Ano 4 • Número 163
R$ 2,00 São Paulo • De 13 a 19 de abril de 2006 João Alexandre Peschanski
Dia 11, em mais uma demonstração de força pelas ruas da capital parisiense , estudantes e sindicalistas franceses festejaram a vitória contra as medidas neoliberais do governo de direita
Nas ruas, franceses derrotam a direita Manifestações populares conseguem suspender proposta neoliberal para o primeiro emprego
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MST faz jornada contra políticas de injustiça
de protestos, não acaba com as reivindicações, afirmam líderes do movimento ao enviado especial do Brasil de Fato. A partir de consulta à sociedade, eles pretendem redigir um documento com alternativas para o desenvolvimento econômico e social, a ser apresentado ao governo. Inicialmente arrogante em relação aos protestos, o presidente Jacques Chirac não tem outra alternativa senão ouvir a voz das ruas. Págs. 2, 11 e 14 Lindomar Cruz/ABR
s ruas venceram. No dia 11, 15 mil pessoas desfilaram pelo centro de Paris, capital da França, para comemorar a suspensão do Contrato do Primeiro Emprego (CPE). Redigido pelo primeiroministro Dominique de Villepin, o projeto foi apresentado como um mecanismo de combate ao desemprego, galopante no país, mas que só aumenta a precariedade das condições de trabalho. A vitória contra o CPE, após dois meses e meio
Itália dividida, após vitória da esquerda
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra está em Jornada de Lutas. Desde março até o final deste mês serão mais de 80 ocupações e diversos protestos, em 23 Estados, condenando o modelo neoliberal e agro-exportador mantido pelo governo. Dia 17, 20 mil pessoas se reúnem na curva do “S”, local do Massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará. Outro grande ato acontece, no mesmo dia, em São Paulo. Pág. 3
Em uma das eleições mais disputadas da história italiana, a União, coalizão liderada por Romano Prodi, vence a centrodireita Casa das Liberdades. O primeiro-ministro Silvio Berlusconi contesta os resultados e
Ministros viajam O México, entre para negociar a esperança e TV digital a desconfiança Três ministros brasileiros se encontram, no Japão, com empresários do país detentor de uma das tecnologias de TV digital disponíveis – não por acaso, o sistema defendido pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa, que integra a comitiva. Pág. 6
Uma teia de culturas de todo o Brasil FÓRUM – O segundo Fórum Social Brasileiro vai acontecer em Recife, entre os dias 20 e 23. Sob o tema “Caminhos para um outro mundo possível – a experiência brasileira”. Pág. 5 LIVRE-COMÉRCIO – O sonho dos EUA de implantar a Alca não acabou. A proposta de dominação continua com siglas diferentes, como Nafta, Cafta e TLC Andino. Pág. 9
GREVE – Servidores públicos fazem marcha na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, pelo cumprimento dos acordos feitos com a categoria em 2005
Marcio Baraldi
Pág. 16
E mais:
pede recontagem dos votos de quase 50 milhões de eleitores que foram às urnas, dias 9 e 10. Prodi só venceu por conta dos votos dos italianos residentes no exterior. Pág. 12
Pela primeira vez, o Partido da Revolução Democrática (PRD) pode chegar à Presidência mexicana, com López Obrador. Apesar de ser o candidato mais progressista, Obrador é visto com reservas pelos movimentos sociais e pelos zapatistas. Pág. 10
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De 13 a 19 de abril de 2006
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Görgen • Horácio Martins • Ivan Cavalcanti Proença • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Isa Gomes, Jorge Pereira Filho, Paulo Pereira Lima • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, 5555 João Alexandre Peschanski, Luís Brasilino, Marcelo Netto Rodrigues, 5555 Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dirce Helena Salles • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Valdinei Arthur Siqueira 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos – CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 – São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro – RJ
NOSSA OPINIÃO
A nova revolução francesa
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vitória dos estudantes e dos trabalhadores franceses – que, em manifestações de milhões e milhões nas ruas, obrigou o governo da França a engavetar o Contrato do Primeiro Emprego – é muito importante para a reanimação dos movimentos estudantil e sindical mundiais. Em primeiro lugar por se tratar da vitória contra um capitalismo poderoso que, ao tentar reduzir direitos e precarizar as relações de trabalho para os jovens – facilitando demissões sem direitos – demonstra que o capitalismo, mesmo em países desenvolvidos, não pode mais garantir avanços sociais. Ao contrário, inclina-se para medidas selvagens, retrógadas, criando mais e mais diferenciações sociais entre os trabalhadores, uma vez que sua crescente acumulação de capital destina-se à indústria bélica. O movimento contra o Contrato do Primeiro Emprego ocorre pouco depois dos levantes de jovens emigrados, na própria França, mostrando que, ao contrário do indicado pela letargia e pela falta de iniciativa dos partidos de esquerda, os jovens, os trabalhadores, os movimentos sociais questionam e enfrentam cada vez mais o neoliberalismo. Essa é uma derrota do capitalismo francês na sua tentativa de impor retrocessos ao Estado de Bem-Estar Social que se expandiu na Europa após a vitória da URSS sobre o nazis-
mo e a extensão do campo socialista depois da Segunda Guerra. Vale notar que há um paralelo entre as manifestações dos jovens emigrados na França e as manifestações de trabalhadores latinos nos Estados Unidos. Estes também se animam com as gigantescas manifestações de estudantes e sindicatos franceses, bem como com a resistência e a contestação que o imperialismo vem sofrendo em várias partes do mundo – em particular pela revolução bolivariana na Venezuela e pelas derrotas das posições pró-imperialistas na América Latina, como aconteceu recentemente na Bolívia, no Chile e agora no primeiro turno das eleições no Peru. O Contrato do Primeiro Emprego, por ora derrotado, indica uma tendência inexorável do capitalismo: levar ao extremo a exploração dos trabalhadores, destruir os direitos trabalhistas, responder com repressão. Não há outra alternativa aos jovens emigrantes, estudantes e trabalhadores que a rebeldia, a organização política, os levantes – os quais também não deixam de conter a crítica à adaptação das direções dos partidos de esquerda ao jogo eleitoral. Essa vitória dos estudantes em aliança com os sindicatos na França terá repercussão nos países europeus. Seria fundamental que no Brasil o movimento estudantil, tão aca-
nhado em iniciativas, tão pobre em rebeldia, discutisse os ensinamentos desse movimento vitorioso. Que buscasse uma aproximação política com os movimentos dos trabalhadores na luta por transformações sociais. O contingente de formados em medicina cresce, mas a população continua sem atendimento de saúde decente. As faculdades despejam profissionais no mercado sem trabalho, transformando-os em desempregados diplomados. Sem uma mudança no modelo econômico dependente e concentrador, não será possível a geração de empregos em massa. O movimento estudantil e sindical deve aprender com a experiência da França. Mesmo lá, no capitalismo desenvolvido, em uma potência militar-nuclear, há um esgotamento do sistema social, incapaz de gerar emprego, justiça, cultura e direitos humanos. Esses atributos estão em expansão apenas nos países que estão promovendo transformações sociais, como na Venezuela, onde os jovens atuam alfabetizando o povo pobre, em Cuba, que exporta médicos e professores aos quatro cantos do mundo. As luzes que vêm da França devem ser aproveitadas para amadurecer e elevar os movimentos sociais em todo o mundo, sempre priorizando a sua organização em escala internacional.
FALA ZÉ
OHI
CARTAS DOS LEITORES MISTÉRIOS DE REQUIÃO Sou assinante do Brasil de Fato e recebi o último exemplar que incluía um caderno especial sobre a biodiversidade. O destaque era para o governo do Paraná em identificar os produtos transgênicos. Realmente isto é um avanço, o Requião consegue aparecer bem na mídia quando o assunto é agricultura. Em compensação na educação... Classes superlotadas, pois vetou a lei que previa um número máximo de aluno por classe, aprovada pela assembléia legislativa. Minha escola tem uma média de 60 professoras e somente um mimiógrafo; não temos nem copiadora. Em dia de paralisação, ele manda a direção anotar e enviar os nomes dos professores e funcionários que estão participando, do movimento. Sem falar que funcionários da Secretaria visita as escolas para cobrar a ordem. O salário de um professor de nível superior em início de carreira para 20 horas é menos de R$ 700,00/mês. O governador critica o nepotismo, mas tem quase todos os irmãos no governo, inclusive o secretário da Educação, Maurício Requião. Com tudo isso, podemos acreditar que o que ele faz não seria somente motivos para conseguir a reeleição? Ou seria a cara do PMDB? Mistérios... Fabiana Bianchini De Curitiba (PR) Por correio eletrônico PARABÉNS Parabenizo o Brasil de Fato pelo 3º ano de compromisso social e político que o jornal tem para com o seus leitores e com a sociedade. Muitos anos de vida e luta. Pe. José Afonso de Souza São José dos Campos (SP) Por correio eletrônico SEM PALAVRA Em seu último dia como prefeito,
após um mandato breve e de triste memória, o sr. José Serra deveria fazer um balanço de prestação de contas do seu ano na prefeitura, explicando também por que descumpriu sua palavra de que exerceria os quatro anos como prefeito, para se candidatar a um cargo mais alto. Em que pé ficou o atendimento hospitalar de Primeiro Mundo, que o ex-ministro da Saúde prometera? E por que não teve continuidade a ampliação dos corredores exclusivos para ônibus implantados por Marta Suplicy? Será que o único feito marcante de sua gestão foi a transferência da bilionária conta da Prefeitura de São Paulo para o Banco Itaú, da família do também atual governador Cláudio Lembo? Antônio Rodrigues de Souza São Paulo (SP) CONTRA OS PRIVATIZADORES Os problemas do presidente Lula para conseguir aprovação do Congresso de medidas de interesse nacional, as barreiras interpostas por parlamentares à investigação da megacorrupção do governo FHC (remessa ilegal de mais de 32 bilhões de dólares ao exterior via Banestado, privatização a preço de banana da Vale do Rio Doce, entre outros), impõem a necessidade de uma mudança profunda no Congresso que aí está. Eleger um Congresso que não esteja a serviço dos privatizadores do patrimônio público, dos banqueiros, latifundiários, empreiteiras, concessionárias de telefonia e energia elétrica, é a melhor maneira de assegurar que o presidente Lula em seu próximo mandato, seja fiel não só ao programa do seu partido, mas também às dezenas de milhões de trabalhadores que ainda nele confiam. Reny Barros Moreira São Paulo (SP)
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CRÔNICA
Afinal, quem são os vândalos? Luiz Ricardo Leitão Nosso mestre Leandro Konder, pensador arguto e refinado, já nos advertiu certa vez que a história das palavras proporciona a todos nós um valioso material de reflexão a respeito da história das sociedades humanas. As distorções ideológicas da linguagem servem para ocultar e, ao mesmo tempo, revelar os temores e preconceitos que povoam o imaginário e a vida cotidiana dos povos ao longo da história. A desconfiança e o medo com que os antigos encaravam quaisquer outros povos se manifestam na perversa associação entre os termos estrangeiro e estranho, ambos com a mesma raiz etimológica. Aliás, até mesmo os gregos, considerados os pais da “democracia” ocidental, não deixaram por menos: a fim de estigmatizar a fala ininteligível dos forasteiros, criaram o famoso vocábulo bárbaros, uma onomatopéia que satirizava o blá-blá-blá incompreensível de quem provinha de outras terras, mas que após a queda do todo-poderoso Império Romano, ao designar um dos povos nórdicos que concorreu para a dissolução definitiva da antiga ordem imperial, viria a tornar-se sinônimo de “cruel, sanguinário, inculto e sem civilização”. Sempre tive um pé atrás com os ditos “civilizados”. Por trás desse rótulo, também está presente o enorme preconceito do citadino para com o homem do campo, considerado sempre como rude e grosseiro. Não é à
toa que na Roma antiga surgiu o conceito de “urbanidade” como um ícone de refinamento e superioridade: aqueles que viviam mais além do perímetro urbano, nas “vilas”, terminariam por converter-se nos terríveis vilões da história, ou seja, os “bandidos” ameaçadores que rondam a “paz” das cidades... E, não por acaso, no Brasil o termo “caipira” acabou por converter-se em um sinônimo impiedoso do camponês “inculto e atrasado”, que Monteiro Lobato, nas páginas memoráveis de Urupês, representou sob o nome de Jeca Tatu, o caboclo descalço e barrigudo sobre o qual recairiam todas as mazelas do latifúndio tupiniquim. Digo tudo isso atento ao noticiário da imprensa internacional, que teima em classificar como “vândalos” boa parte dos jovens franceses que protestam com firmeza e radicalidade (ou seja, indo à raiz dos fatos) contra a absurda proposta do “primeiro emprego” precário formulada pelo governo de seu país. Conforme registram os dicionários, esses membros germânicos dos povos bárbaros (sempre eles!) que “devastaram” o sul da Europa e o norte da África na Antiguidade agora designam aquele “que destrói monumentos ou objetos respeitáveis”, assim como o “inimigo das artes e das ciências”. Não sei se havia provocadores infiltrados no movimento francês, mas posso assegurar que os maiores “bárbaros” nessa história são as grandes
empresas da terra de Asterix, que, sob a égide da globalização neoliberal, desejam flexibilizar ao máximo a legislação trabalhista, a fim de reproduzir em escala nunca dantes concebida a preciosa mais-valia de seus trabalhadores. Que se cuidem os bravos militantes do MST, alvo preferencial dos “civilizados” de Pindorama. Dispostos a impedir que a natureza se transforme em mercadoria exclusiva dos grandes monopólios, também sentirão na carne a força persecutória das palavras. Assistindo, porém, ao belo filme de Fernando Meirelles, O jardineiro fiel, em que a ficção denuncia com atroz realidade a expansão criminosa das transnacionais farmacêuticas pela África (cobaia dos vírus e “remédios” criados em seus laboratórios), volto a perguntar-me, com igual perplexidade: afinal, quem são os vândalos? Sem o véu das palavras, as “inocentes” pesquisas da Aracruz e de tantas outras corporações transnacionais apenas demonstram que, a exemplo da linguagem, sob o imperialismo moderno até mesmo a ciência e a técnica foram convertidos em poderosíssima ideologia. Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura LatinoAmericana pela Universidade de La Habana, é autor de ¿A dónde va la telenovela brasileña? (Editora Ciencias Sociales, Cuba)
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NACIONAL LUTA SOCIAL
MST ataca políticas de injustiça Luís Brasilino da Redação
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depto do neoliberalismo desde o início da década de 1990, o Brasil tem hoje a segunda pior concentração de renda do planeta. Nos últimos dez anos, a economia do país cresceu 22,4%, contra 45,6% na média mundial, no mesmo período. O Produto Interno Bruto (PIB) per capita aumenta 0,7% ao ano, frente a 2,6% ao ano nas demais Neoliberalismo – Modelo econômi- nações. A prioco fundado na liber- ridade dada ao dade ao capital. sistema financeiro em detrimento da produção e dos gastos públicos sociais derrubou todos os indicadores sociais. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 53 milhões de brasileiros passam fome. Estudo da organização não-governamental Ação Educativa e do Instituto Paulo Montenegro indicam que somente 26% dos brasileiros conseguem “ler textos mais longos, localizar e relacionar mais de uma informação, comparar vários textos, identificar fontes”, ou seja, são alfabetizados plenos. No campo, a obrigação de pagar os juros da dívida pública faz o governo investir em um sistema agroexportador baseado na monocultura. Assim, da promessa de assentar 400 mil famílias até o final de seu mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva só deu terra a 127 mil famílias, nos três primeiros anos de governos – sendo que destas, pouco menos de 27 mil famílias receberam terra de desapropriações. Resultado: 170 mil famílias permanecem acampadas em beiras de estrada ou dentro de fazendas ocupadas. Para protestar contra essa situ-
Francisco Rojas
Jornada mobiliza 23 Estados para questionar política econômica e modelo agrícola concentrador de renda sai da luta específica contra o latifúndio improdutivo e passa a questionar o modelo agrícola. Essa postura ficou mais evidente em março, depois da destruição das mudas de eucalipto do laboratório da Aracruz, no Rio Grande do Sul, e da ocupação da fazenda da Avestruz Master, em Pernambuco, quando os manifestantes derrubaram um painel da empresa.
REAÇÃO REACIONÁRIA
Mais de 170 mil famílias permanecem acampadas em beiras de estrada ou dentro de fazendas ocupadas
ação, 400 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) fecharam, dia 10, a BR232 na altura de Gravatá (PE), entre Caruaru e Recife. Na mesma data, 150 famílias do MST paranaense ocuparam o prédio da Prefeitura de General Carneiro (PR). No dia 6 de março, em Iaras (SP), 200 famílias fizeram ocupação na Fazenda Globo. Em Marabá (PA), a manifestação contou com 150 pessoas dentro da superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Dois mil trabalhadores sem-terra iniciaram, dia 10, marcha desde Feira de Santana (BA) até Salvador, onde pretendem chegar no dia 16. Dois dias depois, quatro mil manifestantes deixarão
de alimentos, comida que chega na mesa dos trabalhadores do campo e da cidade”, descreve. Um dos papéis da Jornada é levar esse debate para a sociedade. Marina explica que as mobilizações “iluminam consciências, criam condições para a população saber o que acontece e tenha informações para avaliar, julgar e decidir o rumo que quer para o seu país”. Para ela, tanto o MST quanto os movimentos que integram a Via Campesina estão tendo clareza de que a luta vai partir para o debate político e ideológico. Jaime Amorim, da coordenação estadual do MST Pernambuco, conta que a reação é muito mais agressiva quando o Movimento
São Lourenço da Mata (PE) em caminhada rumo ao Recife, com previsão de chegada para o dia 20.
DOIS MODELOS Trata-se da Jornada de Lutas do MST que, desde março, já realizou mais de 80 manifestações em 23 Estados. Marina dos Santos, da coordenação nacional do Movimento, acredita que nunca esteve tão aflorada a disputa entre os dois modelos de agricultura existentes no país. “Um é o agronegócio, com sua política de exportação de matéria-prima, monocultura, desrespeito ao ambiente e trabalho escravo. O outro é o projeto da agricultura familiar, principal responsável pelos empregos no campo e pela produção
Lula mantém modelo que favorece oligarquias rurais demonstração da decepção dos trabalhadores com os rumos do governo Lula. “Esse governo vai chegando ao fim e não temos os principais problemas resolvidos. A reforma agrária andou a passos de tartaruga e as ocupações são uma forma de pressionar o governo para fazer assentamentos. Mas não tem relação com o ano eleitoral. Não havia nenhuma determinação de não fazer ocupações em 2002, assim como não há determinação de fazer agora. Essas são reações naturais da companheirada, que vê nos Estados as coisas não andarem, os assentamentos não acontecerem e vai para a luta”, esclarece Marina.
