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Circulação Nacional

Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 5 • Número 223

São Paulo, de 7 a 13 de junho de 2007 Pbrockhoefer

R$ 2,00 www.brasildefato.com.br Latuff

Repressão lá e aqui – à esq., manifestantes são bloqueados pela polícia durante protestos contra a reunião do G-8 na Alemanha (pág. 11); em São Paulo, estudantes, funcionários e docentes das universidades estaduais paulistas enfrentam cordão da PM em frente à sede do governo estadual

Marcelo García/ Prensa Miraflores

A fúria das elites contra Chávez

Marcha em apoio ao governo da Venezuela pela não renovação da concessão da RCTV

No 1º congresso, Psol se unifica pelo socialismo

Um criminoso Transposição não de guerra africano trará água potável no banco dos réus à população

O Rio de Janeiro (RJ) sedia, entre os dias 7 e 10, o 1º Congresso Nacional do Psol cuja tônica principal será a defesa do socialismo como horizonte estratégico. As lideranças entendem que o abandono dessa bandeira pelo PT foi o que levou o partido a deixar de ser uma referência para a esquerda brasileira. Por isso, seu resgate é importante como um caminho para que o Psol se constitua numa alternativa antineoliberal para a sociedade. Outro ponto crucial para o partido é o acompanhamento e o envolvimento com as lutas sociais, mesmo que a institucionalidade não seja, de todo, abandonada. Pág. 8

Pela primeira vez na história, um ex-governante do continente africano é submetido a um processo em uma corte criminal internacional. O julgamento do ex-presidente da Libéria, Charles Taylor, teve início no dia 4, em Haia (Holanda), e prossegue no dia 25. O liberiano, através do seu amplo apoio a grupos rebeldes que lançaram uma revolta contra o governo da vizinha Serra Leoa entre 1991 e 2002, responde a 11 acusações, entre elas, mutilações de civis, utilização de mulheres e meninas como escravas sexuais e uso de soldados infantis. O objetivo de Taylor era o de garantir, em troca da ajuda aos revoltosos, o acesso aos diamantes leoneses. Pág. 10

Enquanto a maior parte da população de Jardim do Seridó (RN) consome água poluída, o presidente da Câmara da cidade e irmão do prefeito bebe água mineral. Mas engana-se quem pensa que a transposição do rio São Francisco irá trazer água potável aos primeiros. Tanto as águas do Velho Chico quanto as águas das bacias receptoras estão contaminadas – como no caso do rio Piranhas Açu, um dos rios receptores da transposição do Eixo Leste. “Para que serve esse projeto?”, questiona o engenheiro agrônomo José Procópio de Lucena, do Serviço de Apoio aos Projetos Alternativos e Comunitários (Seapac). “Para juntar as duas águas poluídas?” Pág. 5

A decisão do governo venezuelano de não renovar a concessão da RCTV, uma emissora privada que apoiou um golpe militar contra o presidente Hugo Chávez, em 2002, tem enfurecido a direita mundial. O monopólio privado da informação é um tema tão caro aos conservadores que Condoleezza Rice, secretária de Estado estadunidense, criticou o fechamento da emissora durante uma reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA) realizada, no dia 4, para debater a economia sustentável. Rice, porém, retirou-se da sala quando o chanceler venezuelano Nicolas Maduro solicitou que uma equipe da TVes, a nova emissora pública, fosse autorizada pelo governo de Washington a conversar com os presos de Guantánamo. Mais ao sul, as elites também reclamaram. Os senados do Chile – repleto de membros vitalícios originários no período do ditador Augusto Pinochet – e do Brasil – liderado pelo ex-presidente biônico José Sarney – aprovaram moção criticando a decisão de Chávez. Págs. 2 e 9


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editorial

A derrota do coronelismo eletrônico na Venezuela A HISTERIA dos meios de comunicação capitalistas no Brasil e no mundo diante da decisão do governo da Venezuela em não mais renovar a concessão de uma rede de TV é uma demonstração de pânico das elites, por serem finalmente descobertas na sua trapaça: o de privatizar para si o espaço radioelétrico, patrimônio público. Sabem que o gesto do governo venezuelano retira o véu que permitia esconder a renovação sigilosa e automática das concessões, de agora em diante sob questionamento. Temem que sejam obrigadas a dar explicações às cobranças da sociedade sobre as renovações vitalícias e sobre o uso privilegiado de um bem que não lhes pertence, mas ao povo brasileiro, no nosso caso. Na campanha contra o presidente Chávez, os magnatas da grande mídia brasileira revelam todo o seu arsenal de antidemocratismo e de cerceamento à verdade. Sequer deixam passar a mais mínima informação de que existe, na Venezuela, uma Lei da Responsabilidade Social dos Meios de Comuni-

debate

A postura dos partidos de direita, em um parlamento que não tem um mínimo de credibilidade pública, foi seguida da covarde omissão da bancada petista. Curioso: os “democratas” de hoje não fizeram nenhuma moção contra o golpe de direita contra Chávez em 2002 cação. Os veículos de comunicação são obrigados a exibirem programação infantil mínima de 6 horas, de caráter educativo, e a ter uma programação nacional. A lei pune também severamente os veículos que insistirem no culto à violência, na baixaria televisiva sensacionalista que apela aos baixos instintos e na telepornografia, todas essas características marcantes na programação da mídia no Brasil. Mas a mídia direitista não fala do país real do presidente que tanto atacam. Não difunde informação sobre o fato de a Venezuela ter hoje o mais alto salário mínimo de toda a América Latina, de ser um país livre do analfabetismo, conforme reconhecimento oficial da Unesco, de aplicar uma política trabalhista para a redução da jor-

nada de trabalho para 6 horas até o ano de 2010, de combate ao latifúndio improdutivo, entre outras medidas. Essas conquistas do povo venezuelano não são informadas ao povo brasileiro por quem acusa Chávez de violar a liberdade de expressão e de informação. Tanto na Venezuela quanto no Brasil, essa mídia atua como partido político. E foi exatamente esse o principal golpe que recebeu: com a decisão venezuelana, estamos todos convocados a debater – os meios de comunicação podem agir como partido político? Não tem limites a hipocrisia da oligarquia brasileira que procura transformar em censura o ato legítimo do governo venezuelano de não renovar a concessão da RCTV

– medida similar já adotada por governos da França, Inglaterra, EUA –, emissora venezuelana que já havia sido tirada do ar por governos anteriores ao de Chávez por incitação à violência e por difusão de pornografia. Pressionados por essa mesma mídia, em articulação internacional a partir dos EUA, os partidos conservadores repetiram os mesmos argumentos. Aprovou-se uma moção no Senado criticando a decisão soberana e legítima de outro governo. Políticos responsáveis pela ditadura de 1964, por anos e anos de censura à imprensa, resolvem fazer o transformismo de defender a liberdade de imprensa na Venezuela. Justamente em um país que promove a democratização dos meios de comunicação,

crônica

Fabrina Furtado

A ATUAL mudança na presidência do Banco Mundial é um momento importante para discutir o papel da instituição. No entanto, o debate está sendo reduzido a uma briga em torno da nacionalidade do presidente. A Europa quer que seja um (é um mesmo porque sempre foi um homem) europeu, e não mais um estadunidense como tem sido historicamente – obviamente orgulhosos da atuação Fundo Monetário Internacional (FMI), historicamente liderado por um europeu. Já outros exigem que seja de algum país do Sul. Mas se o Demian Fiocca, ex-presidente do BNDES, fosse presidente do Banco Mundial a atuação da instituição mudaria? O ministro da Fazenda, Guido Mantega, critica o processo dizendo que a escolha precisa ser por mérito, e não nacionalidade. Correto ele, mas quem vai definir esse mérito? São as populações direta e indiretamente impactadas pelas políticas do banco ou os tradicionais donos do poder – sejam brasileiros, esta-

dunidenses ou europeus, todos da mesma escola neoliberal? A questão central não é de onde vem quem está no poder, nem sua capacidade de ocultar os beneficiários do seu nepotismo, mas sim a lógica que politicamente orienta a instituição. É essa a orientação que tem impacto direto na estrutura de poder e o modelo de desenvolvimento no qual o Banco se baseia para realizar seus empréstimos. Claro que ter Paul Wolfowitz – ou qualquer Wolf-alguma-coisa – no poder de um Banco de fomento precisa ser questionado; não só pela questão ética decorrente do nepotismo, mas por ser um dos arquitetos da invasão do Iraque e defensor da implementação de políticas neoliberais que têm sido responsáveis pela morte de milhões de pessoas no mundo todo. Mas o Roberto Zoellick – ex-secretário de comércio dos EUA – não pode ser considerado um anti-Wolfowitz, como coloca a imprensa de Istambul. Da mesma forma que o Wolfowitz, o atual nomeado do Bush vai presidir uma instituição que, utilizando-se das condicionalidades aos empréstimos, promove os interesses do capitalismo das grandes transnacionais, a privatização dos serviços públicos e diminuição do Estado, o fim da soberania nacional, e usufrui das ilegítimas dívidas

externas – que foi responsável por construir – como instrumento de controle. São essas as políticas que aumentam a pobreza, desigualdade e exclusão, que promovem a privatização da vida e que contribuem de forma assustadora para um dos maiores e mais iminentes pesadelos da natureza e da humanidade: o aquecimento global. E esse fracasso do Banco de atingir seu objetivo de “ajudar as pessoas e os países mais pobre” – fachada para seus reais interesses – não pode ser comprovado somente pelos conhecidos críticos do Banco como ONGs, movimentos sociais e alguns acadêmicos. O próprio Grupo de Avaliação Independente do Banco concluiu que, entre 1995 e 2005, apenas um entre cada dez países tomadores de empréstimos apresentaram crescimento contínuo. Os outros nove ou estagnaram ou mergulharam numa pobreza ainda maior. Todo esse controle continua ocorrendo até em países que nem mais precisam dos recursos financeiros do Banco, como o Brasil. Em 2006, o Banco Mundial desembolsou R$ 4 bilhões; o BID R$ 3 bilhões e o BNDES R$ 52,3 bilhões. A diferença é gritante. Então para quê? Para o Banco Mundial, sua presença é importante no Brasil por seu “poder convocatório”

Leonardo Boff

Afrodescendentes, índios e missão

Banco Mundial, mudar para continuar

Em vez de perder tempo brigando pela presidência de um banco politicamente, financeiramente e acima de tudo eticamente falido, o Brasil deveria se preocupar em promover mudanças radicais no BNDES que está seguindo o mesmo caminho que o Banco Mundial em termos de modelo de desenvolvimento fomentado

que fez nascer uma TV social conforme reza a legislação aprovada por uma referendo e que vem habilitando centenas de rádios e TVs comunitárias, tornando a comunicação social um espaço plural, diverso e democrático. Tentam pressionar o governo brasileiro para um desentendimento com a Venezuela, mas Lula já declarou que “Chávez é um parceiro, não um inimigo”. Agora, os partidos de direita querem obstruir a entrada da Venezuela no Mercosul e já vinculam essa posição com a obstrução à proposta da criação da TV Pública no Brasil. A postura dos partidos de direita, em um parlamento que não tem um mínimo de credibilidade pública, foi seguida da covarde omissão da bancada petista. Curioso: os “democratas” de hoje não fizeram nenhuma moção contra o golpe de direita contra Chávez em 2002. E apóiam, obedientes, o fechamento de 2.500 rádios comunitárias pela Polícia Federal, cujos equipamentos estão ilegalmente seqüestrados pelo órgão governamental.

– alavanca outras parcerias. Será mesmo ou é mais uma desculpa para tentar superar o fato de que sua existência não pode mais ser justificada? Se Venezuela e Equador podem ficar sem o Banco Mundial, porque o Brasil não? Porque o governo não quer. Em vez de perder tempo brigando pela presidência de um banco politicamente, financeiramente e acima de tudo eticamente falido, o Brasil deveria se preocupar em promover mudanças radicais no BNDES que está seguindo o mesmo caminho que o Banco Mundial em termos de modelo de desenvolvimento fomentado. Depois de mais de 60 anos de Banco Mundial e FMI, está na hora de declarar que reformar essas instituições não é possível. É preciso construir alternativas. Alternativas que promovam a implementação dos direitos econômicos, culturais e socioambientais, nas quais todos tenham o mesmo direito e poder, que sejam governados pelos próprios países para não construir maquinas gigantescas com salários surreais substituindo o Estado, onde seus dirigentes e funcionários sejam responsáveis perante a Justiça e não tenham imunidade, que paguem impostos, onde todas as informações e arquivos sejam de domínio público e objetive superar as assimetrias e não aumentá-las. Ou seja, alternativas do povo para o povo. Tudo isso que o Banco Mundial não faz. Fabrina Furtado é mestre em Economia Política Internacional e Secretária Executiva da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais (Rede Brasil)

SEGURAMENTE OS bispos latino-americanos reunidos na Conferência do Episcopado Latino-americano e do Caribe (Celam), em Aparecida, ao abordar o tema central da missão da Igreja, devem se ter confrontado com a questão histórica ainda não resolvida acerca da forma como foram tratados os índios e os afrodescendentes. O cristianismo em geral se mostrou sempre sensível ao pobre, mas implacável e etnocêntrico face à alteridade cultural. O outro (o indígena e negro) foi considerado o inimigo, o pagão e o infiel. Contra ele se moveram “guerras justas” e se lhe leu o requerimiento (um documento em latim no qual se deveria reconhecer o rei como soberano e o papa como representante de Deus) e caso não fosse aceito se legitimava o sometimento forçado. Não devemos jamais esquecer que nossa sociedade está assentada sobre grande violência, sobre o colonialismo que invadiu nossas terras e obrigou falar e pensar nos moldes do outro, sobre o etnocídio indígena com sua quase exterminação, sobre o escravismo que reduziu milhões de pessoas a “peças”, sobre a dependência atual dos centros metropolitanos que dificulta nosso caminho autônomo e até nos quer reduzir à prescindência. As desigualdades sociais, as hierarquias discriminatórias e a falta de sentido do bem comum se alimentam ainda hoje desse substrato cultural perverso. Por isso com espanto, ainda recentemente escutamos que a primeira evangelização não foi uma “imposição nem uma alienação” e que seria “um retrocesso e uma involução” querer resgatar as religiões dos ancetrais. Face a isso não podemos deixar de escutar a voz das vítimas que ecoam até os dias de hoje, testemunhas do reverso da conquista, como aquela do profeta maia Chilam Balam de Chumayel :”Ai! Entristeçamo-nos porque chegam…vieram fazer nossas flores murchar para que somente a sua flor vivesse…vieram castrar o sol”. E sua lamúria continua: “Entre nós se introduziu a tristeza, se introduziu o cristianismo…Esse foi o princípio de nossa miséria, o princípio de nossa escravidão”.

