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Circulação Nacional

Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 5 • Número 255

São Paulo, de 17 a 23 de janeiro de 2008

R$ 2,00 www.brasildefato.com.br Eduardo Sales de Lima

Pacote do governo taxa bancos e crédito O governo anunciou um pacote de medidas a fim de recompor o seu caixa após a não prorrogação da CPMF. A alíquota do IOF e da CSLL dos bancos tiveram aumento. A primeira medida pode causar uma diminuição do consumo e afugentar classes mais pobres de crediários, enquanto a segunda deve ocasionar uma arrecadação extra de R$ 2 bilhões. Entidades de esquerda lançaram um manifesto de apoio à taxação dos bancos e em prol de uma reforma tributária progressiva. Pág. 3

Favela Real Parque, no Morumbi: tratores derrubaram parte dos barracos, mas não diminuíram contraste com os prédios ao fundo

Prefeitura de SP expulsa pobres de áreas nobres para beneficiar construtoras

FSM de 2008 investe em ações locais Neste ano, o Fórum Social Mundial (FSM) vai acontecer de forma descentralizada, em várias regiões do mundo. Serão diversas manifestações que devem convergir no Dia de Ação Global, 26 de janeiro. O objetivo é, novamente, fazer um contraponto ao Fórum Econômico Mundial e apontar práticas para um mundo mais justo. Em 2009, o Fórum retorna ao Brasil com o formato anterior , sendo que, dessa vez, será sediado em Belém (PA). Pág. 7 Bernardo Londoy/CC

Para privilegiar empreendimentos imobiliários, a gestão municipal de Gilberto Kassab vem transferindo pessoas de baixa renda que vivem em favelas, cortiços e ocupações em áreas nobres da cidade de São Paulo para bairros periféricos sem oferecer infra-estrutura. De acordo com famílias que foram instaladas num conjunto habitacional em Guaianazes, na zona leste da capital, a Prefeitura garantiu que na região haveria emprego, escola e posto de saúde, mas a realidade que encontraram foi bem diferente. O argumento utilizado para fazer as remoções de favelas é de que as famílias estão morando em áreas de risco. A urbanista Ermínia Maricatto rebate: “Sabe-se que a maioria das favelas que estão em áreas de risco estão localizadas nas áreas periféricas da cidade, e não nas regiões nobres”. Págs. 4 e 5 Reprodução

Chávez e reféns libertadas, Consuelo Perdomo (com rosa na mão) e Clara Rojas (2ª a partir da direita)

Hugo Chávez no centro do conflito armado colombiano Venezuelano faz propostas tanto a Uribe quanto às Farc Ainda que o governo de Álvaro Uribe não reconheça, o presidente venezuelano Hugo Chávez está se tornando o principal mediador da guerra que opõe as Forças Armadas Revolucionárias da

Colômbia ao poder central colombiano. É de Caracas que partem as propostas de paz. Para Chávez, o presidente colombiano deve classificar a guerrilha como um “grupo beligerante”, não

EUA é maior beneficiado pelo caos no Paquistão

MEIO AMBIENTE

De acordo com especialista estadunidense em geopolítica do Oriente Médio, Washington usa o caos político no Paquistão para aumentar sua influência na província petrolífera do Baluquistão. A área, equivalente a 42% do território, é responsável

Em entrevista, o ambientalista Jean-Pierre Leroy analisa os dilemas e as perspectivas socioambientais do país Pág. 8 9 771678 513307

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pela produção de 76% do gás do país, estimada em 30 bilhões de metros cúbicos por ano – o que representa mais do que a soma do recurso produzido na Bolívia e no Brasil. Para Frederick Engdahl, a fragmentação territorial do Paquistão é desejada pelos EUA. “O objetivo é aproveitar a crise e fraturar a nação-Estado paquistanesa, assim como as do Iraque e Afeganistão”, analisa. Pág. 12

como “terroristas”, e, assim, possibilitar a abertura de negociações. Paralelamente, o venezuelano pede às Farcs a libertação de todas as pessoas que permanecem seqüestradas. Pág. 9

CNTE e Andes promovem congressos de professores A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e o Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes) realizam em janeiro seus congressos. A CNTE centra a sua luta em torno de uma reivindicação histórica da categoria, o piso salarial nacional. O Andes pretende se pautar na defesa dos direitos dos docentes. Pág. 6


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editorial OS CORONÉIS de pijama calam. Os comandos militares se omitem; os “probos” da República – senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), senador Jorge Bornhausen (DEM–exPFL-SC), ex-senadora Heloísa Helena (PSOL-AL), deputado Antônio Carlos Magalhães Neto – “Grampinho” (DEM-BA), deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), ex-deputada Zulaiê Cobra (PHS-SP) – fingem que não é com eles; a Nossa Anta de plantão – senhor Diogo Mainardi, e seus assemelhados passam ao largo; a grande mídia se mantém “discreta”; e, por sua vez, o governo Luiz Inácio Lula da Silva e os partidos da base aliada nada sinalizam, frente à entrega pela família do ex-presidente João Goulart – o Jango – de documento solicitando à Procuradoria Geral da República a abertura de investigação sobre a morte do presidente deposto pelo golpe de 1964.

Operação Escorpião A família Goulart tentou, outras vezes, sem sucesso, exumar o corpo do ex-presidente, falecido na Argentina (06.12.1976) e sepultado em São Borja (RS). Desta vez, o

debate

Silêncios obsequiosos pedido vai acompanhado do depoimento do senhor Mario Neira Barreiro, ex-agente do governo uruguaio nos anos 1970, que declara ter participado da Operação Escorpião – assassinato por envenenamento do presidente exilado. O senhor Barreiro encontra-se no presídio de segurança máxima de Charqueda (RS), preso por roubo, formação de quadrilha e posse ilegal de armas. Em entrevista a João Vicente (filho do presidente Goulart), para um documentário que aquele realiza, o senhor Barreiro disse que a equipe responsável pela Operação Escorpião infiltrou um agente no Hotel Liberty (Buenos Aires), onde a família Goulart morou depois de deixar Montevidéu, e que o ex-presidente freqüentava. Para o Liberty, eram endereçados os medicamentos enviados da França para o tratamento do presidente, que sofria de cardiopatia. De acordo com o senhor Barreiro, o agente infiltrado colocou cápsulas envenenadas em um dos vidros de medicamento.

Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda Como no caso Goulart, suspeitase que as mortes do ex-presidente Juscelino Kubitschek (22.08.1976) e do ex-governador do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda (22.05.1977), tenham resultado de atentados. O presidente Kubitschek morreu em um mal explicado acidente automobilístico na via Dutra, em Resende (RJ), e o governador Lacerda internara-se por ter subitamente adoecido, morrendo logo em seguida, sem que tenham sido divulgadas as causas. Ao contrário dos Goulart, as famílias Kubitschek e Lacerda jamais se manifestaram, apesar dos fortes indícios de assassinato. Os Goulart foram alvo do golpe de 64. Os Lacerda e os Kubitschek estiveram do outro lado. O senhor Lacerda foi dos mais virulentos articuladores do golpe, indispondo-se com o novo regime depois de alijado, quando da prorrogação do mandato do marechal Castello Branco e da instituição das eleições indiretas. O presidente Kubitschek,

ainda que não haja se destacado publicamente, cerrou fileiras com os golpistas, tendo sido cassado e alijado na mesma época que seu colega. Sobre a atitude das duas famílias, há quem interprete como silêncios de reféns de promiscuidades passadas.

Em xeque, a abertura do general Geisel A questão Goulart nos remete à abertura dos arquivos da ditadura, à apuração dos crimes e condenação nos moldes da lei dos agentes e mandantes, bem como à colaboração entre as forças repressivas das ditaduras do Cone Sul – a mais conhecida das quais, a Operação Condor, além do Centro de Informações do Exterior – serviço secreto do Itamaraty. Há porém outro importante aspecto: a comprovação do assassinato do presidente Goulart (e dos golpistas Lacerda e Juscelino) deixará evidente que a abertura comandada pelo general Geisel pressupunha o extermínio das lideranças políticas

crônica

Célia Alldridge

mais experientes. É desse período o extermínio do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (1974) e o Massacre da Lapa, que atingiu o Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (16.12.1976). O governo Geisel (1974–1979) sucedeu o do general Emílio Garrastazu Médici (1969–1974). O governo Médici é conhecido como o período no qual foi registrado o maior número de assassinatos de opositores. Porém, segundo estudiosos, o governo Geisel foi o campeão de mortes seguidas de ocultação de cadáveres – os “desaparecimentos” –, além dos assassinatos camuflados de acidentes. Foi também durante a gestão Geisel o acidente que matou Zuzu Angel (14.04.1976). Durante muito tempo, a historiografia oficial tentou apontar o general Geisel como o campeão da democracia, que teria devolvido ao país a liberdade. As recentes pesquisas vão desconstruindo esse mito que, aliás, os próprios áulicos da ditadura vêm abandonando, sobretudo depois da entrevista concedida pelo general à historiadora Celina D’Araújo, na qual justificou e defendeu o uso da tortura.

Luiz Ricardo Leitão

Zapatistas e a luta das mulheres

Panem et circenses

RECUSANDO permanecer ignorados e explorados pelo governo mexicano e pelo sistema capitalista neoliberal que este promove, homens e mulheres indígenas do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) mostraram seus rostos ao mundo (embora não literalmente – eles nunca foram vistos em público sem “passa-montanha”) em 1º de janeiro de 1994. Há 14 anos, o México amanheceu e encontrou o Estado de Chiapas, sudeste do México, sob o controle de um grupo rebelde de esquerda cujos membros passaram 10 anos se preparando e se mobilizando clandestinamente na Floresta Lacandona da região. O seu porta-voz é o famoso Marcos, intitulado subcomandante, pois o povo é sempre o real comandante. Essencialmente um movimento político, antiglobalização neoliberal, os zapatistas utilizaram-se de armas como última esperança de colocar em prática os princípios básicos da Constituição Mexicana e para defender seus territórios autônomos, que compreendem 39 municípios. Nesses lugares, desde o levante de 1º de janeiro de 1994, a população, quase que exclusivamente indígenas rurais, não é mais tratada como animais e sujeita a trabalho escravo pelos violentos antigos donos de plantações. Eles e elas ainda são extremamente pobres, mas estão finalmente livres de centenas de anos de exploração e colocaram um esforço enorme – com a ajuda e proteção do EZLN – em criar sistemas autônomos de educação, saúde, produção e justiça. E atingiram tudo isso enquanto “em resistência”; em outras palavras, sem aceitar qualquer financiamento ou ajuda técnica do Estado, a quem se referem como o “Mau Governo”. As comunidades Zapatistas são organizadas em municipalidades autônomas, e estas, por sua vez, estão agrupadas em 5 Caracoles (que são aquelas grandes conchas que, quando sopradas, fazem um som tradicionalmente usado pelos indígenas para chamar a comunidade a encarar seus problemas e resolvê-los coletivamente). Aqui as leis do governo federal não são reconhecidas; as autoridades zapatistas autônomas – mulheres e homens indígenas locais - servem, organizam e governam suas comunidades por três anos, obedecendo ao povo e sem receber salário. Eles e elas são eleitos em Assembléias Comunitárias e podem ser substituídos a qualquer momento. Os seus deveres incluem resolver os problemas da comunidade, controlar as reservas naturais e proteger o meio ambiente, e organizar os serviços públicos, trabalho coletivo e produção agrícola, tudo fundado na filosofia, valores comunitários democráticos e ‘cosmovisão’ da população indígena, descendentes dos poderosos Maias. Ou seja, as autoridades autônomas zapatistas estão, independentemente, implementando o ‘Acordo de San Andrés’ negociado com o governo federal, mas que o Estado sempre recusou respeitar. A imensa solidariedade e apoio técnico e financeiro nacional e internacional têm sido fundamentais para o

O POETA latino Juvenal dedicou essas palavras de amargo desprezo àqueles romanos que, em plena decadência do Império, no início da nossa era, dirigiam-se ao Foro apenas para pedir trigo e espetáculos gratuitos, ou seja, “pão e circo”. A velha máxima consagrada em suas Sátiras parece ser o lema adotado pelos políticos de Bruzundangas já há algumas décadas, mas sob a batuta de Lulinha Paz & Amor, o bordão se impôs de modo cabal e irreversível. Enquanto o agronegócio expulsa os lavradores do campo e o sistema financeiro abarrota os cofres com lucros astronômicos, o governo federal se incumbe das políticas compensatórias, como a badalada “Bolsa-Família”, ou seja: Brasília se ocupa do pão dormido que aplaca a miséria nos grotões e favelas da pátria-mãe.

Brasília se ocupa do pão dormido que aplaca a miséria nos grotões e favelas da pátria-mãe Arte sobre foto de Numa

processo, assim como o uso, pelos zapatistas, da Internet e fontes de mídia independente ao redor do mundo.

