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Ano 4 • Número 171

R$ 2,00 São Paulo • De 8 a 14 de junho de 2006

Em jogo, a autonomia da CUT Em seu 9º congresso, a maior central sindical do país faz um balanço de sua atuação frente ao governo Lula

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capacidade de mobilização dos trabalhadores e a definição de estratégias de ação num cenário de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva são os temas mais quentes do 9º Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), realizado entre os dias 2 e 9, em São Paulo. Cerca de 2 mil delegados vão eleger a nova diretoria da Central e debater

o papel da CUT como protagonista da luta de classes. “Ou a CUT gerencia sua autonomia, ou perde parte da sua base”, sentencia Altamiro Borges, ligado à Corrente Sindical Classista (CSC). O atual presidente da central, João Felício, acredita que a maioria dos sindicalistas prefere Lula, “mas isso não significa perder a autonomia sindical”. Pág. 3

Exploração do trabalho suja uniformes da Copa

EDITORIAL

Em greve, Uerj pressiona Rosinha Matheus

A luta pelo passe livre no Chile

Resultado da ocupação do Haiti: fiasco

ção do modelo neoliberal e, especificamente, a reestruturação ocorrida no mundo do trabalho, forçou o movimento sindical a adotar uma postura defensiva. A CUT, criada em 1983, no auge do movimento grevista, rapidamente transformada na maior central sindical do país – com um papel fundamental na luta contra a ditadura militar e na construção do Partido dos Trabalhadores (PT) – não escapou ilesa dessa ofensiva do capital. Seu poder de mobilização e de condução das lutas sindicais foi gradativamente enfraquecido. São quase duas décadas de perdas para a classe trabalhadora. É por esse cenário que a CUT deve pautar seus desafios. Os interesses e objetivos do capital continuam sendo opostos aos do trabalho. A voracidade de lucro exige que a burguesia aumente a exploração da classe trabalhadora. O Estado burguês é incapaz de atender os direitos trabalhistas, de consolidar uma democracia participativa e de assegurar o bem-estar para toda a população. Cada vez mais esse Estado refina sua capacidade de concentrar riquezas e de reprimir os que não se submetem ao domínio burguês. A classe trabalhadora precisa se preparar e fortalecer a defesa de seus interesses. Um dos desafios postos para a CUT é retomar o seu papel de protagonista da luta de classes, organizando e colocando os

trabalhadores na cena política. Ou seja, resgatar a capacidade do povo brasileiro de decidir sobre o seu futuro e impor sua vontade à classe dominante. Porém, como instrumento de luta dos trabalhadores e força de transformação, a Central precisa ser mais ofensiva. Precisa ter o seu alvo claro, definido. É preciso, por exemplo, travar uma luta contra o sistema financeiro e contra as transnacionais, que sugam do território nacional toda a riqueza produzida. É fundamental recuperar a autonomia da central frente ao governo. Torna-se cada vez mais evidente que as conquistas da classe trabalhadora dependerão do seu nível de organização e de sua capacidade de mobilização. Outro desafio importante é a construção da unidade de classe. Isso significa buscar alianças com os trabalhadores informais, desempregados e os trabalhadores do campo, para construir um projeto popular para o Brasil. Um projeto popular que passa necessariamente por um projeto de nação em que estejam contemplados os interesses dos trabalhadores.

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No Peru, vence o candidato da direita Pág. 7

Mobilizados desde dia 30 de maio, os estudantes secundaristas chilenos deflagraram a primeira crise política da presidenta Michelle Bachelet. Dia 5, eles somavam um milhão nas ruas, empunhando uma bandeira hoje “global”: a luta pelo passe livre. O movimento já conta com a adesão de professores, universitários e funcionários públicos. Além do passe livre, eles reivindicam o fim de uma taxa para prestar o vestibular e a alteração da lei de educação dos tempos da ditadura. Pág. 8

Douglas Mansur

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vernamental Oxfam International, que no fim de maio divulgou estudo sobre o tema. Além dos baixos salários, os funcionários não têm direito de se organizar em sindicatos, são submetidos a assédio sexual e trabalham em péssimas condições de segurança. Pág. 6

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Estratégias para manter a luta Central Única dos Trabalhadores (CUT) realiza seu 9º congresso nacional em um momento extremamente importante para o sindicalismo brasileiro. Primeiro, porque vivemos um período ímpar na história do Brasil, com um operário na Presidência da República e em campanha para a reeleição. Segundo, porque a burguesia brasileira, seguindo os ditames da elite internacional, faz uma ofensiva para manter, e se possível aprofundar, as políticas neoliberais – mesmo que já tenha sido demonstrado o fracasso desse modelo no mundo todo. O poder aquisitivo do salário foi gradualmente diminuindo, ano após ano. Direitos trabalhistas, obtidos em lutas que perpassaram todo o século 20, simplesmente foram suprimidos da Constituição Federal. Bem sucedido em sua lógica de concentrar riquezas, o modelo neoliberal promoveu, conseqüentemente, o aumento da pobreza e uma insana e assustadora depredação dos recursos naturais. Essa situação tende a se agravar. A elite econômica e política ainda não está satisfeita com as reformas neoliberais impostas até agora. Quer mais. Ávida pelos lucros obtidos a qualquer preço, essa elite dirige seus esforços e recursos, humanos e financeiros, para implementar reformas trabalhistas mais prejudiciais à classe trabalhadora. Nos anos 1990, a implanta-

Enquanto grandes marcas esportivas investem milhões em patrocínio das seleções que disputarão a Copa do Mundo da Alemanha, trabalhadores asiáticos que fabricam as chuteiras e os uniformes dos jogadores ganham pouco mais de R$ 10 por dia. A denúncia é da organização não go-

MARCHA POR HABITAÇÃO – Organizada pela Central de Movimentos Populares (CMP), dia 31 de maio, em São Paulo (SP), manifestação exige mais investimentos públicos para famílias sem teto. No dia seguinte ao protesto, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) concedeu o habeas corpus de Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, dirigente da CMP, anulando sua prisão preventiva, decretada a partir de sua suposta participação em um homicídio


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DEBATE

CRÔNICA

Transformar a sociedade para curar o planeta

O grande negócio do crime e o medo sacrificam a justiça

Marcelo Barros Eduardo Galeano m um mundo que prefere a segurança à justiça, há cada vez mais pessoas que aplaudem o sacrifício da justiça nos altares da segurança. Nas ruas das cidades celebram-se as cerimônias. Cada vez que um delinqüente cai alvejado, a sociedade sente alívio ante a enfermidade que lhe acossa. A morte de cada malfeitor surte efeitos farmacêuticos sobre os benfeitores. A palavra farmácia vem de pharmakos, que os gregos davam às vítimas humanas dos sacrifícios oferecidos aos deuses em tempos de crise.

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A INDÚSTRIA DO MEDO

O medo é a matéria-prima das prósperas indústrias da segurança privada e do controle social. Uma demanda firme sustenta o negócio. A demanda cresce tanto ou mais que os delitos que a geram, e os especialistas asseguram que assim seguirá sendo. Floresce o mercado das polícias privadas e as prisões privadas, enquanto todos, alguns mais outros menos, vamos nos tornando vigilantes do próximo e prisioneiros do medo.

que elaboram inimigos à medida de suas necessidades. O MEDO GLOBAL

Os que trabalham têm medo de perder o trabalho. Os que não trabalham têm medo de não encontrar nunca trabalho. Quem não tem medo da fome, tem medo da comida. Os automobilistas têm medo de caminhar e os pedestres têm medo de ser atropelados. A democracia tem medo de recordar e a linguagem, medo de dizer.

