BDF_233

Page 1

Circulação Nacional

Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 5 • Número 233

São Paulo, de 16 a 22 de agosto de 2007

R$ 2,00 www.brasildefato.com.br

Valter Campanato/ABr

Bancos intensificam exploração e batem novo recorde de lucros Nelson Jobim admitiu ter fraudado a Constituição O ministro da Defesa Nelson Jobim confessou em 2002 que havia alterado dois artigos da Constituição de 1988, quando era deputado constituinte pelo PMDB. Estudo aponta que o outro artigo alterado por Jobim pode ter favorecido os credores da dívida brasileira. Com a mudança, o pagamento da dívida tornou-se a maior prioridade. Pág. 6

Antonio Cruz/ABr

Dívida fica fora do debate para aprovação da CPMF e da DRU

Alejandro Mejía Greene/CC

Terras do país são objeto de cobiça Grandes empresas transnacionais estão de olho no território brasileiro. Atraídas pela propaganda pró-agrocombustíveis, elas investiram cerca de R$ 6,5 bilhões no mercado fundiá-

rio do Brasil, apenas nos três primeiros meses deste ano. De seu lado, o Incra já anunciou que vai investigar todos os negócios desse tipo feitos recentemente. Para o economista José Juliano

de Carvalho Filho, a tendência preocupa. “Você vai perdendo o domínio sobre o território, sobre a política, e passa a ser um objeto manipulado pelo grande capital”, alerta. Pág. 3

Douglas Mansur

O governo federal quer aprovar, numa mesma proposta de emenda constitucional, a renovação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira e da Desvinculação de Receitas da União. Se a prorrogação passar no Congresso, recursos para investimentos sociais continuarão sendo desviados para pagar a dívida. A DRU permite que 20% da arrecadação possa ser gasta “livremente”, o que significa que esses recursos, somados a boa parte dos mais de R$ 36 bilhões da CPMF, irão para o mercado financeiro. Pág. 4

Sessão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados debate a prorrogação da CPMF

Substituição de funcionários por outros trabalhadores com salários bem menores e sem carteira assinada. Pressões por cumprimento de metas. Afastamento por lesões relacionadas ao trabalho e problemas psicológicos. Perseguição ao direito de greve. A realidade dos trabalhadores do sistema bancário contrasta fortemente com os recordes de lucros batidos seguidamente pelos bancos privados no Brasil. Juntas, as cinco maiores instituições financeiras do país lucraram R$ 11,7 bilhões, 40,7% mais do que no mesmo período de 2006. A expansão do crédito nos últimos anos é apontada como o principal fator de tal crescimento. No entanto, para o economista Reinaldo Gonçalves, os juros exorbitantes dos empréstimos aprofundam a concentração de renda. Págs. 2 e 5

Manifestantes culpam o presidente Felipe Calderón

Livre-comércio amplia a atual crise mexicana

Reprodução

Investidores internacionais querem um pedaço da “Arábia Saudita do Álcool”

Até 1994, o México era auto-suficiente em milho, produto originário do solo local. Após a entrada do acordo de livre-comércio (Nafta), o país passou a comprar dos EUA um terço do milho consumido internamente. O acordo prevê ainda que, a partir de 2008, serão eliminados os

impostos da importação do alimento. Para barrar a perda de soberania alimentar, os movimentos camponeses lançaram a campanha “Sin maiz no hay país” (“Sem milho não há país”). Todos os anos, cerca de 50 mil pequenos produtores abandonam suas terras no México. Pág. 9

João Zinclar

Tendler lança Crise política filme sobre marca gestão Milton Santos de Uribe na A última entrevista Colômbia do geógrafo e pensador

Em caravana, movimentos pedem fim da transposição

brasileiro Milton Santos, gravada três meses antes de sua morte pelo cineasta Silvio Tendler, é o assunto do seu novo filme, “Encontro com Milton Santos – o mundo global visto do lado de cá”. Silvio afirma que esse seu trabalho é “um panfleto antiglobalização”, e provoca: “Acho que faltam panfletos no cinema... não tenho nenhum problema e nenhuma crise existencial de dizer que é um panfleto”, rematando: “Não é vergonha fazer panfleto, né? “ Pág. 12

Um grupo de especialistas e representantes de movimentos sociais irá percorrer onze capitais brasileiras para denunciar as mentiras e contradições em relação ao projeto do governo federal de transposição das águas do rio São Francisco. De 19 de agosto a 1º de setembro, os participantes da “Caravana Nacional em Defesa do rio São Francisco” pretendem apresentar alternativas e debater a inviabilidade do projeto, que, segundo eles, não irá resolver o problema de abastecimento de água da população que vive no Nordeste. Pág. 8

Ligações do alto escalão do governo de Álvaro Uribe com grupos paramilitares. Escutas ilegais realizadas pela polícia. Queda de seus principais assessores. Esses são alguns dos fatos mais marcantes do primeiro ano do segundo mandato do presidente colombiano, Alvaro Uribe, aliado preferencial do governo de George W. Bush na América Latina. Pág. 11

Mobilizações regionais estão programadas para o mesmo período


2

de 16 a 22 de agosto de 2007

editorial

Um gerente exemplar para os banqueiros O PRODUTO Interno Bruto (PIB) brasileiro deve crescer em torno de 3,5% em 2007. No entanto,o lucro dos cinco maiores bancos privados do país, no primeiro semestre deste ano, alcançaram um crescimento de 40,75% em relação a igual período de 2006. São lucros recordes. Somente o Itaú registrou, nesse espaço de tempo, um lucro de mais R$ 4 bilhões. Mas, assim como o crescimento do PIB é apenas uma média do crescimento dos produtos brutos das diversas atividades econômicas e que, portanto, não reflete um crescimento igual e equitativo nas grandes, médias e pequenas empresas, com mais razão ainda, as empresas não geram postos de trabalho proporcionais aos seus crescimentos, para não falarmos que não distribuem entre os que produzem suas riquezas (os trabalhadores) os seus lucros.

debate

Que importa que o PIB cresça apenas 3 ou 3,5% este ano, se os lucros dos banqueiros estão crescendo 40,75%? Os indicadores provam que, no setor dos bancos, o crescimento da massa dos lucros não é proporcional aos gastos com contratação de mão-de-obra, à ampliação do número de empregos. E não poderia ser diferente no modelo neoliberal em curso, em que a intensificação da exploração da mão-de-obra é um dos fundamentos do sucesso (pelo menos, por enquanto). Dados oficiais dão conta que o volume de empregos com carteira de trabalho assinada cresceu 20,7% em todo o país. No entanto, no setor bancário, esse crescimento foi de apenas 16%. Outro dado, também importante de ser percebido, é que 19,7% do crescimento do setor bancário é resultado da receita obtida com

a prestação de serviços (Dieese) – o suficiente para pagar toda a despesa de pessoal do banco. Se, em 1994, as tarifas cobradas dos clientes nos 11 maiores bancos do país correspondiam a 25,4% das despesas com pessoal, no ano passado elas passaram a representar 125,2% da folha de pagamento – no caso do Itaú, 188,6%. Em parte, tem razão o presidente da República quando diz que os ricos nunca ganharam tanto quanto em seu governo. Tem razão em parte porque, corrigindo a alocução presidencial, diríamos: nunca os mais ricos ganharam tanto neste país quanto no seu governo. Com uma polítca que combina essa distinção para com os mais ricos entre

opinião

Virgínia Fontes

A democracia da exceção

ESTAMOS VIVENDO um período de transformações significativas nas formas de dominação capitalimperialista, em decorrência da escala exponencial que atingiu. Em períodos anteriores, ditaduras e coerção expressavam a fragilidade capitalista, enquanto democracias (Estados de Direito e eleições regulares) e forte consenso caracterizavam os países desenvolvidos. Na atualidade, parece ocorrer um processo peculiar, com um aumento difuso das práticas de produção de consenso (“terceiras vias”, “terceiro setor”, “responsabilidade empresarial” etc.) ao lado de enorme crescimento da violência institucionalizada e/ou tolerada. Se isso é extremamente evidente no caso brasileiro, é visível também nos países centrais, como na Europa e nos EUA. Há uma clima permanente de “histeria securitária”, no qual ameaças pairam permanentemente sobre as populações, ameaças amplamente divulgadas por uma imprensa cada dia mais concentrada. Muitas dessas ameaças são obscuras, com origens incertas, não derivando de organizações com objetivos políticos claros, com bizarras ramificações supostamente internacionais. Procedentes ou não, tais ameaças vêm atuando como justificativa para um crescimento inaudito dos aparatos repressivos estatais, policiais e paramilitares. Terroristas, bandidos, assaltantes, drogados, jovens de periferia, grupos étnicos ou culturais, movimentos sociais: amedrontada, a população é instada a colaborar “espontaneamente” com as forças repressivas para a aniquilação do inimigo, inclusive abrindo mão de direitos fundamentais, como os direitos humanos, primeiros a serem espezinhados. Mas também do direito à livre expressão (com o avanço das escutas telefônicas e do rastreamento de correspondência pela internet), do direito à vida (pela irrupção de guerras pontuais a qualquer momento em qualquer ponto do planeta), sem falar nos direitos sociais, já há algum tempo sob ataque frontal. Alguns, como o filósofo Agamben, denominam o fenômeno de “estado de exceção”. Ao lado dessa histeria securitária e da destruição real de direitos, mantêm-se as formas representa-

os ricos, e um assistencialismo com os mais miseráveis (abandonando os trabalhadores à sua própria sorte – ou à anunciada Reforma Trabalhista), o governo abandonou as bases sociais originais do seu partido (trabalhadores urbanos e rurais), substituindo-as por aquelas que tradicionalmente foram respectivamente vanguarda e retaguarda dos grandes projetos mais antipopulares aplicados em nosso país. Talvez seja este o ponto em que os tucanos jamais perdoem o atual presidente. Sentem-se passados para trás. Acostumados apenas à política do salto-alto, dos controles dos aparelhos e das articulações de cúpula, os tucanos se aliaram ao velho PFL (senhores de muitos “grotões”), mas

não souberam disputar-lhes as bases. Por outro lado, aplicaram o receituário neoliberal, mas foram incapazes de anestesiar as organizações e movimentos dos trabalhadores – ainda que não os precisasse trair. É verdade que os tucanos e o velho PFL (hoje DEM) têm muita simpatia na grande mídia que vem manipulando no que pode o desgaste do atual Governo. Mas essa é uma briga de gerentes, uma vez que o projeto deste governo e o do anterior coincidem no que diz respeito ao essencial da macropolítica. E é exatamente por isso, que o presidente da República permanece sereno frente aos rompantes e diversas crises desencadeadas pela oposição de direita. Ele sabe que não precisa temer os demais candidatos a gerentes do projeto neoliberal que se apresentam ávidos por sucedê-lo em 2010. Fará seu sucessor – que certamente passará por fora do seu partido de origem.

Luiz Ricardo Leitão

Em busca do ouro (Breves reflexões sobre o Pan 2007 – II Parte) OS CUBANOS costumam dizer que “no hay mal que por bien no venga”, ou seja: há males que vêm pra bem... A versão caribenha do provérbio é bem mais sugestiva do que a lusitana, pois nos ensina que devemos extrair lições de todo e qualquer episódio adverso que sobrevenha em nossas vidas e, sobretudo, na luta incansável que travamos por um mundo mais justo e fraterno. Por isso, recordei-me do velho ditado quando, em meio ao Pan 2007, as manchetes dos jornais estamparam o caso de “deserção” dos boxeadores Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, cuja história nos foi narrada como uma mescla de filme policial da “guerra fria” e rocambolesco dramalhão mexicano. Em sua cruzada chauvinista para derrotar Cuba e levar o Brasil ao segundo lugar do “pódio de medalhas”, a poderosa (e venenosa) Rede Globo tratou o incidente como o prenúncio de uma “deserção em massa” da delegação cubana, exibindo, inclusive, cenas do embarque “preventivo” de atletas às vésperas da cerimônia de encerramento dos Jogos. É claro que a “reportagem” não dizia que mais de 500 desportistas cubanos vieram participar do Rio 2007 e que já havia dois vôos previstos para o regresso da comitiva. Várias delegações, aliás, já haviam deixado o Pan, sem que ninguém estranhasse o fato (o comitê organizador chegou a antecipar o horário do beisebol, para que a equipe ianque jogasse a decisão sem adiar seu vôo de volta aos EUA). A emissora tampouco se preocupou em mostrar a presença de mais de 200 atletas cubanos no desfile de encerramento dos Jogos, optando por transmitir as “videocassetadas” do Faustão em lugar da festa de despedida.

O governo Lula da Silva, ao endossar o novo molde democrático-filantrópico-repressivo do capitalimperialismo atual, ainda criou mais forças militares cujo alvo é exatamente a população tivas e um repetitivo discurso de defesa da democracia, esvaziada de seus conteúdos fundamentais para as grandes maiorias. A democracia se converte na mobilização intermitente da população, embalada em grandes espetáculos culturais (shows e exposições) ou engajada em trabalhos ‘voluntários’, pretensamente solidários mas muitas vezes obrigatórios, como nas cotas de trabalho dos ainda assalariados para assegurar a ‘responsabilidade social empresarial’ . Multiplicam-se entidades filantrópicas de cunho mercantil, induzindo ao movimento frenético, mas sem diretriz política transformadora. O objetivo é apassivador, reduzindo o horizonte social ao local imediato ou, ao contrário, a uma adesão individual e isolada (moralizante) a grandes causas distantes. Apaga-se cuidadosamente qualquer reflexão sobre o conjunto da vida social. Coerção e consenso, porrada e anéstesico se tornaram corriqueiros em Nova York, no metrô de Londres ou de Paris, no Rio de Janeiro, São Paulo ou em Bogotá. No Brasil, nossa trajetória histórica é marcada pela predominância de um enorme e violento aparato de repressão seletiva, voltado para o esmagamento dos setores populares. Sem remontar à Colônia, a herança do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda instaurado por Vargas) reapareceu na ditadura mais recentemente; freqüentes massacres e chacinas se repetem nos bairros populares; a tortura segue uma forma corriqueira imposta aos subalternos; milícias privadas cuidam de ruas ou condomínios de luxo, enquanto impõem a lei do terror em favelas, sob a complacência das forças oficiais e, segundo a própria grande imprensa, talvez com sua cooperação. Lembremos da estreita imbricação entre polícia e contraventores (a LIESA – Liga In-

dependente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro é um exemplo). Tudo isso, sem falar do carro blindado – o Caveirão – denominado de “Pacificador” pela polícia, mas denominado sabiamente pela população de “Passa-e-fica-a-dor”, pois assola os bairros populares de maneira agressiva, cantando slogans aterrorizantes e atirando em todas as direções. A essa repressão brutal e seletiva à qual muitos se acostumaram, soma-se também o enorme crescimento de entidades mercantil-filantrópicas, procurando desmantelar as lutas populares consistentes através de uma verdadeira “pedagogia da hegemonia”, educando um consenso para a subalternidade participativa. É verdade que o atual governo não inventou essa situação: as Polícias Militares, desde a centralização do período ditatorial, foram treinadas para ser o braço armado antipopular. Mas se é verdade que os governos civis que sucederam os militares nada fizeram no sentido de alterá-la, o atual também nada fez nesse sentido. Nossas forças militares não são educadas para defender o povo e a nação. Ao contrário, continuam treinadas para a violência seletiva. O governo Lula da Silva, ao endossar o novo molde democrático-filantrópico-repressivo do capital-imperialismo atual, ainda criou mais forças militares cujo alvo é exatamente a população. A demonstração foi realizada com pompa e brutalidade, através da atuação entristecedora da Força Nacional, invadindo espetacular, violenta e seletivamente favelas na preparação dos Jogos Pan-Americanos. Virgínia Fontes é historiadora e professora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venânco–Fiocruz, da Pós-Graduação de História na Universidade Federal Fluminense e da Escola Nacional Florestan Fernandes

O assédio aos campeões olímpicos se dá essencialmente por razões econômicas – e não políticas, como supõem os inocentes úteis de plantão Não houve, porém, como esconder a verdade sobre o episódio e suas implicações mais amplas, decerto mui instrutivas para todos. Conforme denunciou o jornal carioca Extra (que, por sinal, também pertence às Organizações Globo, mas decidiu adotar linha investigativa própria), os agentes da Arena Box Promotion circulavam livremente pela Vila do Pan, a fim de aliciar as estrelas do boxe, com total conivência das autoridades. Na verdade, o assédio aos campeões olímpicos se dá essencialmente por razões econômicas – e não políticas, como supõem os inocentes úteis de plantão. O esporte, hoje, é um dos maiores negócios na “sociedade do espetáculo”; os contratos para realização e transmissão dos eventos envolvem milhões de dólares; os atletas há muito se tornaram meras mercadorias nas mãos dos “empresários” e “federações”, que dispõem sobre a vida desses jovens como senhores de escravos da era pós-moderna. Por pura hipocrisia, a mídia ironiza Cuba por defender seus desportistas, mas raramente comenta o que a NBA faz com a sua “legião estrangeira”, proibida oficialmente de disputar os Pan-americanos. Isso para não falar do que os clubes europeus fazem com os jogadores da seleção nacional, prova definitiva de que o esporte, que deveria ser “vida”, é apenas mais uma engrenagem na máquina do “show business”.