Mas a esperança dos indígenas não morreu. Em algumas comunidadades andinas dos antigos incas, celebra-se, de tempos em tempos, um ritual de grande significação: amarra-se um condor, a águia dos Andes, no dorso de um touro bravio Segundo Oswald Splengler em A decadência do Ocidente, a invasão ibérica singificou o maior genocídio da história humana. A destruição foi da ordem de 90% da população. Dos 22 milhões de astecas em 1519, quando Hernán Cortés penetrou no México, só restou um milhão em 1600. E os sobreviventes no dizer de Jon Sobrino, teólogo censurado recentemente pelo Vaticano, são povos crucificados que pendem da cruz; a missão da Igreja é baixá-los da cruz e fazê-los ressuscitar. Mas a esperança dos indígenas não morreu. Em algumas comunidadades andinas dos antigos incas, celebra-se, de tempos em tempos, um ritual de grande significação: amarrase um condor, a águia dos Andes, no dorso de um touro bravio. Trava-se, diante da multidão, uma luta feroz e dramática, até que o condor com suas potentes bicadas extenua e derruba o touro. Este então é comido por todos. Trata-se de uma metáfora: o touro é o colonizar espanhol e o condor o inca do altiplano andino. Processa-se uma reversão simbólica: o vencedor de ontem é o vencido de hoje. O sonho de liberdade triunfa, pelo menos, simbolicamente. A missão da Igreja é de justiça, não de caridade: reforçar o resgate das culturas antigas com sua alma que é a religião. E em seguida estabelecer um diálogo no qual ambos se complementam, se purificam e se evangelizam mutuamente. Leonardo Boff é teólogo e professor universitário. É autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística. A maioria de sua obra está traduzida nos principais idiomas modernos

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Jorge Pereira Filho, Marcelo Netto Rodrigues • Subeditor: Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Igor Ojeda, Renato Godoy Toledo, Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), Gilberto Travesso, Jesus Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Aldo Gama, Kipper, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Salvador José Soares • Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: GZM Editorial e Gráfica S.A. • Conselho Editorial: Alípio Freire, Altamiro Borges, Antonio David, César Sanson, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, João Pedro Baresi, Kenarik Boujikian Felippe, Leandro Spezia, Luiz Antonio Magalhães, Luiz Bassegio, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Milton Viário, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Temístocles Marcelos, Valério Arcary • Assinaturas: (11) 2131- 0812/ 2131-0808 ou assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar: (11) 2131-0815


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brasil

Acordo entre movimento sindical e governo para legalizar centrais TRABALHADORES Medida provisória concederá autonomia financeira às entidades e as reconhecerá juridicamente; Intersindical e Conlutas apóiam a legalização, mas temem cooptação Arquivo

Renato Godoy de Toledo da Redação O MOVIMENTO sindical brasileiro está prestes a conseguir implementar uma bandeira história: a legalização das centrais sindicais. As organizações dos trabalhadores chegaram a um acordo com o governo federal, que enviará ao Congresso uma Medida Provisória (MP) com esse objetivo. No entanto, entidades como Intersindical e Conlutas temem que a contrapartida exigida pelo Planalto seja o apoio das centrais a projetos que reduzam os direitos trabalhistas. A MP prevê uma nova distribuição das verbas oriundas do imposto sindical – 3,3% do salário do trabalhador cobrado no mês de março. Desse total, 10% será destinado à central sindical a qual o seu sindicato é filiado. O restante será dividido entre sindicato (60%), federação da categoria (15%), confederação da categoria (5%) e conta salário-emprego (10%). A Central Única dos Trabalhadores (CUT) acredita que a legalização é um passo importante para a organização dos trabalhadores e para ampliar o papel das centrais na vida política do país. “Com o reconhecimento jurídico, quando acharmos que alguma medida viole a Constituição, temos o direito de entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin)”, exemplifica Arthur Henrique, presidente da CUT. A autonomia financeira das centrais pode conceder um maior fôlego para a organização dos trabalhadores, diz o sindicalista. “Com a legalização, temos a possibilidade de lutar mais pelos interesses gerais dos trabalhadores”, avalia. Para a CUT, cumprida essa etapa de reconhecimento das centrais, é essencial que o movimento lute pela organização no local de trabalho, pela substituição do imposto sindical compulsório por uma taxa de negociação coletiva e uma mudança na legislação para estabelecer uma lei que puna o “crime contra prática sindical”.

Conselho polêmico

Já Zé Maria, da Confederação Nacional de Lutas (Conlutas), acredita que o processo de legalização das centrais se deu de forma equivocada e alguns desencadeamentos da MP podem acelerar o processo de reforma

Então presidente da CUT, o atual ministro do Trabalho, Luiz Marinho, participa de manifestação ao lado de Paulinho, presidente da Força Sindical, duas das principais centrais de trabalhadores do País

Outro desafio posto para o movimento sindical é conquistar o direito de se organizar no local de trabalho trabalhista, com o aval dos representantes dos trabalhadores. “Somos a favor da legalização das centrais. Porém, achamos que a legalização das centrais veio em troca da instituição do Conselho Nacional de Relações de Trabalho (CNRT), que se dará no âmbito do Ministério do Trabalho”, afirma Zé Maria. Segundo ele, nesse conselho, composto por entidades patronais e centrais sindicais, será acertada a flexibilização dos direitos trabalhistas. “Nós jamais participaremos de um conselho que debata a retirada de direitos”. A Intersindical também vê o CNRT como um instrumento que pode cooptar o movimento sindical. “Sempre lutamos pela autonomia das entidades sindicais perante os patrões e os governos. Sabemos, por experiências anteriores, que esses fóruns no âmbito do governo, com a participação de empresários e trabalhadores,

acabam decidindo por retiradas de direitos trabalhistas. A opinião daqueles com maior poder aquisitivo sempre prevalece. Não há como conciliar interesses da classe burguesa com os da classe trabalhadora”, crê Pedro Paulo Vieira, coordenador nacional da Intersindical. A CUT discorda e entende que o CNRT será um espaço importante de debate, além de promover uma descentralização. “Sem esse fórum, as decisões ficam todas no Ministério do Trabalho”, considera o presidente da CUT. “O processo de legalização das centrais não tem nada a ver com retirada de direitos”, diz.

Organização na base

Na visão de Altamiro Borges, editor da revista Debate Sindical e membro do Comitê Central do PCdoB, a legalização desata um dos dois principais nós deixados pela

Constituição de 1988, em relação à organização sindical. “Apesar de ter sido um avanço para o movimento sindical, a Constituição deixou dois problemas para o movimento sindical, um na cúpula e outro na base: não reconhece as centrais sindicais e não permite a organização sindical nos locais de trabalho”, analisa Altamiro. O jornalista lembra que a Constituição de 1988 retirou traços getulistas da legislação sindical brasileira. “Antes, o Estado interferia no nascimento, na vida e na morte dos sindicatos, que só era fundado com autorização do governo. Suas verbas eram obrigatoriamente direcionadas para projetos assistencia-

listas, como colônias de férias e assistência médica; se a direção realizasse um curso de formação política, era cassada”, retoma. Altamiro ressalta que a retirada de “entulhos” intervencionistas da vida dos sindicatos foi uma conquista que veio do acúmulo de mobilizações do movimento sindical, sobretudo do ABC paulista, e das campanhas pela anistia e eleições diretas, no fim dos anos de 1970 e início dos de 1980. Nesse sentido, para conquistar o direito de organização no local de trabalho, Altamiro acredita que deve haver um esforço para reascender o movimento dos trabalhadores. “É uma questão de cor-

relação de forças. Só quando estiver favorável será possível essa conquista. Pois os patrões não querem isso de forma alguma”, considera. Altamiro comenta que, na Espanha, os trabalhadores têm o direito de panfletar e se organizar no espaço físico da empresa, com direito a salas para os representantes sindicais e murais com informes da categoria. “É um outro patamar, os representantes sindicais circulam pela fábrica, conversam com os trabalhadores e o patrão não pode ‘encher o saco’. Aqui no Brasil, panfletagem só da porta da empresa pra fora”, explica o jornalista, que visitou o país a convite de uma central sindical local.

ECONOMIA

Seguros, novo caminho para os bancos lucrarem Decisão do governo beneficia as maiores instituições financeiras do país e favorece monopólios Eduardo Sales Lima da Redação Nos três primeiros anos do governo Lula, os bancos lucraram 42% a mais do que nos três últimos anos da gestão de Fernando Henrique Cardoso. Em 2007, uma medida tomada pelo Ministério da Fazenda poderá ampliar ainda mais a rentabilidade dos banqueiros, com operações no mercado de seguros. Resoluções da Superintendência de Seguros Privados (Susep), ligada à Fazenda, impostas sem consulta pública no final de 2006, obrigam as seguradoras a dobrar seu capital até 2010. Os setores atingidos pelo conjunto de resoluções envolvem, sobretudo, o de transporte terrestre (danos de carga ou pessoais) e a Previdência privada. Segundo relatório de gestão da Susep de 2006, “as empresas serão mais capitalizadas, terão um plane-

Os três maiores bancos do país (Bradesco, Itaú e Unibanco) e a Sul América (associada ao banco holandês ING) já dominam mais da metade do mercado. jamento estratégico melhor e uma visão de longo prazo muito mais elaborada. Também serão afastadas do mercado aquelas sociedades que não tenham as estruturas mínimas necessárias a sua solidez e bom funcionamento”. O órgão diz que segue a tendência mundial de reforçar a solvência das seguradoras e que se mira no modelo europeu. Porém, na União Européia, o prazo concedido ao mercado para as novas regras foi mais de duas vezes maior, de dez anos. “Vai ser um monopólio muito pior. Só os grandes bancos têm condição de aumentar o capital dessa forma e o prazo para a adaptação é muito pequeno. Isso só vem complementar várias outras medidas que o governo tem

feito em benefício aos bancos”, avalia Rodrigo Ávila, da Auditoria Cidadã da Dívida. Além do prazo curto para adaptação, as empresas não tomaram conhecimento, até 29 de dezembro de 2006, dos fatores e índices relacionados com as áreas e regiões geográficas de atuação. Os dados, conhecidos só depois da publicação das resoluções, determinam o quanto a mais de capital as empresas terão de colocar no negócio. Para Ávila, o governo está agindo de forma conjunta com os bancos. Trata-se de uma reação à migração dos clientes dos fundos de investimento para a poupança, com o recuo da taxa média de juros da economia (Selic) – em 2005, era de 19,75% e caiu para 12,5% anuais (até

o fechamento desta edição). O economista afirma que o governo, em vez de utilizar isso para forçar os bancos a diminuírem suas taxas de administração, reduziu o rendimento da poupança para que as pessoas continuassem aplicando em fundos de investimento, garantindo o lucro dos bancos. Bom para os bancos Mesmo sem as resoluções da Susep, o setor de seguros, desde 2000, dobrou de tamanho e arrecadou R$ 70 bilhões em 2006. Hoje, os três maiores bancos do país (Bradesco, Itaú e Unibanco) e a Sul América (associada ao banco holandês ING) já dominam mais da metade do mercado. Entre janeiro e outubro de 2006, a arrecadação

de seguros no país cresceu 18%, segundo dados da Fenaseg. Em março, a Bradesco Seguros e Previdência anunciou que não esperaria o prazo de três anos dado pela Susep e iria cumprir a exigência que a beneficia até o final daquele mês, aportando R$ 250 milhões no negócio. A empresa de seguros encerrou o primeiro trimestre de 2007 com lucro líquido de R$ 529 milhões, crescimento de 14,8% em relação ao mesmo período de 2006. “O monopólio dos seguros prejudica a população porque aumenta os preços dos seguros. Quanto à Previdência privada, tira a competição, mas é importante ressaltar que esses planos só existem porque o governo não garante uma previdência pública”, atesta Ávila. Para a economista Maria Alejandra Caporale Madi, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a população brasileira poderá se

ressentir da falta de produtos diversificados e do pagamento de altos prêmios de seguros em função da ausência de concorrência em preços no setor de seguros. “Na medida em que os bancos passam a concentrar a oferta de seguros, a sua disponibilidade e precificação, muitas vezes, virá atrelada a pacotes de outros serviços e produtos ofertados pela mesma instituição”, afirma a economista. Para ela, a euforia dos bancos, porém, não durará muito tempo se o governo não executar medidas que também beneficiam o povo. “Sem expansão da renda da população, é difícil imaginar a expansão do setor de seguros no Brasil”, diz Alejandra.

Quanto

18%

foi quanto cresceu a arrecadação com seguros no país entre janeiro e outubro de 2006


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brasil

Modelo agroecológico é mais resistente às mudanças climáticas AQUECIMENTO GLOBAL Pesquisador defende capacitação dos agricultores familiares em técnicas orgânicas e prevê dificuldades para modelos agrícolas baseados na monocultura com as elevações das temperaturas Roberto Vinicius / CC

Thea Tavares, de Curitiba (PR) “A AGRICULTURA de base ecológica e os próprios sistemas agroecológicos de produção tendem a sofrer menos com as mudanças climáticas e os problemas causados pelo aquecimento global”, é o que afirma o pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Paulo Henrique Mayer. Doutorando em Meio Ambiente e Desenvolvimento, o engenheiro agrônomo Paulo Mayer é especialista em agroecologia e autor, junto com Inês Claudete Burg, do livro “Alternativas Ecológicas para a Prevenção e Controle de Pragas e Doenças”, que já se encontra em sua 30ª edição. Sócio-fundador da Rede Ecovida de Agroecologia e membro do Comitê de Assessoria Externa da Embrapa Soja, como um dos consultores da sociedade civil, Mayer defende uma mudança de atitude na produção de alimentos e no modo de vida das pessoas: “Não se trata mais de um diferencial de conduta, de uma alternativa de vida e de trabalho, mas estamos diante da necessidade concreta de mudarmos a matriz produtiva e a base tecnológica na agricultura”, afirma. O pesquisador critica a destruição ambiental causada pelo modelo da Revolução Verde e diz que é fundamental mover esforços e destinar grandes investimentos na capacitação dos agricultores, a fim de desmontar uma cultura e todo um raciocínio sobre o fazer agricultura pautado por mais de 30 anos no extrativismo dos recursos naturais, na mecanização pesada no campo, na utilização de agrotóxicos importados e na monocultura de exportação. Ele aponta o investimento em capacitação como sendo o principal “insumo” da agricultura familiar daqui pra frente.

Repercussões

O primeiro impacto do aquecimento global, apontado por ele, recai sobre a produção e a produtividade, porque diz respeito à mudança nas estações e, conseqüentemente, nos cultivos agrícolas. Mayer lembra que os agricultores familiares têm conhecimentos histórico-antropológicos sobre as épocas de plantio e os manejos adequados a cada cultura. Em ambientes com estações bem definidas, com clara distribuição de períodos de calor, de frio, períodos úmidos e secos, a alteração climática vem acompanhada de inseguranças na atividade produtiva e passa a exigir um tempo maior de adaptação dos produtores. De acordo com ele, o primeiro sintoma dessas mudanças é percebido no ciclo da água, que tem relação direta com a época de plantio dos alimentos. A floração do milho, por exemplo, coincide com o período das chuvas e encontra na umidade um fator essencial de desenvolvimento da planta. Com a tendência de aumento do período de estiagens na região Sul e especificamente nas regiões em que predomina a agricultura familiar, a fecundação dos grãos fica comprometida. O pesquisador da UFPR ressalta, ainda, as dificuldades que as economias locais e regionais dependentes da fruticultura temperada ou da produção animal no Sul enfrentarão com as alterações climáticas. É o caso do impacto do aquecimento global na polinização de frutíferas, como as da produção de pêssego, maçã, nectarina e ameixas, quando a região passar a não oferecer mais condições adequadas para esse tipo de cultura. Na produção animal, ele destaca como principais cadeias afetadas as do leite (que tem presença forte da agri-

Trabalhadores sem terra protestam em plantação da Aracruz; críticos apontam o impacto ambiental e social provocado pelas plantações de eucalipto

“A produção familiar, sendo diversificada, reúne condições sociais e de manejo com a natureza, capazes de suportar melhor e enfrentar os problemas decorrentes do aquecimento global” cultura familiar) e carnes. Para ele, raças selecionadas e adaptadas ao clima mais frio da região Sul podem perder sua função econômica e a situação exigirá a mudança da base genética, privilegiando raças mais adaptadas ao calor. Segundo ele, poderá haver a troca do gado holandês pelas raças zebuínas e a das ovelhas de lã pelos animais deslanados. As pastagens de inverno também estariam com seus dias contados, aponta o pesquisador, à medida que a temperatura na região for subindo.

