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Ano 4 • Número 172

R$ 2,00 São Paulo • De 15 a 21 de junho de 2006

Condomínio de alto luxo tenta expulsar moradores de favelas no Morumbi, na capital paulista

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erca de R$ 1,5 bilhão está sendo investido na construção do maior condomínio de luxo do país, que vai abrigar nove torres de apartamentos de 1.700 metros quadrados, a R$ 18 milhões cada. Tudo cercado por um muro. O “muro da humilhação”, na opinião da empregada doméstica Aparecida dos Santos – moradora da favela Jardim Panorama e pressionada pela prefeitura a

Paulo Roberto

São Paulo proibida para os pobres deixar sua casa, para dar lugar ao complexo. Organizadas, as famílias ameaçadas pelo empreendimento resistem. Em maio, no lançamento do projeto, os jovens assumiram o comando dos protestos. “Não adianta oferecer R$ 5 mil para cada barraco pois sabemos que a nossa terra e a nossa vida valem muito mais que isso!”, dizia uma carta dos moradores. Pág. 3

Migrações expõem crise do modelo capitalista os dias 22 e 24, e a 21ª Semana do Migrantes, de 18 a 25, com atividades em todo o Brasil. O geógrafo Heinz Dieter Heidemann acredita que o fenômeno das migrações pode ser explicado por uma crise no sistema global da economia de mercado. Pág. 6

Lucro da Basf às custas de trabalho infantil

Cineasta mostra o drama dos sem-teto

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Construtora ergue muro para separar os pobres dos ricos, dificultando o acesso dos moradores à rua

Jornada divulga e ensina agroecologia Oficinas práticas para assentados da reforma agrária e agricultores familiares foram o destaque da 5ª Jornada de Agroecologia, realizada entre os dias 7 e

10, em Cascavel (PR). Cerca de 5 mil participantes, de 18 organizações, trocaram experiências sobre temas como água e energia, agrotóxicos, biodiversidade,

bioenergia. No encerramento da jornada, houve uma marcha até a transnacional Syngenta, ocupada pela Via Campesina. Pág. 4

Carlos Ruggi

Reféns de exploração e de degradação, na maior parte das vezes, existem hoje, no planeta, aproximadamente 200 milhões de migrantes. Desses, três milhões são brasileiros. Para discutir os problemas dessas pessoas, serão realizados o 2º Fórum Mundial das Migrações, em Madri, entre

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EDITORIAL

Um projeto para a vida

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m uma articulação de vários movimentos sociais camponeses, juntamente com organizações da sociedade civil, realizou-se, de 5 a 9, a 5ª Jornada de Agroecologia, em Cascavel (PR) – atividade que tem sido um importante espaço para a construção de um projeto popular e soberano para a agricultura brasileira. Convencidos de que é preciso mudar o atual modelo de desenvolimento agrícola no país, e de que é necessário substituir a matriz da produção de monocultura e convencional pela produção agroecológica, os trabalhadores reunidos na jornada discutiram as agressões tecnológicas e comerciais das transnacionais e aprofundaram os conhecimentos agroecológicos com estudos, oficinas práticas e intercâmbio de experiências. A orientação pela agroecologia conduz a uma associação da base técnica sustentável com a necessidade da organicidade do povo camponês, implicando a exigência da construção da sua identidade de classe, da sua autonomia e da ação política. Hoje, a luta camponesa incluiu a agroecologia de forma permanente e sem volta. Do mesmo modo, essa ampla articulação de movimentos sociais camponeses, organizados pela Via Campesina e por outras entidades da sociedade civil, tem enfatizado a necessidade do permanente enfretamento com as transnacionais do agronegócio e dos transgênicos – como Monsanto, Syngenta e Aracruz Celulose. Essas empresas são responsáveis por graves

crimes ambientais. Agridem de forma escandalosa a biodiversidade e a agricultura, em geral, e de forma ainda maior a produção agroecológica. A conseqüência do atual modelo é a perda da soberania dos países sobre a agricultura, a perda da soberania alimentar, a devastação da natureza, a destruição do modelo camponês de viver, o desemprego agrícola e uma sociedade mais pobre e desigual. Frente a isso, precisamos travar uma verdadeira guerra contra esse modelo, que deve ser derrotado antes que acabe com a vida. Como afirma o Manifesto das Américas em Defesa da Natureza e da Diversidade Biológica e Cultural, “é urgente e necessário criar alternativas que garantam a vida. É preciso passar de uma sociedade de produção industrial, consumista e individualista, que sacrifica os ecossistemas e penaliza as pessoas, destruindo a sociobiodiversidade, para uma sociedade de sustentação de toda a vida, que oriente por um modo socialmente justo e ecologicamente sustentável de viver, cuide da comunidade de vida e proteja as bases físico-químicas e cológicas que sustentam todos os processos vitais, incluindo os humanos”. Nesse sentido, a Jornada de Agroecologia tem sido um importante espaço de organização popular, que se soma a outras iniciativas da classe trabalhadora, na busca da libertação dos camponeses, possibilitando a construção de uma agricultura soberana, sem o latifúndio.

Integrantes da Via Campesina participam da marcha da 5ª Jornada de Agroecologia, realizada entre 7 e 10, em Cascavel (PR)

Timor Leste em crise política e social Após 24 anos de ocupação indonésia e três administrado pela Organização das Nações Unidas, o Timor Leste vive sua pior crise. Confrontos entre grupos de civis armados causaram dezenas de mortes na capital, Dili, e mais de 100 mil pessoas fugiram de suas casas. A onda de violência começou depois que o primeiroministro, Mari Alkatiri, demitiu 600 militares – um terço do Exército – que estavam em greve para exigir o fim da discriminação contra eles. Pano de fundo da crise também é o fracasso da intervenção da ONU. Pág. 7


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De 15 a 21 de junho de 2006

DEBATE

CRÔNICA

Haiti: uma intervenção sem fim m 29 de fevereiro de 2004, o presidente JeanBertrand Aristide foi expulso do Haiti por tropas franco-estadunidenses. A intervenção foi repudiada pela associação dos países do Caribe (Caricom) que desconheceu os governos títeres impostos. A seguir, para legalizar e socializar os custos da ocupação, ela foi entregue à força expedicionária da ONU, o que feria sua carta, já que organizada contra a vontade do governo haitiano. George Bush propôs e Lula da Silva aceitou, incontinente, que o Brasil comandasse as forças da ONU e enviasse 1.400 soldados ao Haiti. A substituição das tropas estadunidenses era urgente devido à resistência à ocupação no Iraque e Afeganistão. A formação da força expedicionária internacional – oito mil soldados – abatia também os gastos EUA com a intervenção. Os custos brasileiros são financiados sobretudo pelos cofres da nação. O governo Lula da Silva e o Itamaraty sequer esconderam os seus objetivos mesquinhos. Esperavam como pagamento do serviço sujo o apoio ianque à reivindicação a uma vaga permanente no Conselho da Segurança da ONU, justificada pelo status mundial do país. Apesar de sua dimensão, o Brasil conhece status semicolonial, submetido política, econômica, tecnologicamente etc. às exigências do capital financeiro mundial. O improvável ingresso do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança se daria sem direito a veto, ensejando que as forças armadas brasileiras se transformem em meras guardas pretorianas quando de eventuais intervenções, sobretudo na América Latina, onde cresce a crise social – Bolívia, Colômbia, Venezuela etc. A intervenção prestigiaria o Exército nacional, desmora-

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lizado pela atuação durante a ditadura. VERMELHO E NEGRO

Mais de dois anos e meio após a deposição de Aristide, a única diferença que a população haitiana conhece é a humilhação do coturno estrangeiro. O país segue miserabilíssimo. A liberalização e a valorização da moeda exigidas pelo capital financeiro destruíram o pouco de indústria e golpearam a agricultura. O desemprego atinge 80% dos trabalhadores. A população rural vive de miserável agricultura de subsistência. Para produzir carvão, fonte de energia e de renda popular, o país foi desmatado sem piedade e os solos degradaram-se. Vivendo em boa parte da ajuda exterior e das remessas da população expatriada, o Haiti paga disciplinadamente sua dívida mundial. Quando foi deposto, Aristide perdia prestígio, o que garantiu paz transitória às forças franco-estadunidenses. Bush II entregou a gestão da ocupação à ONU e o poder a marionetes haitianas. A única iniciativa dos ocupantes foi a reorganização da Polícia Nacional Haitiana, que se dedicou à repressão e eliminação dos seguidores de Aristide, fortes nos bairros miseráveis de Cité Soleil e Bel-Air, na capital. Tudo sob a cumplicidade e, a seguir, o apoio das tropas da ONU, comandadas por general brasileiro. Durante sua tournée latino-americana, o presidente René Préval, no governo desde 14 de maio, pediu que as tropas de ocupação permaneçam no país enquanto não se organize polícia não corrupta. Ou

seja, por prazo indeterminado. A declaração registra o medo, por um lado, de golpismo de inspiração republicana, caso o poder civil se confronte, sem anteparo, com as forças policial-militares, e, por outro, o temor da agitação que ganhará o país quando a população sentir-se, outra vez, desfraldada nas suas expectativas. O Haiti segue bailando ao ritmo de um sinistro bolero ao estilo de Ravel que parece querer jamais chegar ao fim. Mário Maestri é historiador