O esporte, hoje, é um dos maiores negócios na “sociedade do espetáculo”; os contratos para realização e transmissão dos eventos envolvem milhões de dólares; os atletas há muito se tornaram meras mercadorias nas mãos dos “empresários” e “federações”, que dispõem sobre a vida desses jovens como senhores de escravos da era pós-moderna Por fim, a lição também foi exemplar para os próprios boxeadores, que se deixaram iludir por promessas de uma vida cômoda e milionária nos ringues alemães. Face à repercussão do caso na mídia mundial, os “agentes” hesitaram em sair do país e agiram como covardes, deixando os cubanos entregues à própria sorte no litoral do Rio. Agora, de volta à ilha, estes ilustram como poucos os novos desafios que o projeto cubano deve superar para seguir adiante. No esporte e em várias áreas, a Revolução preparou quadros de altíssimo valor, que, por vezes, pensam em viajar ao exterior para colher, em dólares, os louros de sua qualificação e depois regressar à pátria que tanto amam. Como lidar com esse dilema de um imenso capital humano que não ignora o apelo dos novos padrões de consumo global? Seria o caso de rever a lei de imigração? E como edificar o “homem novo” que o Che havia concebido, se, “em busca do ouro”, jovens como Rigondeaux, com seu insólito sorriso dourado (agora talvez amarelo), não logram resistir às sereias do capital? Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-americana pela Universidade de La Habana, é autor de Lima Barreto: o rebelde imprescindível (Editora Expressão Popular).

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Jorge Pereira Filho, Marcelo Netto Rodrigues • Subeditor: Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Igor Ojeda, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, Tatiana Merlino • Fotógrafos: Alícia Peres, Alderon Costa, Anderson Barbosa, César Viegas, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), Gilberto Travesso, Jesus Carlos, João R. Ripper, João Zinclar, Leonardo Melgarejo, Luciney Martins, Maurício Scerni, Renato Stockler, Samuel Iavelberg, Ricardo Teles • Ilustradores: Aldo Gama, Kipper, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Salvador José Soares • Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alípio Freire, Altamiro Borges, Antonio David, César Sanson, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, João Pedro Baresi, Kenarik Boujikian Felippe, Leandro Spezia, Luiz Antonio Magalhães, Luiz Bassegio, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Milton Viário, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Temístocles Marcelos, Valério Arcary • Assinaturas: (11) 2131- 0812/ 2131-0808 ou assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar: (11) 2131-0815


de 16 a 22 de agosto de 2007

3

brasil

Transnacionais estão de olho nas valorizadas terras brasileiras de brasileira entre em contato com isso. Embora pareça fantasmagórico que alguém possa comprar esse imenso país, dependendo do lugar estratégico, pode criar problemas de soberania nacional”, alerta. O economista José Juliano de Carvalho Filho também se mostra bastante preocupado com o risco que se corre com a abertura das terras do país de modo indiscriminado. “Você vai perdendo o domínio sobre o território, sobre a política. Você passa a ser um objeto manipulado pelo grande capital. Perde o controle do que fazer. Esses capitais que vêm com o álcool, por exemplo, são especulações que uma hora vão embora. Você imaginou a desgraça que se pode ter com esse solo todo voltado para a cana?”, indaga.

CMI

SOBERANIA Investimento cresce 66% e Incra decide revisar processos fundiários relacionados a compra de terras por estrangeiros

Mayrá Lima de Brasília (DF)

“Embora pareça fantasmagórico que alguém possa comprar esse imenso país, dependendo do lugar estratégico, pode criar problemas de soberania nacional”, alerta Plinio Arruda Sampaio, que coordenou o Plano Nacional de Reforma Agrária

Quanto

6,5 bilhões

de dólares entraram no mercado fundiário brasileiro, nos três primeiros meses deste ano

mento de 66% sobre o ingresso de capital registrado durante o mesmo período de 2006. O anuário sobre agronegócio da revista Exame, publicado em junho, demons-

a demanda por etanol pode atingir 132 bilhões de litros por ano. É mais de três vezes a atual produção mundial de etanol, de 40 bilhões de litros por ano. Desse total, o Brasil é responsável hoje por uma fatia de cerca de 16 bilhões de litros, mas tem grandes possibilidades de aumentar a participação”, comemora a publicação patronal.

Celulose Somada ao álcool, a produção de celulose é outro impor-

“Você vai perdendo o domínio sobre o território, sobre a política. Você passa a ser um objeto manipulado pelo grande capital”, projeta o economista José Juliano de Carvalho Filho Segundo dados do Banco Central, nos três primeiros meses deste ano, entraram no Brasil cerca de 6,5 bilhões de dólares por meio de investidores estrangeiros fascinados com a possibilidade de ter uma fatia na construção da “Arábia Saudita do álcool”. Esse valor representa um au-

tra muito bem o que significam esses dados. “A meta dos americanos, reafirmada pelo presidente George W. Bush durante recente visita ao Brasil, é reduzir o consumo de combustíveis fósseis em 20% até 2017. Isso significa que, nos próximos dez anos, somente nos Estados Unidos

tante responsável pelo boom de transnacionais de diversas origens que, não só adquirem terras de maneira fácil no Brasil, como estão localizadas em faixas de fronteira, utilizando empresas brasileiras como laranjas. O caso mais emblemático está no Rio Grande do Sul.

Atendendo ao pedido do deputado federal Adão Pretto (PT/RS), o Ministério da Justiça encaminhou à Polícia Federal a denúncia de entidades gaúchas sobre a situação da empresa Stora Enso, papeleira de capital internacional, que está adquirindo propriedades rurais gaúchas em faixas de fronteira. A transnacional estaria utilizando a empresa Azenglever Agropecuária Ltda, cuja totalidade do capital social é de pessoa física brasileira, para adquirir áreas em faixas de fronteira sem passar pelo Conselho de Segurança Nacional. Contundo, vale lembrar que essa empresa brasileira faz parte da estrutura da Derflin Agropecuária Ltda., de capital estrangeiro e pertencente à Stora Enso.

Soberania A Constituição de 1988, porém, não ajuda quando considera empresa brasileira qualquer empreendimento que tenha sócios brasileiros, independendo da origem

A desnacionalização se repete na Argentina

Com agrocombustíveis, perda da soberania pode ser ainda maior

No país vizinho, estrangeiros já chegam a controlar 10% do território Reprodução

Baseado na monocultura da cana-de-açúcar, modelo destrói a biodiversidade, provoca êxodo rural e aumenta a favelização das cidades de Brasília (DF) A corrida pelo etanol que vem estimulando a compra de terras brasileiras por estrangeiros também está chamando a atenção de movimentos sociais camponeses, preocupados com os problemas que a monocultura da cana-deaçúcar pode trazer ao país. Para Rosângela Cordeiro, dirigente do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), esses grupos transnacionais “têm potencial financeiro muito grande e acabam ocupando extensões de terra que poderiam estar sendo destinadas à reforma agrária, à produção de alimentos”. “Isso é um agravamento, pois o que eles querem é a produção de matériaprima para exportação que não combate as desigualdades no Brasil e não distribui renda. Isso deixa somente grandes extensões de monocultivo, destruição da biodiversidade. Não é só econômico, mas social porque acaba contribuindo para o êxodo rural e o afavelamento das cidades”, aponta Rosângela.

Futuro O Fórum Mundial de Soberania Alimentar realizado em Mali, em fevereiro, já alertava para o fato. Segundo a integrante do grupo ETC (organização da sociedade civil com sede no Canadá), Silvia Ribeiro, em artigo publicado no diário mexicano La Jornada, “os agrocombustíveis constituem um projeto de recolo-

Fórum Mundial, no Mali, já discutia problema

nização imperial, num novo assalto das indústrias transnacionais às economias camponesas e à soberania alimentar”. “Há claramente um projeto geopolítico dos Estados Unidos para diminuir sua dependência dos países petrolíferos e, além disso, um interesse próprio das empresas que estão por trás dessa nova devastação agrícola: para as indústrias que controlam os agrocombustíveis (grandes distribuidores de cereais como a Cargill,

de seu capital. Plinio Arruda Sampaio, que coordenou o Plano Nacional de Reforma Agrária, garante que existem muitos exemplos de fração de capitais estrangeiros. “Um caso clássico é o Acre, em que a presença de empresas brasileiras, em território boliviano, culminou que o território passasse ao Brasil, de modo que isso existe. É fundamental que a socieda-

Contraponto No entanto, para o geógrafo e professor da Universidade de São Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino, o número dessas pessoas em terras brasileiras é insignificante para a questão da reforma agrária, principal preocupação do Incra. “A última vez que se tirou dados sérios foi numa CPI em 1968. O relatório da Comissão chegou a 25 milhões de hectares em mãos de estrangeiros. Essa CPI foi um dos elementos que levou ao AI -5. Havia uma denúncia de venda de terras para estrangeiros e essa denúncia estava sobretudo na região da Amazônia. A Lei nº 5.709/71, que regulamenta a venda de terras para estrangeiros, nasceu dessa CPI”, lembra.

Gama

A PROCURADORIA do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) recebeu, no início deste mês, orientação para revisar todos os negócios fundiários que envolvessem a injeção de capital estrangeiro no país. De acordo com Bruno Arruda, coordenador geral agrário substituto da autarquia, o que está sendo feito é uma análise mais criteriosa desses processos. “Da maneira como existe hoje, o estrangeiro que queira obter imóvel rural no Brasil tem que se submeter às regras da Lei nº 5.709 de 1971, que estabelece as limitações quanto à nacionalidade, à dimensão e obter a aprovação do Incra e, em alguns casos, até do Congresso Nacional”, informa. A explicação para o Instituto tomar tal iniciativa parte da hipótese de que estaria aumentando a procura de terras por parte de pessoas de outros lugares do mundo. Estas pretenderiam adquirir esses imóveis atraídos tanto pelos agrocombustíveis, quanto pela crescente valorização das terras brasileiras. Para o Incra, a maior preocupação é que esse fenômeno dificulte o processo de compra de terras para a reforma agrária.

ADM e Bunge, produtores de sementes transgênicas como a Syngenta, DuPont, Monsanto, Bayer, Bow e as automotoras), tudo é lucro. Recebem subsídios diretos ou indiretos, leis a seu favor e uma extensão significativa das terras e agricultores dedicados a produzir as matérias-primas de que necessitam, ao preço que definem e cada vez mais controlarão ao aumentar a competição entre países”, explica Silvia. (ML)

de Brasília (DF) O valor assusta. São aproximadamente 270 mil quilômetros quadrados de terra nas mãos de estrangeiros na Argentina. Esse número corresponde a 10% de todo o seu território, segundo um levantamento da Federação Agrária Argentina (FAA). Desse total, quase 24 milhões de hectares foram para o poder de grandes transnacionais. Esses dados estão no livro Tierras S.A – Crónicas de un país rematado, dos jornalistas argentinos Andrés Klipphan e Daniel Enz (Aguilar, 2006). Segundo os jornalistas, o processo de estrangeirização das terras no país acontece mais fortemente na região da Patagônia e no Norte. O livro ainda denuncia o absurdo de se comprar enormes extensões de terra a preço de um hamburger do McDonald’s ou de um par de tênis Nike ou Adidas. Hoje, o maior latifundiário privado daquele país é o do grupo italiano Benneton, que possui cerca de 900 mil hectares, o equivalente a 4.500 vezes a área da capital Buenos Aires.

“Muitos dos hectares foram comprados a preços insignificantes, com a cumplicidade ou indiferença de políticos e funcionários do governo, correspondendo às melhores áreas cultiváveis ou encontrando-se em zonas estratégicas de fronteira”, escrevem os autores.

Insegurança Para piorar, não há nenhuma legislação na Argentina que impeça os grupos estrangeiros de adquirir terras em zonas de fronteira. Um alto funcionário do Ministério do Interior argentino revelou para os jornalistas que, entre 2002 e 2006, foram protocolados na Secretaria de Segurança do Interior 2.358 pedidos de investimentos em zonas estratégicas (150 km de fronteira que abrange a Cordilheira dos Andes e 50 km de litoral). Desse total, 90% são usados para a exploração mineral. Uma das conseqüências mais graves, de acordo com o livro, é que cerca de 200 mil produtores agropecuários perderam suas terras nas últimas décadas. (Com informações da Agência Carta Maior) (ML)


4

de 16 a 22 de agosto de 2007

brasil

ORÇAMENTO Se a renovação passar no Congresso, recursos para investimentos sociais continuarão sendo desviados para pagar a dívida

Antonio Cruz/ABr

O desvirtuamento da DRU e a injustiça tributária da CPMF

Eduardo Sales de Lima da Redação O GOVERNO federal trava uma batalha decisiva no Congresso Nacional. Quer aprovar, numa mesma proposta de emenda constitucional (PEC), a renovação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e da Desvinculação de Receitas da União (DRU) até 31 de dezembro de 2011. Se conseguir, obtém uma maior estabilidade fiscal até um ano após o fim do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mantendo a cobrança da CPMF em 0,38% e autorizando o governo a gastar livremente até 20% da arrecadação de impostos. A estimativa é que as discussões permaneçam na Câmara, no mínimo, até outubro, para depois seguir ao Senado. Mas atingir a estabilidade fiscal não significa uma boa notícia para o conjunto da população brasileira. Os 20% da arrecadação que o governo pode gastar “livremente” sempre acabam indo para o pagamento de juros da dívida; mesmo destino de boa parcela da receita da CPMF. A contribuição surgiu há 11 anos, em 1996, e deveria ser provisória. Mas tem sido, seguidamente, renovada no Congresso Nacional, com o decisivo apoio do governo federal. Desde sua criação, o Executivo argumenta que a contribuição teria se tornado essencial para fechar as contas oficiais. Dessa vez, o governo salienta que a prorrogação é fundamental para o sucesso do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mas não informa que boa parte dessa contribuição e da DRU serve para pagar os juros de amortização da dívida pública. A DRU, inclusive, vai na contra-mão do crescimento da economia ao tirar recursos da população e transferi-los para o mercado especulativo. “Um dinheiro (da CPMF) que não está sendo gasto pa-

O presidente da CCJ, deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), debate a prorrogação da CPMF; uma contribuição que sofre com os desvios para o pagamento de juros

Quanto

R$ 36 bilhões serão arrecadados com a CPMF neste ano

ra a finalidade que foi votado. Põe na conta única do tesouro do Banco Central, que deve estar perto de R$ 300 bilhões e paga juros com novos títulos”, relata Sérgio Miranda, ex-deputado federal e presidente da executiva municipal do PDT de Belo Horizonte (MG). Estima-se que a CPMF arrecadará este ano pouco menos de R$ 36 bilhões. No viés político, Miranda protesta contra o modus operandi do governo junto de sua base aliada. “O gover-

A CPMF é um tributo injusto porque tributa o pobres e o ricos da mesma forma: “O empresário, quando paga a CPMF, repassa para o consumidor. E o consumidor, quando faz qualquer compra, também paga 0,38 %” no fez uma manobra que, sob o ponto de vista do regimento, é uma aberração. Encaminhou a prorrogação da CPMF junto com a DRU na mesma PEC. São coisas diferentes. A CPMF diz respeito à criação de um tributo. A DRU, à uma despesa. O problema é que não se está debatendo a CPMF, nem a DRU”, critica.