Nunca houve tanta concentração de recursos econômicos e de conhecimentos científicos e tecnológicos dedicados à produção da morte

Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas, as armas têm medo da falta de guerras. É O TEMPO DO MEDO

Medo da mulher da violência do homem e medo do homem da mulher sem medo. Medo dos ladrões, medo da polícia. Medo da porta sem fechadura, do tempo sem relógios, da criança sem televisão, medo da noite sem pastilhas para dormir e medo do dia sem pastilhas para despertar. Medo da multidão, medo da solidão, medo do que foi e do que pode ser, medo de morrer, medo de viver... (La Jornada, www.jornada.unam.mx) Eduardo Galeano é jornalista e escritor, autor, entre outras obras, de As Veias Abertas da América Latina

ELABORAR INIMIGOS À MEDIDA Kipper

Muitos dos grandes negócios promovem o crime e do crime vivem. Nunca houve tanta concentração de recursos econômicos e de conhecimentos científicos e tecnológicos dedicados à produção da morte. Os países que mais armas vendem ao mundo são os mesmos países que têm a seu cargo a paz mundial. Afortunadamente, para eles, a ameaça da paz está se debilitando, já que se afastam as nuvens negras, enquanto o mercado da guerra se recupera e oferece promissoras perspectivas de matadouros rentáveis. As fábricas de armas trabalham tanto quanto as fábricas

O planeta Terra está muito doente. Se os recursos da natureza continuam a ser explorados predatoriamente, em função do lucro de uma minoria ínfima de seres humanos, acontecerá o fim do mundo, anunciado por várias religiões, não por interferência divina, mas por obra do próprio Homem. Nas últimas décadas, para deter a tragédia, alguns intelectuais tentaram colocar adjetivos no processo a que chamam de desenvolvimento. Há mais de 60 anos, na França, surgiu o movimento por um “desenvolvimento integral”, psicólogos da Europa propuseram “um desenvolvimento humano” e, a partir da Eco 92, espalhou-se pelo mundo a proposta de um “desenvolvimento sustentável”. Entretanto, não é possível desenvolver de forma positiva o que, por sua própria natureza, é predatório e violento. Não há como fazer a roda mais ou menos quadrada. Hoje, já se fala em pós-desenvolvimento. A própria Unesco abrigou em abril um congresso de economistas de vários países da Europa e o assunto era: “Linha do horizonte: desfazer o desenvolvimento e refazer o mundo”. Será impossível avançarmos neste sentido sem um maior diálogo entre sociedade civil e Estado e se não substituirmos essa idéia de blocos comerciais de países por uma aliança mundial de nações, fundamentada sobre a riqueza da diversidade das culturas e o respeito à vida. Como considerar normal que, na Espanha, três jogadores de futebol, dos quais um brasileiro, declarem uma renda anual correspondente ao PIB de 46 países da África? Como a sociedade internacional pode aceitar que, para garantir um preço mais elevado para seus produtos, empresários estadunidenses paguem a fazendeiros africanos para que estes queimem todo o seu estoque de cereais? A vida na Terra e a paz da sociedade humana dependem de que a Economia não seja mais desligada da Ética e principalmente de um cuidado com a vida de todos os seres vivos. Uma das bases em que o sistema vigente se apóia é a Educação que pretende propor valores humanos às crianças e jovens, mas estrutura a Escola em um sistema de competição de notas, valores, concursos e vestibulares, como também, na maioria das vezes, compactua com a cultura consumista tão responsável pelo desequilíbrio ecológico. É preciso descolonizar a mente, dependente da propaganda, e libertar o imaginário das prisões do consumo para reinventar a vida de forma sustentável e sadia. O reencontro com as raízes culturais de cada grupo tem sido um bom caminho para esse processo. Algumas comunidades começam a reaproveitar quase tudo o que é jogado fora. Não fazem isso para que possamos produzir mais lixo, já que depois o reciclamos. Isso seria legitimar o sistema predatório. Ao contrário, é para nos educar a novas relações com as coisas e com a natureza. Um exemplo disso é a substituição gradual do plástico. Em países da Europa, como a Itália e a Espanha, os supermercados não oferecem mais sacolas plásticas. Quem precisa tem de comprá-las. Isso faz com que muita gente já traga de casa bolsas e sacos para levar suas compras. Todo cuidado ecológico tem uma base profunda: uma relação amorosa e de comunhão com a natureza, considerada como a comunidade da Vida, a qual todos pertencemos e na qual todos temos um lugar e uma missão. Para quem tem uma busca espiritual, essa relação se inscreve no próprio âmbito de uma espiritualidade ecológica e ecumênica que atualiza, hoje, a palavra de um cristão do século II: “Contempla uma árvore e estarás vendo minha presença, sente o roçar do vento em teu corpo, é meu carinho para contigo. Em cada poeira da estrada e nas flores do caminho, tu podes me encontrar. Basta levantares uma pedra e ali encontras o teu Deus”. Marcelo Barros é monge beneditino. É autor de 27 livros, entre os quais está no prelo A Vida se torna Aliança, (Como orar ecumenicamente os Salmos), Editora Cebi-Rede da Paz, 2005

CARTAS DOS LEITORES MOÇÃO O relatório “Violação dos Direitos Humanos no Centro de São Paulo: Propostas e Reivindicações Para Políticas Públicas”, elaborado por entidades reunidas no Fórum Centro Vivo (FCV), foi obtido com exclusividade pelo jornal Brasil de Fato em edição de 18 a 24 de maio. Com lançamento oficial realizado no dia 25 de maio, o documento aponta dezenas de violações a legislações vigentes, como a Constituição Federal, e os Estatutos das Cidades, do Idoso e da Criança e do Adolescente e tem como foco as violações dos direitos humanos de diferentes grupos sociais historicamente excluídos, que vivem no centro da capital paulista. O relatório ainda destaca a criminalização da pobreza, dos movimentos sociais e dos defensores de direitos humanos que lutam por uma política urbana – entre eles, o FCV, criado em 2000 por universidades, organizações não governamentais, movimentos sociais, pastorais, coletivos de arte e de mídia independente, entre outros. Segundo Bendito Barbosa, da Central de Movimentos Populares (CMP), em entrevista ao Brasil de Fato, explica que desde o início da

gestão de José Serra (PSDB) há uma ação combinada entre a subprefeitura da Sé (que atua na região central de São Paulo), a Secretaria de Habitação e a Secretaria de Assistência Social, no sentido da paralisação de programas sociais para a população do centro. Embora o relatório busque evidenciar os retrocessos da atual gestão tucana, o documento mostra que – salvo alguns avanços nas gestões de Marta Suplicy (2000-2004) e Luiza Erundina (1989-1992) – uma política habitacional e urbana baseada na inclusão social e no acesso democrático à cidade “nunca foi prioridade em São Paulo”. O relatório será entregue a diversos órgãos governamentais e do Judiciário. Por isso, esta Casa aplaude a iniciativa de entidades reunidas no FCV pela elaboração do relatório “Violação dos Direitos Humanos no Centro de São paulo: Propostas e Reivindicações Para Políticas Públicas”. Que do deliberado seja dada ciência, através de ofício, ao Ministério das Cidades, às Secretarias de Habitação do Estado e do município de São Paulo, às comissões de Direitos Humanos da OAB-SP e da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, ao Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais – Po-

lis, integrante do Fórum Centro Vivo, e ao jornal Brasil de Fato. Vereador Paulo Bufalo Campinas (SP) PRIVATIZAÇÕES CRIMINOSAS Muitos não entendem bem por que no governo Lula, apesar de todas as acusações de corrupção da grande imprensa, sobra tanto dinheiro no governo, seja para pagar as dívidas que foram impostas por Fernando Henrique, seja para distribuir diretamente aos pobres de todo o Brasil, a ponto de haver, no ano passado, reduzido em 50% a população dos que vivem em extrema miséria. Não é difícil entender. O governo Fernando Henrique emprestava fortunas dos cofres públicos para que grandes grupos econômicos comprassem as grandes empresas públicas. O país empobrecia e muitas vezes o dinheiro não voltava, como no caso da Eletropaulo e das ferrovias. No governo Lula, no trimestre passado, por exemplo, apesar de grandes gastos públicos, os lucros da Petrobras contribuíram para um considerável superavit. Imaginem com estaríamos bem hoje se pudéssemos contar também com os lucros da Vale do Rio Doce e Telebrás? Mas chegaremos lá. Lutaremos para cancelar as privatizações criminosas! Nayde Ribeiro de Carvalho São Paulo (SP)

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Isa Gomes, Jorge Pereira Filho, Paulo Pereira Lima • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, João Alexandre Peschanski, Luís Brasilino, Marcelo Netto Rodrigues, Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Silvio Sampaio • Assistente de redação: Bel Mercês • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Valdinei Arthur Siqueira • Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 - Campos Elíseos - CEP 01218-010 - Tel. (11) 2131-0800 - São Paulo/SP - redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. Conselho Editorial: Alípio Freire • César Sanson • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Pedro Ivo Batista • Ricardo Gebrim

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NACIONAL MOVIMENTO SINDICAL

Congresso define rumos da CUT A

necessidade de assegurar a autonomia da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em relação ao governo Luiz Inácio Lula da Silva, a discussão sobre o posicionamento da central durante o governo e frente às eleições presidenciais, em outubro, são temas que devem acalorar os debates dos 2 mil participantes do 9º Congresso Nacional da CUT (Concut), entre os dias 2 e 9, em São Paulo. Realizado sob o tema “Trabalho e democracia: emprego, renda e direitos para todos os trabalhadores e trabalhadoras”, o congresso também vai abrigar as eleições para a nova diretoria da central (veja quadro abaixo) e deve ter como uma das prioridades fazer um balanço da atuação da CUT. Em especial durante o “período inédito em que o Brasil teve um presidente oriundo do movimento sindical”, na opinião de Altamiro Borges, do Comitê Central do PC do B, partido ligado à Corrente Sindical Classista (CSC). Para ele, a CUT pecou no início do governo, com uma postura “adesista e passiva”, como por exemplo na reforma da Previdência. Borges atribui o equívoco à hegemonia da corrente majoritária da Central, a Articulação Sindical, vinculada ao PT. “Ou a CUT gerencia sua autonomia, ou vai perder parte da sua base”, sentencia.

