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Ano 4 • Número 170

R$ 2,00 São Paulo • De 1º a 7 de junho de 2006

Juventude. Um novo desafio Movimentos sociais discutem os rumos da organização juvenil para revigorar a luta política Robson Oliveira

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s jovens querem participar da política. Mas não se sentem “aptos” e “preparados” para fazê-lo em movimentos sociais. Na verdade, são as organizações que não estão “aptas” e “preparadas” a assumir o desafio de integrar a juventude em sua prática política. Oito dirigentes jovens, ouvidos pelo Brasil de Fato, acreditam que os movimentos precisam reinventar-se, incorporando as manifestações culturais e a nova linguagem juvenis. Se não o fizerem, correm o risco de perderem força e desaparecerem. Trabalho, acesso à educação e luta contra o imperialismo são temas que, segundo os entrevistados, unem a juventude e devem ser trabalhadas pelos movimentos. O desafio está dado. E é de todos. Pág. 3

Trabalhadores rurais sem-terra participam de jornada de luta para exigir do governo Lula medidas que fortaleçam a agricultura familiar e viabilizem a reforma agrária

Jornada de sem-terra conquista avanços do setor de agricultura familiar em 5 anos, com juros de 8,5% ao ano. O governo também prometeu destinar R$ 10 bilhões para a agricultura familiar, enquanto concedeu quatro vezes mais para custear o agronegócio. Pág. 5

O maior evento mundial está prestes a começar. A partir do dia 9 de junho, 32 equipes buscarão, durante um mês, o título da Copa do Mundo, que acontecerá na Alemanha. No entanto, mais do que simples partidas de futebol, muitos dos embates poderão ex-

pressar relações simbólicas entre os adversários, seja do passado, seja do presente. Colonialismo na África e nas Américas, guerras sangrentas e até conflitos diplomáticos atuais poderão entrar em campo. Pág. 7

Nos últimos dez anos, 287 indígenas foram assassinados, segundo o relatório A Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, lançado pelo Conselho Indigenista Missionário, dia 30 de maio, em Brasília. A questão fundiária é, na opinião dos analistas, a principal causa dessa violência. O Mato Grosso do Sul é o Estado onde se registram mais violações dos direitos dos povos indígenas em 2005. Pág. 4

Marcio Baraldi

Após deflagar a mobilização de milhares de trabalhadores rurais em 18 Estados, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) obteve conquistas para os pequenos agricultores - entre as quais a prorrogação do pagamento da dívida

Copa do Mundo 2006: um enfoque político-histórico

Indígenas são vítimas do agronegócio

EDITORIAL

Uribe na contramão da América Latina A pseudodemocracia burguesa garantiu a reeleição do presidente Álvaro Uribe, na Colômbia, com pouco mais de sete milhões de votos. O país – dominado pelo terrorismo de Estado, por máfias e por grupos paramilitares – teve um pleito marcado por quase nula participação popular. Não compareceram às urnas 16,7 milhões de cidadãos ou 55% dos habilitados a votar. Entre os que se motivaram a votar, Uribe ficou com 62% de votos do eleitorado, contra 22% do candidato da esquerda, Carlos Gaviria (Pólo Democrático Alternativo), e 12% de Horacio Serpa, do Partido Liberal. Na prática, Uribe foi eleito com apenas 27% dos votos. Inquestionavelmente, Uribe saiu fortalecido. Ganhou fôlego extra para implementar mais políticas neoliberais e conseguir que o Congresso aprove o Tratado de Livre Comércio (TLC) assinado com os Estados Unidos, como interessa às oligarquias exportadoras e à elite colombiana. Além disso, no plano internacional, sua vitória mantém um enclave estratégico dos Estados Unidos na América Latina, sobretudo em um momento de efervescência popular e crescente sentimento antiimperialista em seus dois vizinhos: a Venezuela, presidida por Hugo Chávez, e a Bolívia, por Evo Morales.

Não foi à toa que o presidente estadunidense George W. Bush negociou arduamente no Congresso um aumento dos milhões dólares e do apoio militar dados à Colômbia no início do ano, mesmo depois de relatórios internos mostrarem o fracasso do Plano Patriota – que tinha como objetivo combater as guerrilhas. O processo de militarização constante do país deve prosseguir, assim como a repressão às manifestações sociais. É ilustrativo o saldo da Cúpula Nacional Itinerante, convocada pelas principais organizações indígenas, campesinas e afrodescendentes do país às vésperas da eleição, em 19 de maio. Os movimentos manifestaram discordância com Uribe e suas bandeiras. O exército interrompeu o encontro e entrou em confronto com os participantes: um indígena foi morto, outros 60 ficaram feridos e 36 foram presos (leia mais na página 7). Mas as eleições também abriram novos cenários na Colômbia. Em primeiro lugar, pela primeira vez na história do país, uma frente de esquerda – o Pólo Democrático – afirmou-se nacionalmente e sepultou o que restava do velho Partido Liberal, que por mais de 50 anos revezou-se no poder com os conservadores. Em segundo lugar, embora Uribe diga que “pacificou” os centros urbanos, está longe de

derrotar as guerrilhas clássicas, principalmente as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs). Em terceiro, o país vive o caos social: os índices de miséria e desemprego na população urbana e rural são assustadores, e não há horizonte de mudanças. É inegável também o papel que os outros povos latinoamericanos podem ter nesse processo, em um cenário em que avança a Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), agora com os novos acordos entre a Bolívia e a Venezuela. E o outro vizinho, o Equador, ainda que viva uma crise institucional e política, resolve nacionalizar o petróleo, atendendo ao clamor popular. E as próximas eleições na Nicarágua, no México e no Peru não prometem o reforço dos planos estadunidenses. Ao contrário. A roda da história, na América Latina e no mundo, não gira hoje em favor do neoliberalismo. O imperialismo encontra crescentes dificuldades no Oriente, no próprio Iraque, e no aparentemente dominado Afeganistão, e não sabe como vai enfrentar a crise com o Irã. A vitória de Uribe não é boa para os projetos de integração da América do Sul. Mas tampouco representa uma reviravolta na correlação de forças da região, em favor do imperialismo.

Na Colômbia, presidente com poucos votos Pág. 6

Cinema do Nordeste na periferia de SP Pág. 8

Já está no ar o novo formato da Agência Brasil de Fato na internet. No endereço ( w w w. b ra s i l d e fa t o. c o m . b r ) , você poderá encontrar nossa produção diária de conteúdo exclusivo, entre reportagens, entrevistas e análises, além das edições anteriores do jornal impresso. Em breve, os assinantes terão uma seção específica para acessar a edição da semana. Vamos colocar no ar também um link para rádios comunitárias de


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De 1º a 7 de junho de 2006

DEBATE

CRÔNICA

Bolívia, Honduras e o mundo Jose Luís Fiori rimeiro foi a Bolívia. Depois, o presidente de Honduras, Manuel Zelaya Rosales, também anunciou a intenção de renegociar “preços justos” com petroleiras. O fenômeno vem se repetindo em países exportadores de recursos energéticos que nacionalizam suas empresas ou refazem seus contratos, desde que os preços do petróleo dispararam no mercado internacional. O caso mais importante foi a reestatização da Gazprom, em 2004/2005, que recolocou a Rússia na condição de “gigante mundial da energia”. O mesmo aconteceu na Nigéria, no Casaquistão e na própria GrãBretanha. É a mesma política em discussão na União Européia e já aprovada pelo Congresso estadunidense – que decidiu “punir as empresas que rejeitem uma mudança nos seus contratos de operação que dará ao governo uma fatia maior dos lucros com o petróleo” (Valor, 22/5/06). Uma decisão já tomada pela Venezuela, e que está sendo negociada pelo Equador. Por todo lado, vê-se uma tendência identificada pelo The New York Times como uma “ressurgência mundial das políticas nacionalistas” (6/5/06). Confirmando essa hipótese, faz algumas semanas, o ministro japonês Shinzo Abe denunciou ao jornal Financial Times o “renascimento do nacionalismo asiático” (28/4/06). Quase ao mesmo tempo em que o vice-presidente estadunidense, Dick Cheney, acusava a Russia de usar seus recursos energéticos com objetivos nacionalistas e expansionistas. Enquanto o ministro da defesa polonês, Radek Sikorski, criticava a Alemanha e a Rússia por estarem construindo uma gasoduto entre os dois países, através do Mar Báltico, que exclui a Europa Central (4/5/06). No entanto, dentro da própria União Européia, multiplicaram-se as políticas defensivas e as intervenções dos governos para impedir aquisições e fusões empresariais que possam desnacionalizar suas empresas energéticas, como

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no caso mais surpreendente, do veto inglês à compra pela Gazprom, da Centric PLC, maior distribuidora de energia do Reino Unido. Como explicar essa inflexão nacionalista, tão rápida e universal? Parece tratar-se de fenômeno de longo prazo, sem causa única. No curto prazo, não há dúvida de que essa “onda” é alimentada pelo problema da “segurança energética” da nova “máquina de crescimento mundial”, liderada pelo eixo entre os Estados Unidos e a China/Índia. Em conjunto, a China e a Índia detêm um terço da população mundial e vêm crescendo nas duas últimas décadas a uma taxa média de 6% a 10% ao ano. A previsão é de que até 2020 a China aumente em 150% o seu consumo energético, e a Índia em 100%. A China já foi exportadora de petróleo, mas hoje é a segunda maior importadora do mundo. A dependência do fornecimento externo de petróleo, na Índia, é ainda maior – nos últimos 15 anos, passou de 70% para 85% do consumo interno. Ao mesmo tempo, o Japão e a Coréia continuam grandes importadores de energia, o que explica sua corrida conjunta e competitiva em direção a Ásia Central, África e América Latina. O Instituto Inter nacional de Estudos Estratégicos de Londres atribui a essa mesma disputa energética a recente reestruturação naval e a presença militar crescente dos chineses e indianos

no Mar da Índia e no Oriente Médio. No outro lado do “eixo”, os Estados Unidos se mantêm os maiores consumidores de energia do mundo e vêm deslocando seu fornecimento para sua zona de segurança estratégica, no México e no Canadá, ou mesmo na Venezuela. Apesar disso, seguem atuando de maneira ofensiva e “nacionalista”, buscando um acordo estratégico de longo prazo com a Rússia e tentando garantir o controle de novos territórios petrolíferos. Nessa luta, a Europa entra como “primo pobre”, depois que a Grã-Bretanha voltou a importar petróleo, enquanto o resto da União importa da Rússia, hoje, 49% do seu gás. Por isso, a Rússia vem ressurgindo como potência, não apenas por deter o segundo maior arsenal nuclear do mundo, mas por ser a fornecedora de energia também de China, Índia e Estados Unidos. Olhando dessa forma para Bolívia e Honduras, vê-se que a globalização do capital acabou globalizando a demanda e a disputa pelos recursos energéticos e provocou um aumento de preços que pode e deve se sustentar por muito tempo – o que fortalece a posição econômica e estratégica dos países exportadores de recursos energéticos. Essa tensão está por trás da nova “onda nacionalista” e tudo indica que veio para ficar por um bom tempo, empurrando as grandes potências na direção da sua velha luta pela conquista e monopolização de novos “territórios econômicos” supranacionais. Esse tufão está começando, mas já paralisou a União Européia, atropelou o Mercosul, e deve enterrar os sonhos liberalizantes da Rodada Doha. Apesar de tudo isso, a “idiotia conservadora” segue falando de “populismo latino-americano”. Jose Luís Fiori é cientista político

