Ano 4 • Número 197
Uma visão popular do Brasil e do mundo
R$ 2,00
São Paulo • De 7 a 13 de dezembro de 2006
www.brasildefato.com.br
Operários denunciam V perseguição da Gerdau
condições precárias de segurança no Brasil, perseguição a imigrantes sem documentos nos Estados Unidos e ameaças a trabalhadores colombianos. Seu principal executivo, Jorge Gerdau Johannpeter, é cotado para ocupar um cargo no governo Lula. Pág. 5
iolação dos direitos trabalhistas é a marca da Gerdau, empresa brasileira de aço. Reunidos em Porto Alegre de 16 a 18 de novembro no 3º Encontro Internacional dos Trabalhadores da Gerdau, sindicalistas dos nove países onde a corporação atua denunciaram os abusos. Entre eles,
Nos nove países onde está instalada, a empresa brasileira, gigante do aço, comete violações a direitos de seus empregados
MST debate o direito à educação do campo no PR
Márcio Garcia
do Estado. As discussões giraram em torno do papel da educação nos assentamentos e acampamentos na construção de um Projeto Popular para o Brasil. Pág. 3
Rita Fagundes
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Paraná realizou, entre os dias 26 e 30 de novembro, a 1ª Jornada Estadual de Educação na Reforma Agrária, em Cascavel, no Oeste
VENEZUELA SOCIALISTA – O presidente venezuelano, Hugo Chávez, foi reeleito, no dia 3, e conclamou a população a aprofundar a Revolução Bolivariana Pág. 6
Sem-terra reivindicam investimentos públicos em escolas de ocupações
EDITORIAL
Fratura social no México transformaram o México em um caldeirão político em ebulição. De lá, o repórter do Brasil de Fato Pedro Carrano faz uma
constatação: existem dois países, o de cima e o de baixo, o da classe política e o da luta popular. Pág. 7 Divulgação/Acessoria André Manoel Lopéz Obrador
As fraudes na eleição presidencial de junho, a Outra Campanha promovida pelos zapatistas e a Comuna de Oaxaca
Sob protesto, o direitista Felipe Calderón assumiu, no dia 1º, a presidência mexicana.
Governo vai legalizar rádios comunitárias
Crescimento do país não deve ignorar natureza Pág. 4
Após anos de forte pressão dos movimentos pela democratização das comunicações, São Paulo (SP), finalmente, vai ter um aviso de habilitação divulgado pelo Ministério das Comunicações. É o primeiro desde que a matéria foi regulamentada, em 1998. A medida inicia um processo que permitirá a legalização de cerca de 70 rádios comunitárias. Pág. 4
A insurreição pelas lentes do cinema Pág. 8
O recado dos movimentos sociais
N
as últimas semanas, os movimentos sociais, sindicais, pastorais e correntes políticas de nossa sociedade têm realizado diversas plenárias e reuniões de balanço político das eleições e debates sobre o futuro do país. O jornal Brasil de Fato tem procurado cobrir esses eventos e transmitir aos seus leitores as análises e preocupações manifestadas nessas atividades. O que nos chama atenção é que há sinais importantes de construção de um processo de unidade muito grande entre as diferentes formas de o povo se organizar. E essa unidade está sendo construída sobre a base do que todas as forças sociais consideram importante na luta do povo, deixando de lado aqueles temas e visões que não são consenso e, portanto, não ajudam para esse processo. Todas as forças sociais organizadas – as pastorais, a UNE, UBES, movimento sindical, nas suas diferentes correntes, CUT, Conlutas, Internsidical, CGT, os movimentos urbanos e camponeses – convergem para um ponto: é necessário mudar a atual política econômica. Todos consideram que a política aplicada no primeiro mandato, batizada pelo ministro Tarso Genro (Relações Institucionais) de “era Palloci”, é neoliberal e prioriza os interesses dos bancos, das empresas transnacionais e dos grupos exportadores e importadores. É preciso construir uma nova política econômica, que rompa com esses parâmetros e se construa sobre outras bases teóricas. Mesmo que keynesianas (escola econômica inspirada nas idéias de John Keynes),
já seria um progresso frente à submissão atual. A política econômica deve colocar no centro de sua prioridade o uso dos recursos públicos – que são do povo e recolhidos nos impostos – para alcançar a distribuição de renda e aplicação em investimentos públicos que gere trabalho, aumente o salário, distribua terra, construa casas populares de forma massiva e universalize o acesso à educação e à saúde. Agora, no dia 4, a UNE organizou um ato político para debater a política econômica, convidando diversos economistas renomados e as diferentes forças políticas. E todos foram unânimes: é necessário mudar a política econômica e há instrumentos macroeconômicos que possibilitam crescer com distribuição de renda. Se o presidente Lula continuar surdo, ou apenas ouvindo o mercado, os banqueiros e os puxa-sacos que o cercam, vai pagar o preço da história. O tal prometido espetáculo do crescimento da era Palloci deu uma média de 2,6% ao ano nesse primeiro mandato. O Brasil tem o pior desempenho entre as economias do mesmo padrão. Logo ali, na Argentina ou na Venezuela, a economia cresce em média 7% a 8% ao ano. Sem investimentos públicos (os investimentos totais atingem somente 18%), sem cortar os juros e o superavit primário destinado ao pagamento da dívida interna, seguiremos nesse ramerame que só beneficia as 200 maiores empresas do Brasil, que crescem em média a 7,2% ao ano. Os movimentos sociais já deram seu recado.
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De 7 a 13 de dezembro de 2006
DEBATE
CRÔNICA
Por outra agenda para o Brasil Helder Gomes questão colocada aqui para o debate reflete o dilema e as tensões existentes entre as várias correntes de economistas que compõem o campo da crítica econômica na atualidade. Trata-se de refletir sobre as possibilidades de sucesso e as limitações das chamadas propostas alternativas de ajuste econômico, frente à rigidez da crise estrutural do capitalismo mundial e às possibilidades projetadas para sua superação sem uma ruptura com a ordem capitalista. A posição adotada aqui, já adianto, é a de que não há perspectivas de que simples ajustes na atual política macroeconômica no Brasil se reflitam em melhoria substantiva nas condições de vida das famílias trabalhadoras brasileiras, para além de casos isolados de alguma ascensão social. Falando em bom português, caminharemos pouco e, talvez, podemos retroceder muito em nossa missão histórica se persistirmos em limitar a nossa luta cotidiana à pressão política por ajustes do salário mínimo, da tabela de imposto de renda, por uma redução gradativa das taxas de juros, entre outras iniciativas. As contradições que ameaçam se aprofundar ainda mais daqui para frente são de natureza estrutural e, por isso, exigem mais audácia analítica e propositiva da intelectualidade, especialmente em relação à solidariedade junto aos movimentos populares. Os exercícios mais comuns entre os formuladores de políticas alternativas de ajuste macroeconômico se referem às iniciativas implementadas historicamente pelos nacional-desenvolvimentistas. Na maioria dessas proposições, se percebe o apego à necessidade de flexibilidade da rigidez fiscal. Dessa forma, se reduz o perfil da dívida pública e amplia o horizonte de retomada dos investimentos públicos de infra-estrutura econômica e social. Paralelamente, isso requer uma redução das taxas de juros internas e algum controle sobre os fluxos de capital, além de várias outras alterações complementares.
