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Circulação Nacional

Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 5 • Número 232

São Paulo, de 9 a 15 de agosto de 2007

R$ 2,00 www.brasildefato.com.br

A quem interessam as agências reguladoras

Fazer greve já é proibido no governo tucano de José Serra Em represália à greve dos metroviários, o governador de São Paulo, José Serra, ordenou a demissão de 61 funcionários da Companhia do Metropolitano (Metrô). É a segunda vez, em sete meses de mandato, que Serra reage com truculência em relação aos metroviários. Em abril, após uma paralisação, cinco dirigentes do sindicato foram demitidos. Para Altamiro Borges, o tucano tenta mostrar pulso firme para setores da direita, a fim de se cacifar como candidato à Presidência da República em 2010. Pág. 5

O acidente com o vôo da TAM renovou as discussões sobre o papel das agências reguladoras no Brasil. Seus criadores agora querem a demissão dos diretores da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que, para eles, são os principais culpados pelo caos aéreo. As agências foram criadas no governo de Fernando Henrique Cardoso para legitimar as privatizações. Com autonomia, ou seja,

sua diretoria não pode ser demitida, seriam responsáveis por fiscalizar as empresas que oferecem os serviços, antes, públicos. Entretanto, o papel dessas agências tem sido o de garantir o cumprimento dos contratos e os lucros das empresas, em detrimento dos direitos da população. Agora, o Congresso discute um projeto que propõe uma espécie de Lei Geral das Agências Reguladoras. Pág. 3 Wilson Dias/ABr

Rio 2007: o “legado” do PAN será privatizado O 15º Jogos Pan-Americanos terminou, mas o tão falado “legado social” para a parte mais pobre da população carioca não foi a melhoria do atendimento hospitalar, da qualidade das escolas para jovens ou da infra-estrutura de transportes coletivos. Grande parte das instalações do PAN, que custaram cerca

de R$ 3,5 bilhões aos cofres públicos, será privatizada. Os apartamentos da Vila PanAmericana, por exemplo, construídos com recursos do FAT, serão vendidos à classe média por, no mínimo, R$ 120 mil. Ou seja, além de não reduzir o deficit habitacional, eleva a especulação imobiliária. Pág. 8

Bush prepara comando militar para a África Relegado a segundo plano nas preocupações militares, políticas e econômicas, o continente africano começa a receber maior atenção por parte dos EUA. Esse país prepara a implementação, para setembro de 2008, de um comando militar exclusivo para a região: o Comando

Reprodução

Elite raivosa contra Lula Em protesto convocado pela internet, manifestantes foram às ruas de São Paulo, para pedir o impeachment do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dentre os cartazes, lia-se frases como

O Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) propôs uma moção à sua diretoria pedindo que a entidade ingresse na Justiça contra o governo dos Estados Unidos e em favor da família do ex-presidente João Goulart. A ação busca reparar danos causados pelo apoio que o país prestou aos golpistas que depuseram Jango em abril de 1964, trazendo conseqüências aos jornalistas brasileiros e ao povo de um modo geral. Recentemente, foram descobertos documentos nos quais o ex-embaixador estadunidense no Brasil, Lincoln Gordon, evidencia que a CIA ajudou a preparar o golpe. Pág. 6

lação partidária e que seu objetivo é apenas protestar contra o caos aéreo e a corrupção. No entanto, o agrupamento é acusado de fazer política em cima da tragédia com o vôo da TAM. Pág. 4

blog.cansei.com.br_OAB-SP

ABI quer que os EUA paguem pelo golpe de 1964

“Somos a elite decente” e “Queremos nosso Brasil de volta”. Entre os 2 mil participantes, algumas organizações de extrema direita. O grupo que convocou o “Fora Lula” afirma não ter vincu-

MC2 Anthony Dallas

Financiados com dinheiro destinado para projetos populares, os apartamentos da Vila Olímpica são vendidos por até R$ 400 mil

Africano (Africom). Para especialistas, o principal objetivo é garantir o acesso a recursos naturais como petróleo, minérios, água doce e biodiversidade, e se contrapor à forte presença chinesa. O Africom prevê, se necessário, intervenções militares. Pág. 9

Lançamento da Campanha Cansei, que reuniu a OAB-SP e empresários

Soldado estadunidense treina marinheiro angolano Reprodução

Caparaó tem sua história resgatada A guerrilha de Caparaó, primeiro enfrentamento armado contra a ditadura, tem sua história contada em livro por José Caldas Costa que, aos sete anos, viu os blindados do Exército desfilarem pela pequena cidade de Alegre (ES). O documentário “Caparaó” do cineasta Flávio Frederico , ganhou prêmio no festival “É Tudo Verdade”. Pág. 12

Campanha A Vale é Nossa prepara plebiscito Um caderno especial encartado nesta edição do Brasil de Fato destaca a convocação para o plebiscito popular que os movimentos sociais realizarão entre os dias 1º e 7 de setembro para que o povo brasileiro possa pedir a anulação da privatização da Companhia Vale do Rio Doce. O Brasil é uma das maiores potências minerais do mundo e a Vale é a grande

controladora dessa riqueza. Segunda maior empresa nacional, atrás apenas da Petrobras, ela é uma empresa estratégica para qualquer projeto que envolva o desenvolvimento nacional. Saiba mais sobre esse patrimônio, entregue ao capital privado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 1997, e como participar dessa luta. Edição especial


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de 9 a 15 de agosto de 2007

editorial

Ódio contra os pobres marca a última semana EM SÃO Paulo, tucanos lançam balão de ensaio para a Reforma Trabalhista e “dondocas cansadas” soltam a franga, enquanto no Rio o novo esporte das granfinas e granfinos é o “ovo ao pobre”. Ao mesmo tempo, fora das casernas e sem tropas, coronéis de pijama esbravejam via internet, desrespeitando impunemente a República e agredindo o seu presidente. Pelo visto, é hora de o novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, colocar outra vez o capacete de bombeiro e apagar esse fogo – é a defesa civil. O parágrafo de abertura deste editorial pode parecer uma composição do ministro da Cultura, Gilberto Gil, na sua fase mais radical do Tropicalismo – isto é, muito antes de ceder suas músicas para propagandas da Aracruz e do Banco Itaú. Mas, como dizia um velho humorista brasileiro, “as aparências enganam”. A verdade é que aquele parágrafo apenas se esforça por fazer uma pequena resenha, um pequeno resumo da última semana nas terras de Pindorama. Vejamos: Quem esteve atento para os movimentos do governador de São Paulo, o tucano José Serra, não terá qualquer dúvida sobre o que pretende o seu partido (PSDB) da Reforma Trabalhista. Na segunda-feira, 6 de agosto, o governador ordenou à Companhia do Metropolitano de São Paulo que demitisse 61 trabalhadores da empresa, três dias após o final da greve que teve a adesão de 90% da categoria. No primeiro dia

debate

O desprezo contra os pobres é perigoso caldo de cultura para o desenvolvimento de programas de cunho fascistóide, cujo primeiro passo é a disputa da chamada “classe média” da paralização, 2 de agosto, o Tribunal Regional do Trabalho já havia aplicado uma multa de R$ 100 mil contra o Sindicato dos Metroviários. O crime desses trabalhadores foi exigir que a empresa cumprisse o pagamento das Participação nos Resultados (PR). O fato torna-se ainda mais grave neste momento em que o Governo Federal dá mostras de que pretende elaborar uma lei que restringe o direito de greve. Certamente o governador paulista ainda não conseguiu se livrar do “vanguardismo” que professou nos anos de 1960, e tentou sair na frente do Planalto, visando fazer bonito para a platéia de direita que se agita pelas avenidas da capital do Estado e via internet: 2010 na mira. De todo modo, frente a esse quadro e à apatia da maioria dos sindicatos urbanos, não há como não lembrar um velho cartaz do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, da primeira metade dos anos de 1980, com a palavra de ordem “Acorda peão”, e a imagem de um laço de forca. Mas enquanto o peão não acorda, setores da elite paulistana vão às ruas – um setor que se autodenomina “a elite decente”, conforme afirmava um dos cartazes da passeata que reuniu duas mil pessoas nas ruas da

capital. É o movimento conhecido pelo nome fantasia “Cansei”, liderado pelo empresário João Dória Jr. e entidades patronais, reunindo elementos de organizações como “Endireita Brasil”, “O Dia da Grande Vaia Nacional” e a “Liga das Senhoras Católicas”, que, em 1964, já nos brindou com suas “marchadeiras”. O grupo afirma não ter vinculação partidária, e os manifestantes carregavam cartazes com dizeres do tipo “Impeachment já”, “Queremos o nosso Brasil de volta”. A manifestação foi convocada nacionalmente, mas nas demais capitais onde aconteceu, nunca reuniu mais que um punhado de gatos pingados. O desprezo e ódio pelos pobres, nem sempre revelados nos cartazes e disfarçados nos porta-vozes oficiais, não conseguiam se conter nos lábios dos mais afoitos. Alguns não hesitavam em exprimir sua revolta contra “esse governo (...) de programas que dão dinheiro para quem não quer trabalhar” (Bolsa Família) e a grande aspiração de ter um presidente que tenha “estudos, e não um homem que não saiba falar direito”. O desprezo e ódio contra os pobres não é novidade na elite brasileira, que parece até hoje cultivar grande nostalgia no que diz respeito à escravidão. O problema maior, po-

rém, é que esse ódio e esse desprezo praticado costumeiramente com alguma discrição, agora vai às ruas, se escancara, se faz bandeira, desafia qualquer princípio democrático ou republicano – para nos determos na esfera do possível. Durante os últimos dias, um vídeo divulgado na página da internet youtube (www.youtube.com.br) – aquela mesma que colocou no ar a modelo Daniela Cicarelli numa cena de intercurso sodômico com seu namorado – dá conta do novo esporte praticado por “celebridades” e socialaites cariocas: “ovo ao pobre”. Entre essas figuras, estão o senhor “Boninho” (diretor do Big Brother Brasil) e a senhora Narcisa Tamborindeguy, de profissão desconhecida e irmã da deputada estadual Alice Tamborindeguy (PSDB-RJ). O diretor da TV Globo dá receitas de como fazer apodrecer ovos e afirma: “Já acertei muita vagabunda em São Paulo”. A senhora Tamborindeguy, há um par de anos, já havia dado uma entrevista no “Programa do Jô” sobre esse seu “esporte”, quando explicava – para a alegria do titular do programa – como costumava acertar os garçons do hotel Copacabana Palace. Desde então nenhuma autoridade tomou qualquer atitude frente a essa delinqüência que, pelo visto, prosperou.

opinião

Emir Sader

A nova direita (e como derrotá-la) EXISTE UMA nova esquerda na América Latina de que o processo bolivariano de Hugo Chávez na Venezuela, o MAS e o governo de Evo Morales na Bolívia, o governo de Rafael Correa, a Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba) são algumas das suas expressões mais desenvolvidas e significativas. O movimento que se agrupa em torno da candidatura de Fernando Lugo, no Paraguai, se candidata a incorporar-se a essa lista. Há governos progressistas que são igualmente vítimas dessa nova direita. Sua fisionomia passa pela assunção dos valores liberais e neoliberais: livre comércio, modelo estadunidense de sociedade, elogio da empresa privada e do mercado, crítica do Estado como regulador, das políticas redistributivas, apologia da midia oligopólica como critério de liberdade e de democracia. Ataques furibundos, desqualificadores da esquerda, do socialismo, a qualquer papel regulador ao Estado, do igualitarismo, a políticas de afirmação de direitos, do Sul do mundo à América Latina em particular, dos partidos aos movimentos sociais. Uma das características dessa nova direita é que se apóia fortemente no monopólio privado dos meios de comunicação, que dá as pautas e a orientação ideológica. No Brasil, a Folha de S. Paulo, O Globo, O Estado de S. Paulo e a Veja são seus representantes mais evidentes. Todas empresas oligopólicas, de propriedade familiar, em que os filhos sucedem automaticamente aos pais na direção dos jornais, como se fossem fazendas ou heranças de casas. Todas comprometidas com o golpe militar de 1964 que destruiu a democracia e cometeu os maiores crimes contra o povo brasileiro. Desqualificar o que consideram governos ou candidatos que não se submeteriam a seus interesses – que podem ser um índio, um militar, uma mulher, um operário – é uma forma de defesa do seu lema fundamental: “civilização ou barbárie”, em que eles se apropriam do que consideram ser civilizado e rejeitam todos os outros como representantes da barbárie. O instrumento mais reiterado na sua luta por impor seus interesses está na desqualificação dos governos, da política, do Estado, dos partidos, de todas as formas de ação coletiva e organizada de caráter popular. Por isso, apoiaram tão generalizadamente governos como os de Menem, Fujimori, FHC, entre outros, que faziam justamente isso: privatizavam para debilitar o Estado, atacavam os movimentos sociais, desqualificavam os partidos, promoviam a dominação direta da economia sobre a política.

Flerte com o golpismo Comum à imprensa escrita, radial e televisiva dessa nova internacional da direita é o ataque desqualificador a governos como os de Evo Morales, de Hugo Chavez, de Rafael Correa, mas também

aos de Lula, de Kirchner, com uma intolerância que beira ao golpismo. Tentam promover uma irritação, explorando expressões do tipo “basta”, “cansei” ou outras afins, que levam ao pedido de soluções autoritárias ao que seria uma crise moral, uma ferida, que deveria ser extirpada por intervenção cirúrgica – numa atualização da Doutrina de Segurança Nacional, que orientou as ditaduras do terror no continente –, que dispensaria vitória eleitoral, porque se apoiaria num sentimento de indignação supostamente majoritário da população. Precisam de governos e parlamento fracos, do enfraquecimento do sistema político, dos partidos, para impor os grandes interesses econômicos privados sobre o Estado. Quando atacam os governos, os Parlamentos eleitos pelo povo, desqualificam o povo. Se dispõem do monopólio da mídia, têm que entender que a opinião média da população é fortemente influenciada pela mídia. Ou são incompetentes ou o povo não aceita a influência de seus programas informativos totalmente partidarizados, de seus comentaristas e programas de entrevistas que refletem suas visões elitistas do país, da sua programação – esta sim – populista, de baixíssimo nível cultural e educativo. São minoritários, como eram – segundo as pesquisas de opinião só reveladas recentemente – no clima prévio ao golpe de 1964, em que estiveram envolvidos todos esses meios de comunicação. São minoritários, segundo a maior pesquisa nacional e a mais direta, que envolve não uma amostra, mas a totalidade dos cidadãos – a eleição presidencial feita há 8 meses.

Lições de 2006 No entanto, dá a impressão de que nada disso aconteceu, nem que o povo se pronunciou contra a oposição, nem que o governo venceu. Que lições o governo tirou do longo processo da campanha opositora, que o desestabilizou profundamente, que quase levou a seu final, mas que terminou com uma recuperação eleitoral e com a reeleição de Lula?

