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Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 4 • Número 183

São Paulo • De 31 de agosto a 6 de setembro de 2006

R$ 2,00 www.brasildefato.com.br

Trabalhadores entram em greve contra proposta de demitir 3,6 mil funcionários ou fechar fábrica do ABC

Raquel Camargo/SMABC

Volks demite. Metalúrgicos reagem E

les descruzaram os braços, levantaram as mãos e iniciaram uma desafiadora mobilização para sensibilizar a sociedade. Em greve desde o dia 29 de agosto, metalúrgicos do ABC, região da Grande São Paulo, tentam salvar mais de três mil empregos diretos (e até 55 mil indiretos) que a Volkswagen ameaça extinguir. Para preservar seus lucros, a transnacional alemã também quer reduzir direitos trabalhistas. A luta promete ser longa pois a Volks anuncia ter um estoque para 40 dias. Resta saber se irá suportar o desgaste da sua marca. Por enquanto, o governo federal se coloca ao lado dos trabalhadores – suspendeu o financiamento de R$ 497 milhões que o BNDES daria à transnacional. Pág. 3

Tribunal ignora fraude eleitoral no México

Katrina, um ano depois: racismo e exploração Negros e pobres continuam a sofrer as conseqüências da catástrofe, um ano após a passagem do furacão Katrina pelo Sul dos Estados Unidos. Um relatório sobre a situação em Nova Orleans aponta que eles encontram muito mais obstáculos do que os brancos e as

pessoas da classe média ao tentar conseguir recursos para reconstruir suas casas. Os grandes contratos para a reconstrução da região estão destinados a corporações com fortes conexões governamentais – que exploram os trabalhadores. Pág. 7 Indymedia Barcelona

As denúncias de ilegalidades foram rejeitadas pelo Tribunal Eleitoral mexicano, que indeferiu a recontagem de votos da eleição presidencial. Acentua-se a cisão do país entre forças conservadoras e forças progressistas. Pág. 6

Trabalhadores da Volks estão em greve contra a proposta da transnacional de demitir 3,6 mil funcionários, eliminado outros 29 mil empregos indiretos

A arte social e revolucionária de Brecht

Na 12ª edição, o Grito do Excluídos mobilizará os brasileiros por ética na política, contra o desemprego, pela reestatização da Companhia Vale do Rio Doce. Manifestações em todos os Estados, na Semana da Pátria. Pág. 5

Após 50 anos de sua morte, o dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht permanece atual. Um dos precursores da aplicação de idéias marxistas à arte, ele levou os temas sociais para o palco e fez escola pelo mundo. Pág. 8

EDITORIAL

A pasmaceira eleitoral

E

Em Oaxaca, México, milhares se mobilizam e sofrem repressão do governo

Excluídos gritam contra corrupção

stamos a quatro semanas da data mais quente do calendário eleitoral do Brasil, em que se elege o presidente da República, os integrantes do Congresso Nacional, os governadores e os parlamentares estaduais. Mas o clima na sociedade é frio e cinzento. As pessoas parecem não estar dando muita bola ao pleito. Tal fenômeno, que só teve paralelo no início do regime militar, quando as eleições eram uma farsa, merece ser analisado e contextualizado: 1. Estas eleições não representam disputa de projetos. Nem de propostas de modelos econômicos ou de programas governamentais. Parece uma reles disputa de cargos públicos entre os dirigentes partidários. Portanto, a militância se dá conta de que não há possibilidades de mudanças reais. É como se existisse um grande acordo pelo qual as eleições não serão usadas para medir forças entre partidos, muito menos entre classes. Nem a candidatura Heloísa Helena está servindo para debater idéias, uma vez que seu discurso se concentra no denuncismo. 2. O resultado das eleições não representa nenhuma mudança real no cotidiano da população. O povo não acredita que as coisas vão mudar. 3. Diante do controle mais rigoroso da campanha nas ruas, os candidatos estão gastando o

dinheiro por meio de repasse para cabos eleitorais liberados, para prefeitos que controlam suas bases. Com isso, há uma ausência de militância ativa, de propaganda nas ruas e na vida das cidades. 4. Como tudo é comprado, não existe militância espontânea – aquela que fazia campanha para disputar idéias. Sem militância, as campanhas perdem criatividade, dinâmica e não têm impacto sobre a sociedade. 5. Trata-se de uma eleição em que já se sabe o resultado. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já tem consolidada a base social que lhe garante a reeleição. Agora estão mais claros os motivos das elites na escolha de Geraldo Alckmin – já sabiam dessa situação e rifaram o candidato, que não pertencia ao núcleo ideológico da classe dominante. Essa tese é tão clara que alguns governadores do PSDB – do Ceará e de Minas Gerais – até estão fazendo campanha para Lula. 6. A direita passou a usar a tática de garantir a eleição do maior número possível de governadores conservadores. Para isso, conta também com apoio de alguns setores do próprio PT de vários Estados, que aceitaram alianças conservadoras. Assim, em diversos Estados, praticamente existe uma chapa única, por conta da aliança de apoio aos candidatos conservadores ao

governo do Estado, em troca do apoio a Lula. 7. Restaria a disputa para o Parlamento. Mas a população tem manifestado total desinteresse, até porque a televisão tem se encarregado de desmoralizar os políticos, com denúncias permanentes da corrupção de parlamentares. Segundo o Ibope, 30% dos eleitores já disseram que não vão votar para deputados. O desinteresse nas eleições parlamentares é generalizado. Então os candidatos da direita estão usando o esquema dos currais eleitorais, via prefeitos e outras artimanhas, para ganhar as eleições, mesmo sem muita propaganda de seus nomes. Provavelmente, teremos um Congresso Nacional ainda mais conservador do que o atual. Tristes eleições essas, em que o povo não vai decidir nada. O resultado do já está decidido. Pela elite. Falta apenas o juiz apitar o final da partida. No entanto, o povo não participa, mas percebe. Pode não ser tão politizado, mas tampouco é bobo. No lugar do clima de disputa de idéias, de projetos, o povo vive o clima de domingo chuvoso... esperando esse tempo passar.


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DEBATE

CRÔNICA

Grito por outra integração

A burguesia ilustrada

Luiz Bassegio

Luiz Ricardo Leitão

um mundo em que as migrações estão cada vez mais presentes e são um fenômeno que não se pode ignorar, faz-se urgente o debate sobre a integração que queremos. A presença de milhares de imigrantes em praticamente todos os países exige uma reflexão sobre o tema. Esse assunto foi debatido pelas Cáritas do Cone Sul, nos dias 22 e 23 de agosto, em Assunção, Paraguai. No encontro surgiram diversas questões que podem nos ajudar na reflexão. Não basta que seja uma integração latino-americana para que corresponda aos interesses dos povos; tudo depende do modelo de integração em questão: quem a promove, para quem e para que serve. Em função de que interesses e valores se molda. Não queremos uma integração que permita ao capital financeiro mover-se livremente em todo o nosso continente, mas para os povos, para as maiorias empobrecidas e excluídas. Não queremos uma integração orientada para abrir ainda mais nossas economias a fim de submetê-las à vontade dos donos do capital. Queremos sim uma integração que busque construir espaços de autonomia e de soberania, tendo em vista estabelecer políticas e opções próprias.

A série de “entrevistas” realizadas pelo Jornal Nacional com os candidatos a presidente suscitou diversas controvérsias e provocou reações indignadas entre muitos eleitores da província. Não faltou quem acusasse o casal “global” de deslavada cumplicidade com este ou aquele aspirante ao trono republicano, fato que, a bem da verdade, nada possui de extraordinário em se tratando de uma emissora que, há quatro décadas, é parceira dileta das elites de Pindorama. Na opinião deste humilde cronista, contudo, o mais intrigante foi o estranho comportamento da dupla diante de um candidato que insistia em defender a prioridade da educação pública em seu programa de governo. Por que tanta irritação dos apresentadores com o pacato senador Cristovam Buarque? Quem poderia ser contra a criação de um salário-mínimo nacional para os professores e de um currículo básico a ser cumprido de norte a sul do país, sob os auspícios e supervisão do Estado? Pois William e Fátima parecem não ter gostado da idéia. É óbvio que o casal jamais patrocinaria hábitos mui “proletários” para a sua prole. Súditos da burguesia ilustrada tupiniquim, julgam “natural” que seus filhos estudem nos melhores colégios particulares, ainda que, na hora do vestibular, os saudáveis playboys e playgirls quase sempre almejem vagas nas instituições públicas de maior prestígio, já que as particulares, com raras exceções, são meras quitandas do ensino... Suspeito que o mal-estar, na verdade, advenha da resistência inabalável que vários setores da sociedade sustentam contra o sinistro projeto neoliberal de privatização dos serviços públicos. A relevância desse tema para as classes populares é cada vez maior. Ninguém ignora a necessidade de uma boa formação escolar e de uma ótima qualificação profissional neste mundo neoliberalmente globalizado. Por isso, aprofundam-se as demandas e iniciativas dos trabalhadores e excluídos no campo da educação. Desde a luta por creches até o pleito por livre acesso ao ensino superior (inclusive o acirrado debate acerca das “cotas”), o tópico está na ordem do dia. Não é à toa que os pseudopolíticos populistas investem sofregamente sobre a área. Em plena temporada de “caça ao voto” dos incautos cidadãos, lá estão eles, a apregoar os méritos de suas medidas “educacionais”. O malsinado casal Garotinho, no Rio, alardeia que milhares de jovens desfrutam de um ensino técnico de alta qualidade, embora as escolas estejam caindo aos pedaços e seus professores não sejam reajustados há mais de cinco anos. Em Brasília, Lula e sua equipe anunciam que a União irá inaugurar novas universidades públicas em vários Estados do país, mas, enquanto isso, nossas velhas e valorosas instituições federais seguem à míngua, sem verbas para a manutenção de seu patrimônio e com pesquisas subsidiadas pelos convênios firmados com as megaempresas nacionais e transnacionais. É claro que a luta popular em defesa do ensino público de excelência, laico, democrático e socialmente referenciado incomoda bastante os arautos do neoliberalismo pós-moderno. A insistência dos povos latinoamericanos em defender o seu direito inalienável à saúde e à educação de boa qualidade é uma afronta às diretrizes traçadas pelo nefasto “Consenso de Washington”. Afinal de contas, revisar as políticas públicas para tais setores implica uma redução radical nas metas do superavit primário e, sobretudo, total ruptura com a tutela do Banco Mundial e do FMI sobre a nossa economia. Como já ensinara José Martí, devemos “ser cultos para ser livres”, ou seja: investir em educação e pesquisa é uma tarefa inadiável para qualquer projeto de soberania nacional.

