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Ano 4 • Número 196

Uma visão popular do Brasil e do mundo

R$ 2,00

São Paulo • De 30 de novembro a 6 de dezembro de 2006

www.brasildefato.com.br

Novo fôlego à Revolução Bolivariana Movimentos pretendem intensificar mudanças sociais na Venezuela, com apoio de Chávez, que deve ser reeleito no dia 3 Marcelo Garcia

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esquisas de opinião indicam que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, está com a vitória praticamente garantida nas eleições de 3 de dezembro. Mesmo com a promessa de Chávez de dar “mais poder aos pobres” em seu segundo mandato, os movimentos sociais venezuelanos afirmam que a tarefa colocada para as organizações sociais será diferenciar a agenda do Executivo das necessidades reais das organizações. “Temos que fazer com que essa revolução se concretize”, analisa Franklin González, da Frente Nacional Camponês Ezequiel Zamora. Pág. 7

No semi-árido, a convivência vence a seca A poucos dias das eleições, Hugo Chávez aparece com 59% das intenções de voto contra 27% de seu opositor; os indecisos atingem 13%

Juízes barram reforma agrária em PE Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Pernambuco. Além da falta de vontade política dos governantes, os manifestantes

denunciaram os entraves criados por juízes, que defendem os interesses dos latifundiários. Pág. 4

EDITORIAL

Impulso para a transformação

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o próximo domingo, dia 3, o povo venezuelano vai às urnas para escolher entre duas opções: pela continuidade do processo da Revolução Bolivariana, liderado por Hugo Chávez, ou pelo retorno às políticas neoliberais, como quer a elite articulada na candidatura de Manoel Rosales – governador licenciado do Estado de Zulia e um dos articuladores do golpe de Estado de 11 de abril de 2002, contra o próprio Chávez. Depois da recente vitória de Rafael Correa nas eleições presidenciais no Equador, propondo a nacionalização do petróleo e uma agenda de medidas não neoliberais, como a integração latino-americana e o atendimento de reivindicações das massas mais pobres, o processo político da América Latina poderá receber um novo impulso progressista com a esperada reeleição de Chávez, um grande impulsionador político da cooperação e da solidariedade entre os povos. Pela renitente e desinformativa campanha que os grandes meios de comunicação comerciais fazem contra o venezuelano, taxando-o de populista e ditador seja aqui no Brasil ou no mundo, pode-se aferir que sua reeleição é um pesadelo para os interesses das transnacionais e para as oligarquias nativas, sempre dispostas a uma vassalagem sem fim diante de toda e qualquer exigência dos EUA. Apesar dessa campanha de desinformação, as ações concretas desenvolvidas pelo governo de

Chávez chegam, de uma ou outra maneira, até o conhecimento dos povos. No domingo, os venezuelanos vão avaliar algumas conquistas de seu país como a eliminação do analfabetismo, a multiplicação dos investimentos sociais em saúde, habitação, democratização da educação e da cultura e saneamento, a elevação do valor do salário mínimo com redução do número de desempregados, muito embora este ainda seja alto. Também por meio do voto, os venezuelanos poderão sustentar – ou não – as medidas de integração latino-americana que o governo Chávez já implementou, entre outras a Operação Milagre (ação de saúde que tem como meta o tratamento gratuito de 6 milhões de latino-americanos com problemas visuais), a criação da Telesur (uma tv para a integração), da Petrosur e dos acordos para a cooperação energética que já estão em marcha. Mais do que isso, com o voto, os venezuelanos poderão dar novo impulso ao processo político de participação das massas, com elevação de sua consciência política, de sua capacidade crítica, inclusive para criar as condições para superar limites que o governo Chávez ainda não conseguiu, como o lento processo de reforma agrária e as travas de funcionamento burocrático que ainda rebaixam as imensas possibilidades de transformação social que a Revolução Bolivariana deu início. A reeleição de Hugo Chávez será uma vitória para o povo

brasileiro e para a luta antiimperialista internacional. O imenso laboratório político transformador em que a Venezuela se converteu – sendo um estímulo ao surgimento de novas correntes progressistas em todo o mundo, inclusive no interior das forças armadas – poderá se fortalecer, indicando com isso que, tanto no Brasil quanto na Argentina, consolidam-se condições para enfrentar e escapar das armadilhas neocoloniais impostas pelo imperialismo. Amarras que impedem as nações periféricas de se libertarem da rapina e da devastadora exploração a que são submetidas. A importância da reeleição de Hugo Chávez está ligada ao fato de a Venezuela e seu progresso revolucionário terem se transformado em um impulso enérgico à luta dos demais povos do Terceiro Mundo pela sua libertação, fortalecendo os ventos progresssitas que sopram na América Latina e encorajando os governos a iniciativas mais audazes no atendimento das reivindicações populares. O avanço dos bolivarianos mostra que essa linha de transformação vem consolidando amplo apoio de massas, o que permite o planejamento e adoção de políticas públicas mais sustentáveis, em linha de ruptura com a dependência neoliberal.

Pág. 6 Fernanda Oliveira/Divulgação Enconasa

A lentidão na reforma agrária em 2006 foi o mote da série de mobilizações, atos e ocupações promovidos pelo Movimento dos

Após eleições, conservadorismo segue nos EUA

Cerca de 500 agricultores e lutadores sociais se reuniram em Crato, interior do Ceará, para mostrar que a convivência com o semi-árido é possível. Eles participaram do 6º Encontro Nacional da Articulação do Semi-Árido (Enconasa), realizado entre 20 e 24 de novembro. Pág. 5

Zé Padre, um dos assistidos pela ASA, no semi-árido cerarense, na região do Cariri, planta, entre outros frutos, caju de acordo com o sistema de agrofloresta

Atos contra tarifas altas em São Paulo

No Equador, vitória do projeto popular

No final de novembro, estudantes paulistanos realizaram protestos contra o reajuste das passagens de transportes coletivos – um deles, violentamente reprimido pela polícia. Para economista do Dieese, reajuste prejudica setores mais pobres. Pág. 3

O economista Rafael Correa, amparado por um amplo movimento político – formado por partidos e organizações indígenas e de esquerda – foi eleito presidente do Equador, vencendo a disputa no 2º turno contra o multimilionário Álvaro Noboa. Pág. 6


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DEBATE

CRÔNICA

Por outra educação do campo tema da Educação do Campo está colocado no âmbito social, acadêmico ou governamental. E essas reflexões ganharam corpo, apoio e legitimidade política no âmbito social, acadêmico e governamental por conta de seu principal traço característico, marcado pela sua gênese: a Educação do Campo resgata valores e conceitos da Educação Popular, mas incorpora uma novidade: a idéia do direito à educação e uma nova proposta educacional para o campo tem o protagonismo dos sujeitos do campo por meio de suas organizações sociais. É o direito que nasce na luta por outros direitos: à terra, à água, à preservação da biodiversidade, a um modelo agrícola que tenha por base a soberania alimentar, enfim, nasce colado à trajetória de lutas realizada no campo brasileiro, pelos camponeses e camponesas. O Brasil desde a sua formação econômica e social, adotou um modelo de desenvolvimento que transita entre dois aspectos fundamentais que, para os pensadores nacionais, constituem-se nos dois principais problemas brasileiros: 1 a base da estrutura econômica voltada para os interesses externos, desde a Colônia, na fase do capitalismo mercantil, até a fase atual do desenvolvimento capitalista, a fase financeira, e 2 uma relação entre produção e trabalho centradas na superexploração da classe trabalhadora por uma burguesia nacional associada ao capital internacional como sócia menor. Esses aspectos vão determinar este modelo de desenvolvimento capitalista como produtor e reprodutor permanente de desigualdades sociais. Para além desses fatores e como complementar daqueles, generalizou-se como cultura os valores de consumo e de mercado das classes dominantes dos países mais desenvolvidos. Pensadores brasileiros como Florestan Fernandes, Caio Prado Jr e Celso Furtado, embora com diferentes estratégias, identificam, desde aí, algumas condições para, nesse contexto, pensar um Projeto de Nação brasileiro na perspectiva de rompimento do modelo. A primeira se refere ao fortalecimento dos mecanismos internos de decisão acerca de um modelo econômico que enfrente aqueles problemas e produza uma crescente homogeneização da sociedade por meio do acesso aos direitos básicos no sentido da superação das desigualdades. A segunda indica a necessidade de superação dos bloqueios culturais impostos pelo patrimonialismo como subproduto do escravismo colonial, negador da humanidade dos sujeitos que naturaliza a negação do direito, assim como da constituição das relações de poder baseadas na indistinção entre o público e o privado.

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O DIREITO À EDUCAÇÃO

A educação é um processo de formação do ser humano enquanto indivíduo, que se reproduz em diferentes espaços. A escola é um desses espaços, cujo papel é o de promover, além da escolarização, ações que contribuem no processo educativo no contexto da comunidade escolar (família, escola, comunidade) e do meio social e político no qual se encontra inserida.

(um tributo a Leandro Konder)

Arte sobre foto de Marcelo Netto Rodrigues

Clarisse dos Santos

Otimistas e pessimistas Luiz Ricardo Leitão

É necessário compreender que, no campo da educação, um dos principais direitos é a formação humana e se a escola é um espaço capaz de proporcionar essa formação, a escolarização é um desses direitos, a qual não é a única, mas é a mediação para que possa promover a integração entre o conhecimento empírico e o conhecimento científico dentro de uma especificidade (o campo) e considerando as particularidades dos indivíduos que o compõe.