Opção agroecológica

Para Paulo Mayer, os agricultores familiares têm de apostar em técnicas de base ecológica, pois avalia que a agricultura familiar tem mais capacidade de se adaptar aos novos tempos em comparação com a produção de grande porte. Diferentemente das economias dependentes da monocultura, a produção familiar por si só – e sendo diversificada – reúne condições sociais e de manejo com a natureza, capazes de suportar melhor e enfrentar os problemas decorrentes do aquecimento global. Assim, qual agricultura tem possibilidade de sobreviver

em ambientes mais hostis? “Aquela de base mais ecológica, orgânica ou a própria agroecologia, de menor impacto ao meio ambiente”, afirma Mayer, ressaltando o trabalho com técnicas de policultivos, o melhor aproveitamento da cobertura vegetal; o uso de quebra-ventos e renques de pastagens, entre outros pontos. Para o pesquisador, garantir a proteção das fontes, o reflorestamento da matas ciliares, a manutenção das áreas de preservação permanente (APP’s) e das reservas legais são medidas fundamentais para garantir a sobrevivência dos ecossistemas produtivos.

Para entender Revolução Verde – Modelo agrícola implementado a partir da década de 1960, sobretudo em países subdesenvolvidos, com largo uso de produtos químicos (fertilizantes e agrotóxicos) e mecanização visando o aumento da produtividade. Críticos apontam seu impacto ambiental, já que se baseia na expansão das monoculturas, e social, uma vez que favorece as grandes empresas do agronegócio em detrimento dos pequenos produtores.

Transgênico encarecerá a produção de Curitiba (PR) Segundo o pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Paulo Henrique Mayer, está comprovado cientificamente que o uso constante do glifosato – herbicida da soja transgênica – inibe o desenvolvimento das bactérias do gênero Rizhobium, presentes nas leguminosas, que são os microorganismos responsáveis pela fixação do nitrogênio do ar, ou seja, pela fixação natural de nitrogênio. Esse elemento, por sua vez, está diretamente ligado ao desenvolvimento da parte vegetativa e à produção de grãos, além de ser o principal constituinte da proteína do soja. Com a falta do ingrediente natural, aumentará a demanda pelo nitrogênio artificial, de custo muito elevado (é um derivado do petróleo), o que pode causar estragos causados pela valorização desse elemento artificial sobre o preço dos insumos (importados) das lavouras e no bolso dos produtores. Mayer lembra também que a aplicação do glifosato torna a soja menos eficiente na absorção de nutrientes e da água, o que acarreta prejuízos ao desenvolvimento da planta e na produtividade da cultura. “É por isso que defendo que a agroecologia na agricultura familiar tem um papel fundamental a desempenhar nessa mudança de comportamento. A população urbana sabe exatamente como fazer a sua parte para diminuir a poluição nas cidades. Basta que o faça. Mas a agricultura, até em termos territoriais e pelo tamanho da área ocupada, pode dar uma contribuição maior no enfrentamento das problemáticas trazidas pelo aquecimento global e na reconstituição da natureza”, afirma o pesquisador. (TT)

ANÁLISE

A destruição da diversidade agrava o caos no clima Proteger e renovar a biodiversidade reduz a pobreza, se é que riqueza e pobreza são medidas em seus termos reais, não em construções fictícias de crescimento e de PIB Vandana Shiva de Nova Délhi (Índia) Há quinze anos, na Cúpula da Terra do Rio de Janeiro, foram assinados dois acordos internacionais: a Convenção sobre Biodiversidade Biológica e a Convenção sobre Mudança Climática. Ambos se desenvolveram de forma totalmente independente, embora estejam intimamente ligados. A biodiversidade e o clima estão conectados na formação dos problemas ambientais e na busca de soluções. A discriminação que sofrem as economias locais e sustentáveis baseadas na biodiversidade está no coração do caos climático.

Mas a biodiversidade ainda não está no centro da discussão sobre mudança climática. Por outro lado, para enfrentar os problemas se propõem pseudo-soluções como a produção de agrocombustíveis industriais e comércio de cota de carbono À medida que as economias locais com base na biodiversidade são substituídas por economias globais, centradas na utilização de combustíveis fósseis, aumentam as emissões de gases causadores do efeito estufa, o que acelera e agrava a mudança climática. As economias da biodiversidade são multifuncionais. A biodiversidade proporciona alimentos, forragens, combustíveis, fibras e medicamentos. Cria cultura. De fato, a diversidade cultural e a biodiversidade seguem de mãos dadas. A biodiversidade é o verdadeiro capital dos indígenas, das comunidades tribais e das sociedades camponesas.

Agenda contra a pobreza

As economias da biodiversidade proporcionam todo o necessário para atender às necessidades básicas, desde as vassouras que limpam nossas casas até os remédios que salvam nossas vidas e as sementes que nos dão comida. Conservar a biodiversidade é, portanto, uma agenda contra a pobreza, que é a negação da cobertura das necessidades básicas. É por isso que protegendo e renovando a biodiversidade se reduz a pobreza, se é que riqueza e pobreza são medidas em seus termos reais, não em construções fictícias de crescimento e de Produto Interno Bruto. Por outro lado, sendo a base da verdadeira riqueza, a biodiversidade também é uma fonte de produtividade. As fazendas orgânicas com biodiversidade obtêm duas vezes mais rendimentos e renda para os produtores do que os monocultivos que utilizam produtos

químicos. A biodiversidade rejuvenesce a fertilidade do solo e, ao deixar de lado os fertilizantes químicos, nos livra de um dos mais nocivos gases que provocam o efeito estufa, reduzindo o impacto sobre o clima. Navdanya é uma granja orgânica cooperativa ativamente comprometida na renovação da sabedoria e cultura indígenas, em criar consciência sobre os riscos da engenharia genética, em defender os conhecimentos populares contra a biopirataria e em proteger os direitos sobre os alimentos e a água diante da globalização. Nossa pesquisa em Navdanya demonstrou que as fazendas orgânicas com biodiversidade aumentam a absorção do carbono da atmosfera em mais de 50% e a conservação da umidade do solo entre 10% e 20%. A agricultura orgânica com biodiversidade serve para minimizar a mudança climática. Conservando a biodiversidade podemos ter mais alimentos a baixo custo com menos gasto de energia. Ao mesmo tempo em que reduz o impacto climático, a biodiversidade favorece a adaptação ao clima. Os sistemas descentralizados com biodiversidade são mais resistentes diante da mudança climática do que os sistemas centralizados de monoculturas.

Agrocombustíveis

Mas a biodiversidade ainda não está no centro da discussão sobre mudança climática. Por outro lado, para enfrentar os problemas, se propõem pseudo-soluções, como a produção de agrocombustíveis industriais, que estão destruindo a biodiversidade e, ao mesmo tempo, contribuindo para o caos climático. Na Índia, as plantações de pinhão manso se apropriam de terrenos pertencentes a comunidades locais, deixando estas mais pobres e mais vulneráveis ecologicamente. Na Indonésia, as populações locais estão sendo desarraigadas para expansão das plantações de palmas para agrocombustíveis. O milho destinado nos Estados Unidos à produção de etanol duplicou seu preço no México, onde é um alimento fundamental. Esse é um desastre climático, um desastre para a biodiversidade e um desastre fundamental. Necessitamos colocar a biodiversidade no centro das soluções climáticas. A conservação da biodiversidade protege as diversas espécies que mantêm o tecido da vida no planeta. A conservação da biodiversidade remove a pobreza e sua conservação reduz os riscos de mudança climática. Essas razões ecológicas e econômicas deveriam nos impulsionar a um comprometimento na proteção da biodiversidade onde quer que estejamos e independente do que façamos. Vandana Shiva é escritora indiana e um dos mais importantes nomes do ambientalismo mundial. Artigo publicado originariamente no site da Envolverde/ IPS (www.envolverde.org.br)


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brasil

No Semi-Árido, águas da poluição Tatiana Merlino de Jardim do Seridó (RN) SÁBADO É dia de lavar roupa. Junto com a filha, Rita de Lima sai de casa às cinco horas da manhã e segue rumo ao rio Piranhas, na cidade de Jardim do Seridó. A mulher abre a trouxa de roupas que leva na cabeça e lava calças, vestidos, camisetas, calcinhas e cuecas. Depois, estende tudo na beira do rio e espera secar. No final da tarde, volta para casa. No sábado seguinte, a rotina se repete. Assim como a mulher natural de Catolé do Rocha (PB), dezenas de moradoras da cidade vão diariamente à beira do rio lavar roupa. As razões pelas quais os moradores afirmam lavar roupa no rio são: a água encanada é cara, a cidade não dispõe de uma lavanderia comunitária para atender a população de baixa renda. Rita não sabe, mas a água onde ela lava as roupas da família é poluída. A Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (Caern), empresa responsável pelo tratamento e distribuição da água da cidade, joga o produto que usa para a limpeza da água - o sulfato de alumínio, considerado altamente poluente – de volta ao rio.

Fotos: João Zinclar

TRANSPOSIÇÃO Na terceira reportagem da série sobre os caminhos do projeto de transposição, a repórter Tatiana Merlino e o repórter-fotográfico João Zinclar visitam um dos rios que receberá a água do São Francisco: o Piranhas Açu, “esgoto a céu aberto”

Mulheres lavam roupa na beira do rio Piranhas, próximo a escoamento de esgoto a céu aberto

Cágado morto por contaminação tóxica da indústria têxtil

Moradores reclamam da poluição e mau cheiro do açude Armando Ribeiro Gonçalves, em Itajá Vale do Açu (RN)

Bacias receptoras

A cidade de Jardim do Seridó é um dos 110 municípios banhados pelo rio Piranhas Açu, nos Estados do Rio Grande do Norte e Paraíba. Este rio será um dos receptores das águas da transposição do eixo Leste do São Francisco. Em toda a extensão onde banha a cidade de Jardim do Seridó, o rio parece um esgoto a céu aberto: há garrafas de plástico, pedaços de embalagem de alimentos, cascas de fruta, vidros vazios. Como também não há saneamento básico, toda a tubulação de esgoto corre para o rio. Outro agravante, é que a cidade tem uma industria têxtil forte e os produtos químicos utilizados nas empresas também desembocam nas águas do Piranhas Açu. Num dos trechos do rio visitados pela reportagem do Brasil de Fato, próximo ao local onde as empresas têxteis jogam seus dejetos, um cágado morto boiava em uma água viscosa e esverdeada em meio a pequenas bolhas brancas.

Águas poluídas

Um dos argumentos utilizados pelos opositores das obras da transposição do São Francisco é que as águas do rio estão degradadas e poluídas, sem condições de serem levadas para as bacias receptoras que, em muitos casos, também estão comprometidas por poluentes, como o caso do rio Piranhas Açu. “Aqui não falta água, falta uma boa gestão e armazenamento dos recursos”, afirma o engenheiro agrônomo Jose Procópio de Lucena, do Serviço de Apoio aos Projetos Alternativos e Comunitários (Seapac). “Nosso problema aqui – em Jardim do Seridó – é de saneamento básico e de tratamento de lixo, que poluem o rio. Não precisamos de mais água, quanto mais, poluída”, afirma Lucena. De acordo com pesquisas, entre os fatores que levam ao assoreamento do São Francisco estão a mineração, o desmatamento, o despejo de dejetos industriais, esgoto e agrotóxicos no rio e em seus afluentes. Segundo Lucena, Jardim do Seridó é a cidade mais poluidora da região. “Além de não ter saneamento básico, o ácido sulfúrico utilizado no processo de tingimento das redes, panos de pratos e mantas produzidos na cidade vão direto para o rio”.

Transposição para quê? Governo promete revitalização das bacias, mas críticos ressaltam que gestão adequada das águas não será priorizada de Jardim do Seridó (RN)

Lixão na cidade de Caicó (RN), próximo a entroncamento dos rios Sabugi, Seridó e Piranhas

revitalização do rio. “Levar água sem alterar suas condições é inviável”, avalia Lucena. Para ele, o governo deveria investir na conservação das águas do São Francisco e de suas bacias receptoras por meio de políticas públicas, além de terminar obras de distribuição de água que estão inacabadas”. Nos locais onde os canais da transposição irão passar, as águas dos rios também estão poluídas em decorrência da utilização de agrotóxicos nas produções de fruticultura irrigada. “Eles jogam veneno de avião em cima da população e na água”, aponta Lucena. Enquanto a maior parte da população de Jardim do Seridó consome água poluída, o presidente da Câmara da

cidade e irmão do prefeito, Luis Soares de Araújo (PTB) bebe água mineral. Em entrevista ao Brasil de Fato, questionado a respeito da água que servia à reportagem, respondeu: “essa água é mineral”. Sobre a qualidade da água que abastece a cidade, ele disse: “Quem pode, compra água mineral”. E quem não pode? “A gente se orgulha que nossa cidade tem um poder aquisitivo bom”, responde Araújo, também proprietário de uma fábrica têxtil. De acordo com Araújo, o saneamento do rio depende de verbas federais, que são de “difícil acesso”.

A céu aberto

Vizinha a Jardim do Seridó está a cidade de Caicó.

Num ponto alto da cidade, de onde se avista o rio passando, situa-se o lixão da cidade, próximo à confluência dos rios Sabugi e Seridó. A quantidade de moscas é tão grande que a conversa com os trabalhadores fica difícil. A céu aberto, misturam-se lixo hospitalar com lixo comum. Quando chove, o chorume é transportado para a margem dos rios, que ficam mais poluídos. De um lado, prefeitos dizem não ter orçamento para revitalizar os rios e, de outro, o Ministério da Integração Nacional argumenta que o projeto da transposição não irá resolver esse tipo de problema. “Para que serve esse projeto, para juntar as duas águas poluídas?”, questiona Lucena.

Qualidade comprometida

Ambas as bacias precisariam de um projeto de revitalização, “e não de transposição”, apontam estudiosos. “Como vamos juntar essas águas?”, questiona a professora do Cefet Lúcia Ferreira Pereira. “As águas do São Francisco virão com qualidade comprometida, será uma transposição de ambientes e os impactos podem ser desastrosos. O problema é que não há estudos prevendo quais serão as conseqüências”, aponta. A professora, que há 20 anos estuda a qualidade das águas no Ceará, afirma que o cenário que é de “total descaso com a população”. Segundo ela, os defensores do projeto querem convencer a população de que o povo será beneficiado, “quando a gente tem certeza de que apenas os grandes empreendimentos ganharão”, avalia. Lúcia cita relatos de trabalho em comunidades onde os porcos compartilham a água das fontes hídricas com o consumo humano, sem tratamento. “Há também a população que vive ao lado da barreira de Castanhão e não tem água”.

Capacidade hídrica

De acordo com a professora, os açudes do Semi-Árido são muito valiosos, mas estão passando por um processo de assoreamento muito grave. “Há estudos da universidade mostrando a imensa perda da capacidade hídrica anual dos reservatórios, mas isso não é colocado como uma ação importante dentro da gestão de águas do Estado. Se a preocupação é mesmo com a água, por que não se tem uma administração desses reservatórios?”, questiona. “A resposta só pode ser: porque se trata de um projeto de desenvolvimento com exclusão social”. Para ela, a prioridade deveria ser o tratamento dessas águas, e não a transposição em detrimento da revitalização. “O rio Salgado que vai receber as águas da transposição é um rio de esgoto. Não existe preocupação em preservar essa água, mas sim em trazer a água alegando que é a solução do Semi-Árido”; finaliza.

Sem água e luz

Revitalização do rio

Assim, os oponentes da transposição argumentam que, antes de se fazer um projeto de integração das bacias, o governo deveria investir na

O governo federal anuncia que destinará R$ 1,6 bilhões para ações de revitalização de bacias hidrográficas por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), sendo R$ 270 milhões apenas para o rio São Francisco. No entanto, para os movimentos sociais, a proposta do Planalto não atinge o cerne da questão, já que trata de problemas isolados em vez de propor um projeto que discuta a bacia como um todo. Tanto a bacia do São Francisco quanto as bacias “demandantes” da transposição vêm sendo utilizadas de maneira descontrolada. A poluição de suas águas ocorre pelo processo de desmatamento da mata ciliar na calha e nas nascentes, irrigação, despejo de esgoto domésticos, industriais e siderúrgicos, agrotóxicos e barragens, que geram uma situação de degradação e destruição acelerada. A população que sobrevive diretamente dessa água é a mais afetada.

