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Ano 4 • Número 165

R$ 2,00 São Paulo • De 27 de abril a 3 de maio de 2006

Petróleo: limites da auto-suficiência A

auto-suficiência de petróleo, anunciada em 24 de abril, esconde armadilhas. A conquista garante a independência energética do Brasil e o protege de turbulências internacionais. Porém, a calmaria pode não durar muito, uma vez que a nova situação condiciona o país a exportar o excedente de petróleo. Segundo a Petrobras, a auto-suficiência deve durar uma década. Quando acabar, a conjuntura internacional será outra. Para 2015, há estimativas de aumentos de preço de 100% a 200%. Se confirmada a previsão, o Brasil, que hoje vende barris a 70 dólares, terá de readquiri-los dentro de dez anos a 100, 200 ou 300 dólares. Pior: os investidores privados que controlam 63% das ações da Petrobras pressionam a estatal para aumentar a produção e impedem os derivados de ser vendidos a baixos custos internamente. Pág. 7

Movimentos prometem mais mobilizações

Filhas de trabalhadores rurais sem-terra participam de manifestação de abertura do 2º Fórum Social Brasileiro, em Recife (PE), dia 20 de abril

Via Campesina denuncia Agronegócio é matéria ataques à biodiversidade em escolas paulistas Em ato que contou com a participação do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, a Via Campesina lançou o “Manifesto das Américas”, que denuncia o sistema econômico “que explora

os recursos naturais e o ambiente”. Durante visita ao Brasil, dia 20 de abril, o presidente venezuelano defendeu a criação de um projeto latino-americano. Pág. 9 Marcio Baraldi

Reunidas no 2º Fórum Social Brasileiro, realizado entre os dias 20 e 23 em Recife (PE), organizações civis prometeram novas manifestações durante as eleições e produziram documento exigindo uma série de medidas do futuro presidente, entre elas a mudança na política econômica. Pág. 5

João Zinclar

Se exportações continuarem, recursos vão acabar rapidamente e o Brasil ficará exposto a crises globais

CONHECIMENTO – No 7º Fórum Internacional do Software Livre, realizado em Porto Alegre, debates ampliam a discussão sobre liberdade de informação. Pág. 4 ENTREVISTA – Paulo Arantes avalia que Lula, Chávez e Kirchner não são alternativa da esquerda, mas sim uma classe dirigente que quer extrair riqueza da sociedade. Pág. 8

Procuradoria entra no debate da TV Digital Pág. 4

Imigrantes fazem protestos no 1º de Maio dos EUA Pág. 11

Irã, novo alvo do imperialismo do governo Bush Pág. 12

na Escola” – uma parceria entre a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e a Associação Brasileira do Agronegócio da Região de Ribeirão Preto. Pág. 3

NOSSA OPINIÃO

Combate à ditadura do capital

“N

E mais:

Estudantes estão aprendendo que “suas vidas dependem do agronegócio”, como diz o título de um material paradidático que está sendo usado por 19 mil alunos do Programa “Agronegócio

ão há censura no Brasil. Vivemos uma plena democracia, capaz de assegurar a total liberdade de expressão a todos os cidadãos deste país”, afirmam, em tom triunfante e ufanista, aqueles que defendem a ordem e o Estado burguês. Mas as coisas não são assim. Muito ao contrário. É verdade que não existe mais a sinistra figura do censor político, tão comum nas redações dos jornais à época da ditadura militar. Mas a censura ainda existe, e atua mais do que nunca. Ela apenas mudou a sua forma. A censura é praticada, principalmente, por meios econômicos e tecnológicos que estrangulam todas as iniciativas populares de construção de uma imprensa livre e independente do capital. E quando a arma econômica não é suficiente, a Polícia Federal entra em ação, como no caso da repressão ao movimento por rádios livres. O Brasil de Fato é vítima da censura do capital. Somos, hoje, obrigados a reduzir oito das dezesseis páginas de nosso jornal. É uma decisão obviamente dura, mas politicamente necessária para assegurar a sobrevivência do jornal, com tudo aquilo que ele significa para milhares de militantes, leitores, assinantes e cidadãos que lutam pela transformação do país. Temos grande orgulho de

nossa história. O Brasil de Fato foi lançado há três anos, no âmbito do Fórum Social Mundial de Porto Alegre, como expressão da vontade coletiva dos mais diversos movimentos sociais, todos invariavelmente atacados, caluniados, injuriados e criminalizados pela “grande mídia” dos patrões e das corporações transnacionais. Colocava-se, de forma muito clara, a urgente necessidade da construção de um veículo capaz de estabelecer a verdade dos fatos, ou, pelo menos, de oferecer uma versão diferente do discurso único propagado pelos apóstolos do neoliberalismo. Foram três anos de muita luta e sacrifício. Sofremos boicote por parte das grandes distribuidoras de jornais e revistas, que monopolizam o mercado brasileiro. Conseguimos colocar o jornal em bancas por todo o país, mas a nossa capacidade de divulgar a existência do jornal era e é limitada, até porque nossa tiragem sempre foi pequena, condicionada pelos preços do papel e custos de gráfica. Como contrapartida, jamais recebemos apoio ou subsídio oficial do governo – muito generoso, quando se trata de canalizar verbas para a “grande mídia” –, e mesmo a publicidade de empresas estatais acontece em ritmo de conta-gotas. Sobrevivemos, até agora, graças ao apoio firme de nossos leitores, assinantes e colaboradores. Não temos a menor dúvida

quanto à justeza e à legitimidade de nossa luta, e muito menos quanto à necessidade do jornal. Mas atingimos o nosso limite financeiro. Somos obrigados a cortar gastos com papel, gráfica e correio. Em compensação, vamos investir cada vez mais esforços no aperfeiçoamento de nossos meios eletrônicos. Por meio de um boletim eletrônico diário, a agência de notícias Brasil de Fato fornecerá informações “quentes” aos nossos assinantes e alimentará a rede de comunicação independente nacional. Vamos também aperfeiçoar a nossa revista eletrônica, com o objetivo de torná-la cada vez mais útil e informativa. Os novos censores do capital não cantarão a vitória final. Todas as nossas dificuldades têm um caráter transitório e temporário, ao passo que a disposição de combate do povo brasileiro é permanente e inquebrantável, de Palmares a Carajás. Por isso, estamos tranqüilos. Em brilhante artigo contra a censura, o jovem Karl Marx escreveu: “A menor gota de orvalho reflete, cintilante, todas as cores do arco-íris, mas os censores querem que o sol do espírito emita apenas a cor cinza da burocracia”. Jamais permitiremos que o capital ofusque a luz de nosso povo. Este é o nosso mandato, o nosso compromisso, a nossa vocação, o nosso destino.


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De 27 de abril a 3 de maio de 2006

CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frei Sérgio Görgen • Horácio Martins • Ivan Cavalcanti Proença • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • Jesus Antunes • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Maestri • Michael Löwy • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes • Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores

CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

• Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Isa Gomes, Jorge Pereira Filho, Paulo Pereira Lima • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, 5555 João Alexandre Peschanski, Luís Brasilino, Marcelo Netto Rodrigues, 5555 Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César 55 Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus 5 5555 Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Dilair Aguiar • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 55 Administração: Silvio Sampaio 55 Programação: Equipe de sistemas 55 Assinaturas: Valdinei Arthur Siqueira 55 Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 55555555555 Campos Elíseos – CEP 01218-010 55555555555 PABX (11) 2131-0800 – São Paulo/SP 55555555555 redacao@brasildefato.com.br 55555555555 Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. 55 Distribuição exclusiva para todo o Brasil em bancas de jornais e revistas 55 Fernando Chinaglia 55 Rua Teodoro da Silva, 907 55 Tel.: (21) 3875-7766 55 Rio de Janeiro – RJ

CAROS LEITORES Estimados colaboradores, militantes e assinantes do jornal Brasil de Fato. Nos dirigimos a vocês, novamente, para cumprir nossa obrigação de prestar contas de nosso jornal, que é acima de tudo uma obra coletiva de centenas de companheiros e companheiras. Nos últimos três anos, vocês têm acompanhado a dificuldade de construir um jornal independente, com linha editorial autônoma, que sirva como instrumento para informar, conscientizar e debater idéias com a militância social e com os lutadores do povo, que querem mudar o país. É uma árdua tarefa. Mas estamos resistindo. Tivemos muitas conquistas. Mantivemos nossa independência. Enfrentamos o monopólio da publicidade, da distribuição. Boicotes de todo tipo. Inclusive o sectarismo de alguns setores de esquerda, acostumados a jornais partidários e alinhados ideologicamente. De fato, conseguir ser independente e apenas compromissado com os movimentos sociais e os interesses do povo é uma tarefa muito difícil. Sonhávamos que o jornal Brasil de Fato pudesse estar colado a um processo de reascenso do movimento de massas que não veio. Então tivemos que mudar a sua forma. Em vez de um jornal de massas, nas bancas, com tiragem significativa, foi preciso transformá-lo em um jornal de militantes. Esperávamos poder ter acesso à publicidade de organismos públicos, cuja obrigação é distribuir democraticamente as verbas de publicidade, que são do povo. Cuja obrigação é democratizar a mídia brasileira. Isso também não aconteceu. Em três anos, tivemos raros anúncios de empresas públicas do Paraná, da Petrobras e da Companhia Furnas. O que nos sustentou, esse tempo todo, foram as assinaturas, as contribuições dos movimentos sociais e a colaboração de todos os que trabalharam por esse projeto coletivo.

AVANÇOS SIGNIFICATIVOS

CARTAS DOS LEITORES AGRADECIMENTO Em pleno século 21, a classe trabalhadora continua a luta pela sua libertação, e neste século nós mulheres camponesas, ao contrário do que se previa em séculos passados, da extinção dos camponeses, continuamos nossa luta e protagonizamos a ascensão da luta de classes deste século. Assim, nossa última ação foi um apelo consciente das mulheres camponesas que lutam em defesa da vida, contra a destruição ambiental de nosso planeta e assim da raça humana, bem como de todo tipo de exploração e concentração típicos de um modelo de desenvolvimento capitalista. Depois do 8 de março, como bem sabem, houve uma ação violenta da polícia que invadiu e humilhou companheiras nossas. Esta ação deixa claro o que na verdade já sabíamos, o Estado e a polícia estão a serviço do capital e não do povo. Tudo isso infelizmente não é entendido pelo conjunto da sociedade devido à forma como os meios de comunicação de massa vêm divulgando os fatos, mostrando também o seu comprometimento com este mesmo capital. Apesar de tudo isso, nós mulheres camponesas pudemos contar com a ajuda de vocês que, como entidade ou pessoa, nos apoiaram neste momento e acima de tudo mostraram-se solidários não só a nós mas a uma luta que é por toda a classe trabalhadora. Por isso, queremos agradecer o apoio e dizer que nós continuaremos fortalecendo a luta que é acima de tudo em defesa da vida. Movimento das Mulheres Camponesas do Rio Grande do Sul Por correio eletrônico PETROBRAS A maioria dos governos brasileiros exaltou a Petrobras. A começar por Getulio Vargas, seu criador, que, com a mão enlambuzada de petróleo, foi capa

de jornais e revistas, gesto imitado agora pelo presidente Lula. Como não fazêlo! A Petrobras é o orgulho do Brasil. Empresa genuinamente brasileira, seus técnicos, brasileiros, estão no mesmo patamar mundial, para não dizer acima. São desses técnicos, da Petrobras, a tecnologia na produção de petróleo e gás no mar, principalmente em águas profundas. A empresa que mais investe em novas fontes de energia. Para culminar sua trajetória exitosa, o Brasil atingiu a auto-suficiência em petróleo. A comemoração se deu no dia 21 de abril, dia da morte de Tiradentes, mártir da nossa independência. Lula teve a felicidade e a coincidência de ser o presidente nesse momento. Como estamos às vésperas das eleições para presidente, querem suspender a campanha e multar a Petrobras. Dizem que Lula está usando as homenagens para se autopromover. Quem quer fazer isso? O PSDB e o PFL. Partidos que tentaram destruir a Petrobras. Durante oito anos, PSDB e PFL, tendo Fernando Henrique Cardoso na presidência, fizeram todo esforço possível para destruir a empresa. Quebraram o monopólio do petróleo; tentaram mudar o nome da empresa para Petrobrax; pulverizaram as ações da empresa; criaram a Agência Nacional de Petróleo e os leilões de petróleo, suspenderam os concursos públicos; impediram o retorno dos demitidos das empresas extintas por Collor de Mello, Interbrás e Petromisa, e para esvaziar os quadros técnicos da empresa incentivaram demissões voluntárias e aposentadorias precoces. O governo Lula, além da campanha da nossa auto-suficiência em petróleo ou independência, deveria fazer uma campanha mostrando à sociedade brasileira o que representou o governo PSDB/PFL para Petrobras. Emanuel Cancella Rio de Janeiro (RJ) Por correio eletrônico

Montamos uma equipe de redação e correspondentes dedicados, que, sem ingerência do conselho editorial, fazem do jornalismo uma militância, e que procuram de forma democrática construir um jornal comprometido apenas com a verdade e com os interesses do povo. Um jornal plural e aberto. Editamos diversos cadernos especiais, com temas específicos, para atender as necessidades dos movimentos: reforma agrária, combate aos transgênicos, contra a transposição do Rio São Francisco, em defesa da biodiversidade, em homenagem ao povo guarani e Sepe Tiaraju etc. Essas edições especiais chegaram a ter tiragens de um milhão de exemplares, com forte impacto nas populações onde foram distribuídas. Avançamos também ao vincular nosso trabalho a uma agência que produz notícias para programas de rádio. Avançamos na linha editorial, com uma página permanente sobre o continente africano, excluído da imprensa brasileira. Temos conseguido também entrevistas históricas com lideranças nacionais e internacionais – material agora transformado no livro É preciso coragem para mudar o Brasil, com entrevistas exclusivas com Noam Chomski, Yasser Arafat, Celso Furtado, Apolônio de Carvalho, Fidel Cas-

FALA ZÉ

tro, Hugo Chávez, Aleida Guevara, Hebe de Bonafini, entre outros.

MUDANÇAS NECESSÁRIAS Porém, apesar de avanços importantes, estamos enfrentando novas dificuldades financeiras, resultantes do aumento de custos de gráfica, correio, em contrapartida com a lenta expansão das assinaturas. Por isso, queremos compartilhar com vocês as propostas de mudanças que estaremos implementando em nosso projeto. 1. A edição semanal do jornal impresso, a partir da próxima edição, passa a ter oito páginas. 2. Vamos potencializar a página do jornal na internet – Agência Brasil de Fato – www.brasildefato.com.br –, com atualizações diárias de notícias ligadas à luta de classes, às lutas dos movimentos sociais, e também com artigos e análises, para que os leitores e colaboradores possam acessar mais informações a menor custo. 3. Vamos produzir um boletim eletrônico que chegue aos leitores de forma mais rápida do que o jornal impresso. Para receber o boletim, os assinantes devem mandar seus endereços eletrônicos para: boletim@brasildefato.com.br 4. Vamos estreitar nossa parceria com a Agência de Notícias do Planalto, que edita boletins diários para mais de 1.200 rádios comerciais e comunitárias de todo o país. Esperamos, com esses ajustes, nos adaptar às dificuldades financeiras. Quem sabe realizaremos o sonho de um jornal diário, que esteja em todas as bancas, de fácil acesso a todo o povo brasileiro – embora saibamos que isso vai depender sobretudo do reascenso do movimento de massas e de maior acúmulo organizativo dos movimentos sociais.

PRECISAMOS DO SEU APOIO Para dar concretude a essa luta permanente, precisamos dobrar o número de assinantes. Por isso, esperamos sua ajuda, de várias formas: 1. Indicando jornalistas ou companheiros e companheiras de movimentos sociais que poderiam colaborar com o jornal enviando artigos, reportagens, o que ampliará a forma militante de fazer o jornal, e trará para o jornal mais temas de todo o Brasil. 2. Ampliando as assinaturas. A assinatura anual, que dá direito a 52

exemplares, custa apenas R$ 100 e pode ser parcelada em até quatro vezes. Se cada assinante conseguir mais um amigo ou amiga disposto a contribuir com R$ 100, dobramos o número de assinantes e damos mais fôlego ao jornal. Ou você pode oferecer uma assinatura solidária a um amigo que não tem recursos e precisa receber as informações do Brasil de Fato. 3. Se você pertence a um sindicato, entidade, prefeitura, escola, centro acadêmico, comunidade religiosa etc., motive a sua entidade a fazer assinaturas coletivas para distribuir a mais pessoas. Esperamos poder contar com sua compreensão e fidelidade para nos ajudar a ampliar nossos leitores e seguir construindo um jornal plural, comprometido com a causa do povo brasileiro. Um forte abraço, Nilton Viana editor-chefe José Arbex integrante do Conselho Editorial João Pedro Stedile integrante do Conselho Político

HÁ DIVERSAS FORMAS DE FAZER ASSINATURAS:

1. Depósito bancário: Banco: Bradesco Agência: 0296-8 Conta corrente: 67.880-5 Enviar comprovante e endereço de entrega para: Tel/fax (11) 2131-0824 ou mande mensagem para: assinaturas@brasildefato.com.br 2. Boleto bancário. Enviar nome completo, CPF e endereço de entrega do jornal e da cobrança para: assinaturas@brasildefato.com.br 3. Cartão de crédito. Você pode pagar com cartão de crédito: Visa ou American Express. Informe o número, data de validade e código de segurança do cartão. 4. Cheque. O cheque deve ser nominal à Sociedade Editorial Brasil de Fato. Enviar para Al. Eduardo Prado, 342, Campos Elísios, CEP 01218-010, São Paulo, SP.

OHI

Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815

Brasil de Fato é o resultado das aspirações de milhares de lutadores de movimentos populares, intelectuais de esquerda, sindicatos, jornalistas e artistas que se uniram para formar uma ampla rede nacional e internacional de colaboradores. • Como participar: Você pode colaborar enviando sugestões de reportagens, denúncias, textos opinativos, imagens. Também pode integrar a equipe de divulgação e venda de assinaturas. • Cadastre-se pela internet: www.brasildefato.com.br. • Quanto custa: O jornal Brasil de Fato custa R$ 2,00 cada exemplar avulso. A assinatura anual, que dá direito a 52 exemplares, custa R$ 100,00. Você também pode fazer uma assinatura semestral, com direito a 26 exemplares, por R$ 50,00. • Reportagens: As reportagens publicadas no jornal podem ser reproduzidas em outros veículos – jornais, revistas, e páginas da internet, sem qualquer custo, desde que citada a fonte. • Comitês de apoio: Os comitês de apoio constituem uma parte vital da estrutura de funcionamento do jornal. Eles são formados nos Estados e funcionam como agência de notícias e divulgadores do jornal. São fundamentais para dar visibilidade a um Brasil desconhecido. Sem eles, o jornal ficaria restrito ao chamado eixo Rio-São Paulo, reproduzindo uma nefasta tradição da “grande mídia”. Participe você também do comitê de apoio em seu Estado. Para mais informações entre em contato. • Acesse a nossa página na Internet: www.brasildefato.com.br


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De 27 de abril a 3 de maio de 2006

NACIONAL EDUCAÇÃO

Agronegócio invade as escolas P

ara passar de ano, agora, 19 mil alunos de escolas públicas do ensino Médio do Estado de São Paulo têm de estudar o agronegócio. O tema – que não faz parte da grade curricular – está sendo ensinado em salas de aula de 53 municípios da região de Ribeirão Preto, por professores de todas as disciplinas. Na seqüência, o conteúdo desenvolvido em classe é visto no dia-a-dia de empresas do agronegócio. Atualmente, participam dessa prática multiAgronegócio – No Brasil, comércio feito disciplinar – copor fazendas que se nhecida como especializam num estudo de um só produto, têm alta tema transversal tecnologia, mecanização e pouca mão- – 1.430 profesde-obra, as vezes sores de 116 semi-escrava. Opeescolas. Cada ração baseada em baixos salários, uso professor utiliza intensivo de agrotó- o agronegócio xicos e de sementes sob um ângulo transgênicas. que se encaixe ao programa de sua matéria. Depois, acompanha suas classes em visitas a empresas de agronegócio da região – uma atividade que, pelo programa, prevê 350 visitas até o final do ano. “As diretorias de ensino da Coordenadoria de Ensino do Interior (CEI) têm liberdade para parcerias desse tipo”, informou a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. Apesar de desconhecido por todas as pessoas ligadas à área da educação com quem a reportagem do Brasil de Fato conversou, o Programa Educacional “Agronegócio na Escola” – uma parceria entre a Secretaria de Estado da Educação e a Associação Brasileira do Agronegócio da Região de Ribeirão Preto (Abag/RP) – já está no seu sexto ano, e não pára de se expandir. No início, em 2001, o programa contemplava apenas quatro municí-

ca que sustenta que a escola pública é terra de ninguém, a casa da Mãe Joana”, diz o professor Gaudêncio Frigotto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). “A proposta representa a mutilação da escola laica – que não deve pertencer ao fazendeiro, ao bispo, ao dono do clube de futebol. Pergunte aos representantes do agronegócio se eles postulam isso para os seus filhos – que não estudam em escolas públicas. Há uma dose de cinismo nisso porque o agronegócio é a desgraça para muitas dessas crianças”, completa o estudioso da Educação.