N

Queremos sim uma integração que busque construir espaços de autonomia e de soberania, tendo em vista estabelecer políticas e opções próprias Não queremos uma integração fundada no individualismo, na competição de todos contra todos, onde esteja garantido o êxito dos mais fortes explorando e excluindo os mais fracos. Queremos uma integração baseada nos valores da igualdade, da participação, na pluralidade, na solidariedade; uma integração que reconheça, valorize e torne possível a variedade dos modos de vida dos povos de nosso continente. Não queremos uma integração entendida como área de livre comércio, como espaço econômico para a livre circulação das mercadorias e dos capitais; buscamos uma integração a partir dos processos de resistência à ordem global estabelecida que quer impor a todo custo a política imperial do governo dos Estados Unidos.

Igualmente não podemos aceitar os tratados de ”livre comércio”, pois a extraordinária disparidade entre os países, caso sejam assinados os tratados, terá impactos catastróficos sobre a saúde a alimentação dos povos. A própria proposta do Mercosul deve ser questionada, pois assim como está interessa apenas aos grupos financeiros ligados aos serviços como as telecomunicações e aos exportadores de produtos primários. PROPOSTAS

Numa histórica declaração, os governos da América do Sul fazem outra proposta na Declaração de Cuzco, assinada por presidentes e chanceleres de 12 países. Predomina aí outra linguagem que não a do livre comércio. Propõe-se uma identidade sul-americana com valores comuns tais como: a democracia, a solidariedade, os direitos humanos, a liberdade, a justiça social, o respeito à integridade territorial, a diversidade, a não discriminação e a afirmação de sua autonomia, a igualdade soberana dos Estados e a solução pacífica de controvérsias.

Afirma ainda: “A cidadania universal é uma necessidade para os processos de convivência. Toda pessoa que chega a um novo país deve ter todos os direitos inerentes à condição de cidadão sem vincular-se à nacionalidade, incluindo o voto. Os migrantes são sujeitos sociais cujo empoderamento e articulação como agentes de transformação política, social, cultural e econômica, é fundamental”.

O Fórum das Migrações propôs, entre outras coisas, que o desenvolvimento global, como responsabilidade pública, seja assumido pelos Estados e organismos multilaterais com a participação da cidadania

Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-americana pela Universidade de La Habana, é autor de Lima Barreto: o rebelde imprescindível (Editora Expressão Popular)

CARTAS DOS LEITORES ARACRUZ CELULOSE Como educador e assinante deste valioso veículo de comunicação, venho aqui manifestar minha admiração pelo heróico trabalho realizado por essa incansável equipe. O meu contato se deve, a principio, devido a um fato interessante envolvendo uma avaliação de Geografia, onde no enunciado da questão utilizei como referência uma tabela publicada pelo jornal Brasil de Fato, cujo título era “Empresas européias no banco dos réus”. Caberia aos alunos, após observar as informações apresentadas pela tabela, entender como a natureza é vista pelas transnacionais. Ou seja, como fonte de matérias-primas. Passadas algumas semanas, a escola (de grande prestígio daqui de Vitória-ES) recebeu uma carta da Aracruz Celulose contestando veementemente a informação apresentada pelo jornal, dizendo ser uma empresa brasileira de capital aberto e alegando, ainda, que tais informações especificamente sobre a empresa não procediam. A direção da escola, preocupada com a repercussão do fato, me chamou pedindo maiores esclarecimentos acerca da informação apresentada pela questão da prova. Confesso que cheguei a ficar na dúvida sobre se, de fato, a Aracruz Celulose seria uma empresa brasileira. Sobre suas atividades no Norte do Espírito Santo e demais regiões do Brasil, não tenho a menor dúvida dos impactos ambientais causados por essa empresa. Voltando ao assunto que motivou esta carta, gostaria, se possível, que vocês esclarecessem essa polêmica. Na carta enviada pela Aracruz Celulose, eles confirmam a participação acionária do

BNDES, Votoratim, Banco Safra e um grupo chamado Lorentzen (no jornal estava escrito Lorentz), seria esse o grupo norueguês? Se for, poderia a Aracruz se auto-intitular empresa brasileira? Infelizmente, neste exato momento, não estou de posse da carta da Aracruz e nem do jornal (se não me engano é da semana de 18 a 23 de junho), apesar de tê-lo em minha casa. Como professor/educador me sinto no dever de levar aos meus educandos aquilo que a grande mídia vendida é impedida ou simplesmente se nega em mostrar. Mas, para que a minha credibilidade não fique abalada, preciso de toda informação possível e suas respectivas fontes. José Marcos Por correio eletrônico

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Áurea Lopes, Jorge Pereira Filho • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Igor Ojeda, João Alexandre Peschanski, Luís Brasilino, Marcelo Netto Rodrigues, Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Salvador José Soares • Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 - Campos Elíseos - CEP 01218-010 - Tel. (11) 2131-0800 - São Paulo/SP - redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. Conselho Editorial: Alípio Freire • César Sanson • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • José Arbex Jr. • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Pedro Ivo Batista • Ricardo Gebrim

Para assinar o jornal Brasil de Fato, ligue (11) 2131- 0812 /2131- 0808 ou mande mensagem eletrônica para: assinaturas@brasildefato.com.br

MODELOS QUE NÃO SERVEM

A Alca, projeto estratégico de dominação comercial e geopolítica do governo e das empresas dos Estados Unidos, que visa consolidar, aprofundar e implantar definitivamente as políticas de ajuste estrutural, estabelecendo de uma vez por todas a prioridade absoluta dos direitos do capital sobre os direitos dos povos, foi rechaçada e não podemos permitir que ressuscite.

Toda pessoa que chega a um novo país deve ter todos os direitos inerentes à condição de cidadão sem vincular-se à nacionalidade, incluindo o voto Nesta mesma direção apontou o 2º Fórum Social Mundial das Migrações, quando afirma em sua Declaração Final que: “Criar outro mundo é possível, necessário e urgente. Nós, migrantes, somos sujeitos e agentes de transformação das sociedades às quais chegamos e das que saímos; deve-se reconhecer e promover esse papel e a oportunidade que a migração representa para o crescimento das mesmas”.

Para isso, o Fórum das Migrações propôs, entre outras coisas, que o desenvolvimento global, como responsabilidade pública, seja assumido pelos Estados e organismos multilaterais com a participação da cidadania; Que os direitos humanos estejam garantidos em todas as sociedades, independente da situação administrativa das pessoas e em todas as etapas dos processos migratórios – origem, trânsito, destino e retorno; que os migrantes não sejam criminalizados pelo fato de não terem os papéis em dia e que seja assinada, ratificada e posta em prática a Convenção Internacional para os Direitos dos Trabalhadores Migrantes e de suas Famílias, do Convênio 143 da Organização Internacional do Trabalho sobre as e os trabalhadores migrantes e o Convênio 49 contra o Tráfico de Seres Humanos. Luiz Bassegio é secretário do Serviço Pastoral dos Migrantes

RESPOSTA DA REDAÇÃO: Professor, é isso mesmo. O Grupo Lorentzen, da Noruega, possui 28% das ações ordinárias (com direito a voto) da Aracruz. ENGANADOR Um homem da idade do senador Roberto Saturnino devia ter aprendido pelo menos a não mentir tão descaradamente. Afirmar estar esse governo promovendo distribuição de renda é mentira. A distribuição é de esmolas para esses pobres carentes até da capacidade de pensar, em troca de seus votos, transformando em esmoleres trabalhadores, e de lucros fabulosos para os banqueiros. Não venha esse político tentar enganar. Nem todos somos desprovidos de raciocínio. José Mário Ferraz Vitória da Conquista (BA)

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NACIONAL CRISE NA VOLKS

Metalúrgicos iniciam uma greve que pode durar meses e assegurar seus empregos; por enquanto, governo apóia Luís Brasilino da Redação

fábrica no ABC e a demissão de 6.172 trabalhadores.

INSENSIBILIDADE

O

s metalúrgicos da fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo (SP) e o governo federal não aceitaram a chantagem da companhia e decidiram endurecer frente às ameaças de demissão e de fechamento da instalação paulista da transnacional alemã. No dia 28 de agosto, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) suspendeu empréstimo de R$ 497 milhões para a Volks. A reação da empresa veio em menos de 24 horas: 1,8 mil cartas de demissões foram entregues aos funcionários. Ainda no dia 29, uma assembléia do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC votou por uma greve por tempo indeterminado. “A Volkswagen resolveu comprar briga com os trabalhadores e será uma luta dura”, afirmou José López Feijoó, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Segundo a empresa, a redução na taxa de câmbio (dólar baixo) tem prejudicado as exportações. Por isso, seria necessário demitir quase seis mil trabalhadores em três fábricas – além São Bernardo, Taubaté (SP) e São José dos Pinhais (PR). Para Altamiro Borges, editor da revista Debate Sindical e secretário de comunicação do PCdoB, a justificativa não passa de “balela”. Ele ressalta que a Volks planeja demitir 20 mil trabalhadores na matriz (Alemanha), fechar uma unidade na Espanha e cortar pessoal em Portugal e no México. “Países que não têm problemas de câmbio. O que acontece é uma reestruturação produtiva violentíssima que leva à superprodução de automóveis. A Volks é hoje a maior empresa automobilística do Brasil. Produziu 625 mil veículos em 2005, detém a liderança no mercado interno com 23% das vendas e responde por 32% das exportações do setor. Além disso, a lucratividade é monstruosa”, diz Borges. Por ser uma empresa de capital fechado no Brasil, a Volks não divulga seus dados financeiros no país. Em escala mundial, teve lucros de 3,14 bilhões de euros (R$ 8,61 bilhões) em 2005.