Açude Santa Cruz, que abastece a comunidade de mesmo nome localizada no Vale do Apodi (RN)

Quem vive na pele o drama de ter grande quantidades de agua na vizinhança, mas ter dificuldade de acesso e problemas com qualidade é a família de Maria Marta da Silva. Ela vive com seus dez filhos mais o marido na comunidade Barro Preto, vizinha à barragem Armando Ribeiro, na cidade de Açu (RN). A renda familiar vem da pesca e a agricultura é para subsistência. A família não tem água nem luz. Para consumo, há uma cisterna que foi construída no final de 2006, mas antes disso Dona Maria e sua família eram obrigados a beber a água do açude, que “é suja e cheia de lodo”. (TM)


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brasil

Sinal verde para explorar a Amazônia Reprodução

MINERAÇÃO Projeto de lei aprovado no Senado permite extração em terras indígenas

História viva

218 etnias indígenas diferentes habitam o Brasil.

Depois de 17 anos sem greve, os trabalhadores da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), de Volta Redonda, aprovaram a paralisação do trabalho para reivindicar reajustes salariais e pagamento de reajustes atrasados. Dos 8 mil operários da empresa, privatizada em 1993, mais de 6 mil participaram da votação que decidiu a greve. Em 1988, uma greve na CSN foi reprimida pelo Exército e resultou na morte de vários operários.

Existem 193 garimpos ilegais em terras indígenas.

Apelido adequado

Reservas de riquezas e contradições

5.970 processos administrativos no Departamento Nacional de Produção Mineral

(DNPM - autarquia que cuida do setor) visam obter direito de exploração mineral em terras indígenas na Amazônia Legal, onde se concentra 99% da superfície de terras indígenas no país.

Quanto

80%

de toda a matériaprima produzida no mundo é consumida pelos sete país mais ricos

neração em terras indígenas, por exemplo, merece um capítulo no Estatuto e deve ser analisada a partir desse documento. Atualmente, mais de 50 projetos tramitam em Brasília, a maior parte deles prevendo limitações aos direitos dos povos originários. “Um dos problemas é a participação dos indígenas no recebimento de royalties, cuja metade é destinada a um fundo administrativo da Funai. Não se trata apenas de os indígenas receberem pagamentos, mas

Artigo 21 do Projeto de Lei nº 1.610: “Aplica-se aos minerais nucleares e ao petróleo, no que couber, o disposto nesta Lei, sendo o Poder Executivo autorizado a editar normas complementares para exploração destes bens minerais em terras indígenas” Única possibilidade

O governo, por sua vez, criou um anteprojeto de lei como alternativa, com tópicos como a necessidade de licitar por meio de um leilão as áreas onde as mineradoras vão se instalar, em vez de atender ao critério de inscrição de qualquer mineradora. Porém, para as organizações que trabalham com a causa indígena, o anteprojeto do governo representa pouco. De acordo com o assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Paulo Machado Guimarães, o projeto de lei de Romero Jucá é inconstitucional, ao passo que o anteprojeto do governo é limitado. A solução possível para as organizações indígenas é a aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas, bloqueado no Congresso desde 1994. As organizações indígenas batalham para que nenhuma matéria seja apreciada isoladamente, sem consultar o Estatuto. A questão da mi-

Cada vez mais o confronto entre forças de direita (a favor do capital, do modelo neoliberal e do imperialismo) e forças de esquerda (a favor dos trabalhadores, do socialismo e do internacionalismo solidário) está a exigir uma posição clara de cada cidadão. O caso da concessão da RCTV da Venezuela é um bom exemplo desse confronto, já que de um lado ficou o interesse dos oligopólios privados e, de outro, o controle público da comunicação social. Os jornais neoliberais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo deram fotos e chamadas na capa, dia 3, sobre o inexpressivo protesto de estudantes de uma universidade privada de Caracas, na Venezuela, contra a não renovação da concessão da RCTV. O destaque ao fato apenas confirma o comprometimento corporativo desses jornais com os grandes grupos privados que controlam a mídia na América Latina contra os interesses nacionais e populares.

Empresas querem a liberação da mineração nas terras dos índios

temos de analisar as condições em que isso se dá”, indica Guimarães.

Riqueza que se vai

A região amazônica é fonte de matérias-primas para transnacionais com endere-

ço no Oriente. Japão e, mais recentemente, China e Índia atuam na região, comprando áreas. Trabalham para concluir a conexão entre a selva amazônica e o Oceano Pacífico, do outro lado do continente, por meio da estrada Acre-Pacífico. No Peru, estão sendo construídos dois portos para permitir “a venda de matérias-primas e a entrada das manufaturas dos países do Oriente”, na descrição do engenheiro agrônomo Flávio Garcia, duas vezes consultor das Nações Unidas para a região amazônica. De acordo com Garcia, é nesse cenário que a regulamentação de mineração em áreas indígenas está acontecendo. “É um contexto no qual a Amazônia era dominada pelos americanos e agora também por países do Oriente”, afirma. O engenheiro avalia que o Brasil não tem controle dos recursos que deixam o país, “o Ibama está arrebentado”. “As empresas do Oriente estão comprando tudo, comprando empresas e empreendimentos, territórios e comprando dois portos no Peru. Hoje, os sete países mais ricos do mundo consomem 80% da matéria-prima. E, com a entrada da China e da Índia, existe uma nova briga por ela. Esse avanço na Amazônia não estava sendo cogitado, somos nós que estamos oferecendo a floresta para os monopólios

Comissão Nacional de Políticas Indigenistas de Curitiba (PR) Entre os dias 4 e 5, foi organizada a primeira reunião da Comissão Nacional de Políticas Indigenistas. Os movimentos indígenas reivindicavam um espaço de diálogo com o governo. Queriam a formação de um conselho, com poder de veto às matérias do Congresso. Conseguiram apenas a criação de uma comissão. Assim mesmo, de acordo com Paulo Maldos, assessor do Cimi, a comissão nacional conta com 12 representantes da questão indígena e 13 do governo, tratando-se de um espaço importante de diálogo, ainda que sem o poder de veto às matérias encaminhadas pelo governo. (PC)

do Japão e para as corporações aliadas aos Estados da China e da Índia”, alerta Garcia.

Ataque combinado

Está em curso um processo de internacionalização da Amazônia e a atuação de mineradoras em terras indígenas é uma das peças do quebra-cabeça. Outro sinal considerável, segundo Garcia, é o Projeto de Lei nº 2.403/ 2003, em trâmite no Senado – este de autoria do senador José Sarney (PMDB) –, permitindo a isenção fiscal sobre a produção de industrializados, como o Imposto sobre Produção de Industrializados (IPI). Poucos sabem, mas afora a Zona Franca de Manaus, já existem outras oito áreas de livre comércio espalhadas na Amazônia legal – que abrange 50% do território brasileiro – o que tende a transformar a região na maior área de livre comércio mundial, uma verdadeira “Cayman amazônica”. Junto às políticas de incentivo fiscal para a produção de industrializados, o cenário se completa com a concessão de florestas para as empresas, com prazos de até 40 anos. O avanço das companhias mineradoras na Amazônia é um assunto contemporâneo urgente para a esquerda. Isso porque o capital gerado na atividade de produção das companhias mineradoras é superior até mesmo ao lucro do capital financeiro. A Petrobras, por exemplo, obteve um lucro de R$ 26 bilhões em 2006, enquanto o lucro obtido pelos 10 maiores bancos em atividade no Brasil – juntos – foi de mais de R$ 35 bilhões. A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD, segunda maior mineradora do globo), sozinha, obteve um lucro de R$ 13 bilhões apenas no ano passado.

Para entender Royalties – É a importância

cobrada pelo proprietário de uma patente de um produto, marca etc., ou então pelo autor de uma obra, para permitir seu uso ou comercialização.

Hamilton Octavio de Souza

Alinhamento político

Posição corporativa

Pedro Carrano de Curitiba (PR) A MORTE de 29 garimpeiros na reserva Roosevelt, em Rondônia, no conflito contra os índios cinta-larga, em 2004, pressionou o governo Lula a regulamentar a entrada de companhias mineradoras em território indígena. Existe um interesse declarado do capitalismo pela região. Mineradoras do porte da Companhia Vale do Rio Doce e da Odebrecht há anos estão numa lista, entre mais de 5 mil nomes, para obter o direito de extrair minério nas terras indígenas. O canto de sereia não é à toa. Afinal, as reservas dos povos originários, encravadas na região Norte, respondem por 12% do território brasileiro. São áreas cujos recursos ainda não foram de todo mapeados, mas é certo que detêm reservas de ouro e diamante. Para se ter uma idéia, o valor estipulado das jazidas de diamante na reserva Roosevelt, cuja qualidade é comparável à da África, poderia chegar a 3,5 bilhões de dólares. No momento, a exploração mineral em terras indígenas é proibida, mas a Constituição de 1988 abriu um caminho para que isso se torne possível para empresas de capital nacional. No entanto, a liberação depende da aprovação de um projeto de lei que regulamente a atividade. Nesse sentido, tramita no Congresso, desde 1996, o Projeto de Lei nº 1.610 – criado pelo senador Romero Jucá (PMDB) – que prevê o pagamento aos povos locais de 3% de royalties sobre a lavra de minérios. Dentre os aspectos polêmicos do projeto está a não participação dos povos indígenas na escolha das áreas a serem exploradas. Mas o ponto mais sério, que toca na ferida da soberania nacional, é o último parágrafo do PL 1.610, o qual permite a exploração de jazidas de minerais nucleares e petróleo. O projeto já foi aprovado no Senado.

fatos em foco

De acordo com Roberto Malvezzi, assessor da Comissão Pastoral da Terra, “O PAC é literalmente o Programa de Aceleramento do Capital: a fábula de quase 500 bilhões de reais a serem aplicados em quatro anos vai toda para o grande capital, principalmente as empreiteiras. Nunca se transferiu tanto dinheiro público para o capital privado em tão pouco tempo, em obras tão questionáveis como as usinas do Madeira e a Transposição do São Francisco”.

Pagamento antecipado O Supremo Tribunal Federal abriu inquérito para apurar o acordo realizado entre a Telebrás, do Ministério das Comunicações, e a empresa privada VT Um, que cobrava uma dívida de R$ 500 mi-

lhões e aceitou receber R$ 254 milhões. Acontece que o dono da empresa Uajdi Menezes Moreira e o ministro Hélio Costa são muito amigos e o acordo aconteceu antes de esgotadas as tramitações judiciais. Mais um escândalo na praça.

Mais picaretagem

Projeto de lei do senador Marcelo Crivella, do PRB-RJ e aliado do atual governo federal, inclui nos benefícios da Lei Rouanet (dedução de impostos) as empresas que invistam não apenas em museus, bibliotecas, arquivos e entidades culturais, mas também em “templos de qualquer natureza ou credo religioso”. É mais uma trapaça do esquema estelionatário da Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo.

Falta criatividade

O atual governo federal – do PT e aliados – está reproduzindo integralmente as besteiras criadas pelo governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso na área da Educação, inclusive o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), que não é aceito por várias universidades públicas e é boicotado por estudantes de muitas instituições particulares e comunitárias. O ranking divulgado não tem a menor credibilidade pública.

Barbárie universitária

Integrado por poderosos mafiosos, o lobby das empresas privadas de ensino superior está pressionando o Ministério da Educação para extinguir a jornada de 40 horas semanais dos professores em regime de tempo integral. Essa é uma forma de acabar com os planos de carreira dentro das universidades e colocar todos os profissionais na condição de horistas, que aumenta a exploração dos trabalhadores e a margem de lucro dos empresários. www.brasildefato.com.br

saiu na agência RÁDIO COMUNITÁRIAS O ministro Hélio Costa (Comunicações) afirmou, em 30 de maio, que o governo trabalhará no endurecimento da repressão às rádios comunitárias. O argumento é que a transmissão dessas rádios estaria atrapalhando a comunicação entre aviões e as torres de comando dos aeroportos. Para o professor Venício Lima (UnB), em vez de reprimir, o governo deveria legalizar as rádios comunitárias, pois dezenas de pedidos de regularização estão engavetados há anos no Ministério das Comunicações. FÁBRICA OCUPADA Cerca de 150 policiais federais armados invadiram a planta da Cipla/ Interfibra, no dia 31 de maio, e prenderam lideranças dos trabalhadores. A empresa faz parte do movimento Fábricas Ocupadas. Os policiais alegaram que cumpriam uma ordem judicial favorecendo o INSS, que cobrava contribuições antigas que deveriam ter sido recolhidas pelo antigo proprietário da empresa, Luiz Batshauer. Há cinco anos, os trabalhadores assumiram a produção e gerem a unidade. Agora, pressionam o governo para encontrar uma solução que preserve os seus empregos. EDUCAÇÃO Levantamento realizado pelo Cpers (sindicato dos professores estaduais do Rio Grande do Sul) identificou que há uma carência de mil docentes e funcionários nas escolas do ensino público gaúcho. Os trabalhadores também afir-

mam que a gestão de Yeda Crusius (PSDB) está atrasando o repasse da verba mensal das instituições de ensino. RECUO TUCANO O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), recuou e fez alterações nos decretos que atacam a autonomia das universidades estaduais paulistas. Para Otaviano Helene, professor do Instituto de Física da USP, apesar de ser uma vitória do movimento dos docentes, professores e estudantes, a mudança mantém a interferência do Executivo na gestão das universidades. No dia 31 de março, cerca de 5 mil estudantes, funcionários e docentes das três universidades e do Centro Paula Souza (escolas e faculdades técnicas estaduais) protestaram contra os decretos nas ruas de São Paulo, mas foram impedidos de chegar ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo, pela Tropa de Choque da Polícia Militar.


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brasil Fotos: Wilson Dias/ABr

Empreiteiros, protegidos pela burocracia

OPERAÇÃO NAVALHA A facilidade da “troca de favores” é explicada, em parte, pela blindagem que tanto os burocratas quanto os lobistas possuem dentro do emaranhado de órgãos do sistema orçamentário brasileiro Eduardo Sales de Lima da Redação AS EMPREITEIRAS, principalmente nas últimas duas décadas, viram seu capital crescer aceleradamente. Quase que institucionalizada, sua participação dentro do Estado brasileiro – nas instâncias municipal, estadual ou federal – se consolidou no mesmo período em que se tornaram potências transnacionais. No mesmo ritmo, surgiram novas artimanhas para corromper a burocracia estatal. Em outras palavras: a corrupção cresceu. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre os recursos destinados pelas construtoras aos parlamentares, revelam que 54,7% dos parlamentares do Congresso receberam alguma verba de empresas do setor. Para completar o quadro, de acordo com a reportagem do jornal Folha de S. Paulo, publicada no dia 3, 40% dos parlamentares financiados pelas empreiteiras são membros da Comissão de Transportes da Câmara e 37% da de InfraEstrutura do Senado.

seqüentes punições. Como no caso da construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, no qual o juiz Nicolau dos Santos Neto, junto com o senador Luiz Estevão, desviaram cerca de R$ 200 milhões de recursos orçamentários. O TCU já sabia dos fatos desde 1992, como revela a cientista política Argelina Figueiredo, em seu artigo “Instituições e Política no Controle do Executivo”, mas foi somente em 1999 que o processo foi divulgado e tramitou na forma de CPI. Em outro artigo, do cientista político Fernando Filgueiras, “Política Orçamentária, Formação de Interesse e Corrupção no Brasil”, o autor revela que, tradicionalmente, as empreiteiras e as construtoras têm acesso a informações privilegiadas por meio do uso do pagamento de propinas e pedágios aos burocratas. Ele diz que o pagamento de propinas cresce na proporção em que os servidores públicos de órgãos fiscalizadores têm controle monopolizado sobre o fluxo de informações e decisões. “Além disso, as empreiteiras são respon-

40% dos parlamentares financiados pelas empreiteiras são membros da Comissão de Transportes da Câmara e 37% da de Infra-Estrutura do Senado Como ponto central do debate, as emendas parlamentares se configuram na melhor maneira de o parlamentar manter a fidelidade eleitoral e ‘recompensar’ seu parceiro empreiteiro. Mas não é somente a falcatrua que faz o dinheiro desaparecer. “O processo de emendas parlamentares, mesmo não envolvendo corrupção constitui um gigantesco “ralo” para o dinheiro público, decorrente da irracionalidade com que é definido (não obedece a qualquer plano ou prioridade). O número de obras inacabadas é enorme, devido aos desencontros desse processo de pulverização de recursos”, explica Ermínia Maricato, exsecretária-executiva do Ministério das Cidades, ex-secretária de habitação e desenvolvimento urbano da Prefeitura de São Paulo e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP).

