Circulação Nacional
Uma visão popular do Brasil e do mundo
Ano 5 • Número 231
São Paulo, de 2 a 8 de agosto de 2007
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aprovou um dos principais projetos em tramitação no Congresso endossados pela elite política e econômica do Norte e do Nordeste: a criação das Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs). Um modelo caracterizado no mundo todo pela superexploração do trabalho e pelo desrespeito à legislação trabalhista. No Brasil, as indústrias instaladas nesses locais terão isenção de impostos para importar insumos e matérias-primas e exportar mercadorias e capital. Pág. 6
Com Raúl, Cuba debate mudanças na sua economia Raúl Castro completou, no dia 31 de julho, um ano à frente do governo cubano num momento em que o país atravessa um intenso debate econômico que extrapola os limites do congresso do Partido Comunista Cubano (PCC), o fórum mais influente na ilha. O objetivo é enfrentar os problemas da ilha, como a burocratização e a escassez de alimentos, no caminho de soluções possíveis para revisar o funcionamento do sistema socialista do país, conservando suas bases. Pág. 9
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Governo encontra “solução” à direita para a crise aérea Mal a elite política e econômica ameaçou uma ofensiva, por conta do desastre com o avião da TAM, o governo Lula já ofereceu os presentes. Primeiro, anunciou a privatização da estatal Infraero, como uma das primeiras medidas apresentadas como solução ao caos aéreo. Quer se desfazer de 49% das ações de uma empresa que, em 2006, lucrou R$ 1,2 bilhão. Em seguida, o presidente nomeou o peemedebista Nelson Jobim para o Ministério da Defesa, um tradicional aliado de José Serra (PSDB) e ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso. Enquanto isso, pelas estradas esburacadas do Brasil, milhares de brasileiros arriscam sua vida em ônibus clandestinos para se locomover. Apenas no ano de 2005, mais de 10 mil pessoas morreram em acidentes nas rodovias federais. Págs. 2, 4 e 5
Valter Campanato/ABr
Antonio Cruz/ABr
Com ZPEs, Lula aprova as maquiladoras brasileiras
R$ 2,00
Usuários de tranporte aéreo e rodoviário enfrentam problemas em todo país
Reprodução
Transnacionais e o controle dos alimentos
CADEIA ALIMENTAR
empresas controlam biotecnologia
Por meio de fusões e parcerias com governos, grandes corporações transnacionais avançam sobre a cadeia de alimentos global. O objetivo geral é conquistar o controle oligopolista da pesquisa científica e tecnológica da biotecnologia. De acordo com o professor Horácio Martins, isso significaria comandar a própria oferta de produtos agrícolas e florestais. Pág. 8
Mais lucros da indústria com rodízio de operários Pesquisa encomendada pela Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul revela que cerca de um terço da força de trabalho do setor é substituída anualmente no Estado. Segundo o estudo, os trabalhadores recém-ingressos na indústria ganham, em média, R$ 781, enquanto os demitidos ganhavam R$ 952. Para o sindicalista Milton Viário, os empresários têm um duplo benefício com
essa rotatividade forçada: ao mesmo tempo que pagam menos pela força de trabalho, desmobilizam o local de trabalho, já que o medo da demissão ronda o cotidiano dos trabalhadores. Para especialistas, o fenômeno não é uma peculiaridade nem gaúcha, nem da indústria metalúrgica, mas sim uma forma de capitalismo brasileiro se inserir competitivamente no mercado mundial. Pág. 3
Cia. do Latão: uma década de um teatro de contestação Com inauguração de sede, reestréia de espetáculo, exibições de vídeos e fotos e lançamentos de livros, o grupo teatral Companhia do Latão comemora 10 anos. Em entrevista ao Brasil de Fato, o diretor Sérgio de Carvalho conta os desafios de realizar um teatro na “contramão” de uma realidade de comercialização das artes cênicas. Pág. 12
Haitianos de Porto Príncipe em fila para receber donativos das tropas brasileiras da Missão da ONU
O petróleo da Governo do Nigéria não é Haiti anuncia para o seu povo privatizações
Cena de Visões Siamesas, montada em 2004
Um dos principais produtores de petróleo e gás natural do mundo, a Nigéria não é capaz de fornecer a energia que sua população necessita. Apenas uma minoria tem dinheiro para comprar um botijão de gás. Como alternativa, o povo nigeriano utiliza a madeira como combustível, contribuindo para o grande desmatamento das florestas. Pág. 10
Depois de obter bons resultados na luta contra o narcotráfico, o governo haitiano anunciou nova prioridade, explicitando sua guinada neoliberal: a privatização de empresas públicas. Pág. 11
Gama
Lenise Pinheiro
Spensy Pimentel/ABr
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editorial
Governo cede mais uma vez à direita A ÚLTIMA semana foi pródiga em rumores sobre um possível golpe de Estado, pantomima que não é nova no teatro político brasileiro dos últimos seis anos. Farsa burlesca perigosa, mas – pelo menos no curto e médio prazo – apenas farsa. A cada vez, o capital pressiona e o governo entrega. Antes, porém, é necessário que o fantasma de 1964 ronde o Brasil. Assim é desde a crise dos Correios. Ora, o papel do adversário é bater. Contra isso, a melhor defesa de um governo é ter um programa e quadros capazes de levá-lo adiante. Sobretudo, é preciso ter como base de sua governabilidade as classes que pretende representar e, como eixo programático, os interesses dessas classes. Mas o fantasma do golpe interessa: anestesia os opositores à esquerda que represam suas críticas. No recente episódio de desestabilização, iniciado com o “apagão aéreo” e culminado com o faturamento midiático do desastre do airbus da TAM, um novo ingrediente contribuiu para a “ameaça de golpe”: a manifestação do pessoal do “Can-
debate
Se o governo aplica à risca o receituário neoliberal, garantindo de lambuja a imobilidade dos de baixo, para que golpe? Quem o patrocinaria? Com que objetivo, se tudo vai em paz na órbita do grande capital? Para que tamanho e inútil desgaste? sei”, já devidamente desautorizado enquanto “dondocas” e “desocupadas” pelo ex-governador de São Paulo, Cláudio Lembo, um prócer do antigo PFL (hoje DEM) – e de golpe, o PFL entende! Não há necessidade de golpe. Se o governo aplica à risca o receituário neoliberal, garantindo de lambuja a imobilidade dos de baixo, para que golpe? Quem o patrocinaria? Com que objetivo, se tudo vai em paz na órbita do grande capital? Para que tamanho e inútil desgaste? Se a OAB-São Paulo e a ala jovem da FIESP se manifestam... bem, o capital também tem seus porras-loucas e seus lumpemburguesia. E, diga-se de passagem, tendo perdido o bonde da globalização – que sempre apoiaram – atingidos pela desindustrialização e pela nova divisão
internacional do trabalho segundo a qual cabe ao nosso país produzir commodities, setores da velha burguesia industrial paulista vão pouco a pouco sendo atirados à condição de lúmpen, na mais profunda acepção da palavra: aqueles que perdem seus laços com sua classe de origem e não estabelecem outros com outra classe. Uma característica do lúmpen é pescar em águas turvas e tentar tirar pequenas vantagens em todas as circunstâncias. São oportunistas e imediatistas. O fato é que a segunda-feira 30 de agosto amanheceu desanuviada. A grande mídia foi uníssona em condenar o lumpemburguesia. A revista Veja – que não prima pelo respeito aos fatos – encontrou o culpado pelo desastre da TAM. Não era mais o governo, mas também
não podia ser o capital. Ninguém melhor que um trabalhador, especialmente se morto, para encarnar o papel de culpado: falha humana, anunciou como verdade irretorquível, sem questionar as condições de trabalho da tripulação. No caso, falha humana é quase sinônimo de “desígnio divino”, “vontade da Providência”, “destino”. Encerra-se assim o que há de substantivo para a questão das 199 mortes. Está explicado o “essencial”. O sinal estava dado: a negociação estava feita. Cai o ministro da Defesa Waldir Pires, ascende um novo, o peemedebista-tucano Nelson Jobim, assessor de confiança do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e amigo do governador de São Paulo, José Serra. No entanto, mais que a troca de ministros, o governo anunciou
opinião
Eduardo Gudynas
Relações assimétricas
Mas os erros e as conseqüências negativas do papel de Washington chegaram a tal ponto que a idéia de unipolaridade é insus-
Roberto Galvão Faleiros Júnior
“Deus lhe pague” Gama
O ocaso da unipolaridade e o renascimento da globalização OS DEFENSORES da atual globalização estão mudando seus argumentos. Agora reconhecem que os processos globais atuais geram desigualdade, mas atribuem os efeitos negativos ao fato de eles terem ficado sob o controle de uma única potência mundial. Os mesmos ideólogos que antes consideravam que os Estados Unidos eram o motor da mundialização agora sustentam que seriam os culpados de um mundo unipolar que impede uma globalização balanceada. As evidências sobre os impactos da globalização são tão desoladoras que pareceria inevitável uma profunda mudança na condução dos processos globais. No entanto, só se admite que os Estados Unidos “estragaram” a globalização, tal como sustenta Steven Weber, diretor do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade da Califórnia. Em uma análise que publicou recentemente na revista Foreign Policy, junto com outros autores, assinala que as “más notícias para o século 21 são que a globalização tem um lado escuro significativo”. Weber considera que as idéias convencionais da globalização são, em si mesmas, muito boas, mas adverte que propor que seja guiada por uma superpotência é um caminho errado. Esse é um exemplo de mudança de visão nos centros globais sobre o papel de Washington. Até há pouco tempo, defendia-se os EUA como motor global, polícia internacional e hegemônico benévolo. Influentes neoconservadores, como Michael Mandelbaum, não só rechaçavam que o país fosse qualificado como um império, como também reivindicavam acentuar seu papel de governante mundial e exigiam que as demais nações industrializadas o apoiasse ainda mais. É evidente que esses raciocínios são de uma superficialidade assombrosa. Nunca se aclaram os verdadeiros significados de um governo mundial sentado em Washington (quem pode defender com seriedade que o Congresso dos EUA sirva à representação dos demais povos do planeta?). Tampouco se exploram contradições evidentes tais como o uso da força militar, ou o rechaço dos compromissos globais com a pobreza, a paz ou o ambiente. A alternativa de uma globalização multipolar também encontrava resistência por parte dos neoconservadores. Por exemplo, Niall Ferguson, da Hoover Institution, sustenta que “a alternativa a uma única superpotência não é uma utopia multilateral, e sim o pesadelo anárquico da Idade das Trevas”. Os neoconservadores consideram que não há alternativa à unipolaridade, já que se cairia em uma “apolaridade”. Portanto, defendem o papel de Washington como agente policial global para evitar essa anarquia global, onde os portos da economia global “serão os alvos de saqueadores e piratas”, segundo Ferguson. É um cenário de caos e terrorismo planetário, onde esse analista chega a advertir, na Foreign Policy, que, na América Latina, “cidadãos miseravelmente pobres buscarão consolo na cristandade evangélica importada das ordens religiosas dos EUA”.
a abertura do capital da Infraero (privatização), e a garantia de que Congonhas continuará funcionando e terá ampliada sua área de evasão, com a evacuação de pelo menos cinco mil famílias do entorno do aeroporto. O noticiário e a grita da mídia minguam. Negocia-se agora o varejo: a substituição do presidente da Infraero, a direção da Anac etc. Miudezas, se comparadas com mais essa grande vitória do capital. E as 199 vítimas do acidente... e seus familiares...? Esses continuam à mercê dos oportunistas de plantão – seja à exploração da mídia, seja às passeatas dos lumpemburguesia. Enquanto isto, nas rodovias precárias e em transportes clandestinos sem qualquer segurança, a grande massa de trabalhadores não se cansa de buscar um lugar onde conseguir emprego, ou onde possa de algum modo ter uma vida minimante digna. Nesse primeiro semestre, foram computados 58.486 acidentes rodoviários, deixando um saldo de 3.230 mortos e 35.340 feridos.
Fiquei me perguntando nestes dias se o sr. José Dionísio de Souza, com 33 anos, residente em Ipaussu-SP, amou na quara-feira (20/6) como se fosse a última, se beijou sua mulher como se fosse a última e se tendo filhos, os beijou como se fossem únicos. E se atravessou, com passo tímido, a madrugada atrás da sua condução, se cortou a cana como se fosse máquina e se carreou a cana num desenho mágico. Com toda a licença de Chico, a interpretação da música construção hoje acaba denunciando, retratando o que acontece com os trabalhadores nos canaviais brasileiros.