Será que tudo virou videogame? Luiz Ricardo Leitão A julgar pelo que se lê na imprensa e na rede cibernética, o planeta deveria fechar para balanço. De fato, a Paidéia áudio-visual colhe seus frutos no Ocidente. A máquina de fazer doido tornou-se a grande pitonisa da pobre era pósmoderna. Enquanto a realidade soa como ficção na TV e as novelas globais invadem as manchetes dos jornais, cresce a legião de analfabetos políticos e a vida pública oscila como um show espetacular. Fausto Wolff, no JB, não poupou munição: “Hoje Gil é ministro da Cultura e políticos consultam-se com o filósofo da Corte, Caetano Veloso”... E a festa parece não ter fim. Em São Paulo, o PCC S/A comanda com seus celulares, de dentro dos presídios, uma série de ataques às forças policiais. Lá no Belenzinho, meu confrade Maringoni descreve-nos a corporação-partido como “uma empresa de médio porte em contínua expansão”, sob comando centralizado e de estrutura bastante flexível, “com capacidade de atuação justin-time e rapidez de decisão”. Essa “quadrilha pós-moderna”, que não por acaso surge nos cárceres paulistas no início dos anos 90, é um ícone exemplar da metástase neoliberal em Pindorama. O crime aderiu às táticas da globalização e se espraia como o capital transnacional sobre economias desreguladas e flexíveis. De quebra, arrecada (e lava) R$ 700 mil mensais, além de instituir plano de previdência e fundos de assistência para seus “associados”. Corporação delinqüente em Sampa, governos delinqüentes país afora. No Rio de Janeiro, Little Rose & Little Boy tomaram de assalto a máquina estatal e levaram o Estado à ruína. É a farra do “chuvisco” (um doce típico de Campos): ONGs fantasma recebem milhões de reais dos cofres públicos, fiscais da Fazenda enviam milhões de dólares para o exterior e deputados aliados enchem a burra às custas das “comissões” em concorrências para venda de carteiras e bancos escolares. É claro que os hospitais estão à míngua, sem verbas para refeições nem remédios,

e a educação segue de mal a pior. Na UERJ, um bloco de concreto de 10 t despencou do 12º andar, o teto da Pediatria desabou e a governadora, em resposta à greve dos servidores por mais verbas e reajuste salarial, decidiu cortar-lhes o salário, como já fizera com os professores das escolas técnicas estaduais. Sim, talvez esteja “tudo dominado”, como nos adverte um sábio refrão do funk carioca. O ex-guerrilheiro Fernando Gabeira, que na atual carreira de deputado alterna bons e maus momentos, se diz humilhado ao ver que os bandidos estão triunfando na vida pública: eles “não só tomaram conta de tudo mas também tomam café ao seu lado, riem para você, falam sobre o tempo e reclamam da dureza da vida política”. Mas será que “eles” venceram e o sinal está fechado para nós, que somos jovens e rebeldes de espírito? Tenho cá minhas dúvidas. Ao contrário do que pregava Fukuyama, a história não acabou: se Roma e Bizâncio caíram, por que acreditar que as corporações e até mesmo os Estados delinqüentes deste planeta são eternos? Por falar em impérios, anunciase que o mais novo jogo eletrônico criado em terras de Bush & cia. (ou “CIA”) simula uma brutal caçada a Hugo Chávez, o presidente eleito da Venezuela, um inusitado pólo de resistência regional à sanha imperialista dos EUA. Pelo visto, lá também eles pensam que o nosso mundo virou um alucinado videogame. Mas o que diz o manual de instruções em caso de curtocircuito? O que fazer com Iraque, Afeganistão, Irã e América Latina? Como ocultar a colossal dívida interna? O pesadelo, aliás, nunca terá fim: mesmo que Tio Sam converta o planeta em um brinquedo virtual, é possível que lá atrás apareça a irônica etiqueta: made in China... Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latinoamericana pela Universidade de La Habana, é autor de ¿A dónde va la telenovela brasileña? (Editora Ciencias Sociales, Cuba)

CARTAS DOS LEITORES ALEGRIA COM O BF A comunidade Padre Josimo tem a alegria de contribuir e se informar e se formar com o jornal Brasil de Fato. Esse meio de comunicação mostra o que realmente acontece e faz a contrabalança com a imprensa comprometida com a burguesia nacional e internacional. Por isso somos gratos a esse importante jornal. Instituto Cultural Padre Josimo Hulha Negra (RS) ELEIÇÕES Cuidado! Eles estão voltando. Punidos, quase punidos e principalmente impunes, em outubro estarão diante de nós em busca de votos dos incautos e mal informados de sempre. Esses políticos, tratados de vossa excelência, não representam ninguém mais do que eles próprios, nessa democracia dita representativa. Eu os classifico como cegonhas, pinóquios e Janos. Como cegonhas nos levam no bico. Como pínóquios não passam de mentirosos e enganadores. E como Janos, o deus mitológico, eles têm duas caras. Portanto, ao escolher seu candidato veja o que e a quem ele representa. Se é candidato à reeleição, veja o que ele fez em prol do país. João C. da L. Gomes Porto Alegre (RS)

FARINHA DO MESMO SACO Tenho assistido através da TV Senado os pronunciamentos da senadora Heloísa Helena (PSOL), que deixa muito a desejar. O seu discurso é sempre elogiado pelos picaretas José Jorge (PFL – PE), Artur Virgílio (PSDB-AM), José Agripino (PFL-RN), dando a impressão que o PSOL e o PFL fomam um bloco de oposição. Ora, se a senadora é de esquerda e faz oposição ao governo traidor de Lula, seu discurso deveria mostrar quem foi os governos de FHC e de Lula, e que Geraldo Alckmin e Garotinho são farinha do mesmo saco. Quando a senadora foi expulsa do PT, porque não foi para o PSTU que faz oposição verdadeira ao governo Lula? Cláudio Rogério da Silva Nazaré da Mata (PE) DISCÓRDIA Entendo o socialismo como a libertação do ser humano de toda opressão, como a solução das injustiças, como uma etapa evolutiva do espírito na sociedade humana. O processo para que ocorra a transformação da sociedade exige a divulgação das idéias socialistas, a explicação sobre como resolver os problemas sociais através da cooperação no trabalho, da justa distribuição da riqueza, da crescente socialização da propriedade dos meios de produção, da formação de

uma economia e de uma cultura solidária. A transformação socialista é um processo gradual, mais veloz ou mais devagar dependendo da conjuntura, que precisa ir convencendo as pessoas da sua necessidade. Essa tarefa de divulgação, o diálogo e as ações para gerar consciência política e o desenvolvimento de novas práticas sociais, cabe aos verdadeiros revolucionários. Discordo dos que pensam o socialismo como fim a ser alcançado independente dos meios; dos que se prendem fanaticamente a teorias e dogmas proclamando-se “sábios” diante dos “incultos”; dos que em vez de procurar convencer a maioria pela razão preferem impor no grito o cumprimento de suas idéias; discordo dos caluniadores que rotulam as pessoas sem buscar o dialogo e a reflexão para gerar a evolutiva mudança; discordo dos falsos socialistas que ignoram valores humanos, a expressão dos gestos de uma nova cultura, e se satisfazem no debate oco sobre conhecimentos materialistas dizendo e fazendo coisas irresponsáveis que só atrapalham e deturpam os ideais e as ações dos indivíduos verdadeiramente transformadores. Enfim, discordo dos analistas orgulhosos e sectários que não fazem nada e atrapalham os que querem fazer alguma coisa. Rodrigo Nicolau Matsui Santos (SP)

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Isa Gomes, Jorge Pereira Filho, Paulo Pereira Lima • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, João Alexandre Peschanski, Luís Brasilino, Marcelo Netto Rodrigues, Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho e Miguel Cavalcanti Yoshida • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Silvio Sampaio • Assistente de redação: Bel Mercês • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Valdinei Arthur Siqueira • Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 - Campos Elíseos - CEP 01218-010 - Tel. (11) 2131-0800 - São Paulo/SP - redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. Conselho Editorial: Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • Erick Schuning • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim

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De 1º a 7 de junho de 2006

NACIONAL NOVO DESAFIO

Movimento com cara jovem João Alexandre Peschanski da Redação

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rganizar a juventude. É esse o principal desafio dos movimentos sociais. Se não conseguirem, reconhecem, correm o risco de se tornar obsoletos. Enfrentam dois poderosos adversários. Por um lado, a cultura dominante, a lógica do capital, que estimula o individualismo e afasta os jovens da participação política. Por outro, a própria dinâmica das organizações, que geralmente abrem pouco espaço para novas práticas políticas. O desafio é lançado, em coro, por oito dirigentes jovens, ouvidos pelo Brasil de Fato (leia quadro ao lado). Responderam, todos, às mesmas perguntas: Como organizar a juventude? Quais são as bandeiras que unem os jovens? Quais devem ser as propostas dos movimentos sociais para a juventude? Por que é importante colocar a juventude em foco na conjuntura atual? As respostas divergiram, até mesmo, como disse Ismael Cardoso, da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), porque há inúmeras formas de organizar a juventude. O importante é criar uma pauta e um calendário de lutas unificados dos movimentos sociais, ressaltam João Paulo Rodrigues, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Leandro Soto, da Coordenação Nacional de Luta dos Estudantes (Conlute) e Maurício Botton Piccin, da União Nacional dos Estudantes (UNE). Os entrevistados concordaram em, pelo menos, três bandeiras que unem a juventude: trabalho, acesso à educação e luta contra o imperialismo. Não basta apenas incorporar tais elementos em documentos formais ou palavras de ordem para agregar militantes jovens. Os movimentos sociais precisam repensar sua “linguagem”, como afirma Vinicius Sartorato, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), e sua “metodologia”, nos termos de Alexandre Chumbinho, da Consulta Popular. A indignação juvenil pode alimentar as lutas por transformação social e revitalizar os movimentos sociais, que muitos analistas consideram em descenso. A avaliação é de Maciel Cover, da Pastoral da Juventude Rural (PJR), ligada à Igreja católica. E são os 31,1 milhões de jovens (de 15 a 24 anos, 19% do total da população brasileira), de acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as principais vítimas das mazelas do modelo econômico ortodoxo do governo, diz Ticiana Studart, da Marcha Mundial de Mulheres (MMM). Representantes dessas oito entidades, e várias outras, se reúnem no 1º Seminário da Juventude da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), realizado em Guararema (SP) nos dias 1 e 2 de junho. O mote do encontro é justamente deslindar o desafio da organização juvenil.