A
“As contradições são de natureza estrutural e, por isso, exigem mais audácia analítica da intelectualidade, especialmente em relação à solidariedade junto aos movimentos populares” Tudo isso fez parte de uma fase do capitalismo que não existe mais e, certamente, boa parte desses mecanismos de política econômica podem voltar a ser colocada na ordem do dia. Atualmente, somente podem ser aplicados se for possível uma ruptura com a dominação do capital especulativo parasitário. Essa ruptura teria que partir de um novo arranjo político capaz de regenerar a capacidade de investimentos produtivos na escala exigida para a reversão da crise atual. Contudo, a possibilidade de uma nova onda longa de reprodução ampliada do capital pouco pode
PT: voltará o país das alianças? Leonardo Boff
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“Uma nova onda longa de reprodução ampliada do capital pouco pode interessar às classes trabalhadoras em seu conjunto” interessar às classes trabalhadoras em seu conjunto. “A eventual nova etapa capitalista não poderá fazer concessões aos trabalhadores. Ao contrário, só será possível sobre a base de uma exploração ainda maior. Se a etapa especulativa implica uma grande tragédia para a humanidade (pelo menos para parcela importante da humanidade) e se a transição para uma eventual nova etapa implicará um aprofundamento e uma extensão dessa tragédia, o capitalismo que sobreviver só o fará impondo tragédia superior”, acreditam os economistas Paulo Nakatani e Reinaldo Carcanholo, da Universidade Federal do Espírito Santo, no ensaio “Capitalismo Especulativo e Alternativas” (2006). Diante disso, a possibilidade de uma solução para a crise estrutural, dentro da ordem capitalista, levaria a humanidade a um processo ainda mais avassalador de exploração do trabalho dentro atual estágio de acumulação. “Isso é resultado da tendência decrescente da taxa de lucro que, apesar do efeito contrariante dos lucros fictícios, segue vigente e operante e, na eventualidade de uma nova etapa capitalista, com o capital fictício contido dentro de estreitos limites, só poderá encontrar atenuante em um nível ainda maior de exploração do trabalho. A etapa do capitalismo especulativo, se ele sobreviver, só poderá ser substituída pelo capitalismo funesto”, completam. Os dois professores sugerem também que uma nova alternativa seja construída pelas massas populares, numa perspectiva de ruptura da ordem. “O que deve ser considerado fundamental é que a revolução seja efetivamente popular e democrática, com ampla participação das massas em todos os níveis de decisão. Isso porque a construção consciente de uma nova sociedade irá exigir a organização de um sistema de planificação central, participativo
e democrático, sem a formação de uma burocracia estatal. Por isso, há a necessidade de um amplo estudo e uma profunda avaliação dos sistemas de planificação que foram construídos nas experiências dos países que tentaram a construção do socialismo e regrediram para o capitalismo”. A partir da análise dos professores, pode-se perceber a armadilha em que se encontram o capital e o trabalho na atualidade, bem como a dimensão dos desafios colocados para os movimentos sociais, tanto em relação à sua organização interna, quanto à imprescindibilidade de sua integração internacional, especialmente nas relações latino-americanas. “Enfim, o socialismo só será uma realidade no futuro quando a maioria das nações do mundo tiver realizado as suas revoluções e as novas relações sociais tiverem sido amplamente disseminadas por todo o planeta. Mas, esse não será jamais o resultado espontâneo do desenvolvimento capitalista. A construção do socialismo exige um enfrentamento contra as poderosas forças do capital que, mesmo enfraquecidas, mantêm a hegemonia em todo o mundo”, projetam os economistas. Helder Gomes é mestre em Economia pela UFES, membro da Rede Alerta contra o Deserto Verde
Marcel Bursztyn, pesquisador, com currículo acadêmico e produção intelectual invejáveis, escreveu um livro elucidador: O país das alianças: elites e continuismo no Brasil (Vozes, 1990), que mostra convincentemente como as elites são exímias no mimetismo político, quer dizer, sua estratégia é ser sempre governo, pouco importam as contradições internas e ideológicas. Até chegam a argumentar: “é melhor não ser governo durante pequeno período do que se ver forçado a ser oposição no governo seguinte” (p. 118). Estamos assistindo à construção de alianças por parte do governo Lula com a intenção justa de garantir a governabilidade que, no fundo, ninguém sabe direito o que ela significa, dada a ausência de um projeto político claro de nação e de tipo de desenvolvimento. Mas alianças numa democracia são necessárias e é correto procurar fazê-las. O que importa, porém, é manter extrema vigilância sobre elas, pois sabemos que foram somente boas para as elites e nunca para o povo. O baralho é sempre o mesmo, apenas mudam as formas de embaralhar as cartas. Vale dizer: a natureza do poder não muda, apenas trocam-se estilos e posições. É a razão principal por que não se faz a reforma agrária e se preferem os assentamentos. A reforma agrária supõe a transformação institucionalizada da estrutura de produção, enquanto o assentamento a mantém intocável. As elites e oligarquias que se escondem por trás dos principais partidos, especialmente da mídia empresarial, não gostam de Lula. Ele não é da classe deles, ocupa um lugar que nunca pertenceu à gente das classes populares. Ademais não é totalmente confiável. Pode, de repente, mudar porque as raízes de sua origem social começam a falar mais alto e a querer um outro baralho. Mas como ganhou, por instinto mimético, as elites se aproximam dele e tentam digeri-lo com não poucas dores de barriga. Elas têm a seu favor a lógica do sistema imperante que pauta a política a partir da economia, dispõem de lobbies poderosos e pressionam diretamente o presidente e até procuram de muitas formas cooptá-lo.
Os movimentos sociais elevaram as massas, cujo potencial humano foi sempre desprezado, a cidadãos conscientes que lutam por um outro tipo de Brasil. O que garante um mínimo de sanidade política às alianças para que sejam boas para o conjunto do país? É a agregação de um terceiro ausente: os movimentos sociais organizados e a sociedade civil em geral. Afora no populismo, nunca houve uma relação direta Estado-sociedade civil. Agora ela se faz urgente. Lula tem que convocar e entreter uma relação orgânica e permanente com os movimentos sociais, de onde veio e que, a bem da verdade, lhe garantiram a reeleição. Eles não podem esperar o convite. Tem que exigi-lo. Não podem aguardar as políticas públicas feitas pela aliança com os partidos. Eles têm que pautá-las, com forte pressão, a favor das grandes maiorias. Sem isso o governo perderá seu caráter popular e emancipatório. Ficará refém da lógica das alianças que sempre manejaram o Estado em seu benefício. Os movimentos sociais elevaram as massas, cujo potencial humano foi sempre desprezado, a cidadãos conscientes que lutam por um outro tipo de Brasil. Depositário das esperanças e da chance de um outro futuro para o Brasil é o povo e não as elites. Se Lula não entender esse fato, o segundo mandato será um desperdício histórico imperdoável. O que nos interessa não é o PT nem Lula, mas sim o povo brasileiro que através deles poderá dar um salto de qualidade rumo a melhores dias. Leonardo Boff é teólogo e professor universitário. É autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística. A maioria de sua obra está traduzida nos principais idiomas modernos
Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Jorge Pereira Filho, João Alexandre Peschanski, Marcelo Netto Rodrigues • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo de Sales Lima, Igor Ojeda, Luís Brasilino, Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga, Gilberto Travesso, Jesus Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Kipper, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Salvador José Soares • Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 - Campos Elíseos - CEP 01218-010 - Tel. (11) 2131-0800 - São Paulo/SP - redacao@brasildefato .com.br • Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. Conselho Editorial: Alípio Freire • César Sanson • Frederico Santana Rick • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Leandro Spezia • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Marcela Dias Moreira • Maria Luísa Mendonça • Mario Augusto Jakobskind • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Pedro Ivo Batista • Ricardo Gebrim
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De 7 a 13 de dezembro de 2006
NACIONAL MOBILIZAÇÕES
Um programa de educação para o campo Jornada de Educação do MST discute a ampliação do acesso ao ensino e o combate ao analfabetismo Rita Fagundes
Levi de Souza
Solange Engelmann de Curitiba (PR)
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odas e Todos os Sem Terra Estudando”. Com esse lema, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Paraná, realizou a Iª Jornada Estadual de Educação na Reforma Agrária, de 26 a 30 de novembro. O foco do encontro foram as discussões sobre o papel da educação na construção de um novo Projeto Popular para o Brasil, em Cascavel, região Oeste do Estado. Cerca de três mil pessoas participaram das atividades, entre educandos e educadores dos acampamentos e assentamentos, estudantes e professores de universidades da região Oeste e da rede pública de Cascavel. Esta foi a primeira vez que o MST, o poder público e as universidades discutiram a questão do direito à educação, que historicamente vem sendo negado aos trabalhadores do campo. “Ao final da Jornada, os representantes do governo federal e estadual se comprometeram a encontrar soluções para a ampliação da escolarização nas áreas de assentamentos e acampamentos”, declara o coordenador do setor de educação no Paraná, Alessandro Santos Mariano. Além de discutir a educação escolar, os debates trabalharam a questão da formação humana, como o papel do estudo na formação da consciência e nas várias dimensões das relações humanas. A Jornada contou com a participação de intelectuais como o teólogo Frei Betto, o professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, João Francisco de Souza, e o deputado fe-
Cerca de três mil pessoas participaram da Jornada de Educação do MST, em Cascavel, no Paraná, onde o direito à educação foi discutido por universidades e poder público
está na situação em que se encontra”, explica a especialista em educação do campo e integrante do MST no Paraná, Maria Izabel Grein. Segundo a educadora, sem educação as crianças não entendem, por exemplo, porque “no Brasil, maior país com área agricultável no mundo, não há área para sua família tirar seu sustento e produzir alimentos”.
deral do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) do Rio de Janeiro, Chico Alencar.
CAMPANHA NACIONAL Para o coordenador nacional do MST, João Pedro Stedile, que também esteve presente, o Brasil precisa urgente de um programa de educação para o campo, que funcione em parceria com o governo federal. “Queremos que o governo organize esforços para fazermos uma grande campanha nacional contra o analfabetismo. Pela nossa estimativa e do Ministério da Educação (MEC), atualmente existem aproximadamente 15 milhões de brasileiros adultos analfabetos”, afirma. Em pleno século 21, ainda existem muitas crianças do meio rural que precisam caminhar até 20km para chegar à escola, relata o coordenador do MST. Por isso, “queremos que as escolas estejam dentro da comunidade. “Somente com estudo a sociedade entende porque
Fazendeiros agridem participantes No encerramento da 1ª Jornada de Educação na Reforma Agrária, os fazendeiros da região Oeste do Paraná protagonizaram um episódio lamentável. No dia 30 de novembro, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) organizou uma caminhada até o antigo
O participante Márcio José Barbosa, do acampamento Casa Nova de Cascavel, relata que o encontro possibilitou aos sem-terra adquirir novos conhecimentos. “A educação é um direito que sempre foi negado aos trabalhadores”, argumenta. Um dos maiores desafios do MST é lutar por mais escolas no campo, garantindo que todos os assen-
campo experimental da empresa Syngenta Seeds, agora acampamento Terra Livre, em Santa Tereza do Oeste. Alguns quilômetros após a saída de Cascavel, os ônibus foram impedidos de seguir até o local. Fazendeiros da Sociedade Rural da Região Oeste do Paraná, liderados por seu presidente, Alessandro Meneghel, bloquearam a BR 277. Os trabalhadores seguiram em marcha, desviando o bloqueio dos ruralistas e mesmo assim foram agre-
tamentos e acampamentos tenham uma escola, destaca Mariano. Atualmente, o movimento do Paraná conta com 288 assentamentos, mas só existem escolas em 88 desses locais. “Também vamos lutar por políticas públicas para viabilizar a educação de jovens e adultos, que garanta educação, da alfabetização até o ensino médio”, afirma.
Além da educação, a Jornada também trabalhou com várias linguagens culturais, com apresentação de grupos teatrais e músicas compostas pelos camponeses. Devido à qualidade das discussões há uma possibilidade desta se tornar uma Jornada permanente no Paraná, sendo realizada a cada ano. (Leia mais na Agência Brasil de Fato – www.brasildefato.com.br)
didos, com pedaços de paus, barras de ferros, cavalos e armas de fogo. Sete pessoas ficaram feridas. “Essa atitude mostra o desespero dos latifúndios porque tivemos uma grande conquista com a desapropriação da Syngenta e eles sabem que a sociedade tem apoiado as mobilizações do MST. Por isso, usam da força e agressão física para tentar impedir que os trabalhadores continuem com a luta”, analisa o coordenador estadual do MST, Keno de Oliveira.