Ivan Valente, deputado federal (PSOL-SP), lembra que quando a exportação está alta e o mercado interno vai bem, não há distribuição de renda. Porém, se a lucratividade baixa, a primeira medida adotada é demissão: “Não há preocupação com a tragédia social”. Um estudo coordenado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) denuncia que, caso a proposta oferecida pela Volks seja atendida, até 33 mil trabalhadores ficarão desempregados, considerando-se os empregos indiretos. Se a empresa cumprir a ameaça e despedir 6.172 funcionários, 55 mil empregos desaparecerão. Levando em conta salários, previdência e demais benefícios dos trabalhadores, com a proposta da Volks sairiam de circulação do Estado de São Paulo R$ 1,4 bilhão por ano. Com as demissões, a economia paulista perderia R$ 2,3 bilhões.

UMA GREVE DIFÍCIL Esse cenário dá a dimensão da greve que se inicia. Uma disputa

Mobilizados, os trabalhadores da Volkswagem estão na luta contra plano de reestruturação e demissão da montadora

que não será fácil – a Volks anuncia que tem estoque de veículos para 40 dias e que programou férias coletivas para entre 18 e 28 de setembro. Borges prevê uma luta prolongada: “A categoria vai precisar de muita solidariedade mas, até agora, tem tomado atitudes corretas: várias ações simultâneas”. Entre elas, o jornalista destaca a

pressão sobre o governo federal para cortar o financiamento do BNDES, a movimentação internacional junto à matriz e integrada com sindicatos de outros países e a sensibilização da sociedade. Contudo, o parlamentar lembra que os representantes do sindicato (e também do BNDES) não compareceram à audiência pública na

Câmara dos Deputados, dia 12 de julho, para discutir a situação da empresa: “Pensaram que resolveriam o conflito na base da negociação e agora a Volks veio com um endurecimento ostensivo. É evidente que não cabe outro caminho além da greve, mas espero que o sindicato tenha acumulado suficiente forças para reagir”.

ENTREVISTA

País está à mercê das grandes empresas Para o economista Márcio Pochmann, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o Brasil não tem uma política comercial e de apoio tecnológico voltada para as grandes empresas. Assim, as decisões são tomadas pelo mercado e o país não consegue se adaptar a uma economia em que o capital está cada vez mais concentrado. As dificuldades macroeconômicas impõem às indústrias soluções localizadas que acabam penalizando, invariavelmente, os trabalhadores. Brasil de Fato – A taxa de câmbio é motivo para fechar uma fábrica do porte da Volks de São Bernando do Campo? Márcio Pochmann – Na medida em que o ambiente macroeconômico (taxa de câmbio e de juros, estrutura tributária) é favorável, perdem importância as decisões

de natureza microeconômica (relação com fornecedores e funcionário, localização) da empresa. Mas, quando o ambiente é desfavorável, a empresa acaba tendo que optar por medidas de ordem interna. A Volks, como outras empresas de dimensão mundial, vive em um ambiente de concentração e centralização do capital. Temos cerca de 16 grandes montadoras de automóveis no mundo e a expectativa é de que restarão cinco ou seis, nas próximas duas décadas. Assim, elas tomam decisões olhando o mundo todo para que possam se manter produtivas frente a essa maior concentração do capital. BF – Esse fortalecimento do capital acaba estourando do lado dos trabalhadores? Pochmann – As empresas vivem

Arquivo Brasil de Fato

INVERSÃO DE PAPÉIS Para Borges, o objetivo da empresa é precarizar as condições de trabalho e flexibilizar direitos para baratear a produção: “Ela ameaça com o desemprego e apresenta um pacote para negociação. Ou seja, é ela que está fazendo as reivindicações”. A proposta da Volks inclui a demissão de 3.672 dos 12,4 mil funcionários da unidade da empresa no ABC. Os demitidos receberiam uma indenização calculada com base no coeficiente 0,4 multiplicado pelo salário e por cada ano de serviço. Por exemplo: um metalúrgico com vencimentos de R$ 2 mil e 10 anos de casa, receberia R$ 8 mil. Além dos cortes, a Volks propõe reduções dos direitos trabalhistas, como a mudança no banco de horas segundo a qual quem fizesse menos de 200 horas extras no ano não receberia nada e só quem trabalhasse 400 horas/ano além da jornada teria direito à hora cheia. Além disso, funcionários que cometessem erros teriam que trabalhar até oito horas a mais por semana para refazer as tarefas. O desconto no salário para cobrir o plano de saúde subiria de 1% para 3%. E os novos contratados receberiam salários 35% inferiores aos atuais. Se as medidas não forem aceitas, a opção apresentada é o fechamento da

Raquel Camargo/SMABC

Trabalhadores reagem contra demissões

Com as demissões, a economia paulista perde R$ 2,3 bilhões

um período de aumento do grau de incertezas pois, mesmos as grandes, não sabem se permanecerão estabilizadas nos próximos anos. Isso repercute de forma quase inexorável na elevação da insegurança dos trabalhadores, em termos de remuneração, condições de trabalho... Não têm mais segurança de que terão direito à previdência. BF – Qual é o papel dos governos nesse processo? Pochmann – Em pouco tempo, o mundo deverá ter em torno de 500 grandes empresas controlando toda a produção de bens e serviços. Assim, para cada país torna-se estratégico definir um conjunto de grandes empresas capazes de participar desse contexto. No Brasil, falta visão e política estratégica para isso. Qual é a política comercial e de investimento tecnológico de apoio às grandes empresas? Em torno de 600 grandes empresas do mundo todo têm filiais aqui no Brasil, mas inexiste uma estratégia de quais empresas seria interessante apoiar, em um país continental como o nosso. Não temos política de investimento industrial. Aceitase a idéia de que o mercado viabilizará essas empresas. Se cabe às empresas tomar decisões, elas vão olhar os 190 países do mundo e decidir o que fazer do ponto de vista privado e de acordo com seus próprios interesses. BF – As eleições podem mudar (ou criar) essa política de desenvolvimento industrial? Pochmann – Há 25 anos não sabemos o que é crescimento econômico sustentado, com taxas inferiores a 3% ao ano. Isso é uma tragédia, em um país onde 2,3 milhões de pessoas ingressam no mercado de trabalho a cada ano. Desde 1998 convivemos com uma taxa de desemprego em torno de 9%, sem rede de proteção social. Se não formos capazes de consti-

tuir novas bases para um modelo econômico, não vejo outra alternativa senão o aprofundamento do caótico quadro que estamos vivendo há quase três décadas. BF – Qual a força dos sindicatos? Pochmann – O peso do trabalho em produtos com alto valor unitário, como automóveis, é relativamente pequeno: o custo mão-de-obra não deve ultrapassar 5% do preço final. No entanto, o trabalho é estratégico para mover o setor e os sindicatos têm tido clareza de que a decisão vai além do âmbito local, de onde a empresa está instalada. Tanto é que, em vários momentos anteriores, questões de ordem local foram transportadas para a agenda da política econômica. Desde o período do [Fernando] Collor, com as câmaras setoriais, até o mais recente, quando a direção do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC iniciou uma negociação direta com a direção da Volks na Alemanha. BF – A greve pode ser vitoriosa? A Volks anuncia ter estoque para 40 dias. Pochmann – O movimento que se dá em torno da Volks termina tendo um impacto do ponto de vista do consumidor. Afeta a marca. É desgastante para a Volks ser tensionada crescentemente nos meios de comunicação pelas decisões que toma em relação aos trabalhadores, ao sindicato, ao governo, à sociedade etc. As demissões não se refletem só no sindicato, mexem com a cidade. Três mil pessoas demitidas reduzem o nível de atividade local, impõem prejuízo às famílias. Não é uma situação satisfatória para qualquer empresa, independente da greve ser realizada com um estoque de prazo não tão longo mas também não tão curto. É diferente das greves dos anos de 1980, em que a duração era determinada basicamente pela capacidade de estoque. (LB)


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NACIONAL TRANSNACIONAIS

Privilégios da Telefônica

Hamilton Octavio de Souza

Anatel prorroga concessão por 20 anos, sem saber se normas foram cumpridas

Contrastes judiciários Depois de dar um golpe de R$ 2,2 bilhões com o Banco Santos, o banqueiro Edemar Cid Ferreira ficou 89 dias preso na Polícia Federal e foi solto por ordem do Supremo Tribunal Federal. Depois de ter sido confundido com um homônimo, o desempregado João Pereira da Silva ficou dez meses na Penitenciária de Franco da Rocha sob a acusação de ter furtado R$ 10. Isso é que é Justiça! Posturas diferentes A governadora Rosinha Garotinho, do PMDB-RJ, negou o uso do Teatro João Caetano para o lançamento da campanha nacional da anulação da privatização da Companhia Vale do Rio Doce. Ao mesmo tempo, o governador Roberto Requião, também do PMDB, aprovou a cobertura da TV Paraná Educativa sobre o evento, que foi realizado do lado de fora do teatro. A TV paranaense (canal 25 na antena parabólica) está com tudo na campanha da Vale. Luta ideológica Os setores privados costumam usar a imprensa comercial sistematicamente para formar a opinião pública conforme os seus interesses. Agora mesmo usam os seus escribas para defender a Anatel contra interferências do Estado a favor do povo brasileiro. Da mesma forma, louvam a terceirização de todas as atividades – sem esclarecer que as empresas querem se apropriar dos encargos trabalhistas e sociais. Confraternização O presidente da República jantou, dia 23 de agosto, com 27 executivos de grandes empresas nacionais e estrangeiras, entre as quais Bunge (que processa soja transgênica), Aracruz (que cria desertos verdes), Ford, Votorantin e dois bancos privados (Bradesco e AMRO). Segundo os convidados, todos comemoraram o bom momento da economia e a provável reeleição de Lula – de preferência com menos impostos para suas empresas. Desencanto eleitoral Trecho de artigo do professor Fábio Konder Comparato publicado na Folha de S. Paulo (24/8): “Hoje, com a marginalização dos trabalhadores, os partidos não mais se distinguem por nenhuma prática conseqüente, havendo todos abandonado sua original fidelidade programática, sob a cômoda invocação do fim das ideologias. Voltamos à desalentadora mesmice do passado. Não há nada mais semelhante à coligação PSDB-PFL no poder do que o governo do PT”. Moral capitalista A maior empresa de auditoria privada do mundo, a estadunidense Prince Waterhouse Coopers, está sendo auditada pelo Departamento de Receita Federal dos Estados Unidos sob a suspeita de sonegação fiscal e transferências ilegais de lucros. Como poderá fornecer atestados de idoneidade para outras empresas se não consegue agir de forma idônea? Safra quebrada O governo Lula passou três anos fazendo propaganda do agronegócio como sendo a salvação nacional da economia, especialmente pelo potencial de crescimento da exportação de grãos. No último ano, a inadimplência do setor indicou que a coisa não estava tão boa como se dizia. Agora já se sabe que a safra de 2006/2007 sofrerá uma redução de 10% a 15% do total plantado. Tudo indica que a choradeira será maior no próximo ano.