Fotos: Divulgação

Trabalho. Educação. Anti-imperialismo. Dirigentes jovens revelam bandeiras que impulsionam a organização juvenil Como organizar a juventude?

Quais são as bandeiras que unem os jovens?

Quais devem ser as propostas dos movimentos sociais para a juventude?

Por que é importante colocar a juventude em foco na conjuntura atual?

A juventude está bastante organizada. Não há espaços desocupados politicamente. Mas como organizar a juventude em uma perspectiva revolucionária? É preciso romper com os modelos que tomaram conta da organização juvenil: narcotráfico, pentecostais, ONGs e cabos eleitorais.

Trabalhamos em cima de quatro eixos: educação, trabalho, cultura e anti-imperialismo. Os dois primeiros porque têm um papel central na luta econômica da atual conjuntura. Os dois últimos por serem pertinentes para trabalhar a elevação do nível de consciência dos jovens.

Os movimentos sociais precisam estimular lutas de massa, absorvendo as pautas que unificam a juventude, e desenvolver metodologias de trabalho experimentando novas formas de organização. Também devemos ser capazes de alavancar o surgimento de outras organizações de massa.

O Brasil é um país de jovens, que podem ser mobilizados para transformar o quadro de desigualdades, do qual são vítimas. Além disso, o jovem, por natureza, procura dar vazão a suas potencialidades, mas se defronta com os limites determinados pela realidade objetiva.

Existem várias formas de organizar a juventude. A Ubes atua pelo movimento do ensino, com grêmios e entidades estudantis. Há reivindicações específicas como o passe livre e a reserva de vagas nas universidades para estudantes oriundos de escolas públicas.

Há uma bandeira geral, que é a luta por melhores condições de vida. A juventude, em virtude do projeto neoliberal que nos foi imposto, foi colocada para escanteio. Queremos mais educação para os jovens. Mais emprego para os jovens.

Os movimentos sociais precisam valorizar a juventude. É necessário criar formas para que os jovens participem mais das decisões políticas, para que possam pressionar por políticas públicas voltadas para a juventude.

É aquela velha história: o futuro do país está na juventude. Mas esse futuro precisa ser construído. A juventude precisa trazer um projeto de desenvolvimento para o Brasil. A participação precisa se dar nas ruas, nas escolas, no campo.

No debate com a juventude, a maior dificuldade é o método. O jovem se mobiliza contra injustiças, mas como fazer dessa força algo contínuo? É preciso estimular todas as experiências. Não há um modelo correto, desde que deixem o jovem como sujeito da organização.

Há seis bandeiras que unificam jovens do campo e da cidade: acesso à educação, trabalho e renda, arte e cultura, passe livre, luta contra a violência e contra o anti-imperialismo. Assim, não fica ninguém de fora.

É importante estimular a luta de massas. A CMS pretende fazer essa articulação, com reivindicações de ordem econômica e política. É preciso aprovar um calendário de lutas da juventude e unificar a pauta dos movimentos, para cobrar o governo.

Os jovens são os que mais sofrem os reflexos da desigualdade social. São eles que estão sem emprego, discriminados, vítimas de ataques da polícia. É essa juventude que pode construir uma nova perspectiva de luta e se tornar o novo ABC paulista do acenso da luta de massas.

Depende de três pilares: a clareza de que é preciso lutar para transformar a sociedade, pois não dá para apostar na mudança institucional; o estímulo à democracia no movimento estudantil, para que não reproduza os erros da UNE, muito burocratizada; e a necessidade de se aliar aos trabalhadores.

São muitos os temas. O livre acesso à universidade, com a política de cotas; ou o desemprego, exigindo do governo que pare de pagar a dívida externa e use os recursos para realizar uma política soberana.

Os movimentos sociais precisam ampliar sua participação nas campanhas das quais participam os jovens, como a luta por verbas para a educação. No campo, a luta pela reforma agrária. Na cidade, o emprego. É a hora de criar um calendário de lutas.

A juventude sempre foi protagonista das principais lutas do país, como a resistência à ditadura e o Fora Collor. As organizações burocráticas, como a UNE, tentam reverter essa tradição. É preciso estimular a juventude a ser agente da transformação.

Trabalhamos com jovens da roça. Entramos nas comunidades e fazemos trabalho de base, discutindo os problemas locais das pessoas. Além disso, a produção cultural e artística estimula a resolução de problemas e ajuda no trabalho de formação, como a formação em agroecologia, por exemplo.

Em primeiro, a busca pelo trabalho, pois o nível de desemprego é alto e não há perspectivas para a juventude. Em segundo, a educação. A maioria dos jovens não consegue dar continuidade a seus estudos e o Estado não dá oportunidades. Por fim, a luta contra a guerra e o imperialismo.

Quanto ao trabalho e a educação, é preciso mudar a forma de atuação dos movimentos sociais. É preciso criar propostas claras para pressionar a transformação social.

A juventude é um público que tem energia para fazer as coisas e inovar. É um público indignado com o sistema, mas que não está ainda unido para apresentar uma alternativa. É preciso estimular formas para unir essa revolta.

UNE 24 anos

Não existe um método definitivo e acabado para organizar a juventude. É um setor social muito diverso. O melhor é identificar o que unifica o conjunto das organizações e, a partir disso, traçar uma ação unificada do conjunto da juventude. No entanto, essa construção deve ser feita de forma muito sólida, com calma, respeitando a autonomia de cada movimento.

A luta por educação é uma bandeira central. Outras são o acesso ao trabalho (emprego/ terra), o direito à moradia. Uma pauta fundamental para a juventude é o acesso ao tempo livre. Chamamos de tempo livre o acesso à cultura, ao esporte, ao entretenimento. Para isso, articula-se outro tema fundamental e que tem mobilizado amplas parcelas da juventude: o acesso ao transporte.

Devem ser propostas capazes de dialogar com a grande diversidade das organizações juvenis, como, por exemplo, o Fórum Nacional de Movimentos e Organizações Juvenis. É fundamental também construir o entendimento de que a juventude brasileira precisa se organizar para romper com o sistema capitalista. Deve-se organizar um calendário de mobilização para o próximo ano.

Do ponto de vista da necessidade da luta social pela transformação, a juventude é estratégica, dada a densidade populacional e dado o grau de exclusão na sociedade. É nesse sentido que a juventude deve ser colocada como foco para as organizações políticas de esquerda, sejam elas movimentos, partidos ou outras.

Ticiana Studart

Há muitos protestos que agregam jovens, como os protestos contra a guerra, o Fórum Social Mundial. Nesses espaços, há a oportunidade para dialogar com a juventude e fazer luta de modo permanente. É preciso disputar o jovem com o inimigo maior, o modelo capitalista.

A palavra de ordem do Fórum Social Mundial - o mundo não é mercadoria - resume as esperanças da juventude. O capitalismo tenta aguçar o individualismo das pessoas, mas o jovem se rebela. O consumo não é um modo de vida que emancipa. Quando isso está dito, pode-se lutar por emprego, contra a dominação masculina, por educação, por reforma agrária.

A juventude precisa se sentir convocada a partir dos movimentos sociais. Os adultos da CMS precisam entender que a juventude é um setor social amplo, central para fazer mudanças. O cenário latinoamericano é de muitas mudanças e isso precisa ser traduzido para a linguagem jovem, profundamente utópica.

A população jovem sofre com as mazelas do capitalismo, como desemprego e falta de acesso à educação. É preciso formar uma nova geração de quadros políticos, pois a última que tivemos foi a do Fora Collor. É preciso criar uma identidade comum entre todos esses jovens.

Temos buscado novas linguagens que respeitem o ponto de vista do jovem. Os sindicatos têm dificuldade para trazer a juventude para a luta. É preciso repensar a linguagem, desde a produção de novos materiais até as intervenções artísticas.

Uma bandeira que unifica a juventude, fora da pauta da política econômica ortodoxa do governo, é a redução da jornada de trabalho, sem redução salarial. O desemprego juvenil é o dobro do desemprego adulto. Precisamos encontrar meios de inserir os jovens no mercado de trabalho.

O governo foi eleito com base nos anseios do povo por mudanças. Não temos dúvida de que esse governo é mais democrático e, por isso, legítimo. Mas os movimentos sociais têm que pressionar para levar adiante a pauta da mudança. Temos que adotar uma crítica propositiva em relação ao governo.

A juventude, nos processos históricos, demonstra ter um papel essencial para realizar mudanças. Sua força, no caso brasileiro, é muitas vezes menosprezada. É preciso colocá-la como protagonista da mudança política. A juventude não pode ficar de braços cruzados.

Alexandre Chumbinho Consulta Popular 29 anos

Ismael Cardoso Ubes 20 anos

João Paulo Rodrigues MST 26 anos

Leandro Soto Conlute 21 anos

Maciel Cover PJR 22 anos

Mauricio Botton Piccin

MMM 27 anos

PERFIL HETEROGÊNEO A juventude não é homogênea – e, se os movimentos sociais querem trabalhar com os jovens, precisam ter em mente essa pluralidade. Quem dá o alerta é a pesquisadora do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) Patrícia Lânes, que participou da pesquisa Juventude Brasileira e Democracia, divulgada em janeiro de 2006. “O jovem genérico não existe e, talvez, seja um dos grandes erros olhar e falar para os jovens como se eles fossem uma grande abstração”, diz, em entrevista ao Brasil de Fato. De acordo com o estudo do Ibase, os jovens relutam em participar de estruturas mais formais da política, como partidos, movimentos e organizações não-governamentais (ONGs), porque não se sentem aptos para isso. Patrícia avalia que se sentem despreperados para atuar em

Vinicius Sartorato CUT 24 anos

espaços que exijam uma formação maior, como a capacidade de falar em público, e que sejam altamente hierárquicos. A pesquisa do Ibase entrevistou 8.000 jovens, 64,7% dos quais consideraram que os políticos não representam os interesses da população. Mesmo assim, os jovens dizem que a política é o principal meio para conquistarem seus direitos.

CRIATIVIDADE Para envolver mais jovens em suas lutas, os movimentos precisam estar mais abertos às preocupações e pautas dos jovens, analisa Patrícia, para quem é preciso desenvolver espaços mais criativos à participa-

ção juvenil, que incorporem novas mídias e linguagens, pelas quais não se sintam manipulados. No entanto, ressalta a pesquisadora: “Os jovens não são criativos em si, nem revolucionários em si, por exemplo”. A pesquisa do Ibase revela que as manifestações culturais são um dos principais meios de expressão da juventude. E a cultura também é política, diz Patrícia, alertando para o risco de dissociar as duas esferas. “Para incorporar essas manifestações, é preciso estar mais atento às experiências que os jovens estão fazendo no campo cultural, sem, de antemão, pressupor que estão sendo alienados”, conclui.