Mulheres Com o estabelecimento da “Lei Revolucionária das Mulheres” pelo EZLN antes do levante de 1994 e incorporada pelas comunidades zapatistas desde aquela data, a posição das mulheres melhorou significativamente. Antes meninas não iam à escola, pois se acreditava que elas não necessitavam de educação; hoje estudam nas escolas autônomas zapatistas junto com seus irmãos. Antes, mulheres jovens eram obrigadas a fazer sexo com os donos de plantações antes de seus casamentos arranjados; hoje elas se casam com quem desejam, sem antes serem estupradas por seus chefes (que não existem mais, pois em 1994 os zapatistas recuperaram grandes porções de terra, que haviam sido roubadas das comunidades indígenas). Antes, mulheres trabalharam sem salário, ou em troca de restos de comida nas casas dos donos de plantações – onde estavam constantemente sob o risco de violência sexual e gravidez por estupro –; hoje elas trabalham com a comunidade e famílias. Antes, eram proibidas de sair de casa por seus maridos; hoje têm posições de responsabilidade e participam ativamente da vida comunitária. Entretanto, apesar de todos esses avanços na vida das mulheres desde o levante, a desigualdade entre mulheres e homens é ainda grande, e a opressão contra elas é evidente nos espaços públicos e privados. Homens ainda relutam em deixar as mulheres saírem de casa, e elas ainda são responsáveis por todo o trabalho doméstico, pelo cuidado das crianças e pela preparação dos alimentos, embora “os homens nos ajudam um pouco mais agora” (como disse Sandra, promotora de saúde, Caracole Oventik, 30 de dezembro de 2007). E as mulheres ainda são minoria em todos os níveis da autoridade autônoma dos zapatistas e são ridicularizadas por homens que duvidam de sua capacidade para liderar, tomar decisões e ter responsabilidades na comunidade. As mulheres líderes zapatistas – autoridades nas comunidades e algumas

líderes militares do EZLN – compartilharam esses avanços e desafios entre elas e conosco, mulheres de organizações mexicanas e internacionais, no I Encontro de Mulheres Zapatistas com Mulheres do México e Mulheres do Mundo, de 28 a 31 de dezembro no Caracole ‘La Garrucha’. Embora tenha sido o III Encontro Zapatista (mulheres e homens) com o Povo do Mundo, foi a primeira vez, em 14 anos, que o encontro foi organizado pelas mulheres e para as mulheres. Um passo importante no reconhecimento da desigualdade que existe entre os sexos e na luta contra essa realidade. Como participantes de um movimento misto tradicionalmente liderado por homens, em uma sociedade fortemente patriarcal, elas estão encarando o desafio de criar um espaço para si como iguais. No ‘Pronunciamento de La Garrucha’, as mulheres militantes da Marcha Mundial das Mulheres e da Via Campesina expressaram o privilégio que sentiram por estarem presentes nesse evento. “O caráter internacional e a honestidade com a qual nossas anfitriãs compartilharam suas experiências conosco permitiu a globalização da luta das mulheres ao redor do mundo e o apoio às mulheres Zapatistas e ao movimento como um todo”, afirmaram, em documento divulgado após o encontro. Elas declararam que “durante esse encontro, aprendemos toda uma experiência política das mulheres zapatistas que têm reconhecido seus múltiplos avanços, mas também que ainda têm muito caminho a percorrer. Este exemplo fortifica nossas convicções de que a construção de um mundo igualitário, justo e solidário é possível e nos dá esperança na possibilidade de mudança das relações econômicas e sociais, da vida cotidiana, da cultura de opressão, exploração e repressão a qual somos sujeitas”. O documento conclama, ao final: “Nós continuaremos a lutar ao lado das mulheres zapatistas até que todas as mulheres do mundo sejam livres”. Célia Alldridge é integrante do Secretariado Internacional da Marcha Mundial das Mulheres, participou do I Encontro de Mulheres Zapatistas com Mulheres do México e Mulheres do Mundo. (celia@marchemondiale.org)

Quanto ao circo, há picadeiros e eventos de sobra nestas plagas. Sem falar nos palhaços, como o ‘democrata’ César Maia. Embora o PAN-2007 – verdadeira farra do boi para empresas, empreiteiras e “autoridades” – não tenha solucionado um único problema de infra-estrutura no Rio de Janeiro, o alucinado prefeito, com uma desfaçatez inigualável, ousou declarar que “acumulamos muito em termos de segurança” no Estado. Assim, em meio a balas perdidas e com o país imerso em vários escândalos de corrupção, a saúde pública entregue ao deus-dará (e aos mosquitos...) e a tragédia urbana esgarçando cruelmente nossas tênues estruturas sociais, assistimos há poucos meses à bizarra cerimônia de anúncio do Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014, para delírio dos cartolas da CBF e da tchurma da Rede Globo, para quem o Brasil é um país de mentirinha que lhes rende milhões de dólares & euros bem reais. Os mais otimistas insistem na tese de que sempre herdaremos alguns “equipamentos” e benefícios com tais iniciativas espetaculares. Suponhamos que seja verdade: como impulsionar essa máquina, se os nossos jovens continuam a receber a pior educação formal da América Latina? Como diria um cronista esportivo mais arguto, “de que adianta o computador na sala de aula, se o professor é semi-analfabeto?” Como, no entanto, o show não pode parar, nossos protestos se diluem em meio ao verdadeiro frenesi midiático com que somos bombardeados dia após dia na província. As últimas notícias – e imagens –, por sinal, são de dar náusea a qualquer cidadão decente deste país: à frente do Comitê Olímpico Internacional, lá estão eles, os membros da comitiva que viajou à Suíça (Arthur Nuzman, o presidente do COB, o governador Sérgio Cabral, o secretário Eduardo Paes & cia) com os documentos da candidatura do Rio para sediar as Olimpíadas 2016.

Sorriem com gosto e unem suas mãos como se fossem os novos mosqueteiros, a celebrar a típica novela de capa & espada tropical – “um por todos e todos contra o povo!” Pouco importa se esta é a quarta vez que o país pleiteia sua vaga no grande circo olímpico e que, nas três vezes anteriores, jamais tenha superado a primeira fase do processo de escolha. O time é mesmo da fuzarca: sorriem com gosto e unem suas mãos como se fossem os novos mosqueteiros, a celebrar a típica novela de capa & espada tropical – “um por todos e todos contra o povo!” Foram até a Europa para levar um dossiê que poderia ser remetido por mera via postal, como fizeram os governantes de Chicago, Tóquio, Madri, Praga, Doha (Qatar) e Baku (Azerbaijão). Hospedaram-se em hotel luxuoso, cuja diária mais barata custa R$ 676,00. E, obviamente, sequer se preocuparam com o orçamento final da campanha, cuja previsão inicial é de US$ 42 milhões, a ser dividido pelas três esferas do poder público – Prefeitura, Estado e União – em partes iguais, o que faz tremer o contribuinte (sobre quem, afinal, recaem todos os custos das orgias oficiais). Lembro-me de Juvenal e constato que o mundo está mesmo de pernas pro ar: afinal de contas, essa gente deveria estar no Coliseu romano, entregue aos leões, para deleite dos plebeus pós-modernos. Panem et circenses... Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-americana pela Universidade de La Habana, é autor de Lima Barreto: o rebelde imprescindível (Editora Expressão Popular).

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Jorge Pereira Filho, Marcelo Netto Rodrigues, Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Igor Ojeda, Mayrá Lima, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, Tatiana Merlino • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Salvador José Soares • Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alípio Freire, Altamiro Borges, Antonio David, César Sanson, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, João Pedro Baresi, Kenarik Boujikian Felippe, Leandro Spezia, Luiz Antonio Magalhães, Luiz Bassegio, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Milton Viário, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Temístocles Marcelos, Valério Arcary, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131- 0812/ 2131-0808 ou assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar: (11) 2131-0815


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Rearranjo tributário penaliza os bancos, mas pode reduzir consumo ECONOMIA Em apoio ao aumento da CSLL para os bancos, movimentos lançam manifesto em prol de uma reforma tributária José Cruz/ABr

Renato Godoy de Toledo da Redação APÓS O fim da CPMF, o governo federal agiu rápido e anunciou medidas que acirraram os ânimos no cenário político. Já no segundo dia deste ano, por meio de medida provisória (MP), os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Paulo Bernardo (Planejamento) fizeram alterações na alíquota de dois impostos para ampliar a arrecadação em R$ 10 bilhões para o Tesouro Nacional. Ao contrário da CPMF, que tinha o destino fixado por lei, esses recursos podem ser utilizados onde o governo melhor entender. As mudanças são: a alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para o setor financeiro passará de 9% para 15%, o que deve representar uma arrecadação extra de R$ 2 bilhões; o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) teve, em geral, uma alta na alíquota e passou a incidir em transações que eram isentas, como, por exemplo, os empréstimos bancários para empresas, crédito rural e crédito para cooperativas – sobre todas essas, o imposto incidirá em 0,38%. Sobre os empréstimos para compra de veículos - que obtiveram crescimento vertiginoso em 2007 – o IOF aumentou de 1,5% ao ano para 3%, além dos 0,38% do aumento geral do tributo. Com a nova alíquota, R$ 8 bilhões a mais serão arrecadados via IOF, segundo a equipe econômica do governo. O novo valor do IOF entrou em vigor no dia 3, enquanto a mudança na alíquota da CSLL ainda depende da aprovação da MP no Congresso. Além desse rearranjo tributário, o governo pretende cortar R$ 20 bilhões do orçamento. O Planalto ainda não anunciou de forma específica de onde iria cortar os recursos, mas está claro que os servidores públicos serão prejudicados. O governo avisou que não promoverá concursos públicos e reverá as propostas de aumento salarial do funcionalismo, que já constavam da proposta do Orçamento de 2008, retirada do Congresso logo que a CPMF foi derrotada. A meta do governo é arrecadar R$ 40 bilhões com o pacote. Nas contas da equipe econômica, R$ 30 bilhões viriam de cortes e das novas alíquotas e R$ 10 bilhões de um incremento na arrecadação, fruto do crescimento econômico.

“Essa é uma medida que tem efeitos colaterais e vamos perceber isso com o tempo”, afirma Pedro Delarue, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco) Reação O aumento da taxação sobre os bancos causou boa impressão entre economistas progressistas e entidades de esquerda; e revolta na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), na Federação Brasileira de Bancos (Febraban), no PSDB e no DEM. Os dois partidos inclusive apresentaram uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF), alegando que as medidas ferem a “isonomia tributária”. Em outras palavras, as mudanças, segundo PSDB e

Parlamentares tucanos protocolam Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o aumento da alíquota do IOF

Quanto

38 bilhões

R$ é o valor que o governo deixará de arrecadar sem a CPMF DEM, ferem o direito de pobres e ricos pagarem as mesmas alíquotas de impostos. Os dois partidos também dizem estar atentos aos rumores que dão conta de que a CPMF pode ser incluída pelo governo numa proposta de reforma tributária. Já intelectuais e dirigentes de movimentos sociais assinaram um manifesto elogiando a taxação do setor financeiro (leia a íntegra na Agência Brasil de Fato). No documento, os signatários avaliam que o aumento do IOF e da CSLL foi uma medida “acertada e justa”, porque atinge os mais ricos e, sobretudo, os bancos. Assim, pedem que o governo corte gastos públicos, mas ao contrário do discurso dos partidos de direita e do mercado financeiro, reivindicam redução do pagamento da dívida pública (R$ 160 bilhões em 2007) e do superavit primário. O manifesto enfatiza também uma campanha em prol de uma reforma tributária que torne o sistema de cobrança de tributos num mecanismo de distribuição de renda. “O Brasil precisa de uma verdadeira reforma tributária, que torne mais eficaz o sistema de tributação. Hoje, 70% dos impostos são cobrados sobre o consumo, e apenas 30% sobre o patrimônio. É preciso diminuir o peso sobre a população e aumentar sobre a riqueza e a renda”, escrevem. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou conhecimento do conteúdo do manifesto no dia 10. Segundo o chefe do gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, ele elogiou a atitude dos signatários que, “na perspectiva de sua autonomia como cidadãos se manifestam e se mobilizam, e podem assim contribuir para que a reforma tributária, cuja discussão está prevista para o início dos trabalhos legislativos, seja a mais adequada e justa para o país e para o nosso povo”.

Cautela Para Guilherme Delgado, doutor em economia pela Unicamp, está claro que o pacote é um remendo “para resolver o problema imediato de caixa, causado pelo fim da CPMF. Mesmo assim, isso ainda não resolve o problema da falta de recursos”. Delgado está de pleno acor-

do com o aumento da tarifa da CSLL, mas afirma que a alta do IOF tem que ser analisada com cautela. “O aumento da CSLL tem um sentido mais distributivo, isso está mais claro do que o aumento do IOF. Este afeta todas as operações de crédito consignado, ele vale tanto para grandes tomadores (de crédito) como para os pequenos. Ainda não tenho uma avaliação clara sobre as conseqüências”, comenta.

