Segunda a carta, a proteção da biodiversidade necessita de padrões baseados em princípios ecológicos, na justiça social e na desconcentração da propriedade da terra.
ANÁLISE
O papel dos movimentos sociais Adilson Vieira, Leide Aquino, Temístocles Marcelos Neto
SEMENTES ESTÉREIS
temas serão discutidos, mas não sob a ótica das transnacionais, e sim da classe trabalhadora, dos sem-terra, da agricultura familiar, das comunidades tradicionais e dos povos indígenas. Assim, além do acampamento da Via Campesina, teremos o Fórum Global da Sociedade Civil – Bem-Vindo ao Mundo Real, espaço destinado a elaborar e articular propostas e estratégias dos movimentos sociais, a denunciar as políticas e interesses das corporações trans-
nacionais e de organizações como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mundial do Comércio. O papel dos movimentos sociais será chave para que possamos conter a ação das corporações multinacionais e das grandes potências capitalistas. Contudo, a sua ação não será a de simplesmente contrapor o seu lobby aos lobbies das corporações. Mesmo porque essa luta não terminará no dia 31. O nosso papel será o de construir uma verdadeira
mobilização social de massas para lutar contra a injustiça global e pelos interesses e direitos dos explorados e oprimidos do mundo todo. Adilson Vieira é secretário geral do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) e integrante da coordenação do Fórum Brasileiro de ONGs e movimentos sociais, Leide Aquino é presidente do GTA e Temístocles Marcelos Neto é coordenador da Comissão Nacional do Meio Ambiente da CUT
Ibama
Os movimentos sociais e outras organizações da sociedade civil não dispõem dos recursos das corporações e sua influência em governos é pífia. A sua força reside, como sempre, na sua capacidade de mobilização e organização. E durante as duas semanas estarão presentes em Curitiba, realizando eventos alternativos, nos quais os mesmos João Roberto Ripper
Outro tema em pauta das reuniões tecnologia Terminator – que, por meio de manipulações genéticas, pode esterilizar sementes ou suprimir algumas das suas propriedades vitais. Desde 2000, uma moratória impede a realização de experimentos em campo aberto e o uso comercial dessa tecnologia. Porém, embora apenas a empresa Delta & Pine Land, juntamente com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, disponha de produtos Terminator para introduzir no mercado, as demais corporações já registraram várias patentes e têm exercido forte pressão para liberar a tecnologia. No final de janeiro, durante a última reunião preparatória para a COP8, essa pressão ficou bastante evidente: as delegações australiana e estadunidense adotaram a tática de, virtualmente, pôr um fim à moratória de 2000, em favor de uma abordagem “caso a caso”. Segundo Diorlei dos Santos, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o terminator é uma ofensiva muito grande
recursos genéticos e a repartição de benefícios resultantes desse uso entre países provedores e países usuários. Entretanto, tal como está, representa muito mais uma compensação para a privatização de bens e de conhecimentos do que uma repartição justa de benefícios decorrentes da utilização de conhecimentos e práticas de comunidades tradicionais e in-
semente e plantar na próxima safra, basta saber as técnicas, mas a partir do momento que se permite o patenteamento, ele perde a última autonomia na cadeia de produção”, lamenta Maria Rita.