“Estamos substituindo as culturas para alimentar a população para plantar cana. Ninguém está se preocupando com a degradação do solo, do meio ambiente e nem com as condições do trabalho e nem com a saúde dos trabalhadores”
Os erros e as conseqüências negativas do papel de Washington chegaram a tal ponto que a idéia de unipolaridade é insustentável. Reconhecer esse problema é um passo adiante, mas essas críticas avançam muito pouco tentável. Reconhecer esse problema é um passo adiante, mas essas críticas avançam muito pouco. Não discutem as relações assimétricas de poder dos grandes sobre os pequenos, nem a base econômica e cultural da globalização atual. Apenas se questiona que o poder esteja em mãos de um único país, e se postula como solução passar a ter um grupo seleto de superpotências que mantenha a pressão para as aberturas comerciais e a liberalização dos fluxos de capital. Sonham com um novo clube de governo mundial, ao qual deveria se somar Inglaterra, França ou Japão. Reitera-se, assim, a fé na globalização atual, e se atribui a culpa pelos problemas atuais às aplicações ineficazes e defeituosas. Diz-se que a liberalização dos mercados e fluxos de bens, serviços e capital não são ruim em si mesma, e sim que tudo ficou distorcido por uma distribuição assimétrica do poder. As críticas aos EUA encontram muitos ecos no Sul, principalmente por este conhecer na própria carne algumas de suas expressões, por exemplo, no plano militar ou comercial. Mas a perspectiva crítica não pode ficar unicamente nesse plano, já que suplantar Washington por Bruxelas não significará nenhuma melhora para a América Latina, a não ser que aconteça, simultaneamente, uma mudança radical em como se entendem os processos globais. Alguns países do sul são tentados a ingressar ao clube seleto de líderes globais em médio-prazo. Flerta-se principalmente com Brasil, Índia, África do Sul e China. Mas, mais além dessa presença, persiste de todas as maneiras uma globalização
assimétrica, onde há grandes potências que devem “guiar”, “orientar” e “conduzir” os processos globais, e as demais nações deverão seguir e acatar.
Redesenho global
Sob essas idéias, o multilateralismo se rompe. A solução não está em contrabalançar esses tratados com outros com a União Européia; deve-se pôr em questão os fundamentos de relações internacionais baseadas em hierarquias e dependências, onde os “grandes” conduzem os “pequenos”. A multipolaridade não é uma solução suficiente para uma globalização unipolar, já que é toda a estrutura global que deve ser redesenhada. Essa é uma questão da maior importância, por exemplo, nas negociações da Comunidade Andina com Bruxelas, assim como nas conseqüências que poderia ter o acordo “socioestratégico” que os europeus outorgaram ao Brasil. Além disso, essa é uma problemática que também deve se considerar na integração dentro da América Latina. Se ensaios como a União Sul-Americana apelarem aos mesmos mecanismo de hierarquias e tamanhos econômicos, onde os “maiores”, supostamente, devem guiar os “menores”, terminaremos reproduzindo dentro do continente as mesmas assimetrias e conseqüências negativas que hoje observamos em escala planetária. (Alai – Agência Latino-Americana de Informação) Eduardo Gudynas é investigador do D3E (Desenvolvimento, Economia, Ecologia, Eqüidade – América Latina), em Montevidéu, Uruguai
O sr. José Dionísio foi o 20º trabalhador rural morto cortando cana-de-açúcar na região de Ribeirão Preto desde 2004, segundo a Pastoral do Migrante de Guariba. Mesmo assim, parece que vivemos uma fantasia, numa bolha, pois os usineiros e o governo enxergam inúmeros benefícios para o povo e os anunciam aos quatro cantos, tentando convencer a população de que serão inúmeros os benefícios (mas na realidade para quem serão?) do plantio da cana e do aumento na exportação do álcool, – que branco aos olhos leva incutido o vermelho, o sangue e a vida desses trabalhadores brasileiros. Ninguém está se preocupando com a degradação do solo, do meio ambiente e nem com as condições do trabalho e nem com a saúde dos trabalhadores. Estamos substituindo as culturas para alimentar a população para plantar cana. No entanto, toda essa situação é secundária, é supérflua, não pesa na balança comercial, não influi no superavit primário, essas mortes apenas viram estatísticas distanciadas do valor do álcool e de seus beneficiários, invertendo o valor evidente da vida humana, acontecimento típico do capitalismo atual. O valor do álcool vale mais que a vida do ser humano.
“Os trabalhadores poderiam se conformar com a construção histórica desse destino deixando suas vidas se esvaírem com o bagaço da cana. Mas não” Está evidente a coisificação humana. Os trabalhadores poderiam se conformar com a construção histórica desse destino deixando suas vidas se esvaírem com o bagaço da cana. Mas não, demonstram diuturnamente suas indignações, suas lutas e seus otimismos em suas ações, marchando, plantando a esperança, resistindo com paixão, humanizando nossa terra. Por tudo isso, do jeito que a situação está sendo discutida e encaminhada pelo governo, da forma épica com que os “Heróis Brasileiros” estão sendo tratados, enquanto se organizam para lutar contra essa situação, os trabalhadores cantarão agradecendo ironicamente: deus lhes pague pela certidão para nascer, deus lhes pague pela concessão para sorrir, deus lhes pague por nos deixar respirar e nos deixar existir e deus lhes pague pelo trabalho degradante e pela morte e desgraça nos canaviais. Enquanto alguns dormem, o povo se agita. Roberto Galvão Faleiros Júnior, advoga em Ribeirão Preto, é integrante do Seminário Gramsci, da União Geral das Forças Democráticas e da Associação Brasileira de Reforma Agrária. robfaleiros@yahoo.com.br
Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Jorge Pereira Filho, Marcelo Netto Rodrigues • Subeditor: Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Igor Ojeda, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), Gilberto Travesso, Jesus Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Aldo Gama, Kipper, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Salvador José Soares • Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alípio Freire, Altamiro Borges, Antonio David, César Sanson, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, João Pedro Baresi, Kenarik Boujikian Felippe, Leandro Spezia, Luiz Antonio Magalhães, Luiz Bassegio, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Milton Viário, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Temístocles Marcelos, Valério Arcary • Assinaturas: (11) 2131- 0812/ 2131-0808 ou assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar: (11) 2131-0815
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brasil
O desemprego a serviço do lucro Thosrsteinn Asgeirsson
TRABALHO Pesquisa revela que indústrias forçam “rotatividade” na força de trabalho, como forma de baratear custo da mão-de-obra Renato Godoy de Toledo da Redação NO BRASIL, a margem de lucro dos proprietários da indústria cresce todos os anos, constituindo-se como uma das mais amplas do mundo. E boa parte desse êxito dos industriais é baseado no achatamento da renda dos trabalhadores. Essas constatações são possíveis à luz de um estudo do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), encomendado pela Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul para dar subsídios à categoria na formulação de suas reivindicações. A pesquisa é direcionada às condições do trabalhador em indústrias metalúrgicas no Rio Grande do Sul. No entanto, aponta tendências que não se restringem ao Estado. Um dado que se destaca é o que coloca um outro olhar sobre o discurso de que a distribuição de renda está crescendo no país. De fato, se levarmos em conta apenas a renda dos trabalhadores, podese notar que a desigualdade diminuiu, porque aqueles que recebiam mais tiveram seus salários reduzidos, aproximando-se daqueles que ganham menos. Mas quando se faz a comparação entre a renda do capital e a do trabalho, a realidade é bem distinta: os lucros crescem, enquanto a participação do trabalhador na riqueza produzida no país está em declínio. Outro fenômeno destacado pelo estudo é o da alta rotatividade da força de trabalho na indústria. No geral, essa rotatividade não se dá por incompetência dos demitidos ou por uma “reciclagem” no quadro dos funcionários – para usar o jargão corporativo –, mas sim para reduzir o custo da força de trabalho. Entre março de 2006 e fevereiro de 2007, a indústria do Rio Grande do Sul demitiu 50.664 trabalhadores e
buição da renda funcional do Japão, que produz mercadorias com alto valor agregado, era constituída por 76,3% de remuneração do trabalhador e 23,7% de excedente operacional bruto.
Mercado mundial
Alta rotatividade de postos na indústria busca reduzir o custo da força de trabalho
Quanto
45,3% é a participação dos trabalhadores na renda nacional; lucros do capital respondem por 54,7%
admitiu 56.216. À primeira vista, o dado parece favorável aos trabalhadores, com abertura de novas vagas. Ocorre que os operários demitidos recebiam em média R$ 952, enquanto os admitidos ganham R$ 781.
Macroeconomia
A redução salarial apresenta-se como uma das prin-
cipais facetas desse período econômico do país. Desde 2000, o Brasil interrompeu um período de parca geração de empregos formais; porém, cerca de 90% dos empregos abertos oferecidos atualmente têm remuneração de até 2 salários mínimos (R$ 760), segundo Márcio Pochmann, economista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O presidente da Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul, Milton Viário, acrescenta que esse problema não se restringe aos setores de menor especialização. “A diminuição dos sa-
Cerca de 90% dos empregos abertos oferecidos atualmente têm remuneração de até 2 salários mínimos (R$ 760) lários também atinge os supervisores, técnicos e engenheiros”, afirma Viário, com base na pesquisa encomendada pela federação. Dados do IBGE comprovam a redução da massa salarial dos trabalhadores. Em 1990, na distribuição funcional da renda nacional, a remuneração dos trabalhadores era equivalente a 58,2%, enquanto o excedente opera-
Exploração de novo tipo, mobilizações idem
cional bruto (o lucro do capital) era de 41,8%. Paulatinamente, durante a década de 1990, o lucro do capital foi superando a remuneração dos trabalhadores. Na última aferição do IBGE, em 2003, a distribuição da renda funcional era composta por 54,7% de lucro do capital e 45,3% de remuneração dos trabalhadores. A título de exemplo, em 2001, a distri-
Para Pochmann, esse quadro vem se consolidando desde 1999, quando o governo de Fernando Henrique Cardoso substituiu a política de câmbio fixo pelo câmbio flutuante, acarretando numa alta do dólar e, na seqüência, dando força às exportações, em detrimento das importações. A divisão internacional do trabalho, ainda segundo o economista, impõe às indústrias de países exportadores de produtos de baixo valor agregado – caso do Brasil – uma diminuição do preço da força de trabalho para se inserir de forma mais competitiva no mercado mundial, oferecendo produtos com preços baixos. “As empresas, nesse ambiente de muita competitividade e sem condições adequadas para poder competir, acabam governando as variáveis sobre as quais elas têm poder de decisão. Nesse sentido, o emprego é uma das principais variáveis de ajuste. E, para isso, as empresas, além de abrir empregos de remuneração muito baixa, se utilizam recorrentemente dessa chamada ‘rotatividade’”, avalia o economista. Se o setor produtivo brasileiro continuar exercendo o papel de produtor e exportador de matéria-prima, a organização da produção e o tipo de emprego gerado devem permanecer da mesma forma. “O Brasil está produzindo soja e exportando soja, não está exportando produtos da soja, que seriam produtos que valorizariam a cadeia produtiva e abririam a perspectiva de abertura de empregos de maior qualidade e maior remuneração”, exemplifica.
Distribuição Funcional da Renda Nacional
Estranhamento dos novos funcionários e ameaça da demissão são desafios para a organização da classe trabalhadora, avalia o sindicalista gaúcho Milton Viário
Neste cenário de constante troca do quadro de trabalhadores, a atividade sindical se vê numa encruzilhada. No caso do Rio Grande do Sul, a cada ano um terço dos funcionários da indústria metalúrgica é substituído. São novos trabalhadores que passam a conviver com outros, mais antigos e entrosados. Segundo Milton Viário, presidente da Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul, há um estranhamento que dificulta o estreitamento dos laços de afinidade e solidariedade entre os trabalhadores. Esses laços são essenciais para a construção de uma entidade de classe e alcançar um patamar de consciência que gere mobilizações dos trabalhadores, inicialmente, por conquistas econômicas e, mais adiante, políticas.