Economista enxerga inflexões na política de ajuste fiscal José Carlos de Assis acredita que sinalizações são positivas, mas superavit primário de 3,8% poderia ser menor Valter Campanato/ABr

Segundo PSDB e DEM, as medidas do governo ferem o direito de pobres e ricos pagarem as mesmas alíquotas de impostos Consumo Fazendo coro com a análise de Delgado, alguns setores acreditam que as medidas anunciadas pelo governo federal podem prejudicar o crescimento econômico com o aumento do IOF, que deve inibir o consumo. “As classes C e D, que voltaram a consumir, via de regra, compram pelo crediário e serão oneradas, o que não é o ideal. Essa é uma medida que tem efeitos colaterais e vamos perceber isso com o tempo”, afirma Pedro Delarue, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco). Segundo Delarue, o aumento da arrecadação pode ter no congelamento dos gastos com o funcionalismo o seu maior obstáculo. “Para arrecadar mais, a sonegação fiscal tem que ser combatida. E para isso, o governo precisa investir na auditoria fiscal e na valorização do servidor, que em última instância, é o agente que promove a arrecadação de impostos”. O sindicalista acredita que o papel do IOF é regulatório, não arrecadatório. Isto é, quando há um processo de ampliação do crédito e do consumo, que gere uma pressão inflacionária, o governo pode aumentar o IOF pra conter a alta dos preços. Em 2007, a inflação atingiu a marca de 4,46%, configurando uma alta, tendência que não era observada desde 2002. Mas, ainda segundo Delarue, o governo aumentou o IOF com a intenção de arrecadar mais de forma errônea, pois o aumento do imposto pode afugentar os consumidores.

da Redação Se, por um lado, o ministro Paulo Bernardo avisa que os cortes serão dolorosos; de outro, sinaliza com a possibilidade de ser mais flexível com relação ao superávit. “Ele (Paulo Bernardo) mencionou uma possibilidade que eu considero simpática: já que no ano passado o superavit foi maior do que a meta, o governo contabilizaria essa sobra como superavit de 2008”, comenta José Carlos de Assis, presidente do Instituto Desemprego Zero. “O lado positivo do pacote é que o governo não mexeu nos programas sociais e no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o que garante o crescimento econômico. Mas, decididamente, eu acho que o governo não pode insistir tanto numa meta de superavit primário tão alta (3,8%). Já que os juros estão caindo, e espero que continuem caindo, não há necessidade desse superavit tão alto”, pon-

O governo não pode insistir tanto numa meta de superavit primário tão alta (3,8%). Já que os juros estão caindo, e espero que continuem caindo, não há necessidade tua Assis.

PPIs Outra declaração do ministro apontou que o governo poderia se valer dos Projetos Pilotos de Investimento (PPIs) para realocar recursos do PAC. Os PPIs são um dispositivo que o governo brasileiro criou, em 2004, com a permissão e orientação do Fundo Monetário Internacional (FMI), a fim de flexibilizar a meta de superávit. Na ocasião, o organismo multilateral permitiu que o Brasil, então em débito com a instituição, retirasse 0,5% da meta de superavit daquele ano (4,25%) para realizar investimentos que gerassem rentabilidade para o Estado em curto prazo. Gastos com pessoal, programas sociais e educação, por exemplo, não podem entrar na conta dos PPIs. De acordo com dados do Tesouro Nacional, cerca de R$ 14 bilhões podem ser retirados do superávit, sendo

O ministro Paulo Bernardo

Tendência é que bancos repassem o “ônus” da Redação É cedo para afirmar se as instituições financeiras irão burlar o “ônus” causado pelo aumento da CSLL, repassando-o aos correntistas, aumentando os juros dos empréstimos e as tarifas bancárias. O presidente da Unafisco, Pedro Delarue, por exemplo, acredita que os bancos não aceitarão reduzir as suas taxas de lucros. “Considerando que os bancos são um oligopólio, em que meia dúzia de instituições representam cerca de 80% do setor, acredito que pelo menos uma parte da CSLL deve ser repassada aos correntistas. Mas a medida do governo foi correta”, considera Delarue, lembrando que o lucro dos principais bancos cresceu 500% nos últimos dois anos. Já o economista José Carlos de Assis, presidente do Instituto Desemprego Zero, acredita que essa hipótese não é tecnicamente razoável e prefere ressaltar os pontos positivos do pacote. Guilherme Delgado também ressalta o fato de os bancos serem entidades que agem como monopólios e fazem marcações de preços. Assim, Delgado acredita que há grandes possibilidades de os bancos repassarem o reajuste da CSLL para os clientes. (RGT)


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Gestão Kassab isola moradores de favelas nas periferias de SP Douglas Mansur/Novo Movimento

LIMPEZA SOCIAL Atendendo aos interesses da especulação imobiliária, Prefeitura desaloja favelas e ocupações e joga pobres na periferia da capital Tatiana Merlino da Redação SEXTA-FEIRA, 9 horas da manhã, bairro de Guaianazes, zona leste de São Paulo. Sob o sol forte, Francisca de Jesus e outras moradoras do conjunto habitacional José Bonifácio sobem a estrada de terra que dá acesso aos prédios da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). Se fosse há um ano atrás, a pernambucana de 34 anos não estaria em casa a essa hora da manhã. Mas, desde março de 2007, quando foi removida da favela Ilha Verde pela Prefeitura, localizada na alça de acesso da Ponte do Anhangüera, bairro da Lapa, zona oeste de São Paulo, a empregada doméstica foi demitida. “Como a casa onde trabalhava era mais perto, dava para ir só com uma condução. Como daqui preciso pegar dois ônibus para ir e dois para voltar, minha patroa não concordou em pagar”, lamenta. Resultado: agora, trabalho para Francisca é só por dia de faxina, e mesmo assim, o pagamento de uma das conduções sai do seu bolso.

Reintegração de posse A situação de Francisca não é diferente dos outros novos moradores do conjunto habitacional. Para chegar às estações de metrô Itaquera e Guaianazes, localizadas a 8 e 4 quilômetros dos prédios, respectivamente, os moradores precisam caminhar até um ponto onde passa uma perua, “às vezes, de hora em hora, às vezes demora bem mais”, conta Pedro Vieira, também removido da favela Ilha Verde. “Assim, mesmo acordando às 3 horas da manhã, de tanto eu atrasar, acabei perdendo o emprego”, conta. De acordo com ele, muitos dos moradores dos prédios foram perdendo seus empregos e, hoje, a maioria está com dificuldades de arcar com as prestações mensais de R$ 57 do imóvel, que foi financiado por 25 anos. O empreendimento da CDHU, no momento, abriga famílias que foram desalojadas de diversas favelas que sofreram reintegração de posse nos últimos dois anos – como a Ilha Verde – e 150 famílias despejadas da ocupação Prestes Maia, que ficava localizada no centro da cidade. Limpeza social A transferência de famílias de baixa renda que vivem em favelas, cortiços e ocupações em áreas nobres da cidade para bairros periféricos sem oferecer infra-estrutura tem sido prática da gestão municipal José Serra/Gilberto Kassab. De acordo com Kazou Nakano, urbanista do Instituto Pólis, com “o boom imobiliário e o crescimento da indústria da construção civil, o processo de disputa pela terra urbana tornou-se mais acirrado e conflituoso. Essas reintegrações de posse e remoção de famílias estão sendo feitas para valorizar as áreas de interesse do capital imobiliário”, aponta. Assim, explica Nakano, “a política habitacional do município tem sido ineficaz e descomprometida com os direitos sociais, com o di-

Prédios do conjunto habitacional José Bonifácio, no bairro de Guaianazes, zona leste de São Paulo

reito à cidade. É isso que estamos vendo nesse processo de remoção de favelas que vem acontecendo nos últimos dois anos nas áreas de interesse do capital imobiliário”, critica. Em dezembro do ano passado, a Prefeitura despejou moradores da favela Real Parque, localizada no bairro do Morumbi, referência de lançamentos imobiliários milionários e considerado um dos bairros mais ricos da cidade. Também há denúncias de que funcionários da subprefeitura de Santo Amaro têm pressionado os moradores da Comunidade Campo Grande/Jurubatuba (localizada em Santo Amaro) a aceitarem um pagamento da

construtora Gafisa para saírem da região onde moram desde 1987. A construtora estaria oferecendo R$ 15 mil a cada família da favela, localizada ao lado de um empreendimento imobiliário em início de construção. Para 2008, a Prefeitura de São Paulo vai iniciar um processo de remoção das 19 favelas sob alças das marginais Pinheiros e Tietê, de acordo com o prefeito Gilberto Kassab (DEM, ex-PFL).

Promessas De acordo com as famílias que estão vivendo em Guaianazes, a Prefeitura garantiu que no bairro para onde foram transferidos have-

ria emprego (um frigorífico estaria sendo instalado nas vizinhanças e iria empregar parte dos novos moradores), mercado, escola e posto de saúde próximos. “Nada disso é verdade. As escolas não têm vagas suficientes para nossos filhos, o posto de saúde não tem especialistas e o orelhão mais próximo daqui é a 3 quilômetros”, reclama Francisca, que só consegue garantir o sustento de seus dois filhos graças ao emprego de pedreiro do marido. Outra reclamação dos moradores do empreendimento da CDHU é de que a estrada que dá acesso aos prédios não é asfaltada, e tem apenas um poste de ilumina-

ção, conquistado após muita reivindicação. “Quando chove, as pessoas ficam cheias de barro nos pés; quando saem de madrugada para trabalhar, a estrada é tão escura que mal se enxerga o caminho”, afirma a líder comunitária Marli Medeiros Marques, moradora do bairro.

Exclusão territorial Na opinião do urbanista do Instituto Pólis, ao retirar pessoas das favelas e levar para regiões periféricas, onde “não há educação, emprego e saúde, a prefeitura aprofunda a exclusão territorial da cidade”, lamenta. “Há também um desrespeito ao direito à cidade, garantido no EstaDouglas Mansur/Novo Movimento

Algumas áreas de exclusão territorial em SP Reprodução

tuto da Cidade. Só se cumpre a função social da cidade quando se garante os direitos sociais da população”, completa. Segundo o urbanista, a Prefeitura também está desrespeitando o Plano Diretor de São Paulo, já que, de acordo com o conceito vigente de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), a Prefeitura é obrigada a acomodar os moradores despejados em reintegrações de posse no mesmo bairro. “O plano diretor poderia ser um instrumento para fazer uma política habitacional de verdade”, aponta. Além disso, explica, a reintegração de posse em cortiços e favelas com mais de cinco anos de existência é inconstitucional, já que o Estatuto da Cidade garante o direito de posse aos moradores, “que podem pedir usucapião. Se a Prefeitura não garantir esse direito, a população pode entrar com uma ação judicial para lutar por isso”, lembra Nakano.

Para entender

Canteiro de obras substituiu a favela Ilha Verde

Things I like in SP/CC

Estrada de terra: moradores sem infra-estrutura em Guaianazes

Anderson Barbosa

Real Parque: tratores demoliram parte dos barracos

Ocupação Prestes Maia: removidos para a periferia

Estatuto da Cidade – Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, regulamentando os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988. Encarregada pela constituição de definir o que significa cumprir a função social da cidade e da propriedade urbana, a lei delega essa tarefa para os municípios, oferecendo às cidades um conjunto de instrumentos de intervenção sobre seus territórios, além de uma nova concepção de planejamento e gestão urbanos. Plano diretor – Definido no Estatuto das Cidades como instrumento básico para orientar a política de desenvolvimento e de ordenamento da expansão urbana do município. Tem como objetivo orientar as ações do poder público visando compatibilizar os interesses coletivos e garantir de forma mais justa os benefícios da urbanização, garantir os princípios da reforma urbana, direito à cidade e à cidadania e gestão democrática da cidade. ZEIS – As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) são áreas de assentamentos habitacionais de população de baixa renda, surgidos espontaneamente, existentes, consolidados ou propostos pelo Poder Público, onde haja possibilidade de urbanização e regularização fundiária.


