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Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 4 • Número 179

Israel massacra, com aval dos EUA

www.brasildefato.com.br

Fabio Venni/Flickr

São Paulo • De 3 a 9 de agosto de 2006

R$ 2,00

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taques sem precedentes, com despudoradas violações de direito internacional, dão o tom da ofensiva israelense no Líbano, que em vinte dias já fez 600 mortos – 550 do lado libanês, entre os quais 37 crianças atingidas por bombardeios, dia 30 de julho. “Preparem-se para dor, lágrimas e sangue, porque a guerra não será curta”, disse o primeiro-ministro Ehud Olmert a seu povo. A ofensiva sangrenta conta com o apoio dos Estados Unidos, que desde 2001 tem um plano para a invasão do Líbano e de outros seis países da região, segundo denúncia do general Wesley Clark publicada na página da Global Research na internet. O Hezbollah anunciou que vai responder à altura. Pág. 7

M Asser/Flickr

Preparando uma guerra longa e sangrenta, governo israelense mata doentes, crianças e quebra acordos mundiais

Manifestantes em Londres levantam cartazes contra a guerra (à direita); casa de líder militar do Hezbollah é destruída no centro de Tiro, sul do Líbano, após ter sido atingida por bomba israelense guiada por laser, no dia 26

A vida se extingue no deserto verde Toledo, integrante de um coletivo que organiza a criação do Movimento em Defesa dos Pequenos Agricultores, na cidade. Pág. 3

ação devastadora da monocultura de eucalipto. “Os trabalhadores rurais vivem em condições precárias, sem moradia digna e sem renda fixa”, denuncia Marcelo Douglas Mansur/Novo Movimento

Sem terra, sem saúde, sem esperança. Camponeses de São Luís do Paraitinga, no interior de São Paulo, relatam o sofrimento das populações que são vítimas da

Monocultura do eucalipto está devastando a natureza de São Luís do Paraitinga

As garras de Bush sobre o Paraguai

Os pobres pagam a conta dos juros Pág. 4

Sob a conivência do governo Nicanor Duarte, os Estados Unidos transformam o Paraguai em uma imensa base militar. Com total imunidade judicial, tropas estadunidenses realizam, periodicamente, exercícios em território paraguaio. O pretexto é o combate ao terrorismo, que estaria presente na Tríplice Fronteira. No interior, soldados em missão “humanitária” filmam e tiram fotos das áreas próximas. Pág. 6

Movimentos estão céticos com eleições Os movimentos sociais brasileiros decidiram não apoiar nenhum candidato nessas eleições. A exceção é a CUT, que identifica uma disputa de projetos entre PT e PSDB e defende a reeleição de Lula. Outras oito entidades ouvidas pelo Brasil de Fato evitam tomar posição, em nome de sua autonomia. Adotam como prioridades a luta social, a organização e a construção de um projeto para o país. Pág. 5

EDITORIAL

Terrorismo contra árabes

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ão há outro nome. A agressão militar de Israel contra o Líbano caracteriza-se como terrorismo de Estado. Há uma guerra permanente do sionismo israelita, braço armado do imperialismo, contra os povos árabes. Assim como há uma heróica resistência das massas árabes, apesar dos limites das políticas de suas direções e do peso dos governos árabes mais conservadores. Porém, a atual guerra de Israel contra o Líbano – com bombardeios cirúrgicos contra bairros xiitas, onde há mais apoio político aos movimentos de esquerda e progressistas, como o Hezbollah – tem ingredientes de uma escalada de preparação para enfrentamentos contra o imperialismo. A construção do muro na Cisjordânia – reservando para Israel as terras de melhor cultivo, rapinando territórios que legalmente pertencem aos palestinos – e a interrupção do fornecimento de luz e água em vastas regiões palestinas agora somam-se a assassinatos de crianças, destruição de infra-estrutura. Tudo indica que ações mais sangrentas estão em preparação. A estratégia é ampliar a presença militar estadunidense na região, como já se faz no Iraque. Agora, pela ação israelense contra o Líbano, ocupar posições de ataque contra a Síria e o Irã. Não por acaso se

faz uma campanha contra a Síria, acusada do atentado contra o ex-primeiro-ministro libanês (organizado com as características das ações da CIA), forçando a retirada das tropas sírias que faziam um escudo protetor. A agressão israelense não poderia se dar sem o apoio cínico e criminoso dos Estados Unidos, inclusive com sua ação para paralisar a Organização das Nações Unidas (ONU), permitindo a Israel mais tempo para massacrar e para ocupar novas posições. O episódio traz dolorosas lições. Especialmente para os setores socialdemocratas, que conservam a ilusão e a crença nas eleições – que também existem em Israel, apesar do caráter fascista de seu governo. De outro lado, estão os que aprendem das próprias concessões indevidas feitas ao imperialismo, como é o caso dos russos. É de extrema importância que a Rússia de Puttin garanta suprimentos de defesa à Venezuela, e também que o Irã firme diversos tratados de cooperação com o governo Hugo Chávez, mas sempre com um claro chamado político aos povos do mundo, para que se unam contra o imperialismo. Sem esconder que se prepara para uma guerra de maiores proporções e para a ocupação territorial daquela região do Oriente Médio rica em petróleo, os EUA

não têm limites na hipocrisia. Enquanto faz novas remessas de armas para Israel, George W. Bush continua a pressionar o Irã para que suspenda seu programa nuclear e ignorando o fato de Israel ter bombas atômicas. Pelo menos duas lições o Brasil pode extrair dessa guerra: embora correta, é insuficiente a crítica feita a Israel. Os brasileiros que já morreram no Líbano e os que seguem correndo risco são vítima da sanha criminosa do sionismo, que atua sempre ao arrepio da legislação internacional. O governo brasileiro deveria ter atitudes mais veementes contra o governo israelita. A segunda lição é que a agressão israelense representa uma expansão militar dos interesses estadunidenses no Oriente Médio, mas faz parte de uma estratégia global do imperialismo ianque, que tem seus desdobramentos também na América do Sul. Por exemplo: a presença militar dos EUA no Paraguai, as 22 bases militares dos EUA em toda a América Latina. Diante dessa expansão, em linha inversa, encontra-se a defesa militar brasileira, em fase de sucateamento, fato de extrema gravidade para um país com os recursos que tem na Amazônia e nas bacias petrolíferas costeiras, que ficam em situação de extrema vulnerabilidade.


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DEBATE

CRÔNICA

Terrorismo de Israel desproporção e a reação que o governo do Estado de Israel vem tomando é completamente desigual, diferenciada. Se existem dois soldados israelenses raptados por militantes do Hizbollah (Partido de Deus, do Líbano) e um outro soldado raptado por muçulmanos vinculados ao Hamas, na Palestina, a indagação que se faz é a seguinte: pode um governo e um Estado soberano castigar um outro povo, atacar um outro país, retaliar ações com as quais o governo desse país não está de acordo? As coisas ficam cada dia mais claras quando se coloca da seguinte forma: nem o governo da Palestina – que o Hamas tem hegemonia –, nem o governo do Líbano, de várias forças políticas – e que o Hizbollah toma parte do Parlamento –, têm dado declarações de apoio e menos ainda de incentivo a ações dessa envergadura (seqüestros de soldados israelenses). Muito ao contrário. O que tais governos têm declarado é que pretendem desenvolver ações para elucidar os fatos e procurar soluções. As reivindicações dos que realizaram os atos de rapto e seqüestro são até compreensíveis: exigem a troca de prisioneiros palestinos, especialmente mulheres e crianças (fala-se em mais de 500 presos dos quais se reivindica a soltura). No entanto, a resposta de Israel tem sido a mesmo que vem dando há quase 40 anos, desde a Guerra dos Seis dias, de junho de 1967: o terror de Estado. E esse tipo de terrorismo é especial, é mais violento, é feito e patrocinado com dinheiro público, com aviões dos mais modernos e bombas das mais letais e inteligentes (se é que bombas podem sê-lo).

Marcelo Barros

Lattuf

Lejeune Mato Grosso

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OMISSÃO

Infelizmente, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) não deverá dar uma solução para as agressões de Israel contra a população civil do Líbano, contra os palestinos de Gaza e as ameaças à Síria. Não só porque não há uma unidade e um consenso entre os seus 15 membros, mas pelo fato de que os Estados Unidos protegem e apóiam todas as ações adotadas por Israel. Este governo Bush, em particular, vem dando sucessivos passos atrás, na política externa estadunidense. Não que ela fosse algo progressista nos anos Clinton, mas acordos de paz incentivados e patrocinados pelo governo estadunidense, caíram por terra, retrocederam e agora, o apoio praticamente explícito é ao unilateralismo de Israel, que sistematicamente se recusa a negociar com a liderança palestina, tomando decisões unilaterais, como se isso fosse resolver os problemas. Não vai. Ao contrário, o impasse persistirá. Nenhuma resolução será proposta pelos países centrais, pois se esta não beneficiar Israel, será vetada pelos Estados Unidos. Não há clima, nem força política das nações, para que Israel seja energicamente condenado pelos crimes e as barbaridades que vem cometendo contra a população civil. E o que é mais grave nisso tudo é que a grande mídia, dá tratamento como se fossem, no

Uma nova Igreja

conflito em tela, “duas partes” ou “dois lados” em pé de igualdade. De um lado, temos os militantes usando pequenos foguetes “Katiusha”, fuzis AK-47 e mesmo pedras e fundas. De outro, os aviões mais modernos, os mísseis mais “inteligentes”, os soldados mais bem treinados, os tanques mais poderosos, capazes de disparar projéteis de até 120 mm à distância de quilômetros. Em apenas um dos ataques terroristas de Israel foram mortos 30 libaneses civis, e do lado israelense apenas um soldado. Se no conflito com os palestinos o “placar” macabro do conflito era de mais ou menos um israelense morto para cada palestino, agora a coisa ficou mais brutal: um para 30 libaneses.