RECOMENDAÇÕES PARA POLÍTICAS PÚBLICAS A pesquisa Juventude Brasileira e Democracia, realizada pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), apresenta uma série de recomendações para políticas públicas. Muitas dessas propostas surgiram das próprias entrevistas realizadas durante o estudo. As recomendações devem ser publicadas em um livro e enviadas a políticos e administradores, de acordo com informação da assessoria de imprensa do Ibase. Abaixo, estão algumas das propostas: * Reconciliar os jovens com as instituições, por meio da criação de canais de participação na gestão pública. * Estimular a escola para que seja um lugar privilegiado da cultura cívico-

participativo, com a realização de um amplo diálogo nacional entre jovens e profissionais da educação. * Garantir condições de sustentabilidade para que jovens possam dedicar-se aos estudos. * Universalizar o acesso aos meios digitais. * Envolver e ampliar a atuação da sociedade civil, sobretudo os segmentos juvenis, na regulação dos grandes meios de comunicação. * Identificar iniciativas de participação juvenil já em curso e apoiar seu desenvolvimento. O relatório da pesquisa está disponível na página na internet: www.ibase.br/userimages/Relatorio_Final.pdf


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De 1º a 7 de junho de 2006

NACIONAL DIREITOS HUMANOS

Sob a mira do latifúndio

Hamilton Octavio de Souza

Relatório sobre violência revela que, nos últimos dez anos, 287 índios foram assassinados

Banqueiro preso O ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, que roubou o próprio banco em mais de R$ 2 bilhões, finalmente recebeu ordem de prisão pela Justiça Federal. Dificilmente vai cumprir pena, uma vez que ricos e famosos da elite jamais pagam por seus crimes. Afinal, ele só desviou dinheiro para construir mansão de R$ 50 milhões, adquirir obras de arte, fazer depósitos em paraísos fiscais e abrir algumas empresas de fachada. Como se vê, um cidadão de bem! Novela eleitoral O PT está fazendo de tudo para atrair o PMDB para sua campanha, mas o partido continua protelando uma definição. Além de resistências pontuais – como a de Orestes Quércia, em São Paulo –, agora o senador Pedro Simon resolveu aumentar a confusão e colocou seu nome para eventual candidatura. A decisão deve sair só em junho, na última hora do prazo oficial. As concessões do PT tendem a aumentar. Indenização judicial O juiz Guilherme Madeira Dezem condenou a Rádio CBN, das organizações Globo, a pagar uma indenização de R$ 5 mil para um delegado da Polícia Federal, que se sentiu ofendido pelo comentarista Carlos Heitor Cony. Em um programa transmitido em 2005, Cony declarou que a Polícia Federal era incompetente ou corrupta. Se a moda pega e todos os policiais federais exigirem idêntica indenização, a CBN irá à falência. Corrupção elitista Questionada em entrevista para o portal de internet Consultor Jurídico se a sociedade está preparada para conviver com uma polícia não corrupta, a procuradora de Justiça do Estado de São Paulo, Luísa Nagib Eluf, respondeu: “Não, aliás eu não diria a sociedade, eu diria a elite. A elite no Brasil quer a polícia corrupta porque ela não quer cumprir as leis”. Mais claro do que isso é impossível. Chacina urbana Conforme suspeita levantada por defensores de direitos humanos e parte da imprensa, os primeiros exames tornados públicos sobre os mortos pela polícia paulista logo após os ataques do PCC, em meados de maio, revelam que os mortos foram atingidos por tiros depois de dominados. Ou seja, foram assassinados mesmo. Com certeza os governos vão manter esses crimes impunes. Ilegalidade consentida O artigo 220 da Constituição Federal, que regulamenta o sistema de comunicação social, proíbe expressamente a existência de monopólio na radiodifusão. No entanto, foi aprovada a fusão da Sky com a DirecTV, que, juntas, monopolizam 97% da TV via satélite no Brasil. Além do mais, as duas empresas são controladas pelo capital estrangeiro, o que também é proibido. A Constituição não é para ser obedecida? Mentira desbaratada Simpático ao governo Lula, o jornalista Mino Carta escreve na revista Carta Capital que o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, não revelou a verdade quando disse à imprensa que seu primeiro contato com o banqueiro Daniel Dantas ocorrera recentemente, na casa do senador Heráclito Fortes, do PFL. Mino lembra que está sendo processado por Dantas, via escritório de advocacia Thomaz Bastos, desde os tempos do governo FHC. Alguém se salvará?

Priscila Carvalho de Brasília (DF)

O

Mato Grosso do Sul é o Estado onde se registram mais casos de violações dos direitos dos povos indígenas em 2005, seja em ameaças de mortes, atropelamentos, assassinatos ou conflitos por terras. Nesse ano, o Estado concentrou 29 dos 43 assassinatos registrados no país; em 2004, foram 18 do total de 37; e em 2003, 13 dos 42 assassinados. Os dados fazem parte do relatório A Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, lançado pelo Conselho Indigenista Missionário dia 30 de maio, em Brasília. No Mato Grosso do Sul, problemas que podem ser encontrados espalhados em todo o país aparecem concentrados, sobretudo em relação aos povos Guarani-Kaiowá e Terena. “Ali, eles vivem em parcelas exíguas de terra, em acampamentos em beiras de estradas e em terras demarcadas que abrigam grupos diversos de Tekohás (terra tradicional), onde sobra pouco espaço para plantação, e o trabalho assalariado fora das aldeias é a condição quase exclusiva de sobrevivência”, diz a antropóloga paulista Lucia Helena Rangel, responsável pela organização dos textos do estudo. “As causas da violência têm como pano de fundo uma série de necessidades próprias da população indígena brasileira em função do aumento populacional, de erros no estabelecimento de limites territoriais nos processos de demarcação de terras e, principalmente, em função de negociações estabelecidas em detrimento dos povos indígenas nos períodos de demarcação das terras”, afirma Lucia Helena. Uma das comprovações que os problemas de violência não se referem apenas aos indivíduos indígenas, mas aos povos, vem do fato de que a violência atinge não apenas pessoas, mas comunidades inteiras.

No Mato Grosso, povos indígenas sofrem constantes ataques por parte de fazendeiros

resultante de uma somatória de vários fatores, é sem sombra de dúvidas a questão fundiária a causa principal. A política indigenista brasileira sempre atrelou a demarcação de terras indígenas aos interesses de terceiros sobre as terras e as riquezas nelas existentes”, analisa Saulo Feitosa, vicepresidente do Cimi. Entre 2003 e 2005, a média de terras declaradas por ano não

passou de 6. No mesmo período, a média de assassinatos por ano passou de 40. “Quanto menos se demarca terras, mais casos de violência são registrados”, comenta Feitosa. Em 2003 foram registrados 26 episódios de conflitos relativos a direitos territoriais, dos quais 23 aconteceram no Mato Grosso do Sul. Destes, cerca de 14 são relativos a retomadas para a revisão dos

Crianças e adolescentes ameaçados Quando fazendeiros destruíram e atearam fogo em três aldeias inteiras, em Raposa Serra do Sol, Roraima, em 2005, atingiram também as crianças que ali viviam. Em 2004, entre os casos de tentativas de assassinato apresentados no relatório A Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil , figuram crianças do povo Katukina, no Acre, ameaçadas enquanto voltavam. Em 2003, no Mato Grosso do Sul, na noite em que o cacique Marcos Verón foi assassinado, seu sobrinho de 14 anos foi ferido por tiros. “Os dados do relatório deixam claro que comunidades inteiras são ameaçadas, seja pela luta pela terra ou pela falta de terras para viver. As crianças também são submetidas a situações de insegurança e medo”, afirma Saulo Feitosa, vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Em 2005, entre as 51 vítimas de tentativas de assassinato no Mato Grosso do Sul, 10 eram crianças ou adolescentes. Em 2004, 7 das 18 vítimas de assassinato naquele Estado tinham menos de 18 anos. As crianças figuram também em casos já conhecidos de desnutrição, falta de estrutura nas escolas, desrespeito ao direito de serem alfabetizadas em seu idioma materno. (PC)

AMEAÇAS DE MORTE O total de assassinatos registrados nos últimos dez anos (19952005) foi de 287 vítimas. “Embora esse alto índice de violência seja

limites de uma única terra, chamada Buriti, do povo Terena.

INVASÃO DE FAZENDEIROS O relatório revela ainda que dos 60 povos sem contato, 17 estão na iminência de extinção devido a práticas de genocídio que se reproduzem até os dias atuais. O aumento da ameaça nos últimos anos vem da expansão da fronteira agrícola brasileira, que recentemente chegou à Amazônia. “A prática secular de ignorar a presença dos povos indígenas nos processos de colonização do território mantém-se, enquanto o cenário desenvolvimentista, extrativista e privatista avança, alcançando agora as terras amazônicas”, explica Guenter Loebens, missionário do Cimi que atua em Manaus. “A estratégia é acabar com todo e qualquer vestígio de presença indígena para inviabilizar a demarcação das terras, liberando-as para a apropriação privada, exploração dos recursos naturais, a pecuária e o agronegócio”, conclui o estudo, elaborado a partir de relatos das próprias vítimas, reportagens veiculadas na imprensa, denúncias das organizações indígenas e levantamentos de missionários do Cimi que atuam nas áreas indígenas.

Ministério Público investiga assassinato de índios Truká Raquel Mariano de Brasília (DF) Um inquérito foi aberto para investigar o assassinato de dois índios do povo Truká: Adenilson dos Santos Vieira, 38 anos, e seu filho, Jorge Adriano Ferreira Vieira, de 17. O crime ocorreu há quase um ano, no final de junho de 2005, quando era realizada uma festa no município de Cabrobó, interior pernambucano. Os Truká acusam membros da Polícia Militar de Pernambuco de terem sido os autores do assassinato. A Polícia Militar de Pernambuco não quis conceder entrevista à Agência Brasil sobre o tema. No dia do crime, cerca de 600 pessoas assistiam à cerimônia de entrega de casas populares e pavimentação do povoado truká. Participavam do ato o então ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, e o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) Mércio Pereira Gomes. Após a cerimônia, no início da noite, quando as autoridades já tinham partido, quatro policiais militares teriam entrado sem uniforme na aldeia durante uma festa organizada pelos indígenas para comemorar as novas casas. “Já entraram com as armas em punho, atirando dentro do salão

João Zinclar

Dívida prorrogada O pacote agrícola anunciado pelo governo na semana passada não serve para o desenvolvimento da agricultura familiar, nem para o agronegócio. Saíram ganhando com a medida apenas os fazendeiros devedores do Banco do Brasil, que terão suas dívidas prorrogadas por cinco anos, com dois anos de carência, e juros de 8,75% ao ano. O prejuízo – R$ 8 bilhões por ano – entra na conta do povo.

Egon Heck

Fatos em foco

serem parciais. “Em nenhum momento, ele leva em consideração o depoimento das testemunhas nossas. Se nós estávamos dentro de uma festa no nosso território, onde só tinha índio. A gente fica se perguntando a quem mais teria que escutar?”