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brasil Fotos: Escritório Modelo Dom Paulo Evaristo Arns (PUC-SP)

Comunidade Campo Grande Jurubatuba: casas cobertas por cartazes para não desvalorizar empreendimento de luxo

Construtora privada usa poder público contra comunidade pobre ARTIGO Funcionários da Prefeitura de SP ameaçaram de despejo moradores de favela para facilitar venda de imóvel de luxo Sabrina Durigon Marques A COMUNIDADE Campo Grande Jurubatuba é formada por 33 famílias que residem no bairro Campo Grande, em Santo Amaro, no município de São Paulo, desde 1987, ou seja, há mais de vinte anos. O terreno ocupado situa-se próximo à Favela do Real Park, na zona sul, região que vem sofrendo um contínuo e incessante processo de especulação imobiliária. Ao lado da favela de Jurubatuba está se iniciando a construção de um condomínio residencial de luxo, o “Magic Residencial Resort”, cujo preço de cada unidade gira em torno de R$ 200.000,00 a R$ 400.000,00. Para que a favela não fosse empecilho à venda dos luxuosos e nababescos apartamentos, a construtora Gafisa “escondeu” as casas da comunidade com floreiras e um “megaoutdoor”, com cerca de 300 m2, em total desrespeito à Lei Municipal Cidade Limpa. Mas nesse caso, a Prefeitura fez vista grossa ao outdoor, pois sendo proprietária do terreno ocupado pela comunidade, tem interesse em sua desocupação. Em agosto de 2007 os moradores receberam notificações da Subprefeitura de Santo Amaro, com base no artigo 3º do Decreto Municipal nº 15.086, de 05.06.78, para que desocupassem a área. Como nenhuma família se mudou após o recebimento do comunicado, a Subprefeitura, em “parceria” com a Construtora Gafisa, ofereceu ilegalmente uma “indenização” no valor de R$ 15.000,00 para que a população saísse do local. Soube-se, ainda, que a Gafisa havia repassado a quantia de R$ 25.000,00 para cada casa, a fim de que a Prefeitura “indenizasse” os moradores; no entanto, a prefeitura só ofereceu R$ 15.000,00 a cada residência. Diversas ameaças foram feitas à comunidade para o caso de não aceitarem o “acordo”. O fiscal municipal disse aos moradores que, se não desocupassem a área, seus móveis seriam levados a um galpão da prefeitura, com auxílio policial, e um trator iria derrubar as casas de alvenaria construídas. As ameaças foram tão extremas que um dos funcio-

nários chegou ao absurdo de dizer que, caso procurassem algum advogado ou propusessem ação judicial, teriam que pagar à Prefeitura pelo tempo que ocuparam o bem público sem qualquer ônus. Inclusive, a Construtora Gafisa informa aos possíveis compradores dos imóveis em construção que as famílias da comunidade serão retiradas em 90 dias. Uma das conversas telefônicas havida entre o líder da comunidade Luiz Geraldo de Oliveira e o assessor da Prefeitura Antonio Carlos Bernardino foi gravada, e nela o funcionário municipal afirma que seria melhor que os moradores saíssem sem causar problemas, para que não corressem o risco de perder os R$ 15.000,00 que a prefeitura estava oferecendo. Em razão das ameaças feitas pelo fiscal da Subprefeitura de Santo Amaro, Jorge Tadeu Guimarães, e pelo assessor do subprefeito, Carlos Bernardino, a comunidade, assustada, procurou o Ministério Público do Estado de São Paulo para lavrar o Termo de Declarações. Após a parceria entre a Subprefeitura e a Construtora Gafisa ter sido divulgada pela grande mídia, ambos os funcionários da Prefeitura (gestão de Gilberto Kassab – DEM) foram exonerados do

cargo. Apenas o subprefeito de Santo Amaro, Geraldo Mantovani Filho, foi mantido, pois, segundo informações do secretário municipal das Subprefeituras, Andréa Matarazzo, trata-se de pessoa de sua confiança.

Acordo suspeito A parceria Gafisa-Prefeitura é totalmente ilegal e está sendo investigada pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (GAECO). O promotor de Justiça José Carlos de Freitas, que trata do caso, suspeita que possa haver corrupção ativa e passiva. Procurada, a Gafisa informou que estava apenas preocupada em melhorar a vida dos habitantes da favela. A ação do poder público contra a comunidade se deu de maneira totalmente ilegal, em evidente afronta ao artigo 6º da Constituição Federal, que prevê o direito à moradia como sendo direito social amparado por esse diploma legal. Isso sem considerar que todas as ameaças foram feitas de forma arbitrária, pois não há qualquer ação judicial proposta pela Prefeitura em que se reconheça que a área deva ser reintegrada. O presidente da Associação da Comunidade Campo Grande Jurubatuba, Luiz Geraldo de Oliveira, procu-

rou a assessoria jurídica do Escritório Modelo da PUC/ SP, que, em nome dos moradores, propôs Ação de Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia Coletiva, que se trata de instrumento jurídico previsto na Medida Provisória 2.220/2001. Como as terras públicas não são passíveis de usucapião, a medida judicial acima descrita confere aos ocupantes dessas áreas o direito à posse, caso cumpridos os requisitos necessários. De acordo com o artigo 1º da MP 2.220/2001: “Aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até 250 metros quadrados de imóvel público, situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural.” A comunidade preenche todos os requisitos citados na legislação, e a ação de posse está em tramitação na Fazenda Pública do Estado de São Paulo. Sabrina Durigon Marques é advogada do Escritório Modelo Dom Paulo Evaristo Arns (PUC-SP).

Maioria das favelas em áreas de risco está nas periferias “Por que a Prefeitura não desaloja essas famílias, então?”, questiona a urbanista Ermínia Maricatto da Redação O argumento utilizado pela Prefeitura para fazer as remoções de favelas é de que as famílias estão morando em áreas de risco, ou áreas de mananciais. A urbanista Ermínia Maricatto, ex-secretária-executiva do Ministério das Cidades, rebate. “É claro que não vou ser contra remover famílias que estão morando em áreas de risco, mas sabe-se que a maioria das favelas que estão em áreas de risco estão localizadas nas áreas periféricas da cidade, e não nas regiões nobres. A pergunta é: por que a Prefeitura não desaloja essas famílias, então?”, questiona. Embora acredite que o Estatuto da Cidade é uma conquista dos movimentos sociais que lutam pela reforma urbana, Ermínia lamenta que o que está previsto na lei não é cumprido. “Assim como o que prevê o Plano Diretor”, ressalta. Já para o Coordenador da

Central de Movimentos Populares (CMP), Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, o argumento da Prefeitura para retirar famílias de áreas de risco também é falacioso porque, ao oferecer uma indenização no valor de R$ 5 mil às famílias despejadas, estimula-se a ocupação ilegal de terrenos na cidade, já que a quantia não é suficiente para comprar um novo imóvel nem para suprir o aluguel de uma nova residência. “Essas pessoas não ocupam áreas de manancial e de risco porque querem, e sim porque não têm outra alternativa”, ressalta. Gegê também prevê que, dentro de alguns meses, essas famílias vão voltar às favelas da cidade, pois estão ficando desempregadas e sem condições de pagar as prestações. Para ele, “a Prefeitura tinha que oferecer uma política de reinserção dessas pessoas. Mas, em vez disso, junto com o governo do Estado, faz esse papel sujo para ‘higienizar’ a cidade”.(TM)

Faltam médicos em áreas carentes de SP

Favelas são resultado da falta de alternativas

É exatamente em regiões como a de Guaianazes, onde a população depende do Sistema Único de Saúde (SUS) para cuidar da saúde, que há escassez de profissionais da Saúde. De cada dez pessoas que moram nos distritos da região leste, mais de seis (62,7%) só podem procurar as unidades e hospitais públicos. Nos bairros da região centro-oeste, onde a disponibilidade de médicos é maior, o índice de pessoas que dependem do serviço público é de 39,7% dos moradores. Já na região centro-oeste, que abrange bairros nobres, como Pinheiros, a proporção é de 932 pacientes totalmente dependentes do SUS para cada profissional da área básica. Na zona leste, são 2.062 doentes para cada médico disponível (1.130 pessoas a mais na disputa).


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brasil www.brasildefato.com.br

saiu na agência Adunb/Andes

Por piso salarial e ensino de qualidade, professores realizam congressos Ricardo Stuckert/PR

EDUCAÇÃO Andes e CNTE realizam em janeiro congressos que devem pautar suas ações no próximo período

MST ocupa Fazenda Guerra Cerca de 1,5 mil sem-terra entraram, no dia 14, na Fazenda Guerra para cobrar a realização da reforma agrária no Rio Grande do Sul. É a nona vez que a área foi ocupada. O objetivo do protesto, que durou algumas horas, foi exigir que o Incra cumpra a promessa de assentar duas mil famílias até o final de 2008 no Estado, sendo mil até abril. Até agora nenhuma família foi assentada.

Renato Godoy de Toledo da Redação AS DUAS entidades mais representativas do professorado brasileiro têm, no mês de janeiro, a realização de seus congressos, principais instâncias deliberativas dessas organizações. O Sindicato Nacional de Docentes do Ensino Superior (Andes) e a Confederação dos Trabalhadores em Educação (CNTE) representam os professores de universidades e do ensino básico, respectivamente. O Andes realiza seu 27° congresso em Goiânia, entre os dias 14 e 20 de janeiro. Em Brasília, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, a CNTE promoverá o seu 30° Congresso entre os dias 17 e 20 de janeiro. Em ambos, uma nova diretoria deve ser eleita. As entidades, ouvidas pelo Brasil de Fato, temem que os cortes de gastos anunciados pelo governo, em função do fim da CPMF, atinjam a área da Educação e, diante dessa possibilidade, os educadores prometem resistir ao enxugamento de verbas no setor. A CNTE tem 35 entidades afiliadas e deve contar com 2 mil delegados eleitos pela base. Do congresso sairão as resoluções e bandeiras dos professores para o próximo triênio. Neste ano, o lema do encontro será “Educação Pública: a diferença que promove a igualdade”.

Piso A atual presidente da entidade, Juçara Dutra Vieira, elenca como uma das principais prioridades para o pe-

Inflação prejudica mais pobres

Em 2007, o custo de vida dos mais pobres subiu 5,55% contra 4,80% da população em geral; para o economista Pedro Ramos, uma das causas é a substituição de culturas agrícolas por conta da especulação no campo com os agrocombustíveis

Aquecimento global Lula assina medidas complementares ao PDE

ríodo a luta pelo estabelecimento de um piso salarial nacional para os professores – bandeira histórica do movimento da educação. Em abril do ano passado, quando o governo anunciou o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), estava previsto um piso nacional no valor de R$ 850, tanto para professores com nível superior quanto para os com nível fundamental. Além de tecer críticas ao valor e à equiparação entre professores com qualificações distintas, a CNTE rejeitou o fato de o piso não ser formado apenas por salário. Esse valor continha gratificações por assiduidade, vale alimentação, transporte, indenizações, entre outros benefícios. Desde o lançamento do PDE, a entidade reivindica um piso salarial de R$ 1.050 para professores de nível médio e R$ 1.575 para professores habilitados com licenciatura. Na visão da confederação, a diferenciação é importante para estimular a capacitação dos docentes. “O piso não foi aprovado porque nós não concordamos com a proposta que o governo encaminhou. Para que o piso seja aprovado, é necessário que a iniciativa seja do Executivo. Nós tivemos do governo a promessa de que haverá uma revi-

são do conteúdo do projeto de piso”, revela Juçara. No ano passado, o senador e presidente da comissão de educação do Senado, Cristovam Buarque (PDT-DF), conseguiu aprovar um projeto que prevê uma diferenciação entre professores com diferentes habilitações. De acordo com o projeto, os professores habilitados com nível médio teriam vencimentos de R$ 900, enquanto os habilitados com licenciatura receberiam R$ 1.100. Para a CNTE, o projeto tem o mesmo problema de incluir gratificações no valor correspondente ao salário. “O projeto que vem do Legislativo nasce com um vício de origem. Temos que pressionar para que a iniciativa venha do governo Lula”, acredita Juçara.

Caminho inverso Em abril, haverá uma conferência chamada pelo Ministério da Educação com a participação de organizações da sociedade civil. A idéia do ministério é discutir com a sociedade os rumos e as demandas do PDE. A CNTE estará presente na conferência e deve reapresentar ao governo a sua proposta de piso salarial. Apesar de louvar a iniciativa de abrir o diálogo, a CNTE considera que a conferên-

cia veio de forma tardia. “Para formular o PDE, o governo não usou o método ideal, porque não ouviu uma parte da sociedade. Achamos que o governo fez o caminho inverso. Deveria ter feito a conferência antes, para dela tirar o PDE, assim como fez em outros assuntos, como na formulação de políticas de gênero”, considera Juçara, para quem o PDE foi concebido como uma espécie de “guarda-chuvas de programas que já estavam previstos”. Apesar da crítica, Juçara diz que o momento da conferência será importante para dar mais organicidade ao programa e apresentar as suas reivindicações ao governo. “Nós temos contribuído apresentando as nossas propostas, achamos importante que a sociedade tenha um planejamento”, afirma, referindo-se ao diálogo da entidade com o Executivo federal. Sobre as linhas gerais do PDE, a educadora elogia o fato de o programa conter metas claras e direcionamento de recursos para os municípios com maiores deficiências na área de Educação. A CNTE também elogia a articulação de políticas públicas entre Estados, municípios e União, que está prevista no PDE.

Para Andes, PDE não contém recursos novos para universidade pública Programa do governo cria apenas Reuni para ensino superior, que é alvo de críticas Daniel Cassol

da Redação O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) apresentou poucas medidas para a universidade pública, na opinião do Andes, entidade que representa os docentes do ensino superior. A principal medida para a universidade pública contida no PDE é o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), que enfrenta fortes resistências de movimentos de Educação, como o Andes, os setores minoritários da União Nacional dos Estudantes (UNE) e a Coordenação Nacional de Lutas dos Estudantes (Conlute). Para o nível superior em geral, o PDE também conta com um incremento de 150 mil bolsas do Programa Universidade para Todos (Prouni), que destina vagas para alunos de baixa renda em faculdades particulares; estas, em contrapartida, recebem isenções fiscais. O Prouni também recebe críticas deste mesmo setor. No projeto do Reuni, não há novas verbas para as universidades, apenas há metas e normas as quais as univer-

Paulo Rizzo, presidente do Andes

sidades devem se adequar para receber repasses que já estavam previstos pelo Ministério da Educação. Para receber os recursos, as universidades devem cumprir duas metas de “eficiência”: ter uma média de 18 alunos por professor e formar 90% dos alunos ingressos. Para isso, as universidades devem aumentar o número de vagas. Na opinião dos críticos do Reuni, essas metas aumentarão a carga de trabalho dos profissionais da educação, sem aumento salarial, e a superlotação das salas de aulas, promovendo uma expansão sem comprometimento com a qualidade. Paulo Rizzo, presidente do

Andes, enxerga um processo preocupante que se inicia nesse ano. “No ano passado, a maioria das universidades se comprometeu a entrar no Reuni e já se iniciou um processo de expansão nos vestibulares deste ano”, revela. Estão previstos cerca de R$ 10 milhões para as universidades federais em 2008, valor que Rizzo considera insuficiente diante desse processo de expansão do número de vagas.