IGUAL A FHC Carvalho Filho, que também é dirigente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), denuncia que o governo atual faz a mesma gestão no campo que o anterior. Para o economista, devido à política macroeconômica, o go-
verno manteve a opção política de integração do setor rural com as cadeias agroindustriais, para gerar receita de divisas por meio de exportações. Ou seja, o presidente Lula optou pelo agronegócio em detrimento da agricultura camponesa para fazer superávit primário. Prova dessa escolha é o crédito rural para a safra 2005/2006. Enquanto o agronegócio tem R$ 44,4 bilhões, os camponeses ficaram com R$ 9 bilhões. Para o professor, a manutenção desse modelo vai agravar a situação de exclusão e do domínio de transnacionais no campo, impondo transgênicos e ligando tudo ao comércio externo. “O Guilherme Delgado (pesquisador do Ipea) mostra que a elite tem mais o objetivo de criar uma agricultura moderna. O objetivo é criar seguimentos modernos ligados a interesses que não são os nossos. Com isso a segurança alimentar do nosso povo fica ao sabor deles”, adverte o economista. (LB)
Índices de produtividade estão defasados Um dos instrumentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para desapropriar uma área são os índices de produtividade. Se determinada fazenda não gera o mínimo exigido, é considerada improdutiva e o órgão tem o dever de destiná-la para a reforma agrária. No entanto, os índices de produtividade no Brasil não são atualizados desde 1975, apesar dos avanços tecnológicos e técnicos. Desde a Marcha Nacional pela Reforma Agrária, em maio de 2005, o governo federal diz que vai corrigi-los. Durante a Jornada de Lutas do MST do segundo semestre de 2005, a promessa foi de atualizálos até outubro daquele ano. No 6º Fórum Social Mundial, realizado em Caracas (Venezuela) entre os dias 24 e 29 de janeiro, Miguel Rossetto, ex-ministro do Desenvolvimento Agrário, disse: “É um compromisso claro do presidente Lula que poderemos atualizar esses índices até o fim de fevereiro”. Nada aconteceu. (LB) Bia Pasqualino
O mercado financeiro estava assustado em setembro de 2002, véspera das eleições que colocariam, quatro meses mais tarde, Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República. As pesquisas de intenção de voto previam o inevitável e os grandes bancos e transnacionais temiam que a vitória do candidato de esquerda pusesse fim à temporada de lucros exorbitantes desfrutados no mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Por exemplo, o risco-país, índice medido pelo banco de investimento estadunidense JP Morgan, estava em 2.436 pontos. No entanto, o novo governo surpreendeu. Atualmente, o risco Brasil é o menor da história, gira em torno dos 230 pontos, assim como o lucro do sistema financeiro brasileiro foi o maior da história em 2005. Ao todo, os cinco principais bancos (pela ordem, Bradesco, Itaú, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Unibanco) tiveram rendimentos superiores a R$ 18,8 bilhões. O professor José Juliano de Carvalho Filho, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP), explica que a política macroeconômica escolhida por Lula subordina as demais políticas – sociais e agrária – pois o compromisso firmado com instituições financeiras multilaterais, como superávit primário e metas de inflação, nada tem a ver com a promoção de uma sociedade mais justa. Segundo Marina dos Santos, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), as ocupações da Jornada de Lutas são uma
“A reação é violenta pois sabem que nossa reivindicação bate no ponto correto. Queremos a mudança do modelo agrícola que sobreviveu nos últimos 500 anos e precisa mudar. Quando se propõe isso, naturalmente, os interessados em enriquecer à custa de recurso público, mão-de-obra barata e destruição do ambiente contra-atacam”, explica Amorim. No entanto, Marina garante ter recebido muito apoio da sociedade, mesmo com o processo de criminalização dos movimentos executado pelo Poder Judiciário e pela imprensa tradicional. Amorim enxerga um cenário dividido. Para o dirigente, a classe média engoliu a “propaganda da Rede Globo” de criminalizar o movimento, vincular a luta à bandidagem e à violência. Entre os trabalhadores, o pernambucano avalia que a mensagem principal foi entendida: o modelo do agronegócio não resolve o principal problema do país, gerar emprego e alimento. “O povo brasileiro entendeu isso. Mais importante do que a Globo querer enfiar goela abaixo da classe média e dos intelectuais, é que o povo entendeu a mensagem e a simbologia do que foi feito”, comemora.
Governo não mexe na estrutura fundiária O governo federal usa timidamente o principal instrumento para fazer reforma agrária: a desapropriação de terras. Pelos números oficiais, entre 2003 e 2005, 127.506 famílias foram assentadas. Desse total, apenas 26.951 em terras desapropriadas. Mais de 69 mil foram colocadas em terras públicas, projetos de colonização ou foram beneficiados pela regularização fundiária. “Isso não mexe na estrutura fundiária, na lástima de se ter 1% de proprietários com 46% das terras”, analisa Marina dos Santos, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Porém, grandes empresas do agronegócio estão crescendo. Nas últimas duas décadas, o governo desapropriou e transferiu para os trabalhadores 150 mil hectares no Rio Grande do Sul. Por outro lado, de 2003 até hoje, a Aracruz Celulose, por exemplo, conquistou 360 mil hectares no mesmo Estado. “Pior: eles têm um projeto de, até 2020, se apropriar de 1 milhão de hectares no Rio Grande do Sul”, diz Marina. (LB) O governo Lula optou pelo agronegócio em detrimento da agricultura camponesa
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Espelho DIREITO À RELIGIÃO
Os filhos do candomblé
Cid Benjamin
Criminalização dos sem-terra “Sem-terra favelizam margens de rodovias”. Este foi um dos títulos de O Globo do dia 9. A mesma reportagem poderia ter outro título: “Falta de reforma agrária empurra semterra para margens de estradas”. Aqui, a reportagem chamaria atenção para a necessidade de reforma agrária. Hoje, na grande imprensa, é raro haver manipulação aberta, do tipo “tal assunto está proibido”. Mas a tergiversação aparece de outra forma, na maneira de editar as notícias. Como no exemplo acima. Frase da semana De Anthony Garotinho, pré-candidato do PMDB: “Lula só aparece menos no Jornal Nacional do que o William Bonner e a Fátima Bernardes”. Claro que o fato de Lula ser, ao mesmo tempo, candidato e presidente ajuda que isso aconteça. Mas Garotinho não deixa de ter razão. Há mesmo uma superexposição de Lula no noticiário da Globo. Cadê Heloísa Helena? Procurando-se em O Globo ou na Folha de S. Paulo do dia 9, fica-se sem saber o desempenho da senadora Heloísa Helena na pesquisa DataFolha. Mais: nos dois jornais fala-se na possibilidade de que ela desista de disputar a Presidência – coisa que nem Heloísa nem o PSol cogitaram. Pode ser coincidência, mas pode também ser coisa de caso pensado. Em tempo: na página do DataFolha na internet, vê-se que Heloisa ficou com 5%. A Folha e a violência Comentando o tratamento que a Folha de S. Paulo deu aos ataques do PCC a policiais em Suzano, o ombudsman Marcelo Beraba afirma: “É freqüente o questionamento de que os jornais de São Paulo dão destaque para os atos de violência que ocorrem no Rio e cobrem com parcimônia os crimes que ocorrem em torno deles. Imagino o espaço que a Folha daria se o Comando Vermelho no Rio fizesse um ataque a uma delegacia da Baixada Fluminense e, no dia seguinte, armasse uma tocaia e matasse dois policiais numa feira livre”. Não há como deixar de dar razão a Beraba. JB em duas versões O Jornal do Brasil promete aparecer até o fim do mês com duas edições em formatos diferentes: berliner (47cm por 31,5cm, maior que o tablóide e menor que os jornais convencionais) para as bancas e standard (tamanho normal) para os assinantes. A reforma foi confirmada por Amauri Mello, diretor de Conteúdo e Convergência de Mídia do jornal. “Queremos provar que o JB é o jornal do amanhã”, disse ele ao portal de internet Comunique-se. O JB poderia começar essa nova fase assinando as carteiras profissionais dos jornalistas. Mesmo conteúdo? Na entrevista ao Comunique-se, Amauri Melo disse algo intrigante: “Apesar de o berliner ser menor que o stardard, o conteúdo de ambas as edições será exatamente o mesmo”. Ora, se o tamanho das páginas vai ser diferente, é estranho que o conteúdo seja exatamente o mesmo. Ou será que, na edição berliner, as letras serão menores? Ninguém entendeu nada Semana passada o Jornal do SBT mostrou reportagem sobre um alce de 200 quilos atropelado ao cruzar uma estrada nos Estados Unidos. O alce acabou sendo sacrificado porque não havia como tratá-lo. Comentário de Ana Paula Padrão: “O animal olhava tudo com cara de quem não estava entendendo nada”. Pano rápido. Blog do Cid Benjamin: http://blog docidbenjamin.zip.net/
Eles sentem orgulho de sua religião, mas na escola dizem que são católicos Stela Guedes Caputo do Rio de Janeiro (RJ)
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os 4 anos ele precisava de uma almofada para alcançar o atabaque. Escondia a chupeta atrás das costas, vestia uma camisa branca e colocava o colar de Xangô, orixá do fogo, da justiça, e de quem é filho. Ricardo Nery, hoje com 18 anos, aos 2 anos foi “suspenso”, ou seja, apontado ogan por Iansã no terreiro de sua avó, Mãe Palmira de Iansã, o Ile Omo Oya Legi, em Mesquita. Paula Esteves, do mesmo terreiro, tem 20 anos e foi iniciada aos 2 anos, passando a ser conhecida como Paulinha de Xangô. Hoje é iaebé, ou “a mãe que toma conta da casa”, importante função no candomblé. Noam Moreira, 14 anos, é filho de Oxalá e ogan do Ile Omiojuaro, em Miguel Couto. Michele, 15 anos, e Alessandra dos Santos, 11 anos (os nomes dessas irmãs são fictícios), são equedes (cuidam dos orixás em terra), no Axé Opó Afonjá, em Coelho da Rocha, todos na Baixada Fluminense, periferia do Rio de Janeiro. Em toda comunidade-terreiro existem diversas crianças, a maioria levada pelos pais ou responsável. Assim como os adultos, muitas são iniciadas, desempenham funções importantes, ocupam cargos na hierarquia do culto e manifestam orgulho de sua fé. Na escola, contudo, a maioria delas esconde a religião e se declara católica para evitar mais discriminação.
O ORIXÁ DECIDE “Aprendi olhando”, dizia Ricardo Nery ainda aos 4 anos. Ele sempre bateu com incrível habilidade vários tipos de atabaques. Ricardo também ensina que é o orixá quem determina a função que a pessoa terá na religião. “Ou ele mostra no jogo de búzios ou desce no terreiro, durante uma festa para dizer seu destino no culto. O meu foi ser ogan. Não viro no santo. Tenho de conhecer os toques do candomblé para chamar os orixás. São muitos toques, mas nunca tive dificuldade”, revela. “E nunca teve mesmo. Já aos 2 anos ele tocava até adormecer”, confirma a orgulhosa avó, Mãe Palmira de Iansã. Amigos desde crianças, Ricardo e Paulinha de Xangô cresceram no mesmo terreiro. A diversão predileta de ambos quando pequenos era “brincar de macumba”. Paulinha “vira” no santo desde os 14 anos. “Quando eu era pequena não virava porque tinha medo de morrer se deixasse Xangô entrar em mim. Depois abri espaço para ele e perdi o medo. Hoje, quando incorporo, ando pelo terreiro e Xangô também anda. Danço eu, dança Xangô, mas sei que é Xangô dentro de mim que me movimenta”, explica Paulinha. Filha de Iemanjá, orixá das águas do mar, Joyce dos Santos, 21 anos, fez o santo com 6 e 7 anos, depois realizou sua “confirmação”. Passou a ser ebome – se quisesse, desde os 13 anos já podia ser mãede-santo e abrir seu próprio terreiro. “Mas não é só fazer a obrigação dos 7 anos que importa. O que vale é a vivência, e isso só vem com muito tempo na religião”, diz Joyce, que também recebe Oxum, orixá das águas dos rios. “Desde criança era assim. Quando estou com Iemanjá sinto um calor intenso, terrível, parece que o chão vai se abrir. Quando é Oxum eu choro o tempo inteiro”, afirma.
QUIZILAS Adulto ou criança, todo iniciado (feito no santo) convive com as quizilas (èèwó), que são certas proibições determinadas pelo orixá, “dono da cabeça” do filho ou filha-de-santo. Joyce, por exemplo, não pode comer peixe de pele, nem lula. “Me empola toda, é quizila de
No Estado do Rio de Janeiro, a maioria dos adolescentes que freqüenta religiões afro sofre discriminação na escola
Iemanjá. Se desobedecer, minha vida anda para trás”, garante. Já Ricardo não pode comer abóbora ou melão porque Iansã não gosta. Mas isso nunca foi complicado para ele. “Eu mesmo não gosto de abóbora ou melão. O problema é que as quizilas também se referem ao que podemos vestir. Adoro rock, mas não posso usar roupa preta, nem camisa com caveiras porque tem quizila com o santo. Se usar, algo de ruim pode me acontecer”, revela o adolescente, que tem dois furos em cada orelha. Quanto aos brincos, diz, não tem quizila com o santo. “A quizila dos brincos é com a minha avó. Tatuagem também quero fazer, mas não posso, tem quizila com ela”, brinca o ogan.
eu era pequeno uma professora me chamou de filho do diabo”, lamenta Ricardo. O pior, contudo, começou em 1993, quando a Editora Gráfica Universal, do Grupo Universal do Reino de Deus, comprou as fotos de Paulinha, Ricardo, e de uma outra criança de candomblé que foram personagens de matéria publicada em um jornal carioca, em 1992. As fotos, conseguidas eticamente, sob o consentimento das famílias das crianças, passaram a ser da agência do jornal carioca e, vendidas, foram usadas de maneira depreciativas no jornal Folha Universal. Não satisfeito, três anos depois, Macedo publica a 13ª edição (1996) do livro Orixás, Caboclos e Guias – Deuses ou Demônios (a veiculação da obra está suspensa por ação do Ministério Público Federal da Bahia). Na tiragem de 50 mil exemplares, outra vez as fotos de Paula e Ricardo aparecem, agora sob a legenda: “Essas crianças, por terem sido envolvidas com orixás, certamente não terão
PRECONCEITOS Falar com orgulho do candomblé às vezes se limita aos muros do terreiro. A maioria desses adolescentes já foi ou continua sendo vítima de preconceitos. “Quando
boas notas na escola e serão filhosproblema na adolescência”. “Aí foi demais, todos nós sofremos muito”, afirma Mãe Palmira, que processou a editora. “As pessoas nos apontavam na rua, nos chamavam de macumbeiros, mas de forma ruim, depreciativa”, diz Paulinha de Xangô. “No terreiro em que me iniciei, em Jacarepaguá, fiz as curas, aquelas marquinhas no ombro. Nunca fui com camiseta de manga curta para a escola para não deixar aparecer. Também nunca fui com os colares, tenho vergonha e digo que sou católica”, diz Joyce de Iemanjá. As irmãs Michele e Alessandra, do Axé Opó Afonjá chegaram a freqüentar grupos jovens católicos. Até fizeram primeira comunhão para se sentirem mais aceitas e escapar do preconceito. “Eu amo os orixás e amo minha religião. O que eu não entendo é que, se podemos respeitar a cultura dos outros, por que não podem respeitar a nossa?”, questiona Ricardo Nery.
Estado do Rio aumenta a discriminação na escola O problema da discriminação sofrida pelas religiões afro-descendentes é antigo e a Lei 3.459, de setembro de 2000, que estabeleceu o ensino religioso confessional na rede estadual do Rio de Janeiro, não ajuda a diminuí-lo. De acordo com Valéria Gomes, coordenadora de ensino religioso do Rio, dos 500 professores de ensino religioso aprovados no concurso realizado em janeiro de 2004, 68,2% são católicos, seguidos de 26,31% evangélicos (de diversas designações) e 5,26% de “outras religiões”. Neste último grupo estão professores de umbanda (cinco professores contratados); do espiritismo segundo Alan Kardek (três), da Igreja Messiânica (três) e um professor mórmon. A secretaria informou que nenhum professor de candomblé foi contratado porque não há registro de alunos que praticam candomblé.
SEPARADOS POR CREDO A meta, segundo Valéria, não é discriminar: “Queremos que professores católicos ensinem a alunos católicos e evangélicos a evangélicos, por exemplo. Mas as turmas ainda não estão separadas por credos. Enquanto isso, nosso objetivo é passar valores”. Contudo, de 12 professores de ensino religioso entrevistados, nove revelam utilizar trechos da Bíblia que sejam comuns para católicos e evangélicos no conteúdo pedagógico de sua disciplina. Muitos utilizam textos do padre Marcelo Rossi. Uma educadora entrevistada nega que o objetivo da lei
Stela Guedes Caputo
FHC elitista e preconceituoso A última de FHC foi numa entrevista a Jô Soares: “Pobre quando chega lá em cima acha que é outra coisa”, disse o ex-príncipe dos sociólogos. Difícil saber se a afirmação é mais elitista ou mais preconceituosa. Se é verdade que Lula se deslumbrou com as luzes do Planalto, o mesmo já aconteceu com gente nascida em berço de ouro, como Collor. A questão não é de origem social, mas de caráter. Foi incrível a indulgência da mídia diante de tal disparate de FHC.
Stela Guedes Caputo
da mídia
NACIONAL
Ricardo (à direita, quando tinha 8 anos) e Jailson cresceram no candomblé
seja converter alunos, mas revela: “No ano passado eu tinha uns oito alunos ogans, mas eles acabaram entendendo que estavam errados e hoje não são mais”, comemora. Os professores entrevistados também afirmam que, apesar da matrícula nessa disciplina ser facultativa, como as escolas não conseguem elaborar outras atividades para os alunos que não queiram cursá-la, a freqüência é quase total.
CRÍTICAS Para o deputado estadual Carlos Minc (PV-RJ), a Lei do Ensino Religioso no Rio de Janeiro é espantosa e só existe de maneira confessional, nesse Estado. O parlamentar afirma que já imaginava que crianças e adolescentes de outras religiões, inclusive as de candomblé, seriam ainda mais discriminadas. “Entramos com ação no Supremo Tribunal Federal.
O próximo governo pode aprovar outra lei anulando a atual. Todos esses professores são licenciados para ensinar outras disciplinas do currículo e não serão prejudicados”. Para Minc, o Sindicato Estadual de Profissionais da Educação (Sepe) e todas as faculdades de educação deveriam “comprar essa briga” e trabalhar para que os professores sejam mais pluralistas. A lei também não agradou nem Mãe Palmira de Iansã nem Mãe Beata de Yemonjá, conhecidas e respeitadas mães-de-santo da Baixada Fluminense. “Se a escola quer se meter com religião, deve ensinar a história de todas as religiões e não discriminar ninguém”, afirma Mãe Palmira. “Se a escola discrimina os alunos de candomblé, a escola não merece nenhum respeito”, sentencia Beata de Yemonjá. (Fazendo Média, www.fazendomedia.com)
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De 13 a 19 de abril de 2006
NACIONAL ABRIL INDÍGENA
Governo de pouco diálogo Priscila D. Carvalho e Cristiano Navarro de Brasília (DF)
Flávio Canalonga
Indígenas buscam espaço na formulação de políticas públicas; presidente Lula se nega a receber lideranças
C
om a participação de 550 indígenas de 86 povos, o 3º Acampamento Terra Livre, realizado de 4 a 6, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, fez fortes críticas à política indigenista brasileira e apontou caminhos para uma nova relação entre os povos indígenas e Estado. A necessidade da participação dos indígenas na formulação de políticas públicas voltadas a eles foi a tônica central dos debates e das reivindicações do encontro, considerado a principal mobilização do calendário de lutas dos povos indígenas. A implantação da Comissão Nacional de Política Indigenista, criada por decreto presidencial em março, poderá ser um caminho para a participação efetiva dos povos, mas ainda gera preocupações entre as lideranças. “Ainda que atendendo em parte o nosso pedido, manifestamos a nossa preocupação com relação às reais condições que serão oferecidas pelo Ministério da Justiça para sua instalação no prazo estabelecido no decreto e seu pleno funcionamento operacional”, afirmaram as lideranças indígenas na carta final do encontro. As preocupações sobre a condução das definições ligadas à política indigenista existem também em relação à Conferência Nacional dos Povos Indígenas, organizada pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Prevista para durar oito dias (de 12 a 19 de abril), o evento ainda gera polêmica no movimento indígena, que divulgou, durante o Acampamento Terra Livre, uma moção na qual questiona a forma de convocação das pré-conferências regionais, que antecederam a Conferência Nacional. Afirmam, no texto, que nestas conferências, “a Funai pautou as discussões somente em cima dos seus interesses”. A moção ressalta a preocupação de que a Conferência seja utilizada pelo órgão federal para “reforçar a tutela e o órgão tutor ou ainda aproveitar este espaço para legitimar o encaminhamento de questões cruciais para os povos indígenas por meio de projetos de lei avulsos e que não tramitem no Congresso no âmbito do Estatuto dos Povos Indígenas”. O presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, anunciou, em entrevista à Rádio Nacional da Amazônia, que pretende apresentar aos indígenas, durante a Conferência, a proposta de um projeto de lei que regula a mineração em terras indígenas. Em seus debates com representantes do Congresso Nacional, realizados durante o Acampamento, os indígenas reforçaram a intenção de que todos os temas ligados a eles sejam tratados em conjunto, por meio de discussão do Estatuto dos Povos Indígenas, parada na Câmara há 12 anos.