A discussão sobre biopirataria ainda carece de definições mais claras e medidas eficazes. O seqüestro de recursos, o contrabando de diversas formas de vida da flora e da fauna, a apropriação e a monopolização dos conhecimentos das populações tradicionais devem ser combatidos de maneira contundente, como crimes contra as populações tradicionais e a própria humanidade. Essa prática ainda impera. Nos últimos tempos, inúmeros casos vieram à tona. Tenta-se patentear e se apropriar, de forma privada, de conhecimentos e recursos naturais, às vezes de forma cínica e grotesca, como ocorreu com o notório caso do cupuaçu da Amazônia. Além de medidas concretas que combatam a biopirataria, os ativistas ambientais consideram necessário discutir as leis nacionais de patentes, como a do Brasil, que promovem os interesses privados. (Colaborou Solange Engelmann)
Os movimentos sociais realizarão um fórum paralelo, que irá abordar os mesmos temas que a Conferência da ONU, porém sob a ótica do trabalhador
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DEBATE PRIVATIZAÇÕES
Uma cidade loteada Laerte Braga uiz de Fora, em Minas Gerais, está a 190 quilômetros do Rio de Janeiro, pouco mais de 200 de Belo Horizonte e é uma das cem maiores cidades brasileiras. São cerca de 600 mil habitantes. Neste momento, Juiz de Fora vive um instante de pesadelo. Carlos Alberto Bejani, um ex-radialista que fazia do sensacionalismo barato o seu caminho para o sucesso virou prefeito pela segunda vez e em pouco mais de um ano de governo já privatizou/terceirizou quase todos os serviços públicos, firmou contratos suspeitos e permanece impune, apesar de responder a processos por corrupção e enriquecimento ilícito, ainda do seu primeiro mandato (1989/1993). Se a primeira vitória, em 1988, foi possível pelo seu estilo de radialista “corajoso”, capaz de defender os fracos e oprimidos, a segunda se deveu ao dilema de boa parte do eleitorado. Ou o tucano Custódio Matos ou ele. O apoio do PT de Lula ao candidato do PTB – Bejani pertence ao partido de Roberto Jéferson (um irmão do ex-deputado cuida do orçamento municipal) – foi decisivo para que voltasse ao governo municipal. Nas duas tentativas que se seguiram ao primeiro mandato, perdeu sempre no segundo turno. Os dois processos que correm na Justiça contra Bejani estão dormindo nas prateleiras do Tribunal de Justiça e da Vara de Fazenda Pública da comarca de Juiz de Fora. Vão desde obras superfaturadas, propina por conta da venda de bens públicos, “participação” nos lucros das empresas de transportes coletivos urbanos, toda a sorte de trapaças imagináveis e inimagináveis a um político sem qualquer compromisso com a cidade, com o povo. No dia 16 de março, completam-se dez anos que repousa, na Vara da Fazenda Pública, um desses processos, concluso para sentença.
Kipper
J
Se o primeiro mandato de Bejani foi o da aventura, o segundo mandato revela um Bejani diferente. É como aquelas gravuras que existem nos açougues, onde cada parte do boi é descrita, para que o freguês saiba onde fica a alcatra, o filé e assim por diante. FEBRE DA PRIVATIZAÇÃO
O vice-governador de Minas Gerais, Clésio Andrade, é o dono do filé mignon. As empresas de transportes coletivos urbanos, do contra filé. Renato Machado, um empresário local, da alcatra. Outros menores levam as partes restantes da carne de primeira. E o povo, nem a de segunda.
Paga a conta dos destrambelhamentos do prefeito. Uma empresa pública, Companhia de Saneamento e MeioAmbiente (Cesama) cuida da água e do esgoto. Foi criada pelo ex-presidente Itamar Franco, seu primeiro diretor. Modelo no setor, sofre um processo de liquidação para que possa ser privatizada. Clésio Andrade e o grupo Andrade Gutierrez estão de olho no botim. Todos os serviços de saúde estão sendo privatizados e entregues a aliados políticos do prefeito. O hospital público municipal foi desativado e um hospital privado cumpre o seu papel. Um dos diretores do dito
hospital, Rogério Ghedin, ocupa um cargo na área de educação da prefeitura. A educação, hoje dirigida por uma inspetora, virou uma espécie de delegacia. O “legalismo” substituiu a vida inteligente. Neste momento, o prefeito cogita de fechar o Posto de Atendimento Médico (PAM), prédio público, para entregar o que resta do SUS à iniciativa privada. Um segundo hospital, esse fechado, o Bom Pastor, está para ser reaberto e prestar esses serviços. É privado, lógico. Eleito com a promessa de combater as multas, determinou que cada agente de trânsito apresente pelo menos cinqüenta multas por