Esse tipo de terrorismo é especial, é mais violento, é feito e patrocinado com dinheiro público Até quando a comunidade internacional vai assistir passivamente a esse massacre? Os ataque vão começar também contra a República Árabe Síria, um dos últimos bastiões da resistências dos povos árabes e dos governos árabes que lutam contra o imperialismo estadunidense e o sionismo? Esses últimos e preocupantes episódios deixam claro o que vimos dizendo aqui há alguns anos neste espaço: o problema político do Oriente Médio é regional e esse deve ser o tratamento a ser dado. A solução passa por negociações globais e Israel vem demonstrando ter problemas de convivência com os seus vizinhos árabes. Claro que em grande parte de sua fronteira Oeste, com a Jordânia quase não há problemas ou mesmo na sua fronteira Sul, com o Egito, quase nada ocorre. Isso porque esses dois países vivem em “paz” com Israel, por terem governos amigos dos Estados Unidos e mantém uma certa “paz” com Israel. Eu usaria o termo de outra forma: são governos que

não dão trabalho algum a Israel, são amigos dos sionistas e não se preocupam que os palestinos, libaneses e sírios venham a ser massacrados pelo exército israelense. AMÓS OZ

Não preciso falar sobre esse renomado escritor e romancista israelense, um dos potenciais candidatos a Nobel de literatura e das maiores expressões da intelectualidade israelense vivos na atualidade. Sua obra fala por si só. No entanto, tenho que registrar um grande espanto da minha parte, que acompanho escritos e artigos desse escritor. Ao ler a edição da Folha de S. Paulo, do dia 19 de julho, deparei-me com um artigo no qual Amós defende o indefensável. Ele vai na linha de justificar o que é injustificável: os ataques que Israel vem fazendo contra a população civil e indefesa do Líbano seriam, desta vez, para “se defender” dos ataques do Hizbollah (sic). Colocar esse partido político como o inimigo principal já seria um erro primário de alguém que se propõe a ser um intelectual, mas justificar o bombardeio de dezenas de aldeias e cidades libanesas, matado indistintamente sua população, é imperdoável. De nossa parte, queremos expressar a nossa mais profunda solidariedade aos libaneses, aos palestinos, aos povos árabes em geral, que se encontram, mais uma vez, sob ataque cerrado e feroz, de cunho terrorista, por parte do Exército de Israel, impiedoso, implacável, com apoio estadunidense. Sei de várias manifestações que vêm sendo realizadas em diversas partes do mundo inteiro, e mesmo no Brasil, às quais somo a minha humilde voz e força, e me solidarizo. Espero que a comunidade das nações de todo o mundo, especialmente as potências centrais, o Conselho de Segurança da ONU, condenem com firmeza as atitudes terroristas por parte de Israel. Lejeune Mato Grosso, sociólogo, professor da Unimep e membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabes de Lisboa

Esta é a proposta que, há 30 anos, as comunidades eclesiais de base vivem para ajudar as Igrejas a retomar a vitalidade do Evangelho. Agora, mesmo quem não conhece este lema, nem é cristão, pode assumi-lo ao se deparar com o resultado das investigações sobre a máfia das ambulâncias. A maioria dos deputados chamados sanguesugas, que roubaram o Ministério da Saúde, é constituída de bispos, pastores e crentes de Igrejas neopentecostais. Ninguém pode acusar ou condenar uma Igreja pelo erro de alguns de seus membros. Ricardo Gondim, pastor da Assembléia de Deus em São Paulo, publicou pela internet um artigo, no qual pede que as Igrejas sejam severas com esses pastores e crentes. Tanto em certos setores do clero católico, quanto em alguns ambientes evangélicos e pentecostais, se vêem erros humanos graves. É legítima a pergunta: tais faltas são desvios pessoais ou existe alguma coisa nas estruturas eclesiásticas que facilita essas quedas? A proposta de todas as religiões e igrejas é a de ajudar o ser humano a se transformar espiritualmente, na relação íntima com o mistério último da vida, ou com o Espírito de Deus. As tradições espirituais ajudam a pessoa a descobrir e a conviver melhor com suas sombras ou aspectos menos positivos de sua personalidade. Paulo fala do velho homem que, dentro de cada um de nós, luta contra a transformação do eu interior. Quando as igrejas erguem para si ambientes isolados da realidade, como se ministros e fiéis estivessem livres da condição humana, os riscos são maiores. A queda do mais alto é tanto mais perigosa. A Igreja Católica criou diversas comissões internacionais para investigar a verdade histórica e refazer, na medida do possível, a justiça. Uma conclusão a que chegaram vários investigadores é que tais erros não tinham sido apenas desvio de conduta de um ou outro crente. Foi conseqüência inevitável do modo como a igreja via a si mesma, compreendia sua missão e olhava o mundo e os diferentes. Se uma igreja – de ontem ou de hoje – se compreende como a única religião verdadeira e se considera como se fosse o começo do próprio reino de Deus na terra, cria uma situação em que, mesmo inconscientemente, seus ministros se sentem acima do bem e do mal e, facilmente, confundirão interesses pessoais e a tentação do poder com a causa divina. Nenhuma igreja pode existir em função de si mesma. Não deve confundir a missão de anunciar a Boa Notícia de que Deus ama toda a humanidade com propaganda de si mesma, como se religião fosse um produto comercial a ser vendido e comprado. Se se inspira no Evangelho, não se impõe a ninguém. Sua missão não é apenas crescer e fortalecer suas estruturas internas e sim testemunhar o projeto de Deus para o mundo. Ela pode e deve formar cristãos para atuarem na política, como fermento na massa que fecunda a massa inteira e desaparece. Na ação política, os cristãos não precisam fazer um partido cristão. São eleitos para representar todo o povo e servir ao país e não apenas a um grupo eclesiástico. Igreja não é empresa e não deve se comportar como tal. Essa seria a honestidade básica que se espera de um grupo eclesial cristão. A Igreja Católica prepara a 5ª conferência geral dos bispos latino-americanos que se realizará em Aparecida do Norte, em maio de 2007. Na 2ª conferência, em Medellin, Colômbia (1968), os bispos propuseram um princípio que pode iluminar tanto os preparativos da 5ª conferência, quanto as comunidades em crise com o comportamento pouco ético de alguns pastores: “Que se apresente cada vez mais nítido ao mundo o rosto de uma igreja autenticamente pobre, missionária e pascal, desligada de todo o poder temporal e corajosamente comprometida na libertação de todo o ser humano e de toda a humanidade” (Medellin. 5, 15 a). Marcelo Barros é monge beneditino e autor de 30 livros, dos quais está no prelo o mais recente: Dom Helder, Profeta para o nosso Tempo, Ed. Rede da Paz, 2006

CARTAS DOS LEITORES MONOPÓLIO RBS Quero parabenizá-los pelo conteúdo que encontrei na Agência Brasil de Fato na internet. Aqui no Sul temos o monopólio da informação nas mãos da RBS, que nos trata como se fóssemos refém da informação. Manipula as notícias, mente, falseia e tem no seu meio jornalistas “profissionais” totalmente “alienados” fazendo a vez do pragmatismo ianque. Ou seja, terra arrasada para tomar posse. Temos que reagir urgentemente contra isso. João Amazonas Por correio eletrônico LÍBANO E PALESTINA Que o Deus cristão e muçulmano, Deus perdoador, clemente, misericordioso, tenha piedade dessa gente bárbara, selvagem, falaciosa, desumana, que, travestida de “civilizada”, destrói pelo prazer de destruir e assassina seres humanos indefesos, fingindo ignorar que seus atos ensandecidos são contraproducentes e serão prejudiciais para si própria no futuro. E que o Deus de Israel, Deus vingativo, severo, punidor da iniquidade dos pais nos filhos por várias gerações, assistindo a tanta covardia e barbárie, faça dessa gente aquilo que tiver de ser feito, conforme Seus desígnios. Amém. Mauro Fadul Kurban São Paulo (SP)

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Áurea Lopes, Jorge Pereira Filho, Paulo Pereira Lima • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, João Alexandre Peschanski, Luís Brasilino, Marcelo Netto Rodrigues, Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Salvador José Soares • Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. Conselho Editorial: Alípio Freire • César Sanson • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Pedro Ivo Batista • Ricardo Gebrim

REFORMAS DE BANCOS Bastante oportuna a matéria do Brasil de Fato “Um banco estatal a serviço de quem?”, de 13 a 19 de julho, que dá destaque a aplicações do BNDES. Precisa-se, no país, regionalizar os bancos particulares e, até mesmo, os públicos, evitando a concentração de aplicações no Sudeste e no Estado de São Paulo e a descapitalização de regiões, pois colhem o dinheiro nessas regiões e investem fora delas, conforme interesses de bancos e de banqueiros, notadamente no Estado de São Paulo, não se incomodando com uma política de desenvolvimento regional e nacional. Isso piorando por não se ter um plano nacional de desenvolvimento econômico e social, de três a cinco anos de vigência, que servisse de guia e modelo para os Estados, com seus planos estaduais a se juntarem e somarem com o federal, que deveria ser regionalizado. No caso do BNDES, nos preocupamos, quando servidor público na ativa, administrador e estudioso do Nordeste, com suas aplicações semelhantes, que beneficiavam e ainda hoje beneficiam a região Sudeste. Está na hora de melhor se ver outras regiões e o BNDES aplicar recursos em bons projetos, que não sejam somente do Sudeste. Ou seja, tem de mudar de política, que reforça esta falsa e errada proporcionalidade de aplicações por regiões brasileiras. José de Jesus Moraes Rêgo Brasília (DF) Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar, ligue (11) 2131-0815


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DESERTO VERDE

Caos social e devastação ambiental

Fotos: Douglas Mansur / Novo Movimento

NACIONAL

Camponeses de São Luís do Paraitinga se mobilizam para recuperar empregos, identidade cultural da região e dignidade João Alexandre Peschanski de São Luís do Paraitinga (SP)

“S

e aconteceu com os outros, não vai acontecer comigo?” A camponesa Benedita de Moraes de Oliveira teme que a mina da qual tira a água necessária para sua sobrevivência seque ou seja contaminada. Seu medo é compartilhado por outros pequenos agricultores de São Luís do Paraitinga, interior de São Paulo. No município, três empresas – Nobrecel Celulose e Papel, Suzano Papel e Celulose e Votorantim Celulose e Papel (VCP) – realizam plantios extensivos de eucalipto, árvore da qual extraem celulose, usada para produzir papel. A monocultura causa o assoreamento de rios e a contaminação de recursos hídricos, de acordo com o geógrafo da Universidade de São Paulo (USP), Aziz Ab´Saber, nascido em São Luís do Paraitinga. A propriedade de Benedita, de 12 hectares, está cercada por eucaliptos, plantados por uma firma terceirizada pela VCP em 2005. Ela denuncia que o uso de pesticidas e inseticidas para manter as árvores contaminou as fontes de recursos hídricos da área. Benedita chegou a ficar doente após beber da água da mina. Registrou queixa na polícia. Inconformada, pretende abandonar sua propriedade, onde mora há 47 anos. Seus vizinhos lhe relataram que encontraram animais mortos perto de córregos e rios que serpenteiam a área. Principalmente, peixes e bois. Também pensam em abandonar suas propriedades, por receio de não mais conseguir trabalhar a terra, se os recursos hídricos desaparecerem.