AUTONOMIA Para o atual presidente da CUT, João Felício, “a esmagadora maioria dos sindicalistas considera que, para que o Brasil avance, coloque o Estado brasileiro a serviço da maioria mais pobre, consolide uma nova estrutura sindical, distribua melhor a renda e auxile na humanização do mundo do trabalho, Lula é a melhor opção. Mas isso não significa perder a autonomia sindical”. Os sindicalistas mais à esquerda exigem da central mais autonomia. De acordo com Jorge Luís Martins, o Jorginho, candidato à presidência da CUT pela Frente de Esquerda Socialista (FES), a central capitulou frente aos interesses do governo em vez de cumprir seu papel de mobilizar os trabalhadores: “A central foi uma homologadora das políticas governamentais, o que representa um desastre histórico”. O projeto originário da CUT, na avaliação de Jorginho, foi derrotado, pois nos últimos anos a central perdeu sua combatividade, “não dialoga mais com a classe trabalhadora”. Num segundo período do governo Lula, com a indicação do então presidente da CUT, Luiz Marinho, para o Ministério do Trabalho, a central se tornou mais atuante, acredita Altamiro Borges. “Foi quando a central passou a participar de fato da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) e propôs aumento do salário mínimo”, diz ele. Wagner Gomes, candidato à presidência da CUT pela Corrente Sindical Classista (CSC), concorda. Se a central não teve autonomia necessária num primeiro momento do governo Lula, analisa, “depois corrigiu o rumo, aumentando seu poder de mobilização”.

DEMOCRACIA INTERNA As estratégias da CUT para os próximos anos vão ser discutidas pelos delegados do Congresso. Um dos desafios da central é a manutenção da democracia interna, fudamental para a unidade entre as correntes e para impedir uma fragmentação ainda maior. De acordo com Borges, para garantir o funcionamento da central é preciso combater o “hegemonismo excludente que existe dentro da Articulação”. Ele diz que representantes da corrente comemoraram a saída de sindicatos

Abertura do 9º Congresso da CUT, quinta maior central sindical do mundo: em debate a posição da central frente ao governo e às eleições presidenciais

para a Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas) e têm uma relação ruim com sindicatos ligados ao PSOL. “Essa postura é negativa, vai excluindo as correntes, acabando com a pluralidade”, lamenta. Como conseqüência, “o poder de fogo da esquerda diminuiu e o que vai acontecer é que ficaremos de fora da direção”, completa Jorginho. A tarefa da CUT hoje, explica Borges, “é aumentar seu poder de mobilização e de intervenção política na sociedade, além de fazer “menos ne-

gociação por cima. A central precisa ser mais propositiva e mais ativa em relação ao próximo governo”.

CRISE As dificuldades do sindicalismo hoje, embora não tenham espaço na pauta do congresso, deveriam ser amplamente debatidas, na opinião de Altamiro Borges. De acordo com ele, durante a década de 1990, com as mudanças nas empresas e a introdução de novas tecnologias, o sindicalismo “so-

freu um baque e perdeu uma de suas principais características, a combatividade”. Mais que isso, dentro dos sindicatos as direções se afastaram das bases, “passaram a priorizar as negociações e ficaram mais aparelhistas e burocratizadas”. Se havia uma esperança em relação à superação da crise do movimento sindical com a vitória de Lula, diz Borges, ela acabou, pois os problemas ficaram ainda maiores: “De um lado, uma parte adotou uma postura passiva, ade-

Sindicalistas elegem nova diretoria Durante o 9º Congresso Nacional da CUT (Concut) será escolhida a nova direção nacional da central. A corrente hegemônica Articulação Sindical (Arsind), apesar de apoiada por cerca de 60% dos delegados, está dividida, com dois candidatos à presidência. Um deles é o atual presidente da central, João Felício. O outro é Artur Henrique Silva, atual secretário-geral da CUT. O candidato da segunda maior corrente, a Corrente Sindical Classista (CSC), é Wagner Gomes, com cerca de 20% das intenções de voto. A Frente de Esquerda Socialista (FES), formada por militantes do PSOL e sindicalistas independentes, tem cerca de 10% dos votos de intenção e deve anunciar a candidatura de Jorge Luís Martins, o Jorginho. As correntes Socialista Democrática CSD, com 10% de apoio; O Trabalho,

com 5%, e Tendência Marxista não haviam lançado candidatuta até o fechamento desta edição, dia 6. Arthur Silva, do campo majoritário, diz que sua corrente vai “defender a reeleição de Lula como um projeto dos trabalhadores”. Wagner Gomes, da CSC, afirma que “enquanto a articulação apóia quase incondicionalmente a reeleição de Lula, nós defendemos uma plataforma dos trabalhadores, um projeto nacional independente”. Jorginho, da FES, considera um equívoco o apoio incondicional à reeleição de Lula: “Seria como assinar, mais uma vez, um cheque em branco”. De acordo com ele, a FES vai se posicionar contra os tucanos e também questionar o governo Lula, “que não cumpriu suas promessas de campanha”.

sista e acrítica. Do outro, adotou uma postura de combate frontal”. Para Rosane da Silva, da corrente CUT Socialista e Democrática, haverá muita unidade no congresso: “Não queremos o retorno do neoliberalismo no país, queremos fazer um debate com a sociedade brasileira e discutir qual é o projeto que a classe trabalhadora defende para o Brasil, para a América Latina e para o mundo”. A CUT defende um crescimento econômico sustentável, “e não baseado apenas nas bolsas de valores ou nos capitais especulativos”, explica Pascoal Carneiro, da CUT-BA. O sindicalista e ex-metalúrgico explica que a distribuição de renda só ocorre com a valorização do trabalho, como a redução da jornada de trabalho para gerar mais emprego no Brasil. Ao longo do congresso haverá reuniões com sindicatos de outros países, em especial da Alemanha, para discutir a estratégia de enfrentamento que os trabalhadores vão ter que elaborar para barrar as demissões da Volkswagem tanto no Brasil quanto em outros países. (Colaborou Eduardo Sales Lima, de São Paulo)

DIREITOS HUMANOS

Conferência discute o combate à criminalização de movimentos sociais Fernanda Campagnucci de Brasília A expectativa para a 10ª Conferência Nacional de Direitos Humanos era grande. Reunidos em Brasília de 31 de maio a 2 de junho, cerca de 700 representantes de organizações e movimentos sociais trouxeram denúncias e experiências de suas cidades. Os aplausos dos militantes na mesa de abertura, por vezes de pé, traduziam nas palmas a esperança de avanço nas discussões sobre os direitos humanos e seus defensores. O resultado dos debates foi expresso em uma Carta Compromisso, redigida no final do encontro (veja a íntegra da carta na Agência Brasil de Fato, www.brasildefato.com.br). Apesar de o tema central da conferência ser “Modelo Econômico e Direitos Humanos”, a temática mais expressiva – discutida em todos os painéis e grupos de trabalho –, foi a questão da segurança pública. Segundo Paulo César Carbonari, da Coordenação do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), o debate foi motivado pelos crimes

Agência Câmara

Tatiana Merlino da Redação

Douglas Mansur/ Novo Movimento

Central elege nova diretoria e discute formas de garantir autonomia em relação ao governo Lula

Encontro reuniu mais de 700 representantes de organizações sociais

em São Paulo, há duas semanas, e o processo de criminalização dos defensores dos direitos humanos que emergiu dali. “O momento histórico exige essa reação”, afirma. Reação que Laura Tavares, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), endossou logo na abertura do evento. Laura foi enfática ao defender os movimen-

tos sociais e justificou o tema da conferência lembrando o filófoso italiano Antonio Gramsci: “Este é o conceito gramsciano de sociedade civil: entidades que formulam políticas, debatem e interferem em grandes questões nacionais. Temos, sim, que discutir essas questões”. Na mesma mesa, João Pedro Stedile, dirigente do Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), enumerou as conseqüências do modelo econômico neoliberal, que “só interessa a meia dúzia de empresas”. O desemprego, para Stedile, “é a maior chaga produzida por esse modo de acumulação. No Brasil, 20% não tem trabalho”. Mas nesse modelo não interessa que o Estado desapareça completamente, lembra. “Ao Estado, o neoliberalismo reservou duas funções: repressão e compensação social. Para calar o povo”, denuncia. Ainda na abertura do evento, Carbonari, do MNDH, se mostrou bastante animado com a realização da conferência. Segundo ele, não se avançou muito desde a última conferência, que aconteceu em 2004: “Ficar parado, em direitos humanos, é andar para trás”. Depois de participar dos três dias de discussões, ele contabilizou os avanços – como por exemplo a discussão sobre a aprovação do projeto de lei que cria o Conselho Nacional de Direitos Humanos e a necessidade de um diagnóstico da Política Nacional de Direitos Humanos.