Agência Brasil

Mário Maestri

Podemos viver sem convenções? Leonardo Boff O filósofo Ludwig Wittgenstein ensinava que nossa comunicação não passa de um grande jogo de palavras. Não há relação direta entre palavras e coisas. Palavras são inventadas arbitrariamente. Seu sentido é fruto de uma convenção e tudo depende do uso que fazemos delas. Estabelecem-se, pois, convenções, a partir de algo arbitrário. Há anos numa aula de filosofia em Munique escutei a seguinte história que faz pensar. Havia um professor que após a aposentadoria se entediava muito porque tudo lhe parecia chato e sem graça. A mesa era sempre mesa, as cadeiras, cadeiras, a cama, cama, o quadro, quadro. Por que não poderia ser diferente? Os brasileiros chamam a casa de casa, os franceses de maison, os alemães de Haus e os ingleses de home. E resolveu dar outros nomes às coisas já que tudo nessa área é mesmo arbitrário. Assim chamou à cama de quadro, a mesa de tapete, a cadeira de despertador, o jornal de cama, o espelho de cadeira, o despertador de album de fotografias, o armário de jornal, o tapete de armário, o quadro de mesa e o album de fotografias de espelho. Portanto: o homem ficava bastante tempo no quadro, às nove tocava o album de fotografias, se levantava e punha-se em cima do armário para não apanhar frio nos pés, depois tirava a roupa do jornal, vestia-se, olhava para a cadeira na parede, sentava-se no despertador junto ao tapete e folheava no espelho até encontrar a mesa da filha. O homem achava tudo aquilo muito engraçado. As coisas começaram de fato a mudar. Treinava o dia inteiro para guardar as significações novas que dava às palavras. Tudo se chamava de outra maneira. Ele já não era um homem mas um pé, e o pé era uma manhã e a manhã um homem. E continuou a dar significações diferentes às palavras: tocar a campainha diz-se pôr, ter frio diz-se olhar, estar deitado diz-se tocar, estar de pé diz-se ter frio e pôr diz-se folhear. E a coisa ficou então assim: Pelo homem, o pé ficou bastante tempo tocando no quadro, às nove pôs o album de fotografias, o pé teve frio e folheou-se no armário para não olhar para a manhã. E o aposentado se divertia com as novas designações que atribuía às palavras. Fez tanto que acabou realmente esquecendo a linguagem comum com a qual as pessoas se comunicam entre si Quando conversava com os outros tinha que fazer muito esforço porque somente lhe vinham à mente os sentidos que havia dado às palavras. Ao quadro dele, as pessoas chamavam de cama, ao tapete de mesa, ao despertador de cadeira, à cama de jornal, a mesa de quadro e ao espelho de album de fotografias. Ria muito quando ouvia as pessoas falarem: “hoje vou assistir ao jogo de abertura da copa mundial de futebol” ou “como faz frio hoje”. Ria porque não entendia mais nada. Mas o triste da história é que ninguém mais o entendia e ele também não entendia mais ninguém. Por essa razão decidiu não dizer mais nada. Retirou-se para casa, só falava consigo mesmo e se entendia. Pergunta: dá para viver juntos e nos comunicar sem criar convenções? Até que ponto podemos inventar sentidos a nosso bel prazer? Leonardo Boff é teólogo e professor universitário. É autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística. A maioria de sua obra está traduzida nos principais idiomas modernos.

CARTAS DOS LEITORES INTERESSE PÚBLICO O mesmo empenho demonstrado pelas autoridades para repatriar as remessas ilegais de dólares para o exterior feitas por Pitta e Maluf deve ser demonstrado em relação a outras pessoas físicas e jurídicas, inclusive bancos. Mercê das chantagens feitas pela Câmara dos Deputados contra o governo Lula para abafar as investigações do caso Banestado, através do qual foram remetidos ilegalmente para fora do país mais de 32 bilhões dólares no governo Fernando Henrique, nem sequer chegamos a saber os nomes dos bancos que fizeram as remessas. Agora a imprensa revela que mais de 20 bilhões de dólares foram remetidos para os Estados Unidos até o ano de 2003. Os cofres públicos precisam desse dinheiro e a opinião pública precisa saber quem tirou esse dinheiro e de onde. Antônio Rodrigues de Souza São Paulo (SP) GENOCÍDIO PALESTINO Novamente Israel aproveita momentos de relativa tranquilidade regional para praticar atos de terrorismo de Estado contra civis palestinos, principalmente mulheres e crianças, para com isso gerar represálias, compreensíveis, e depois afirmar que “não é possível negociar com essa gente”.

A criminosa ação israelense na praia de Gaza ocorreu logo após divulgação de pesquisas mostrando que cerca de 80% dos palestinos aceitam a existência de Israel nas fronteiras de 1967, porcentagem bem maior que a de israelenses que aceitam a criação de um Estado palestino. Se a justiça dos homens é falha e sujeita à deleteria influência do dinheiro e dos poderosos, os palestinos devem confiar na Justiça de Deus. Quanto às incontáveis mortes de inocentes pelo Estado Judeu na Palestina, Líbano, Síria e outros países árabes nas últimas décadas, e assistindo à continuidade dessas injustiças, seria muito triste se nós, árabes e descendentes, tivéssemos que adotar o bordão judaico utilizado principalmente como referência ao nazismo. Nós não poderemos, e não esqueceremos. Mauro Fadul Kurban São Paulo (SP) JK, GETÚLIO E LULA O massacre que o governo Lula está recebendo da imprensa e dos políticos somente pode ser comparado com o sofrido pelo governo Juscelino Kubitschek – com Carlos Lacerda atacando diariamente e duas rebeliões militares além dos inquéritos da era moralista Jânio –, e a República do Galeão contra Getúlio Vargas, que contribuiu para o seu suicídio. A história corrige fatos, pois JK e

Getúlio são dois dos maiores valores da história nacional como Lula poderá ser lembrado, entre outras coisas, pela sua atenção à fome e ao social. José de Jesus Moraes Rêgo Brasília (DF)

Já está no ar o novo formato da Agência Brasil de Fato na internet. No endereço ( w w w. b ra s i l d e fa t o. c o m . b r ) , você poderá encontrar nossa produção diária de conteúdo exclusivo, entre reportagens, entrevistas e análises, além das edições anteriores do jornal impresso. Em breve, os assinantes terão uma seção específica para acessar a edição da semana. Vamos colocar no ar também um link para rádios comunitárias de todo o país baixarem documentos em áudio e poderem retransmitir para seus públicos locais.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Isa Gomes, Jorge Pereira Filho, Paulo Pereira Lima • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, João Alexandre Peschanski, Luís Brasilino, Marcelo Netto Rodrigues, Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni, Ohi • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Silvio Sampaio • Assistente de redação: Bel Mercês • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Valdinei Arthur Siqueira • Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. Conselho Editorial: Alípio Freire • César Sanson • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Pedro Ivo Batista • Ricardo Gebrim

Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815


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De 15 a 21 de junho de 2006

NACIONAL DIREITO À CIDADE

Limpeza social em área nobre de São Paulo Moradores da favela Jardim Panorama defendem suas moradias, que podem ser destruídas por um empreendimento Tiarajú Pablo D´Andrea e João Alexandre Peschanski de São Paulo e da Redação

Favelas que incomodam os ricos REAL PARQUE

“N

Ano de fundação: 1960 Número de famílias: 1.200 Situação fundiária: construída em áreas do Departamento Estadual de Estradas de Rodagem (DER) e terrenos particulares situação social: altíssima privação** Disputa da área: durante a gestão do ex-prefeito Celso Pitta (1997-2000), foram construídas unidades residenciais do Projeto Cingapura, política municipal de construção de moradias populares. Contudo, isso só beneficiou uma pequena parcela dos moradores, dividindo a comunidade entre beneficiados e nãobeneficiados. Além disso, moradores do entorno rico arrecadam fundos para urbanizar a favela e construir um parque. Nessa política, muitas famílias da favela perderiam suas moradias, sem perspectiva de indenização.

ão nos querem na mesma região que eles. Não querem nos ver.” A doméstica Aparecida Silvestre dos Santos aponta para o muro erguido na frente de sua casa, “para separar os pobres dos ricos”. Na área considerada mais nobre de São Paulo, o bairro do Morumbi, o muro separa a favela Jardim Panorama, onde Aparecida mora há 41 anos, das obras do condomínio de altíssimo luxo Parque Cidade Jardim, previsto para ser inaugurado até 2008. “Os pobres dos ricos”, repete a moradora. No entendimento do grupo empreendedor do condomínio, a empresa JHSF, o muro é um “benefício à comunidade”. Aparecida põe a mão na cabeça: “É o muro da humilhação”. Em uma das áreas da favela, conhecida como Morrão, a barreira dificulta o acesso dos moradores à rua. Precisam andar por um caminho com menos de um metro e meio de largura. A humilhação não pára no muro. Em 28 de março, moradores da favela receberam cartas da prefeitura anunciando que teriam que sair de suas casas, localizadas em terreno público. A família de Aparecida foi uma das ameaçadas. Pichada no muro, a resposta da comunidade: “Panorama. Aqui eu nasci. Aqui eu vou ficar”. A JHSF pretende apropriar-se da área para construir um parque ou um estacionamento, de acordo com Aparecida. As cartas, segundo Marcos Rosa, da União de Moradores do Jardim Panorama, revelam a cumplicidade do poder público. “Dinheiro e poder andam juntos. Há 15 anos, ninguém se aproximava da favela. Éramos todos bandidos. Hoje, além de chegar cada vez mais perto, querem passar por cima”, conta.

JARDIM PANORAMA Ano de fundação: 1957 Número de famílias: 420 Situação fundiária: construída em áreas municipal e particulares Situação social: altíssima privação** Disputa da área: um condomínio fechado, de alto luxo, pressiona os moradores para que saiam de região. Moradores protestam, pois querem ficar em suas casas.