Quando os movimentos sociais do campo lutam por políticas públicas, impõem a necessidade do embate ideológico Quando os movimentos sociais do campo lutam por políticas públicas, impõem a necessidade do embate ideológico em torno do imaginário popular com relação à consciência dos direitos. Nesse sentido, a luta social pelo direito à educação constrói tanto para fora o imaginário acerca do direito que os camponeses e camponesas têm à educação, quanto para dentro das organizações a consciência não somente da necessidade de lutar por direitos, mas também que a exigência de elaborar um projeto de Educação do Campo na perspectiva de classe em luta por transformações sociais mais amplas, em que se inscreve a educação. A CULTURA CAMPONESA

AS POLÍTICAS PÚBLICAS

Na luta pela Educação do Campo, são os movimentos sociais do campo que, buscando a efetivação do direito, apresentam suas exigências ao Estado, ampliando as possibilidades do acesso aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras do campo. Assim, os movimentos sociais, como protagonistas no processo de construção de políticas públicas de educação, além de apresentarem suas exigências, impõem novas condicionalidades à política pública, tanto no que se refere ao seu caráter – a exigência da participação no processo de construção da política – quanto no que se refere ao seu conteúdo, qual seja, o projeto de educação e sociedade ali contidos. Esse caráter da política pública de Educação do Campo determina, ao fim e ao cabo, uma nova condicionalidade em relação à própria formulação da política. É mais que programa, é mais que política de governo, é política de Estado. Porém, tal caráter e tal conteúdo são elementos da disputa da hegemonia e se implementarão na medida da alteração da correlação de forças das classes trabalhadoras e das classes trabalhadoras do campo na capacidade política de imporem suas necessidades e seus interesses como necessidades da Nação brasileira. Assim, a exigência de uma política pública de Educação do Campo se insere na concepção do direito à educação como condição para a instituição de outros direitos e de que a sua efetivação somente se realiza no espaço público. Clarisse dos Santos é pedagoga, especialista em educação do campo

Tive a honra e o prazer de assistir ao evento de lançamento do segundo volume da revista Chronos, que é dedicado ao pensamento e à obra do mestre Leandro Konder, filósofo e escritor refinadíssimo – para muitos, inclusive, o mais altivo e cordato socialista (militante!) destas plagas. A publicação é uma iniciativa da Reitoria da Unirio, sob direção editorial de Luciano Maia e com a coordenação temática a cargo do nosso dileto confrade Paulo Cavalcante, historiador de primeira linha, que há pouco lançou, na USP, alentada pesquisa sobre os “negócios de trapaça” no Brasil colonial, ou seja, os caminhos e descaminhos em que Pindorama se enredou até o século 18. Se não bastasse a alegria de presenciar uma justa homenagem àquele que devotou sua vida a defender, sem o menor laivo de dogmatismo ou mecanicismo, o vigor das idéias de Marx, assim como a vigência da ética marxista e o valor insubstituível da filosofia da práxis, alguns de seus discípulos puderam ainda compartilhar com o maestro, antes do início da sessão, breves impressões sobre os destinos de nossa pátria-mãe gentil. O Brasil, por sinal, é objeto de permanente reflexão de Konder, que sempre ressaltou a “anemia” do novo na história de uma sociedade na qual prevalece a continuidade e se exorciza a ruptura: “o novo, disse ele certa vez, vai sendo injetado em doses homeopáticas, servido com conta-gotas e sobreposto ao velho sem destruí-lo nem removê-lo”... Com o otimismo que lhe é peculiar, Leandro Konder reiterou-nos sua convicção de que nenhum dos problemas que Marx enfrentou no seu tempo veio a ser solucionado pelo capitalismo posterior, motivo pelo qual “o velho Marx renascerá”. Ele reconhece o momento de refluxo que o movimento de massas vive no país, as debilidades da esquerda em recomposição, além do papel nefasto que a paidéia audiovisual do imperialismo ianque exerce sobre as pessoas, buscando afastá-las da sabedoria mágica dos livros e entulhando-a com o lixo da indústria “cultural” transnacional. É uma luta desigual, bem o sabemos, mas paira uma inquietude no ar, uma insatisfação latente que apenas parece aguardar o momento – e os atores – adequado(s) para desatar os seus nós seculares.

Leandro Konder reiterou-nos sua convicção de que nenhum dos problemas que Marx enfrentou no seu tempo veio a ser solucionado pelo capitalismo posterior, motivo pelo qual “o velho Marx renascerá” Saio rejuvenescido do encontro, em busca de promissores sinais de vida neste planeta azul. As manchetes dizem que Bush foi fragorosamente derrotado nas eleições parlamentares dos EUA. Otimismo? Logo em seguida, os deputados democratas elegem Steny Hoyer, da ala mais moderada (?) do partido, o seu líder no Congresso, por temer que uma retirada rápida das tropas (bandeira levantada pelo rival de Hoyer, o deputado John Murta, que fora apoiado por Nancy Pelosi, a nova porta-voz da Câmara) desmoralize a Casa Branca, como se esta acaso pudesse encobrir o fiasco de sua criminosa e catastrófica ação no Iraque... Pessimismo? ACM e Sarney levam uma tunda em suas províncias. Otimismo? Lula e os caciques do PMDB acertam a partilha do poder para mais quatro anos de continuidade e maquiagem a conta-gotas do velho em Pindorama. Pessimismo? Na dúvida, creio que é tempo de retomar as lições da velha e boa dialógica. Pensar na inserção do sujeito na história, na dimensão infinita da práxis, que, segundo nos ensina Konder, é uma atividade na qual o homem se realiza porque se supera – e se supera infinitamente. Se os de cima mistificam, oprimem e reprimem os de baixo, como teorizava Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, então só haverá mudanças efetivas se a senzala crescer, pressionar e (otimismo?) derrubar a casa-grande. Os pessimistas dizem que os donos do poder estão sempre a postos para cooptar os rebeldes e obstruir as mudanças – há séculos mentem com a desfaçatez de Brás Cubas, mas continuam onde sempre estiveram... Já não será hora de assumir nosso posto nessa dialética??? Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-americana pela Universidade de La Habana

A cultura camponesa se dá na relação com a situação concreta na medida em que os sujeitos do campo constroem a sua existência numa relação dinâmica com a natureza. Depende também das manifestações culturais que herdamos das tradições e dos antepassados. O processo de educação dos camponeses é riquíssimo e está marcado pela oralidade: as prosas, os cantos, os causos. A habilidade no trato, na relação afetiva com a terra, a percepção das passagens da lua, o contemplar da semente que germina, a religiosidade, as danças, a música, a poesia. A Educação do Campo tem o desafio de elevar os trabalhadores do campo a uma nova condição frente ao conhecimento, alargando seu imaginário e consciência em relação aos seus direitos, valorizando a sua identidade e saberes.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Jorge Pereira Filho, João Alexandre Peschanski, Marcelo Netto Rodrigues • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo de Sales Lima, Igor Ojeda, Luís Brasilino, Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Salvador José Soares • Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 - Campos Elíseos - CEP 01218-010 - Tel. (11) 2131-0800 - São Paulo/SP - redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. Conselho Editorial: Alípio Freire • César Sanson • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Pedro Ivo Batista • Ricardo Gebrim

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De 30 de novembro a 6 de dezembro de 2006

NACIONAL SÃO PAULO

Para barrar reajuste dos transportes coletivos, estudantes protestam em São Paulo; PM age com truculência Renato Godoy de Toledo da Redação

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e tudo ocorrer conforme a vontade dos empresários de transportes, prefeitura e governo estadual, os habitantes de São Paulo (SP) sofrerão nesta semana um ataque em seus orçamentos: estão previstos reajustes, acima da inflação, nas tarifas de ônibus, metrô e trem. Os aumentos, previstos para 30 de outubro (depois do fechamento desta edição), foram anunciados pelo prefeito Gilberto Kassab e pelo governador Cláudio Lembo, ambos do PFL. A passagem de ônibus deve subir de R$ 2 para R$ 2,30, um aumento de 15%, mais que o dobro da inflação medida pelo IPCA (7%) no período de março de 2005 – quando o então prefeito José Serra (PSDB) aumentou a passagem, à revelia de seu compromisso de manter a tarifa, firmado em campanha – até novembro de 2006. Os transportes sobre trilhos, controlados pelo governo estadual, devem ter reajuste de 9,5%, passando de R$ 2,10 para R$ 2,30. Com a nova tarifa de ônibus, os usuários arcarão com 84% dos custos do ônibus, enquanto a prefeitura subsidia apenas 16%. Para a economista do Depertamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Cornélia Nogueira Porto, não há justificativas para o aumento. “Eles (prefeitura e governo estadual) precisam justificar o porquê do aumento. O salário dos funcionários das empresas de transporte não teve um aumento relevante, o combustível também não sofreu grandes reajustes”, contesta Cornélia. Segundo estudo do Dieese, em outubro de 2006, o gasto com transporte coletivo representou 4,45% do orçamento familiar da população geral. Na parcela mais pobre da população, o transporte coletivo representou 7,5% do gasto familiar. “Os mais afetados com esse reajuste serão os mais pobres. O transporte é um bem insubstituível, não há um bem alternativo. Os mais pobres, então, terão que se locomover a pé ou reduzir o gasto com alimentação para poder pagar a tarifa”, conclui a economista.