Congresso Com o lema “Avançar na luta em defesa da universidade pública e dos direitos dos docentes”, o Andes rea-

liza o seu congresso em Goiânia, com cerca de 400 delegados eleitos na base. Para o presidente da entidade, o encontro deve ser pautado pela defesa dos direitos dos professores e pela discussão acerca das formas de financiamento da universidade. Além da defesa dos docentes, outro desafio é a contratação massiva de professores para as universidades públicas, a fim de garantir a qualidade do ensino e responder às demandas da expansão das vagas. Segundo Rizzo, o governo chegou a afirmar, em 2007, que o ensino superior federal necessitava de 18 mil professores, mas até o momento não há nenhuma sinalização de que essas vagas possam ser preenchidas. “Agora, o governo disse que vai contratar 2 mil professores, mas essas contratações ainda não estão garantidas”, afirma. O dirigente do Andes acredita que as universidades sofrem uma ameaça de cortes de gastos na Educação – além da falta de recursos já existente no setor – para compensar os R$ 38 bilhões que deixarão de ser arrecadados com o fim da CPMF. (RGT)

Relatório da ONG Greenpeace aponta que o agronegócio contribui para o processo de aquecimento global. O documento mostra que fertilizantes, pecuária e queimadas elevam emissões de gases de efeito estufa. Outro estudo da ONU indica que o derretimento na Antártica cresceu 75% em uma década.

Saúde

O governo determinou que os planos de saúde privados terão de ampliar cobertura. Entre os procedimentos incluídos estão algumas novas tecnologias, como o Yag Laser, para cirurgia de catarata, procedimentos para anticoncepção, como DIU, vasectomia e ligadura tubária, procedimentos cirúrgicos, além de mamografia digital para mulheres com menos de 50 anos. Já as empresas operadoras de planos privados ameaçam elevar as mensalidades.

Protesto mapuche no Chile

Indígenas realizaram duas marchas, no dia 10, para protestar contra a morte de um jovem universitário mapuche pela polícia. O protesto foi reprimido pelos soldados chilenos, que prenderam 16 manifestantes.

fatos em foco

Hamilton Octavio de Souza

Sigilo oportuno Todo mundo sabe que o dinheiro do narcotráfico, do contrabando e do crime organizado em geral transita pelos bancos, tanto internamente quanto nos paraísos fiscais do exterior, assim como o dinheiro sujo da corrupção e da sonegação de impostos das empresas. No entanto, a imprensa burguesa, os partidos de direita e as entidades empresariais continuam defendendo ardorosamente o sigilo das contas bancárias. Por quê? Acordão mineiro O PT de Minas Gerais tende a fazer acordo com o PSDB do governador Aécio Neves em chapa para a Prefeitura de Belo Horizonte. Correntes dos dois partidos mantêm boas relações na capital mineira há bastante tempo e têm como objetivo a união estadual em torno da candidatura tucana à Presidência da República, em 2010. A não ser que o PT nacional proíba tal coligação. Genocídio étnico De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), foram assassinados no Mato Grosso do Sul, em 2007, 48 índios das tribos guarani e caiuá. A violência contra os indígenas tem a ver principalmente com a contínua invasão das reservas por grileiros e fazendeiros, o que tem sido agravado com a omissão da Funai, do governo estadual e especialmente do Poder Judiciário. Não há mais a quem recorrer... Definição realista Congresso Nacional é um órgão legislativo federal integrado por 81 senadores e 513 deputados, a maioria eleita sob o patrocínio financeiro dos bancos, construtoras, mineradoras, empresas de energia elétrica e telecomunicações, indústria automobilística e do agronegócio. Coincidentemente, são os setores que mais têm negócios com o Estado, recebem os maiores financiamentos do BNDES e batem recordes de lucro todos os anos. Credibilidade zero O governo federal começa o ano com várias negativas. Nega o surto de febre amarela, nega o risco de apagão elétrico, nega o corte das verbas sociais para compensar

o fim da CPMF e nega que a alardeada recessão nos Estados Unidos possa afetar o Brasil. Como os antecedentes de negativas nem sempre se confirmaram, o melhor mesmo é todo mundo se precaver nessas questões.

Crise oportuna Informações e opiniões sobre o risco de apagão no setor elétrico revelam um mundão de contradições, com alguns “especialistas” garantindo que a crise é real e outros dizendo que o sistema tem muita reserva antes de entrar em colapso. Uma coisa é certa: a pressão do empresariado e da mídia ajuda na liberação de recursos públicos para o setor e na aceleração dos projetos de novas usinas. Viva a crise! Sinfonia federal Pego em flagrante como “pianista” do Congresso Nacional que fraudou votações teclando a senha de outros parlamentares, o senador Edison Lobão (PMDB-MA), afilhado do clã Sarney, construiu seu império de comunicação no Maranhão na base de irregularidades trabalhistas e sonegação fiscal, com concessões nebulosas de rádio e TV. Deve ser o novo ministro das Minas e Energia. Mais um prêmio à bandalheira pública! Distorção global A TV Globo fez de tudo para esconder o importante desempenho do presidente Hugo Chávez, da Venezuela, no episódio de libertação dos reféns da FARC. Repetiu várias vezes no Jornal Nacional que o sucesso da operação era devido ao esforço de vários países. Deu mais destaque aos porta-vozes do Pentágono e do governo dos Estados Unidos do que aos envolvidos no acontecimento. Lamentável!


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Fórum Social Mundial enfrenta as suas próprias contradições em 2008 GLOBALIZAÇÃO Neste ano, organização aposta na descentralização em várias regiões do mundo com Dia de Ação Global Jubileeusaoutreach

Pedro Carrano de Curitiba (PR) DIVERSAS formas de luta realizadas em vários pontos do planeta: esse será o 26 de janeiro, data escolhida para o Dia de Ação Global, atividade ligada ao Fórum Social Mundial (FSM). O objetivo é, novamente, fazer um contraponto ao Fórum Econômico Mundial – encontro da elite mundial, em Davos (Suíça), que acontecerá na mesma época. Para este ano, a grande novidade do FSM é a descentralização e a auto-gestão. Dessa vez, organizações, entidades, coletivos e redes, de qualquer parte do mundo, planejam sua própria manifestação. É certo que o Fórum passa por um sério momento de avaliação crítica, e a mudança no formato decorre disso. A coordenação quer aprofundar a polarização do FSM em relação ao encontro da Suíça, conferindo-lhe um caráter de processo; e não apenas de evento. “A descentralização do Fórum já era debatida desde a primeira edição. Havia a necessidade de que diversas regiões do mundo pudessem ter contato com as atividades, o que não era possível com o formato continental”, explica Elda Alvarenga, integrante do coletivo capixaba de apoio ao FSM. Para viabilizar esse novo modelo, a internet é a ferramenta indispensável do FSM. A idéia é que, a partir da página eletrônica, as organizações se articulem e troquem fotos e vídeos diretos do local de ação. Até o dia 5, 850 organizações de 64 países estavam cadastradas no site (www.wsf2008.net), com

Quanto

64 países, ao menos,

Contexto do Fórum

devem ter mobilizações

média de uma ação inscrita a cada três horas. A Marcha Mundial de Mulheres (MMM) é uma das entidades com atividades programadas em diferentes países. Nas palavras de Sônia Coelho, organizadora de um ato do movimento em São Paulo (SP), o objetivo será denunciar “a violência no mundo, na guerra, na casa e no trabalho: as várias faces da repressão produzidas e reproduzidas no modelo neoliberal”. Outro exemplo é o do comitê do FSM em Minas Gerais, que contribui na organização e na unidade dos movimentos locais. De acordo com Maria Dirlene Trindade Marques, do Sindicato de Economistas e da coordenação do comitê mineiro do Fórum, quatro quarteirões na Praça Sete, na capital Belo Horizonte, serão ocupados com o trabalho de diferentes organizações. Cada quarteirão será dividido segundo a seguinte temática: Vale do Rio Doce, “a água não é mercadoria”, “nenhum direito a menos” e comunicação e cultura. Em 2007, o Fórum teve como palco a cidade de Nairobi (Quênia), e em 2009 retorna ao Brasil com o formato anterior; desta vez em Belém (PA).

Superando dilemas De acordo com Gustavo Codas, da coordenação nacional do FSM e assessor de relações internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT), o formato do Dia de Ação Glo-

Protesto realizado durante o Fórum Social Mundial de 2007, no Quênia

bal leva o princípio de que o FSM deve ser “um processo, e não apenas um evento”. O formato deste ano, porém, não tem a mesma visibilidade de um Fórum centralizado. Nairóbi, por exemplo, mobilizou 70 mil pessoas. Codas reconhece que a grande massa não participa do encontro global no formato centralizado. “É o início da tentativa de responder a esse desafio, de fazer o Fórum chegar onde as pessoas estão”, comenta. Existem críticas de que o FSM se equilibra entre organizações que não abraçam pautas políticas, ou então são patrocinadas por grupos empresariais. Ao mesmo tempo, o Fórum conta com a presença de organizações populares genuínas, mas ainda necessi-

ta da presença de outros movimentos de peso, como representantes do Exército Zapatista de Liberação Nacional (EZLN), que já foram convidados para participar, mas ainda não deram resposta. Até mesmo o intelectual de esquerda Immanuel Wallerstein, dos Estados Unidos, entusiasta do Fórum como espaço de articulação da esquerda, reconhece a contradição: “A tensão entre algumas das maiores ONGs (cujas sedes e força estão no Norte, e que apóiam o FSM, mas também aparecem em Davos) e dos militantes de movimentos sociais (particularmente fortes no Sul, mas não só) continua real”, descreveu em texto publicado na página do Fórum. Codas entende que a me-

todologia do FSM deste ano contribui para uma maior organicidade do evento em relação aos movimentos populares. “O Fórum enfrenta impasses vinculados aos desafios dos próprios movimentos na atual conjuntura. Se olharmos desde o ambiente de 2000, quando o Fórum foi criado, houve mudanças na conjuntura mundial e regional, em meio ao discurso de que não havia alternativas. O FSM teve papel nos combates acontecidos, só que hoje o cenário é diferente; não que estejamos no pós-neoliberalismo, mas há um desgaste deste sistema, e o caminho para experimentação de alternativas está aberto”, avalia Codas. (Colaborou Luciana Silvestre, de Vitória – ES)

World Social Forum 2007

Cuba sugere maior organicidade Para coordenador da Central de Trabalhadores de Cuba, é preciso um FSM mais “mobilizador e comprometido”

No Espírito Santo, uma semana de mobilizações Coletivo de apoio ao Fórum realiza atividades descentralizadas no Estado Luciana Silvestre de Vitória (ES)

de Curitiba (PR) Cuba é um país que aposta no Fórum Social Mundial (FSM) e tem pelo menos 26 organizações sociais dentro da sua construção, garante José Miguel Hernández, da Central de Trabalhadores de Cuba (CTC). Para o Dia de Ação Global, está previsto um concerto de música popular na capital Havana, o que seria apenas o começo de um processo mais longo. Entre as atividades que antecedem o dia 26, José Miguel pontua que vai haver, na ilha, uma discussão sobre o processo do Fórum, para ser levada mais tarde ao Conselho Internacional (cuja reunião será realizada em abril). O objetivo é discutir questões para a sobrevivência da articulação, inclusive pontos da sua carta de princípios. Para José Miguel, a equação é simples: o FSM deve pesar para o lado dos movimentos populares, e não para organizações que surgem sem comprometimento com a luta concreta. “O Fórum deve parecer-se ao seu tempo. Esse é um reclame dos movimentos reais, que levam pessoas às ruas. É preciso dotar o Fórum de visão mais estratégica e mais política, não sendo apenas um bom cenário de encontros, mas algo mais produtivo em torno, inclusive, de ações”, comenta.

O primeiro Fórum Social Mundial ocorreu em Porto Alegre, de 25 a 30 de janeiro de 2001. Participaram organizações entidades e indivíduos que se reconheciam na oposição contra o avanço do domínio do mundo pelo capital (neoliberalismo) e por qualquer forma de imperialismo, segundo a Carta de Princípios. A memória do Fórum dialoga com o levante zapatista de 1994 e as manifestações de Seattle, em 1999, ensaio das primeiras reações globais contra o neoliberalismo – embora também seja relevante o “Caracazo”, a insurgência da população de Caracas no ano de 1989, embora esta seja pouco lembrada. Seguiram-se mobilizações internacionais, como as de Gênova (Itália) e Cancún (México), contra a Organização Mundial do Comércio (OMC) e atingiram seu apogeu nas manifestações mundiais contra a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em 2003. O desafio atual do FSM é ser um espaço concreto para a articulação dos movimentos populares, sem cair na comum tentação de ser um espaço verticalizado, ao invés de construído pelos movimentos locais. Neste ano, a coordenação aposta no local como ponto de partida para a luta. (PC)

Cerca de 70 mil pessoas participaram do Fórum em Nairobi

Na sua visão, o FSM deve se posicionar, tornandose uma organização, mesmo que para isso fosse necessário mudar o ponto 6 da carta de princípios (ver em http:// www.forumsocialmundial.or g.br/main.php?id_menu=4_ 2&cd_language=1), que fala do não posicionamento do Fórum em nome das entidades.