DRU Miranda recorda que a DRU surgiu como Fundo Social de Emergência e depois mudou

de nome – porque não tinha nenhum cunho social – para Fundo de Estabilização Fiscal. Segundo ele, “abre-se o véu” e a DRU se transforma em uma mera desvinculação. “(Com ela,) Retira-se da área social quase R$ 40 bilhões, para pagar juros”, afirma. “A DRU tira o dinheiro do FAT, que mexe com abono salarial, com seguro desemprego. Se não houvesse esse dispositivo, o governo poderia fazer a mesma coisa, bastava não gastar com a área

social para pagar juros. Mas a DRU encobre essa manipulação”, desvela o ex-deputado federal.

CPMF Para o economista Rodrigo Ávila, da Auditoria Cidadã da Dívida, a CPMF é um tributo injusto porque tributa o pobres e o ricos da mesma forma. “O empresário, quando paga a CPMF, repassa para o consumidor. E o consumidor, quando faz qualquer compra, também paga 0,38

Em 2006, mais de R$ 3 bilhões foram desviados da saúde A CPMF nasceu como uma atribuição específica: dos 0,38% descontados dos contribuintes, 0,20% deveriam ser aplicados na saúde, 0,10% na Previdência e 0,08% no combate à pobreza. Mas, segundo dados de Ávila, na execução orçametária de 2006, dos R$ 32 bilhões arrecadados pela CPMF, somente R$ 13,5 bilhões financiou a área da saúde. O quantia a ser repassada deveria ser de R$ 16,8 bilhões. “Estamos com um sentimento de profunda frustração. Essa contribuição foi criada com o objetivo de resolver parcialmente a questão do financiamento do Sistema Único de Sáude (SUS), mas ela foi desviada para outras finalidades, que sabemos muito bem quais são”, observa

Divulgação

Francisco Batista Júnior, presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Ele ressalta que a CPMF é um imposto regressivo, penaliza a produção, o emprego, e não serve ao financiamento do SUS, como deveria servir. Mas acrescenta que, dentro da execução orçamentária da saúde, de aproximadamente R$ 46 bilhões, o imposto não é dispensável. “Ainda dependemos da CPMF como financiamento de parte do bolo de financiamento do sistema. Mas, como ela foi desvirtuada e perdeu o papel inicial a que se direcionava, defendemos que, a partir da próxima renovação, o índice seja substancialmente diminuído”, pondera. (ESL)

Sérgio Miranda, atual presidente da executiva municipal do PDT de Belo Horizonte e exdeputado federal pelo PCdoB

%. O detalhe é que os mais pobres utilizam toda sua renda para o consumo, pagando mais CPMF, enquanto que os ricos podem poupar uma parte”, explica. Ávila lembra que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso isentou a Bolsa de Valores e que Lula liberou os investidores estrangeiros do imposto. “Cria dois pesos e duas medidas. Quando a bolsa não paga e os investidores não pagam, os mais pobres estão pagando. Nas ‘cartas de intenção’ para o Fundo Monetário Internacional (FMI), tanto Lula, quanto Fernando Henrique prometeram recursos da DRU e da CPMF”, recorda.

TRABALHO

Investida do capital impõe novas estratégias para a luta Puxada por trabalhadores terceirizados, sindicalização dá sinais de recuperação. Para Pochmann, trata-se de uma nova fase da Redação Uma nova fase do movimento sindical começa a surgir. Após quase duas décadas de privatizações do setor público e de terceirização de serviços, o número de filiados nos sindicatos brasileiros caiu em relação aos anos de 1980, mas já dá sinais de recuperação e apresenta características de uma nova etapa. Um o estudo divulgado no dia 9 pelo Sindicato dos Empregados em Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros (Sindeepres), com coordenação do economista Márcio Pochmann, da Unicamp, mostra que a taxa de sindicalização no Brasil caiu cerca de 18%, entre 1992 e 2002. Porém, de 1999 a 2005, essa mesma taxa cresceu 14,3%. “Tivemos uma interrupção na ascendente de expansão da sindicalização a partir dos anos 1990. Por isso, tivemos, em 1998, o pior momento da sindicalização no Bra-

Hoje, apesar da atual retomada da sindicalização não chegar nem perto da base sindical dos anos de 1980, cresce em determinadas regiões, como o Norte e o Nordeste, principalmente a partir do trabalho rural, e avança também no setor terciário, de serviços. Entre 1999 e 2005, houve expansão de 13,7 milhões de novos ocupados nesse setor, sendo que, destes, 30,6% se sindicalizaram.

Quanto

15,9%

Apenas dos trabalhadores estavam sindicalizados em 1998 sil”, afirma Pochmann que, no dia 14, assumiu a presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). De acordo com ele, em 1998, apenas 15,9% dos trabalhadores estavam sindicalizados. A partir de 1999, no entanto, a taxa de sindicalização voltou a se recuperar e, em 2005, 18,4% dos trabalhadores ocupados estavam sindicalizados. “Esse número é praticamente 10% a menos do que foi a taxa de sindicalização em 1989. Está recuperando, mas ainda em um nível não tão intenso”, analisa o economista.

Nova Fase Para Pochmann, essa recuperação está se dando de forma diferenciada. “Estamos

“Estamos diante de uma nova fase da vida sindical brasileira, puxada pelos terceirizados”, idenfifica o economista Márcio Pochmann diante de uma nova fase da vida sindical brasileira, puxada pelos terceirizados. Tivemos, dos anos de 1940 até o período pré-golpe de 1964, um sindicalismo puxado pelos ferroviários, pelos grá-

ficos e pelos urbanitários. Presenciamos o auge do novo sindicalismo nos anos de 1970 e 1980, fundado pelos sindicatos industriais, principalmente pelos metalúrgicos”, lembra Pochmann.

Terceirizados Entre 1995 e 2005, a taxa de sindicalização entre os terceirizados, em São Paulo, passou de 0,8% para quase 32% do total de empregados. No Estado, o número de postos de trabalho terceirizados passou de 180 mil para 424 mil e a busca de proteção de direitos está levando esses trabalhadores a se associar ao sindicato da categoria, conforme avaliação do presidente do Sindeepres, Genival Beserra Leite. “Hoje, ainda há uma diferença muito grande quan-

to ao salário. Outro problema é que as empresas terceirizadas costumam ‘quebrar’ e deixar os empregados na mão”, resume. Outro desafio para os sindicatos do setor é enfrentar a alta rotatividade e o não pagamento de indenizações que as empresas devem aos trabalhadores. “Nosso esforço é para que, no mesmo momento em que o trabalhador for demitido, já seja admitido em outra empresa”, salienta o presidente do Sindeepres. Mesmo com o baixo salário da categoria, o presidente da Sindeepres pondera que as empresas terceirizadas estão empregando uma população jovem, tornando-se importante porta de entrada para o primeiro emprego. “Esses jovens têm escolaridade média de 9 anos. Não há mais aquela discrepância de há 20 anos, quando 80% da categoria tinha, no máximo, a quarta série primária”, recorda Genival. (Com informações da Agência Chasque) (ESL)


de 16 a 22 de agosto de 2007

5

brasil Marcello Casal Jr/ABr

Trabalhadores do setor bancário sofrem com demissões, pressões para cumprimento de metas e discriminação de gênero; direito de greve, no entanto, é freqüentemente atacado pelos banqueiros

Lucros para os banqueiros; para os trabalhadores, precarização BANCOS PRIVADOS Recordes de lucratividade; ocupação com carteira assinada no setor é menor do que a média nacional gou à Federação Nacional dos Bancos (Fenaban) – braço sindical da Febraban – a pauta com as reivindicações da categoria, como parte de sua Campanha Nacional para este ano. “Com os lucros que os bancos têm conseguido, batendo recordes ano após ano, o mínimo que podem fazer é valorizar seus trabalhadores”, disse na ocasião Vagner Freitas, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT).

Igor Ojeda da Redação IMAGINE A seguinte situação. Fim-de-semana, um churrasco na sua casa, com a família e amigos reunidos. Só que, ao mesmo tempo em que comanda a grelha, você faz ligações telefônicas para vender produtos de sua empresa. Esse é apenas um dos exemplos dados por Amaro Souza, diretor da Federação dos Bancários do Rio Grande do Sul, para explicar a atual realidade dos trabalhadores brasileiros do setor financeiro. “Por conta das metas abusivas, os bancários passam por sofrimento psíquico, estresse, adoecimento. Ele trabalha de segunda a domingo, vendendo produto, dentro da sua casa”, denuncia. Segundo Souza, 25% dos afastamentos do trabalho junto à Previdência são oriundos da categoria bancária, principalmente por problemas psíquicos, Lesão por Esforço Repetitivo (LER) e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (Dort).

a alta foi de 16%. Além disso, a maior parte das contratações foi de não-bancários, como promotores de crédito, que, em regra, ganham menos. Levando em conta apenas os bancários, o aumento na ocupação foi de 13%. Segundo Amaro Souza, o processo de substituição da mão-de-obra no setor está avançado. “O banqueiro privado concede o reajuste da campanha salarial e ali na frente demite um número significativo de bancários. Temos, hoje, um contingente de 400 mil bancários, e ou-

“Temos, hoje, um contingente de 500 mil trabalhadores terceirizados ganhando um terço do que o bancário ganha, em condições precárias”, afirma o sindicalista Amaro Souza No entanto, findo o semestre, os bancos, uma vez mais, divulgaram lucros recordes. O do Itaú, por exemplo, chegou a mais de R$ 4 bilhões. Somados, os cinco maiores bancos privados no Brasil obtiveram um crescimento de 40,75% em relação ao primeiro semestre de 2006 (ver matéria nesta página). Diante de tamanha rentabilidade, era de se esperar que os bancários estivessem dentre os trabalhadores mais bem pagos do país, e a oferta de empregos fosse ampla. Mas a situação é totalmente oposta.

Substituição “É tradição dos bancos a automatização e a precarização do trabalho e a grande exploração de mão-de-obra. Eles são os piores empregadores. Só são bem remunerados ex-diretores do Banco Central e ex-ministros da Fazenda, que, enquanto estão no setor público, trabalham em prol dos bancos”, analisa o economista Reinaldo Gonçalves. Matéria do jornal Valor Econômico no dia 6 mostra, com bases em dados do Ministério do Trabalho e Emprego e projeções da LCA Consultores, que, entre 2003 e 2006, a ocupação com carteira assinada no país cresceu 20,7%, enquanto no setor bancário

tro contingente de 500 mil, formado por trabalhadores terceirizados, quarterizados, que trabalham ganhando um terço do que o bancário ganha, em condições precárias”, esclarece Souza, lembrando que os bancos têm, apenas com a receita das tarifas, dinheiro de sobra para pagar seus funcionários.

Discriminação Segundo dados elaborados pelo Dieese, a receita obtida com a prestação de serviços (que representa 19,7% do crescimento do setor bancário) seria suficiente para pagar toda a despesa de pessoal dos bancos. As tarifas cobradas dos clientes nos 11 maiores bancos do país correspondiam, em 2006, a 125,2% da folha de pagamento. Em 1994, eram 25,4%. No caso do Itaú (188,6%), Bradesco (150%), Santander/Banespa (147,2%) e HSBC (140,7%), ainda sobrariam muitos recursos após o custeio com pessoal. Além disso, na questão de gênero, os bancos tampouco se mostram corretos. Segundo a Federação dos Bancários de São Paulo (Fetec-SP), com base em documento da própria Federação Brasileira de Bancos (Febraban), embora as mulheres representem 47,7% da categoria, ocupam ape-

nas 12,7% dos cargos de chefia. Um possível argumento de que se prioriza a qualificação não se sustentaria. Pois, segundo o mesmo documento, 42,9% das bancárias possuem ensino superior completo, enquanto, entre os homens, o percentual é de 38,8%. No dia 10, o Comando Nacional dos Bancários entre-

Reivindicações Entre as demandas, estão o reajuste salarial de 10,3% (aumento real de 5,5%), a criação de um piso de R$ 1.628,24 (salário definido pelo Dieese como o mínimo que o trabalhador precisa para atender suas necessidades), Plano de Cargos e Salários e Participação nos Lucros e Resultados

de dois salários, mais uma parcela fixa de R$ 3.500, distribuída de forma linear, e a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. Os bancários querem ainda uma remuneração complementar de 10% do total de vendas de produtos realizadas em cada unidade, e de 5% da arrecadação com prestação de serviços, também distribuída de forma linear. No dia 14, bancários, em conjunto com os metalúrgicos, participaram de audiências no Ministério do Trabalho e Emprego, no Supremo Tribunal Federal e na Câmara dos Deputados, levando suas reivindicações. A ratificação da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o fim dos interditos proibitórios. A Convenção 158 acabaria com as demissões injustificadas, prática corrente na política tra-

Quanto

12,7% dos cargos de

chefias são ocupados pelas mulheres, que representam 47,7% dos bancários

balhista dos bancos, que demitem funcionários com salários mais elevados para os substituírem por outros com remunerações mais baixas. Já o interdito proibitório, instrumento jurídico originalmente criado para garantir a posse de propriedade caso haja sobre esta a ameaça de violência ou violência iminente, é usado indevidamente pelos banqueiros, segundo os bancários, para impedir o direito de greve de seus funcionários. Atualmente, existem cem inteditos proibitórios movidos contra a categoria em tramitação na justiça.

Oferta de crédito amplia desigualdade Juros dos empréstimos aprofundam transferência de renda para o capital financeiro proporção está crescendo, ou seja, está havendo uma crescente concentração de riqueza e renda no país em função dessa política econômica do governo. Então, o Lula está querendo dizer o seguinte: está concentrando renda, isso é bom”, ironiza.

da Redação O economista Reinaldo Gonçalves aponta quatro fatores principais para explicar os sucessivos recordes de lucros do sistema bancário brasileiro. Expansão do crédito, abuso do poder econômico (tarifas indevidas), taxas de juros da economia e spreads bancários elevados (diferença entre os juros que as instituições financeiras pagam para captar dinheiro e os que cobram nas operações de empréstimos). Nos últimos dias, os bancos privados atuando no Brasil divulgaram seus balanços para os primeiros seis meses de 2007. O Itaú obteve o maior lucro semestral já registrado na história do sistema bancário no país: R$ 4,016 bilhões, um crescimento de 35,8% em relação ao mesmo período do ano passado. O Bradesco veio logo atrás, com R$ 4,006 bilhões (alta de 27,9%), seguido pelo Unibanco, com ganhos de R$ 1,421 bilhão (aumento de 33,1%).

lhão). Juntos, os cinco maiores bancos privados lucraram R$ 11,707 bilhões, apresentando crescimento de 40,7% em relação ao primeiro semestre de 2006.