Indígenas do 3º Acampamento Terra Livre, erguido na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, cobram de Lula maior participação nas decisões que lhes dizem respeito
Exemplo da falta de compromisso do governo são os processos referentes a 14 terras indígenas, parados no Ministério da Justiça. Em abril de 2005, o ministro Marcio Thomaz Bastos e o presidente da Funai se comprometeram publicamente a resolver a questão, mas até hoje, “apenas uma terra teve portaria declaratória publicada”. O movimento indígena exige do governo federal a retomada do ritmo normal no processo de regularização das terras indígenas.
BARRADOS NO PLANALTO Para as lideranças presentes ao Acampamento, o descaso com os povos indígenas que caracterizou o governo Lula nestes três anos de mandato foi reafirmado pelo
mais de 500 indígenas, a disposição para debater embaixo do sol de Brasília, de tomar chuva, a gente só faz isso porque quer participar, de verdade, dessa política indigenista, porque temos muito a dizer e a propor. A gente foi recebida pelo presidente do Senado e pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. Só o poder executivo não nos recebeu. Isso é descaso. É o mesmo descaso com que o governo Lula trata os povos indígenas há três anos. Tudo o que conseguimos nesse governo foi às custas de muita luta e muita pressão, e vamos continuar lutando”, diz o cacique Marcos Xucuru. No dia de encerramento, a mobilização Terra Livre foi recebida pela presidente do Supremo
Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie, que se comprometeu a dar precedência aos processos ligados a terras indígenas. “Há questões complexas, de tramitação longa, mas nós podemos dar precedência aos processos”, afirmou a ministra. Também na mesma quintafeira, dia 6, o Supremo manteve a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, ao negar recurso proposto pelo senador Augusto Botelho (PDT-RR) pedindo a suspensão da homologação da terra indígena. Priscila D. Carvalho e Cristiano Navarro são jornalistas e assessores de comunicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
FÓRUM SOCIAL BRASILEIRO
Caminhos para um outro mundo possível
“CONQUISTAS ARRANCADAS” As críticas à Conferência não são isoladas, mas em conjunto com os questionamentos feitos à política indigenista do governo Lula, avaliada pelos manifestantes como negativa. Na carta final, divulgada no último dia da mobilização, os indígenas consideram que as poucas conquistas foram “arrancadas” por meio de muita “pressão e luta, inclusive, com sacrifícios de vidas de parentes nossos”. “O governo Lula manteve uma política indigenista retrógrada, tutelar e oficialista, confundindo os interesses dos povos indígenas com os interesses da Funai, confundindo o órgão indigenista com a política indigenista”, avalia o documento.
Planalto, que se recusou a receber uma comissão que tentava entregar a carta final da mobilização aos três poderes, dia 6. De acordo com as lideranças do movimento, havia uma audiência agendada com assessores do Planalto desde o dia anterior e, sem qualquer justificativa, o horário foi transferido e, posteriormente, a comissão de lideranças foi barrada na porta do Palácio do Planalto por dois assessores do chefe de gabinete de Lula. Gilberto Carvalho, da assessoria presidencial, afirmou que o governo poderia receber apenas três representantes, mas não receberia uma comissão por “falta de tempo e espaço”. “O esforço de mobilização de
Cássia Bechara de Recife (PE) O sentimento de esperança que permeia todos os fóruns sociais e a afirmação de que existem alternativas ou de que elas podem ser construídas estará explícita já na marcha de abertura do 2º Fórum Social Brasileiro (FSB), dia 20, em Recife. A comitiva de frente da marcha será formada por crianças sem-terra, ostentando a faixa do 2º FSB, que vai até o dia 23, sob o tema “Caminhos para um outro
mundo possível – a experiência brasileira”. O processo dos fóruns sociais, sejam mundiais, regionais ou nacionais, se consolidou como um espaço de discussão, reflexão e articulação entre os movimentos e redes sociais que lutam contra o domínio do capital, o neoliberalismo e todas as formas de imperialismo. Dentro de toda a diversidade do fórum, essa é a marca que une a todos e todas que dele participam: a busca de alternativas não capitalistas para um outro mundo possível. Nesse sentido, a experiência dos movimentos sociais e do povo brasileiro é singular e relevante não apenas para a construção de um outro Brasil, mas também de um outro mundo, pelos impactos e dinâmicas que pode gerar em outros lugares. A experiência política vivida pelo povo brasileiro nas ultimas décadas e a força de alguns movimentos sociais do país têm inspirado movimentos e organizações do mundo todo, que acompanham atentamente o que acontece no Brasil. Assim, apesar de estar centrado na experiência brasileira, o 2º FSB é também um Fórum Mundial Temático, por seu caráter internacional.
NOVO FORMATO O 2º FSB traz uma novidade em seu formato. Em vez das grandes conferências e seminários dos outros fóruns sociais, este terá quatro grandes áreas de diálogo: os sujeitos políticos e suas relações;
projetos de desenvolvimento alternativo ao neoliberalismo; resistência antiimperialista e alternativas de integração solidária; democratizar o Estado: por uma nova institucionalidade. As atividades do Fórum, todas autogestionadas, serão desenvolvidas a partir dessas áreas de diálogo. Todas as atividades propostas terão a mesma importância e serão organizadas e geridas pelas próprias organizações participantes. A maioria das atividades estará concentrada na Universidade Federal de Pernambuco, mas haverá também atividades no Teatro do Parque, o maior teatro de Pernambuco, e as atividades culturais noturnas acontecerão no Pátio de São Pedro, no centro do Recife.
OUTRO MODELO AGRÍCOLA Um outro Brasil – e um outro mundo – só será possível com um outro modelo agrícola, baseado na agricultura camponesa, orgânica e sustentável. Assim, a luta contra o agronegócio, as políticas agrícolas da Organização Mundial do Comércio e os transgênicos serão alguns dos temas que os movimentos ligados à Via Campesina Brasil trarão para discussão no 2º Fórum Social Brasileiro. No último dia do Fórum, 23 de abril, acontecerá a plenária da Via Campesina Brasil. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) deve mobilizar cerca de dois mil agricultores sem-terra, que chegarão ao Recife em marcha desde a região da Zona da Mata. A Marcha
pela Reforma Agrária faz parte da Jornada de Luta promovida pelo MST no Brasil inteiro para lembrar os dez anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, quando 19 sem-terra foram assassinados pela Policia Militar do Pará. Além das atividades planejadas em conjunto com a Via Campesina, o MST vai organizar duas grandes atividades, que acontecerão no Teatro do Parque, dias 21 e 22 de abril. A primeira é sobre a experiência latino-americana, e a segunda, sobre ética militante, trará uma reflexão sobre que tipo de militantes precisamos para a construção de um outro Brasil. O MST estará organizando ainda oficinas sobre a monocultura e o agronegócio e os dez anos de Eldorado dos Carajás. O direito à comunicação não estará presente apenas nos debates e seminários do Fórum. Os Fóruns de Rádios e TVs, a Ciranda da Comunicação e o Laboratório de Conhecimentos Livres são experiências concretas de efetivação do direito à comunicação que já vêm sendo desenvolvidas desde outros fóruns sociais. No Recife, a Rádio Livre-se estará no ar durante todo o Fórum, transmitindo programas alternativos e com a programação aberta a todos os movimentos e organizações. Além disso, o público poderá participar de oficinas de Webrádio, introdução ao Linux, introdução à gravação e edição de áudio, mídia independente, entre outras. Para inscrições e outras informações acesse a página do 2º FSB na internet: www.fsb.org.br
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De 13 a 19 de abril de 2006
NACIONAL TV DIGITAL
Ministros negociam no Japão
Hamilton Octavio de Souza
Sociedade civil lança frente por opção democrática enquanto ministros correm por fora
Tetas públicas O governo Lula acaba de lançar mais um pacote para socorrer o setor agrícola e mais especificamente os fazendeiros e empresários do chamado “agronegócio”, que é o rótulo que encobre as velhas maracutaias no campo. O montante é de R$ 16,8 bilhões, dos quais R$ 7,2 bilhões vão cobrir os calotes dos grandes proprietários e apenas R$ 238 milhões serão destinados à compra de alimentos da agricultura familiar. Deu para entender de que lado o governo está? Condenação eterna O governo federal anunciou um reajuste da aposentadoria de 5% desde o dia 1º de abril. Mais uma vez a aposentadoria perde para o reajuste do salário mínimo. Já teve época em que o aposentado recebia uma aposentadoria máxima equivalente a dez salários mínimos, o que daria hoje R$ 3.500. Atualmente, o máximo que um aposentado pode receber equivale a oito salários mínimos. A redução é contínua e persistente. Candidato alternativo Em ato realizado na Câmara Municipal de São Paulo, o PSol lançou a pré-candidatura de Plinio Arruda Sampaio ao governo do Estado. Sampaio, que foi fundador do PT, deputado constituinte de 1988, é figura política conhecida e respeitada nacionalmente. Deixou claro que entra nessa disputa eleitoral para semear uma alternativa de esquerda ao neoliberalismo dominante. A expectativa é que canalize também o voto de protesto – cada dia mais forte na campanha do voto nulo. Terrorismo estatal A Anistia Internacional, entidade de defesa dos direitos humanos, denunciou mais uma vez que o governo dos Estados Unidos, pela CIA (agência de espionagem), está usando a Europa do Leste e a costa africana para manter prisões secretas de prisioneiros suspeitos de ações de terrorismo. A Anistia conclama a ONU e os governos desses países a denunciar publicamente essa violência de Estado autorizada pelo presidente George W. Bush. Até quando? Alimento devastador A ONG ambientalista Greenpeace denunciou recentemente que a rede de lanchonetes McDonald’s contribui para a devastação da floresta amazônica, na medida que utiliza a carne de frango fornecida pela multinacional Cargill, que alimenta as aves com soja produzida pela empresa em terras desmatadas da região amazônica. Como se vê, a cadeia da destruição está diretamente ligada com o agronegócio, as sementes transgênicas, o capital estrangeiro e os mercados globalizados. Corrupção já Pesquisa do Datafolha veiculada no dia 9 apresenta resultados curiosos. Sobre a “responsabilidade do presidente nos casos de corrupção”, 46% dos pesquisados atribuem “um pouco”, 37% “muita”; a mesma questão para o ex-governador Geraldo Alckmin dá 54% “um pouco” e 31% “muita”. No cômputo geral, 83% consideram Lula envolvido na corrupção e 85% consideram Alckmin envolvido na corrupção. O povo sabe demais! Vitória popular Depois de dois meses com grandes manifestações estudantis e sindicais, com milhões de pessoas nas ruas, o governo acabou retirando do congresso a lei que aviltava as relações trabalhistas e favorecia os empresários. Não, não foi no Brasil, foi na França – onde o sistema de proteção aos trabalhadores é muito mais abrangente do que no Brasil. Aqui, o sindicalismo dorme em berço esplêndido.
Bel Mercês de Brasília (DF)
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a contramão. Assim parece caminhar a implementação da televisão digital (TVD) no Brasil. O governo brasileiro enviou, dia 11, três ministros de Estado para reuniões no Japão, país detentor das tecnologias de um dos sistemas de TVD existentes no mundo. Viajaram para encontros com governo e empresários japoneses os ministros Celso Amorim (das Relações Exteriores), Luiz Fernando Furlan (do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) e Hélio Costa (das Comunicações). Os principais defensores do sistema japonês são as grandes emissoras privadas, que há décadas monopolizam os meios de comunicação do país, e o ministro Hélio Costa, que faz lobby em favor das grandes redes. A sociedade civil tenta retardar a decisão pelo sistema a ser adotado no país, enquanto pede participação efetiva no processo de definição e defende debates públicos, que proporcionem a criação de um sistema democrático, plural e que privilegie o desenvolvimento da indústria nacional. Essas são algumas das pautas de reivindicações da Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital, lançada dia 4 na Câmara dos Deputados, em Brasília. As mais de trinta entidades que compõem a Frente também protocolaram, dia 11, um ofício direcionado à ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, em que defendem a abertura imediata de uma consulta pública para colher contribuições acerca dos documentos produzidos pelo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), a realização de audiências públicas em todo o país, a reativação imediata das atividades do Comitê Consultivo do Sistema Brasileiro de TV Digital, a promoção de uma campanha de esclarecimento da sociedade e a criação do Sistema Brasileiro de Rádio Digital (SBRD) seguindo os mesmos princípios do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD).
Ministro Hélio Costa, um dos defensores do sistema japonês e das grandes redes de TV: debate agora é na esfera política
O documento alega que ¨uma definição mais criteriosa, que conte com a participação dos diversos atores envolvidos no processo, fará com que o Brasil tenha melhores condições de se inserir de maneira independente em âmbito global e dará ao país a oportunidade real de desenvolver um sistema de comunicações que seja plural, diverso e verdadeiramente democrático”. Para Michelle Prazeres, do coletivo Intervozes, uma das entidades que compõem a Frente, o adiamento da decisão desloca o debate da esfera tecnológica para o âmbito político. ¨Tentamos desconstruir o argumento da escolha apressada. Uma decisão que passa pela sociedade pode atender muito mais o interesse público do que uma decisão de gabinete¨, explicou.
TRÊS PODERES Segundo as assessorias de imprensa dos três ministérios, os ministros brasileiros devem voltar ao Brasil até o dia 13, mas ninguém soube explicar se retornam com um acordo fechado. O governo vem adiando há mais de dois meses a decisão sobre o sistema de televisão digital. Michelle acredita que
isso se deve, em parte, à pressão da sociedade civil. ¨O debate, desde o final do ano passado, ganhou uma dimensão que o governo não achava que ia ter, ganhou publicidade. Mas existem outros interesses em jogo¨, disse, referindo-se às empresas de telecomunicações e indústrias nacionais, que sairão prejudicadas caso a escolha seja favorável ao modelo japonês. Parlamentares também têm acompanhado de perto o processo. O Conselho de Altos Estudos da Câmara dos Deputados prevê para os próximos meses a realização de um seminário sobre TV Digital. Jandira Feghali, deputada pelo Partido Comunista do Brasil, fala da articulação: ¨Nós não queremos que a decisão seja por decreto, o Congresso deve decidir junto, não pode ser decisão unilateral do governo. Temos contato direto com as entidades e vamos tentar fazer com que a Câmara desempenhe seu papel na definição do padrão e de um novo marco regulatório¨.
AUDIÊNCIA PÚBLICA Um novo ator nesse espaço é o Ministério Público Federal (MPF), que solicitou para o dia 24 uma au-
diência pública em São Paulo. Segundo Sérgio Suiama, procurador regional dos direitos do cidadão, o judiciário deve intervir por avaliar que a condução do processo aponta para a garantia do monopólio dos meios de comunicação e prejudica a democratização e o uso do espectro. ¨O decreto presidencial previa uma série de objetivos e essas questões aparentemente não foram contempladas. A sociedade civil foi alijada do processo e o Conselho Consultivo, criado para orientar o trabalho, não teve seu funcionamento garantido¨, expôs. O MPF já ouviu um representante do Ministério das Comunicações sobre o escamoteio das pesquisas realizadas pelo CPqD. A audiência em São Paulo contará com a participação de representantes dos radiodifusores privados, públicos e de pesquisadores. ¨O objetivo é fazer um debate público e colher elementos para uma eventual ação judicial do Ministério Público. Essa mudança é uma oportunidade para se discutir o modelo de televisão brasileira. A TV digital pode otimizar espaço e aumentar a possibilidade de haver pluralismo e democratização¨, replicou Suiama.
PASTORAL DA TERRA
Assembléia nacional elege coordenação Cristiane Passos de Curitiba (PR) Durante quatro dias, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) realizou, no Instituto São Francisco de Assis, em Goiânia (GO), sua 18ª Assembléia Nacional. Agentes da Pastoral, trabalhadores rurais e representantes de movimentos sociais discutiram, entre os dias 4 e 7, as prioridades para a atuação para o próximo ano. Os participantes também delimitaram as perspectivas e os desafios que os movimentos do campo têm pela frente. A construção de um projeto camponês comum e o fortalecimento do diálogo com os movimentos sociais e de luta pela terra, entre outros, foram elementos que se destacaram entre os temas debatidos na Assembléia. Com base na análise política, social e econômica feita pelo sociólogo e professor aposentado da Universidade de São Paulo, Chico Oliveira, os participantes refletiram sobre a posição da CPT no atual contexto nacional, “em que a política se rendeu à economia e às leis de mercado”, nas palavras do professor. O sociólogo declarou sua intenção de “despertar a sociedade para a necessidade de mudanças diante do crescimento do poder de dominação do capitalismo, onde os valores a serem seguidos são pautados pelos grandes conglomerados econômicos”. Ao tentar lutar contra essa domi-
nação da economia, os movimentos sociais, disse Oliveira, acabam criminalizados – inclusive pela sociedade brasileira, que pactua com o poder do capitalismo e é influenciada pelo fluxo de informações negativas oferecidas pelos grandes meios de comunicação. Na plenária da Assembléia, houve consenso de que, mesmo diante desse contexto negativista, a CPT não pode perder seu referencial de luta, que são os pobres da terra. Os participantes apontaram, ainda, a necessidade de se pensar um outro Estado, um outro poder e uma outra política, além de reforçar o trabalho de base da Pastoral, defender o ambiente e difundir as experiências populares.
Sob o lema “Firmes como alguém que enxerga o invisível” (Hebreus 11,27), o grupo enfocou a preocupação com a metodologia da CPT e a relação dos movimentos com as igrejas. Na construção desse caminho, a Pastoral percebeu a importância de se usar em suas ações diárias o documento “Os pobres possuirão a terra”, produzido por bispos e pastores sinodais durante seminário realizado em Brasília (DF), de 28 a 30 de março. No dia 7, a Assembléia elegeu a nova coordenação nacional da CPT. O novo presidente, dom Xavier Gilles Maupeou, é bispo de Viana, município do Maranhão. Nascido na França, ele veio para o Brasil na
Maristela/CPT
Vazamentos gerais O que é bom para o Brasil é bom para os Estados Unidos: agora se sabe, na matriz, que o presidente George W. Bush autorizou o vazamento para a imprensa de informações sigilosas sobre a invasão do Iraque, entre as quais a revelação de que a mulher de um diplomata estadunidense era agente da CIA. O presidente da República entregou a agente para prejudicar o diplomata, que fizera críticas ao seu governo. Qualquer semelhança não é mera coincidência.
Agência Brasil
Fatos em foco
Integrantes da CPT homenageiam mártires da terra na assembléia da entidade
década de 1960 para atuar como assessor da Pastoral Operária em São Luís (MA). Ele foi coordenador da CPT Maranhão, à qual é ligado até hoje. Dom Xavier foi vice-presidente da CPT durante a presidência de dom Tomás Balduíno, seu antecessor. “Tentarei continuar a linha de trabalho da equipe de dom Tomás na CPT, dando visibilidade ao documento ‘Os pobres possuirão a terra’ e, animado pela mensagem final da Assembléia da CPT, tentarei denunciar os pecados da idolatria do poder”, observou. Dom José Mauro, bispo da diocese de Janaúba, Minas Gerais, foi eleito vice-presidente. Para compor a equipe de dom Xavier, foram eleitos coordenadores a pastora metodista Nancy Cardoso Pereira, que contribuiu no coletivo de formação da CPT e no trabalho de base com diferentes grupos, e Juvenal José da Rocha, que esteve na coordenação colegiada da CPT e participou de outras pastorais sociais e do movimento sindicalista. Também compõem a nova coordenação o padre Dirceu Luiz Fumagalli, que atua há 19 anos na CPT; José Batista Afonso, que está há nove anos na CPT Pará e sempre se dedicou à região de fronteira na luta pela terra e contra o trabalho escravo; Maria Madalena dos Santos, dominicana, que atuou durante cinco anos na CPT Xinguara, e Hermínio Canova, que atua na CPT desde sua criação, em 1975.