PROPAGANDA ENGANOSA

Convênio firmado entre o agronegócio e Secretaria de Educação de São Paulo é visto como “agressão à educação”

pios, sete escolas, 180 professores e 970 alunos, pertencentes à diretoria de ensino de Jaboticabal. Hoje, somam-se as diretorias de Sertãozinho, Franca, São Joaquim da Barra, Ribeirão Preto, Araraquara, Barretos, São Carlos, Pirassununga e Taquaritinga.

modelo para as demais escolas do Brasil, segundo Monika Bergamaschi, secretária-geral da entidade. Primeiro, fazendo com que o programa atinja progressivamente todas as seis mil escolas do Estado, para depois “ser expandido para o resto do país”, declarou Monika a um jornal local. Os patrocinadores para bancar politicamente essa idéia não representam problema. A assinatura do convênio para este ano contou inclusive com a presença do ministro

MODELO PARA O BRASIL A extensão do programa ainda vai longe, se depender da Abag/RP. O que está acontecendo na região de Ribeirão Preto deve ser um

Ano

Municípios

Escolas

Professores

Alunos

Visitas

2001

4

7

180

970

27

2002

9

20

500

5.100

140

2003

15

40

700

8.200

167

2004

31

68

1.090

12.100

256

2005

40

91

1.200

17.200

280

2006

53

116

1.430

19.000

350

Pequena/ Média Familiar propriedade

Fonte: Abag/RP

70%

Café 28%

2%

39%

Arroz 43%

18%

78%

Feijão 17%

5%

92%

Mandioca 8%

zero IBGE/Incra

Acusado de intermediar morte de freira vai a novo julgamento da Redação

Dirceu P. Vieira

sacre de Eldorado dos Carajás (PA) e sobre os crimes cometidos pelas multinacionais, que tentam impor um modelo de produção destruidor do meio ambiente. No período da tarde, os marchantes realizaram uma ocupação simbólica em um latifúndio da rede de Supermercados Imperatriz, entre os municípios de Tijucas e Biguaçu. A marcha seguiu no dia 19 de abril, após um ato de solidariedade aos povos indígenas da tribo Guarani, que reivindicam a demarcação de suas terras. Juntamente com os Guarani, os marchantes fecharam a BR 101 durante 30 minutos. Após pernoitar na cidade de São José, a marcha seguiu para Florianópolis, onde foram realizados protestos contra a política econômica, denunciando os lucros absurdos dos bancos.

Integrantes da Via Campesina fazem ato de apoio a indígenas Guarani, dia 19 de abril

Grande/ Agronegócio

DOROTHY STANG

Movimentos sociais fazem marcha de protesto em SC Cerca de 500 pessoas da Via Campesina, dos movimentos sociais urbanos e do movimento pelo passe livre iniciaram, no dia 18 de abril pela manhã, uma marcha na cidade de Itajaí, litoral catarinense. A marcha chegou na capital Florianópolis dia 20, quando foi realizado um grande ato contra a política econômica do atual governo. Os temas-eixos da atividade foram: reforma agrária, direito ao trabalho e valorização do salário mínimo. No primeiro dia, pela manhã, foram caminhados 16 quilômetros de Itajaí ao Balneário Camboriu. Durante o percurso, os marchantes promoveram esclarecimentos à sociedade sobre os dez anos de impunidade dos culpados pelo mas-

A produção agrícola no Brasil

EVOLUÇÃO DO PROGRAMA “AGRONEGÓCIO NA ESCOLA”

POLÍTICA ECONÔMICA

Dirceu Pelegrino Vieira de Abelardo Luz (SC)

da Agricultura, Roberto Rodrigues – não por acaso proprietário de fazendas em Ribeirão Preto e no sul do Maranhão, que se dedicam ao agronegócio da soja, cana e laranja. “É um fato grave, que expressa como a classe detentora do capital, a partir da década de 1990, tem tentado privatizar o espaço público para inculcar objetivos particulares, como se fosse o objetivo geral da sociedade. É uma agressão à educação universal em favor de uma lógi-

Sob o sugestivo título “Agronegócio, sua vida depende dele”, os materiais pedagógicos tentam convencer professores e alunos de que o setor é o que há de mais avançado hoje, no Brasil. Sem levar em conta os números oficiais que provam que quem alimenta o país é a pequena e a média agricultura – e não o propagandeado agronegócio (veja quadro ao lado). Outro apelo é a participação de alunos e professores em eventos e concursos sobre o tema, ao longo do ano. No ano passado, uma parceria semelhante entre a transnacional Monsanto, a editora Horizonte Geográfico e as Secretarias de Estado da Educação do Rio Grande do Sul, Bahia, Mato Grosso, Goiás e Distrito Federal visava entrar nas escolas de maneira parecida. O projeto “Janela para o Mundo” promoveria debates sobre ambiente e agricultura em 5.409 escolas, por meio de material paradidático favorável aos transgênicos e ao agronegócio. A implementação do projeto, financiado à época em parte pelo Ministério da Cultura, foi parcialmente paralisada depois de comprovado que materiais sobre os temas, que não estavam previstos no projeto original, foram inseridos no produto final.

No julgamento previsto para acontecer dia 26 de abril, no 2° Tribunal do Júri de Belém, o Ministério Público do Estado do Pará previa pedir a pena máxima, de 30 anos de prisão, para Amair Feijoli da Cunha, o Tato, acusado de intermediar a morte da missionária Dorothy Stang, dia 12 de fevereiro de 2005, em Anapu (PA). Tato é acusado de homicídio duplamente qualificado, com promessa de recompensa, motivo torpe e uso de meios que impossibilitaram a defesa da vítima. O julgamento será acompanhado por observadores internacionais, como a delegação do Centro para os Direitos Humanos da Fundação Robert F. Kennedy, formada por três irmãos e uma sobrinha da irmã Dorothy; Emily Goldman, da Fundação; e o advogado brasileiro Darci Frigo. “Estamos viajando ao Brasil para testemunhar e para puxar o governo brasileiro a realizar uma investigação completa sobre todos os responsáveis pelo planejamento e pelo financiamento do assassinato e a fazer uma reforma agrária verdadeira”, afirmou David Stang, irmão mais novo de Dorothy. Já foram condenados Raifran das Neves Sales, o Fogoió, e Clodoaldo Carlos Batista, o Eduardo, em dezembro de 2005, pela execução do crime. Fogoió foi condenado a 27 anos de prisão em regime

Arquivo Brasil de Fato

Marcelo Netto Rodrigues da Redação

Arquivo Brasil de Fato

Cerca de 19 mil alunos de 53 cidades do Estado de São Paulo aprendem sobre o tema em todas as matérias

Irmã Dorothy Stang, assassinada por defender a reforma agrária

fechado, e Eduardo, a 17 anos. Porém, a defesa recorreu da decisão. Ainda deverão ser julgados os fazendeiros Vitalmiro Bastos

de Moura, o “Bida”, e Regivaldo Pereira Galvão, o “Taradão”, que seriam os supostos mandantes do crime. (Com agências)


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De 27 de abril a 3 de maio de 2006

Espelho TV DIGITAL

Uma conduta sob suspeita

Cid Benjamin

A imprensa e as greves O ombudsman Marcelo Beraba criticou o pequeno espaço que a Folha de S. Paulo dedicou à greve dos professores municipais de São Paulo. O movimento durou de 28 de março a 12 de abril, tendo sido o maior da categoria, desde 1987. A lacuna não é só da Folha. Atualmente, os professores da rede estadual do Rio de Janeiro estão em greve. Não há uma só linha nos jornais. Seria o caso não só de uma cobertura do movimento, mas de aproveitá-lo como gancho para uma radiografia do ensino público. Mídia brasileira versus Morales O presidente Evo Morales, da Bolívia, está virando o bicho-papão da mídia conservadora. A imprensa brasileira, em particular a TV Globo, deu destaque ao fato de a empresa MMX, filial da EBX de Eike Batista (ex de Luma de Oliveira), ter sido impedida de se instalar na Bolívia. Mas não explicou as razões: o funcionamento da empresa, que faz processamento de ferro, fere a legislação ambiental do país. O novo JB O Jornal do Brasil lançou uma edição em tamanho berliner (pouco maior que o tablóide tradicional) para as bancas, mantendo o tamanho standard para os assinantes. A edição das bancas, com projeto gráfico de Ziraldo, está boa de ler. E custa 75 centavos, bem menos que os R$ 2 de O Globo e os R$ 1,30 de O Dia. Apesar do preço menor, o conteúdo não se assemelha ao dos jornais populares. Pena que os mesmos jornalistas que faziam uma edição do jornal estejam sendo usados para fazer as duas, sem compensação salarial. Infoglobo de barriga cheia A edição de 20 de abril de O Globo publicou resumo das demonstrações financeiras da Infoglobo Comunicações S.A. O lucro líquido deu um salto de mais de 60%, trazendo um resultado de R$ 144 milhões de ganhos, depois de pagos impostos e despesas. Como o faturamento cresceu apenas 14,23%, a explicação para o crescimento de 60% no lucro vem do brutal aumento da receita financeira: mais de 200% (!!!). É por essas e outras que não só os bancos aplaudem a política econômica neoliberal de Lula. Interatividade - I A internet mudou a relação entre leitores e jornais e revistas. Antes, nas redações, se conhecia de nome os leitores que costumavam mandar cartas. Eram, geralmente, aposentados que liam atentamente o jornal ou a revista e caminhavam até o correio para postar as cartas. Agora, não. É gente de todas as idades. A internet não apenas multiplicou o número dos que escrevem, mas fez com que se diversificasse seu perfil. Interatividade - II Hoje quem escreve a jornais e revistas são basicamente usuários da internet. Mais de 95% das cartas para revistas semanais chegam por correio eletrônico. E, isso, que elas só são acessadas integralmente na edição on line por assinantes. Apenas 3% das cartas são enviadas pelos correios, enquanto 2% vão via fax. No caso de jornais acessados livremente pela internet (como os do Rio), o percentual de mensagens eletrônicas no total de cartas enviadas é ainda maior. Blog do Cid Benjamin: http://blog docidbenjamin.zip.net/

Ministério Público Federal investiga irregularidades na adoção do sistema de TV digital no Brasil Dafne Melo da Redação

O

Ministério Público Federal (MPF) resolveu entrar no debate da TV Digital. No dia 24, o Grupo de Trabalho de Comunicação Social da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão convocou uma audiência pública, em São Paulo, e reuniu pesquisadores, representantes da sociedade civil e das empresas de radiodifusão. A audiência foi o desdobramento de um pedido da chefe da Procuradoria Geral dos Direitos do Cidadão, Ela Wiecko, que em fevereiro solicitou a instalação de um procedimento para averiguar eventuais desrespeitos à lei no processo de escolha de um modelo de TV Digital. No início, serão feitas investigações a respeito do processo. Caso se encontre irregularidades, uma ação judicial poderá ser impetrada. Embora o ministro das Comunicações, Hélio Costa, afirme que “o tempo de discutir terminou” e que o governo brasileiro está prestes a escolher o padrão japonês de TV Digital, movimentos pela democratização das comunicações e pesquisadores argumentam que ainda há muito o que debater. Além disso, também rejeitam o clima de “pressa” imposto por Costa e empresas de radiodifusão – em especial, a TV Globo.

Valter Campanato/ABr.

Concessões e transparência Vale a pena lembrar o passado, diante da possibilidade de se distribuir mais canais de rádio e TV e da importância de critérios transparentes. Entre 1985 e 1988 Sarney distribuiu mais de mil concessões de rádio e TV para lubrificar a aprovação da prorrogação de seu mandato. FHC usou uma brecha legal para distribuir – por portaria do Ministério das Comunicações – estações retransmissoras de televisão (RTV), sem passar pelo Congresso. Até setembro de 1996, distribuiu 1848 licenças de RTV, das quais quase 300 para entidades de políticos que votaram a emenda da reeleição.

Organizações sociais debatem sobre a TV digital no Fórum Social Brasileiro, no Recife: críticas à pressão do ministro Hélio Costa

Em visita ao Japão em abril, os ministros Celso Amorim, (Relações Exteriores) Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) e o próprio Hélio Costa assinaram um memorando que prevê a adoção do padrão japonês (ISDB) pelo país. A decisão oficial, entretanto, não foi tomada. Em contrapartida, os europeus (padrão DVB) fizeram um convite para o governo brasileiro ir à Europa negociar. Ainda não há resposta por parte do presidente Lula, que manifestou, entretanto, o desejo de conversar com empresários brasileiros antes de bater o martelo. Na audiência no MPF, o representante do Ministério das Comunicações, Roberto Pinto, confirmou que a decisão se dará por meio de decreto presidencial, mas não deu previsão de quando isso ocorrerá.

DESCUMPRIMENTO DA LEI Atualmente, o único marco legal que determina as regras de como deve ser implementado o Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD) é o Decreto 4091 de 2003. Durante a audiência, Diogo Moysés, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social –, mostrou que o governo não está cumprindo a legislação. O decreto estabelece, por exemplo, que o SBTVD tem por finalidade promover a democratização da informação, a inclusão social, criação de rede universal de educação à distância, fomentar a pesquisa e indústria nacionais. “Não houve, até o momento, nenhuma manifestação pública do governo federal sobre estas questões”, apontou Moysés, para quem o governo tem focado apenas em questões superficiais como a suposta necessidade do sistema brasileiro ter mobilidade (transmissão do sinal para receptores móveis) e portabilidade (transmissão para aparelhos portáteis), especificidades sequer citadas na lei.

FATO CONSUMADO Alguns setores da sociedade civil alertam que, mesmo que a escolha se dê pelo ISDB a qualquer momento, a luta continua. É essencial, por exemplo, a criação de uma legislação que dê suporte à inserção de um novo meio de comunicação na sociedade. Um dos riscos, por exemplo, é que se as transmissões de teste forem liberadas antes disso, pode prevalecer

a lei do fato consumado. “Vamos escolher uma tecnologia e depois ela vai induzir determinado modelo de exploração”, explica Diogo Moysés. Neste contexto, ganham as concessionárias, ou seja, as atuais emissoras de TV. Regina Mota, professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que participou das pesquisas do SBTVD, também não acredita que há urgência na escolha de um padrão. Se feita agora, diz, a escolha vai atropelar um processo diferenciado de desenvolvimento de tecnologia nacional. “Pela primeira vez, pensamos algo a partir das necessidades”, disse a pesquisadora. Ao seu ver, a “pressa” do governo não se justifica. “A TV Digital não é uma realidade mundial, nem nos países de Primeiro Mundo”, e completou: “A atual situação do país, que não vou chamar de atraso, nos favorece. Estamos com a faca e o queijo na mão”.

GLOBO A palavra “atraso” foi usada por Evandro Guimarães, das Organizações Globo e da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), presente na audiência. Em sua fala, Guimarães defendeu a urgência do início da digitalização e chegou a dizer que o

atraso está matando as TVs. “Desse jeito, elas não têm futuro, não têm viabilidade”, avaliou. Entre os benefícios citados pelo representante da TV Globo, está a melhoria na recepção do sinal. De acordo com ele, 70% dos lares em São Paulo recebem imagem da TV aberta com chuviscos e fantasmas. “O cidadão brasileiro precisa urgentemente disso”. Quando questionado sobre a necessidade de usar o SBTVD para criar uma maior democratização dos meios de comunicação, Guimarães afirmou que, em alguns casos, isso já existe. “O espectro é bastante democratizado. Em São Paulo, há 21 canais disponíveis”, alegou. O representante da Globo também foi questionado sobre a qualidade dos conteúdos veiculados pelas TVs brasileiras. “Nossa campanha não existiria se nosso modelo de televisão fosse outro”, disse Sergio Millet, cineasta e representante da campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania. “A qualidade é relativa. Qualidade para quem? Essa qualidade depende do objetivo, se for para vender anúncio então temos qualidade”, argumentou Millet, que aproveitou para criticar a forma parcial como a própria TV Globo tem abordado a questão da TV Digital, em favor da adoção do padrão japonês.

DEMOCRACIA DIGITAL

Liberdade muito além do software Pedro Jatobá de Porto Alegre (RS) Os sucessos do Movimento Software Livre na luta contra os direitos autorais e as patentes sobre programas de computadores impulsionaram um embate muito maior pela liberdade de informação no 7º Fórum Internacional de Software Livre (FISL), ocorrido entre 19 e 22 de abril, em Porto Alegre. Um debate que rompe a barreira da computação, passa pela luta em prol dos remédios genéricos contra o monopólio das grandes indústrias farmacêuticas e chega à liberdade de compartilhar e distribuir música e arte de forma livre, o que, segundo as leis vigentes, constitui crime de pirataria. A força do software livre, da sua comunidade e do FISL como evento principal para articulações do movimento nacional foi marcada pela presença massiva de grandes empresas e de representantes dos governos municipais, estaduais e federal do Brasil. Entre os patrocinadores do Fórum, estavam

Daniel Cassol

da mídia

NACIONAL

Debate sobre software livre também incluiu a defesa de distribuição livre de música

gigantes como Google, HP e Sun Microsystems. Até empresas famosas por desacreditar o software livre e a capacidade do movimento para oferecer concorrência aos produtos proprietários já revisaram sua retórica. Foi o caso da Microsoft, que apareceu no fórum para afirmar que está disposta a “cooperar” com a comunidade do software livre.