JARDIM EDITH

PARAISÓPOLIS Ano de fundação: 1937 Número de famílias: 16 mil Situação fundiária: construída em áreas particulares Situação social: alta privação*** Disputa da área: o governo municipal pretende urbanizar a favela, sem uma política de geração de renda para os moradores. Assim, os mais pobres, sem condições para custear a habitação em uma região valorizada, vão ser progressivamente expulsos.

de 26 de janeiro de 2004, segundo a qual 10% do montante arrecadado na Operação Operação Urbana Urbana Faria Faria Lima – conjunto integrado Lima deveria de intervenções ser revertido na coordenadas pela revitalização Prefeitura, com a de algumas faparticipação dos proprietários, mora- velas, entre as dores, usuários e inquais o Jardim vestidores em geral, Panorama. Mas visando a melhoria e a valorização da o dinheiro nunca área Sudoeste de veio. São Paulo. A sensação de desrespeito motiva os moradores à luta: “Estamos reivindicando nossos direitos”, Zona Especial de afirma Karina Interesse Social – áreas de assenSilva, liderança tamentos habitaciocomunitária. nais de população de baixa renda, Ela diz que, onde haja possibialém do repaslidade de urbanização e regularização se dos recursos fundiária. da Operação,

DESCUMPRIMENTO DE LEI A favela é uma das mais pobres da capital paulistana, considerada área onde a privação é grande. Algumas casas não têm água. É difícil conseguir luz. As crianças são obrigadas a ir à escola em uma favela vizinha, o Real Parque. Não há posto de saúde, nem coleta de lixo. As 420 famílias do Jardim Panorama esperavam que o poder público melhorasse as condições da favela. Aliás, dizem, quando entrevistados, era lei. A Lei nº 13.679,

Ano de fundação: 1973 Número de famílias: 450 Situação fundiária: construída em área do Departamento Estadual de Estradas de Rodagem (DER) Situação social: média privação* Disputa da área: a Prefeitura de São Paulo pretende remanejar os moradores para outras regiões, pagando de R$ 5.000 a R$ 8.000 de indenização. Pretende estimular a vinda de empresas e condomínios de luxo. A maioria de famílias protesta, exigindo a urbanização da favela.

Quatro favelas da região Sudoeste de São Paulo, a mais nobre da cidade, atrapalham os planos do poder público e de empreendimentos imobiliários – para quem as moradias pobres impedem que a área se torne ainda mais valorizada. As comunidades são Jardim Edith, Jardim Panorama, Paraisópolis e Real Parque, onde vivem 18 mil famílias. Os interessados em extinguir essas favelas usam várias estratégias, como pressionar o poder público para que despeje as famílias, corromper lideranças locais e oferecer dinheiro para que as pessoas deixem suas casas. Este último recurso foi usado no Jardim Edith, onde um quarto das 150 famílias recebeu de R$ 5 mil a R$ 8 mil da prefeitura de São Paulo, com a condição de que saia da área. “O poder público deveria ter urbanizado a favela. Projetos foram feitos. Mas preferiu favorecer o pessoal mais rico, que não quer morar perto da favela. Exigimos o direito de permanecer em nossas casas”, afirma Gerôncio Henrique Neto, coordenador da Associação de Moradores do Jardim Edith. Em sua opinião, por sofrer problemas parecidos, os moradores das quatro favelas deveriam unir-se. Porém, lamenta, isso ainda não ocorre, “apesar de sabermos que os ricos já se organizaram para nos tirar”.

* média privação: famílias recebem, em média, 3 salários mínimos. Há grande concentração de crianças entre 0 e 6 anos. ** altíssima privação: situação de 3,8% de população de São Paulo, que se caracteriza por baixíssimos índices de renda (76% das famílias recebem menos de 3 salários mínimos) e escolaridade, além de grande número de população jovem. *** alta privação: caracteriza-se por uma população com baixa renda (60% das famílias recebem até 3 salários mínimos) e escolaridade. Fonte: Centro de Estudos da Metrópole (CEM), com base em dados do Censo Demográfico de 2000.

assumiram o comando do primeiro protesto organizado pelos moradores da favela contra a JHSF. O objetivo da manifestação, analisou Karina, durante a manifestação, era “mostrar a nossos novos vizinhos que existimos, já que insistem em nos ignorar”. Ela foi recebida pelos organizadores da festa, após longa negociação, para ler o manifesto escrito pelos moradores da favela: “Não adiantará oferecer R$ 5 mil para cada barraco do Jardim Panorama, pois sabemos que a nossa terra, a nossa casa e a nossa vida valem muito mais que isso! Também não queremos passagem para voltar para os Estados de onde viemos”. Desde março, três excursões foram organizadas por jovens para conhecer experiências alternativas de moradia no município e ampliar os contatos com outros movimen-

pressionam para que a favela não deixe de ser Zona Especial de Interesse Social (Zeis). A mudança de categoria é defendida pelo entorno rico, pois deixaria a região livre para a especulação imobiliária.

ORGANIZAÇÃO POPULAR A organização popular vem sendo a tônica na história do Jardim Panorama. É o que conta o motorista Antônio Neto Rodrigues, morador da favela há 20 anos: “Quando cheguei, não tinha nada. Começaram as melhorias em 1989, quando o pessoal começou a se organizar pelo direito à moradia”. Parte das casas, outrora de madeira, foi construída por meio de mutirões. A organização dos mais velhos inspirou os mais jovens. Foram eles que, em 25 de maio, na inauguração do condomínio,

tos sociais. Em conversa com a reportagem do Brasil de Fato, quatro jovens – Karina, Charles da Conceição e Paulo Roberto Ferreira da Silva (que tirou uma das fotos que ilustram esta matéria) e Washington Aparecido Pascoal – consideram que as mobilizações aumentaram o ânimo da população. Participam, com outros jovens, de uma organização chamada Favela Atitude, em que usam expressões artísticas, como o hip hop, para discutir os problemas da comunidade. A faxineira Cláudia dos Santos, que também recebeu a carta do despejo, diz que a organização dos jovens a ajuda a não se abater com as ameaças. Ela mora há 7 anos no Jardim Panorama, com quatro filhos: “Estão tirando a gente porque se sentiram incomodados. Mas se eles estão incomodados que saiam eles, nós queremos ficar”.

Condomínio fechado acentua segregação de condicionamento físico) do país e de um shopping center de luxo. Uma pequena amostra do faraônico empreendimento pode ser vista no estande de venda: a maquete da obra custou R$ 800 mil – o suficiente para construir 27 casas populares de R$ 35 mil. O Parque Cidade Jardim inaugura também uma nova forma de

habitar, aquela que dispensa a cidade. Essa tendência já existe em outros enclaves fechados por muros, sobretudo na região nobre da cidade. Contudo, esse é o primeiro a projetar lar, trabalho e consumo dentro desses muros, evitando a interação com outras classes sociais. “O urbano pressupõe relação social e interação entre os moradores. A partir do mo-

mento em que se criam enclaves fortificados, a cidade deixa de existir”, diz Isadora, para quem o urbanismo segregador presente no projeto, para trazer segurança aos seus moradores, é, contraditoriamente, a própria violência. “A separação entre pessoas e o isolamento social trazido pelos muros são parte e expressão da violência urbana”, afirma.

Paulo Roberto

de Trabalhos para o Ambiente Habitado, esse montante poderia diminuir significativamente o deficit habitacional da cidade: “É dez vezes mais o que a gestão municipal passada tinha orçado para gastar em habitação durante 2001 e 2004 e não o fez, por falta dinheiro”. A obra prevê, ainda, a construção do mais completo SPA (centro João Alexandre Peschanski

Está sendo construído na cidade de São Paulo o maior empreendimento de luxo do país. Quem vê o início das obras, na Marginal Pinheiros, próximo à ponte Cidade Jardim, não imagina a grandiosidade do Parque Cidade Jardim, localizado no bairro do Morumbi. O complexo estende-se por 80 mil metros quadrados e abrigará nove torres residenciais, além de três edifícios comerciais. O público-alvo do empreendimento é a classe “triplo A”, um seleto contingente Usina - Centro de Trabalhos para o disposto a pagar Ambiente Habitado R$ 18 milhões – organização por um apartanão governamental composta por armento de 1.700 quitetos e cientistas metros quadrasocais que têm por dos. O investimeta assessorar movimentos popula- mento está orres e administrações çado em R$ 1,5 públicas. O principal bilhão. Segundo objetivo da organização é elaborar a arquiteta Isadomecanismos que ra Guerreiro, da capacitem comuniorganização não dades organizadas para a auto-gestão governamental de projetos. Usina – Centro

Crianças protestam contra a construção de condomínio de alto luxo

Favela do Jardim Panorama está murada por mansões por todos os lados


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De 15 a 21 de junho de 2006

NACIONAL TRABALHO INFANTIL

MP investiga empresas

da Redação

Exploração na mineração de talco expõe a relação entre transnacionais e fornecedores