semana, como forma de aumentar a “receita”. Os serviços públicos municipais foram tomados de assalto pela febre das privatizações e terceirizações, feitas ao sabor dos interesses do prefeito em benefício dos donos das várias partes do boi. O recente aumento das tarifas de transportes coletivos urbanos gerou um movimento de estudantes, comandado pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Juiz de Fora, com participação de vários setores organizados da cidade. Está servindo para mostrar as fragilidades do prefeito. Assustase e teme que, como aconteceu no primeiro governo, a reação cresça e se veja encurralado, mesmo tendo o apoio de figuras como Clésio Andrade. O vice-governador gosta de jactar-se de suas amizades e garantiu ao prefeito que “segura” seu processo no Tribunal de Justiça do Estado. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, é outro de seus aliados. Foi com ele a Washington tentar liberar um financiamento conseguido no governo anterior para a despoluição total do Paraibuna. Foi lá, no Banco Mundial, que receberam as ordens para privatizar a Cesama. Uma das leis municipais que determina que cada obra pública tenha o nome da empresa, ou empresas que as executam, o valor, o prazo e a finalidade, está sendo desrespeitada. As placas contêm apenas o slogan do governo e um acréscimo: “a prefeitura trabalhando”. Mas, para o prefeito. A Câmara é controlada por Bejani. Dos dezenove vereadores cinco ou seis, no máximo, enfrentam o desvario e mesmo assim não conseguem superar barreiras colocadas pelo presidente do Legislativo, o vereador Vicente de Paula Oliveira, o Vicentão. A cidade de Juiz de Fora, a primeira da América do Sul a dispor de energia elétrica, está sendo loteada por um governo corrupto e inconseqüente. Laerte Braga é jornalista
Kipper
O avalista de Bejani
Ivanir Yazbeck primeiro político a pôr a sua cara na TV assumindo apoio ao candidato Alberto Bejani, no segundo turno das eleições municipais de 2004, foi o deputado federal Júlio Delgado (PSB), filho do então prefeito Tarcísio Delgado, que torcia o nariz para a candidatura de Bejani. E ele tinha suas razões, pois, beminformado, ao contrário do filho, sabia das histórias de enriquecimento surpreendente e rápido do ex-radialista pobre e endividado antes de assumir o seu primeiro mandato como prefeito de Juiz de Fora, em 1989. Em dois mandatos, Tarcísio não foi propriamente um modelo de administrador, embora tenha se esforçado em comparações risíveis de Juiz de Fora com Barcelona, Espanha, e a integrado a um grupo de municípios do Mercosul denominado Mercocidades. O que na prática isso representou ainda está para ser revelado – além de um tratado
O
de devaneios culturais delirantes, escritos e pronunciados por seu secretário de Cultura, que extrapolam o entendimento de simples mortais. Sua assessoria de Comunicação divulgava esses fatos como uma conquista formidável, tentando encaixar Juiz de Fora numa discutível relação de cidades com “qualidade de vida” exemplar e de “nível cultural elevado”. A reforçar esta segunda assertiva, as generosas verbas públicas destinadas a escolas de capoeira, a pretexto de incentivar uma “manifestação folclórica tradicional de Juiz de Fora”, em detrimento de projetos sérios nas áreas de literatura, teatro, música, etc., solenemente ignorados e atirados ao lixo. Quanto à propalada qualidade de vida, a realidade mostrava o Centro da cidade ocupado por mendigos e camelôs disputando a tapa cada metro quadrado da outrora nobre Rua Halfeld e adjacências. O cenário e o ambiente lembravam mais a paraguaia Ciudad Del Este ou o comércio das superfavelas cariocas, do que propriamente a elegante Barcelona. Assessores de Tarcisio diziam que esta era uma maneira de evitar o crescimento da criminalidade, admitindo-se a camelotagem desenfreada. Resultado: não se reduziu os índices de violência e admitiu-se a degradação do Centro, onde valia tudo: poluição
visual e poluição sonora insuportáveis, causadas pelos maus comerciantes, gananciosos, individualistas, impunemente. Mas, apesar desses traços negativos de sua administração, Tarcísio foi honesto. Jamais se levantou contra ele dúvidas quanto à manipulação das verbas públicas. Todas as suas contas foram aprovadas – ao contrário das de Bejani. E quando ele se viu, no segundo turno das eleições, espremido na incômoda alternativa de optar entre o tucano Custódio Mattos, seu adversário político, e o corrupto Bejani, Tarcísio preferiu a neutralidade, deixando a seu filho, o deputado federal Júlio Delgado, a decisão pessoal – corajosa e irresponsável – de recomendar aos seus eleitores que votassem em Bejani. As rodas do destino jogariam no colo de Júlio Delgado, um ano depois, o relatório sobre o processo instaurado por quebra de decoro parlamentar contra o deputado José Dirceu (PT-SP) na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados. DIGNIDADE?