O debate sobre acessibilidade abordou a polêmica questão da TV e da rádio digitais. A idéia de um padrão nacional utilizando software livre, que possibilite a inclusão digital, foi defendida em debate, no primeiro dia do evento, pela Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital. Após o debate, ocorreu

a solenidade de abertura, com a presença do ministro de Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, que antecipou que será adotado um modelo que contempla o uso de software livre. A decisão de fazer esse anúncio no encontro foi determinada por fatores muito mais complexos: o flerte do governo brasileiro com o modelo japonês (preferido pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa, e pelas grandes empresas de mídia) causou uma péssima repercussão na opinião pública e no meio acadêmico. Outro fator foi a estagnação das pesquisas sobre o padrão nacional, que estavam em andamento há mais de um ano. Segundo um colaborador do projeto de TV Digital Brasileiro, participante do evento, o principal fator para a estagnação das pesquisas foi a demora para a liberação de recursos técnicos e financeiros – o que, além dos atrasos no desenvolvimento, desmotivou muitos pesquisadores engajados. (revista O Dilúvio, http://www.odiluvio.com.br)


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NACIONAL FÓRUM SOCIAL BRASILEIRO

Até as eleições, muita pressão popular Daniel Merli de Recife (PE)

João Zinclar

Organizações sociais presentes ao Fórum Social Brasileiro anunciam mobilizações para mudanças da política econômica

N

o último dia do II Fórum Social Brasileiro (FSB), na capital pernambucana, começou a ser planejada uma mobilização que aproveitará as próximas eleições presidenciais para exigir mudanças profundas no país. Organizações civis reuniram-se em uma plenária, convocada pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) e produziram um documento que deixa clara a postura dos movimentos em 2006: Avançar na mudança – Contra o retorno da direita neoliberal. O Fórum reuniu centenas de representantes de organizações e movimentos sociais e sindicatos, entre 20 e 23 de abril. Organizado por um comitê formado por dezenas de entidades, como a Associação Brasileira de Organizações NãoGovernamentais (Abong), o evento promoveu mais de 500 atividades, entre debates, mostras, conferências e manifestações. Apesar de apresentar uma espécie de plataforma política, o documento da CMS não representará o apoio formal a nenhuma candidatura, garante Gilson Reis, diretor-executivo da Central Única dos Trabalhadores (CUT). “Esse é o nosso programa de governo e será nossa referência, independente de quem seja o presidente em 2007”, diz. “Qualquer um que faça menos do que está no documento, nos levará para mobilizações na rua.” Reis admite que a postura dos

Em documento, movimentos sociais pedem mudanças na política econômica, investimento na educação e reforma agrária

movimentos, este ano, deve ser diferente da disputa presidencial anterior. “A campanha de 2002 foi totalmente despolitizada, na linha ‘paz e amor’. Não queremos que este ano fique só na questão Lula contra anti-Lula, sem mostrar qual a diferença essencial entre os dois candidatos”, analisa ele, referindo-se ao candidato do PSDB, Geraldo Alckmin. “Dar nitidez às diferenças que existem” entre os dois principais candidatos também é uma das preocupações de Gustavo Petta, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Mas destaca

que isso não representa uma adesão formal. Petta lembra que, no Conselho Nacional de Entidades de Base (Coneb) da UNE, realizado entre 13 e 16 de abril, a organização estudantil decidiu não apoiar nenhum candidato no primeiro turno. A postura deve ser seguida pela CUT, em seu congresso anual, no próximo junho, segundo Reis. Essa é a mesma preocupação de João Paulo Rodrigues, um dos coordenadores nacionais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “A CMS tem de ter autonomia política para tocar esse debate”, defendeu, durante a plenária.

MST cobra investigação sobre agressão policial

Cássia Bechara de Recife (PE) O grito de guerra “Te cuida imperialista, a América Latina vai ser toda socialista”, marcou a participação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no II Fórum Social Brasileiro. Na primeira noite do Fórum, uma mística representando a unidade latino-americana abriu o debate em torno do tema “América Latina, desafios de uma pátria livre”. No Teatro do Parque – o maior teatro do Recife –, lotado, a pesquisadora e militante latino-americana Marta Harnecker e o boliviano Francisco Quisbert discutiram sobre a atual conjuntura da América Latina e dos movimentos sociais no continente. Francisco Quisbert, da Coordenadoria Nacional de Defesa da Água, dos Serviços Básicos, do Meio Ambiente e da Vida, falou da importância dos movimentos sociais na Bolívia para garantir a vitória de Evo Morales. Quisbert também alerta para a necessidade de os movimentos sociais manterem sua autonomia e independência, mesmo com governos progressistas.

Amorim, do MST, atingido pelos disparos

Segundo Bogo, a ética é uma construção de valores. “Nossa ética está em construção. Ela não impõe, ela orienta.” Para ele, o que ameaça a ética de um militante são práticas como o sectarismo, o personalismo, a auto-suficiência, o burocratismo e o interesse por cargos. Barros acrescentou que o principal da ética militante é unir o discurso à prática. “Começar na vida, em casa, o que se cobra dos outros”.

“Pela primeira vez a Bolívia esta fazendo, contando e construindo sua história”, diz Quisbert, que enfatiza a importância da unidade latino-americana para vencer o neoliberalismo. “O FMI quer derrotar as organizações camponesas, mas se estamos unidos, eles não conseguirão. Confiamos muito no Brasil para criar uma unidade latino-americana”. Marta Harnecker, pesquisadora chilena, que viveu anos em Cuba e na Venezuela, apresentou um panorama geral sobre a situação política no continente. Segundo ela, quando Chávez ganhou as eleições da Venezuela pela primeira vez, em 1998, ele estava sozinho na luta contra o neoliberalismo. Mas com as seguidas vitórias de governos progressistas no Chile, Brasil, Argentina, Uruguai e Bolívia, a partir de 2000, esse panorama mudou. “Não são todos como Chávez”, diz Marta, “mas todos ganharam com propostas antineoliberais”. Para Marta, o triunfo de Evo Morales na Bolívia é motivo de orgulho para toda a América Latina. “Evo é fruto do passado de lutas do povo boliviano.” “Na década de 70

nenhum movimento ou partido de esquerda na Bolívia havia levado em conta os camponeses e indígenas. O MST tem contribuído muito para levantar a bandeira da luta camponesa na América Latina”.

GOVERNO POPULAR Segundo ela, a América Latina está mostrando, com a Venezuela e a Bolívia, como é importante ter governos populares no poder, e que a relação desses governos com os movimentos sociais é que irá trazer a mudança para o continente. “A Venezuela não possuía movimentos sociais fortes, mas Chávez entendeu que só podia construir uma sociedade diferente com o povo organizado e protagonista dessa mudança.” Foi a partir desse entendimento que Chávez criou instâncias de participação popular direta como os Conselhos Comunitários e o modelo de participação na gestão das empresas. Para Marta, é preciso construir instrumentos políticos que integrem as forças dos movimentos sociais. “A arte da política revolucionária é fazer possível, no futuro, o que parece impossível hoje”.

João Zinclar

Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Pernambuco. Eles irão entregar a arma à Polícia Militar pernambucana. Também se comprometeram a registrar o caso no Ministério Público Estadual, para que seja investigado. “Nossas armas para a conquista da reforma agrária são a perseverança e o sonho”, disse Alexandre Conceição, da coordenação estadual do MST, durante o ato de entrega. Um grupo de crianças “sem-terrinha” soltou cinco pombas e distribuiu rosas brancas. Em uma cesta fechada, entregaram a arma aos deputados e à organização. (DM)

Ética militante contra a corrupção Em meio a tantas denúncias de corrupção em Brasília, uma reflexão sobre ética militante se torna cada vez mais necessária e urgente. E foi esse o tema do debate que aconteceu no segundo dia do Fórum, com o escritor e militante do MST, Ademar Bogo, e o monge beneditino e também escritor, Marcelo Barros. O debate lançou reflexões importantes sobre o conceito de ética na militância e os desafios em mantê-la num universo de desânimos, cansaços e derrotas.

Governo progressista, só com participação

João Zinclar

Em um ato público, dia 22, as entidades organizadoras do Fórum Social Brasileiro (FSB) devolveram a arma perdida por um policial militar durante o conflito que deixou quatro feridos na marcha de abertura, dia 20. A assessoria de comunicação da Polícia Militar declarou à Agência Brasil que os policiais buscavam um assaltante que teria se infiltrado na multidão. A presença dos policiais em meio à marcha gerou conflito com os militantes. Um dos policiais sacou da arma e disparou várias vezes contra o ar. Acabou sofrendo uma tentativa de linchamento. O resultado foi quatro feridos: dois policiais e dois integrantes do MST. Um deles, o coordenador estadual Jaime Amorim, teve o polegar da mão direita ferido por um dos disparos do policial. A pistola foi apresentada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) por “um militante do movimento urbano” que não quis se identificar, segundo a coordenação estadual do movimento. O MST, junto com outras entidades organizadoras do II FSB, fez uma entrega pública da arma à organização de direitos humanos Terra de Direitos e aos deputados da Comissão de

O centro das reivindicações do documento é uma mudança da política econômica, mas também são colocados no topo da lista temas como a democratização do Estado brasileiro, com ampliação das formas de participação dos movimentos na democracia, a democratização dos meios de comunicação e o desenvolvimento da infra-estrutura do país. O documento também pede o fortalecimento das políticas públicas de saúde e educação, a reforma urbana e a reforma agrária. Em junho, a CMS deve convocar um ato político, em Brasília ou São Paulo, para difundir a carta aprovada durante o fórum.

“Temos de trabalhar com outra lógica, que não seja a eleitoral”, defende José Antonio Moroni, diretor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em um dos debates do II FSB. Segundo ele, a postura dos partidos de esquerda durante as campanhas é de “não-debate”. “Nosso projeto político depende do conflito”, avaliou. “Esse não-conflito gera uma situação que pende a balança da correlação de forças para o lado dos conservadores”, lamenta Moroni. “O mínimo que esperamos de qualquer governo de esquerda é que desequilibre essa correlação de forças, porque então acontece o conflito, e é aí que nós entramos com nossas posições”, defendeu. Para Moroni, essa nova postura diante da disputa eleitoral representa uma mudança de pensamento profunda. “Antes, toda a estratégia da esquerda era pensada em função de tomar o Estado e, de lá, mudar a sociedade. Agora começamos a pensar as mudanças já nos espaços em que estamos, para que daqui elas alterem o Estado”. A opinião é compartilhada do outro lado da trincheira. “Sem pressão, nada aconteceria no governo”, admite Grazia de Grazia, assessora de Relações Comunitárias do Ministério da Saúde. “É óbvio que o governo vive de conflitos, não se muda 500 anos de um modo de governar em apenas três anos”, pondera Pedro Ivo, coordenador do Conselho Nacional de Meio Ambiente. “Há uma visão de Estado autoritário e não-democrático que pesa, pela inércia”.

Em ato durante o fórum, integrantes do MST celebram a resistência ao neoliberalismo


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NACIONAL SAÚDE

Pobres carecem de atendimento

Fatos em foco

Baixos salários e medo da violência afastam profissionais da periferia

Esperança brasileira Nos mais diferentes setores políticos e segmentos sociais é possível constatar um grande desalento com as várias candidaturas presidenciais colocadas até o momento. A falta de entusiasmo está também nas próprias fileiras de cada candidatura. Parece claro que está faltando no cenário uma proposta de governo que atenda aos interesses do povo brasileiro e que seja diferente da mesmice neoliberal. O melhor candidato ainda não apareceu!

Arquivo Brasil de Fato

Hamilton Octavio de Souza

Bomba retardada A força-tarefa do Ministério Público e da Polícia Federal que investiga o escândalo do Banestado já tem em mãos informações preciosas sobre cinco mil contas abertas no exterior, por empresários e políticos brasileiros, especialmente em um banco de Nova York, nos Estados Unidos. A revelação desses dados apenas confirma que o relator da CPI do Banestado, deputado José Mentor (PT-SP), procurou esconder o escândalo para a sociedade brasileira. Por que será? Presente presidencial Qualquer cidadão brasileiro que esteja empregado ou faça aplicações financeiras é obrigado a recolher impostos sobre os seus ganhos. O especulador estrangeiro (e o brasileiro que faz remessa ao exterior para especular como se fosse estrangeiro) está lucrando uma boa grana, em pouco tempo, com os títulos brasileiros, sem recolher um níquel de imposto no Brasil. Isso sim que é transferência de renda presenteada pelo governo Lula. Propaganda enganosa Em tempos eleitorais e de propaganda abundante das proezas governamentais, está faltando registrar que a reforma agrária está completamente estagnada, o programa de geração de empregos para jovens não avançou um milímetro, o achatamento salarial continua empobrecendo a classe média, o número de sem-teto aumenta a cada ano e a subnutrição no Brasil ainda é três vezes maior que a média mundial. E os sindicatos estão calados. Mamata histórica Os paus-mandados do latifúndio e do agronegócio estão fazendo grande orquestação na mídia empresarial para arrancar do governo Lula alguns bilhões em verbas públicas. A choradeira dos grandes proprietários rurais é a mesma de sempre, só que agora a culpa não é de São Pedro, mas da valorização do câmbio – já que a preocupação deles é apenas com as atividades de exportação e com o mercado do dólar. Alimento barato nem passa pela cabeça desses lobistas. Ação articulada Sintonizada com a imprensa conservadora da Bolívia e de outros países latino-americanos, a imprensa empresarial brasileira está pegando pesado no pé do novo presidente boliviano, Evo Morales, especialmente porque ele passou a fiscalizar a exploração dos recursos naturais daquele país por empresas estrangeiras. A gritaria revela que Morales atingiu o fígado das elites dominantes e que os capitalistas do mundo atuam unidos. Confusão eleitoral Anthony Garotinho está enrolado com o PMDB e com as primeiras denúncias contra ele. Geraldo Alckmin está enrolado com o PSDB e com o PFL e está com dificuldade para explicar os gastos de publicidade de seu governo. Lula está enrolado com as CPIs e com as investigações que enrolam o seu o governo e o PT. Está difícil encontrar no quadro eleitoral alguma candidatura desenrolada e um candidato que esteja limpo na praça. O Brasil merece?

Falta de segurança está entre as principais justificativas dos profissionais da saúde para se recusar a trabalhar na periferia das grandes cidades

Eduardo Sales de Lima de São Paulo (SP)

U

m relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou, no início deste mês, que o número de médicos e demais profissionais da saúde, no Brasil, é compatível com a demanda da população. Porém, a má distribuição dos profissionais, sobretudo na periferia das grandes capitais e no interior do país, é alarmante. A média do país é de um médico para 622 habitantes, com picos no Rio de Janeiro (1 para 302) e no Distrito Federal (1 para 309) . A OMS aponta como parâmetro ideal um médico para cada mil habitantes. Na cidade de São Paulo, há um médico para cada 263 pessoas, proporção mais que suficiente. Nas cidades periféricas da Grande São Paulo, no entanto, os números assustam. Osasco tem um médico para cada 1.863 habitantes; Mogi das Cruzes, um para 1.484; Francisco Morato tem um médico para 2.939 habitantes. Ou seja, uma demanda altíssima. A disparidade entre o atendimento no centro urbano e na periferia paulistana pode ser explicada, em parte, por uma realidade constatada por uma pesquisa realizada pelo Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp): 41% dos profissionais que atuam na capital paulista já sofreram algum tipo de violência no ambiente de trabalho. Segundo o Ministério da Saúde, a falta de segurança está entre as principais justificativas dos profissionais que se recusam a ir para as periferias de grandes cidades. O Simesp aponta, além do medo da violência, fatores como a baixa remuneração, o difícil acesso e a falta de estruturas modernas como motivos da existência de vagas ociosas na periferia. Para se ter uma idéia da carência nessas áreas, em 2004, de 310 vagas disponíveis na Zona Leste, apenas 120 foram preenchidas em concursos. Na Zona Sul, havia 134 médicos atuando nas UBS (Unidades Básicas de Saúde) e mais 131 vagas disponíveis. Resultado: filas intermináveis de pacientes e consultas-relâmpago.

DESAMPARO Adriana Teixeira, de 39 anos, levou o filho, que estava com o punho esquerdo inchado, ao Hospital Geral de São Mateus. Disseram que o médico chegaria às 14h e ficaria até as 19h, mas ela espe-

rou em vão. “É ‘safadeza’ isso aí (sic). O menino quebrou o punho e está doendo, e não tem médico. É certo o médico voltar, atender três pessoas e ir embora?”, questiona a dona-de-casa. No final da tarde do dia 19 de abril, havia trinta pessoas à espera de atendimento no pronto socorro do hospital – a maioria crianças com problemas respiratórios. Duas horas se passaram e nenhuma foi chamada. Alguns usuários relatavam as constantes discussões com os seguranças ou outros funcionários pela demora ou pela falta de médicos. Mesmo com a realização de vários concursos públicos, a gestão anterior do município de São Paulo não conseguiu preencher as vagas para médicos no subúrbio. Houve gratificações de até 50% sobre o salário, de acordo com o grau de dificuldade para atender a região. O incentivo foi insuficiente para convencer os profissionais a se deslocar para unidades superlotadas, algumas sucateadas, localizadas em bairros populosos. No início deste mês, o governo estadual abriu inscrições para o preenchimento de 377 vagas em hospitais da grande São Paulo e da Capital. No hospital de Heliópolis, por exemplo, há 25 vagas em diversas especialidades. O salário oferecido a um pneumologista é de R$ 1.800, mais incentivos de até R$ 1.000. O presidente do Simesp, Cid Carvalhaes, acha que os governos oferecem salários “aviltantes”. “Vamos imaginar que fosse um salário de R$ 10 mil. Os hospitais estariam lotados de médicos”, enfatiza Carvalhaes. Para ele, a motivação dos profissionais passa por planos de carreira mais atraentes e instalações melhor equipadas. O dirigente sindical acha que o governo ilude a população ao dizer que os médicos não preenchem as vagas na periferia porque têm medo: “Se o salário é ínfimo, os médicos também serão”.

VIOLÊNCIA E ALTA DEMANDA “Um rapaz me agrediu por eu ter demorado para atender a sua esposa grávida. Mas não parecia criminoso. Havia poucos funcionários e a estrutura era falha. Não há suporte na área de equipamento. Vários médicos, após três plantões, já haviam desistido”, revela G.L., ex-enfermeiro que após quatro meses desligou-se do Hospital Geral de São Mateus por falta de segurança.

O enfermeiro trabalhou no bairro durante quatro meses e optou por exercer sua profissão apenas em hospitais privados. “Parece que no hospital público as pessoas são contaminadas pelo estresse do usuário. Você espera durante cinco horas para ser atendido e se torna violento. O Estado precisa aumentar o quadro”, conclui o enfermeiro. A enfermeira L. S., que trabalha no hospital há cinco anos, considera a população “um pouco agressiva”, o que, em sua opinião, levaria muitos médicos a pedir as contas. No entanto, ela acha o número de funcionários razoável: “O problema é que às vezes alguns médicos tratam as pessoas com descaso”. Os casos de violência que envolvem criminosos dentro dos hospitais não são tão freqüentes. Porém, em julho do ano passado, cerca de cinco homens renderam seguranças, médicos e enfermei-

ros em uma tentativa de resgate de presos em atendimento. Houve tiroteio. Três pessoas ficaram feridas. Não bastasse a violência, a sobrecarga de trabalho é muito grande. Em 2004, na Cidade Tiradentes, Zona Leste, a UBS Castro Alves tinha uma equipe de 13 médicos para atender mais de 20 mil habitantes. A UBS Cidade Tiradentes tinha dez médicos para atender 15 mil habitantes. O curioso é que, em um dos últimos investimentos do Estado na área da saúde, os hospitais distantes do centro e que contavam com as maiores demandas de atendimento receberam os menores investimentos: Franco da Rocha recebeu R$ 331 mil; Guaianases, R$ 528 mil; São Mateus, R$ 381 mil; Heliópolis, R$ 452 mil. Enquanto isso, o Pérola Byinton (região Central) recebeu R$ 2 milhões e o Dante Pazzanese (Ibirapuera), R$ 1,5 milhão.

MINERAÇÃO

Mais de 400 explorações em áreas proibidas Natália Suzuki de São Paulo (SP) Parte das atividades de mineração na Amazônia brasileira deveria ser cancelada, pois está sendo realizada em áreas proibidas pela legislação ambiental do país. Uma pesquisa da ONG Instituto Socioambiental (ISA), divulgada recentemente, apontou 406 processos de pesquisa ou exploração de mineradoras em unidades de conservação de proteção integral ou reservas extrativistas federais e estaduais. Nessas áreas, a exploração mineral é expressamente proibida, o que torna os títulos de concessão para essa atividade passíveis de cancelamento. De acordo com os estudos do ISA, publicados no livro Mineração em Unidades de Conservação, o ritmo das atividades de mineração na Amazônia praticamente dobrou nos últimos doze anos. Em 1994, eram quase 22 mil processos de mineração, sendo 1.377 incidentes em Unidades de Conservação federais. Em janeiro de 2006, o número de processos havia subido para 40 mil. Desse total, 5.283 estão em UCs federais e 880 em estaduais.