A primeira lição deveria ser a de que, quando Lula assumiu uma atitude concreta de denunciar a direita e suas políticas – em que as privatizações estiveram no centro –, conseguiu o apoio popular que lhe delegou este segundo mandato. Ele soube reconhecer – ainda que contraditoriamente – ao dizer no discurso da vitória de que o seu é um governo para os pobres. Contraditoriamente porque reconheceu que, paradoxalmente, nunca os ricos ganharam tanto. Se a economia cresceu pouco – e segue assim –, setores médios perderam para que os pobres ganhassem, em vez da penalização dos mais ricos. A segunda é a de que a nova direita, o centro da oposição, está no monopólio privado da mídia, cuja persistência impede a possibilidade de formação democrática da opinião pública. Que, sem democratização da mídia, não haverá democracia. Em terceiro lugar, que foram principalmente as políticas de democratização social as que responderam pela vitória do governo e pela derrota da oposição. Mas essas imensas camadas populares estão submetidas à influência ideológica da maciça campanha da oposição por meio da mídia. Além de que esses setores populares majoritários não estão organizados, não têm condições de expressar politicamente sua opinião, nem de defender suas conquistas, caso atentem contra elas. A organização destes setores é responsabilidade fundamental do PT e do governo, se a esquerda quer evitar retrocessos e, ao contrário, consolidar os avanços e construir um Brasil pós-neoliberal. Para isso, é indispensável dar continuidade à vitória de novembro de 2006 e, ao contrário do que tem sido a atitude principal do governo até aqui, apontar os adversários fundamentais da democratização econômica, social, política e cultural, lutar contra eles e construir a força popular, política e ideológica para derrotar a direita e afirmar a hegemonia da esquerda. Emir Sader é sociólogo

O desprezo e ódio contra os pobres são perigoso caldo de cultura para o desenvolvimento de programas de cunho fascistóide, cujo primeiro passo é a disputa da chamada “classe média”. A situação se agrava se lembramos que os sites da extrema direita vêm dia a dia radicalizando em sua velha arenga golpista. Um deles – o Terrorismo Nunca Mais (Ternuma) – fez circular esta semana um artigo assinado pelo coronel reformado Paulo Carvalho Espíndola, texto altamente agressivo e desrespeitoso à figura do presidente da República, no qual o menos ofensivo é o refrão “Cale a boca, Lula, abaixe suas zurêias” (orelhas) – referindo-se à declaração presidencial de que tinha duas orelhas, uma para ouvir os aplausos e outra para as vaias. É frente a esse quadro que se espera que o novo ministro da Defesa, alçado ao cargo com pompa e circunstância, a ponto de arrefecer e quase zerar com o simples anúncio do seu nome a grita em torno do “apagão aéreo”; o novo ministro da Defesa que tem boas relações com os militares (dos quais agora é o chefe); que circula bem entre os maiores partidos do país, a ponto de ser apontado pela mídia conservadora como um presumível sucessor do atual presidente em 2010, que use todo o seu cacife para colocar as coisas em seus devidos lugares e, sobretudo, defender a legalidade constitucional.

Silvia Beatriz Adoue

O dragão da maldade contra o santo guerreiro DO TOPO da colina, o acampamento ia se desenhando aos poucos perante o olhar surpreso de Glauber, na medida em que avançava na sua direção e a névoa ia ficando fraquinha até desaparecer. Por trás dessa cortina esfumaçada, foi vislumbrando a grande tenda branca erguida bem no centro e as tendas pretas, menores, as flâmulas vermelhas se agitando na brisa da madrugada. No canto esquerdo, uma fumacinha se alçava regularmente de uma tenda de teto branco e laterais pretas. Toda essa composição emoldurada por triângulos à direita e à esquerda e uma faixa de um verde uniforme, que se perdia no horizonte, definido por um azul escandaloso. Quando a névoa, por fim, se esvaiu, Glauber viu o movimento do acampamento acordando, não do sono, mas de uma vigília atenta. Cavaleiros a cavalo e a pé se deslocando entre as tendas, carroças repletas de mantimentos e o gesto demorado, quase suspenso, dos homens descarregando sob o olhar atento de Geralda, entre séria e maternal, na tenda onde a fumacinha se impunha bem cheirosa, cada vez mais firme e definida, sem precisar disputar com o sereno o seu primado. De mais perto, Glauber podia distinguir as figuras e o conjunto. Então seus olhos se encheram de emoção e seu coração disparou. Sobre aquele retângulo, até ontem de um estúpido verde sem qualquer nuance, agora se agitava um quadro multicolor. Donzelas de braço dado cruzavam o retábulo cochichando entre risos. Trovadores animavam rodas de música e dança, ao som dos pandeiros, tambores e cordas vibrantes, espalhando melodias pelo acampamento e, para além, ao encontro dos ouvidos encantados de Glauber. Uma carroça passou, e ele se viu a si mesmo alçado para o banco da frente, junto ao condutor, melhorando a perspectiva. Bruna, menina de olhar grave de cor de mel, seguiu a trajetória da carroça entrando no acampamento com um sorriso apenas esboçado, que mais parecia um convite do que um cumprimento. Ela correu para uma roda onde Estrela entrefechava os olhos com delicadeza e alçava o rosto dourado, se deleitando com a música, e a bela Rafaela marcava o ritmo com as palmas de gestos de andorinha. Então, Glauber pulou da carroça e correu também para a roda se incorporando à dança da terra sem senhores. Foi assim como, com seus sete anos e olhar inteligente, Glauber entrou na Fazenda Barra II, junto ao assentamento Mário Lago, em Ribeirão Preto. Os 800 hectares foram ocupadas no dia 24 de julho, na véspera do Dia do Trabalhador Rural. O menino chegou da mão da sua avó, já assentada, e entrou como quem entra numa festa: “Esta terra agora é nossa”. A epopéia viva dos homens e mulheres feitos que, nas noites, ao lado das crianças e longe da televisão, à luz da lamparina de semente de mamona, ouvem narrativas do tempo que virá e não duvidam em trazê-lo para o presente. Na terça-feira, dia 31 de julho, Glauber viu chegar os homens cinzentos nos seus cavalos de metal. Eles eram o anúncio do Dragão da Maldade, que chegava pelo céu ameaçando cuspir fogo sobre a grande tenda branca, querendo derrubar as flâmulas bem no topo. Os primeiros a vê-lo foram o Olaf, embornal em bandoleira, afinando o olhar dirigido ao horizonte, e Jorge, o cavaleiro vermelho, postado na entrada do acampamento. Mas foi Isolda, cabelo loiro ao vento, quem levantou o punho e bradou um alerta. O Dragão se impôs, por enquanto. Os homens cinzentos cavaram uma vala para que o verde uniforme permaneça intocado. As crianças continuam ouvindo, junto às lamparinas de semente de mamona, relatos de um futuro em que os carros importados virarão abóbora e mandioca e banana para o povo comer. Silvia Beatriz Adoue é mestre em Integração na América Latina, pelo PROLAM-USP, doutoranda em Literatura Hispano-americana, pela FFLCH (USP), e professora do curso de Letras do Ceuclar

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Jorge Pereira Filho, Marcelo Netto Rodrigues • Subeditor: Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Igor Ojeda, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), Gilberto Travesso, Jesus Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Aldo Gama, Kipper, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Salvador José Soares • Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alípio Freire, Altamiro Borges, Antonio David, César Sanson, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, João Pedro Baresi, Kenarik Boujikian Felippe, Leandro Spezia, Luiz Antonio Magalhães, Luiz Bassegio, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Milton Viário, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Temístocles Marcelos, Valério Arcary • Assinaturas: (11) 2131- 0812/ 2131-0808 ou assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar: (11) 2131-0815


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brasil

POLÍTICA Projeto no Congresso quer regulamentar o papel desses organismos sem, no entanto, questionar a autonomia em relação ao poder político Mayrá Lima de Brasília (DF) A CRISE do setor aéreo deu novo combustível para a discussão sobre as agências reguladoras no Congresso Nacional. O gancho para a retomada desse debate são as críticas de que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) foi incapaz de regular a atividade no país, preservando o interesse e a segurança dos usuários do sistema. Para o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), há uma contradição em alguns dos grupos políticos que, agora, criticam a Anac, uma vez que os parlamentares ligados ao PSDB e ao DEM (ex-PFL) foram os maiores defensores da “autonomia” das agências reguladoras – como, por exemplo, da impossibilidade de o presidente da República demitir seus diretores. “O Estado deveria ter o poder de mudar diretores assim como determinar quem vai conduzir. Dessa forma, o Estado bancaria o risco. A oposição de direita quer culpar a Anac como se fosse um órgão do governo, mas a agência teoricamente é independente. Então, é melhor que seja dependente e assuma os riscos”, defende. No entanto, esse não é o caminho dos debates na Câmara dos Deputados. Integrantes da CPI do Apagão Aéreo

recuperaram a proposta relatada pelo deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), em tramitação há três anos. Segundo o relator da CPI, deputado Marco Maia (PT-RS), o tema vai entrar na pauta da Câmara neste semestre. “O presidente Arlindo Chinaglia (PTSP) já afirmou que quer tratar desse assunto e melhorar o serviço prestado pelas agências reguladoras”, disse. O PL nº 3337/2004, que já ganhou um substitutivo, propõe uma espécie de Lei Geral das Agências Reguladoras. O seu objetivo, segundo Picciani, é aperfeiçoar o modelo regulatório que existe no Brasil desde as privatizações ocorridas no governo Fernando Henrique Cardoso. “O grande problema das agências é que cada uma tem uma lei diferente e isso causa uma confusão, uma dificuldade jurídica enorme, além da instabilidade”, explica o deputado. O projeto cria mecanismos de controle social das agências, que passariam a prestar contas à sociedade por meio de planos de metas apresentados ao Congresso Nacional, além da implantação de ouvidorias e obrigatoriedade de consultas públicas e reconhecimento do Código de Defesa do Consumidor.

Recuos, recuos A discussão, no entanto, está longe do consenso. O pro-

jeto inicial, por exemplo, previa os chamados “contratos de gestão”. Pelo mecanismo, as agências reguladoras teriam que apresentar ao Ministério correspondente um plano de trabalho. O governo, assim, teria como controlar se as políticas públicas decididas pelo Estado seriam implementadas. Contudo, o poder político dos investidores privados e das empresas que hoje administram os serviços públicos – de energia e telefonia, por exemplo – fez com que essa ferramenta fosse descartada pelo governo. “Isso de fato era ruim para o modelo regulatório e para a estabilidade. Então, nós resolvemos mudar para um plano de metas; um é o plano geral para quatro anos e o outro a agência definiria anualmente. O Congresso é que terá a função de controle externo. Isso servirá de base para a prestação de contas”, explica Picciani. Outra polêmica está na possibilidade, ou não, de troca de diretores dentro da agência. Hoje, os mandatos são fixos e não coincidentes com os mandatos de Presidente da República. Além disso, a mudança só é possível se o diretor estiver sendo acusado judicialmente, ou por improbidade administrativa. Picciani defende um texto equilibrado para que a “autonomia das agências não seja ferida”.

Gervásio Baptista-ABr

Ganha força debate sobre agências

Autonomia das agências é um dos pontos discutidos

As agências reguladoras O que são? Têm o papel de oferecer ao investidor privado a garantia de que os contratos firmados seriam cumpridos. Em tese, teriam a função de fiscalizar as empresas que oferecem os serviços. Juristas, ONGs de defesa do consumidor e movimentos sociais avaliam que, no entanto, as agências defendem o interesse dos grupos privados. Quem são elas? AGÊNCIA

ÁREA

Anatel

Telecomunicações

1997

Decisões privilegiam lucros dos grupos privados

Aneel

Energia Elétrica

1997

ANP

Petróleo

1998

Anvisa

Controle sanitário

1999

ANS

Saúde Suplementar

2000

ANA

Recursos Hídricos

2000

Agências favorecem o interesse privado em detrimento do direito do cidadão

Ancine

Cinema e Audiovisual

2001

ANTT

Transportes Terrestres

2002

Antaq

Transportes em água

2002

Anac

Aviação Civil

2006

Divulgação

Natal de 2006. Centenas de passageiros da TAM ficaram presos nos aeroportos brasileiros, não conseguindo embarcar apesar de terem pago seus bilhetes. A suspeita: a companhia aérea teria praticado overbooking – vendido mais passagens do que seus aviões tinham capacidade de transportar. A TAM negou a acusação. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) foi acionada para investigar o caso. No primeiro relatório, inocentou a companhia. Depois, com a pressão da crise aérea, conclui que houve overbooking. A companhia teria feito 664 reservas a mais. O que aconteceu? Nada, a TAM não foi punida pela Anac. Esse é apenas um exemplo em que as agências reguladoras brasileiras, herdeiras de um processo de criação já viciado, favorecem o lucro das empresas. As decisões antipopulares desses órgãos já são consideradas uma constante para ONGs e movimentos sociais. Um caso emblemático é o da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e sua repressão às rádios comunitárias pelo País. De acordo com o coordenador jurídico da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraco), Joaquim Carvalho, os coordenadores regionais da Anatel têm um forte vínculo com as empresas de radiodifusão desde a época de FHC e passam por cima de definições de governo para defender esses interesses. “No final de 2006, o Ministério das Comunicações determinou que cabe apenas ao Ministério o processo de multa, enquanto a fiscalização fica com a agência. No entanto, a Anatel continua multando as rádios comunitárias do Brasil”, denuncia. Na área de energia, sobre a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), segundo o

ANO DE CRIAÇÃO

Regulam o quê? Elas regulam serviços públicos e atividades econômicas transferidas a grupos privados.

Nascidas para legitimar o processo de privatização “Sem meios de a sociedade interferir, o poder político é substituído pelo econômico”, avalia o professor de Direito Joaquim Serrano, da PUC-SP

Daniela Trettel, advogada do Idec

Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), é comum que sejam aprovadas medidas em que a tarifação é muito maior que a indicada ainda na barragem. “Na minha cidade, Erechim (RS), o preço da energia sai da barragem por R$ 0,04 a 0,10 centavos. No entanto, a população do município paga R$ 0,63 centavos por kilowatt”, reclama Marco Antônio Trierveiler, da coordenação nacional do movimento. Além disso, segundo Trierveiler, é comum a Aneel desrespeitar a legislação brasileira no ato de construção de barragens em áreas indígenas, o que só é permitido se o Congresso Nacional aprovar. “A Barragem Sacre II foi feita dentro da reserva dos Paricis, em Mato Grosso. Como se não bastasse, a Aneel já fraudou dados para a construção de barragens em áreas de vegetação nativa. É o caso da Barragem de Barra Grande (entre Santa Catarina e o Rio Grande do Sul). Lá havia seis mil hectares de araucárias e isso foi omitido. Construíram a barragem e somente depois

reconheceram a mata nativa, mas aí já deram como fato consumado”, denuncia.

Planos de saúde Outro exemplo está na Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS). No mês passado, a agência anunciou o índice a ser aplicado aos contratos de planos de saúde individuais que é de 5,76%, mais que o dobro da inflação: 2,48% no mesmo período. “Desde a sua criação, a agência tem se mostrado ineficiente e não tem garantido aquilo que se esperava de um órgão para inspeção de planos de saúde, que era a diminuição dos conflitos entre operadoras de planos de saúde e o consumidor. Muitos dos problemas que existiam antes de se criar a agência continuam acontecendo em grande parte por conta da interpretação restritiva que a agência faz da Lei de Planos de Saúde”, afirma Daniela Trettel, advogada do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), ressaltando que a ANS tem uma visão favorável às empresas do setor. (ML)

As agências reguladoras nasceram, no Brasil, em 1997, criadas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em meio à chamada “Reforma Administrativa” do Estado Brasileiro. Seu papel era oferecer ao investidor privado a garantia de que os contratos seriam cumpridos. Em teoria, têm também o dever de fiscalizar as empresas que oferecem os serviços. Uma de suas características centrais é a “autonomia” com relação ao governo. Seus diretores, embora indicados pelo Executivo, são sabatinados pelo Senado e, depois, têm estabilidade no cargo – não podem ser demitidos. O mandato de sua gestão não é coincidente com o do presidente da República. Ou seja, um diretor escolhido por FHC seguiu no posto durante o início do governo Lula, mesmo após a população brasileira escolher em 2002 o candidato petista que prometia mudanças.

Avalizar a privataria Segundo o sociólogo e economista Hélio Eduardo da Silva, a presença das agências reguladoras são uma necessidade orgânica para a economia capitalista. “Para privatizar, eles tinham que trabalhar com marcos regulatórios mínimos, porque prestam contas aos acionistas”, explica. Mas, no Brasil, a implantação do modelo das agências se deu de uma maneira “torta”, mesmo nos pressupostos capitalistas. Elas não nasceram para regular, de fato, o mercado, mas sim para legitimar um processo de venda de estatais já em marcha. “Aqui há casos de privatização em que a agência só foi criada depois. Então pra que criar? Quando se privatiza você define normas e tarifas, você determina um contrato pré-fixado. As agências fiscalizam, na verdade, em torno do fato consumado”, avalia Silva que, em sua tese de doutorado pela Universidade de

Brasília (Unb), estudou a Reforma Administrativa do Governo FHC.