MANIFESTAÇÕES A fim de barrar o aumento, estudantes realizaram

atos em São Paulo. Nos dia 23 e 28 de setembro, a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) convocou atos contra o reajuste, que reuniram cerca de 800 pessoas cada. “Foram atos pacíficos e irreverentes, pulamos catracas simbólicas e queimamos o ‘caixão’ do Kassab”, disse Augusto Chagas, presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE), para quem as reivindicações estão ganhando o apoio da população. “Não admitimos que a prefeitura prejudique os trabalhadores para atender os interesses dos empresários do transporte”, diz o presidente, cuja entidade pretende entrar com uma ação judicial para impedir o reajuste da tarifa do ônibus. Sem a coordenação de partidos ou entidades, estudantes formaram a Frente de Luta Contra o Aumento, impulsionada pelo Movimento Passe Livre (MPL). A Frente organizou um ato no dia 24 de novembro, em que cerca de mil estudantes percorreram as ruas do centro da capital gritando palavras de ordem. Para Lucas “Legume”, membro do MPL, a Frente vai continuar lutando mesmo depois do reajuste. “Vamos lutar para barrar o aumento. Se a tarifa aumentar vamos continuar fazendo atos pela cidade, até morrermos de cansaço”, enfatiza Legume. De fato, o ato da Frente mostrou-se bastante persistente, mesmo com a forte repressão da Polícia Militar. Os estudantes bloquearam a saída dos ônibus no terminal Parque Dom Pedro, no centro, e abriram a porta traseira de dois ônibus, para que os usuários entrassem gratuitamente. “Pode entrar que hoje é de graça!”, gritou um manifestante aos usuários. Após 15 minutos de bloqueio, a Polícia Militar, sem nenhuma tentativa prévia de negociação, atirou bombas de efeito moral na direção dos manifestantes. A atitude causou revolta entre os manifestantes e a população que aguardava os ônibus no terminal. Os estudantes conseguiram se reunir minutos depois da primeira investida da polícia e novamente foram reprimidos, agora com balas de borracha. Dois estudantes foram detidos, um deles com o braço quebrado. Ambos já foram liberados.

Estudante pula catraca em protesto no dia 23 de novembro

Fotos: Anderson Barbosa

Contra o aumento das tarifas de transporte

Quinze minutos após estudantes abrirem as portas traseiras de dois ônibus e gritarem: “Pode entrar que hoje é de graça”, a PM, sem nenhuma tentativa prévia de negociação, atirou bombas de efeito moral, para, numa segunda investida, fazer disparos com balas de borracha

ECONOMIA ESTAGNADA

Salário mínimo precário, herança neoliberal Eduardo Sales de Lima da Redação R$ 1,510 é o salário mínimo necessário para atender às necessidades básicas de uma família, de acordo com estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Às vésperas da 3ª Marcha do Salário Mínimo, que vai acontecer em 6 dezembro, as principais centrais sindicais negociarão com o governo um reajuste de apenas R$ 350 para R$ 420. O governo oferece R$ 367. Além disso, reivindicam também a inclusão de representantes dos trabalhadores no Conselho Monetário Nacional (CMN), para que a criação de emprego seja tão importante quanto a meta de inflação. Há no Brasil 26% de trabalhadores com carteira assinada, segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2002. Em torno de 63% deles são homens. Chama a atenção que 23% do total da população economicamente ativa está desempregada. Dados do economista Márcio Pochmann, veiculados na Revista Sem Terra de fevereiro deste ano, revelavam que, de 1 milhão e 500 mil postos de trabalho abertos de janeiro a outubro de 2005, 90% era com remuneração de até dois salários mínimos; e, de cada três postos abertos, dois es-

tavam na faixa de um a um e meio salário mínimo – até 450 reais. “O desemprego aumenta principalmente entre os mais escolarizados”, afirma José Dari Krein, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Cam-pinas (Unicamp). A precarização do emprego se adequa cada vez mais ao projeto neoliberal impulsionado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso. O aumento do emprego, porém, não é real, para o economista da Universidade de Brasília (UnB) Décio Munhoz. Segundo ele, houve somente o crescimento de trabalho com carteira assinada. “Apenas com um crescimento de 4,5% a 5%, o desemprego vai diminuir de fato”, afirma o professor.

Completa: “o Plano Real de FHC provocou uma dívida interna e externa que impede o aumento de salário”. Para o economista José Carlos de Assis, a suposta criação de 3,5 milhões de empregos formais no governo Lula ainda é insuficiente, pois apenas estabiliza a taxa de desemprego. Segundo ele, o salário mínimo suportável pela economia pode ser até mais que R$ 1.510, desde que haja uma política de pleno emprego. “Com alta taxa de desemprego não adianta fixar um alto salário mínimo porque, atualmente, o mercado encontra gente que trabalha abaixo do salário mínimo. Deve haver crescimento econômico acelerado, é fundamental. Não dá para conseguir aumentar sistema-

ticamente o salário mínimo se a economia estiver estagnada”, avalia José Carlos. A política econômica do governo atual, que insiste com estratégias passadas, favorece a concentração de renda e de patrimônio para os banqueiros, fator importante que dificulta um reajuste necessário do salário mínimo. “Com a taxa de juros alta ocorre a acumulação financeira dos banqueiros, que não é de recursos reais, eles adquirem os títulos de dívida pública”, afirma José Carlos. Ele aponta que, em vez de investir em gastos sociais, o governo é forçado a utilizar o lucro do superavit primário para pagar essa dívida, que é interna e externa, provocando um efeito “contracionista” na economia.


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NACIONAL PERNAMBUCO

Hamilton Octavio de Souza Verdade histórica Em artigo corajoso e digno, publicado na Folha de S. Paulo, o advogado José Carlos Dias confirmou publicamente o testemunho sobre o ex-comandante do DOI-Codi, coronel Carlos Alberto Ustra, como um dos mais atuantes torturadores da ditadura militar (1964-1985). No momento em que muita gente do campo progressista concilia com a direita, o artigo lembra o não esquecimento da violação dos direitos humanos. Destruição legal A Câmara Municipal de São Luís do Paraitinga, no interior paulista, rejeitou projeto de lei popular que impedia o plantio ilimitado de eucaliptos na área do município. Acontece que as grandes fábricas de papel e celulose estão corrompendo os sitiantes e agricultores para trocar outras culturas e reservas florestais por plantações de eucaliptos, altamente danosas ao meio ambiente. É o crime dos ricos contra os pobres. Inchaço municipal Estudo divulgado pelo IBGE revela que o PT elegeu 217 prefeitos em 2004, mas terminou 2005 com 404 prefeitos filiados. O maravilhoso crescimento do PT – de 86% – aconteceu graças aos prefeitos que bandearam do PSDB, PFL, PP e PTB. Certamente todos eles têm compromissos com as lutas históricas dos trabalhadores e afinidade política e ideológica com a nova legenda que abraçaram. Foro privilegiado Preso pela Polícia Federal sob a acusação de fraudar os impostos para grandes empresas, o advogado tributarista Juvenil Alves, eleito deputado federal por Minas Gerais com a maior votação do PT, havia se filiado ao partido somente em setembro de 2004, em tempo para disputar as eleições de 2006. A nota do PT mineiro afirma que a direção foi surpreendida com o acontecimento. Sonegação escancarada Por meio da Operação Dilúvio, a Polícia Federal descobriu um esquema de fraudes praticado por grandes empresas transnacionais, que lesaram o Brasil em mais de R$ 1 bilhão. O esquema consistia em subfaturar importações com notas frias, além de montar empresas de fachada e enviar remessas de lucros para o exterior, via doleiros ou a CC5 do Banco Central. Mais uma vez autoridades financeiras e fiscais não perceberam o crime durante anos. Migração negativa A exploração capitalista neoliberal e globalizada acelerou a miséria e a emigração da América Latina: mais de 25 milhões de pessoas, na maioria trabalhadores na plenitude da produção, deixaram seus países para viver nos Estados Unidos e na Europa. Eles enviam mais de 50 bilhões de dólares por ano para a América Latina, mas a riqueza que produzem nos países ricos é superior a 450 bilhões de dólares. Continuamos no prejuízo. Reação natural Quatro anos depois de comemorarem os lucros proporcionados pela plantação forçada da soja transgênica no Rio Grande do Sul, estimulada pela Monsanto, muitos produtores começam a questionar se não embarcaram em uma canoa furada, já que a soja transgênica caiu de preço no mercado mundial, os pagamentos de patentes aumentaram e a última safra deixou vários produtores quebrados. O lucro fácil durou pouco. Repressão federal No último dia 24 de novembro, a Polícia Federal, acionada pela Anatel – a agência das grandes emissoras comerciais de rádio e televisão – invadiu e apreendeu os equipamentos da rádio comunitária Cidadania FM, de Belo Horizonte (MG), que tem uma história respeitável de luta ao lado das comunidades pobres e dos trabalhadores. Mais uma obra da parceria público-privada.

Em 2006, repressão a sem-terra João Carlos Mazzela

Fatos em foco

Ao longo do ano, foram realizadas 72 ocupações de terra em Pernambuco; apesar disso, somente 1.099 famílias foram assentadas, e nenhuma delas é ligada ao MST

O balanço da reforma agrária no Estado: lentidão nos assentamentos e criminalização dos movimentos sociais Cássia Bechara de Recife (PE)

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Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) promoveu, em 21 de novembro, uma série de mobilizações, atos e ocupações de terras em Pernambuco, para protestar contra a lentidão no processo de reforma agrária no Estado em 2006. Os protestos pretendem também pressionar o governo para que agilize alguns processos de vistoria e desapropriação de terras. Nesse dia, foram realizadas três ocupações, em áreas que já haviam sido ocupadas anteriormente por sem-terra, além de quatro bloqueios de rodovias federais e um ato público no município de Condado, pela desapropriação do Engenho Bonito. Apesar da pressão dos movimentos sociais do campo durante todo o ano – foram 72 ocupações de terras –, a reforma agrária em Pernambuco foi extremamente lenta, com parcos resultados. Da meta do governo de assentar 5.260 famílias – já considerada baixa pelos movimentos sociais –, somente 1.099 foram assentadas. O MST organizou 40 ocupações de terras este ano, envolvendo mais de 5.000 famílias, mas das áreas reivindicadas pela organização nenhuma foi desapropriada. Das cerca de 20 mil famílias sem terra ligadas ao MST, que vivem nos 163 acampamentos do movimento no Estado, nenhuma única foi assentada este ano.