Algumas categorias de Unidade de Conservação como, por exemplo, as de uso sustentável, admitem a exploração mineral desde que sejam seguidos alguns critérios para minimizar seus impactos. Entretanto, nenhuma área em que a mineração é permitida está livre do alto impacto ambiental. Entre os maiores problemas estão a emissão de resíduos gasosos, líquidos e sólidos, poluição sonora, tráfego de veículos de grande porte, depósito de rejeitos, desmatamento e interferência na fauna e em populações locais. André Lima, advogado do ISA, acredita que o crescimento da mineração na Amazônia tem a ver com o esforço de regulamentação dessa atividade realizado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Muitos processos de exploração, segundo ele, não eram contabilizados até então por não estarem oficializados. Já a ampliação da atividade dentro das UCs pode ser explicada pelo fato de que várias delas foram criadas nos últimos dez anos, ocasionando os conflitos legislativos. (Agência Carta Maior, www.cartamaior.com.br)


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NACIONAL PETRÓLEO

O outro lado da auto-suficiência Luís Brasilino da Redação

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or si só, não há como negar, a auto-suficiência em petróleo é uma conquista do Brasil a ser comemorada. No dia 21 de abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou a produção de petróleo da plataforma P-50. Com isso, pela primeira vez na história, a produção brasileira do óleo (1,92 milhão de barris por dia) superou a demanda interna (estimada em 1,8 milhão de barris por dia). Num munBarril – Unidade de medida de petródo repleto de leo líquido, igual a enfrentamentos 159,2 litros causados pela disputa do petróleo – tais como as invasões do Afeganistão e do Iraque por militares estadunidenses e os conflitos na Chechênia envolvendo os russos –, esse feito confere ao Brasil garantias de que não será afetado por turbulências no mercado internacional. Além disso, imediatamente a auto-suficiência retira um peso da balança comercial brasileira, já que agora o país passa a arrecadar dólares com a exportação do petróleo. Mas é exatamente aqui o calcanhar-de-aquiles das festividades. Para o economista Carlos Lessa, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o petróleo é uma variável estratégica em relação ao futuro de quem Commodity – Matéria-prima bruta ou o produz, não semimanufaturada é uma commodestinada ao codity. “Nos últimércio exterior mos dez anos, a curva de consumo está bem acima da curva de descoberta de novas reservas. A tendência mundial é de escassez crescente”, prevê o ex-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No entanto, para José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras, a produção de petróleo, ao contrário do consumo interno, cresce em saltos e não pode ser ajustada conforme a demanda. “Na medida em que a P-50 está entrando em operação, nós vamos ter também aumentada a produção que, quando no pico, será de 180 mil barris. E quando a P-34 entrar

Ricardo Stuckert/PR

Produção de petróleo supera demanda interna e possibilita a exportação de um recurso finito e estratégico

Presidente Lula molha as mãos com petróleo extraído da Plataforma-P50, na Bacia de Campos (RJ), símbolo da conquista da auto-suficiência brasileira

em operação serão mais 60 mil barris/dia. Golfinho agregará mais 100 mil; Piranema mais 20 mil”, explica Gabrielli em entrevista à Radiobrás. Ocorre que o país não tem estrutura para refinar esse excedente. Porém, o presidente da Petrobras conta que estão sendo construídas duas refinarias, uma em Pernambuco e outra no Rio de Janeiro, com capacidade para refinar juntas 350 mil barris/dia de óleo pesado. “Estas instalações só começarão a operar em 2011. Até lá, nós teremos excedentes exportáveis bastante grandes. Não há alternativa”, completa Gabrielli.

cifra possa subir para 20 bilhões (estimativa de descobertas). Hoje, a produção é de 1,92 milhão de barris diários, ou 700,8 milhões de barris ao ano. Num prognóstico absurdo, em que a produção não cresce, as reservas brasileiras se esgotariam em cerca de 30 anos. A previsão para 2010, no entanto, é que o Brasil produza 1,2 bilhão de barris por ano. Nesse caso, as reservas acabam antes de 2022. Fernando Siqueira, diretor de comunicação da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), assegura que esse prazo é insuficiente para o país preparar um substituto ao petróleo como principal fonte energética. Assim, as vantagens obtidas na balança comercial durante os 10 anos de auto-suficiência virarão prejuízo num período mais curto de tempo. O que agrava a situação é que o preço do petróleo sobe vertiginosamente. Em 1999, o barril custava 13 dólares. Até 2003, o preço mais que dobrou, chegando perto dos 30 dólares. Um ano depois, o barril valia cerca de 45

PREJUÍZOS NO FUTURO As estimativas da Petrobras indicam que a auto-suficiência deve durar por aproximadamente dez anos. Depois, o Brasil voltará a importar. Com o tempo, a situação pode se agravar caso o país fique sem petróleo. Atualmente, as reservas brasileiras oficialmente comprovadas são de 13 bilhões de barris e calcula-se que essa

dólares e, em 2005, manteve-se na casa dos 60 dólares. Em 25 de abril, o barril foi negociado a 72,88 dólares na Bolsa Mercantil de Nova York, após sofrer uma baixa de 0,61%. O geólogo estadunidense Colin Campbell, fundador da Associação para Estudo do Pico de Petróleo e Gás (ASPO, na sigla em inglês), prevê que a produção de petróleo atingirá seu máximo entre 2008 e 2010. A partir de então, a oferta cairá de forma inexorável até o esgotamento total do insumo. O IXIS, um banco de investimento do grupo francês Caisse d`Épargne, projeta que, em 2015, a demanda mundial vai estar em 110 milhões de barris diários para uma oferta de 98 milhões. Com isso, a previsão é que o preço do barril suba a 380 dólares.

BEM OU MAL? Com a auto-suficiência, o Brasil vai exportar petróleo a 70 dólares o barril por cerca de dez anos e comprá-lo de volta a um preço que, seguramente, será muito

maior, já que o recurso é cada vez mais escasso. Fernando Siqueira define a auto-suficiência como um bem que vem para o mal. “Com ela, o excedente tem que ser exportado. Se o Brasil tivesse uma administração estratégica pensando em médio e longo prazo, economizaria petróleo e passaria a investir maciçamente em fontes de energia alternativa. Até porque temos o maior potencial do planeta, o binômio mágico sol e água. Infelizmente, o governo Lula não faz nada na questão da biomassa, da energia eólica e na captação de energia solar”, critica Siqueira. Para o dirigente da Aepet, o Brasil deveria guardar seu petróleo para exportar daqui a dez anos, quando o barril estiver valendo talvez três vezes mais. “Já imaginou o que é isso para a economia brasileira? Porém, somos submetidos a uma visão absurda do governo que só está preocupado em reforçar a gestão. Quer sair como um bom administrador, que gerou lucro, mas não pensa no país”, afirma.

Somos donos da Petrobras? Não completamente ção dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), dá uma solução simples para isso não acontecer. “Basta proibir as empresas de comprar e exportar os derivados de petróleo, como faz a Venezuela”, indica. Hoje, encher o tanque de gasolina no país andino custa cerca de 2 dólares. No Brasil, isso não basta para comprar nem dois litros.

preço dos derivados (gasolina, por exemplo) não cai.

Renato Pinheiro/Divulgação Petrobrás

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está radiante com a autosuficiência brasileira em petróleo. Não é para menos, no ano em que vai tentar sua reeleição, o Brasil atinge uma marca histórica, fruto de um esforço de gerações que começou em 1953, quando o então presidente Getúlio Vargas sancionou a Lei 2004 criando a Petrobras. No dia 24 de abril, Lula declarou o seguinte no programa de rádio oficial Café com o Presidente: “a auto-suficiência significa agora que somos donos do nosso nariz”. Em entrevista à Radiobrás, José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras, explica na prática o que Lula quis dizer. Segundo ele, a auto-suficiência permite uma administração mais tranqüila das flutuações do mercado externo de petróleo nos preços domésticos. “Poderemos adequar melhor ao mercado brasileiro estas altas do mercado internacional. Agora, é preciso que uma coisa fique clara: não poderemos, enquanto tivermos um mercado aberto no Brasil, manter os preços indefinidamente descolados dos preços internacionais”, esclareceu. Para ele, se os derivados forem vendidos a um preço muito inferior ao internacional, haveria empresas comprando o produto internamente para exportá-lo. Fernando Siqueira, da Associa-

MERCADO FINANCEIRO

INTERESSES PRIVADOS Siqueira qualifica a justificativa de Gabrielli como uma desculpa esfarrapada. Os preços dos derivados não podem ser reduzidos significativamente porque, em 1999, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acabou com a Lei 2004, de Getúlio, e permitiu a venda de ações da Petrobras para estrangeiros. Em resumo: somos donos do nosso nariz, mas não da Petrobras. Em 1999, Henri Philipe Reischtul, então presidente da Petrobras, vendeu 40% das ações preferenciais (sem direito ao voto, apenas à distribuição do lucro) na Bolsa de Nova York. Somadas às vendas que aconteceram no mercado interno, no balanço da estatal de 2005, 49,5% das ações já estavam nos Estados Unidos. Com a União, restam apenas 37%. O resto está com acionistas nacionais. “Esse acionista quer lucro, não quer saber de estratégia nacional,

Getúlio Vargas, com as mão sujas de petróleo, em ato de criação da Petrobras

e não aceita que o Brasil venda seus derivados a um preço menor do que no mercado internacional. A pressão é dos acionistas”, acusa Siqueira. O governo ainda possui a maioria das ações ordinárias

(aquelas que têm direito a voto) e poderia atropelar os interesses privados. Para Siqueira, contudo, os governantes não têm cacife político para usar seu poder e peitar esses interesses. Por isso, o

Do lucro da Petrobras, uma parte é reinvestida na empresa. O resto fica com os acionistas. Dessas ações, 63% estão nas mãos de investidores do mercado financeiro. As demais, são da União. “O que o governo faz com esse dividendo é reforçar o superávit fiscal primário (economia para pagar juros da dívida), o que impede o crescimento do país”, explica o economista Carlos Lessa, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Isso significa que a parte dos dividendos da Petrobras que não vai para os acionistas chega ao mercado financeiro por meio do superávit primário. Ora, então o que resta do caráter estatal da Petrobras? A essa questão, Lessa respondeu que em tese a empresa funciona como uma estatal, mas na prática não. “Hoje, é uma empresa petroleira mundial na medida em que investe na Nigéria para procurar petróleo e, por outro lado, deixa as transnacionais virem ao Brasil para explorar petróleo. Essa foi a orientação do governo Fernando Henrique e que se mantém no de Lula”, critica Lessa. (LB)


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De 27 de abril a 3 de maio de 2006

NACIONAL ENTREVISTA

América Latina tem nova elite no poder Igor Felippe Santos de São Paulo (SP)

O

quadro político latinoamericano passou por importantes mudanças, nos últimos dez anos. Foram eleitos presidentes diferentes da geração anterior, que instalou as políticas neoliberais por toda a região. Apesar disso, a América Latina caminha em um sentido desconhecido, sem precedentes na história, com uma nova elite dirigente no poder, que precisa atuar em bloco para garantir a auto-sustentação. “Nós temos governantes que se entendem muito bem e sabem que repentinamente a América Latina passou a interessar aos Estados Unidos, porque é uma fonte de recursos estratégicos de valor incomensurável, como recursos hídricos, biodiversidade, gás, petróleo, minérios, terras agricultáveis e insolação o ano inteiro”, acredita o filósofo Paulo Arantes. Como os Estados Unidos não têm interesse em conflagrar as forças políticas da região, é necessários entrar em entendimento com o bloco, que, por sua vez, tem interesse em negociar em condições vantajosas à sua associação para a extração dos recursos estratégicos para permanecer no poder. “O que eu vejo nessa famosa América Latina que teria dado uma guinada para a esquerda é a consolidação de uma nova classe dirigente com apoio popular para extrair riqueza, renda e recursos da sociedade em outras bases. De um ponto de vista socialista e de esquerda, isso não tem nada a ver”, explica. Brasil de Fato – Como os Estados Unidos se posicionam diante da América Latina? Paulo Arantes – Os Estados Unidos negligenciaram por um bom período de tempo a América Latina. A região não interessava, não tinha relevância geopolítica e as crises estavam em outros lugares. Portanto, um controle à distância nos momentos de crise, como eles sempre fizeram, numa área considerada como “pátio”, era suficiente – como na última grande crise, na Nicarágua, onde o problema foi resolvido de maneira bárbara. Atualmente, há um antagonista visível, pelo menos do ponto de vista retórico, que é o presidente da Venezuela (Hugo Chávez), o qual tentaram derrubar de maneira inepta. Por outro lado, os Estados Unidos não têm relações tão ruins com a Venezuela. São ruins do ponto de vista retórico. Precisam de Chávez para ter um antagonista e Chávez precisa do “Mister Danger” (referência ao presidente estadunidense George W. Bush) para mobilizar as massas. Há um certo proveito mútuo. A oposição conservadora venezuelana é nula. Foi derrotada em todos os sentidos. Tanto no golpe falido, como nos plebiscitos e eleições. BF – Na última década, como caminhou a conjuntura política na região? Arantes – O cenário da América Latina variou muito nos últimos anos, mas não mudou nada. Não se pode dizer que a região nos anos 1990, com a hegemonia neoliberal stricto sensu, no Chile, Argentina, Peru, Venezuela, Brasil e assim por diante, seja a mesma coisa de agora. Mudou em termos. Criou-se um padrão político curioso: governos que, mesmo cumprindo a cartilha neoliberal, se deslegitimam diante de suas populações. Os países do altiplano – como Bolívia, Peru e Equador – são alvo não muito consolidados de insurreições de caráter indígena,

Marcello Casal Jr/ABr

Para filósofo, grupo se sustenta por lideranças carismáticas e na negociação de recursos naturais estratégicos

Presidente Lula durante encontro com os presidentes, Néstor Kirchner (D), da Argentina, e Hugo Chávez (E) da Venezuela

com o bloqueio na circulação de mercadorias. É uma reação a situações calamitosas do ponto de vista econômico e social. Estamos sempre num limiar de ruptura, mas não representam alternativas de poder consolidadas.

Criou-se um padrão político curioso: governos que, mesmo cumprindo a cartilha neoliberal, se deslegitimam diante de suas populações BF – Por que o presidente Chávez é perseguido pelos estadunidenses? Arantes – Chávez não expropriou um hectare de terra na Venezuela. Não quebrou um contrato. Mesmo assim, é demonizado pelos Estados Unidos como desestabilizador do continente. Um mistério total: por que ele desestabiliza o continente? Ele faz bons negócios pelo continente, tem parceiras com a Petrobras, compra títulos da dívida da Argentina, deseja entrar no negócio do gás boliviano, quer construir um oleoduto na América Latina... O que isso tem de subversivo? É um chefe de Estado na região que age em conjunto, sabiamente se associa, não fustiga e sustenta todos os seus parceiros, inclusive o Uribe na Colômbia. Consolida sua luta interna contra a direita por meio de uma política muito bem conduzida na América Latina, que está baseada na renda do petróleo, redirecionada para programas de mobilização popular. Faz um programa social, com o qual contorna um aparelho de Estado inexistente e, ao mesmo tempo, mobiliza a população que ele assiste. Sem o poder convocatório dele – que é carismático e legítimo, mas um poder convocatório –, a população não vai nem votar, como aconteceu nas eleições legislativas. É preciso que ele diga o seguinte: estou sendo acossado, cercado e sabotado e preciso de vocês. Aí a população apóia em massa. BF – Para onde caminha a América Latina? Arantes – A América Latina, que está no limiar de uma ruptura

de centro-esquerda, apresenta características completamente anômalas, pensadas da década de 1990, de total hegemonia neoliberal. Está sendo construída sob nossos olhos uma nova hegemonia, que não é mais neoliberal stricto sensu. Mas, por outro lado, a ortodoxia econômica foi mantida da Patagônia a Caracas. A política econômica do Chávez não é heterodoxa. Cumpre rigorosamente seus compromissos internacionais e não tem interesse em rompimentos. Para que abrir um novo front? Se ele quisesse, poderia zerar a dívida venezuelana, mas isso não interessa. Estamos embarcando – porque a esquerda é órfã no Brasil, na Argentina, no Chile e assim por diante – com muita sede de aderir como uma espécie de consciência crítica, ou de fração de esquerda de um novo bloco hegemônico que está se consolidando na América Latina, cujo caráter nós não sabemos exatamente definir. Sabemos quem está se movimentando bem: Chávez e Néstor Kirchner. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estava se apresentando como protagonista, curiosamente, é figurante nesse jogo e exerce um poder moderador. BF – Qual o papel do Brasil nesse jogo? Arantes – É um bombeiro na América Latina. Nesse sentido, foi bom que no processo de desmantelo nacional o Brasil tenha sido o país que menos avançou, ainda no segundo mandato do Fernando Henrique Cardoso, quando as grandes privatizações se encerraram. Está havendo um novo arranjo no governo Lula, entre a alta finança, uma burguesia exportadora de commodities, produtos semi-industrializados de baixo valor agregado, mas que são itens da pauta internacional de comércio que ganharam valor estratégico. O Brasil é uma plataforma de valorização de ativos financeiros. Os lucros aqui são garantidos por uma economia industrial que se completou, mas não avança mais e regrediu a um plano quase primário exportador, que produz renda suficiente para remunerar capitais fictícios. Por outro lado, se o país for bem encaminhado do ponto de vista da sua diplomacia comercial, tem nichos onde pode prosperar como exportador desses recursos estratégicos hoje, do café ao petróleo.

BF – Qual o sentido dessa ruptura latino-americana? Arantes – Está se constituindo na América Latina um núcleo de governos mutuamente interessados em se estabilizarem como tal. Temos governantes que se entendem muito bem e sabem que repentinamente a América Latina passou a interessar aos Estados Unidos, porque é uma fonte de recursos estratégicos de valor incomensurável, como recursos hídricos, biodiversidade, gás, petróleo, minérios, terras agricultáveis e insolação o ano inteiro. São recursos que passaram a ser do maior interesse, sobre o qual estão assentados esses governantes. Não por acaso, do Kirchner ao Chávez, passando por Lula e Evo Morales (presidente da Bolívia)– mesmo que essa expressão seja pejorativa, temos que tentar especificar qual seu novo conteúdo histórico – são governos populistas.

Temos governantes que sabem que a América Latina é uma fonte de recursos estratégicos de valor incomensurável BF – O que isso significa no atual contexto político? Arantes – Chávez, Lula e Kirchner redescobriram que são fontes estratégicas de valorização do capital em plano mundial se funcionarem como um bloco, embora compitam entre si. Há uma competição e coordenação entre eles. Como não vão se tornar mais economias coerentes com um nível de crescimento capaz de reconstituir uma sociedade industrial, salarial-nacional clássica, como se prometia nos anos 1970, para se legitimarem, eles têm que se consolidar e negociar seu cacife interno, que é seu poder, por meio da incorporação de maneira populista das suas populações. Nós temos uma nova elite, que não sabemos o que é. No Brasil, passa por fundos de pensões, sindicatos, gestores públicos, banqueiros, agronegócio e a burguesia exportadora. A burguesia nacional de Estado deve entrar no cenário se as Parcerias Público-Privadas forem tocadas de maneira inteligente, mas quem vai ganhar são os bancos, que devem fazer os financiamentos.