Gilberto Maringoni de São Paulo (SP)

U

ma suspeita paira sobre a prorrogação dos contratos de telefonia fixa por mais 20 anos, assinados entre a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Telefônica de Espanha. Os acertos foram firmados em 22 de dezembro de 2005 e começaram a vigorar 1º de janeiro deste ano. Na mesa, a continuidade da exploração do mais rentável negócio de telefonia fixa e de internet do Brasil e um dos mais lucrativos do mundo. São empreendimentos que geraram lucros de R$ 1,28 bilhão apenas no primeiro trimestre deste ano, com receita líquida de R$ 3,6 bilhões. A suspeita se dá por conta de supostas falhas encontradas na aferição das metas de universalização, instalação e qualidade dos serviços. São parâmetros definidos pela Lei Geral de Telecomunicações (LGT), aprovada em 1997, época da privatização das estatais do setor e pela Resolução 280, da Anatel, de 2001. O cumprimento das metas é um pré-requisito legal para a continuidade dos contratos. A lebre é levantada pela advogada Flávia Lefèvre, conselheira da Anatel, e pelo engenheiro Ruy Bottesi, da Associação dos Engenheiros de Telecomunicações (AET). “Há sérios indícios de que, pelo menos no caso da Telefônica, os documentos apresentados contenham irregularidades”, diz ela. A aferição não é feita, de acordo com a lei, por um auditor independente ou ligado ao poder público. O trabalho é executado por uma empresa contratada pelas empresas concessionárias, e somente depois há a conferência por parte da Anatel.

Dos 24 mil funcionários da antiga Telesp, restam agora sete mil. Aumento de tarifas chega a 400%, entre 1998 e 2006

além e enfatiza que até agora ainda faltam dispositivos a serem regulamentados, como o caso da portabilidade numérica. Eis seu relato: “Através de uma ação popular no Tribunal Regional Federal, conseguimos suspender a assinatura dos documentos por 90 dias. Mas só obtivemos a prorrogação por 30, até 19 de dezembro. No dia seguinte, a Anatel entrou com recurso. Em 21 de dezembro, o Tribunal cassou nosso pedido e o contrato de concessão foi firmado dia 22”. O engenheiro Ruy Bottesi conta só ter conseguido ver os volumes do processo com os relatórios e planilhas relativos ao cumprimento de metas de 2005 em 17 de maio.

PRORROGAÇÃO NO ESCURO Dois detalhes chamam atenção. Primeiro: a data de entrega das planilhas sobre o cumprimento dos objetivos é o mesmo da assinatura dos contratos de prorrogação: 22 de dezembro de 2005. Dessa forma, a Anatel prorrogou a concessão totalmente no escuro, pois não houve tempo de conferir as informações. Segundo: as próprias planilhas contêm dados no mínimo curiosos. Alguns dos técnicos, de acordo com essas páginas, teriam feito verificações em 63 cidades num único dia. A Telefônica em São Paulo originou-se da venda da antiga Telesp, em 1998. O valor arrecadado pelo Estado foi R$ 4,96 bilhões. Hoje, a página da empresa na internet diz o seguinte: “No Brasil, o Grupo Telefônica é o maior conglomerado empresarial privado não-financeiro, com receitas de R$ 28 bilhões (em 2004)”. Mais adiante, a empresa declara: “Com 12,4 milhões de linhas em serviço, a Telefônica SP é a maior operadora de telefonia fixa do Grupo Telefônica fora da Espanha. Perto de 30% do total de 41 milhões de terminais fixos instalados pelo grupo em vários países estão no Estado de São Paulo”. Dos 24 mil funcionários da antiga Telesp, restam agora sete mil. O aumento de tarifas, em alguns casos, chega a 400%, entre 1998 e 2006. A suspeita de Flávia e de Bottesi vem do exame dos volumes do processo relativo à Consulta Pública 658/2005, instaurada pela Anatel para a certificação do cumprimento das metas de 2005. Ambos apresentaram denúncia sobre como essa exigência seria burlada pela concessionária. Segundo a advogada, a Agência estipulou como data do cumprimento das metas o mesmo dia da renovação da concessão: “Como podem conferir as informações num prazo tão exíguo?”. Até agosto de 2005, em suas palavras, a Anatel não definira todas as normas que regulamentariam os novos contratos de concessão. Flávia vai

Desde a privatização, os dados são consolidados em volumes anuais. “A Anatel só disponibilizou o processo após insistirmos em ver todos os outros livros, coisa que não conseguimos. Analisamos esse ano e percebemos que a documentação era inconsistente”, diz Bottesi.

63 CIDADES NUM ÚNICO DIA A auditoria das metas de universalização, instalação e qualidade dos serviços da Telefônica foi feita pela Fundação Paulista de Tecnologia e Educação, sediada em Lins (SP). Bottesi viu os dados e se espantou: “Um dos técnicos – Julio Nascimento Sena – fez a verificação das metas em 680 locais ao longo de 22 dias úteis, numa média

de quase 30 por dia”. Apenas no dia 7 de novembro de 2005, a planilha sob sua responsabilidade dá conta de visitas a 63 cidades, nas quais foram conferidas 206 localidades. Cinco dias depois, Sena teria vistoriado 19 municípios e inspecionado 58 localidades. Um exame nas planilhas da Fundação mostra, no pé de cada folha, os nomes dos pesquisadores: “Dados do responsável técnico. Técnico – Julio Nascimento Sena. Responsável – Eng. Simone Cristina Caldato”. Pela documentação, a engenheira Simone valida o trabalho desenvolvido por Sena. (Veja a reportagem completa na Agência Carta Maior, www.cartamaior.com.br)

MEMÓRIA

Uma vida pela causa dos pobres João Alexandre Peschanski da Redação “Não esqueçam os pobres”. A frase, a última de dom Luciano Mendes de Almeida, arcebispo de Mariana (MG), falecido em 27 de agosto, foi repetida por diversos veículos de imprensa. No entanto, não foi contextualizada. “Não foi simplesmente uma frase de efeito, mas a síntese de um trabalho por uma causa”, afirma o padre comboniano Giampietro Baresi. Dom Luciano morreu no Hospital das Clínicas de São Paulo (SP), em decorrência de falência renal, causada pelo tratamento químico usado para combater um câncer no fígado. “Dom Luciano é um dos raros representantes de um episcopado profundamente evangélico e identificado com a causa dos pobres no Brasil. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) continua defendendo o direito dos pobres, mas são raros os bispos

como dom Paulo [Evaristo Arns], dom Hélder [Câmara], dom Tomás [Balduíno], que realmente participem e tenham interlocução permanente com os movimentos populares. Dom Luciano estava nesse grupo”, comenta o frade dominicano Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto. Dom Luciano foi secretário-geral da CNBB de 1979 a 1987 e presidiu a entidade de 1987 a 1995.

COMPROMISSO E DIÁLOGO O arcebispo de Mariana sempre foi comprometido com a linha social, em defesa dos pobres, mas conseguia pegar o que havia de melhor das pessoas, tanto das de direita quanto das de esquerda, diz Baresi. Era também, de acordo com o padre comboniano, humilde e autêntico: “Não procurava sucesso pessoal, mas lutava por uma causa na qual realmente acreditava, a dos pobres”. Os valores que encarnava, nas palavras de Baresi,

Gervásio Baptista/ABr

Contrastes nacionais Um grupo empresarial divulgou o projeto de construção de um hotel super luxuoso em Campos do Jordão, na Serra da Mantiqueira paulista, que terá diárias mínimas de mil dólares – ou seja, de mais de R$ 2 mil. É lógico que os ricos têm o direito de viver como querem, mas esse modo de vida extrapola acintosamente as condições gerais do país. Um pouco menos de ostentação não faria mal a ninguém.

Valter Campanato/ABr

Fatos em foco

Sempre comprometido com a causa social, dom Luciano faleceu no dia 27

são fidelidade, solidariedade, otimismo e autenticidade. Um dia, relata, alguém reclamou que dom Luciano se atrasava em encontros oficiais, porque ficava ouvindo o problema das pessoas. Respondeu: “Se você não os escuta, eu devo escutá-los”. Em 28 de agosto, dom Luciano foi homenageado em Belo Horizonte (MG) por integrantes dos movimentos sociais ligados à Via Campesina. Afirma a declaração das organizações, lida na presença de Cândido, irmão do arcebispo: “Dom Luciano esteve sempre presente ao nosso lado, junto dos movimentos sociais, nas mobilizações”.

TEMIDO PELO VATICANO “Uma pessoa de uma coerência evangélica profunda, de uma dedicação e coragem surpreendente”, afirma Frei Betto sobre dom Luciano. Diz mais: “Infelizmente, não recebeu do Vaticano o reconhecimento que mereceria. Ficou exilado em Mariana, enquanto deveria estar encabeçando uma arquidiocese das capitais do Brasil. O profetismo que ele encarnava foi temido pelo Vaticano”. Dom Luciano não se abalou pela falta de reconhecimento. Não era isso que procurava, comenta Baresi. Guardou em si, conta o padre comboniano, algumas mágoas, uma delas em relação à revista Veja, que nunca mais leu, após a publicação ironizar a morte de um religioso, encontrado sem vida em um motel, no Maranhão. “Após investigar o caso, dom Luciano disse que era um seqüestro. A Veja tirou suas conclusões e manipulou informações. Por isso, dom Luciano nunca mais leu a publicação”, conta Baresi.