CRIMINALIZAÇÃO A repressão, a criminalização dos movimentos sociais e a perseguição a dirigentes e militantes que lutam pela terra no Estado se intensificaram em 2006. Foram nove prisões, mais da metade delas de dirigentes e militantes do MST. O coordenador nacional do MST, Jaime Amorim, teve mandado de prisão preventiva decretado três vezes – todos considerados ilegais e sem fundamento pelo Superior Tribunal de Justiça. Enquanto as desapropriações de terras e os assentamentos de agricultores andaram a passos de tartaruga, as ações de reintegração de posse foram muitas. Das 19 ações levadas a cabo de janeiro a novembro deste ano em Pernambuco, 15 foram em acampamentos do MST. Muitas vezes de maneira violenta. Segundo Maria Oliveira, superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Pernambuco, não há mais tempo para vistorias de terras este ano. Mas, pelo jeito, para despejos

sempre há tempo. Em 22 de novembro, o juiz José Gilmar da Silva, da comarca de São Lourenço da Mata, revalidou o mandado de reintegração de posse do Engenho São João. As 300 famílias, que vivem há mais de dois anos no acampamento Chico Mendes, montado na fazenda, podem ser despejadas a qualquer momento. A área “pertence” ao Grupo Votorantim, e faz parte da massa falida da Usina Tiúma, que possui dívidas com o Estado e que estava, antes de ocupada pelos sem-terra, improdutiva havia mais de 17 anos.

MOBILIZAÇÃO Há mais de 12 anos, as 100 famílias sem terra que vivem acampadas na área do Engenho Bonito, em Condado, zona da Mata Norte, se mobilizam para que a Justiça reconheça seu direito a estar na

Judiciário favorece latifundiários Para a superintendente do Incra, Maria Oliveira, o atual modelo de reforma agrária é “ruim” e “simplório”, e “não há enfrentamento do governo federal para uma verdadeira intervenção fundiária”. E mais: a burocracia do Incra é ineficiente, os processos de vistoria de terras são lentos, os de desapropriação mais lentos ainda. Os movimentos sociais do campo enfrentam ainda outro inimigo: o Poder Judiciário. Em Pernambuco, juízes perseguem militantes e dirigentes sociais, e mandados de reintegração de posse são emitidos praticamente sem nenhuma análise, como se o simples fato de se tratar de uma reintegração de posse já fosse suficiente para decidir o caso. Por exemplo, o juiz José Anchieta Felix, da comarca de Moreno, concedeu reintegração de posse de uma área comprada

fazenda. A área, supostamente pertencente ao Grupo João Santos, foi vistoriada e dada como improdutiva pelo Incra, desde setembro de 1996, mas a empresa entrou com ação no Tribunal Regional Federal (TRF). pedindo reclassificação fundiária. Esta alegou que, na área, existia uma plantação de bambu. Em 2004, foi feita uma nova vistoria, dessa vez por um perito da Justiça, que comprovou o laudo de improdutividade do Incra. Mas, na sentença, o laudo do perito não foi levado em conta e o processo continua em andamento – sem definição até hoje. Em abril, em reunião com dirigentes do MST e agricultores acampados, o presidente do Incra, Rolf Hackbart, se comprometeu a garantir a vinda do procurador geral do Instituto para fazer o acompanhamento político do caso no Tribunal

ilegalmente, dentro de uma área de assentamento do MST, o que é juridicamente impossível. Várias áreas, já vistoriadas pelo Incra e decretadas para fins de reforma agrária, estão com os processos de desapropriação emperrados na Justiça, por constantes recursos impetrados pelos ditos “proprietários”. A fazenda Uberaba, no município de Bonito, na região Agreste, é um caso emblemático. Possui 525 hectares e já foi ocupada pelo MST em várias ocasiões, desde 2003. A dita proprietária da fazenda se recusa a permitir a vistoria do imóvel pelo Incra, o que impede qualquer processo para a desapropriação da área. Além disso, a área já foi palco de diversos conflitos, com os trabalhadores rurais sendo ameaçados e perseguidos por pistoleiros contratados pela proprietária. Em maio de 2004, os sem-terra Antônio José Lourenço, Cícero José da Silva e João Manoel da Silva, apesar de primários, pais de família e com bons antecedentes, foram presos por sua participação na ocupação da fazenda, em mar-

Regional Federal, pressionando para a resolução da disputa judicial. Sete meses depois da promessa, as famílias continuam aguardando. Mas os sem-terra não só esperaram: continuam resistindo, produzindo e se mobilizando. Como parte dos protestos do dia 21, cerca de 200 acampados e assentados de todo o Estado realizaram um ato em Condado, cobrando o assentamento imediato das famílias acampadas no Engenho Bonito. Com todos esses entraves, o próprio Incra reconhece que o processo de reforma agrária em Pernambuco terminará o ano com um balanço certamente insatisfatório para os movimentos sociais. Para o MST, esse quadro tem que mudar em 2007, e o movimento promete mais ações para garantir que a reforma agrária avance no ano que vem.

ço do mesmo ano. Em setembro, o coordenador do MST, João Rufino, quase foi morto em uma emboscada, da qual participou o filho de uma fazendeira do município, que vinha agredindo e ameaçando as famílias acampadas próximas à fazenda Uberaba, permanentemente vigiada por pistoleiros. As outras duas fazendas reocupadas no dia 21 já foram vistoriadas pelo Incra e declaradas para fins de reforma agrária, mas diversos recursos, impetrados pelos ditos proprietários contestando a decisão na Justiça, impedem a desapropriação. A fazenda Cavaco, no município de Xexéu, zona da Mata Sul, foi declarada área de interesse social, para fins de reforma agrária, autorizando o Incra a fazer a desapropriação, em 4 de fevereiro de 2004. Já a Fazenda Papagaio, de 753 hectares, que fica no município de São Caetano, região Agreste, teve decreto de desapropriação expedido em 9 de junho 2005. Dois meses depois o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu o decreto. (CB)


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NACIONAL SEMI-ÁRIDO

Um povo em busca da autodeterminação Experiências no Ceará mostram a capacidade de camponeses crescerem em harmonia com a natureza, não contra ela Fotos: Fernanda Oliveira/Divulgação Enconasa

Zé Artur tira o seu sustento cultivando frutas e legumes no sistema agroflorestal há quase 10 anos

Luís Brasilino de Crato (CE)

H

á mais de sete anos, a Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA) vem trabalhando com um proposta radical. São cerca de 750 entidades tentando romper com a concepção hegemônica de que a pobreza na região tem a sua origem no clima, promovendo o que chamam de uma “revolução cultural”. Para eles, não é a seca que traz pobreza ao semi-árido mas sim a concentração da riqueza, da terra e da água. Em seu sexto encontro nacional (Enconasa) realizado em Crato (CE), entre os dias 20 e 24 de novembro, a Articulação deu prioridade para a apresentação de experiências que mostram ser possível conviver com o meio ambiente local – alternativas aos grandes projetos, como os açudes, que procuram modificar a natureza. Uma delas é o quintal produtivo e a casa de sementes do casal Juvenal Januário Matos e Durçulina Gomes Matos. Em 1972, eles conseguiram um pedaço de terra – um terço de hectare – em Batateira, bairro de baixa renda em Crato. “Era um terreno arenoso. Plantavam fumo e, depois da colheita, aparecia carrapicho e carro santo (sinais de empobrecimento do solo). Mas nasci e me criei na roça. Por isso, queria transformar essa terra”, revela Juvenal. Mas foi só em 1986 que a empreitada começou a dar resultado. Depois de um primeiro diálogo com técnicos em agroecologia, o camponês aprendeu a fazer o manejo do solo e conheceu o plantio em curva de nível (para aproveitar melhor a água) e a cobertura morta (forma de fertilizar o solo). Começava assim

a descobrir a agrofloresta, técnica na qual a plantação convive com a mata nativa. Juvenal também encontrou no seu terreno dois poços de água profundos. Assim, pôde construir a mandala (uma espécie de tanque) onde cria peixes e aves. “As fezes dos patos alimentam as tilápias e a água uso para irrigar o quintal”, explica. Em 1999, Juvenal fundou a Casa de Sementes Senhor dos Exércitos, uma espécie de banco de sementes. Participam 38 famílias que já conservam ao menos 36 tipos de sementes orgânicas e nativas. “Para participar não precisa pagar nada. É só ter terra para plantar e devolver depois da colheita o dobro das sementes que retirou”, conta a respeito do funcionamento do “banco”. Juvenal tem uma atuação social diversificada. Na Senhor dos Exércitos existe uma lousa usada pelo agricultor para dar aulas a 22 pessoas – uma parceiria com o Programa Brasil Alfabetizado, do governo federal. “Só tinha velho”, brinca Durçulina, de 72 anos, uma das formandas do curso.