Trabalhadores (PT) e integrante de um coletivo que organiza a criação do Movimento em Defesa dos Pequenos Agricultores de São Luís do Paraitinga. Seis mil e quinhentos dos 10.500 habitantes do município vivem nos 5 quilômetros quadrados do Centro. As plantações de eucalipto começaram em 1971 em São Luís do Paraitinga, quando a Suzano comprou uma fazenda de 2.300 hectares. De acordo com estimativas de Toledo, 12% dos 70 mil hectares de São Luís do Paraitinga são ocupados pela monocultura. Para se instalarem, denuncia o exvereador, as empresas desmataram a flora nativa, causando um desastre ambiental na região.

EXPLORAÇÃO Em 22 de agosto, Toledo deve enviar uma representação ao Ministério Público Federal (MPF) acusando as três empresas de promover “miséria, degradação ambiental, desemprego e êxodo rural” no município. Acompanha a denúncia um abaixo-assinado com mais de 500 assinaturas. O documento denuncia a precariedade da situação dos trabalhadores das empresas. Recebem salários abaixo do mínimo, trabalham de 10 a 14 horas por dia, em condições desumanas. Para Toledo, os que mais sofrem são os que passam os herbicidas e pesticidas: “Saem com malas de trinta quilogramas, subindo morro, descendo morro. Quando passam o produto, ficam com tontura e desinteria”.

RECUPERAR A IDENTIDADE Em meio a tantas denúncias, o camponês Pedro Galvão Moreira, de 66 anos, sorri. Ele se considera um sobrevivente. Das 80 famílias que moravam em seu bairro, antes de as empresas começarem o plan-

A propriedade de Benedita de Moraes de Olveira (ao lado, com sua neta Rafaela), em São Luís do Paraitinga (SP), está cercada por plantações de eucalipto. O uso de inseticidas contaminou a fonte de água da família,causando a morte de animais e a contaminação de Benedita

tio de eucalipto, é um dos únicos que não se mudaram. “Resisto, e só saio daqui morto”, diz. Mas o sorriso não é pela resistência. É por uma conquista, aparentemente pequena, porém enorme para o camponês – que vive em sua propriedade de 13 hectares desde que nasceu. A Suzano havia fechado o acesso à capela Nossa Senhora da Conceição, que ele freqüentava. O local era conhecido por haver uma água santa, que purificava os fiéis. A capela ficava no meio de uma plantação de eucalipto e a empresa tinha medo que os fiéis, usando rojões, prejudicassem o plantio. Por pressão dos camponeses, o acesso foi reaberto e a Suzano reconstruiu a pequena igreja. A fonte da água santa secou. “Os eucaliptos acabam com os rios”, comenta Moreira. Mas ele está feliz. Promete organizar uma romaria e um churrasco para festejar. Os camponeses acusam as empresas de destruir igrejas e construções históricas de São Luís do Paraitinga, para não desviar rotas para a retirada dos eucaliptos. Parte do documento que enviam ao MPF, a apreciação de Ab´Saber resume o sentimento dos agricultores: “As empresas são culturalmente insensíveis”.

ÊXODO RURAL E DESEMPREGO A expansão da monocultura de eucalipto tem causado a saída de famílias camponesas de suas propriedades. “Os pequenos agricultores não têm como trabalhar se as fontes de água secam. Além disso, quando as empresas se instalaram em São Luís do Paraitinga, contrataram muitas pessoas. Os camponeses arrendaram suas terras e foram trabalhar na plantações de eucalipto. O sistema agropecuário, característico do município, foi desmantelado. Com a mecanização, os funcionários foram dispensados. Sem terra e sem perspectiva de emprego, foram para a cidade. Vivem em condições precárias, sem moradia digna e sem renda fixa”, explica Marcelo Toledo, ex-vereador pelo Partido dos

Pedro Galvão participa de abaixo-assinado para limitar o plantio de eucalipto

Empresas alegam preservar ambiente As empresas Nobrecel Celulose e Papel, Suzano Papel e Celulose e Votorantim Celulose e Papel (VCP), denunciadas por camponeses de São Luís do Paraitinga (SP) por causar devastação ambiental, afirmam que usam as melhores práticas para preservar as áreas onde fazem plantio de eucaliptos. Por meio de sua assessoria, a Nobrecel informou que “adota as melhores técnicas de preparo de solo e cuidados ambientais em suas plantações de eucalipto”. Em entrevista ao Brasil de Fato, Luiz Cornacchioni, gerente da Unidade de Negócio Florestal da Suzano, disse que 39% dos 2.780 hectares da empresa na região são destinados a áreas de preservação permanente, onde não há plantio. “Estamos acima do que obriga a legislação. Além das áreas de preservação, desenvolvemos ações para minimizar os impac-

tos ambientais dos plantios”, continuou. De acordo com ele, a Suzano monitora a fauna e a flora em suas plantações, além do fluxo hídrico. Considera que a empresa tem um cuidado especial com São Luís do Paraitinga, por ter mata Atlântica. Procurada pela reportagem, a Votorantim emitiu uma nota em que alega: “A empresa tem total preocupação com a conservação da água, solo e biodiversidade de acordo com o estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992”. Dos 3 mil hectares que possui em São Luís do Paraitinga, afirma que 1,2 mil são destinados à conservação da flora nativa da região. Também diz que o uso de agrotóxicos é feito por profissionais capacitados e “em quantidades muitas vezes abaixo daquelas recomendadas pelo fabricante”. (JAP)

O eucalipto... ... seca o solo? EMPRESA*: A folhagem ou copa do eucalipto retém menos água de chuva do que as árvores das florestas tropicais, mais densas. Em comparação, uma floresta de eucalipto consome 900 milímetros de água por ano; a mata Atlântica, 1.200. Além disso, a maior parte da água absorvida durante o crescimento dos eucaliptos é proveniente da camada superficial do solo, alimentado pela chuva, sem atingir o lençol freático. MOVIMENTO SOCIAL**: O eucalipto consome tanto quanto a mata Atlântica: 1.200 milímetros de água por ano. Mas, na mata Atlântica, há milhares de espécies que vivem e consomem a água. Nas monoculturas de eucalipto, há uma só espécie. É uma plantação sem vida, que não gera sustentabilidade. O problema não é o consumo de uma árvore, mas a extensão e a continuidade das plantações. A monocultura gera um desequilíbrio ambiental que leva à morte de rios e córregos. ... empobrece o solo? EMPRESA: As raízes do eucalipto produzem efeitos benéficos para o solo: deixam o solo mais estruturado, aumentam a capacidade de armazenamento de água, de drenagem e de aeração. Os nutrientes utilizados pelos eucaliptos são repostos pela decomposição de folhas, cascas e raízes, além da adubação. MOVIMENTO SOCIAL: O eucalipto mantém a estrutura do solo, a parte mineral, mas destrói a biótica (relativo aos seres vivos que estão em uma região). As árvores, plantadas em monocultura, acabam com os nutrientes – o que leva ao desaparecimento da flora. O uso de pesticidas torna o solo dependente químico e, como são produtos criados para matar, até usados em períodos de guerra, matam insetos e plantas. O veneno cai nos rios e se propaga. Para plantar novamente, em áreas onde há a monocultura, é usada uma grande quantidade de adubos, o que prova que as plantações não são auto-sustentáveis. ... cria grandes desertos verdes? EMPRESA: O plantio de eucalipto convive com inúmeras espécies da fauna e da flora brasileiras, interagindo amigavelmente com outras plantas. Proporciona abrigo e alimento necessário a diferentes animais. A plantação pode ser combinada com outras culturas agrícolas e pastoris. MOVIMENTO SOCIAL: A metáfora do deserto verde não diz que haja inexistência de espécies, mas que há poucas. A biodiversidade de uma monocultura de eucalipto se assemelha à de um deserto. Animais que existiam em áreas onde há plantio extensivo dessa árvore desaparecem: jacarés, peixes, capivaras... Os movimentos sociais usam o termo deserto verde para afirmar que a monocultura não é uma floresta, como as empresas insistem em dizer. Uma floresta, para biólogos e geógrafos, é um conjunto de vida, que as plantações empresariais de eucalipto não mantêm. É um deserto também porque ninguém vive em áreas onde há deserto verde. ... é socialmente excludente? EMPRESA: As plantações de eucalipto geram e distribuem riqueza de várias formas nas comunidades onde estão instaladas: empregos diretos e indiretos, impostos pagos às três esferas de governo e investimentos em infra-estrutura, como estradas vicinais. As empresas empregam 4,1 milhões de pessoas. MOVIMENTO SOCIAL: As empresas de eucalipto empregam, no Brasil, 100 mil pessoas. São poucos funcionários, se comparados às extensões das áreas que ocupam as plantações, 3 milhões de hectares. As empresas inflacionam o número de empregados, contando todas as pessoas que trabalham nas proximidades dos plantios, de donos de botecos a pequenos agricultores. As plantações são instaladas em áreas onde há populações indígenas, quilombolas e camponesas, que são expulsas de suas terras. Os impostos pagos pelas empresas são poucos em relação a seus lucros e às quantias que recebem de órgãos públicos, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). (JAP) * Com base no relatório “Eucaliptocultura e preservação ambiental”, produzido pela empresa Suzano Papel e Celulose, em junho de 2006. ** As informações foram obtidas a partir de entrevista com o professor de Geografia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Paulo Scarin, que assessora movimentos sociais que lutam contra a expansão da monocultura de eucalipto.