Lucrocracia Outra questão é que, no Brasil, essa aliança da elite política com o empresariado estrangeiro em torno da ideologia neoliberal fez com que várias funções de Estado fossem transferidas para as agências. Nesses aparelhos, a participação e a democracia quase inexistem e prevalecem as políticas pró-empresas. O que era público passa a atender aos interesse do empresariado, que busca o lucro. “Ao criar uma agência reguladora de forma da que foi criada no Brasil, extingue-se a possibilidade de representação que se tinha via ministérios. Um exemplo disso está na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que, em sua criação, extinguiu dois terços do Ministério das Comunicações. Você concentra ainda mais o processo decisório e a população não tem com quem reclamar”, afirma Silva.. Dessa forma, as agências, muitas vezes, substituem o Poder Legislativo na definição de normas para que um determinado setor funcione. É o que se vê no setor de energia, com as normas que regulamentam as tarifas energéticas sendo estabelecidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). “Sem meios de a sociedade interferir, o poder político é substituído pelo econômico. O poder político representa um mecanismo de controle social, o poder econômico apenas representa os interesses dos titulares da atividade econômica”, avalia o professor de Direito Constitucional da PUC-SP, Pedro Estevam Serrano. Para Silva, as agências servem a um pequeno grupo da sociedade. “Esse processo atende a determinados grupos econômicos por meio de uma aliança de frações da elite, a elite orgânica, que continua a mesma no governo Lula”, afirma. (ML)


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A elite sai às ruas contra Lula

CONSERVADORES Marcha em São Paulo com representantes da extrema-direita pede impeachment do presidente

VESTIDA DE camiseta preta justa, calça jeans da marca Diesel, mochila da marca italiana Fendi*, a estudante de Economia Adriana Cury era uma das manifestantes da passeata contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ocorrida no dia 4, em São Paulo. Acompanhada dos pais e de quatro amigas, a jovem de 22 anos carregava um cartaz que dizia: “Fora PT mais Lula. Impeachment já!”. Para a jovem, “se fizeram passeata para tirar o Collor, vamos fazer o mesmo para tirar o Lula”. Adriana acredita que o governo do petista é o mais corrupto que já houve na história do país. “Esse é o governo do mensalão e de programas que dão dinheiro para quem não quer trabalhar”, afirmou a jovem, referindo-se ao Bolsa Família. De acordo com a estudante, o país precisa de um governante que tenha “estudos, e não um homem que não sabe nem falar direito”. Para ela, moradora do bairro dos Jardins – um dos metros quadrados mais valiosos de São Paulo –, os únicos que ainda apóiam o presidente são os “ignorantes, coitados, como a minha empregada, que acredita nele”. O novo presidente do país, na opinião da estudante, deveria ser o atual governador de Minas Gerais, Aécio Neves, do PSDB.

Elite O protesto, que reuniu cerca de duas mil pessoas, de acordo com a Polícia Militar, foi organizado por uma comunidade do site de relacionamento Orkut (com quase 200 mil membros) que tem como nome oficial “Fora Lula! O Brasil Acordou!”. O grupo que convocou as passeatas em todo o país afirma não ter vinculação partidária e defende que, entre seus objetivos, está dar “um basta à corrupção ao desgoverno, à falta de segurança, ao caos aéreo”. Os manifestantes, em grande parte vestidos de preto, usando nariz de palhaço e alguns com o rosto pintado de verde-

movimento declara-se apartidário e também foi divulgado pela internet, mas a maioria dos participantes fazia parte de grupos da juventude do PSDB e do Democratas. Em Belo Horizonte, o ato reuniu cerca de 200 pessoas, segundo cálculo da Polícia Militar, que protestaram contra o governo federal com apitos, vaias, faixas e palavras de ordem.

blog.cansei.com.br/OAB-SP

Tatiana Merlino da Redação

O presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D’Urso, apresenta à imprensa peça publicitária da campanha

“quadrilha do PT”. “Não dá para vivermos com essa corrupção. Queremos o impeachment do Lula já”, afirmou. “É caos aéreo, relaxa e goza. O povo não aguenta mais”, disse o advogado, que foi ao ato junto com a mulher e com a mãe, que faz parte da Liga das Senhoras Católicas.

amarelo, saíram da esquina da Avenida Paulista com a Rua Pamplona, em São Paulo, e seguiram até a Assembléia Legislativa, em frente ao Parque do Ibirapuera. Antes do início da caminhada, cantaram o Hino Nacional e o Hino da Independência. Carregavam cartazes com os dizeres “Somos a elite decente”, “Impeachment já”, “Queremos nosso Brasil de volta”, “Relaxa e vaza”, “Escute o povo, estamos te vaiando”, “vaia de novo, com a força do povo”.

Em todo o país Os protestos também ocorreram em outras capitais, co-

Extrema direita Entre os participantes, estavam representantes de extrema direita como os defensores da redução da maioridade penal e do movimento Endireita Brasil, que, de acordo com texto de seu site pretende “tornar-se referência no cenário político como um núcleo coerente de pensamento e de irretocável postura moral e ética e que defende a consolidação de uma nova direita no Brasil”. Entoando o coro de “Lula, ladrão, seu lugar é na prisão”, o advogado Gustavo Machado disse que foi à manifestação para protestar contra a

mo Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Vitória, Brasília, Porto Alegre, Curitiba, Belém e Natal, reunindo, somados, cerca de mil pessoas. Em Brasília, o protesto reuniu cerca de 80 participantes, de acordo com a PM. Parte dos manifestantes caminharam para o Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente. O início do protesto aconteceu no Aeroporto de Brasília, onde os manifestantes homena-

gearam as vítimas do acidente com o Airbus da TAM e circularam com cartazes criticando o presidente: “Lula, não são só as elites que te vaiam. É o Brasil. Fora Lula”. No Rio, aproximadamente 100 pessoas vestidas de preto e carregando cartazes contra o governo participaram de uma caminhada na Praia de Copacabana, como parte do movimento intitulado “O Dia da Grande Vaia Nacional”. O

Participação tucana Em Porto Alegre, cerca de 150 pessoas participaram do chamado “Dia da Grande Vaia”. Vestidos de preto, com nariz de palhaço e aos gritos de “Abaixo a impunidade” e “Exigimos respeito e dignidade”, os manifestantes reuniram-se no Aeroporto Salgado Filho. Já em Curitiba, onde 200 pessoas participaram do ato, o PT denunciou a participação de veículos oficiais da prefeitura, do PSDB, na manifestação. Em informativo distribuído aos militantes, a assessoria de comunicação do PT denunciou que “durante o ato, dois veículos kombi alugados pela Prefeitura de Curitiba permaneceram estacionados no calçadão, ao lado dos ‘manifestantes’. Um microônibus da prefeitura também foi fotografado a poucos metros do local”. *Um dos modelos mais baratos de calça jeans da marca Diesel custa cerca de R$ 580. A mais cara custa R$ 2.350. Os preços das bolsas da marca Fendi custam em média R$1.500.

Um vídeo publicado na página da internet youtube (www.youtube.com.br) traz os relatos de celebridades e socialites do Rio de Janeiro que admitem ter jogado ovos das janelas de seus prédios, alvejando pedestres. Entre eles, a socialite Narcisa Tamborindeguy que também ensina como atingir pessoas com comida. O diretor do Big Brother Brasil da Rede Globo, José Bonifácio de Oliveira, Boninho, chega a dar uma “receita” para deixar os ovos podres, após dizer que já acertou com ovos “muita vagabunda em São Paulo”

Movimento liderado pelo empresário João Dória Jr. e entidades patronais recebe críticas até de conservadores, como o exgovernador Cláudio Lembo (DEM) da Redação Assim como o grupo que convocou o “Fora Lula” em todo o país, o recém-lançado Movimento em Defesa do Direito Cívico dos Brasileiros, o chamado “Cansei”, também afirma ter como objetivo sensibilizar a sociedade brasileira a protestar contra o caos aéreo e a corrupção. Depois de 48 horas do acidente com o avião da TAM em Congonhas, um grupo de empresários começou a organizar o “Cansei”, lançado em campanhas publicitárias por todo o país. O movimento pretende “parar” o Brasil com um minuto de silêncio, no dia 17 de agosto, em frente ao prédio da TAM Express, onde aconteceu o acidente aéreo que matou cerca de 200 pessoas. Para isso, vão contar com espaço gratuito em televisões. A primeira iniciativa do “Cansei” será em 17 de agosto, às 13 horas, quando completa um mês do acidente aéreo da TAM. O movimento propõe que todos os brasileiros façam um minuto de silêncio. “Pretendemos parar o Brasil por um minuto. Vamos convocar todos os brasileiros para que, onde estiverem, mobilizados ou não, parem no dia 17, levem a sua mão direita ao peito e façam um minuto de silêncio em respeito àqueles que tiveram suas vidas ceifadas no acidente da TAM, no aciden-

te da Gol,”, afirmou Luiz Flávio Borges D’Urso, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OABSP). Nesse dia, as lideranças do movimento em São Paulo vão se reunir no prédio da TAM Express, onde será realizado um ato ecumênico em solidariedade às famílias das vítimas do acidente. No site www.cansei.com.br, a campanha é assinada pela OAB-SP e tem o apoio declarado de entidades como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert) e outros grupos. “O propósito dessa articulação é demonstrar a indignação diante de várias questões. É uma sinergia de esforços de profissionais das mais diferentes áreas, todos voluntários, que retratam a indignação dos brasileiros”, disse D’Urso.

Vinculação partidária A reunião que criou o projeto foi no escritório do jornalista e publicitário João Dória Jr., que afirma que “o movimento é cívico, não tem viés político ou vinculação partidária”. No entanto, Dória, que trabalha com organização de eventos, homenageou o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso e, em 2006, durante a campanha eleitoral para a Presidên-

Valter Campanato_ABr

“Cansei” explora comoção com o acidente da TAM ro lembra que, em determinados momentos da vida nacional, a extrema direita já se assanhou, como agora está se assanhando novamente, e que isso não fez bem ao país”, completa o comunicado. Após muita discussão, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) decidiu não participar ‘Cansei’. “O Conselho Federal não fez juízo de valor sobre o movimento, entende que toda a sociedade deve se manifestar como bem entende, faz parte da democracia a manifestação da sociedade, mas não é um movimento do Conselho Federal”, afirmou o presidente da OAB, Cezar Britto. Manifestantes realizam ato diante de sala da TAM, em Congonhas

“É um movimento de fundo golpista, estreito e que só conta com a participação de setores e personalidades das classes sociais mais abastadas do Estado de São Paulo”, registrou em nota a OAB-Rio cia, foi um dos organizadores de um almoço de Geraldo Alckmin com empresários. Apesar da defesa de que o “Cansei” é uma iniciativa apolítica, da qual todos os segmentos da sociedade estariam convidados a participar, o presidente da Associação Comercial de São Paulo, Alencar Burti, questionado a respeito de uma suposta participação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) nos protestos, respondeu: “MST, não!”.

Elite branca As críticas ao movimento vieram em seguida. Parla-

mentares e setores da sociedade civil acusam o “Cansei” de ser golpista e de fazer política em cima da tragédia com o acidente da TAM. Até políticos conservadores, como o ex-governador de São Paulo, Cláudio Lembo (DEM), repudiaram a iniciativa. Lembo afirmou ironicamente que “Cansei” é um termo muito usado por dondocas enfadadas em algum momento das vidas enfadonhas que vivem”. Para o ex-governador, a iniciativa é liderada “por um segmento da elite branca. É um movimento nascido em Campos do Jordão. O empresário João Dória Jr. há pouco dedicava-se a um

desfile de cãezinhos de madames em Campos do Jordão”. A OAB do Rio de Janeiro também se manifestou. Em nota, afirmou que o Cansei “é um movimento de fundo golpista, estreito e que só conta com a participação de setores e personalidades das classes sociais mais abastadas do Estado de São Paulo”. OAB do Rio diz que também cobra das autoridades investigações sobre o acidente. “No entanto, não aceita que essa tragédia seja utilizada de forma golpista pelas classes mais abastadas de São Paulo”, diz a nota. E completa: “A OAB do Rio de Janei-

Reação petista Líderes petistas reagiram com indignação ao movimento “Cansei”. O secretário Sindical do PT, João Felício, repudiou a iniciativa e fez questão de ressaltar que o partido não tem relação com a mobilização da “ultraprogressista classe média alta paulistana”, como ironizou. Em reação ao “Cansei”, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) propôs o movimento “Cansamos” – contra o trabalho infantil, o trabalho escravo e a exploração dos trabalhadores. De acordo com o presidente nacional da CUT, Artur Henrique, a iniciativa foi uma maneira de “aproveitar o lançamento da campanha da OAB-SP para chamar a atenção para a agenda dos trabalhadores”. “Utilizamos esse nome como um contraponto e para apresentar as necessidades dos trabalhadores de forma positiva.” (TM)


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SINDICATOS Após dois dias de greve, metroviários de São Paulo são obrigados a retornar ao trabalho; governo tucano demite 61 funcionários

Sindicato dos Metroviários-SP

No governo Serra, greve é ilegal

Renato Godoy de Toledo da Redação

A Companhia do Metropolitano de São Paulo demitiu 61 funcionários, todos participantes da greve

Os trabalhadores demitidos, “em sua absoluta maioria, possuem mais de 15 anos de serviços prestados à população e, depois da greve dos dias 2 e 3 de agosto, simplesmente deixaram de ser considerados eficientes”, diz nota do sindicato ria para reverter as demissões e garantir as reivindicações da categoria (ver matéria abaixo).

Prática comum

Essa não é a primeira retaliação do governo aos metroviários – categoria, aliás, que tem mostrado maior poder de mobilização no Estado. Em 23 de abril, seguindo o calendário nacional de luta contra a Emenda 3, os trabalhadores do Metrô paralisaram os trens por oito horas. Incentivado pela imprensa corporativa, tal como na última greve, o governo demi-

Jogando para a torcida

mas, em 1990, ela já estava mobilizada novamente. A tradição dos metroviários não é de recuar perante os governos”, enfatiza Xavier.

Papel da imprensa

Desde o início do movimento, à exemplo de outras paralisações, a imprensa corporativa atacou os metroviários, acusando-os de burlar o direito de ir e vir da população – como se as catracas não fizessem isso. Além disso, a mídia ressaltou apenas o trânsito, sem discorrer sobre as reivindicações e o descumprimento da promessa do governo.