Dentro desse quadro adverso, os metalúrgicos do Rio Grande do Sul têm um desafio: encontrar novas formas de mobilização, que dêem mais visibilidade às pautas da categoria e consigam estabelecer uma maior unidade entre os trabalhadores. Além do estranhamento entre os operários, o “fantasma” da demissão, que permeia o cotidiano dos trabalhadores, é mais um obstáculo às mobilizações. Cientes da rotatividade, os funcionários sabem que há um enorme contingente de desempregados dispostos a assumir o seu posto de trabalho. “Nosso desafio é de compreender esse novo cenário e desenvolver novas formas de luta. Ainda não temos força para fazer greve, mas conseguimos fazer paralisações de 2 horas em 120 fábricas”, relata Viário. Na análise do sindicalista, a rotatividade da força de trabalho é duplamente
benéfica para os industriais. “Essa rotatividade reduz o custo da produção, aumentando a margem de lucro do capital, e desorganiza o local de trabalho. E é no local de trabalho que se dá a contradição”, constata o metalúrgico. Segundo Viário, além das paralisações, os metalúrgicos gaúchos têm feito ocupações de fábrica, bloqueio de estradas e, numa das ações mais ousadas, ocuparam a sede da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs). “Nossas mobilizações se dão dentro e fora da categoria. Além dessas ocupações, realizamos trabalho de base com desempregados”, afirma. As novas formas de mobilização têm dado um retorno econômico aos metalúrgicos. “Conseguimos um aumento real de 2,5%. Não tínhamos esse resultado econômico há 15 anos”, pontua Viário. (RGT)
Desemprego estrutural não é exceção à regra, diz a historiadora Virgínia Fontes
Remuneração dos empregados Excedente operacional bruto (lucro do capital) Fonte: Contas Nacionais do IBGE
Agência Chasque
da Redação
Segundo pesquisadora, a lógica e a dinâmica do capitalismo são a da produção de mão-de-obra excedente da Redação Desde 1998, as taxas de desemprego brasileiras sempre estão acima de 9% da População Economicamente Ativa (PEA). Alguns economistas descrevem esse fenômeno a partir da noção do “desemprego estrutural”. Porém, o termo é polêmico no espectro da esquerda. Para alguns estudiosos, esse termo sugere que os altos índices de desemprego são parte de uma fase do capitalismo. Nessa abordagem, o desemprego já está inserido na fundação do capitalismo. Os desempregados formam o exército industrial de reserva, que está inserido no capitalismo. Esses estudiosos questionam o termo “excluído”. “É a presença do exército industrial de reserva que permite baixar constantemente o valor da força de tra-
balho. É lógico que isso significa uma crise social enorme, mas significa, por outro lado, uma massa de exploração enorme para o capital. (Os excluídos) não têm como sair porque não têm ninguém do lado de fora (do sistema), eles precisam vender a sua força de trabalho”, considera a historiadora Virgínia Fontes. Sobre a afirmação de que os altos índices de desemprego são uma fase do capitalismo, Virgínia deixa claro a sua posição. “A lógica e a dinâmica do capitalismo é a da produção de mão-de-obra excedente. Nunca foi a lógica do pleno emprego, nem nos países centrais, durante o welfare state, houve pleno emprego. Houve uma redução do desemprego nos países centrais, o que contribuiu para a superexploração dos demais países, através das formas imperialistas e coloniais”, diz a historiadora. (RGT)
Metalúrgicos realizam ato em Caxias do Sul pela valorização do trabalho
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ZPEs: maquiagem para mais exploração ECONOMIA Para especialistas modelo segue sem relação com o desenvolvimento local, acentua a guerra fiscal e o deslocamento de empresas entre os Estados João Zinclar
Pedro Carrano de Curitiba (PR) NO FIM de julho, o governo Lula aprovou a regulamentação das Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) no Brasil. A lei prevê, de pronto, a instalação de 17 distritos industriais, 12 deles em cidades do Norte e Nordeste. É a porta de entrada para o país de um modelo já consolidado internacionalmente cujas principais características são o desrespeito à legislação trabalhista. No interior das ZPEs, trabalhadores retomam as longas jornadas de trabalho típicas do século 19, montando produtos de todos os gêneros. Sua finalidade, por lei, é a exportação de mercadorias. Protegida pela alfândega, cercada por muros e grades de ferro, as ZPEs são distritos industriais isentos de impostos, tanto para importar insumos e matériasprimas quanto para exportar mercadorias e capital. Na fronteira entre México e Estados Unidos, onde estão difundidas, são conhecidas como maquiladoras (em espanhol, “maquilar” quer dizer “maquiar”). Hoje, 60 milhões de trabalhadores vendem sua mão-de-obra sob esse regime, em 104 países. Apesar do discurso de desenvolvimento regional, é inegável sua rápida mobilidade em busca de regiões próximas aos portos, que ofertem trabalho e matéria-prima mais baratos. No caso da lei brasileira, causou polêmica a liberação de até 20% do comércio das mercadorias produzidas nas ZPEs para o mercado nacional, sendo que esse papel de venda no mercado interno, até o momento, cabe às zonas francas, como a de Manaus (AM). Porém, uma outra discussão, silenciada até aqui, aborda as condições de trabalho dentro de uma das 30 fábricas que constroem seus galpões dentro da ZPE. A Comissão Nacional das Zonas de Processamento de Exportação, que será criada para regular as maquiladoras, não tem como orientação verificar as condições de trabalho nesses locais.
Os defensores das ZPEs afirmam que, no interior dos distritos industriais, a legislação trabalhista brasileira será cumprida. Porém, o economista Aécio Alves de Oliveira, professor da Universidade Federal do Ceará, ressalta o caráter de apropriação do tempo de trabalho, algo que na ZPE chega ao extremo. Destaca também os mecanismos de coerção usados para esse fim. “A ZPE surge no contexto de desemprego estrutural e precarização do trabalho. No seu interior, cabem várias formas de assédio moral, no sentido de forçar os funcionários a trabalhar por mais tempo”, comenta. Questionado sobre a chance de a instalação das ZPEs gerar uma organização dos trabalhadores nas regiões onde os projetos se instalam, Aloizio Lins Leal, professor de economia política da Universidade Federal do Pará, reconhece a possibilidade, embora em outras regiões do mundo o cenário não seja esse. “A chegada da empresa Cargill na Amazônia trouxe o rudi-
saiu na agência GESTÃO TUCANA O Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba decidiu aceitar o pedido de cassação do governador Cássio Cunha Lima (PSDB). Também foi determinada sua inelegibilidade por três anos, além do pagamento de R$ 100 mil em multa. Cunha Lima distribuiu, por meio de uma fundação, 35 mil cheques durante a campanha eleitoral de 2006, o que caracterizaria abuso de poder político e conduta vedada. O TRE determinou que José Maranhão (PMDB), segundo colocado nas eleições, assuma o governo. A VALE É NOSSA Já está na internet um documentário sobre o processo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce, que foi vendida em 1997, durante o governo FHC. O filme, produzido por movimentos sociais e profissionais de áudio-visual, tem como objetivo mobilizar a sociedade para o Plebiscito pela Anulação do Leilão da Vale que acontecerá na semana da pátria, entre 1º e 7 de setembro. Na Agência Brasil de Fato, estão os links para o acessar o material.
Porto de Pecém (CE), onde está prevista a instalação de uma ZPE
Quanto
60 milhões
de trabalhadores, em 104 países, vendem sua força de trabalho em maquiladoras
mento de uma organização política, que foi neutralizada pela presença de ONGs, que retardam o processo de luta popular”, exemplifica o economista, para quem a produção industrial no interior das ZPEs está no mesmo contexto do agronegócio e da exportação de minerais.
Maquiladoras
O projeto de instalação das ZPEs não parece se limitar às 17 cidades onde os distritos industriais já estão encaminhados. As elites locais, prefeituras e governos saúdam as propostas de instalação de novos distritos. A Prefeitura de Boa Vista (RR) já se prepara. O governador Jackson Lago (PDT-MA) está em negociação com o governo da Coréia do Sul para a instalação de uma ZPE, sendo que o projeto de lei que regulamenta a ZPE foi defendido durante anos pelo senador José Sarney (PMDB-AP). Recentemente, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE)
“A ZPE surge no contexto de desemprego estrutural e precarização do trabalho. No seu interior, cabem várias formas de assédio moral, no sentido de forçar os funcionários a trabalhar por mais tempo”, comenta o economista Aécio Alves de Oliveira Trabalhadores
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foi relator da matéria na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE). As ZPEs foram uma matéria usada por Lula para aproximar-se de nomes da oposição, como o falecido senador Antônio Carlos Magalhães (DEM). E esse não foi o primeiro projeto de Jereissati na defesa da circulação de mercadorias em prejuízo do meioambiente. Tanto que o Grupo Jereissati, pertencente ao senador, construiu o Iguatemi Empresarial – uma torre de 15 andares –, colocando em risco o mangue do rio Co-
Para Francisco Teixeira, professor de economia da Universidade Federal do Ceará, a ZPE segue sem relação com o desenvolvimento local, acentua a guerra fiscal e o deslocamento de empresas entre os estados: “tínhamos que completar a indústria de base, internalizar a indústria, mas estamos caminhando para trás” có, principal bacia hidrográfica da capital, Fortaleza.
Piorando
Francisco Teixeira, professor de economia da Universidade Federal do Ceará, pensa que já existe no Brasil uma política semelhante a das ZPEs. As zonas de processamento seriam um degrau a mais. Ele cita o exemplo do pólo de produção de calçados no Estado, atraído pelos incentivos fiscais e pela Lei Kandir – legislação que promove a exoneração do ICMS nas exportações de mercadorias. A ZPE, para Teixeira, segue sem relação com o desenvolvimento local, acentua a guerra fiscal e o deslocamento de empresas entre os Estados. Ele ressalta ainda a dependência do parque industrial brasileiro. “Tínhamos que completar a indústria de base, internalizar a indústria, mas estamos caminhando para trás”, comenta. O economista Aloizio Lins Leal aponta que o Amapá, a outra região de influência do senador José Sarney, deve abrir-se às políticas das ZPEs. Segundo Leal, as ZPEs devem contar com a infra-estrutura deixada pela Indústria de Comércio de Minérios (Icomi) e com a instalação da siderúrgica EBX, do empresário Eike Batista, que recentemente foi expulsa da Bolívia, mas conta com o apoio de Sarney. Na década de 1940, o manganês da cidade de Santana foi esgotado pela Icomi e a cidade encontra-se às mínguas, hoje em dia.
ZPEs
Aloizio Lins Leal recorda que, na região amazônica, já existem oito áreas de livre comércio, no modelo de zonas francas, instaladas em regiões próximas da fronteira. No caso das ZPEs brasileiras, as
Impostos dispensados nas ZPEs Cofins; IPI; Cofins Importação; PIS/PASEP-Importação; Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante; Impostos sobre operação de crédito, câmbio e seguro; Imposto sobre as remessas de lucros ao exterior e sobre os pagamentos realizados, a qualquer título, a residentes no exterior; Imposto sobre a Renda (durante 10 anos); e Imposto sobre a Renda sobre os lucros auferidos (durante os 5 primeiros exercícios) - a serem regulamentados através de uma medida provisória.
transnacionais encontram na região um ambiente favorável para obter matéria-prima (a própria camada vegetal e mineral da Amazônia), mão-deobra barata e infra-estrutura voltada para exportação, produzindo mercadorias de baixo valor agregado. A produção das ZPEs no Brasil terá a peculiaridade de estar inserida em um contexto marcado pelas atividades de companhias como a Albrás e a Alunorte, maior produtora de alumínio do mundo, na cidade de Barcarena (um dos pontos do mapa onde está prevista a construção de uma ZPE). “Exportamos de 17 a 20 milhões de toneladas de bauxita (matéria-prima do alumínio), produzido pelas empresas Albrás e Alunorte, grandes exportadoras de alumínio e consumidoras de energia, com facilidade para exportar”, comenta Aloizio. Baixo risco para o fluxo de capitais de curto prazo no país, atraídos por uma alta taxa de juros. Esse é o cenário que favorece a chegada das ZPEs no Brasil, segundo Aécio Alves de Oliveira. “Na ZPE, há uma forma que o capital assume, o paraíso fiscal na forma produtivo-comercial. A lógica é a mesma: ampliar e fazer expandir o capital. As ZPEs são uma maquiagem para o mundo”, afirma Aécio. O capital gerado com a exportação abandona o país com isenção de impostos – não necessita ser convertido em moeda local. Segundo a lei que regulamenta as maquiladoras, as ZPEs não recebem investimento do país hospedeiro, somente dos acionistas.
O desenvolvimento
Aloizio Leal concorda que a justificativa de “gerar divisas” e trazer desenvolvimento para as regiões são contestáveis. “Temos um excesso brutal de divisas no país, tanto que o dólar está lá embaixo. E os 30 anos de exploração da Amazônia trouxeram conseqüências do ponto de vista social e ambiental”, acrescenta. Cita, para tanto, o exemplo da destruição de 40 mil hectares de floresta ao redor do projeto de siderurgia instalado na região da cidade de Barcarena (PA). “A ZPE se torna a boca dos corredores de exportação de onde somem as mercadorias, consumidas a um custo vil, à base da força de trabalho, matéria-prima e infra-estrutura”, questiona.
COMUNICAÇÃO A Agência de Notícias das Favelas (ANF) lançou um novo site, no fim de julho, no Rio de Janeiro (RJ). A ANF é uma iniciativa lançada por movimentos sociais cariocas e visa reunir notícias das comunidades empobrecidos do Brasil e de toda a América Latina. Compareceram ao lançamento do novo site o Movimento Direito Para Quem?, a Campanha Contra o Caveirão, a Frente de Luta Popular,
fatos em foco
membros da ocupação Zumbi dos Palmares e moradores de Vigário Geral, Maré, Rocinha, Jacaré, entre outras. REPRESSÃO No lançamento do novo site da Agência de Notícias das Favelas (ANF), Maurício Campos, da Frente de Luta Popular, afirmou que as operações no Complexo do Alemão foram inspiradas no modelo de repressão da Colômbia e das tropas da ONU no Haiti. As operações no Complexo do Alemão causaram mais de 20 mortes. GREVE DE METALÚRGICOS Insatisfeitos com a proposta de aumento dos empresários, trabalhadores de oito empresas metalúrgicas de Caxias do Sul (RS) entraram em greve no dia 31 de julho. A categoria reivindica 12% de aumento real, enquanto os patrões oferecem apenas 5,2%. Caxias do Sul é a segunda maior cidade do Rio Grande do Sul e, em sua região, há cerca de 40 mil metalúrgicos
Hamilton Octavio de Souza
Avanço direitista Setores conservadores de classe média e organizações civis e militares de direita estão aproveitando, mais uma vez, os casos que sensibilizam a opinião pública – acidentes aéreos, denúncias de corrupção, omissão e descaso das autoridades etc. – para acirrar os ataques ao governo federal. Querem desgastá-lo e, indiretamente, enfraquecer as forças de esquerda que se subordinam à coligação governista. Dificuldade petista
A fragilidade do PT no governo federal indica que dificilmente o partido terá condições de liderar uma chapa própria competitiva em 2010. Uma alternativa será indicar o candidato a vice-presidente na chapa de aliança com o PMDB (Nelson Jobim) ou com PSB (Ciro Gomes). Outra alternativa será entrar na disputa com o governo dividido para enfrentar as candidaturas do PSDB, José Serra ou Aécio Neves.