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NACIONAL ARMADILHA FINANCEIRA

Fatos em foco Hamilton Octavio de Souza Transferência - 1 Se você é trabalhador empregado e recebe o salário em conta bancária, toda vez que você retira o dinheiro ou faz algum pagamento recolhe o imposto da Contribuição Provisória de Movimentação Financeira (CPMF). Se você é empresário exportador, 30% do que você recebe pode ficar depositado no exterior e está isento da CPMF. Transferência - 2 Se você é aposentado, qualquer empréstimo bancário para ser descontado diretamente da sua remuneração paga 2,85% de juro ao mês. Se você é empresário, tem direito a pegar empréstimo bancário do BNDES com juro de 7,5% ao ano. O pagamento de impostos na fonte pelos trabalhadores financia o lucro do empresariado. Manobra eleitoral A redução paulatina dos juros nos últimos meses não passa de uma encenação eleitoral do governo Lula, na medida em que o Banco Central sabia que era possível baixar dos 19% ao ano para um patamar próximo dos 14%. A queda, pedida pelo candidato à reeleição, atingiu 14,75% no final de julho, pode até cair mais um pouco, mas, depois da eleição a tendência muda de rumo. Ameaça mortal A Conferência de Religiosos do Brasil lançou manifesto no dia 27 de julho para denunciar que o Bispo do Xingu, Dom Erwim Kräutler, está sofrendo perseguições e ameaças de morte por seu trabalho missionário na defesa dos povos indígenas, ribeirinhos e população pobre da Amazônia. Espera-se que as autoridades estaduais e federais garantam a segurança do bispo. Campanha conformista Depois que o Brasil entrou na canoa furada do neoliberalismo, reduziu o papel desenvolvimentista do Estado, aumentou a dependência externa e passou a conviver com desemprego estrutural altíssimo, os meios de comunicação têm dedicado grande espaço só para mostrar casos de desempregados que conseguiram sucesso com negócio próprio. Na mídia tudo depende apenas de esforço individual. Omissão criminosa Os órgãos federais de inspeção de produtos alimentícios industrializados e de defesa do consumidor continuam fazendo vistas grossas ao uso de matéria prima transgênica. De acordo com a lei, desde 2003 todos os produtos com mais de 1% de transgênicos precisam apresentar essa indicação na embalagem. Óleos e outros alimentos, especialmente de multinacionais, estão fora da lei. Contaminação geral Processadora de cereais transgênicos, a empresa estadunidense Cargill é líder no fornecimento de nutrição para peixes, camarões e eqüinos, além de grande fornecedora para bovinos, aves e suínos. Monopoliza a alimentação de todas as criações do frigorífico Seara. Em boa parte, a contaminação transgênica da população brasileira está sendo feita na cadeia alimentar, sem alarde e sem fiscalização. Números brasileiros Apenas para ficar registrado: o maior programa de assistência social do governo federal, o Bolsa-Família, entra em agosto pagando uma média de R$ 61,02 por mês a 11,1 milhões de famílias, menos do que os R$ 75,43 pagos em 2003; a CPI das Sanguessugas apurou que o superfaturamento das ambulâncias da Planam rendeu propina média de R$ 70 mil para cada parlamentar corrupto. Números israelenses Dia 30 de julho aviões de Israel bombardearam a cidade libanesa de Qana logo pela manhã. Foram mortas no ataque 56 pessoas, entre elas 37 crianças pequenas. Impossível ao “mundo civilizado” ficar indiferente diante de tamanha insanidade e violência. O povo e o governo brasileiros deveriam expressar com contundência sua indignação sobre o que acontece no Oriente Médio.

O custo social da dívida brasileira Dinheiro usado com juros poderia assentar 16 milhões de sem-terra e duplicar gastos com saúde e educação Gisele Barbieri de Brasília (DF)

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pagamento antecipado da dívida externa no valor de R$ 15,5 bilhões em dezembro de 2005, pelo governo federal, foi divulgado como um ato inédito que levaria o país a economizar 900 bilhões de dólares, em juros, até 2007, prazo que o país tinha para quitar essa quantia. Ledo engano. Os números registrados pela economia até este momento não confirmaram a expectativa do governo. Ocorre que, para pagar adiantado, o Banco Central comprou dólares no mercado financeiro, elevando o endividamento interno do país. “Eu entendo que a medida foi mais simbólica e política do que tecnicamente racional. Pagamos uma dívida que iria vencer em dois anos. Essa dívida tinha um custo baixo de juros comparado aos juros da dívida interna. Mas entendo que por simbolismo, para deixar claro que não devemos mais para o Fundo Monetário Internacional, faz sentido, mesmo que isso não seja verdade”, avalia o economista da Universidade Estadual de Campinas, Márcio Pochman. A conseqüência dessa opção foi um crescimento das despesas com as dívidas corrigidas pela taxa Selic, os juros médios da economia que seguem sendo os maiores do planeta, apesar das sucessivas reduções promovidas pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) (leia mais sobre os juros no quadro). Em toda essa engenharia financeira, quem paga o preço é a classe mais pobre, a que mais sofre com a prioridade que o Estado dá ao pagamento da dívida em detrimento do investimento em áreas sociais.

MENOS PARA O SOCIAL Para pagar os juros da dívida interna, o governo corta seus investimentos. Neste ano, os gastos em educação tiveram a redução de R$ 561 milhões, na área da saúde não foi diferente, a área que é uma das principais deficiências no país, terá uma redução de R$ 548 milhões. Em 2005, foram destinados apenas R$ 4 bilhões para a reforma agrária e menos de R$ 16 bilhões para a educação. No entanto, com a dívida pública, foram gastos R$ 139 bilhões. A previsão é de que, nos quatro anos do governo Luiz Inácio Lula da Silva, mais de R$ 700 bilhões tenham sido consumidos pela dívida pública (interna e externa), sem reduzí-la. Em dezembro de 2005, a dívida pública alcançou R$ 1 trilhão. Nos últimos meses, teve um crescimento de mais de R$ 150 bilhões. O valor gasto nos quatro anos seria o suficiente para assentar cerca de 4 milhões de famílias sem terra (16 milhões de pessoas) e duplicar os gastos previstos no orçamento da União com saúde e educação, de acordo com a Rede Jubileu Sul, que desde 2001 é responsável pela campanha de auditoria cidadã da dívida. Ou seja, seria possível eliminar parte da dívida social do Estado brasileiro com seus cidadãos. “No ano passado, até o programa Fome Zero sofreu cortes para que se produzisse a tal economia de recursos, para se cumprir a meta do superavit primário. Essa dívida está amarrando toda a nossa economia. Estamos em uma armadilha”, analisa Maria Lúcia Fatorelli, vicepresidente da Unafisco (sindicato

Governo Lula: oportunidade perdida Nos quatro anos de governo, Lula destinará para a dívida muito mais do que gastará com diversas áreas sociais fundamentais para o país:

Gastos 2003-2006 (R$ bilhões) 800 700 600 500 400 300 200 100 0

Dívida pública

Saúde

Educação

Transporte

Reforma Agrária

Segurança Pública

Ciência e tecnologia

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional e Projeto de lei orçamentária para 2006. Os gastos com a dívida se referem aos juros e amortizações das dívidas interna e externa, exceto o refinanciamento.

Outras aplicações Os R$ 717 bilhões gastos com a dívida pública em quatro anos do governo Lula poderiam ter sido aplicados em • Recuperar todas as estradas federais que se encontram em condições precárias. • Garantir habitação a 15 milhões de famílias sem teto.

• Assentar 4 milhões de famílias sem terra. • Duplicar os investimentos em saúde e educação. • Gerar 2,5 milhões de empregos na agricultura.

Fonte: Rede Jubileu Sul/Campanha de auditoria cidadã da dívida

nacional dos auditores fiscais) e coordenadora da campanha auditoria cidadã da dívida.

ESTADO DESEQUILIBRADO Para conseguir honrar esses compromissos, além de se endividar mais e cortar recursos de seu orçamento (o superavit primário), o governo estimula as exportações e gera receita em dólares. No entanto, políticas pautadas por esse objetivo aprofundam a desigualdade. Um exemplo é o apoio dado pelo governo ao agronegócio em detrimento da agricultura familiar. Outra política prejudicial é o crescente aumento da carga tributária. No Brasil, mais de 60% dos tributos incidem sobre o consumo e são cobrados até mesmo nos bens de primeira necessidade, como leite. Em países menos desiguais,

o imposto maior incide sobre a renda e não sobre o consumo. Ou seja, varia de acordo com o poder aquisitivo de cada um, o que representa uma cobrança equilibrada, proporcional. “A justificativa que os governos têm para todas as reformas neoliberais apresentadas, como a da Previdência, e até para as privatizações lançadas pelo governo Fernando Henrique Cardoso, é de pagar a dívida para os juros caírem. Nada disso ocorreu”, critica Maria Lúcia Fatorelli. Segundo ela, a justificativa enganosa manipula a sociedade para que assuma esse modelo: “Se falarem a verdade, que esse modelo prejudica a sociedade, compromete o futuro do país e entrega nossa soberania, a sociedade vai gritar”, considera Fatorelli.

Um endividamento sob suspeita De 815 contratos da dívida pública brasileira, apenas 238 foram encontrados no Senado Federal, como obriga a Constituição. Esse levantamento foi um dos resultados do trabalho desenvolvido pela Campanha Auditoria Cidadã da Dívida desde o plebiscito popular realizado em 2000. Na ocasião, 6 milhões de pessoas votaram pela realização de uma auditoria da dívida. Porém, enquanto a auditoria oficial da dívida, prevista no artigo 26 da Constituição Federal, não é realizada, a Rede Jubileu iniciou um processo paralelo, a partir do reforço de mais de 40 entidades, que buscam resgatar documentos e analisar o processo de endividamento brasileiro. Este ano, a auditoria cidadã formou um conselho político, que teve como primeira ação a busca e a análise dos contratos de endividamento externo no Senado Federal. Além de contratos não encontrados, a Campanha contabiliza que, de 1978 até 2005, foi feita uma transferência líquida de 241,7 bilhões de dólares. Isso é o que o Brasil pagou a mais do que recebeu do exterior. “Mesmo assim, em 2005, a dívida alcançou 188 bilhões de dólares. Pegando os números do próprio Banco Central, essa conta não fecha. Por isso, questionamos a legitimidade da dívida. Somente aprofundando essa auditoria para rever esse processo, pois estamos sofrendo uma subtração de recursos que está sacrificando nossa socieda-

de”, explica Maria Lúcia Fatorelli, coordenadora da campanha. Além da investigação nos contratos da dívida externa, a Campanha também aguarda a decisão para uma ação judicial promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que exige do Congresso Nacional a realização da auditoria. Uma frente parlamentar também foi formada, mas espera a leitura do relatório. (GB)

Avanços da auditoria cidadã da dívida

• Resgate dos documentos das comissões que analisaram o problema no Congresso Nacional, em 1987 e 1989. • Análise e denúncia do erro anunciado pelo Banco Central em 2001, na contabilidade da dívida. • Publicação de cartilhas de 2000 até este ano e organização do livro Auditoria da dívida externa: questão de soberania, em 2003. • Compilação de argumentos jurídicos que embasam o não pagamento da dívida e estudos sobre o “risco país”. • Atuação junto à frente parlamentar de acompanhamento da dívida, que obteve as assinaturas necessárias para instalação de frente sobre a auditoria. • Estudo sobre a experiência da auditoria em 1931.