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NACIONAL EDUCAÇÃO

Dois meses de greve na Uerj

Hamilton Octavio de Souza

Unidos, professores, alunos e direção da universidade pressionam governo

Monopólio ilegal Em total desrespeito à Constituição Federal, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) homologou a fusão das empresas Sky e DirecTV, que detêm 97% das transmissões de TV via satélite. Além de ser um monopólio totalmente ilegal, a nova empresa é estrangeira, controlada pela News Corporation, dos Estados Unidos, o que também é inconstitucional. Ladrão impune O Ministério Público do Estado de São Paulo conseguiu repatriar mais de R$ 2 milhões desviados pelo exprefeito Celso Pitta e depositados num banco das Ilhas Cayman. O dinheiro pertence à Prefeitura de São Paulo e é a prova material ainda que parcial - de roubo praticado por ele no exercício de cargo público. Só falta agora colocar o ladrão na cadeia. Demissão milionária Impedida por acordo coletivo de fazer demissões de trabalhadores, a empresa Volkswagen, da Alemanha, está oferecendo indenizações de até 250 mil euros (cerca de R$ 750 mil) para funcionários de suas fábricas naquele país que entrarem no programa de demissão incentivada. Aqui no Brasil a mesma empresa praticamente demite quando quer e nas condições que bem entende. Igualdade moral Criticado e combatido pelo PT durante vinte anos, especialmente por seu envolvimento em denúncias de corrupção, o ex-senador e exgovernador de São Paulo, Orestes Quércia, foi recebido pelo presidente Lula, dia 31 de maio, para uma conversa sobre a aliança eleitoral com o PMDB. Pelo jeito, o antigo adversário foi perdoado, ainda mais agora com o nivelamento ético e político. Regras eleitorais Entre as várias novidades no regulamento das eleições deste ano, tem pelo menos duas que representam duríssimos testes para acabar com antigos vícios nas campanhas políticas: uma veta a distribuição de camisetas e bonés; outra impede a realização de shows - com artistas contratados - nos comícios dos candidatos. Alguém acredita que essas medidas serão cumpridas pelo Brasil afora? Guerra perdida Os povos indígenas estão descontentes com o descaso das autoridades para suas condições de vida, sobre a falta de atendimento de saúde e, no Mato Grosso do Sul, com a construção de usinas hidrelétricas em suas terras e a omissão do governo nos conflitos com os grileiros. Em 2005, segundo o Conselho Indigenista Missionário, aconteceu o maior número de assassinatos de indígenas - 43 no total - dos últimos 10 anos. Lucro fácil A Rede Globo de Televisão está prevendo um lucro superior a R$ 1,3 bilhão em 2006 apenas com o faturamento das transmissões de futebol, já que detém exclusividade com a Copa do Mundo, Taça Libertadores, Campeonato Nacional e os campeonatos regionais. É inacreditável que o governo Lula, o Congresso Nacional e o Poder Judiciário fiquem omissos diante desse monopólio. Muita paciência O maior problema de acompanhar a Copa do Mundo de Futebol durante 30 dias é ser obrigado a se submeter ao monopólio da TV Globo e ter de agüentar todas as besteiras colocadas no ar pelo apresentador Galvão Bueno. O povo brasileiro não merece!

Mário Augusto Jakobskind do Rio de Janeiro (RJ)

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) está paralisada desde 3 de abril. Professores, funcionários e estudantes tentam negociar com a governadora Rosinha Matheus, que se recusa a abrir um canal de entendimento. No dia 1º, em uma demonstração de vigor do movimento, várias entidades representativas da universidade – Associação dos Docentes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Asduerj), Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Públicas Estaduais-RJ (Sintuperj) e Diretório Central dos Estudantes (DCE) – realizaram um ato público, sob o lema “Uerj e sociedade unidas pela educação pública, pela autonomia universitária, contra a intervenção e por negociação já”. Estiveram presentes técnicos, docentes, estudantes, o reitor Nival Nunes de Almeida, o vice-reitor, o ex-reitor Hésio de Almeida, além de representantes de outras universidades, da sociedade civil, de sindicatos. Entre os parlamentares, a deputada Jandira Feghali (PC do B), o senador Marcelo Crivela (PRB) e Vladimir Palmeira, candidato do PT ao governo do Estado do Rio de Janeiro. A recém-eleita presidente da CUT-RJ, Neuza Luzia Pinto, levou o apoio da entidade. O Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub), em nota assinada pelo presidente Manasses Claudino Fonteles, além de manifestar preocupação frente às graves ameaças à autonomia da universidade, prestou solidariedade aos docentes da Uerj. Os grevistas têm denunciado o governo por não negociar e ameaçar os trabalhadores. Os salários foram suspensos, embora a reitoria garanta ter enviado a folha de pagamento da instituição

Recusa do governo em negociar com grevistas causou a suspensão do vestibular

para a Secretaria de Administração. O corte corresponde ao mês de março, pois, segundo os trabalhadores da Uerj, os salários estão atrasados. Os trabalhadores exigem reajuste salarial de 53% referente a perdas acumuladas nos últimos cinco anos, melhores condições de trabalho, melhorias na infraestrutura da instituição e maior dotação orçamentária. A intransigência do governo do Estado, que

levou à continuidade da greve, já teve como conseqüência a suspensão do calendário do vestibular.

DESCASO Para se ter uma idéia do descaso das autoridades do Estado com a UERJ, os elevadores de três pavilhões foram desligados por falta de pagamento às empresas responsáveis pela manutenção. A direção reconhece que a universidade vive a pior crise financeira de

seus 55 anos de existência. Em nota oficial, explica que “embora declarações de membros do governo do Estado tentem minimizar os problemas enfrentados pela comunidade universitária, uma análise dos dados oficiais obtidos junto aos órgãos estaduais comprova a situação, que nos últimos anos só fez se agravar”. O informe diz: “O governo afirma que o orçamento da Uerj, em 2005, bateu a casa dos R$ 520 milhões. É verdade. Mas não graças aos recursos oriundos do governo estadual, atualmente suficientes quase exclusivamente para a folha de pagamento”. Segundo a direção da Uerj, nos últimos cinco anos, os custos de conservação (manutenção predial, luz, telefone) cresceram. Também aumentou o número de alunos cotistas e, por conseguinte, a quantidade das bolsas concedidas. Já o orçamento da Uerj não incorpora nenhum tipo de correção decorrente da inflação ou de reajuste de tarifas públicas. “Na verdade, da verba repassada pelo governo estadual, somente R$ 1,5 milhão (R$ 500 mil efetivamente executados) pode realmente ser considerado investimento, uma vez que o restante foi utilizado para cobrir despesas operacionais e pagamento dos salários”, diz a nota da direção. A comunidade da Uerj é composta por cerca de 30 mil pessoas, entre professores, funcionários e estudantes, fora a população que é atendida pelo Hospital Universitário Pedro Ernesto, programas de atendimento à terceira idade, prévestibulares comunitários, cursos de língua e pelo Colégio de Aplicação. A universidade tem quatro campi universitários no Estado: Friburgo, Duque de Caxias, São Gonçalo e Angra. Grupos de ex-alunos estão coletando assinaturas de apoio ao movimento. (Mais informações em http: //sosuerj.w3br.com)