Mais transgênicos A três meses do início do plantio da safra 2006/2007, aumenta a pressão em favor dos organismos geneticamente modificados. Agora a estratégia é reduzir o quórum necessário para a aprovação comercial de novos transgênicos pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Os caciques do agronegócio e os paus-mandados das transnacionais “eticamente modificadas” tentam derrubar o veto de Lula, que elevou o quórum mínimo na nova Lei de Biossegurança. Anistia presente Ao tomar conhecimento, pelo jornal Brasil de Fato, das denúncias sobre o desaparecimento de jovens do Mosquero e sobre o assassinato do jovem Laerte Santos Andrade, a Anisita Internacional enviou ao Brasil um representante para acompanhar esses casos de perto. Tim Cahill, responsável pelas pesquisas da Anistia Internacional no Brasil, vai a Sergipe conversar com as famílias dos jovens desaparecidos. Também deve se encontrar com representantes do ministério público e com o secretário de Segurança Pública do Estado. Depois da repercussão internacional dos casos de violência na Febem, novamente o governo brasileiro vai ser cobrado, lá fora, pela violação aos direitos humanos que corre solta no país. Às claras Foi aprovada a realização da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Sanguessugas, para investigar a compra superfaturada de ambulâncias por municípios, com suposta intermediação de parlamentares. Seria bom se também fosse aprovado, antes do próximo espetáculo no Congresso, o voto aberto nas decisões parlamentares. Será que dá tempo? As 35 famílias Xakriabá que retomaram parte de seu território tradicional no início de maio permanecem acampadas sem resposta para sua reivindicação. A Fundação Nacional do Índio (Funai) ainda não se manifestou, mas a comunidade já acionou a Justiça para pedir que o órgão continue o processo de demarcação da terra, parado desde 2005. Espera-se que a solução chegue antes de ocorrer algum conflito entre os indígenas e os posseiros que ocupam a área de cerca de mil hectares. Escola Nacional pede ajuda Em um país cujo descaso com a Educação é flagrante em todos os níveis do poder público, uma iniciativa dos movimentos sociais contra o obscurantismo e o atraso na formação popular está em didiculdades. A Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), criada em 2005 pelo Movimento dos Trabalhadroes Rurais Sem Terra (MST) – que já realizou, entre outros, cursos superiores em Filosofia Política, Teoria do Conhecimento, Sociologia Rural, Economia Política da Agricultura, História Social do Brasil, Conjuntura Internacional – pede ajuda para a sociedade. Os interessados em colaborar com a campanha de solidariedade à ENFF podem obter informações na página do MST na internet www.mst.org.br

Marques Casara de São Paulo (SP) Repercutiu em diversos países a denúncia de existência trabalho infantil na cadeia produtiva do minério de talco, usado em aplicações que vão da tinta de parede à química fina, passando pelo artesanato e pela fabricação de giz de cera. O caso foi denunciado pela organização não governamental Observatório Social e divulgado no Brasil de Fato (edição 155), em fevereiro. A reportagem mostrou que as transnacionais Basf (Suvinil), Faber Castell e ICI Paints (Tintas Coral) compravam o produto de empresa que explorava mão-de-obra infantil em jazidas localizadas na cidade histórica de Ouro Preto (MG). O minério é explorado e processado pelas empresas Minas Talco e Minas Serpentinito, controladas por uma empresa de fachada, a WB Mattos Transportes, criada para esconder a participação de dois alemães que viviam clandestinamente no país. O talco era explorado ilegalmente. Além de trabalho infantil e mineração clandestina, também foi identificada a existência de crimes ambientais e tributários. Os desdobramentos do caso podem ser acompanhados em detalhes no portal de internet do Observatório Social, no endereço www.os.org.br.

Apesar das denúncias, Basf continua comprando produto de fornecedora que utiliza trabalho infantil

desenvolveu uma ação social que atingiu dez escolas da região, para minimizar eventuais danos causados por sua participação na compra do talco. A Coral informou que vai aguardar o posicionamento do Ministério Publico do Trabalho. Em março, a Câmara Municipal de Ouro Preto promoveu uma audiência pública com o intuito de aprofundar as investigações. “O trabalho infantil é a ponta do problema. Empresas de fachada, exploração clandestina, crimes fiscais e ambientais precisam ser investigados”, explicou o presidente da Câmara, Wanderley Kuruzu (PT-MG). Durante a audiência pública, diversos depoentes, inclusive pais de crianças exploradas pelas empresas, afirmaram que a reportagem tinha sido forjada. Um locutor da rádio local, em seu programa, disse que tudo não passava de uma farsa e que as fotos tinham sido montadas. A Basf solicitou uma cópia do programa e distribuiu para meios de comunicação e organizações não governamentais em diversos pontos do país. Diante disso, o Observatório Social colocou à disposição do Ministério Público todas as matrizes das

ICEBERG Após o caso vir à tona, Faber Castell e Tintas Coral suspenderam imediatamente a compra do produto. A Basf ficou ao lado da Minas Talco, sua fornecedora. A transnacional defende a tese de que não existe trabalho infantil na região. A postura da empresa foi duramente criticada pela Rede de Trabalhadores na Basf América do Sul, que divulgou uma nota criticando a empresa:“Discordamos dos argumentos utilizados pela empresa de que não havia provas suficientes, e avaliamos que a Basf perdeu uma boa oportunidade para mostrar que suas normas de conduta e de responsabilidade social são muito mais do que meras letras no papel, tal qual fizeram as demais empresas envolvidas no caso”. A Faber Castell, menos de dois meses depois da denúncia,

mais de 100 imagens produzidas pelo fotógrafo Sérgio Vignes. O Observatório Social acredita que, em caso de dúvida, as fotos devem ser periciadas. A subdelegada regional do Trabalho, Maria Isabel Dacall, declarou que as denúncias de trabalho infantil na região chegaram ao seu conhecimento há pelo menos dez anos. De acordo com a subdelegada, desde 1996, vistorias recorrentes foram feitas na região e constataram a existência do problema. “É importante que se crie meios legais de trabalho para que os pais não sintam a necessidade de colocar as crianças para trabalhar”, disse.

PUNIÇÃO Na audiência pública, a procuradora do Ministério Público do Trabalho, Adriana Augusta de Moura Souza, afirmou: “A realidade é gritante e as crianças não podem continuar expostas dessa maneira. Não estamos aqui contra ninguém, mas isso não pode continuar a acontecer. Vamos investigar e os culpados serão punidos”. A procuradora instaurou um procedimento investigatório. Empresas, pais de crianças e os autores da reportagem também prestaram depoimento.

Relatório produzido pelo coordenador de Saúde e Segurança do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), José Carlos do Vale, enviado ao Observatório Social em dezembro de 2005, confirma a existência do trabalho de crianças na cadeia produtiva das mineradoras de talco. Conforme a promotora Paula Ayres Lima, da 4º Promotoria de Justiça da Comarca de Ouro Preto, “as mineradoras não têm a permissão da lavra e, por isso, compram a rocha dos moradores. As empresas, então, exportam o material de forma ilegal. O que sobra, os moradores utilizam no artesanato”. Em abril, a Cooperativa de Aproveitamento dos Resíduos da Pedra Sabão de Mata dos Palmitos (Ouro Preto-MG) divulgou um documento no qual pede providências das autoridades em relação ao trabalho infantil na região. A cooperativa é formada por mulheres artesãs que sofrem o impacto da exploração predatória do minério de talco por parte de empresas que operam na clandestinidade, sem autorização do Ministério de Minas e Energia e sem qualquer controle sobre os danos ambientais.

AGROECOLOGIA

Jornada promove desenvolvimento sustentável Pedro Carrano e Solange Engelmann de Cascavel (PR) As 50 oficinas práticas de agroecologia envolvendo os assentados da reforma agrária e os pequenos agricultores familiares foram os destaques da 5ª Jornada de Agroecologia, realizada entre os dias 7 e 10, na cidade de Cascavel (PR). Sob o tema “Construindo o Projeto Popular e Soberano para Agricultura”, a jornada contou com cerca de 5 mil integrantes, de 18 organizações, que iniciaram as atividades com a Marcha pela Biodiversidade e Agroecologia. Para o representante da jornada e coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Roberto Baggio, as oficinas representaram “um processo de organização popular, que liberta os camponeses, possibilitando a construção de uma agricultura soberana, sem o latifúndio”. Na opinião do Superintendente Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) do Paraná, Celso Lisboa de Lacerda, as Jornadas de Agroecologia são de extrema importância para o avanço da reforma agrária: “Só dessa forma é possível obter a visibilidade da pequena agricultura e preservar o ambiente”.

Carlos Ruggi

Caminho livre No início do mês, o governo anunciou a pavimentação da BR-163, que vai ligar Santarém (PA) ao Mato Grosso, ao longo de 1,7 mil quilômetros. Uma medida, no mínimo, duplamente infeliz. Favorece e fortalece o agronegócio, pois facilita o escoamento da produção de soja de transnacionais exportadoras, como a Cargill. E estimula uma atividade que está sendo considerada pelos ambientalistas como a principal responsável pelo desmatamento na Amazônia brasileira.