BF – Quais as características dessa nova elite no poder da América Latina? Arantes – Há um novo bloco dominante em formação, no qual a população entra de maneira parecida ao populismo inicial de meio século atrás, por meio de programas assistenciais e compensatórios, consumo popular consignado – uma renda que se extrai de maneira permanente –, e por meio de um mecanismo de recondução desse bloco ao poder, chamado eleições, que não tem nenhum significado político e democrático. É puro marketing de líderes carismáticos. Esse bloco hegemônico está assentado sobre essa nova fonte de poder, que são os recursos estratégicos, que interessam aos estadunidenses. Essa guerra de recursos que se avizinha vai acontecer em todas as frentes, desde a frente financeira à frente militar de baixa intensidade, mas os Estados Unidos não têm interesse em conflagrar o subcontinente latino-americano. Já supervisionam por meio de bases, satélites e comandos militares. É suficiente. Por isso, é necessário que entrem em entendimento com esse bloco, que tem todo interesse em negociar em condições vantajosas a sua associação com os estadunidenses, barganhando – ou fingindo barganhar – alternativas com o Sudeste asiático ou com a União Européia. BF – É um mito a “esquerdização” da região? Arantes – O que eu vejo nessa famosa América Latina que teria dado uma guinada para a esquerda é a consolidação de uma nova classe dirigente com apoio popular para extrair riqueza, renda e recursos da sociedade em outras bases. De um ponto de vista socialista e de esquerda, isso não tem nada a ver. Mesmo em relação ao Chávez, que se beneficia da ambigüidade. Ele não foi obrigado ainda a decidir por nenhum lado e precisa de apoio externo e solidariedade latino-americana. Está havendo uma renegociação de grandes corporações, Estados Nacionais latino-americanos fragilizados, legitimados por meio de movimentos populares muito aleatórios, que carecem de líderes carismáticos e não são autônomos. Isso não tem similar no passado e, nitidamente, não é uma alternativa de esquerda clássica. É uma vinculação entre lideranças populistas mais ou mesmo estáveis, interessadas em explorar os recursos estratégicos dos seus respectivos territórios geográficos e econômicos de maneira a se perpetuar no poder.

Quem é Paulo Arantes é professor aposentado do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), autor de A Ordem do Tempo em Hegel (Hucitec) e Sentimento da Dialética (Paz e Terra).


Ano 4 • número 165 • De 27 de abril a 3 de maio de 2006 – 9

SEGUNDO CADERNO AMÉRICA LATINA

Ao lado de Chávez e Requião, movimentos sociais lançam manifesto em defesa da natureza e da diversidade Tatiana Merlino, de Curitiba, (PR)

habitação prevêem investimentos de 320 milhões de dólares. Somados às parcerias feitas pelos empresários, serão R$ 440 milhões em aliança bilateral. A maioria dos convênios fechados é na área de assistência técnica e transferência de tecnologia paranaense ao governo venezuelano. Por meio da Fundação para o Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (Fundacite), os Estados venezuelanos de Mérida e Lara vão investir 1,3 milhão de dólares em projetos de tecnologia, consultoria em engenharia de software e desenvolvimento de pesquisas na área de informática pública. Mais US$ 1,4 milhão serão usados pelo governo da Venezuela para criação de tecnologias livres de informação. “Queremos romper com as corporações que exercem uma verdadeira ditadura tecnológica”, explicou Chávez. Os governos também assinaram acordos na área de comunicação. A transmissão e produção de programas bilíngues entre a Rádio e TV Paraná Educativa e Nueva Televisión del Sur (Telesul) foram ampliadas por mais três anos.

modelo de desenvolvimento capitalista está destruindo o mundo. Se esse caminho não for mudado, não haverá vida nem futuro no planeta”, vaticinou o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Na platéia, 1,5 mil pessoas ocupavam o Teatro Guaíra, em Curitiba, Paraná, para assistir ao ato de lançamento do “Manifesto das Américas – Em defesa da natureza e da diversidade cultural”. Redigido pela Via Campesina e pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), o documento critica o modelo econômico dominante “que explora de forma ilimitada os recursos naturais e o ambiente em nome do crescimento econômico” e condena a introdução de organismos transgênicos e sementes terminator no continente americano. O texto também se opõe a tratados bilaterais e ao Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA). Chávez foi o primeiro presidente a assinar o manifesto que, de acordo com ele, “é um exemplo de confronto ideológico que busca interesses comuns a fim de não permitir a exploração irracional da natureza e dos povos”. Acompanhado do governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), com quem firmou acordos de cooperação, o presidente da Venezuela defendeu a criação de um projeto nacional latino-americano no qual os países da região atuariam juntos em uma revolução “não de armas, mas de idéias, contra o capitalismo, o imperialismo estadunidense e de defesa da construção de um caminho que leve os povos latinoamericanos à soberania”.

Lançado pela Via Campesina, o Manifesto das Américas critica a introdução de transgênicos no continente americano

A visita de Chávez é uma retribuição à visita que o governador Roberto Requião fez à Venezuela, acompanhado por empresários brasileiros, em novembro de 2005. O retorno da delegação an-

dina ao Paraná é a segunda etapa do processo chamado de Encontro Interregional pela Integração da Venezuela com o Paraná. Em Curitiba, o Encontro rendeu uma declaração conjunta que prega a

Carlos Ruggi

“O

Carlos Ruggi

Um novo modelo de desenvolvimento

ALBA

Um breve exemplo de comércio justo Javier Rodriguez de Havana (Cuba)

MAIS ADESÕES No Teatro Guaíra, Chávez teve ao seu lado, além do governador do Paraná, o integrante da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stedile, o bispo de Curitiba, dom Ladislau Biernaski e a cantora Beth Carvalho. Assinado inicialmente por 32 movimentos sociais, o documento agora será divulgado em todo o mundo para conseguir mais adesões. Além dos presentes na cerimônia, também assinaram o manifesto o lingüista Noam Chomsky, o prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, o escritor uruguaio Eduardo Galeano, a integrante das Madres de Plaza de Mayo (Argentina) Hebe de Bonafini, o teólogo Leonardo Boff e o bispo D. Pedro Casaldáliga. De acordo com Roberto Baggio, da direção nacional do MST, o ato foi uma conclamação às forças sociais e políticas brasileiras “no sentido de preservarmos a nossa biodiversidade e nossas sementes, para construirmos no continente um novo modelo econômico que preserve a soberania”. Para ele, a participação de Chávez no ato de lançamento do documento é muito importante para os movimentos sociais. “Ele tem sido uma liderança para os povos da América Latina em vários temas fundamentais, como na luta contra os transgênicos e pela soberania alimentar”.

ASSINATURA DE CONVÊNIOS O motivo da viagem de Chávez ao Paraná foi a assinatura de convênios com o governo do Estado. Os 15 acordos assinados em áreas como meio ambiente, agricultura, saneamento básico, educação e

integração como “uma ferramenta na luta pela erradicação da pobreza e da exclusão social e na busca por melhores condições de vida a seus povos”. (Colaboraram Dafne Melo e Igor Ojeda)

Como alternativa à Comunidade Andina, o presidente venezuelano Hugo Chávez aposta na entrada do país no Mercosul

Venezuela sai da Comunidade Andina A Venezuela não faz mais parte da Comunidade Andina de Nações (CAN). No dia 20 de abril, o presidente Hugo Chávez justificou a decisão de deixar o bloco – que reúne também Bolívia, Colômbia, Equador e Peru – por considerar fracassado seu modelo de integração. “A CAN foi morta pelo TLC (Tratado de Livre-Comércio)”, disse em coletiva à imprensa durante sua visita a Curitiba, Paraná. Para Chávez, o TLC assinado recentemente pelo presidente colombiano, Álvaro Uribe, com os Estados Unidos irá gerar uma concorrência desleal entre os produtos venezuelanos e os “produtos estadunidenses supersubsidiados” no mercado colombiano. “A Venezuela será um dos países mais impactados negativamente pelo TLC”, explicou. Chávez afirmou que respeita a autonomia da Colômbia, mas assinalou que o país vizinho “também precisa respeitar nossa decisão de sair da Comunidade”. Além de Uribe, o presidente do Peru, Alejandro Toledo, também assinou o TLC com George W. Bush, em uma decisão amplamente controversa, já que o país está em pleno processo eleitoral. Entre os dois presidenciáveis que vão disputar o segundo turno, Ollanta Humala (nacionalista) e Alan Gar-

cia (mais conservador), nenhum deu apoio ao acordo. Humala foi enfático e disse que não assinaria. Para ter validade, o TLC precisa ainda ser aprovado pelos parlamentos do Peru e da Colômbia. Chávez complementou que os tratados assinados tentam reviver a proposta da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), “que foi enterrada em Mar Del Plata”, disse, referindo-se à Cúpula das Américas, realizada na Argentina, em novembro de 2005.

UM NOVO MERCOSUL? Como alternativa, o presidente venezuelano passa a apostar na entrada do país no Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul), que deve ser “reformulado com base na solidariedade entre os povos e na complementaridade econômica”. No início do ano, a Venezuela se associou ao bloco integrado pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Chávez defendeu que o Mercosul precisa de um novo formato “porque nasceu no marco do neoliberalismo e tem práticas similares”. Para Chávez, é necessário que esta integração apresente uma alternativa à Alca, impulsionada pelos Estados Unidos. “Estou aqui no Paraná para isso. Estamos assinando estes acordos com este

objetivo. Estamos avançando e construindo a Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba) que põe ênfase na luta contra a pobreza e a exclusão social, e não aos interesses do capital transnacional”, disse Chávez (veja texto ao lado). Um dos projetos propostos para promover a integração da América do Sul é a execução do projeto “Gasoduto do Sul”. Trata-se de um megagasoduto que partiria da desembocadura do rio Orinoco (Venezuela), atravessando o coração da Amazônia, no Brasil, até chegar a Buenos Aires (Argentina), com o objetivo de transportar 150 milhões de metros cúbicos de gás venezuelano por dia para a Argentina, Brasil e, possivelmente, Uruguai. A obra, defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como a “maior dos próximos 50 anos”, consumirá recursos de até 17 bilhões de dólares, mas enfrenta críticas de movimentos ambientalistas. Organizações sociais brasileiras e venezuelanas entregaram, dia 19, uma carta aos presidentes Lula, Chávez e Néstor Kirchner (Argentina) chamando a atenção para os impactos na Amazônia. De acordo com as entidades, o projeto trará conseqüências ambientais desastrosas, atravessará áreas ecológicas importantes, comprometendo o futuro dos países. (TM)

Em 29 de abril, a assinatura dos 49 acordos entre Cuba e Venezuela, no âmbito da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), cumpriu o seu primeiro aniversário. Como previam os convênios acertados em 2005 por Hugo Chávez e Fidel Castro, Cuba isentou do pagamento de impostos os produtos adquiridos da Venezuela, enquanto Caracas concedeu descontos a 104 livros de origem cubana e de outros produtos vendidos pela ilha. Havana assinou, ainda, contratos de 414 milhões de dólares para comprar uma diversidade de mercadorias, desde alimentos até equipamentos mecânicos. Uma sucursal da estatal petrolífera venezuelana, a PDVSA, foi aberta na capital cubana. Os países negociaram também a criação de uma empresa mista para explorar petróleo e gás natural em território cubano.

SOLIDARIEDADE A Alba, no entanto, não se restringe aos aspectos comerciais. Desde abril, foi reforçada uma colaboração de caráter inédito entre as duas nações, que prevê a assistência cubana à Venezuela nos campos de saúde e educação. Especialistas cubanos assessoraram a criação de centenas de centros de diagnóstico integral, salas de reabilitação e fisioterapia e centros de alta tecnologia hospitalar para qualificar o sistema gratuito de saúde venezuelano. A Alba prevê, ainda, que em menos de uma década serão formados na Venezuela, com apoio de técnicos cubanos, 40 mil médicos e 5 mil especialistas em tecnologia da saúde. Outro acordo central da Alba é a decisão de Cuba de atender de forma gratuita, pela Operação Milagre, a 100 mil venezuelanos com enfermidades oftalmológicas, serviço posteriormente levado para outros países. (Prensa Latina, www.prensa-latina.com)


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De 27 de abril a 3 de maio de 2006

AMÉRICA LATINA BOLÍVIA

A libertação via recursos naturais Rosa Rojas La Paz (Bolívia)

Divulgação

Para Evo Morales, país só terá soberania se recuperar o controle sobre o gás natural e o petróleo

“S

e chegamos até aqui é para conseguir soberania”, bradou o presidente Evo Morales em uma sessão do Parlamento Indígena da América (PIA), no dia 20. Na ocasião, o principal político do Movimiento Al Socialismo (MAS) tratou de dois temas simbólicos para essa nova etapa que o país está vivendo, 90 dias após o início de seu governo: o visto negado pelos Estados Unidos ao vice-ministro de Serviços Básicos, René Orellana, e a empresa EBX (de Eike Batista, dono de siderurgicas, usinas e termelétricas no Brasil), que instalou uma filial (a MMX) na fronteira da Bolívia “ilegalmente”. Morales afirmou que, para o país andino se libertar, é preciso recuperar o controle sobre os recursos naturais. Acrescentou que a organização é fundamental “porque há conspirações” e mencionou o assunto de Orellana e que algumas empresas “talvez com subornos” conseguiram chegar à Bolívia sem respeitar as leis do país. A EBX fechou a fronteira com o Brasil na zona de Porto Juárez.

Segundo o presidente boliviano, algumas empresas, “talvez com suborno”, entraram no país sem respeitar suas leis

Na semana passada, um grupo de ministros do governo foi seqüestrado para exigir que a empresa colocasse em funcionamento os fornos construídos sem a devida

licença ambiental. O bloqueio das rodovias que fazem a ligação entre os dois países só foi levantado depois de um pedido do Comitê Cívico Pro Santa Cruz (organi-

zação controlada pela elite local que tenta obter autonomia para a região) que pretende abrir um canal de negociação com o governo federal. Morales afirmou

que a EBX só tem dois caminhos: “abandonar voluntariamente o país ou ser expulsa”. Em relação a Orellana, o presidente boliviano sustentou que não nomeará outra pessoa apenas para obter visto nos Estados Unidos e sentenciou: “ser honesto, estar com o povo é perder o visto estadunidense; lá só entra quem rouba a Bolívia, quem massacra o povo. Que contradição!”. Morales pediu, ainda, para o embaixador do país nos Estados Unidos que faça uma relação das personalidades do Parlamento e do governo que não foram autorizadas a entrar no país governado por George W. Bush. Em represália, prometeu fazer uma lista dos estadunidenses que não receberão vistos para viajar à Bolívia. O embaixador dos Estados Unidos, David Greenlee, tentou amenizar a discussão afirmando que a negativa a Orellana não obedeceu a “razões políticas”, mas sim a falhas técnicas, pois o vice-ministro teria solicitado tardiamente o visto. Mesmo assim, há dois meses, o governo Bush negou a autorização para que a senadora do MAS, Leonilda Zurita, entrasse no país.

TRANSNACIONAIS

Igor Ojeda da Redação Para o economista Raúl Ornelas, da Universidade Autônoma de México (Unam), o fato de na Europa existir regras mais severas de funcionamento das empresas serve como argumento para os governantes latino-americanos atraírem as transnacionais ao continente. No entanto, as companhias aproveitam “a falta de regulações por parte dos Estados de nossa região e começam a aplicar as mesmas estratégias de dumping social, salarial e Dumping – ambiental”. Ornemecanismo pelo qual a empresa las participou, envende produtos a tre os dias 24 e 26 preços inferiores de abril, em São aos do mercado para desbancar Paulo, do semináconcorrentes. rio internacional “Em busca de um novo ‘Eldorado’? As empresas transnacionais européias na América Latina. Impactos e Alternativas”, promovido pelo Instituto Rosa Luxemburg Stiftung e pela Aliança Social Continental (ASC). Brasil de Fato – Quais são as principais diferenças entre as transnacionais européias e as estadunidenses, especialmente em sua atuação na América Latina? Raúl Ornelas – Como organização interna, com o contexto social e político da Europa muito mais regulado, as empresas européias possuem maneiras distintas de funcionar. Por exemplo, na Alemanha, há certas regras que proíbem às empresas se endividarem além de um certo nível. Nos Estados Unidos, estas regras não existem. Na Europa, há uma série de normas que são cumpridas. Os argumentos que os governos de nossos países usam para justificar a entrada de empresas transnacionais européias é que elas são melhores sócias, mais respeitosas das normas sociais e ambientais de nossos países. BF – Mas como é, na prática, a atuação delas em nossos países? Ornelas – Acho que tem muito a ver com a realidade social. No México, diante da ausência de um forte movimento sindical de trabalhadores e cidadãos, as transnacionais eram sinônimo de estabilidade. O discurso era o de que

Divulgação

O saque moderno das empresas européias

Transnacionais usam boa imagem para se inserirem nas economias latino-americanas

elas não degradam, e sim criam empregos – ainda que destruam o tecido social, o tecido econômico, para os que ficam dentro, significa um emprego muito bom. Durante todo os anos 70 e 80, isso foi muito característico no México. Se você trabalhava para uma transnacional, seu nível de vida era muito mais alto que o do trabalhador médio da mesma indústria, trabalhando para uma empresa nacional. Mas, com o tempo, o que se viu é que as empresas européias tendem a aproveitar a falta de regulações por parte dos Estados de nossa região e começam a aplicar as mesmas estratégias de dumping social, salarial e ambiental. Nós temos agora um parque industrial importante de eletrônica (Hewlett Packard, IBM, etc.) onde não há um conflito social muito forte, porque é um segmento onde os empregados têm uma qualificação bastante alta. No outro extremo, temos as maquiladoras onde tampouco Maquiladoras – Tipo de montadora há organizaque importa proção, mas existe dutos dos Estados Unidos ou de outros uma política de países ricos sem terror. Há ganpagar impostos e, depois, reexporta as gues, está aí o mercadorias para fenômeno dos os mesmos países. assassinatos de mulheres. As possibilidades de organização são combatidas a sangue frio. São situações bem distintas. Não há um só tipo de

comportamento das transnacionais, e sim muitos. BF – Como se explica o grande investimento de empresas espanholas na América Latina? Ornelas – Há dois modelos fundamentais de presença européia na América Latina. Um deles podemos chamar de alemão-francês, fundamentalmente alemão, que são investimentos históricos, do início do século 20, e também depois da 2ª Guerra Mundial. São indústrias fundamentalmente ligadas aos setores em que os europeus são fortes. O químico é o melhor exemplo: Bayer, Basf... E os franceses estavam ligados ao comércio varejista, os grandes supermercados. E há o outro modelo, mais novo, que está mais ligado aos recursos naturais. Aí, a impressão que tenho, do que estudei da Argentina, é que houve um problema mais relacionado a quão rentável era para as empresas estadunidenses entrarem aí. Ou seja, quando os governos começaram a privatizar todos serviços e bens públicos, como a telefonia, a água, o petróleo, os espanhóis fizeram subir a oferta até o ponto que para os Estados Unidos já não era rentável, porque o benefício que iriam obter não valia o risco dessa operação. Os próprios espanhóis fizeram apostas muito fortes na América Latina.

No caso do petróleo, já há resistência a essas empresas. A disposição tão feroz dos trabalhadores petroleiros está mostrando que a aposta dos capitais espanhóis não foi tão bem pensada. Não é só um problema de rentabilidade econômica, de ter altas taxas de lucros, e sim de ver onde está se metendo, perceber que está entrando em uma zona onde há um ator social muito poderoso. Isso acontece, por exemplo, no Brasil, com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a expansão dos transgênicos. Se um ator é capaz de cortar os campos experimentais das empresas, os transgênicos avançam muito mais lentamente. Os espanhóis se meteram em apostas muito altas. No México, há uma concorrência muito forte agora mesmo dos bancos. Um nas mãos de estadunidenses (Panamex, da CityCorp) e um nas mãos espanholas (o Bilbao-Viscaya). Agora, temos que ver se este vai se consolidar ou vai ser “expulso” pelos estadunidenses, que fizeram o mesmo no setor de supermercados. O Wal-Mart entrou com tanta força que os franceses tiveram que sair. Mas temos que analisar a longo prazo. Ver se daqui a 20 anos esses investimentos se consolidam ou não. A aposta mais forte dos espanhóis tem sido a Telefónica, que tem um comportamento ascendente. Isso tem que ver com o fato de existir um comportamento muito agressivo com relação aos preços. A Telefónica não quis, pelo menos no México, consolidar uma posição de entrada, digamos, ressarcir muito rapidamente seu investimento, e sim apostou em acabar com seus competidores através da guerra de preços. BF – O senhor disse, na sua fala no seminário, que os investimentos estrangeiros no México se dão mais no setor manufatureiro e menos no setor de serviços. Por quê? Ornelas – Aí há um fator fundamental. Os capitais estadunidenses tomaram o México como uma base de exportação. O principal setor, o automotivo, criou plantas nos anos 80 e seguiu investindo capital, às vezes expandindo operações, às vezes comprando

empresas subsidiárias. Houve também um entrelaçamento com os grandes grupos de capitais. A empresa telefônica mexicana tem associação com capitais estadunidenses. E, além disso, o capital estadunidense tem participado dos consórcios mexicanos que conseguiram se desenvolver. Além disso, nossos grandes segmentos de serviços e bens públicos seguem fechados ao capital estrangeiro. O petróleo foi mantido como propriedade na nação, não recebe investimentos como na Argentina. A telefonia enquanto atividade está aberta, mas os cabos, as infra-estruturas são propriedades de uma empresa privada nacional. Então, isso limita muito a expansão, porque se paga a ela parte dos lucros pelo uso de seus cabos, de suas fibras ópticas. A água se abriu, mas muito pontualmente, em algumas cidades. O Estado tem ainda uma entidade nacional que regula o setor. O único segmento que concentra a presença estrangeira é o bancário. Então, acredito que o limite que tem os capitais estrangeiros no México se deve ao fato de que nossa Constituição ainda estabelece que os recursos naturais são propriedade da nação, portanto não podem receber capitais estrangeiros. Igor Ojeda

Quem é Raúl Ornelas, economista, trabalha como pesquisador na Universidade Autônoma de México (Unam). Seu tema principal de estudo tem sido o capital estrangeiro no México.