Local Outro ponto tratado por José Miguel é a estratégia para que o FSM seja atrativo para pequenas organizações –

aquelas que promovem uma luta concreta em suas localidades. “Existem organizações sociais, de movimentos locais, que não têm uma aproximação do processo do Fórum, que não foi capaz de atraí-las”, observa. No dia 22, durante a entrevista coletiva agendada para diversas regiões do mundo divulgarem suas ações para a imprensa local, as organizações cubanas pretendem anunciar outros dois eventos que acontecerão neste ano, importantes na articulação

O que pode ser organizado? – Demonstrações públicas (marchas, paradas, ocupações, bicicletadas) – Panfletagens – Atividades culturais e artísticas em geral: performances, intervenções, sessões de cinema e debate, shows, teatro, grafite – Conferências, palestras, debates em universidades, fábricas, centros comunitários e igrejas – Assembléias e mutirões – Boicotes – Fóruns temáticos e regionalizados

de resistências. São eles: a 4ª Assembléia dos Povos do Caribe (APC), agendada para junho e julho, com temas como migração, fábricas maquiladoras etc., e o 7º Encontro Hemisférico de Luta contra os Tratados de Livre Comércio (TLCs) e pela Integração dos Povos. Na visão de José Miguel, o FSM é a referência atual para a organização da esquerda. “Seguimos apostando, e, em Cuba, as organizações têm essa sensibilidade política de que o Fórum é útil. É necessário que chegue a ser mais mobilizador e mais comprometido, mas não há outro espaço capaz de reunir as organizações nesse cenário, não há outro com as potencialidades que tem o Fórum”, afirma. (PC)

Para entender Central de Trabalhadores Cubanos (CTC) – Organização que agrupa 19 ramos sindicais em Cuba. Completa 70 anos e participou dos eventos que levaram à Revolução em 1959.

Embora de forma descentralizada, o Fórum Social Mundial continua mantendo suas principais características e bandeiras de luta. Um movimento autônomo, internacional, que luta contra o imperialismo e que mantém a bandeira de “Um outro mundo possível”. É com essa perspectiva que, no Espírito Santo, será realizada, entre os dias 19 e 26, uma semana de atividades auto-gestionadas que irão proporcionar debates na sociedade e também dar visibilidade às lutas que estão acontecendo no Estado e no mundo. A atuação do capital financeiro internacional nos países periféricos por meio das empresas transnacionais é uma das principais questões de debate e que ganha dimensão concreta para os capixabas. “O capital financeiro impõe uma nova lógica de divisão do trabalho para os países da América Latina, que é a de produção de insumos básicos para os países de primeiro mundo”, analisa Helder Gomes, integrante do coletivo capixaba de apoio ao FSM. “Aqui, isso se concretiza por meio das monoculturas, sobretudo de eucalipto, pela Aracruz Celulose, mas também da cana-de-açúcar, para a produção do etanol. Além disso, empresas como a Vale do Rio Doce e a Arcelor dominam o campo da mineração e siderurgia no Estado”, completa. Além de diversos debates sobre temas diversificados, ocorrerá, no dia 26, uma marcha popular pelo centro da capital Vitória.

Ações ao redor do globo: França. Mobilização em Paris e outras iniciativas sobre migração e a Guerra no Iraque em diversas cidades, como Nantes (http://www.wsf2008.net/pt-br/node/2596); Indonésia. Grupos de agricultores responderão ao chamado da Via Campesina, unindo comunidades indígenas e trabalhadores do campo. São Paulo (Brasil). Programado ato público chamado pela Coordenação de Movimentos Sociais(CMS), que acontecerá no centro de São Paulo (http:// www.wsf2008.net/pt-br/node/2910). Para mais informações, acesse www.wsf2008.net


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brasil Leonardo F. Freitas/CC

Rio Renato, afluente do Rio Teles Pires, localizado na região da floresta amazônica ameaçada pela expansão da agropecuária, no município de Itaúba (MT)

“Sustentabilidade só para enfeite” MEIO AMBIENTE Conjugar desenvolvimento econômico e sustentabilidade ambiental é contraditório, diz Jean-Pierre Leroy Rui Kureda de São Paulo (SP) A AGENDA socioambiental foi intensa em 2007. Questões como a transposição do rio São Francisco, a retomada de Angra 3 e a política de agrocombustíveis ocuparam as manchetes dos jornais, gerando debates e mobilizações sociais. O Brasil de Fato entrevistou o destacado ambientalista Jean-Pierre Leroy sobre os dilemas e as perspectivas dessa luta no Brasil.

Em relação ao São Francisco, vemos os setores governamentais acusarem de modo descarado os ambientalistas “que não conhecem a sede” de quererem impedir o desenvolvimento Brasil de Fato – Qual sua avaliação sobre as lutas de 2007, como os atos contra o leilão das usinas hidrelétricas do rio Madeira e a resistência contra a transposição do rio S. Francisco? Jean-Pierre Leroy – Você menciona dois projetos que de fato são emblemáticos dos dilemas, impasses e desafios que a sociedade brasileira enfrenta. Não deveriam, todavia, nos fazer esquecer uma série de obras e empreendimentos, menores individualmente, mas que, no seu conjunto, representam graves ameaças de um ponto de vista socioambiental: mineração, plantio de eucaliptos, expansão das monoculturas, agora também para agrocombustíveis, a expansão descontrolada da pecuária na Amazônia, termoelétricas a carvão, a volta anunciada da energia nuclear, as sementes transgênicas etc. Aproveito para dizer que a palavra “socioambiental”, que para mim significa que a vida e a história da humanidade e da natureza são intrinsecamente ligadas, já está sendo descaracterizada. Empresas qualificam a sua intervenção como socioambiental. Certas correntes ambientalistas a condenam, pois parecem pensar que o ser humano, em particular as comunidades e grupos sociais que vivem da natureza ou inseridos nela, são, a priori, suspeitos de querer acabar com ela. Mas volto ao Madeira e ao São Francisco. Descobrimos que as leis e as normas de aplicação dessas leis são feitas para serem ignoradas e “tratoradas”, inclusive pelo poder público, que deveria zelar por elas. Descobrimos que as consultas à população só valem para confirmar o que um poder absoluto decidiu. Digo “poder absoluto”, pois o Executivo federal afirma falar e decidir em nome do povo, o que lhe dispensa de escutar a voz do povo quando parte deste discorda dele. Mas também vimos que vale a pena lutar e que não podem calar ou ignorar a voz e as lutas populares. Tornamonos, os que lutam por um país diferente, muito mais socioambientais. Um debate de importância particular refere-se à relação entre desenvolvimento econômico e social e sustentabilidade ambiental. Como você vê essa questão? A partir do momento em que se formulam assim os termos do debate, es-

tá estabelecida a contradição e o impasse. É justamente o que dizem em relação às usinas do Madeira e à transposição. Meio ambiente, tudo bem, mas tem que dar trabalho, e para isso, a economia tem que produzir. Sustentabilidade está lá só para enfeite. Aliás, mudou totalmente de sentido. Fala-se com a maior seriedade da sustentabilidade econômica, mesmo que seja às custas da sustentabilidade ambiental. Em relação ao São Francisco, vemos os setores governamentais acusarem de modo descarado os ambientalistas “que não conhecem a sede” de quererem impedir o desenvolvimento. Digo “descarado”, pois sabem muito bem que os ambientalistas não são os únicos, nem os mais numerosos que questionam a obra e que são legítimos nordestinos que estão nessa luta. Para mim, é o que chamam de “desenvolvimento econômico e social” que, a médio prazo, vai mostrar que está falido. Não há como pensar em um verdadeiro desenvolvimento sem que a variável ambiental esteja no coração desse debate. Frente à industrialização exportadora do Nordeste e à transformação da sua agricultura e pesca numa base do agronegócio sofisticado para a exportação, o desenvolvimento baseado na convivência com o Semi-Árido representa a verdadeira modernidade e sustentabilidade. Com relação ao atual ciclo de crescimento econômico brasileiro, podemos afirmar que este está ocorrendo sobre bases ambientalmente sustentáveis? Veja: o nosso “atraso” em relação aos países ditos desenvolvidos podia ser uma chance para nós. Não precisávamos repetir as burrices e as catástrofes que estão produzindo, como vemos com a crise climática. Mas não. A maioria do que se convenciona chamar de elites, econômica e política, continuam com a cabeça e a carteira orientadas em direção ao Norte. Poderiam inventar uma agricultura tropical, mas não: copiam o modelo de país temperado. Poderiam democratizar a terra e interiorizar realmente o país, mas não: acham que o barato é a grande produção rural. Poderiam ter entendido que a ponta do progresso na Amazônia seria fazer desse ecossistema uma poderosa fonte de novos produtos e riquezas sociais, combinando tradição, conhecimentos e cultura dos seus povos e população com a inovação científica. Mas acham mais fácil abrir a região a grandes obras e repetir o mesmo tipo de pensamento e de desenvolvimento. A Amazônia continua sendo um dos principais focos de preocupação do movimento socioambiental. Na sua opinião, houve progressos no combate ao desmatamento na Amazônia? O governo realmente se mobilizou: criação de mais áreas de conservação de vários tipos – sei que vão dizer que são áreas de conservação “de papel”, mas contribui para inibir, em parte, a devastação –; aumento da fiscalização e busca de moralização e combate à corrupção de funcionários; licitação de florestas públicas; recenseamento em curso das terras públicas na região. Mas o recrudescimento dos desmatamentos e queimadas mostra a fragilidade dessas iniciativas. É verdade que é preciso tempo para reverter uma devastação iniciada há

mais de 500 anos. Porém, os recursos humanos e financeiros para tocar as áreas de conservação, sejam as integrais, sejam as em que comunidades possam viver, seguem a conta-gotas. As multas não são pagas. A maioria dos políticos da região luta aberta ou veladamente para que nada seja feito para mudar a (des)ordem das coisas. A grilagem corre solta, os madeireiros convencem ou driblam os fiscais. E o preço da carne e dos grãos aumenta, impulsionando mais destruição. O violento aumento do desmatamento em Rondônia é paradigmático. Combina tudo o que acabo de mencionar. E os que vão lá para enriquecer e prosseguem na destruição têm razão: há pouca chance de que algo lhes aconteça. Lembro quando, há mais de 30 anos, grileiros chegaram ao sul do Pará. Hoje, eles, ou quem os sucedeu, vendem seu gado para moderníssimos frigoríficos exportadores. As obras do rio Madeira franquearam a região para quem quiser participar dessa nova corrida ao ouro. Bem, se você não tem dinheiro ou vocação para a truculência e amigos poderosos, não se deixe seduzir. As cidades da Amazônia são cheias de gente que acreditou no Eldorado e acabou na rua da amargura. O combate ao desmatamento na realidade tem que ser um combate a tudo que está ai. Ao mesmo tempo, sem que se ofereçam condições de vida e alternativas produtivas para a população rural e florestal e os povos indígenas – coisa que leva tempo e necessitaria de políticas públicas sistemáticas e de longo prazo – essa população e esses povos não têm condições de formar uma muralha contra o assalto à floresta. Por isso é tão difícil.