Por que os juros altos? A dívida pública brasileira é composta por títulos com pagamento de longo, médio e curto prazo. Nos papéis com vencimentos mais imediatos, os donos desses títulos têm grande autonomia para impor ou não aceitar taxas de juros de custos baixos. Essa pressão do mercado financeiro, de certa forma, acaba direcionando a política econômica do governo federal, que precisa fixar juros elevados para atrair o recurso externo e, assim, prestar conta do serviço (juros e amortizações) dessa dívida que, nos últimos anos, tem representado 8% do Produto Interno Bruto (PIB). Ao final de junho, a dívida total do setor público aumentou R$ 5,52 bilhões, somando R$ 1,024 trilhão, o que representa cerca de 50% do PIB. (GB)

Ampliação da desigualdade Aprovado somente em maio deste ano, o contingenciamento de recursos no Orçamento da União em 2006 (ou seja, a economia feita para pagar juros e serviço da dívida) foi de R$ 37,5 bilhões. O número é quase quatro vezes maior do que o de 2005, R$ 9,9 bilhões.

Embora o discurso seja de manutenção dos programas sociais, o governo determinou um corte de R$ 2,82 bilhões nas verbas de custeio e investimento dos sete ministérios da área. A suspensão dos gastos foi necessária para acomodar uma elevação das despesas obrigatórias em R$ 11,6 bilhões e um aumento da meta de superavit primário. “Consideramos que 20% do gasto público no Brasil estão orientados para pagamentos financeiros, são gastos improdutivos, não geram emprego. Na verdade, geram uma concentração de recursos enorme. Se nós olharmos a composição dos detentores dos títulos públicos, verificaremos que é um segmento ínfimo da sociedade brasileira – 20 mil clãs de famílias no Brasil concentram algo equivalente a 70% dos títulos da dívida pública. Então, temos uma quantidade expressiva de recursos, servindo para o aumento e concentração da própria riqueza” diz Márcio Pochman, economista da Universidade Estadual de Campinas. (GB)


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NACIONAL ELEIÇÕES

Movimentos preferem não tomar partido A fragmentação da esquerda política e as práticas neoliberais do governo Lula fizeram os movimentos sociais tirar o foco da luta institucional. A CUT é uma exceção nesse cenário Luís Brasilino da Redação

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ito entre os dez movimentos sociais ouvidos pelo Brasil de Fato sobre as eleições deste ano não vão apoiar nenhuma candidatura à Presidência da República, pelo menos no primeiro turno. O quadro reflete a fragmentação da esquerda política desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em janeiro de 2003. Dos quatro principais pretenden-

tes a assumir o comando no Palácio do Planalto, em 2007, três estavam no Partido dos Trabalhadores (PT) nas últimas eleições presidenciais: Cristovam Buarque, agora no Partido Democrático Trabalhista (PDT); Heloísa Helena, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL); e o próprio Lula. Além de disputar entre si, esses candidatos enfrentam a ameaça da volta da direita ao poder, referenciada pela campanha de Geraldo Alckmin, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Entre os movimentos, apenas a Central Única dos Traba-

lhadores (CUT) se definiu por um candidato, Lula. Na opinião dos sindicalistas, a eleição mostra uma polarização entre dois projetos: um de esquerda (Lula) e outro de direita (Alckmin). Isso justificaria a tomada de posição. Os demais movimentos temem a perda de autonomia decorrente do apoio a apenas um candidato, admitem a falta de um debate amadurecido e consolidado na base e reafirmam o foco principal na luta social. Confira, ao lado, as posições dos principais movimentos, representados por suas lideranças.

Nalu Faria – Marcha Mundial de Mulheres “Seguindo uma linha dada pela Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), entendemos que, para além de nos posicionar frente a candidaturas, o principal é apresentar à sociedade um projeto para o Brasil. Ou seja, como o governo deve atuar para garantir a distribuição da riqueza, o desenvolvimento, a autonomia e a soberania para o país e às mulheres. Em outras articulações de movimentos de mulheres de que participei antes da Marcha, poucas foram as

vezes nas quais nos posicionamos como movimento. Lembro da eleição de Luiza Erundina (para prefeita de São Paulo, em 1988) mas, naquele momento, havia uma disputa de dois projetos. Em 2002, talvez pelo jeito como a campanha foi feita, a partir dos meios de comunicação e não da militância, não houve sequer uma pressão ou um debate concreto para nos posicionarmos. E isso não mudou de lá para cá.”

Frei Davi – Educafro “Fizemos debates com 14 candidatos negros para deputado estadual e em breve faremos um debate para deputado federal. Também convidaremos candidatos a senador, governador e presidente – ou um de seus representantes – para debater com a nossa base. Ao final dessas discussões, a Educafro seguirá o caminho da maioria de seus integrantes. Contudo, está claro que escolherá aqueles com postura de esquerda e voltados para a questão pluriétnica. A candidatura da Heloísa Helena ajudará os setores políticos a tomar po-

sição. Não quero que o Brasil continue tendo políticos pulando de galho em galho e, não fosse a candidatura de Heloísa Helena, iríamos continuar tendo uma salada nojenta nas eleições. O jeito de fazer campanha da Heloísa Helena poderá provocar a qualificação do debate no Brasil. Por outro lado, dos cinco últimos presidentes, não temos dúvida de que Lula foi o que mais avançou na questão do negro.”

Paulo Rizzo – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) “Os filiados têm liberdade para apoiar quem quiserem mas o Andes-SN não apóia ninguém, em nenhuma eleição, para não perder a autonomia, como aconteceu com a CUT. Ela está comprometida com a sustentação do governo Lula. O Andes não é apenas a direção. Temos pessoas que estão nas mais diversas posições dentro da política e por isso não colocamos o movimento a serviço da Heloísa Helena. Mas não acredito que Lula vá aprofundar os programas sociais. Em julho,

no Roda Viva (programa da TV Cultura), o ministro da Educação, Fernando Haddad, admitiu que os vetos de Fernando Henrique ao Plano Nacional de Educação não foram revistos para não comprometer o superavit primário. Ora, isso estava previsto no programa de governo de Lula, em 2002. Ou seja, o presidente pode até dizer na campanha que vai ampliar as políticas sociais, mas não existe saída sem mexer na economia.”

Gustavo Petta – União Nacional dos Estudantes (UNE) “Para preservar a autonomia, pelo menos no primeiro turno, não devemos apoiar ninguém. Em abril, no Conselho Nacional de Entidades de Base da UNE, decidimos apresentar aos candidatos uma plataforma baseada no Projeto Brasil, da CMS. Em agosto ou setembro, iremos apresentá-la aos três candidatos do campo mais de esquerda: Lula, Heloísa Helena e Cristovam Buarque. Entre as propostas, estão o rompimento com a política macroeconômica atual, a derrubada do veto feito pelo Fernando Henrique no Plano Nacional

de Educação, a manutenção e ampliação mais acelerada das universidades públicas. Lula deveria ter tido uma opção mais clara de mudança. Mas identificamos conquistas importantes, como a reafirmação do papel da universidade pública e a relação diferenciada com os movimentos sociais. Por isso, não se justificaria colocar no mesmo patamar o governo Lula e Fernando Henrique.”

Zé Maria – Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas) “A Conlutas decidiu em seu congresso (em maio) lutar contra o governo Lula, pois ele aplica o mesmo programa neoliberal que o governo anterior. Também vamos lutar contra a alternativa da direita tradicional de Alckmin. O congresso votou ainda a resolução de não se posicionar frente a nenhuma candidatura, uma vez que não havia um debate amadurecido na base para isso. Assim, cada sindicato e movimento, na medida em que fizer a discussão nas suas instâncias, pode decidir apoiar um ou outro partido.

Vamos apresentar para todos os candidatos a plataforma da Conlutas, que pede, em síntese, a suspensão do pagamento da dívida externa, o rompimento com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e com as negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Os recursos decorrentes disso poderiam ser utilizados na reforma agrária, na moradia, na saúde, na educação e na geração de empregos.”

Dom Demétrio Valentini – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) “Tomo por base a Assembléia Popular (outubro de 2005), quando se enfatizou, mais que as eleições, a importância da cidadania e da construção de um projeto para o Brasil. Existe um esgotamento das estruturas tradicionais, como forma de atingir objetivos, desvinculadas de um processo de permanente atuação organizada da cidadania. Há responsabilidades que não podem ser delegadas: a vigilância permanente das estruturas de Estado e a definição dos objetivos da economia,

da educação e do próprio sistema político. Mas não desprezamos as eleições ou os mandatos colocados em jogo. Independente de quem ganhar o cargo de presidente da República, os movimentos populares terão a responsabilidade de interpelar o governo, urgir (insistir) pelos seus objetivos, apresentar propostas concretas, defender causas e fazer o país avançar em determinada linha.”

Francisco Avelino Batista – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) “Nesse primeiro mandato de Lula tivemos muita dificuldade com relação ao cumprimento das nossas propostas. Assim, vamos apresentar uma plano do povo indígena para o governo Lula. Além disso, vamos apresentar um plano de Estado para os outros candidatos. Constatamos que sai governo, entra governo, e as políticas implantadas são sempre passageiras. A política indigenista está esfacelada, desarticulada em vários ministérios. Por

isso lutamos pela instalação da (já criada) Comissão Nacional de Política Indigenista. Hoje não sabemos quem é o responsável dentro do governo pelos povos indígenas. Nós avançamos a organização, mas a política governamental ficou para trás. Tem muita grana para trabalhar com as comunidades indígenas e não vemos nada chegando nas terras, nas aldeias.”

Artur Henrique – Central Única dos Trabalhadores (CUT) “Mais de 86% dos delegados presentes ao nosso congresso (junho) votaram numa resolução que aponta para a reeleição do Lula, mas vinculada à apresentação de uma plataforma dos trabalhadores a ser implementada no segundo mandato. O que está em jogo na sociedade brasileira são dois projetos, claramente de classe e antagônicos. Um projeto representado pelo PSDB e pelo PFL, prevendo a volta das privatizações, o Estado mínimo, a flexibilização dos direitos trabalhistas e a

criminalização dos movimentos sociais. Do outro lado, a possibilidade de continuidade de um processo de mudanças com a reeleição do companheiro Lula, mas apresentando uma plataforma dos trabalhadores, em que a articulação e o fortalecimento dos movimentos sociais, na nossa opinião, é fundamental para mobilizar os trabalhadores e pressionar o presidente.”