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AMÉRICA LATINA ESTADOS UNIDOS

Lei sobre imigração é tiro no pé Stephen Bartlett de Louisville (EUA)

CMI

Dia 1º de Maio, organizações dos imigrantes nos Estados Unidos convocam mais protestos

Q

uando a Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, dominada por membros de direita do partido Republicano, aprovou a Proposta de Lei Sensenbrenner 4437, evidentemente não sabia que estava dando um tiro nos próprios pés. Porém, quando os advogados das organizações dos direitos dos imigrantes alertaram sobre tal projeto, não demorou muito para que se entendesse o que estava em perigo. Com uma simples canetada, os cerca de 12 milhões de migrantes ilegais que vivem nos Estados Unidos poderiam tornar-se criminosos. De acordo com o projeto de lei, todos deveriam ser deportados. Até mesmo os pais das 3,5 milhões de crianças (naturalizadas) que tenham pelo menos um dos pais sem documentos. Um muro com 1.126 km seria construído em áreas urbanas ao longo da fronteira do México com os Estados Unidos. Pessoas que fossem encontradas ajudando um trabalhador sem documento com alimentos, abrigo ou medicamentos, também estariam cometendo um crime federal. Nenhum ato cristão de hospitalidade seria permitido. Penas seriam aplicadas àqueles que contratassem trabalhadores sem documentos. (Leia mais no quadro abaixo).

RACISMO Uma posição preestabelecida de racismo excludente foi mascarada como uma lei de legítima defesa para sustentar o chamado American Way of Life. “Você acredita que essas coisas odiosas estão nessa lei?”, perguntou Nicolas Menchu, uma professora nascida nas montanhas da Guatemala que fala o idioma indígena quiché, e que vive há muitos anos em Louisville, no Estado de Kentucky. Sua reação foi

Milhares de manifestantes saem às ruas para protestar contra o Projeto de Lei que criminaliza os imigrantes nos Estados Unidos

típica dos imigrantes da América Latina, Ásia, África e mesmo do vizinho Canadá. Essa lei foi uma verdadeira agressão a essas pessoas, mas elas não irão aceitá-la sentadas.

PROTESTOS Também não demorou muito para que um considerável sentimento de resistência começasse a crescer, ou a chamar a atenção da Igreja católica dos Estados Unidos e de outras comunidades religiosas organizadas. No início de abril, a unidade gigante dos imigrantes organizados e militantes acordou. No dia 10 de abril, estavam marchando em 120 cidades, de costa a

“Não somos criminosos, mas trabalhadores” Nas dezenas de manifestações organizadas por associações de imigrantes nos Estados Unidos, o protesto contra o Projeto de Lei que criminaliza os imigrantes foi traduzido em mensagens estampadas em pôsteres, banners, camisetas e faixas de todos os tipos. Elas diziam: “Nós somos todos americanos. Nós não somos criminosos, mas sim trabalhadores!”, “Hoje marchamos, amanhã votamos! Una nossas famílias! Nós produzimos riqueza na América!”, “Recompense nosso trabalho! Nenhum ser humano é ilegal! Um dia sem migrantes é um dia sem comida!”, “Anistia para os trabalhadores sem documentos!”, “ Sim, nós podemos! Si se puede! Yes we can! Ontem você migrou, hoje nós migramos!”. Um grupo de jovens anarquistas segurava um lençol que dizia: “Fronteiras nacionais são ilegais!”. Um manifestante disse: “Arriba, Abajo, El Racismo Al Carajo!”. E, para demonstrar a lealdade do trabalhador imigrante, nenhuma bandeira dos Estados Unidos estava em chamas. “Eu nunca estive em uma manifestação com tantas bandeiras dos Estados Unidos”, disse Nancy Sheldorf na marcha em Lexington, dia 10 de abril. Representante da organização de solidariedade à América Latina de Louisville, KITLAC, Nancy estava mais acostumada a ver a bandeira dos Estados Unidos como um símbolo do imperialismo e da agressão nacional. Mas a partir de 10 de abril, entre os organizadores dos direitos dos imigrantes

foi estrategicamente decidido desencorajar as pessoas a levantar bandeiras mexicanas, na intenção de polarizar ainda mais o assunto no debate entre os moderados e os progressistas no Congresso, com um contexto de direita. Pressionado pela mobilização progressiva do povo, a partir de 10 de abril, o debate no Senado pareceu estar morto, com uma pequena diferença entre Republicanos e Democratas no Comitê Judiciário do Senado. Nada avançava, nem a lei proposta por McCain Kennedy, nem as propostas de consenso do Comitê Judiciário do Senado (todas prevendo a legalização, algumas cobrindo mais pessoas, outras menos). As manobras do Senado para adicionar pontos de “lei e ordem” por um lado, e, por outro, para permitir a legalização em massa de trabalhadores sem documentos, cancelaram-se mutuamente, bloqueando assim o processo. O que provocou o protesto, o Projeto de Lei Sensenbrenner 4437, tornou-se um símbolo de um ruidoso, barulhento retrocesso econômico. Entretanto, com as paixões em alta e com a possibilidade de manobras legislativas da direita, ainda existe o perigo que apoiadores do Sensenbrenner 4437, tanto na Câmara quanto no Senado, possam tentar adicionar a ela uma lei que prevê mais gastos. Mas por saber normalmente como as leis são feitas, as previsões para que uma lei de imigração saia este ano estão praticamente mortas desde o dia 18 de Abril. (SB)

costa, e em lugares que não poderíamos imaginar ser possível. Para aumentar ainda mais a pressão, o 1º de Maio se transformou no dia nacional de mobilização dos trabalhadores migrantes e boicote, com muitas marchas. Antes, mais de 200 mil pessoas marcharam em Chicago, 100 mil em Phoenix, 30 mil em Mineápolis, 50 mil em Atlanta, 25 mil em Seattle, mais de 500 mil em Los Angeles, 500 mil em Dallas (os organizadores esperavam 20 mil), 100 mil em Washington DC e 200 mil em Nova York; além de dezenas de outras manifestações que reuniram centenas e alguns milhares de pessoas.

Aqueles que temiam o som de línguas como português e pspanhol falados por pessoas negras ficaram impressionados. Republicanos começaram a dar sinais de reconsideração, especialmente no Senado. Democratas começaram a se perguntar se eles também ficariam vulneráveis nas eleições parciais que estão por vir. O senador de Massachusetts, Ted Kennedy, gastou algumas palavras em espanhol num comício em Boston. Atordoados, políticos e formadores de opinião dos meios de comunicação questionaram: “De onde vieram todas essas pessoas? Por que nós não evitamos que elas

chegassem aqui? Nosso país foi invadido por um exército de estrangeiros? Como eles se organizaram de maneira tão rápida e massiva?”. Em Ft. Myers, na Flórida, cidade com população de apenas 65 mil pessoas, a marcha parecia nunca acabar. Aproximadamente 75 mil pessoas ganharam as ruas. Trabalhadores rurais e trabalhadores migrantes de toda a região foram à cidade para fazer ouvir seu protesto. Milhões de pessoas foram às ruas em manifestações não violentas que jamais poderiam ser imaginadas em semanas anteriores. Para as pessoas sem documentos, foi como “sair do armário em massa”.

O pesadelo estadunidense Hoje há 35,2 milhões de imigrantes (documentados e não documentados) nos Estados Unidos (de acordo com dados de março de 2005). Entre 2000 e 2005, 7,9 milhões de novos imigrantes entraram no país, sendo 3,7 milhões legais. O papel que as políticas econômicas neoliberais tem jogado para colocar mais combustível nas imigrações tem sido visto de forma superficial no debate. O impacto do Nafta (acordo de livre comércio entre os EUA, México e Canadá) e suas corporações patrocinadoras Cargill, ADM e Wal-Mart entre outras megacorporações na viabilidade econômica para trabalhadores rurais no México foi

totalmente ignorado. A mídia corporativa tem se prendido a matérias sobre a ilegalidade, sobre os baixos salários que estas pessoas desesperadas irão receber, sobre as funções que os cidadãos dos Estados Unidos ou residentes legais não irão desempenhar. Todos sabemos que tal trabalho tem sido feito por 40 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza nos Estados Unidos. Um salário suficiente para o tipo de trabalho feito pelos imigrantes recentes os tirariam da pobreza. Trabalhos na agricultura, em telhados ou no Wal-Mart são considerados tipos de ocupação a que uma pessoa respeitável não se

submeteria, principalmente porque pagam um salário de fome. Este ano, o 1º de Maio será revivido nos Estados Unidos como o Dia dos Trabalhadores, pela iniciativa do povo mais marginalizado e empobrecido dos Estados Unidos, os 12 milhões de trabalhadores ilegais e seus parentes legais. Essas pessoas arriscaram suas vidas nas mãos dos coyotes (traficantes de seres humanos) e no calor do deserto por um pedaço do chamado “Sonho Americano” e descobriram que, agora, devem sair das sombras para lutar se quiserem manter este sonho, evitando que ele se transforme num pesadelo do qual nenhum de nós poderá acordar. (SB)

Projeto de lei contra imigrantes A criminalização dos imigrantes sem papéis. Esta é a idéia geral do Projeto de Lei nº 4437, chamado Ato de Proteção das Fronteiras, Antiterrorismo e Controle da Imigração Ilegal, também conhecido como Proposta Sensenbrenner, do nome do deputado que o redigiu, Jim Sensenbrenner. A proposta vai ser votada no Senado dos Estados Unidos até o final do ano, e já foi aprovada na Câmara dos Representantes (o equivalente à Câmara dos Deputados), em 16 de dezembro de 2005. Senadores, que discutem o texto, devem fazer modificações, mas não está claro se o teor antiimigrante será alterado. O projeto de lei gerou muitas críticas e elogios. Desde o início de abril, manifestações pró e contra a proposta tomam as ruas das principais cidades estadunidenses. O presidente George W. Bush considerou as manifestações “muito emocionais” e pediu calma aos manifestantes. Em declarações públicas, ele se disse favorável à Proposta Sensenbrenner. Leia, abaixo, alguns dos pontos do projeto de lei: * A “presença ilegal” será considerada um crime grave. Imigrantes sem papéis poderão ir para a prisão e ser

impedidos de entrar nos Estados Unidos, mesmo que legalmente. * Refugiados políticos e vítimas de tráfico humano serão detidos até irem para seus países de origem ou obterem direito de asilo. * Pessoas ou organizações que ajudarem imigrantes sem papéis a viver ou se manter nos Estados Unidos poderão ser processadas. As penas poderão chegar a cinco anos de prisão. * Funcionários e policiais poderão expulsar imigrantes sem papéis, sem precisar passar por um tribunal. * O Departamento de Segurança Interna (DHS, a sigla em inglês), responsável por impedir a entrada de imigrantes considerados ilegais, receberá verbas especiais para construir uma barreira de 1.126 km, na fronteira com o México. * O DHS poderá prender imigrantes e refugiados, mesmo que estes tenham permissões temporárias para permanecer nos Estados Unidos, se considerar que eles colocam em risco os interesses do país.


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INTERNACIONAL ORIENTE MÉDIO

Ação no Irã seria um desastre Arturo Hartmann de São Paulo (SP)

O

Irã está prestes a se tornar mais um capítulo na desastrada política externa do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, que tem agora seu pior índice de aprovação, 38%. Com uma população de 62 milhões de pessoas, o Irã possui área um pouco maior que o Estado do Amazonas e a quarta maior produção de petróleo do mundo. As suas reservas são estimadas em 125 bilhões de barris, atrás apenas da Arábia Saudita e Canadá (respectivamente primeiro e segundo). O país é rico, ostenta o 34º maior PIB do mundo, mas uma população descontente e que desde a vitória da revolução comandada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini, em 1979, procura um governante que dê direção para as demandas da sociedade iraniana. O atual presidente Mahmud Ahmadinejad, eleito em junho de 2005, foi a última escolha. Os Estados Unidos alegam que a produção nuclear iraniana – uma ameaça ao mundo e principalmente ao seu dependente, Israel – precisa ser interrompida de alguma forma, ou pelo menos controlada com mão forte e de muito perto. Diferente do Iraque, a repercussão dos novos planos dos Estados Unidos e da briga retórica entre Bush e Ahmadinejad aflige os países da região e aqueles que dependem da importação de petróleo. Ninguém, a não ser Israel, concebe uma guerra contra a república islâmica. Uma invasão levaria a região a uma situação de caos incontrolável e o petróleo poderia atingir níveis acima dos 100 dólares. Hoje oscila acima dos 70.

João Alexandre Peschanski

Ameaça dos Estados Unidos desenha um quadro de crise global na produção do petróleo e caos político na região

Em frente ao Parlamento inglês, ativistas acampam contra a ocupação do Iraque, iniciada em 2003, e a possibilidade de intervenção militar no Irã

o país se coloca, geográfica e politicamente, como um centro em meio a uma região delicada, o Oriente Médio. O país é o posto de passagem entre a região dos países árabes, a oeste, e os nãoárabes mas de maioria islâmica, a leste. Faz fronteira com a Armênia, Azerbaijão, Turcomenistão, Paquistão, Iraque e Afeganistão. “A localização para os Estados Unidos é complicada e importante. De um lado, há o Afeganistão, que está mais ou menos controlado. Do outro lado, o Iraque é uma questão longe de ser resolvida”, diz Nelson Bacic Olic, autor de Conflitos no mundo: questões e visões geopolíticas. O Irã também flerta com a idéia de criar uma Bolsa de Petróleo própria (as únicas que existem hoje estão em Nova York e Londres), o que seria um golpe forte para a

PEDRA NO SAPATO O Irã é uma pedra no sapato dos Estados Unidos por vários motivos, não por sua produção nuclear. Além de ser um dos grandes produtores de petróleo do mundo,

já cambaleante moeda estadunidense. O petróleo, que teve sua venda vinculada ao dólar desde a primeira metade do século 20, já é negociado de maneira diversificada, em dólares e ienes japoneses. O diretor do Centro de Estudos do Petróleo (Cepetro) da Universidade de Campinas (Unicamp), Saul Suslick, afirma que os países diversificaram a negociação do produto porque precisavam diversificar as transações monetárias. Apesar de, ainda hoje, a maior parte das negociações do petróleo ser feita em dólares, a bolsa poderia ser um duro golpe na supremacia da moeda estadunidense. À questão estratégica, tanto do lado político quanto do econômico, se soma a disputa pelo petróleo: os Estados Unidos não querem perder a hegemonia militar e política na região, e nem querem

pensar em perder suprimentos de petróleo. Para Nelson Bacic, colocar rédeas no Irã seria importante para os interesses da potência.

ESCALADA DO CONFLITO Se o Irã é objeto dos falcões estadunidenses, uma invasão ao país seria um desastre para os Estados Unidos e um caos para toda a região. No final de março, o príncipe El Hassan Bin Talal, da família governante da Jordânia, em visita ao Brasil, não escondeu sua preocupação com a escalada do conflito que se desenha entre os estadunidenses e o Irã. “Estamos em um quadro de perspectivas alarmantes, de uma guerra civil sectária que pode ter conseqüências desastrosas. Uma região que apresenta a maior parte das reservas de petróleo do mundo e grande parte das reservas de gás.”

Para Hassan, “o conflito em si, com suas armas não convencionais, tanto por parte do Irã como de uma frente de ataque, não terá apenas conseqüências nucleares, biológicas ou químicas, mas cobrirá a região de rios de sangue”. Para contrariar os planos de Bush, China e Rússia reforçam as ligações econômicas com o Irã. Os chineses compram grande parte do petróleo que alavanca sua economia. No final de 2004, os dois países assinaram um acordo que, entre outras coisas, garante que nos próximos 25 anos o Irã exportará 150 mil barris de petróleo para a economia que mais cresce no mundo. Ninguém quer instabilidades globais, ainda mais que atinjam produtores de petróleo do quilate do Irã.

Palestina, o epicentro das relações internacionais Um país com uma área de 6.220 quilômetros quadrados e 3,9 milhões de habitantes, respectivamente 0,001% e 0,05% da área e da população total da Terra, fratura as relações internacionais. A Palestina, no Oriente Médio, divide potências, irrompe em declarações do terrorista saudita Osama bin Laden, coloca em crise a Organização das Nações Unidas (ONU) e racha a opinião pública de Israel, cujo Exército ocupa, desde 1967, os territórios palestinos – a Faixa de Gaza e a Cisjordânia. No início de abril, Estados Unidos, Canadá, União Européia e Japão suspenderam a ajuda financeira à Autoridade Nacional Palestina (ANP). As instituições do país, devastado economicamente, dependiam do dinheiro internacional para funcionar, pois este garantia o salário dos 140 mil funcionários palestinos e a prestação de serviços básicos à população, como educação, saúde e segurança. Os empregados do Estado representam um terço dos assalariados do país, onde a taxa de desemprego – 22% da população economicamente ativa – é galopante, resultado da ocupação militar do país. “A União Européia dava, anualmente, 604 milhões de dólares para a Palestina. A taxa de desemprego pode atingir 60%, se a decisão da suspensão do envio do dinheiro europeu for mantida. As conseqüências econômicas, políticas e humanitárias vão ser catastróficas e

estimular ações terroristas contra a população israelense. O grupo político rejeita reconhecer a existência de Israel, se o Exército do país não desocupar Gaza e Cisjordânia. Khuri avalia que a decisão estadunidense e européia não vai desestimular o terrorismo na região. Ao contrário, vai intensificá-lo. Ela lembra, como exemplo disso, a citação que bin Laden fez à suspensão da ajuda internacional. Em fita divulgada em 24 de abril, o terrorista saudita conclama os muçulmanos a apoiar o Hamas e destruir Israel.

Arquivo Brasil de Fato

João Alexandre Peschanski da Redação

ATAQUES DE ISRAEL

A suspensão da ajuda financeira dos Estados Unidos e da União Européia vai aprofundar as dificuldades da população palestina

imprevisíveis”, revela a diplomata Hind Khuri, que representa os interesses da ANP na União Européia, em entrevista ao Brasil de Fato. O governo da Rússia, após conversa com o presidente palestino, Mahmoud Abbas, afirmou que vai enviar ajuda financeira de emergência à ANP. A decisão, divulgada pelo ministro do Exterior russo, Sergei Lavrov, foi criticada por Condoleezza Rice, secretária de Estado estadunidense. Sinal positivo também veio do líder religioso iraniano, aiatolá Ali Khameni, que convocou as nações árabes a apoiar o governo palestino. O presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, pro-

meteu repor o dinheiro dos países que suspenLiga Árabe – Organização funderam a ajuda dada em 1945, no à Palestina. A Egito, que reúne os Estados árabes, Liga Árabe se com o objetivo de comprometeu proteger a integria enviar 55 midade dos países membros e articular lhões de dólares ações políticas por mês, em comuns caráter emergencial, à ANP.