Mesmo com a agressão, os trabalhadores seguiram até a “Terra Livre” e realizaram o ato de plantio de araucárias, reafirmando o compromisso com a educação e a biodiversidade. O campo de experimento da transnacional suíça foi desapropriado pelo governo do Paraná, em 9 de novembro deste ano, após a Via Campesina ocupar o local e promover uma campanha internacional para tornar o espaço livre de transgênicos e agrotóxicos. (SE)
SÃO PAULO
MST lança concurso de arte
Ocupações dos prédios do Incra e do Itesp Ana Maria Straube de São Paulo (SP)
Rita Fagundes
Durante a 1ª Jornada de Educação na Reforma Agrária, em Cascavel, foi lançado o 6º Concurso Nacional de Arte-Educação do MST, com o lema “Como fazer a escola transformando a história?”. O objetivo é discutir a importância da escola como espaço de transformação e fortalecer a participação das famílias sem terra nas escolas dos assentamentos e acampamentos. “Quem vai participar do processo é a base social de todo o movimento discutindo qual a escola que precisamos para fazer a mudança social”, explica o especialista em educação do campo, de
jovens e adultos e integrante do setor de educação do MST, Marcos Gerke. Durante a semana, cerca de 200 formandos do programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA) receberam também os diplomas de conclusão da primeira etapa do ensino fundamental. “A formatura faz com que as pessoas vejam a realidade de outra forma e se tornarem sujeitos da história”, afirma Valdair Roque, que mora no assentamento Sétimo Garibaldi, em Terra Rica, e recebeu o certificado durante a solenidade. A certificação foi concedida pela Secretaria de Educação de Rio Bonito do Iguaçu, em parcerias com o Ministério da Educação (MEC) e Secretaria de Estado de Educação do Paraná (SEED), nas áreas de reforma agrária.
Concurso discutiu a escola como espaço de transformação
Quatro anos de governo Geraldo Alckmin, nenhum assentamento criado. Como no resto do país, a reforma agrária em São Paulo patina. No mês de novembro, uma série de ações foi organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) para tentar reverter essa situação. Foram realizadas mobilizações na capital, como as ocupações nos prédios do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e Instituto de Terras de São Paulo (Itesp) e, no interior, com destaque para as regiões do Pontal do Paranapanema e Andradina. Responsável pela arrecadação das chamadas terras devolutas (áreas que pertencem ao Estado exploradas irregularmente por grileiros), o Itesp sofre um processo de sucateamento. Neste ano, o órgão nem usou os R$ 28 milhões liberados pelo Incra para fazer arrecadações. Segundo a coordenação estadual do MST, o Itesp não cumpre sua função de auxiliar o de-
senvolvimento da agricultura familiar nos assentamentos. Em vez disso, tenta convencer trabalhadores a produzirem matéria-prima para grandes indústrias. A situação é mais crítica no Pontal do Paranapanema, região que conta com cerca de 2 mil famílias acampadas ligadas ao MST. Há uma infinidade de terras devolutas, algumas já em negociação. Três fazendas foram ocupadas no início do mês. Em uma delas, a Porto Maria, município de Rosana, o suposto proprietário da área entrou no acampamento com jagunços e expulsou as famílias à força. Mulheres, crianças e idosos foram agredidos.
AGILIDADE A principal reivindicação do MST é justamente agilidade na arrecadação de áreas devolutas, o que poderia evitar novos atos de violência por parte dos grileiros. Para pressionar o órgão, em 28 de novembro, 400 trabalhadores rurais vindos de todas as regiões do Estado ocuparam o prédio. O prédio foi desocupado mediante o compromisso assumido pela
secretária da Justiça, Eunice Prudente, de marcar uma audiência com o governador Cláudio Lembo – promessa ainda não cumprida. Também no dia 28, outros 200 sem terra ocuparam o prédio do Incra, em São Paulo. Os manifestantes deixaram o local após a direção do órgão assumir diversos compromissos, como a construção de poços e instalação de bombas e reservatórios de água em 15 assentamentos. Sobre a questão dos fomentos, outra reivindicação do MST, ficou definido que os depósitos serão feitos imediatamente na conta dos assentados. Os créditos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) também deverão ser depositados. O Incra garantiu também que concluirá os processos de obtenção de terras, que representam 45.800 hectares, com capacidade para assentar mais de três mil famílias.
MAIS PRESSÃO Novembro também foi mês de luta no interior do Estado. Em Andradina
(Noroeste do Estado), as mobilizações começaram com a ocupação da fazenda Cafeeira, em 12 de novembro. No dia seguinte, cerca de 800 trabalhadores e trabalhadoras rurais fizeram uma marcha de 7 km até o centro de Castilho, município da região. Nessa região do Estado conhecida pela criação de gado, os sem-terra enfrentam problemas com o Poder Judiciário. Segundo Lourival Plácido, coordenador estadual do MST, existem 12 áreas na região, já desapropriadas pelo Incra, aguardando a assinatura das imissões de posse. Descumprindo a Lei do Rito Sumário, que determina que a imissão de posse de uma área seja assinada em 48 horas após o depósito dos Títulos da Dívida Agrária, os juízes locais demoram anos para oficializar os assentamentos. Na mesma semana, os sem-terra de Andradina ocuparam as sedes regionais do Incra e do Itesp e uma agência do Banco do Brasil em Ilha Solteira, para exigir a liberação dos créditos para produção.
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De 7 a 13 de dezembro de 2006
NACIONAL SÃO PAULO
Hamilton Octavio de Souza Mamona dourada As elites nordestinas estão empolgadíssimas com o programa de biodiesel do governo federal, especialmente pela oportunidade de ganho fácil e maior concentração da renda e da riqueza. Em algumas regiões do Piauí já existe uma corrida para a compra de terras de pequenos produtores rurais para o plantio de mamona. Tudo financiado com dinheiro público. Parece o repeteco do escândalo da mandioca! Debandada geral De acordo com levantamento do Banco Central, os investidores estrangeiros retiraram do Brasil nos últimos quatro anos, pelas vias oficiais, perto de 19 bilhões de dólares, coincidentemente a quantia mínima que os analistas econômicos do sistema avaliam como necessários para dinamizar o crescimento da economia acima dos 5% ao ano. Só que essa grana toda, obtida aqui dentro, já se mandou. Defesa nacional Apesar de toda a campanha dos meios de comunicação contra o governo de Evo Morales, na Bolívia, o fato é que o programa de nacionalização dos hidrocarbonetos permitiu a renegociação dos contratos daquele país com as 12 empresas petrolíferas estrangeiras que lá operam. Na Bolívia, pelo menos, o interesse nacional e do povo prevaleceu sobre a vontade do capital estrangeiro. Extrema unção Responsável direto pela sanguinária ditadura que vitimou o Chile de 1973 a 1990, o general Augusto Pinochet, que sofreu um enfarte no dia 3, deixou um saldo de três mil assassinatos, mais de 28 mil pessoas presas e torturadas e milhares de chilenos exilados pelo mundo. Vale lembrar que muitos militares e policiais brasileiros colaboraram com a violência do regime autoritário chileno. Jamais foram punidos. Nenhum incômodo No momento em que vários setores sociais se movimentam para defender a democratização dos meios de comunicação social, vale lembrar que a Radiobrás, empresa estatal federal que opera emissoras de rádio e TV, não recebeu nenhuma crítica da imprensa burguesa nos quatro anos de governo Lula. Ou seja, o sistema estatal tem atuado em perfeita sintonia com os meios privados. Articulação popular Os movimentos sociais e a Assembléia Popular estão articulando um calendário amplo e unitário de lutas para 2007, o qual procura combinar as demandas locais com os grandes temas nacionais. O calendário reúne desde a defesa do passe livre até a anulação da privatização da Companhia Vale do Rio Doce. Vários eventos devem coincidir com o Dia Internacional da Mulher, em 8 de março. Munição gratuita O discurso do presidente Lula com críticas a ambientalistas, índios e quilombolas, dizendo que travam o desenvolvimento, serviu de senha para a direita bater pesado nos setores mais empenhados na defesa do meio ambiente. Tanto é que o conservador jornal O Estado de S. Paulo publicou um editorial chamando-os de “ecoxiitas” e “ecofundamentalistas”, só para tentar desqualificá-los. Estudo perdido Pesquisador e estudioso do desemprego, o economista Marcio Pochmann, da Unicamp, alerta que o problema atual do Brasil não é só conseguir um crescimento econômico superior a 5% ao ano, mas gerar empregos com maior valor agregado, de tal forma a aproveitar os trabalhadores com maior nível de escolaridade. Segundo ele, o país está tendo uma grande fuga de cérebros. Disputa mortal Tiroteio generalizado entre o Grupo Abril, da revista Veja e da TVA, e a Rede Bandeirantes, que inaugurou o canal Rede 21 voltado para a indústria cultural. Ao mesmo tempo, emissoras de TV e o Ministério das Comunicações tentam impedir a todo custo que as empresas de telefonia – inclusive a espanhola Telefônica – lancem seus canais via internet. É muito dinheiro em jogo no vale-tudo do mercado.