GRUPO DE EXTERMÍNIO

Povo Truká denuncia ação de grupo de extermínio em Pernambuco

onde era o evento, e terminaram assassinando o Adenilson, e os tiros foram todos pelas costas e matando o menino (Jorge Adriano Ferreira Vieira) também a sangue frio”, relata o cacique da aldeia, Aurivan dos Santos Barros. Conhecido como Neguinho Truká, o cacique é irmão e tio das vítimas. O caso vem sendo investigado pela Delegacia da Polícia Federal (PF) no município pernambucano de Salgueiro. A PF, a pedido do Ministério Público Federal, está colhendo informações para saber se houve, por parte dos índios, resistência à autoridade. Também quer saber

quem são os autores dos assassinatos. O caso corre pelo processo número 2005.83.08.001319-1, na 20ª Vara Federal. O Ministério Público afirmou que, como o processo corre em segredo de justiça, não pode apontar quem está sendo investigado como suspeito do crime. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), os policiais militares que executaram a operação, ao serem ouvidos, teriam dito que foram recebidos a tiros pelos próprios índios e eles apenas reagiram. Neguinho Truká questiona o inquérito por, segundo ele, não aceitar os índios como testemunhas, por

O presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, disse que a Polícia Federal não pode recusar o depoimento dos indígenas, testemunhas do assassinato de dois índios Truká, alegando parcialidade. As populações indígenas têm sofrido ameaças em Pernambuco, denuncia Neguinho Truká. Segundo ele, há um grupo de extermínio que se auto-denomina “Mamãe cria e nós mata”. Neguinho acredita que há participação de policiais militares no grupo. A antropóloga e educadora do Centro de Cultura Luiz Freire, Caroline Mendonça, explicou que o conflito entre os indígenas e a Polícia Militar começou em 1999, quando os Truká conseguiram que os 124 posseiros residentes saíssem das terras consideradas tradicionais da Ilha de Assunção, uma área de 6.200 hectares. Cerca de 3.500 índios dessa etnia vivem hoje na ilha. (Agência Brasil, www.radiobras.com.br)


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NACIONAL QUESTÃO AGRÁRIA

Em defesa da agricultura camponesa Dafne Melo da Redação

E

m dezoito Estados, militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) iniciaram mobilizações, dia 22 de maio, para exigir do presidente Luiz Inácio Lula da Silva medidas que fortaleçam a agricultura familiar e viabilizem a reforma agrária. Também em pauta, a atualização dos índices de produtividade, o assentamento das 150 mil famílias acampadas e a negociação da dívida dos pequenos agricultores. De acordo com Marina dos Santos, da direção nacional do MST, as atividades se somaram às “mobilizações contínuas” que estão sendo feitas desde março por organizações do campo como Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Federação dos trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf), além do MST. “Todos concordamos que o inimigo do campo é o atual modelo econômico”, explica Marina. A jornada de lutas reivindicou a negociação da dívida do setor – de R$ 1,5 bilhão, enquanto a dívida do agronegócio atinge R$ 34 bilhões – e maior apoio financeiro aos agricultores familiares. Como resultado, o pagamento foi prorrogado em 5 anos (2 de carência), com juros de 8,5% ao ano. De acordo com Marina, a medida não aponta para uma solução, apenas joga o problema para frente: “A solução é dar subsídio à agricultura familiar. No mundo inteiro, não se desenvolve agricultura sem apoio governamental”. O governo também prometeu destinar R$ 10 bilhões para a agricul-

Robson Oliveira

Jornada de lutas reivindica medidas efetivas para o avanço da reforma agrária no Brasil

Sem-terra em ação

Em Fortaleza, sem-terra exigem do governo Lula medidas que fortaleçam a agricultura familiar e viabilizem a reforma agrária

tura familiar, sendo que R$ 1 bilhão ficará para a viabilização de assentamentos. A ajuda ao agronegócio foi quatro vezes maior. Outra conquista foi o aumento do teto das linhas de crédito concedidas aos pequenos agricultores por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Ainda não foi desta vez que o

governo Lula cumpriu a promessa de atualizar os índices de produtividade – os mesmos da década de 1970. Esse número é utilizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na hora de qualificar uma fazenda como produtiva ou não. Como os índices estão defasados, muitas fazendas improdutivas acabam não podendo

ser desapropriadas. Marina acredita que a permanência desses índices é um dos maiores entraves à realização da reforma agrária hoje. A integrante da direção nacional do MST conta que o governo avaliou que, embora os estudos necessários para a alteração já estejam concluídos, o momento político não é adequado para a mudança.

AGRONEGÓCIO

DOCUMENTO

Pacote do governo privilegia agronegócio Tatiana Merlino da Redação

Agricultura familiar e a grande propriedade do agronegócio Indicadores Tamanho (lei)

Pequena propriedade (Familiar) até 200 ha

Média Propriedade 200 a 2000 ha

Grande propriedade (Agronegócio) mais de 2000 ha

Imóveis Incra (2003)

3.895.968

310.158

32.264

Estabelecimentos do IBGE (1996)

4.318.861

252.154

20.854

122.948.252

164.765.509

132.631.509

Média tamanho

31

531

4110

Pessoal ocupado

12.956.214 (95%)

565.761 (4%)

45.208 (0,3%)

Assalariados

994.508

1.124.356

351.942

Número de tratores

510.395

227.768

65.445

Localização dos caminhões

59%

25%

6%

Uso adubo no estabelecimento

38%

44%

41%

Uso de agrotóxico

65%

94%

95%

Uso de irrigação

6%

9%

6%

Distribuição do crédito rural anunciado de R$ 60 bilhões (2006/7)

15%

48%

37%

Área Total

Fontes: 1. Dados organizados pelo professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira (USP) a partir dos estudos do Plano Nacional da Reforma Agrária, com base nos dados estatísticos do Incra (cadastro 2003) e do IBGE (Censo Agropecuário 1995-96); 2. Classificação das Propriedades: pequena, média e grande, a partir da Lei Agrária de 1993, que determina pequena propriedade até 5 módulos regionais, média propriedade de 5 a 15 módulos regionais, e grande propriedade acima de 15 módulos regionais, do Incra.

de preços para diversos produtos da agricultura familiar da última safra e beneficiará agricultores que acessaram o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) em todo o país. Para o financiamento de arroz, o desconto será de 30%; para o de soja, de 25%;

para o de milho, de 22%; para o de algodão, de 20%; para o de mandioca (aipim) e feijão, de 15%; e para produtores de leite, de 12%. No entanto, de acordo com Bunde, os rebates são insuficientes, principalmente para o leite e milho: “O governo está aliviando crise dos

Roosewelt Pinheiro/ABR

O pacote agrícola recentemente anunciado pelo governo federal não resolve a crise que a agricultura brasileira vive, na avaliação de representantes de movimentos sociais. De acordo com as medidas para a safra de 2006/2007, divulgadas dia 25 de maio, serão destinados R$ 10 bilhões à agricultura familiar, enquanto R$ 50 bilhões ficarão para o agronegócio. Para Altacir Bunde, da direção nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), as medidas estão muito aquém das reivindicações dos movimentos, “mas o mais triste é ver o governo ceder às pressões do agronegócio”. De acordo com Bunde, estima-se que os grandes produtores tenham uma dívida de RS 20 bilhões só da safra passada, que será refinanciada à taxa de 8,75% ao ano. Para a próxima safra, os recursos de custeio do agronegócio aumentaram para R$ 41,4 bilhões – 25% a mais do que o valor reservado à safra anterior – dos quais R$ 30,1 bilhões a juros tabelados. “Mesmo com esses subsídios e prorrogação das dívidas, o governo ainda não se deu conta de que esse é um modelo falido. Sem o apoio do Estado, o agronegócio não tem viabilidade econômica”, critica Bunde. Para o dirigente do MPA, o governo deveria ter aproveitado o momento para confiscar e desapropriar as terras de produtores devedores dos bancos públicos. Mas, em vez disso, “cedeu às pressões da bancada ruralista. Isso acontece porque o governo não tem posição definida”.

MEDIDAS INSATISFATÓRIAS Entre as medidas anunciadas pelo governo para a agricultura familiar está o abatimento dos financiamentos de custeio contratados na safra 2005/ 2006. A medida deve-se à defasagem

Ceará – 400 camponeses estão acampados no Incra desde o dia 22 de maio, aguardando audiência com o governo do Estado para discutir questões de infra-estrutura, educação, saúde e assistência técnica nos assentamentos. Maranhão – cerca de 400 semterra se mobilizam nas cidades de Açailândia, Imperatriz e Santa Inês. Entre as reivindicações, a renegociação das dívidas dos assentados. Minas Gerais – no dia 29 de maio, 150 famílias ocuparam a Fazenda Paraíso, em Uberlândia. O MST afirma que a área é um latifúndio improdutivo, mas que o Incra ainda não tem perspectiva de torná-la um assentamento. Piauí – famílias ocupam a Fazenda Capisa, em Pio IX, para exigir reforma agrária no Estado. Parte do terreno pertence à União e foi grilada por fazendeiros. Rio Grande do Sul – em Porto Alegre, cerca de 300 integrantes do MST enviaram uma carta ao presidente Lula, reivindicando a desapropriação da Fazenda Guerra, latifúndio localizado no município de Coqueiros do Sul (RS). No interior do Estado, agricultores da Via Campesina também enviaram cartas ao presidente. O ato teve adesão de 23 prefeitos. São Paulo – após 37 dias de vigília feita por militantes do acampamento Irmã Alberta, em Cajamar (SP), o MST foi recebido, dia 23 de maio, pelo Incra, pelo Instituto de Terras de São Paulo e pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo. Ficou acordado que o Incra tem dois meses para acelerar os processos de desapropriação e assentamento.

Senhores do agronegócio se reúnem com Roberto Rodrigues, da Agricultura

pequenos agricultores apenas em algumas regiões”. Bunde diz que há um mito de que o agronegócio é responsável por toda a produção agrícola brasileira e por isso é desnecessário defender a agricultura familiar e a reforma agrária. No entanto, utilizando-se de dados dos Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do censo agropecuário de 1996, e do cadastro do Incra de 2003, o professor da Universidade de São Paulo (USP) Ariovaldo Umbelino de Oliveira organizou uma tabela comparando três níveis diferentes de tamanho de propriedade no Brasil. Os dados apontam a verdadeira participação da agricultura familiar na produção nacional. A agricultura familiar emprega 95% dos trabalhadores da agricultura brasileira, controla 65% dos tratores, 59% dos caminhões agrícolas, produz 39% do arroz, 78% do feijão, 92% da mandioca, 55% do milho e mais de 75% de toda produção animal de aves, porco, leite e ovos.