Fogo amigo
Segundo o jornalista Mino Carta, da revista Carta Capital, “Os nababos e os aspirantes a nababos não entregam os anéis, Lula sim. A substituição de Waldyr Pires por Nelson Jobim no Ministério da Defesa tem o indiscutível sabor da guinada para a direita. Ao velho combatente, homem público honrado e coerente, foi negada toda a autonomia que agora é dada a um tucano peemedebista, amigão de FHC e de José Serra, habilidoso surfista da política nativa”.
Lucro garantido
O governo federal não apenas decidiu privatizar as estradas federais mais movimentadas, entre elas a Fernão Dias e a Régis Bittencourt, cujos concessionários terão assegurado o lucro anual de 8,95% do capital investido, como também vai fornecer dinheiro do BNDES, com juros de 5,5% ao ano, para quem assumir a concessão. Moleza! É lucro certo com o dinheiro do povo.
Paraíso financeiro
De acordo com o jornal Folha de S. Paulo, os bancos estrangeiros lucram mais no Brasil do que em outros países. O banco holandês ABN Real teve um lucro líquido de R$1,16 bilhão no primeiro semestre deste ano, 84% a mais do que em 2006. A filial brasileira é considerada “a de maior retorno no mundo”. Se os bancos lucram tanto, quem está perdendo?
Cartel vitaminado
Flagrados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) na prática de cartel – combinação de preços para aumentar as margens de lucro – no mercado de vitaminas, os laboratórios Roche, Basf e Aventis, todos estrangeiros, pagaram multa de R$ 17,6 milhões sem reclamar e sem qualquer recurso. Imaginem o que ganharam em cima dos consumidores brasileiros.
Solução privatizada
Empresa estatal responsável pela administração dos aeroportos, a Infraero deve colocar suas ações no mercado nos próximos meses. Conforme roteiro estabelecido pelo neoliberalismo, é mais um setor a ser privatizado. Como tem ocorrido com outros setores, o governo revela incompetência para cuidar, a mídia desgasta o Estado e finalmente tudo é entregue para a exploração privada. Simples!
Exploração privada
Ainda sobre o processo de privatização, que é o que mais interessa para os capitais nacional e estrangeiro, a Agência Nacional do Petróleo deve leiloar nos dias 27 e 28 de novembro mais de 300 blocos para a exploração de petróleo e de gás natural na costa brasileira – sem restrições para empresas nacionais e estrangeiras. Tudo isso, é claro, a preços altamente convidativos.
Agora Vale
Dezenas de entidades populares e de trabalhadores, movimentos sociais e estudantis, vão intensificar em agosto a Campanha Nacional pela Anulação do Leilão de Privatização da Cia. Vale do Rio Doce, que terá em setembro, na Semana da Pátria e no Grito dos Excluídos, um plebiscito popular em todo o território nacional. A privatização da CVRD, no governo FHC, foi fraudulenta. A Vale é patrimônio nacional.
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brasil
Audiência pública é marcada por críticas à barragem de Tijuco Alto MEIO AMBIENTE Nenhum representante da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) compareceu ao debate Alesp
Rui Kureda de São Paulo (SP) A AUDIÊNCIA pública sobre a barragem de Tijuco Alto, realizada no dia 27 de julho na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, foi marcada por duras críticas ao polêmico projeto do empresário Antonio Ermírio de Moraes. Antes de ter início, foi realizado um breve ato que contou com mais de 300 pessoas, em sua maioria quilombolas, indígenas, caiçaras e agricultores do Vale do Ribeira, que vieram em sete ônibus. Também estavam presentes representantes de diversos movimentos e entidades que manifestaram solidariedade à luta das comunidades contra a construção da barragem. A audiência foi presidida pelo deputado estadual Raul Marcelo (PSOL) e todos os membros da Mesa apontaram as graves conseqüências sociais e ambientais da usina hidrelétrica (UHE) de Tijuco Alto e se manifestaram contra a sua construção.
Quanto
21% da Mata Atlântica original localiza-se no Vale do Ribeira
Azul (PR), denunciou as pressões e os métodos de coação que a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), de Antonio Ermírio, vem aplicando há quase duas décadas. Segundo o sindicalista, no final dos anos de 1980 e começo dos anos de 1990, houve um grande êxodo rural na sua cidade. A CBA coagiu os moradores a venderem suas terras, levando-os a migrarem para as periferias das cidades. Arley citou como exemplo o surgimento da favela da Vila Esperança, em Curitiba (PR), formada em grande parte por agricultores que foram vítimas da coação da CBA.
Quilombolas José Rodrigues, da Associação do Quilombo de Ivaporunduva (no município de Eldorado-SP),
Os moradores do Vale do Ribeira não escondem sua indignação e a disposição de resistir: “se não resistirmos, vamos perder. E se perdermos, vamos para onde? Vamos resistir até o fim”, raciocinam Nilton Tatto, representante do Instituto Socioambiental (ISA), salientou o fato de que restam apenas 7,6% da Mata Atlântica original e que o Vale do Ribeira comporta 21% dessa área. De acordo com ele, 17 mil hectares serão inundados caso o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) conceda a licença para a construção da usina. Segundo o cacique Luis Euzébio, a luta contra a barragem é uma luta não só para preservar a cultura indígena, mas também parte da luta pelo planeta. “Antes da invasão (há 507 anos), não tinha miséria, poluição e índio pedindo terra”, lembrou. Arley Rosa, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura Familiar de Cerro
o maior quilombo do Vale do Ribeira, manifestou preocupação com o clima favorável para a construção de usinas hidrelétricas provocado pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal. Caso a UHE Tijuco Alto seja construída, virão mais três, prevê Rodrigues, o que representaria uma ameaça direta a muitos quilombos da região. São mais de 50, dos quais 18 foram reconhecidos. Mas a demarcação ainda não foi feita. Até agora, cinco quilombos foram titulados, mas não conseguiram registro. Impedir a construção da barragem é uma questão de vida ou morte, pois todos os quilombolas dependem do rio para sobreviverem.
Audiência pública reuniu representantes de movimentos sociais e do poder público
Além disso, um aspecto pouco conhecido do Vale do Ribeira é a concentração de um dos maiores complexos de cavernas do Brasil. Até hoje, foram cadastradas 273 cavidades naturais. Clayton Ferreira Lino, presidente do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e membro da Sociedade Brasileira de
Espeleologia (estudo de grutas e cavernas), denuncia que não há nenhum estudo que comprove que esse tesouro espeleológico não seja afetado pela barragem. As cavernas são protegidas por legislação federal e são bens da União, enfatiza. Além disso, Clayton lembra que a Lei da Mata Atlântica proíbe cortes da mata primitiva, a não ser em
caso de interesse público: “Qual é o interesse público na construção da UHE Tijuco Alto?” Digna de nota foi a ausência de representantes da CBA e de intervenções favoráveis à Barragem de Tijuco Alto. Também participaram da mesa Aziz Ab’Saber, geógrafo e professor honorário da USP, o bispo Dom José Luis Bertanha, de Registro
Comitê em Defesa do Vale do Ribeira No mesmo dia da audiência pública, o Diário Oficial publicava o veto do governador José Serra ao projeto de lei aprovado em junho pela Assembléia Legislativa, que transforma o rio Ribeira de Iguape em patrimônio histórico, cultural e ambiental do Estado de São Paulo. O deputado estadual Raul Marcelo (PSOLSP), autor do projeto, critica o caráter político da decisão. “O governo estadual se omitiu e o rio está morrendo”, afirmou. Ele considera fundamental concretizar a decisão to-
mada pela audiência pública de formação de um Comitê em Defesa do Vale do Ribeira. “Vamos realizar uma ampla campanha para derrubar o veto”, afirmou. Segundo o deputado, o papel do comitê não pode se esgotar na luta contra a barragem, mas deve debater os graves problemas sociais e ambientais da região, apontando propostas que atendam às necessidades das comunidades tradicionais, agricultores e de toda a população do Vale do Ribeira. (RK)
(SP), e José Batista, da direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Resistir até o fim No auditório lotado, moradores do Vale do Ribeira não escondiam sua indignação e a disposição de resistir. Adilson Oliveira Silva e André Luis Pereira de Moraes são dois jovens militantes do Movimento dos Ameaçados por Barragens (Moab) e da Associação Remanescentes de Quilombo do bairro André Lopes, na cidade de Eldorado (SP). Ambos relataram o caso de uma moradora do quilombo que foi multada por ter plantado feijão para consumo próprio. “Quem vai multar Antonio Ermírio quando a barragem causar destruição?”, perguntam. Adilson e André resumem o seu estado de espírito e o dos moradores do Vale do Ribeira com as seguintes palavras: “se não resistirmos, vamos perder. E se perdermos, vamos para onde? Vamos resistir até o fim”.
TRABALHO
Sindicalistas ligados ao PCdoB preparam-se para deixar a CUT Segunda maior força da central, Corrente Sindical Classista pretende fundar nova organização; decisão será em outubro Renato Godoy de Toledo da Redação A hegemonia de um grupo que permanece no controle da Central Única dos Trabalhadores (CUT) desde a sua fundação, além de outras críticas, é o principal motivo da provável saída da Corrente Sindical Classista (CSC), impulsionada por militantes do PCdoB, da entidade. Os comunistas pretendem fundar uma nova central sindical e, com isso, dar maior visibilidade às suas idéias entre a base dos trabalhadores. Hoje, a CSC é a segunda maior força política dentro da CUT, a maior central do país. “Queremos que a sociedade conheça nossas idéias. E isso não estava sendo possível dentro da CUT, e avaliamos que nem seria possível”, revela Wagner Gomes, membro da CSC e vice-presidente nacional da CUT. A decisão foi aprovada no Comitê Central do PCdoB, mas Wagner explica que a demanda partiu da base da CSC. “A decisão não foi do partido, mas da corrente, que também conta com militantes de outros grupos, como o PT”, explica. A nova central, que ainda não tem nome definido, deve manter uma relação de proximidade com a CUT. “Não seremos uma central de oposição à CUT, achamos que a ela ainda tem um papel
importante a cumprir. Teremos uma relação de parceria prioritária com a CUT”, prevê Wagner Gomes. A CSC realizará, em outubro, uma assembléia extraordinária para decidir sobre a saída da CUT. Se for aprovada, como é provável que aconteça, a nova central deve ter um congresso de fundação já em dezembro. Com isso, a corrente desocupará os seus cinco cargos na executiva nacional da CUT antes do prazo previsto – a última eleição da executiva foi em 2006 e o mandato é de 3 anos. Segundo cálculos da corrente, a CSC tem militantes em cerca de 800 sindicatos, sendo que possui hegemonia em aproximadamente 400. Pela recém-lançada lei que legaliza as centrais sindicais, a CSC conseguirá atingir os pré-requisitos de representatividade e se firmar como central. Wagner Gomes afirma que sua corrente tem estabelecido diálogo com outras forças políticas do movimento sindical para tentar aglutinar o maior número de trabalhadores. O dirigente confirmou conversas com o PSB, com diversas federações de trabalhadores rurais e a Central Geral dos Trabalhadores Brasileiros (CGTB).