Entre os sem-terra, sempre é tempo de aprender Cassia Bechara de Recife (PE) “Ninguém educa ninguém; ninguém se educa sozinho; as pessoas se educam entre si, através de sua organização coletiva.” Essas palavras, do educador Paulo Freire, parecem ter sido escritas especialmente para definir a educação no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A pedagogia do MST foi forjada e construída a partir de Paulo Freire, em especial de sua Pedagogia do Oprimido. O MST bebe da fonte de Paulo Freire; e Paulo Freire vive através das práticas educativas do MST, que ele chamava de um movimento “tão ético e pedagógico quanto cheio de boniteza”. Essa relação entre Paulo Freire e a educação desenvolvida pelo MST ficou clara durante o 2º Encontro de Educadores de Jovens e Adultos das regiões Norte e Nordeste do MST (Ereja), entre 21 e 26 de maio, no Assentamento Normandia, em Caruaru, Pernambuco, Estado onde Paulo Freire nasceu. O encontro, com mais de 400 educadores, foi realizado no mês da morte do educador. É a primeira de uma série de atividades que serão organizadas pelo MST durante o ano de 2006, em homenagem aos 10 anos da morte de Freire (maio de 2007). A história da Educação no MST começa com a própria história do movimento, em 1984. A pedagogia do MST é uma pedagogia feita pelo movimento, e não para o movimento. Dentro desse

JST

Cidadão exemplar A situação do ex-presidente do Banco Santos, Edemar Cid Ferreira, preso por desvio de dois bilhões de reais, é mais complicada do que parece: o acervo de obras de arte do banqueiro inclui peças históricas de vários países, algumas provavelmente roubadas. A embaixada do México no Brasil reivindica a devolução de quatro relíquias da civilização maia. O tesouro roubado é muito maior.

Secretaria de Educação/ RJ

Fatos em foco

Para o MST, educação é fundamental para transformação do campo

conceito, a educação de jovens e adultos (EJA) é considerada de importância fundamental para os sem-terra, tanto para a conquista de seus direitos como trabalhadores rurais, quanto para que eles se tornem agentes de transformação do campo. Apesar de a Constituição prever “ensino fundamental obrigatório e gratuito assegurado, inclusive, sua oferta para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria”, a realidade brasileira é bem diferente. Dados do 5º Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (Inaf), de 2005, mostam que apenas 26% dos brasileiros entre 14 e 64 anos demonstram habilidades plenas de leitura e escrita; 63% dos que se encontram nessa faixa etária não chegaram a completar a 8ª série do ensino fundamental. No campo, apenas

10% podem ser considerados plenamente alfabetizados.

TODOS NA ESCOLA Diante desse quadro, a necessidade de superar o analfabetismo tornou-se um desafio para o MST. Das experiências de alfabetização realizadas pelo movimento nasce uma nova prática alfabetizadora para os jovens e os adultos trabalhadores rurais, “vinculada às necessidades e aos desafios da luta pela reforma agrária e pelas transformações sociais mais amplas em nosso país”, afirma Roseli Caldart, do Setor de Educação do MST. A maior parte desses esforços se concentra nas regiões Norte e Nordeste, onde os níveis de analfabetismo de jovens e adultos são os mais altos do país. De 1996 a 2005, foram mais de 15 mil jovens

e adultos sem-terra alfabetizados somente no Estado de Pernambuco. Este ano, cerca de 5 mil jovens e adultos participam de programas de EJA do MST no Estado. Praticamente 90% dos acampamentos e assentamentos do MST em Pernambuco participam de programas de EJA, que contam com cerca de 400 educadores, 250 apenas para alfabetização. Mais de 150 mil sem-terra aforam lfabetizados via EJA só nos últimos três anos. Entre os desafios do 2º Ereja, os educadores do MST debateram formas de manutenção dos trabalhadores na escola. O principal objetivo do encontro foi discutir Educação Básica para Jovens e Adultos. Outra proposta do encontro foi manter o projeto político pedagógico do MST dentro da escola formal. “Na alfabetização de EJA não há tantas amarras formais como a escola. Assim, podemos forjar nossa forma de organização”, diz Marcos Gherke, educador do MST. Enquanto o Estado brasileiro trata a EJA como suplência, para o MST educa-se “em um tempo de vida e cada tempo de vida tem um jeito de ser trabalhado”. “O trabalho pedagógico do MST visa a formação humana, o próprio sujeito”, afirma Marcos. Portanto, “deve-se reconhecer o conhecimento, a trajetória, a história de vida desses sujeitos”. Segundo ele, a escola não é o único espaço de aprendizagem. Aprende-se na escola, no trabalho, na vida cotidiana. “É nos diferentes tempos educativos que fazemos a formação humana”, diz Marcos.


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INTERNACIONAL COPA 2006

A exploração que está na moda ONG internacional denuncia condições precárias de trabalhadores asiáticos que fabricam roupas esportivas Igor Ojeda da Redação

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estir um craque de futebol durante a Copa do Mundo da Alemanha, que começa dia 9, custa caro. Muito caro. Mas, ao mesmo tempo, sai barato. Muito barato. Grandes marcas esportivas gastam milhões – e esperam o mesmo em retorno – com o patrocínio das seleções participantes. Só que suas chuteiras, meiões, calções e camisetas são fabricados às custas dos direitos trabalhistas em países subdesenvolvidos. “A Nike paga 13 milhões de euros (cerca de R$ 38 milhões) ao ano à seleção nacional de futebol do Brasil e a Adidas paga 1,5 milhão de euros (cerca de R$ 4,4 milhões) por ano ao jogador francês Zinedine Zidane. Enquanto isso, trabalhadores asiáticos que fabricam chuteiras de futebol e outros equipamentos esportivos usados pelos jogadores cobram somente 47 centavos de euros (R$ 1,40) por hora, o que dá 3,76 euros (R$ 11) por um dia de trabalho”. A afirmação consta do estudo Offside! Labor Rights and Sportswear Production in Asia (Impedimento! Direitos Trabalhistas e Produção de Roupa Esportiva na Ásia), produzido pela organização não governamental Oxfam International.

PRESSÃO E ASSÉDIO Lançada no final de maio, a pesquisa alerta que, apesar de ter encontrado alguns avanços na maneira como essas empresas atacam a exploração de trabalhadores nos países asiáticos, mulheres e homens que produzem as roupas

esportivas seguem trabalhando por longas horas, sob forte pressão, em condições difíceis e perigosas (incluindo assédio verbal e sexual), sem direito a se filiar a um sindicato e com salários muito baixos para as necessidades básicas de suas famílias. Segundo o relatório, centenas de milhares de pessoas – 80% mulheres – trabalham para o setor na Ásia, na África, no Leste europeu e na América Latina. O estudo analisa 12 marcas. Cinco delas estarão envolvidas na Copa como patrocinadoras de seleções: Adidas, responsável também pela confecção da bola oficial do torneio, Puma,

Nike, Lotto e Umbro. Completam a lista Asics, Fila, Kappa, Mizuno, New Balance, Reebok e Speedo. Para o jornalista austríaco Klaus Werner, co-autor de O Livro Negro das Marcas, as empresas de roupas esportivas seriam plenamente capazes de garantir condições justas para os trabalhadores das fábricas de seus fornecedores, pressionados a oferecer preços baixos e cumprir curtos prazos de entrega. “Mas não têm interesse. Seu interesse é ganhar dinheiro. A maioria dessas empresas são sociedades anônimas (empresas com capital dividido em ações), o que faz com que busquem

menores custos possíveis. No mundo globalizado, isso significa diminuir as condições sociais do trabalho. Os provedores são, na teoria, independentes dessas grandes marcas, mas economicamente dependentes delas”, diz. De acordo com Werner, que atualmente vive no Brasil, no sistema capitalista seria uma contradição as transnacionais atuarem para melhorar as condições trabalhistas.