Marina dos Santos – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que faz parte da Via Campesina “O MST não vai se envolver diretamente no processo eleitoral. A disputa eleitoral não apresenta um projeto político alternativo sólido com condições de levar ao povo brasileiro saúde, educação, moradia, terra e emprego. Ao mesmo tempo, é possível perceber que parte dos trabalhadores sem terra pode votar de maneira crítica no presidente Lula, principalmente tendo como referência o governo Fernando Henrique. Também tem gente que pode votar em outros candidatos do campo da esquerda ou até nulo. O Brasil precisa de um novo modelo agrícola, que dê prioridade à agricultura

familiar voltada ao mercado interno, aos pobres do país. Isso deve começar com um processo massivo de reforma agrária, inicialmente com o assentamento das 150 mil famílias acampadas. Esse novo modelo está vinculado ao desenvolvimento nacional sustentado em uma outra política econômica, na distribuição de renda e na prioridade absoluta para a geração de trabalho para o povo. Nenhuma candidatura apresenta propostas sólidas e tem condições políticas para efetuar essas mudanças.”


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AMÉRICA LATINA MILITARIZAÇÃO

A presença obscura dos EUA no Paraguai Igor Ojeda de Assunção (Paraguai)

Serpaj-Py

Estadunidenses aproveitam convênio entre os dois países para assegurar presença militar em região estratégica

Na região do Chaco, a posição estratégica

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RECONHECIMENTO Como o convênio assinado entre EUA e Paraguai prevê liberdade aduaneira aos equipamentos e materiais que o Pentágono traz para o país sul-americano, as autoridades paraguaias desconhecem o tipo de medicamento que é distribuído à população. “O Ministério da Saúde não intervém”, denuncia Ramón Medina, dirigente da Mesa Coordenadora Nacional de Organizações Camponesas (MCNOC). Os Medretes são acompanhados apenas pelos governos locais. Mas as “ajudas humanitárias” não se restringem ao atendimento médico. Segundo Julia, os soldados estadunidenses fotografam e filmam a área em torno da comunidade, como se estivessem

Integrantes da missão conversam com chefe do destacamento Policial Militar móvel em Concepción

Presença militar dos EUA no Paraguai

reconhecendo a área. Além disso, aplicam questionários à população atendida, perguntando, entre outras coisas, se a pessoa pertence a alguma organização camponesa, principal alvo da política de repressão do governo de Nicanor Duarte (leia reportagem na edição 178 do Brasil de Fato). Apesar de tudo, os Medretes – que, além de medicamentos, oferecem “presentes” aos camponeses, como óculos – são bem vistos pela população paraguaia, que não tem acesso a atendimentos médicos fornecidos pelo Estado. “Não temos garantia de saúde, por isso se aceita qualquer tipo de medicamento”, explica Julia.

Na cidade de Mariscal Estigarribia, no Departamento de Boquerón, região do Chaco, a missão internacional visitou o aeroporto Luis María Argaña, construído com dinheiro dos Estados Unidos em 1986, durante a ditadura paraguaia (1954-1989). Inicialmente uma instalação militar, hoje o local está sob o controle da Direção Nacional de Aeronáutica Civil do Paraguai (Dinac). As medidas da pista de pouso, em excelentes condições de conservação, impressionam, principalmente levando-se em conta o tráfego aéreo quase nulo na área: 70 metros de largura por 3.800 metros de extensão. Segundo Fabio Serna, defensor de direitos humanos na Colômbia, integrante do Movimento Continental de Cristãos pela Paz com Justiça e Dignidade e um dos integrantes da missão que esteve no aeroporto, as dimensões “ultrapassam definitivamente qualquer necessidade da aviação civil, comercial, ou inclusive da Força Aérea paraguaia”. Mas comportaria com facilidade naves de grande porte e peso, como aviões de guerra dos EUA. Segundo Julio Benegas, do Sindicato dos Jornalistas do Paraguai (SPP) e especialista no tema da militarização, o aeroporto de Mariscal Estigarribia teria a capacidade de suportar 15 mil soldados. “Está claro que é uma pista estrategicamente localizada. Está no coração da América do Sul. Sua área de influência inclui as principais cidades da região, toda a Bolívia, o Norte do Chile, o Oeste do Peru, o Norte da Argentina, Uruguai e o Sul do Brasil. Em cinco minutos de vôo, se está em qualquer lugar”, analisa Serna. Todas as pessoas entrevistadas pela missão afirmaram que a cidade tem recebido visitas periódicas de funcionários dos EUA, civis e militares, de altas patentes, incluindo o embaixador. (IO)

Relações estreitas entre os dois países “A relação entre as Forças Armadas paraguaias com os EUA é sistêmica desde os anos de 1950”, revela Julio Benegas, do Sindicato dos Jornalistas do Paraguai (SPP) e especialista no tema da militarização. Segundo ele, 90% dos oficiais do país sul-americano são instruídos por militares estadunidenses, recebendo principalmente adestramento antiterror e antidrogas. Benegas explica que, justamente por isso, o exército paraguaio é ideologicamente aliado ao Pentágono: “Aqui, qualquer militar vai dizer que está em missão antiterrorista”. Portanto, a assinatura do convênio entre Paraguai e EUA em maio de 2005 só serviu para formalizar uma situação que já existia anteriormente. No entanto, nos últimos anos, a presença militar dos EUA em território paraguaio vem crescendo. Segundo o SerpajPy, desde 2002 foram realizados 46 operações militares, entre treinamento às Forças Armadas do Paraguai, manobras conjuntas e ajudas humanitárias. Sempre em locais onde há forte presença de organizações camponesas. No fim de junho, John Craddock, chefe do Comando Sul das Forças Armadas dos EUA, visitou o Paraguai para acompanhar o encerramento do exercício militar contra o “terrorismo” realizado por cerca de 400 homens de 15 países – sob o comando do Pentágono. Segundo Benegas, a visita teve como objetivo manter o convênio entre EUA e Paraguai. Em troca, o país sul-ame-

Serpaj-Py

ão se sabe ao certo quantos são. Mas eles estão lá. Desde a assinatura de um convênio entre Paraguai e Estados Unidos, promulgado pela lei 2594 em maio de 2005, militares estadunidenses realizam – agora oficialmente – exercícios em território paraguaio. O acordo é generoso. As tropas dos EUA podem circular por onde bem entenderem. Seus equipamentos ou materiais estão livres de controle aduaneiro. E, caso um soldado cometa um crime, ele não pode ser julgado no país, nem denunciado em cortes internacionais. Em vista disso, outro termo previsto no convênio – que teve início em julho de 2005 e expira em dezembro deste ano – preocupa as organizações sociais paraguaias. A realização dos chamados Medretes (sigla para Exercício de Treinamento de Prontidão Médica, em tradução livre do inglês), “ajudas humanitárias” promovidas pelo exército estadunidense em comunidades do interior. A reportagem do Brasil de Fato acompanhou, entre os dias 16 e 20 de julho, a Visita de Observação Internacional – convocada pela Campanha pela Desmilitarização das Américas (Cada) e pelo Serviço Paz e Justiça do Paraguai (Serpaj-Py) –, realizada no Paraguai, para verificar denúncias de violações aos direitos humanos e investigar a possível relação dessas ações com a assinatura do convênio, que prevê também capacitação e treinamento das Forças Armadas do Paraguai por parte das forças dos EUA. Segundo os relatos recolhidos pela missão, grupos de militares estadunidenses armados instalamse em comunidades camponesas e convocam a população local para atendimento médico, incluindo oftalmológico e odontológico. De acordo com Julia Franco, da Coordenadora Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais e Indígenas (Conamuri), a população atendida, principalmente mulheres e crianças, conta que não são realizados exames médicos. O diagnóstico é feito a partir do que é dito pelo paciente. Não se combate as causas das enfermidades, e há suspeitas de que os soldados distribuem o mesmo remédio para os mais variados sintomas. A reportagem do Brasil de Fato teve acesso a um conjunto de medicamentos fornecidos por um Medrete. Dentro de um saquinho plástico, estão cerca de oito pílulas onde se lê “Ibuprofen”. Na etiqueta com o nome do remédio, a explicação: “Para dor ou febre. Três vezes ao dia”. Nada de bula ou embalagem. Segundo Julia, há relatos na região do Chaco de que remédios distribuídos pelos estadunidenses causaram abortos e mortes.

Missão investiga denúncias de violações aos direitos humanos no país

ricano teria preferências tarifárias de exportação aos EUA. Para Ramón Medina, da MCNOC, “Nicanor Duarte é o presidente de maior proximidade às políticas de Washington desde o fim da ditadura, em 1989”. Mas, para Fernando Rojas, do Serpaj-Py, Duarte não é o principal homem dos Estados Unidos no Paraguai, e sim o vice-presidente, Luis Alberto Castiglioni. “Ele está sempre diretamente com Rice (Condoleeza, secretária de Estado dos EUA) ou Rumsfeld (Donald, secretário de defesa)”, diz. Segundo Orlando Castillo, também do Serpaj-Py, é ele quem estabelece a colaboração entre os dois países. Castiglioni já defendeu abertamente a renovação e ampliação do convênio. Medina chama a atenção ainda

para a forte presença política do embaixador dos EUA no Paraguai, James Cason, nomeado por George W. Bush para a função em julho de 2005, mesma data do início do convênio. “Ele afirma abertamente que as Farc estão no Paraguai, que aqui existem terroristas etc.”, diz. Cason foi chefe do Escritório de Interesses dos EUA em Havana, de 2002 a 2005. É peça-chave na tentativa de criação de uma crise interna em Cuba, pelo financiamento e pela articulação de dissidentes.