Histórico
A Articulação Sindical (Artsind), grupo ligado ao Cam-
po Majoritário do PT, controla a CUT desde 1983, data da fundação. Os sindicalistas ligados ao PCdoB, à época, foram contra a decisão de criar a CUT, acreditando que o movimento de fundação, protagonizado pelos petistas, vinha no sentido de dividir o movimento sindical. Após a fragmentação ocasionada pela repressão da ditadura militar, o movimento tinha conseguido uma unicidade na Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat), em 1981. Os militantes do PCdoB foram contra a formação da Comissão Nacinal Pró-CUT, deliberada na Conclat, e passaram a atuar na Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) até 1991. Devido a opção clara dessa central pelo “sindicalismo de resultados” e o respaldo político dado ao governo Fernando Collor, a CSC rompeu com a central e aderiu à CUT. “Nessa época, havia uma polarização no movimento sindical, entre a CUT e a Força Sindical. Resolvemos ir para o lado que estava mais comprometido com a luta dos trabalhadores, mas hoje o movimento sindical está pulverizado, com mais de cinco centrais. Então, resolvemos fundar a nossa própria central para nos expressar de forma melhor”, avalia Wagner Gomes. (Leia na Agência Brasil de Fato – www.brasildefato.com.br)
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brasil Divulgação
Funcionário trabalha em plantação onde a Monsanto realiza pesquisas
SOBERANIA ALIMENTAR Transnacionais avançam sobre a produção agrícola mundial e passam a controlar boa parte da oferta de alimentos
Da semente ao prato: o perigo da privatização da cadeia alimentar Rui Kureda de São Paulo (SP) AS CORPORAÇÕES transnacionais ocupam um espaço cada vez maior na cadeia produtiva de alimentos. Um exemplo bastante claro é o da indústria de sementes. No livro A Transnacionalização da Indústria de Sementes no Brasil, publicado pela Action Aid do Brasil, John Wilkinson, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, aponta que essas corporações têm como estratégia a participação na indústria de sementes com produtos de maior valor agregado. O maior mercado de sementes no Brasil é o de soja, no qual a participação das transnacionais é relativamente pequena; a Embrapa detém cerca de 65% desse mercado. Porém, a presença de corporações estrangeiras, como a Monsanto, vem se expandindo. Entre 1997 e 1999, a transnacional ampliou a sua participação em 6%, passando a abarcar 18% do mercado. Embora não existam dados precisos, é certo que o contrabando da soja transgênica Roundup Ready é o motivo desse crescimento. No Rio Grande do Sul, onde está a maior produção de soja transgênica do país, a transnacional já detém cerca de 70% do mercado.
Quanto
60% das sementes de milho brasileiras são controladas pela Monsanto
lho, única empresa de sementes de milho de capital nacional, possui apenas 5%. O mercado de sementes híbridas, onde se enquadra o milho, é, de longe, o mais rentável. Isso porque uma característica dessas variedades é que os descendentes das sementes de primeira geração vão, gradativamente, perdendo suas características originais, obrigando os agricultores a comprar sementes novas.
Conhecimento
As corporações não estão, entretanto, interessadas apenas na comercialização. Ao adquirir empresas, elas têm como objetivo o acesso ao conhecimento que as empresas nacionais detinham. Um caso paradigmático foi a aquisição da Mitla, da Fartura e da Ribeiral pela Aventis, o que lhe permitiu possuir o maior banco de informações genéticas de milho nativo do Brasil. Outra forma de ação das transnacionais é a realização de parcerias, seja com institutos de pesquisas, como a associação entre a Monsanto e a Embrapa, seja com outras empresas. Por exemplo,
As corporações não estão, entretanto, interessadas apenas na comercialização. Ao adquirir empresas, elas têm como objetivo o acesso ao conhecimento que as empresas nacionais detinham foi anunciada, recentemente, uma parceria entre a Monsanto e o Grupo Votorantin para a produção de variedades transgênicas de cana-de-açúcar. Para Wilkinson, a entrada das transnacionais no mercado de variedades deve-se, em parte, à geração das “novas biotecnologias” que têm a semente como o principal vetor de sua aplicação. Além disso, ele ressalta a importância
lístico da oferta de sementes e mudas transgênicas está se dando com a incorporação ou criação de controle sobre as empresas que hoje pesquisam e já oferecem tecnologias do que se denomina a “biologia sintética”: a criação artificial de organismos vivos a partir de sínteses químicas sem nenhum traço de outro organismo vivo. Hoje em dia, 60 empresas no mundo controlam, através das patentes, essa “nova biologia”. Essas empresas oligopolistas de segunda e terceira geração de biotecnologia pertencem às grandes empresas transnacionais da química fina (farmacêutica e outras) e estão associadas com as grandes empresas que controlam a comercialização mundial de cereais, como Cargill, Bunge e ADM.
Oligopolização
A ofensiva transnacional nesse processo de aquisições e fusões tem início na década de 1980 e fecha seu primeiro ciclo em meados da década seguinte. A partir daí, teve início um segundo ciclo que levou a uma acelerada oligopolização do setor, com novas aquisições e fusões de empresas nacionais por grandes corporações transnacionais de biotecnologia. Para Horácio Martins, organizador do livro Sementes: patrimônio do povo a serviço da humanidade, publicado pela editora Expressão Popular, estamos vivenciando o início de um novo momento desse processo. Para ele, o objetivo geral dessas fusões e aquisições é o controle oligopolista da pesquisa científica e tecnológica (inovação tecnológica) pelas grandes corporações da biotecnologia. “Isso significará o controle não apenas da produção de sementes e mudas como da própria oferta de produtos agrícolas e florestais por essas empresas”, prevê. Ele cita como exemplo a parceria entre o Grupo Votorantim e a Monsanto e aponta para a crescente presença de árvores transgênicas: “Daí que os camponeses que se associam às transnacionais de celulose para plantarem madeiras (árvores como o eucalipto), já recebam as mudas prontas pelo processo de clonagem das plantas geradas pela biotecnologia da transgenia”.
Jean Marc Von der Weid, da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), também aponta como um fator de ameaça à segurança e à soberania alimentar a tendência que tem se verificado nos Estados Unidos de fusões, associações e acordos verticais entre grandes empresas que comercializam alimentos como cereais, grupos ligados à distribuição de alimentos e grandes empresas varejistas e atacadistas. Para Horácio Martins, uma conseqüência nefasta desse crescente controle das transnacionais é a homogeneização da dieta alimentar, a “tirania da nova dieta alimentar imposta por grupos que controlam as sementes, a oferta, a agroindustrialização e a distribuição atacadista e varejista (supermercados) de alimentos”. E complementa: “Está em risco a segurança alimentar e nutricional da população mais pobre do Brasil e do mundo. Não apenas pelo controle da oferta e distribuição de alimentos pelos grupos oligopolistas mundiais, mas também pela expansão das terras destinadas à soja, à cana-de-açúcar para etanol, às plantações de árvores para celulose e para carvão vegetal, às pastagens e às plantações em grandes monocultivos de plantas oleaginosas para o óleo combustível”. (RK)
Existem 11 pedidos de liberação comercial de transgênicos à espera de aprovação na CTNBio; cinco são de milho Divulgação
de São Paulo (SP)
Biotecnologia
Porém, a terceira geração desse controle oligopo-
Unidade da Monsanto na cidade de São José dos Campos
Avançando sobre o comércio
A ameaça da biotecnologia
Divulgação
Em outros segmentos, a presença das corporações é bem maior. O terceiro maior mercado de sementes no Brasil é o de milho, onde a transnacionalização é esmagadora. Um processo agressivo de aquisições pela Monsanto, incorporando a Agroceres, a Cargill e a Braskalb, alçou a empresa à condição de detentora de 60% das sementes de milho brasileiras. A Unimi-
da Lei de Proteção aos Cultivares de 1997, que criou mecanismos mais amplos de apropriação dos direitos de propriedade intelectual, beneficiando o melhorista pelo reconhecimento do direito à propriedade intelectual com a obtenção de novas variedades vegetais. “Assim, a semente tornou-se o insumo mais importante na estratégia de ocupação do mercado pelas transnacionais”, analisa.
O tema da soberania e da segurança alimentar sempre foi caro aos movimentos sociais do campo. Durante o processo de liberação dos transgênicos, um dos principais argumentos levantados por eles era o risco à segurança alimentar somado à tendência crescente de transnacionalização da cadeia produtiva alimentar, envolvendo os seus diversos setores: sementes, insumos e distribuição. Recentemente, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou o pedido de liberação do milho transgênico Liberty Link, da Bayer, e reacendeu esse debate. ONGs e movimentos criticaram duramente essa decisão por considerar que a liberação ocorreu baseada apenas em informações da Bayer, sem respeitar procedimentos e critérios técnicos que permitissem avaliar adequadamente os seus impactos ambientais e à saúde. As críticas e preocupações não são desprovidas de fundamentos, pois há precedentes como a contaminação não intencional de variedades nativas de milho por transgênicos, ocorrida no México. Jean Marc von der Weid, da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), alerta para o fato de que, em comparação à soja, a liberação do milho transgênico traz maiores riscos à seguran-
Transgênicos estão sendo autorizados sem respeitar procedimentos
ça alimentar. No caso da soja, além de sua produção estar voltada prioritariamente à exportação, sua presença, disseminada em grande variedade de produtos alimentícios, é muito baixa. Assim, mesmo quando ocorre a presença de soja transgênica nesses produtos, ela é praticamente residual. Já não seria o caso do milho, segundo Jean Marc. Para ele, a ausência de fiscalização e, con-
seqüentemente, a inexistência da rotulagem indicando a presença de transgênicos representam um risco cada vez maior à saúde pública. Além do Liberty Link, existem 11 pedidos de liberação comercial de variedades transgênicas, sendo que sete são de milho. Um agravante é que, segundo nota do Greenpeace, nenhum dos pedidos apresentou estudo de impacto ambiental. (RK)
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américa latina
Raúl abre debate econômico da Redação RAÚL CASTRO está completando um ano de governo em Cuba, após o afastamento de Fidel Castro por questões de saúde. Desde então, o governo cubano tem feito suas críticas à escassez de alimentos, à burocratização e ineficiência, dentre outros pontos. Abriu-se, então, um intenso debate econômico que tem como objetivo discutir os principais problemas da ilha, bem como soluções possíveis para revisar e reformar o funcionamento do sistema socialista no país, conservando suas bases. A irrupção de diversos pólos de discussão ocorre em ausência do mais influente fórum nacional, o congresso do Partido Comunista de Cuba (PCC), que deveria ocorrer a cada cinco anos, mas não foi convocado desde outubro de 1997. As discussões têm se refletido em todos os meios: desde os institucionais como o Parlamento e o PCC, até setores acadêmicos, artísticos e também de particulares. Prova disso é o conteúdo de duas recentes publicações: a segunda edição de Reflexões Sobre a Economia Cubana (Editora de Ciências Sociais) e o número duplo da revista Temas, dedicado ao tema “Transições”. Na primeira, 13 especialistas de cinco centros acadêmicos sugerem reformas e novas linhas de ação como: avançar em uma economia baseada no conhecimento (saúde, biotecnologia, informática), potencialização da exploração dos recursos naturais; investimento na força de trabalho qualificada, além de formação de um ambiente com mais flexibilidade, descentralização e fomento.
É necessária uma industrialização que permita ao país criar bens de capital e disputar quotas de produção, com base em tecnologia e o uso intensivo da força de trabalho qualificada Novos ares
Já a revista Temas publicou um simpósio em que sete acadêmicos, dois dirigentes juvenis, um juiz e um vice-ministro, de distintas gerações, opinam sobre a transição socialista em Cuba, um tópico ainda quase inexistente nos espaços públicos da ilha. Segundo fontes ouvidas pelo jornal mexicano La Jornada, a consulta ofereceu um panorama tão amplo de alternativas que
“chegou a se desenhar um novo país”. Destacaram-se também opiniões que atribuem às relações com a Venezuela, “a matriz bolivariana”, melhorou substancialmente a posição do país, mas é insuficiente como via de desenvolvimento. É necessária uma industrialização que permita ao país criar bens de capital e disputar cotas de produção, com base em tecnologia e o uso intensivo da força de trabalho qualificada. Embora o resultado dos debates tenha sido um amplo espectro de opiniões, há a percepção de que o futuro do país já está traçado. O socialismo tem uma segunda oportunidade para se repensar. Para os protagonistas desse debate, faltam novas formas de participação cidadã para renovar o consenso interno, além de mudança de alguns mecanismos institucionais que incentive maior participação e expressão do povo. O sistema de poder popular “requer um novo ar”. Também a partir do primeiro semestre deste ano se iniciou os trabalhos de uma comissão acadêmica que irá discutir a natureza da propriedade no sistema socialista, que entre outros pontos se perguntará se é viável “ter um sistema empresarial estatal em Cuba liberado de ataduras burocráticas”.
Reprodução
CUBA Discussão extrapola os limites do congresso do Partido Comunista Cubano, o fórum mais influente na ilha
Bandeira cubana tremula ao lado de monumento dedicado ao pensador José Martí
Campo
Um dos pontapés iniciais para desencadear essa discussão foi a crise no setor agrícola que refletiu no abastecimento de alimentos para a população. Para sanar o problema, no primeiro semestre, o campo recebeu uma injeção de recursos, quando o governo liquidou uma dívida com os agricultores privados e as cooperativas. Ainda que a revisão desse caso tivesse mais de um ano. O líder da Associação Nacional de Pequenos Agricultores (Anap), Orlando Lugo, declarou à imprensa quais são os componentes principais da crise, que devem também ser debatidos no atual contexto cubano. Segundo Lugo, há uma porção de terras cultiváveis, porém ociosas; faltam tratores, maquinaria, combustível e peças de reposição para os caminhões; os trabalhadores agrícolas, que trabalham para camponeses privados, ganham mais do que nas cooperativas de produção, onde há falta de força de trabalho. A geração que as fundou, na década de 1970, já se retirou e não se conseguiu manter estável o quadro de empregados no setor. Lugo informou que se discutem três possíveis linhas de ação: reformas legais para explorar as terras ociosas, mecanismos de organização para melhorar a eficiência e oferta de combustíveis, sistemas de irrigação e insumos para as cooperativas de crédito e serviços. (Informações do La Jornada)
COSTA RICA
Eleições gerais ocorrerão em 2008 da Redação Não há sinais de mais quanto tempo Raul Castro deverá exercer suas funções provisórias ou se haverá ajustes antes das eleições gerais em 2008. Fidel Castro permanece afastado, mantendo, entretanto, sua presença simbólica em público, embora sem oferecer indícios de que retornará aos exercícios de seus cargos. Desde que uma hemorragia intestinal obrigou o mandatário a delegar temporariamente seu poder a seu irmão mais novo, em 31 de julho de 2006, podem-se perceber ao menos três fases. Na primeira (julho a dezembro), o presidente cubano foi visto em situação delicada em imagens de TV. Fidel revelou que ao fracassar a primeira cirurgia teve que passar por outras várias e que, nos piores
momentos, chegou a ficar entre a vida e a morte.