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NACIONAL TRANSNACIONAIS
White Martins no banco dos réus Sócia da Petrobras é acusada de superfaturamento em hospitais públicos, formação de cartel e crime de lesa-pátria Bruno Zornitta de Niterói (RJ)
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rime de lesa-pátria. Essa é a acusação que pesa sobre a sociedade entre a Petrobras e a White Martins para comercialização de gás natural liquefeito (GNL). A denúncia foi feita pelo ex-empresário do setor de gás, João Vinhosa, que entrou com representação no Ministério Público, na OuvidoriaGeral da União e planeja agora uma Ação Popular contra o consórcio Gemini, formado pela White Martins (60%) e pela Gaspetro (40%), companhia subsidiária da Petrobras.
O Gemini pretende abastecer regiões não atendidas pelo sistema de distribuição canalizado. O GNL seria distribuído a partir de uma unidade de produção em Paulínia, São Paulo, atendendo aos Estados do Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais além do Distrito Federal, de acordo com informações publicadas na página da Petrobras na internet. LUCROS “INCALCULÁVEIS”
O problema é que a sociedade, segundo João Vinhosa, se obriga a contratar, com a sócia majoritária White Martins, os serviços
de liquefação, armazenamento e transporte do gás natural, entre outros, nos termos do “Acordo de Cotistas” do Gemini. Isso garantiria lucros “incalculáveis” à transnacional estadunidense, cuja totalidade das ações pertence à Paxair Inc., mesmo que a sociedade seja deficitária, sustenta Vinhosa. Além disso, a Petrobras estaria se associando a uma empresa com histórico de espoliação dos cofres públicos. A White Martins é acusada de superfaturamento em contratos com hospitais públicos do Rio de Janeiro, com o Hospital Central do Exército e até mesmo
com a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Como se não bastasse, a transnacional está sendo processada também por formação de cartel, o crime mais grave contra a livre concorrência.
FATO CONSUMADO O Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro (SindipetroRJ) questionou a presidência da Petrobras sobre a situação, por meio de carta enviada em março de 2004. Em resposta, o diretor de Gás e Energia da empresa, Ildo Sauer, limita-se a dizer que todos os processos encontram-se sub judice,
“não havendo ainda, em qualquer deles, sentença condenatória contra essa empresa”. A formação do Gemini foi aprovada recentemente na Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e será avaliada em breve pelo Conselho Administrativo de Direito Econômico (Cade). De acordo com Vinhosa, a intensa propaganda que está sendo feita pela mídia a respeito da sociedade entre a Petrobras e a White Martins busca criar uma situação de fato consumado para forçar o Cade a aprovar o negócio. (Fazendo Media, www.fazendomedia.com)
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NACIONAL BIOSSEGURANÇA
Árvore transgênica, a bola da vez Transnacionais do agronegócio criam estratégias para transformar agricultura e a alimentação em mercadoria
Brasil de Fato – Como surgiram os transgênicos? Silvia Ribeiro – Os transgênicos estão no mercado há dez anos. Os primeiros a cultivarem foram os Estados Unidos, seguidos pela Argentina e Canadá. Durante muito tempo estes três países tinham a maioria dos transgênicos, que estavam no campo. Segundo uma instituição de estatística financiada por empresas, existem 17 países no mundo com plantação comercial de transgênicos. Mas, esses três países ainda representam a maioria, mais de 80%. Juntos com Brasil e China, chegam a 98%. Entre os cultivos comerciais que já estão no campo, quatro estão no mundo inteiro que são: soja (o principal) da Monsanto com 66%, milho, canola e algodão. Além deles, há outros em experimentação: batata, mamão papaia, feijão, mandioca, e isso preocupa porque são cultivos mais próximos das pessoas. BF – Quais as vantagens dos transgênicos? Silvia – Nenhuma das promessas das empresas se cumpriram. Elas diziam que os transgênicos são mais nutritivos, bons para saúde, têm melhor qualidade de sabor. Nada disso é verdade. A maioria, mais de ¾ dos transgênicos no mundo, é uma semente resistente a herbicida da própria companhia. Essa, sim, é a realidade. Depois de dez anos fica muito claro que a questão dos transgênicos não tem nada a ver com as necessidades de ninguém, mas com os interesses das empresas. Nos Estados Unidos, que têm mais de 60% dos transgênicos do mundo, as estatísticas já demonstram que aumentou o uso de agrotóxicos. BF – Por que os agricultores estão plantando transgênicos? Silvia – Simplesmente porque não têm opção. São três empresas que detêm 100% das sementes transgênicas no mundo. A maioria é da Monsanto, que agora tem 88%; o restante é da Syngenta, DuPont, Basf, Dow e Bayer. Todas as outras empresas estão associadas a estas. As empresas só estão produzindo transgênicos para vender seus próprios agrotóxicos, pois todas são grandes fabricantes de agrotóxicos, antes de produzir sementes. As semen-
BF – A indústria química sintetizou o agrotóxico? Silvia – A maioria dos agrotóxicos foi desenvolvida como arma. Só depois diminuíram as doses para matar insetos; antes era para matar pessoas. Foi a indústria química que comprou as outras e, em alguns casos, também se transformou em farmacêutica. E todas elas têm origem comum, que é a petroquímica. Então, se formos nas raízes dessas empresas, chegaremos até as petroleiras. BF – Depois dos transgênicos e do terminator o que vem é a nanotecnologia? Silvia – A base do transgênico vai para o terminator, inclusive não só para o terminator, mas para o que chamam de tecnologia para controlar as características da planta. A questão da nanotecnoligia tem a ver com a questão lógica do capital na agricultura, que é buscar como fazer mais negócios com menos pessoas, e produzindo produtos novos. A nanotecnoliogia não é só na agricultura, é uma tecnologia para manipular a matéria viva e a não-viva em nível dos átomos e das moléculas. A nanotecnologia é a escala dos átomos e moléculas, porque um nananômetro é uma bilhonésima parte de um metro, um milhão de vezes menor que um mílimetro.
Em Curitiba (PR), integrantes da Via Campesina marcham em protesto contra as transnacionais dos trangênicos
tes chegaram depois para se apropriar de um mercado maior e vender os agrotóxicos. Nos Estados Unidos, os transgênicos têm um rendimento menor que os cultivos convencionais. Como só existem essas empresas por lá, são elas que vendem os transgênicos e não transgênicos. Há cinco anos, quando a Europa decretou a moratória contra o milho transgênico, os agricultores dos EUA tentaram voltar para o milho convencional, mas as empresas disseram que não tinha sementes. Eles são obrigados a usar transgênicos porque não tem outra coisa no mercado, isso é uma manipulação muito grande do mercado. Tem um informe do Ministério da Agricultura dos EUA, feito em 2003, onde analisaram os resultados econômicos dos transgênicos no país. Como encontraram somente resultados negativos, o Ministério da Agricultura não entende por que os agricultores continuam usando transgênicos, não há uma explicação direta. A razão porque disseram isso principalmente com a soja, mas também com o milho é que produzem menos e custa mais e, além disso, usam mais agrotóxicos. Em alguns lugares dos EUA se usa ate 30% mais venenos e produz 10% a 15% menos.
Todas as maneiras de resistir aos transgênicos estão diretamente relacionadas à organização dos camponeses e à solidariedade de outros movimentos BF – Se os transgênicos não rendem financeiramente, por que os agricultores continuam plantando? Silvia – Porque nos Estados Unidos e Canadá não há opção. E na Argentina os agricultores já estão escravizados com a plantação de soja. Lá a expansão foi tão forte que produziu uma autêntica reforma agrária ao contrário: 40% dos estabelecimentos grandes e pequenos desapareceram no processo de plantio da soja transgênica. Como o investimento para a produção da soja transgênica é maior, os pequenos não resistiram e foram comprados pelos maiores. Isso produziu uma concentração da terra impressionante. E agora, na Argentina a maioria das terras está plantada com soja, e os agricultores não conseguem sair dessa estrutura de dependência. É importante o Brasil analisar o que se passou com a Argentina. No resto do mundo a liberação dos trans-
gênicos tem uma relação direta com a corrupção. Para liberar a comercialização dos transgênicos na Indonésia, a Monsanto subornou 140 funcionários públicos. Tenho certeza de que no México as empresas também pagaram para um monte de gente. Além disso, estão padronizando as leis referentes à biossegurança. É curioso que a lei de biossegurança do Brasil e do México é muito parecida. A do México foi escrita pelas empresas: Syngenta, DuPont e Bayer, juntamente com alguns centros cientistas da Academia Mexicana de Ciência que trabalham para estas empresas. BF – O mundo consome toda a soja transgênica produzida? Silvia – Sim, mas isso também é uma campanha. Por exemplo, no Brasil a introdução do trigo transgênico foi forçada pelos EUA para criar uma dupla dependência: de compra dos produtores e para acabar com cultivos locais que davam mais autonomia. No caso da soja é a mesma coisa. Hoje, o produto é encontrado em qualquer supermercado, tem componente de soja em 70% a 80% dos produtos. Além disso, toda a ajuda alimentar no mundo, por causualidade, é de soja e trigo. Também tem muita propaganda dos benefícios da soja. Porém, já tem estudos sobre a soja transgênica que são assustadores. Um deles saiu numa resenha publicada no ano passado no jornal Washington Post, um dos maiores diários dos Estados Unidos. Foram feitos também experimentos voluntários e foi comprovado que como a soja tem muito fitoestrogênio, está causando uma baixa na fertilidade masculina, os homens produzem menos espermatozóides. A pesquisa contatou que isso tem uma relação com o aumento do consumo de soja. BF – Por que a Argentina está brigando com a Mosanto para não pagar os royalties? Silvia – Na Argentina os royalties são ilegais, porque o país não permite patente de plantas. Além disso, a soja transgênica não tem patente na Argentina, porque a Monsanto esqueceu de registrar a patente da soja RR. Começaram a vender e acharam que não teriam problema. Depois quando tentaram registrar já era tarde. Outro fator é que na Argentina, os agricultores têm o direito de replantar as sementes nos anos seguintes. Por isso, os agricultores argentinos, mesmo os industriais, não querem pagar nada, porque estão protegidos pela lei, e porque o país não reconhece esta patente. BF – Quais os países que reconhecem a patente da Monsanto?
Silvia – No Norte, a maioria deles, no Sul são poucos. É por isso que a Monsanto tentou fazer acordos direto com os países. No Brasil estão fazendo acordo com as cooperativas, que cobram os royalties e ficam com uma parte dos recursos. Isso é horrível porque tentam favorecer alguns intermediários para fazer a cobrança. BF – Então os royalties são um problema para as empresas? Silvia – Não são apenas um problema para a cobrança. Tem outros países muito mais disciplinados, como México, África do Sul, onde os governos tentam cobrar, mas muitos países não querem pagar. Por isso, que as empresas estão deseperadas pela liberação do terminator. Como o terminator é uma patente biológica, não precisa de nenhum controle, nem lei. Ao comprar, o agricultor já paga royalties, se quer voltar a usar têm que comprar outra vez. Esta é um patente biológica sem data para terminar. O terminator é para controlar a agricultura industrial e a agricultura camponesa. Trata-se da maior tentativa que as empresas já fizeram para controlar as sementes no mundo. BF – Por quanto tempo a agricultura camponesa pode resistir sem contaminação? Silvia – Isso depende dos camponeses, dos movimentos e da capacidade de resistência. Por exemplo, no México, o milho foi contaminado por transgênicos. Os camponeses não têm certeza do grau de contaminação, porque os métodos para controlar a contaminação pertencem às empresas, por isso ninguém está 100% seguro. As empresas têm que dar para os agricultores o padrão de soja transgênico que colocaram. No México, por exemplo, os camponeses se organizaram para controlar quais são as sementes que entram e saem da comunidade ou da região. Com a possibilidade das árvores transgênicas, o problema da contaminação é ainda mais grave porque o pólen pode viajar de 2.500 a 3.000 quilômetros. Esta é uma das maiores agressões das indústrias e do agronegócio contra a alimentação de todo mundo. Todas as maneiras de resistir está diretamente relacionada à organização dos camponeses e à solidariedade de outros movimentos. BF – Podemos perceber que a empresa de sementes também está no setor de agrotóxicos e de medicamentos. Por que existe essa relação? Silvia – Há 15 anos as companhias químicas acharam que uma maneira para assegurar
BF – O que isso significa? Silvia – No caso da agricultura já fizeram arroz experimental. Arroz atomicamente manipulado, introduziram um átomo de hidrogénio dentro do arroz para mudar a cor. Os Estados Unidos têm um programa muito grande para usar nanotecnologia na agricultura, e eles estão tentando fazer com que isso se espalhe no mundo antes de qualquer regulação. A Embrapa no Brasil já tem vários experimentos. É a nova forma para ir além dos transgênicos e se apropriar do que compõem os genes. Foram das sementes para os genes e dos genes para os átomos. E quanto menor você vai, maior é o poder que tem porque controla os átomos. BF – Como é a expectativa da nanotecnologia junto às empresas? Silvia – O problema é que como a nanotecnologia tem tantas diferentes aplicações, fica difícil controlar. Além disso, as 500 maiores empresas do mundo já têm investimentos nessa área. Carlos Ruggi
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om a possibilidade das árvores transgênicas, o problema da contaminação é ainda mais grave porque o pólen pode viajar de 2.500 a 3.000 quilômetros”, alerta a pesquisadora mexicana Silvia Ribeiro, em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato. Segundo Silvia, trata-se de uma das maiores agressões das indústrias e do agronegócio contra a alimentação de todo mundo. “Todas as maneiras de resistir estão diretamente relacionadas à organização dos camponeses e à solidariedade de outros movimentos”, diz. As transnacionais querem as árvores transgênicas porque a tecnologia possibilita o uso de grande quantidade de agrotóxicos em áreas de monoculturas, inviável nas convencionais, que são sensíveis aos venenos. Com isso, as empresas podem abalar a biodiversidade e colocar em risco o ecossistema. Silvia também chama a atenção para os efeitos nocivos que os transgênicos exercem sobre a saúde humana. Pesquisas recentes realizadas nos Estados Unidos dão conta de que o alto consumo de soja está causando uma baixa na fertilidade masculina, os homens produzem menos espermatozóides.
a dependência dos agricultores seria comprar as empresas de sementes. As químicas são mais antigas, têm muito mais dinheiro, e a maioria já era farmacêutica. Estas empresas querem controlar mercados-chave, de necessidades básicas, como: saúde e alimentação.
Douglas Mansur/ Novo Movimento
Raquel Casiraghi e Solange Engelmann de Curitiba (PR)
Quem é Silvia Ribeiro é pesquisadora do Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração (ETC), no México.
Ano 4 • número 163 • De 13 a 19 de abril de 2006 – 9
LIVRE-COMÉRCIO
A Alca, imposta de grão em grão
Arquivo Brasil de Fato
SEGUNDO CADERNO
Sem conseguir o acordo continental, EUA avançam com sua proposta em negociações bilaterais ou regionais Marcelo Netto Rodrigues da Redação
último ato do seu governo, ignorando a discussão sobre o assunto que promete esquentar o segundo turno das eleições em seu país. O Equador é outro caso à parte. Desde o dia 13 de março, mobilizações organizadas por indígenas e estudantes do país – que já resultaram em uma morte – pressionam o presidente Alfredo Palacio a desistir da assinatura, enquanto não seja realizado um plebiscito para saber a vontade dos equatorianos. Vale dizer que além dos países citados, o Chile já está na lista dos parceiros bilaterais dos EUA. “Os presidentes da região que já aceitaram o TLC, e que agora estão tentando convencer as suas populações da necessidade de sua assinatura – como Álvaro Uribe, da Colômbia, e Alejandro Toledo, do Peru –, rompem um pacto existente entre em os cinco países que compõem a Comunidade Andina”, afirma o boliviano Fabián Valeriano, assessor de organizações camponesas em Cochabamba, ligado ao Movimento ao Socialismo (MAS). “Em vez de levar em conta o contexto social da região andina
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s Estados Unidos ainda não desistiram de criar à sua maneira uma área de livre comércio das Américas – mesmo que para isso deixe de se chamar Alca, e eles tenham de recorrer a uma teia infinita de siglas e acordos bilaterais. O plano estadunidense está em marcha. Em vez de tentar obter o consenso dos 34 países, que teoricamente fariam parte da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) – proposta momentaneamente sepultada em novembro passado, na 4ª Cúpula das Américas, em Mar del Plata –, Bush tem privilegiado o corpo-a-corpo com os mandatários dos países do continente para tentar solidificar e ampliar as assinaturas dos chamados Tratados de Livre Comércio (TLC’s). No lugar da Alca, entram outros nomes. Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte entre EUA, Canadá e México) e Cafta (Acordo de Livre Comércio da América Central e República Dominicana com EUA, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e República Dominicana). Mais recentemente, surgiu o TLC Andino – acordo dos EUA com três, dos cinco países da Comunidade Andina de Nações (CAN): Colômbia, Equador e Peru, descartando Bolívia e Venezuela.
No Peru, camponeses bloquearam várias estradas do país durante a greve que durou 48 horas
em conjunto, de ouvir a população antes de qualquer negociação, preferiram os acordos de gabinete para depois falarem com o povo”, completa Valeriano, argumentado
assim, que mesmo não tendo a intenção de participar das negociações deste TLC com os EUA, Bolívia e Venezuela acabaram sendo afetadas.
No apagar das luzes, Toledo ameaça assinar TLC O próximo presidente do Peru só vai ser definido na primeira semana de junho – quando ocorre o segundo turno das eleições –, mas até lá quem promete roubar a cena é o presidente em fim de mandato Alejandro Toledo. O atual presidente tem insistido que vai assinar o TLC com os EUA antes de deixar o cargo. Sua posição parece irrefutável, mesmo após as organizações sociais terem conseguido recolher 150 mil assinaturas suficientes para a aprovação de um plebiscito sobre o assunto e terem realizado uma greve de 48 horas, que paralisou estradas por todos os cantos do país, nos dias 29 e 30 de março. “A greve que realizamos é a primeira advertência ao governo Toledo, do que pode vir a acontecer caso ele persista em assinar o TLC com Bush”, ameaça Melchor Lima Hancco, secretário-geral da Confederação Camponesa do Peru (CCP). “Nós, camponeses e pequenos produtores, fizemos com que nossa voz contra o TLC fosse ouvida. O país foi notificado sobre os graves perigos que corre a agricultura nacional. Se firmado este tratado, a pobreza e a extrema pobreza se aprofundarão. A agricultura será destruída pela competição desleal da produção estadunidense e haverá uma migração massiva de camponeses para as cidades, onde tampouco terão oportunidades”, analisa. O recado soa como um aviso para o candidato Alan García, que deve ser o adversário do nacionalista Ollanta Humala. Ao contrário do seu oponente, García se mostra reticente em se declarar contrário ao TLC. (MNR)
OBSTÁCULOS Dos países acima, apenas Costa Rica, Peru e Equador ainda não formalizaram os seus acordos – apesar de os presidentes dos dois primeiros já terem se declarado a favor da assinatura. No caso do Peru, que passa por eleições presidenciais (veja reportagem abaixo), a situação é peculiar. O atual presidente, Alejandro Toledo, promete assinar o acordo com Washington, como
Declaradamente contrárias à influência estadunidense no comércio da região, Bolívia e Venezuela, representadas pelos presidentes Evo Morales e Hugo Chávez, propõem que sejam construídos lugar do TLC andino e da Alca, o Tratado de Comércio dos Povos (TCP) e a Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba). Tais iniciativas visam socializar o comércio entre todos os países do continente sul-americano, tendo as propostas das organizações sociais como norte para a discussão comercial da região. De acordo com Valeriano, “as organizações sociais não se opõem ao TLC por serem simplesmente ‘do contra’. Elas entendem que a integração entre os países é importante, que o comércio é importante. Mas a maioria da população nos diferentes países não vai se beneficiar desse suposto aumento do comércio previsto no TLC e na Alca”.