Caminhos tortuosos

O processo orçamentário no nível federal pode ser resumido do seguinte modo. Elaborado o projeto de orçamento pelo Executivo, o mesmo deve ser apresentado ao Congresso Nacional, nas suas duas Casas, e se submeter ao parecer da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) e também ao plenário da Câmara e do Senado. Chegando à CMO, o projeto de orçamento se depara com as emendas dos parlamentares. Tendo o parecer favorável, o projeto retorna para a sanção ou veto do presidente da República, para então, ser eventualmente executado. Com o orçamento aprovado, os recursos podem ser liberados e são fiscalizados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela CMO. Fechando o ciclo orçamentário brasileiro, as contas são fiscalizadas pelo TCU. A eleitora e o eleitor não têm acesso aos relatórios produzidos pelo Poder Executivo, sobrando-lhes serem representados pelo TCU. A falta de transparência do TCU pode prejudicar as con-

sáveis por apresentar os projetos e listas de materiais, e muitas vezes, os próprios políticos encomendam os projetos a elas para apresentarem ao governo e à sociedade”, diz o artigo. Os empreiteiros, por formarem um grupo relativamente pequeno, segundo Filgueiras, seguem a estratégia de montagem de cartéis, pois “os ganhos seletivos com a ação coletiva são maiores que os custos da deserção”. Já, os burocratas, isolados de qualquer tipo de pressão social, não encontram coerção que os impeça de colher ‘incentivos’. “Os políticos, interessados na reeleição, se subordinam aos burocratas e aos empreiteiros, pois necessitam apresentar ‘obras’ ao eleitorado”, explica o cientista político. Nos meandros da burocracia estatal, os agentes da corrupção sentem-se protegidos. “Em que pese termos no Brasil uma vasta burocracia fiscalizadora da realização orçamentária [Tribunais de Contas, Controladoria Geral da União – no plano do governo Federal; auditorias, sindicâncias, Comissão Parlamentar de Inquérito (CPIs) e Comissão Especial de Inquérito (CEIs) – em nível municipal; Ministério Público – em todas as instâncias] a corrupção é muito disseminada, abrangendo todos os níveis de governo e, por vezes, envolve os próprios órgãos fiscalizadores” admite Ermínia. A exsecretária-executiva do Ministério das Cidades assegura que a política do favor e da coerção predomina sobre todas as relações, embora haja muitas exceções. “O processo é bem mais complexo do que aparenta ser pela observação da mídia, que sai atrás de qualquer acusação e a transforma em escândalo, e esses escândalos se sucedem sem que as resoluções fiquem claras. Trabalha-se, acima de tudo, para desacreditar a esfera da política, seja ela institucional ou oriunda dos movimentos sociais. Mas a chamada iniciativa privada não

Quanto

54,7% dos parla-

mentares do Congresso receberam alguma verba de empresas do setor de construção

está fora desse quadro genérico de corrupção. Sem corruptor, não há corrupção,” diz Ermínia. Ermínia pondera, no entanto, que a origem das denúncias pode obedecer a uma lógica de disputa política por fatias do poder institucional. Freqüentemente, diz a professora, essas denúncias atingem também pessoas inocentes que ficam sob suspeita até o final dos processos de investigação ou processos judiciais. Instala-se uma confusão e dissemina-se a idéia de que todos são iguais. “A ex- prefeita da capital paulista (Luiza Erundina) e os integrantes de sua equipe ficaram soterrados sob acusações de diversas naturezas durante muitos anos. Parte das denúncias que atingiram aquele governo vieram de pessoas de moral duvidosa ou de adversários políticos das forças de esquerda”, lembra.

Financiamento Público

A apropriação pessoal indevida dos recursos públicos também é incentivada pelo atual sistema de financiamento de campanha.“Se a operação ‘Navalha’ não ficar circunscrita à Gautama, e se estender a outras empreiteiras, acredito que restará somente essa alternativa (financiamento público para campanhas eleitorais). Já que é cada vez mais difícil a eleição para qualquer cargo público sem a existência de recursos financeiros vultuosos para a campanha”, afirma a professora. Mesmo com o financiamento público, porém, sempre haverá a possibilidade de alguém cobrar um favor pela intermediação de liberação de pagamento devido pelo Poder Público a uma empresa que lhe prestou serviço sob contrato. “Mas isso é mais fácil de regular. O Poder Público deve pagar em dia seus prestadores de serviços ou fornecedores. Fica muito mais barato”, conclui Ermínia.

Malotes com documentos sobre a Operação Navalha chegam à Superintendência da Polícia Federal; abaixo, um dos veículos apreendidos durante as investigações

A lógica do lucro máximo Pela obtenção de maior vantagem, construtoras põem em segundo plano vidas de trabalhadores e moradia popular da Redação Empreiteiras e construtoras produzem capital e, por isso, influenciam também na política, atesta um dos coordenadores do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), José Batista Albuquerque, mais conhecido por Jota. De acordo com ele, é muito difícil haver prefeituras e governos estaduais que estimulem as iniciativas de cooperativas populares para a construção de casas. “Há dois anos, chegamos a fundar em Osas-

“Literalmente, a poeira do metrô já está abaixada” co (SP) uma associação de trabalhadores para a construção de suas próprias casas, mas, por questões burocráticas, a associação não pôde disputar a licitação com as grandes empresas”. Jota revela que houve dezenas de mutirões impulsionados pelo gover-

no Luiza Erundina, no início da década de 1990, e que deixaram de funcionar após o fim de seu mandato. “Isso reflete o compromisso dos poderes públicos com as empreiteiras, principalmente o do governo de José Serra (PSDB)”, acusa Albuquerque. O dirigente do MTST diz que se tornou muito comum os governos estaduais realizarem políticas habitacionais por meio da utilização de empreiteiras.

Obras sem qualidade

Além de se envolverem, ao longo dos últimos anos, em polêmicas de caráter ético dentro do âmbito estatal, as empreiteiras vêm demonstrando procedimentos maquiavélicos em suas obras. O importante é lucrar. O exemplo mais recente é a obra do metrô do Estado de São Paulo. “Está provado que não houve a análise necessária do solo e que foi utilizado material escasso. Mas o processo não vai adiante porque o lastro de compromisso que existe entre segmentos de políticos, em-

presários e mídia faz com que parem de informar sobre o assunto. Literalmente, a poeira do metrô já está abaixada”, afirma Jota. As empreiteiras que formam o consórcio da Linha-4 contribuíram consideravelmente para a campanha de candidatos a deputado federal por São Paulo. Segundo o jornalista Paulo Henrique Amorim, a Odebrecht, a Camargo Corrêa e a OAS doaram, em conjunto, R$ 2,6 milhões a alguns deputados que acabaram sendo eleitos.

Para Entender

CMO – Os membros da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) controlam as emendas parlamentares. São escolhidos e indicados anualmente, conforme a proporcionalidade partidária. A composição dessa comissão é muito disputada no interior dos partidos políticos, uma vez que a participação nessa comissão é uma forma importante de influenciar a destinação dos recursos para os seus redutos eleitorais.


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brasil

Psol quer reafirmar socialismo em seu primeiro congresso ESQUERDA Novo partido realiza, entre os dias 7 e 10, seu primeiro congresso buscando unidade na estratégia programática Luís Brasilino da Redação NUMA CONJUNTURA marcada pela ofensiva do capital e por uma postura defensiva da esquerda, como construir um instrumento de luta socialista? Para responder a essa pergunta, ainda que não de forma conclusiva, mais de 800 delegados e 600 observadores de todos os Estados do país irão participar do 1º Congresso Nacional do Partido Socialismo e Liberdade (Psol). O evento acontece entre os dias 7 e 10 no campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e conta com 16 diferentes teses. Dentre as lideranças que assinam algumas das principais teses ouvidas pelo Brasil de Fato, paira a certeza de que o encontro servirá mais para reforçar a unidade do novo partido, com três anos completados em janeiro, do que para amplificar as diferenças. Por exemplo, Edmilson Rodrigues – que assina a tese da Ação Popular

Divulgação

Quanto

800

delegados e 600 observadores participam do Congresso do Psol

6,6 milhões

de eleitores votaram em Heloísa Helena em 2006

Socialista (APS) ao lado do senador José Nery (PA) e do deputado federal Ivan Valente (SP) – lembra que, sem perder a pluralidade, o Psol surge de frações mais à esquerda no espectro político: “não temos setores reformistas ou socialdemocratas”. O sindicalista gaúcho Roberto Robaina, signatário da tese do Movimento Esquerda Socialista (MES) junto com a deputada federal Luciana Genro (RS), também prevê que o Congresso será de união partidária. “Essa é a nossa perspectiva, afirmar e fortalecer a unidade do Psol”, garante.

Estratégia

Desempenha papel decisivo nessa união as poucas diferenças no horizonte estratégico apresentado pelas tendências, na avaliação do jornalista Milton Temer, da mesma tese dos intelectuais Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder e do deputado federal Chico Alencar (RJ). “Não há ninguém no Psol que conteste a definição clara do objetivo estratégico do qual nenhum movimento tático pode estar desvincula-

Heloísa Helena, presidente do Psol, em campanha durante as últimas eleições

do, o socialismo. [Parte-se] da certeza de que é impossível a sobrevivência do gênero humano se mantida a hegemonia do capital. Assim, marcharíamos inexoravelmente para a barbárie. Esse é um ponto que unifica o Psol”, destaca. Edmilson Rodrigues, que foi prefeito de Belém (PA) entre 1997 e 2004, acredita que o Psol deve recuperar três pilares que fundaram o PT – antigo partido da esmagadora maioria dos participantes desse Congresso –, mas que foram abandonados pela legenda, “levando ao seu naufrágio”. São eles: o horizonte socialista, a democracia interna e o caráter classista da organização. Nesse sentido, Sílvia Santos, da Corrente Socialista dos Trabalhadores (CST), a mesma do ex-deputado federal Babá, explica que o pro-

“Não há ninguém no Psol que conteste a definição clara do objetivo estratégico do qual nenhum movimento tático pode estar desvinculado, o socialismo”, garante Milton Temer cesso protagonizado pelo presidente Hugo Chávez, da Venezuela, não deve ser seguido. Mesmo reconhecendo seus méritos ao enfrentar o imperialismo, Sílvia acredita que o melhor caminho não deve ser uma política “para punir o capital financeiro e favorecer o industrial e nacional. O desenvolvimentismo não pode resolver os problemas brutais pelos quais passa a maioria do povo”.

Desafios

O Psol chega ao 1º Congresso comemorando conquistas de seus três primeiros anos de existência. Roberto Robaina destaca o processo de legalização do par-

tido – “não foi fácil recolher 500 mil assinaturas” – e a campanha eleitoral de 2006, na qual a ex-senadora Heloísa Helena, candidata do partido à Presidência, obteve cerca de 6,6 milhões de votos. “Uma campanha sem dinheiro, sem infra-estrutura e com pouquíssimo tempo de televisão que contrariou a maioria dos analistas políticos”, recorda. No entanto, com um objetivo estratégico considerado por muitos – até como forma de defendê-lo – uma utopia, os desafios do Psol daqui para a frente são muito maiores. Edmilson Rodrigues aponta que, ao partido, cabe agora constituir-se como

uma alternativa socialista para a sociedade brasileira. Só que a conjuntura já não é tão favorável quanto àquela dos anos de 1980, época do surgimento do PT. “A classe dominante detém sofisticados aparatos ideológicos e de propaganda e combate ferozmente o socialismo. É só ver a cobertura que faz sobre o presidente Hugo Chávez”, analisa. Para ele, a mídia corporativa e a democracia burguesa estão caindo em descrédito, mas “caem como uma fera sendo morta, lançando um forte ataque em quem está por perto”, afirma sobre o momento de defensiva do movimento socialista.

Sem abrir mão da luta institucional Ainda que julgue fundamental a luta social, Psol acredita que ela deve estar casada com a disputa eleitoral

Alternativa ao petismo Partido vê como obrigação ocupar espaço aberto pelo PT; casamento com questão ambiental também é um caminho da Redação Ocupar o espaço aberto pela guinada do PT à direita. Além de ser uma excelente oportunidade para se destacar no cenário nacional, adotar essa tática é encarada como obrigação por lideranças do Psol. Roberto Robaina, do MES, diagnostica que o PT abandonou qualquer perspectiva de resistência e passou a ser um administrador do neoliberalismo. “É preciso construir no Brasil uma alternativa ao PSDB e ao PT”, aponta. João Machado, da Enlace, lembra que o Psol foi formado a partir da expulsão de parlamentares do PT, “portanto, ele tem como tarefa central manter uma posição de esquerda contraposta ao governo Lula”. Desse modo, ele defende que o partido tem que ter como objetivo se constituir numa alternativa para quem não acredi-

ta mais no PT como um partido de esquerda. “Logo, tem que ser capaz de ser um ambiente de organização da militância e de debate que seja coerente com essa perspectiva”, afirma.

Meio ambiente

A tese que Machado assina também apresenta um outro caminho para a luta do Psol: o casamento do socialismo com a questão ambiental. A discussão, no plano internacional, com relação ao aquecimento global e o fato de o governo Lula estar assumindo “um caráter antiecológico cada vez mais agressivo – inclusive com esse projeto maluco de ampliar a produção de cana-de-açúcar para produzir etanol – nos levaram a privilegiar esse aspecto”. “Cada vez mais o tema da consciência ambiental vai ser chave para fazer as novas gerações chegarem ao socialismo”, prevê. (LB)

da Redação As lideranças do Psol têm a compreensão comum de que para desenvolver um projeto de partido realmente socialista, ele tem que estar inserido num processo de luta social. Sílvia Santos, da CST, duvida que o 1º Congresso Nacional traga alguma formulação negando o caráter fundamental das mobilizações. Para explicar, ela cita os governos progressistas da Bolívia (do presidente Evo Morales), do Equador (de Rafael Correa) e da Venezuela. “São resultantes de uma mudança na correlação de forças que foi provocada nas ruas e teve sua expressão no processo eleitoral”, afirma.

Edmilson Rodrigues destaca a participação na campanha para anular o leilão de privatização da Vale do Rio Doce: “Não será a vitória do socialismo, mas representaria um avanço” Edmilson Rodrigues, da APS, sustenta que o Psol não deve simplesmente se preocupar em ocupar espaços institucionais, mas deve estar junto de todas as experiências de organização do povo como objetivo permanente da práxis marxista, combinando ação e reflexão revolucionárias. Exemplo dessa tática seria a participação, ao lado de outros movimentos sociais, da campanha pela anulação do leilão que privatizou, em

1997, a Companhia Vale do Rio Doce. “Não será a vitória do socialismo, mas representaria um avanço tremendo”, complementa. Já o professor João Machado, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que assina a tese da tendência interna Enlace, afirma que a conjuntura está apresentando um quadro mais favorável para ações unitárias de resistência contra as políticas neoliberais. “Um primeiro elemento que pretendemos enfatizar na discussão do Congresso é que uma opção-chave para o Psol deve ser jogar-se fundo na preparação e na realização de mobilizações em conjunto com movimentos sociais. Agora, por exemplo, o que está colocado como perspectiva é a marcha em Brasília, em agosto. Essa deve ser uma prioridade do Psol nos próximos meses”, indica.