INTROMISSÃO Para o colombiano Fabio Serna, um dos integrantes da missão internacional, os interesses do governo estadunidense no Paraguai são claros: assegurar o controle sobre os recursos naturais da região (o

Aqüífero Guarani, uma das maiores reservas de água doce do mundo; além de petróleo e gás da Bolívia e do Chaco paraguaio) e transformar o país em um ponto estratégico sob o ponto de vista militar. “Sabemos da assessoria que os militares dos EUA dão às Forças Armadas paraguaias na construção de cenários de confusão sobre a presença de guerrilheiros colombianos e de supostos terroristas islâmicos na Tríplice Fronteira, o que poderia fomentar um clima de instabilidade na zona, permitindo assim uma ‘intervenção de paz’ aos países da região (Argentina, Brasil e Paraguai) por parte de exércitos estrangeiros”, explica. Segundo Serna, criar uma situação de instabilidade na área contribuiria para a desarticulação do Mercosul, evitando a consolidação de um bloco hegemônico de contraposição à dominação econômica e política dos EUA. Em julho, a Câmara dos Representantes estadunidense aprovou moção para que George W. Bush peça à Organização dos Estados Americanos (OEA) formação de força-tarefa para atuar contra o terrorismo no continente, principalmente na Tríplice Fronteira. Ainda de acordo com Serna, a atuação dos EUA no Paraguai serviria também para a “consolidação de um eixo entre esse país e a Colômbia “como ponta-de-lança da política militar e política exterior estadunidenses para a América do Sul”. Com o Plano Colômbia, o país andino já vem fazendo seu papel. (IO)


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INTERNACIONAL ORIENTE MÉDIO

Foto-símbolo de criança atingida pelos primeiros ataques de Israel contra civis no Líbano substitui os emblemas característicos das bandeiras do Líbano e de Israel, em arte do espanhol Jaume d’Urgell

A escalada do terror

Guerra também é travada pela internet

Desrespeito a acordos de trégua e massacre de crianças marcam a sangrenta ofensiva israelense

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guerra não pára. Já são mais de 20 dias, 600 mortos – 550 do lado libanês. Cerca de 2 mil foguetes lançados contra Israel – pela primeira vez o país foi bombardeado, desde a sua criação como Estado, em 1948. Quase um milhão de pessoas retiradas às pressas do Líbano. Em abrigos antiaéreos, mais um milhão de israelenses. E o primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, avisou os cidadãos que se preparem para “dor, lágrimas e sangue, porque a guerra não será curta”. No dia 1º, três horas antes de vencer o prazo de uma trégua combinada de 48 horas, Israel – que já havia quebrado um acordo no dia anterior – realizou um ataque aéreo “sem precedentes” ao coração do Líbano, no vale do Bekar, onde, segundo o Itamaraty, ainda existem 260 brasileiros a espera de resgate. A noite se tornou dia em virtude de uma iluminação especial usada por pára-quedistas saltando de helicópteros. A televisão do Hezbollah afirmou que tropas israelenses também entraram no vale por terra. A região atacada por Israel era um “quartel-general” da Síria, nos anos de 1980. Abrigava barracas da Guarda Revolucionária Iraniana para treinamento de integrantes do Hezbollah – o que pode acelerar a entrada da Síria e do Irã no conflito. Israel sabia que deveria ser alvo de ataques do Hezbollah no 9 de Av – o dia mais temido pelos judeus – e possivelmente se antecipou para tentar sufocar o grupo antes dos ataques. No dia 9 de Av – que este ano acontece a partir do pôr do sol do dia 2 de agosto até o anoitecer do dia 3 – os judeus lamentam suas tragédias. Em especial, a destruição do 1° e do 2° templos de Jerusalém em 586 a.C. pelos babilônios, e em 70 d.C., pelos romanos. Nesta mesma data, os nazistas também iniciaram o Holocausto ligando as câmaras de gás em Treblinka, na Polônia, em 1942. O medo de Israel é que o Hezbollah lance mão dos mísseis de longo alcance iranianos, capazes de percorrer até 200 quilômetros dentro de Israel. Ou seja, capazes de atingir Tel Aviv

– principal centro econômico e cultural de Israel, e segunda cidade em população – e Jerusalém. Israel tem a informação de que baterias de lançadores desses mísseis cruzaram a fronteira da Síria com o Líbano, e estariam nas mãos da Brigada Nasser, do Hezbollah. As Forças de Defesa de Israel dizem já ter destruído 1/3 desses mísseis, mas reconhecem que os que ainda restam seriam capazes de causar enormes danos. Esses mísseis seriam capazes de carregar ogivas biológicas e químicas, de acordo com notícia do jornal israelense Haaretz.

MASSACRE DE CANAÃ No dia 30 de julho, em um ataque à cidade de Canaã, no Líbano, Israel matou dezenas de portadores de deficiência mental e física, 37 crianças, além de mulheres abrigadas no porão de um prédio adaptado por um plantador de tabaco para socorrer seus vizinhos. Os libaneses acreditam que essa é a cidade onde teria acontecido o primeiro milagre de Jesus Cristo, quando ele transformou água em vinho, durante um casamento na cidade. No meio dos escombros, viam-se mães e filhos abraçados até a morte, como testemunhou a correspondente da agência France Press: “Os corpos das mães, vestidas com calças compridas estampadas de flores, estavam no chão, com os olhos aterrorizados; elas morreram estreitando os filhos nos braços”. O presidente da Síria, Bashar Assad, chamou o ataque a Canaã de “terrorismo”. A Grã-Bretanha classificou o ataque como “pavoroso”. Até o rei da Jordânia, tradicional aliado dos Estados Unidos e um dos poucos países árabes que mantém relações com Israel, considerou a ação “uma gritante violação da lei internacional”. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), um terço das vítimas no Líbano é de menores de idade. Duzentas crianças morreram nos confrontos, enquanto um terço dos 3.200 feridos também seria de menores. O Hezbollah anunciou que vai responder à altura: “O massacre bárbaro representa mudança grave e perigosa no curso da guerra”.

Doron Barkat, 29, em Jerusalém, passa a noite inteira na Web para tentar mover o debate para o lado de Israel. ‘Quando eu vejo enquetes da internet contra Israel, eu envio uma ordem a uma lista de e-mails para votarem por Israel’, diz ele. ‘Pode ser que 15 minutos depois venham a ter 400 votos a favor de Israel’. Esse trecho da reportagem “Exército de soldados cibernéticos dá retaguarda a Israel”, publicada dia 28 de julho pelo jornal britânico Times, mostra outra frente da batalha no Oriente Médio. Barkat é um dos soldados que passam o dia e a noite defendendo Israel contra os ataques virtuais que o país sofre pela internet. Segundo o jornal, a ordem para intensificar a guerra de informações na rede mundial de computadores partiu do Ministério das Relações Exteriores de Israel. O objetivo é estimular jovens a monitorar a rede para que possam intervir nos debates e alterar votações em favor de Israel. Com isso, o governo isaelense espera combater a maré de propaganda pró-árabe que atinge a Internet. Diplomatas trainees receberam a tarefa de rastrear páginas e portais da internet, salas de bate-papo. As informações recolhidas são repassadas a redes de apoio européias e estadunidenses, formadas por milhares de ativistas judeus, para que possam entrar na discussão introduzindo mensagens de apoio a Israel. Mas o exército virtual não se restringe ao âmbito oficial.

Nas ruas de Beirute, a população começou a exigir que a milícia ataque Tel Aviv. O Hamas, no outro front, a Faixa de Gaza, também prometeu vingança, inclusive com homens-bomba.

OS BASTIDORES O líder do Hezbollah, Nassan Nasrallah, disse que Israel até gostaria de um cessar-fogo, mas age como “vassalo” dos EUA. Para Nasrallah, os EUA querem aproveitar a oportunidade para criar um novo Oriente Médio. Parece fazer sentido. Um plano secreto do Pentágono elaborado em 2001, revelado pelo general Wesley Clark – publicado no dia 23 de julho na página da Global Research na internet –, previa a invasão do Líbano e de outros seis países da região. No dia 27 de julho, o número dois da Al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri, disse que a organização liderada por Osama Bin Laden não vai ficar de braços cruzados. “Eles nos atacam em todos os lugares e temos que fazer o mesmo. Eles nos atacam unidos, temos que atacá-los unidos”, disse al-Zawahiri, ao lembrar que o Iraque “se caracteriza por estar perto da Palestina”. No dia anterior, mais de 60 voluntários iranianos, cercados por bandeiras do Hezbollah, partiram de Teerã, capital do Irã, para se juntar ao que eles chamam de “Guerra Santa” contra as forças israelenses no Líbano. O grupo, entre adolescentes e adultos, planejava se juntar a 200 outros voluntários no caminho da fronteira com a Turquia. A União Européia decidiu não considerar o Hezbollah um grupo terrorista, mas Israel continua os ataques a comboios de alimentos destinados a refugiados sem sofrer retaliações diplomáticas da Organização das Nações Unidas (ONU) – mesmo tendo matado quatro de seus observadores e negado um pedido de cessar-fogo momentâneo da entidade para que a ajuda humanitária chegasse ao Líbano. Até o dia 1º, de acordo com o Itamaraty, 1.276 brasileiros já haviam voltado para o Brasil. Outros 403 estavam à espera do resgate, em áreas seguras. Porém, 462 brasileiros ainda estavam presos em Beirute, capital libanesa, e 260, no Vale do Bekar.

A reportagem do Times conta que, na semana passada, aproximadamente 5 mil integrantes da União Mundial dos Estudantes Judeus instalaram em seus computadores um programa especial que localiza e alerta sobre salas de bate-papo ou pesquisas de internet contrárias ao Estado hebreu. Um dos estudantes dá o recado: “Estamos dizendo a nossos amigos que, ao perceber Israel sendo golpeado, não ignorem, mudem isso”. Ao pesquisar na internet fotos sobre o conflito, em páginas especializadas, a ofensiva de Israel na Internet fica escancarada. Digitadas as palavras Israel ou Líbano nos portais de busca, imagens de cartazes pró-Israel começam a se intercalar com as fotos das crianças mortas no Líbano – imagens que dominavam a rede desde o início dos combates, no dia 12 de julho.

O OUTRO LADO DO FRONT Mudar o sentimento anti-Israel, que cada vez mais toma conta da comunicação que circula pela internet, não é tão simples. Os bombardeios contra alvos civis no Líbano têm levado a comunidade internacional a tratar Israel como um Estado “terrorista”. A revolta cresce, em todo o mundo, mesmo entre pessoas que não necessariamente apóiam o Hezbollah. Prova disso é que uma onda de ataques online em favor do grupo islâmico tem sido desencadeada por crackers de vários países, de acordo com notícia do portal

Fabio Venni/Flickr

Marcelo Netto Rodrigues da Redação

Em Londres, protesto contra a guerra de Israel

Guerra online – Exemplos de cartazes pró-Israel que há alguns dias começaram a tomar conta da internet para combater o sentimento próárabe que roda o mundo virtual; a tática partiu do Ministério das Relações Exteriores de Israel. “Israel não precisa de sua compaixão, Israel precisa de você” – parafraseando o chamado do Tio Sam, dos EUA e “Onde quer eu esteja, eu defenderei a posição de Israel”.

de internet IDG Now!, especializado em tecnologia. Ao todo, foram atacados 51 endereços. No dia 28 de julho, por exemplo, o IDG Now registrou: “Dois sites veiculados à Agência Espacial Norte-Americana (do inglês, NASA) foram atacados pelo grupo chileno byond crew, que `pichou´ o endereço com a foto de uma criança mutilada, acompanhada por pedidos de paz”. O blogueiro Tiago Dória, um dos mais acessados do Brasil na área de cultura Web, tecnologia e mídia, não concorda com as atitudes dos dois lados: “Mas essa influência é normal. A internet é um campo de debates e uma fonte de informação cada vez mais utilizada. Então, é normal que a guerra de informação, que acontece em todas as guerras, conflitos ou disputas, se reproduza na Web, um meio onde é fácil publicar conteúdo/informação falsa ou não”. (MNR) Web – rede mundial de computadores, a internet. Online – na tradução literal do inglês, significa “em linha”, “ligado”. Na Web, online quer dizer acesso à rede mundial em tempo real. Cracker – pessoa com grande habilidade em programação de computadores que ataca sites para roubar ou deturpar informações publicadas. Blog – abreviatura de weblog - web (rede) + log (registro). Trata-se de uma espécie de diário pessoal na internet.