Marques Casara

Fatos em foco

Jornada Agroecológia contou com marcha até área da Syngenta

As oficinas trataram de temas como água e energia, agrotóxicos, biodiversidade, bioenergia, entre outros. Uma das atividades mais concorridas abordou o uso de plantas medicinais na agricultura e na criação animal. A proposta dessa oficina foi mostrar que os animais e a lavoura, assim como as pessoas, podem ser tratados com plantas medicinais. Desse modo, os trabalhadores diminuem os custos de produção, preservam a sua própria saúde e o ambiente. “A utilização das plantas medicinais possibilita aos produtores se tornarem independente das grandes empresas de medicamentos veterinários”, garan-

te Carolina Fernandes, engenheira agrônoma que ministrou a oficina. Na área de energias renováveis, o estudante André Martins da Silva apresentou a experiência da Escola Milton Santos, do MST, em Maringá (PR). Há cerca de quatro anos, a escola utiliza fontes de energias renováveis para o aquecimento da água de toda a estrutura. O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), uma das entidades promotoras da jornada, apresentou o tema agrofloresta. A engenheira agrônoma Lucinéria Venzoto e o educador popular e pequeno agricultor Mário Passos falaram da experiência da Comunidade Rio Esperança, em Nova

Laranjeiras, em que os agricultores da comunidade manejam um total de 25 hectares de agrofloresta e já colhem frutas cítricas. Há também a recuperação de espécies de madeiras nobres nativas, como a imbuia, araucária, cedro, peroba e angico. No encerramento da jornada, os participantes realizaram outra marcha, da cidade de Santa Teresa do Oeste até a área da transnacional suíça Syngenta, ocupada pela Via Campesina desde 14 de março. A empresa é denunciada por praticar crime contra a Lei de Biossegurança, fazendo pesquisa e plantio de soja e milho transgênico, a 6 quilômetros do Parque Nacional do Iguaçu (reserva considerada patrimônio da humanidade), quando o limite da zona de amortecimento seria de 10 mil metros. Na opinião de José Maria Tardin, representa da jornada e integrante do MST, a jornada vem cumprindo dois objetivos: o primeiro, de promover uma coalizão de organizações camponesas e civis que militam em torno da agroecologia. O segundo, o despertar da agroecologia como um novo princípio de orientação, que venha a atingir mais pequenos produtores. “A jornada aponta nessa direção revolucionária no plano cultural, reorientando o nosso padrão geral com a vida”, acrescenta.


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NACIONAL SINDICALISMO

Oposição teme por autonomia da CUT Tatiana Merlino da Redação

A

vitória de Artur Henrique da Silva Santos para a presidência da Central Única dos Trabalhadores (CUT) preocupa as correntes mais críticas da Central. O receio é de que a autonomia e a independência da central em relação ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva fiquem ameaçadas com a atuação do representante da Articulação Sindical (Artsind), eleito com 69,04% dos votos durante o 9º Congresso da Central (Concut), encerrado dia 9. As correntes mais à esquerda deixaram claro que preferiam o segundo candidato da Artsind, João Felício, que teria uma posição mais crítica em relação ao governo. “Na polêmica interna da corrente, Felício demonstrou uma postura mais independente e autônoma em relação ao aparelho do Estado”, avalia Júlio Turra, da corrente O Trabalho. De acordo com ele, com Santos na direção, numa possível reforma trabalhista no próximo governo, “pode ser mais complicado para a CUT se posicionar”. Para Jorge Luís Martins, o Jorginho, candidato derrotado pela Frente de Esquerda Socialista (FES), como João Felício, é funcionário público e, como a categoria foi muito atingida durante a reforma da previdência, um mandato de Felício poderia ser baseado em mais resistência. No entanto, com a vitória de Santos, o sindicalista acredita que “a CUT vai aprofundar seu papel colaboracionista em relação ao governo, sem resistir a

Douglas Mansur/ Novo Movimento

Correntes de esquerda temem por rumos da central sob liderança de Artur Henrique, que teve 69% dos votos

Balanço do Congresso

Parte da nova diretoria da CUT, eleita durante o 9º Congresso: presidente mais próximo do governo Lula

futuras reformas que possam afetar os direitos trabalhistas”.

PELA REELEIÇÃO Durante o Concut, foi anunciada uma moção de apoio incondicional à reeleição de Lula, aprovada pelas correntes Articulação Sindical, Corrente Sindical Classista e Corrente Socialista e Democrática. Concorrendo com essa proposta de apoio irrestrito, outras duas posições foram vencidas: a que condicionava o apoio ao cumprimento de uma série de reivindicações e a que defendia a posição de não apoiar a candidatura e manter a independência e a autonomia da central.

Felício explica que a Artsind defendeu a candidatura do presidente Lula não porque ele é do PT, “mas porque fazemos uma comparação com o governo Fernando Henrique Cardoso”. Ele deu como exemplo a experiência dos sindicatos italianos, que apoiaram Romano Prodi para as eleições na Itália, em maio. Isso aconteceu porque, para eles, o programa de governo do Prodi era melhor que o de (Silvio) Berlusconi. “O Brasil só vai conseguir avançar com o Lula. Mas isso não significa perder nossa autonomia. Também não significa que estamos plenamente satisfeitos”, pondera.

O grupo que defendeu apoio condicional à reeleição de Lula acredita que a central deveria se dirigir ao presidente com uma plataforma de exigências, como assentar imediatamente um milhão de sem-terra, dobrar o valor do salário mínimo e reestatizar a Companhia Vale do Rio Doce. Falando pela terceira linha, de não apoio à reeleição, Edson Carneiro, o Índio, argumentou que “depois de três anos de governo Lula, da manutenção da política econômica do governo anterior e da aplicação de reformas que prejudicam os trabalhadores, a CUT não está autorizada a apoiar a reeleição”.

As correntes da central sindical têm diferentes avaliações sobre o resultado do 9º Concut. Para João Felício, da Articulação Sindical (Artsind), o congresso foi um dos mais representativos da história, “com cerca de 2.500 participantes de todos os Estados e categorias”. No entanto, Felício lamentou a exclusão da Frente de Esquerda Socialista (FES) da direção da central, mas criticou a existência de um “isolamento voluntário” da corrente. O que marcou o Concut, na opinião de Júlio Turra, da corrente O Trabalho, foi a crise da Articulação Sindical, que ficou dividida entre dois candidatos, “e que tinha de fundo político o grau de independência e autonomia que a CUT deve ter em relação ao governo, mesmo aquele que a CUT ajudou a eleger”. Turra acredita que o fato de ter havido três chapas concorrendo à direção desbloqueou o cenário político da CUT, “mesmo que a FES tenha ficado excluída”. Para os representantes da FES, o balanço do 9º Concut é negativo. De acordo com Edson Carneiro, o Índio, há muitos anos a CUT vive um processo de burocratização e degeneração que se agravou durante o governo Lula: “A CUT não questionou medidas que prejudicam os trabalhadores, como a reforma da previdência, a tentativa de fazer reforma trabalhista e sindical, o superavit primário, a política monetária e cambial”. (TM)


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AMÉRICA LATINA MIGRAÇÃO

As vítimas do “moderno” capitalismo Igor Ojeda da Redação

E

xistem hoje, no mundo, cerca de 200 milhões de migrantes. Destes, cerca de 60% encontram-se nos países ricos, enquanto 40% vivem em nações em desenvolvimento. No Brasil, já trabalham 400 mil bolivianos, enquanto mais de 3 milhões de brasileiros vivem no exterior. Vão em busca de trabalho, mas na maioria das vezes encontram exploração e degradação. Com os olhos voltados para essa realidade é que se realizará o 2º Fórum Mundial das Migrações, em Madri, na Espanha, entre os dias 22 e 24. Tendo como tema “Cidadania Universal e Direitos Humanos”, o encontro espera 2.800 participantes de 80 países, número bem superior ao da primeira versão do evento, que em 2005 reuniu, em Porto Alegre, 600 pessoas de 37 países. Quase ao mesmo tempo, em todo o Brasil, o Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM)organiza, de 18 a 25, a 21ª Semana do Migrante, promovida pelo Serviço Pastoral do Migrante. “A Semana procura fazer debates, encontros de estudo, e conscientizar a sociedade sobre o problema das migrações”, explica Luiz Bassegio, secretário-executivo do SPM.

CRISE DO SISTEMA Para o geógrafo Heinz Dieter Heidemann, do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), o atual fenômeno migratório pode ser explicado por

Indymedia/ Peru

Milhões deixam suas terras de origem para fugir da crise no sistema global da economia de mercado um salário-mínimo deles) é bom, então não reclamam, não querem mudar”, diz.

LEI SEVERA

Um terço dos 191 milhões de imigrantes no mundo foram de um país pobre a outro

uma crise do sistema global da economia de mercado. Segundo ele, no núcleo desse processo, encontra-se a dissolução do trabalho capitalista no bojo da terceira revolução industrial. “Acrescente a isso a incapacidade de exploração do capital, devido aos seus próprios padrões tecnológicos de produtividade e, com isso, a desubstancialização do dinheiro, o que levou ao desacoplamento dos mercados financeiros da economia real. A contradição é que o capital, de um lado, se fundamenta no trabalho e, ao mesmo tempo, expulsa o trabalho”, explica. No entanto, um relatório da Organização das Nações Unidas

A dura vida em São Paulo

(ONU), intitulado Migração Internacional e Desenvolvimento, lançado no dia 8, mostra que as migrações não estão mais restritas ao fluxo Sul-Norte. De acordo com o documento, cerca de um terço dos 191 milhões de migrantes existentes no mundo foram de um país pobre a outro – número semelhante ao dos que se deslocaram de uma nação em desenvolvimento para uma industrializada. Um exemplo é a grande quantidade de migrantes originários da América do Sul que passaram a ter como destino, nos últimos anos, o Brasil. “Aquilo que os brasileiros vêem nos Estados Unidos, os boli-

vianos vêem no Brasil. A expectativa de que um país rico vai ajudar a melhorar a vida”, diz Bassegio, referindo-se ao altíssimo número de pessoas desse país vivendo aqui, vindos principalmente para trabalhar na indústria têxtil de São Paulo, onde são submetidos a regimes similares à escravidão. Para Bassegio, no entanto, o mais grave da situação dos imigrantes latino-americanos no Brasil é que eles sequer “têm direito a exigir direitos”, além de não se assumirem como oprimidos. “Para eles, que estavam desempregados na Bolívia, sem perspectiva, vir aqui e ganhar entre R$ 300 e R$ 400, e poder mandar R$ 50 para lá (quase