Os povos [da Amazônia] não têm condições de formar uma muralha contra o assalto à floresta Recentemente foi realizado o Fórum Amazônia Sustentável (FAS). Você divulgou um documento crítico em relação ao evento. Que questões estavam colocadas na ocasião? Pessoas de ONGs atuando na Amazônia, de organizações de povos indígenas, de extrativistas e de pequenos produtores, setores empresariais, diretamente ou por meio de fundações realizaram um evento em Belém chamado FAS. Vemos cada vez mais, nos grandes meios de comunicação, as grandes empresas se apresentarem como campeões do meio ambiente. Querem agora reforçar o seu cacife mostrando que dialogam com os setores populares da sociedade amazônica e que estão na linha de frente por uma Amazônia sustentável. Questionei basicamente três coisas: 1) Há empresas que têm um enorme passivo ambiental e social. Antes de dialogar com elas, elas precisariam mostrar que efetivamente mudaram. 2) As organizações populares, sindicais e indígenas na Amazônia mal conseguem definir qual é o seu projeto para a região. Não seria melhor que organizem um tipo de congresso entre elas para avançar um projeto coletivo, e só depois ir conversar com as grandes empresas? 3) Há ONGs fortes que fazem um trabalho importante na Ama-

zônia. Mas não devem substituir a voz da população e dos povos amazônicos. Os agrocombustíveis (etanol e biodiesel) têm sido apresentados como solução diante da perspectiva de esgotamento das reservas petrolíferas e como alternativas energéticas limpas e renováveis. Você concorda? O Brasil de Fato já tratou bastante do tema e não teria muito a acrescentar. Em breve, vamos publicar as conclusões de um seminário realizado pelo GT Agricultura da Rebrip, Oxfam e Fase. A I Conferência Nacional Popular sobre Agroenergia nos ajudou a entender essa questão. Em síntese: a) não se mexe no modelo de transporte individual, inviável nos grandes centros urbanos, qualquer que seja o combustível; b) reforça o modelo agroexportador, a monocultura e o latifúndio. Como era de se esperar, o programa do Biodiesel, idealizado pelo governo federal para o pequeno produtor rural, com muitos problemas, é rapidamente ultrapassado pela produção dos grandes produtores, de soja em particular; c) tem toda chance que produza impactos sociais e ambientais perversos; aliás, já está produzindo; d) já está afetando a segurança alimentar mundial. É um dos fatores responsáveis pelo aumento dos preços dos alimentos verificado no mundo. Em compensação, não faltam experiências que mostram pequenos produtores, assentamentos, cooperativas produzindo agrocombustível sem colocar em risco, pelo contrário, a produção de alimentos, primeiro para seu uso e o uso local. Uma das grandes batalhas será conquistar mudanças na legislação que lhes permitam se tornarem produtores de energia, numa visão de descentralização real, voltada para o mercado local. Na sua opinião, quais são as grandes questões e desafios postos aos movimentos socioambientais para o próximo período? Fazer com que todos os movimentos se reconheçam como socioambientais. Conseguir mostrar à opinião pública, para além dos movimentos, que não há saída com esse modelo de produção e de consumo e que muitas organizações populares já apresentam alternativas. Não se deixar encerrar numa ecologia de resultados nem se prender à lógica do mercado e do Estado desenvolvimentista. Reprodução

Quem é Mestre em Educação, Jean-Pierre Leroy estuda a floresta amazônica há mais de 30 anos e morou no Pará, onde conheceu e tornou-se amigo da irmã Dorothy Stang. Participou da Relatoria para o Direito ao Meio Ambiente e é técnico da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase).


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américa latina

Após reféns libertados, Chávez pede mudança no status das Farc RESGATE Venezuelano quer que governo colombiano classifique as Farc como “grupo beligerante”, e não como “terroristas” Claudia Jardim de Caracas (Venezuela) O DRAMA que acompanhou o processo de libertação das reféns Clara Rojas e Consuelo González de Perdomo, após seis anos de cativeiro em poder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), trouxe à luz detalhes de uma guerra que já dura mais de meio século, naturalizada por muitos governos, silenciada por outros e desconhecida para a maioria da população latinoamericana. Para o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, não há saída militar que seja capaz de solucionar o conflito. “O problema é político”, disse. O venezuelano liderou, com sucesso, uma operação que resultou na libertação das duas seqüestradas. “Aquele que conhece a história recente da Colômbia e a situação real das forças insurgentes poderá concluir, sem muita dificuldade, que esse conflito não tem solução militar”, disse Chávez. Consuelo, ex-senadora colombiana, concorda. “A saída é sentar e dialogar. Com situações de enfrentamentos militar, não se conquista a paz. A solução é política”, disse, um dia após ser libertada. Com 57 anos, Consuelo conta que recuperou a vida. No cativeiro, foi por meio de uma rádio local que esta mulher de 57 anos soube da morte de seu marido, em 2005, e do nascimento de sua primeira neta, Maria Juliana. “Eram dois sentimentos encontrados. Caí em depressão. Mas a vontade de conhecer a mi-

Bernardo Londoy/CC

nha neta me deu forças para resistir”, conta.

Terroristas

O presidente venezuelano pediu ao governo da Colômbia que retire o qualificativo “terroristas” às Farc e ao Exército de Libertação Nacional (ELN), e que admita as guerrilhas como grupos insurgentes, o que a seu ver poderia ser um primeiro passo para “regulamentar a guerra”. “Isso é um passo imprescindível, porque enquanto o governo da Colômbia continuar dizendo que são grupos terroristas e que devem ser exterminados, como se pode abrir uma porta para a paz?”, questiona Chávez. O governo Uribe descartou com veemência a proposta de Chávez e qualificou-a de “insólita”. Colômbia e Venezuela mantêm a pior crise diplomática da história. “Todos os grupos violentos da Colômbia são terroristas”, disse um comunicado lido pelo porta-voz do presidente Álvaro Uribe, Cesar Mauricio Velásquez. “O governo da Colômbia, com suas Forças Armadas e sua Constituição, continuará a luta até derrotar estes grupos terroristas que receberam as mais generosas ofertas de paz, como demonstra o tratamento cheio de solidariedade a 46 mil desmobilizados”, afirmou a nota oficial.

Influência de Bush

O título de “terroristas” empregado às guerrilhas é recente. Foi a pedido do presidente colombiano, Álvaro Uribe, que seu colega estadunidense George W.Bush colocou a Farc e o ELN na lista dos grupos terroristas a serem exterminados, logo após

O presidente Hugo Chávez recebe Consuelo González (à esquerda) e Clara Rojas (à direita) no Palácio de Miraflores

A saída é sentar e dialogar. Com situações de enfrentamentos militar, não se conquista a paz. A solução é política”, disse a ex-senadora Consuelo Gonzáles, liberta em um negociação comandada por Chávez os atentados às torres gêmeas. Se as guerrilhas fossem consideradas como uma força beligerante, a guerra colombiana poderia ser regulamentada pelo Tratado de Genebra, que proíbe, por exemplo, a ação de seqüestros. Cerca de 3,2 mil pesso-

as são prisioneiras das Farc – das quais 700 seqüestradas, sendo que 43 são consideradas seqüestradas políticas – poderiam ser libertadas em um acordo humanitário, em troca da libertação de 500 guerrilheiros presos. O conflito armado na Colôm-

bia colocou o país em primeiro lugar no ranking de despejos forçados por situação de violência. De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para o Refugiado (Acnur), mais de 3 milhões de pessoas, em sua maioria camponeses, tiveram que migrar.

Outros 3 milhões imigraram a outros países. A guerra é parte da propaganda do governo colombiano. O Plano Colômbia ou Segurança Patriótica recebe ajuda financeira e militar dos EUA para derrotar as guerrilhas e, supostamente, combater o narcotráfico. Com bases militares, Exército e serviço de inteligência estadunidenses, a Colômbia se converteu na principal base de operação e controle militar dos Estados Unidos na América Latina. Bernardo Londoy/CC

Venezuelano pede o fim dos seqüestros Chávez revela que pretende conversar com líder das Farc sobre a libertação de mais reféns da Redação O presidente Hugo Chávez afirmou que pretende conversar com o líder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Manuel Marulanda, o (Tirofijo), sobre o fim do uso político dos seqüestros. A declaração foi feita após uma solicitação da ex-senadora e ex-refém Consuelo González que, no programa “Alô, Presidente” transmitido aos domingos pela televisão estatal venezuelana, criticou os métodos da guerrilha colombiana. “Trate de fazê-los entender que, em uma luta revolucionária, que deve ter como propósito central o homem, não devem ser cometidos atos como o seqüestro porque atentam contra a dignidade humana e toda a possibilidade de instaurar uma democracia na região”, afirmou Consuelo, que passou seis anos seqüestrada. Chávez concordou com a avaliação e afirmou que os companheiros das Farc que estivessem assistindo ao programa “devem levar em consideração o pedido de Consuelo, ao qual eu me somo”. O venezuelano revelou que pretende falar sobre o assunto com Tirofijo e assegurou que pediu à guerrilha que inicie um processo de libertação dos seqüestrados. “Pode ser aos poucos ou de uma vez só, mas peço que não usem mais esse método

do seqüestro”, acrescentou Chávez. O venezuelano, no entanto, ponderou que as Farc seqüestram dirigentes políticos – como a ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt – não para matá-los ou torturálos, “mas sim para conseguir a libertação de guerrilheiros e guerrilheiras que estão na prisão; é uma política equivocada no meu critério, mas é uma política das Farc”.

Força Beligerante

No dia 13, o presidente Chávez reforçou o pedido para os países considerarem as Farc como “força beligerante”, e não como grupo terrorista. Segundo o venezuelano, caso isso ocorresse e a guerrilha aceitasse essa nova condição, as Farc teriam de seguir o tratado de Genebra, que proíbe o seqüestro e atos contra a população civil. Como exemReprodução

A ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt

plo, Chávez utilizou o antecedente de 1980, quando os governos de México e França reconheceram a Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional de El Savador como uma força representativa da sociedade salvadorenha. O venezuelano lembrou ainda que as Farc foram incorporadas à lista estadunidense de organizações terroristas após o presidente colombiano, Álvaro Uribe, sugerir esse novo tratamento a George W. Bush, depois dos atentados de 11 de setembro em Nova Yorque e Washington. A proposta, no entanto, foi fortemente rejeitada pelos governos colombianos e dos Estados Unidos. Para Álvaro Uribe, a solução é a via militar. O presidente colombiano vive sua pior crise neste seu novo mandato, respondendo a denúncias de que mantém ligações com grupos paramilitares. “As Farc são um câncer que estamos preparados para exterminar, e creio que em 2010 poderemos dizer que a Colômbia é um país sem terroristas”, afirmou Uribe. Para ele, a guerrilha não é um partido político com armas. “As Farc são uma organização terrorista, tenebrosa, que, injustamente, mantém em cativeiro colombianos”. Já o governo dos EUA declararam que não pretendem retirar as Farc da lista de grupos terroristas. “Eles mereceram entrar nesta relação e não há razão para que eles saíam dela. Não estou informado de que houve uma mudança substancial no padrão de comportamento das Farc”, afirmou o porta-voz Sean McCormack. (La Jornada – www.jornada.unam.mx)

“Ficamos um mês acorrentadas” de Caracas Clara Rojas, ex-assessora da ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt, que ainda está em poder da guerrilha, conta que a vida em cativeiro não foi fácil. Ambas tentaram fugir no início do seqüestro. Fracassaram e foram acorrentadas. “Ficamos acorrentadas durante um mês, depois nos tiraram as correntes. Eles (guerrilheiros) nos disseram que era impossível sobreviver na selva por causa dos animais, havia muita angústia”, contou Clara, que era assessora de Ingrid no momento em que foram seqüestradas. Clara também deu a luz em cativeiro. O nascimento de seu filho Emmanuel, fruto de uma relação com um guerrilheiro, também foi complicado. Clara não dilatou e teve que ser submetida a uma cesárea, em meio às precárias condições da selva colombiana. Clara e a ex-senadora Consuelo González de Perdomo souberam, por meio de uma rádio, que as Forças Amardas Revolucionárias da Colômbia (Farc) haviam decidido, de maneira incondicional, libertá-las. “Foi uma felicidade enorme, mal podíamos acreditar”, contou Clara. As duas mulheres caminharam durante 20 dias na selva colombiana acompanhadas por um grupo de guerrilheiros até o local onde seriam recebidas pela comissão de resgate. “Víamos que havia muita preocupação deles (guerrilheiros) pela presença do Exército”, relatou Clara. No dia em que seriam colocadas em liberdade, 31 de dezembro, o Exército colombiano intensificou as operações militares na região e o grupo que acompanhava as duas mulheres decidiu retroceder. No mesmo dia, a guerrilha enviou uma carta ao presidente venezuelano, Hugo Chávez, informando que teriam de adiar a operação. Para os familiares dos seqüestrados, a libertação das duas mulheres pode abrir o caminho para um acordo humanitário que prevê a libertação de 43 reféns em troca de 500 guerrilheiros presos. Para realizar o acordo, as Farc exigem que o governo desmilitarize uma zona de 780 km2 para que a guerrilha e representantes do governo se reúnam para negociar. A retirada militar é um dos entraves ao acordo. O presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, se opõe a atender a exigência. (CJ)


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internacional

Kosovo: a nova província dos EUA EUROPA Para controlar países dos Bálcãs, Estados Unidos patrocinam a independência unilateral de Kosovo da Sérvia; UE também oferere benesses Achille Lollo do Rio de Janeiro (RJ) NO DIA 10 de dezembro, o narcotraficante Hashim Thaqi – líder do Exército de Libertação de Kosovo (ELK) e agente da CIA e do serivço secreto britânico M15 desde 1985 – anunciava que, em fevereiro, “seu governo” proclamaria a independência unilateral de Kosovo, violando, assim, a resolução nº 1.244 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que garante a soberania da Sérvia na província autônoma de Kosovo. Assim, Condoleezza e Bush pretendem implementar uma solução geo-estratégica – traiçoeira e perigosa – para legitimar a definitiva dependência estratégica da União Européia (UE) aos Estados Unidos e concretizar a perda de autonomia do Conselho de Segurança das Nações Unidas, cujas “missões de paz” (de interesse dos EUA) passariam a ser gerenciadas pela OTAN. A Rússia de Putin logo vetou a manobra dos Estados Unidos de debater a proposta de independência de Kosovo no Conselho de Segurança. Diante disso, o presidente francês Sarkozy – falando em nome dos países da União Européia – apelou para uma ampliação deste organismo deliberativo das Nações Unidas com países membros “amigos” (Brasil, África do Sul, Alemanha e Índia) de forma a isolar definitivamente a Rússia e a China. Em resposta, o presidente conservador da Sérvia, Boris Tadic, e o primeiro-ministro, Vojislav Kostunica, líder do Partido Democrático da Sérvia (nacionalista e pró-russo) já tomaram distância dos Estados Unidos, declarando com firmeza: “os acordos internacionais assinados pela Sérvia, que incluem o Acordo de Estabilização e Associação com a União Européia, devem respeitar a soberania e a integridade territorial do país”. Por sua parte, o Ministro da Defesa da Sérvia, Dragan Sutanovac, declarou que “esta não é uma declaração de guerra prévia, mas, apenas, um aviso dirigido em particular aos países centrais da União Européia que, agora, pretendem oferecer à Sérvia a admissão “mais rápida” no bloco, recebendo em troca uma declaração de renúncia da soberania no Kosovo que, assim, poderia proclamar-se independente sem violar as normas do direito internacional.”