Créditos De acordo com a Austin Rating, agência brasileira de classificação de riscos, a oferta de créditos foi responsável por 47,6% desse aumento. As receitas com serviços

“Está havendo uma crescente concentração de riqueza e renda no país em função dessa política econômica do governo”, avalia o economista Reinaldo Gonçalves Os quarto e quinto na lista chamam a atenção pelo crescimento. O ABN AMRO Real lucrou 83,7% a mais (R$, 1,260 bilhão), enquanto o Santander/Banespa mais que dobrou seus ganhos: 112% (lucro de R$ 1,002 bi-

bancários representaram 19,7%, e os títulos públicos, 19,1%. No dia 9, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comemorou o lucro dos bancos relacionando-o com o aumento do crédito no país. Em 2005, a receita com em-

préstimos ultrapassou a obtida com títulos do governo na contabilidade dos bancos e, desde então, vem alargando a diferença, crescendo num ritmo aproximado de 20% ao ano. A carteira de crédito (montante disponível para operações de empréstimo) do Itaú, por exemplo, saltou 40,2% do primeiro semestre de 2006 para os primeiros seis meses de 2007, atingindo R$ 104,8 bilhões. Já a do Bradesco chegou a R$ 130,8 bilhões (alta de 21,9%). No entanto, pondera Gonçalves, isso tem um lado perverso: os ganhos dos bancos com tais operações. “A expansão do crédito ocorre com as mais altas taxas do mundo. É ruim porque cria concentração de riquezas nas mãos dos rentistas e dos banqueiros. Se você pega o patrimônio líquido, os ativos do Itaú, do Bradesco, Unibanco, e divide pelo PIB brasileiro, essa

Cartel Em relação às tarifas e taxas cobradas aos clientes, consideradas abusivas, Gonçalves aponta que tal fato se deve ao abuso de poder econômico por parte dos bancos, que formam um verdadeiro cartel para definir esses valores. Em 2001, segundo a Austin Rating, as tarifas respondiam por 9% da receita bancária. Hoje, tal participação está próxima dos 20%. De acordo com o economista, isso ocorre em virtude o sistema financeiro ser o principal ator do bloco político dominante, tendo acesso direto ao presidente da República e ocupando o Banco Central. Segundo ele, o governo não enfrenta esse cartel por não ter coragem e pelo fato de os bancos serem grandes contribuintes de campanha. Para Gonçalves, o governo federal deveria utilizar os bancos estatais (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal) para quebrar essa concentração, “criando uma rivalidade agressiva, reduzindo o spread bancário, fazendo a Caixa entrar em linha de crédito, disputando com o Bradesco, o Itaú, o Unibanco. Usar a força do Estado, para contrabalançar um poder absurdo”, resume. (IO)


6

de 16 a 22 de agosto de 2007

brasil

Novo ministro da Defesa, Jobim fraudou a Constituição em 1988 Renato Godoy de Toledo da Redação AO SE referir ao novo ministro da Defesa Nelson Jobim (PMDB), usualmente, a imprensa corporativa menciona apenas os seus elos com membros do PSDB e a possibilidade de o ministro tornar-se um presidenciável. Mas Jobim é mais do que isso. Segundo um estudo de dois professores da Universidade de Brasília (UnB), o peemedebista, como deputado constituinte e líder do seu partido na Assembléia Nacional Constituinte (ANC), foi um dos responsáveis por enxertar três alíneas no artigo 166 no texto da Constituição de 1988, à revelia do plenário. Uma dessas alíneas beneficiaria diretamente os credores da dívida externa. Jobim e Gastone Righi, líder do PTB à época, negam as acusações. Em 2002, Jobim, então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), admitiu ao jornal O Globo que teria adulterado dois artigos da Constituição. Mas revelou apenas um: o artigo 2º, que trata da independência dos três poderes. O outro artigo Jobim não revelou, dizendo que o faria mais tarde num livro, que ainda não publicou. Debruçando-se sobre o pro cesso de redação da Constituição, os professores da Universidade de Brasília (UnB) Adriano Benayon e Pedro Rezende chegaram à conclusão de qual teria sido o outro artigo. O artigo acadêmico redigido pelos dois, denominado “Anatomia de uma fraude à Constituição” (disponível na internet no endereço http://paginas.terra.com.br/ educacao/adrianobenayon), revela que nas alíneas inseridas constam apenas as assinaturas dos líderes do PMDB e do PTB, Jobim e Righi. O correto, segundo os autores, seria que os líderes de todos os partidos assinassem. Segundo o estudo, Jobim e Righi alteraram o conteúdo da Constituição num sábado, na etapa final do processo da Constituinte, quando a ANC realizava apenas acertos no texto, para melhorar a redação e fundir artigos quando necessário. Benayon acredita que Righi teve um papel secundário na história, já que “nem de longe (teve) a mesma projeção de Jobim, nem a mesma folha de serviços prestados ao sistema de poder dominante”.

Valter Campanato/ABr

POLÍTICA Estudo aponta que Nelson Jobim teria sido um dos arquitetos da fraude na Constituição que beneficiou credores

Nelson Jobim “inspeciona” o local do acidente da TAM, no aeroporto de Congonhas. Apontado pela mídia como presidenciável, admitiu ter alterado dois artigos da Constituição

Quem foi beneficiado? Os bancos estrangeiros e os potentados financeiros que os controlam, credores da dívida externa Em entrevista ao Brasil de Fato, Adriano Benayon esclarece como ele e Pedro Rezende descobriram a fraude. Brasil de Fato – Como foi o processo de apuração, realizado pelo senhor e por Pedro Rezende, para descobrir qual artigo havia sido alterado na Constituição? Adriano Benayon – É uma longa história. Quando o fato aconteceu, eu ainda era diplomata. Mais tarde fui consultor da Câmara e depois no Senado, da área de economia. Poucos anos depois da Constituinte, soube por ouvir dizer, por um amigo economista que acompanhava os trabalhos legislativos, que a fraude teria sido articulada por três constituintes influentes nas questões econômicas. Os três continuam hoje na política em altos postos, ocupando mandatos eletivos. Como esses não deixaram pistas materiais, pelo menos,

(O impacto?) Mais de R$ 2 trilhões, em valores atualizados, pagos, desde 1988, por um “serviço da dívida” pública, gerado principalmente pela fixação de taxas de juros injustificadamente altas, as mais altas do mundo Ainda segundo Benayon, além dos dois deputados, há fortes indícios de que outros três tenham participado da fraude, mas o professor prefere não revelar os nomes já que ainda não possui provas concretas. Benayon, consultor jurídico do Senado, e Rezende, professor de Segurança da Informação, descobriram um requerimento para fundir três artigos em que havia uma folha estranha à matéria, que descrevia a alínea “B”, do terceiro parágrafo do artigo 172 (166, atualmente). Essa alínea inserida prevê que não seria necessário indicar fontes de receita nas emendas destinadas ao pagamento do serviço da dívida. Em outras palavras, a partir da promulgação da Constituição, o pagamento de juros e as amortizações da dívida passaram a ser permitidos de forma incondicional, podendo ter os recursos oriundos de qualquer setor – inclusive da área social – e sem ter que designar as fontes.

que eu saiba, não posso declinar-lhes os nomes. Mais tarde, em 1995, como consultor do Senado, recebi o pedido de um senador de elaborar emenda à Constituição a fim de suprimir o dispositivo que favorece o pagamento do “serviço da dívida”, livrando-o de restrições que cerceiam outros tipos de despesa. Logicamente, elaborei também a Justificação da Emenda. Aí, além dos argumentos substantivos, mencionei o fato de o dispositivo ter entrado ilegalmente no texto. Antes disso, fiz uma pesquisa no Arquivo da Constituinte, que fica na Biblioteca da Câmara dos Deputados. Essa proposta de emenda supressiva não foi aprovada. O relator, na comissão, que foi Jefferson Peres (senador, PDT-AM), deu parecer contrário, fazendo uma radical apologia da política econômica (então sob o “governo” de FHC) e foi acompanhado pela maioria dos membros da Comissão. Ou seja, para

Com a artimanha, pagar a dívida tornou-se prioridade da Redação A alínea B do artigo 166 da Constituição deu à economia brasileira uma prioridade: pagar a dívida a qualquer custo. Se a dependência externa já era vigente na época, ela tornou-se uma obrigação constitucional, em 1988. O economista Rodrigo Ávila afirma que com a instituição dessa alínea estabeleceu-se oficialmente “dois pesos e duas medidas” nos gastos públicos. “Se tiver uma emenda para aumentar o gasto com reforma agrária, por exemplo, precisa especificar qual vai ser a fonte da receita. Já para a pagar a dívida, a receita pode vir de qualquer setor. Então, para investimentos sociais é marcação cerrada, para a dívida pode gastar o quanto for preciso”, analisa Rodrigo. Segundo o economista, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) é comparável à fraude na Constituição de 1988. A LRF, criada em 2000, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, impõe a “austeridade fiscal” a estados, municípios e governo federal. “A LRF é tão grave quanto (a fraude na Constituição) porque não põe nenhum limite para o gasto com a dívida”, considera. (RGT) Peres, pagar uma falsa dívida é prioridade para o país, mesmo que, com isso, como vem acontecendo, o país seja sucateado e esteja a caminho de desintegrar-se. Mais recentemente, eu aprofundei a pesquisa e tirei cópia de mais documentos, que podem ser acessados na minha página na internet, inclusive um requerimento em cuja 2ª página, a que introduz o dispositivo, só estão as rubricas de Jobim e Righi. Na página final, a 3ª, estão as assinaturas dos líderes de todos os partidos. O professor Pedro Rezende, perito em computação, elaborou os fac-similes, links e outros recursos eletrônicos, além de ter colaborado na redação e na pesquisa de informações sobre a trajetória política de Jobim. Qual é o impacto dessas alterações feitas na Constituição? Mais de R$ 2 trilhões, em valores atualizados, pagos, desde 1988, por um “serviço da dívida” pública, gerado principalmente pela fixação de taxas de juros injustificadamente altas, as mais altas do mundo. Ou seja, uma dívida formada por capitalização de juros. Em segundo lugar, uma dívida que, antes de ser exponenciada por essa capitalização, se originou do financiamento de deficits de transações correntes com o exterior. Esses foram gerados pelas transferências de recursos sobretudo feitas pelas empresas transnacionais, ademais, subsidiadas para isso, por governos controlados pelos concentradores econômicos. Que tipo de punição pode receber alguém que

viola a Carta Magna de um país? O Código Penal, artigo 171, prevê o crime de estelionato. Além disso, a Constituição comina (penaliza) os crimes de responsabilidade cometidos por membros dos chamados Poderes do Estado. Qual teria sido o interesse dos deputados nessa alteração, a quem estariam beneficiando? Podem-se fazer várias suposições sobre o interesse de tais deputados. Objetivamente, pode-se notar que o principal personsagem teve êxito crescente em sua carreira. O mesmo quanto aos três nomes que não mencionei, por falta de provas. Quem foi beneficiado? Os bancos estrangeiros e os potentados financeiros que os controlam, credores da dívida externa. Esses também, em relação à da dívida interna, ao lado de bancos sediados no país, grande parte dos quais passou para o controle daqueles potentados, por meio de privatizações e por meio da liquidação de bancos de capital nacional, tudo com fabuloso gasto adicional para a União, de mais de R$ 100 bilhões, a pretexto de sanear esses bancos.

Quem é Adriano Benayon é doutor em economia, diplomata, advogado, consultor legislativo da Câmara Federal e do Senado e professor de economia política na Universidade de Brasília (UnB)

fatos em foco

Hamilton Octavio de Souza

Crime anunciado Depois que 800 sem terra ocuparam a Fazenda Boa Vista, em Murici, Alagoas, pertencente à família do presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, do PMDB, e que essa ação motivou o poder público a investigar a origem e a legalidade dessas terras, algumas lideranças dos movimentos sociais daquele Estado estão sendo ameaçadas de morte. Até quando o Brasil vai aturar a prepotência das elites? Corrupto livre

Um dos empresários mais safados e corruptos do Brasil, o deputado federal Paulo Maluf, do PP-SP, que agora faz parte da base parlamentar do governo, acaba de se livrar de mais um processo de desvio do dinheiro público ocorrido na construção do túnel Ayrton Senna, em São Paulo. O Supremo Tribunal Federal arquivou o inquérito por prescrição, ou seja, enrolou o tempo necessário até livrar o famoso ladrão.

Contradição exposta

Em 1996, o Partido dos Trabalhadores praticamente expulsou de seus quadros o deputado federal Eduardo Jorge, que contrariou decisão partidária e votou a favor da implantação da CPMF, cujos recursos seriam destinados para a área da saúde. Agora, o PT está oferecendo cargos no governo e outros benefícios no Congresso Nacional para assegurar que os aliados votem na continuidade da CPMF. O que mudou?

Rastro selvagem

Após dois mandatos no governo do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, do PSDB, deixou também para trás um rastro de buracos nas obras do metrô paulistano, principalmente porque o seu governo não fiscalizou corretamente as empreiteiras de obras públicas. Ele deveria ser processado e responsabilizado pelos danos causados ao povo, mas as autoridades e a imprensa estão mudas sobre a tucanagem.

Paraíso agiota

Ano após ano, desde que o neoliberalismo se instalou por aqui, os bancos privados batem recordes seguidos de lucro. No primeiro semestre não deixaram por menos: dez bancos que anunciaram seus balanços aumentaram o lucro líquido em 44% em relação ao primeiro semestre de 2006. Nenhum setor da economia ganhou tanto, muito menos ainda os trabalhadores. A concentração continua acelerada.

Reprise nacional

O Supremo Tribunal Federal deverá julgar, entre os

dias 20 e 31, o processo do “mensalão” de 2005, que envolve 40 pessoas entre publicitários, políticos, dirigentes partidários e ex-integrantes do governo federal. A denúncia, formulada pelo procurador-geral da República, tratou o caso como sendo o de uma “quadrilha” que dividia recursos obtidos nos negócios entre empresas privadas e o Estado. Personagens conhecidos voltarão ao noticiário.

Procriação danosa

O recém falecido senador Antonio Carlos Magalhães, do DEM-BA, conhecido também como Toninho Malvadeza, reinou na política por mais de 50 anos, sempre do lado das forças mais atrasadas do país; usou os mais sórdidos recursos para manter seu poder na Bahia e na República; montou um império de rádio e TV inconstitucional; contribuiu diretamente para inúmeros escândalos de corrupção; agora o seu suplente e sucessor no Senado Federal é Antonio Carlos Magalhães Filho. Pode?

Emissoras ilegais

Ao se preparar para a defesa de duas emissoras comunitárias de rádio, perseguidas pela Anatel, o Escritório Modelo “Dom Paulo Evaristo Arns”, da PUC-SP, que presta assistência jurídica gratuitamente, descobriu que 37 das 40 emissoras comerciais de rádio que operam em São Paulo funcionam de forma irregular e ilegal. E são essas emissoras comerciais que vivem denunciando as emissoras comunitárias.

Informação pública

A Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de São Paulo, junto com o Movimento Desarquivando o Brasil e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, vão realizar, no dia 21, às 15 horas, no plenário da Câmara Municipal, no Viaduto Jacareí, 100, uma audiência pública em defesa da abertura total dos arquivos da repressão durante a ditadura militar (1964-1985). Todo mundo está convidado.


de 16 a 22 de agosto de 2007

7

brasil

No Rio Grande do Sul, violência policial contra sem-terra Raquel Casiraghi de Porto Alegre (RS) A DISPUTA pela terra no Rio Grande do Sul vem sendo acirrada com o aumento da repressão policial e do conflito entre famílias sem-terra e ruralistas. No dia 9, um grave confronto em Pedro Osório, região Sul do Estado, deixou 16 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) feridos pela Brigada Militar. Sem-terra, ruralistas e autoridades locais participariam de uma audiência pública para discutir justamente o conflito agrário na região. Com a confusão, a audiência foi cancelada. No sábado, dia 11, novo foco de tensão foi registrado em Nova Santa Rita, região metropolitana. Uma carreata organizada pela Federação dos Agricultores (Farsul) passou em frente de um acampamento do MST para protestar em defesa do direito à propriedade privada. Até o momento, o Rio Grande do Sul tinha na Fazenda Guerra, em Coqueiros do Sul, região Norte, o seu principal ponto de conflito agrário. Agora, são quatro, incluindo a Fazenda Southall, em São Gabriel. Todos têm em comum o fato de serem grandes áreas de terra improdutivas, a força da elite agrária, que luta pela manutenção das propriedades para sua própria existência, e a atuação da polícia, que através da repressão tenta manter o sistema vigente. A lentidão do governo federal em desapropriar terras agrava esse cenário. “No Rio Grande do Sul, há famílias que esperam há 5 anos para receberem um lote e plantarem. Ao mesmo tempo, existem áreas de 9 mil hectares, como a Fazenda da Palma, nas mãos de um único dono e não produz nada. Só a reforma agrária consegue acabar com o conflito no campo”, afirma Irma Ostroski, da direção estadual do MST.