SUSTENTABILIDADE Os produtos do quintal são consumidos pela família Matos; porém Juvenal, de 69 anos, não consegue tirar todo seu sustento de lá. Como o terreno é pequeno, ele precisa trabalhar em áreas arrendadas. Alex Josberto Andrade Sampaio, representante da Cáritas que assessora Juvenal, conta que nessas terras o agricultor não consegue cuidar do solo da forma que gostaria pois precisa desenvolvê-la um ou dois anos depois. Mas por essa dificuldade José Raimundo de Matos, conhecido como Zé Artur, não passa. Em 1979, ele pôde

comprar um sítio de 18 hectares no município de Nova Olinda (CE), cidade vizinha a Crato. A terra, no entanto, ficou parada por quase 20 anos, pois ele a considerava “estragada”. Zé Artur, de 64 anos, trabalhou a vida inteira em áreas arrendadas brocando (cortar de modo a ressecar a vegetação) para depois queimar o solo e, então, plantar. Foi em 1995 que a Associação Cristã de Base (ACB) – assim como a Cáritas, uma das entidades ligadas à ASA – apresentou a Zé Artur o modelo da agrofloresta. Ressabiado, o camponês primeiro experimentou as novas técnicas e, em 1997, decidiu-se viver no e do terreno adquirido em 1979. “Aqui era só pedra e areia quando comecei a fazer o manejo. Plantei as árvores nativas misturado com os cultivos. No começo a produção foi mínima mas, com o tempo, foi crescendo. As árvores nativas são boas pois elas acumulam água no inverno (que normalmente vai de dezembro a fevereiro, o período chuvoso) e no verão devolvem para o solo (as folhas e galhos que caem). Outras (utilizadas como ração, como a palma e a lucena) ajudam a matar a sede dos animais”, descreve. Essa é toda a água que Zé Artur utiliza para a irrigação. Dois poços profundos alimentam as necessidades domésticas. No sítio, podem ser encontrados frutas como o mamão, o caju e a manga; legumes e verduras, como tomate e andu; e animais, como o bode, a galinha e o porco. O agricultor comercializa sua produção e daí tira seu sustento. “Vende muito e é sustentável porque nunca acaba, pelo contrário. Aqui não falta coisa alguma. Só saio se for para fazer em outro lugar o mesmo que faço aqui”, comemora.

Juvenal montou uma casa de sementes crioulas na qual mantém a lousa onde ensinou a esposa a ler

O sertanejo que “subiu” na vida Um agricultor nascido em Crato (CE), em 1937, que, sem terra, passou a vida trabalhando na “terra dos outros”, “morando de favor”, sem estudo e com oito, nove filhos para sustentar. A vida severina de José Cazuza da Silva começou a melhorar há oito anos. Zé Padre, como é conhecido, não é muito bom com as datas. Diz que, quando era pequeno, ninguém falava em educação. “Só vim escutar isso quando tinha 14 anos. Apareceu um vereador que deu escola para a gente aprender a assinar o nome e poder votar. Minha escola foi 15 dias. E sou muito agradecido de saber assinar meu próprio nome”, recorda. No princípio da vida adulta, Zé Padre cuidava de grandes propriedades e tirava o que conseguia da terra para a sobrevivência. Assim, viajou o Ceará e o Maranhão. Voltou ao Cariri, para o município de Nova Olinda, vizinha a Crato. “Fiquei um tempo por lá mas não deu certo com a família. A mulher brigava muito comigo e, depois de 20 anos de casado, disse que não gostava mais de mim”, conta Zé Padre, que foi morar na casa de um de seus oito filhos. Ficou quatro anos. Superou a timidez – “ficava com medo de dizer a uma mulher o que não devia” – e conquistou sua segunda companheira, com quem teve seu último filho, em março de 1994. “Minha filha me convenceu a

Para mudar a região, só com reforma agrária Na opinião de Maria Emília Lisboa Pacheco, diretora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), existem alternativas para os povos do semi-árido. O que falta, portanto, é vontade política. Para ela, as políticas de convivência com o semi-árido enfrentam limites de três naturezas. O primeiro é histórico, resultado da tradição fundiária – grandes propriedades de terra e monocultura – hegemônica na região desde o Brasil colônia. Outro limite decorre da dominação política muito forte exercida pelas oligarquias que lucram com as grandes obras oriundas da indústria da seca, em oposição a soluções difusas, como as cisternas e mandalas. Segundo a carta política aprovada ao final do 6º Enconasa, a expressão mais recente dessa mentalidade é a transposição do São Francisco uma vez que suas águas (70%) seriam

comprar esse terreno aqui (em Santana do Cariri, perto da divisa com Nova Olinda), tem um hectare. A terra era tão fraca que plantavam mandioca mas quando chegava o verão morria tudo”, afirma. Falavam para brocar a terra, mas Zé Padre começou plantando milho. Não dava resultados mas o pouco que florescia, ele remexia junto com a terra, numa espécie de cobertura morta. Desde essa época, ele vive da aposentaria rural. Hoje ela é de apenas R$ 260. Em 1998, o camponês começou a ser assistido pela Associação Cristã de Base (ACB). Vestiu a camisa da agrofloresta. “Há oito anos que aqui não entra fogo nem veneno”, orgulha-se Zé Padre que, agora vê florescer pés de feijão, andu, laranja, caju, milho, abacaxi e muitas outras frutas e verduras em seu terreno. O entusiasmo do camponês foi premiado recentemente pela Articulação no Semi-Árido (ASA). Ele foi o primeiro agricultor a receber uma cisterna calçadão. Esta possui o triplo do tamanho de uma comum e a captação é feita por uma cobertura de cimento construída sobre o solo. “Na agrofloresta, você trabalha a vida inteira. A terra vai melhorando com o tempo. É o contrário do que fazia antes, quando brocava e queimava. A terra ia empobrecendo e ‘diminuindo’”, explica. (LB)

destinadas à irrigação em larga escala. Por fim, Maria Emília acredita existir limites que são comuns a toda a sociedade brasileira, como a falta de tecnologias próprias adaptadas; o problema de ensino, pesquisa e extensão; e a baixa oferta de crédito. Desde 1984, superar esses limites tem sido o desafio de Alda Ferreira de Andrade, uma das fundadoras da Associação Cristã de Base (ACB). Ela conta que a organização surgiu como um movimento reivindicatório, oriundo das comunidades eclesiais de base (CEBs). “Depois de quatro ou cinco anos, começamos a repensar nosso papel e enveredamos pela proposta de sermos uma assessoria”, recorda. Sendo assim, a entidade começou a dar embasamento técnico para agricultores da região do Cariri, Sul do Ceará e onde fica Crato, ao mesmo tempo em que organizava associações comunitárias de trabalhadores rurais. Por volta de 1994, a ACB iniciou a implementação de sistemas agroflorestais com o objetivo de proporcionar aos camponeses uma alternativa de convivência com o meio ambiente para que pudessem permanecer na terra. Desde então, a associação tem atua-

do no sentido de fortalecer as economias locais para criar as condições que tornem as organizações do trabalhadores autogestionárias. “Ainda não temos muitas experiências nesse estágio, porque levam algum tempo, dependendo da mentalidade de cada um. Mas os agricultores que já passaram por isso se motivam a transmitir as experiências para os outros”, afirma Alda. Segundo Luciano Silveira, da coordenação executiva da ASA, o trabalho da entidade está em potencializar essas experiências a partir de uma concepção política e pedagógica nova. “Não é um projeto político que nasce do plano das idéias. Ele está enraizado nas experiências. A sua construção se dá no processo de experimentação das famílias agricultoras e na troca de conhecimentos, tanto técnico-metodológicos, quanto político-organizativos”, coloca. Por isso, ele avalia que se constrói uma rede na qual os agricultores da base se identificam como parte integrante e se comprometem com o projeto. Desse modo, Silveira destaca no 6º Enconasa a participação de 200 agricultores “portadores de experiências”, além dos 150 delegados. (LB)


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EQUADOR

Correa vence; novos rumos para o país

Enfotografias.com

INTERNACIONAL

Novo presidente, opositor das teorias neoliberais, promete priorizar a histórica dívida social com a população

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maior parte dos equatorianos escolheu o caminho da mudança e da soberania nas eleições presidenciais de 26 novembro. No dia 28, após a quase totalidade dos votos ter sido apurada, o economista de classe média Rafael Correa já era considerado o novo presidente, ao vencer o multimilionário Álvaro Noboa por uma diferença de cerca de 15 pontos percentuais. Assim, no segundo turno do pleito, prevaleceu o amplo movimento político e cidadão que respaldou Correa – que incluiu os partidos Pachakutik (ligado aos indígenas), o Movimento Popular Democrático, o Partido Socialista, a Izquierda Democrática, a Conaie (principal organização indígena) e outras 200 organizações sociais. Já a derrota de Noboa foi também o fracasso do poder “poderoso cavaleiro do dinheiro”. Nas principais cidades do Equador, como Quito e Guayaquil, as pessoas foram às ruas para celebrar o triunfo de Correa que, em declarações à imprensa, afirmou que foi uma disputa eleitoral na qual estiveram confrontados teses e projetos políticos distintos. Durante a campanha, os grandes meios de comunicação estiveram alinhados com Noboa. Não apenas dedicaram amplos espaços para transmitir os comícios do multimilionário como seus jornalistas evitavam fazer perguntas “incômodas” ao candidato. Como, por exemplo, questioná-lo sobre o pagamento de impostos por parte de suas 114 empresas (muitas delas estão em disputa com o Estado por evasão), o emprego de trabalho infantil em suas bananeiras ou a violação do direito trabalhista de seus empregados.

CONTRADISCURSO O milionário bombardeio publicitário de suas propostas de repartir o dinheiro, alimentos, medicamentos, assim como a promessa de construir 300 mil casas por ano confundiram muitos. Mas não foram suficientes para que Noboa fosse reconduzido, pela terceira vez, à Presidência. Surgiram iniciativas unitárias de partidos de esquerda, organizações sociais e de ONGs para rechaçar o perigo plutocrático e apoiar Correa. Houve uma exploração de formas de comunicação alternativa, como as redes eletrônicas, os grafites, os videoclipes, as rádios populares, que permitiram à população se informar e conhecer o que os grandes meios ocultavam ou tergiversavam. As cidades ficaram repletas de engenhosos grafites que combinavam humor e ironia e os artistas compuseram criativas canções para denunciar os anseios de se transformar o Equador em uma “fazenda bananeira”. Não surtiu efeito o jogo sujo de Noboa contra Correa ao acusá-lo de ser o “diabo” e “um instrumento de Hugo Chávez e das Farc”. Correa, por sua vez, soube responder às demandas cidadãs e reverter a desvantagem do primeiro turno eleitoral, quando ficou na segunda colocação com 22,84% da votação. O economista usou habilmente os meios, sobretudo a rádio, e optou

por uma campanha de porta em porta, participou de diversos fóruns e comícios enquanto seu oponente, crente da vitória, rejeitava debates e concedia poucas entrevistas, optando pelos espaços pagos. Nesta segunda etapa de sua campanha, Correa colocou menos ênfase na reforma política e na Assembléia Constituinte – suas principais bandeiras no primeiro turno – e concentrou-se mais nos aspectos sociais, como o combate à pobreza, a falta de moradias, o emprego e o microcrédito, além de ter feito várias promessas para satisfazer as demandas das províncias (Estados).