Os pobres possuirão a Terra Bispos das igrejas Anglicana, Católica e Metodista, pastores sinodais da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e integrantes do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic) se reuniram, no final de março, para relfetir sobre “a realidade do campo, da água e das florestas do Brasil”. Do encontro, resultou um documento de apoio “à causa de todos os que vivem do trabalho da terra em nosso país, suas organizações e movimentos, para que cresçam na construção de sua autonomia e na busca de soluções duradouras e eficazes para seus problemas”. Os religiosos que assinam o documento condenam o neoliberalismo que, segundo eles, “tornou o capital e o mercado valores absolutos”. Denunciam que a política do governo, subordinada “aos ditames implacáveis desse sistema”, apóia e estimula abertamente o agronegócio intensivo e extensivo, responsável pelo estrangulamento de pequenos agricultores e trabalhadores em geral, tanto da cidade, quanto do campo. “A acelerada e violenta agressão ao meio ambiente e aos povos da terra revela a crise de um modelo de desenvolvimento alicerçado no mito do progresso que se resume nos resultados econômicos e esquece as pessoas, sobretudo as mais pobres, e todas as demais formas de vida”, diz o texto. Por meio do documento, os religiosos convidam a população, de qualquer credo, a “desenvolver o senso de justiça e fraternidade”, procurando conhecer mais e em profundidade a emergência da situação ambiental e a realidade das pessoas que vivem da terra. Pedem solidariedade e apoio às lutas e reivindicações dos trabalhadores do campo. (Veja a íntegra do documento na Agência Brasil de Fato, www.brasildefato.com.br)


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INTERNACIONAL COLÔMBIA

Uribe é reeleito só com 27% dos votos Marcelo Netto Rodrigues da Redação

C

omo esperado, a direita foi reeleita na Colômbia em primeiro turno nas eleições presidenciais do dia 28 de maio, mas com duas particularidades: pela primeira vez em 50 anos, a esquerda partidária ficou em segundo lugar – com quatro vezes mais votos do que o normal – à frente do tradicional Partido Liberal. A outra surpresa foi a abstenção recorde de 54%. Vistos sob este ângulo, os 62% dos votos que garantiram a reeleição do advogado Álvaro Uribe – aliado mais confiável do presidente estadunidense George W. Bush na América do Sul – devem ser olhados mais de perto. Assim como a felicidade da imprensa tradicional, uma vez que na Colômbia o voto não é obrigatório. Apenas 46% dos cidadãos foram às urnas. O que faz com que, na prática, Uribe tenha sido escolhido por apenas 27% dos colombianos. “A vitória comemorada com todas as honras pela imprensa burguesa não reconhece o peso que as abstenções dão ao resultado. A cobertura destoa completamente daquela dispensada às eleições venezuelanas”, diz o vereador de Guarulhos Edson Alberton (PSOL-SP), que mantém um Comitê pela Libertação de Olivério Medina – preso pelo governo brasileiro, a pedido de Uribe, por ser identificado como porta-voz das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs). “É como se assumem que o que serve para a Colômbia, não serve pa-

Indymedia/ Colômbia

Abstenção recorde nas eleições deram vitória ao aliado de Bush; pela primeira vez em 50 anos, a esquerda avança

Uribe, “títere” dos Estados Unidos e reeleito com apenas 7 milhões de votos

ra a Venezuela”, resume o vereador. As abstenções presentes também no processo eleitoral venezuelano foram exploradas à época pela mídia tradicional como prova de que a democracia estaria capenga no país presidido por Hugo Chávez. No caso colombiano, dos 27 milhões que poderiam votar, apenas 12 milhões foram às urnas, num país com 48 milhões de habitantes. E destes, 7 milhões deram a vitória a Uribe – que se tornou, assim, o primeiro presidente a ser reeleito

na Colômbia em mais de 100 anos. Uribe, que realizou parte de seus estudos na Universidade de Harvard, nos EUA, e segundo Alberton é apenas um “títere” deste país, lançou mão, durante sua campanha, de números que comprovariam um aumento da segurança durante seu primeiro mandato, com a diminuição de seqüestros e assassinatos. Uma “segurança” contestada pelo candidato esquerdista Carlos Gavíria, do Pólo Democrático Alternativo – que terminou em segundo

lugar, com históricos 22,13% dos votos – e também por Horácio Serpa, o representante liberal, que recebeu 12%. Ambos críticos das práticas utilizadas por Uribe, como a de deportar para os EUA cidadãos colombianos que tenham ligações com as Farcs e a de conceder benefícios excessivos aos líderes paramilitares, durante as negociações que travou com as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) – grupo de extrema direita criado para combater a guerrilha de esquerda.

Outra preocupação resultante da política de Uribe são os deslocamentos forçados crescentes que atingem a população civil, principalmente comunidades indígenas e camponesas. Segundo a Anistia Internacional, quase 600 mil civis já tiveram que deixar suas casas. No ano passado, por exemplo, 1.300 indígenas da comunidade Awá foram obrigados a abandonar suas terras. A relação desastrosa de Uribe com os movimentos sociais chegou ao seu clímax no dia 17 de maio, quando um indígena foi assassinado, 60 pessoas ficaram feridas e 36 foram detidas nas imediações do território indígena de La Maria, ao sul do Departamento (Estado) de Cauca. A repressão contra 15 mil manifestantes que realizavam uma mobilização pacífica foi defendida pelo governo com desculpas de que as Farcs estariam estimulando o protesto. O resultado expressivo de Gavíria ganha uma simbologia a mais nestas eleições. Pela primeira vez, as Farcs pediram oficialmente que o povo colombiano participasse do processo eleitoral votando contra Uribe. “E mesmo com a ameaça dos paramilitares, a população foi votar”, diz Alberton. O período de “exceção” por que passa a Colômbia vem desde 1948, quando Jorge Eliécer Gaitán foi assassinado em Bogotá, segundo muitos, pelas mãos de agentes da Central de Inteligência Americana (CIA), por ser identificado como um comunista que defendia, entre outras coisas, a reforma agrária.

MÉXICO

Os desafios da Outra Campanha zapatista Igor Ojeda da Redação Durante um mês, de 7 de abril a 6 de maio, os militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Djacira Araújo e José Batista, percorreram o México juntamente com a Outra Campanha, do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN). Iniciada em janeiro como alternativa às eleições presidenciais de 2 de julho e com o objetivo de articular as forças de esquerda mexicanas, a caravana, liderada pelo subcomandante Marcos - hoje Delegado Zero - foi interrompida por tempo indeterminado, em virtude de uma forte repressão ocorrida na madrugada do dia 4 de maio em Atenco, no Estado do México. Vendedores ambulantes de flores que protestavam por um lugar para trabalhar entraram em confronto com a polícia. Saldo: muitos feridos, cinco deportados e 220 presos. Como resposta, o EZLN declarou “Alerta Vermelho” nos territórios zapatistas. Djacira, que esteve com a Outra Campanha em Atenco poucos dias antes do conflito, conta como é o processo de discussões comandado pelos zapatistas nas comunidades e fala sobre o possível cenário pós-eleitoral que, segundo ela, pode gerar ainda mais acúmulo em torno do EZLN. Brasil de Fato – Qual a realidade do povo que vive nas comunidades visitadas por vocês? Djacira Araujo – A diferença é que as comunidades controladas pelos zapatistas estão muito mais elevadas do ponto de vista social, porque há uma desestruturação muito grande nas outras comunidades por onde passamos. Muita mendicância, alcoolismo e prostituição. E isso no território zapatista já não existe mais. São normas dos zapatistas a proibição do álcool. Inclusive, eles consideram isso claramente como

uma conquista das mulheres indígenas, porque o alcoolismo afeta muito as famílias, e principalmente as mulheres. Outra questão é o processo de participação política. Pudemos perceber que as crianças, as mulheres, os homens, todos têm uma função social dentro do movimento zapatista, e eles assumem a organização, que é deles, que eles construíram. BF – Como é o dia-a-dia da Outra Campanha. Djacira – A Outra Campanha tem dois espaços. Um é o da caravana, que é um grupo que acompanha o subcomandante Marcos. É um grupo muito diverso, que está conseguindo nesse período estabelecer uma relação de respeito, de diálogo. A caravana é uma escola, um aprendizado de relações e de vivência entre esses grupos, que são de tendências muito distintas. Há marxistas, trotskistas, punks, anarquistas, sindicatos. E o outro espaço da Outra Campanha são as coordenações nos Estados, nos municípios. São diversas organizações que definem a agenda, a estrutura, organizam o espaço, a alimentação e articulam todas as ações. Há em torno de três ou quatro atividades por dia. Uma delas são os atos públicos, em que as pessoas e entidades se inscrevem e colocam ali todos os seus problemas. Há uma abertura, um canal de comunicação para ouvir todos os problemas, embora ali não se debaSexta Declaração ta as soluções. da Selva Lacandona – Documento E depois que o lançado pelo EZLN último fala, o em junho de 2005, subcomandante defende o abandono da luta eleitoral Marcos traz a como estratégia mensagem da de luta e uma arSexta Declaraticulação nacional de esquerda em ção da Selva torno de um projeto Lacandona. comum. Depois desses atos públicos, há as reuniões de aderentes. Eles chamam de

aderentes todas as pessoas, organizações, grupos, famílias que concordam com a Sexta Declaração, e que assumem sua proposta e bandeira de luta. Eles se apresentam como membros da Outra Campanha. A metodologia é a mesma dos atos públicos. A Outra Campanha se propõe a ser o espaço onde se expressam todas as posições, mas também busca caminhar na direção de algumas ações comuns. No que vai resultar? Eles não têm isso claro. Também essa não é a principal preocupação. Eles não têm a preocupação inicial de formar uma estrutura orgânica. Pretendem muito mais estabelecer um espaço de debate, de diálogo, de conscientização. BF – E, na sua avaliação, eles vêm conseguindo essa conscientização? Djacira – Nesses espaços, todos falam sobre seus problemas, o que dá a possibilidade de um enxergar o problema do outro. Estabelecese um diálogo que, normalmente, eles não conseguem realizar. Até porque muitos não são de organizações que têm trajetória de luta. Lá estão problemas específicos, e eles começam a identificar e estabelecer relações entre esses problemas. Como eles podem ser enfrentados conjuntamente. Esse é o principal elemento da conscientização: sair da luta corporativista para uma luta mais geral. BF – Como está o clima no México para as eleições presidenciais (dia 2 de julho)? Djacira – Na sociedade, em geral, há uma esperança por um processo de mudanças com o Partido da Revolução Democrática (PRD), que ainda não foi governo. Eles dizem ser de esquerda, mas suas propostas se afinam muito mais com as idéias e os programas social-democratas. Hoje, a tendência é que o Andrés Manuel López Obrador,

do PRD, vença as eleições. As organizações tradicionais, de sindicatos, estão divididas, mas a grande maioria está apoiando o PRD. Porém, há um grupo politizado dentro da esquerda que faz uma análise das políticas dos governos municipais e estaduais dos três partidos principais (além do PRD, o PRI e o PAN, do atual presidente, Vicente Fox) e apontam que não há muita diferença entre seus programas. Quem vencer vai encontrar um cenário de muita crise social. Uma situação muito tensa, de muitas lutas. Tudo vai depender da capacidade dos próximos governos de responderem às necessidades e resolver essas questões. Para os seguidores da Outra Campanha, isso não passa por essas instituições. BF – Você acredita que esse processo das eleições mexicanas se assemelha ao que ocorreu no Brasil, com a vitória do Lula e de um partido que gerava esperança na sociedade em geral, mas que, na verdade, se alinhava às políticas social-democratas? Djacira – Sim, mas com uma certa diferença. Porque embora no Brasil o MST sempre afirmou que o processo eleitoral não iria resolver o problema da reforma agrária e os problemas sociais que estávamos vivendo, não houve, como está havendo no México, uma articulação de muitos movimentos como o que ocorre em torno da Outra Campanha, que exerce uma influência hoje. BF – Qual é o grau dessa influência na sociedade mexicana? Djacira – Eles começaram com um processo muito pequeno, mas que está crescendo. Esse problema conjuntural que se deu recentemente em Atenco gerou uma mobilização nacional. Acontecem mobilizações em todos os Estados, embora não sejam tão grandes.