PUNIÇÃO AO HAMAS A suspensão da ajuda internacional é uma punição coletiva ao Hamas, de acordo com Khuri. O grupo político venceu as eleições legislativas de janeiro e nomeou o

primeiro-ministro. O cargo é ocupado por Ismail Haniyeh, considerado um político moderado dentro do Hamas. “É inaceitável que o povo palestino seja punido por ter escolhido livremente seus dirigentes em um processo democrático, exigido pelos Estados Unidos e pela União Européia para que mantivessem sua ajuda internacional. Raramente vimos, nas relações internacionais, tamanho cinismo”, comenta a diplomata. Estados Unidos e União Européia justificam a suspensão do envio da ajuda financeira pelo que consideram uma atitude “radical e violenta” do Hamas, acusado de

O primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, prepara uma série de ações contra o Hamas, acusado de ser o responsável pelo atentado que matou dez pessoas em Tel Aviv, em 17 de abril. No dia seguinte, soldados israelenses fecharam estradas e instalaram controles policiais em áreas palestinas. Ataques aéreos destruíram vilarejos em Gaza. Olmert anunciou que pode realizar operações contra lideranças do Hamas. O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, criticou a suspensão da ajuda internacional e as ameaças de Israel contra a Palestina. No entanto, integrantes da organização fizeram críticas abertas ao governo palestino. Para Khuri, a ONU precisa ser mais coerente em relação à questão da Palestina e usar sua força para impor uma decisão que proteja os povos palestino e israelense. “Por enquanto, não faz isso, pois, mesmo se alguns discursos são bonitos, a instituição se deixa guiar pelas grandes potências”, diz.


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INTERNACIONAL NIGÉRIA

Transnacionais do petróleo na berlinda Arquivo Brasil de Fato

Movimento de Emancipação do Delta do Níger promove mais ataques ao governo e transnacionais da Redação

O

Movimento para a Emancipação do Delta do Níger (MEND, a sigla em inglês) realizou, dia 19 de abril, mais uma ofensiva para expulsar as transnacionais da região mais rica em petróleo da Nigéria. Dessa vez foi com um ataque com um carro-bomba contra um quartel das Forças Armadas, que resultou na morte de duas pessoas. Por meio de uma mensagem eletrônica, o MEND prometeu realizar mais ações do tipo contra instalações petrolíferas e funcionários de empresas do setor. Segundo lideranças do movimento, o ataque era “mais simbólico que estratégico” e serviu para mostrar que os militares são incapazes de proteger a si mesmos, quem dirá os funcionários da indústria petrolífera, espalhados em vários campos de extração na vasta região sul da Nigéria. O país é o maior produtor de petróleo na África e o sexto entre as nações que formam a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). O movimento realiza há quatro meses uma campanha de sabotagem e seqüestro, obrigando empresas a cortar sua produção em 550 mil barris por dia e ajudando a elevar os preços internacionais do combustível para níveis recorde. Os ataques levaram a Nigéria a diminuir em um quarto seu volume de exportação de petróleo. Dia 18 de fevereiro, outra ação do movimento chamou a atenção da mídia internacional: o seqüestro de

NIGÉRIA Nome oficial: República Federativa da Nigéria Localização: África ocidental Principais cidades: Abuja (capital) e Lagos (capital comercial) Línguas: haussa, ibo, ioruba, fulani, inglês, francês Divisão política: 36 Estados Regime político: república presidencialista População: 126 milhões (ONU, 2003) Moeda: naira Religiões: islâmica (50%), cristã (45,9%) e religiões locais

Rebeldes exigem o controle total das riquezas do Delta do Níger e fim da exploração das transnacionais do petróleo

nove reféns (dos quais dois funcionários estadunidenses da ExxonMobil e um especialista britânico em segurança). Pouco a pouco eles foram libertados, sendo que o último no final de março.

cia. A milícia promete realizar mais ataques com a intenção de reduzir em mais 1 milhão de barris a exportação nacional de petróleo, se o governo não cumprir suas exigências. O movimento exige o controle total do Delta do Níger e o pagamento de 1,5 bilhão de dólares pela Shell ao governo estatal como compensação pela poluição gerada pela indústria na região. Reivindica também a libertação de dois líderes Ijaws. Um deles é Muhajid Doku-

REIVINDICAÇÕES O MEND acusou o Exército de ter lançado ataques contra algumas comunidades Ijaw (a etnia maioritária na região) e como represália o grupo desatou uma onda de violên-

ÁFRICA

que não será ingênuo como Asari, e que pretende tomar o “controle total” da região. As exigências dos rebeldes são compartilhadas por muitos ativistas dessa área, onde a maior parte das pessoas vive na miséria, apesar da riqueza extraída dali. Analistas relacionam a recente onda de violência com o clima de instabilidade verificado no país antes das eleições presidenciais do próximo ano. (Com agências internacionais)

SERRA LEOA

Excluídos do tratamento eficaz contra a malária

Busca-se uma cela para Charles Taylor

O TCA é dez vezes mais caro que a cloroquina e outros antimaláricos de uso freqüente, mas já não são eficazes em muitas regiões porque o parasita criou resistência a eles. Na Guiné-Bissau, por exemplo, a malária é a primeira causa de morte (15% de todos os óbitos registrados) e, segundo a MSF, menos de 1% dos pacientes têm acesso ao TCA, apesar de o governo ter estabelecido a mudança de tratamento há mais de um ano. Na Zâmbia, esse número chega a 11% da população. Em países africanos como Sudão, Quênia, Maláui, Costa do Marfim e Serra Leoa, as autoridades sanitárias ainda utilizam cloroquina ou sulfadoxina-pirimetamina em quase todos os pacientes. Embora cerca de 40 países adotem o TCA como parte de sua estratégia nacional para combater a malária, mais de 70% deles realizam uma transição “muito lenta” rumo à adoção do novo tratamento, denuncia a MSF. Esse problema se deve, segundo a organização humanitária, à combinação de diferentes fatores, como a falta de formação de pessoal sanitário, os diagnósticos tardios e o pouco acesso aos cuidados médicos em geral. (Com agências internacionais)

Thalif Deen de Nova York (EUA) A Organização das Nações Unidas procura, e não encontra em nenhuma nação do mundo, uma prisão para colocar o ex-presidente liberiano Charles Taylor, que será julgado na Holanda por crimes contra a humanidade em seu país e em Serra Leoa. Até agora, ninguém está disposto a recebê-lo, independente de vir a ser considerado inocente (neste caso providenciando um novo lar) ou culpado (preparando-lhe uma cela). Taylor enfrenta 11 acusações, incluindo torturas, violação, escravidão e terrorismo, cometidos pela Frente Unida Revolucionária e outras forças armadas sob sua direção quando exerceu a presidência da Libéria, entre 1997 e 2003. Sem uma residência e uma prisão para Taylor ao final do julgamento, o processo fica praticamente em ponto morto.

DESCASO

EC/ECHO/François Goemans

No dia 25 de abril, em que foi celebrada a Jornada de Luta contra a Malária, data criada na África, a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) fez graves denúncias a partir de seu escritório em Genebra (Suíça). Segundo a organização, os tratamentos eficazes contra a malária não chegam aos doentes da África, o que ocasiona a perpetuação de um dado lamentável neste continente: a cada 30 segundos, uma criança morre por causa dessa doença que já é curável. A MSF advertiu, no entanto, que não há muito a ser comemorado, uma vez que um número muito reduzido de pacientes africanos tem acesso aos tratamentos eficazes que existem para curar a malária em poucos dias. A malária mata cerca de 1 milhão de pessoas por ano, a imensa maioria na África, e seu parasita contagia cerca de 400 milhões anualmente, segundo cálculos da Organização Mundial da Saúde (OMS). Quatro anos depois de esta organização da ONU ter recomendado aos governos mudar os antigos métodos de cura pela aplicação do Tratamento Combinado baseado em Artemisinina (TCA), a MSF assegurou que suas equipes ainda vêem seus pacientes receberem os remédios antigos.

bo-Asari, líder da Força de Voluntários do Povo do Níger, que tinha assinado em 2004 um cessar-fogo com o governo federal. Quando em novembro de 2005 foi a Abuja para negociar com o presidente Olusegun Obasanjo o estatuto de autonomia para a região, Asari foi preso, acusado de secessionismo. Um mês depois, os ataques armados contra as instalações petrolíferas recomeçaram, sob a sigla do MEND. O novo líder, Tamuno, diz

Malária mata cerca de 1 milhão de pessoas por ano, a maioria na África

Nem Serra Leoa nem a Libéria o querem em seus territórios, por medo de que somente a sua presença possa ameaçar a estabilização desses países. O Tribunal Especial para Serra Leoa, patrocinado pela ONU, está radicado na capital do país africano, Freetown. Entretanto, o julgamento de Taylor mudou de sede. Será na cidade holandesa de Haia, que abriga o Tribunal Internacional de Justiça, o Tribunal Penal Internacional e o Tribunal Internacional para Crimes de Guerra para a exIugoslávia. O governo holandês condicionou seu papel de anfitrião do Tribunal Especial a que Taylor, se for condenado, cumpra sua pena fora da Holanda. Áustria e Sué-

cia rejeitaram as possibilidades de recebê-lo em suas prisões. Várias organizações de direitos humanos e ativistas africanos têm fortes reservas com relação à mudança do julgamento da África para a Europa, entre eles Enock Mensah, presidente do Instituto de Desenvolvimento Africano, com sede em Nova York. Mensah disse que quando Taylor deixou a presidência da Libéria, em agosto de 2003, a Nigéria lhe deu refúgio, após negociações com a União Africana (UA), bloco que reúne 53 países do continente. A UA, que patrocinou um acordo para que Taylor deixasse a presidência, “deveria intervir e encontrar um país”, disse Mensah. Além disso, afirmou, o julgamento deveria acontecer em solo africano, não na Europa. A comunidade internacional deveria exercer pressão sobre a UA para encontrar um país na África disposto a ser sede do julgamento e manter Taylor como prisioneiro. Quando o ditador iugoslavo Slobodan Milosevic (19892000) foi julgado por crimes de guerra e contra a humanidade cometidos em seu país, o julgamento aconteceu na Europa, não na África, disse Mensah. É injusto para Taylor que seu julgamento aconteça fora de seu continente, acrescentou. A Federação Internacional para os Direitos Humanos e a Liberia Watch for Human Rights expressaram sua preocupação pelo iminente julgamento em Haia. “Realizar julgamentos em Serra Leoa foi crucial para facilitar o restabelecimento do estado de direito, reconstruir o sistema judicial nacional e assegurar o cumprimento da justiça. As víti-

mas e a população de Serra Leoa em geral estão vendo que isso está sendo feito”, disse Sidiki Kaba, presidente da Federação Internacional para os Direitos Humanos. O Tribunal Especial para Serra Leoa já realizou julgamentos justos contra altos dirigentes como Foday Sankoh e Sam Hinga Norman, recordou Kaba.

JUSTIÇA PARA TODOS “Foi demonstrado que se pode manejar assuntos de segurança sem criar mais segurança. Realizar julgamentos justos em Serra Leoa pode ser uma contribuição mais significativa para a estabilidade futura e para a transição rumo à democracia e o regime de direito na sub-região, segundo Thompson Ade-Bayor, presidente da Liberia Watch for Human Rights. Kolawole Olaniyan, diretor do programa para a África da Anistia Internacional, afirmou que a transferência do julgamento para Haia teria um efeito negativo porque “pode distanciar os habitantes de Serra Leoa do processo de justiça”. Olaniyan disse que sua organização compartilha a crença manifestada pelo secretário-geral da ONU, Kofi Annan, de que “a captura e o julgamento do senhor Taylor enviarão uma poderosa mensagem à região, e mais além dela, de que não se permitirá que haja impunidade e que o regime de direito deve prevalecer”. Segundo Olaniyan, a justiça deve ser acessível e visível para que o povo de Serra Leoa aborde os crimes que afetam todos os estratos da população e atue para dissuadir futuros agentes de delitos tão atrozes. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)


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DEBATE MÍDIA CAPITALISTA

Imprensa conservadora no papel de polícia Mário Augusto Jacobskind festival de hipocrisia da mídia conservadora esteve no auge dia 21 de abril, quando do anúncio oficial de que o Brasil já é auto-suficiente em matéria de produção de petróleo. Se fosse instituído um troféu cara-depau, o título ficaria com O Globo, jornal que na época da campanha “O Petróleo é Nosso” posicionouse contra a criação da Petrobrás. Agora, 53 anos depois do tal relatório de mister Link, um estadunidense empregado de multinacionais que concluiu que o Brasil não tinha petróleo, um editorial de O Globo elogiava essa figura perniciosa a quem os entreguistas da época davam toda força e os jornais, grandes espaços. Como se tudo isso não bastasse, O Globo defendeu ardorosamente a quebra do monopólio da Petrobrás e mentiu ao afirmar que graças a essa medida a empresa brasileira chegou à auto-suficiência na produção de petróleo. Especialistas do setor, entre eles Fernando Siqueira, da diretoria da Associação dos Engenheiros da Petrobrás, analisam o fato de forma inversa, ou seja, de que a medida adotada na gestão de Fernando Henrique Cardoso (quebra do monopólio) até atrasou o Brasil na conquista da auto-suficiência. É preciso a máxima atenção, porque a direita, hoje representada em toda a plenitude pela aliança PSDB-PFL, tem como meta liquidar de vez o que ainda resta da Petrobrás. Só não fizeram isso nos oito anos de Cardoso porque não tiveram força política. Geraldo Alckmin, o (por enquanto) candidato dos que defendem medidas contrárias aos interesses brasileiros, sobretudo dos trabalhadores, como as reformas trabalhistas e sindicais, se chegar lá, tentará de todas as formas liquidar a Petrobrás.

O

REPÓRTERES X-9

Pois é, se você, leitor, imaginou que a mídia conservadora

apenas manipula e defende interesses econômicos contrários aos da maioria da população brasileira, enganou-se redondamente. Segundo informa o jornalista gaúcho Daniel Cassol, em matéria publicada aqui no Brasil de Fato, a mídia conservadora se superou. Dois jornalistas fizeram o papel de X-9, ou seja, de dedo-duros no episódio da ação das mulheres da Via Campesina contra a Aracruz Celulose, no Rio Grande do Sul. Conta Cassol que no dia 10 de março, integrantes da coordenação da Via Campesina Internacional concediam uma coletiva de imprensa para avaliar a Conferência da FAO sobre Reforma Agrária e expressar o apoio da organização à ação das mulheres na Aracruz. Impacientes, os repórteres da RBS TV (Jonas Campos) e do jornal O Globo (Chico Oliveira) telefonaram, possivelmente para a redação, e falaram sem receio de serem ouvidos pelos espiões benignos: – A coletiva já começou, quando é que a polícia vai chegar? Pouco tempo depois, dois policiais civis aparecem na sala de imprensa, portando a intimação para três dos cinco integrantes da Via Campesina que davam a entrevista. Paul Nicholson, Juana Ferrer e Henry Saragih foram convocados a prestar depoimento. Os repórteres cumpriram a pauta combinada já na redação. Agora, a Justiça indiciou dirigentes internacionais da Via Campesina, o coordenador do MST, João Pedro Stédile, e dezenas de corajosas mulheres que agiram,

muito justamente, contra a Aracruz Celulose, a única forma encontrada para chamar a atenção da opinião pública sobre o caráter pernicioso ao meio ambiente que a referida empresa executa onde se instala, para não falar do desrespeito aos direitos humanos

ameaça dos PMs que, erguendo fuzis ao alto, não deixam os quase 2 mil sem-terra dormirem. Cientes de que do outro lado o povo está com fome, um dos policiais grita: – Troco dois pacotes de bolacha por aquela sem-terra loirinha. A manchete do jornal Zero Hora de segunda-feira não deixa nenhuma dúvida sobre a situação na região: “MST mantém ameaça à Fazenda Coqueiros”. Em suma: os dois episódios demonstram que a imprensa brasileira passou da fase de apenas criminalizar o movimento social, como tem feito diariamente a mídia conser vadora, e agora está cumprindo também o papel de polícia. COMISSÃO DE ÉTICA ACIONADA

contra indígenas e quilombolas, no Norte do Espírito Santo. Tem mais. Episódio dois, relatado por Cassol: madrugada de sábado para domingo, 11 de março. Uma fita VHS gravada por um acampado do MST na Fazenda Guerra, em Coqueiros do Sul (RS), mostra as cenas de tortura psicológica promovida pelo Batalhão de Operações Especiais (BOE) da Polícia Militar. Sirenes, gritos, moto-serra ligada e fortes batidas em latas compõem a “trilha sonora” da “Rádio Companheirada”, anunciada pelo policial em deboche à forma como os militantes do MST se tratam. O tempo que a fita consegue gravar à noite – cerca de uma hora – é todo preenchido pelo barulho e pela

A Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul já foi acionada para investigar a ação policial dos jornalistas. É preciso que os jornalistas brasileiros e os dirigentes sindicais em todo o país não deixem passar desapercebida essa ação que envergonha os profissionais de imprensa. Exige-se que os repórteres Jonas Campos e Chico Oliveira sejam ouvidos e tenham todo o direito de defesa para se explicarem. É preciso saber também o papel dos editores e dos proprietários das empresas mencionadas. Que a Comissão de Ética convoque também os editores. Se editores e repórteres não conseguirem se explicar, que enfrentem os rigores da Comissão de Ética. Agora, por favor, não venham com essa história de “julgamento sumário”, “autoritarismo” e etc.

para justificar o injustificável. O que não se pode aceitar é que o fato seja esquecido. Que se abra um debate nacional sobre se os repórteres devem cumprir qualquer tipo de pauta, mesmo aquelas em que jornalistas se comportem como X-9! Um repórter assina contrato trabalhista com a empresa para exercer a função jornalística, mas não a de policial. A empresa que descumpre a obrigação trabalhista precisa ser acionada na Justiça do Trabalho, pois fica sujeita a Justa Causa, ou seja, ser punida por deixar de cumprir a obrigação trabalhista e exigir que seu funcionário exerça outra função que não a estipulada no contrato. MANIPULAÇÃO DA INFORMAÇÃO

Outro episódio de manipulação da informação vem sendo protagonizado pela TV Globo. Quem acompanhou pela emissora os acontecimentos em Porto Suarez, na Bolívia, ficou apenas com uma versão, exatamente a prejudicial à imagem do governo de Evo Morales. A TV Globo dizia que o povo estava inconformado pelo fato de uma empresa brasileira, a EBX, estar sendo impedida de se instalar na região. Esqueceram de dizer que a empresa, de processamento de ferro, está sendo impedida porque violenta a legislação ambiental e a Constituição boliviana. Na verdade, o tal movimento que vem ganhando destaque na TV Globo faz parte da reação da direita contra um governo progressista que está cumprindo as promessas de campanha, ou seja, não está traindo o povo, como fazem certos governos latino-americanos. E os fatos estão a demonstrar que governos que não traem as promessas de campanha contam com a má vontade e manipulação da mídia conservadora, cada vez mais se comportando como partido político de direita. Mário Augusto Jacobskind é jornalista, escritor e integrante do Conselho Editorial do Brasil de Fato