PERFIL Rafael Correa, de 43 anos, tem origem modesta: nasceu em uma família guayaquilenha de classe média, educou-se em colégios católicos e passou um ano na comunidade indígena da província de Cotopaxi. Formado em economia pela Universidad Católica de Guayaquil, fez estudos também nas universidades de Lovaina (Bélgica) e em Illinois (Estados Unidos). Destacou-se, depois, por suas posturas antineoliberais e nacionalistas como analista econômico e decano na Faculdade de Economía

Correa acena para simpatizantes após votar no dia 26 de novembro; dois dias depois, foi confirmado presidente

de la Universidad San Francisco de Quito. Ocupou o cargo de ministro das Finanças, a convite do presidente Alfredo Palacio, após a derrubada de Lucio Gutierrez, em abril de 2005. Ficou no cargo apenas três meses, quando manteve uma política de questionamento ao

Banco Mundial, ao Fundo Monetário Internacional e de priorização do gasto social. O programa que Correa deverá cumprir tem cinco teses programáticas: revoluções ética, socioeconômica e política; uma pátria soberana e digna; e a integração la-

tino-americana. Em várias coletivas de imprensa, o economista afirmou também que seu primeiro decreto será a convocação de uma consulta popular para instalar uma Assembléia Constituinte com o objetivo de elaborar uma nova Constituição. (Alai - www.alainet.org)

IMPÉRIO

Nos EUA, uma guinada progressista? Igor Ojeda da Redação Após o Partido Democrata conquistar a maioria no Senado e na Câmara dos Representantes nas eleições legislativas estadunidenses de 7 de novembro – o que não ocorria desde 1994 – e a queda do secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, a expectativa geral é que a política dos EUA tome um rumo menos conservador. No entanto, para o analista estadunidense Stephen Lendman, no Congresso apenas a retórica habitual terá vez e as mudanças, se acontecerem, serão periféricas. Com respeito à saída de Rumsfeld, ele lembra que seu substituto, o exdiretor da Agência Central de Inteligência (CIA), Robert Gates, adota a mesma linha de seu antecessor. Em entrevista ao Brasil de Fato, Lendman cita duas razões para não acreditar que haverá uma alteração significativa no Congresso. Primeiramente, o fato de as lideranças dos partidos não se diferenciarem no essencial, por atenderem aos interesses corporativos, e, em segundo, o poder de veto do presidente George W. Bush sobre qualquer legislação, sendo necessários dois terços de votos para derrubá-lo. Tanto no Senado quanto na Câmara dos Representantes (equivalente no Brasil à Câmara dos Deputados), a vitória democrata sobre o Partido Republicano ficou longe de alcançar tal número. No primeiro caso, o Partido Democrata conquistou 51 das cem cadeiras, enquanto no segundo havia conseguido 231 das 435 vagas (seis vagas ainda estão em disputa).

CORPORATOCRACIA Segundo Lendman, “a liderança dos dois partidos e a maioria de seus

operações será mudado, se possível”, explica.

James Bowman/Department of Defense

Eduardo Tamayo de Quito (Equador)

ESCÂNDALOS

Presidente Bush ladeado por Rumsfeld à esquerda e Robert Gates à direita

membros estão subordinadas aos interesses da riqueza e do poder”. De acordo com o analista, virtualmente todos os congressistas estão atados a suas fontes de financiamento. As grandes corporações são as que “administram” os EUA, escolhendo inclusive quem vai ocupar as posições mais altas do governo. Por isso, para ele, alguns dos democratas eleitos que conseguiram remover republicanos neoconservadores não terão poder de fato: poderão falar, mas não agir. “A liderança Neoconservadores é o que conta, – Grupo político incluindo quem geralmente ligado controla os coao Partido Republicano que se caracmitês na Câmara teriza por promover e no Senado. Em uma maior influência externa dos todos os casos, EUA, por acreditar elas estarão nas que o país possui uma autoridade mãos de pessoas moral superior, e mais ligadas ao por defender, interestablishment”, namente, o conservadorismo social. lamenta. No Senado, o líder da maioria, que controla a agenda legislativa, será Harry Reid, do Estado de Nevada. Apesar de pertencer ao Partido Democrata – considerado de linha mais progressistas –, a

atuação de Reid na casa inclui, entre outras coisas, a oposição ao controle de venda e porte de armas e o apoio à invasão do Iraque em 2003. Hoje ele é favorável a uma retirada gradual das tropas. Já Nancy Pelosi, a nova presidente da Câmara dos Representantes e primeira mulher na história a ocupar essa posição, é, na opinião de Lendman, “uma aristocrata e não representa as pessoas comuns”. Ele chama a atenção ainda para o nome que provavelmente assumirá o comitê de Relações Internacionais: o deputado Tom Lantos. “Um falcão da guerra e apoiador extremista de Israel. Um homem nojento mais republicano que a maioria dos republicanos”, diz. Diante dessa realidade, Lendman acredita que a política dos EUA em relação ao Iraque irá se alterar apenas na tática a ser adotada. A estratégia permanecerá a mesma. “É impossível para os EUA se retirarem. Eles já construíram mais de 100 bases lá, incluindo inúmeras de grande porte. Por ora, eles irão ficar, mas o tipo de

Em relação ao sucessor de Rumsfeld no Departamento de Defesa, Robert Gates, Lendman também é cético. Ele lembra que Gates fez parte da Comissão Baker, “que representa o poder real no país”. Portanto, seu mandato servirá para implementar qualquer recomendação que esta fizer. “Ele é da mesma turma de Rumsfeld. Tem um caráter desprezível e, como seu antecessor, deveria estar na prisão pelos crimes cometidos”. No artigo “The Price of Imperial Arrogance” (“O Preço da Arrogância Imperial”), publicado em seu blog no dia 16, Lendman lembra que o novo secretário de Defesa é forte aliado dos neoconservadores e que, na época do governo republicano de Ronald Reagan (1981-1989), esteve envolvido no escândalo do Irã-Contras (em que o governo dos EUA financiaram o movimento contrário à Revolução Sandinista da Nicarágua com dinheiro da venda ilegal de armas para o Irã) e no fornecimento secreto de armamento a Saddam Hussein durante a guerra Irã-Iraque. A Comissão Baker, como é conhecido o Grupo de Estudos do Iraque, é uma comissão bipartidária conduzida pelo republicano James Baker e pelo democrata Lee Hamilton que foi formada com o objetivo de propor soluções à realidade iraquiana. No dia 27, o jornal The New York Times revelou parte de um documento do grupo, onde este sugere a participação do Irã e da Síria na resolução dos conflitos no Iraque. O texto não fixa prazos para eventual retirada das tropas estadunidenses do país.


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AMÉRICA LATINA

VENEZUELA

Com a reeleição praticamente assegurada, presidente venezuelano anuncia nova etapa da revolução bolivariana e teme violência da oposição

Q

uase todos a Miraflores. Simpatizantes e parte dos grupos opositores ao presidente venezuelano Hugo Chávez já sabem como deverá terminar as eleições de 3 dezembro. O mais polêmico dos mandatários latino-americanos festejará sua reeleição discursando para milhares de pessoas no simbólico “balcão do povo”, Palácio Miraflores. De acordo com as pesquisas de opinião, a vantagem de Chávez sobre seu principal opositor, Manuel Rosales, não é inferior a 20%. A última sondagem mostrou que 59% deve votar pelo atual presidente e 27% prefere Rosales. Os indecisos são 13%. Enquanto Chávez discursa, prometendo “aprofundar a revolução” e dar “mais poder aos pobres”, teme-se que a outra parte da oposição, que não vê a construção política diária como um caminho para derrotar o presidente, poderá iniciar algum ato de violência.

CASA BRANCA A novidade nestas eleições é que a pressão estadunidense tem sido bastante tímida. O que não quer dizer que não exista. Para evitar que a confrontação aberta seja capitalizada por Chávez, os Estados Unidos preferiram silenciar, “por ahora”. Mesmo porque, os republicanos liderados

Aprofundar ou iniciar a revolução? Garantir a vitória de Chávez e acelerar o processo revolucionário. Nessa ordem, esses são os desafios colocados para os movimentos sociais venezuelanos, como explica Franklin González, da direção nacional do Frente Nacional Camponês Ezequiel Zamora (FNCEZ), talvez a única organização que apóia o governo e mantém sua autonomia. “Temos que acabar com a corrupção, a burocracia, e fazer com que essa revolução se concretize. O povo não vai agüentar tanto tempo mais”, analisa. González vivencia de perto a lentidão com que se realiza a chamada “revolução agrária” propagandeada pelo governo e reconhece que, a partir de agora, é tarefa dos movimentos sociais fazer com que a revolução bolivariana vire realidade. “Vamos nos mobilizar. Teremos muito o que fazer no próximo mandato”, afirma. Desde quando chegou ao poder, Chávez tem estimulado a organização popular e sabe que essa é a única forma para o processo revolucionário se manter. No entanto, a tarefa dos movimentos colocada agora será diferenciar a agenda do Poder Executivo das necessidades reais das organizações. “O desafio será construir o poder popu-

por George W. Bush – desgastados com o atoleiro no Iraque, como mostrou as eleições parlamentares deste ano – já fracassaram em outras ocasiões, como no golpe de Estado de abril de 2002 e no referendo revogatório do mandato presidencial. Além disso, à Casa Branca não interessa ver um dos seus principais provedores de petróleo na região ardendo em chamas neste momento, enquanto a situação no Iraque segue inconclusa. O desafio será o que virá depois do 3 de dezembro, pois não se sabe se a oposição aceitará a derrota.