Eleições

Essa compreensão também é um reflexo da trajetória política do presidente Lula e do PT – e, principalmente, dos seus desvios. Um processo que reforçou uma interrogação na cabeça dos militantes de esquerda brasileiros: a via eleitoral é um caminho para atingir o socialismo? Para a grande maioria dos membros do Psol, porém, não se deve abrir mão da institucionalidade, ainda que ela seja, invariavelmente, casada com as lutas sociais. Segundo o jornalista Milton Temer, as teses do 1º Congresso podem ser divididas em três blocos. Um faz prevalecer de maneira absoluta a questão social sem nenhuma vocação para o político e para o partidário. Ou-

tro “dá uma colherzinha de chá para o institucional”, ainda que dê centralidade ao movimento social. E um terceiro bloco divide seus esforços entre as duas táticas, mas com “uma perna muito bem colocada na prancha da luta institucional”. Milton explica que este último bloco enxerga na disputa do Estado não só um instrumento de exposição de suas posições, de divulgação do socialismo, como também um instrumento fundamental para “emulação do avanço do movimento social”. Sílvia Santos, da CST, explica que a disputa eleitoral tem um peso nas “consciências, mentes e corações que não se pode deixar só a burguesia disputar”. E Edmilson Rodrigues, da APS, garante que “ocupar o espaço institucional é essencial num país como Brasil”.

Pela ordem

“Não devemos ser uma UDN (braço civil do golpe militar de 1964) da esquerda. Queremos a revolução, mas também devemos nos apresentar como uma alternativa socialista para a sociedade”, compara. O ex-prefeito de Belém acredita na possibilidade de construção de um projeto popular por dentro da ordem capitalista, “isso não significa que nos tornaremos um partido da ordem”. Edmilson indica que um governo de caráter nacional pode tencionar a sociedade pela esquerda, chamar o povo para a rua, mudar a política de comunicação. “Um governo de crise, mas popular (com plebiscitos, referendos...). Não vamos poder fugir desse desafio”, promete. (LB)


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américa latina

Liberdade de expressão para quem? VENEZUELA Em defesa dos monopólios privados, governo dos Estados Unidos e mídia corporativa criticam governo de Hugo Chávez por se recusar a renovar a concessão de um canal de TV empresarial Marcelo García/Prensa Miraflores

Claudia Jardim De Caracas (Venezuela) EM UM encontro pautado para discutir o tema da economia sustentável no continente, a secretária de Estado estadunidense, Condoleezza Rice, preferiu mirar em outro assunto: a liberdade de expressão na Venezuela. Durante a reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA), realizada no dia 4, no Panamá, Rice afirmou que a decisão da Venezuela de não renovar a concessão da emissora privada RCTV desrespeitou a democracia. “A livre discussão pública de idéias é uma das melhores garantias do respeito à lei e a proteção mais segura contra os humores dos governantes”, disse a estadunidense aos chanceleres da OEA. Rice pediu que a organização investigue o caso. No mesmo encontro, o chanceler venezuelano, Nicolas Maduro, reagiu. “O discurso da representante dos Estados Unidos constitui um intervencionismo inaceitável, e nós o rejeitamos”, disse, ao acusar os EUA de estar à frente de outro plano para derrocar o presidente Hugo Chávez. Na avaliação do sociólogo venezuelano, Edgardo Lander, mais do que “mais um enfrentamento” entre Caracas e Washington, a discussão na OEA revelou que os EUA não foram capazes de convencer os demais países a pautarem o tema RCTV. Por essa razão, Rice teve pessoalmente que encampar o debate no encontro. “Ficou evidente que os EUA não conseguiram impor a agenda e tão pouco utilizaram um testaferro como de costume para dizer o que eles pensam. Os EUA não conseguiram uma coalizão e saíram mal da discussão”, avalia Lander.

Resposta venezuelana

Maduro acusou os EUA de violarem os direitos humanos dos imigrantes que cruzam a fronteira com o México diariamente e comparou

Centenas de milhares de manifestantes foram às ruas apoiar o fim da concessão da RCTV

México aprova lei que impede a criação de canais comunitários ou universitário sem a aprovação do Grupo Televisa, maior rede privada de comunicações de língua espanhola; mas a mesma mídia que critica Chávez silencia ante o avanço dos monopólios privados o tratamento dado por estadunidenses aos prisioneiros de Guantánamo às atividades dos nazistas durante a Segunda Guerra. “É uma coisa monstruosa, comparável apenas à era de Hitler, que neste dia e época existam prisões clandestinas com prisioneiros sem rosto e prisioneiros sem nome”,disse o chanceler venezuelano. Na OEA, Rice se retirou da reunião pouco depois que Maduro lhe pediu que uma equipe da nova televisão pública TVes fosse autorizada pelo governo de Washington a conversar com os presos de Guantánamo. Na avaliação de Lander, não se trata de um ataque isolado. A seu ver, as mobilizações na Venezuela e o ataque da secretária de Estado estadunidense são parte dos

Fechamento da RCTV: uma mentira repetida mil vezes de Caracas (Venezuela) Engana-se quem confia na cantilena da mídia corporativa: a RCTV não foi fechada pelo governo de Hugo Chávez. O discurso uniforme dos grandes grupos de comunicação nacionais e internacionais desinformam ao ignorar que sua concessão não foi renovada, decisão que segue a Constituição e as regras judiciais do país. A RCTV continua na ativa. Especula-se que, dentro de um mês, a emissora vai operar via TV a cabo. Por enquanto, como parte da campanha interna, transmitirão a programação em praças públicas, conforme anunciou a direção do canal. Para o analista político, Alberto Garrido, a oposição está sendo “empurrada pelos sinais de solidariedade político e gremial oferecidos pelos meios de comunicação nacionais e estrangeiros”. Há pouco mais de uma semana, esses grupos, representados por estudantes de universidades públicas e privadas, têm se manifestado diariamente em contra da decisão do governo. Exigindo “liberdade de expressão” e a restituição do sinal da RCTV ao canal 2, centenas de estudantes realizaram manifestações no centro e Leste de Caracas e entregaram uma moção exigindo liberdade de trânsito ao Tribunal Supremo de Justiça. Os universitários acusam a Policia Militar de dificultar e impedir os protestos. Nenhuma manifestação foi proibida. “Quero liberdade de expressão. Não sou golpista, sou estudante, mas agora já não temos onde expressar nossa opinião”, argumentava uma estudante em entrevista ao vivo ao canal oficial VTV, emissora que nas últimas manifestações foi agredida pelos manifestantes. Chávez criticou a atuação dos estudantes. “É o cúmulo para um jovem sair à defender os interesses do imperialismo que atropelaram sua pátria durante muito tempo”, disse o presidente venezuelano. Como esperava o governo e para preocupação dos líderes da oposição que coordenam a ação dos estudantes, nos últimos dias, o poder de convocação à mobilização estudantil se reduziu.

Marcha a favor

Já, no dia 2, centenas de milhares de pessoas saíram às ruas e caminharam durante sete horas para apoiar a decisão do governo venezuelano. Vestidos de vermelhos, dos pés a cabeça, os manifestantes gritavam lemas em apoio à democratização dos meios de comunicação no país, contra a RCTV e o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. “Estamos na rua para demonstrar ao mundo que defendemos a liberdade de expressão e, por isso, apoiamos o fim da concessão da RCTV. É um primeiro passo, temos que avançar ainda mais para democratizar os meios de comunicação aqui”, afirmou Tania Manrique, membro de um conselho comunal. (CJ)

“dispositivos de desestabilização” preparados pela direita venezuelana e os EUA.

Monopólio

Além de se expor às contradições evidentes entre

seu discurso e a realidade da população estadunidense, Rice defendeu na OEA não apenas a crítica redundante ao governo Chávez, e sim a manutenção de um dos principais espaços de construção

do poder: os meios de comunicação. Para Edgardo Lander, neste momento, o monopólio dos meios de comunicação assume maior importância do que o petróleo, tema de segurança de Estado para os Estados Unidos. Segundo ele, a suposta defesa da democracia interpretada tanto por Condoleezza Rice quanto por meios de comunicação privados em escala glo-

bal, ao defender o monopólio dos meios ataca diretamente “os espaços democráticos de uma sociedade”. Lander afirma que “o direito sagrado” dos meios corporativos foram associados à democracia e a liberdade de expressão. “Preservar essa idéia é vital para preservar os interesses políticos e econômicos desses grupos”, analisa. Entre as contradições entre o discurso e a prática dos Estados Unidos e dos meios corporativos, está o silêncio frente à chamada Lei Televisa aprovada no México. Esse dispositivo impede a construção de qualquer espaço de televisão e rádio, de caráter comunitário ou universitário por exemplo, que não tenha sido aprovado pelo Grupo Televisa, que controla as comunicações no país. “Frente a este monopólio, os Repórteres Sem Fronteiras, a Sociedade Interamericana de Imprensa, os Estados Unidos e os demais meios de comunicação não dizem que ameaça a democracia mexicana”, critica Lander. A seu ver, a possibilidade de construir uma esfera pública, democrática, obviamente se converte em uma ameaça. “Qualquer coisa que reduza o poder dos meios é um ataque direto na jugular. Os meios de comunicação são o principal instrumento de controle da sociedade”, avalia o sociólogo venezuelano.

MANIFESTO

Solidariedade ao povo venezuelano Ao Povo da Venezuela Ao Povo Brasileiro O Senado chileno aprovou recentemente uma resolução, pedindo que a Organização dos Estados Americanos (OEA) interviesse nos assuntos internos da Venezuela, para impedir a não renovação da concessão de funcionamento da RCTV. O presidente venezuelano, Hugo Chávez, respondeu, denunciando o Senado chileno como uma instituição pinochetista. Isso porque o Senado do Chile ainda é composto por senadores biônicos (não eleitos), indicados nos moldes da Constituição chilena, imposta pelo general-presidente Augusto Pinochet, durante o estado de sítio. O governo chileno e a imprensa privada chilena acusaram Chávez de se imiscuir nos assuntos internos do Chile. Nos últimos nove anos, desde 1998, o povo venezuelano participou de oito eleições e/ou plebiscitos, nos quais garantiu sempre vitórias esmagadoras ao presidente Chávez. A Comissão de Relações Exteriores do Senado brasileiro decidiu repetir a dose dos seus colegas chilenos, ao aprovar moção apresentada pelo tucano Eduardo Azeredo e encampada pelo ex-presidente José Sarney que implica intervenção nos assuntos internos da Venezuela, ao criticar de modo grosseiro e arrogante a decisão de Chávez de não renovar a concessão da RCTV, canal privado que, em 2002, aberta e comprovadamente incitou, promoveu e participou, ao lado da elite local e da CIA, do golpe contra o governo eleito e reeleito pelo povo venezuelano. E logo o senador José Sarney, que foi presidente biônico (eleito não pelo voto do povo, mas por um Colégio Eleitoral organizado pela ditadura), e que teve durante os cinco anos do seu mandato, o seu colega de Senado – Antônio Carlos Magalhães (que dispensa apresentações), como seu ministro das Comunicações. Um ministro que distribuiu por todo o país concessões de canais de rádio e televisão para conseguir que o então presidente José Sarney, nomeado pelo colégio eleitoral para presidir o país por quatro anos, tivesse um ano mais de mandato na Presidência. Um ex-presidente que, além de estar envolvido, no seu Estado de origem – o Maranhão –, com graves denúncias de corrupção, mantém ali o controle absoluto de todos os meios de

“Se o Senado brasileiro está preocupado com a democratização dos meios de comunicação, tem no Brasil um excelente campo onde exercer sua preocupação: deveria constituir uma comissão que investigue o oligopólio privado no país” comunicação: uma rede de televisão ligada à Globo é de sua propriedade e a outra, ele concedeu ao seu amigo, o senador Edison Lobão. E, apesar de todo o seu poder no Maranhão, Sarney é senador pelo Amapá, Estado onde jamais residiu. Que moral tem o Sarney para acusar o governo do presidente Chávez? Que moral têm esses senhores para falar de democracia, de pluralismo nos meios de comunicação? Que moral têm esses senhores Eduardo Azeredo, José Sarney e demais senadores da direita brasileira que, em 2002, não se pronunciaram ou manifestaram qualquer indignação diante do golpe patrocinado pela CIA e pela RCTV contra o governo legitimamente eleito de Hugo Chávez, para virem agora imiscuir-se nos assuntos internos da Venezuela? Demonstraram alguma preocupação com o comportamento vergonhoso da grande mídia mercantil dos EUA e do governo Bush, escondendo do povo estadunidense, a verdade sobre as razões da invasão do Iraque e os massacres ali praticados? Frente à grosseria, arrogância e tentativa de interferência dos senadores brasileiros nos assuntos internos da Venezuela, o presidente Chávez reagiu duramente, como já o fizera antes, com relação ao Senado do Chile. Exercia assim, mais que um direito, um dever de resposta de um chefe de governo de um Estado soberano. No entanto, a grande mídia privada do Brasil, juntamente com toda a direita do nosso país, desencadeou uma bem orquestrada ofensiva, com a qual, escondendo o real teor e sentido da moção dos senhores senadores, tentam inverter papéis e intrigar os povos e governos venezuelano e brasileiro: de acordo com essa mídia teria sido Chávez (por responder à agressão dos senadores) quem estaria se imiscuindo em questões internas do Brasil. Também aqui repetiam os pinochetistas chilenos. O presidente Lula, num primeiro passo, afirmou corretamente, que o presidente Hugo Chávez deve se ocupar dos assuntos da Venezuela, e ele, Lula, dos assuntos do Brasil. Faltou

apenas à clareza do nosso presidente, mais um passo – que insistimos em esperar: dizer com todas as letras, aos senadores da Comissão de Relações Exteriores do Senado brasileiro que se ocupem, primeiro, dos assuntos do Brasil, e que evitem de criar atritos e incidentes diplomáticos artificiais com nações tradicionalmente amigas. Se o Senado brasileiro está preocupado com a democratização dos meios de comunicação, tem no Brasil um excelente campo onde exercer sua preocupação: deveria constituir uma comissão que investigue esse tema entre nós, o oligopólio privado dos meios de comunicação, seus vínculos com organismos internacionais que definem suas pautas, seus financiamentos, sua situação financeira em relação aos financiamentos publicitários – especialmente os estatais, ao pagamentos de impostos – incluídos os da Previdência (de cujo “deficit” costumam tanto reclamar apesar das astronômicas dívidas que mantêm nesse setor). Em suma, aqueles senadores e o governo brasileiro deveriam respeitar o direito dos venezuelanos de decidir livre e democraticamente sobre seu destino. E se preocupar com os golpistas que atuam lá e que têm seus sócios e defensores também por aqui. Nós, abaixo-assinados, não reconhecemos legitimidade popular na atitude desses senadores, nem na campanha aberta dos meios de comunicação, oligopólios privados da mídia brasileira, cujos interesses se sentem afetados porque seus congêneres golpistas venezuelanos perderam espaço em favor de meios públicos e democráticos de comunicação. Assim, enviamos nossa solidariedade e apoio ao governo e ao povo venezuelanos, felicitando-os pela coragem na luta pela democratização dos meios de comunicação, sem o que nunca teremos verdadeiras democracias populares na América Latina. Brasil, 4 de junho de 2007 (leia a íntegra do manifesto no site da Agência Brasil de Fato www.brasildefato.com.br)


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áfrica

Haia julga criminoso de guerra Igor Ojeda da Redação COM A ausência do réu, teve início, no dia 4, na cidade holandesa de Haia, o julgamento do ex-presidente da Libéria, Charles Taylor. É a primeira vez na história que um governante africano enfrenta uma corte criminal internacional. Taylor não compareceu à abertura da Corte Especial para a Serra Leoa – um tribunal criado em 2002, por meio de um acordo entre a ONU e o governo desse país, para julgar os crimes cometidos durante o conflito armado de 1991 a 2002, do qual Taylor teve participação. Em carta, o ex-líder liberiano afirmou que seu julgamento não seria justo porque ele teve apenas um advogado de defesa. “Não posso fazer parte dessa farsa que traz injustiça aos povos da Libéria e de Serra Leoa”, disse, condicionando sua presença no tribunal à garantia de que fossem providenciados “tempo e meios adequados”. Apesar da Corte Especial estar baseada em Freetown, capital de Serra Leoa, o julgamento de Charles Taylor, previsto para durar entre um ano e 18 meses, acontece na Holanda. O receio, entre outros motivos, era de que ele pudesse mobilizar milícias para atacarem o tribunal. O governo holandês concordou com a transferência desde que o réu deixasse o país assim que finalizado o processo. A Inglaterra ofereceu-se para manter Taylor preso caso ele seja condenado.