Delgado declarou que era preciso cassar-lhe o mandato para “restaurar a dignidade e a credibilidade da Câmara”. E que “o conjunto de evidências era prova contundente contra Dirceu”. E mais: “Não seria necessariamente baseada em
provas materiais, mas em evidências de um comportamento incompatível com o decoro parlamentar”. (Trechos extraídos do jornal O Globo). Retornemos a outubro de 2004, véspera do segundo turno: o deputado Júlio Delgado desconhecia o processo contra Bejani por assalto aos cofres públicos? Seu pai não o preveniu que estava se aliando a um político com um passado criminoso, ainda que no terceiro mandato de deputado estadual, quando defendeu, acintosamente, carade-pau, os imorais aumentos nos salários e benefícios dele e de seus pares na Assembléia Legislativa? (Ainda estão vivos na retina e na memória de quem o viu e ouviu o seu depoimento cínico ao Jornal Nacional, da Rede Globo, justificando um trem da alegria dos deputados estaduais mineiros). É possível que o deputado Delgado soubesse apenas “por alto” dos comentários à bocapequena sobre as falcatruas que Bejani e a Construtora Pequiá armaram para desviar recursos destinados a construção de escolas públicas – o primeiro dos assaltos, logo no início do primeiro mandato. E provável, também, que ao negociar pessoalmente o apoio com Bejani, olho no olho, ter acreditado no juramento do candidato, mão direita sobre a Bíblia, afirmando que nunca desviou para o seu bolso um centa-
vo que pertencesse ao povo de Juiz de Fora. Os tititis sobre a roubalheira dele em conluio com o dono da Pequiá não passavam de intriga da oposição. Num desses dias em que o deputado Delgado se encontrar em Juiz de Fora, peça um tempinho a suas bases, e faça uma visita à Vara da Fazenda Pública e Autarquias Municipais, para dar uma examinada no volumoso processo contra Bejani – Ação Civil Pública, distribuída em 15 de março de 1996, nº. 014596010356-5. Leia as 22 páginas iniciais e tire as suas conclusões. Depois, que venha a público e tenha a coragem de reafirmar o aval ao prefeito Bejani, o político mais corrupto de toda a história política de Juiz de Fora –, apoio este que lhe valeu, entre outras coisas, como moeda de troca de favores, o cargo de Superintendente da Funalfa à sua irmã Érica Delgado. Caso contrário, se o que lhe bater à vista causar surpresa e repulsa, deverá declarar suspenso o apoio a Bejani, utilizandose da mesma oratória dirigida aos membros da Comissão de Ética sugerindo a cassação do ex-ministro da Casa Civil do presidente Lula. Onde houver a classificação “federal” ou “nacional” substitua por “municipal” ou “regional”. Ivanir Yazbeck é jornalista
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De 9 a 15 de março de 2006
agenda@brasildefato.com.br
AGENDA LIVROS Divulgação
de profissionais qualificados. Os trabalhos não serão reproduzidos, nem comercializados. Aqueles que forem selecionados terão a sinopse publicada em um catálogo que está sendo elaborado pelo NPC e serão distribuídos para alguns contatos da NPC, como escolas, sindicatos, movimentos sociais. Mais informações: www.piratininga.org.br, npiratininga@uol.com.br
PARANÁ OFICINA PARA ENCONTRO NACIONAL DE CULTURAS POPULARES 14, 9h Com o objetivo de começar as articulações e preparativos para o Encontro Nacional de Culturas Populares, que será realizado em Brasília, ainda este ano, a oficina trará ao público trabalhos em grupo, plenárias e seminários. Na parte da noite acontecerá o lançamento do livro Seminário Nacional de Políticas Públicas para as Culturas Populares, seguido de exposição de artistas locais. Entrada Franca. Local: Auditório Brasílio Itiberê, R. Cruz Machado, 138, Centro, Curitiba Mais informações: (41) 3321- 4743 ARQUITETURA E TRABALHO LIVRE O livro é uma coletânea de textos produzidos ao longo dos 40 anos de carreira de Sérgio Ferro, arquiteto, pintor e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU/USP, 1962-1971) e da École d”Architecture de Grenoble (1973-2003). Partindo da arquitetura renascentista (Brunelleleschi, Michelangelo e Palladio) até Le Corbusier e a arquitetura moderna brasileira (Oscar Niemeyer, Lucio Costa e Villanova Artigas), o autor chega à problemática da habitação popular e à produção arquitetônica do luxo. O livro custa R$ 65 e tem 456 páginas. Mais informações: www.cosacnaify.com.br