Sindicato dos Metroviários propôs que os usuários obtivessem acesso gratuito às estações; governo optou pelo improviso da Redação A paralisação dos dias 2 e 3 de agosto foi a última alternativa encontrada pelos metroviários que chegaram a sugerir ao governo um sistema de funcionamento emergencial do transporte. Em resposta à decisão da Tribunal Regional do Trabalho, que determinou o funcionamento de 85% dos trens no horário de pico e 60% nos demais horários, os metroviários propuseram ao Metrô e ao governo do Estado que os usuários obtivessem acesso gratuito às estações. “Com 85% nos horários de pico, a população receberia um serviço precário, e por isso, achamos que ela não deveria pagar por esse serviço. Mas o governo zombou de nossa proposta. A verdade é que ele não admite perder receita e prefere prejudicar a população”, afirma Manuel Xavier, diretor de comunicação do Sindicato dos Metroviários. Reivindicações Mesmo findada a greve, os metroviários continuam exigindo a participação nos resultados (PR). A categoria reivindica PR com base em uma folha e meia de

Denúncia De acordo com Xavier, o movimento conseguiu atingir quase 100% da categoria e aqueles que não paralisaram são os que receberiam os maiores benefícios com a proposta do Metrô. “Cerca de 500 trabalhadores, na maioria chefias e trabalhadores que foram ameaçados, operaram os trens no dia 2. Nós já denunciamos para a Delegacia Regional do Trabalho (DRT), porque funcionários inabilitados estão operando os trens. Tem gente que não exerce a função há 10 anos e está colocando em risco os usuários e os outros funcionários, a mando da direção do Metrô”, denuncia Xavier. (RGT)

Reprodução

Categoria indignada

pagamento distribuída de forma igual para todos os funcionários – R$ 24 milhões ao todo e cerca de R$ 4.700 por funcionário, com uma antecipação imediata de R$ 1.800. O Metrô se dispôs a pagar uma folha de pagamento, mas de forma proporcional, o que privilegiaria os cargos de chefia. Segundo o sindicato, com a proposta do Metrô, os cargos de chefia (cerca de 500), receberiam por volta de R$ 8 mil, enquanto os outros 6.500 componentes da categoria receberiam R$ 2.700.

Mesmo após o acidente que matou sete pessoas em janeiro, empresas continuam executando obras para o governo de São Paulo

Fiscais do Metrô continuam fora das obras

da Redação

Vagões vazios: paralisação foi última alternativa dos metroviários

os humanos e os animais’”, ironiza. As constantes críticas da imprensa ao movimento, abriram espaço para a atitude do governador, segundo Altamiro. “Eles, a imprensa, jogam com a emoção, mostram as filas e não falam dos serviços dos metroviários e que a qualidade do serviço do Metrô de São Paulo é um dos mais respeitados do mundo. Eles tentam colocar a população contra os metroviários, aí o Serra vem nesse embalo, aproveitando o bombardeio midiático”, considera. Soma-se à cobertura da imprensa a campanha oficial do Metrô nos painéis das estações e em anúncios nas rádios, que “alertou” a população acerca das intenções dos metroviários de “sabotar o direito de ir-e-vir”.

Punição só para trabalhadores; para empreiteiras, não

Governo não aceitou a liberação das catracas

A estratégia de atacar os setores mais mobilizados da categoria também está sendo utilizada pelo governo Serra. Até o fechamento desta edição, a lista dos demitidos ainda não havia sido divulgada, mas os metroviários já tinham a confirmação de alguns nomes. “Ainda não sabemos todos os nomes – aliás, soubemos das demissões pela imprensa. Já sabemos que três diretores do sindicato e membros das duas chapas (que concorrerão às eleições do sindicato, em setembro) estão na lista”, revela Xavier. Para Altamiro Borges, editor da revista Debate Sindical e membro do Comitê Central do PCdoB, Serra tenta se mostrar firme para setores da direita, a fim de se consolidar como candidato à Presidência da República em 2010, desejo declarado do governador. “Ele está sinalizando para esse pessoal do ‘Cansei’, mostrando que saberia lidar com o ‘caos aéreo’, por exemplo, que para os ‘cansados’ é um dos maiores problemas do país. A máscara do Serra está caindo”, diagnostica. A reação de Serra deixou os metroviários perplexos. De acordo com uma nota lançada pelo sindicato dos metroviários, “todas as pesquisas de opinião pública conferem ao metrô índices de aceitação em torno de 95%, ficando à frente de serviços públicos como dos bombeiros e Correios”. Ainda segundo a nota, os trabalhadores demitidos, “em sua absoluta maioria, possuem mais de 15 anos de serviços prestados à população e, depois da greve dos dias 2 e 3 de agosto, simplesmente deixaram de ser considerados eficientes”. “A revolta é muito grande”, diz Xavier, que não descarta a possibilidade de uma nova paralisação da catego-

tiu cinco membros do sindicato, alegando sabotagens no sistema de transmissão de energia. Numa reunião de conciliação, a Justiça aconselhou o governo a reintegrar os trabalhadores nos quadros da companhia. Mas apenas três funcionários foram readmitidos, o caso dos outros dois vai ser apreciado pela Justiça. Já em 1988, o governador Orestes Quércia (PMDB) demitiu 357 metroviários após uma greve. “Eles demitiram a linha de frente da categoria, os ativistas dos metroviários. Enfraqueceram a categoria,

“A imprensa bate na gente de manhã, de tarde e noite, em rádio, TV e jornal. A gente lamenta isso. No caso da cratera do Metrô, nós tinhamos avisado muito antes sobre os perigos da obra. A imprensa não nos deu crédito sobre essa denúncia”, lembra Xavier, cujo sindicato havia publicado um dossiê sobre o acidentes de menor porte na linha 4 do Metrô, antes da abertura da cratera em janeiro, que vitimou sete pessoas. Altamiro Borges afirma que a cobertura da imprensa sobre greves, em geral, é “abjeta”. “Eles satanizam os metroviários, mas se esquecem da cratera do Metrô. Na semana do acidente (da linha 4), a capa da Veja São Paulo foi muito meiga, tinha um cachorro de salto alto e o título: ‘A relação entre

Arquivo

ENQUANTO O governo federal sinaliza que pretende elaborar uma lei que restringe o direito de greve, em São Paulo, o governador José Serra (PSDB) já coloca em prática essa restrição. No início deste mês, os metroviários deram um ultimato para que o governo cumprisse o pagamento das participações nos resultados (PR). Diante de uma proposta aquém das expectativas, a categoria deflagrou greve no dia 2. O Tribunal Regional do Trabalho multou o sindicato, que manteve a greve até o dia 3. Acreditando que a multa de R$ 100 mil não fora suficiente, a mando de Serra, a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) demitiu 61 funcionários, três dias após a greve. Todos os demitidos participaram da greve, que contou com 90% de adesão da categoria. O governo alegou que a causa das demissões nada tem a ver com a greve e que os demitidos não estavam tendo um “desempenho eficiente”. Manuel Xavier, diretor de comunicação do Sindicato dos Metroviários, acusa a atitude do governo de truculenta e covarde. “Não tiveram coragem de assumir que as demissões foram por causa da greve. Eles atacaram os trabalhadores de duas formas: primeiro demitindo, depois alegando incompetência dos trabalhadores”, afirma.

Se, por um lado, o governo age com truculência em relação ao movimento dos trabalhadores, de outro, mostra-se leniente com as empreiteiras que executam as obras da linha 4. Em janeiro, um desabamento na futura estação Pinheiros vitimou sete pessoas. Os metroviários vinham denunciando o sistema de contrato turn key, em que as empresas controlam todas as etapas das obras. Com o turn key, os técnicos do Metrô foram alijados da construção. Na época, engenheiros das obras denunciaram que as empresas estavam economizando material.

“A atitude da Companhia do Metropolitano de São Paulo com as empreiteiras foi muito diferente (da dispensada aos grevistas). As empreiteiras continuam executando as obras, o contrato turn key continua e os fiscais do Metrô continuam fora das obras. O governo colocou peso na Assembléia Legislativa para que não se instaurasse uma CPI para apurar as denúncias”, avalia Manuel Xavier, do sindicato dos Metroviários. Xavier ressalta que na ocasião do acidente o governo tentou qualificar o acidente como uma fatalidade, dizendo que a tragédia poderia acontecer em qualquer outra obra do mundo. (RGT)


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Ação na Justiça pede punição aos EUA por participação no golpe Mário Augusto Jakobskind do Rio de Janeiro (RJ) O GOLPE de Estado que derrubou o presidente João Goulart, em abril de 1964, continua a despertar interesse da mídia e, agora, dos historiadores. Alguns fatos relevantes, porém, não estão merecendo a atenção que deveriam. Recentemente, por exemplo, um fato importante não teve a repercussão devida. O Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), por sugestão da sua Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Expressão, aprovou, por unanimidade, uma moção propondo à diretoria da entidade, que, além de se solidarizar com a família do presidente deposto em abril de 1964, ingresse também com uma ação na Justiça contra o governo dos Estados Unidos. A denúncia envolve o apoio prestado por esse país aos golpistas e que provocou graves conseqüências aos jornalistas brasileiros e ao povo de um modo geral. A família Goulart, através dos filhos, João Vicente e Denise, e da viúva Maria Tereza, ingressou com uma ação na Justiça, depois que o ex-embaixador Lincoln Gordon (ver matéria abaixo) reconheceu oficialmente que os Estados Unidos, por meio da sua Agência Central

Reprodução

DITADURA Conselho da ABI quer que entidade entre com ação na Justiça contra o governo estadunidense

Manifestação no dia 1º de abril de 1964, na Cinelândia, Rio de Janeiro, contra o golpe militar

de Inteligência (CIA, na sigla em inglês), ajudaram financeiramente o movimento civil-militar que culminou com a derrubada do presidente.

Reparação bilionária No entender do Conselho da ABI, essa confissão não pode passar em brancas nuvens e recomenda a sua diretoria

para que, juntamente com outras entidades, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que siga o mesmo caminho. Ou seja, que entre na Justiça contra o governo estadunidense pois a ação criminosa de Washington provocou efeitos perniciosos não apenas à família Goulart, mas também a todo o povo brasi-

leiro. E este também merece reparação por parte dos Estados Unidos pelo que sofreu durante anos de ditadura. No caso dos jornalistas, além de episódios como o do assassinato de Vladimir Herzog, em outubro de 1975, os efeitos do golpe de 1964 se fizeram sentir durante alguns anos por meio da censura a

Família do ex-presidente João Goulart pede mais de R$ 3 bi em indenização Ex-presidente teria perdido duas fazendas com milhares de cabeças de gado; porém, a maior parte dos recursos diz respeito a danos morais

A família Goulart está pedindo uma indenização à Justiça, no valor de R$ 3,496 bilhões, sendo a maior parte por danos morais e apenas R$ 496 milhões por danos materiais decorrentes dos prejuízos que João Goulart sofreu com a perda de duas fazendas de sua propriedade, além de milhares de cabeças de gado. Esses valores só foram estabelecidos por exigência do juiz que cuida do caso pois a ação, como explicou João Vicente Goulart, filho do ex-presidente, tem por objetivo principal recuperar a imagem do presidente constitucional deposto, além de investigar “a imoralidade que esse indivíduo, Lincoln Gordon, reconheceu”. No caso da moção aprovada no Conselho da ABI, quando a diretoria levar adiante a decisão, como a Justiça pedirá também que seja informado o valor dos prejuízos acarretados com o golpe de Estado ao povo brasileiro, o cálculo a ser estabelecido, em princípio, pode se basear nos gastos que o Tesouro brasileiro está tendo com o pagamento de indenizações às vítimas da ditadura de 1964, estipuladas, seja pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça ou pela co-

missão que decidiu ressarcir familiares de desaparecidos políticos no período de vigência da ditadura no Brasil.

Reprodução

do Rio de Janeiro (RJ)

Jango discursa em 31 de março de 1964

Tribunal internacional Se a Justiça brasileira não decidir levar adiante a ação contra o governo dos Estados Unidos, a moção aprovada pelo Conselho da ABI recomenda que a diretoria da entidade, da mesma forma que a família de João Goulart, leve a ação para decisão de organismos internacionais, como o Tribunal de Haia. O caso deveria merecer a máxima atenção dos veículos de comunicação pois tendo desfecho favorável, da Justiça brasileira ou mesmo do Tribunal de Haia, a ação abrirá um precedente também para outras famílias de presidentes ou entidades representativas de povos que foram vítimas de golpes que contaram com o apoio dos Estados Unidos, como atos de gestão. Sukharno, na Indonésia, Salvador Allende, no Chile, Jacob Arbens, na Guatemala, e Isabel Perón, na Argentina, são alguns dos golpes que, como o do Brasil em 1964, tiveram o apoio estadunidense, segundo revelam os documentos de arquivos de organismos dos Estado Unidos tornados públicos 30 anos depois de os fatos ocorrerem. (MAJ)

Telegrama de embaixador estadunidense confirma participação da CIA Documento revelado pelo cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira comprova atuação do governo dos EUA na preparação do golpe militar de 1964 da Redação A Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos apoiou e acompanhou os movimentos que levaram ao golpe militar de 1964. A informação foi revelada pela revista IstoÉ, do dia 8, com base em um telegrama descoberto pelo cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira: “um documento ‘top secret’ enviado pelo então embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, à Casa Branca, ao Departamento de Estado e à CIA no dia 27 de março de 1964”. A correspondência atesta a participação da Agência nas Marchas da Fa-

mília com Deus pela Liberdade, que contribuíram na criação do clima para o golpe. No telegrama, o embaixador Gordon declara que o Estados Unidos forneceram “suporte velado às passeatas pró-democracia, uma discreta palavra do governo dos EUA demonstrando preocupação com esses eventos e o encorajamento de sentimentos democráticos e anticomunistas no Congresso, nas Forças Armadas e nos grupos amigáveis de trabalhadores, estudantes, na Igreja e nos negócios”. Gordon também escreve que o general Castello Branco, primeiro presidente da ditadura, estava preparado para agir em caso de uma “provocação institucio-

nal”. Esta poderia ser “uma greve geral comandada por um líder comunista, outra rebelião de sargentos, uma proposta de plebiscito pelo Congresso ou alguma medida governamental contra os líderes democráticos militares e civis”. Além disso, o telegrama atesta a ajuda militar dos Estados Unidos ao golpe. Segundo Gordon, um petroleiro com combustível foi deslocado para Santos (SP) e, em seguida, outros três naviostanques seriam enviados. A correspondência também menciona a presença de um porta-aviões, quatro destróiers, dois navios-escolta e uma força-tarefa com petroleiros; e mais 110 toneladas de munição.

periódicos, sobretudo os da imprensa alternativa, que resultou em prejuízos financeiros até hoje não contabilizados, mas que, se calculados, podem alcançar bilhões de dólares.

Sutileza jurídica Há uma sutileza jurídica que poderá interferir na ação e que será decidida pela Justiça: o

fatos em foco

apoio aos atos ilícitos da CIA para patrocinar a derrocada de uma democracia teria sido um ato de império ou um ato de gestão? A prevalecer a interpretação de que a ação teria sido um ato de império, aprovada oficialmente pelo Executivo e pelo Legislativo estadunidense, como aconteceu no caso da recente invasão e ocupação do Iraque, o processo contra os Estados Unidos não seria acatado pela Justiça brasileira e acabaria arquivado. Por outro lado, se o ato for aceito como de gestão, ou seja, de que o apoio financeiro ao golpe de 1964 não teve legitimidade e que o patrocínio da CIA ao golpe de 1964 violou bens jurídicos de natureza pública, como a soberania nacional e a ordem jurídica interna, a ação seguirá o seu curso e colocará os Estados Unidos no banco dos réus. No artigo “Intervenção Americana: Ato de Gestão ou Ato de Império?”, publicado na revista Justiça & Cidadania de julho, Daniel Renout da Cunha, advogado especialista em direito internacional, reforça a tese de ato de gestão dos Estados Unidos na derrubada de Goulart ao afirmar que, se porventura a Justiça brasileira entender o contrário, estará admitindo que Washington cometeu um ato de agressão, conforme previsto no artigo 24 da Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Hamilton Octavio de Souza

Reação global A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas está organizando um protesto nacional contra a Rede Globo de Televisão, marcado para 5 de outubro, quando termina a concessão pública da emissora. O protesto visa denunciar o tratamento preconceituoso da TV em relação aos negros, trabalhadores, setores populares e aos movimentos sociais. Rebelião mineira

Ao indicar o ex-prefeito do Rio de Janeiro Luiz Paulo Conde para o comando da estatal Furnas, o presidente da República criou uma verdadeira rebelião na “base aliada” integrada pelo PMDB, PP e outros partidos conservadores, especialmente em Minas Gerais. É que os políticos mineiros consideram Furnas um cabidão exclusivo deles. O tiroteio não é nem um pouco silencioso.