MÃOS ATADAS Por isso, diferentemente da avaliação da Oxfam, o jornalista acredita que tais condições estão

ainda mais deterioradas. Segundo ele, os avanços na verdade servem apenas para limpar a imagem das empresas, mas problemas reais, como salários, condições ecológicas e sociais, proteção dos direitos trabalhistas etc., estão piores. Segundo Werner, é cada vez mais difícil para um país pobre implementar leis para proteger os trabalhadores, pois estes são cada vez mais chantageados pelas transnacionais, organismos multilaterais e países ricos. “Eu sou da Áustria. Lá, há leis que protegem o trabalhador e o meio ambiente. Mas se o Brasil quiser fazer a mesma lei, vai ter uma empresa européia que pode até entrar com processo contra o país. Ou vai haver muita pressão por parte da União Européia”, explica. A Oxfam ainda lamenta, em seu relatório, que apesar de muitas empresas terem apresentado avanços com relação aos direitos dos trabalhadores, elas se contradizem no passo seguinte. É o exemplo da Nike e da Puma, que persuadiram uma fábrica fornecedora na Tailândia a permitir a criação de um sindicato, mas logo depois cancelaram seus pedidos. Segundo o texto, outras contradições mais evidentes são a decisão das empresas de priorizar sua produção em países ou zonas de livre-comércio que não dão amparo legal à associação sindical livre e a tendência crescente de realizar contratos de curta duração com os trabalhadores. “Contratados sob esses acordos flexíveis, os trabalhadores são especialmente cautelosos na hora de se unirem a um sindicato. Temem que os empregadores possam reagir não renovando o contrato”,

ANÁLISE

O assassinato de um sonho Renato Pompeu Na Copa do Mundo ora em andamento, estamos assistindo à tentativa da morte de um sonho. Primeiro, descrevamos o sonho. O futebol não é um esporte, é um espetáculo dramático. Difere do teatro por não ser um conflito entre individualidades, mas entre instituições (em primeira instância, os times; mas, em segunda instância, o que os times simbolizam – o povão para Corinthians e Flamengo, os esquerdistas para o Roma, a Catalunha para o Barcelona, os católicos para o Celtics de Glasgow, Escócia). Difere também do teatro porque o enredo, a trama, não está determinada de antemão, nem é conhecida dos próprios “atores”, os jogadores, que vão criando as peripécias a cada jogada. O futebol partilha esse caráter de teatro de massas com outros esportes com bola, como o basquete e o voleibol. Mas ele se distingue de todos os outros esportes com bola, inclusive os outros futebóis, como o futebol americano e o rugby, por acionar primordialmente o pé. Por coincidência, o futebol surgiu na mesma época da revolução industrial, em que pela primeira vez na história as grandes massas passaram a trabalhar com os pés imobilizados, ou de pé diante da máquina, ou sentadas em escritórios. Tendo assim as mãos superexigidas e os pés imobilizados, as grandes massas reconheceram sua liberdade numa atividade em que as mãos repousam e os pés são ativos e criativos. Em outros aspectos, o futebol também incorpora o grande sonho das populações da sociedade contemporânea. Nele, direitos e deveres são iguais, independente de etnia ou origem social ou credo

religioso e filosófico, a justiça pune a violência e há a livre circulação das pessoas (ao contrário do tênis, do voleibol e do beisebol). O amor pelo futebol é a celebração de um ritual que prefigura a sociedade desejada pela esmagadora maioria, com liberdade, igualdade e fraternidade - e com o trabalho substituído pela arte.

ELITIZAÇÃO Tanto assim é que o futebol teve importante papel na redução das horas de trabalho, como se vê até hoje na Copa, em que o trabalho é suspenso na hora dos jogos. Na Inglaterra do século 19, o domingo era reservado exclusivamente para atividades religiosas e para o repouso, de modo que os jogos de futebol naquele país (até bem recentemente) eram realizados aos sábados. Com isso, se intensificou o movimento para eliminação do trabalho nas tardes de sábado, e surgiu a “semana inglesa”, em grande parte para os trabalhadores poderem jogar futebol ou assistir aos jogos.

Mas esse sonho está sendo assassinado. Nas últimas décadas, a crise do comunismo e da socialdemocracia levou a uma decadência dos coletivismos, e muita gente ficou marginalizada na esfera do desemprego.

Muitas pessoas não se sentem mais ligadas a um time de futebol por esse representar uma instituição social que sobrevive às derrotas do time. Essas pessoas têm como apoio social, como rede coletiva, apenas a torcida pelo time, desligada de outros significados. Quando o time perde, as pessoas como que perdem a motivação para viver - e saem por aí se vingando, Hooligans – Facções de violência como os hooliligadas ao futebol gans e, muitas na Inglaterra, mas vezes, as torcitambém atuante em outros países das organizadas. como a própria Outra tentatiAlemanha, sede da va de assassínio Copa do Mundo. Para saber mais, que o futebol veja o filme Green está sofrendo é Street Hooligans, a elitização do recém-lançado no Brasil e disponível público nos estáem DVD. dios. Os ingressos estão ficando cada vez mais caros, as gerais vão sendo eliminadas dos estádios, e já se pode vislumbrar um futuro em que as grandes massas de trabalhadores só poderão assistir

aos jogos pela televisão, ou ouvi-los pelo rádio. De sonho político, econômico e social das grandes massas, o futebol passará a ser, primordialmente, divertimento sem conseqüências para as camadas dominantes da população. Ainda mais porque cada vez mais haverá jogos em que, para se assistir pela TV, será necessário pagar, e cada vez mais caro. Da grande luta dos povos por uma sociedade mundial mais justa faz parte a luta para defender o futebol como expressão do sonho das populações por maior liberdade, igualdade e fraternidade e pela paz (necessária para a realização da Copa do Mundo e de outros torneios internacionais) e contra a sua transformação em mero negócio consumista. Renato Pompeu é jornalista e escritor, autor de Canhoteiro, o Homem que Driblou a Glória (Ediouro), e de Memórias de Uma Bola de Futebol (Escrituras).


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INTERNACIONAL HAITI

Intervenção da ONU: dois anos de fiasco Potências pretendem manter Minustah, que não cumpre objetivos iniciais e não beneficia população João Alexandre Peschanski da Redação

denuncia a decisão como “tutelagem do Haiti”. Outra estratégia para manter a Minustah é a prorrogação do Quadro de Cooperação Interina (conhecido como Quadro de CooCCI, da sigla em peração Interina – Elaborado em francês) até de2004, sob orienzembro de 2007. tação do Banco A decisão foi Mundial, define as linhas políticas tomada dia 23 do governo do de maio, em reuHaiti, geralmente nião em Brasília neoliberais. Foi escrito por técnicos (DF), da qual estrangeiros, sem participaram reparticipação da presentantes de sociedade haitiana. 16 países e 11 Prega a privatização de empresas e instituições. Em recursos naturais, relatório divulalém de priorizar gado em 1º de o crescimento econômico em vez junho, a Platafordas necessidades ma Haitiana pela sociais. Defesa do Desenvolvimento Alternativo (Papda), entidade que analisa o impacto das políticas do governo do Haiti e das instituições internacionais sobre a população, considera o CCI um fracasso. Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a economia haitiana apontam um crescimento insuficiente, o menor das Américas, e a deterioração das condições de vida. Existe um pacto entre potências e setores da burguesia haitiana para manter a Minustah, denuncia Lúcia. “Os Estados Unidos estão de olho no Haiti em virtude de sua proximidade com Cuba, adversário histórico, e Porto Rico, onde o movimento independentista se fortalece”, diz. Os grandes empresários haitianos se beneficiam com a Minustah, analisa a integrante do Comitê Pró-Haiti, pois desviam recursos enviados

E

ste mês, a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah) completa dois anos. De fiasco. Os objetivos iniciais não estão sendo cumpridos, como garantir um ambiente social estável, reestruturar a Polícia Nacional Haitiana (PNH) e promover os direitos humanos. O comando da intervenção está fraturado. Organizações sociais haitianas e brasileiras exigem a retirada dos 9.500 funcionários da Organização das Nações Unidas (ONU), 1.200 dos quais brasileiros. O presidente René Préval, eleito em fevereiro, considera que a intervenção, cuja autorização oficial expira em 15 de agosto, deve ser encerrada progressivamente. Os responsáveis pela Missão não concordam. Representantes dos governos chileno, estadunidense e francês, que integram a Minustah, pressionam para protelar o fim da intervenção. São apoiados por instituições internacionais. Fala-se em 2010, revela Lúcia Skromov, fundadora do Comitê Pró-Haiti (www.guevarahome.org/haiti.htm ou prohaiti@yahoogrupos.com.br) entidade brasileira de solidariedade ao povo haitiano. A ONU não declara, mas trabalha para manter a Minustah. Edmond Mulet, representante do secretário-geral da instituição, anunciou que juízes estrangeiros devem ser enviados ao Haiti para ocupar funções nos tribunais haitianos. A justificativa é conter a corrupção e agilizar os processos do sistema judiciário. A Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos (RNDDH)

pelas instituições internacionais: “As eleições de fevereiro custaram 100 milhões de dólares, enquanto as de 2000 haviam custado 4 milhões de dólares. A intervenção se tornou uma indústria de dinheiro”.