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NACIONAL MOBILIZAÇÃO POPULAR

Douglas Mansur/Novo Movimento

Da revolta

à ação

Grito dos Excluídos vai dialogar, neste ano, com a insatisfação da sociedade com os políticos Gisele Barbieri de Brasília (DF)

N

o próximo dia 7 de setembro, os brasileiros assistirão a algo mais do que os tradicionais desfiles cívico e militar realizados para celebrar o Dia da Independência. Como ocorre desde 1995, na Semana da Pátria, os movimentos sociais farão o protesto caloroso do Grito dos Excluídos. Neste ano, o diferencial será o calendário eleitoral, que abre – do ponto de vista dos organizadores – uma possibilidade mais concreta de propor modificações, pelo processo eleitoral que será realizado em outubro. Políticas contra o desemprego, a anulação da privatização da Companhia Vale do Rio Doce, a campanha pela redução nas tarifas de energia e um pedido por ética dos políticos brasileiros são alguns dos temas que estarão presentes nas manifestações realizadas em todo o país.

SISTEMA POLÍTICO Em sua 12ª edição, o Grito do Excluídos quer o fim da corrupção e a punição dos envolvidos nos sucessivos escândalos políticos como o mensalão; caixa dois na arrecadação de recursos para as campanhas eleitorais; negociações envolvendo não só integrantes do governo Lula, mas também parlamentares de partidos aliados e de outros partidos políticos, que atolaram o Congresso Nacional desde o início deste ano. A corrupção, no entanto, não está restrita a Brasília. Chega também aos municípios, como revelaram as descobertas da última Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos sanguessugas, que investiga o desvio de dinheiro do orçamento para a compra de ambulâncias superfaturada por prefeituras. Estima-se que, desde 2001, R$ 110 milhões tenham sido desviados. Dinheiro que hoje falta para os investimentos sociais, como a área da educação e da saúde que recebem fre-

qüentes cortes de recursos do orçamento. O tema principal do Grito dos Excluídos em 2006 será “Brasil: na força da indignação, sementes da transformação”. “Esse slogan tem a ver com a ética na política. A indignação também é contra a exclusão social, que continua grande, mas também contra a própria política econômica que estamos vivendo”, diz, Luiz Basségio, coordenador nacional do Grito dos Excluídos. Para ele, há um sentimento de insatisfação com a política que não atende à maior parte da população brasileira, mas sim ao capital financeiro, aos bancos. “Queremos uma política diferente, voltada para a soberania do país, para a construção de um projeto popular para o país”, explica. Segundo organizadores, o Grito terá a preocupação de não reproduzir a visão repercutida pela grande mídia corporativa de que a corrupção e as injustiças sociais nasceram e foram disseminadas apenas neste último governo. A coordenação do manifesto comemora o fato de que nunca houve manipulação político-partidária, conservando o ato distante de partidos políticos e sindicatos. “Isso é o mais positivo no Grito; por não estar vinculados a partidos políticos, mantendo a independência dos movimentos sociais na luta popular. É diferente do cenário que a gente vê no país, onde os partidos políticos acabaram se sobrepondo à questão dos movimentos sociais”, lembra Davi Amorim, integrante do setor de comunicação do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis de São Paulo.

DISCUTIR COM O POVO Na semana que antecede o dia 7 de setembro, mobilizações são realizadas em todas as localidades, como preparação para o Grito. São atos públicos para debate, em que as populações conhecem os problemas em seu município e Estado. Divulgação

Em 2005, ato reuniu mais de 200 mil pessoas no país, que exigiram o fim da corrupção, democracia direta e fim da exclusão social

Como começou o Grito A preparação do 1º Grito dos Excluídos, realizado em 1995, começou com o três pontos chaves como o anúncio da vida em primeiro lugar; ser vez e voz dos excluídos e lutar por uma sociedade radicalmente democrática. Ainda naquele ano, o protesto já denunciava a criminosa concentração da terra e da renda no Brasil, o desemprego e a corrupção. E propunha, entre outras idéias, a democratização da propriedade e do uso da terra, além de uma economia voltada para a geração de empregos. As idéias propostas pela manifestação contagiaram praticamente todas as capitais do país, sendo realizadas em 18

“Queremos passar para a sociedade que a gente não parou diante de toda essa sujeira política que está aí. A gente não pode fechar os olhos e nem cruzar os braços, precisamos nos fortalecer na luta junto com outros grupos que também precisam desse fortalecimento”, avalia Angelina Aparecida dos Reis, integrante da Casa de Solidariedade em São Paulo, que trabalha

em apoio aos desempregados e ao movimento negro. A conjuntura eleitoral traz um componente animador para as organizações que participam do protesto. “O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) participa do Grito dos Excluídos desde o início, mas o deste ano talvez seja o mais importante, pois estamos em um momento eleitoral, quando passare-

cidades. Desde lá, é uma das manifestações mais legítimas de representação dos movimentos sociais do país. As entidades organizadoras do Grito são as pastorais sociais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), principalmente a dos imigrantes, da terra e dos operários, Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra(MST), Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB), União Nacional dos Estudantes (UNE) e a CUT (Central Única dos Trabalhadores).

mos por um debate político e teremos a oportunidade de discutir com a comunidade suas condições de vida e alternativas de como romper esse processo de exclusão”, analisa Leonardo Maggi, integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Essas discussões irão integrar o grande debate proposto pela Assembléia Nacional Popular, uma ampla articulação,

criada em 2005, que reúne os setores da Igreja progressista, movimentos sociais e de base do campo e da cidade, movimento indígena, movimento negro, de mulheres, de saúde, entre outros. Quando formada, em 2005, reuniu mais de 8 mil pessoas e ao final entregou ao presidente Lula uma carta na qual cobrava as ações como as prometidas pelo governo.

Doze anos de Grito dos Excluídos Palavra de ordem

Tema trabalhado

1995 - “A vida em primeiro lugar”

Intenção de denunciar a exclusão, valorizar os sujeitos sociais.

1996 - ”Trabalho e Terra para viver”

O símbolo do Grito foi uma chave, estimulando a reflexão de que o trabalho é a chave da questão social.

1997 - ”Queremos Justica e Dignidade”

Justiça aos encarcerados.

1998 - “Aqui é meu País” e “A ordem é ninguém passar fome”

Fome e Miséria.

1999 - “Brasil: um filho teu não foge à luta”

Luta pela redução das desigualdades.

2000 - “Progresso e Vida Pátria sem Dívida$”

Realizado junto com o Plebiscito Nacional da Dívida Externa.

2001 - “Por amor a essa Pátria Brasil”

Frente à globalização da economia, o Grito propõe a globalização da solidariedade no sentido de manter vivos e ativos os sonhos, esperanças e utopias.

2002 - “Soberania não se negocia”

Junto com a realização do Plebiscito Nacional contra a ALCA em todo o Brasil.

2003 - “ Tirem as mãos, o Brasil é nosso chão”

Faz referência à luta pela soberania e independência do país. Estava ligado diretamente à questão da Alca.

2004 - “Brasil: mudança pra valer o povo faz acontecer”

Sugere o processo, participação coletiva e mobilização, características históricas do Grito dos Excluídos.

2005 - “Brasil, em nossas mãos a Mudança!“

Tem como eixo a luta em favor da justiça, da ética, pela mudança da política econômica.

2006 - “Brasil na força da indignação, sementes da transformação”

Um pedido de ética na política, por todos os escândalos que o país sofreu neste ano.

A defesa do protagonismo popular As mobilizações do Grito dos Excluídos, além de crescentes a cada edição, já atingiram resultados concretos. Na primeira edição, 170 localidades participaram do manifesto; hoje acontece em todos os Estados brasileiros e em outros países do continente. Cada vez mais, o protesto de 7 de setembro tem atraído o povo a se inserir nesse debate sobre os problemas do cotidiano. “Vivemos em uma sociedade de certa hipocrisia, de naturalização das desigualdades. Isso não é verdade. A diferença é natural, mas a desigualdade é produzida, provocada. A nossa luta é uma luta de resistência dos pobres, do povo”, explica Ari Alberti, integrante da Secretaria Nacional do Grito dos Excluídos. Segundo ele, qualquer conquista é resultante de um processo de luta entre a classe dominante, que não quer mudanças, e os dominados, a imensa maioria da população. Em 2000, o movimento foi um dos articuladores do Plebiscito da Dívida Externa, que contou com a participação de mais de seis milhões de pessoas, sendo que mais de 95% disseram não ao pagamento da dívida, e sim à realização de uma auditoria da mesma. Em 2002, a conquista veio com o plebiscito pela não negociação da Área Livre de Comércio das Américas (Alca). Mais de 10 milhões de votantes, sendo que se envolveram diretamente na organização mais de 150 mil voluntários. Fo-

ram 46 mil urnas, espalhadas em mais de 3.900 municípios: 98% dos votantes disseram não à Alca; 96% rejeitaram as negociações sobre a mesma e 98% não aceitam a entrega da Base de Alcântara, no Maranhão, para controle militar dos Estados Unidos. Por meio da organização do Grito, as urnas foram levadas às comunidades, paróquias, nas escolas, universidades, nos sindicatos, nas praças e ônibus, no metrô, enfim, em todo o território nacional. Além disso, hoje segundo a Secretaria Nacional do Grito, com sede em São Paulo, até mesmo nas escolas, os temas levantados pelo movimento geram debates e concursos de redação utilizando esses temas. “Apesar de dificuldades, a cada ano o Grito tem chegado a novas localidades. Isso representa um acerto na metodologia, na dinâmica e na forma de organizar o Grito. Não temos nenhuma fórmula pronta, cada Estado organiza sua manifestação de acordo com sua realidade.” lembra Ari Alberti, da Secrataria. Depois de fortalecido no Brasil, a partir de 1999, o Grito estendeu-se para outros países da América Latina. Nesses países, a data utilizada como símbolo do manifesto é o dia 12 de outubro, que relembra a colonização espanhola das Américas e a resistência e luta dos povos. Em 1999, sua realização chegou em 12 países da América Latina e, hoje, já são mais de 20 nações. (GB)


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AMÉRICA LATINA MÉXICO

“Tribunal legaliza o golpe de Estado” Obrador rejeita decisão da Justiça, reafirma as fraudes eleitorais e promete criar um “governo de resistência”