Reforma empresarial

O empresariado está pressionando o governo e o Congresso Nacional para que acelerem, agora no segundo semestre, a almejada reforma trabalhista, que prevê desoneração de contribuições sociais, flexibilização dos contratos de trabalho, dispensa da multa de 40% sobre o FGTS no caso de demissões, parcelamento do 13º salário e das férias. Compete ao governo “amaciar” as centrais sindicais.

Resistência religiosa

O maior empenho contra as obras de transposição do rio São Francisco continua sendo realizado na base da Igreja Católica, em que padres, freiras, freis e bispos fizeram circular um abaixoassinado, com mais de 600 assinaturas, em solidariedade aos movimentos sociais que defendem a revitalização daquele rio. Segundo o documento, “Transposição não, conviver com o semi-árido é a solução”.

Reserva financeira

Entre as inúmeras promessas eleitorais de 2002, a única que o governo tem cumprido regiamente é a realização de superavit primário para pagar juros aos credores estrangeiros. Apesar de ter acordado com o Banco Mun-

dial o superavit de 4,25% do PIB por ano, o resultado tem sido sempre superior. No 1º semestre de 2007, por exemplo, a “economia” atingiu R$71,6 bilhões, equivalente a 5,9% do PIB. O capital dorme tranqüilo.

Retaliação violenta

O governador de São Paulo, José Serra, do PSDB, demitiu sumariamente 61 funcionários do metrô paulistano porque participaram da greve da categoria e paralisaram a linha leste-oeste do transporte coletivo durante dois dias. A violência do governador lembra os tempos da ditadura militar. Resta saber qual será a reação da CUT, Força Sindical e das demais centrais e sindicatos de trabalhadores.

República bananeira

A pedido do Ministério Público, o Supremo Tribunal Federal arquivou o inquérito contra o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, um dos homens do governo mais blindados da República. Ele estava sendo acusado de remessas ilegais de dinheiro e sonegação de impostos entre empresas de fachada criadas por ele aqui no Brasil e nos Estados Unidos. As autoridades não encontraram nada errado nisso tudo.

Ratazanas brasilienses

Segundo O Estado de S. Paulo (29/7/2007), o Supremo Tribunal Federal está mobilizando todos os seus funcionários para ampla campanha de limpeza interna. De acordo com o jornal, “As principais preocupações da mais alta Corte do país são ratos e escorpiões, porque a dedetização tem maior efeito sobre as formigas e baratas. Os ratos chegam ao tribunal pelo lado de fora dos anexos...”


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brasil

ECONOMIA Superavit primário atinge recorde, enquanto setores como saúde e educação estão à míngua

Marcello Casal JR/ABr

Superavit: Brasil nunca destinou tantos recursos para o mercado Quanto

71,67 bilhões de reais foram destinados para pagar a dívida apenas neste ano

creve que esse fenômeno gera situações particulares, que demonstram a hegemonia do capital financeiro. “As vendas online são um exemplo disso, pois, primeiro se vende a mercadoria, depois se produz. O capital financeiro não quer correr riscos porque as altas taxas de juros te dão um retorno certo, com os títulos da dívida, então o capitalista não vai investir em outra coisa”, lamenta.

Pedro Carrano de Curitiba (PR) NOS PRIMEIROS seis meses deste ano, o superavit primário, economia de recursos destinada para o pagamento da dívida, atingiu a casa dos R$ 71,674 bilhões, ou 5,9% do produto interno bruto (PIB). Apesar de se tratar de um recorde histórico, não há motivos para comemoração. Mais do que uma política de “austeridade fiscal” do governo, é importante notar como a questão da dívida desvia recursos – gerados a partir do trabalho e da conseqüente produção de mercadorias – para o mercado financeiro. O Estado é o encarregado de fazer esse meio de campo: em 2006, destinou a soma de R$ 275 bilhões (36,7% do orçamento da União) para o pagamento da dívida e somente 2,3% para o setor de educação. Segundo Lafaiete dos Santos Neves, professor de Economia aposentado da UFPR, em debate organizado pela campanha “A Vale é Nossa”, em Curitiba (PR), a política econômica do governo federal afeta diretamente a vida dos trabalhadores. Com juros altos, os capitalistas preferem investir em títulos públicos, o que faz a dívida aumentar, exigindo um superavit maior. De outro lado, os empresários deixam de investir na produção, contribuindo para a estagnação da economia e, conseqüentemente, reduzindo a capacidade do Estado de arrecadar recursos e fazer investimentos. “É uma espiral que só cresce e, ao mesmo tempo, os hospitais estão destruídos e as universidades privatizadas para honrar os compromissos da dívida externa e interna”, comenta Neves. Aécio Oliveira, economista de estudos marxistas da Universidade Federal do Ceará

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, chega ao Ministério da Fazenda para a reunião do Conselho Monetário Nacional

“Quanto mais elevadas as reservas, menor o risco para saldar os compromissos. São o que eles chamam de ‘fundamentos macroeconômicos’, com reservas, altas taxas de juros e inflação controlada. Mesmo que o risco social seja alto, para o investidor isso não importa”, descreve o economista Aécio Oliveira (UFC), acredita que a solução sustentada pelos conservadores é falsa. Segundo o professor, o discurso oficial é o de que os investidores de curto prazo, do mercado financeiro, podem se tornar de longo prazo, o que alimentaria o setor produtivo. “Isso, porém, é

improvável, pois as taxas de juros são muito lucrativas. O circuito do lucro no capital financeiro é curto, enquanto no capital produtivo é longo e, para os capitalistas, isso tem os seus riscos”, analisa. Dessa forma, o economista não vê separação entre o capi-

A Previdência não é a vilã A questão da Previdência, difundida pela imprensa corporativa como uma instituição onerosa para o Estado, na verdade, tem um orçamento menor que o da dívida (25,7% contra 36,7%). Além disso, mecanismos como a Desvinculação de Recursos da União (DRU) permitem que 20% do orçamento da União sejam retirados de setores essenciais, com o objetivo de pagar a dívida. A tendência é que a DRU seja elevada para 40% do orçamento. A chamada Super Receita, recém-criada pelo governo, centraliza as verbas de cada setor no Ministério da Fazenda. Com isso, aumenta o montante desviado de setores como a Previdência e a saúde para o pagamento da dívida. (PC)

Saída passa pela redução da dependência externa Modelo de desenvolvimento dependente aplicado durante a maior parte do século 20 originou dívida de mais de R$ 1 trilhão de Curitiba (PR) O economista Lafaiete dos Santos Neves, da UFPR, explica que a dívida surge do fato de o Brasil ser um país agrário-exportador. Nos anos de 1930, a tentativa de industrialização esbarrou no fato de o país exportar produtos agrícolas – como o café – para os países centrais do capitalismo e importar maquinarias, o que iniciou um deficit na balança comercial e um processo de endividamento externo. Ainda que a grande quantidade de produtos exportados, à época, desacelerasse o endividamento. A dívida ganhou força nos anos de 1950, dentro da necessidade de expansão do capitalismo dos países centrais, que vendiam bens de consumo aos países periféricos. Essa situação se agravou durante o período militar, na década de 1970, com a criação de uma infra-estrutura no país para comportar o consumo de mercadorias exigido naquele período. Por exemplo, com a construção de estradas para comportar o consumo de carros. Den-

tro desse modelo dependente, recorda Neves, não houve desenvolvimento de tecnologia própria.

Neoliberalismo A crise do valor do petróleo, nos anos de 1970, aumentou o endividamento dos países periféricos. Ainda na década de 1980, o presidente cubano, Fidel Castro, denunciava a questão: “Se antes (os países latinoamericanos) necessitavam de uma tonelada de açúcar para comprar quatro toneladas de petróleo, agora necessitam de duas toneladas e

meia de açúcar para adquirir uma tonelada de petróleo”. Na década de 1990, o excedente de capital nos mercados centrais fez com que o sistema financeiro se radicalizasse no chamado terceiro mundo. Houve uma invasão de capitais em países como o Brasil, atraídos por taxas de juros rentáveis e pela facilidade de circulação do capital. Endividado, o Estado se apropria do lucro do setor produtivo, porém, direciona essa riqueza para o pagamento dos credores da dívida, interna e externa. (PC)

Linha do tempo da dívida 1931. Realizada auditoria da dívida externa. O período foi caracterizado pelo início da industrialização no Brasil. 1974.

O valor do petróleo aumenta e ocorre um aumento da dívida externa dos países periféricos. Os países centrais, que possuíam o controle do comércio de petróleo e derivados, foram menos afetados.

1980. EUA aumenta a taxa de juros. O dólar, por ser uma moeda internacional, endividou ainda mais os países periféricos, como o Brasil. 1990. No Brasil, país onde os capitais circulam com facilidade, atraídos pelas altas taxas de juros, a dívida pública interna aumenta. Hoje, está na casa de R$ 1,2 trilhão.

tal produtivo e o capital financeiro, “um equívoco comum nos dias de hoje”. Nas suas palavras, ocorre uma relativa autonomia do capital financeiro,

porém subordinado ao capital produtivo, que continua gerando lucros. Para constatar isso, basta ver os resultados estratosféricos de uma companhia como a Vale do Rio Doce (ver matéria abaixo).

Liquidez Além disso, existe uma facilidade para a circulação incessante do capital, que conta com ferramentas como a tecnologia digital. Oliveira des-

Insegurança social A exportação de mercadorias primárias ou semi-elaboradas é o outro papel reservado aos países dependentes, como o Brasil. Oliveira explica que a exportação e a geração de divisas é uma sinalização para o mercado de ações de que existem reservas de capital disponíveis, para cobrir a fuga de capitais. “O risco-país reduzido tem a ver com isso. Quanto mais elevadas as reservas, menor o risco para saldar os compromissos. São o que eles chamam de ‘fundamentos macroeconômicos’, com reservas, altas taxas de juros e inflação controlada. Mesmo que o risco social seja alto, para o investidor isso não importa. O risco-país no Brasil está baixo, mas o risco social elevado”, descreve.

PRIVATIZAÇÃO

Vale do Rio Doce ultrapassa valor de mercado da Petrobrás As ações preferenciais da mineradora foram as mais negociadas na América Latina durante o mês de julho Reprodução

de Curitiba (PR) A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) anunciou lucros recordes, da ordem de R$ 5,8 bilhões, no segundotrimestre deste ano. O patrimônio da empresa, avaliado pelo mercado em 114 bilhões de dólares (ou R$ 217 bilhões), ultrapassou o da Petrobrás (R$ 196 bilhões) e a estimativa é de que a Vale se torne a maior corporação brasileira em produção, ainda que, em 1997, o governo tenha vendido as ações de controle da mineradora por apenas R$ 3,3 bilhões. Além disso, as ações preferenciais, que hoje guiam a política da Vale, foram as mais negociadas na América Latina durante o mês de julho. O lucro da CVRD é atribuído, em parte, à aquisição da mineradora canadense Inco, especializada em níquel. Outra razão é a expansão da jazida de minério de ferro de Carajás, no Estado do Pará. A expectativa é de que a sua capacidade de produção de minério de ferro aumente ainda mais.

Para fora O economista Lafaiete dos Santos Neves, professor de economia aposentado da UFPR, em debate organizado pela campanha “A Vale é Nossa”, em Curitiba (PR), afirmou que as transnacionais dos países do Oriente proporcionaram um novo respiro para o capitalismo mundial. Basta lembrar que a China é responsável pela compra de um terço do minério de ferro exportado pela Vale. “Ainda que os países se transformem em plataformas de exportação e não estejam preocupados com o mercado interno”, comenta Lafaiete, para quem o desenvolvimento nos países periféricos, do modo como se

Leia mais sobre a Vale no especial encartado nesta edição

Quanto

R$ 5,8 bi foi o lu-

cro da Vale entre abril e junho. Em 1997, a companhia foi vendida por R$ 3,3 bi dá, é um mito. “O capitalismo tem um lei: não há como os países estarem no mesmo patamar, senão não haveria expansão do capital”, comenta.

A fome da Vale do Rio Doce pela exportação inquieta pessoas que acompanham a exploração da companhia na região Norte. No documentário realizado pela campanha “A Vale é Nossa”, pela anulação do leilão da Vale, um morador de Parauapebas (PA) exclama: “Parece que [a mina de] Carajás não faz parte de Parauapebas. Parece que Carajás não faz parte do Brasil”. (PC)


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brasil

MORADIA Infra-estrutura construída com dinheiro público é vendida pelo governo federal para a classe média

Wilson Dias-ABr

Vila do Pan-americano alimenta a especulação imobiliária no Rio Quanto

Eduardo Sales de Lima da Redação

R$ 400 mil

é quanto pode custar um apartamento na Vila do Pan, que tem até 4 suítes

O 15º JOGOS Pan-Americanos terminou, mas cerca de 16 comunidades pobres da cidade do Rio de Janeiro, próximas às construções do PAN, seguem sofrendo com remoções, como Arroio Pavuna e Canal Cortado. Mas existem outras onde a resistência é maior. A Vila Pan-Americana hospedou os atletas durante os jogos e foi financiada com dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), destinado para projetos populares. “Foram gastos R$ 198 milhões e praticamente todos os apartamentos já foram vendidos. Apartamentos de 1 a 4 suítes em um valor que varia de R$ 120 mil a R$ 400 mil”, afirma Bruno Lopes, coordenador do Comitê Social do PAN. As organizações sociais defendem que a infra-estrutura construída fosse utilizada para amenizar o deficit habitacional da cidade, de cerca de 294 mil moradias (número oficial de 2006). Essa foi a política implementada no PAN de Havana e nos Jogos Olímpicos de Seul (Coréia do Sul) e de Barcelona (Espanha). “Aqui, foi utilizado dinheiro público para se construir apartamento de luxo para a classe média alta”, ressalta Bruno, que também é economista do Instituto de Políticas Alternativas do Cone Sul (PACS).

na comunidade do Canal do Anil, próxima à Vila Panamericana, em Jacarepaguá. Segundo a Prefeitura, a favela do Canal do Anil é considerada de risco por ter terreno instável, sujeito à inundações e situado numa faixa marginal de rio. É proibida a construção de moradias na área. Para o local está prevista a construção de uma Via Canal. A Associação de Moradores do Canal do Anil, porém, garante ter um laudo do Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro (Iterj) negando essa versão.Vão ser demolidas 542 moradias. A maioria dos 1,5 mil moradores não quer deixar o Canal do Anil e conseguiu paralisar a demolição com protestos, ainda no dia 1º. Foram enviados dezenas de agentes da Guarda Municipal e Policiais Militares. No período de construção da Vila, a empresa Rio Massa Engenharia Ltda, responsável pelas obras, fez uma política de indenizações arbitrárias para retirar as famílias do Canal Cortado e do Arroio Pavuna . Dava às famílias que desabrigava cheques com valores entre R$ 3 mil e R$ 11 mil. Agora é a Prefeitu-

Barra da Tijuca

No PAN de Havana e nos Jogos Olímpicos de Seul (Coréia do Sul) e de Barcelona (Espanha), construções foram usadas para reduzir o deficit habitacional ra que se utiliza dessa tática. “Como sempre acontece, escolhem um outro com indenização um pouco maior para propagar a tática”, afirma Marcelo Braga “Como não tinha mandato judicial nenhum, eles estavam se utilizando do argumento que pagam pela casa. Tinha uma casa de dois andares, o térreo foi pago, mas morava uma família em cima que não pagou”, explica o coordenador da CMP. Na Vila Autódromo, testemunhas denunciam que funcionários da prefeitura diziam que fariam cadastros para fazer saneamento básico, uma mentira para o cadastro de remoção.