Descaso dos governos A meta do governo Lula para o primeiro mandato de governo era de assentar as 2,5 mil famílias. Somente 744 foram assentadas, segundo o movimento. Além da falta de terra, as famílias acampadas também enfrentam atraso na entrega de cestas básicas. Neste ano, duas mobilizações foram feitas para exigir dos governos federal e estadual a entrega das cestas, que há dois meses não chegavam nos acampamentos. Diante da resistência dos movimentos camponeses, cada vez mais os latifundiários se vêem amparados pela repressão policial. Hoje, a violência perpassa as ações de despejo, tomando forma em ameaças, revistas em busca de supostas armas de fogo e no próprio descaso em tratar de investigar violações às famílias sem-terra. O confronto em Pedro Osório é o exemplo mais marcante dessa prática. Cerca de 200 famílias sem-terra foram participar da audiência pública que discutiria o conflito agrário na região. Na entrada da cidade, passaram por revistas. Ao chegar no local da audiência, ruralistas zombaram das famílias e houve um empurra-empurra entre os dois grupos. A reação da Brigada Militar foi separá-los com tapas, pontapés e cacetetes. No entanto, das vinte pessoas feridas, apenas dois eram policiais e um ruralista; o restante, militantes do MST. Outros seis sem-terra foram presos e levados à delegacia do município para depor. Nenhum ruralista foi detido. “Foi uma ação truculenta, dirigida especialmente ao pessoal dos sem-terra. Parece que havia uma pré-determinação de bater nos sem-terra. Isso ficou bem claro”, avalia o procurador federal Paráclito Brazeiro de Deus. Na última ação de despejo da Fazenda da Palma, reali-

CPT/RS

QUESTÃO AGRÁRIA Em zonas de conflitos agrários, cresce a repressão policial contra movimentos organizados do campo

CPT denuncia repressão em Alagoas da Redação

Sem-terra ferido na cabeça é levado para prestar depoimento na delegacia do município de Pedro Osório

“Foi uma ação (da polícia) truculenta, dirigida especialmente ao pessoal dos sem-terra ”, avalia o procurador-federal Paráclito Brazeiro, sobre o conflito em Pedro Osório zada pela polícia, no dia 7, as famílias registraram casos de violência. “Invadiram o acampamento e a gente conseguiu negociar que alguns acampados acompanhassem a revista dos barracos, feita com o único argumento de buscar arma de fogo. Revistaram inclusive as nossas escolas e não encontraram nada. Depois de tudo o administrador da fazenda, que é um engenheiro agrôno-

mo, veio convidar os policiais aqui para comer um churrasco”, conta Marcelino Hanauer, do MST.

Despreparo Na avaliação do ex-deputado e especialista em Segurança Pública, Marcos Rolim, o uso abusivo de violência pela polícia mostra o despreparo da organização em lidar com os conflitos. “Seria muito

importante se houvesse, por parte das polícias, uma relação mais orgânica, de diálogo, com os movimentos sociais. Não há motivo para a polícia não ter uma relação pública com as organizações, de modo que se formassem protocolos básicos, como nos casos de mobilizações, que são manifestações democráticas, sejam protegidas pela polícia. Essa é a sua função”, diz.

Para Marcos, a falta de investimentos, baixos salários dos policiais e a visão defasada sobre Segurança Pública contribuem para a violência. “Os governos pensam ainda que segurança pública é repressão, somente quando ocorrem os fatos. Não pensam em prevenção”, afirma. No dia 13, três dos sem-terra agredidos em Pedro Osório relataram o caso à Ouvidoria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul e à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa. (Colaborou Patrícia Benvenuti, de Porto Alegre-RS)

Latifundiários de Alagoas estão ameaçando movimentos sociais rurais que ocuparam a fazenda Boa Vista, do deputado Olavo Calheiros, no município de Murici. O parlamentar é irmão do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), há fortes indícios de planos para assassinar lideranças camponesas na região. “Exigimos que todas as ameaças e formas de repressão sejam investigadas e que o poder público garanta os direitos democráticos de manifestação das organizações sociais”, registra nota oficial da CPT. A propriedade é suspeita de ter sido adquirida pela família Calheiros de forma irregular, com a conivência do cartório. Os movimentos entraram na área no dia 24 de julho, em protesto unificado contra a grilagem de terras, e deixaram a fazenda dois dias depois, com a promessa do desembargador Sebastião da Costa Filho de agilizar o processo que solicita a intervenção no cartório de Murici.

PLEBISCITO POPULAR

A Vale como propulsora do desenvolvimento social Empresa nas mãos do povo deveria beneficiar as populações dos locais onde ela vai operar Reprodução

da Redação Há cerca de um mês do plebiscito sobre a reestatização da Vale do Rio Doce, o economista Marcos Arruda comenta a questão do desenvolvimento brasileiro e de quanto a empresa pode contribuir para esse projeto. Pergunta – Sobre o plebiscito da dívida externa, você ressaltou o caráter pedagógico da mobilização. Esse plebiscito sobre a reestatização da Vale do Rio Doce também possui caráter pedagógico? Por quê? Marcos Arruda – Absolutamente. Todos os plebiscitos informais levados adiante pelo movimento popular no Brasil têm como objetivo principal o de educar. A idéia é instruir e mobilizar a população em torno de temas que os cidadãos deveriam estar definindo, se pronunciando e participando das decisões junto com o governo. Na falta de instrumentos aplicados da democracia direta, como é o plebiscito oficial que está contido na Constituição de 1988, e na falta de vontade do governo de conclamar plebiscitos desse tipo para consultar a população sobre temas de interesse estratégico do país e da população, nós estamos tomando essa iniciativa já há sete anos, desde o primeiro plebiscito sobre as dívidas externa e interna e o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Como você acha que a discussão sobre a reestatização deve ser feita, levando em conta que a Vale do Rio Doce é grande consumidora de diversos recursos naturais? A Vale do Rio Doce é tomada por nós como um exemplo, pois tem uma espécie de janela para toda a problemática da economia brasileira. Essa empresa tem uma dimensão puramente mineradora no que se refere à produção e a exportação de miné-

A cada mês de 2006, os banqueiros receberam um valor correspondente ao de sete Vale do Rio Doce rio, tais como ferro, alumínio e ouro. No entanto, também tem uma enorme quantidade de terras no seu controle. Nem todos os depósitos que estão nessas terras, aliás, já foram identificados. A Vale controla um patrimônio gigantescamente maior do que os valores que estão assegurados nos seus balanços anuais e no valor de mercado de suas ações. Tudo isso é inferior à realidade. Como você relaciona a questão do plebiscito sobre a Vale do Rio Doce com a questão do endividamento do País? Eu acho que o que interessa mais no momento, em nossa campanha, é a comparação dos valores que o Estado brasileiro recebeu pela privatização com os valores que a Vale recebeu do governo brasileiro. A Vale foi privatizada em 1997 por um valor de R$ 3,337 bilhões. Esse era o valor de mercado das ações. Não se considerou todo o patrimônio, pois tudo o que ela tinha sob controle (terras,

minas, águas, florestas, ou seja, tudo o que é riqueza real e recurso comum público da nação) entrou no bolso dos atuais controladores. Em 2006, o governo Lula pagou um total de R$ 295 bilhões aos credores, o que corresponde a R$ 22,8 bilhões por mês. Isso quer dizer que a cada mês, os banqueiros receberam um valor correspondente ao de sete Vales do Rio Doce. É um contraste tão espantoso que, só então, podemos nos dar conta da gravidade, do crime que foi privatizar essa empresa. Como a reestatização da Vale do Rio Doce pode contribuir para o desenvolvimento brasileiro de forma solidária e sustentável? A Vale do Rio Doce anterior à privatização não era tão boa assim para o meio ambiente nem para a sociedade, porque ela já era, em parte, uma empresa privada: o seu modo de operar era o de uma empresa comercial, pois estava atrás de lu-

cro. A grande diferença é que esses lucros iam, predominantemente, para o Estado brasileiro, ou então viabilizavam investimentos na economia nacional. Além disso, a outra vantagem é que a empresa era, predominantemente, administrada pelo Estado, que definia a estratégia da empresa em função de um projeto de desenvolvimento do país. Ao longo dos anos Collor, FHC e, agora, Lula, o Brasil deixou de ter um projeto próprio de desenvolvimento. Então, uma empresa como a Vale do Rio Doce, ou como a Petrobras, ou um banco como o BNDES, passaram a flutuar num espaço, a ter como objetivo operacional e econômico a realização de lucros para si próprios. A Vale do Rio Doce precisaria de uma profunda transformação. Precisa ser uma empresa que tenha como objetivo principal beneficiar as populações dos locais onde ela vai operar, em termos de emprego, de royalties, cuidado com o meio social e ambiental. Não é o caso agora, pois, se você observar o que a Vale faz no Pará, perceberá que é lamentável, pois está se produzindo minério maciçamente para exportar e uma pequena parte vai ficar como royalties, ou seja, são apenas os “buracos” que vão ficar para povo. Além disso, o trabalho é escravo e as fontes de energia incluem a construção de empresas termoelétricas usando carvão vegetal. Nós acreditamos que a empresa nas mãos do governo e do povo será mais viável para o desenvolvimento social e humano do nosso país.(IHU On-Line)

Quem é Marcos Arruda é socioeconomista do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul – Pacs. Coordenador da Jubileu Sul e da Rede Brasil sobre Instituições Multilaterais, foi vítima de perseguição política, e ajudou a criar toda a política econômica da plataforma do PT para as campanhas de 1989 e 1994.


8

de 16 a 22 de agosto de 2007

Fotos: João Zinclar

brasil

Os organizadores da Caravana afirmam que a iniciativa tem como objetivo levar o tema da transposição para o país e “alertar para o absurdo total desse projeto”

SÃO FRANCISCO Durante 14 dias, organizações sociais e pesquisadores vão percorrer onze capitais para defender alternativa para o Semi-Árido brasileiro

Caravana dos movimentos sociais para resistir à transposição Tatiana Merlino da Redação UM GRUPO de especialistas e representantes de movimentos sociais vai percorrer onze capitais brasileiras para denunciar as mentiras e contradições em relação ao projeto do governo federal de transposição do rio São Francisco. A iniciativa, batizada de “Caravana Nacional em Defesa do Rio São Francisco”, vai também defender uma nova estratégia para o Semi-Árido. A jornada terá início em Belo Horizonte, no dia 19 de agosto, e passará por Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo, Natal, Fortaleza, Recife, João Pessoa, Salvador e Aracaju. A atividade será concluída em Maceió, dia 1º de setembro. Para os participantes da Caravana, o projeto da transposição não vai resolver o problema de abastecimento de água da população que vive no Nordeste. “O discurso do governo é falacioso, porque sabemos que é impossível distribuir água bombeada para uma população difusa. Esse projeto é para beneficiar o agronegócio e manter a chamada indústria da seca”, critica Apolo Heringer Lisboa, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos participantes da iniciativa.

Abastecimento de água No entanto, de acordo com ele, como o assunto é pouco debatido na mídia, a jornada pretende levar o tema para o país e “alertar para o absurdo total desse projeto”. Lisboa lembra que a Caravana quer chamar a atenção para a “grande mentira” que é a transposição. “É preciso levar água para essas pessoas, mas a transposição não é a solução. Quem entende de água neste país sabe que isso não vai acontecer. Há alternativas mais viáveis e baratas para resolver o problema de abastecimento de água”, aponta. Durante a jornada, serão realizados debates nas universidades e encontros entre a caravana e membros dos governos dos Estados e assembléias legislativas. Por onde passar, a Caravana irá distribuir 50 mil exemplares da revista Transposição: Águas da Ilusão, que aponta as incoerências do projeto do governo federal, além de discutir alternativas para o Semi-Árido. Nacionalizar o tema Entre os participantes da Caravana estarão Dom Frei Luiz Cappio, a representante do Ministério Público, Luciana Khoury, o integrante do Fórum em Defesa do São Francisco, Ruben Siqueira, os professores João Suassuna (Fundação Joaquim Na-

buco, de Recife); João Abner (Universidade Federal do Rio Grande do Norte); e o engenheiro agrônomo e secretario executivo Articulação do Semi-Árido (ASA), Luciano Marçal.

Paralisação das obras Para Ruben Siqueira, do Fórum em Defesa do São Francisco, a discussão em torno do projeto está muito regionalizada, como se fosse apenas uma “briga dos nordestinos”. “Queremos nacionalizar o tema”, afirma. De acordo com ele, a iniciativa é a ampliação da estratégia de oposição à transposição, que se soma ao acampamento realizado por movimentos sociais em Cabrobó (PE), no período de 26 de a 4 de julho. “A Caravana pretende intensificar essa luta”. Além da jornada, afirma Siqueira, mobilizações regionais tam-

bém estão sendo articuladas ainda para este mês. A resistência à transposição não é uma luta apenas dos movimentos sociais. Segundo Luciana Khoury, promotora de Justiça do Minis-

tério Público da Bahia e coordenadora das Promotorias de Justiça do São Francisco, há possibilidades concretas de as obras da transposição serem suspensas. Dia 5 de julho, atuando em nome

respeitando essa obrigatoriedade. “Estamos com expectativas de que o ministro Pertence acate o pedido e a obra seja paralisada, pois o Exército já está acampado e já há danos concretos ao meio ambiente”, afirma Luciana. Ela que acredita que a Caravana deve sensibilizar a população em relação à ilegalidade do projeto, “que não respeitou

Justiça pode suspender as obras: Ibama concedeu licenças sem realizar audiências públicas, como determinou o STF

O projeto da transposição não vai resolver o “problema” da seca

Em Pernambuco, retaliação contra povo indígena da Redação Em represália à resistência contra o início das obras da transposição, o povo indígena Truká, que resiste na retomada de seu território tradicional contra o projeto no Eixo Norte em Cabrobó (PE), a 500 km de Recife, teve a energia cortada na ilha de Assunção, no dia 7. A Companhia Energética de Pernambuco (Celpe) impediu o abastecimento sem aviso prévio à Fundação Nacional do Índio (Funai) e nem à comunidade. A ilha de Assunção ficou também sem água, uma vez que o abastecimento é feito por bombeamento elétrico. Em resistência, os índios derrubaram uma das torres de alta tensão e interromperam o abastecimento das cidades de Curaçá e Abaré, na Bahia. Mantiveram ainda técnicos que trabalham para a Companhia Energética da Bahia (Coelba) na ilha por algumas horas. Dois dias depois, a energia elétrica foi religada. A Celpe afirmou que os indígenas estavam inadimplentes. Mas, de acordo com as lideranças Truká, a comunidade nunca pagou pela energia, pois firmou um acordo com o governo de Pernambuco, pelo qual torres de alta tensão ocupariam parte das terras indígenas e, em troca, não haveria ônus com a energia elétrica. De acordo com Alzení Tomáz, da Comissão Pastoral dos Pescadores (CPP), o episódio não aconteceu por acaso neste momento e o corte

do Ministério Público Federal e dos Ministérios Públicos Estaduais de Bahia, Sergipe e Minas Gerais, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Barros, entrou com uma petição junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, pedindo que sejam suspensas as obras de transposição do rio São Francisco.