CUBA

Castro anuncia campanha de saúde da Redação

Ajuda principalmente em reformas, com pinturas, por exemplo. Mas nunca é suficiente. “Posso chegar a ganhar R$ 80, R$ 100 por semana. Mas é muito pouco. Tem semanas que não tenho nada”. Só de aluguel pelo quarto em que vive numa pensão na Santa Cecília, zona central de São Paulo, Antonio paga R$ 100 mensais. Pelas ameaças que sofreu em seu país, o peruano pediu refúgio político no Brasil, cujo processo ainda está em andamento. Enquanto isso, é considerado legal no país. Possui CPF e carteira de trabalho mas, mesmo assim, não consegue trabalho. “Fui a várias empresas. Me perguntaram: ‘você é formado aqui?’ Quando digo que não, respondem: ‘Então não pode, você tem que ser formado aqui’. E quando dão emprego, querem pagar o salário mínimo, com o qual não dá para viver aqui. Se não fosse por ela (a namorada Sílvia, que conheceu na pensão), eu estaria morto de fome”, diz Antonio, que não perde a esperança. “Aqui sou pobre, muito pobre. Na verdade, nunca passei pelo que estou passando no Brasil. Mas tenho fé de que, pouco a pouco, as coisas vão melhorando”. (I O)

NÚMEROS DAS MIGRAÇÕES NO BRASIL

• Imigrantes latino-americanos no Brasil: 400 mil bolivianos (200 mil

em São Paulo), 150 mil paraguaios, 90 mil chilenos, 50 mil peruanos

• 50 milhões de migrantes internos • 3,5 milhões de brasileiros no exterior (2 milhões nos EUA, 350 mil

no Paraguai, 300 mil no Japão, 90 mil na Inglaterra, 80 mil em Portugal, 50 mil na Itália)

NO MUNDO

• 191 milhões de imigrantes (115 milhões em países desenvolvidos, 75 milhões em países em desenvolvimento)

• 75% vive em 28 países • 20% vive nos Estados Unidos • 167 bilhões de dólares ao ano são enviados aos países em desenvolvimento pelos imigrantes

sobre políticas e programas de alfabetização. Os 116 integrantes dos Não Alinhados – convocados para uma cúpula em Havana, de 11 a 16 de setembro – formam quase todo o Terceiro Mundo, ainda que, nas palavras de Castro, na América Latina “alguns covardes se foram” por pressões dos Estados Unidos, “mas alguns logo vão se incorporar”. O presidente cubano protestou contra os que prometeram campanhas e recursos para a alfabetização: “Já basta! Não nos prometam algo para o ano 2500 porque é mentira, e os senhores sabem que

O presidente cubano, Fidel Castro, que em setembro assumirá a chefia do Movimento de Países Não Alinhados (Noal), anunciou que convocará uma grande campanha de alfabetização e em favor da saúde no Terceiro Mundo. “Nos dispomos a desenvolver uma campanha nos países que formam o movimento e no Terceiro Mundo pela alfabetização e pela saúde pública”, assegurou Castro diante de 721 educadores de 33 países reunidos em Havana, em um seminário

é mentira”, afirmou em tom enérgico. Diante de um representante da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, falou: “Temos esperado por 60 anos e não temos os recursos”. Castro ofereceu, em um discurso de quatro horas e meia, a colaboração de Cuba em um programa de alfabetização para a América Latina, semelhante ao programa oftalmológico da Venezuela – a Operação Milagre –, que tem como meta realizar cirurgias em seis milhões de pessoas em dez anos. (La Jornada, www.jornada.unam.mx)

VENEZUELA

Sonho de Glauber Rocha se concretiza Mario Augusto Jakobskind do Rio de Janeiro (RJ) Se Glauber Rocha estivesse entre nós, certamente estaria aplaudindo e vibrando com o anúncio feito, dia 3, pelo presidente venezuelano Hugo Chávez de investir 9 milhões de dólares na criação de dois estúdios para a produção de filmes independentes venezuelanos e latino-americanos. A Fundação Film Villa, próximo à capital Caracas, foi criada com o objetivo de se contrapor à imposição cultural dos grandes estúdios de Hollywood, que, como diria o cineasta brasileiro, e foi dito por Chávez, “nos inocula mensagens que não têm nada a ver com as nossas tradições”. Por ocasião do lançamento, na capital venezuelana, Chávez discursou contra a influência estadunidense e disse que “Hollywood envia ao mundo uma mensagem que tenta sustentar o chamado ‘American way of life’ e o imperialismo... é como uma ditadura”. Ele afirmou ainda que as crianças venezuelanas deveriam ignorar heróis dos EUA, como o Super-Homem, e esquecer

Marcelo García

O peruano Manuel Antonio Pinedo Balarezo, 39 anos, não é um imigrante comum. De família de classe média alta, teve boa formação e trabalhava como administrador de empresas em Lima, capital do Peru. Era gerente em uma empresa de leitura dinâmica, quando esta se mudou para a Colômbia, deixando-o sem emprego. Depois de um tempo, passou a trabalhar com vendas de roupas. “Pegava a mercadoria, e levava para as fronteiras”, recorda. No entanto, em Letícia, na divisa com a Colômbia, começou a ter problemas com narcotraficantes, que estavam entre seus clientes. “Delatei um deles”, conta. Voltou então para Lima, onde não encontrou trabalho. Tal dificuldade, aliada a ameaças dos criminosos que passou a sofrer, fez com que Antonio decidisse sair do país. Após poucos dias na Bolívia, chegou a São Paulo, em maio de 2005. Ficou cinco meses procurando emprego, sem sucesso. Voltou ao Peru por causa de uma promessa de trabalho, que não se concretizou. Resolveu, então, retornar ao Brasil. Na capital paulista, Antonio faz bicos para ganhar algum dinheiro.

Para piorar a situação, a lei brasileira para estrangeiros – da época da ditadura (1964-1985) – é considerada retrógrada e xenófoba. Em setembro do ano passado, o Ministério da Justiça lançou o anteprojeto da Nova Lei dos Estrangeiros, que desde então tramita no Congresso Nacional. Porém, para Bassegio, o texto apresenta diversos problemas: “O projeto começa falando que uma nova lei tem que se pautar na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas depois você lê que os estrangeiros não podem fazer reunião política, manifestação etc.”. Para Bassegio, a lei é restritiva também do ponto de vista econômico: “Porque só podem vir para o país os qualificados, os que têm dinheiro”. No Brasil há também um grande número de migrantes internos, ou seja, aqueles que vivem fora de seu município de origem. A estimativa é de que existem cerca de 50 milhões de pessoas nessas condições. No entanto, as migrações de hoje se caracterizam pela alto grau de sazonalidade e de circularidade. Os principais destinos são as grandes obras (como hidrelétricas e estradas) e as safras agrícolas (laranja, café e cana), além do fluxo para as capitais e as cidades de porte médio de interior. “Não podemos mais fazer o mapa das migrações com as setinhas. Agora é uma circular permanente”, explica Heidemann. (Com informações da IPS/Envolverde, )

Presidente Chávez lança mais uma iniciativa em defesa da soberania cultural

comemorações como o Halloween (Dia das Bruxas). A primeira produção a ser feita pelo estúdio venezueleno será uma série sobre Francisco de Miranda, destacada figura da luta venezuelana contra a Espanha, no tempo colonial. Dia 24 de julho, a Telesur, outra iniciativa de Chávez, completa um ano. A emissora de televisão que tem a participação de outros países latino-americanos busca basear as informações e seus enfoques a

partir da perspectiva latino-americana. Para o presidente Hugo Chávez, “o desafio da Telesul é entrar em sintonia com a alma e a mente dos povos e prender-se à verdade”. Para alcançar esses objetivos, o conteúdo dos programas dependerá fundamentalmente da participação da rede de colaboradores – constituída por produtores independentes e TVs comunitárias –, considerado um dos pilares de sustentação do canal.


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INTERNACIONAL TIMOR LESTE

Sob eterna intervenção e tensão da Redação

E

x-colônia portuguesa, o Timor Leste vive sua pior crise desde que se tornou independente da Indonésia, em 1999. Os confrontos, saques e ataques de grupos de civis armados causaram dezenas de mortes na capital timorense, Dili, e mais de 100 mil pessoas estão em dezenas de centros de acolhimento, principalmente instituições ligadas à Igreja católica, depois de deixarem suas casas por medo da violência. A onda de ataques começou depois que o primeiro-ministro timorense, Mari Alkatiri, demitiu, em abril, 600 militares – um terço do Exército nacional e pertencentes à etnia lorosae, do Leste – que estavam em greve para exigir o fim da discriminação contra eles por parte dos comandantes militares, da etnia loromono, do Oeste. “Esses dois grupos têm uma rivalidade histórica há mais de 500 anos, mas não há diferença cultural ou étnica entre eles, apenas geográfica. O atrito começou no modo em que as duas regiões reagiram à ocupação portuguesa. Com a invasão da Indonésia, em 1975, os dois grupos ficaram do mesmo lado, já que ambos levavam bala dos indonésios”, explica a correspondente internacional Rosely Forganes, primeira brasileira a entrar no Timor Leste em 1999. Seu trabalho no país lhe rendeu o prêmio Vladimir Herzog de Jornalismo e Direitos Humanos e a medalha Mídia da Paz. Rosely é autora do livro Queimado queimado, mas agora nosso. Timor, das cinzas à liberdade, que fala sobre a libertação e reconstrução do Timor Leste. Já somam mais de 2 mil soldados estrangeiros (a maioria australianos) enviados ao país a pedido das autoridades timorenses devido à incapacidade de controlar a violência. Apesar da presença das tropas estrangeiras, o clima no país ainda é de tensão. “Nas águas entre Timor e Austrália, existem poços de petróleo. Os australianos exploram

Divulgação

Fracasso da ação das Nações Unidas pode estar na origem da atual crise política e do clima de violência no país

Mesmo com a presença de mais de 2 mil soldados estrangeiros, clima ainda é de tensão no país, que nasceu como Estado soberano apenas em maio de 2002

essas águas há anos, e antes dividiam o petróleo com os indonésios. Em 1999, quando a Indonésia perdeu todos os seus direitos no Timor, a Austrália passou a explorar o petróleo sozinha, e dá uma parte disso ao Timor, de caridade e sem nenhuma obrigação”, afirma Rosely. Especialistas no assunto afirmam que aquelas águas pertencem ao Timor, mas a Austrália se recusa a admitir o cálculo, e também não aceita a arbitragem de uma corte internacional.