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m país cindido. Esse cada vez mais é o cenário atual do México. E a julgar pelos últimos movimentos, também será a realidade dos próximos quatro anos. De um lado, as forças políticas conservadoras que se aglutinam na figura do presidente Vicente Fox, aliado incondicional de George W. Bush, e seu candidato, Felipe Calderón, do Partido da Ação Nacional (PAN). De outro, a oposição progressista encabeçada pelo ex-prefeito da Cidade do México, Andrés Manuel Lopes Obrador, do Partido da Revolução Democrática (PRD), apoiado pela “Coalizão pelo Bem de Todos”. As eleições presidenciais, realizadas em 2 de julho, tampouco colocaram um fim à disputa entre Calderón e Obrador. Ao contrário. As votações foram repletas de denúncias de fraudes, ilegalidades, interferências indevidas do Estado e até mesmo desaparecimento de milhares de urnas. No dia 28 de agosto, o Tribunal Eleitoral do Poder Judiciário da Federação (TEPJF) apimentou ainda mais a batalha política. Os magistrados decidiram arquivar os processos movidos que pediam a recontagem dos 41 milhões de votos das eleições. Em vez disso, o Tribunal examinou somente 9% das urnas em que houve denúncias de fraudes e anulou 238 mil votos. Na prática, a decisão favorece a Calderón – embora some mais um elemento que questiona a legitimidade de sua vitória. Com a anulação, o candidato conservador ficará com 35,9% dos votos, apenas 0,57 ponto percentual (ou 244 mil votos) a mais que Obrador. Detalhe: o índice de abstenção das eleições foi de 41%. Ou seja, dos 71 milhões de eleitores mexicanos habilitados a participar

A revolta social dos professores em Oaxaca

Indymedia Barcelona

da Redação

Em Barcelona, manifestantes se mobilizam em frente do consulado mexicano em solidariedade ao povo de Chiapas

do pleito, somente 14,9 milhões (21%) teriam votado em Calderón. A decisão do Tribunal, no entanto, não ratifica o aliado de Fox como novo presidente do México. Isso deve ocorrer até o dia 6 de setembro, data-limite para os magistrados julgarem a “qualidade da eleição”. No entanto, tudo indica que o pleito será considerado legítimo, e Calderón declarado como o vencedor.

APOIO POPULAR Em paralelo à batalha judicial, segue a crescente mobilização popular a favor da “Coalizão pelo Bem de Todos”. Desde julho, milhões de simpatizantes de López Obrador têm feito protestos massivos

em todo o país questionando o resultado das eleições. No início deste mês, tomaram uma postura mais radical: milhares deles montaram um acampamento na região central da Cidade do México e bloquearam a principal avenida da cidade, o Paseo de la Reforma. Os discursos de López Obrador nos últimos dias mostram que o ânimo dos opositores está longe de se exaurir. O candidato do PRD convocou todos os partidos de esquerda a uma convenção, em 16 de setembro, Dia da Independência Mexicana, para criar um “governo de resistência”. Após o anúncio do Tribunal, suas palavras foram enfáticas: ‘’Com esse tipo de decisão, a ordem

constitucional é quebrada e o caminho para um usurpador tomar posse da Presidência através de um golpe de Estado está aberto’’, disse, acrescentando que não reconhecerá Felipe Calderón Hinojosa como o presidente da República. Obrador ressaltou, ainda, outro dado implícito na decisão do Tribunal que não foi levado às últimas conseqüências: a anulação de parte dos votos significa que houve, no processo eleitoral, manipulação indevida da vontade dos cidadãos mexicanos. Para Obrador, a decisão do Tribunal sinaliza que os problemas nas urnas não ocorreram devido a um erro de contagem dos votos, mas sim foram provocados

por uma ação fraudulenta do Estado, comandada por Vicente Fox, para impedir a vitória de seu opositor. A amplitude das denúncias questiona todo o processo eleitoral. O representante da “Coalizão pelo Bem de Todos” no Instituto Federal Eleitoral (IFE), Horacio Duarte, afirmou que o órgão treinou 50 mil trabalhadores filiados ao Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Educação (SNTE) para operar as cédulas em favor de Calderón, no dia da votação. O SNTE é presidido por Elba Esther Gordillo, que tem forte ligação com o governo e já afirmou várias vezes que Calderón é o novo presidente do México, mesmo sem a decisão da Justiça.

Uma greve de professores no Estado de Oaxaca, Sul do México, transformou-se na mais violenta revolta popular do país desde o levante liderado pelo subcomandante Marcos, em 1994, em Chiapas. Professores, sindicalistas, camponeses e um pequeno grupo guerrilheiro, a Frente Revolucionária Popular, criaram a Assembléia Popular do Povo de Oaxaca e ocuparam os principais prédios públicos da capital do Estado, também chamada Oaxaca. O movimento exige a renúncia do governador e mais recursos para a região. O conflito só comprova a tensão social do país. Em maio, mais de 70 mil professores entraram em greve. Tradicionalmente, nesse período ocorrem paralisações anuais por conta da renegociação salarial. Só que o governador Ulises Ruiz negou mesmo a reposição da inflação nos vencimentos e, ainda, ordenou uma violenta repressão para desalojar os docentes da praça principal de Oaxaca, onde estavam acampados. Em junho, mais de mil policiais atacaram os grevistas acampados com gás lacrimogêneo. Dez estações de rádio da cidade, além da sede do governo e da Assembléia Legislativa, foram ocupadas pelos professores. O governador e os deputados usam sedes provisórias. O Estado é bastião do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o México de forma autoritária por 71 anos. O governador é um caudilho que também teve sua vitória em 2 de julho contestada. (Portal Vermelho, www.vermelho.org.br)

AMÉRICA LATINA

Perspectivas da democracia Se esta democracia é tão falsa, por que é tão levada a sério? A pergunta foi feita pelo sociólogo português Boaventura de Souza Santos, durante a 4ª Conferência Latino-americana e Caribenha de Ciências Sociais, realizada de 20 a 25 de agosto, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). A alternativa ao neoliberalismo foi o principal tema das discussões dos conferencistas no encontro, promovido pelo Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso). O cubano Adalberto Verona disse que hoje existe, na América Latina, “uma democracia de cidadãos que não desfrutam da cidadania”. Virgínia Fontes, historiadora brasileira, lembrou que o imperialismo deve ser explicado pelas relações de classe: “Um viés das ditas democracias atuais da América Latina é o encarceramento de multidões”. Para Boaventura Santos, a América Latina é hoje “o centro da resistência contra o capitalismo global”. Ele acredita que “devemos buscar uma democracia adequada ao continente e reinventá-la”. O bom modelo, defende, ainda é aquele deixado por Rousseau: “Democracia é quando não há

ninguém suficientemente rico que possa comprar alguém, e ninguém suficientemente pobre que queira se vender”, acrescenta. Segundo Santos, a questão é fazer a reforma ou fazer a revolução. Pela avaliação do sociólogo, vivese hoje na América Latina processos “reformistas que parecem revolucionários, revolucionários que parecem reformistas, e outro, que parece reformista, mas nem mesmo reformista é” – com esta última frase, arrancou risadas da platéia, ao fazer referência ao Brasil. Arquivo Brasil de Fato

Nestor Cozetti do Rio de Janeiro (RJ)

Atílio Boron, o sociólogo argentino ex-secretário executivo da Clacso – substituído na última eleição, dia 20 de agosto, pelo brasileiro Emir Sader (veja o quadro abaixo) –, ressaltou que “o importante na democracia capitalista é o capitalismo, não a democracia”. E que aquele impõe limites a esta. Para Boron, é um contra-senso: “Não existe democracia no capitalismo, a estrutura do capital é impossível e incompatível com a democracia. Passa a ser o governo do mercado, pelo mercado, para o mercado”.

No dia em que foi abordado o tema dos movimentos sociais, a representante da Bolívia e da Federação das Mulheres Camponesas, Julia Sanchez, lembrou as conquistas populares em seu país que culminaram, depois de muitas mortes, na eleição de Evo Morales. “O poder está conosco, em cada um de nós”, expressou. Leônidas Iza falou sobre o movimento indígena do Equador, onde os pobres, 80% da população, rechaçaram o Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos. “Se tivermos de

Emir Sader eleito para o Clacso O Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso) é uma instituição internacional não-governamental, criada em 1967, que agrega mais de 160 centros de pesquisa e programas de pós-graduação em Ciências Sociais, em 21 países da América Latina e do Caribe. Durante a 22ª Assembléia Geral do Conselho, realizada na semana passada no Rio de Janeiro, o brasileiro Emir Sader foi eleito o próximo secretário executivo do Clacso, pelo período de 1º de dezembro de 2006 a 30 de novembro de 2009. Mestre em filosofia política e doutor em ciência política, Sader é professor de sociologia do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Para sua gestão, Sader propõe a consolidação dos programas existentes no Conselho, a diversificação dos financiamentos – hoje o Clacso depende praticamente de uma única linha de financiamento – e o fortalecimento das ciências sociais nos lugares onde elas ainda se encontram pouco desenvolvidas.

morrer, morramos. Mas não ficaremos de joelhos”, profetizou.

OS MOVIMENTOS DE MASSA Para Marcela Maspero, da Venezuela, “a tradicional submissão da região foi transformada pelos movimentos sociais”. E há uma “necessidade de socialização dos meios de produção”. Segundo ela, “transformar o Estado burguês é uma tarefa difícil para o governo revolucionário de Chavez”. Representando os movimentos sociais brasileiros, João Pedro Stedile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), afirmou que nas últimas duas décadas vivemos sob a hegemonia do capital financeiro e entramos no século 21 com a crise do neoliberalismo. Lembrando que alguns países estão tentando superá-la, declarou: “Só nós no Brasil ficamos para trás. Falta concatenação entre os movimento sociais. Mas, pela primeira vez é o povo quem derruba presidentes, e não os militares”. O sociólogo mexicano Pablo Casanovas, a quem na ocasião foi entregue o título Doutor Honoris Causa da Uerj, defensor do movimento zapatista surgido em seu país em 1994, afirmou que ali “é inconcebível qualquer passo sem os povos indígenas no centro ou na base de tudo”.