Legalização de rádios comunitárias Ministério das Comunicações pode publicar aviso de habilitação para 70 emissoras na capital paulista
Samuel Tosta
Fatos em foco
Dafne Melo da Redação
A
pós anos de muita repressão, os comunicadores comunitários paulistanos poderão ter um motivo para comemorar. Até o fechamento desta edição (dia 5) estava marcado para dia 6 a publicação no Diário Oficial de um aviso de habilitação pelo Ministério das Comunicações (Minicom). Com a iniciativa, o órgão finalmente faz valer na cidade de São Paulo a Lei 9612/98 que regulamenta o serviço de radiodifusão comunitária no Brasil. No final de todo o processo, calcula-se que cerca de 70 rádios comunitárias recebam uma licença para atuar no canal 198. A decisão contempla uma longa luta de setores da sociedade civil, parlamentares e comunicadores comunitários. “Essa conquista se insere na luta dos movimentos pela democratização das comunicações”, avalia o deputado estadual Simão Pedro (PT), coordenador da Frente Parlamentar de Apoio às Rádios Comunitárias. Em sua opinião, o atraso na determinação é resultado da pressão da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), órgão representativo das empresas privadas de radiodifusão. No entanto, avalia o deputado, a acusação de falta de vontade política em resolver a questão estava prejudicando a imagem do governo federal. “É um ponto muito contraditório desse governo”, opina.
PROCESSO Após a data da publicação do aviso, as associações comunitárias terão 45 dias para enviar toda a documentação exigida para o Minicom. Segundo Cristina Cavalcanti, da Oboré, entidade atuante na área de comunicação popular,
cerca de 335 entidades manifestaram interesse em obter uma habilitação na capital, desde 1998, o que mostra que a demanda é bem maior do que o que será oferecido. Cristina explica que o número de rádios liberadas poderá ser maior, o que só será definido de fato após a conclusão de estudos técnicos. Enquanto o Minicom trabalha com um número inferior a 70 outorgas, um artigo de Marcos Manhães, pesquisador do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), afirma ser possível encaixar mais rádios dentro do canal 198.
ESFORÇOS Quanto aos critérios para a escolha das associações que receberão a licença, além da regularidade de toda documentação, o Minicom irá avaliar se as rádios realmente possuem perfil comunitário. Para isso, serão levadas em conta a pluralidade da programação, a representatividade na comunidade e a
responsabilidade técnica da rádio, entre outros fatores. Para amparar juridicamente as associações, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o Escritório Modelo Dom Paulo Evaristo Arns (PUC-SP) e a Associação de Notários e Registradores do Estado de São Paulo (Anoreg) convergiram esforços. O objetivo é facilitar o longo caminho burocrático necessário para que elas possam participar da seleção. Um segundo passo desse processo será, em 2007, elaborar um Plano Diretor de Radiodifusão Comunitária com a participação do Minicom, subprefeituras e a Secretaria de Planejamento do município, que realizarão pesquisas relacionadas às questões técnicas e geográficas, para então estabelecer e definir as áreas de interesse de rádio. Havendo procura por um um mesmo raio de transmissão, as entidades serão chamadas a buscar um acordo. “Esse é o momento em que a base terá que se articular para
definir parcerias e composições”, comenta Simão Pedro. Cristina explica que outra esperança de atuação para outras rádios é o canal 199, que será usado em caráter experimental pela Rádio Heliópolis em parceria com a Universidade Metodista de São Paulo. Desde que foi lacrada pela Polícia Federal e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), em julho, a rádio, localizada na maior favela da cidade, enfrentou uma série de burocracias para poder ter permissão para funcionar novamente. Agora, depende principalmente de financiamento para levantar a infra-estrutura necessária para o novo projeto. Uma vez funcionando, Cristina avalia que, futuramente, será possível realizar estudos para verificar a viabilidade de liberação do canal para rádios de outras localidades na cidade, possibilitando novas habilitações. “Por enquanto a posição da Anatel é a liberação do canal 198 e ponto final”, diz.
RUMOS DO DESENVOLVIMENTO
Na balança, a destruição da natureza Luís Brasilino da Redação Ao comprometer-se com um crescimento econômico de 5% por ano para seu segundo mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu um alento aos desenvolvimentistas e preocupou ambientalistas. Os primeiros passaram os últimos 11 anos insatisfeitos com o modelo neoliberal, responsável por um aumento do Produto Interno Bruto (PIB) que não passa, em média, de 2,5% ao ano. Isso graças à política de combater a inflação com juros altos e a decorrente retração da economia. A proposta de Lula é reduzir os gastos públicos de modo a elevar a taxa de investimento e, assim, estimular o desenvolvimento. Também insatisfeitos com a estagnação econômica provocada pelo neoliberalismo, ambientalistas e movimentos sociais vêem com reservas a idéia de crescer a qualquer custo. Por sua vez, a mídia conservadora e o presidente já apontam a legislação de proteção do meio ambiente e as lutas dos povos tradicionais como entraves ao crescimento. O fato é que as obras de infra-estrutura realmente geram destruição da natureza e exercem um efeito negativo nas comunidades atingidas. Em artigo no jornal Correio da Cidadania, dos dias 2 a 9, o biólogo Rogério Grassetto lembra que estradas usadas para a construção de
hidrelétricas tornam-se eixos de desmatamento e o afluxo de operários catalisa o processo de colonização provando grande impacto local. “O processo de construção em si, com a movimentação de cimento, tintas e outros produtos tóxicos, também é danoso. Quem já construiu ou reformou sabe a quantidade de lixo que isso gera – imagine então uma mega-usina! Mais: a nova energia disponível localmente pode facilitar a implantação de indústrias, quase sempre ambientalmente inapropriadas. Os imensos lagos que serão produzidos pelas barragens podem ainda contribuir para o aquecimento global: após cobrir uma extensa área de mata, os troncos passam a apodrecer, liberando gases de efeito estufa para a atmosfera. Suspeita-se que esse efeito possa ser tão extenso que não se poderia chamar de forma alguma a energia gerada de ‘limpa’. Isso sem falar na proliferação de mosquitos com potencial de transmissão de doenças, como a malária e a febre-amarela”, descreve Grassetto.
CUSTO-BENEFÍCIO Para Adriana Ramos, coordenadora do Instituto Socioambiental (ISA), um projeto de desenvolvimento – e as obras de infra-estrutura que o acompanham – deve contemplar a questão ambiental de modo a minimizar os seus impactos. “Porém, a maior parte dos empreende-
dores, incluindo os públicos, não se prepara para lidar com isso na época do planejamento. A questão só é colocada na hora do licenciamento e como um problema”, lamenta. A ambientalista explica que qualquer obra de infra-estrutura possui um impacto socioambiental. Por isso, os aspectos envolvidos devem ser discutidos e negociados com o conjunto da sociedade para que ela opte por arcar ou não com os custos. Contudo, na maioria das vezes, as construções visam atender segmentos econômicos específicos sendo que a comunidade atingida não participa da definição da prioridade da obra. “Muitas vezes, estradas são projetadas para escoar a produção sem beneficiar a população que vive no seu entorno. Sem nenhum projeto de desenvolvimento que torne a via útil para eles também”, aponta Adriana.
EM BUSCA DE LUCRO Luiz Dalla Costa, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), acredita que esse é um modelo global. Ele explica que a exploração ambiental é uma das três formas da produção capitalista se tornar mais competitiva – junto com a exploração do trabalhador e as tecnologias para aumentar a produtividade. Para ele, as obras de infra-estrutura feitas no Brasil até hoje seguem essa lógica de obter uma “sobretaxa” de lucro.
“Veja o caso do Antônio Ermírio de Moraes, da Votorantim, por exemplo. Ele é dono de grandes barragens as quais possuem um menor custo de produção (em comparação com a matriz energética global, o petróleo, é a metade) e, ao mesmo tempo, explora o alumínio (o subsolo brasileiro é rico em minérios) gastando muita energia. Assim, na concorrência intercapitalista, ele tem tido muitas vantagens usando a riqueza natural brasileira sem oferecer contrapartidas para a população. Logo, quando o governo indica as populações que questionam esse modelo como empecilho para o desenvolvimento, devemos nos perguntar, são empecilho ao desenvolvimento de quem?”, argumenta Dalla Costa. O dirigente do MAB indica que o crescimento econômico pode ser alcançado tirando-se o foco da produção de insumos com alta densidade energética, como o alumínio, por exemplo. “Para exportá-lo, gasta-se muita energia. E mandamos isso para os países centrais in natura e depois o importamos como produtos de alto valor agregado”, revela. Além disso, Dalla Costa acredita que é possível crescer sem aumentar a oferta de energia por meio da conservação desse recurso. Existem tecnologias como a aquecimento de água por painéis solares e a repotencialização (troca de equipamento velhos por novos) das usinas que cumpririam esse papel.
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NACIONAL CAPITALISMO SELVAGEM
Gerdau superexplora trabalhadores Leonardo Wexell Severo
Leonardo Wexell Severo
Sindicalistas de nove países denunciam violações a direitos humanos, cometidos pela empresa, líder na produção de aço Leonardo Wexell Severo de Porto Alegre (RS)
C
POR DEMOCRACIA “O encontro demonstrou que precisamos abrir de vez as portas da democracia dentro da Gerdau. Infelizmente, o discurso moderno do seu proprietário não se traduz em diálogo e nem respeito com as entidades sindicais”, condenou o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre e anfitrião do evento, Claudir Nespolo.
O deputado federal Marco Maia (PT-RS) também denunciou os abusos: “o que se pode constatar é uma prática nefasta, predatória, de constantes ataques à organização dos trabalhadores. Na realidade, Jorge Gerdau Johannpeter se comporta como se não existisse sindicato, desrespeitando lideranças e usurpando direitos”. O parlamentar frisou que propôs à Comissão de Trabalho do Congresso Nacional um pedido de audiência pública para investigar as denúncias contra a transnacional. “Nos Estados Unidos, a Gerdau possui inúmeras plantas siderúrgicas onde ela simplesmente inviabiliza a existência de sindicatos, assim como na Colômbia e no Uruguai. No caso das negociações coletivas, a
empresa tenta descumprir direitos conquistados e, quando não consegue, busca o rebaixamento das condições anteriormente firmadas”, denuncia Fernando Lopes, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos. E exemplifica: “a empresa propôs aos operários estadunidenses um acordo impossível de ser aceito, com jornada de 16 horas e sem o pagamento de horas extras. Pela lei dos EUA, o patrão pode fazer locaute e fechar a empresa se não há acordo, o que representa uma ameaça ao próprio emprego dos trabalhadores, que passam a pressionar o sindicato”.