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CULTURA

De 3 a 9 de agosto de 2006

ENTREVISTA

Álvaro Villela

A Cuba que os cubanos

conquistaram

As cores fortes de Álvaro Villela revelam o vigor de viver em Cuba hoje. Fotógrafo percorreu 2.580 quilômetros pelo país, documentando em 700 fotografias o cotidiano do povo cubano

Imagens da altivez e da dignidade de um povo que mostra ao mundo sua força de resistência

C

om suas lentes sempre voltadas para o ser humano, o fotógrafo Álvaro Villela montou a exposição “Cuba dos cubanos”, depois de realizar um sonho de sua juventude: conhecer a ilha caribenha. Para registrar o cotidiano do povo, optou pelas tonalidades fortes. Esse foi o modo que encontrou para “exprimir o vigor de viver na Cuba de hoje, marcada pelo bloqueio econômico dos Estados Unidos, mas que ao mesmo tempo não deixa de mostrar ao mundo a sua resistência”. A exposição já passou por algumas capitais brasileiras, como Salvador, Aracaju, Brasília e Rio de Janeiro. Agora faz parte do programa itinerante do Sesi de São Paulo, e vai passar pelas sedes da entidade no Estado. A próxima etapa será em Bauru, de 21 de agosto a 2 de setembro. Atualmente, Villela dedica-se à composição de um livro de fotos dos habitantes do Raso da Catarina, região ao norte da Bahia que abrange os municípios de Paulo Afonso, Geromoabo e Canudos. Brasil de Fato – Que mensagem você tentou passar ao público com suas fotos de Cuba? Álvaro Villela – Procuro, por meio de imagens com forte conteúdo sociológico, muito mais do que informar, provocar sensações. Ou seja, oferecer outra perspectiva de entendimento ao se olhar para Cuba. Apesar das dificuldades causadas principalmente por um forçado isolamento imposto pelos Estados Unidos, os cubanos são altivos, orgulhosos e movidos por um forte sentimento nacional. Muita coisa é dita diariamente, pelas agências de notícias pró-estadunidenses, acerca de Cuba, Fidel e seu povo. Quase sempre através de um olhar tendencioso. O conhecimento nos impõe responsabilidades. Depois de conhecer os cubanos e seu país, os motivos que levaram esse povo a se erguer numa atitude de rebeldia revolucionária, não podemos nos isentar de nenhuma responsabilidade, principalmente quando todo o mundo amarga o dissabor de um erro histórico. Ninguém merece ser excluído por lutar por sua própria soberania. O mundo isolou Cuba... E os cubanos, na contramão da globalização, se mostraram dignos de restabelecer um relacionamento político, econômico e cultural com os outros povos. Mostrar ao mundo, por fotografias, a Cuba que os cubanos conquistaram, o orgulho e a altivez dessa gente, passa a ser um serviço que poderá contribuir para uma mudança de opinião e um olhar menos intransigente no momento em que o maior desafio para esse país é se abrir para o mundo, sem perder a soberania. BF – Como os cubanos o receberam e reagiram perante a sua câmera? Villela – Conhecer Cuba, para mim, foi realizar um sonho de juventude, não mais aquele de confronto entre o capitalismo e o almejado socialismo, mas principalmente

Álvaro Villela é soteropolitano, tem 44 anos e dedica-se à fotografia há 17 anos. Atua também no mercado publicitário, tanto em Salvador quanto em outras capitais nordestinas. Em 2004, Villela passou um mês em Cuba, onde percorreu 2.580 quilômetros fazendo 700 fotos que integram a exposição “Cuba dos cubanos”.

a curiosidade em conhecer uma gente que não se dobrou. Cheguei a Havana com a disposição de me perder pelas ruas estreitas de paredes deterioradas pela ação do tempo que parece ter parado... Os carrões antigos dão à paisagem um ar nostálgico e revelam o tempero da resistência, sem dúvida ingrediente básico na formação da índole dessa gente. Me deixei levar, portando apenas uma Leica R6 com uma lente 35mm e uma Nikon FM2 com uma lente 28 mm. Pelos becos e cortiços de “Havana Vieja”, os cubanos se chegam e permitem a aproximação de um jeito muito caloroso. Conversei com muita gente, entrei nas casas, curti a música, fumei o puro, tomei o mojito, comi da comida creoula e conheci a Bucanero, uma cerveja fuerte como a admiração que sinto por esse povo. Aos poucos fui me dando conta de que a vibração das cores e o alegre e orgulhoso jeito de ser eram o foco do meu olhar. Decidi me interiorizar um pouco mais, aluguei um carro e viajei pelo país, fazendo um total de 2.580 quilômetros, 20 filmes e muitos amigos.

quinta essência do semi-árido brasileiro, um local insólito, marcado pelo banditismo do cangaço e pelo beatismo do Antônio Conselheiro. É um lugar onde as antenas de energia desabrocham da terra como fazem os mandacarus no inverno e os cabos de alta tensão se confundem com a vegetação contorcida. Essa é uma região que guarda mais que belezas geográficas e bichos em extinção. É o último refúgio de um dos tesouros mais bem protegidos

ORGANIZAÇÃO POPULAR

Jovens camponeses fazem propostas para um Brasil diferente Alexania Rossato de Brasília

BF – Quais são os próximos locais onde suas fotos serão expostas? Villela – A exposição está itinerando por várias capitais brasileiras. Já passou por Salvador, Rio de janeiro, Aracaju, Brasília (onde participou do Foto Arte 2005 e sofreu um atentado por parte de um suposto militar aposentado que teria se indignado com as imagens) e São Paulo, pelo programa de arte visual itinerante do Sesi-SP. Esse programa já levou a exposição para as sedes da instituição em São Bernardo do Campo, Vila Mercês, Osasco. Agora vai para Bauru (21/8 a 2/9); Jaú (26/9 a 8/10) e Presidente Prudente (7/12 a 10 de janeiro de 2007). A mostra voltará a ser vista pelo público baiano de 7 a 31 deste mês, no festival nacional Agosto da Photografia, que acontecerá em Salvador. BF – Por que fez a opção pelas cores marcantes? Villela – As imagens estão reunidas numa pequena obra, constituindo uma crônica de minha passagem pelo país. Resulta daí uma sucessão de emoções que se misturam às vistas arquitetônicas, cenas de rua, olhares e sorrisos muitas vezes oferecidos, criando uma poética cumplicidade. Em minha busca, a cor é necessária para escapar da nostalgia e para testemunhar o vigor de viver em Cuba, hoje. Nas minhas imagens coloridas, a cor é intensa e aparece como mais um elemento na composição. BF – Fale sobre os seus outros projetos, como o Raso da Catarina. Villela – Estou finalizando o projeto de fotografar as pessoas no Raso da Catarina, uma estação ecológica situada na zona de transição entre os climas árido e semi-árido no Norte da Bahia, considerada a área mais seca do Estado. Foi no Raso que Lampião, em 1938, passou meses perambulando para se esquivar da polícia e dos coronéis. O Raso é considerado a

do sertão, uma riqueza que não reluz e não se toca: a memória ancestral do sertanejo. Além desse projeto, vou lançar o meu primeiro livro, A natureza humana do Raso da Catarina, que terá o selo da editora Tempo Dimagem, com patrocínio da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) e a curadoria de Diógenes Moura. O livro será lançado junto com a exposição, dia 22 de setembro, na Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Sob o lema “Juventude camponesa na construção de um projeto popular para o Brasil”, mais de 1.500 jovens de 23 Estados participaram do 2° Congresso Nacional da Pastoral da Juventude Rural (PJR), de 23 a 27 de julho, em Brasília. Além de pensar um Brasil diferente, os jovens discutiram ações que dêem respostas aos desafios da conjuntura política e econômica. “As elites brasileiras são subordinadas ao capital estrangeiro. As organizações populares, e principalmente os jovens, precisam construir propostas para retomar o crescimento do país e organizar a distribuição da renda em benefício dos trabalhadores”, afirmou Maciel Cover, da coordenação nacional da PJR. Os painéis promoveram debates sobre conjuntura, plano camponês e evangelização da juventude, entre outros. O debatedor sobre o Projeto Popular para o Brasil, Milton Viário, do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul, destacou a importância do protagonismo juvenil no processo de transformação social: “A juventude é a parte mais importan-

te na construção de um projeto para o Brasil porque guarda dentro dela a rebeldia”.

DOCUMENTO PARA O PRESIDENTE Pela primeira vez na história, um presidente da República recebeu a Pastoral da Juventude Rural em audiência. O encontro aconteceu durante o Congresso, depois de uma marcha pela Esplanada dos Ministérios. Os jovens entregaram uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva com os principais pontos de reivindicação da organização, entre eles o assentamento imediato de todas as famílias acampadas, a publicação da portaria que atualiza os índices de produtividade para efeito de desapropriação, investimentos em educação no campo – com ampliação dos recursos do Pronera, linha especial de crédito para a juventude no campo e a criação de políticas públicas nas áreas de cultura e lazer direcionadas à juventude do campo. Segundo a coordenação da PJR, o encontro com o presidente foi importante, mas os jovens têm consciência de que só a organização e a pressão farão com que conquistem as reivindicações: “Iremos para o debate com os Ministérios e junto com os demais trabalhadores do campo”, disse Maciel.

Douglas Mansur / Novo Movimento

Renato Godoy de São Paulo (SP)

Quem é

Cerca de 2 mil jovens participaram do encontro em Brasília, para debater um novo modelo agrícola


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