A especulação imobiliária está explorando também o espaço aberto pelos interesses privados. A região da Vila faz parte de uma expansão da Barra da Tijuca – região nobre do Rio de Janeiro. “No dia 1º, conseguiram vender pelo menos seis ou sete casas. É o Canal do Anil, é Vila Autódromo, várias comunidades da região continuam ameaçadas. É um projeto que teve o PAN como argumento, mas o interesse é abrir o espaço para a especulação imobiliária”, explica Marcelo Braga, coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP) do Rio de Janeiro e que está acompanhando a situação

Construída para abrigar o 15º Jogos Pan-Americanos, a Vila Olímpica será explorada pela especulação imobiliária

Quadras, estádios e piscinas privatizadas Prefeito César Maia (DEM) e ministro Orlando Silva (Esportes) querem repassar equipamentos utilizados nos Jogos Pan-Americanos para exploração empresarial da Redação Maracanã reformado, Engenhão pronto, Parque Aquático Maria Lenk. A cidade do Rio de Janeiro foi palco de uma das maiores festas esportivas do Brasil, mas o tão falado “legado social” para a parte mais pobre da população carioca não foi a melhoria do atendimento hospitalar, da qualidade das escolas para jovens ou da infra-estrutura de transportes coletivos. Os equipamentos construídos, para variar, vão reproduzir a lógica da reprodução do capital. Segundo o comitê organizador dos Jogos Pan-Americanos, entre as principais atribuições da Prefeitura, esteve a construção do Parque Aquático Maria Lenk, da Arena Multiuso, de um Velódromo e do Estádio João Havelange (o Engenhão). O Governo Federal, en-

tre outras ações, financiou a construção da Vila Pan-americana e o Estado fluminense fez a reforma do Complexo Esportivo do Maracanã. No total, foram utilizados quase R$ 3,5 bilhões de recursos públicos. O prefeito César Maia (DEM) defende, em discursos, que a infra-estrutura esportiva construída seja utilizada de forma a gerar receita para o município. Uma proposta é privatizar o Velódromo. Outra, em estudo, é transformar o Parque Aquático Maria Lenk em quadras de tênis, mais rentáveis, segundo o político. O ministro dos Esportes, Orlando Silva Júnior, apóia a privatização dos espaços e avalia que equipamentos como o Complexo do Maracanã e a Arena Multiuso precisam ter uma gestão diferenciada. Para ele, a sustentabilidade desses equipamentos só se daria por meio de sua concessão para empresas privadas.

Principais equipamentos do Pan

Infra-estrutura construída com o dinheiro público Vila Pan-americana Capacidade: Até 8 mil pessoas Área do local: 420 mil m² Complexo Cidade dos Esportes Capacidade:- Arena Multiuso do Rio – 15 mil pessoas Parque Aquático Maria Lenk – 5 mil pessoas Velódromo da Barra - 1.500 pessoas Área do local: 1 milhão de m² Complexo Riocentro Capacidade: 14 mil pessoas Área do local: 571 mil m²

Centro Esportivo Miécimo de Sousa Capacidade: 3.835 (ginásio) e 1.953 (estádio) pessoas Área do local: 64 mil m² Estádio João Havelange – 45 mil pessoas Área do local: 200 mil m² Complexo do Maracanã Capacidade: Estádio do Maracanã – 73.916 pessoas Ginásio do Maracanãzinho – 8.257 pessoas Parque Aquático Júlio Delamare – 2.888 pessoas Área do local: 195.600 m²

“Duvido muito que, com a privatização, as comunidades vão utilizar os equipamentos. Duvido que a Arena Multiuso privatizada seja usada para as escolinhas de basquete, por exemplo”, rebate Bruno Lopes, coordenador do Comitê Social do PAN e economista do PACS.

Gastos sob suspeita Enquanto representantes do poder público correm para entregar espaços de uso coletivo para a iniciativa privada, está prevista a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Pan por indícios de superfaturamento. A CPI vai investigar falhas nos prazos de entregas dos locais de competições dos Jogos Pan-Americanos e possíveis desvios de recursos públicos. Um dos projetos a serem investigados será o contrato do Estádio João Havelange, popularmente conhecido como Engenhão. No início das obras, estava previsto um gasto inicial de R$ 166 milhões. Até hoje, já consumiu cerca de R$ 400 milhões – 140% a mais. Segundo Alex Magalhães, assessor do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), o Engenhão, que será gerido pelo Botafogo Futebol Clube em parceria com uma empresa estadunidense, foi construído ilegalmente no terreno da Companhia Fluminense de Trens Urbanos (Flumitrem), pois, tardiamente, somente no dia 2 de agosto, as obras foram liberadas pela Justiça. Mais uma polêmica. A quadra de tênis do Clube Marapendi recebeu um investimento público de aproximadamente R$ 6 milhões. Mas é um clube privado e continuará a ser usado apenas pelos sócios. (ESL)

TRANSPORTE

Em debate, as limitações ao direito de ir e vir da Redação O salário mínimo é de R$ 380. Uma pessoa que reside em São Paulo, por exemplo, que usa duas conduções por dia, gasta em torno de R$ 100 por mês. Mais de um quarto do salário. “Não é necessário pagar o consumo no hospital público, nem educação. A proposta que fiz no governo Erundina foi praticamente isso”, lembra o ex-secretário de transportes de São Paulo na gestão Luiza Erundina e coautor do projeto Tarifa Zero, Lúcio Gregóri. Gregóri participou do Seminário sobre Mobilidade Urbana, em Florianópolis, entre os dias 11 e 13 de julho. O encontro denunciou o preço abusivo do transporte urbano no Brasil. A capital catarinense, em particular, possui a tarifa mais cara do Brasil, R$ 2,40. Em Belém, a passagem de ônibus custa quase a metade, R$ 1,35. “O sistema de transporte público no Brasil é muito caro. A razão disso é que o sis-

Aline Gonçalves_PMPA

Seminário discute a questão do transporte público no Brasil, que onera a população pobre e estimula o individualismo Distribuição do uso dos meios de transportes

Fonte: ANTP (Associação Nacional dos Transportes Públicos)

O usuário de transporte urbano no país paga tarifas abusivas

tema padece de uma crise crônica de financiamento”, avalia Gregóri. Ele aponta que não há outra forma de financiar o transporte que não seja aportar recursos do Estado para subsidiar o usuário desse transporte. “É uma discussão que já se arrasta há anos e foi feito muito pouca coisa”,

lembra o especialista em mobilidade urbana.

Ênfase nos automóveis A maioria das políticas de desenvolvimento e os próprios investimentos nacionais e regionais privilegiam a circulação dos automóveis particulares e veículos de car-

ga. Dados de 2005 da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP) revelam que os gastos dos brasileiros com transporte somam cerca de R$ 90 bilhões por ano. A maioria, 70%, com o uso dos automóveis. Já o governo gasta cerca de R$ 10 bilhões por ano, sendo que 85%

dessa quantia está relacionada à manutenção de vias. “Não é difícil encontrar um condomínio na cidade de São Paulo onde o apartamento custe, por exemplo R$ 700 mil. Esse mesmo inquilino pagará, talvez, R$ 200 do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana

(IPTU) por mês, o que é muito barato para esse conjunto da população”, diz Gregóri. Ele também considera muito baixos os impostos pagos pelas empresas levando em conta seu faturamento e conclui que o IPTU pago pelos bancos não representa praticamente nada de seus custos. (ESL)


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áfrica Divulgação

Helene C. Stikkel

O general Walter Sharp (à esquerda), diretor de comando conjunto, em coletiva para a imprensa; na foto ao lado, o general William E. Ward, nomeado o primeiro comandante do Comando da África

África, o novo alvo do império MILITARIZAÇÃO Governo estadunidense cria um comando militar exclusivo para o continente; grandes reservas de recursos minerais, petróleo e água estão na mira Igor Ojeda da Redação OS EUA preparam-se para “cuidar” da África com muito mais atenção, daqui em diante. Desde fevereiro, trabalham para pôr em funcionamento, em setembro de 2008, o Comando Africano (Africom), unidade militar que será responsável pelas operações no continente que, provavelmente, terá maior importância econômica num futuro próximo. Do ponto de vista do Departamento de Defesa estadunidense (DoD), a região não merecia, há até pouco tempo, tal preocupação. A jurisdição sobre as nações africanas, hoje, está dividida em três comandos (leia mais nesta página): o do Pacífico (responsável por Madagascar, Seychelles e as ilhas do oceano Índico), o Central (Egito, Sudão, Eritréia, Etiópia, Djibouti, Somália e Quênia) e o Europeu (demais países). Agora, a África terá um só para ela. A socióloga mexicana e especialista em militarização Ana Esther Ceceña afirma, em entrevista ao Brasil de Fato, que a decisão explicita o crescimento do interesses

dos EUA no continente, com aumento dos investimentos e a extração de recursos naturais. Recursos que, em sua opinião, são a principal razão de ser do Africom, principalmente os energéticos (veja mais nesta página).

Energia

Salim Lone, que trabalhou como porta-voz da missão da ONU no Iraque e atualmente é colunista do periódico Daily Nation, do Quênia, concorda. “O Africom é claramente desenhado para aumentar o controle sobre o continente, com o objetivo de garantir que os interesses estratégicos vitais – políticos e econômicos – sejam bem protegidos”, diz ao Brasil de Fato. Para ele, os reveses dos EUA no Oriente Médio fazem com que o país precise garantir outras fontes de fornecimento de energia. De acordo com Ana Esther, os recursos minerais também são um alvo importante. “A África tem, em abundância, minerais que só a ex-União Soviética ou a China têm também. No resto do mundo, só existem manchinhas. Nesse sentido, deixar a China meter as mãos por aí se converteria em uma ameaça muito mais séria”, analisa.

O Pentágono nega que o acesso aos recursos e a presença chinesa sejam as principais razões da criação do Africom. De acordo com o DoD, o novo comando irá se concentrar principalmente no combate ao terrorismo, em assistência humanitária, auxílio a desastres e missões de apoio a crises, além da prevenção de conflitos.

“A África tem, em abundância, minerais que só a ex-União Soviética ou a China têm também. No resto do mundo, só existem manchinhas. Nesse sentido, deixar a China meter as mãos por aí se converteria em uma ameaça muito mais séria”, analisa Ana Esther Ceceña Além disso, outro objetivo é trabalhar com as agências governamentais dos EUA na região. No entanto, um relatório sobre o assunto, elaborado pelo Congresso estadunidense, chama a atenção para a “crescente importância dos recursos naturais da África, particularmente os energéticos”.

Uso da força

Como era de se esperar, intervenções militares não estão descartadas. O Africom ficará responsável por qualquer

A estratégia da dominação Chefes dos comandos militares movem-se livremente pela região pela qual é responsável, promovendo, entre outras coisas, acordos de cooperação e treinamento Anthony Dallas/US Navy

da Redação Dividir o mundo em comandos é, segundo a socióloga e especialista em militarização Ana Esther Ceceña, uma medida prática de organização interna das atividades e sub-estratégias das Forças Armadas estadunidenses. Dependendo da região, isso significa uma intromissão maior ou menor, de acordo com a capacidade de pressão dos EUA sobre os países implicados, suas vulnerabilidades ou as cumplicidades que estes possam estabelecer com o governo estadunidense. “O comando qualifica a si mesmo como garantia da ‘democracia e segurança’ da região (sob sua jurisdição), mas, obviamente, suas possibilidades reais de ação na Europa são menores que na Ásia Central, na América Latina ou na África”, explica. Atualmente, existem cinco comandos: Central, Europeu, Pacífico, Norte e Sul (responsável pela América Central, América do Sul e Caribe). O Comando da África (Africom) será o sexto. Tais unidades possuem ligações diretas com o secretário

ação no continente, de acordo com o general Walter Sharp, do exército dos EUA. “Esse comando também tem e terá a responsabilidade de fazer quaisquer operações militares que o secretário de defesa ou o presidente determinarem”, afirmou. Embora não estejam previstas tropas para o Africom, eventuais ações

utilizarão forças de outros comandos. Por isso, na opinião de Lone, o novo comando “enfraquecerá a soberania do continente, já severamente comprometida desde que a guerra ao terror começou, e o tornará muito mais suscetível à pressão dos EUA”. Além disso, aponta, a presença dos EUA criará instabilidade e o fará alvo de forças anti-estadunidenses. Em julho, Bush nomeou o general William E. Ward como o primeiro comandante

de defesa (hoje, Robert Gates) e o presidente dos EUA. “Geralmente, os chefes de cada um desses comandos movem-se livremente pela região a seu cargo, estabelecem escritórios em alguns casos, encarregam-se do cuidado das bases militares que existem na área, promovem acordos de cooperação, treinamento etc.”, esclarece Ana Esther. Tais oficiais lideram, ainda, os exercícios de diferentes tipos que se executam na região, como milita-

res ou de ajuda humanitária, em parceria ou não com países sob sua jurisdição. Além disso, de acordo com a socióloga mexicana, cada comando tem como responsabilidade o estabelecimento e a gestão do sistema de bases de diferentes caracteres, o trabalho com exércitos locais para a determinação de normas gerais de comportamento “e, sobretudo, de cumplicidades que os comprometam com as políticas dos EUA”. (IO)

Várias sedes?

Por outro lado, a Libéria, em julho, e o Djibouti, em fevereiro, ofereceram seus territórios. O primeiro encontra-se próximo do petróleo do Golfo da Guiné (Angola e Nigéria) e dos recursos da República Democrática do Congo. “Estrategicamente, Nigéria, República Democrática do Congo, Somália ou Sudão seriam excelentes lugares para o Africom. No entanto, a Libéria é talvez um dos mais seguros”, opina Ana Esther. Ainda assim, para ela, serão necessárias várias sedes para dar con-

ta das inúmeras problemáticas do continente. O Djibouti, localizado no Chifre da África – próximo ao petróleo do Sudão e às margens do Mar Vermelho, onde circula grande parte dos recursos petrolíferos vindos do Oriente Médio –, já conta com uma força antiterrorista dos EUA estacionada em uma base com cerca de mil fuzileiros navais. Na mesma região, o país apóia as tropas etíopes presentes na Somália. Entre o segundo semestre de 2006 e o primeiro de 2007, o governo somáli, com suporte do exército da Etiópia, combateu forças islâmicas que tomaram, por alguns meses, a capital e outras importantes cidades. Na “guerra ao terror”, impedir o avanço do islamismo é fundamental, na visão do governo estadunidense. De acordo com Ana Esther, é do Chifre da África que decolaram os aviões bombardeiros das últimas guerras no Oriente Médio e na Ásia Central. No entanto, para ela, antes da escolha de uma sede, os EUA estão trabalhando pela aceitação da idéia: “Uma vez que o Africom fique estabelecido no imaginário coletivo, o lugar físico, ou melhor, os lugares, será o de menos”.

Continente será o de maior importância econômica A África abriga importantes reservas de minérios usados na indústria, além de petróleo, água e biodiversidade da Redação

Militar estadunidense ensina o uso de armamento

do Africom. A partir de outubro, o novo comando funcionará como uma sub-unidade do Comando Europeu. Em 30 de setembro de 2008, ganhará autonomia. Mas, se os EUA esperavam que haveria uma disputa acirrada entre vários países africanos para abrigarem a sede do Africom, estavam enganados. Durante um giro de uma delegação estadunidense pelo Norte do continente, Argélia e Líbia recusaram proposta do Pentágono. O Marrocos, embora não tenha rejeitado explicitamente, tampouco mostrou-se animado. Detalhe: os três países são conhecidos aliados dos EUA.