Aparições públicas
Um segundo período foi o primeiro trimestre deste ano, dominado por sinais de uma recuperação progressiva da saúde de Fidel Castro. O novo ano marcou claramente uma mudança. Acompanhado de Hugo Chávez, Fidel reapareceu em imagens onde apresentava um aspecto melhor. Já a terceira fase se iniciou em 29 de março, quando o presidente começou a difundir artigos, recebeu sucessivamente dirigentes de China e Vietnã; o boliviano Evo Morales, o nicaragüense Daniel Ortega e novamente Chávez. Falou 50 minutos na TV cubana. Nesse período, os sinais indicavam que, além de uma melhora em sua saúde, Fidel Castro mantém uma atividade re-
duzida, cujo limite está marcado por sua ausência em atos públicos desde 26 de julho de 2006. Este ano foi visto apenas em breves vídeos na TV e em sua intervenção em 5 de junho. Apesar dos crescentes sinais de atividade política de Fidel, ainda se desconhece uma versão oficial sobre sua doença. Tampouco está claro se Fidel voltará a exercer plenamente sua função, uma possibilidade sempre em aberto. Também não há indícios sobre uma eventual candidatura à sexta reeleição consecutiva como chefe de Estado e Governo. Dentro de três meses, ocorrerão os comícios para eleger autoridades municipais. Este será o primeiro passo de um processo que se finalizará em princípios de 2008 com a eleição de governos provinciais e parlamentares, a ante-sala de um novo mandato presidencial. (La Jornada)
COLÔMBIA
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Paramilitares perdem regalias e vão responder por crime comum Beneficiados por lei do presidente Álvaro Uribe, milicianos desmobilizados poderão ser julgados por formação de quadrilha da Redação Os paramilitares de ultradireita da Colômbia e o presidente Álvaro Uribe sofreram um duro golpe no dia 24. A Suprema Corte decidiu que os primeiros deverão ser julgados pelo delito de formação de quadrilha. Atualmente, por meio da Lei de Justiça e Paz, instituída por Uribe, eles respondem apenas por perturbação da ordem pública, considerado um crime político. Alegando que tal medida significaria uma piora em sua situação judicial, vários chefes paramilitares reagiram avisando que suspenderiam a participação no processo de confissões previsto na lei aprovada pelo Congresso em 2003, no primeiro mandato de Uri-
Manifestantes saem às ruas para protestar contra o Tratado de Livre Comércio
Protestos por transparência em plebiscito sobre TLC da Redação Movimentos sociais que se opõem à aprovação de um Tratado de Livre Comércio (TLC) entre Costa Rica e Estados Unidos estão reivindicando garantias eleitorais e realização do plebiscito sobre a questão, marcado para o dia 7 de outubro. A Costa Rica é o primeiro país do continente americano a instituir uma consulta popular para aprovar ou rechaçar o TLC com os EUA. O processo foi uma conquista dos movimentos populares e sindicais do país, que pressionaram o governo pela realização do referendo antes de o acordo entrar em vigor. O TLC já foi assinado pelo presidente anterior, Abel Pacheco, e conta com o apoio do atual, Oscar Arias. Para ele, o acordo vai trazer investimentos externos, criará milhares de empregos e preparará o país para se in-
serir na economia globalizada. Os opositores argumentam que o TLC significará o fim da soberania nacional e beneficiará apenas as transnacionais.
Transparência
Os movimentos anunciam, ainda, uma série de atividades para agosto para deixar clara sua insatisfação com o Tribunal Superior Eleitoral do país. No dia 24, um grupo das chamadas Mulheres de Branco protestou contra o acordo comercial, com mordaças na boca em frente ao Tribunal. A escritora costarriquenha Ana Cristina Rossi declarou que “Eles são parciais e favoráveis ao tratado, então, viemos aqui dizer a eles que queremos garantias de transparência e neutralidade no referendo, senão teremos um ‘frauderendo’”, ironizou a manifestante. Os protestos também se voltaram contra uma medi-
da do Tribunal que proíbe a utilização do espaço das universidades para a realização de atividades para debates sobre o tema. Para Monserrat Sagot, presidente do Conselho Universitário da Universidade da Costa Rica, a decisão desrespeita o artigo 88 da Constituição. As instituições se opõem à assinatura do TLC e tem discutido essa posição nos conselhos universitários. “O TSE não pode supor uma má utilização dos espaços públicos por nós quando as universidades têm sempre sido transparentes e igualmente transparentes estamos sendo ao dizer que somos contrários ao TLC”, argumenta. Nas manifestações também estão presentes setores da Igreja. “Venho aqui porque queremos dignidade, liberdade e entendemos que as merecemos, pois o poder do povo está na dignidade e na liberdade e essa é nossa vocação”. (Prensa Latina)
de, a informação sobre fossas e desaparecidos e paralisaremos o processo de entrega de bens para a reparação das vítimas”, advertiu o porta-voz. Pela Lei de Justiça e Paz, os paramilitares deveriam confessar seus delitos e indenizar suas vítimas. Em troca, ficariam no máximo oito anos presos, enquanto aqueles que não cometeram crimes contra a humanidade seriam soltos. Tal acordo é muito criticado por organizações de direitos humanos e movimentos populares do país. Nos últimos meses, a Colômbia vive um grande escândalo, apelidado de “parapolítica”. Fortes vínculos entre políticos e paramilitares estão sendo descobertos, causando a demissão ou renúncia do cargo de várias pessoas ligadas a Uribe. (La Jornada)
ALA_Creative Commons
Organizações populares agendam manifestações em agosto para exigir neutralidade na consulta popular
be. Este posicionou-se contra a decisão da Suprema Corte, afirmando que o Estado deve cumprir os compromissos estipulados anteriormente. Segundo Antonio López, porta-voz dos paramilitares, a decisão de suspender as confissões conta com o aval dos altos comandos retidos em um presídio de segurança máxima de Itaguí, cerca de 800 quilômetros a noroeste da capital, Bogotá. Ainda de acordo com López, isso não quer dizer que os desmobilizados estejam interrompendo o processo, e sim que a decisão da Corte vai contra a vontade deles de fazer a paz e que cria dificuldades a mais de 30 mil homens que se comprometeram a se desarmar. “Suspenderemos as diligências judiciais do processo de construção da verda-
Nos Estados Unidos, Uribe é cercado por integrantes de grupos de defesa dos direitos humanos
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áfrica
Um petroleiro movido a lenha de Lagos (Nigéria) A NIGÉRIA enfrenta um paradoxo. É o sexto maior produtor mundial de petróleo, mas seus habitantes dependem da madeira para ter combustível. Musa Amiebinomo, funcionário do Departamento de Silvicultura, calcula que, aproximadamente, 70% da população desse país de mais de 140 milhões de habitantes vive em áreas rurais e depende de recursos florestais, especialmente a madeira, para atender suas necessidades domésticas de energia. Isso provoca a destruição das florestas, agravada pelo corte comercial ilegal. O informe “Estado das florestas do mundo”, divulgado em 2005 pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), diz que, entre 1990 e 2005, a Nigéria perdeu 37,5% de suas áreas florestais. O ambientalista Boniface Egboka, decano da Escola de Estudos de Pósgraduação da Universidade de Anambra (um Estado nigeriano), coloca que o uso predominante de lenha como combustível está ligado à crescente corrupção no poder. “A Nigéria ainda depende desse recurso, embora tenhamos gás e petróleo em abundância, porque nossos líderes são fraudulentos e corruptos. Não lhes importa o bem-estar dos habitantes e, portanto, permitem que as árvores sejam cortadas”, revela Egboka. “Não há nenhuma razão para usar lenha. Temos os recursos humanos e financeiros para levar gás às residências. Estamos desmatando toda a zona Norte do país por causa do corte de árvores para serem usadas com combustível”, acrescenta.
Régine Debatty/CC
NIGÉRIA Produção de petróleo e gás natural não é acessível à maioria da população, cuja fonte energética principal é a lenha
Mulher da etnia Urhobo afasta comida de chama provocada por vazamento da Shell em Utorogu, Nigéria
me da FAO, até o momento, só foram cobertos 12,2%. Não existem leis contra o corte de árvores para combustível, salvo em áreas protegidas. O corte de palmeiras, mangueiras e árvores de cacau
Aqueles que desejam usar gás em suas casas estão obrigados a comprar botijões que custam cerca de 21 dólares para uso em seus fogões. No entanto, 70,8% dos nigerianos vivem com menos de um dólar por dia e 92,4% com menos de dois dólares ao dia Desmatamento ilegal
A primeira lei sobre uso das florestas na Nigéria foi aprovada pelas autoridades coloniais britânicas, em 1937, estabelecendo um sistema de reservas florestais que admitia a exploração de determinadas áreas por companhias ou pessoas que tivessem licença para isso. Replantar era a ferramenta prevista para evitar o desmatamento. A política nacional agrícola, adotada em 1988, buscou expandir o uso sustentável dos recursos florestais e expandir as áreas de floresta para 20% do território nacional. Segundo o infor-
está controlado por meio de regulamentações comunais, devido ao seu valor econômico. Mas as leis demonstraram ser impotentes para preservar as florestas da Nigéria. “Há áreas de floresta denominadas zonas prioritárias ou de conservação natural, onde o corte está totalmente proibido. Mas, não se respeita a lei e nada acontece com quem desmata ilegalmente”, critica o coordenador do Centro Regional para o Sistema de Informação e Manejo Ambiental da Universidade de Lagos, Peter Nwilo. Inclusive, mesmo quem tem licença de exploração age ile-
galmente, cortando árvores de todos os tamanhos, incluindo as consideradas muito jovens para o corte. Entretanto, as autoridades que concedem a permissão continuam renovandoas, segundo se diz, por causa dos subornos pagos pelas companhias madeireiras. O presidente da organização não-governamental Fundação de Conservação Florestal de Nigéria, Philip Asiodu, avalia que “não se trata de um problema de ausência de legislação adequada, políticas ou programas, mas, simplesmente, da falta de vontade e disciplina para fazê-las cumprir por parte de uma burocracia corrupta”. Os cortadores ilegais enviam a madeira ao exterior, especialmente para a Ásia. Algumas das toras são vendidas a serrarias locais, que produzem tábuas para fabricantes de móveis e empresas construtoras.
Gás, só para a indústria
O desmatamento é especialmente grave nas zonas central e setentrional do país, o que provocou a erosão e a desertificação do solo. Foi amplamente informado que,
por essa razão, perde-se 350 mil hectares por ano. Qual é a solução apresentada pelo governo? Um anteprojeto governamental, “Visão 2010”, contendo metas de desenvolvimento a serem alcançadas nesse prazo, sugere medidas, entre as quais, estão a proibição das exportações, incentivos para o investimento privado, maior participação comunitária no manejo das florestas e o fomento para reflorestamento de espécies que dêem frutos, resinas ou outros bens de valor econômico para as comunidades. Esse anteprojeto também propõe a promoção e o desenvolvimento de outras fontes de energia que substituam a madeira, como a solar e a eólica, bem como o uso de gás e carvão. Em 1999, as autoridades iniciaram planos para fornecer gás natural para uso comercial e doméstico, mas, até o momento, apenas um punhado de áreas industriais de Lagos foram beneficiadas com essa medida. “Estamos procurando levar gás às indústrias. Os usuários residenciais serão atendidos mais tarde, porque temos de planejar a rede de conexão.
Não há nenhuma razão para usar lenha. Temos os recursos humanos e financeiros para levar gás às residências. Estamos desmatando toda a zona norte do país por causa do corte de árvores para serem usadas com combustível A maioria das zonas residenciais de Lagos não está bem planejada, por isso, fornecer gás para uso doméstico é um pouco complicado”, afirma um funcionário da companhia Gaslink.