PERSEGUIÇÃO Apesar de vender uma imagem pública de moderni-
Nos EUA, destruição de sindicatos A sindicalista estadunidense Melinda Newhouse, responsável pelas Campanhas Estratégicas da United Steel Workers (USW), maior confederação industrial dos EUA e do Canadá, com 850 mil filiados, defende a necessidade da integração entre os sindicalistas para acabar com os constantes abusos perpetrados pela Gerdau. “Estamos negociando com a empresa há dois anos nos EUA. Como no país a negociação é feita em cada planta, há 7 contratos que expiraram e estão emperrados. A Gerdau escolheu uma firma de advogados para representá-la que, em seu sítio na internet, se vangloria de ser especialista em destruir sindicatos. Com essa disposição de diálogo, a empresa diz que vai limitar o nossa jornada diária a 16 horas”, ironiza Melinda. De acordo com a sindicalista, o progresso na mesa de negociação nos EUA está relacionado com a pressão que for feita no Brasil. “A Gerdau tira proveito dos limites da lei no país onde se instala. Nossas fábricas são próximas do Canadá e vemos que há uma prática diferente em cada país. Não há um piso moral para a empresa”, destaca.
dade, as ações anti-sindicais da Gerdau revelam atraso e reacionarismo, denuncia o secretário-geral da CNM, frisando que a posição corporativa do grupo é de ignorar a organização dos trabalhadores. “A Gerdau foi um dos grandes beneficiados pelas políticas neoliberais. Monopolizou seu setor de atuação no Brasil, assim como fez no Uruguai”, ressalta. Para Celso Woyciechowski, presidente regional da CUT-RS, o evento sediado na capital gaúcha contribuiu “para construir um acordo que possa embasar a defesa dos trabalhadores em todas as fábricas da multinacional, mostrando dessa forma à sociedade que a Gerdau é uma empresa que precisa modernizar sua relação com os trabalhadores”.
Melinda disse que, como nos EUA os dirigentes sindicais não são liberados, isso dificulta sobremaneira na hora de fiscalizar. “Os oito que vieram dos EUA para o encontro em Porto Alegre trabalham e suas entidades tiveram de pagar suas horas perdidas. Na maioria das vezes, temos de tirar férias para conseguirmos nos afastar”, acrescenta.
IMIGRANTES Em Sheffiield Steel, onde Melinda trabalha, “a USW representava 30 trabalhadores numa pequena oficina. Os 30 falam espanhol. A maioria era composta por imigrantes sem documentação, que tentavam sobreviver. Como se organizavam para reivindicar, foram entregues para a imigração, com nome e endereço, e tiveram de fugir do seu emprego e de suas casas, uma imoralidade. A Gerdau não se detém diante de nada na tentativa de destruir a organização dos trabalhadores”. Para representar os trabalhadores de uma fábrica nos EUA, explicou Melinda, o sindicato precisa dos votos de mais da metade dos funcionários. “Assim, é óbvio que as empresas fazem de tudo para intimidar, para demitir ilegalmente. No momento em que o sindicato tenta usar a lei para remediar abusos, todos os trabalhadores já estão amedrontados”, ressalta. (LWS)
Gerdau contrata imigrantes ilegais e os denuncia quando começam a se organizar
Divulgação
Funcionários denunciam mutilações causadas pelo ritmo acelerado de trabalho na Gerdau. Ao lado, um recado para o patrão, “Hey Jorge, negocie ou fique sem aço”. Abaixo, o próprio Jorge Gerdau
Leonardo Wexell Severo
ondições precárias de segurança para os trabalhadores no Brasil. Perseguição a imigrantes sem documentos que reivindicam melhores condições de trabalho nos Estados Unidos. Ameaças a sindicalistas colombianos que denunciam abusos. Na perspectiva dos trabalhadores da Gerdau, empresa que produz aço e uma das que mais cresce no Brasil (em 2004, R$ 3,3 bilhões de lucro), o cotidiano nas fábricas está longe dos valores defendidos por seu principal executivo, Jorge Gerdau Johannpeter: “segurança total no ambiente de trabalho e pessoas realizadas”. Sindicalistas dos nove países onde a corporação atua participaram do 3º Encontro Internacional dos Trabalhadores da Gerdau, de 16 a 18 de novembro, em Porto Alegre (RS). Na mídia conservadora, até mesmo porque defende a indicação de Jorge Gerdau para ocupar um cargo no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, silêncio sobre o encontro, que reuniu trabalhadores da Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Espanha, Estados Unidos e Uruguai. No evento, foi aprovado a constituição de um Comitê Mundial, que passa a ser acompanhado pela Federação Internacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (FTIM) e que vai se mobilizar pela aprovação do Acordo Marco Internacional (AMI), pelo qual as empresas se comprometem a respeitar as convenções básicas da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Projeto Ação Frente às Multinacionais, ligado à Central Única dos Trabalhadores, apóia a decisão. No Brasil, as condições de saúde e segurança do trabalho dentro da empresa são as piores possíveis, afirma o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Charqueadas (RS), Jorge Luiz Silveira. “Temos casos de perda de membros, como mãos e braços, além de muitos problemas de tendinite e coluna pela longa permanência na fábrica, somada à intensidade do ritmo de trabalho”, declarou, lembrando que “o pior é que os trabalhadores ficam inteiramente desprotegidos, pois a Gerdau afasta os funcionários sem emitir a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), com a qual teriam estabilidade de um ano e ainda poderiam cobrar da empresa uma ação indenizatória”.
Lucros com terrorismo na Colômbia O sindicalista colombiano Heberth Ruiz trabalha há 30 anos na Siderúrgica do Pacífico (Sidelpa), no Valle del Cauca, cuja capital Cali é tristemente famosa pelas barbaridades praticadas pelo cartel da droga. Em Porto Alegre (RS), durante o 3º Encontro Internacional dos Trabalhadores da Gerdau, ele condenou “a política de terrorismo de Estado praticada pelo governo colombiano, que já ceifou a vida de mais de três mil dirigentes e ativistas sindicais nos últimos 15 anos” e a cumplicidade dessa transnacional brasileira, “que se aproveita do terror vigente para descumprir direitos e ampliar lucros”.
A Gerdau imprime nossos nomes em boletins, onde nos identifica como terroristas, o que em nosso país é uma senha para a execução sumária pelos esquadrões da direita. A Gerdau tem investido crescentemente na Colômbia e utiliza muito o argumento da responsabilidade social. Concorda com esse discurso? Herberth Ruiz – Posso falar com mais propriedade da Siderúrgica do Pacífico (Sidelpa), onde trabalho há 30 anos. Desde que foi adquirida pela Gerdau em novembro de 2005, a empresa vem violando constantemente nossa convenção coletiva, impedindo a capacitação sindical, barrando liberações para o trabalho de fiscalização e até mesmo auxílio para estudo. Na questão da estafante jornada, por exemplo, quer esti-
cá-la de segunda a domingo, todos os dias, com os trabalhadores tendo um único domingo livre a cada sete semanas. E a comunicação com os trabalhadores? Ruiz – Historicamente tínhamos um diálogo do sindicato com os companheiros no refeitório da empresa. Agora, até mesmo os jornais só são distribuídos na entrada, pois a Gerdau faz de tudo para cortar o direito à informação da categoria, para intimidar pela mentira e a difamação. Mesmo os dirigentes sindicais liberados, a empresa só aceita que fiquem dentro da fábrica para fazer o seu trabalho de operário, não podem circular para fiscalizar ou saber o que está acontecendo nos demais setores. Como é ser sindicalista em seu país? Ruiz – Ser sindicalista na Colômbia é sinônimo de morte. Não conhecemos nossos inimigos, eles nos conhecem, sabem onde vivemos, de nossa vida sindical. Quando saímos, não sabemos se voltaremos. Temos uma ação em defesa dos direitos dos trabalhadores e isso se choca com o patronato, com o governo e suas leis. Foram eles que criaram os paramilitares e os mantêm. Por isso, seguem assassinando. A situação piorou, pois antes os acusados de subversão e de pertencer à guerrilha eram trancafiados e presos por cinco anos; hoje, desaparecem. Temos em nossa região 30 companheiros ameaçados, a quem a direita acusa de coordenadores da guerrilha, que podem ser detidos e mortos a qualquer momento. No caso da Gerdau a questão é ainda mais grave, pois imprime nossos nomes em boletins, onde nos identifica como terroristas, o que em nosso país é uma senha para a execução sumária pelos esquadrões da direita. Além disso, a Gerdau se aproveita do clima de terror para descumprir direitos e, conseqüentemente, ampliar seus lucros. (LWS)
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AMÉRICA LATINA VENEZUELA
Sem medo do socialismo
Marcelo Garcia
Reeleito com apoio popular recorde, Hugo Chávez conclama o povo para construir a Venezuela socialista Renato Godoy de Toledo da Redação
O
presidente Hugo Chávez obteve, no dia 3, sua maior vitória político-eleitoral. Mesmo com a reunificação da direita – com apoio claro de Washington e de toda a mídia privada – em torno da candidatura de Manuel Rosales, Chávez foi reeleito com quase 63% dos votos, o que lhe garante mais 6 anos de mandato (até 2013). O resultado evidencia um crescente apoio popular ao projeto da Revolução Bolivariana: nas eleições de 1998, meses após o fim de seus dois anos de prisão, Chávez foi conduzido à Presidência com 56% dos votos; em 2000, após a promulgação da Constituição Bolivariana, o presidente obteve 59%, o mesmo percentual de votos “não” no referendo de 2004 que propunha o fim do mandato do chefe-de-Estado. Nas vésperas das eleições, Chávez convocou seus apoiadores para participarem ativamente do processo eleitoral, a fim de evitar fraudes. O chamado foi atendido: milhares de pessoas foram às ruas de Caracas, a partir das 3 horas da manhã, numa espécie de vigília democrática. A abstenção foi de 25%, uma das mais baixas da história da Venezuela (onde o voto é facultativo), segundo o presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Tibisay Lucena.