A justificativa é de que o ministro do Supremo, Sepúlveda Pertence, havia determinado no fim do ano passado que audiências públicas antecederiam as concessões do Ibama. No entanto, o órgão ambiental concedeu licença para instalações em março deste ano des-

as decisões do Comitê das Bacias” (do São Francisco) – que determinou que a transposição só poderia destinar-se ao consumo humano e animal de de recursos hídricos, quando o projeto do governo prevê usos industrial, de criação de camarão e para irrigação.

Programação Dias 19 e 20 – Belo Horizonte (MG) 11ª Romaria das Águas e da Terra de Minas Gerais Audiência com o presidente da Assembléia Legislativa de Minas Gerais Visita à Universidade Federal de Minas Gerais e coletiva à imprensa com a Encontro com o governador Aécio Neves Dia 21 – Rio de Janeiro (RJ) Encontro da Caravana com o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia Visita ao governador Sérgio de Oliveira Cabral Santos Filho – a confirmar Dia 22 – Brasília (DF) Participação na reunião da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados Audiência com a Ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal – a confirmar Debate na Universidade de Brasília

Novas mobilizações estão sendo articuladas pelos movimentos

Quilombolas denunciam tentativa de representantes do governo Lula de fazer barganha para conseguir apoio ao projeto de transposição de energia é uma represália ao povo indígena, que está mobilizado contra o projeto da transposição. “As comunidades tradicionais que serão prejudicadas com o início das obras estão preparadas para protestar”.

Apoio quilombola Junto aos índios que estão em vigília acampados na entrada da ilha de Assunção, somaram-se mais de 400 lideranças quilombolas da bacia do São Francisco, que realizaram um encontro, dias 7 e 8, para discutir os problemas da transposição. As comunidades reafirmaram posição contrária à obra e se fizeram solidários à luta de resistência do povo Truká. Segundo a representante da CPP, durante o encontro,

sete comunidades quilombolas denunciaram que representantes do Ministério da Integração Nacional teriam ido visitá-las oferecendo benfeitorias nas comunidades – como a construção de banheiros nas casas e postos de saúde – em troca de apoio ao projeto da transposição. “Isso é barganha”, diz Alzeni. De acordo com ela, novas mobilizações contra as obras estão sendo articuladas pelos movimentos populares e comunidades tradicionais. “Só a mobilização popular pode impedir que a transposição aconteça. Os territórios indígenas e quilombolas estão ameaçados. Caso o governo insista nesse projeto, haverá conflito atrás de conflito. Haverá um levante dessas populações”, anuncia. (TM)

Dia 23 – São Paulo (SP) Debate na Sala dos Estudantes da Faculdade de Direito da USP – Largo São Francisco Encontro com o Governador José Serra – a confirmar Dia 24 – Natal (RN) Debate na Federação dos Trabalhadores Rurais do RN Dia 25 – Mossoró (RN) Visita à barragem Engenheiro Armando Ribeiro Gonçalves (Açude Açu) Dias 26 e 27 – Fortaleza (CE) Visita ao açude Castanhão Debate na Universidade Federal do Ceará Dia 28 – Recife (PE) Ato público no centro da cidade – Praça Oswaldo Cruz Encontro com o governador Dia 29 – João Pessoa (PB) Debate na Universidade Federal da Paraíba Dia 30 – Salvador (BA) Debate na Universidade Federal da Bahia Coletiva à imprensa no Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco Encontro com o governador Jacques Wagner – a confirmar Dia 31 – Aracaju (SE) Sessão pública na Assembléia Legislativa Audiência com o governador Dia 1º – Maceió (AL) Passeata na orla marítima de Maceió Encontro com o governador Teotônio Vilela


de 16 a 22 de agosto de 2007

9

Reprodução

américa latina

Acordo amplia importação de alimentos

MÉXICO Em 2008, tratado de livre comércio prevê isenção de impostos para milho e feijão importados dos EUA; empresas pressionam pela liberação de produtos transgênicos Pedro Carrano de Curitiba (PR) EM 1994, o México era autosuficiente na produção de milho. Essa realidade mudou a partir de 1º de janeiro daquele ano, quando entrou em vigor o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, em sua sigla em inglês). Hoje, um terço do milho consumido no México, produto originário do solo desse país, é importado dos Estados Unidos, onde a produção é subsidiada pelo governo. Se essa situação prejudicou os camponeses mexicanos, a tendência é que piore. A partir de 2008, serão eliminados os impostos do milho – e também do feijão – no comércio entre os países do bloco (Canadá, EUA e México), como prevê o Nafta.

poneses, para gerar consciência sobre os efeitos da entrada do milho transgênico, além da liberação do comércio desse alimento e do feijão. As principais medidas exigidas na campanha são: tirar o milho e o feijão do Nafta, abolir o cultivo de milho transgênico, fazer com que a Unesco inclua o milho no Patrimônio Oral e intangível da humanidade.

Contaminação

Do milho importado pelo México, apenas uma parte menor se destina ao processamento de alimentos, como a tortilha (um dos alimentos mais tradicionais do país, hoje produzido sob monopólio da empresa Mazeca), segundo Silvia Ribeiro, pesquisadora do ETC, grupo especialista em mapear a política corporações de agroquímicos. A maioria,

Um terço do milho consumido no México vem dos EUA; até 1994, antes do Nafta, país era auto-suficiente As perspectivas também não são boas com relação ao avanço dos transgênicos. As transnacionais do ramo de agroquímicos Dow, Pioneer (Dupont) e Monsanto vêm pressionando pela aprovação do experimento de milho transgênico, cultivo ainda proibido no México, ao contrário da soja e do algodão geneticamente modificados, já liberados. Para tanto, as corporações contam com a Lei de Biosegurança, aprovada no Congresso em meio ao lobby da Monsanto. Em reação a essas ameaças, uma das medidas adotadas por movimentos do campo é a campanha “Sin maiz no hay país” (“Sem milho não há país”), voltada para os cam-

no entanto, é destinada como alimento de animais. Levando em conta que oficialmente 60% do milho dos Estados Unidos é transgênico, a contaminação e a mistura com os cultivos camponeses tem sido gradual e inevitável. Outra ameaça anunciada dentro do Nafta é a liberação de impostos no comércio de milho e feijão com os EUA. Em tese, o tratado previa o pagamento de impostos sobre parte do milho e do feijão comercializados entre EUA e México, taxação que desaparecerá em 2008. Silvia explica que, atualmente, o milho entra no país como alimento para ser processado, porém, muitas vezes é utilizado pelos

camponeses como semente, o que contamina os cultivos, como denunciam organizações no Estado de Oaxaca, no Sul do México. Ao entrar como alimento processado e servir como semente, a importação deixa de estar sujeita ao Protocolo de Cartagena, segundo o qual a comercialização de sementes tem que ser informada aos governos. Não é novidade que a entrada de milho com isenção fiscal no país já acontece pela via dos fatos, porém, em 2008 a falta de controle deve se aprofundar, prevê Silvia. “Com lei ou sem lei, o milho transgênico já é semeado e colhido desde os governos anteriores de Ernesto Zedillo e Vicente Fox, que autorizaram o cultivo em 3 milhões de hectares de terras. Hoje, os Estados de Oaxaca e Puebla são os mais afetados pelo cultivo promovido pelas empresas Cargill e Monsanto, que produzem o milho terminator”, comenta Onésimo Hidalgo, pesquisador do Centro de Investigaciones Econômicas y Políticas de Acción Comunitária (Ciepac), de Chiapas. Por ano, o México importa 7 milhões de toneladas de milho dos Estados Unidos, segundo. A organização Conselho Indígena Popular de Oaxaca (CIPO-RFM), de Oaxaca, denuncia ainda que está em andamento uma política de apropriação de terras no campo e expulsão de camponeses. Por meio do programa chamado Procede, o governo concede títulos de propriedade aos camponeses para serem proprietários individuais de suas terras e, conseqüentemente, vendê-las em um momento de dificuldade econômica – dificuldade que parece ser a regra para os camponeses do país.

Com o agrocombustível, preços da tortilha disparam Alimento tradicional dos mexicanos teve alta de 40% Miranda Doyle

de Curitiba (PR) No início do ano, os mexicanos já haviam sido pegos por um aumento de 40% do preço da tortilha (alimento tradicional feito a partir do milho). O aumento do preço do alimento básico é atribuído aos cultivos de milho, nos Estados Unidos, que passaram a ser destinados para a produção do combustível etanol. A maior procura provocou um aumento no preço do produto. A situação é agravada porque o México deixou de ser auto-suficiente na produção de milho. Outro aspecto da elevação de preços é o monopólio das transnacionais Cargill e ADM na comercialização do milho. Para Pedro Ramos, professor de Economia da Unicamp, analisa que a chamada “crise da tortilha”, no México, está ligada ao aumento da produção de etanol nos EUA, uma produção que em um curto período ultrapassou a do Brasil (veja quadro), outro grande produtor do agrocombustível. Não se trata de uma falta de alimentos, na opinião de Ramos. O economista ressalta ainda o deslocamento na configuração geográfica da produção de milho no México – que se transferiu para os Estados mais ao norte do país, gerando um modelo dependente e não agroecológico, ao contrá-

Milho tornou-se um ingrediente mais caro para os mexicanos

rio do modelo de pequenas propriedades, nas comunidades do Sul. A situação afeta os mais pobres. “Não é que o produto falta ou vai faltar, mais grave é a subida de preços em tão curto período de tempo”, reflete Ramos. Silvia Ribeiro, do grupo ECT, explica que, caso o país libere o milho transgênico, a

produção em larga escala deve servir à produção de etanol. O produto ficará escasso no mercado interno, forçando a distribuidora estatal de milho, Diconsa – que atende 22 mil mercados rurais – a comprar milho de produtores de fora, e não apenas de produtores nacionais, como está hoje comprometida. (PC)

EUA ampliam produção de etanol 2001 – A produção nos EUA era de 7 bilhões de litros; o Brasil produzia 11,5 bilhões 2005 – Produção de etanol nos EUA passa para 16,14 bilhões de litros de etanol, igualando-se à do Brasil, que é de 16 bilhões

Movimentos lançam a campanha “Sem milho não há país”, cujo objetivo é combater o livre comércio

A corrosão do Tratado de Livre Comércio de Curitiba (PR) A ponto de completar 14 anos, o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) afetou diretamente os trabalhadores e o povo pobre do México. Foi assim no dia primeiro de janeiro de 1994, quando o acordo teve início, anunciando a modificação no artigo 27 da Constituição mexicana, que até aquele momento dava aos camponeses o direito comunal de uso da terra, sem a possibilidade de vendê-la. A alteração no artigo foi o estopim que levou o Exército Zapatista de Liberação Nacional (EZLN) a levantar-se em armas con-

tra o governo. O TLC deixou marcas que de certa forma anunciaram os riscos que os países da América Latina correriam se adotassem o modelo. Antes de 1994, o país era soberano na questão do milho, agora importa um terço do alimento. Por ano, são 7 milhões de toneladas vindas dos Estados Unidos. Cerca de 50 mil pequenos produtores abandonam suas terras anualmente no México. Já a migração rumo ao país vizinho causou, nos 11 anos de acordo comercial, uma perda populacional média de 20%. Estudos de ONGs sobre os efeitos do Nafta mostram que 69,4% dos 43.900 mil trabalhadores tiveram as condições de vida pioradas, após o Nafta. (PC)

Desafios do movimento social Analista avalia que, no México, o caminho institucional se esgotou como campo de luta para as transformações Cadeva

da Redação O sociólogo Onésimo Hidalgo, pesquisador do Centro de Investigaciones Econômicas y Políticas de Acción Comunitária (Ciepac), de Chiapas, em entrevista ao Brasil de Fato, ressalta a importância de insurgências populares que eclodiram no ano passado, como a de San Salvador Atenco, e da Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO), instância formada por mais de 300 organizações, buscando a queda do governador do Estado de Oaxaca, Segundo ele, falta ao movimento social mexicano dar o passo seguinte, para que as conquistas não terminem quando a luta nas ruas declina. “Está amadurecendo uma eclosão social no México. Neste momento, cabe a uma iniciativa como a da “Outra Campanha” zapatista dar um sentido a esse movimento para que passe da insurreição para uma mobilização maior. Chegou o momento de os movimentos partirem do protesto para as propostas”, pensa. A situação de Oaxaca foi exemplar nesse sentido. A população esteve nas ruas, tomou prédios públicos, a polícia estava aquartelada, controlou a cidade ao longo de seis meses, mas não conseguiu tomar o governo. Segundo Hidalgo, isso ocorreu devido a divisões entre os grupos que conformavam a Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca.

Protestos

Ainda assim, as mobilizações seguem vivas e, desde o início do governo de Felipe Calderón, do Partido Acción Nacional (PAN), lançou mão da política conhecida como “guerra suja”, perseguindo trabalhadores e lutadores sociais. A presença militar nos Estados mexicanos cresce com a desculpa do combate ao tráfico de drogas.

Para especialista, está amadurecendo uma eclosão social no México

“Chegou o momento de os movimentos partirem do protesto para as propostas”, diz sociólogo “Eles te detêm, ameaçam e te liberam horas depois. Acusam você de delitos que não têm a ver com os movimentos sociais, presos são fabricados e a vigilância é constante”, descreve Dolores, da organização Conselho Indígena Popular de Oaxaca (CIPO-RFM), ao Brasil de Fato. Uma das maiores provas da descrença do povo com os partidos eleitorais ocorreu neste mês durante a eleição de deputados em Oaxaca. Cerca de 70% da população deixou de comparecer às urnas como forma de protesto contra o partido de Estado, o Partido Revolucionário Institucional (PRI), que há 76 anos domina a política local, assim como em outras partes do país. Outro sinal foi dado por organizações guerrilheiras tam-

bém em Oaxaca e em Guerrero, das quais a mais conhecida é o Exército Popular Revolucionário (EPR), que voltou a realizar ações. De outro lado, intelectuais, jornalistas defendem que a descrença do povo com a via institucional e com os Partidos de Estado (PRI e PAN) deve ser canalizada em formas de mobilização massiva e pacífica, cuja força é moral. Mesmo o Partido da Revolução Democrática (PRD), de López Obrador, e a esquerda institucional não se apresentam como alternativa possível na conjuntura mexicana. “Está esgotado o caminho das eleições na via da transição democrática. O PRD é a decomposição do PRI, o que seria o PRD com o coração do PRI, o PRD já não é de esquerda”, analisa Hidalgo. (PC)


10

de 16 a 22 de agosto de 2007

áfrica

Ilhas Maurício estão à venda?

PRIVATIZAÇÃO Governo local defende projeto de lei que entrega à iniciativa privada a administração do mar, lagos e arrecifes Reprodução

Nasseem Ackbarally de Port Louis (Ilhas Maurício) “NESTE PAÍS estamos vendendo tudo, desde nossos corpos até nossa terra e, agora, o mar e a lagoa. Vai restar alguma coisa para nós?”, pergunta Jack Bizlall, porta-voz da rede de organizações não governamentais de Maurício chamada Kalipso. “Não sei como dizer aos meus filhos que estão vendendo o mar e a lagoa a investidores privados e que não estou fazendo nada para ir contra eles”, afirma o ambientalista Vassen Kauppaymuthoo. Ativistas e pescadores locais, junto com outros que ganham a vida em atividades relacionadas com o mar e a lagoa, procuram impedir que o governo dessa república leve adiante seu projeto de lei sobre “negócios aquáticos”. Os ativistas também estão preocupados com a lagoa e os arrecifes próximos devido à calma de suas águas azul-claro, uma das principais atrações turísticas da ilha. De seu lado, o governo pretende regulamentar a atividade comercial desenvolvida no mar ou em torno dele. Partes do oceano e da lagoa serão entregues em concessão, deixando, assim, de pertencerem ao domínio público. O prazo máximo de arrendamento será de 30 anos, segundo o projeto. As concessões ao setor privado serão para a construção de embarcadouros, extração de água do mar e desenvolvimento da aqüicultura. O plano também contempla conceder áreas de terras próximas à costa. Qualquer pessoa que entrar sem permissão nessas áreas será punida com penas de até um ano de prisão ou multa de até 3.125 dólares, de acordo com o projeto de lei.