ELEIÇÕES
José Coronado de Lima (Peru) A preocupação que a candidata da direita Lourdes Flores Nano tentou dissimular nos últimos meses de campanha se transformou em pesadelo quanto mais se aproximava o dia 9, dia das eleições. Por fim, converte-se em uma Via Crucis, conforme eram conhecidos os resultados preliminares da apuração. No fechamento desta edição (no dia 11), o candidato nacionalista Ollanta Humala liderava com 30,66%; em segundo lugar, estava o candidato do Partido Aprista Peruano, Alan García, com 24,71%; e relegada ao terceiro lugar, Lourdes da Unidad Nacional, com 23,64%. Tudo indicava que Humala e García disputarão um segundo turno, e a grande candidata da direita, Lourdes, seria derrotada pela segunda vez consecutiva. A perspectiva ficou em uma situação tal que analistas políticos descreviam esse cenário como um pesadelo para a direita. Não faltou quem veio a público, já no dia 10, dizer que o país está à beira do abismo. As eleições, de fato, confirmaram algumas tendências, trouxeram surpresas, mas também geraram sérias preocupações pelo ressurgimento político do fujimontesinismo
Agência Brasil
A Via Crucis da direita no Peru
Ao lado de Lula, o nacionalista peruano Ollanta Humala, durante visita ao Brasil
corrupto e pela extinção, do ponto de vista eleitoral, dos partidos da esquerda socialista e progressista mais tradicional, vinculadas às organizações sociais e sindicais que foram virtualmente engolidos pelo fenômeno eleitoral nacionalista.
VITORIOSOS O primeiro turno dessas eleições tem um claro vencedor: Ollanta Humala. Sem partido próprio, com um escasso nível de organização no país e tanto pouco tempo em política e muito menos em campa-
nha eleitoral, conseguiu destronar Lourdes Flores, candidata em campanha há mais de um ano e meio e que chegou a liderar com folga as pesquisas de intenção de votos. Além disso, Humala colocou 43 parlamentares no Congresso. Dessa forma, Alan García surge como outro dos ganhadores do primeiro turno, pois duas semanas antes das eleições era praticamente certo que estaria fora do segundo turno. Parece que deu resultados o discurso de que é o único capaz de derrotar Humala, venceu em cinco
departamentos (os Estados brasileiros) e conseguiu uma importante bancada de 35 parlamentares no Congresso. A polarização esperada para o segundo turno se expressou claramente quando Humala foi votar em Lima (reduto direitista). Um setor de classe média não se intimidou em gritar contra o candidato nacionalista, chamando-o desde ditador até assassino e esteve prestes a agredi-lo fisicamente. Isso já nos dá uma mostra do que poderia ser um governo de Humala com uma direita na oposição. É preciso considerar também as conseqüências que terão os golpes baixos disparados na parte final da campanha entre García e Lourdes. Os votos da candidata mais identificada com a direita são os únicos que podem dar vitória a García. Isso implica concessões importantes por parte dos apristas em suas propostas. Em termos mais simples, uma maior guinada à direita. Já Humala terá de moderar seu discurso para atrair os votos da Frente do Centro ou do movimento evangélico (que teve 4% dos votos, maior surpresa das eleições). É algo muito arriscado, pois justamente o que impulsionou a candidatura de Humala foram suas palavras “anti-sistema”. Além
disso, as propostas de revisão de contratos com transnacionais e a convocação de uma Assembléia Constituinte são demandas muito caras aos setores populares, mas justamente as mais rechaçadas pelos neoliberais e conservadores.
ESQUERDA Sem pretender entrar em uma análise maior do que pode passar no segundo turno, tudo indica que será um período em que o xadrez político, o cálculo eleitoral e outros aspectos estarão em jogo nas estratégias dos candidatos. Já os partidos da esquerda, uma dura constatação. Seus votos somados não ultrapassariam 1%. Isso vale para o Partido Socialista, o Movimento Nova Esquerda, o Partido Comunista e o Concertación Descentralista. Como conseqüência, sua presença no Congresso será mínima. Essa esquerda se encontra em um encruzilhada. Há quem sustente que a única forma de se reciclar é somando-se ao humalismo. Outros crêem que isso aceleraria sua extinção. A primeira providência que deverão tomar é fazer uma autocrítica para repensar sua relação com o movimento social e popular que historicamente foi a base que permitiu à esquerda ter protagonismo político.
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AMÉRICA LATINA ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS
Obrador, o dilema da esquerda mexicana Daniel Cassol da Cidade do México e de San Cristóbal de las Casas (México)
Fotos: Daniel Cassol
Candidato mais progressista, favorito nas pesquisas, é visto com reservas pelos movimentos sociais
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arte das esperanças da esquerda mexicana está depositada no ex-chefe de governo do Distrito Federal, Andrés Manuel López Obrador, candidato do Partido da Revolução Democrática (PRD), que tem a chance de chegar à Presidência pela primeira vez. Obrador aparece com 37,5% das intenções de voto numa pesquisa realizada entre 17 e 23 de março pelo Instituto Consulta Mitofsky. Como a eleição tem apenas um turno, é o favorito para derrotar Felipe Calderón (30,6%), candidato do Partido da Ação Nacional (PAN) – o mesmo partido do atual presidente Vicente Fox – e impedir que o Partido Revolucionário Institucional (PRI), de Roberto Madrazo (28,8%), retorne ao poder, onde permaneceu por quase todo o século 20. E é só parte das esperanças da esquerda que vai com López Obrador. Pois outra parte está cuidadosa e dividida em relação ao candidato do PRD. “O movimento social estaria mais orientado a apoiar Amlo (como Obrador é conhecido), mas quem está mesmo dividida é a sociedade. Algo que ocorre com o candidato do PRD é que se goste dele ou não, não há meio termo. E ele tem apoio de amplos setores populares, sobretudo no Distrito Federal”, analisa a jornalista Angélica Enciso, do diário La Jornada.
Segundo analistas, movimentos sociais mexicanos pretendem apoiar López Obrador por representar alternativa ao modelo neoliberal implementado pelo atual presidente
partidária, em uma agremiação relativamente nova, mas já criticada pelo apego extremado aos cargos políticos. De outro, os movimentos sociais que olham para Obrador com muitas reservas, mas apostam na oportunidade de derrotar os partidos de direita pela primeira vez e abrir caminho para avanços na organização popular. A diferença do processo mexicano está justamente na presença do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), que desde a divulgação da “Sexta Declaração” se lançou, com Marcos à frente, a um recorrido pelo país, em comícios, debates e reuniões. “Uma campanha nacional para a construção de uma outra forma de fazer política, de um programa de luta nacional e de esquerda, e por uma nova Constituição”, como define o documento. Embora a julgar pela cobertura da imprensa mexicana a Outra
CONTROVÉRSIA E DIVISÃO Pode-se dizer que a conjuntura mexicana tem elementos em comum com o Brasil de 2002, quando Luiz Inácio Lula da Silva venceu as eleições. De um lado, uma esquerda
Campanha do EZLN pareça chamar mais atenção nos outros países do que dentro do próprio México, a caravana zapatista gera controvérsia no interior da esquerda. “Não se pode falar da esquerda mexicana como um conjunto, pois está fragmentada e é difícil colocá-la a favor ou contra a Outra Campanha, que não tem grande influência no processo eleitoral, mas em pequenos setores. Marcos tem mantido um discurso constante contra López Obrador, o que pode prejudicá-lo”, resume a jornalista Angélica Enciso. Há quem diga que até mesmo o EZLN estaria dividido internamente, entre apoiar ou não o cessar-fogo e a empreitada pelo país. No seu início, o discurso de Marcos na Outra Campanha foi interpretado como uma defesa do abstencionismo nas eleições, o que beneficiaria os candidatos do PAN
e do PRI, pondo fim à possibilidade de se derrotar a direita. “Entendia-se que a Outra Campanha estava fazendo o jogo da direita, desanimando as esperanças em López Obrador. No entanto, Marcos mudou seu discurso e já tem afirmado que é importante que o povo vá à eleição. Essa posição faz com que o EZLN se aproxime mais de outros movimentos sociais”, afirma Wilmar López, dirigente da Coordenação das Organizações Autônomas do Estado de Chiapas (Coaech), que congrega uma série de movimentos camponeses e indígenas chiapanecos. A posição da Coaech dá uma boa idéia de qual tem sido a postura dos movimentos sociais. Os dirigentes da organização usam como exemplo a experiência com o governo do Estado de Chiapas, nas mãos do PRD desde o ano 2000,
para defenderem a importância de um governo progressista a fim de diminuir a repressão aos movimentos sociais e permitir maior capacidade de organização. Por outro lado, as experiências de governos de esquerda na América Latina fazem com que a Coaech guarde reservas em relação a Obrador. “Ele já foi chefe de governo do Distrito Federal, por isso sabemos qual pode ser seu desempenho. Sabemos que as concessões de obras públicas foram entregues aos empresários mais ricos do país. Mesmo assim, consideramos que é uma possibilidade para o movimento social mexicano dar um passo importante para a organização”, afirma Wilmar López. “López Obrador não fará um governo realmente de esquerda, mas a esquerda mexicana terá espaço para se consolidar como movimento social”, completa.
A poltrona número 41 do ônibus que costura o México em direção ao sul carrega Victor para a casa de seus pais em San Cristóbal de las Casas, no Estado de Chiapas, quase fronteira com a Guatemala. Victor verá a família depois de meses trabalhando na Praça da Cidadela, no centro da capital Cidade do México, onde vende artesanatos e faz amigos estrangeiros, ampliando a coleção de moedas de outros países. Como Victor, são cerca de 11 milhões de pessoas que vivem do comércio informal no México, de acordo com cifras oficiais. Um estudo da instituição Economist Intelligence Unit aponta que, entre 2000 e 2004, o número de vendedores ambulantes no país aumentou em 40%, enquanto que o número de pessoas com emprego fixo decresceu de 11 milhões em dezembro de 2000 a 10 milhões em março de 2005, segundo o Instituto Mexicano de Seguro Social. “É só dar uma volta pelo centro da cidade para se dar conta de que são milhares e milhares de famílias que vivem do comércio informal. São cerca de 120 mil vendedores ambulantes no centro da cidade”, atesta o militante Jaime Rello, da União Popular Revolucionária Emiliano Zapata.
POBREZA NO CAMPO O mesmo ônibus, que encerra sua viagem em Comintán de Dominguez, Chiapas, (região sul) desembarca em uma realidade semelhante: nas ruas, os indígenas procuram vender algo para os turistas que começaram a chegar em maior número desde que a guerra contra o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) terminou. No campo, a pobreza prossegue: os camponeses da comuni-
Daniel Cassol
“Longe de Deus, perto dos EUA” O desafio de mudar a correlação de forças
Pesquisa revela que, entre 2000 e 2004, o número de ambulantes aumentou em 40%
dade de Juan Raramillo mostram com orgulho a horta de dez metros quadrados onde desenvolvem as primeiras experiências agroecológicas. A produção se reduz a algumas vacas e um pouco de milho. Desde 1994, após a entrada em vigor do Tratado de Livre Comércio (TLC) com Estados Unidos e Canadá, os programas de incentivo à produção foram extintos. Ao povo mexicano, restou se alimentar de produtos trazidos dos EUA. Uma outra realidade para os mexicanos pobres se revela na viagem de regresso à capital do México. No percurso de aproximadamente 16 horas, o ônibus é parado seis vezes pelos agentes da migração. Os mesmos três jovens chiapanecos são obrigados a mostrar documentos, abrir as mochilas e descer do ônibus, talvez porque, para os funcionários do governo,
suas caras denunciassem um possível desejo de buscar a fronteira do Norte e cruzar para o outro lado. Só em 2005, foram 1,2 milhão de mexicanos que tentaram ingressar por vias indiretas nos Estados Unidos, de acordo com a Secretaria de Governo do México. Os três momentos da viagem são exemplos concretos de uma triste frase que entrou para a história do país. “Pobre México, longe de Deus, perto dos Estados Unidos”, para os mexicanos, a única coisa positiva que Porfírio Diaz foi capaz de fazer no período em que foi presidente, quando lançou as bases para a sua própria profecia. É nessa situação – que aqui tem apenas um retrato superficial – que a população mexicana vai, no dia 2 de julho, escolher o seu presidente para os próximos seis anos. (DC)
Com um programa de governo progressista de um lado, mas posições controversas de outro, Andrés Manuel López Obrador está mais próximo de Lula do que para Chávez. O próprio presidente venezuelano manifestou seu apoio a Obrador, mas este não fez muita questão de aceitá-lo. Por essas e outras, os movimentos sociais apostam no aumento das mobilizações para puxar um possível governo do Partido da Revolução Democrática (PRD) para a esquerda. “As experiências que existem agora na América Latina permitem que os movimentos sociais mexicanos estejam alertas. Muito do sucesso de Obrador dependerá da capacidade da esquerda social ampliar as mobilizações, de forma a criar uma correlação de forças favorável às transformações. Isso porque, do outro lado, estarão as grandes transnacionais e os investidores estrangeiros pressionando Obrador”, argumenta Fernando López, também da Coordenação das Organizações Autônomas do Estado de Chiapas (Coaech). Jaime Rello, do movimento popular da Cidade do México, tem opinião semelhante. “Não podemos deixar que um governo democrático seja deixado aí, porque o grande capital internacional vai pressionar. O movimento aqui tem uma posição crítica em relação a Obrador, mas isso não quer dizer que não se apóie a luta democrática ou que muitos companheiros não vão votar nele. Obrador está de acordo com alguns projetos que somos contra, por isso temos que exigir que ele redefina suas posições desde agora. As pessoas esperam muito de Obrador, por is-
so a idéia de gerar um movimento que o pressione”, diz.
REAPROXIMAÇÃO ZAPATISTA Como no Brasil, as eleições para presidente do México do dia 2 de julho poderão reordenar a esquerda do país. Nesse processo, o fortalecimento dos movimentos sociais e uma maior unidade entre as incontáveis organizações dependem dos frutos que serão colhidos com a Outra Campanha do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), que se propõe a estabelecer “uma política de alianças com organizações e movimentos não-eleitorais que se definam, em teoria e prática, como de esquerda”. A própria iniciativa dos zapatistas é interpretada, também, como uma tentativa do EZLN de se reaproximar dos movimentos sociais que optaram pela via política e pacífica, dado o isolamento do movimento armado. A comissão zapatista liderada pelo “delegado zero” (novo codinome do subcomandante Marcos) tem realizado comícios nas cidades, debates em universidades, entrevistas em rádios, reuniões com comunidades indígenas. Se não interferir no resultado da eleição, a Outra Campanha terá certamente conseguido fazer a crítica da própria esquerda, denunciando a política tradicional e estimulando a organização popular como única forma de solucionar os problemas dos pobres. “O que Marcos pretende é formar uma esquerda verdadeira no México, porque o PRD não é um partido de esquerda. Hoje, serve de escada para quem quer fazer carreira política. Por desgraça, simpatizamos com o PRD, mas sabemos que não será o agente das mudanças”, afirma Santiago Jimenez, da Coaech. (DC)
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INTERNACIONAL FRANÇA
O grito das ruas vence o governo N
as ruas, os estudantes aplaudem. Sopram bolhas de sabão para o alto. São seguidos pelas bandeiras e batuque dos imigrantes “sem papéis”. Togoleses, marroquinos, camaroneses. Um grupo de mulheres, de um sindicato de professores, lança a palavra de ordem: “Aujourd’hui, dans la rue; demain, on continue”. Hoje, na rua; amanhã, continuamos. Paris canta em coro. Sorri em cada rosto dos manifestantes. Sindicalistas, imigrantes, estudantes e ecologistas festejam. Venceram o Contrato do Primeiro Emprego (CPE), proposta do governo para supostamente conter o desemprego, que foi abandonada por pressão da população. Na manifestação da vitória sobre a direita, dia 11, vinte e quatro horas após a suspensão do projeto, 15 mil pessoas marcharam na capital francesa. Em outras cidades, como anunciado pelo carro de som, também houve mobilizações: Bordeaux, Toulouse, Rennes, Clermont-Ferrand, Rouen, Strasbourg, Marseille. A bancária Clemence Lesmoulins participou de cinco manifestações, desde 25 de janeiro, quando começaram os protestos contra o CPE. “A luta não foi fácil. O governo mente, manipula, ataca. Resistimos. Uma semana, duas, um mês, dois meses. No final, a voz das ruas venceu a dos governantes”, diz Clemence. Sindicalizada, ela carrega a bandeira de sua organização. “Sozinhos, somos facilmente esmagados. Juntos, nas ruas, não nos detêm.” Na avaliação da bancária, a proposta ia contra os direitos trabalhistas dos jovens (veja mais detalhes sobre o CPE e um historico das mobilizacoes, ao lado).
NOVAS ALIANÇAS Os resultados dessa vitória devem ser vistos a longo prazo, garantem duas lideranças do movimento, Jean-Christophe Le Duigou, secretário da Confederação Geral do Trabalho (CGT), principal central sindical francesa, e Bruno Julliard, presidente da União Nacional dos Estudantes da França (Unef), entrevistados com exclusividade pelo Brasil de Fato. “A luta surgiu contra o CPE, mas sua bandeira é contra a pre-
Dois meses e meio de protestos 25 de janeiro – O primeiro-ministro Dominique de Villepin envia ao Parlamento, em regime de urgência, o Projeto de Lei para a Igualdade das Oportunidades, que cria o Contrato de Primeiro Emprego (CPE). O texto prevê a criação de contratos de trabalho sem tempo determinado para pessoas com menos de 26 anos. Além disso, estabelece “períodos de consolidação”, de dois anos, em que o empregador pode demitir, sem ter que apresentar justificativas, os jovens contratados. Sindicatos e organizações estudantis, que consideram o CPE a institucionalização da precariedade no emprego, anunciam protestos, durante uma semana. Dia 11, estudantes e trabalhadores franceses comemoram vitória diante das medidas neoliberais do governo de direita
cariedade no emprego, que atinge todas as categorias. Vamos elaborar um documento, com a participação de toda a sociedade, colocando alternativas para o desenvolvimento econômico e social, que não eliminem os direitos dos trabalhadores”, explica Le Duigou. De acordo com ele, o presidente Jacques Chirac, acuado, vai ter que esperar o documento para criar um novo programa contra o desemprego. Julliard considera as alianças – entre organizações que antes não se conheciam, como sindicatos, organizações não-governamentais, grupos de estudantes, círculos ecologistas – o resultado mais positivo das manifestações. “As ruas das cidades francesas se tornaram esFotos: João Alexandre Peschanski
Joao Alexandre Peschanski de Paris (França)
João Alexandre Peschanski
Protestos e greves obrigam o presidente francês a suspender política que estimulava precariedade no trabalho
paços de discussão política, debate, solidariedade”, diz. Em 1º de maio, Dia do Trabalhador, CGT, Unef e outras organizações pretendem realizar um encontro para debater os rumos do país.