SOCIALISMO Após o anúncio dos primeiros resultados das urnas, que já mostravam um quadro irreversível, uma multidão se aglomerou em frente ao Palácio Miraflores para comemorar a reeleição. Das janelas do Miraflores, o líder venezuelano fez um pedido à multidão: “Que ninguém tenha medo do socialismo, que é fundamentalmente humano”. A expressiva vitória eleitoral de Chávez lhe garante uma legitimidade ainda maior para acelerar o processo revolucionário na República Bolivariana da Venezuela. Em seu primeiro discurso como presidente oficialmente reeleito, Chávez falou em aprofundar a revolução bolivariana. “O caminho desta República
Mais de sete milhões de venezuelanos reelegem o presidente Chávez, atestando o crescente apoio popular ao processo revolucionário
é o de uma revolução democrática, social, política, econômica e moral, que continue integrando todos os venezuelanos”, afirmou em solenidade no CNE, que ratificou sua vitória. As eleições contaram com observadores internacionais (veja coluna a baixo), como o Centro Carter (dirigido pelo ex-presidente
Uma lição de civismo e democracia Marcelo Barros Nesta madrugada de 4 de dezembro, os meios de comunicação revelam a estrondosa vitória do presidente Hugo Chávez nas eleições presidenciais que mobilizaram a Venezuela um dia antes. Era uma vitória esperada. Para dirimir qualquer dúvida sobre a lisura deste processo de votações, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) convidou 400 observadores internacionais para fazer uma supervisão de todo o processo eleitoral e, depois, dar
estadunidense Jimmy Carter) e as Organizações dos Estados Americanos (OEA), que assistiram a um processo marcado pela tranqüilidade. “Fracassaram os extremistas que planejavam uma noite sangrenta após o término do processo eleitoral. Tínhamos muita fé nas instituições e no povo, sabíamos
o seu testemunho independente e objetivo. Encontram-se nesses dias na Venezuela uma numerosa delegação de observadores do Centro Carter, uma missão oficial da Organização de Estados Americanos (OEA); e outra de Observação Eleitoral da União Européia. Além desses, centenas de outros observadores “independentes” representam organismos da sociedade civil como sindicatos, ONGs, movimentos populares latino-americanos e representantes de outros continentes e organizações. Do Brasil, vieram mais de 20 pessoas, entre deputados federais, representantes de movimentos populares e pessoas convidadas gratuitamente, como eu. Esse grupo reuniu-se no domingo à noite em Caracas, depois de ter, durante o dia,
que esses planos iriam fracassar, e fracassaram”, disse o reeleito. Apesar das críticas aos setores mais exaltados da oposição, Chávez sinalizou que pretende dialogar com todo o povo venezuelano. “Espero continuar com o apoio dos meus seguidores e, quiçá, daqueles que não votaram em mim”, disse
o presidente, que convidou todos os setores da vida nacional para construir uma Venezuela socialista. O sandinista Daniel Ortega, recémeleito presidente da Nicarágua, irá à Venezuela ainda nessa semana, sendo o primeiro chefe-de-Estado a visitar o presidente reeleito. (Com Prensa Latina e Telesur)
percorrido diversas regiões do país e visitado centros de votação, conversando com eleitores e vendo o clima nas ruas. Puseram-se de acordo para emitir a seguinte declaração: “1 – O processo eleitoral na Venezuela transcorreu de maneira pacífica, sem incidentes maiores, desenvolvendo-se com normalidade o direito constitucional ao voto. 2 – A participação eleitoral foi massiva, registrando-se os mais baixos níveis de abstenção na história eleitoral da República. 3 – A organização e operação do processo dirigidas pelo CNE se realizou com eficácia e de acordo com previsões normativas. 4 – Esta observação internacional constata que o segredo do voto ficou garantido e que todas as pessoas que vieram às urnas puderam exercer livremente seu direito ao sufrágio.
5 – Verificamos que o processo automatizado de votação funcionou sem dificuldades significativas. 6 – Quanto à captação das impressões digitais, podemos observar em algumas seções, seu uso implicou em uma maior duração do processo de voto, apesar do qual não se verificou nenhuma limitação no exercício do direito ao sufrágio. 7 – Constatamos a independência do CNE nesse processo e vemos o seu trabalho como garantia do marco legal e constitucional da República Bolivariana da Venezuela, em consonância com o seu Estado de Direito e o aprofundamento do processo democrático” Marcelo Barros é colunista do Brasil de Fato
ANÁLISE
Cúpula de Cochabamba: comunicar para libertar Osvaldo León Por mais que, de um tempo para cá, o tema integração tenha se tornado recorrente, pouco ou nada mudou o fato de que, sendo tão próximos, permanecemos distantes e alheios, pois seguimos nos olhando com olhos de estrangeiros que nos impedem de nos conhecermos e nos reconhecermos. Além da falta de vontade política que tem caracterizado os fragmentados processos integracionistas, pesa o fato também de que praticamente não se tem considerado a importância da comunicação enquanto fator articulador chave para o reencontro e a solidariedade das nacionalidades envolvidas. A história da América Latina e do Caribe se apresenta marcada pela máxima “dividir para reinar” implementada pelos colonizadores de ontem e do presente para imporem seu domínio, tanto pelas armas quanto pelo discurso. Daí que a linguagem do colonizador, mediado pelas elites crioulas, conseguiu fazer com que no imaginário coletivo de nossos países seja comum a desconfiança,
a rivalidade diante dos vizinhos, ou então a indiferença e o desconhecimento em relação aos mais distantes. Nessa dinâmica, pesa cada vez mais o sistema de informação e comunicação do establishment, conformado precisamente sob os parâmetros de subordinação e dependência. Os processos de integração em curso praticamente estão circuns-
critos a governos e empresários. A Cúpula de Cochabamba (leia texto a baixo) abre uma nova página devido à atenção que o presidente Evo Morales tem dado à participação dos movimentos sociais, na perspectiva de uma integração baseada na solidariedade e na cooperação, respeito pela autodeterminação dos povos e a soberania.
Nesse marco, é um desafio dos movimentos sociais insistirem para que esse processo de integração potencialize o diálogo e, conseqüentemente, habilite os canais e espaços de reencontro e fraternidade entre povos. Ou seja, para que contemple seriamente a cultura e a comunicação para avançar no entendimento solidário e fraterno
A integração a partir dos povos da Redação Desde o dia 6, movimentos sociais de toda a América do Sul estão reunidos na cidade boliviana de Cochabamba para deixar claro aos governantes do continente o tipo de integração que desejam. É a Cúpula pela Integração dos Povos, que irá até o dia 9 e que ocorre paralelamente à II Cúpula Sul-americana de Nações, prevista para acontecer nos dias 8 e 9. O encontro dos governos sul-americanos pretende discutir o fortalecimento da integração entre seus países, um processo criticado pelas organizações sociais por possuir uma agenda que privilegia os interesses do capital. “A Cúpula dos Povos vai servir para demarcar claramente que essa não é a integração que
queremos e que temos outro projeto”, afirma o sociólogo Luiz Fernando Novoa, da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip). Segundo ele, a América do Sul está sendo alvo de disputa imperialista, que se manifesta no interior dos processos de integração. O evento terá um momento de diálogo com a Cúpula “oficial”, ocasião em que se discutirão temas como militarização, infra-estrutura e financiamento. Para o sociólogo, um dos desafios dos movimentos é fazer os governantes da região compreenderem que existe um outro terreno de disputa na discussão sobre a integração, que não pode ser criminalizado. “Se não houver nenhum tipo de diálogo, o distanciamento entre movimentos e governo vai se aprofundar”, alerta.
que é indispensável para romper com a história de subordinação e dependência. Diante da importância adquirida pela comunicação no mundo contemporâneo, é um imperativo democrático e cidadão que esse processo coloque como um de seus fundamentos constitutivos o Direito à Comunicação. Nessa linha, igualmente se torna indispensável formular uma estratégia de cooperação específica para os âmbitos da informação, comunicação, cultura e conhecimento, contemplando acordos para potencializar as redes regionais de informação e comunicação públicas e cidadãs, com um sentido de eqüidade em relação aos meios de comunicação. Parafraseando o lema “sem democratização da comunicação, não haverá democracia”, agora podemos dizer que um processo de integração que não se sustente na democratização da comunicação poderá ser qualquer coisa, menos integração. Oswaldo León é jornalista da Agência Latina-Americana de Informação (Alai)
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AMÉRICA LATINA
MÉXICO
Os de cima, os de baixo Eleições acirraram fratura social no país, onde presidente da direita tomou posse sob vaias e protestos Divulgação/Assessoria André Manuel López Obrador
Pedro Carrano enviado especial à Cidade do México (México)
E
xistem dois Méxicos hoje: o de cima e o de baixo, para usar uma expressão zapatista, que reflete as palavras das pessoas no dia-a-dia da capital mais populosa do mundo e nos artigos de jornais, especialmente do La Jornada, o único que segue com credibilidade entre as pessoas conscientes e os movimentos sociais. Pois a mídia, assim como o poder institucional, estão bastante desgastados, ainda mais depois da operação de fraude eleitoral, em junho. No México de cima, assistimos a vaias, troca de tapas no Parlamento e o cerco policial que marcaram a posse do presidente Felipe Calderón (PAN) – ele falou aos deputados por apenas cinco minutos e saiu pela porta dos fundos. Apenas 35,3% compareceram às urnas para escolher representantes, que não têm legitimidade. Na capital, milhares (às vezes milhões) de pessoas se mobilizam para participar, desde o ano passado, das manifestacões convocadas por López Obrador, candidato de esquerda, que rejeita a posse de Calderón, por denunciála como fraudulenta. Ele assumiu um governo paralelo, em 20 de novembro. Abaixo está, por assim dizer, la mera gente. Está o México profundo, que se organiza nos Estados do Sul em assembléias populares e na busca por autonomia. Estão as pessoas que foram redescobertas pela Outra Campanha (mobilização zapatista para organizar a resistência ao neoliberalismo e organizar a população pobre), nos rincões do país, que deu atenção para suas experiências anticapitalistas. Terminado o primeiro recorrido, houve um encontro na capital, no dia 2, e o subcomandante Marcos falou de algumas metas da Outra Campanha depois do contato com “os corações esquecidos da pátria”. E o que fica claro é que para o México de baixo não existe um modelo pronto de luta, tudo está para ser feito. O subcomandate falou em aprender as experiências de autogestão dos grupos anarquistas, a luta pela diminuição das tarifas de energia e a sabotagem às grandes redes de comércio, em apoio aos pequenos comerciantes.