FRAUDE E INSTABILIDADE Com o apoio incondicional dos meios de comunicação privados, os porta-vozes da oposição questionam a transparência do Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Tampouco dizem confiar no sistema automatizado de votação. A única “certeza” que afirmam ter é de que haverá fraude, ainda que não possam prová-la. O clima é de uma disfarçada tensão. As pessoas nas urnas perguntam umas às outras o que pode acontecer. A história recente mostra que, na Venezuela, a política ainda se resolve à base da pistola. Todos os cenários de instabilidade, desde 2002 até hoje, terminaram com algumas vidas a menos. A violência é o que preocupa o governo. No domingo, foi a vez dos “chavistas”

lar a partir da base”, analisa Franklin.

PODER AO POVO Chávez sabe da inquietude da população que o apóia. Faixas, cartas e gritos carregadas em atos e comícios lhe dizem que o crédito não chegou, que o prefeito é corrupto ou que o governador não trabalha. O presidente já indicou que espera o desfecho das eleições para colocar a casa em ordem. “O povo vai ser reeleito. O dia 3 de dezembro é o ponto de partida, não de chegada. Vamos iniciar uma nova era da revolução bolivariana. Prometo que vou redobrar meus esforços para aprofundar o processo de transferência do poder para as mãos do povo”, disse. Resta saber se Chávez aproveitará o capital político e o apoio popular que receberá no próximo domingo para iniciar as transformações reais no país logo no início do segundo mandato. Não será tarefa fácil. Corrupção e Estado ineficiente seguram o processo boliariano. Em um país onde mais de 70% dos alimentos são importados, “a revolução agrária” – por exemplo – ainda não foi capaz de melhorar as condições de vida dos pequenos agricultores, que resistem no campo. Muitos camponeses que foram beneficiados com a regularização do título de uso da terra (carta agrária) náo recebem financiamento a tempo para o plantio.

O Estado paralelo Tatiana Merlino, da Redação

Chavistas, vestindo as suas já tradicionais camisas vermelhas, saem às ruas de Caracas

ocuparem as ruas do centro de Caracas. De cima se via um mar vermelho que se movia ao som de lemas como “O comandante fica”, “Uh, ah, Chávez não se vá”. O presidente, como de costume, comandava a multidão orientando o que fazer no próximo domingo. “Temos que levantar às três da manhã. Vamos ganhar, mas ainda não ganhamos. Não podemos cair em armadilhas contra-revolucionárias”, disse.

A cooperativa Berveré, localizada no Sul do Lago, Estado Zulia, é um dos exemplos da ineficiência do aparelho burocrático do governo. Em 2005, os cooperativistas receberam crédito para plantar mandioca e maracujá. O governo se encarregaria de comprar a colheita e revender, mas não cumpriu a promessa por conta de entraves burocráticos. Os camponeses quase perderam toda a colheita. Foram obrigados a vender na beira da estrada com valor inferior ao que correspondia.

Reconhecendo que não é o candidato de todos os venezuelanos, Chávez pediu a seus adversários que não se deixem manipular. “Peço às familias que não votarão por mim, as quais respeito, que não se deixem manipular em atos de violência. Vamos votar em paz”, disse. Para evitar desestabilizações, ao governo interessa vencer as eleições com uma ampla margem de vantagem para que a oposição não tenha

elementos para alegar fraude. No início da campanha, Chávez estipulou uma ambiciosa meta a ser alcançada: dez milhões de votos a mais. A média histórica de abstenção na Venezuela varia entre 30% e 40%. Para muitos analistas, nestas eleições, uma grande parte dos abstencionistas podem ser simpatizantes do presidente, mas que, decepcionados, farão parte do chamado “voto castigo” (leia mais abaixo).

Divulgação

Claudia Jardim de Caracas (Venezuela)

Marcelo Garcia

Chávez a caminho da reeleição

O slogan de Rosales, “Atrévete a cambiar”, sugere desobediência

MISSÕES

A oposição reunificada

Justamente pela incapacidade de o Estado de cumprir com as demandas da população que o presidente venezuelano inventa uma nova “institucionalidade” para minimizar a dívida social com a população. De acordo com o governo, as missões atendem a 54% da população. As de saúde e educação são as que, por enquanto, têm apresentado resultados concretos. Em 2005, a Venezuela foi declarada território livre de analfabetismo pela Unesco, como o Brasil de Fato noticiou. A missão Barrio Adentro caminha para sua terceira etapa, em que pequenas clínicas de atendimento especializado estão sendo construídas nos bairros periféricos. Ainda é pouco, pois os hospitais públicos são incapazes de atender à demanda, mas já é muito mais do que os venezuelanos possuíam. (CJ)

Diferentemente dos pleitos anteriores, pela primeira vez a oposição venezuelana conseguiu capitalizar suas aspirações em um líder. Milhares de pessoas marcharam nas principais ruas do leste da capital venezuelana, dia 25. uma das grandes manifestações organizadas pela oposição nos últimos dois anos. “Não queremos Chávez. Queremos democracia, não comunismo”, disse Rosália Uzcatégui, minutos antes de começar a rezar a oração do “ pai nosso” junto à multidão que aguardava a chegada do seu candidato. Na Venezuela, a Igreja Católica é um dos mais ferozes opositores do processo bolivariano. A cúpula eclesiástica chegou, inclusive, a convocar seus fiéis para protestos anti-Chávez e, no

período de maior instabilidade, foi um dos principais agentes usados pela elite para desestabilizar o governo. Manuel Rosales foi governador por duas vezes do principal Estado venezuelano, Zulia, que abriga as maiores reservas petroleiras do país. Afastou-se do cargo para concorrer às eleições e, depois do pleito, poderá retomar seu posto. O oposicionista possui um pequeno, mas garantido, núcleo de poder que poderá pesar no momento de decidir se reconhecerá – ou não – os resultados das eleições. O governador licenciado sabe que uma ação mais despropositada, como deslegitimar os resultados e questionar a legalidade do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) sem provas concretas, poderá significar prejuízo político, uma vez que uma instabilidade institucional pode colocar em risco a sua volta ao poder em Zulia. (CJ)

Um meio encontrado pelo governo bolivariano da Venezuela para burlar a lentidão da burocracia estatal e promover a participação popular na resolução de seus problemas foi a criação das chamadas misiones (missões, em português). A participação das comunidades organizadas é um dos elementos fundamentais dos programas, assim como o estímulo ao trabalho dos voluntários chamados pelo governo bolivariano. Com as 19 missões criadas pelo governo até hoje, o Estado chega às regiões desamparadas de políticas e serviços públicos, como morros que cercam Caracas e o interior do país. A primeira missão, Barrio Adentro, teve início em abril de 2003, com a chegada de 58 médicos cubanos à Venezuela, quando se estabeleceram nos bairros mais carentes de Caracas. Com o êxito desse projeto-piloto, a partir de julho daquele mesmo ano, o programa foi ampliado a todo o país. A segunda fase da missão Barrio Adentro começou em setembro de 2004, quando foram estabelecidos 84 centros de diagnósticos, com serviços gratuitos de eletrocardiograma, endoscopia, ultrassonografia, radiologia e de diagnóstico laboratorial. Atualmente, está em andamento a implementação de uma terceira fase, na qual clínicas de saúde especializadas estão sendo construídas nas regiões menos favorecidas do país. De acordo com dados da embaixada de Cuba na Venezuela, os médicos cubanos fazem por volta de 6,4 milhões de consultas por mês e visitam aproximadamente 1,2 milhão de famílias. Com o Barrio Adentro foram feitas 76 milhões de consultas apenas em 2004, enquanto em um período de cinco anos, entre 1994 e 1998, foram registradas pouco mais de 70 milhões de consultas executadas por todo o sistema público da Venezuela. A missão Robinson teve início em julho de 2003, baseado no método “Yo, sí, puedo”, desenvolvido pelo Instituto Pedagógico Latino- Americano de Cuba, adaptado ao contexto venezuelano. Em três anos, conseguiu livrar o território venezuelano do analfabetismo. A declaração foi feita pelo governo no final de outubro de 2005, com o aval da Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (Unesco). Tal feito pressupõe a existência de menos de 1% de analfabetos. Um dos resultados da missão foi a alfabetização de cerca de 1,5 milhão de venezuelanos. O programa de alfabetização serviu de suporte para a criação e consolidação de outras missões sociais, como a missão Mercal, de apoio à criação de mercados populares e casas de alimentação; missão Ribas, formação secundária, missão Sucre, formação universitária, e missão Zamorra, dedicada à reforma agrária.