DESGASTE DE CHIRAC Solidariedade nas ruas, desentendimento no governo. No dia 10, quando da suspensão do CPE, o índice de insatisfação com Chirac estava em 68%, de acordo com pesquisa de opinião publicada pelo jornal francês L’Humanité. Contrariando seu primeiro-ministro, Dominique de Villepin, principal defensor da proposta, o presidente decretou a morte do CPE, para não desgastar ainda mais sua imagem.
Chirac nao acabou com o Projeto de Lei para a Igualdade das Oportunidades, do qual a política de primeiro emprego fazia parte, mas disse que precisa ser revisado, com a participação da sociedade. O texto, vago, não apresenta medidas claras para combater o desemprego, que atinge 22% da população economicamente ativa, estimada em 23 milhões de pessoas. Diante da incapacidade do governo, cansaço. A palavra resume o sentimento de Victor Benoit, sem trabalho há três anos, e justifica sua participação na manifestação do dia 11. Diz que está cansado de Chirac, mas não da luta pela dignidade. Carrega uma faixa: “Não imploro trabalho, exijo!”
Contra a precariedade no trabalho “Luto em solidariedade com meus sobrinhos e os jovens que conheço. Nada é mais degradante do que o subemprego. Vencemos contra o CPE, mas a batalha é contra todas as formas de precariedade no trabalho.” Modigo Gundo, assistente social e sindicalista “O governo age contra a população, e não aceitamos isso. Queremos que respeitem nossos direitos. Os mais atacados são os imigrantes sem papéis, explorados no trabalho, sem garantias sociais. A vitória contra o CPE é a vitória dos que não agüentam mais.” Jean-Claude Amara, militante pelos direitos dos imigrantes sem papéis “Tenho 20 anos e estou em um colégio na periferia de Paris. Aos olhos do governo, não tenho futuro. Estou lutando por meu direito a um futuro.” Bulute Ozge, estudante secundarista
7 de fevereiro – Sindicatos fazem o primeiro dia de mobilização nacional contra o CPE. Reúnem 300 mil pessoas. Não têm apoio dos estudantes. Dois dias depois, o governo faz uso de recurso constitucional para que a lei seja aprovada no Parlamento, sem precisar de votação. 6 de março – Após 90 horas de debates, o Senado aprova a lei de Villepin. No dia seguinte, 700 mil pessoas participam de manifestações em toda a França. Trinta e oito universidades entram em greve. 11 de março – Policiais invadem a Universidade Sorbonne, a mais tradicional de Paris, e expulsam os estudantes grevistas. Villepin avisa que não vai recuar em virtude da mobilização de uma minoria de sindicalistas e estudantes. 29 de março – As mobilizações reúnem dois milhões de pessoas. Três dias depois, o presidente Jacques Chirac promulga o CPE, mas pede aos empregadores para não se aproveitarem, ainda, da nova lei. 8 de abril – Representantes de sindicatos e organizações estudantis se encontram com integrantes do governo. Acorda-se que o CPE será substituído por outro projeto, alvo de debate na sociedade e no Parlamento. Villepin pede a Chirac que reconsidere e retarde a mudança. 10 de abril – Em rede nacional, Chirac anuncia a suspensão do CPE. (JAP)
TRANSNACIONAL
Igor Ojeda da Redação Agricultores da Flórida (sudeste dos EUA) deram início a uma campanha de conscientização sobre as péssimas condições de trabalho impostas pelos fornecedores de tomate da rede McDonald’s ao realizarem, entre os dias 26 de março e 1º de abril, o McDonald’s Truth Tour (Caravana da Verdade McDonald’s). Os manifestantes saíram de Immokalee e seguiram em direção à sede da transnacional em Chicago (Estado de Illinois, no norte do país), divididos em três frentes. Durante o percurso, feito de ônibus, passaram por 17 cidades, onde realizaram dezenas de protestos, palestras e comícios.
ESCRAVIDÃO Os trabalhadores, praticamente todos de origem hispânica, reivindicam, entre outras coisas, o pagamento, por parte do McDonald’s, de dois centavos de dólar a mais por cada quilo de tomate comprado de seus fornecedores e a criação de um código de conduta baseado em padrões trabalhistas mais justos. Mas se não conseguiu tal compromisso da rede de lanchonetes,
o protesto serviu para causar um grande impacto na opinião pública da região percorrida, de acordo com Lucas Benitez, da Coalizão dos Trabalhadores de Immokalee (CIW, a sigla em inglês), a organizadora da caravana. “Falamos com milhares de pessoas sobre a avareza do McDonald´s e como ele não quer fazer uma mudança real nas vidas dos trabalhadores que colhem seus tomates”, diz Benitez.
Jacques-Jean Tiziou/ www.jjtiziou.net
Cai a máscara do McDonald’s
EXPLORAÇÃO Em março do ano passado, usando a mesma estratégia da caravana para protestar, a CIW conseguiu arrancar da rede de restaurantes Taco Bell um aumento dos valores pagos a seus fornecedores de tomates, assim como um monitoramento conjunto das condições de trabalho impostas por estes. Desde então, a entidade vem convocando o McDonald’s a seguir o mesmo exemplo. Segundo a CIW, a prática da empresa de comprar tomates em alta quantidade permite que ela consiga preços extremamente baixos, o que faz com que seus fornecedores explorem seus trabalhadores, pagando salários baixíssimos e, em alguns
Trabalhadores protestam contra a exploração da transnacional McDonald’s
casos, submetendo-os inclusive a condições de escravidão moderna, como denuncia Benitez. “Estamos falando de trabalhadores que estão detidos contra sua vontade, com guardas armados que os vigiam 24 horas por dia, e recebem entre 20 e 40 dólares por semana. Se um deles escapa e é resgatado, o patrão o reprime em frente dos outros para que sirva como exemplo.”
É o caso do guatemalteco Cruz Salucio Perez, 21 anos. Deixou a cidade de Concepción Huista, no departamento de Huehuetenango, rumo aos EUA “com um sonho de alcançar uma vida melhor”. O jovem contou ao Brasil de Fato que acorda todos os dias às 4 horas da manhã para trabalhar. Ao chegar à plantação, começa a exploração. “O patrão te entrega
um balde e a primeira coisa que diz é: ‘quero tomate limpo, quero um bom tamanho’. Temos que fazer o que eles pedem, se você não cumpre, não te dão trabalho no dia seguinte”, afirma. Sempre com a preocupação na produtividade, os agricultores param apenas por dois minutos para almoçar. Mas tamanho esforço está muito longe de ser recompensado. “Não temos benefícios nem seguro médico. Há maus-tratos, baixos salários. Não temos direito de nos organizar.” Perez conta que, trabalhando seis dias por semana, um agricultor ganha algo em torno de 300 dólares, insuficientes para comprar comida, pagar o aluguel e mandar uma parte para a família no país de origem. Cobra-se pelo aluguel de um quarto 200 dólares, semanalmente. “Temos que buscar outras cinco pessoas para dividir o espaço. Vivemos todos amontoados.” Para Lucas Benitez, do CIW, enquanto o McDonald’s seguir comprando apenas de grandes fazendeiros, “que são os menos interessados em ver mudanças nas vidas dos trabalhadores”, não pode assegurar que seus tomates não sejam colhidos por meio de exploração e escravidão.
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INTERNACIONAL ITÁLIA
Eleições deixam país rachado U
ma Itália dividida entre a centro-direita berlusconiana e a centro-esquerda de Romano Prodi. É esse o principal resultado da eleição mais disputada do pós-Segunda Guerra, realizada nos dias 9 e 10. Em disputa a renovação do Parlamento e o cargo de primeiro-ministro. A coalizão de centro-esquerda, União, liderada por Prodi, obteve a maioria dos votos para a Câmara dos Deputados e contará com 342 cadeiras entre as 630 da casa, segundo dados oficiais e definitivos da apuração. A União obteve 49,8% dos votos contra 49,7% da Casa das Liberdades (CdL). A vantagem do grupo de Prodi foi de apertados 25 mil votos. O sistema eleitoral italiano é proporcional, isto é, cada partido recebe um número de deputados de acordo com sua votação. Mas a coalizão que tiver mais votos recebe ainda um bônus que a leva ao mínimo de 340 deputados, o que assegura maioria na Câmara. Na disputa pelo Senado, a União venceu com a ajuda dos votos dos italianos no exterior. Obteve 158 cadeiras das 315, duas a mais que a coalizão do atual premiê. A CdL, no entanto, rejeitou a derrota e “pedirá a comprovação dos votos e das atas”, disse Paolo Bonaiuti, portavoz de Berlusconi.
MAIS UMA DERROTA Na Itália, o voto é a partir dos 18 anos para a eleição de deputados, e dos 25 anos para os senadores. Foram às urnas quase 50 milhões de italianos. Segundo o Ministério do Interior, 83,6% dos italianos habilitados a votar participaram da renovação do Senado. Nas eleições de 2001, 81,3% dos italianos votaram. Para a Câmara dos Deputados a porcentagem foi a mesma, 83,6%, em relação aos 81,4% de 2001. Mesmo com vitória apertada, Prodi disse que “vamos governar para todos os italianos, inclusive para aqueles que não votaram em nós”. Ele garante que “a paz e a unidade da Europa” serão os temas centrais de sua política de governo. “Nosso lema tem sido a seriedade no governo e vamos cumprir isso. Desta forma trabalharemos pela paz, pela unidade, pela reativação econômica e a harmonia. Somente assim poderemos dar um passo adiante”, frisou. Esta é a segunda vez que Prodi vence Berlusconi. A primeira foi nas eleições gerais de 1996. Prodi, que já foi presidente da Comissão Européia, lidera uma coalizão que reúne partidos de esquerda, entre os quais está o Democratas da Esquerda, o maior partido de centro-esquerda do país, liderado por Piero Fassino e pelo ex-primeiroministro Massimo D’Alema, além de cerca de oito outros partidos que incluem o Verde e o Social Democrata. Alguns analistas sugerem que Prodi continua vulnerável às mesmas manobras de partidos em coalizão que o forçaram a renunciar depois de pouco mais de dois anos no cargo, após vitória nas eleições de 1996.
DESAFIOS O estado da economia e temores ligados ao desemprego foram os grandes assuntos debatidos durante a campanha eleitoral. Ao assumir o poder em 2001, Berlusconi apresentou uma imagem de empresário de sucesso, prometendo reformas que garantiriam prosperidade futura ao país, o que não aconteceu. Dados oficiais, divulgados em março, mostram que a economia italiana ficou estagnada em 2005, crescendo apenas 0,8% ao ano em média desde que Berlusconi chegou ao cargo. A indústria italiana está sofrendo com a competição dos exportadores do Extremo Oriente. O
Coalizão de centro-esquerda liderada por Romano Prodi ganhou por apenas 25 mil votos de diferença, num universo de quase 50 milhões de eleitores
déficit orçamentário da Itália está fora dos limites estabelecidos pela União Européia. Prodi prometeu estimular a criação de empregos reduzindo os custos trabalhistas, e conter o déficit orçamentário. Também disse que vai reduzir a grande burocracia italiana, e adotar medidas para restaurar a competitividade. Prometeu ainda combater a evasão de impostos e o aumento de contratos temporários de trabalho, que estariam criando uma sensação de insegurança entre os trabalhadores no país. Na área de política externa, ele disse que vai tirar as tropas italianas do Iraque. De acordo com analistas internacionais, com Prodi, provavelmente a Itália colocará menos ênfase nas relações com os Estados
Unidos, buscando uma renovação de laços com seus parceiros tradicionais, em particular com a França e a Alemanha.
ELEITORES NO EXTERIOR Para a vitória de Prodi, foram decisivos os votos dos italianos que residem no exterior. Pela primeira vez na história do país, uma lei aprovada em 2001 permite a eles não só votarem, mas também serem representados por senadores e parlamentares de quatro novas regiões eleitorais: América Latina, América do Norte e Central, Europa e Ásia-África e Oceania. Foram escolhidos 12 deputados e seis senadores por quase quatro milhões de pessoas, incluindo 890.000 na América do Sul.
O maior número de italianos vivendo no exterior fica na Alemanha. A Argentina, com 400 mil detentores de passaportes italianos, ocupa o segundo lugar. Prodi já havia declarado que a “América Latina está esquecida” na política externa italiana e que este seria a “oportunidade de estreitar relações”. Apesar da falta de referência concretas para a região na esfera diplomática, a Itália mantêm um forte vínculo econômico com países como o Brasil e a Argentina. Segundo o calendário político, as duas câmaras do Parlamento se reunirão no dia 28 para designar presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, criando os grupos parlamentares. Antes de 13 de
maio deverão escolher, após uma série de consultas ao substituto do atual presidente da República, Carlo Azeglio Ciampi, de 85 anos, cujo mandato de sete anos expira em 18 de maio. O novo presidente, que tradicionalmente representa todos os italianos e deve estar acima das partes envolvidas, terá de contar com os requisitos necessários para cumprir a difícil tarefa de designar a pessoa encarregada de formar o novo governo, neste caso Prodi. O chefe de Governo encarregado deverá logo apresentar seu Executivo, pedir a confiança do Parlamento e governar com o apoio da coalizão, que neste caso inclui de católicos a comunistas, ex-comunistas e ecologistas. (Com agências internacionais)
Novo sistema eleitoral A República italiana tem um Parlamento composto pela Câmara dos Deputados, com 630 integrantes, e pelo Senado, com 315. Ambos são eleitos por votação direta, para mandatos de cinco anos. Foram apresentadas aos eleitores listas de coalizão e partidos para ambas as casas. Os partidos e as coalizões precisam de um mínimo de votos para alocar cadeiras, que são ocupadas de acordo com a posição de um candidato na respectiva lista do partido. Aqueles nos primeiros lugares têm uma chance melhor de conquistar uma cadeira do que os que estiverem mais abaixo. O governo de Berlusconi aprovou grandes mudanças no sistema eleitoral em dezembro de 2005, restaurando na Itália um sistema de representação proporcional plena e revertendo reformas que vigoravam há mais de dez anos. Críticos dizem que a iniciativa de Berlusconi foi deliberada para melhorar a posição da coalizão de governo na eleição de abril, e prejudicar as chances da oposição de obter uma maioria significativa. Mas o governo alegou que o novo sistema garante maior estabilidade, porque assegura que a coalizão que obtiver a maioria dos votos pelo menos 340 dos 630 assentos da Câmara dos Deputados, dando-lhe automaticamente uma maioria. (Com agências internacionais)
ANÁLISE
Os estragos causados por Berlusconi Gianluca Iazzolino Quase por unanimidade a imprensa nacional considerou a campanha eleitoral a pior da história italiana. Ela foi marcada por ofensas, gafes clamorosas e mentiras sobre uma Itália que ostenta contas em vermelho: déficit público nas estrelas, queda do poder aquisitivo da população, baixa produtividade industrial e um sentimento de desânimo geral. Muitos correspondentes registraram a anomalia de um sistema democrático em decadência. Desde 2001, segundo acusações da oposição e amplos setores sociais organizados, o Parlamento se viu obrigado a decidir sobre leis “personalistas”, com o objetivo de tutelar unicamente o premiê e seus amigos ou o patrimônio deles diante dos processos em curso na Justiça. “Il Cavaliere”, como é chamado Berlusconi, é o homem mais rico da Itália e considerado um populista carismático, que conseguiu se sair ileso da enxurrada de processos graças ao seu poder político e financeiro. Restam sombras sobre o seu passado, sobre suas relações com a
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da Redação
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Numa disputa acirrada como nunca se viu antes na história do país, coalizão de centro-esquerda vence a centro-direita
Berlusconi: fracasso da economia italiana foi decisiva para sua derrota
Máfia e a maçonaria. Em um filme em cartaz nesses dias nas salas de cinema na Itália, I caimano, o diretor Nanni Moretti, um dos cineastas mais contestadores do cinema italiano, coloca diante dos italianos justamente a pergunta: de onde vem todo o dinheiro de Berlusconi? A derrota de Berlusconi não acontece por causa de sua conduta moral duvidosa no mundo dos negócios, mas devido ao fracasso da economia italiana.
Eleito para transformar a economia italiana como fez com a sua fortuna pessoal, Berlusconi não correspondeu às expectativas. Os dados do Eurostat, órgão de pesquisa da União Européia, e da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) são alarmantes: a Itália é o país com o menor crescimento na Europa. Tabelas do Banco Central italiano revelam sinais tímidos de retomada, indicando claramente
uma fase de recessão. Especialistas mais atentos ao bolso do que às estatísticas acusam o aumento do custo de vida. Segundo o índice PPS (Purchase Power Standard, utilizado pela União Européia para calcular a relação entre o poder aquisitivo de um país e a média com outros países da União Européia), em 2004 a relação entre a Itália e a média dos 25 países foi de -3,2 (índice negativo significa que a renda do trabalhador de um determinado país tem menos poder aquisitivo). O Produto Interno Bruto (PIB) caiu 0,6% (dado de 2005). O déficit público superou a cota de 4,4% do PIB e pode chegar a 5,1% em 2006. Ainda de acordo com a OCDE, em 2004, a taxa de desemprego era de 8% , sendo significativa a introdução no mundo do trabalho de novos contratos flexíveis, parecidos àqueles que motivaram as megamanifestações dos jovens na França: contratos de trabalho marcados pela precariedade que atingem sobretudo os jovens e que, uma vez demitidos, têm mais dificuldades a reinserir-se no mercado. Gianluca Iazzolino é jornalista
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INTERNACIONAL ÁFRICA
Fuga de cérebros para o Norte da Redação
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elo menos 23% dos médicos formados na África Subsaariana vão trabalhar nos países industrializados, atraídos pelos salários às vezes 15 vezes mais alto, alerta a Organização Mundial de Saúde (OMS) em seu relatório anual, divulgado dia 6. Esta fuga de especialistas agrava uma penúria de pessoal da saúde nos países em desenvolvimento, onde faltam 2,3 milhões de médicos e enfermeiras para responder plenamente às necessidades, como vacinação, luta contra a malária ou Aids, segundo o documento intitulado “Trabalhar junto pela saúde.” Seus autores prevêem uma piora destes desequilíbrios. “Sem um esforço em massa de formação do pessoal nos países ricos, o déficit crescente em pessoal vai exercer uma atração ainda mais forte sobre os agentes de saúde oriundos das regiões pobres”, advertem. Atualmente, o índice migratório dos médicos africanos vai de 3%, nos Camarões, a 37%, na África do Sul. Entre as enfermeiras, chega a uma média de 5%, indo de 0,1%, em Uganda, a 34%, no Zimbábue. “Na média, um em cada quatro médicos e um enfermeiro em cada 20 que são formados na África trabalham em países desenvolvidos. Alguns países foram mais atingidos que outros. Por exemplo, 29% dos clínicos de Gana trabalham no exterior, assim como 34% dos enfermeiros do Zimbábue”, disse o relatório. O diretor-geral da OMS, Lee Jong-Wook, afirma que a escassez de profissionais de saúde é grave nos países em desenvolvimento.
François Goemans/ ECHO
Organização Mundial de Saúde revela que um em cada quatro médicos formados na África trabalha em países ricos
Baixos salários e falta de perspectiva são alguns dos motivos que levam os médicos da África Subsaariana à migração
“Se não tomarmos medidas agora, as metas de desenvolvimento do milênio permanecerão uma promessa vazia, e já há promessas vazias demais no mundo”, afirmou ele em entrevista coletiva em Zâmbia. “Há uma necessidade de aumentar os gastos em saúde e melhorar o fornecimento de remédios e equipamentos também”, disse Jong-Wook.