CURSO REDE JOVEM Inscrições abertas A Rede Jovem, uma iniciativa da ONG Comunitas, oferece três cursos gratuitos realizados via internet, mas com pontos de acesso em comunidades onde os jovens não têm acesso à internet. Os cursos, com 50 vagas cada, têm a duração de 3 meses e ocorrerão de forma seguida, o primeiro será de linguagem HTML, do dia 13 de março a 2 de junho, O curso de moda e customização de roupas vai de 12 de junho a 1º de setembro. O terceiro curso, de produção de textos jornalísticos, vai de 11 de setembro a 1º de dezembro. Nos pontos de acesso à internet o aluno terá 5 horas de uso. Mais informações: www.redejovem.org.br REVELANDO BRASIS Inscrições até 13 Em seu segundo ano, o projeto realizado pela Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura tem como objetivo selecionar histórias e produzir, por meio de textos escolhidos, 40 vídeos digitais em cidades com até 20 mil habitantes. Para participar é preciso ser morador de uma cidade com até 20 mil habitantes e ter mais de 18 anos. São aceitas histórias reais e ficções. As 40 escolhidas serão transformadas em vídeos de 15 minutos, dirigidas pelo próprio autor do texto, que antes participará de
VÍDEOS POPULARES Até 15 de abril O Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) estendeu o prazo para o recebimento de trabalhos VHS ou DVD que tratem de lutas populares, manifestações artísticas, recuperação da memória e expressões culturais do povo, entre outros. Os vídeos devem ser feitos por sindicatos, ONGs ou movimentos sociais, com a ajuda
SANTA CATARINA SEMINÁRIO INTERNACIONAL CORRUPÇÃO E SOCIEDADE: O PENSAR, O QUERER, O FAZER de 27 a 29 Realizado pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina e pelo Instituto Ruy Barbosa, o seminário pretende
SÃO PAULO 19ª BIENAL DO LIVRO de 9 a 19 Pela primeira vez, a Bienal do Livro acontece no Pavilhão de Exposições do Anhembi e deve ter um número de expositores que supere os 320 da anterior. A Bienal contará com atividades como o Salão de Idéia, local onde haverá debates e pequenas palestras com grandes escritores, entre eles o teólogo Leonardo Boff e o educador Mário Sérgio Cortella. Local: Pavilhão do Anhembi, Av.
DEBATE SOBRE A TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO 16 Realizado pela Câmara Municipal de Campinas, o debate terá a participação dos engenheiros civis e hidrólogos Cássio Borges (Ceará) e João Abner (Universidade Federal do Rio Grande do Norte). Serão discutidos posicionamentos contra e a favor da transposição do rio, além de temas que envolvem o semi-árido brasileiro. Local: Centro de Convenção da Unicamp, R. Elis Regina, s/n°, Cidade Universitária ZeferinoVaz, Campinas 1° SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE AÇÃO TRIBUTÁRIA E PREVIDÊNCIA SOCIAL 20 e 21, das 8h30 às 18h O objetivo do seminário é aprofundar questões que envolvam o projeto de fusão dos Fiscos e também promover debates sobre administração tributária e previdência social, sob o enfoque político, jurídico e internacional. O evento é promovido pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais (Unafisco Sindical) e pelas delegacias sindicais de diversas capitais do país. As inscrições variam de R$ 100 a R$ 120. Local: Auditório Nobre do Edifício da Sede do Ministério da Fazenda, Av. Prestes Maia, 733, 22° andar, Centro, São Paulo Mais informações: (11) 5531-0784, www.unafiscosindical-sp.org.br ARQUITETURA DA DESTRUIÇÃO - CURSO DE FOTOGRAFIA 22 Ministrado pelo fotógrafo Anderson Barbosa, o curso tem como objetivo apresentar dois mundos em constante conflito no contexto social – o mundo daqueles que têm e daqueles que não têm moradia. O curso vai acontecer na ocupação Prestes Maia, no Centro de São Paulo, local que segundo Anderson Barbosa desnuda essa contradição da metrópole. O custo total do curso é de R$ 230, e terá duração de um mês e meio. Mais informações: (11) 3083-4158 www.rever.fot.br
RESENHA
Revolução transcendente ão lgaç
NACIONAL
cursos preparatórios. As inscrições só poderão ser feitas por correio. A ficha de inscrição e outras informações podem ser encontradas nos postos dos correios das cidades com menos de 20 mil habitantes. Mais informações: www.revelandobrasis.com.br
PROJETO CUIDE-SE Inscrições a partir de 6 O objetivo do Projeto Cuide-se é contribuir com conteúdo teórico e metodológico para o desenvolvimento de projetos, ações e intervenções sociais nas questões relacionadas a educação sexual e prevenção às DST/Aids. O curso vai de março a dezembro, com aulas uma vez ao mês. Serão trabalhados vários temas como sexualidade infantil, na adolescência, violência sexual, relações de gênero, homossexualidade. Local: Auditório do jornal O Dia, R. do Riachuelo 359, 7° andar, Centro, Rio de Janeiro Mais informações: 0800-218 218