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INTERNACIONAL ESTADOS UNIDOS

Outra vez, prejuízo para negros e pobres Igor Ojeda da Redação

NOAA

Relatório constata falhas do governo e discriminação na reconstrução de Nova Orleans

Katrina, um ano depois

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Deslocados 200 mil ainda não voltaram às suas casas População metropolitana de Nova Orleans que retornou até 30 de junho de 2006: 37% Discriminação Porcentagem de negros de Nova Orleans antes do Katrina: 36% Porcentagem de negros de Nova Orleans depois do Katrina: 21% Moradia Aumento médio do aluguel de um apartamento de um quarto em Nova Orleans pós-Katrina: 38,9% Infra-estrutura

Bairros inteiros de Nova Orleans, que teve 80% de sua área inundada, seguem às escuras e abandonados à miséria

até agora. Os aluguéis estão disparando e 80% das moradias públicas (casas com aluguel baixo, de propriedade do governo) em Nova Orleans permanecem fechadas, apesar dos danos mínimos que sofreram. Algumas dessas moradias serão demolidas, mas a prefeitura planeja reconstruir apenas uma parte delas.

DISCRIMINAÇÃO De acordo com o estudo, “a divisão de raça e classe exposta durante o furacão, no ano passado, continua a se manifestar na recuperação”. O relatório aponta: pobres e negros encontram muito mais obstáculos que brancos e pessoas da classe média para conseguir recursos para retornar à região e reconstruir as casas. Em Nova Or-

As corporações, como sempre, entram em cena Uma região é destruída. O governo dos EUA resolve distribuir contratos milionários de reconstrução a grandes corporações (que nutrem amplas conexões governamentais), muitos sem licitação. Descobre-se, depois de algum tempo, fraudes e superfaturamentos. A descrição de tais procedimentos escusos certamente leva muitos a pensar no Iraque, ou no Afeganistão. Sim, é verdade, lá também. Mas desta vez os atores que seguem sempre o mesmo roteiro manjado não precisaram viajar milhares de quilômetros. Pois o novo alvo é no próprio território estadunidense: a costa do Golfo do México, devastado há um ano pelo furacão Katrina. “A lenta reconstrução da região é idêntica ao que vem acontecendo no Afeganistão e no Iraque. Vemos o mesmo padrão de lucratividade, desperdício e falhas, que são decorrência do mesmo sistema defeituoso de contratação e contam até com os mesmos atores”, explica Pratap Chatterjee, diretor da organização não governamental (ONG) Corp Watch, que lançou recentemente um relatório sobre o assunto. Entre os principais “atores”, a californiana Bechtel e a texana Halliburton – esta foi presidida, entre 1995 e 2000, pelo atual vice-presidente dos EUA, Dick Cheney. O estudo da Corp Watch lembra ainda que o general Carl A. Strock, hoje no comando do Corpo dos Engenheiros do Exército (um dos órgãos que liberam dinheiro para a reconstrução), era o responsável pelos contratos da Halliburton no Iraque. A ONG Gulf Coast Reconstruction Watch descobriu, por investigação própria, fraudes corporativas em contratos relacionados ao Ka-

leans, por exemplo, enquanto caiu a porcentagem de moradores negros, os que retornaram apresentaram crescimento nos rendimentos. Em Mississipi e Louisiana, mais de 100 mil famílias continuam a viver em trailers de 22 m² e casas móveis fornecidos pela Agência Federal de Gerenciamento de Emergências (Fema, na sigla em inglês). Muitos ficam a quilômetros de distância do local de trabalho dos “moradores”. Um teste realizado por uma instituição independente constatou que alguns desses trailers contêm níveis perigosos de formaldeído, um gás tóxico que pode causar câncer e doenças respiratórias. Os mais de 200 mil “deslocados” se espalham por todo o país – alguns vivem a mais de 6 mil quilômetros de casa – e não conseguem empregos fixos e moradia digna. Segundo o relatório, 23% dos que ainda não retornaram à costa do Golfo estão desempregados,

trina no valor de 136,7 milhões de dólares (cerca de R$ 290 milhões), enquanto investigadores do governo encontraram problemas nos contratos no valor de 428,7 milhões de dólares (aproximadamente R$ 917 milhões). Apesar da mídia estadunidense voltar toda atenção a fraudes individuais cometidas no processo de reconstrução, a ONG avalia que as corporações causam um dano 50 vezes maior ao bolso do contribuinte. Ficam com o dinheiro, mas não realizam o serviço. Além de ter lucratividade garantida, as corporações atuantes na reconstrução da região do Golfo do México impedem o desenvolvimento local. “Os que lucram com os desastres têm feito milhões enquanto empresas locais e trabalhadores na região da costa do Golfo estão sistematicamente ficando com o menor pedaço do bolo”, conclui o estudo da Corp Watch. O relatório analisou os arquivos da Agência Federal de Gerenciamento de Emergências (Fema) e constatou que 90% da primeira leva de contratos de reconstrução – incluindo muitos sem licitação – foram para empresas de fora dos três Estados mais afetados (Louisiana, Mississipi e Alabama). Em julho de 2006, empresas locais aumentaram sua participação para apenas 16,6%. Outro problema apontado pelo relatório é o chamado “contrato em pirâmide”. Ou seja, as grandes empresas contratam outras para fazer seu serviço, as quais por sua vez contratam outra, e assim por diante. Na ponta, os trabalhadores recebem salários baixíssimos, quando recebem, pois uma companhia só pode honrar os compromissos quando as de “cima” honram os seus. (IO)

enquanto esse índice é de apenas 4,2% entre os que voltaram. Os sobreviventes do furacão enfrentam ainda sérios problemas psicológicos. Estima-se que, só em Louisiana, 300 mil pessoas sofrem de estresse pós-traumático. Em Nova Orleans, os índices de suicídio triplicaram em relação ao período pré-Katrina. Enquanto isso, apenas um quinto dos leitos psiquiátricos que existiam antes do furacão estão disponíveis. Na mesma cidade, metade dos hospitais permanecem fechados depois da passagem do Katrina e também do furacão Rita, em setembro do ano passado. A situação é ainda pior pelo aumento da procura de vacinas por parte de trabalhadores ilegais que chegaram à região, expostos a doenças infecciosas nas áreas inundadas onde trabalham. Além disso, segundo o relatório, existem planos de se criar um novo e caro sistema, suspendendo a regulação federal dos serviços de auxílio médico.

Ônibus operando em Nova Orleans em julho de 2006: 16,6% do total Quantidade de água desperdiçada em Nova Orleans devido a rompimento de diques e ao orçamento subestimado de reparação: 322 milhões de litros/dia Trabalho Número de empregos eliminados na costa do Golfo pelo Katrina: 230 mil Encolhimento da força de trabalho, um ano após o Katrina: 30% Índice de desemprego entre as pessoas que voltaram para casa: 4,2% Índice de desemprego entre as pessoas que ainda não voltaram: 23% Número estimado de trabalhadores imigrantes que mudaram para a costa do Golfo: 100 mil Latinos ilegais trabalhando na reconstrução de Nova Orleans: 25% Porcentagem de trabalhadores ilegais que relatam dificuldades em receber salários: 28% Saúde

Arquivo Brasil de Fato

m ano depois do furacão Katrina ter devastado o Sul dos Estados Unidos, a imagem que permanece da região é a da população negra e pobre deixada em segundo plano, ainda sofrendo as conseqüências da tragédia. Politicamente, absolutamente nada mudou. “Na reconstrução, a costa do Golfo do México e seu povo estão novamente sendo deixados para trás”, conclui o relatório “Um ano após o Katrina – a situação de Nova Orleans e da Costa do Golfo”, produzido pela Gulf Coast Reconstruction Watch (Observatório da Reconstrução da Costa do Golfo). De acordo com o estudo, “os que têm maior poder e responsabilidade de tomar a liderança na resolução desses problemas – nossos governantes em Washington – têm falhado. E, em muitos casos, eles têm feito a situação ficar pior”. Por isso mesmo, são inúmeros os obstáculos para uma plena renovação da região atingida. A falta de atenção dada pelo governo de George W. Bush e pelas autoridades locais aos problemas resultantes da catástrofe têm resultado em impedimentos para que as pessoas voltem às suas casas. Calcula-se que hoje ainda estejam espalhados por todos os EUA mais de 200 mil “deslocados” pelo Katrina – que causou a morte de mais de 1.500 pessoas. Segundo o relatório, um dos principais problemas é a falta de moradia adequada, fator que impossibilita o retorno de dezenas de milhares de pessoas. Uma ajuda monetária aos proprietários de imóveis nos Estados de Louisiana e Mississipi só foi aprovada dez meses depois da passagem do furacão e nenhum centavo foi liberado

Porcentagem de leitos psiquiátricos disponíveis em Nova Orleans, em comparação com o período pré-Katrina: 17,8% Número estimado de casos de estresse pós-traumático em Louisiana, em 2006: 300 mil Crescimento do índice de suicídios em Nova Orleans, pósKatrina: 300% Educação Apenas 57 das 117 escolas públicas de Nova Orleans estão programadas para abrir, no ano escolar de 2006-2007 Furacão causou a morte de mais de 1,3 mil pessoas na cidade Fonte: Gulf Coast Reconstruction Watch

Na reconstrução, a exploração dos trabalhadores Uma das nefastas conseqüências da passagem do furacão Katrina pelo Sul dos EUA foi o caminho aberto para a superexploração dos que trabalham na reconstrução. O estudo “E Injustiça para Todos: a Vida dos Trabalhadores na Reconstrução de Nova Orleans”, elaborado a partir de entrevistas com 700 trabalhadores de Nova Orleans, constatou condições “deploráveis” no emprego – roubo de salários, demissões sem justificativa, insegurança e assédio policial. O relatório conclui que “Nova Orleans está sendo reconstruída às custas de trabalhadores mal pagos e não-pagos, perpetuando os ciclos de pobreza que existia antes do Katrina”. Após o furacão, muitos perderam o emprego, a maioria negros. De acordo com o estudo, esses trabalhadores entraram em um ciclo

perverso: “Sem moradia, não podem trabalhar; sem emprego, não podem pagar uma casa”. A eles, juntam-se cerca de 100 mil imigrantes – a grande maioria, latinos – que chegaram à costa do Golfo do México para trabalhar na reconstrução e enfrentam os mesmos problemas. Segundo o relatório, as entrevistas revelaram alguns padrões: –Muitos dos sobreviventes negros são deixados de fora da reconstrução devido a políticas falhas de moradia, discriminação e falta de serviços como transporte; –Os trabalhadores moram em casas com níveis precários de segurança e muitos são sem-teto; –Os trabalhadores enfrentam uma significante incidência de roubo dos salários; –Muitos operários trabalham sob condições precárias, sem proteção

adequada e sem plano de saúde; –Os operários relatam assédio e discriminação racial por parte da polícia local e de funcionários da imigração. Discriminação racial que o relatório qualifica de estrutural, “muito mais danosa que o racismo individual, porque é sistêmica. O racismo estrutural ocorre pelas instituições – públicas e privadas – da sociedade. Acontece porque um número de instituições cria políticas e práticas que põe os negros constantemente em desvantagem e beneficiam, em primeiro lugar, os brancos saudáveis”. Apesar de todo o abuso que sofrem, o relatório aponta que aqueles que trabalham na reconstrução, justamente por serem ilegais, encontram obstáculos para responsabilizar as empresas públicas ou privadas por suas condições. (IO)