Crimes

Na abertura do julgamento, o juiz ordenou seu prosseguimento mesmo sem a presença do réu. Seu advogado, desafiando as ordens do juiz para ficar sentado, levantou-se e saiu da sala, alegando que não poderia representar seu cliente sem suas instruções. Após quase uma hora de discussões, a Promotoria iniciou a leitura do processo. Charles Taylor é acusado de apoiar grupos rebeldes em Serra Leoa, responsáveis por graves violações aos di-

Special Court for Sierra Leone

DIREITOS HUMANOS Tribunal na Holanda dá início a julgamento de Charles Taylor, ex-presidente da Libéria acusado de crimes de guerra e contra a humanidade durante conflito na vizinha Serra Leoa

Representante da ONU conduz Charles Taylor (esquerda) para a prisão na cidade holandesa de Haia

A Frente Unida Revolucionária, apoiada por Taylor, ficou mundialmente famosa por decepar as mãos e as pernas de civis durante a guerra em Serra Leoa. O objetivo de Taylor no conflito? Apropriar-se de diamantes reitos humanos durante 11 anos de guerra civil no país vizinho à Libéria. O conflito armado teve início em 1991, quando um dos companheiros de guerra de Taylor, Foday Sankoh, deflagrou uma rebelião em Serra Leoa, comandando a Revolutionary United Front (RUF, Frente Unida Revolucionária). O ex-presidente liberiano é acusado de fornecer aos rebeldes treinamento, dinheiro, armas e munições. E inclusive de enviar homens das forças de seu país para apoiar a revolta. A RUF ficou mundialmente famosa por decepar as mãos e as pernas de civis durante a guerra. Alega-se que Charles Taylor tinha um plano comum com os líderes da RUF para tomar o controle do país vizinho e, conseqüentemente, ter acesso a seus diamantes. Além disso, Taylor é acusado de apoiar outra facção, o Armed For-

ces Revolutionary Council (AFRC, Conselho Revolucionário das Forças Armadas). Através desse suporte aos rebeldes de Serra Leoa, há contra Taylor 11 acusações relacionadas a crimes de guerra, crimes contra a humanidade e violações de leis humanitárias internacionais, incluindo terrorismo contra a população civil, assassinato e mutilações, utilização de mulheres e meninas como escravas sexuais, seqüestro e escravização de adultos e crianças, uso de soldados infantis e pilhagem.

Sinal de justiça

Há ainda acusações de que as forças liberianas sob comando de Taylor estejam implicadas em violações aos direitos humanos em outros países do Oeste da África, como Costa do Marfim, Guiné e a própria Libéria. No entanto, tais suspeitas não estão incluídas

no julgamento levado a cabo em Haia. A Corte Especial para Serra Leoa está julgando, atualmente, mais oito pessoas em três processos distintos. Os acusados são ligados a três facções envolvidas no conflito armado. O julgamento dos indivíduos associados à RUF começou em julho de 2004. O dos homens relacionados ao AFRC, em março de 2005. Para a organização Human Rights Watch (HWR, Observatório dos Direitos Humanos), o julgamento de Taylor, que terá prosseguimento a partir do dia 25, dá um “forte sinal de que ninguém está acima da lei e que irá possibilitar às vítimas “uma chance importante para que vejam a justiça sendo feita”. Em Serra Leoa, a Corte Especial em Haia está sendo transmitida ao vivo em quatro telões de Freetown, a capital.

Taylor: histórico de violações da Redação Em 1989, um grupo de militares liderados por Charles Taylor, reunidos na National Patriotic Front of Liberia (NPFL, Frente Patriótica Nacional da Libéria), iniciou uma revolta contra o governo liberiano, com o objetivo de derrubar o então presidente Samuel K. Doe – que em 1980 havia assumido a presidência após um golpe de Estado –, e tomar o poder do país. Apesar de em pouco tempo assumirem o controle de quase todo o país, um grupo dissidente impediu a NPFL de entrar na capital, Monróvia. Durante a guerra civil, Taylor ficou famoso pelos abusos contra civis cometidos por seus homens e pelo uso de crianças como soldados, organizados em torno das “Unidades de Pequenos Meninos”. Em julho de 1997, o conflito terminou com a vitória de Charles Taylor nas eleições presidenciais previstas em um acordo de paz. Havia uma ameaça implícita de que ele retomaria a guerra caso não ganhasse. Seu governo ficou marcado por repressões à sociedade civil, imprensa e oposicionistas, levando ao surgimento de dois grupos rebeldes, causando, em 1999, a volta do conflito armado no país. No mesmo ano, a Serra Leoa acusou o presidente liberiano de apoiar com armas os rebeldes que lutavam contra o governo, em troca de diamantes. Por causa disso, a ONU impôs, em 2001, sanções à Libéria. Em junho de 2003, a Corte Especial fez a acusação pública contra Taylor. Em agosto, incursões dos grupos armados na capital Monróvia forçaram sua saída da presidência e o exílio na Nigéria. Durante três anos, o presidente nigeriano, Olusegun Obasanjo, recusou-se a entregá-lo, concordando apenas em março de 2006, quando a presidente eleita da Libéria, Ellen Johnson-Sirleaf, requisitou a extradição. Em território liberiano, ele foi posto sob custódia da ONU, que o transferiu primeiramente para Freetown, e depois para Haia. (IO)

ÁFRICA DO SUL

Funcionários públicos realizam greve geral A estimativa é de que 700 mil trabalhadores aderiram às paralisações; eles pedem 12% de aumento, o governo oferece 6,5% No entanto, para os sindicatos, tais promessas são muito vagas, e os trabalhadores exigem um incremento de salário muito maior do que o proposto. No setor de saúde, é grande a adesão. Em alguns hospitais, apenas 2% dos funcionários estão trabalhando. No dia 4, policiais atiraram com balas de borracha contra enfermeiras que realizaram um piquete em frente a um hospital na cidade de Durban. Doze pessoas foram presas. O Ministério da Saúde declarou, no dia 3, estar reunindo informações de todas as unidades do país sobre quem estaria participando da greve, para que fossem tomadas medidas disciplinares, incluindo demissões. Antes do início das paralisações, o governo havia obtido na Justiça do Trabalho uma determinação proibindo a participação dos trabalhadores de setores essenciais (policiais, funcionários da saúde, bombeiros etc.) na greve do setor público. Os sindicatos do setor da saúde estabeleceram que entre 20% e 25% de seus trabalhadores participariam de serviços, como atendimento intensivo e emergências.

Ndofaya

Igor Ojeda da Redação Trabalhadores do setor público da África do Sul entraram em greve no dia 1º por um aumento salarial de 12%. As paralisações, que não têm data para terminar, contam com marchas de milhares de pessoas nas ruas das principais cidades do país. Cerca de 700 mil aderiram às paralisações. Alguns analistas dizem que essa é uma das maiores greves da história do país, que uniu sindicatos que normalmente apresentam divergências. Na semana que antecedeu o início da greve, os sindicatos haviam rejeitado uma oferta de aumento de 6% por parte do governo. A inflação sul-africana está em 5,5%. No dia 4, o governo fez uma oferta de 6,5%, que foi novamente recusada pelos grevistas. O pacote oferecido incluía correções salariais,

Repressão policial contra os protestos e piquetes é comparada pelos grevistas como pior que no tempo do apartheid aumentos em certas pensões, maior subsídio para os integrantes do plano de saúde do governo. Além disso, foi proposto um incremento de 50% para as enfermeiras com mais de dez anos de experiência a partir de julho e o pagamento do dobro do salário para os funcionários por trabalho em feriados e uma vez e meia por trabalho aos domingos.

Greve solidária

Trabalhadores sul-africanos realizam protesto em Johannesburg

O Congress of South African Trade Unions (Cosatu, Congresso de Sindicatos Sul-Africanos), afirmou que não seguiria com as negociações enquanto o governo não retirasse a ameaça. A África do Sul tem passado, no últimos anos, por uma “fuga” de profissionais da saúde, que migram para outros países em busca de maiores rendi-

mentos. Estima-se que quase um terço dos médicos que se formam anualmente saem do país. No setor da educação, a adesão também é significativa. Em algumas províncias, chega a 90% do total os professores parados. “Eu ensino muitos alunos, mas assim que eles terminam seus estudos, já ganham muito mais do que eu”, disse um professor de 40 anos à BBC. Segundo o South African Democratic Teacher’s Union (Sindicato dos Professores Democráticos da África do Sul), mais de 98% das escolas da província de Western Cape fecharam no primeiro dia de paralisação. Se até o dia 8 um acordo não for fechado, o Cosatu poderá convocar seus sindicatos do setor privado a entrarem em greve em solidariedade aos funcionários públicos. Em discurso no dia 4, para cerca de 5 mil manifestantes na Cidade do Cabo, um dos dirigentes da central, Jan Kotze, prometeu que a pressão sobre o governo aumentará caso a situação não se resolva nos próximos dias. Ele e outros oradores condenaram a “brutalidade policial” contra os piquetes de enfermeiras e professores, e afirmaram que esta está sendo pior do que a do tempo do apartheid.

Para entender Apartheid – palavra que em africânder, língua falada na África do Sul, significa “vida separada”, foi adotada legalmente em 1948 no país para designar o regime no qual os brancos detinham o poder, enquanto os negros viviam segregados.


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Peer

internacional

Confrontos entre ativistas e policiais já deixaram mais de mil feridos

AGENDA NEOLIBERAL Milhares de manifestantes denunciam ingerência dos países do grupo nos destinos do mundo

Em meio a protestos, G-8 se reúne Dafne Melo da Redação ENTRE OS dias 6 e 8 de junho será a vez da pequena cidade de Heiligendamm, localizada na antiga Alemanha Oriental, ser palco da reunião entre os sete países mais ricos do mundo (EUA, Reino Unido, França, Itália, Japão, Canadá e Alemanha) mais a Rússia – grupo conhecido como G-8. Oficialmente, o pano de fundo para as discussões será “Crescimento com Responsabilidade” e as pautas abordarão as mudanças climáticas e os problemas do continente africano. Sabe-se, entretanto, que questões humanitárias e ambientais estão longe de serem as maiores preocupações do G-8. Para o sociólogo Luis Fernando Novoa, membro da Attac/Brasil e professor da Universidade Federal de Rondônia, o que de fato se discute nas cúpulas do G-8 é a aplicação da agenda neoliberal.

suas entrelinhas as intenções de George W. Bush e Cia. Novoa avalia que justamente as questões do aquecimento global e as mazelas que atingem a África são as principais pedras no sapato da política neoliberal. “Essas são as principais lacunas da administração do capitalismo global, as grandes feridas. Então, precisam mostrar que estão atuando sobre esses problemas. A África é a demonstração mais clara do que significa a exclusão do capitalismo, é um continente inteiro, uma concentração de exclusão muito difícil de explicar. Então, tem que existir uma reposta sistêmica ao abandono do continente. Por isso, está na agenda”, opina. Na retórica do G-8, está a promessa de aumentar as doações humanitárias, principalmente para o combate à epidemia de AIDS. Não que aumentar os recursos seja tarefa difícil: de acordo com o jornal britânico The Guardian, britânicos gastam mais em vinho do que o país gasta em ajudas financeiras aos

Os britânicos gastam mais em vinho do que o país gasta em ajudas financeiras aos países subdesenvolvidos. Na Itália, gasta-se mais em sorvete; e as doações dos EUA, não ultrapassam os lucros anuais da ExxonMobil, empresa do ramo petroleiro Porém, essa verdadeira função do grupo é escamoteada tanto pela agenda oficial, quanto pelo fato de o G-8 não se apresentar como uma instituição formal. Não tem escritório ou secretário-geral. Sua presidência é exercida em regime de rotatividade entre os chefes de Estado de seus países membros, por um período de um ano. “Não tem caráter oficial exatamente para que não seja visto como o verdadeiro espaço de decisão do capitalismo”, analisa Novoa. Organismos multilaterais consolidados e oficiais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização Mundial do Comércio (OMC) e Organização das Nações Unidas (ONU) são os que aparecem como instâncias de decisões oficiais, “quando nós sabemos que o centro do poder se concentra no G-8, pois são nesses países que estão as sedes administrativas das grandes transnacionais e dos grandes bancos. O que o G-8 faz, na realidade, é justamente estabelecer a agenda desses organismos multilaterais”, completa o professor.

países subdesenvolvidos. Na Itália, gasta-se mais em sorvete. Já as doações dos Estados Unidos, não ultrapassam os lucros anuais da ExxonMobil, empresa do ramo petroleiro. “Eles empregam o discurso de combate ao HIV e ao aquecimento global para acobertar uma política de incorporação comercial e econômica do continente. O correto nesse momento, em que mais de 20% da população da África Meridional está contaminada, é abdicar totalmente do direito de patentes, pelo menos enquanto essa calamidade não é controlada”.

O sociólogo acredita que essa seria a postura minimamente sensata, mas que nunca ocorreria, o que só prova que as medidas que se tomam são “cosméticas”. Outro ponto é o interesse das corporações transnacionais em se apropriar dos recursos naturais africanos.

G-5

Como observadores da Cúpula estarão outros cinco países: Brasil, Índia, China, México e África do Sul. Em declarações à imprensa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que irá defender tanto a criação de incentivos para o combate ao desmatamento quanto a necessidade de se transferir tecnologia para os países em desenvolvimento. Entretanto, a principal reivindicação de Lula será a defesa dos agrocombustíveis. Na Índia, onde esteve antes de seguir para a Alemanha, Lula criticou o subsídio agrícola dos países ricos. E foi defendido pelo presidente do país, Abdul Kalam: “O Brasil não quer fornecer para todo o mundo, mas sim estimular formas de os países pobres terem condições de plantar”. Novoa vê com preocupação a pauta do G-5. “Essa reivindicação do fim dos subsídios agrícolas, no fundo, representa um grande estímulo às culturas de exportação nos nossos países, de forma que nós continuamos numa posição rebaixada na divisão internacional do trabalho, como exportadores de matérias-primas agrícolas”, explica. Essas demandas do G5, continua Novoa, vão ao encontro dos anseios das transnacionais, uma vez que barateiam o custo final dos produtos. “Nós temos terra e água à disposição, isso torna mais eficiente as cadeias produtivas internacionais, com matérias- primas baratas e abundantes, que nós nos dispomos a produzir, às custas dos nossos recursos naturais, culturas tradicionais e da nossa soberania alimentar”, critica. Reprodução

África

Mesmo a pauta pública da reunião já mostra em

Manifestantes culpam polícia por violência

Administrando crises da Redação A década de 1970 marcou um momento de crise estrutural do capitalismo, com o início da crise do petróleo. Reestruturar o sistema, em um período de guerra fria, foi uma das tarefas do G-7, criado em 1975, pelos líderes políticos dos EUA, Canadá, Alemanha Ocidental, Japão, França e Itália.