7º SEMINÁRIO INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO Inscrições até 30 O seminário, que acontecerá entre os dia 28 e 30 de agosto, na Faculdade Federal de Santa Catarina (UFSC), reunirá pesquisadores com estudos e publicações no campo de gênero e questões feministas. Além das conferências, painéis e mesas-redondas haverá simpósios temáticos que pretendem reunir artigos de várias áreas que reflitam e discutam o trânsito entre a pesquisa acadêmica e a militância. Os artigos para os simpósio deverão ser mandados por correio eletrônico até dia 30 de março, com dados pessoais, o tema do simpósio, o título do trabalho, e um resumo de no máximo 300 palavras. Local: UFSC, Trindade, Florianópolis Mais informações: www.fazendogenero7.ufsc.br, alinne.bonetti@gmail.com, soraya_fleischer@yahoo.com.br
Olavo Fontoura, 1209, Santana, São Paulo. Mais informações: www.feirabienaldolivro.com.br
da Redação
Divu
MOVIMENTO CAMPONÊS REBELDE - A REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL Carlos Alberto Feliciano é professor da Universidade de São Paulo (USP), pesquisador do Laboratório de Geografia Agrária da USP, além de analista de desenvolvimento agrário da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo. Em sua obra pretende desvendar as questões que envolvem discussões sobre a reforma agrária. O autor mapeia os diversos planos de reforma agrária adotados pelos governos, de 1985 até hoje, e expõe o modo de ação dos movimentos de trabalhadores sem-terra MST e Mast. O livro custa R$ 29 e tem 208 páginas. Mais informações: www.editoracontexto.com.br
RIO DE JANEIRO
promover o debate sobre temas como: aspectos jurídicos e econômicos da corrupção, controle social: comunicação, imprensa e o cidadão, órgãos de controle e reforma política: prevenção à corrupção. Contará com a participação de entidades como Organizacíon Latino Americana y del Caribe de Entidades Fiscalizadoras Superiores, European Organization of Regional External Public Finance Audit Institutions, Transparency International, Controladoria Geral da União e Associação Brasileira de Imprensa. As inscrições são gratuitas e passarão por uma seleção. Local: Av. Gustavo Richard, s/n°, Aterro da Baía Sul, Centro, Florianópolis Mais informações: www.tce.sc.gov.br/site/seminario/ home.php
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obra é uma contribuição para o conhecimento e para a divulgação deste que é considerado um dos mais importantes pensadores do marxismo revolucionário latino-americano do século 20. Apesar disso, a cultura socialista brasileira registra um assombroso silêncio no que diz respeito ao Amauta. Seu projeto consistiu em trazer o Peru para a modernidade revolucionária do século 20: segundo Mariátegui, seu tempo era o da revolução socialista mundial e sua tarefa, enquanto comunista, era integrar seu país nesse movimento a que atribuía caráter transcendente. Uma tal integração supunha conhecer a particularidade histórica do Peru para, à base desse conhecimento e nas fronteiras peruanas, promovendo o protagonismo autônomo dos trabalhadores, articular o bloco social capaz de realizar a revolução. A revolução peruana, para ele indissociável da revolução latino-americana e mundial, porém, só seria pensável se os seus sujeitos pudessem oferecer uma programática política abrangente, capaz de dar conta não só das dimensões estritamente político-econômicas da sociedade peruana, mas também que cobrisse, ainda, as dimensões da cultura.
Mariátegui – vida e obra Leila Escorsim 320 páginas R$ 15 Editora Expressão Popular R. Abolição, 266, Bela Vista 01319-010, São Paulo, SP Tel. (11) 3105.9500 Fax. (11) 3112.0941 www.expressaopopular.com.br vendas@expressaopopular.com.br
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CULTURA
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CINEMA
Em 2006, Oscar se voltou para a qualidade Dafne Melo da Redação
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Premiação destacou produções de baixo orçamento e com conteúdos políticos e sociais Cowboy (John Schlesinger, 1969), O Poderoso Chefão I e II (Francis Ford Coppola, 1972 e 1974), Taxi Driver (Martin Scorsese, 1976) e M.A.S.H (Robert Altman, 1970). Agora, diz Leite, “Hollywood redescobriu que o mundo é cinza, e não preto e branco”, embora afirme que é difícil avaliar se é uma tendência que veio para ficar. Para ele, os filmes indicados ao Oscar este ano, são mais nebulosos. “Não foi adotada uma posição maniqueísta, há mais ambiguidade e possibilidades de interpretações. O interessante é que os filmes não levantam bandeiras, eles apresentam os temas”, avalia.