De acordo com dados de Ana Esther Ceceña, além da grande quantidade de ouro e diamante que podem ser encontrados em seu território, a África possui 81% das reservas de cromo e 53% das de cobalto, metais utilizados principalmente na produção de ligas resistentes a altas temperaturas, velocidades e corrosão e que possuem características magnéticas. Tais qualidades os fazem serem muito apreciados na indústria aeroespacial e militar, por exemplo. Além disso, o continente africano tem 52% das reservas de manganês, usado na produção de aço e outras ligas metálicas importantes para a indústria, e 13% da de titânio, elemento utilizado nas indústrias química, naval, nuclear, bélica e metalúrgica. Os países que possuem as maiores concentrações de metais estratégicos são a República Democrática do Congo (RDC) e a África do Sul, além da Guiné, que contém quase a metade das reservas mundiais de bauxita,

minério usado na fabricação do alumínio. No Leste da RDC, por exemplo, existem grandes quantidades de riquezas como cobalto, urânio, cobre e tântalo, além de ouro e diamante. A disputa por tais recursos já causou uma guerra de grandes proporções na região, entre 1998 e 2003, e os conflitos seguem até hoje. O tântalo, utilizado em equipamentos eletrônicos, como aparelhos celulares, é um dos principais alvos das transnacionais, especialmente da alemã Bayer, que o compra para processá-lo e vendê-lo às empresas de telefonia móvel.

Abundância

O petróleo africano, por sua vez, pode ser visto como uma boa saída para as dificuldades do Oriente Médio. As reservas provadas no continente são superiores a 100 bilhões de barris, com grande possibilidade de esse número crescer muito mais. Países como Sudão e Angola, por exemplo, estão rapidamente se juntando a Nigéria, Argélia, Líbia e Egito como os maiores produtores africanos.

Em 2006, George W. Bush anunciou a intenção de substituir, até 2025, mais de 75% das importações estadunidenses do petróleo do Oriente Médio. A Nigéria já é a quinta maior fornecedora do produto para os EUA. No entanto, a violência na sua região mais rica nesse recurso, o Delta do Níger – onde grupos rebeldes, que reivindicam maiores rendimentos para a população da área, freqüentemente sabotam as operações petrolíferas – , já chegou a acarretar uma queda de 25% da produção. Garantir a estabilidade é fundamental. Para completar, é no continente que estão localizadas duas das três maiores reservas de água subterrânea do mundo: o Aqüífero Nubio, no subsolo do Sudão, Egito, Líbia e Chade; e o Aqüífero do Saara, sob a Argélia, Líbia e Tunísia. Lagos superficiais, como o Vitória (sob jurisdição de Uganda, Quênia e Tanzânia), a biodiversidade encontrada nos rios e florestas tropicais africanos, como os da bacia do Congo, e os vastos territórios que podem ser utilizados para a produção de agrocombustível também despertam interesse. (IO)


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américa latina

EUA operam na Tríplice Fronteira U.S. Department of State

CONE SUL Departamento do Estado divulga relatório sobre operações de uma ForçaTarefa sediada na Argentina Stella Calloni de Buenos Aires (Argentina) UM RELATÓRIO da Estratégia Internacional de Controle de Narcóticos dos Estados Unidos, concluído em março, estabelece que na zona argentina da Tríplice Fronteira opera a chamada ForçaTarefa (Task Force) Fronteira Norte financiada e “assistida” pelo governo de George W. Bush. O documento, divulgado pelo Escritório Internacional de Narcóticos e Aplicação da Lei, do Departamento de Estado dos Estados Unidos, foi publicado por uma investigação de Fernando Oz, no jornal El Territori, da Província (Estado) de Missões que, em diversas oportunidades, denunciou o espinhoso tema da Tríplice Fronteira, uma zona estratégica que figura desde os anos de 1990 no esquema de ocupação militar por parte dos Estados Unidos. O lugar é também estratégico pela existência em um vasto subsolo do Aqüífero Guarani, uma enorme reserva natural de água potável, um recurso cada vez mais visado pelos países poderosos. A Tríplice Fronteira compreende as cidades de Foz do Iguaçu (BRA), Puerto Iguazú (ARG) e Cidade del Este (PAR), respectivamente. O dado chamativo é que a Força-Tarefa Fronteira Norte opera no país desde janeiro de 2006, com instalações militares na fronteira argentinoboliviana e sede na Argentina, segundo a investigação. “Neste ano, a denominada ForçaTarefa Fronteira Norte iniciará uma guerra contra o narcotráfico nas províncias de Missões e Formosa. Mas não se

Tropas estadunidenses desembarcam materiais em São Marcos, Guatemala, durante etapa da Operação Novos Horizontes

mentar “uma legislação mais dura contra a lavagem de dinheiro e o financiamento de ações contra o terrorismo”. O documento traz dados e números sobre as operações realizadas “de janeiro a setembro de 2006” pela ForçaTarefa, assistida pelo governo estadunidense, mas nesse caso na fronteira argentina com a Bolívia em suposta coordenação com organismos fiscalizadores locais. O longo relatório enfatiza que os países da Tríplice Fronteira não podia deixar de fora o tema do “terrorismo islâmico” – os Estados Unidos dizem existir células da Al Qaeda na região. Agora, Washington faz esforços para juntar nesse mesmo pacote forças e movimentos de esquerda. O texto menciona que, em 6 de dezembro de 2006, o De-

Operação, mantida pelo governo Bush, é realizada próximo ao Aqüífero Guarani, uma enorme reserva natural de água potável no subsolo de Argentina, Brasil e Paraguai combaterá apenas o tráfico de drogas, o contrabando e o financiamento de grupos terroristas serão outros dos inimgos”, assinala.

Acusações A avaliação sobre a Argentina merece oito páginas. O território do país é caracterizado como de “trânsito para a cocaína proveniente da Bolívia, Peru e Colômbia até os Estados Unidos”. Surpreende nesse informe que se fale da Argentina como um país onde há “aumento na quantidade de pequenos laboratórios que convertem a pasta base de cocaína em cloridrato

(pó)”, algo que poucas vezes se disse sobre este país. “Argentina não é um dos principais países produtores de drogas, mas dadas suas instalações, estão sendo montadas aqui as organizações do tráfico”, registra o informe estadunidense. Segundo o documento, os traficantes podem controlar melhor a pureza do produto final, a disponibilidade de componentes químicos e enfrentam menores riscos de embarcar a mercadoria.

Interesse na aviação O relatório também fala da “preocupação” dos Estados

Unidos por “vôos ilegais na fronteira norte do país”, ante o qual existe um plano desenhado por Washington para “controlar o espaço aéreo das permeáveis zonas fronteiriças” e o “transporte aéreo comercial”. Recentemente, organismos humanitários com base em investigações próprias e de grupos independentes denunciaram vôos ilegais, mas de aviões estadunidenses nessa sub-região. O relatório diz também que os Estados Unidos estão fazendo gestões com o governo local – com sucesso, diz o texto – para melhorar o sistema de radares e para imple-

partamento do Tesouro dos Estados Unidos detectou “nove indivíduos e duas organizações na área da Tríplice Fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai que apoiaram com recursos financeiros e logística o Hezbollah”, com negócios na Cidade del Este. Os governos argentino e brasileiro negam as informações. Organizações de direitos humanos estudam fazer um pedido de investigação sobre essas operações e abarcando inclusive os governos que compartilham a estratégia para a Tríplice Fronteira. As entidades recordam que os Estados Unidos e seus sócios mais próximos tratam de localizar a zona como uma espécie de centro e refúgio do chamado “terrorismo islâmico” nunca comprováveis. (La Jornada – www.jornada.unam.mx)

INTEGRAÇÃO

BOLÍVIA

Encontro na Venezuela discute a integração da América Latina

Tarija ameaça declarar-se autônoma Para vice-presidente Álvaro García Linera, medida seria considerada ilegal

Intelectuais, personalidades e lutadores sociais de 26 países debatem o Novo Contrato Social para o fortalecimento da alternativa bolivariana para as Américas Marcelo García_Prensa Miraflores

Rosa Rojas de La Paz

da Redação

O Comitê Cívico de Tarija – no Sul da Bolívia – anunciou que se a Assembléia Constituinte não incluir na nova Constituição a autonomia dos Estados vai fazer o mesmo por conta própria, com a eleição imediata de autoridades. O vice-presidente Álvaro García Linera respondeu que esse ato “seria ilegal” e que a Constituinte “está pavimentando o caminho” para a dita autonomia. O vice-ministro de Governo e Polícia, Rubén Gamarra, classificou a posição dos cívicos tarijenhos de traição à pátria. Enquanto isso, na chamada

Graças a convênio entre Chávez e Fidel, 1,5 milhão de venezuelanos foram alfabetizados

Quanto

4 mil venezuelanos estudam medicina em Cuba

tifúndio, permitindo o resgate de mais de dois milhões de hectares que se encontravam improdutivos. O deputado acrescentou que a cúpula é fundamental para a realização de contribuições para construir um novo modelo social. Para o historiador e politólogo belga, Eric Toussaint, o sistema capitalista é o responsável pela enorme desigualdade da distribuição da riqueza nos países da América Latina. Toussaint disse que há

de se revisar o conceito de propriedade privada e ver o capital como relação social para que exista uma justa distribuição de riqueza. Uma das propostas fundamentais para o historiador é a abolição da propriedade provada dos grandes meios de produção. Já o economista Jorge Marchini assegurou que a criação do Banco do Sul é urgente. Segundo Marchini, o aumento dos preços nos produtos de exportação e a melhora das condições financeiras delineiam um horizonte novo muito promissor. Portanto, deve-se estimular a unificação dos povos do Sul. Amanhã (4), no encerramento será feita a leitura da declaração derivada do encontro. (Adital - www.adital.org.br)

Marcello Casal Jr/ABr

O tema da Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA) foi o eixo principal dos debates da VI Cúpula Social pela União Latino-Americana e Caribenha, realizada entre 31 de julho e 4 agosto, em Caracas, Venezuela. Mais de 200 intelectuais, personalidades e lutadores sociais de 26 países expuseram as bases do denominado Novo Contrato Social para o fortalecimento da ALBA. O ministro de Educação venezuelano, Adán Chávez, discorreu sobre a necessidade de uma verdadeira democracia que inclua todos para poder construir experiências como a colaboração entre Venezuela e Cuba, que está possibilitando a criação das bases para uma nova sociedade na qual o preponderante é a justiça social. Segundo o ministro, a Alba abre as portas para a concretização de novas propostas de integração na educação para as nações da América Latina. Chávez afirmou que graças ao convênio firmado entre Cuba e Venezuela, mais de 1,5 milhão de venezuelanos aprenderam a ler e a escrever em menos de um ano por meio do método “Yo sí puedo”. De acordo com Chávez, quatro mil venezuelanos estudam Medicina Integral Comunitária em Cuba. Além disso, 28 mil venezuelanos iniciaram a carreira de Medicina Integral Comunitária no país. Entre Venezuela e Cuba, desenvolvem-se 17 projetos referentes à formação docente, à revisão e elaboração de textos. O deputado Braulio Álvarez, integrante da Comissão Permanente de Desenvolvimento Econômico da Assembléia Nacional, disse que a República Bolivariana da Venezuela obteve bons resultados na luta nacional contra o la-

Cúpula Social, mais de 10 mil indígenas e camponeses e integrantes de outros movimentos sociais do país marcharam em 27 de julho em Sucre e realizaram um ato em defesa da Assembléia Constituinte, quando exigiram a aprovação do texto da nova Constituição em 6 de agosto. O vice-presidente do Comitê Cívico pró-Santa Cruz, Luis Núñez, comentou, por sua vez, que os tarijenhos, como os crucenhos, têm direito de declarar sua autonomia, adquirido em um referendo, e apontou: “Deixamos muito claro que se a Constituinte não incluir o tema, convocaremos novamente um referendo para que diga que somos autônomos”. (La Jornada www.jornada.unam.mx)

Álvaro García Linera, vice-presidente da Bolívia


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internacional Marcello Casal Jr/ABr

Bush estimula nova corrida armamentista

ORIENTE MÉDIO Estado Unidos vão vender armamentos para Israel e sete países árabes; objetivo é fazer resistência à influência do Irã da Redação OS ESTADOS Unidos anunciaram oficialmente um plano para vender armas e veículos de guerra a Israel e outros sete países árabes, em negociações que atingirão a cifra de 63 bilhões de dólares. De imediato, organizações de direitos humanos, congressistas estadunidenses e analistas europeus avaliariam que a medida é um passo decisivo rumo a uma nova corrida armamentista na região. Minutos antes de empreender uma viagem pelo Oriente Médio que tem o objetivo de conseguir apoios regionais à guerra do Iraque e contraatacar a influência do Irã na região, a secretária de Estado, Condoleezza Rice, confirmou a informação que já havia sido publicada pela imprensa estadunidense.

anos, ficará em 30 bilhões de dólares. Se o Congresso estadunidense aprovar a negociação, representará um incremento de 30% em comparação com as vendas registradas nos dez anos anteriores. Fontes do Pentágono disseram que as aquisições de Tel Aviv têm a finalidade de manter o alto nível tecnológico de seus armamentos e equipamentos militares, assim como ressarcir as perdas durante a invasão ao Líbano em 2006. No caso particular do Egito, Washington iniciou negociações sobre a renovação de um acordo de “assistência” militar por 13 bilhões de dólares nos próximos dez anos, informou a funcionária da Casa Branca. Rice, entretanto, não ofereceu detalhes sobre o tipo de armamento que Wa-

“Os Estados Unidos querem criar uma falsa corrida armamentista para suas companhias bélicas sobreviverem”, diz ministro da Defesa do Irã “Para apoiar nosso permanente compromisso diplomático na região, preparamos novos contratos de assistência (militar) com os países do golfo (Pérsico), Israel e Egito”, disse Rice, que viajou junto ao secretário de Defesa, Robert Gates. Esta ação “permitirá apoiar os partidários da moderação e una estratégia mais ampla destinada a contra-atacar as influências negativas da Al Qaeda, Hezbollah, Síria e Irã”, complementou Rice.

Crescimento na receita Somente o pacote para Israel, para os próximos dez

shington poderá colocar à disposição do Cairo, mas afirmou que “modernizar mais as forças armadas sauditas e egípcias e incrementar sua capacidade de intervenção ajudará a nossos aliados a enfrentar a ameaça do radicalismo e fortalecer seus respectivos papéis como líderes regionais”. Já para a Arábia Saudita serão 20 bilhões de dólares, segundo um alto funcionário que viajou na comitiva de Rice e Gates. “Esse é o piso para a negociação”, informou em condição de manter o anonimato. “Os outros (países do Golfo Pér-

sico) ainda não sabemos”, agregou. A Arábia Saudita terá a sua disposição sofisticadas peças fabricadas por empresas estadunidenses, tais como bombas guiadas – as primeiras a disposição de um país árabe –, aviões, caça-bombardeiros, embarcações e sistemas navais. Antes de consolidar, na semana passada, o acordo com Riad, fontes governamentais estadunidenses acusaram o reino de fazer pouco para brecar a incursão de combatentes islâmicos para o território iraquiano. “A Arábia Saudita não faz tudo o que poderia para nos ajudar no Iraque”, disse o representante ante as Nações Unidas e ex-embaixador em Bagdad, Zalmay Khalilzad. Para finalizar a venda, Washington impôs a condição aos sauditas de que os equipamentos de guerra estejam limitados em alcance e tamanho para que não ameacem a supremacia militar do Estado de Israel na região. De acordo com o jornal britânico The Independent, a Casa Branca espera que o pacto evite a repetição de conflitos com o Congresso em torno da relação com Arábia Saudita, o que propiciou que Riad se abastecesse de armas via GrãBretanha. A imprensa estadunidense não mencionou se Bahrein, Kuwait, Omán, Qatar e os Emirados Árabes Unidos também poderiam ter direito aos mesmos equipamentos de guerra que a Arábia Saudita. De acordo com as declarações do alto funcionário que acompanha Gates e Rice no Oriente Médio, esses países devem definir com os Estados Unidos o montante a ser negociado. (La Jornada www.jornada.unam.mx)

Condoleezza Rice: armas para Israel e Egito

“Medidas vão gerar cenário de terror” da Redação As críticas ao plano de vendas militares do governo de George W. Bush não demoraram a acontecer. No Irã, o ministro das Relações Exteriores, Mohammed Ali Hosseini, declarou que as medidas de Washington buscam gerar um “cenário de terror”. Para o ministro de Defesa iraniano, Mostafa Mohammad Najjar, os Estados Unidos tentam “criar una falsa corrida armamentista para que suas grandes companhias bélicas possam sobreviver”. O Irã, no dia 30 de julho, recebeu técnicos da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) que inspecionaram um reator iraniano na planta nucleoeléctrica de Arak. Segundo Najjar, “não há preocu-

MILITARIZAÇÃO

Transnacional francesa, EADS, vende armas para o governo da Líbia de Trípoli (Líbia) O Ministério da Defesa líbio confirmou, no dia 3, ter negociado um acordo para comprar armas francesas. Na noite anterior, funcionários do governo da Líbia já haviam anunciado a assinatura de dois contratos com a corporação EADS, fabricante de transportes militares e armas de diversos tipos. A operação de maior valor corresponde à compra de mísseis de médio alcance, por um total de 230 milhões de dólares (ou R$ 438 milhões). Já o segundo contrato prevê um montante de 175 milhões de dólares (ou R$ 334 milhões). Essa é a primeira vez que um país europeu vende armas para a Líbia desde que foi levantado, em 2004, um embargo internacional contra o país africano. A nação viveu episódios conflituosos com o ocidente por conta das políticas de seu líder, Muammar Kadafi, que utilizou recursos do petróleo para fortalecer suas políticas nacionalistas e de desenvolvimento. Em 1986, o ex-presidente estadunidense Ronald Reagan acusou a antiga colônia italiana de terrorismo, impôs um bloqueio econômico e bombardeou as cidades de Trípoli e Benghazi. Cinco anos depois, tribunais da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos culparam o governo líbio por atentados terroristas cometidos em 1988.