NOVA LINGUAGEM O México de baixo renova a linguagem da luta social. Troca os jargões desgastados da velha esquerda pela poesia oral dos indígenas. Valoriza a memória e a palavra. Conversa com estudantes ou militantes, conta alguns momentos históricos da luta mexicana, como a Revolução de 1910, a Independência e, antes de tudo, a luta indígena contra os espanhóis, que segue a mesma base: a luta pelo território. Fico pensando como a memória irá guardar os seis meses de luta das barricadas de Oaxaca. Sim, trata-se de algo renovado, se pensarmos que o movimento zapatista (que desencadeou o processo atual) teve sua gênese nos anos de 1980, quando os olhos do Ocidente estavam voltados para a experiência dos sandinistas, na Nicarágua e da Frente Farabundo Martí, em El Salvador. Mas, ante o recuo da esquerda naqueles países, o movimento mexicano teve que criar uma outra coisa, a partir de modelos não fixos, reinventando a luta constantemente, “ser como a água”, já dizia o indígena maia zapatista Velho Antônio. A equação do México de baixo realmente é simples e agrega as várias formas de luta: as pessoas falam em igualdade. Igualdade para esses rostos morenos e cabelos escuros que não posam nas revistas. A clara divisão no país e os privilégios das elites permitiu uma radicalidade para a qual, como dis-
López Obrador (ao centro) em meio à multidão em marcha contra as fraudes nas eleições mexicanas
se um amigo, “não há volta atrás”. Ainda que seja um dado muito subjetivo, vemos que a dignidade indígena presta um papel muito importante na luta, pois foi ela que causou o levantamento zapatista de 1994, quando dois mil indígenas se bateram contra o exército oficial. E, agora, criou a Outra Campanha, que, contra qualquer análise de conjuntura ou possibilidade de acordos estratégicos, colocou-se contra os partidos, inclusive o PRD, de Obrador. E a dignidade das barricadas de Oaxaca, que se organizavam espontaneamente, puxadas pelas próprias pessoas, mesmo quando os dirigentes apontavam para um outro caminho.
TENSÃO A classe política, ou seja, os de cima, colaboram para o tensionamento da luta de classes no México.
Os seis anos do governo de Vicente Fox apenas demonstraram isso. O aumento da exploração veio seguido do papel que cabe ao Estado hoje: o de braço repressor. Fox havia prometido, ainda em 2000, resolver o conflito de Chiapas em “15 minutos”, em suas palavras, quando na verdade não reconheceu a demanda dos povos, negociada nos acordos de San Andrés, e seguiu promovendo a guerra de baixa intensidade na área, a mais militarizada do país, onde tanques passam o dia inteiro e fazem pressão psicológica sobre as famílias maias zapatistas. No final de governo, assistimos ao enfrentamento de questões sociais, com o envio de tropas federais. Foi assim em San Salvador Atenco, em maio, e agora está sendo assim na guerra suja e na repressão contra o movimento da Assembléia Popular dos Povos de Oa-
xaca (APPO). Fox passa o governo para Calderón, seu correligionário – que certamente vai aprofundar a sua política –, e deixa como legado mais de 600 presos políticos de consciência e a segunda posição no ranking de país mais perigoso no mundo para a atividade jornalística. O primeiro é o Iraque. As coisas estão conectadas, e a repressão tem um contexto econômico. Os preços estão altos e o partido de Fox e de Calderón tem um projeto para criar um imposto (chamado IVA) sobre os alimentos e remédios. Uma senhora, numa banquinha de jornal, reclama do preço do leite e dos combustíveis, que devem aumentar com o novo governo. A economia mexicana, segundo La Jornada, está toda ela monopolizada por uma elite nacional ou por transnacionais – ao mesmo tempo, Estado e indústria estatal estão des-
ANÁLISE
Turbulências mexicanas Emir Sader O México já não está tão longe de Deus, desde que as relações do governo com a Igreja Católica – que havia encabeçado as principais mobilizações contra a Revolução Mexicana, no começo do século passado – se normalizaram. Embora agora o México esteja mais longe dos EUA, com a construção do muro na fronteira entre os dois países – em que há mais mortes anualmente do que em toda a existência do Muro de Berlim. Em condições dramáticas, assumiu o novo presidente mexicano, com uma vitória muito questionada pelas acusações de fraude, tendo recebido pouco mais de 30% dos votos, em um país que enfrenta grandes mobilizações populares contra sua posse, ao mesmo tempo que o Estado sulista de Oaxaca continua imerso em um processo de rebeldia e de ingovernabilidade. É difícil imaginar como será o desempenho de Felipe Calderón nos 6 anos de mandato que tem pela frente, com pouca legitimidade e um país convulsionado. Vicente Fox, eleito em 2000, assumiu a presidência com um apoio eleitoral inquestionável
e uma expectativa favorável de que se dariam transformações democráticas, com o fim do Estado construído em mais de 70 anos pelo PRI. Fox manteve o mesmo aparato estatal, se aliou ao PRI e fracassou. Conseguiu eleger seu sucessor, mas nas condições mencionadas – uma vantagem de pouco mais de 200 mil votos, sem que se tenha feito a recontagem eleitoral, que poderia desfazer as dúvidas sobre as acusações de fraude, em um país conhecido por elas. Quando fez a opção de assinar um Tratado de Livre Comércio com os EUA, em 1994, o México esperava receber os fluxos positivos do desenvolvimento econômico de duas potências globalizadoras – EUA e Canadá. Porém, nesse mesmo ano, o México inaugurou a modalidade de crises financeiras trazidas pelo neoliberalismo, o que levou Washington a mobilizar imediatamente um empréstimo gigante, para acudir o governo mexicano. Nesse mesmo momento se dava a sublevação dos zapatistas em Chiapas. As promessas dessa forma de integração subordinada à globalização se resumiram a que o México passasse a ter mais de 85% do seu comércio
exterior com os EUA e que se instalassem muitas fábricas na fronteira com esse país, para explorar a mão-de-obra barata. Mesmo enquanto funcionou, esses investimentos não se estenderam ao conjunto do país e, mesmo explorando força de trabalho de mulheres e de crianças, esses capitais encontraram melhores condições na China e abandonaram o México. Calderón aliou-se ao PRI e tenta obter um apoio parlamentar que lhe blinde contra as mobilizações populares e as instabilidades econômicas. Seu discurso mais à direita do de Fox se traduziu em um ministério ainda mais conservador, em um continente em que as conseqüências negativas dos modelos econômicos vigentes tem levado à formação de uma opinião pública mais à esquerda – de que as recentes eleições de Daniel Ortega na Nicarágua e de Rafael Correa são as expressões mais atuais. Pode-se esperar que o México seja um dos cenários de maiores turbulências nos próximos anos. Emir Sader é sociólogo e secretário-executivo do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso)
mantelados. Ninguém menos que o Banco Mundial informou que o Tratado de Livre Comércio na América do Norte (Nafta, na sigla em inglês), deve ser revisado, pois não melhorou a economia mexicana. No México de cima, o neoliberalismo de Fox rompeu relações com os países da América Latina, como Venezuela e Cuba. Só que, mesmo voltado ao Grande Irmão do Norte, o que o governo Fox obteve foi a construção de um muro separando os dois países. Ademais, ele iniciou sua gestão, seis anos atrás, com a expectativa de ser o governo da mudança, passados 71 anos de mando do PRI. Porém, tal qual uma tabelinha PFL/PSDB, os dois governaram juntos e aumentaram o número de miseráveis em dez milhões de pessoas, passando o total para 50 milhões. São os de baixo, que, apesar de irem vender sua força de trabalho nas fábricas maquiladoras, ainda podem ficar sem nada, pois muitas fábricas estão migrando para a China. “O resultado (do tratado de livre comércio) foi a queda generalizada dos preços rurais, baixa rentabilidade, perda de fontes de emprego, migração e aumento da pobreza”, “(Fox) é o inepto que teve em suas mãos os excedentes petroleiros mais altos da história, e que deixou a Pemex (empresa petroleira mexicana) com a maior dívida de sua historia”, escreve La Jornada.
NA MULTIDÃO Estou o tempo todo entre um mar de gente, principalmente nas ruas do centro. No dia 1º, confesso, não tive como não me surpreender com a maré de pessoas que seguiu a marcha convocada por López Obrador, que atravessou a avenida Paseo de La Reforma. Nem de longe convocou o mesmo número de pessoas, por exemplo, em maio do ano passado, na época do “desaforo”, manifestação contra a perseguição sofrida por Obrador, tentando impedi-lo de concorrer à presidência. Agora, fluxos em todas as direções da avenida. Não posso arriscar-me a traduzir o sentimento da gente que participa da mobilização, em um momento no qual o México apresenta tantas lutas e demandas. Ao menos, o que foi curioso é a aversão popular em relação aos jornalistas, pois acusam as grandes cadeias de televisão (TV Azteca e Televisa) de legitimar Calderón. O outro dado curioso é a comparação que as pessoas fizeram entre Lula e Obrador, quando eu revelava meu país de origem.