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uem for assistir às produções indicadas nas principais categorias do maior prêmio da indústria cinematográfica estadunidense – o Oscar – não vai ver grandes efeitos especiais, explosões ou grandes heróis. No lugar, obras que retratam a ética jornalística (Capote), a questão árabe-israelense (Munique), corrupção e preconceito racial (Crash – No Limite), a história de um jornalista que trava uma briga contra um senador conservador no período do macarthismo (Boa Noite e Boa Sorte) ou ainda o drama de dois cowboys que, na década de 1960, se apaixonam. Isso, só para ficar nas produções indicadas para Melhor Filme. Há ainda as que tratam dos interesses escusos das indústria do petróleo (Syriana) e farmacêutica (O Jardineiro Fiel), além de questões de gênero (Terra Fria). Para o crítico de cinema Sérgio Rizzo, as indicações apontam que a indústria cinematográfica estadunidense, este ano, deixou de lado a preferência por sucessos de bilheteria e superproduções e optou por prestigiar filmes adultos de menor alcance popular. O diretor da Associação Cultural Educação e Cinema (Educine), Newton Cannito, acredita que o fato mostra uma demanda da sociedade estadunidense. “Existe um público que está exigindo essas temáticas, não é a indústria que está pautando a sociedade”, avalia.
DECEPÇÕES
Cenas de O Segredo de Brokeback Mountain e Boa Noite e Boa Sorte, temas polêmicos para uma Academia conservadora
Sidney Ferreira Leite, doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), e autor do livro O Cinema Manipula a Realidade?, avalia que, após os atentados terro-
estadunidenses, é um grande avanço. Acredito que o cinema ganha quando explora questões sociais, embora não se consiga fugir muito da gramática hollywoodiana”, explica Leite. Rizzo, entretanto, lembra que não é um fato novo a Academia se voltar para filmes de forte conteúdo político e social. “Na virada dos anos
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Paradise Now incomoda israelenses
Filme do cineasta palestino Hany Abu-Assad sofre represálias
“Ganhou um filme politicamente correto”, diz o crítico. Já o diretor Hany Abu-Assad não cedeu às pressões e marcou posição. Em entrevista ao jornal israelense Yediot Ahronot, afirmou que os atentados suicidas são uma reação ao verdadeiro terrorismo: a ocupação israelense. “A ocupação, os ocupantes: aqui estão os verdadeiros terroristas”, disse Abu-Assad, que vive há anos na Holanda. As filmagens de Paradise Now aconteceram em Nablus, na
Cisjordânia, região ocupada pelos israelenses. Abu-Assad relatou ao jornal britânico The Guardian, que teve que interromper as filmagens diversas vezes por conta de tiroteios, e três palestinos morreram em uma explosão ocorrida no mesmo local onde haviam filmado um dia antes. O filme tem produção israelense e foi financiado por europeus. O cineasta explicou que a participação israelense foi essencial na parte logística das filmagens, para que pudessem gravar em Nablus. (DM)
1960 para os 1970, houve safras com filmes bem mais ousados – ainda hoje, se comparados aos atuais”, avalia. Mauro Batista, cineasta e professor da USP, identifica este período como a “época de ouro do cinema americano como arte”, que teve seu pico no final da década de 60 e começo da 70, com produções como Midnight
Premiação homenageia cineasta “alternativo” Numa edição em que o Oscar privilegiou filmes de baixo custo para o padrão hollywoodiano e com temáticas sociais, a escolha da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas em homenagear o cineasta estadunidense Robert Altman, não pareceu ser por acaso. “Ele nunca foi um diretor hollywoodiano clássico, apesar de alguns ‘flertes’ com Hollywood. Altman sempre incomodou, sempre colocou pontos de interrogação em questões da sociedade americana, às vezes de forma irônica”, avalia o professor e especialista em história do cinema Sidney Leite, relembrando um dos grandes clássicos do cineasta, M.A.S.H., de 1970. Em plena Guerra do Vietnã, Altman desconstruiu a figura do soldado estadunidense. O filme narra a história de um grupo de médicos que trabalha na guerra da Coréia. Para a época, as alusões ao Vietnã eram inevitáveis. Para o crítico de cinema Sérgio Rizzo, Altman é um dos grandes cineastas estadunidenses em atividade e a sua escolha demonstra “que é possível trabalhar com inteligência e razoável independência dentro da indústria, ou um pouco à margem dela, mas não tanto que signifique estar fora, desde que resguardadas algumas condições – orçamentos limitados, por exemplo – e não se deixe picar pela mosca da busca do sucesso”.