Ilegalidades O governo dessa ilha do oceano Índico, 900 quilômetros a leste de Madagascar, busca investimentos privados com experiência e suficiente capital para pagar o arrendamento e as licenças,

Governo das Ilhas Maurício, país localizado 900 km a leste de Madagascar, defende projeto de lei que pune qualquer pessoa que entrar, sem permissão, numa das área concedidas

Quanto

80% é quanto pode

chegar a participação estrangeira

com uma participação de estrangeiros que pode chegar a até 80%. “Se essa lei for aprovada, a lagoa e o oceano em volta da ilha deixarão de pertencer ao público e serão integrados aos investidores para seu uso exclusivo”, afirma Kauppaymuthoo. O ambientalista acrescenta que o governo não tem faculdade para fazer isso, já que a Constituição do país, que ficou independente da Grã-Bretanha em 1968, estabelece que o oceano não lhe pertence. Além disso, coloca que a aqüicultura tem conseqüências negativas para o meio

Se essa lei for aprovada, a lagoa e o oceano em volta da ilha deixarão de pertencer ao público e serão integrados aos investidores para seu uso exclusivo ambiente, pois os peixes são alimentados com farinhas animais, produtos químicos e outras substâncias que contaminarão o mar e a lagoa, causando doenças nas pessoas e atraindo os tubarões. “A indústria do turismo, que proporciona à ilha uma grande quantidade de divisas, também sofrerá”, adverte Kauppaymuthoo. Maurício está desenvolvendo rapidamente seu setor turístico, com a meta de atrair cerca de dois milhões de visitantes por ano no curto prazo. O ministro da Agroindústria e da Pesca, Arvin Boolell, diz, em defesa do projeto, que o desenvolvimen-

to da aqüicultura e da indústria pesqueira é parte da estratégia oficial para acelerar o crescimento econômico.

Desenvolvimento? O objetivo é duplicar em sete anos a renda per capita, que agora está em torno de 5.400 dólares. “Como faremos isso a não ser criando riqueza e trabalho para nossa gente?”, indaga o ministro da Indústria e do Comércio, Rajesh Jeetah. Boolell destaca o crescimento no consumo de pescado por habitante, que alcançou os 21 quilos, e o esgotamento desse recurso na lagoa. O diretor do Fundo de Investimento dos Pescadores,

que apóia o projeto, acrescenta: “Como vamos alimentar a população e os turistas sem pescado?”. Já foram identificados 20 potenciais locais para o desenvolvimento da criação artificial e 10 investidores, tanto locais quanto estrangeiros, declararam seu interesse, disse à IPS uma fonte do Conselho de Investimentos. Boolell garante que Maurício pode receber 25 milhões de dólares em investimentos, que criariam cinco mil postos de trabalho. E, segundo estudo feito por uma firma francesa, poderia chegar-se a uma produção anual de 29 mil toneladas de pescado em criadouros. “Se

todos esses projetos forem postos em prática se utilizará menos de 1% dos 280 quilômetros quadrados da lagoa”, disse Boolell. Mas Kauppaymuthoo é pessimista. “Quando uma porta é aberta, permanece aberta. Hoje é 1%, que pode se transformar em 2% e depois em mais. Onde iremos parar?”, questiona. Pequenas organizações políticas e sociais são as únicas que criticam o projeto. Algumas argumentam que os pescadores e o público ficarão privados do acesso às praias e à lagoa. Um desses grupos, o Lalit, destaca que “guardas privados já estão tomando conta das praias diante dos hotéis, cuja construção aumenta, ocupando uma parte crescente da costa”. Boolell nega que ficará proibido o acesso da população às praias. (IPS/Envolverde)

SUDÃO

Facções negociam a paz com o governo do Sudão; contudo, os dois principais líderes não apareceram Daniel Luban de Washington (EUA) As facções rebeldes da zona sudanesa de Darfur entraram num acordo em torno de uma posição comum com vistas às próximas negociações com o governo central, depois de intensas conversações na Tanzânia. Foi o que anunciaram com pompa os mediadores do conflito: a Organização das Nações Unidas e a União Africana. Os rebeldes esperam que essa posição unificada permita que as conversações de paz com o governo do Sudão comecem nos próximos dois ou três meses, disse o enviado especial da ONU para Darfur, Jan Elliason. Mas a ausência de líderes rebeldes-chave nas conversações poderia limitar a importância desse acordo, alertaram analistas.

Quanto

2,5 milhões

de pessoas foram refugiadas pelo conflito aprovou uma resolução para criar a maior força de paz do mundo, que será enviada a Darfur. Elliason e o enviado da União Européia, Salim Ahmed Salim, disseram que as conversações produziram uma plataforma comum sobre “divisão do poder, questões de saúde, segurança, terras e humanitários”. Mas de Wall alertou que as posições dos rebeldes ainda não são muito firmes. As convesações em Arusha reuniram representantes do Exército Sudanês de Libertação (SLA) e o Movimento de Justiça e Igualdade. Os dois grupos se subdividiram em facções que se enfrentam desde que começou o conflito em Darfur, há quatro anos. Mas as duas figuras principais, Suleiman Jamous e Abdel Wahid Mohammed al-Nur, não estiveram presentes em Arusha. Observadores disseram que essas ausências colocam em risco o êxito das conversações. Jamous, o coordenador humanitário do SLA e uma figu-

“Os mediadores falam de unidade rebelde, mas de fato estimulam as divisões por convidarem qualquer um que tenha uma arma, um veículo e um telefone celular”, criticou o presidente-fundador do SLA, Abdel Wahid Mohammed al-Nur “É um passo adiante, mas o verdadeiro trabalho está para ser feito”, disse à IPS o analista Alex de Wall, especialista em Darfur do independente Social Science Research Council, com sede em Washington (Estados Unidos). As conversações, realizadas na cidade tanzaniana de Arusha, entre os dias 3 e 6, aconteceram uma semana depois que o Conselho de Segurança da ONU

Ivo Freijsen/EC-ECHO

Principais líderes rebeldes não aparecem para negociar

ra muito admirada entre os rebeldes, esteve sob custódia no Sudão por mais de um ano em um hospital da ONU. O governo sudanês ameaçou prendê-lo se deixasse o local.

Ausências “Jamous conseguiu um perfil importante por sua atitude altamente conciliatória, por sua qualidade de estadista com experiência e pe-

Rebelde critica os mediadores: “convidam qualquer um que tenha uma arma”

lo fato de não ter sangue em suas mãos”, disse à IPS o acadêmico Eric Reeves, especialista em Darfur. “Sua presença é muito importante, porque pode ter um papel conciliatório. Mas é por essa razão que o governo de Cartum o mantém recluso”, acrescentou. O SLA, um dos maiores grupos rebeldes, ameaçou boicotar as negociações

se Jamous não puder participar. Entretanto, a agência Reuters informou que depois essa facção voltou atrás em sua postura. Al Nur, presidente-fundador do SLA, também esteve ausente por decisão pessoal. No dia 3, criticou as conversações em uma entrevista ao Sudan Tribune, dizendo que “os mediadores falam de unidade

rebelde, mas de fato estimulam as divisões por convidarem qualquer um que tenha uma arma, um veículo e um telefone celular”. Embora agora Al Nur viva em Paris e já não comande nenhuma milícia em Darfur, continua sendo uma figura sumamente respeitada entre os 2,5 milhões de refugiados por causa do conflito. “Al Nur ainda é visto pela maioria nos acampamentos como a voz dos refugiados”, disse Reeves. “Será muito difícil as negociações terem sucesso se ele as boicotar”, ressaltou.

Incertezas Reeves também alertou que “seria a mesma receita de fracasso que se viu em Abuja se for considerada apenas uma minoria dos grupos rebeldes para conseguir um acordo”. O acordo de maio de 2006 entre rebeldes e Cartum, alcançado em Abuja, foi assinado apenas pela facção do SLA liderada por Minni Minawi, e logo se converteu em letra morta. Por outro lado, enquanto muitos grupos humanitários expressaram otimismo pela resolução do Conselho de Segurança da ONU para criar uma força de paz de 26 mil soldados, outros disseram que o tempo previsto para o envio desse contingente é muito demorado e que a resolução foi debilitada significativamente para conseguir o aval da China. Jan Pronk, ex-enviado da ONU ao Sudão, expulso desse país em outubro de 2006 por ter criticado as autoridades de Cartum, expressou dúvidas sobre a resolução do sábado. Em uma entrevista ao jornal holandês Trouw, Pronk disse que a resolução se diluiu “enormemente” e lamentou que os membros da força de paz não terão autoridade para apreender armas ilegais. Pronk também criticou a lentidão no envio, dizendo que “demorará muito tempo antes que a missão seja plenamente operacional”. (IPS/Envolverde)


de 16 a 22 de agosto de 2007

11

américa latina

Escândalos políticos marcam segundo mandato de Álvaro Uribe

b.wu/CC

COLÔMBIA Denúncias de envolvimento do governo com paramilitares e críticas ao programa de segurança são as marcas do primeiro ano da nova gestão Jorge Enrique Botero de Bogotá (Colômbia) O PRESIDENTE da Colômbia, Álvaro Uribe, completou um ano de seu segundo mandato em meio a graves escândalos políticos e contestações a seus programas de segurança. Apesar disso, o conservador segue registrando elevados índices de apoio popular, superando os 60%, segundo pesquisas recentes. Para a maioria dos analistas e dirigentes políticos, esse primeiro ano foi o mais difícil dos cinco anos governados por Uribe, cuja principal bandeira de gestão foi um plano gigantesco contra-insurgente com o objetivo de derrotar as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs) e o Exército de Libertação Nacional (ELN). Apesar da utilização de modernos equipamentos de guerra e uma mobilização de tropas sem precedentes na história do país, além do generoso apoio logístico e humano dos Estados Unidos, Uribe não consegue exibir ainda verdadeiros troféus ou vitórias que o permitam demonstrar que a balança do conflito armado – que já dura quase 45 anos – teria inclinado a seu favor. Ao contrário: durante os últimos 12 meses, as ações ofensivas das Farc cresceram, especialmente nos Departamentos (divisão similar aos Estados) do Sul e do Orien-

te, enquanto os diálogos com o ELN, realizados em Cuba, permanecem paralisados frente à exigência do Executivo de que a guerrilha se concentre em áreas específicas e declare um cessar fogo. Carlos Lozano, dirigente da oposição do Polo Democrático Alternativo (segunda força eleitoral do país), afirmou que o Plano Patriotra – estandarte da política contra-insurgente – “foi um total fracasso”.

Paramilitares Ao longo de seu quinto ano como governante, Uribe teve que enfrentar outros duros golpes no campo da segurança. Em primeiro lugar, as revelações de uma extensa infiltração da máfia na cúpula das forças militares e da polícia, cuja amplitude ainda não está determinada. A Justiça segue autorizando ordens de captura contra coronéis e outros oficiais de alto escalão. Outro escândalo foi a revelação de velhos vínculos entre dirigentes de partidos políticos que apóiam Uribe com chefes de grupos paramilitares e de narcotraficantes, acolhidos por uma generosa oferta de desmobilização impulsionada pelo governo. Quase 20 parlamentares estão atualmente na prisão por conta dessas alianças, como o ex-diretor do máximo organismo de segurança do país Rafael Noguera, que foi em 2002 chefe da campanha eleitoral do então candidato

presidencial Álvaro Uribe na costa atlântica. Os tenebrosos pactos entre políticos ligados a Uribe e chefes narcoparamilitares incluíram, segundo a própria confissão dos envolvidos, a “conquista” de milhares de votos para a reeleição do presidente e a eleição de pelo menos 40% dos representantes no Parlamento da Colômbia.

Casa Branca Na política exterior, o primeiro ano também foi difícil para Uribe. Considerado o principal aliado de Washington na América Latina, o presidente colombiano teve um revés em sua estratégia logo após a vitória eleitoral do Partido Democrata, com maioria no Senado e na Câmara. As apressadas visitas de Uribe à capital estadunidense, para tratar sem sucesso de convencer os democratas sobre os avanços do país no tema dos direitos humanos, não foram suficientes para conseguir que as novas maiorias legislativas dessem “sinal verde” ao Tratado de Livre Comércio entre as duas nações. “Com o apoio exclusivo de George W. Bush, cuja popularidade está despencando, Uribe está sendo obrigado a dar um giro em sua política externa de subserviência frente à Casa Branca”, opinou Lozano. (La Jornada www.jornada.unam.mx)

“Uribe, você e Bush são o mesmo: assassinos”, diz cartaz de militante dos direitos humanos

CUBA stttijn/CC

Aniversário – Cuba festejou em 13 de agosto o 81º aniversário do presidente Fidel Castro. Centenas de pessoas caminharam pelo Malecón – a avenida beira-mar mais famosa da capital Havana. Líderes latino-americanos enviaram mensagens de apoio, como o nicaragüense Daniel Ortega e o boliviano Evo Morales, que escreveu: “a melhor maneira de festejar é com uma luta antiimperialista”. Fidel, que se afastou do cargo desde julho de 2006, não compareceu às atividades.

ANÁLISE

Chávez e Lula: duas viagens, dois caminhos Uns trabalham pela integração sobre a base da autonomia energética; enquanto outros, com base nos agrocombustíveis “É completamente inadmissível e um crime produzir etanol a partir do cultivo de milho”, respondeu o nicaragüense. Na Jamaica, Lula inaugurou uma planta de desidratação de etanol, de propriedade de investidores jamaicanos e brasileiros; e, em Honduras e no Panamá, assinou acordos para o desenvolvimento dos combustíveis a partir de cana-de-açúcar. A Folha de S. Paulo, no dia 5 de agosto, lembrou os motivos de fundo do Brasil para expandir o etanol nessa região. “O interesse é usar a América Central como plataforma de exportação de etanol para os EUA; esses países têm acordo de livre-comércio com os americanos e não têm limites para a exportação de etanol”. O Brasil aporta a tecnologia e os capitais, os centro-americanos põem o trabalho semi-escravo nos canaviais, e, assim, a potência emergente consegue abrir um mercado protegido, ao qual tem enormes dificuldades de acesso. A forma de pensar de Lula é transparente: “Juntos, podemos constituir uma potência econômica mundial”, disse ao presidente direitista Felipe Calderón, no México.

Raúl Zibechi de Montevideu (Uruguai) Durante a primeira semana de agosto, a América Latina foi testemunha de duas importantes viagens de presidentes com propósitos diametralmente opostos, protagonizados por Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez. Muitos observadores e analistas preferem esconder o feito de que duas das principais figuras do continente tomaram rumos que põem em evidência as dificuldades da integração regional. Lula visitou cinco países: México, Honduras, Nicarágua, Panamá e Jamaica, com o objetivo de promover os agrocombustíveis. Chávez visitou, no mesmo período, Argentina, Uruguai, Equador e Bolívia, para assinar acordos que impulsionam a integração.

Segundo Chávez, os atritos entre Venezuela e Brasil não se devem a “uma disputa de lideranças”, e sim a “uma confrontação de modelos energéticos” A viagem de Lula poderia se chamar o “segundo tour do etanol”. O primeiro, lembremos, foi realizado por George W. Bush no começo de março deste ano, quando chegou a acordos de longo prazo com Lula para promover os agrocombustíveis. Agora, o presidente do Brasil viajou para contribuir para que empresários de seu país instalem plantas de etanol de cana-de-açúcar nos países centroamericanos. No México, primeira etapa de sua viagem, Lula incentivou um acordo entre a estatal Pemex e a transnacional Petrobras para a procura e exploração de petróleo em águas do Golfo do México. O acordo é interessante para a Petrobras, uma vez que a empresa é líder mundial em extração de petróleo em águas profundas, tecnologia que a empresa mexicana não possui.