Botijão inacessível
Isso significa que aqueles que desejam usar gás em suas casas estão obrigados a comprar botijões que custam cerca de 21 dólares para uso em seus fogões, que podem ser comprados por preços entre 80 dólares e 165 dólares, fora do alcance de muitos. Segundo o Informe de Desenvolvimento Humano 2006, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 70,8% dos nigerianos vivem com menos de um dólar por dia e 92,4% com menos de dois dólares ao dia. “Não lembro quando usei pela últi-
ma vez meu fogão à gás. Ainda tenho dois botijões à espera do dia em que o gás será mais barato”, diz a professora Caroline Akande, que vive em um subúrbio de Lagos. “Agora, uso um fogão que funciona com querosene e outro elétrico, quando há eletricidade”, acrescenta. Devido à falta de medidas efetivas para preservar os recursos florestais da Nigéria, muitas áreas do país podem experimentar o que já viveu a aldeia de Ogori, na província central de Kogi. “Nos anos de 1960, íamos à floresta que rodeava nossa vila para apanhar caracóis ou colocar armadilhas para roedores e outros animais”, afirma o professor John Atere. “Mas, não há mais floresta. Os caracóis e outros animais silvestres desapareceram”, lamenta. (IPS/Envolverde)
ANÁLISE
As grandes manobras: a África na mira do imperialismo Boaventura de Sousa Santos A nova fase da globalização chama-se regionalização. Na Ásia, na África e na América Latina, aprofundam-se os laços de cooperação entre os países com vista a melhor responder aos “desafios globais”. Todos esses movimentos ocorrem sob olhar atento das grandes potências. Nos próximos meses, em antecipação à Cúpula EuropaÁfrica, a África vai estar na mi-
A contenção da China é problemática não só pela força abissal que ela representa – em 2005, a China consumiu 26% do aço e metade do cimento produzido no mundo ra de muitos interesses. A minha suspeita é que nenhum deles seja o interesse das populações africanas injustamente empobrecidas. Temo que, mais uma vez, os desígnios globais se combinem com políticos e polí-
ticas locais no sentido de privarem os povos africanos do direito a um desenvolvimento justo e democraticamente sustentável. No caso da África, a Europa tem uma dívida histórica, decorrente do colonialismo, a qual, para ser paga, obrigaria a uma política africana muito diferente da dos EUA. Para estes, os objetivos estratégicos na África são os seguintes: luta contra o terrorismo, controle do acesso aos recursos naturais e contenção da expansão chinesa. Muitos países do continente (por exemplo, Angola) apóiam ativamente os EUA na luta contra o terrorismo. A crescente importância do golfo da Guiné (Nigéria, Angola, São Tomé e Príncipe) para assegurar o acesso ao petróleo está bem patente na recente criação do Comando da África pelo Pentágono. A contenção da China é mais problemática não só pela força abissal que ela representa – em 2005, a China consumiu 26% do aço e me-
Gabi
Globalização africana: pobreza e refrigerante
tade do cimento produzido em todo o mundo – como pelo fato de se dispor a investir em todos os países que as potências ocidentais rejeitam, do Sudão à Somália. Se a Europa não tiver outros objetivos, em nada poderá contribuir para os problemas que se avizinham. Estes têm a ver com o agravamento da injustiça social e com a recusa das populações a sujeitarem-se ao papel de vítimas. A condenação política de Robert Mugabe não pode deixar de ter em conta que a Inglaterra não cumpriu o compromisso assumido no tratado da independência de co-financiar a reforma agrária do Zimbábue, consciente como estavam as partes de que de 1 a 2% da população (branca) ocupava 90% da terra agrícola e 4 mil agricultores (brancos) consumiam 90% da água disponível para a irrigação. O fato de a situação na África do Sul e na Namíbia não ser muito diferente faz temer pela estabilidade na África Austral. As relações tensas entre Angola e a África do Sul – com
boatos de tentativas cruzadas de assassinatos políticos que não serão totalmente destituídos de fundamento – não são bom prenúncio. Angola destina-se a ser um grande ator na região. Para isso, é fundamental que se não repita nesse país o que está acontecendo na Nigéria, onde a produção de petróleo baixou para metade devido à violência política no delta do Níger, provocada pela injustiça na distribuição da renda petrolífera. Preocupa que, em Angola, não se vislumbre o mínimo gesto de redistribuição social (tipo bolsa-família do Brasil), quando é certo que uma migalha (digamos, o equivalente a um dia dos rendimentos do petróleo) permitiria à população dos musseques (como são chamadas as favelas angolanas) de Luanda comer uma refeição digna por dia durante um ano. Boaventura de Sousa Santos é doutor em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale, nos EUA, e professor catedrático da Universidade de Coimbra (Portugal)
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internacional
Governo vai privatizar empresas
Spensy Pimente/ABr
Marcello Casal Jr./ABr
HAITI Setores da sociedade civil atribuem medida à imposição da receita do FMI e do Banco Mundial
A ADMINISTRAÇÃO do presidente René García Préval e do primeiro-ministro Jacques-Édouard Alexis tomou recentemente algumas decisões que parecem indicar uma mudança decisiva ou, ao menos, importantes reorientações em relação a sua política geral, como, por exemplo, a privatização de certas empresas públicas. As prioridades do atual governo haitiano vêm se articulando em torno das grandes questões da vida nacional: a luta contra a insegurança, a droga e a corrupção; a privatização das empresas estatais, passando pela reforma do Estado; a revisão da atual Constituição; a criação de riquezas e infra-estruturas; a estabilização do marco macroeconômico; e a atração de investimentos. O projeto de privatização de empresas públicas por meio de sua modernização, que o atual governo anunciou no dia 23 de junho, se desenha como a nova prioridade. A privatização das empresas públicas contribuiria para “fazê-las rentáveis e mais competitivas”, segundo manifestou Préval. Mas, se perguntam muitos analistas, a que preço e em proveito de quem? Esse processo de privatização originou uma onda de demissões (de mais de mil funcionárias e funcionários) na Companhia Nacional de Telecomunicações (Teleco), a primeira empresa pública que foi objeto dessa medida governamental. Também provocou intensos debates, reações hostis e tensões no seio da sociedade haitiana.
Corrupção
Ao longo dos primeiros seis meses deste ano, a Polícia Nacional do Haiti (PNH) e os capacetes azuis da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah) realizaram várias intervenções fortes nos bairros considerados perigosos em Porto Príncipe, a capital, e em outras cidades, como Gonaïves (localizada a 171 quilômetros ao norte de Puerto Príncipe), para neutralizar os bandidos. Como resultado, “a criminalidade generalizada baixou em 70%”, segundo o balanço divulgado em 11 de junho pelo primeiro-ministro haitiano, na Câmara dos Deputados. Desde então, as operações conjuntas, que as duas principais forças de segurança do país têm levado a cabo, estão se dirigindo mais
Juan Manuel Herrera OAS/OEA
Wooldy Edson Louidor de Porto Príncipe (Haiti)
No detalhe, René Préval e Jacques-Édouard Alexis, presidente e primeiro-ministro do Haiti; ao lado, o mercado Cité Soleil, em Porto Príncipe
Bons resultados no combate ao narcotráfico dão ao governo de René Preval confiança para colocar em pauta prioridades como a mudança do modelo econômico contra os traficantes de droga, com o apoio da agência estadunidense de luta contra o narcotráfico (Drug Enforcement Agency, DEA). Importantes quantidades de entorpecentes têm sido confiscadas em todo o território haitiano; supostos narcotraficantes muito reconhecidos estão sendo procurados e, segundo recentes declarações do presidente Préval, em uma conferência de imprensa no Palácio Nacional, “serão presos”. O combate aos bandidos armados, os narcotraficantes e a corrupção tem contribuído para criar um clima de segurança “relativo” no país, já que alguns casos de seqüestros, homicídios e violência contra cidadãs e cidadãos seguem acontecendo. Dado esses resultados positivos em matéria de segurança, o atual governo parece recobrar a confiança em si mesmo, assim como da população e da comunidade internacional, de tal modo que agora se está colocando em pauta outras prioridades, relacionadas com o desenvolvimento socioeconômico do país que, assegura Préval, tem sido “contrariado” pela insegurança, a droga e a corrupção.
Empresas públicas
No dia 23 de junho, o presidente haitiano comunicou à opinião pública sua decisão de privatizar, ou melhor, “modernizar” as empresas
Nova orientação ideológica? de Porto Príncipe (Haiti) Embora o governo esteja insistido na necessidade de atrair os investimentos privados, buscando criar um clima de segurança no país e oferecendo um marco macroeconômico estável (estabilidade da taxa de câmbio; luta contra a inflação, a fraude e a evasão fiscal etc.), nunca foi colocada a questão de privatizar as empresas públicas, vendendo-as a grupos privados, confiandolhes sua gestão, ou criando uma parceria público-privada para administrá-las. Ao contrário, em seu programa geral, o governo se propôs como meta organizar e reformar o Estado, o que se supunha que ia reforçá-lo em suas engrenagens administrativas, na gestão de seus bens, de suas empresas e dos serviços que oferece. Cabe perguntar se a administração de René Préval e de Jacques-Édouard Alexis está mudando sua política geral, ou trata de dar-lhe outro conteúdo. A única coisa que fica clara é que várias famílias haitianas, provenientes das camadas populares e da classe média, começam a ser vítimas dessa modificação da política do atual governo. Mais de um analista estima que a sociedade haitiana, mais especificamente as famílias pobres e economicamente vulneráveis, não será nem consultada nem levada em conta na adoção de novas medidas econômicas, através das quais a administração Préval/Alexis está afirmando claramente seu pertencimento à ideologia neoliberal, mais do que à linha dos governos esquerdista da América Latina. (WEL)
públicas com o objetivo de torná-las novamente rentáveis e mais competitivas. A Teleco foi mencionada como a primeira que entraria nesse processo doloroso tanto para os empregados que já foram demitidos quanto para os outros que esperam sua vez. Desde o final de junho até hoje, alguns rumores que circulam através do país fazem crer que outras empresas pú-
blicas, tais como a Escritório Nacional de Seguro de Aposentadoria (ONA, na sigla em francês), a Autoridade Portuária Nacional (APN), Eletricidade de Haiti (EDH), terão o mesmo destino que a Teleco. Tal anúncio provocou a ira de funcionárias e funcionários da Teleco, e suscitou muitas críticas de parte dos especialistas, representantes de partido políticos e de movimentos sociais. Alguns apontam a falta de transparência do governo, que não consultou os setores importantes da vida nacional antes de tomar essa decisão que ameaça afetar consideravelmente o país.
Outros condenam as demissões que foram feitas de uma maneira que julgam “abruptas e precipitadas” e que, de um dia para o outro, jogam ao desemprego todos esses funcionários considerados como “sobras” na empresa nacional de telecomunicações. Outros apontam as conseqüências desastrosas que tal decisão trará para o Estado, “que se debilitará mais”, e para a população, “cujos ingressos e poder de compra já são baixos, e cujo acesso aos serviços sociais básicos são muito limitados”. A opinião comum, que diferentes setores do país com-
partilham cada vez mais, tende a considerar a onda de privatização tão anunciada das empresas públicas como parte da aplicação, pelo governo, do plano econômico (o neoliberalismo) que a comunidade internacional – principalmente as instituições financeiras internacionais como o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) – quer impor ao país sem levar em conta as necessidades reais (a pobreza, a desigualdade de renda, o desemprego etc.) e o bem-estar da população. (Alterpresse – www.alterpresse.org)
IRAQUE
Um em cada três iraquianos sofre crise humanitária, afirmam ONGs No país invadido pelos Estados Unidos e pela Inglaterra em 2003, mais de oito milhões de pessoas vivem com falta de comida, água, saneamento e moradia Spc. Leith Edgar_USARCENT
Igor Ojeda da Redação Pouco mais de quatro anos depois da invasão do Iraque pelos EUA, quase um terço dos iraquianos (oito milhões) necessitam de ajuda humanitária imediatamente. São pessoas que não podem comer o que precisam e que vivem sem fornecimento de água, moradia, saneamento básico etc. São crianças malnutridas e que apresentam dificuldades de aprendizado devido ao medo da violência. São milhões deslocados de suas casas, que hoje sobrevivem de rações de alimentos, quando as recebem. Quase metade da população do país (43%) está abaixo da linha da pobreza absoluta; mais de 50% não têm trabalho, de acordo com algumas estimativas. “A terrível violência no Iraque está mascarando a crise humanitária. A má nutrição entre as crianças cresceu dramaticamente e os serviços básicos, destruídos por anos de guerras e sanções, não conseguem atender às necessidades do povo iraquiano. Muitos iraquianos foram forçados a fugir, seja para outra parte do Iraque, seja para fora. Muitos destes estão vivendo em extrema pobreza”, disse, à imprensa, Jeremy Hobbs, diretor da Oxfam International, autora, em conjunto com uma rede de organizações trabalhando no país, do relatório “Acordando para o Desafio Humanitário no Iraque”, divulgado no dia 30 de julho.