Criado em 1975, fórum entre os países mais ricos nasceu da necessidade da reestruturação do capitalismo Essa origem explica o papel primordial do grupo. “O objetivo foi criar um espaço decisório dentro do capitalismo global. Um centro de decisão em que os centros capitalistas e os monopólios ali situados pudessem coordenar o processo de reestruturação do capitalismo. De forma que o G-7, e depois o G-8, se constituísse num verdadeiro espaço de decisão do capitalismo global”, explica Novoa Dessa forma, o primeiro desafio do grupo foi estabelecer estratégias, tanto tecnológicas quanto de expansão comercial, para retomar as margens de lucro perdidas

naquele momento. A saída foi impulsionar o capitalismo para o neoliberalismo, acelerando “um processo de reestruturação tecnológica que ataca os direitos dos trabalhadores”, pontua o sociólogo. Com o fim da guerra fria e da União Soviética, o grupo cresce, em 1997, com a adesão da Rússia, embora o país não fosse (e ainda não é) o 8º da fila dentre os mais industrializados do mundo. Novoa explica que a Rússia, porém, tem um papel geopolítico essencial. “Ela é um instrumento de estabilização territorial, tanto da Ásia, quanto do Oriente Médio e do Leste Europeu. Sua presença no G-8 permite aos países mais ricos o acesso ao controle territorial dessas regiões estratégicas, por isso, ela está ali. Não podemos esquecer também que a Rússia ainda tem o segundo arsenal nuclear do mundo”, finaliza. Desde sua fundação, os chefes de Estado se reúnem todos uma vez por ano. Para 2007, um dos esforços do G-8, avalia Novoa, será ampliar o discurso e os atores, englobando em sua retórica variáveis sociais e ambientais e, ao mesmo tempo, ampliar o arco de alianças envolvendo países intermediários, representados pelo grupo do G-5 (Brasil, China, Índia, México e África do Sul), mostrando que o G-8 decide pelo mundo por meio de um “consenso” formado por esse núcleo do capitalismo. (DM)

Protestos começam antes do início da Cúpula da Redação Todos os anos, movimentos anti-globalização promovem uma série de protestos massivos nas proximidades de onde ocorrem as reuniões do G-8. Em 2007, não será diferente. Milhares de manifestantes se concentram em Rostock, cidade próxima a Heiligendam, onde os chefes de Estado farão suas reuniões, cercados por um fortíssimo esquema de segurança. Os organizadores da Cúpula, dessa vez, montaram uma barreira de cerca de 12 km ao redor do local do encontro. Os protestos começaram já no dia 2, quando cerca de 80 mil pessoas, segundo organizadores, marcharam por Rostock. A manifestação iniciou-se, simultaneamente, em lados opostos da cidade e manifestantes se encontraram na região central para um ato final. Os conflitos entre os ativistas e a polícia deixaram um saldo de mais de mil feridos – desses, 400 policiais. Antes mesmo do início da Cúpula, já são os resultados mais sangrentos desde a “Batalha de Gênova”, em 2001, quando o ativista Carlo Giuliani foi assassinado pela polícia também em protestos durante uma reunião do G-8. Monty Schaedel, porta-voz da Aliança de Ação de Rostock, que organizou a manifestação de sábado, acusou a polícia de “contribuir para a escalada da violência com seu comportamento torpe e pouco profissional”. Schaedel assegurou que durante os confrontos agentes “bateram às cegas nas pessoas”, sem nenhum objetivo tangível nem racional. “A incursão de policiais equipados com traje de combate, capacete e cacetete de borracha em

uma multidão de milhares de manifestantes só pode ser entendida como uma provocação”, disse o ativista. Antes da manifestação, as autoridades policiais haviam assegurado que ali haveria “equipes próprias” para impedir focos de violência, segundo Schaedel. “Durante o ato não houve sinais dessas equipes policiais. Ao contrário, a polícia agiu alimentando a espiral de violência”, afirmou.

Mais protestos

As manifestações se seguiram durante os dias 3 e 4. E, em todos os dias, houve desentendimentos com a polícia. Os esforços para conter os protestos, entretanto, parecem não surtir efeito. As manifestações são inúmeras e aumentam conforme mais pessoas chegam a Rostock. Dia 3, sob o tema “A Resistência é Frutífera”, aconteceu uma marcha com o objetivo de denunciar as políticas agrícolas das transnacionais, representadas pelo G-8. O protesto, crítico à retórica vazia da luta contra a fome e a pobreza, enfatizou a forma pela qual as nações mais industrializadas do mundo impõe sistematicamente políticas neoliberais que prejudicam os camponeses. Um dia depois, as ações e protestos focaram-se nas demandas da liberdade de movimento e de direitos iguais para todos. Ativistas foram até o Ofício de Imigração em Rostock e até a Casa Sonnenblumen em Lichtenhagen, onde neo-nazistas atacaram refugiados em 1992. EsSes atos foram seguidos por uma grande marcha que só pode ocorrer após horas de negociações com a polícia. (Com informações da Agência Envolverde, http://envolverde.ig.com.br e Centro de Mídia Independente www.midiaindependente.org)


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cultura

O grande carnaval João Alexandre Peschanski de São Paulo (SP) A recriação do mundo. É o desafio que se coloca o jornalista Renato Pompeu, editor da revista Caros Amigos e colaborador do Brasil de Fato, em seu “O mundo como obra de arte criada pelo Brasil”. Essa recriação não se trata de ficção científica, apesar de toda a trama do livro – que Pompeu define como romance-ensaio – se passar em uma era futurista, de simbiose entre o humano e a tecnologia, de superação dos limites geográficos e de aceleração na transmissão de informações. A proposta não se restringe às inovações estilísticas do autor, que, com pinceladas descritivas rápidas e narrativa fragmentada, envolve o leitor em uma história de conexões (links) e desdobramentos inesperados. O experimento de Pompeu se inicia pela captação e colagem de remendos do mundo. O primeiro pedaço de pano a costurar que aparece, remendo nele mesmo, é a personagem principal, Tatinha, com “quadris atraentes de negra e coxas esgalgadas de branca latina, os olhos de cor eslava e com pálpebras de formas vagamente japonesas e ainda partes do corpo que lembravam outros povos”. As características da protagonista, cuja colagem de influências e culturas se resume pelo fato de ser “brasileirinha”, definem o tipo de recriação que faz Pompeu. Não se trata de uma recriação do mundo metafísico – em que o Criador (Deus) surge como uma entidade alheia ao mundo e o modela a seu bel prazer, negando a outras criaturas a capacidade de criar – ou de uma recriação unilateral – em que uma corrente cultural dominante (imperialismo), que se considera auto-suficiente, força o mundo a adotar sua concepção de mundo como padrão hegemônico. Tatinha, a recriadora, faz um exercício de tolerância: pede a todos os povos que enviem detalhes de seus países e culturas para montar um samba-enredo virtual cujo tema é o mundo. O livro traz, como se brotassem da história, recados do mundo para a protagonista, que insere as sugestões em sua composição carnavalesca. Mas a obra não se constrói sem tensões – pois aqueles que bus-

Encruzilhadas do sindicalismo Altamiro Borges Editora Anita Garibaldi R$ 15 (180 páginas)

O mundo como obra de arte criada pelo Brasil Renato Pompeu Editora Casa Amarela R$ 32,50 (216 páginas)

cam ter o monopólio da explicação do mundo, impedindo o acesso livre ao conhecimento, vêem no projeto de Tatinha um risco para seus interesses. E a personagem passa a ser vítima de ameaças e agressões. O experimento de tolerância de Pompeu, por mais irreal que possa parecer, não se torna um exercício de abstração. Mantém péfirme. Discute os rumos da globalização presente – e, proposta política, indica a possibilidade de um papel transformador brasileiro nas relações “recriadas” entre povos.

Ataque à corporação trabalho Luís Brasilino da Redação Nesses mais de 15 anos de neoliberalismo, o capital foi agraciado com liberdade crescente e generosos benefícios. Como conseqüência, o trabalho acabou precarizado e os direitos universais erodidos. Apenas entre 1998 e 2002, por exemplo, a participação dos salários no PIB caiu de 45,4% para 35,1%. O desemprego se tornou estrutural e a informalidade atinge cerca da metade da população economicamente ativa (PEA). No livro “Encruzilhadas do sindicalismo”, o jornalista Altamiro Borges analisa como esse processo atingiu – e continua atingindo – a mais consolidada forma de organização da classe trabalhadora. Para tanto, Miro, editor da revista Debate Sindical e membro do Comitê Central do PCdoB, faz uma análise da conjuntura global e das perspectivas do governo Lula. O capítulo mais extenso, “As mutações no mundo do trabalho”, traz uma cuidadosa síntese da reestruturação produtiva. O que a provocou e o que ela provoca, bem como as

Aprender com Florestan Fernandes e a Revolução

Privatização da CSN – da luta de classes à parceria Edílson Graciolli Expressão Popular R$ 15 (360 páginas)

Da guerrilha ao socialismo: a Revolução Cubana Florestan Fernandes Expressão Popular R$ 15 (352 páginas)

Sindicalismo de classe ou de parceria? Sidartha Soria-Silva O relato preciso de uma triste história para os trabalhadores brasileiros. Assim pode ser sintetizada a obra de Edílson Graciolli, que analisa o processo de privatização da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), bem como sua relação com as transformações experimentadas pelo sindicalismo local. Baseado em sólida pesquisa empírica, o livro serve como denúncia do caráter predatório das elites socioeconômicas brasileiras, ao não admitirem a construção de uma sociedade minimamente justa (nos limites permitidos pelo capitalismo) para suas classes assalariadas. O objetivo do autor é compreender o sentido das transformações ocorridas no Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda (SMVR), entre 1989 e 1993. Enfoca o período que se segue à morte do sindicalista Juarez Antunes, em que o sindicalismo local passou a intensificar seu caráter combativo, e a privatização da CSN, passando pela tomada do comando do SMVR pela Força Sindical. A relevância e atualidade da temática estão no fato de que a experiência analisada pelo autor serve como uma amostra bastante representativa do momento histórico em que se inscreve a ascensão do “novo sindicalismo”, o contexto de sua crise, seus dilemas e a aparição do sindicalismo afinado com as diretrizes liberalizantes do capitalismo atual. No primeiro capítulo, discute-se a reestruturação produtiva e sua influência sobre o processo de crise social, do trabalho e do sindicalismo, que experimenta a luta defensiva e a integração à ordem do capital. Os capítulos 2 e 3 afiguram-se como os pontos altos do livro, pois que suscitam o maior número

tecnologias e formas de gerenciamento criadas. Miro conta que uma dessas técnicas, o toyotismo, encantou a burguesia mundial, “com a disciplina e humildade do trabalhador japonês que, quando doente, pede licença para que sua empresa não tenha prejuízo”, dentre outros contra-sensos. Para o jornalista, a reforma sindical levada pelo governo ao Congresso em 2005 só agravaria esse quadro, bem como as propostas dos empresários que sugerem reduzir as garantias trabalhistas para estimular o país a crescer. Citando os clássicos Adam Smith, Ricardo e Karl Marx, Miro afirma que elevar o nível de emprego é o caminho do desenvolvimento já que a quantidade e a qualidade do trabalho é que são determinantes na geração de valor. Dessa forma, ele defende uma mudança na política econômica de modo a devolver ao Estado a capacidade de investir, a redução da jornada de trabalho sem redução de salários, a elevação do grau de escolaridade, aumento do salário mínimo, reforma agrária, reversão da precarização do trabalho e uma reforma urbana com a construção de moradias populares.

de questões para quem se ocupa das temáticas do trabalho e do sindicalismo. O capítulo 2 volta-se para a dinâmica interna do SMVR entre 1989 e 1990, em que se consolidam as duas concepções de sindicalismo (“classista” e “de negociação”). O capítulo 3 traz elementos da prática cotidiana do sindicato (negociação salarial, tensão política, resistência às pressões da direção da empresa), e como estes estão inscritos na substituição progressiva do sindicalismo “classista” pelo sindicalismo “participacionista”, culminando na vitória eleitoral da Força Sindical. Aqui, o trabalho com as entrevistas realizado pelo autor revela um dado interessante: que a presidência cutista e de esquerda do sindicato, com um perfil definido como “classista”, possuía sensibilidade política para perceber que o mero “não” à privatização devia ser complementado por propostas alternativas concretas e uma forma mais conseqüente de luta, e que a conjuntura (meados de 1990) era desfavorável ao uso da greve. Prevaleceu, contudo, a maioria da direção, que desencadeou a maior greve da história da CSN. O capítulo 4 discute o projeto de privatização da Companhia, em que se analisa a justificativa dada para se privatizar a empresa – por ser “dispendiosa” e “ineficiente”, supostamente graças à sua condição de estatal. Finalmente, o capítulo 5 analisa as forças políticas interessadas no processo de privatização: o governo Brizola (RJ), o governo federal de Itamar Franco, o SMVR, a Força Sindical e a CUT nacional. (Síntese do texto publicado originalmente na Revista Espaço Acadêmico) Sidartha Soria-Silva é cientista social

Antonio Ozaí da Silva Florestan Fernandes escreve com paixão e razão. Se posiciona, mas não abre mão da análise sociológica. “Talvez o traço principal da obra madura de Florestan Fernandes seja o profundo sentido revolucionário, nutrido pela fusão entre o conhecimento rigoroso e a força da convicção. O esforço quase obsessivo de harmonizar o saber sociológico com a paixão política do socialista faz dos seus escritos uma vigorosa militância”, ressalta Antonio Candido (p. 9). Florestan não esconde sua posição ideológica, nem sucumbe às análises simplistas que transformam a experiência cubana numa espécie de “paraíso terrestre”. Ele “não escamoteia os aspectos negativos, como a tendência ao centralismo estatal, o perigo de hipertrofia e a esclerose burocrática, as falhas devidas a erros etc.”, observa Candido (p.15). A iniciativa do autor tem o mérito de apon-

tar criticamente para a nossa formação acadêmica colonialista. O fato de eventos históricos como a Revolução Cubana não serem incorporados ao currículo universitário com a mesma facilidade com que se incorporam temas eurocêntricos tem muito a ver com isso. Como nota Florestan, também “decorre, claramente, do teor provinciano de nosso espírito universitário” (p. 21). Sua interpretação sobre a Revolução Cubana foge aos estereótipos teóricos que se pretendem universais. Ele apreende o significado dos acontecimentos que sacudiram a ilha e influenciaram o continente a partir das suas especificidades. É coerente com o estudo do marxismo na América Latina a partir das particularidades culturais e históricas da região. O leitor crítico dos rumos tomados pela revolução cubana – e não me refiro à crítica liberal e/ou de direita – poderá divergir do relato, em especial sobre temas emblemáticos como a organização do poder popular e sua relação com o Estado. Por outro lado, demonstra a complexidade da análise quando se mantém o compromisso entre a paixão revolucionária e a objetividade do cientista social. Mas a obra permanece atual. Militantes, sociólogos e congêneres têm muito a aprender com a sua leitura. A atitude do sociólogo militante Florestan Fernandes é exemplar. Sua obra contribui para a reflexão crítica sobre o papel da intelectualidade e do campus na sociedade. (Síntese de texto publicado originalmente na Revista Espaço Acadêmico) Antonio Ozaí da Silva é professor de ciência política da Universidade Estadual de Maringá


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