Repercussão Em julho, a França e a Líbia já haviam assinado um memorando para construir um projeto de um reator nuclear para dessalinizar a água do mar.

karlhabbycolette/CC

Líder socialista exige a criação de uma comissão legislativa para investigar o caso

pações com o fortalecimento das capacidades defensivas de outros países islâmicos”. Analistas europeus, por sua vez, destacaram que a venda de armas a países que circunstancialmente pertencem ao círculo de aliados não é uma prática nova e, no passado, resultou contraproducente para Washington. “Os Estados Unidos já recorreram à tática de armar aqueles de quem se espera uma ação para conter uma ameaça regional”, avalia o especialista britânico em Oriente Médio, Christopher Pang, do instituto de defesa RUSI. “Se levarmos em conta a instabilidade desses regimes, tudo poderá se voltar um dia contra os estadunidenses”, afirma a analista Caroline Pailhe, investigadora do Grupo de Investigação e Informação sobre Paz e Segurança.

Governo dos EUA aprova no Congresso nova lei da espionagem Serviços de inteligência poderão agora interceptar chamadas telefônicas e correios eletrônicos sem autorização judicial da Redação Após uma disputa entre democratas e republicanos, prevaleceu a proposta do presidente George W. Bush. O Congresso aprovou mudanças na Lei de Espionagem que permitem aos serviços de inteligência dos Estados Unidos, sem autorização do Poder Judiciário, interceptar chamadas telefônicas e correios eletrônicos de pessoas consideradas suspeitas de organizar atos terroristas contra os Estados Unidos.

te em seis meses, mas nesse prazo os legisladores terão que redigir uma norma definitiva que acabe com a renovação temporária das atribuições do Executivo em matéria de espionagem. A lei “dará a nossos profissionais da inteligência as ferramentas para protegera nossa nação”, afirmou o presidente Bush, em um comunicado, em que também argumentou que “proteger os Estados Unidos é nossa mais solene obrigação”. Em oposição, a União Estadunidense de Liberdades Civis criticou a ausência da pro-

A CIA poderá quebrar o sigilo das mensagens de um estrangeiro, considerado suspeito, que faça uso de um correio eletrônico de uma empresa com sede nos Estados Unidos O ministro da defesa francês, Hervé Morin (à direita), culpa o governo passado

Diante da onda de críticas despertada na França e no resto da Europa pela venda da EADS para a Líbia, o ministro da Defesa do governo conservador francês, Hervé Morin, afirmou que as bases do acordo foram colocadas durante o mandato de Jacques Chirac, em cujo gabinete esteve

Nicolas Sarkozy, eleito chefe de Estado em maio. Insatisfeito com as explicações do governo direitista francês, o líder socialista François Hollande pediu a criação de uma comissão legislativa para tornar a operação mais clara. (La Jornada – www.jornada.unam.mx)

Outra alteração é que as atividades de espionagem serão executadas nas empresas de telecomunicações com sede nos Estados Unidos. Os contatos que um estrangeiro fizer por meio de linhas ou centrais estadunidenses poderão ter seu sigilo quebrado pela CIA. A lei estará vigen-

teção para os cidadãos. “Estamos profundamente decepcionados com o fato de que a tática do presidente de gerar medo, outra vez, obrigou o Congresso a se submeter aos interesses do Executivo”, registrou nota da organização. (La Jornada – www.jornada.unam.mx)


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cultura

Um livro que desvenda Caparaó LITERATURA Livro do jornalista José Caldas da Costa conta a pouco conhecida história da primeira guerrilha dos anos de 1960 Dafne Melo da Redação TRÊS ANOS após o golpe militar de 1964, o menino de 7 anos observa a passagem dos veículos do Exército pelas ruas do município de Alegre, nas proximidades do maciço central da serra do Caparaó. O porquê da movimentação de tantos soldados fica, entretanto, sem uma resposta satisfatória o garoto. O que não se saberia até muitos anos depois é que aquela movimentação reagia à instalação de um foco guerrilheiro organizado por militares de esquerda expulsos de suas corporações após o golpe. Em 1997, o “menino” decide subir a serra da infância, para ver o sol nascer do Pico da Bandeirana, divisa entre o Espírito Santo e Minas Gerais. Já lá em cima, lembra da imagem dos blindados que viu quando criança. “Naquele momento, diante da dificuldade que passei, do esforço sobre-humano para subir aqueles quase 3 mil metros de altitude, com o frio e todas aquelas adversidades, pensei: o que aconteceu nesse lugar? Porque enviaram tantas tropas? Aí resolvi ir atrás dessa história”, conta o jornalista José Caldas da Costa, autor de Caparaó - A primeira guerrilha contra a ditadura. Em entrevista ao Brasil de Fato, Costa – que dedicou quase dez anos à sua pesquisa - comenta aspectos da guerrilha, seus personagens e objetivos. Brasil de Fato – Na apresentação do livro, lemos que, ao fazer a pesquisa, você buscava respostas para o que viu quando criança. Foi esse seu motivo central? José Caldas da Costa – O primeiro motivo foi mesmo dar uma resposta ao menino de sete anos que não entendeu o que viu. Em 1979, saí de Alegre, uma cidade bem pequena do interior do ES, região de fazendeiros pecuaristas de gado leiteiro. Era uma sociedade muito conservadora, mas convivi com a política muito cedo, pois minha mãe gostava muito de política. Mas até 1978 eu não entendia política em sua complexidade. Quando chego em Vitória, para trabalhar no jornal A Tribuna, deparei-me com várias pessoas que haviam participado da resistência, da esquerda, que me mostraram um novo lado da política. Confesso que até sair de Alegre, o golpe era a “revolução democrática de 1964”. Era o que se ensinava nas escolas e não havia acesso a outro tipo de informação. Comecei a ler muito. Veio a Anistia [1979] e o pessoal que voltou do exílio começou a escrever sobre o assunto. Mas para mim havia um buraco: o que aconteceu no Caparaó? Fazia parte do meu contexto e eu queria entender. Fiquei vinte anos perguntando e ninguém sabia nada. Em 1997, decidi subir o Pico da Bandeira com uns amigos. Naquele momento, diante da dificuldade que passei, do esforço sobre-humano para subir aqueles quase 3 mil metros de altitude, com o frio e todas aquelas adversidades, pensei: o que aconteceu nesse lugar? Porque enviaram tantas tropas? Aí resolvi ir atrás dessa história Como foi a reação das pessoas da região? Em Alegre, houve espanto. As pessoas acompanhavam com certo silêncio. Todo mundo saiu para ver a passagem dos tanques. Parecia uma guerra. Havia muito medo. Na exata região onde estava o foco, ele foi rejeitado. Há um equívoco que não podemos transformar em juízo: os guerrilheiros não tinham conhecimento da geografia local em toda sua dimensão, inclusive a social. O povo era muito pobre. Suponho que se eles tivessem tentado se integrar à sociedade e agido a partir das demandas locais, poderiam ter obtido êxito. Um problema sério na região era a energia elétrica. Em Guaçuí e Alegre houve, nessa época, manifestações contra os serviços das empresas de energia. Isso eu lembrava de quando era criança e fui pesquisar. Mas eles não tinham essa perspectiva, não entendiam a região e a região não os entendia. Jamais conseguiriam apoio daquela forma. Tanto que quem os entrega são pes-

Em 1º de abril de 1967, tropas da PM capturam os guerrilheiros. O coronel Jacinto Melo apresenta os presos para a imprensa. Essa decisao impede que sejam assassinados

Quem é José Caldas da Costa, jornalista, nasceu em 1960, em Alegre (ES) Escreveu para as principais revistas do seu Estado, atuou como repórter, redator e chefe de sucursal de A Gazeta (ES) e redator de O Globo. Voltou a A Tribuna como editor, permanecendo por cinco anos (1996-2001)

Alegre e desapareceu lá, e um rapaz da cidade que desapareceu em São Paulo, junto com a esposa. Na verdade, três desaparecidos.

Caparaó - A Primeira Guerilha Contra a Ditadura José Caldas da Costa 336 págs. Boitempo Editorial – 2007 www.boitempoeditorial.com.br soas que supostamente seriam beneficiadas pelo movimento: camponeses muito pobres. A historiografia sobre Caparaó é pequena se comprada a outras. Por quê? Era um movimento feito por militares. Para a direita, é inconveniente dar visibilidade a um fato que evidencia que não havia um pensamento homogêneo nas Forças Armadas. A sociedade civil, por sua vez, também via com desconfiança um movimento de militares. Eram incompreendidos pela sociedade civil por serem militares, e sufocados pelo Regime por serem de esquerda. Caparaó foi feita por praças, sargentos, marinheiros, suboficiais. Era uma reação das bases militares. Por isso, foi jogado para debaixo do tapete da história. Muitos historiadores omitem ou não dão importância, quando foi algo relevante, inclusive com mortes. Primeiro, o Manuel Raimundo Soares, morto sob torturas ainda no período de organização da guerrilha. Depois, o Milton Soares de Castro, um civil, operário, morre na prisão. O meu objetivo não é fabricar heróis, a história está colocada. Temos de entender a guerrilha e entender todos os agentes da nossa história. Ela deve ser passada a limpo. Minha conclusão é de que ainda não foi contado nem 10% do que aconteceu naqueles anos. Durante minha pesquisa, e mesmo depois, surgiram muitas histórias. Descobri, por exemplo, dois desaparecimentos políticos que não estão incluídos nas relações oficiais. Uma menina, estudante em Vitória, mas que a família morava em

E quanto à participação do Brizola? Brizola sempre renegou seu papel como um dos cabeças dessa história. Talvez porque ele estivesse no governo do RJ e, pragmático que era, negava seu envolvimento. Mas sua participação é inquestionável. Ele era a expressão maior, como alguém que tinha resistido e por sua ligação com Jango, o Trabalhismo, etc. Paulo Schilling, pessoa muito próxima do Brizola, fala que os cubanos o viam como uma figura significativa para a “exportação” da experiência cubana. E Cuba, de fato, o apóia. Que houve dinheiro de Cuba em Caparaó por intermédio do Brizola, houve. Num dado momento – e essa é uma parte polêmica – o pessoal de Caparaó fica desguarnecido: parou de chegar apoio de Cuba, não há suprimentos. Cuba parou de dar suporte e fez opção pela Ação Libertadora Nacional (ALN). Sem dúvida, porém, Brizola foi um dos grandes apoiadores de Caparaó. Este ano foi também lançado um documentário, de Flávio Frederico, sobre Caparaó. Qual a relação entre o filme e o livro? São dois projetos paralelos que se encontraram. Minha pesquisa facilitou o trabalho do Flávio Frederico, mas ele já estava fazendo sua própria pesquisa. Ele trabalhava um projeto sobre a Serra da Man-

tiqueira, quando passou por Caparaó e ouviu a história da guerrilha. Então, começou a levantar a história. A partir de Araken Vaz Galvão, entrou em contato comigo. Passei contatos e lhe dei os originais do livro. Ele diz que seu trabalho ficou mais fácil. Mas ele tem todos os méritos como cineasta. O meu livro é apenas uma fonte para ele, e não é a única. Ele fez todo um trabalho de resgate de imagens de arquivos, algumas inéditas. Acho que o filme e o livros se complementam. Como os personagens da história têm recebido seu livro? Nenhum deles criticou o conteúdo. Esses dias o Edival Mello me ligou e disse: você conta coisas que nem eu sabia. Na realidade, eles mesmos estão descobrindo e repensando o movimento, pois cada um deles tinha uma visão mais pessoal, e a obra tenta colocar uma visão de conjunto. Nenhum deles sabia, por exemplo, que o Paulo Schilling viajou à China para buscar armas para a guerrilha. As únicas restrições que eles têm são entre si, de versões diferentes, mas são muito respeitosos com isso. É impressionante. Passei a admirá-los mais ainda ao ver o respeito que cada um tem pela opinião do outro. O que eu acho que o filme e o livro conseguiram fazer foi promover o reencontro deles. No Rio de Janeiro, foi lindo o lançamento. Olhava aqueles caras se reencontrando e vibrando, pois têm a exata noção da importância histórica do que fizeram. Não fizeram nenhuma restrição à abordagem do livro ou do filme.

Outros livros sobre movimentos militares brasileiros de esquerda

• A Guerrilha do Caparaó Gilson Rebello Editora Alfa-Omega www.alfaomega.com.br

• A Esquerda Militar no Brasil João Quartim de Moraes Editora Expressão Popular – 2005 www.expressaopopular.com.br

• A Rebelião dos Marinheiros Avelino Bioen Capitani Editora Expressão Popular – 2005 www.expressaopopular.com.br

DOCUMENTÁRIO

O filme sobre a guerrilha ganha prêmio

O diretor durante as filmagens

Além do livro de José Caldas Costa, a guerrilha de Caparaó foi objeto do filme do cieneasta Flávio Frederico No documentário, “Caparaó”, filmado entre junho de 2003 e maio de 2005, são entrevistados todos participantes ainda vivos, dentre eles, o seu comandante militar, Amadeu Felipe da Luz Ferreira, que voltou a Caparaó para contar a história. Há também depoimentos dos que deram cobertura à guerrilha nas cidades, e os oficiais da Polícia Militar que fizeram a prisão do grupo, em 1º de abril de 1967. Um deles, o coronel da PM Jacinto Franco do Amaral Melo, que, antes de entregar ao Exército os combatentes, permitiu que a imprensa os fotografasse vivos após a captura. A atitude irritou setores da repressão que pretendiam levar os guerrilheiros ao lugar do acampamento para forjar um conflito e executá-los. Além dos depoimentos, o cineasta encontrou documentos inéditos e confidenciais nos arquivos do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) em São Paulo e no Rio de Janeiro, além de fotos e matérias de jornais nos Arquivos Públicos dos dois Estados, e imagens inéditas das operações em Caparaó, no arquivo da extinta TV Tupi, alocado e recuperado pela Cinemateca Brasileira. O filme teve um orçamento de 553 mil reais e foi premiado em 2006 no festival “É Tudo Verdade”, como melhor documentário nacional.


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