Privação e traumas
Os números apresentados pela pesquisa não deixa dúvida de que o país invadido vive uma crise humanitária grave. De acordo com o estudo, 15% dos iraquianos passam fome, por não terem dinheiro suficiente para comprar comida; 70% vivem sem fornecimento adequado de água (esse percentual era de 50% em 2003, ano da invasão); 28% das crianças estão malnutridas, em comparação com 19% antes de 2003; e 92% das crianças sofrem de problemas com o aprendizado, princi-
Crianças iraquianas disputam doce nas mãos de soldado
Para a Oxfam, o governo iraquiano e o exército de invasão devem assegurar que suas tropas respeitem suas obrigações morais e legais de não causar danos aos civis; o fim do conflito deveria ser a propriedade palmente devido aos traumas psicológicos causados pela violência. Além disso, aproximadamente quatro milhões de pessoas (em sua maioria, mulheres e crianças) foram obrigadas a deixar suas casas. Destas, dois milhões fugiram para países vizinhos, especialmente a Síria e a Jordânia, e são protagonistas da crise de refugiados que cresce mais rapidamente no mundo. Outros dois milhões estão deslocadas dentro do próprio país. Segundo as realizadoras da pesquisa, enquanto existe urgência em uma maior assistência humanitária, o fim do conflito deve ser a prioridade: o governo iraquiano e o exército de invasão devem assegurar que suas tropas respeitem suas obrigações morais e legais de não causar danos aos civis e suas propriedades.
Vítimas civis
De acordo com a organização Iraq Body Count (IBC, Contador de Corpos do Iraque), pelo menos 68 mil civis morreram no país do Oriente Médio como conseqüência de sua invasão por parte da coalizão liderada por EUA e Inglaterra. Apesar de ser uma das fontes mais confiáveis de dados sobre o conflito, a entidade contabiliza apenas os relatos de mortes publicados em veículos de mídia na internet. Ou seja, é bem provável que tal número seja subestimado. A revista médica britânica The Lancet, por exemplo, lançou, em outubro do ano passado, um estudo baseado em uma pesquisa por amostragem com 1849 famílias de 18 regiões do país. Estimou em mais de 650 mil iraquianos mortos devido à invasão.
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cultura
Os dez anos de um teatro na contramão
Fotos: Lenise Pinheiro e Denis Rodrigues
A partir do canto inferior esquerdo, cenas dos espetáculos Auto dos Bons Tratos, Ensaios Para Danton, Equívocos Selecionados e O Círculo de Giz Caucasiano; à direita, na vertical,outro momento de Ensaios
Dafne Melo da Redação O GRUPO teatral Companhia do Latão completa seus primeiros dez anos. O momento não é apenas de comemoração, mas também de reflexão. “O projeto Companhia do Latão 10 anos nasceu de uma necessidade comum a qualquer grupo que tenha a intenção de seguir adiante com seu trabalho: somente a reflexão crítica sobre a própria trajetória em relação ao contexto histórico permite a renovação de seu trabalho artístico”, descreve o material de divulgação do grupo. Nos próximos meses serão feitas exibições de vídeos e fotos. Dois livros serão lançados pela editora Cosac Naïfy, reunindo parte da produção ficcional e teórica do grupo. Outra grande conquista é o estabelecimento de sede que tem como objetivo criar um espaço de atividades e de integração com outros grupos sociais. Acompanhando essas atividades, ocorrerá a reestréia de “O Círculo de Giz Caucasiano”, de Bertolt Brecht, em São Paulo. Em entrevista, o diretor do Latão, Sérgio de Carvalho, comenta a caminhada que já reúne onze peças encenadas. Brasil de Fato – Como tem sido trabalhar nesses dez anos em um contexto de comercialização das artes cênicas? Sérgio Carvalho – Eu acho que qualquer artista que vive na sociedade capitalista vive uma contradição, ou seja, querer produzir algo que vai contra a lógica da mercadoria, algo que é inventivo, livre, que tenta não ser alienado, que tenta celebrar a vida. Isso dentro de uma sociedade em que a estrutura básica produtiva é justamente o contrário desse horizonte, baseada na repetição, uniformidade, na fórmula do acerto e, ao mesmo tempo, na necessidade de compra e venda do que se produz. É necessário vender e botar para circular no mercado. Essa é uma contradição muito difícil para o artista. Ao longo dos 10 anos da Companhia do Latão, descobri que o trabalho de contramão, a tentativa de estar na contramão é também tentar ir contra o padrão dominante do aparelho produtivo. E essa luta se dá em vários níveis; um diz respeito aos te-
mas. A representação burguesa representa a ideologia burguesa. Então, procuramos temas que não sejam convencionais do ponto de vista das classes dominantes. Mas não são só os temas. Temos que procurar formas diferentes, mais inventivas e menos parecidas com essas que se vê nas novelas, nos jornais. Outro ponto é buscar uma estrutura de trabalho que não seja apenas baseada na compra e venda. Ao longo desses 10 anos, sempre tentamos agir nas brechas desse aparelho, criando sistemas alternativos, buscando contatos com outros grupos sociais. Mas sem fingir que estamos fora disso, porque nós vivemos de compra e venda também, pois o teatro é o nosso trabalho. Não podemos fingir que não é contraditório, mas o risco é justamente assumir o contrário, a contradição. Vocês descrevem as montagens de vocês como “peças-processo”. Por quê? O mercado tem maior dificuldade de entender essa idéia de processo. Algo que não está acabado, algo que está incompleto, que precisa ser construído, que não se copia. Um processo é único, não tem dois. Chamamos a primeira peça de Ensaio (para Danton) também por causa disso. Não era para fazer só meta-linguagem, era para dizer que aquilo ali não estava acabado. É como a peça apresentada pelo pessoal do MST (ver matéria abaixo) que está em aberto, porque se trata de algo que não se resolveu. O professor José Antônio Pasta Júnior afirmou que vocês têm um olho na história do capitalismo e outro na formação do Brasil. A professora Iná Camargo Costa diz que vocês assumem o ponto de vista do conjunto da classe trabalhadora. Como você avalia essas falas? Tentamos lidar com a tradição crítica brasileira mais importante, e também avançar em relação a ela. Acho que o debate ontem não traduziu o quanto avançamos em relação àquela crítica, mas apenas se ateve ao quanto dialogamos com essas teorias. A verdade é que dialogamos com os sociólogos mais interessantes, lemos e gostamos, e não temos
problema em assumir essa tradição. Só que o Latão não faz sociologia, faz arte, e arte interessante, viva, radical. Isso os críticos não conseguem ler direito: esse lado avançado da produção artística, lado que tem a ver com a experimentação, com um ponto de vista não dominante do imaginário, isso que a Iná reconhece e que tem a ver com representar de forma diferente. E é por isso temos sempre que criticar a representação. Nesse contexto, acho que o Latão teve um trabalho importante de referência para outros grupos que tentam caminhos diferentes. Acabou sendo uma marca dentro de um teatro crítico e de uma representação crítica. E não ficamos presos ao circuito teatral, buscamos diálogo não só com movimentos sociais, mas também com artistas de outras áreas, pessoas que não estão fazendo arte apenas para vender. O Latão, no início, era um grupo de teatro e de pesquisa, visto por gente de teatro. Daí, houve um momento em que começamos a dialogar com outras pessoas. Os sociólogos, intelectuais e representantes de movimentos sociais começaram a aparecer. E percebemos que era muito mais interessante dialogar com gente de todo tipo do que apenas com pessoas do meio, artistas. Isso renovou o grupo, nos trabalhos seguintes, quando falamos de luta de classes, quando colocamos o olhar do trabalhador em cena. Quando foi a mudança, em que momento o grupo conseguiu ampliar seu público? Foi quando encenamos “Santa Joana dos Matadouros” que trouxe um público diferente para nossas peças. Tudo bem que era um texto do Brecht, mas não foi só por esse motivo, mas também graças à radicalidade da peça, que ia para o confronto direto, tanto no aspecto formal quanto no temático. Houve certa rejeição dos meios artísticos – achavam a peça posicionada demais. Mas foi a peça que trouxe um outro público, enorme e de outro tipo para a gente. Foi a primeira vez que tivemos presença de lideranças religiosas de esquerda ou do MST, por exemplo. Essa peça abriu um mundo para nosso grupo.
Arquivo
ARTES CÊNICAS Companhia do Latão comemora seu décimo aniversário, inaugura sua sede em São Paulo e reestréia “O Círculo de Giz Caucasiano”, de Bertolt Brecht
Quem é Sérgio de Carvalho, diretor da Companhia do Latão, possui graduação em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero; mestrado em Artes Cênicas pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e doutorado em Literatura Brasileira também pela USP. Foi professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e atualmente leciona no Departamento de Artes Cênicas da USP.
Como se dá o diálogo com Bertolt Brecht? Brecht foi um modelo desde o início. Como todo modelo, precisa ser repensado. O próprio Brecht exige que ele seja atualizado, reinventado, pensado a partir de seus processos e não dos seus resultados. Se você for copiar as fórmulas do Brecht, você fracassa. Tem que imitar nele a radicalidade estética na perspectiva anti-capitalista. Perguntar: o que é, hoje, uma arte anticapitalista? Essa é a pergunta que está na origem do teatro do Brecht. Como fazer uma arte que vai contra a naturalização da vida? Que cria um olhar histórico, ativador e contra o fatalismo? Se você se faz hoje, essas perguntas que Brecht se fez no passado, você vai descobrir outros modos de se trabalhar no presente. Então, ele é uma espécie de modelo fundamental do Latão, mas nós modificamos a técnica brechtiana conforme as necessidades. É um tratamento muito livre de Brecht, e acho que isso é que dá força para a forma como nos apropriamos das suas idéias. No início deste ano, houve algo que me causou muita alegria: dei uma palestra na Casa de Brecht, em Berlim. E falei justamente dessa modificação do método brechtiano. Qualquer grupo que trabalha com Brecht deve usálo como ferramenta e não como algo acabado.
Filhos da Mãe... Terra inaugura o novo espaço da Companhia do Latão A montagem de “Posseiros e Fazendeiros”, a primeira do grupo Filhos da Mãe... Terra, ainda não tem fim. A peça parte do texto “Horácios e Curiácios”, de Bertolt Brecht, e retrata a polarização entre agronegócio e trabalhadores rurais, e o conflito por disputas de terras no Brasil. Conflito que, como o final do espetáculo, ainda está em aberto. “Quem sabe quando fizermos a reforma agrária, terminamos a peça”, ironiza Douglas Estevam, do Coletivo Nacional de Cultura do MST. A encenação marcou o batismo do recém-inaugurado espaço da Companhia do Latão, em São Paulo. Sérgio de Carvalho conta que um dos objetivos da Companhia, ao adquirir um espaço fixo, é intensificar o intercâmbio e parcerias com movimentos sociais.
Parceria desde 2003
Essa não foi a primeira colaboração entre o grupo formado em 2003 no assentamento Carlos Lamarca, em Sarapuí (SP), e o Latão. Este, em “O Círculo de Giz Caucasiano”, com reestréia marcada para agosto (ver box), chamou o grupo do MST para fazer o prólogo do espetáculo, exibido em um vídeo antes das sessões. Maria Aparecida da Silva, do Filhos da Mãe... Terra, conta: “O Latão foi ao assentamento. De início, queriam montar o prólogo tal como foi escrito por Brecht. Mas, a partir da conversa com o grupo, decidimos fazer, e fizemos, algo baseado em nossa realidade. Isso acabou valorizando ainda mais o texto original”.
O grupo Filhos da Mãe... Terra conta hoje com 12 integrantes, com idades entre 13 e 36 anos. “O contato com o teatro surgiu da necessidade de organização da juventude no assentamento. Quando estávamos acampados, tínhamos um grupo de jovens que sempre fazia discussões. Em alguns momentos, nos dividíamos em grupos menores e fazíamos improvisações teatrais. Quando nos tornamos assentamento, com distribuição de lotes, houve um distanciamento. Daí, o teatro foi um elemento-chave para reorganizar a juventude do Carlos Lamarca”, explica Maria. No início, era tudo bem amador. Com tempo, surgiu a necessidade de se apropriar das técnicas. “Na sociedade, de uma forma geral, existe essa coisa de que quem está nesse meio nasceu com um dom, dom de atriz, de diretor, de cineasta, e nós tentamos, aos poucos, quebrar isso, mostrando que qualquer um pode fazer. Claro que temos que nos apropriar da técnica e por isso é importante esse diálogo com o Latão”. Maria também conta que o trabalho com as artes cênicas se tornou um importante instrumento de formação política para o grupo. “Tínhamos dificuldades, no início, com a diferença de idade. Mas era necessário que todos entendessem o conteúdo da peça. Todo mundo entende o que é o agronegócio? Todos sabem do que estamos falando? Então, conversamos, estudamos a peça. E aí ela acaba virando um espaço de formação”, completa.
Serviço Estúdio do Latão Rua Harmonia, 931 Vila Madalena São Paulo-SP Fone: (11) 3814.1905 latao.teatro@uol.com.br Círculo de Giz Caucasiano Em cartaz durante todo mês
de agosto, a partir do dia 4. Sex. e sáb. às 21h/ dom. às 20h. R$ 20 reais (inteira). Local: Teatro da Universidade de São Paulo (Tusp), Rua Maria Antônia, 294 Consolação – São Paulo-SP. Fone: (11) 3255.7182.
Veja a programação completa do Projeto Companhia do Latão 10 anos na página www.companhiadolatao.com.br