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CULTURA

De 30 de novembro a 6 de dezembro de 2006

LIVROS

Instrumentos da emancipação Imaginar uma nova nação João Alexandre Peschanski da Redação O Brasil não nasceu na colonização, na Independência ou na consolidação territorial, resolvida apenas na segunda metade do século 20. A nação é resultado de imaginações. O Brasil é o que seu povo quer. A nação nasce após o sentimento de pertença do povo. É dinâmica – inventada e reinventada, continuamente. Mas as elites tentam bloquear o exercício da imaginação, domesticando o pensamento popular, deixando-o refém de ídolos fáceis e de um conceito prêtà-porter de nação. Moderno de nascença: figurações críticas do Brasil, organizado por Benjamin Abdala Jr. e Salete de Almeida Cara, faz pensar. Faz pensar que imaginar o Brasil, um outro Brasil, é um passo determinante para mudar o país. A obra, que reúne treze ensaios, escritos por diversos professores universitários e críticos literários, analisa períodos históricos, movimentos literários e escritores, mostrando alternativas criativas aos problemas brasileiros. O livro está dividido em quatro seções: “Sociabilidades: as almas, os negócios, as idéias”, “Relações internacionais, apreços nacionais”, “Fulgurações do moderno” e “Ordens e desordens”. Na primeira, que tem dois ensaios e uma entrevista com o professor de Teoria Literária

Roberto Schwarz, aborda-se a relação entre os pensamentos estrangeiros e a formação nacional. Fica o aviso de Schwarz, título da entrevista: cuidado com as ideologias alienígenas. Na segunda, três textos analisam a ambivalência do pensamento e da literatura brasileira. No século 19, atrelado a ditames tradicionais, influenciados pela Europa, com os quais autores, como Machado de Assis e Euclides da Cunha, são forçados, diante das problemáticas que abordam, a romper. A terceira parte, com três ensaios, analisa novos ícones – sociais e literários –, que começam a povoar e definir a identidade brasileira. Surge uma nova literatura, uma nova imaginação, um novo país. A última seção entra no século 20, com o objetivo de pensar os pilares do pensamento contemporâneo: o que é imaginar o Brasil hoje? A cultura está institucionalizada? A criação artística está desencantada? A obra não apresenta respostas, nem é esse seu objetivo, como salientam os

organizadores: “Se não há solução em vista, é uma razão a mais para imaginá-la”. E a imaginação se torna um exercício de liberdade.

A função da mídia corporativa Renato Godoy de Toledo da Redação Em Mídia: crise política e poder no Brasil, o sociólogo e jornalista Venício Lima faz uma das primeiras análises acerca do papel da imprensa corporativa na crise que atingiu o governo Lula, em 2005. A cobertura da crise, para o autor, se insere em um contexto iniciado com o escândalo Watergate, em 1972, quando dois jornalistas apuraram uma série de denúncias que culminaram na queda do então presidente estadunidense Richard Nixon. Desde Watergate, a imprensa passou a privilegiar a busca por novos escândalos políticos midiáticos (EPM, como usa o autor) em detrimento da cobertura de fatos relevantes para o rumo do país, tais como a agenda do Congresso e a aplicação das políticas públicas. A essa busca incessante pelos EPM, soma-se a alta competitividade entre os

órgãos da imprensa. Venício revela que se tornou mais importante noticiar antes do que noticiar corretamente. Isso é evidenciado nas transcrições de trechos de notícias falsas, veiculadas nos órgãos de maior circulação na sociedade, com o intuito de desconstruir o governo. A presunção da inocência, garantida pela Constituição, foi substituída pela “presunção de culpa”, nos termos do autor: todos os acusados de envolvimento com o “mensalão” foram considerados, de antemão, culpados e qualquer medida favorável aos “mensaleiros” (como a imprensa corporativa passou a chamar os acusados) era condenada. Venício também faz uma análise aprofundada do sistema de comunicação do país, marcado pela forte concentração de concessões públicas nas mãos de oligarquias regionais, e pela chamada propriedade cruzada – quan-

Mídia: crise política e poder no Brasil Venício A de Lima Fundação Perseu Abramo Preço: R$ 25 www.fpabramo.org.br

A outra comunicação possível

Moderno de nascença: figurações críticas do Brasil Benjamin Abdala Jr. e Salete de Almeida Cara (orgs.) Boitempo Editorial Preço: R$ 34 www.boitempoeditorial.com.br

O lazer na perspectiva marxista Veicula a filosofia dominante, repetida pela mídia conservadora: o trabalho cansa e estressa, o lazer liberta. Nessa máxima, errônea, a exploração capitalista não penetra o tempo livre, que seria então decidida por livre vontade dos indivíduos. Dialética do lazer, coletânea de pesquisas reunidas pela socióloga Valquíria Padilha, demonstra que as condições materiais de existência determinam o lazer – e, se o capitalismo determina o tempo livre, o lazer também aliena. Para analisar o modo como se dá a exploração no lazer, os oito pesquisadores que participam do livro afirmam que a dialética – forma de raciocínio, característica do marxismo, que busca nas contradições sociais a explicação dos fenômenos – é o instrumento fundamental para entendê-lo. No capitalismo, revelam os autores, o homem está distanciado de sua realidade, o que Marx chama de estranhamento, e não percebe que as relações de dominação determinam sua existência. No livro, entre outras, duas experiências servem de oposto. Em primeiro, a sociabilidade dos shopping centers, espaços em que, acreditando estar livres, os seres humanos estão sendo constantemente impelidos ao con-

sumo e controlados (câmeras, seguranças, propagandas). Em segundo, a prática de lazer em ocupações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), onde jogos coletivos são pensados como ações pedagógicas. O livro apresenta algumas propostas para a formulação de diretrizes nacionais para o lazer no MST, salientando que são necessárias para evitar que se reproduza, nas comunidades camponesas, formas de dominação em atividades lúdicas. (JAP) Dialética do lazer Valquíria Padilha (org.) Cortez Editora Preço: R$ 39 www.cortezeditora.com.br

do um único grupo controla diferentes tipos de mídia, como é o caso da Editora Abril e das Organizações Globo. A partir desse quadro, Venício aponta as deficiências da legislação brasileira, que é conivente com a formação de oligopólios. O livro reúne importantes dados e análises que reforçam a necessidade de mudanças na legislação, no sentido de democratizar os meios de comunicação.

A prática da teoria Eduardo Sales de Lima da Redação Che, Mariátegui, Ho ChiMinh, Florestan Fernandes, Álvaro Cunhal, Agostinho Neto, Marighella, Prestes e Gramsci: revolucionários e intérpretes da própria luta. Teoria da Organização Política II, organizado por Ademar Bogo, retoma análises desses teóricos-militantes, com o objetivo de revigorar o marxismo. No livro, Mariátegui rejeita estratégias da esquerda que preguem a aliança do proletariado com a burguesia. O Che corrobora, afirmando que um partido de classe burguesa serviria somente para conduzir a luta pela libertação nacional, mas logo em seguida a classe revolucionária se converteria em reacionária. Ele enfatiza como condição essencial do revolucionário o fato de saber interpretar a realidade. Nessa linha, Florestan Fernandes analisa o permanente dilema do Partido dos Trabalhadores (PT) de se conformar com o liberalismo ou romper com a ordem, desvendando a face do partido revolucionário. Para combater a hegemonia dominante do Estado, Teoria da Organização Política II Ademar Bogo (org.) Expressão Popular Preço: R$ 15 www.expressaopopular.com.br

segundo Gramsci, é preciso construir uma contra-hegemonia (uma nova cultura). Já o português Álvaro Cunhal ensina que o partido não deveria agir somente como uma vanguarda operária, mas evoluir para ser a vanguarda na luta do povo. Prestes critica o Partido Comunista Brasileiro (PCB) que, na tentativa de ser vanguarda, ainda cometia erros básicos em 1980, como o oportunismo e o compadrio. Para Marighella, guerrilheiro baiano fiel a Prestes, o erro do PCB foi acreditar na liderança da burguesia nacional e critica a agremiação pela ausência de resistência à ditadura. Grande influenciador de Marighella, o vietnamita Ho Chi-Minh estabelece uma relação íntima entre a teoria marxista-leninista, a filosofia tradicional de seu povo e o sentimento de revolta contra o neocolonialismo. E na luta contra o colonialismo português, o angolano Agostinho Neto afirma que seu objetivo não é transformar o senhor de hoje no escravo de amanhã. O angolano dialoga intimamente com Marx, discorrendo sobre a própria libertação do homem.

Jorge Pereira Filho da Redação Um subsídio necessário para a compreensão do desafio da democratização da comunicação. Assim pode ser definido o livro Por uma outra comunicação, organizado por Dênis de Moraes, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). A publicação, lançada em 2003, traz ensaios de 18 autores sobre a “mundialização comunicacional e cultural”. Os textos abordam as transformações no campo da mídia ocorridas em meio ao processo da globalização neoliberal. O título, homenagem à obra do geógrafo brasileiro Milton Santos, dialoga com as idéias desse intelectual acerca de algumas características que distinguem esse tempo histórico: a unicidade técnica – que cria uma nova noção de tempo e permite a simultaneidade – e o conhecimento das configurações planetárias, ou seja, a pos-

Por uma outra Comunicação Dênis de Moraes (org.) Editora Record Preço: R$ 34 www.record.com.br

sibilidade de se ter uma concepção de mundo mais detalhada. Muniz Sodré, por exemplo, analisa que jornalistas, financistas, professores e outros tecnocratas, de uma forma geral, constituem as elites logotécnicas que constroem uma realidade compatível com a ideologia neoliberal e dissimulam os efeitos negativos dessa interconexão global feita sob a ótica do capital. Ao mesmo tempo, diz o autor, abrese uma oportunidade histórica para novas estratégias ativistas que desenvolvam uma contralinguagem. Um contradiscurso como o da canadense Naomi Klein que, em seu texto sobre marcas e poder corporativo, conta a história do pequeno município de Celebration, na Flórida, uma cidade idealizada e construída pela The Walt Disney Company. Nesse simulacro, os pais podem mandar seus filhos para as escolas Disney ou até mesmo votar na Câmara Municipal Disney. “É a democracia privatizada”, afirma a canadense. Nessa mundialização que caminha no ritmo da corporocracia, as empresas de mídia exercem um duplo papel: o de propagandeadores e de agentes econômicos globais, a exemplo das gigantes transnacionais. A obra traz, ainda, ensaios de José Arbex Jr., David Harvey, Benjamin R. Barber, Jesús Martín-Barbero, René Dreifuss, Robert W. McChesney, Ignacio Ramonet, Manuel Castells, Franco Berardi, Mark Poster, Michael Hardt, Edgar Morin, Pierre Lévy e Oswaldo León.


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