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CULTURA
De 7 a 13 de dezembro de 2006
CINEMA Fotos: Chica San Martin
A imagem, instrumento militante Festival de Cinema exibe filmes sobre a luta da classe trabalhadora na América Latina
Q
ue lugar as câmeras militantes ocupam na luta? Esse era um dos questionamentos dos documentaristas do grupo de cinema argentino Ojo Obrero (Olhar Operário), ligado ao Partido Obrero, quando criaram, em 2004, o Festival Latinoamericano de la Clase Obrera (Felco) com o objetivo de difundir a produção audiovisual sobre as mobilizações sociais que renasceram na Argentina em 2001 e no resto do continente. “Queríamos agrupar os representantes das novas gerações do cinema militante da América Latina que saíam às ruas com suas câmeras para registrar as lutas e rebeliões dos movimentos populares”, afirma Nicolas Bartolucci, um dos documentaristas do grupo. Os organizadores do Festival reuniram mais de 100 filmes de toda a América Latina e, ao longo de 2004, além de uma mostra central em Buenos Aires, os filmes foram exibidos em fábricas ocupadas, universidades públicas e institutos de cinema em cidades ao redor do país em uma mostra itinerante.
MOSTRA ITINERANTE No ano seguinte, o festival foi levado à cidade de El Alto, na Bolívia, e aconteceu em outubro, na mesma época em que, em 2003, milhares de pessoas foram massacradas durante as manifestações que levaram à expulsão do então presidente Gonzalo Sánchez de Lozada. O festival foi realizado pela produtora Tercer Mundo e pela publicação El irreverente. Em sua terceira edição, a mostra continuou a acontecer na Argentina, Bolívia e também veio ao Brasil. Durante todo o ano, mais de 30 cidades brasileiras exibiram os documentários durante a mostra itinerante. Entre os dias 2 e 10, a cidade de São Paulo recebe o encontro central dos realizadores e exibidores militantes e movimentos sociais de toda a América Latina. A mostra passou por cidades como Belo Horizonte, Cascavel, Rio de Janeiro, Itacaré, Salvador, Teresina, e foi exibida em cineclubes, universidades, na fábrica ocupada Flaskô, em Sumaré, no interior de São Paulo, e no assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Quissamâ, em Sergipe. “As exibições foram muito interessantes e fomentaram debates sobre as políticas locais. Em Itacaré, por exemplo, depois da mostra as pessoas passaram a discutir os problemas da própria cidade. Além disso, criamos uma enorme rede de solidariedade entre os
realizadores e exibidores”, avalia Maria Gutierrez, da organização do Felco no Brasil. De acordo com ela, o objetivo do festival no país é criar uma rede de cineastas militantes, colaborar com a luta dos movimentos sociais e trocar experiências políticas. Cena do curta-metragem “Construção”, exibido no Felco, baseado na canção homônima de Chico Buarque
DOCUMENTARISTAS A partir dos debates do Felco, os documentaristas brasileiros estão discutindo também a criação de uma escola popular de cinema, uma frente de cultura popular “para aproximar outras formas de arte, como teatro e poesia”, e a ampliação da rede de documentaristas e cineastas militantes, “para que façam um trabalho conjunto, e quando houver uma ocupação, por exemplo, estejam lá para dar apoio”, afirma Maria. Sem incentivos públicos, a realização do Felco no Brasil contou com a militância de apoiadores, mas, de acordo com Maria, daqui para frente pretendem seguir o exemplo dos argentinos do
Ojo Obrero. Em 2004, eles fizeram um piquete em frente ao Instituto de Cinema da Argentina, e assim conseguiram apoio para a realização do festival, e agora em 2006 repetiram a manifestação e conseguiram 25 passagens aéreas para vir ao Brasil.
INSURREIÇÕES Durante uma das exibições da mostra central do Felco, que aconteceu na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema, no dia 4, foram exibidos documentários sobre insurreições populares como o “Argentinazo”, do grupo argentino Ojo Obrero, e “La masacre de Warisata”, da televisão universitária da Bolí-
via. “Argentinazo” mostra a revolta popular dos dias 19 e 20 de dezembro de 2001, que levou à queda do presidente argentino Fernando de la Rúa. A repressão policial durante as manifestações deixou um saldo de 32 mortos, sendo cinco em Buenos Aires. A revolta ficou conhecida como “Argentinaço”. De acordo com Hernan Vasco, um dos realizadores do documentário, o Felco surgiu como uma ferramenta para coletivizar as experiências e dificuldades encontradas pelos movimentos populares em luta social na América Latina. “Trabalhamos com contra-informação e queremos que as pessoas de outros países tomem
consciência do que foi o “Argentinazo” assim como queremos saber como são as experiências em outros países”, afirma Vasco. Segundo ele, entre as experiências que precisam ser coletivizadas está a luta contra os governos de centro-esquerda, “como Lula e Kirchner que têm feito o papel de bombeiro das rebeliões populares. Eles implementam as mesmas políticas que os governos anteriores, mas usam um vocábulo distinto e tem uma história de proximidade com os movimentos populares”, analisa. O documentário “La masacre de Warisata” trata do assassinato de cinco camponeses bolivianos pela polícia
– entre eles uma menina de oito anos – em 20 de setembro de 2003, durante o governo de Sánchez de Lozada. Os camponeses protestavam contra a exportação e venda do gás boliviano para os Estados Unidos a um preço muito baixo. “A denúncia do que aconteceu na Bolívia em 2003 é fundamental, e a imagem pode ser um um forte instrumento de formação e integração das lutas”, acredita Edwin Villca, da produtora boliviana Tercer Mundo. “Nossos instrumentos de comunicação são nossas armas a serviço dos trabalhadores. Foi assim na Argentina em 2001, na Bolívia, em 2003, e agora em Oaxaca”, completa.
Onde assistir aos filmes do Felco A mostra itinerante do Felco no Brasil, que está acontecendo simultaneamente na Argentina e na Bolívia, irá se estender até janeiro de 2007. Para fechar o ciclo de debates e exibições, o festival também realiza, durante o mês de dezembro quatro mostras em São Paulo, três delas com exibições retrospectivas e contemporâneas do cinema militante da América Latina. Cineas-
tas como Fernando Solanas, Fernando Birri e, do Brasil, Jorge Bodanzky, Paulo César Saraceni, Ruy Guerra e Lauro Escorel terão seus filmes revistos e avaliados. A mostra retrospectiva do cinema militante latino-americano acontece no Cinusp, na Cidade Universitária, até o dia 15.(http: //felco.guardachuva.org/retrospectivaLA). Já a mostra central, em São Paulo, até o dia
10, acontece no auditório do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Previdência no Estado de São Paulo (Sinsprev), na R. Antônio de Godoy, 88, metrô São Bento, com sessões das 13h às 18h, além de debates às 19h. Os documentários exibidos tratam de temas como democratização da mídia, mulheres, questão agrária, fábricas ocupadas, recursos naturais e direitos humanos.
Mostra cria laços entre militantes brasileiros e franceses Nestor Cozetti do Rio de Janeiro (RJ) “É importante que os movimentos sociais franceses e brasileiros se conheçam para além dos encontros oficiais. Franceses não conhecem a realidade social de brasileiros, e vice-versa. A imagem, por exemplo, que se tem aqui no Brasil, da sociedade francesa está muito longe da realidade. É só ver quando a gente projeta os filmes dos movimentos sociais franceses. O pessoal fica impressionado pelo fato de os franceses normais, atuantes nos movimentos, serem pessoas comuns de todas as raças e cores, com uma vida bem parecida com as da gente daqui”. A fala do jornalista francês Giles de Staal, convidado da mostra Social em Movimentos, realizado pela entidade Autres Brésils (Outros Brasis), resume a proposta do evento, ocorrido entre os dias 23 e 26 de novembro no Rio de Janeiro e no dia 2 em São João do Meriti, ambos no Estado do Rio de Janeiro. O intercâmbio, funda-
João Roberto Ripper
Tatiana Merlino da Redação
Cenas do filme “Salve! Santo Antônio”, de Aline Sasahara
mental na mostra, surge, segundo ele, com um “conhecimento recíproco e concreto, real, por meio de documentários, como o da greve do Mc Donald’s em Paris, feito pela juventude francesa. E não como retratada pela grande mídia brasileira, de uma Europa
extremamente imaginária, que é a Europa das classes dominantes”. Todos os filmes – sobre lutas sociais dos dois países – foram acompanhados de debates, dos quais participaram os diretores dos documentários, professores universitários e lideranças sociais.
Em cada um dos seis dias da Mostra eram projetados dois documentários, um brasileiro e outro francês, sempre seguidos por debates. Todos com foco sobre a enorme parcela de suas populações que sofrem opressão no trabalho e são obrigadas a entrar em greve
ou sem as mínimas condições de segurança de trabalho e sofrem com a explosão de sua fábrica clandestina, como em Santo Antônio (BA). Ou são vítimas do racismo, estão sem teto, são imigrantes, tanto em um país quanto em outro. O filme “Tobias 700, a História de uma Ocupação”, dirigido por Daniel Rubio, por exemplo, mostra a união e a resistência de famílias que ocuparam um prédio abandonado no Centro de São Paulo (SP). Os ocupantes estavam organizados como Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC). Nos debates, depois do filme, foi lembrado que a atual campanha de “higienização do centro” da Prefeitura da cidade de São Paulo é na verdade uma investida contra os trabalhadores de baixa renda, em sua grande maioria os que sobrevivem de serviços na área central e, por falta de dinheiro para as passagens de retorno à periferia ou para o aluguel, acabam por ficar “em situação de rua”, nome mais apropriado para os sem-teto.