E O BRASIL NISSO O governo brasileiro, que detém o comando militar da Minustah, não tem interesse direto na intervenção. A avaliação é de Lúcia, para quem, a partir da Missão no Haiti, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva esperava conquistar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. O que não ocorreu, nem deve ocorrer tão rápido. Por que, então, o Brasil mantém as tropas no Haiti? Na opinião de Lúcia, o governo teme que a retirada dos soldados ou o repasse do comando a outro país, antes do pleito presidencial de outubro, sejam usados pela oposição contra Lula. Enquanto espeConselho de ram, o que fazem Segurança da Organização das as tropas braNações Unidas sileiras? “Estão – Grupo de 15 paíociosas”, rebate ses responsáveis pela política de a ativista, que espaz da ONU. Dez teve no Haiti em integrantes são janeiro. Os soltemporários e cinco (China, Estados dados estão nas Unidos, França, ruas, relata, mas Grã-Bretanha e quando vêem alRússia), permanentes. Estes últigum tipo de irremos podem vetar gularidade, não qualquer proposta. tomam providência. “Fazem cooper, vão à praia. Não sou contra, eles têm direito a lazer. Mas, quando agem assim, provam que não têm consciência do que foram fazer no Haiti. Faz deles os inconseqüentes que são”, comenta.

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO

ELEIÇÕES NO PERU

Grupo rebelde cresce e ameaça eleições Centenas de ex-combatentes na República Democrática do Congo (RDC) teriam se somado nas últimas semanas ao recém-nascido Movimento Revolucionário Congolense (MRC), colocando em risco a segurança das próximas eleições, previstas para 30 de julho, as primeiras em 40 anos. “A situação não pode continuar assim. Não podemos realizar eleições nestas circunstâncias. Alguma coisa deve ser feita”, alertou o porta-voz da Missão das Nações Unidas para a RDC (Monuc), Djibril Samassa, instalado em Bunia, a principal cidade do distrito de Ituri. Os combatentes são recrutados pelo MRC entre grupos desagregados que participaram de conflitos anteriores, entre eles o travado entre 1996 e 1997 e que acabou com a ditadura de 32 anos de Mobutu Sese Seko. Um segundo conflito surgiu em 1998, entre o governo congolense, apoiado por Angola, Namíbia e Zimbábue, e grupos rebeldes do Leste, com apoio de Ruanda e Uganda. O controle dos vastos recursos naturais da RDC era o motivo central da guerra, que terminou em 2002 com a assinatura de um acordo de paz na África do Sul. Cerca de quatro milhões de pessoas morreram nesse conflito, tanto como conseqüência direta dos enfrentamentos quanto das enfermidades e fome que se seguiram. O atual presidente, Joseph Kabila, assumiu o poder depois do assassinato de seu pai em 2001. Apesar do acordo de 2002, milha-

José Coronado Cobeñas de Lima (Peru)

François Goemans/ ECHO

Anjan Sundaram de Kinshasa (República Democrática do Congo)

García ganhou. Os fantasmas voltaram?

Rebeldes retomam conflito que já causou mais de 4 milhões de mortos

res de combatentes no leste da RDC ainda se negam a entregar as armas, e grande parte da região continua em situação vulnerável. A Monuc, com 17 mil soldados, é a maior força da Organização das Nações Unidas e foi enviada à RDC para ajudar o Exército no desarmamento dos grupos rebeldes e para garantir a segurança nas próximas eleições. Mas as forças do governo são indisciplinadas e mal treinadas, enquanto que, com apenas um soldado da ONU para cada 250 quilômetros quadrados, o contingente internacional ainda está longe de se fazer presente nas zonas controladas pelas milícias.

O MRC foi criado na província de Ituri em dezembro, integrando uma dezena de facções que não respeitaram o prazo de julho de 2005 para entregar as armas, explicou Samassa. O porta-voz da Monuc estima que cerca de 1.500 homens do MRC rodeiam as montanhas e florestas da província, e pelo menos 500 deles teriam se integrado ao grupo a partir de fevereiro. Alguns informes dizem que o MRC teria formado uma aliança com outra organização armada da região, a Frente de Resistência Patriótica de Ituri. (IPS/ Envolverde, www.envolverde.com.br)

Dezesseis anos depois de ter sido protagonista de uma das gestões governamentais mais questionadas da história do país, Alan García Pérez, o candidato do velho partido de Haya de la Torre, voltará a ocupar a Casa de Pizarro. Esta é a sentença que sai dos resultados da Oficina Nacional de Processos Eleitorais (Onpe), com 91% dos votos contabilizados, garantindo 53,52% dos votos válidos ao Partido Aprista Peruano, de García, frente aos 46,48% dos votos obtidos pelo seu oponente nacionalista, Ollanta Humala, do Partido Unión por el Perú (UPP). O segundo turno, que definiu o próximo mandatário para o período 2006-2011, aconteceu no domingo, dia 4. Ollanta Humala, na mesma noite de domingo, reconheceu os primeiros resultados da Onpe e longe de sentir-se derrotado, afirmou ter obtido “uma vitória social e política”. Já em seus primeiros discursos, Alan García voltou a prometer que não voltará a cometer os erros de seu primeiro governo, ou seja, hiperinflação, corrupção, assalto ao Estado, dólares subsidiados aos seus amigos empresários, incapacidade para enfrentar o fenômeno da violência e violações flagrantes dos direitos humanos, como massacres de presidiários. Ele também anunciou que “estenderá a mão a todos os peruanos”, que não se esquecerá dos que não votaram nele - em alusão aos 14 departamentos (Estados) da Serra, Centro e Sul que apoiaram Humala. García não perdeu a oportunidade para enviar uma mensagem a Caracas: “Aqui o único derrotado foi Chávez”.

Ollanta Humala, por sua parte, após reconhecer os resultados da Onpe, chamou as forças de esquerda, movimentos regionais e organizações sociais, para formar uma grande Frente Nacionalista para empreender as transformações sociais que anunciou durante sua campanha eleitoral. Consciente de ter triunfado nos departamentos mais pobres do país, que compõem a grande maioria, o candidato nacionalista voltou a destacar os ganhos políticos, além da vitória obtida no Congresso Unicameral da República, com uma bancada de 45 representantes, frente aos 36 do Partido Aprista. É importante ressaltar que dos 24 departamentos, Humala ganhou em 14 e Gárcia só em 10, entre eles, Lima e nos principais departamentos da costa. Conhecidos os primeiros resultados oficiais, diversas foram as reações sobretudo dos representantes dos partidos políticos que participaram do primeiro turno. Umas das mais destacadas foi a da ex-candidata da direitista Unidade Nacional, Lourdes Flores, que se encarregou de recordar a Alan García que ele havia ganho “com votos emprestados e com os votos de medo”. “Se García não interpretar bem estes resultados, em pouco tempo seu próximo governo pode desembocar em uma grande crise política”, advertiu o analista internacional Alberto Adrianzén. Os principais movimentos sociais ainda não emitiram opiniões oficiais frente aos resultados. No entanto, segundo comunicado da Confederação Camponesa do Peru, o triunfo de García facilita a possibilidade de que o Tratado de Livre Comércio (TLC) seja ratificado pelo Congresso. (Alai, www.alainet.org)


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AMÉRICA LATINA CHILE

Um milhão nas ruas pelo passe livre Marcelo Netto Rodrigues da Redação

H

á três meses no poder, a presidenta chilena, Michelle Bachelet, enfrenta sua primeira crise. E os responsáveis são os estudantes secundaristas organizados. Os protestos, que se iniciaram no dia 30 de maio – com a greve de 600 mil estudantes e um saldo de 500 detidos e 41 feridos em confronto com a polícia –, ganham fôlego a cada dia, e já contam a participação de professores, estudantes universitários e funcionários públicos. No dia 5, as mobilizações levaram um milhão de pessoas às ruas. O movimento, que conta com simpatia da sociedade chilena e está sendo chamado de “revolta dos pingüins” – devido aos uniformes com gravata que os estudantes usam –, pede a instituição do passe livre para estudantes, o fim de uma taxa equivalente a R$ 80 que deve ser paga para prestar vestibular e a alteração da lei de educação – datada da época da ditadura militar, encabeçada pelo general Alberto Pinochet. Com relação à lei de educação, conhecida como Lei Orgânica Constitucional de Educação (Loce), os estudantes exigem que o ensino público volte a ser responsabilidade do governo nacional, uma vez que o decreto de 1990 que institui a lei – repassando às prefeituras a responsabilidade pela educação pública – tem sido o responsável por gerar ao longo dos anos um tremendo desequilíbrio entre as escolas públicas de regiões mais pobres e ricas do país. Para se ter uma idéia, o gasto mensal por uma mesma vaga de um aluno numa escola pública pode variar de R$ 140 a R$ 800.