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CULTURA

De 31 de agosto a 6 de setembro de 2006

ARTE ENGAJADA

A atualidade de Bertolt Brecht O trabalho do dramaturgo e poeta alemão, morto há 50 anos, se mostra mais vivo do que nunca Cristiane Gomes de São Paulo

A

o longo da história, a arte sempre ajudou a humanidade a compreender e a conhecer o ser humano. Há 50 anos, em 14 de agosto de 1956, morria um artista que entrou para a história ao cumprir como poucos essa função: Ugen Friedrich Bertolt Brecht. Dramaturgo e poeta, o alemão foi um dos precursores da renovação da arte moderna por meio das idéias marxistas. Nascido em 1898 na cidade de Augsburg, Brecht viveu em um pe-

Poesia social Brecht estendeu à poesia os mesmos pensamentos e ideais revolucionários de suas peças teatrais. Defendia que a poesia deveria estar ligada aos acontecimentos sociais, mas sem perder seu sentido artístico. Realizar algo de útil (Bertolt Brecht) Quando li que queimavam as obras dos que procuravam escrever a verdade Mas ao tagarela George, o de fala bonita, convidaram Para abrir sua Academia, desejei mais vivamente Que chegue enfim o tempo em que o povo solicite a um homem desses Que num dos locais de construção dos subúrbios Empurre publicamente um carrinho de mão com cimento, para que Ao menos uma vez um deles realize algo de útil, com o que Poderia então retirar-se para sempre Para cobrir o papel de letras Às custas do Rico povo trabalhador.

1898 – Nascimento em Augsburg, Sul da Alemanha 1916 – Na escola secundária, escreve uma redação contra a 1ª Guerra Mundial e é ameaçado de expulsão 1922 – Estréia de Tambores da Noite, em Munique 1923 – Estréia de Na Selva das Cidades. Conhece Helene Weigel, sua companheira de vida e de trabalho até sua morte 1926 – Estréia de Um Homem é um Homem. Organiza sua primeira coletânea de poemas, o Manual de devoção de Bertolt Brecht 1929 – Conhece Walter Benjamin 1930 – Escreve Santa Joana dos Matadouros 1932 – Encenação de A Mãe, baseada em texto de Máximo Gorki 1933 – Os nazistas tomam o poder; Brecht e Helene deixam a Alemanha 1934 – Escreve Horácios e Curiácios 1935 – Os nazistas lhe cassam a cidadania alemã. Viaja a Nova York para a estréia de A Mãe 1938 – Escreve a primeira versão de Vida de Galileu 1939 – Escreve Mãe Coragem e seus Filhos. Fugindo dos nazistas, planeja se refugiar na América 1944 – Escreve Círculo de Giz Caucasiano 1947 – Vida de Galileu é encenada nos Estados Unidos. Perseguido pelo macartismo, deixa os Estados Unidos 1949 – Volta para Berlim. Funda o Berliner Ensemble, onde encena Mãe Coragem 1954 – Mãe Coragem ganha o primeiro lugar no Festival de Teatro de Paris 1956 – Participa pela última vez de um ensaio no Berliner Ensemble. Em 14 de agosto, morre de enfarte

Reprodução

Uma vida de arte e política

Brecht iniciou movimento que rompeu com a arte burguesa do século 19

ríodo de guerras, convulsões e intensas transformações mundiais. Transpôs toda essa gama de fatos e problemas sociais para o teatro e a poesia, dedicando sua vida e sua arte à transformação social. “Ninguém pode se pôr acima das lutas sociais porque ninguém pode se pôr acima da humanidade”, declarou, em um de seus escritos. Brecht fez escola, espalhando pelo mundo suas idéias e mudando o curso da história do teatro no século 20. Com suas peças teatrais, poemas e ensaios, o alemão iniciou o movimento que rompeu com a arte burguesa e naturalista do século 19. Por volta de 1929, quando abraça de vez as idéias socialistas, começa a desenvolver sua teoria de teatro épico que, mais tarde, arrebataria artistas de esquerda. Depois dele, nada seria como antes. Para Brecht, o teatro épico é aquele caracterizado pela narrativa e pela descrição, onde os fatos sociais são apresentados com suas contradições. Ao mesmo tempo que diverte, faz pensar. Esse tipo de teatro não quer explicar o mundo, mas modificá-lo. O dramaturgo alemão acreditava que apresentar fatos cotidianos com um certo distanciamento proporciona ao público uma visão crítica da realidade. A dialética dessa teoria está no fato de que é preciso tornar estranha uma situação familiar para realmente se familiarizar com ela. “O teatro do Brecht é um teatro de desafio à inteligência, às emoções, às categorias de percepção do mundo. Por isso, ele propõe experimentos por meio dos quais você procura mudar o seu modo de ver aquelas coisas”, afirma a pesquisadora teatral Iná Camargo Costa. Vale ressaltar que, apesar de ter sido o principal expoente e representante do teatro

épico, não se pode dizer que Brecht o criou. Em meados da década de 20, quando o alemão começava a formular as bases de seu trabalho, diretores que desenvolviam um teatro político já trabalhavam com assuntos épicos em suas criações – uma das conseqüências do trabalho de agitação e propaganda iniciado com a revolução russa. Mas esse trabalho não saiu de graça para o dramaturgo alemão. Em 1933, quando Adolf Hitler e seu exército nazista tomaram o poder na Alemanha, Brecht, sua companheira Helene Weigel, e o filho do casal foram obrigados a fugir do país. Suas obras foram queimadas em praça pública e ele permaneceu no exílio até o final da Segunda Guerra Mundial, passando por diversos países. Viveu nos Estados Unidos, onde foi perseguido pelo macartismo e acusado de desenvolver atividades comunistas, o que provocou sua expulsão do país. Com o fim da Alemanha nazista, voltou ao seu país e continuou usando a arte como instrumento de luta da classe trabalhadora. Nesse período, criou sua própria companhia teatral, a Berliner Ensemble.

NOVA FORMA O teatro e a poesia de Brecht foram revolucionárias não só no conteúdo, mas também na forma. Nas cerca de 40 peças que escreveu, latifundiários, empresários, capitalistas são mostrados como bandidos, aproveitadores, revelando a ambigüidade de uma elite que escamoteia conflito de classe. Por outro lado, as personagens populares não são colocadas acima do bem e do mal. Visões maniqueístas não têm espaço nas obras brechtianas. É claro que essas pessoas aparecem lutando pela transformação da sociedade, mas surgem também lutando por sua sobrevivência. Brecht escancara as contradições e dúvidas daqueles homens e mulheres do povo. É exatamente isso que provoca a reflexão por parte do espectador.

INFLUÊNCIAS O teatro épico e político de Bertolt Brecht influenciou e continua influenciando uma enorme quantidade de artistas de esquerda. Foi a partir do conhecimento do teatro do dramaturgo que diretores latino-americanos iniciaram o processo de rompimento com o até então dominante teatro burguês (representado em sua maioria por companhias estrangeiras) para criar um fazer teatral que tratasse dos problemas, lutas, anseios e realidade da América Latina. Foi o que ficou conhecido como Movimento do Novo Teatro, que teve início no começo da década de 1960 e que se espalhou por toda a América Latina, em um processo que seria interrompido pela repressão das ditaduras militares na maior parte das nações latino-americanas.

No Brasil, a história não foi diferente. A teoria brechtiana politizou o teatro nacional, fornecendo ferramentas de crítica e análise, tanto ideológicas quanto estéticas, aos artistas brasileiros, quando os palcos começaram a fazer parte também da resistência ao regime militar. O Teatro de Arena, em São Paulo, foi um dos mais ligados aos ideais de Brecht. As peças Arena conta Zumbi e Arena conta Tiradente, ambas escritas por Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, são uma prova viva dessa influência. Os trabalhos escritos por Oduvaldo Viana Filho, o Vianinha (também do Teatro de Arena) e o dos Centros Populares de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE) também seguiram o caminho de Brecht. Depois do longo período de repressão militar, que interrompeu esses trabalhos, a obra de Brecht retoma sua força política e estética no Brasil, provando sua atualidade. Isso acontece a partir dos anos de 1990, com a retomada dos trabalhos de teatro de grupo, como o da Companhia do Latão, do Folias D’Arte, do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, entre outros. A Companhia do Latão, que montou Ensaio sobre o Latão, em 1997, e Santa Joana dos Matadouros, em 1998, monta agora o Círculo de Giz Caucasiano, em cartaz até setembro no Rio de Janeiro, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Escrita por Brecht em 1945, quando ele ainda estava exilado nos Estados Unidos, a peça inclui a participação em vídeo do grupo de teatro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Filhos da Mãe Terra, formado por jovens do assentamento Carlos Lamarca, em Sarapuí, interior de São Paulo. O Filhos da Mãe Terra também desenvolveu um espetáculo brechtiano: Posseiros e Fazendeiros, baseado em Horácios e Curiácios. Meio século depois de sua morte, as poesias, escritos e peças teatrais de Brecht continuam mais vivas do que nunca. São muitas as razões. Uma é que a arte é eterna e universal. Outra é o atual estágio do capitalismo neoliberal, que faz com que os temas das poesias e das peças brechtianas não saiam da pauta de discussão. Mesmo em tempos de hegemonia do pensamento único e de indústria cultural, o teatro segue se mostrando como uma arma potente contra essa realidade. A obra que Brecht deixou para a humanidade dá a certeza dessa afirmação. Como ele próprio defende: “Uma coisa fica, porém, desde já, fora de dúvida. Só poderemos descrever o mundo atual para o homem atual na medida em que o descrevermos como um mundo passível de modificação”.


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