Os mexicanos estão vivendo uma repressão muito grande. Assassinatos de lideranças indígenas, camponeses, sindicalistas. Há um reascenso dos movimentos de massa nos últimos dois anos. E principalmente em 2006. Embora muitos consideram a eleição um fator desmobilizador, há muita força popular, cuja principal referência moral é o EZLN. Eles estão presentes no debate político. Então, com isso, pode haver um despertar muito maior após as eleições. Por isso, digo: se depois das eleições, não houver respostas concretas do governo Obrador, aqueles que estão acreditando no processo eleitoral vão se juntar a esse grupo que hoje já é significativo e já tem uma certa força política na sociedade. Alguns estudiosos apontam esse cenário de convulsão social no futuro próximo. Arquivo Pessoal

Quem é Nascida em Pio IX, no Piauí, Djacira Araujo, 38 anos, atuou no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Estado até mudar-se para a Bahia, onde hoje é integrante da diretoria estadual do movimento. Pedagoga de formação, fez pós-graduação em América Latina. Djacira é também integrante da coordenação nacional do MST.


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De 1º a 7 de junho de 2006

INTERNACIONAL LIÇÃO DE HISTÓRIA

Copa do Mundo: muito além do futebol Igor Ojeda da Redação

Divulgação

Invasões e conflitos diplomáticos podem elevar a temperatura das partidas disputadas entre ex-metrópoles e ex-colônias

Q

REPRESSÃO De acordo com Gonçalves, desde a independência do Brasil (contra quem Portugal também pode jogar na Copa), em 1822, Angola passou a ser a principal colônia portuguesa. E, assim como em um período da história brasileira, o café era o principal produto angolano que enriquecia a metrópole. “Foi dele que saiu dinheiro para se fazer todo o resto. A ditadura do Salazar (António de Oliveira Salazar, ditador português entre 1932 e 1968) tinha em Angola a principal fonte de acumulação de capital”, explica. Por isso, durante a luta do país africano pela independência, a repressão foi muito grande. Outra partida que irá expor uma ex-metrópole e sua ex-colônia é entre França e Togo, no dia 23 de junho. Embora enfatize que seja um “reflexo psicológico” o colonizado querer derrotar o colonizador, Gonçalves explica que o processo de dominação do país africano pelos franceses não foi tão duro como o de outros casos no continente. Além disso, sua independência foi obtida como parte de um acordo com o governo francês. “O general De Gaulle propôs a todos os países africanos de língua francesa uma escolha: ficarem associados à França ou independentes. Todos escolheram a independência. A França conseguiu influência nesses países de forma a colocar no poder dirigentes locais favoráveis a ela”, diz. Atualmente, a oposição togolesa acusa o país europeu de sustentar o governo de Togo, que teria sido eleito de forma fraudulenta. Dependendo dos resultados da primeira fase, existe a possibilidade de a França (que também pode encontrar a Costa do Marfim pela frente) enfrentar nas oitavas-de-final uma outra ex-colônia: a Tunísia. Segundo Gonçalves, o país do norte da África foi objeto de disputa entre franceses e italianos, até que os primeiros finalmente o dominaram e estabeleceram, em 1881, um prote-

EX-METRÓPOLES X EX-COLÔNIAS 1ª Fase França X Inglaterra X Portugal X

Togo Trinidad e Tobago Angola

Oitavas-de-final (Possibilidades de enfrentamento) França X

Tunísia

Chances de enfrentamento em outras fases Espanha X Inglaterra X Portugal X

México, Gana Brasil

torado: “Mantinha o governo local, mas quem mandava era a França”. Durante o processo de independência tunisiana, conquistada em 1956, o país europeu dificultou as coisas. “A Tunísia apoiava o movimento

Argentina,

Equador,

Paraguai e

de libertação da Argélia, de onde a França não queria sair. Então teve muita briga. Combates de rua, ataques franceses contra bases nacionalistas tunisianas etc”, explica o historiador.

Outro país que irá encontrar pela frente uma ex-colônia logo na primeira fase é a Inglaterra, que jogará contra a seleção de Trinidad e Tobago, no dia 15 de junho. Disputado por espanhóis,

Em jogo, o domínio sobre o Oriente Médio

Novo embate entre Aliados e o Eixo

Embora com pequenas chances de se enfrentarem na Copa da Alemanha (já que possuem seleções fracas tecnicamente), Estados Unidos e Irã são os participantes do torneio com as relações mais tensas na atualidade. O primeiro pressiona o segundo a abandonar o processo de enriquecimento de urânio e ameaça até usar a força. A alegação é a possibilidade da fabricação da bomba atômica por parte da nação persa. Já o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, nega-se a interromper qualquer atividade e alerta que seu país não venderá barato a derrota. Para Emir Mourad, secretário-executivo da Confederação Árabe-Palestina do Brasil (Copal), os EUA adotam a política de dois pesos, duas medidas no Oriente Médio. “Se é para questionar o

SEGUNDA GUERRA MUNDIAL 1ª Fase Alemanha X Polônia Itália X EUA

Outro capítulo da história mundial que entrará em campo durante a Copa do Mundo na Alemanha é a Segunda Guerra Mundial, conflito que, entre 1939 e 1945, causou a morte de dezenas de milhões de pessoas. Na edição de 2006 do torneio de futebol, seis protagonistas da guerra estarão presentes. Os Estados Unidos, a França e a Inglaterra, que – juntamente com União Soviética e China – integravam os Aliados, e os três países que compunham o chamado Eixo: Alemanha, Itália e Japão. No dia 17 de junho, ocorrerá o confronto entre italianos e estadunidenses, pelo grupo E. O Japão, por sua vez, poderá enfrentar a

Oitavas-de-Final EUA X Itália X

Japão Japão

seleção de futebol de um destes dois países nas oitavas-de-final, dependendo dos resultados dos três na fase de grupos. A Polônia, que não teve um papel ativo na Segunda Guerra, mas cuja invasão pela Alemanha é considerada um dos estopins do início do conflito, também disputará a Copa. No dia 1º de setembro de 1939, Adolf Hitler, com o objetivo de iniciar a expansão do nazismo, realizou um ataque de surpresa em território polonês e o dominou em apenas um mês, fazendo com que Grã-Bretanha e França declarassem guerra à Alemanha. Invasor e invadido se enfrentam no dia 14 de junho, pelo grupo A. (IO)

A Copa e as relações “traumáticas” Na Copa de 2006, um país que já não existe mais estará presente: a Sérvia e Montenegro. No dia 22 de maio, os montenegrinos foram às urnas para decidirem se continuariam ligados ou não à Sérvia. Do total de votos, 55,4% optaram pela independência, apenas 0,4% a mais que o exigido pela União Européia para reconhecer o novo Estado. Durante o torneio, entretanto, eles estarão juntos, e poderão enfrentar a partir das quartas-de-final a Croácia. No começo da década

de 1990, forças sérvias e croatas se enfrentaram numa guerra sangrenta que resultou na dissolução da antiga Iugoslávia. Outra relação “traumática” é entre Japão e Coréia do Sul, países que co-sediaram a Copa de 2002 e que poderão ir a campo nas fases posteriores às oitavas-de-final. Durante 33 anos (entre 1910 e 1943), o primeiro manteve violento domínio sobre o segundo, tanto militar quanto cultural, como a substituição do ensino do coreano pelo japonês nas escolas. (IO)

Costa Rica

projeto iraniano, deve-se fazer o mesmo com o projeto israelense. Hoje, Israel conta com mais de 200 ogivas nucleares”, diz. Para ele, o objetivo central do governo Bush na região é o petróleo, e ele se vale do domínio político e militar para garantir o fornecimento deste bem. Outro jogo improvável, mas que pode acontecer, é entre estadunidenses e a Arábia Saudita. Só que, neste caso, as relações não são tão tensas assim. “Ela é aliada dos Estados Unidos. Na Guerra do Golfo (1991), eles pediram a presença dos EUA para se prevenirem contra uma possível entrada do exército iraquiano. E pagaram bilhões de dólares por isso”, analisa Mourad, que lembra ainda o fato de a Arábia Saudita ser país de origem de Bin Laden, financiado e armado pela Agência Central de Inteligência (CIA). (IO)

ESTADOS UNIDOS X ORIENTE MÉDIO (Possibilidades de enfrentamento) EUA X Irã EUA X Arábia Saudita

OUTRAS RELAÇÕES Sérvia e Montenegro X Croácia Japão X Coréia do Sul

Divulgação

uem quiser entender a importância que o mundo dá para o futebol, basta dar uma olhada no número de países-membros da entidade máxima do esporte. Atualmente, são nada menos que 205 afiliados à Federação Internacional de Futebol (FIFA). Para se ter uma idéia, a Organização das Nações Unidas (ONU) é composta por 191 países. Não à toa, a Copa do Mundo é considerada o maior evento do planeta. Na Alemanha, durante 30 dias (de 9 de junho a 9 de julho), 32 seleções irão disputar o título mundial. No entanto, muitos jogos poderão expressar relações simbólicas entre os dois times em campo que vão além do mero confronto esportivo: colonialismo, guerras, conflitos diplomáticos. O duelo entre as seleções de Angola e Portugal, no dia 11 de junho, é um exemplo. O rancor de boa parte da população do país africano, colônia portuguesa até 1975, pode influenciar na temperatura da partida. “Há uma agressividade no sentido de afirmação de uma certa dignidade angolana quando se enfrenta Portugal”, diz o professor de História da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), José Gonçalves, de raízes angolanas. “A dominação deixou uma mágoa, uma má recordação que dá para notar até hoje, e que, de certa forma, passou de pai para filho”, completa. Em um amistoso entre as duas seleções, em 2001 (5x1 para Portugal), a partida teve de ser encerrada aos 25 minutos do segundo tempo, depois de cinco angolanos serem expulsos por jogadas violentas.

franceses, alemães e ingleses, o país caribenho passou ao poder do Reino Unido em 1814 e obteve a independência total só em 1976. “A Inglaterra utilizava Trinidad e Tobago como colônia produtora de açúcar e a população era na sua maioria formada por escravos”, diz Norberto Osvaldo Ferreras, professor de História da Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, em outras fases a seleção inglesa poderá enfrentar Gana, sua ex-colônia africana. Já a Espanha é o país que conta com o maior número de ex-colônias entre os participantes da Copa de 2006: México, Argentina, Equador, Paraguai e Costa Rica, além do próprio Trinidad e Tobago, que passou por um período de dominação espanhola. Existem chances de enfrentamento nas fases posteriores às oitavas-de-final, principalmente contra os dois primeiros, considerados os mais fortes. Segundo Ferreras, a colonização espanhola foi diferente em cada região. “No Caribe, onde se situa Trinidad e Tobago, a população foi totalmente dizimada e o aporte espanhol foi mínimo nessas regiões periféricas. Já México e Equador foram regiões centrais no projeto de consolidação do domínio espanhol, sem contar que foram as regiões, junto com Peru e Bolívia, que maiores rendimentos proporcionaram à Coroa Espanhola.” De acordo com Ferreras, Argentina e Paraguai, por não fornecerem minerais de valor, gozaram de grande autonomia. “Só no final do período colonial aumentou a presença espanhola na área”, analisa.