ESTILO Diálogos sobrepostos, personagens ambíguos e contraditórios, novas formas de narrativa, paródias com gêneros consagrados em Hollywood. Essas foram algumas das inovações introduzidas por Altman, ao mesmo tempo que vi-
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ristas de 11 de setembro e o fracasso da invasão do Iraque, há em alguns setores da sociedade muitas dúvidas e questionamentos sendo feitos. “O Oscar de 2006 é uma fotografia de um momento em que setores da sociedade estadunidense estão tentando entender seus medos e inseguranças. Ele é síntese da cultura da mídia americana, e dá elementos para analisar tanto a sociedade, como o momento em que o cinema estadunidense está”, diz o professor. Entretanto, aponta Leite, “os EUA de fato, os ‘EUA profundo’, que elegem George W. Bush, estão alheio a estas questões. Por isso, as escolhas da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas – entidade que realiza a premiação – podem ser positivas neste contexto. “Para estes
REFLEXÃO
Em Nablus, Cisjordânia, dois amigos, Said e Khaled, fumam, conversam, trabalham, até que são chamados para realizar um atentado suicida em Tel Aviv, em Israel. Nas 48 horas que antecedem a ação, imprevistos, reflexões, contradições e conflitos são expostos. Haveria outras formas de resistência? Vale a pena matar e morrer por uma causa? O filme do cineasta palestino Hany Abu-Assad, Paradise Now, passeia por essas questões sem tomar partido – e o mais difícil em um tema como este – sem ser panfletário. Grande favorito ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro – após ganhar o Globo de Ouro e outros três prêmios no Festival de Berlim – o filme palestino perdeu o prêmio para o sul-africano Tsotsi. A escolha deixou claro que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas preferiu pôr panos quentes no malestar que a indicação causou em Israel, e também em Hollywood, “uma indústria em grande parte controlada por produtores judeus”, lembra Mauro Batista, professor da Universidade de São Paulo. Logo após a indicação, uma organização israelense de familiares das vítimas de atentados realizados por homens-bomba pediu a retirada da indicação, em documento assinado por cerca de 22 mil pessoas. A Academia, entretanto, declarou que não recebeu nenhum pedido formal de Israel ou de grupos judaicos para que o filme fosse retirado, ou para que fosse alterada sua origem. Todo este debate político, certamente influenciou na escolha de quem votou na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, que segundo o crítico de cinema Newton Cannito tem um perfil mais conservador. “Cidade de Deus não foi indicado nesta categoria porque foi considerado violento demais”, relembra. Ao seu ver, a indicação do filme palestino já foi um grande avanço, e avalia que a pressão política surtiu efeito.
Se as indicações apresentaram uma tendência mais progressista da Academia, a premiação em si deixou decepções. Tido como grande favorito, O Segredo de Brokeback Mountain ficou sem a estatueta de Melhor Filme, que foi para Crash – No Limite. Para muitos, a Academia amarelou na hora de dar o prêmio máximo a um filme que trata da questão da homossexualidade de maneira explícita, quase nunca vista antes em uma produção hollywoodiana. “Há um paradoxo. Parece que na premiação fala mais alto o viés conservador. Se por um lado abre espaço nas indicações, ela ‘pune’ esses filmes na hora de premiar”, avalia Leite, que relembra um caso semelhante: “Um caso emblemático é o de Reds, que em 1981 foi indicado a 12 Oscar, ganhou três, incluindo o de melhor diretor para Warren Beatty, mas não ganhou o prêmio principal”. O filme, baseado no livro Dez Dias que Abalaram o Mundo do jornalista estadunidense – e comunista – John Reed, conta a história da Revolução Russa (1917).
Altman, crítico ao modelo “americano”
raram suas marcas registradas. O crítico de cinema Newton Cannito explica que um desses estilos é o chamado “multiplot”, ou seja, o cruzamento de várias histórias, cujo maior exemplo é Shortcuts – Cenas da Vida, estrutura que se tornou referência e foi utilizada em filmes como Pulp Fiction – Tempo de Violência (Quentin Tarantino, 1995), Magnólia (Paul Thomas Anderson, 1999) e – seria o acaso? – o campeão da noite Crash – Sem Limites. Para o pesquisador Mauro Batista, apesar de estadunidense, o cineasta se aproxima mais da estética européia, “Ele tem uma grande influência do francês Jean Renoir. Em Assassinato em Gosford Park, é evidente a inspiração em A Regra do Jogo (1939), diz. Outras obras de Altman que vale a pena conferir: Nashville (1975), O Jogador (1992) e Shortcuts – Cenas da Vida (1993) e Assassinato em Gosford Park (2001). (DM)