SALÁRIOS DE MISÉRIA Em alguns casos, o êxodo é organizado pelos próprios governos, que formam pessoal médico para a emigração para os países vizinhos ou mais desenvolvidos, como Cuba,
Gana, Filipinas, Indonésia, China ou alguns Estados indianos. Em contrapartida, estas nações se beneficiam dos recursos enviados regularmente por seus expatriados e podem esperar que, em seu retorno, seu conhecimento e experiência sejam usados pelo país. De acordo com Danielle Grondin, da Organização Internacional das Migrações (OIM), “desde o início dos anos 1970, encontramos cada vez mais tantas enfermeiras filipinas no Canadá e nos Estados Unidos, quanto nas Filipinas”. Este êxodo, ressalta o informe da OMS, se explica por “um ambiente de trabalho desencorajador” nos paí-
ses de origem: “salários de miséria, apoio insuficiente por parte do meio, falta de reconhecimento social e baixas perspectivas de carreira”. Os governos africanos dedicam menos de um terço de seus orçamentos de saúde para o salário de médicos e enfermeiras, contra quase metade nas Américas, completa a OMS.
ESCASSEZ DE MÉDICOS O relatório da OMS e os estudos da OIM trazem à tona os complexos movimentos migratórios do pessoal de saúde, influenciados pela língua ou pelos laços que se estabelecem. Assim, por exemplo, quando enfermeiras e médicos sul-africanos dei-
xam o país, a África do Sul se volta para o Quênia para substituí-los. De acordo com o relatório anual da OMS, mais de quatro milhões de profissionais são necessários para atender às necessidades de 57 países, a maioria na África e em áreas rurais da Ásia. Os países mais atingidos, que gastam em média 33 dólares per capita por ano com saúde, precisam aumentar seu orçamento para pelo menos 43 dólares por pessoa/ano dentro de duas décadas, segundo a OMS. A África tem 24% das doenças e apenas 3% dos profissionais. O gasto com saúde no continente é apenas 1% do total mundial. A ONG britânica Oxfam diz haver um médico para cada 14 mil habitantes em Zâmbia. Na Grã-Bretanha, há um médico para cada 600 habitantes.Além disso, os países ricos devem importar cada vez mais profissionais de saúde para tratar da sua população, que envelhece rapidamente. A OMS recomendou que doadores proporcionem financiamento imediato e de longo prazo para a formação de profissionais nos países pobres, algo especialmente importante num momento em que o mundo se prepara para uma possível pandemia de gripe. As ONGs pediram ajuda para a formação de profissionais da área médica. “Governos de países ricos devem garantir que a ajuda prometida no ano passado seja usada para o pagamento de milhões de médicos, enfermeiros e professores, que são desesperadamente necessários”, disse Barbara Stocking, diretora da Oxfam, em nota. (Com agências internacionais)
SUDÃO- DARFUR
Indiferença diante de pressão internacional Jim Lobe de Washington (EUA) Enquanto o governo dos Estados Unidos é cada vez mais exortado a deter o que foi qualificado de genocídio na região sudanesa de Darfur, os últimos acontecimentos sugerem que o regime islâmico de Cartum não está preocupado com a crise. Um dos muitos sinais desta situação foi a decisão do governo do Sudão de bloquear a visita prevista para meados de abril a Darfur do subsecretário-geral da Organização das Nações Unidas para Assuntos Humanitários, Jan Egeland. O Departamento de Estado dos Estados Unidos disse que esta medida é “profundamente perturbadora”. O desafio de Cartum à pressão internacional foi evidente, sobretudo considerando que tomou a decisão às vésperas de uma esperada votação no Congresso dos Estados Unidos sobre uma moção para expandir as sanções diplomáticas e econômicas contra o Sudão, incluindo medidas contra funcionários e líderes das milícias árabes responsáveis pela violência. “O governo do Sudão não dá nenhum sinal de reconhecer a pressão internacional”, disse Eric Reeves, do Smith College, acadêmico que teve um importante papel em forçar Washington a tomar ações mais duras contra Cartum. Reeves criticou o governo de George W. Bush por não ter investido o capital político e diplomático necessário para fazer com que a comunidade internacional obrigue as autoridades sudanesas a deterem a violência e aliviar a crise humanitária.
dois anos, causa cada vez mais preocupação nos Estados Unidos. Enquanto no Congresso se discutia as sanções, ativistas lançavam uma campanha contra as empresas com importantes investimentos em território sudanês. Até agora, quatro Estados e dez universidades, incluindo a gigantesca Universidade da Califórnia, ordenaram aos seus departamentos financeiros que vendessem ações, no valor de centenas de milhões de dólares, de companhias como Petrochina, Alstom, Alcatel, Siemens e outras que têm negócios com Cartum. Outra dezena de Estados estadunidenses considera medidas semelhantes. No início de abril, a Câmara de Representantes aprovou por esmagadora maioria de 416 a 13 a Lei de Paz e Responsabilidade em Darfur, que além de impor sanções contra funcionários
do governo sudanês e líderes dos Janjaweed mencionados em um informe confidencial da ONU, fornece dinheiro à limitada força de paz da União Africana presente na região. A lei também inclui uma exortação a Bush para que impeça que navios de carga ou petroleiros envolvidos em operações comerciais com o Sudão parem em portos dos Estados Unidos, bem como suspenda a ajuda econômica a países que vendam armas a Cartum. O Senado estadunidense aprovou uma lei semelhante no começo deste ano, que agora deverá ser harmonizada com a dos representantes. “Comemoramos a ação do Congresso porque é um claro sinal de que os Estados Unidos têm de fazer algo mais”, disse Donald Steinberg, vice-presidente do Grupo Internacional de Crise (ICG),
que exortou Washington a liderar esforços internacionais, particularmente dentro do Conselho de Segurança da ONU, para pôr fim à violência em Darfur. O ICG – como o secretário-geral da ONU, Kofi Annan – propôs que os soldados da União Africana sejam incorporados a uma força internacional mais numerosa e com um mandato mais longo. Além disso, exortou a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que até agora só deu apoio logístico à operação africana, que contribua para a formação de “uma força-ponte” que seja enviada até a chegada dos soldados das Nações Unidas.
FORÇA INTERNACIONAL O embaixador estadunidense na ONU, John Bolton, conseguiu no começo de fevereiro que o Con-
Darfur: dois milhões de refugiados
NEGÓCIO SUJO A situação em Darfur, que o próprio governo de Bush qualificou de genocídio há mais de
selho de Segurança começasse a discutir uma eventual operação em Darfur, mas não conseguiu que fosse aprovada uma resolução autorizando o uso da força. Por sua vez, a União Africana decidiu oficialmente no mês passado atrasar a intervenção da ONU em Darfur até que sejam cumpridas certas condições, entre elas a aceitação do governo sudanês, o que parece improvável. Cartum conseguiu outra vitória política há cerca de duas semanas ao ser a sede da cúpula da Liga Árabe, que apoiou sua oposição ao envio da força das Nações Unidas. Após a cúpula, o presidente do Egito, Hosni Mubarak, um aliado de Washington, visitou Cartum para se reunir com seu colega Omar Al Bahsir pela primeira vez em uma década. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)
Milhões fugiram do Sudão para o Chade a partir de 2003, com o início da guerra civil entre agricultores e árabes
Os problemas de Darfur, reino independente anexado pelo Sudão em 1917, começaram na década de 1970 com uma disputa por terras de pastoreio entre nômades árabes e agricultores indígenas negros. As duas comunidades étnicas compartilham a fé islâmica. Mas a tensão se transformou em uma guerra civil em fevereiro de 2003, quando guerrilheiros negros responderam com violência às hostilidades das milícias Janjaweed. Os Janjaweed são acusados de levar adiante uma campanha de limpeza étnica contra três tribos negras que apóiam os dois grupos guerrilheiros. Presume-se que as milícias árabes têm apoio de Cartum, ou que faça vista grossa diante de seus crimes. Estima-se que entre 200 mil e 400 mil pessoas foram assassinadas em Darfur desde então e mais de dois milhões fugiram para o vizinho Chade.
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DEBATE FRANÇA
Um caminho para a vitória penas esfriaram as carcaças dos milhares de automóveis retorcidos, em novembro de 2005, nas periferias de Paris, sobretudo por jovens franceses de origem africana revoltados com o destino de eternos marginalizados, o primeiro-ministro Dominique de Villepin, na chefia do governo conservador de Chirac, serviu-se do trauma nacional causado por aqueles sucessos para apresentar lei desregulando fortemente as normas relativas ao trabalho dos jovens. Em 16 de janeiro, logo após o recesso estudantil de inverno, sob o pretexto de reduzir o desemprego de jovens, Villepin propôs o projeto de lei para “igualdade de oportunidades” que, entre outros regalos ao capital, baixa a idade mínima do aprendiz-profissional de 16 para 14 anos, permite o trabalho noturno aos 15 anos, retira os benefícios sociais das famílias cujos filhos faltem à escola. Sobretudo, a nova lei instituía o Contrato de Primeiro Emprego (CPE), permitindo ao capital despedir, nos dois anos de prova, sem justificativa, com custos mínimos e pré-aviso de quinze dias, menores de 26 anos. A proposta dava continuidade ao Contrato de Novo Emprego, de duração indeterminada, criado em 2005, para empresas com menos de vinte operários, também penalizando os trabalhadores. A precarização do contrato de trabalho dos jovens, sob a mesma justificativa, foi introduzida na Itália em 1997 pelo governo de centro-esquerda de Romano Prodi, obtendo como único resultado o crescimento dos lucros do capital à custa da decadência das condições de vida dos jovens trabalhadores. Na França, as primeiras ofensivas contra a estabilidade do trabalho foram obra dos socialistas Mitterrand e Jospin. O ataque à estabilidade do trabalhador permite contratos por tempo breve; diminuição de salários; aceleração do ritmo e degradação das condições de trabalho; desorganização da resistência sin-
A
dical, etc. No Brasil, em 1967, sob as ordens do capital, a ditadura pôs fim à estabilidade por tempo de trabalho, substituída pelo Fundo de Garantia e a multa rescisória em demissões sem justa causa, que a proposta de reforma trabalhista de Lula da Silva pretendia anular, caso não tivesse surgido a trapalhada do Mensalão.
Arte sobre foto AFP/AE
Mário Maestri
VIDA SEM ESPERANÇA
É enorme o mal-estar da juventude francesa, que conhece elevadíssimas taxas de desemprego – 23% no país; até 40%, nos subúrbios pobres, para jovens de até 26 anos. É também muito forte a tradição de luta dos estudantes e jovens trabalhadores franceses, que sacudiram as entranhas da França, em 1968, derrotaram a contra-reforma universitária Devaquet, em 1986, e mandaram pro espaço o salário mínimo juvenil de Balladur, em 1994. Em 7 de fevereiro deste ano, 200 mil estudantes saíam às ruas contra a lei celerada. A seguir, a mobilização cresceu como uma enorme vaga, conquistando outros setores sociais e etários. Finalmente, em 7 de março, um milhão de estudantes, trabalhadores, aposentados e populares, de todas as idades, sobretudo franceses, mas também imigrados, manifestavam através do país, enquanto universidades e escolas secundárias entravam em greve ou eram ocupadas.
A luta dos universitários, dos secundaristas e da classe trabalhadora francesa já causou fortes e profundas derrotas políticas e ideológicas ao capital francês e mundial Na quinta-feira, 9 de março, após discussão sumária, a lei foi aprovada pela Assembléia Nacio-
nal, majoritariamente conservadora. Em resposta ao desrespeito do governo Chirac-Villepin à vontade popular, a mobilização nacional endureceu ainda mais. Durante a jornada de protestos do dia seguinte, cem mil jovens marcharam pelo país, ocupando e aprofundando a ocupação de universidades e escolas. Então, a tensão tomou conta da direita, que se dividiu sobre o caminho a seguir, mais ainda quando se começou a falar da derrubada do governo. TRABALHADORES NA LUTA
Finalmente, as centrais sindicais, associadas aos sindicatos nacionais dos estudantes universitários (UNEF) e secundaristas (FIDL) decretaram greve nacional para o dia 28 de março, quando três milhões de manifestantes, em 250 cidades do país, cruzaram os braços e ocuparam as ruas. A mobilização multitudinária superou as demonstrações de dezembro de 1995, contra o plano Juppé, e de março 2003, contra as contrareformas da previdência, levando setores do capital a exigir o recuo do governo. Emparedado, Chirac optou por fuga para adiante. Em 31 de março, promulgou a lei e, em pronunciamento nacional, conclamou a que não fosse aplicada, até a vigência
de nova legislação que restrinja a sua vigência a um ano e obrigue o empregador a declarar o motivo da demissão. A iniciativa e o pronunciamento foram aprovados por 23% e rejeitado por 53% dos franceses. Apesar das concessões, 72% dos jovens declararam-se em dissensão total. As direções do movimento anunciaram simplesmente seu prosseguimento. Em 3 de abril, terça-feira, quando de nova greve geral, três milhões de manifestantes – 700 mil em Paris – marcharam contra a lei, confiantes na sua revogação total, já acenada por setores da direita. É compreensível o impasse dos patrões franceses. Depois de décadas de retórica sobre a necessidade da destruição de direitos para o crescimento do emprego, instala-se na população francesa a consciência de que contratos temporários, cortes de direitos, diminuições de salários, privatizações, desregulamentação, etc., objetivam maximizar os lucros à custa dos trabalhadores. Em 2005, a população francesa rejeitou simplesmente a constituição neoliberal da União Européia. CASO EUROPEU
As jornadas francesas repercutem pela Europa, onde o capital desenvolve iniciativas se-
melhantes. Na Alemanha, para manter-se no governo associado à direita, o Partido Social Democrata prometeu apoiar a proposta de estender de seis para dois anos o período que antecede a estabilidade no trabalho, para todos os trabalhadores. Essa e outras propostas de precarização do trabalho serão apresentadas nos próximos meses. Com as mobilizações na França, a já forte tensão social na Alemanha aumentará. Na Itália, a precarização do emprego, sobretudo dos jovens, foi introduzida pela lei Treu (1997), do governo de esquerda de Prodi e aprofundada pelo governo de Berlusconi, com a Lei Biagi (2003). Se eleita, a esquerda promete retocar aspectos das normativas que criaram longa série de contrato precários, de escassa proteção social. Em 2005, 70% dos trabalhadores italianos empregados assinaram contratos precários. A mobilização francesa certamente apoiará a luta contra a precariedade na Itália. Também na Espanha o governo socialista apresta-se a aprofundar as reformas exigidas pelo capital. Segundo a União Geral do Trabalho espanhola, dois terços dos jovens trabalhadores possuem atualmente contratos de duração determinada. O responsável pela juventude das Comissões Operárias (CCOO) anunciou duras lutas operárias, caso o governo avance no mesmo sentido. As manifestações dos jovens desempregados das periferias das metrópoles francesas comoveram o país e o mundo por sua desesperada violência. Porém, permaneceram política, social e geograficamente isoladas, permitindo operações políticas e ideológicas covardes do capital. A crescente confluência da luta dos universitários e secundaristas com a da classe trabalhadora francesa já causou fortes e profundas derrotas políticas e ideológicas ao capital francês e mundial. Ela aponta caminho de vitória a ser seguido. Mário Maestri é historiador. maestri@via-rs.net
RACISMO
Estatuto da Igualdade Racial Pedro C. Chadarevian ma das primeiras vozes a alertar sobre a falácia da abolição da escravatura no Brasil foi Machado de Assis (em seu Memorial de Aires, de 1908). De modo irônico e discreto, como era de seu feitio, o autor lamentava que o debate tivesse se orientado em torno da necessidade de se compensar os proprietários de escravos, e não os negros libertos e abandonados à sua própria sorte. Passados quase cem anos, pouco ou nada foi feito para compensar um dos maiores crimes cometidos contra um povo – a escravidão. Pior, durante ao menos cinqüenta anos que se seguiram à abolição, o negro brasileiro foi alvo de uma campanha na qual se envolveram intelectuais, cientistas sociais e membros do governo, no sentido de estigmatizá-los como inferiores. Com o processo de industrialização, há uma crença generalizada na integração do negro na sociedade de classes. Esta visão, dominante no pensamento social de 1945 a 1964, se baseava em uma concepção meramente fenomenológica do preconceito, sem procurar entender a sua manifestação no mercado de trabalho. Como resultado, as políticas públicas do período ficam restritas à criminalização da ideologia do
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preconceito racial, com a criação da chamada Lei Afonso Arinos. Ao mesmo tempo, dá-se a proletarização do negro, ainda limitada, pois dificultam a ele o acesso a funções e postos privilegiados da empresa. Isto se acompanha de uma gradual integração política do negro e, apesar de tudo, o momento era visto como uma evolução em relação à era do “racismo científico”. Mas este processo é drasticamente abortado com o golpe de 64. Os militares proibiriam todo debate sobre o racismo, e adotariam o mito da democracia racial como discurso oficial. MEDIDAS COMPENSATÓRIAS
Enquanto isso, nos Estados Unidos, naquele mesmo ano de 64, como conseqüência da radicalização do protesto negro, o Congresso aprovava um novo código dos direitos civis, abolindo o sistema de segregação até então existente, e abrindo caminho para a elaboração de medidas compensatórias. A principal delas institui um organismo federal, empregando centenas de funcionários, com o objetivo de analisar as queixas contra discriminação no trabalho. Estas são da ordem de 28.000 por ano, das quais mil são julgadas pertinentes, incorrendo em multas aos empregadores que acumulam cerca de dois bilhões de dólares nos últimos dez
anos. Este mecanismo trouxe o resultado esperado: passados quarenta anos, os negros puderam ascender aos mais altos postos em todas as carreiras do mercado de trabalho. Note-se que o princípio desta política não tem nada de “socialista”; a justificativa para defendê-la à época foi totalmente capitalista: a necessidade de se estimular a demanda de um segmento da população que, submetido às regras do mercado, estava condenado à marginalização.