A esquerda mexicana reagiu de forma dura. Andrés Manuel López Obrador, vítima de uma fraude eleitoral nas eleições de 2006 que beneficiou o atual presidente Felipe Calderón, advertiu que pode usar a Petrobras como “ponta-de-lança” para privatizar a Pemex, um objetivo muito apreciado pelas transnacionais. “Respeito-o muito, mas o movimento que represento, uma oposição real, verdadeira, não aceita que se entregue a riqueza petroleira mexicana a estrangeiros, sob nenhuma modalidade”, disse Obrador, sobre as gestões de Lula, segundo o jornal La Jornada de 6 de agosto. O líder mexicano disse que a Petrobras procurará petróleo no Caribe e, em troca, ficaria com uma parte dos hidrocarbonetos encontrados, o que implica nenhum ris-

co, já que se sabe onde estão as jazidas. Depois da Petrobras, argumenta, chegariam as demais transnacionais. Sobre os agrocombustíveis, Lula disse que conta com o apoio do México “na campanha para estabelecer um mercado mundial de combustíveis mais limpos, baratos e renováveis. Temos a oportunidade de democratizar o acesso a novas fontes de energia, multiplicando a geração de empregos e diversificando a matriz energética”. É evidente que o presidente do Brasil não se inteirou dos argumentos esgrimidos nos últimos meses por Fidel Castro, entre muitos outros, contra essas energias. Na Nicarágua, Lula ofereceu apoio a Daniel Ortega para que o país se converta no pioneiro dos agrocombustíveis na região.

Integração complementar A viagem de Chávez foi muito diferente. Na Argentina, assinou um acordo com Néstor Kirchner para a compra de 500 milhões de dólares em bônus argentinos e se comprometeu a comprar uma quantidade similar em alguns meses. Esse acordo é vital, já que, depois da crise de 2001, a Argentina não tem acesso a créditos internacionais. Além disso, assinou um acordo para a construção de uma planta regasificadora de gás líqüido venezuelano em Bahía Blanca, uma vez que a Argentina sofre uma séria crise energética. No Uruguai, assinou um Tratado de Segurança Energética com Tabaré Vázquez, segundo o qual as estatais Ancap e PDVSA trabalharão para duplicar a capacidade de produção da refinaria uruguaia e se criará uma empresa mista para extrair petró-

leo da Faixa do Orinoco, considerada a primeira reserva mundial. Com isso, Uruguai assegura energia para si em longo-prazo. Dessa vez, Vázquez e Kirchner coincidiram. “Que outro governo do mundo fez outra oferta de tal magnitude e grandeza”, disse o uruguaio. “Os argentinos deveríamos, e devemos, agradecê-lo, porque sempre que precisamos, ele nos ajudou”, disse um ministro muito próximo a Kirchner. Já no Equador, Chávez subscreveu um investimento de 5 bilhões de dólares com Rafael Correa para a construção de uma refinaria na província de Manabí, para processar 300 mil barris de petróleo ao dia, o que será a maior refinaria da costa do Pacífico. Na Bolívia, Chávez e Evo Morales chegaram a um acordo destinado à criação da empresa petroleira binacional Petroandina (entre YPFB e PDVSA), que terá como primeiro projeto investir 600 milhões de dólares em exploração na Bolívia. Com o nascimento da YPFBPetroandina, a Bolívia recuperou seu direito de explorar seus hidrocarbonetos. As dificuldades para que a Venezuela ingresse no Mercosul estiveram presentes na viagem. Até agora, os parlamentos da Argentina e Uruguai ratificaram a adesão do país de Chávez ao bloco. Paraguai e Brasil estão demorando a fazê-lo. Sabe-se que o Congresso de Brasília não quer aprovar o ingresso, pois possui uma maioria de centro-direita, ainda que o governo possa fazer valer suas alianças. Em Buenos Aires, Chávez disse, em uma reunião restrita, relatada pelo jornal Página 12, no dia 8 de agosto, que os atritos entre Venezuela e Brasil não se devem a “uma disputa de lideranças”, e sim a “uma confrontação de modelos energéticos”. Uns trabalham pela integração sobre a base de compartilhar petróleo e gás e, assim, assegurar a autonomia energética; enquanto outros lutam por uma integração com base nos agrocombustíveis, impulsionando a mesma política que a do império. (ALAI www.alainet.org)


12

de 16 a 22 de agosto de 2007

cultura

Tendler lança panfleto contra globalização CINEMA Documentário de Silvio Tendler, com a última entrevista concedida por Milton Santos, discute saídas para a globalização neoliberal

Reprodução

Divulgação

Dafne Melo da Redação

Brasil de Fato – Por que, dessa vez, a escolha por Milton Santos? Silvio Tenler – Queria falar de globalização e busquei um ponto de vista crítico sobre esse processo. Pareceu-me que ele era a pessoa que mais se expunha em relação a isso. Ele tinha uma vasta experiência acadêmica, como pesquisador, respeitado internacionalmente, e um ponto de vista com o qual eu compartilhava. Conheci o Milton Santos em 1995, no período áureo da globalização. A classe média acreditava que tudo daria certo. Enquanto isso, o governo vendia a preço de banana o patrimônio público com as privatizações. Nos meios acadêmicos, uma das únicas vozes que se levantou contra isso foi o Milton Santos. Ia entrevistá-lo para um outro filme que estou fazendo, chamado Utopia e barbárie, e fiz a entrevista em janeiro de 2000, quando ele já estava doente. Veio a falecer 3 ou 4 meses depois. E essa entrevista foi tão forte, tão importante, que gerou esse longa-metragem. Qual a importância de se retomar esse assunto hoje? É dar nexo à história. Não faço história voltada para o passado, mas para o futuro, como é a perspectiva do Milton também. Ele não faz crítica apenas, mas discute nossa realização futura. Os Anos JK, eu fiz para discutir a democracia no Brasil, por exemplo, e não apenas para retratar aquele momento. Jango, para discutir a injustiça social, e Marighella, para discutir um combatente revolucionário brasileiro que poucos conhecem. O documentário sobre o Josué de Castro foi para falar da fome. São filmes que têm uma pertinência contemporânea voltadas para a construção de um futuro melhor. Este filme de agora vai no mesmo rumo: discutir em que sociedade queremos viver e de que forma queremos organizá-la.

Quem é Silvio Tendler nasceu em 1951. Durante a ditadura, se exilou no Chile e na França, onde cursou História na Universidade de Paris e mestrado em Cinema e História pela École des Hautes-Études da Sorbonne. Fez especialização em Cinema Documental aplicado às Ciências Sociais no Musée Guimet (Sorbone). Em 1981, criou a Caliban Produções Cinematográficas, voltada para biografias históricas. Em 20 anos à frente da empresa, produziu e dirigiu 31 documentarios entre curtas, médias e longas-metragens.

Encontro com Milton Santos – o mundo global visto do lado de cá

Para Silvio Tendler, o importante é “discutir em que sociedade queremos viver”

Silvio Tendler – 2007 Longa metragem – 89 minutos Melhor filme Júri Popular – Festival de Brasília 2006 Caliban Produções Cinematográficas – RJ contato@caliban.com.br / www.caliban.com.br

Milton Santos, esse grande pensador brasileiro, livre e independente

Arquivo MST

Filmografia

Maria Laura Silveira

Algumas obras do cineasta 2007 – Encontro com Milton Santos – o mundo global visto do lado de cá (longa) 2004 – Milton Santos. Por uma outra globalização (média) 2003 – Glauber, o filme, labirinto do Brasil 2002 – JK: o menino que sonhou um país 2002 – Dr. Getúlio, últimos momentos 2001 – Oswaldo Cruz, o médico do Brasil (curta) 2001 – Rio republicano 1999 – Marighella, retrato falado do guerrilheiro (média) 1999 – Castro Alves 1994 – Josué de Castro, cidadão do mundo 1988 – Caçadores da alma (curta) 1984 – Jango 1980 – Os anos JK, uma trajetória política Existe um primeiro documentário seu sobre o Milton Santos, um curta, que é mais centrado na figura dele. É um documentário sobre a globalização, ou como o Milton chamava, globaritarismo. Fui construindo a narrativa ancorada na entrevista que ele me deu, e introduzindo exemplos do que ele falava, dialogando com ele. No final, os “miltonianos” assistiram ao filme, gostaram muito, mas disseram: olha, esse não é o pensamento do Milton, mas de duas pessoas. Eu não me senti à vontade para me colocar à altura dele, como um diálogo. Na verdade, era uma pessoa ouvindo uma outra, então, preferi descrever como um encontro. Encontro este que mexeu muito com minha cabeça. Fiz o filme e ele vai falando e vou buscando na sociedade civil exemplos do que ele fala. Mostro que em 2007 está acontecendo aquilo tudo que ele falou em 2000.

blica, as pessoas não querem discutir o problema, não querem enfrentá-lo e discutir a sociedade na perspectiva da constituição de alternativas à grande mídia. Então, acho que a única forma de se fazer ouvi0r, hoje, é seguir o exemplo dos movimentos sociais e provocar. No documentário, eu provoco propositalmente. O Milton Santos elogia os sem-teto, semtrabalho, sem-terra e eu vou ilustrando o filme com ações desses grupos. São imagens e discursos que não circulam na mídia com o nexo necessário para que as pessoas formem uma opinião. O filme junta tanto a música do rapaz pobre de periferia que faz política à sua maneira, quanto a aldeia indígena que usa a internet e com isso consegue se comunicar. Ou a escola de Guararema do MST, formando as pessoas com uma cultura alternativa. Vou mostrando como há exemplos concretos de uma ação política eficaz contra esse modelo econômico perverso que está aí. Nesse sentido, não tenho nenhum problema e nenhuma crise existencial em dizer que é um panfleto. Não é vergonha se fazer panfleto, né?

Li que você define o documentário como um panfleto antiglobalização. Por quê? Acho que faltam panfletos no cinema. Apesar de todos saberem da força da mídia na batalha da opinião púDivulgação

EM TEMPOS de niilismo gratuito, “Milton Santos – ou o mundo global visto do lado de cá” traz o diferencial do otimismo. Considerando a figura central do documentário, não poderia ser diferente. “(O filme) é otimista como o Milton. Ele dizia que nunca houve humanidade e que agora é que estamos dando os primeiros ensaios. Eu procurei passar isso, mostrar as lutas e os movimentos sociais”, conta o diretor Silvio Tendler em entrevista ao Brasil de Fato. O filme traz a última entrevista concedida pelo geógrafo antes de seu falecimento, em 2000, aos 75 anos, vítima de câncer. Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista:

Chama atenção também o fato de o filme ser muito otimista. É otimista como o Milton. Ele dizia que nunca houve humanidade e que agora é que estamos dando os primeiros ensaios. Eu procurei passar isso, mostrar as lutas e os movimentos sociais. Me orgulho de ter feito esse filme, acho que ele ficou muito forte e contundente e onde tenho passado, ele recebeu muitos aplausos. Passei na Escola do MST em Guararema, na Consulta Popular, no centro Milton Campos em Curitiba, no Circo Voador aqui no RJ. Onde ele passa é muito bem recebido. Evidentemente ele faz um discurso que as pessoas não estão acostumadas a ouvir no cinema.

Milton Santos formulou uma teoria do espaço geográfico, uma teoria geográfica da sociedade, que lhe possibilitou compreender o mundo e, paralelamente, empreender o exercício de analisar o Brasil. A partir dos seus estudos sobre o centro urbano de Salvador e a rede urbana do Recôncavo no final dos anos de 1950, o escopo de suas pesquisas e reflexões foi ampliando-se até abranger as cidades do Terceiro Mundo. É assim que, em sua obra O espaço dividido, elabora a teoria dos circuitos da economia urbana, reconhecendo os mecanismos da modernização seletiva nos países periféricos, a pobreza urbana e a urbanização desigual. Seu retorno ao Brasil, no final da década de 1970, significou uma verdadeira revolução no pensamento geográfico nacional. Com uma discussão basilar, explícita no seu livro Por uma geografia nova, buscou fundar um novo saber, preocupado com as feições do modo de produção em cada formação socioespacial. Estudando a urbanização brasileira, o autor assinala, já nas décadas de 1980 e 1990, a centralidade da técnica e da política na explicação de um mundo que se globaliza e, paralelamente, o comprometimento da consciência e a mutilação da cidadania, decorrentes da difusão de um consumo globalizado e perverso e de uma modernidade do território que convida a reproduzir o presente. Do livro A natureza do espaço, obra que coroa seu trabalho teórico em geografia, ao livro Por uma outra globalização, um conjunto de reflexões independentes que desejam desvelar o papel da ideologia na produção e disseminação da globalização atual, ele busca permanentemente a universalidade, com pensamentos que conduzem a imaginar outras formas de fazer política. Denunciando a globalização perversa, alerta para o seu fundamento ideológico que é a elevação da técnica ao status de um absoluto. A técnica contemporânea é portadora de uma grande possibilidade para todos os homens que a ideologia traja de realização histórica, mas até agora são apenas os agentes hegemônicos que podem escolher os melhores lugares para a criação e acumulação de lucros também planetários. Desse modo, Milton Santos pode revelar um modelo não apenas globalizado, mas globalitário porque prenhe de totalitarismos. Esse modo de produção é visto como responsável pelas acirradas desigualdades

territoriais, potencializadas pela força das empresas no uso do território. O resultado é um espaço excludente que se torna revelador das contradições, mostrando como o poder compensatório do Estado desaparece e se instala uma verdadeira privatização do território nacional. Suas constatações teóricas são um alicerce desse pensamento livre e independente, nas antípodas daquele falso intelectual de que já nos falava Sartre e do cão de guarda a que se referia Nizan, um intelectual criado pelas classes dominantes para defender a ideologia particularista com argumentos que se pretendem rigorosos. Ao contrário, Milton Santos elabora um discurso que entrega a palavra ao território usado, que não é apenas o resultado de formulações estatísticas ou de lógicas das grandes corporações, mas sinônimo da existência de todos os homens. Essas idéias são a base de uma grande afirmação política, ancorada no futuro e no lugar, pois, nas suas palavras, “a globalização atual não é irreversível. Agora que estamos descobrindo o sentido de nossa presença no planeta, pode-se dizer que uma história universal verdadeiramente humana, finalmente, está começando”. Maria Laura Silveira é professora doutora no Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo. Publicou os livros Um país, uma região, e Fim de século e modernidades na Argentina. Com Milton Santos, foi co-autora de O ensino superior público e privado e o território brasileiro e Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Outras publicações são: Continente em chamas; Globalização e território na América Latina e Questões territoriais na América Latina

Neto de escravo e doutor Honoris Causa Doutor Honoris Causa em 13 instituições de diversos países; mais de 44 livros publicados e o único geógrafo fora do mundo anglo-saxão a ganhar Prêmio Internacional de Geografia Vautrin Lud – conhecido como o Prêmio Nobel da Geografia, em 1994. Eis algumas conquistas que Milton Santos reuniu em sua vida. Nascido em 1926 em Brotas de Macaúba, na Chapada Diamantina (BA), Santos era filho de professores primários e foi educado primeiramente pelos próprios pais, descendentes de escravos emancipados antes da abolição. Aos 10 anos, se matriculou no Instituto Baiano de Ensino. Ingressou na Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde se formou em Direito em 1948. Era o único negro da turma. Continuou seus estudos na França, onde

tornou-se doutor em geografia, pela Universidade de Estrasburgo (França). Ao voltar para o Brasil, voltou à UFBA, agora como professor, e trabalhou como jornalista. Em 1964, escrevia no jornal baiano A Tarde. Por causa de suas posições políticas, foi demitido da Universidade Federal da Bahia e passou 60 dias preso no quartel de Cabula, em Salvador. Só foi libertado porque sofreu um princípio de infarto e um derrame facial. Exilou-se. Foi professor das universidades de Paris (França), Columbia (EUA), Toronto (Canadá) e Dar es salaam (Tanzânia). Também lecionou na Venezuela e Reino Unido. Só regressou ao Brasil em 1977, indo lecionar na Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Letras da USP (FFLCH). (DM)


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.