Na Copa da Alemanha vão entrar em campo também interesses políticos


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CULTURA

De 1º a 7 de junho de 2006

CINEMA

Mostra de filmes leva produção regional para migrantes e populações sem acesso à cultura

Fotos: Divulgação

A arte do Nordeste na periferia paulistana PROGRAMAÇÃO 1 de junho Oficina Cultural Amácio Mazzaropi, Av. Rangel Pestana, 2401, Brás 2 e 4 de junho Centro Cultural de Diadema - Rua Graciosa, 300, Praça da Moça Centro Educacional Unificado (CEU) Jambeiro - Avenida José Pinheiro Borges, 60, Guaianases Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor Francisco Ferreira Paes Rua José Pedro Nogueira Filho, 210, Pirajussara, Taboão da Serra

Eduardo Sales de Lima de São Paulo (SP)

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uem passa pelo Mercado Municipal de Guaianases, na zona Leste da cidade de São Paulo, entende perfeitamente por que a capital paulista é considerada a região onde há mais nordestinos fora do Nordeste. Uma concentração incontável de vendedores ambulantes anuncia seus produtos com o típico sotaque nordestino. Um deles, o entregador de panfletos Marcondes Alves, de Irecê, Bahia, conta que vai “recordar os familiares e a lavoura de feijão” durante a 1ª Mostra Paulista de Cinema Nordestino, que começa dia 1º e vai até o dia 7. O taxista Manuel Queiroz, natural de Juazeiro, Bahia, também vai conferir a programação de filmes que “traz as raízes de sua cultura”. A Mostra vai exibir obras de ficção e documentários sobre temas nordestinos em Taboão da Serra, Diadema e Guaianases, na periferia de São Paulo. A proposta é levar a sétima arte não somente aos nordestinos e seus descendentes, mas também a todos que não têm condições de ir ao cinema por falta de dinheiro para o ingresso e até mesmo para a condução. Entre as produções da Mostra destacam-se obras consagradas como Baile Perfumado, de Paulo Caldas e Lírio Ferreira; Corisco e Dadá, de Rosemberg Cariry; Amarelo Manga, de Cláudio Assis; e o filme mudo de Gentil Roiz, Aitaré da Praia, de 1923, que iniciou o Ciclo do Recife. A Mostra também traz a performance do cineasta pernambucano Hermano Figueiredo, conhecido por exibir filmes em “telas” não convencionais, como redes de dormir, velas de jangadas e barrigas de vacas.

3, 4 e 5 de junho Espaço Cultural Território Brasil - Rua Mateus Grou, 580, Pinheiros

Cenas de Amarelo Manga, A Canga e A Árvore da Miséria: produções com baixos orçamentos têm conquistado prêmios

tudo, por pequenos filmes sobre o cotidiano carioca. Somente com os Ciclos Regionais, realizados na década de 1920, as produções se estenderam a Campinas (SP), Pernambuco, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. O Ciclo de Pernambuco foi o que mais produziu. Os temas regionais abordaram a temática de jangadeiros, coronéis e cangaceiros. Já nos anos de 1930, as chanchadas conquistaram o mercado nacional, mas o investimento insistia em permanecer no eixo Rio de Janeiro-São Paulo. A partir dos anos de 1950 e 1960, o Cinema Novo introduziu novas temáticas e o nordestino Glauber Rocha re-

PRODUÇÃO DESCONHECIDA Os primórdios do cinema brasileiro foram constituídos, sobre-

volucionou o cenário da linguagem cinematográfica nacional. Para Maria Eduarda Andrade, curadora da Mostra, a produção de cinema no Nordeste sempre foi expressiva e Glauber talvez seja o maior exemplo disso: “Mas acho que o cinema nordestino, em geral, sempre foi muito pouco conhecido no Brasil. Quando se fala da história do cinema brasileiro, quem conhece a produção do cinema mudo no Recife na década de 1920? Ninguém. O Nordeste vem produzindo cada vez mais cinema, especialmente em Pernambuco e no Ceará”. Há quem diga que seja fácil distinguir um filme nordestino de

outro produzido no eixo Rio-São Paulo. Mas com tantas produções e de tão diferentes abordagens temáticas, o cinema nordestino não tem uma linguagem padrão, um estilo. Para Maria Eduarda, existem alguns temas regionais que são abordados em diferentes filmes – como o cangaço, por exemplo. “Qualquer brasileiro que assistir a um filme de cangaceiros no sertão vai reconhecer ali um filme nordestino, por razões óbvias. Não acho que exista um estilo próprio para o cinema nordestino. O estilo muda de acordo com o diretor”, explica a curadora da Mostra. Os filmes nordestinos de baixíssimo orçamento têm con-

quistado prêmios pelo mundo afora, ultimamente. Amarelo Manga, por exemplo, teve um orçamento de R$ 500 mil e foi premiado nos Festivais de Berlim e de Brasília. Este ano, mais dois exemplos de produção de qualidade com baixo custo, em Pernambuco: Cinema, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes, foi feito com R$ 2 milhões, e Árido Movie, de Lírio Ferreira, teve orçamento em torno de R$ 750 mil. Segundo Maria Eduarda, a 1ª Mostra Paulista de Cinema Nordestino só está acontecendo graças à vontade dos realizadores nordestinos, que abriram mão dos direitos autorais para exibir seus filmes gratuitamente na periferia de São Paulo. “Estamos falando do lugar onde vive a maior concentração de nordestinos e de seus descendentes fora do Nordeste. O que nós queremos é levar até essas pessoas um pouco do cinema feito na região do país de onde a maioria delas veio. É preciso mostrar esse cinema a essa gente, até para estimular a auto-estima, uma vez que, na visão paulistana preconceituosa, cearenses, paraibanos, pernambucanos, viramos todos ‘baianos’, de forma pejorativa”.

MEMÓRIA DOS EXCLUÍDOS

“E a cidade... que tem braços abertos num cartão postal... com os punhos fechados na vida real... lhes nega oportunidades... mostra a face dura do mal... Alagados Trenchtown... Favela da Maré...” Como dizem os versos de Herbert Viana, no anos de 1980, a Favela da Maré, no Rio de Janeiro, representava a miserável face de um Brasil de “palafitas, trapiches, farrapos”. O músico sabia que seus moradores tinham “a arte de viver da fé”, porém ele não sabia em quê. O Museu da Maré, inaugurado no início de maio, vem mostrar em que os moradores pioneiros da Maré tinham fé: trabalho, cidadania e identidade. O Museu da Maré é o primeiro, no Brasil, a funcionar na periferia. Os próprios moradores da favela são os curadores e os doadores do acervo, composto por fotos e documentos. “É um marco, a concretização do desejo da comunidade de interagir com sua própria história, foram literalmente os moradores que fizeram o museu”, diz Luiz Antônio de Oliveira, coordenador do museu. Oliveira ressalta a importância do museu na manutenção da identidade da comunidade: “A criança precisa saber da luta de seus pais e avós. A gente fica feliz quando o jovem conhece suas raízes porque ajuda a construir sua identidade”. Dados do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM) apontam que, nos anos de 1940,

Fotos: Divulgação

Moradores ajudam a montar museu da Maré

Museu procura resgatar a história, o trabalho, a cidadania e a identidade dos moradores da Favela da Maré, no Rio

a região da Leopoldina já havia se transformado em núcleo industrial. Como as terras do subúrbio já haviam se tornado alvo da especulação imobiliária, restou para a camada mais pobre a ocupação das áreas alagadiças do entorno da Baía de Guanabara. Estudos do CEASM revelam ainda que a Maré é formada por uma população de negros e migrantes, com pouca escolaridade

e baixa renda familiar. Até o início dos anos de 1990, só 0,6% da população local tinha diploma de graduação, enquanto o número de analfabetos beirava os 20%. Mais de dois terços dos trabalhadores da Maré afirmam ganhar menos de dois salários mínimos. O bairro tem atualmente 130 mil habitantes. Diante desses números, “a questão é transformar a política de cul-

tura numa política de Estado. Mesmo com mudança de governo, de partidos”, argumenta Oliveira. Para o coordenador do Museu, os moradores das comunidades carentes precisam fazer um trabalho de “formiga”, estimulando as pessoas a conhecer outros caminhos, além do tráfico. Marcelo Pinto Vieira, cenógrafo e morador do Complexo da Maré,

foi o responsável pela concepção dos cenários reproduzidos no museu. Para o cenógrafo, a liberdade e a inspiração para elaborar as ambientações do museu, juntamente com os outros moradores, foram fruto de sua vivência das várias mudanças ocorridas no Complexo. “Foi muito importante eu ter visto o processo de remoção das pessoas, o processo do aterro”. O Museu é formado por 12 salas, com espaços tematizados por tempos: Tempo da Água, da Violência, das Palafitas (tipo de moradia muito comum até a década de 1980, antes de a área ser aterrada), entre outros. Uma curiosidade é que, no espaço que representa o Tempo do Medo, existem dois momentos, o medo de as crianças caírem das palafitas e o medo da violência atual. O museu, parte do programa Pontos de Cultura, lançado em outubro do ano passado, em Heliópolis (SP), espera atrair visitantes de toda a cidade, e não apenas das 16 comunidades do Complexo da Maré. (ESL) PARA VISITAR Museu da Maré Casa Cultural da Maré Av. Guilherme Maxwell, 26, Rio de Janeiro, RJ (21) 3868-6748 Segunda a sábado, das 9h às 17h


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