REPRESSÃO EM DOSE DUPLA Programada para ser uma “jornada de reflexão”, após a violenta

Indymedia/ Chile

Estudantes também pedem o fim da taxa do vestibular e mudanças na lei da educação da época da ditadura de Pinochet

“Luta por transporte é global”

Mobilização dos secundaristas pelo passe livre conta com apoio de professores, universitários e funcionários públicos

repressão policial ocorrida no dia 30 de maio, a mobilização nacional do dia 5 também resultou em confrontos entre estudantes e policiais, contabilizando 439 pessoas presas e 35 feridas. Bombas de gás lacrimogênio e jatos d’água foram usados pela polícia para dispersar principalmente os manifestantes que se encontravam a uma quadra do Palácio de La Moneda, sede da presidência, na capital Santiago, “aquartelados” no mais tradicional colégio secundário público do país. A história se repete uma semana após Bachelet ter afastado o chefe das forças especiais da polícia militar responsável pelas tropas que agiram com violência

contra as manifestações do dia 30 – quando os confrontos estouraram no mesmo instante em que a presidenta e o ministro da Educação, Martín Zilic, estavam reunidos com lideranças estudantis na Biblioteca Nacional.

MAIS POBRES Os estudantes – que lançam mão de mensagens pela internet, blogs e fotologs para a convocação de suas mobilizações – já conseguiram arrancar de Bachelet a promessa de que seu governo vai enviar ao Congresso, em questão de dias, um projeto que altere a lei educacional do país. Sobre o passe livre, a presidenta se comprometeu a subsidiar apenas os estudan-

tes que estejam entre os 40% mais pobres – a mesma faixa social que Bachelet pretende restringir o benefício da isenção da taxa do vestibular. Mas parece que Bachelet terá de ceder mais. Os estudantes, por exemplo, já denunciam que a presidenta, em sua nova proposta de lei educacional, não se posiciona contra a base da lei decretada por Pinochet: a chamada “liberdade de ensino” – que permite que os currículos de colégios privados e públicos sejam diferentes. De acordo com os estudantes, essa permissão faz com que a educação da maioria da população seja inferior à da elite de 930 colégios particulares do país.

Pressionada pelos protestos de rua, a presidenta chilena Michelle Bachelet não teve outra saída senão dialogar com o movimento que luta pelo passe livre. Na tentativa de evitar confrontos entre estudantes e polícia, chegou a se reunir com 25 dirigentes estudantis, dia 30 de maio, e admitir que as reivindicações são “justas e legítimas”. “A luta pelo passe livre não é um privilégio do Brasil, é global. No ano passado, já tínhamos informações de que em três cidades do Chile haviam ocorrido manifestações, assim como na Suécia e nos Estados Unidos”, afirma Daniel Guimarães, do Movimento Passe Livre, de Florianópolis (SC). “É curioso porque o ônibus é o único serviço público no qual você é cobrado imediatamente na hora em que usa”. No entanto, o movimento brasileiro chegou a ser desqualificado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Há três meses em Aracaju (SE), ao lado do prefeito petista Marcelo Déda e diante dos estudantes que pediam “passe livre já”, o presidente chegou a se referir aos manifestantes como se fossem um bando de gente que “deveria trabalhar e não ficar pedindo ônibus de graça”. A cobertura feita pelos jornais brasileiros sobre o levante estudantil chileno também é curiosa. Em nenhum momento o termo “passelivre” é empregado. O Estão diz que os chilenos querem “passe de transporte grátis”, a Folha de S. Paulo publica que eles querem “passe escolar” e O Globo, “gratuidade no transporte público”. “Nada é à toa. Até mesmo o uso do conceito ‘transporte coletivo’ como se fosse público é divulgado para confundir. Aqui em Campinas, por exemplo, o transporte é privado, controlado por alguns empresários”, diz o integrante do MPL André de Paula Janzon. (MNR)

CULTURA LITERATURA

Oito perfis na contramão Alípio Freire de Campinas (SP) “Viva o Povo Brasileiro” é a nova coleção da Editora Expressão Popular, lançada com o objetivo de tornar públicos personagens da história brasileira que se destacaram nas mais diversas áreas e nos mais diversos tempos. Homens e mulheres que atuaram na política, nas letras, nas ciências, nas artes etc. – a maioria dos quais esquecidos intencionalmente ou apenas “escondidos” e fugazmente vislumbrados nas dobras das páginas das histórias oficiais. Não são biografias. Apenas breves perfis, editados em pequenos livros de bolso (no formato de 10,5 x 15 cm), com uma média de 96 páginas, a R$ 3. Textos em muitos casos “impressionistas”, em outros nem tanto, às vezes apoiados em pesquisas, ou apenas em memórias, apresentando recortes que propiciam aos leitores um primeiro contato com esses personagens, podendo despertar-lhes o interesse para futuros estudos e aprofundamentos. Em sua estréia, a coleção resgata 8 personagens que viveram o Brasil dos séculos 19 e 20, abrangendo os períodos do Reino Unido, do Império e das Repúblicas. Cada

qual em seu tempo, sujeitos e partidários das causas da liberdade – nacionalistas, nativistas, abolicionistas, republicanos, socialistas, comunistas, líderes indígenas, operários, ou das lutas pela reforma agrária. De alguns, de história mais recente, como os líderes Luiz Carlos Prestes e João Amazonas, a maioria das novas gerações brasileiras, de algum modo, já ouviu falar. Outros, como o líder guarani Marçal Tupã’i, têm suas memórias restritas às regiões onde atuaram ou aos movimentos que lideraram – no caso de Marçal, assassinado em 1983, o movimento indigenista. Há ainda aqueles que, mesmo tendo sua atuação se estendido até o final do século passado – como o caso do líder camponês e dirigente comunista Gregório Bezerra – a historigrafia oficial tenta decretar uma segunda morte: a do esquecimento. No entanto, é inesquecível a imagem de Gregório Bezerra trans-

mitida pela TV, amarrado numa corda e puxado por um jipe pelas ruas de Recife, logo em seguida ao golpe de 1964. E quem se lembrará do operário Roberto Morena (19021978), filho de sapateiro e costureira italianos, que começou sua militância como anarcossindicalista, tornou-se comunista e lutou na Guerra Civil Espanhola? Se isso acontece com a história mais recente, como ficam os personagens do século 19? Salvo talvez o escritor mulato Lima Barreto, cuja obra vem sendo revalorizada desde os anos de 1950, os demais são quase ausentes do nosso repertório. Certamente são raros os que já ouviram falar da saga da escrava Luíza Mahin, que participou do levante dos malês (1835) e da Sabinada (1837), tendo depois disso que fugir da Bahia e jamais sendo reencontrada. Também

Fotos: Divu

lgação

poucos saberão do seu filho, Luiz Gama, o abolicionista que, já no século 19, lavraria um dos mais ousados e libertários pareceres da nossa História: “O escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata sempre em legítima defesa”. Isso para não falarmos do general pernambucano Abreu e Lima (1794-1869) que, além de participar de vários movimentos pela independência em nosso país, foi íntimo colaborador de Simon Bolívar em suas campanhas pela América Latina. Apesar de praticamente desconhecido no Brasil, Abreu e Lima é considerado e festejado como herói da independência da Venezuela. Retomando esses personagens, a Expressão Popular resgata fragmentos desse grande mosaico, cujo desenho o povo brasileiro vem definindo e redefinindo com suas lutas: sua História. Alípio Freire é jornalista e escritor

PRIMEIROS VOLUMES DA COLEÇÃO Abreu e Lima – general das massas (por Angelo Diogo Mazin e Miguel Enrique Stedile) Gregório Bezerra – um lutador do povo (por Alder Júlio Ferreira Calado) João Amazonas – um comunista brasileiro (por Augusto Buonicore) Lima Barreto – o rebelde imprescindível (por Luiz Ricardo Leitão) Luiz Carlos Prestes – patriota, revolucionário, comunista (por Anita Leocadia Prestes) Luiz Gama – o libertador de escravos e sua mãe libertária, Luíza Mahin (por Mouzar Benedito) Marçal Guarani – a voz que não pode ser esquecida (por Benedito Prezia) Roberto Morena – o militante (por Lincoln de Abreu Penna)

Editora Expressão Popular R. Abolição, 266, Bela Vista 01319-010, São Paulo, SP Tel. (11) 3105-9500 Fax. (11) 3112-0941 www.expressaopopular.com.br vendas@expressaopopular.com.br


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