MISSÃO DA ONU Dia 20, expira o mandato da atual missão da ONU, que já chegou a ter mais de 10 mil homens no país; hoje reduzido a dezenas. O ministro timorense das Relações Exteriores, José Ramos Horta, acredita que a ONU deve renovar por mais um mês sua atual missão. Durante os 30 dias de prolongamento da missão, o Conselho de Segurança decidirá sobre a composição de uma

força policial internacional. “Até 20 de julho, será tomada uma decisão sobre a polícia, a quantidade de efetivos e a missão, que decerto ficará sob o comando das Nações Unidas”, declarou o ministro, que também ocupa a pasta da Defesa. Diante da crise, o presidente timorense, Xanana Gusmão, assumiu os poderes em caráter emergencial. Durante os 24 anos de ocupação da Indonésia no Timor Leste, Xanana foi um dos principais líderes da resistência armada timorense. Depois de fracassar nas tentativas de restaurar a estabilidade, o primeiro-ministro do Timor Leste, Mari Alkatiri, recebeu vários apelos para se demitir, mas se recusa a entregar o cargo. Ele alega que essas decisões devem ser tomadas pelo povo durante as eleições, previstas para 2007. Agências humanitárias das Nações Unidas e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) expressaram sua preocupação com

a situação, e pediram que a comunidade internacional financie suas operações no país. “Estamos preocupados com o que acontece nas províncias, porque não podemos chegar a elas, o sistema de saúde é extremamente precário e, das mais de 70 mil pessoas que fugiram da capital, 30 mil são menores de idade e 15 mil têm menos de cinco anos”, disse o porta-voz do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Damien Personnaz. O porta-voz afirmou que o Unicef pediu 2,6 milhões de dólares para ajudar, até 31 de agosto, as crianças e garantir sua segurança e condições sanitárias, em um país onde a mortalidade infantil e a materna superam os 50% Após quatro séculos como colônia portuguesa, 24 anos de ocupação indonésia e três administrado pela ONU, o Timor Leste nasceu como um Estado soberano apenas em 20 de maio de 2002. (Com agências internacionais)

TIMOR LESTE Nome: Timor Leste (Timor Lorosae) Localização: Sudeste da Ásia Território: 14.615 km² População: 1,1 milhão de habitantes Idiomas: tetum, português, baibenu, nídiki e kairui Capital: Dili Religião: cristianismo 86% (católicos 100%), islamismo e religiões tradicionais 14% Economia: rico em petróleo, sendo que os principais recursos provêem do café, do trigo e do arroz

ANÁLISE

Arthur Conceição Do outro lado do planeta as casas ardem em fogo, pela própria maldição do homem. Numa meia ilha do Extremo Oriente, encravado entre a Indonésia e Austrália, aparece Timor Leste. O mundo pergunta quais são as causas de a desordem se repetirem nessa mais nova nação do mundo, que teve durante dois anos e meio a intervenção da Organização das Nações Unidas. Todos repetem que as principais causas vêm do século XVI, quando Timor foi ocupado pelos portugueses e, posteriormente, pela Indonésia, em 1974. Mas não! Os principais problemas hoje foram gerados pela própria ONU que cedeu, na estabilização, as diretrizes econômicas dos países vizinhos e de ex-colonizadores. O povo não participou e nem participa dessa reconstrução. Seus nacionais não estão sendo parte dessa história nesse processo árduo de chegar a um desenvolvimento pleno e sólido. Tanto as elites locais políticas quanto o povo estão envolto pelos dogmas de instituições financeiras internacionais. Quando lá esteve o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, na chefia da Administração Transitória das Nações Unidas no Timor Leste (Untaet), que transferiu gradualmente as atribuições de governo para autoridades locais (1999 a 2002), fez colisões políticas conservadoras. Nesse período foi quem indicou os políticos

Unicef

As origens da crise de Timor Leste

População não se beneficiou das políticas implementadas pelo governo

para o atual governo, que há muito tempo não lutavam mais pelas causas daquela gente. Deu força apenas a uma colisão partidária – a Frente Revolucionária do Timor Leste Independente (Fretilin), que, apesar do nome, conseguiu financiamento internacional para se organizar, pois tinha no seu quadro pessoas com liderança na comunidade timorense.

INCOMPETÊNCIA Nas eleições para o Legislativo, em agosto de 2001, a Fretilin levou 55 cadeiras dos 88 lugares do Parlamento Nacional. Por pressão dos organismos internacionais e por indicação de Sergio Vieira, elegeram como primeiro-minis-

tro Mari Alkatiri – que estava há mais de vinte anos fora do país –, e esse detém orientação religiosa mulçumana, enquanto 90% da população de Timor Leste é católica. Isso irritou a sociedade e as principais autoridades religiosas, pois no primeiro dia do seu governo lançou um projeto laico para o Estado, tirando o ensino religioso das escolas, como também cortou os poucos incentivos financeiros estatais das obras sociais da Igreja. Assim, os administradores da ONU, detendo uma coesão política no Parlamento, formularam e aprovaram em três meses a Constituição, sem que houvesse um debate amplo entre os representantes da comunidade civil organizada:

religiosos, agricultores, professores, associação dos ex-combatentes etc. Como línguas oficiais foram adotadas juntas o português e o tetum – esta mais falada na ilha –, o que ainda está confuso, pois apenas 10% da população fala português. Não foi determinado na Constituição o que deve ser escrito em português e o que deve ser escrito em tetum, isto é, ocorreu erro e falta de avaliação. Agora, passados três anos e meio, a Fretilin não consegue mais colisão, no Parlamento, e o presidente eleito em abril de 2002, o ex-guerrilheiro Xanana Gusmão, exercendo apenas a figura diplomática, teve durante esses anos de administração várias discórdias com o primeiroministro. O chanceler em muitas das ocasiões tentou tirar o pouco de autoridade que Xanana tinha perante os políticos locais. Sem muito avançar no desenvolvimento social, o Estado cedeu às políticas econômicas internacionais e o Timor continuou a ser refém. As agremiações partidárias que não eram consolidadas desestabilizaram. Nesses primeiros anos de independência, os benefícios para a população não chegaram, continuando precários a educação, a saúde, a moradia, o saneamento básico e as estradas. A crise interna entre os nacionais só aumentou, enquanto a ONU “abandonou” o país sem deixar um projeto de nação adequado, que tivesse sido discutido entre a sociedade civil organizada. O que

se viu durante a intervenção em Timor foi um monte de militares e burocratas de organismos internacionais que consumiram milhões de dólares por meio da Untaet, sem que se devolvesse em benefícios direto ao país. A Organização das Nações Unidas conseguiu mostrar sua incompetência de ação diante de um Estado tão pequeno. Mostrou ser incapaz de separar ações humanitárias com interesses econômicos. Timor Leste em seu mar territorial tem a 20º a maior bacia petrolífera do mundo, mas quem explora e se beneficia dos lucros são Austrália, Nova Zelândia e companhias estadunidenses. O maior contingente de tropas militares é da Austrália e Portugal, ambas com interesses econômicos naquele pequeno território. Timor não deixou de ser uma nação soberana, e continua a ser refém da política internacional, que insiste em não dar condições mínimas para o desenvolvimento de Estados pobres. A população para reivindicar não tem armas em mãos, portanto o fogo e a demonstração de dor, de sofrimento e revolta que arde no peito como as chamas que incendeiam a capital, Dili, neste ano de 2006. Arthur Conceição é cientista político. Esteve em Timor Leste em 2002, quando desenvolveu projetos de políticas públicas para a juventude e lecionou aulas de português para adultos e jovens


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CULTURA

De 15 a 21 de junho de 2006

Histórias da luta pelo direito a um teto

Divulgação

CINEMA

Venturi transformou em registro histórico – e em arte – sete ocupações urbanas, em São Paulo sentarem características, idades e jeito de ser diferentes, e para dar um aspecto mais amplo do que elas representam.