A política de cotas ataca a raiz do problema do racismo na sociedade, controlando a atuação de mecanismos de discriminação na seleção, demissão e evolução do trabalhador na empresa Não é necessário elencar aqui um sem-número de estatísticas para se demonstrar o rígido quadro de hierarquização racial da sociedade brasileira nos dias de
hoje. Basta que o leitor olhe para os lados. Ou melhor para cima: a elite brasileira continua sendo um monopólio de brancos. Se, até meados do século 20, o Brasil era visto como um paraíso das relações raciais – e os Estados Unidos como um verdadeiro inferno; hoje a situação inverteu-se, ao menos em relação à distância que separa brancos e negros no mercado de trabalho. IGUALDADE RACIAL
Mas, leitor, não se surpreenda se lhe dissermos que um instrumento para corrigir este problema existe, e está atualmente em discussão no Congresso Nacional. Trata-se do Estatuto da Igualdade Racial. O projeto em questão procura atender a reivindicações históricas do movimento negro brasileiro, legítimo representante de negros e mestiços em um país no qual ao menos metade da população se considera como tais. Dentre os pontos que se podem destacar está exatamente a exigência de maior equilíbrio na representatividade racial dos trabalhadores nas empresas. Esta medida, também conhecida por cotas, ataca a raiz do problema do racismo na sociedade brasileira, controlando a atuação de mecanismos de discriminação na seleção, demissão e evolução do trabalhador na empresa. E, por promover uma reforma (digo re-
forma, não revolução) na forma como se regula a distribuição dos postos de trabalho, e portanto da renda, o projeto tem provocado resistências injustificadas. Tem-se alegado, de forma equivocada, que as medidas 1) limitam o caráter meritocrático do mercado de trabalho – o que é falso, a menos que se admita que os negros mereçam ganhar menos ou ser pobres; 2) geram mais preconceito na sociedade – argumento sem fundamento, basta ver a situação nos países que adotaram medidas semelhantes; e 3) são ineficientes para a economia – pelo contrário, combater a discriminação melhora a vida (e a renda) das pessoas. As conseqüências do tom enviesado que tem orientado o debate – especialmente nos editoriais da grande imprensa – ameaça a própria sobrevivência do projeto, já bastante desfigurado após as emendas recebidas no Senado. O momento pede o apoio e a mobilização de todas as partes interessadas em promover reformas verdadeiramente progressistas para o futuro da nação. Pedro C. Chadarevian é mestre em Economia pela Universidade de São Paulo e doutorando em Economia na Universidade de Paris – Sorbonne (pedro_chadarevian@yahoo.com.br)
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agenda@brasildefato.com.br
AGENDA NACIONAL
Roberto Requião (a confirmar) 1º/6 – “Meio Ambiente” – com o ambientalista Jean Marc Van der Weid (a confirmar) 8/6 – “Defesa Nacional”, com Luiz Gonzaga Schroeder Lessa (a confirmar) 29/6 – “Cultura”, com César Benjamin Local: Clube de Engenharia, Av. Rio Branco, 124, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2533-1110
CORDEL ON LINE Sítio/blog criado pela escritora Clotilde Tavares, em homenagem ao 140º aniversário do nascimento de Leandro Gomes de Barros (1865-1918), um dos mais renomados poetas da literatura de cordel. A idéia consiste em abrir espaço para sextilhas (estrofes de seis linhas) sobre notícias de interesse geral, numa tentativa de recuperar o aspecto jornalístico do cordel. Além das sextilhas publicadas por diversos autores, a página de internet também traz o manifesto em defesa da literatura de cordel. Mais informações: www.cordelonline.com.br
Divulgação
RIO DE JANEIRO
LIVROS DEZ REPORTAGENS QUE ABALARAM A DITADURA A obra inaugura a coleção “Jornalismo Investigativo”, da Editora Record. Neste primeiro volume estão reunidas algumas das melhores matérias produzidas durante a ditatura militar, época pouco propícia para o exercício do jornalismo. Graças à ousadia, à competência e à coragem de seus autores e editores, episódios como as mordomias dos superfuncionários públicos, os bastidores do atentado ao Riocentro, a morte de Vladimir Herzog, os porões da tortura e a corrupção no governo militar, entre outros, alcançaram as primeiras páginas dos jornais e revistas, permitindo algum debate sobre os rumos da ditatura. Essas reportagens agora voltam a circular acompanhadas de relatos de jornalistas envolvidos em sua produção ou edição. O livro tem 319 páginas e custa R$ 45. Mais informações: www.record.com.br CONTRAGOLPES Organizado pelo sociólogo Emir Sader, o livro traz para o público brasileiro onze artigos extraídos da revista New Left Review, publicados de 2002 a 2004. Entre os autores estão Perry Anderson, Tariq Ali, Susan Watkins, Mike Davis, Fredric Jameson, Slavoj Zizek e Giovanni Arrighi. Sediada em Londres, Inglaterra, a New Left Review é considerada a revista teórica de esquerda mais importante do mundo. Desde 2000, a publicação é dirigida por Perry Anderson. A obra, lançada pela Boitempo Editorial, tem 264 páginas e custa R$ 39. Mais informações: www.boitempo.com
CEARÁ CURSO DE FORMAÇÃO Inscrições abertas até 27 O curso de formação do Projeto de Desenvolvimento Institucional e Organizacional de Entidades Comunitárias (Dido) é gratuito e se destina às associações comunitárias de Fortaleza, que poderão inscrever até três representantes por entidade. A formação será realizada em módulos, nos quais serão trabalhadas temáticas como políticas públicas, formação política, captação de recursos, comunicação comunitária, desenvolvimento comunitário, gestão de associações, marcos legais das entidades comunitárias, aspectos administrativo-financeiros, elaboração de projetos e relações humanas. O total é de 213 horas-aulas, de 7 de junho a novembro de 2006. O curso é promovido pela organização não-governamental Vida Brasil, que atua em Salvador e Fortaleza nas áreas de direitos humanos e prática da cidadania, geração de trabalho e renda, inclusão da pessoa com deficiência e segurança alimentar. Local: R. Pedro Borges, 33, sala 233, Centro, Fortaleza Mais informações: (85) 3271-3826
MUTIRÃO DE SOLIDARIEDADE PELA REFORMA AGRÁRIA E PELA JUSTIÇA SOCIAL 10 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás 18, 16h Em 17 de abril de 1996 aconteceu o Massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, onde foram assassinados 19 trabalhadores rurais sem-terra. Esse dia tornou-se
o Dia Internacional da Luta Camponesa, em que camponeses do mundo inteiro se mobilizam num grande mutirão pela realização da reforma agrária, por trabalho e Justiça. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio de Janeiro convida para dois atos simultâneos, em homenagem às vítimas de Eldorado dos Carajás e pela punição dos responsáveis por esses crimes.
ATO CONTRA A IMPUNIDADE Local: Tribunal de Justiça, Av. Antônio Carlos (próximo à entrada do Fórum), Rio de Janeiro
filmes e objetos de ouro e prata, a exposição apresenta a saga dos africanos e de seus descendentes no Brasil, desde o início do século 16 até os dias atuais. A mostra pretende resgatar a contribuição dos negros para a cultura e a formação do povo e da nacionalidade brasileira. A entrada custa R$ 4. Local: Museu Oscar Niemeyer, R. Marechal Hermes, 999, Curitiba Mais informações: (41) 350-4400
em jornais dinamarqueses usando a imagem do profeta Muhammad – uso que não é aceito no islamismo. Durante o salão haverá exposição com desenhos de Claudius, homenageado do ano, e os trabalhos premiados do salão. A programação teatral ainda terá espetáculos com Marcelo Madureira e os irmãos Chico e Paulo Caruso, entre outros. Entrada franca. Local: Casa de Cultura Laura Alvim, Av. Vieira Souto, 176 e Centro Cultural Correios, R. Visconde de Itaboraí, 20, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2287-2285
Dia 26, palestra com o jornalista e escritor José Augusto Ribeiro e com a professora e diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Jesse Jane. Local: R. Sete de Setembro, 141, 5º andar, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2232-5497
SEMINÁRIO NACIONAL DE EXPERIÊNCIAS NA ATENÇÃO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E SEXUAL 24 a 26 de maio Promovido pela Prefeitura de Curitiba, com apoio do Ministério da Saúde, o seminário tem como objetivos reunir representantes das diversas experiências na atenção e prevenção à violência doméstica e sexual, criar espaço para a troca das experiências acumuladas, dimensionar as conquistas alcançadas e os desafios existentes. Local: R. Prof. Pedro Viriato Parigot de Souza, 5.300, Curitiba Mais informações: seminario.viol encia@sms.curitiba.pr.gov.br
PERNAMBUCO 2º FÓRUM SOCIAL BRASILEIRO 20 a 23 A segunda edição do Fórum Social Brasileiro pretende refletir sobre experiências políticas vividas pela população brasileira, sob a ótica dos movimentos sociais e da resistência à globalização. “Caminhos para um outro mundo possível: a experiência brasileira” será o tema central do encontro, promovido pelo Conselho Brasileiro do Fórum Social Mundial. O evento será dividido em quatro áreas: “Os sujeitos políticos e suas relações”, “Projetos de desenvolvimento alternativo ao neoliberalismo”, “A resistência antiimperialista e alternativas de integração solidária” e “Democratizar o Estado: por uma nova institucionalidade”. Local: Recife Mais informações: www.fsb.org.br
O GOLPE DE 1964 19 e 26, das 17h às 19h Ciclo de palestras organizado pelo Movimento de Aposentados, Pensionistas e Idosos do PDT (Mapi) que vai discutir as causas do golpe de 1964, suas conseqüências, a resistência e os reflexos na sociedade e na política. Programa: dia 19 – Debate sobre resistência e exílio, com o médico Irun Santana, ex-dirigente do PCB; Trajano Ribeiro, advogado; e o exdeputado Afonso Celso Nogueira Monteiro (Afonsinho).
ATO: 10 ANOS DO MASSACRE DE ELDORADO DOS CARAJÁS Local: Universidade Cândido Mendes, R. da Assembléia, 10, Auditório Teotônio Vilela, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 2532-3409
PENSANDO O BRASIL – ALTERNATIVAS POLÍTICAS 19 de abril a 14 de setembro Ciclo de palestra promovido pelo Clube de Engenharia, pela Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), pelo Centro de Estudos para o Desenvolvimento (CED) e pela Associação dos Funcionários do BNDES. Programa do primeiro semestre: 19/4 – “Democracia e República”, com Fábio Konder Comparato 27/4 – “Projeto Nacional e Organização Social Produtiva”, com Carlos Lessa 4/5 – “Educação”, com Aloísio Teixeira 11/5 – “Ciência e Tecnologia”, com Sérgio Xavier Ferolla 18/5 – “Petróleo e Soberania Nacional”, com Fernando Siqueira 25/5 – “Pacto Federativo”, com
1ª MOSTRA DE FILMES AFRICANOS De 27 de abril a 25 de maio, todas as quintas-feiras, a partir das 18h O Instituto Sociocultural Arte no Porto dá início ao projeto “5ª na Tela”, promovendo a discussão de questões cruciais para a população da Zona Portuária, com exibição de filmes, performances e debates. O evento inaugural será a 1ª Mostra de filmes africanos, em que serão apresentados filmes de ficção e documentários realizados pelos africanos após a conquista da independência de vários países desse continente. Haverá também performances artísticas e palestrantes abordando a cultura afro-brasileira. Entrada franca. Local: Casa da Justiça Federal, R. Major Daemon, nº 60, praça Mauá, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 3287-5187
SÃO PAULO DESLOCAMENTOS Até 14 de maio, de terça a domingo, das 9h às 21h Composta de fotos e instalações, a mostra é um projeto multidisciplinar, focado nas experiências vividas por refugiados em diferentes lugares do mundo. A artista Marie Ange Bordas foi além do registro dessas personagens “sem lar”: envolveu-se com aqueles grupos por meio da realização de oficinas de fotografia-vídeo e som, do resgate de relatos de vida e da criação de exposições dentro daquelas comunidades. A idéia central não é falar dos refugiados, mas trabalhar com eles, equipando-os com recursos para que falem de si próprios. Fotos e instalações serão distribuídas pelo espaço expositivo como complementos, umas das outras. Relatando uma trajetória na qual o retorno à terra natal é quase impossível e as dificuldades cotidianas são tão grandes quanto a falta de escolhas, a mostra visa sensibilizar o espectador para uma realidade que atinge cerca de 40 milhões de pessoas em todo mundo, refugiados ou em deslocamento. Local: Edifício Sé (Praça da Sé, 111), Galeria Neuter Michelon e Espaço Octogonal (1º andar), São Paulo Mais informações: (11) 3107-0498
LANÇAMENTO
É preciso coragem para mudar o Brasil Entrevistas do Brasil de Fato José Arbex Jr. e Nilton Viana (orgs.) 217 páginas Editora Expressão Popular São Paulo, 2006 R$ 13
PARANÁ RIO DE JANEIRO NEGRAS MEMÓRIAS MEMÓRIAS DE NEGROS Até fim de abril, de terça a domingo, das 10h às 18h Com cerca de 600 obras, entre esculturas, pinturas, fotografias,
17º SALÃO CARIOCA DE HUMOR Até 16 de abril A pauta do salão será os violentos protestos contra charges publicadas
Pedidos: BRASIL DE FATO www.brasildefato.com.br, tel.: (11) 2131-0808, Fax: (11) 2131 0824 Alameda Eduardo Prado, 342, Campos Elíseos, São Paulo, SP CEP 01218–010 EDITORA EXPRESSÃO POPULAR LTDA www.expressaopopular.com.br, tel.: (11) 3105-9500, Fax.: (11) 3112-0941 Rua Abolição, 266, Bela Vista, São Paulo, SP CEP 01319-010
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CULTURA
De 13 a 19 de abril de 2006
RIQUEZA CULTURAL
Evento integra e divulga manifestações artísticas populares, além de valorizar economia solidária
Giorgio D’onofrio
Teia entrelaça a arte de todo o país Tatiana Merlino da Redação
Fotos: Douglas Mansur/ Novo Movimento
S
ob a cadência do triângulo e do tambor, o som do maracatu tomou conta dos corredores do Pavilhão da Bienal, em São Paulo, no final da tarde do dia 7. Músicos e dançarinos com os rostos pintados de preto desfilaram entre estandes de produtos artísticos e artesanato de todos os Estados do país. Trinta crianças e jovens, entre sete e vinte anos, mostraram o gingado do maracatu do Ceará para os visitantes da Teia de Cultura, Educação, Cidadania e Economia Solidária, que aconteceu de 6 a 9 de abril, no Pavilhão da Bienal no Parque do Ibirapuera e no auditório do Sesc, em São Paulo (SP). Durante o evento, jovens cearenses, moradores de favelas de Fortaleza, puderam conhecer as formas da arte indígena, o ritmo do hip hop, o trabalho dos remanescentes quilombolas, a música dos repentistas e a rima da literatura de cordel, entre muitas outras coisas. “Além do comércio da economia solidária, esse encontro está sendo bom para a troca de idéias. O Brasil é um caldeirão cultural, e estamos fazendo uma boa sopa”, brinca o músico Leno Farias, mestre do espetáculo, referindo-se ao final da apresentação do maracatu, quando formou-se uma grande roda com jovens do movimento hip hop, indígenas, palhaços e pessoas com bonés e camisetas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “Foi um bom exemplo de intercâmbio entre manifestações artísticas de vários pontos do território nacional”, disse Farias.
CULTURA POPULAR O músico, que trabalha no Centro Itinerante de Referência Cultural e Criação Coletiva (Circo), projeto de extensão da Universidade Federal do Ceará (UFC), em parceria com a Federação de Entidades de Bairros e Favelas de Fortaleza, explica que o Circo se propõe a oferecer às comunidades carentes local gratuito para realização de atividades culturais populares: “Ensinamos samba de roda, capoeira, maracatu. Conforme crescem, os jovens viram monitores, para ajudar na transmissão de conhecimento e na preservação da ancestralidade”. Uma das tradições do maracatu – sobretudo o cearense – mantidas até hoje é o falso negrume, explica Farias. “Como havia muita perseguição da polícia, os brincantes pintavam a cara de preto, para não ser reconhecidos. Além disso, as personagens femininas eram feitas pelos homens. Com o rosto pintado, ninguém podia rir deles depois”, diz o artista, sob o olhar curioso da carioca Maria da Conceição, representante do Quilombo Campinho da Independência, situado na cidade de Paraty. “Gostei muito da apresentação, mas não tinha entendido a razão de todos estarem com o rosto pintado de preto”, diz a jovem, que afirma também ter ficado “encantada” com os índios do Xingu.
FONTE DE RENDA No estande de Maria, estavam à venda cestos de palha, artesanato em madeira e cerâmica. “Utilizamos sementes, bambus, bananeiras e coqueiros para fazer bijuterias e enfeites”, diz a expositora, que afirma que o artesanato é uma importante fonte de renda para a comunidade, onde vivem mais de cem famílias. Também chamava a atenção um quadro
O encontro promoveu o intercâmbio entre manifestações artísticas de todos os Estados e deu visibilidade a produções desconhecidas de quem vive nos grandes centros
com fotos de mulheres negras e anotações escritas à mão em papel amarelado. “É parte da história da nossa comunidade, que foi escrita por mulheres como Vovó Antonica, Tia Marcelina e Tia Luiza”, conta Maria, orgulhosa. O quilombo onde ela vive é um dos Pontos de Cultura criados no Programa Cultura Viva, do Minis-
tério da Cultura, que beneficia 445 entidades com um verba de R$ 185 mil por semestre, além de um conjunto multimídia, com computadores, acesso à internet em banda larga, ilha de edição e estúdio de gravação. Os pontos foram criados em regiões desconhecidas de moradores dos grandes centros urbanos, como comunidades qui-
lombolas, assentamentos rurais e aldeias indígenas. Até o fim do ano, o governo federal quer atingir a marca de 600 pontos culturais. Célio Turino, secretário de Programas e Projetos Especiais do Ministério da Cultura, ressaltou que “a oportunidade de reunir todos os pontos de cultura na Teia, em um espaço único, de modo que
Sem-terra se destacam por produção cultural A participação de militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi marcante nos quatro dias da Teia de Cultura, Educação, Cidadania e Economia Solidária, organizada pelo Ministério da Cultura. Com uma delegação de 250 militantes, vindos de dez Estados, os sem-terra fizeram apresentações de teatro, dança e música e promoveram debates sobre a relação entre arte e política, cultura popular democratização e produção de cultura. De acordo com Douglas Estevam, do Coletivo Nacional de Cultura do MST, a participação do Movimento em eventos como a Teia é muito importante porque “apresenta uma dimensão pouco conhecida do MST: uma cultura constituída na luta pela terra e contra o modelo imposto aos camponeses”. Num dos estandes do Pavilhão da Bienal, o Movimento também expôs seus trabalhos de produção de alimentos, educação fundamental e superior, comunicação, edição de livros, saúde preventiva e cultura. O MST é um dos beneficiados do programa Pontos de Cultura, do Ministério da Cultura. Até agora, são 16 pontos do Movimento, em dez Estados. De acordo com o coletivo de cultura do MST, o projeto contribui para o avanço das ações do Movimento na frente cultural pois possibilita que os espaços se tornem centros de produção de bens culturais e de valorização da cultura camponesa. Durante o debate sobre sobre democratização do
acesso à cultura e comunicação, Rafael Litvin, da coordenação nacional de Cultura do MST, destacou a relevância da produção cultural dos movimentos sociais: “Temos que pensar numa produção artística a partir da nossa perspectiva de mundo, uma vez que a cultura hegemônica trabalha com padrões de representação racial e de classe que nos criminalizam. Temos condições de produzir nossa própria cultura. Queremos contar nossa própria história”. Litvin também criticou a televisão brasileira “onde só há brancos, mesmo o país tendo a segunda maior população negra do mundo”. O militante lembrou o golpe de 64 e o início da ditadura militar, “quando a produção de arte camponesa foi massacrada”. Citou ainda a experiência cultural dos Centros Populares de Cultura (CPCs), da União Nacional dos Estudantes, que na década de 1960 atuaram junto às ligas camponesas. Um dos preconceitos que precisa ser rompido, segundo Litvin, é o de que só os ricos têm direito à cultura: “O pior é que nós mesmos reproduzimos esse preconceito”. Uma das apresentações de teatro do MST lembrou os dez anos de impunidade do Massacre de Eldorado dos Carajás. Dia 17 de abril de 1996, 19 trabalhadores rurais foram assassinados. Em homenagem aos mártires da violência de Eldorado, a Via Campesina declarou o 17 de abril como o Dia Internacional da Luta Camponesa. (TM)
o trabalho de cada um possa ser mostrado de forma mais ampla, possibilitando trocas de experiências, intercâmbios e discussões conceituais e metodológicas, vai agregar muito ao processo de construção coletiva”.
BRASIL AUTÔNOMO Durante os quatro dias, a Teia Cultural reuniu cerca de 600 empreendedores da economia solidária, artistas de todo o Brasil, praças e espaços de convivência, dois palcos para apresentações musicais e de dança, palcos para pequenas apresentações, um circo com capacidade para 200 pessoas, a estação de Cultura Digital, manifestações do movimento hip hop de todo Brasil e uma mostra artística com 86 grupos. “São trabalhos que trazem múltiplas possibilidades. O evento vai além desse caráter de mostra e faz a integração com outros artistas e outras áreas”, afirma Turino. Segundo ele, a idéia da Teia foi mostrar “um Brasil autônomo, protagonista e que constrói uma forma de poder com base na sabedoria popular”. De acordo com o ministro da Cultura, Gilberto Gil, a inspiração do projeto é “a idéia de que é preciso encontrar formas de estabelecer protagonismo para os setores que historicamente não são protagonistas; é preciso fazer fluir a cultura”. Durante os quatro dias também houve seminários, oficinas, palestras. Uma estação de rádio e uma emissora de TV comunitárias estiveram no ar divulgando atividades como exposições de fotografias, de artes plásticas, projeções de cinema e de audiovisual, encontros literários e de artistas de circo, mestres de capoeira, repentistas.