NORTE-SUL

Desenvolvimento e política externa José Luís Fiori epois da independência, e durante a primeira metade do século 19, o Brasil e os demais países latino-americanos não dispunham de Estados e economias nacionais efetivos, nem constituíam um sistema político e econômico regional. Por isso, com facilidade, foram colocados numa posição periférica, dentro da geopolítica mundial, e foram transformados imediatamente – com o total apoio das elites locais – no primeiro laboratório de experimentação dos famosos “Tratados Desiguais” ou de “livre-comércio”, que depois atuaram como chave de entrada e expansão do império britânico na África e na Ásia. No Brasil, mesmo depois da proclamação da República, e pelo menos até a crise de 1930, o Estado seguiu sendo fraco e tendo baixa capacidade de incorporação e mobilização política nacional, sem ter nenhum tipo de pretensão expansiva. E apesar do início da industrialização e das primeiras filiais internacionais, o pólo dinâmico da economia da “velha republica” seguiu sendo “primário-exportador”. Essa inserção econômica permitiu ao Brasil crescer a taxas médias razoáveis, até a crise de 1930, graças à complementaridade de sua economia interna com os mercados europeus e com o capital financeiro inglês. Além disto, ao contrário de outras economias

D

semelhantes, a economia exportadora brasileira ajudou a criar um mercado interno de alimentos e de mão-de-obra migrante, e uma extensa rede de transportes e comercialização, sobretudo no caso do complexo cafeeiro. Entre a crise econômica mundial de 1930 e o início da 2ª Guerra, o Brasil reagiu ao “estrangulamento econômico” externo provocado pelas guerras e pela crise internacional implementando políticas públicas que fortaleceram o estado central e a sua economia nacional. Mas no caso da política externa, sua autonomia durou pouco, e em 1938, o Brasil já havia se alinhado ao lado da nova liderança mundial norte-americana. Depois da 2ª Guerra Mundial, o Brasil não teve posição relevante na geopolítica da Guerra Fria, mas foi colocado na condição de principal sócio econômico dos Estados Unidos, dentro da sua periferia sul-americana. Não houve Plano Marshall para a América Latina, nem o Brasil teve acesso privilegiado aos mercados norte-americanos, como no caso dos “desenvolvimentos a convite” europeus e asiáticos. Mesmo assim, o Brasil se transformou numa experiência original de desenvolvimento acelerado e industrialização pesada, depois de 1955, sob a liderança dos investimentos estatais e do capital privado estrangeiro, proveniente de quase todos os países do núcleo central do sis-

tema capitalista. Neste período, entretanto, apesar do seu alinhamento incondicional, ao lado dos Estados Unidos, na Guerra Fria, o Brasil começou a exercitar uma política externa mais autônoma, combativa e global, ao lado de suas políticas econômicas desenvolvimentistas. Como no caso da iniciativa da Operação Pan-americana, em 1958, e da Operação Brasil-Ásia, nos anos 1959-60, durante o governo de Juscelino Kubitschek – que também se aproximou da Europa e da África Negra, enquanto rompia relações com o FMI. Esta nova posição internacional do governo brasileiro avançou no início da década de 60, com a “política externa independente” do governo Jânio Quadros, que incentivou a aproximação do Brasil com a América Latina, Ásia e África, e também com o mundo socialista e o Movimento dos Países Não-Alinhados. Além disto, o Brasil teve uma participação ativa nos processos de criação da Alalc, da Unctad e do Grupo dos 77, na Onu. Esta mesma política externa foi retomada com alguns traços ainda mais agressivos e autonomistas, a partir do governo militar do Gal. Ernesto Geisel, na segunda metade dos anos 70, a despeito do seu alinhamento incondicional, ao lado dos EUA, na sua luta anticomunista. E foi mantida pelo primeiro governo democrático de José Sarney, apesar da prolon-

gada crise da “dívida externa” vivida pelo país durante toda a década de 80. No início dos anos 90, a vitória estadunidense na Guerra Fria, junto com a utopia da globalização e uma grande onda de liquidez internacional, criaram as bases materiais e ideológicas da nova virada do desenvolvimento e da política externa brasileiros. Em particular, entre 1994 e 2002, quando o governo Fernando Henrique Cardoso apostou numa associação íntima com os Estados Unidos – e em particular com Bill Clinton – enquanto o seu governo desmontava o Estado desenvolvimentista e promovia a volta do Brasil ao modelo livrecambista do século XIX. Mas depois de 2003, durante o governo Luiz Inácio da Silva, a política externa brasileira mudou de rumo, retomou o caminho da integração e do fortalecimento político e econômico da América do Sul, e da intensificação dos laços políticos, comerciais e tecnológicos com a África e a Ásia, procurando globalizar as questões internas do “hemisfério ocidental”. Nesta nova direção, contudo, o mais importante vem sendo a posição de destaque e de sustentação que o Brasil acabou ocupando – neste período – no debate cada vez intenso e generalizado que está se travando em toda a América do Sul, sobre uma nova posição internacional do Continente, e em

particular, sobre a redefinição da hegemonia hemisférica dos Estados Unidos. Neste momento, não há como não ver: este é o grande tema e o grande conflito que opõem entre si, de norte ao sul, as lideranças populares e políticas, as elites econômicas e os intelectuais sul-americanos. Nesta luta, em particular no Brasil, existem hoje duas forças ou atores que atuam decisivamente a favor de uma opção liberal e subalterna: i) uma intelectualidade – em geral de classe média – que se deslumbra ao chegar perto do poder político ou financeiro internacional e se transforma em defensora e porta-voz de uma espécie de “cosmopolitismo de cócoras”, ii) e uma elite econômica, cujo “descompromisso nacional” é legitimado por esta mesma intelectualidade, e que nunca precisou lutar ao lado do seu próprio povo – como na Europa, na Ásia e também nos Estados Unidos – para assegurar a acumulação da sua riqueza e garantir a sua própria segurança, conseguindo ou preferindo refugiar-se nos circuitos financeiros internacionais e submeter-se à tutela estrangeira da potência dominante. José Luís Fiori é professor titular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor do livro O Poder Americano (Ed. Petrópolis)


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agenda@brasildefato.com.br

AGENDA LIVROS PARAÍBA

Douglas Mansur / Novo Movimento

SOCIEDADE MIDIATIZADA Coletânea de textos assinados por pensadores críticos contemporâneos, entre os quais Eduardo Galeano, Manuel Castells, Jesús MartínBarbero, Armand Mattelart, Marc Augé, Lorenzo Vilches, Douglas Kellner, Guillermo Orozco Gómez, Muniz Sodré, Denis de Moraes e Pierre Musso. O organizador do livro é Denis de Moraes. A obra é da Editora Mauad, tem 248 páginas e custa R$ 45. Mais informações: (21) 3479-7422, mauad@mauad.com.br

CEARÁ 1º COLÓQUIO DE DIREITOS HUMANOS DO CARIRI 27 a 29 de abril O evento é organizado pelo curso de Especialização em Direitos Humanos, em parceria com as pró-reitorias de Extensão e Pesquisa da Universidade Regional do Cariri (Urca). Local: Centro de Convenções Padre Cícero, Juazeiro do Norte Mais informações: (88) 8822-1202

MINAS GERAIS CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM MOVIMENTOS SOCIAIS, ORGANIZAÇÕES POPULARES E DEMOCRACIA PARTICIPATIVA 3 a 5 de maio Primeiro encontro promovido pela Cáritas Brasileira, em parceira com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e com o Instituto Cultiva, o curso tem como objetivo qualificar agentes da Cáritas, de Pastorais Sociais, entidades parceiras, movimentos sociais e organizações populares, visando uma atuação no protagonismo popular. O curso será realizado à distância, por meio de uma plataforma digital, e divide-se em três modalidades: especialização, aperfeiçoamento e atualização,

1º SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE FINANÇAS SOLIDÁRIAS 8 e 9 de maio O evento terá como tema central “Microfinanças e desenvolvimento local: o desafio da economia solidária”. Entre os assuntos a serem tratados estão: linhas de crédito público, bancos populares, moedas sociais, fundos rotativos e bancos de sementes. Serão apresentadas experiências da sociedade civil e de políticas públicas de países como Brasil, Venezuela, Argentina e Alemanha. A iniciativa é do Fórum Estadual de Economia Solidária da Paraíba. Local: João Pessoa, Mais informações: sandrogomez@ig.com.br

sendo que, para as duas primeiras, exige-se diploma de graduação. O curso terá duração de 20 meses. Algumas das temáticas abordadas serão: cidadania e luta por direitos humanos, sociais e culturais; mobilização, controle público e seus limites na perspectiva da radicalização da democracia; cultura política, religiosa e ação pastoral. Benedito Ferraro, Carlos Rodrigues Brandão, Miguel Arroio, Leonardo Avritzer, Dalila Pedrini, Ilze Scherer-Warren participarão do corpo docente, entre outros. Mais informações: (61) 3325-7473 www.democraciaparticipativa.org

RIO GRANDE DO SUL POR UMA NOVA EDUCAÇÃO E GESTÃO COMPLEXA DO AMBIENTE 25 a 28 de abril Seminário que irá discutir duas grandes vertentes a respeito da complexidade ambiental: educa-

ção e gestão. Esses temas serão dispostos em três dias de discussão e têm por objetivo debater os caminhos teóricos e metodológicos possíveis acerca da temática ambiental e de sua dimensão complexa. Local: Universidade Luterana do Brasil, R. Farroupilha, 8001, Canoas Mais informações: www.ulbra.br/seminarioambiente

RIO GRANDE DO NORTE CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITOS HUMANOS, ESTADO E SOCIEDADE 1º e 2 de junho O encontro terá três eixos temáticos: um sobre direitos humanos, outro sobre a sociedade civil e um terceiro sobre o Estado. Dentro desses eixos, questões como a incorporação dos tratados internacionais no ordenamento brasileiro, os movimentos sociais na dinâmi-

ca dos direitos humanos e o problema da ineficácia constitucional acerca da efetivação dos direitos humanos no país serão tópicos abordados. Local: Natal Mais informações: (84) 3201-7429, atendimento@verboeventos.com.br

RIO DE JANEIRO MISERÊ BANDALHA Até 30 de abril A peça, montada pela Companhia de Atores Bendita Trupe, aborda o cotidiano violento vivido por jovens de comunidades pobres do Rio de Janeiro, retratando as perdas sistemáticas de cidadania e a manipulação do inconsciente coletivo pela mídia. Para organizações sociais, os ingressos são gratuitos. Local: Teatro João Caetano, Pça. Tiradentes , s/n, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 5573-1293, benditatrupe@uol.com.br

JUVENTUDE RURAL EM PERSPECTIVA 2 a 4 de maio Seminário internacional que visa promover a interlocução entre pesquisadores, gestores de políticas públicas e movimentos sociais, de maneira a aprofundar os temas centrais do debate sobre juventude rural no Brasil. Nesse sentido, foi adotado um formato que alterna mesas redondas e oficinas temáticas, de maneira a promover a ampla participação a partir da apresentação de experiências de pesquisa. Local: Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/ UFRRJ), Av. Presidente Vargas 417/6º andar, Rio de Janeiro Mais informações: juventuderural@terra.com.br

SÃO PAULO 4º SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS 5 e 6 de maio Os objetivos do seminário serão avaliar os resultados e o alcance social e político da Educação de Jovens e Adultos na última década, a partir da vigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), e elaborar indicações gerais para políticas públicas de Educação de Jovens e Adultos. Durante o encontro haverá debates sobre etnia e raça, gênero, educação no campo, educação especial, indígena, questão juvenil e, ainda, a educação no contexto prisional. Outros destaques são os debates sobre economia solidária e inclusão digital. Local: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Av. da Universidade, 308, São Paulo Mais informações: (11) 3866-2753 www.ivseminarioejasp.com.br


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CULTURA

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CINEMA

Mas... essa gente aí, como é que faz? Divulgação

Documentário mostra o drama de famílias sem-teto na capital paulista Igor Ojeda da Redação

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cena emociona. Cantando o hino nacional, milhares de sem-teto saem de um prédio da rua Rego Freitas, em São Paulo, vigiados de perto pela polícia. Alguns choram. Outros fazem questão de se mostrar fortes. Algumas horas antes, haviam ocupado o edifício, numa ação conjunta em outros seis pontos da cidade. Ao fundo, a música Despejo na Favela, do sambista paulistano Adoniram Barbosa, resume o momento: “Pra mim não tem problema/ Em qualquer canto eu me arrumo/De qualquer jeito eu me ajeito/ Depois, o que eu tenho é tão pouco/ Minha mudança é tão pequena/ Que cabe no bolso de trás/ Mas essa gente aí/ Como é que faz?”. Minutos antes, o documentário Dia de Festa, dirigido pelo arquiteto franco-argentino Pablo Georgieff e pelo cineasta brasileiro Toni Venturi, mostra verdadeiras cenas de guerra no centro da capital paulista. É madrugada de um dia qualquer de outubro de 2004, quando sete ocupações simultâneas são realizadas pelo Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC). Correria. Gritos. Bombas de gás lacrimogêneo. Confronto entre sem-teto e policiais. Os integrantes do movimento nada temem. Não recuam. Enfrentam a polícia com a segurança de estar do lado certo. Estão cansados de ver seus direitos mais básicos negados. Exigem tão somente um teto. Mas as ocupações, assim como os momentos que as antecedem e aqueles que as sucedem, servem apenas como pano de fundo. O filme, uma co-produção Brasil-Fran-

Dia de Festa mostra a realidade do movimento por moradia em São Paulo por meio da história de quatro mulheres, entre elas, Janaína (à direita)

ça, centra seu enredo na história de vida de quatro mulheres com passados e presentes bem parecidos. Ivaneti de Araújo, a Neti, de 30 anos; Silmara do Congo da Costa, de 34, Janaína Cristina da Silva, 18; e Ednalva Silva Franco, 33, vieram do campo, onde trabalharam desde cedo, com o sonho de uma vida melhor. Sem poder pagar o aluguel com o salário que ganhavam, entram na luta pela moradia e tornam-

se coordenadoras do MSTC. Todas fazem jus às suas condições de líderes. Todas alimentam o sonho coletivo da moradia. Não deixam espaço para aspirações pessoais. Seria muito mesquinho. Venturi dirigiu os longas de ficção Cabra-Cega, Latitude Zero e o documentário O Velho, sobre a vida de Luís Carlos Prestes. Georgieff, pesquisador do tema, viveu durante um ano e meio entre

os sem-teto. Ao entrar em contato com o MSTC, convidou Venturi a filmar a história do movimento e as ocupações organizadas por ele. O resultado foi um retrato ao mesmo tempo fiel e sensível da luta de milhares de paulistanos. Na primeira semana de maio, paralelamente ao lançamento do documentário, ocorrerá o seminário “Cidade Ocupada”, que contará com a presença de sociólogos, filó-

sofos e líderes locais e internacionais de movimentos de moradia. A programação ainda não havia sido divulgada até o fechamento desta edição, dia 25 de abril. SERVIÇO Filme: Dia de Festa Direção: Pablo Georgieff e Toni Venturi Duração: 77 minutos Estréia: 28 de abril

ENTREVISTA

Folclore: muito além do espetáculo O Brasil viveu um renascimento das práticas culturais tradicionais, a partir da década de 1990, com a resignificação de alguns elementos folclóricos por parte dos meios universitários e intelectuais. No entanto, segundo o pesquisador de etnomusicologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Alberto Ikeda, essa onda de revalorização da cultura popular tem um lado perverso. Para ele, embora essa aproximação entre setores da elite e camadas populares seja uma forma positiva de buscar um tipo de intercâmbio, os significados da cultura para o praticante diretamente inserido no universo folclórico são muito mais profundos. Ikeda acredita que há uma tendência, gestada nos meios hegemônicos da sociedade, de considerar o folclore como elemento alegórico, ou seja, uma forma de diversão. Do ponto de vista de seu real praticante, no entanto, a cultura popular gera profunda identidade com a comunidade à qual pertence. Brasil de Fato – Qual o papel da música folclórica como elemento de resistência, hoje? Alberto Ikeda – O que a gente nota, sobretudo na década de 1990, é que essas músicas ditas folclóricas ou étnicas passaram a ter uma valorização muito grande, sobretudo no meio universitário. Houve uma espécie de redescoberta, o que também deu novo impulso ao conhecimento dessas práticas de músicas tradicionais. Mas, independente dessa redescoberta, essas músicas sempre foram preservadas porque, na verdade, têm profundo lastro nas comunidades que as guardam.

aos grupos. Por isso as músicas que são preservadas têm uma importância muito grande para seus praticantes. Um dos motivos da preservação é exatamente isso, o profundo lastro histórico e ancestral entre músicas da comunidade e sua preservação. Eu diria que é o lastro cultural para essas comunidades.

Douglas Mansur/ Novo Movimento

Gissela Mate de São Paulo (SP)

Para Ikeda, a elite toma a cultura popular apenas como um elemento de diversão

BF – Existe uma “nova” importância em preservar o folclore? Ikeda – Não se deve confundir folclore com as práticas culturais, nesse sentido perverso de “folclore para ser mostrado”. A outra coisa é a vivência desses saberes populares dentro das comunidades. Na verdade, desde o século 19, quando foram sistematizadas as propostas de estudos e preservação daquilo que era chamado de folclore, sempre houve uma visão muito reducionista dessas práticas. As elites as viam como elementos de identidade nacional ou local, mas são duas visões diferentes. Uma é a dos setores hegemônicos da sociedade, que vêem no folclore somente um instrumento de identidade nacional, e na maioria das vezes transformam as práticas culturais em espetáculo. Por outro lado, por parte do povo, as vivências folclóricas têm sentidos de identidade, são também instrumentos de grande valor agregado, que reúne as pessoas periodicamente para as práticas tradicionais, por meio das quais

esse povo se identifica e relembra sua própria história. BF – Qual a importância do folclore nas práticas sociais mais amplas? Ikeda – As práticas folclóricas remontam e situam os indivíduos dentro de um universo de significados profundos. É aquilo que dá o sentido comunitário à existência das pessoas. Então, quando a gente olha para o mundo capitalista – onde a individualidade passa a ser o bem maior – e compara com comunidades tradicionais, é possível notar que, apesar de também existir respeito à individualidade, existem valores que são caros e importantes para a comunidade como um todo, e eles é que são preservados. Por exemplo, na malhação de Judas, são colocadas figuras de políticos malvistos ou considerados desonestos. São formas populares de revelar uma realidade existente. As práticas tradicionais são referências, sonoridades que geram identidade, um sentido coletivo

BF – Pode dizer que nessa revalorização das culturas populares há risco de se alienar as práticas folclóricas de seus significados mais profundos? Ikeda – Eu diria que temos dois aspectos, a gente precisaria ver até do ponto de vista dialético. Não há dúvida de que essa valorização que se faz nos meios acadêmicos e universitários é uma forma de se fazer conhecer essas práticas dentro do cenário da cultura de um modo geral. Mas o outro lado, e é isso que eu chamo exatamente de perverso, é essa alienação, essa incompreensão dos sentidos e dos significados profundos dessas práticas, transformando-as apenas em elementos alegóricos, somente como momentos de diversão. BF – Como o senhor avalia a inserção do Brasil no universo da indústria cultural atualmente? Ikeda – A década de 1990 mostrou exatamente isso. Criaram-se festivais étnicos, em que se fazem grandes amostragens das culturas populares do mundo todo. E o Brasil está sempre inserido nesse contexto internacional de puro consumismo, sem que isso de fato revele uma preocupação humanista. Então, dá impressão de que há uma valorização do “povo”, quando isso de fato não acontece. É apenas uma camuflagem.

BF – É possível estabelecer um “mapa” da cultura popular dentro do Brasil? Ikeda – Claro que existem, em determinadas regiões do Brasil, práticas que se preservaram, talvez por ter estado mais tempo isoladas... Assim, conseguiram manter um padrão um pouco mais local. Mas isso é sempre um processo. Por isso a dificuldade de localizar onde se preserva mais ou menos. Por exemplo, no Nordeste, se preservaram várias práticas populares na forma tradicional até a década de 1980. Depois disso elas se transformaram em grandes referenciais de espetáculo, porque havia um incentivo maior ligado aos órgãos de turismo e aos meios de comunicação.

Arquivo Pessoal

Quem é Professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Alberto Ikeda nasceu em São Bernardo do Campo (SP). Graduou-se em Educação Artística em 1977 pelo Instituto Musical de São Paulo. É estudioso e pesquisador da música folclórica e da música popular brasileira.


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