Thais Arbex Pinhata de São Paulo (SP

“A

partir do momento em que a realidade foi para a tela, o Movimento saiu da luta e mostrou para a classe média o que é a vida dos excluídos”. Ivaneti de Araújo, a Neti, de 33 anos, mãe de três filhos e coordenadora geral do Movimento dos Sem-Teto do Centro de São Paulo (MSTC) conduz – ao lado de Silmara do Congo da Costa, Janaína Cristina da Silva e Ednalva Silva Franco – a narrativa do documentário Dia de Festa, co-produção Brasil-França lançada em abril. Resultado da parceria entre o arquiteto franco-argentino Pablo Georgieff e o cineasta brasileiro Toni Venturi, o documentário narra os preparativos das sete ocupações simultâneas realizadas na cidade de São Paulo no dia 1º de outubro de 2004. Em 2003, Georgieff, pesquisador de soluções de moradia para populações de baixa renda em todo mundo, e sua companheira Samantha Longoni, uma das produtoras do documentário, estiveram no Brasil para conhecer as ações do MSTC. Foi dessa experiência que nasceu a idéia de Dia de Festa. Para a direção do filme, Georgieff e Longoni convidaram Toni Venturi. “Aceitei imediatamente. A proposta estava totalmente alinhada com os meus interesses, com os meus filmes, com as minhas preocupações, com o estilo de cinema que eu venho desenvolvendo. Um cinema que aborda questões políticas, sociais e históricas”, diz o cineasta. Nesta entrevista ao Brasil de Fato, Venturi fala de seu filme e das injustiças sociais.

BF – Para quem assiste ao documentário, fica evidente que os momentos de maior tensão são os dias das ocupações. Venturi – Sem a menor dúvida. Mas a logística disso foi muito complexa. A gente não sabia quando, nem onde iriam acontecer as ocupações. Para que não vazasse e chegasse à polícia – eram, naturalmente, informações secretas, a não ser para alguns coordenadores do Movimento. Nós não conhecíamos também, éramos avisados, a cada dia, para nos prepararmos porque o dia se aproximava. Como nunca havíamos passado por algo parecido, nos organizamos para uma verdadeira batalha campal: compramos botas especiais, mochilas com kits básicos de sobrevivência – comida e cobertor. Em um determinado momento, é claro que o medo e a apreensão tomaram conta de todo o grupo. Ao todo, foram sete ocupações. Mas nós tínhamos quatro equipes de filmagens, por isso escolhemos acompanhar as ocupações em que estavam as nossas personagens. BF – Como foram os confrontos com a polícia? Em algum momento a equipe do filme sofreu repressão? Venturi – Os confrontos foram, com certeza, os momentos mais difíceis da filmagem. Em nenhuma ocasião a polícia teve qualquer atitude de repressão em relação à equipe. Nós usávamos coletes que, mesmo sem ter nada escrito, nos identificavam como pessoas que não pertenciam ao Movimento, mas que estavam apenas registrando. Houve muito medo, muita confusão, muita correria. As balas perdidas e, mesmo as de borracha, podiam cegar. Havia também bombas de gás lacrimogêneo, de efeito moral e gás de pimenta: tudo isso apavorava.

Brasil de Fato – Como o MSTC aderiu à idéia do documentário? Toni Venturi – Nós fizemos contato com eles, antes de começar as filmagens, em 2004. Eles aderiram de cara. Desde o princípio, deixamos evidente quais eram as nossas intenções. Houve confiança recíproca. E o resultado foi feliz para todos – tanto para o Movimento, quanto para nós.

BF – Quando surgiu a idéia de ter as histórias das quatro personagens como fio condutor do documentário? Venturi – O Movimento dos Sem-Teto do Centro de São Paulo, assim como outros movimentos, são bastante matriarcais. As bases são as mulheres. Existiam outras coordenadoras, naturalmente, mas eu escolhi as quatro personagens – Neti, Silmara, Janaína e Ednalva – por apre-

porque obrigam e exigem ações do poder público e, a partir de convênios com a prefeitura, com o Estado ou com a federação, o Movimento faz empréstimos, consegue comprar o edifício, reformar e transformá-lo em uma habitação digna para o morador sem-teto. BF – As ocupações são violentas? Venturi – Esse processo não é nenhuma guerra em que homens atacam homens. Os sem-teto ocupam o edifício, a polícia e a tropa de choque vêm proteger a propriedade. Os sem-teto não se jogam contra a polícia e a polícia não se joga contra os semteto – a não ser que eles tentem invadir a propriedade privada. Na verdade, os policiais são povo como eles e tão pobres quanto eles, mas estão defendendo o sistema. É violento, sim, há dor, medo, a polícia tenta dispersar os sem-teto, mas é importante ressaltar que eu não vi nenhuma truculência da polícia contra o ser humano. Na Constituição brasileira consta que qualquer imóvel subtilizado ou não utilizado pode ser colocado à disposição da desapropriação porque o imóvel existe para ter uma função social. O MSTC ocupa imóveis abandonados há 15, 20 anos. Não se pode dizer que esses imóveis têm alguma função na sociedade. BF – Dia de Festa pode ser visto como um filme-denúncia? Venturi – Acho que não. Ele transcende essa questão. Ele tem, obviamente, uma denúncia a respeito de uma realidade invisível, que a classe média brasileira desconhece. A idéia e a imagem que a mídia faz

Divulgação

BF – Como se deu essa relação de confiança entre a produção e os integrantes do MSTC? Venturi – À medida que começamos a fazer parte da realidade deles, e eles da nossa, ficamos mais “invisíveis”, e eles mais à vontade. Isso foi uma conquista do filme. E também teve a ver com o jeito com que eram feitas as filmagens: era a câmera, o som e eu; e, às vezes, era a câmera, o som e o Pablo (Georgieff). A gente tinha o mínimo necessário para conseguir alta qualidade de som e imagem. O importante era a autenticidade.

BF – Como se davam as ocupações? Venturi – O MSTC ocupa prédios vazios, públicos ou privados, que estão abandonados há muitos anos, com graves problemas de impostos, por exemplo. Essa é uma estratégia para obrigar as autoridades municipais, estaduais ou federais a lidar com a questão da moradia. Esse é o objetivo das ocupações. Algumas são muito vitoriosas

Integrantes do Movimento dos Sem-Teto do Centro de São Paulo protagonizam Dia de Festa, sobre sete ocupações

“O filme é uma reflexão sobre um país com milhares de injustiças sociais”, diz Venturi

dos sem-teto é de que eles são um bando de desocupados, desempregados, mulambentos. Na verdade, o que existe é um enorme preconceito. O filme fala disso: do preconceito de classe. A classe média – os que tiveram oportunidades, os formadores de opinião, os que têm um teto para morar e que se alimentam três vezes ao dia – têm um enorme preconceito contra o pobre. Dia de Festa mostra os sem-teto como pessoas reais, humanos sensíveis, de valor, com honra e dignidade. O filme é mais do que uma denúncia, é uma reflexão sobre um país que tem milhares de injustiças sociais e que precisa pensar sobre isso. Todas essas questões sociais, do preconceito, do racismo, da violência têm origem na desigualdade, na pobreza, na falta de oportunidade. Enquanto o Brasil não olhar profundamente para questão social, teremos os PCCs, essa violência rompante das cidades. BF – O documentário foi rodado em 2004 e lançado em 2006. Como foi a pós-produção? Venturi – O documentário foi rodado no final de 2004 e, em 2005, o finalizamos. Um documentário desse caráter, longa-metragem com uma proposta não-jornalística e mais narrativa, exige um tempo de pensamento, de tentativa e erro e de reflexão muito maior. Além disso, o lançamento demorou também por causa do financiamento. Com o documentário já na lata, a gente foi atrás de patrocinadores. Conseguimos o apoio do Fonds Sud Cinema – um programa do governo francês de incentivo ao cinema da África, da Ásia e da América Latina – e da Petrobras. BF – Você acabou de voltar do 59º Festival de Cannes. Como o cinema brasileiro é visto pelo mundo? Venturi – Para ser bem sincero, o mundo não vê cinema brasileiro. E isso não é nenhuma novidade para quem faz parte do meio. Podemos dizer que estamos começando o ano 1 do cinema brasileiro, em que ele volta a ter uma ação institucional, coletiva e mais abrangente. Até então foram ações pontuais e muito individuais: O Quatrilho, quando foi indicado ao Oscar, em 1996; Central do Brasil, quando foi o vencedor do Festival de Berlim,

em 1998; Cidade de Deus, quando indicado a quatro categorias do Oscar 2004. Agora se pensa em ações para levar o cinema brasileiro ao exterior. Esse trabalho, que é de médio prazo, deve surtir efeito daqui a uns cinco anos. Divulgação

Quem é Paulistano, nascido em 1955, Toni Venturi é bacharel em Cinema pela Universidade de São Paulo e em Artes Fotográficas, pela University of Ryerson, Toronto, Canadá. Em seu currículo, somam-se nove produções, das quais quatro são curtas-metragens: Under the table, de 1984; Sem fronteiras, Rio-Leningrado, de 1988; Guerras, de 1989; e 1999, de 1992. Em 1997, Venturi roda o primeiro longa – O Velho, a história de Luiz Carlos Prestes. Com o documentário recebe os prêmios de Melhor Filme Brasileiro no 2º Festival Internacional de Documentários – É Tudo Verdade, SP/RJ, 1997; Melhor Documentário no 5º Festival de Cinema e Vídeo, Cuiabá, 1997; e Resgate Cultural e Histórico da APCA 97 (Associação Paulista de Críticos de Arte). Com o longa-metragem Latitude Zero, recebe o prêmio de melhor roteiro no 33º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, 2000; Panorama / Seleção Oficial no 51º Festival de Berlim, 2001 e melhor direção no 5º Festival de Cinema Brasileiro de Miami, 2001. Em 2004, dirige Cabra-Cega, filme de ficção sobre o Brasil dos 1970. Em 2005, o filme recebe seis prêmios no Festival de Brasília.


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