Os EUA nos Bálcãs A provocação do narcotraficante Hashim Thaqi (1) é a última fase de um múltiplo processo de desestabilização da Federação Socialista Iugoslava – iniciado em 1989, com a proclamação da soberania e da autonomia unilateral da Eslovênia e da Macedônia, seguidas pelo desmembramento étnico na Croácia e Bósnia-Herzegovina, ocasionando sangrentas guerras étnicas que justificaram a crescente intervenção das tropas da OTAN (sob liderança dos Estados Unidos), a destruição de 90% do parque industrial da Sérvia, em 1999, e do próprio Estado iugoslavo. Uma opção militar que, para os EUA, era a necessária solução geo-estratégica para impor a presença estadunidense nos Bálcãs, no momento em que a União Européia estava criando as condições para sua abertura às an-

À esquerda, mapa mostra a Iugoslávia antes da criação da República Sérvia e da República de Montenegro(2006); à direita, ataque das tropas da OTAN a Kosovo, em junho de 1999

Kosovo se transformou em um grande quartel, com a função de controlar os países dos Bálcãs. Nessa lógica, nos arredores da capital foi construída uma grande base aérea que, “após a independência”, será administrada unicamente pelos homens da Força Aérea dos Estados Unidos e ampliada para poder receber os caças-bombardeiros com ogivas nucleares, bem como os “aviões-fantasma” que realizam operações de espionagem no Leste europeu tigas nações do Pacto de Varsóvia, da URSS. De fato, na época, o “democrata” Bill Clinton, para justificar os lançamentos dos mortíferos foguetes com urânio empobrecido contra os alvos civis da Iugoslávia, afirmava: “Se os Estados Unidos recuarem nos Bálcãs, na realidade, será o princípio do recuo da potência hegemônica no mundo”. Por sua parte, Madeleine Albright, secretária de Estado do governo Clinton, após ter conseguido inviabilizar o acordo de Rambuillet em 1995 declarava: “Finalmente a OTAN poderá atacar a Iugoslávia para salvaguardar os habitantes de Kosovo!”. Com a “Operação Kosovo” (março de 1999), o democrata Clinton oficializava a política hegemônica e intervencionista que o presidente Bushpai havia proposto com a primeira guerra contra o Iraque de Saddam. A partir desse período, todos os orçamentos votados pelo Congresso estadunidense registraram sensíveis aumentos para a “manutenção e modernização dos sistemas de defesa”. Uma fórmula política – utilizada por democratas e republicanos – adotada pelos aliados europeus (sejam eles de direita ou de centro-esquerda) para transformar a OTAN em uma nova Task Force oposta a Rússia de Putin e preparada para intervir em todos os países da Europa do Leste ou da Ásia Menor, onde os conflitos locais poderiam ameaçar o fornecimento energético ao Ocidente.

Bósnia, Kosovo, Albânia Após 12 anos de “independência”, a Bósnia-Herzegovina continua um “protetorado” da OTAN, incapaz de ter uma administração própria, tanto que o primeiro-ministro da Eslovênia e presidente em exercício da União Européia, Janez Jansa, admitiu: “No Kosovo, o que se vai passar é claro, a questão é saber como chegar lá. Porém, é o futuro da Bósnia-Herzegovina que, hoje, representa uma ameaça “mais grave” para a estabilidade dos Bálcãs do que Kosovo, visto que não é possível ter um Estado que não consegue administrar-se a si mesmo e necessita, ainda, de governadores internacionais”. De fato, o governo da Bósnia é formado por representantes da Federação croatomuçulmana e da comunidade sévio-bosniaca (República Srpska). Porém, a verdadeira administração do país é exercida por Miroslav Lajcak, Alto Representante da Comunidade Internacional na Bósnia, que coordena as ativida-

des das missões da União Européia, os projetos de financiamentos vindos da Europa (oficiais ou através de ONGs), enquanto 26 mil soldados da OTAN garantem a aparente convivência entre as duas comunidades.

Países centrais da União Européia pretendem oferecer à Sérvia uma admissão “mais rápida” no bloco, recebendo em troca uma declaração de renúncia da soberania sérvia no Kosovo Em Kosovo, a OTAN mantém, ainda, outra força de ocupação, chamada KFOR, com 16.500 soldados, e nunca desarmou as milícias do ELK (albanês-islâmicos). Dessa forma, no interior da província, é praticado um silencioso terror étnico contra os sérvioskosovares (de religião ortodoxa), que provocou a fuga de quase 600 mil destes em direção à Sérvia, sem receberem nenhuma compensação da UE, enquanto foram destinados 5 bilhões de dólares aos 900 mil refugiados kosovares, no ano 2.000. Hoje, os

europeus contribuem com 1,5 bilhão de dólares para a “estabilidade de Kosovo”. Uma doação que justifica a extrema simpatia dos islâmicoskosovares pelos Estados Unidos e União Européia. A verdade é que, com o governo do narcotraficante Hashim Thaqi, o Kosovo se transformou em um grande quartel, com a função de controlar os países dos Bálcãs. Aliás, é nessa lógica que, nos arredores da capital, Prístina, foi construída uma grande base aérea que, “após a independência”, será administrada unicamente pelos homens da Força Aérea dos Estados Unidos e ampliada para poder receber os caças-bombardeiros com ogivas nucleares, bem como os “aviõesfantasma” que realizam operações de espionagem no Leste europeu. Do ponto de vista econômico, Kosovo sobrevive, apenas, com a ajuda financeira da União Européia e das despesas da OTAN para a manutenção dos corpos expedicionários. Por isso, as diferentes máfias (albanesa, macedônias, búlgara, romena italiana e turca) instalaram no território de Kosovo sofisticados laboratórios para a fabricação de heroína e de outras drogas químicas. A Albânia, por exemplo, pode ser considerada a Colômbia da Europa. Suas características são: a exportação de gangues criminosas Sonja Crvenkovic

Fumaça de bombardeio em 1999

especializadas na venda de qualquer tipo de entorpecente – do haxixe à cocaína, da heroína ao êxtase – na prostituição, no contrabando de cigarros e produtos industriais e, até, no comércio de órgãos humanos.

Geo-estratégia dos EUA Os Estados Unidos utilizaram a Guerra Fria para impor aos países europeus um grau de “colaboração estratégico-militar” que, em muitos casos, criou complexos modelos institucionais para garantir o controle preventivo dos países da OTAN. Porém, com a dissolução da URSS em 1989 e a conseqüente desarticulação do Pacto de Varsóvia, a OTAN, no lugar de encolher, se expandiu em função da “Doutrina Powell”(2), segundo a qual “a intervenção estadunidense deve ser uma espécie de antídoto contra os conflitos locais, que, por efeitos conjunturais ou circunstâncias locais diferenciados podem se multiplicar e ampliar o campo operativo em uma dimensão regional e atentar até contra a segurança mundial”. Por isso tudo, a permanência militar em Kosovo com aviões, bases logísticas e milhares de soldados estadunidenses e dos países europeus da OTAN exige a criação de um estado-fantoche e um presidente narcotraficante como Hashim Thaqi. Os líderes políticos de GrãBretanha, Alemanha, França e Itália – sejam eles de direita ou de centro-esquerda – sabem que, ao contrariar o projeto estratégico dos Estados Unidos nos Bálcãs, correriam o risco de serem excluídos da gestão do poder. É oportuno lembrar que, em 1999, a secretaria de Estado do governo Clinton, Madeleine Albright, realizou negociações secretas com o primeiro-ministro italiano, o ex-comunista Massimo D’Alema, para manter a Itália alinhada aos EUA no processo de desestabilização da Iugoslávia e, sobretudo, para participar na guerra de Kosovo. Em resposta, Massimo D’Alema demonstrou ser tão “atlantista” como o trabalhista Tony Blair e o social-democrata Schoreder que, juntos, fizeram de tudo para demonstrar a Clinton – e hoje a Bush – serem mais belicosos que os próprios conservadores. De fato, o historiador Eric Hobsbawm questiona a atitude do governo D’Alema sublinhando: “Se a Itália tivesse ousado recusar ser transformada em um porta-aviões da OTAN, certamente a guerra teria tomado outros rumos, mas o primeiro ministro “progressista” certamente seria outro”. Com a chancela dos ministros “social-neoliberais de centro-esquerda”, os conflitos locais que explodiram nos Bálcãs, no Iraque, na África e na Ásia Menor foram denominados “guerras humanitárias necessárias”, que as televisões e jornais de Berlusconi, Murdoch, Fox, CNN e Globo apresentavam como “conflitos pela reconquista da democracia e a implementação

dos direitos humanos”. Nesse contexto, somente a esquerda mais esclarecida e fiel a suas origens rejeitou a mistificação das “guerras humanitárias”, que enriquecem a indústria militar e os bancos. O resto, inclusive os progressistas dos governos de centroesquerda, apoiou cegamente a lógica da Casa Branca. Para os analistas, a proclamação unilateral de Kosovo abre um perigoso precedente, visto que no Leste europeu há dezenas de minorias que podem ser manipuladas para fragmentar ainda mais a Rússia de Putin. Também na região do Mar Cáspio, as comunidades étnicas das novas repúblicas islâmicas, ricas em gás e petróleo, podem ser facilmente manipuladas. Mas o mais complicado será convencer os partidos nacionalistas de Euskadi (País Basco), Ilhas Canárias, Escócia, Córsega, República Árabe Saharaui Democrática (RASD), Irlanda do Norte, e Flamingos (Bélgica) de que somente o Kosovo tem direito a uma legislação especial e uma independência financiada diretamente pela União Européia. Diante disso, em Roma, Luciano Pettinari, líder da Sinistra Democrática alertava o primeiro-ministro Prodi: “Não queremos que a Itália entre em outro confuso projeto militar. Esperamos que o governo não esqueça a experiência da dita missão civil e de polícia, que, para a Itália foi e é uma dura lição”. Será que Prodi e D’Alema vão dizer não a Condoleezza Rice depois que o presidente Napolitano confirmou com Bush a plena integração da Itália, na geo-estratégia da OTAN? Enfim, sonhar é bom e não custa nada.

Notas (1) Em 1985, o grupo de Hashim Thaqi realizou vários atentados terroristas na província iugoslava de Kosovo. Isso chamou a atenção da CIA e do M15, que estavam monitorando os grupos anticomunistas croatas e eslovenos. Logo, a Freedom House apontou Hashim Thaqi como o líder do Exército de Libertação do Kosovo (ELK), cuja principal atividade é provocar o Exército iugoslavo com chacinas de cidadãos sérvios, que a imprensa ocidental silencia. Após a ocupação de Kosovo por parte da OTAN, os homens do ELK tornaram-se narcotraficantes, passando a gerenciar redes de tráfico que levam heroína do Afeganistão e da Turquia para a Europa. (2) Colin Powell, general e Chefe de Estado Major do Exército dos EUA formulou novos conceitos estratégicos pelos quais os EUA devem utilizar a “força máxima” para enfrentar um conflito cujo desempenho ofensivo não admite interrupções ou indecisões sobre a forma de conclui-lo. Achille Lollo é jornalista italiano, editor da TV Adia e autor dos DVDs: RCTV, fim de um império midiático e Por que o MST é contrário aos Transgênicos e ao Biodiesel.


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internacional worldsecirityinstitute.org

Desestabilização impulsionada por Washington PAQUISTÃO De acordo com economista, governo dos EUA usa o caos político para aumentar sua influência na província petrolífera do Baluquistão, que abriga 76% da produção de gás do país João Alexandre Peschanski de São Paulo (SP) “NÃO SE pode falar em crise paquistanesa, pois sugeriria um estado passageiro e contornável. O que está havendo é uma desestabilização política de grandes proporções. Para uma análise correta da situação, o conceito mais apropriado é caos.” Nesses termos, o economista estadunidense Frederick Engdal, especialista em geopolítica do Oriente Médio e autor de Um século de guerra: a política do petróleo anglo-estadunidense e a nova ordem mundial (não publicado em português), inicia a entrevista concedida por correio eletrônico ao Brasil de Fato. Segundo ele, o caos do Paquistão, país de 164,7 milhões de habitantes, tem diversas facetas, “mas apenas um grande beneficiado: Washington”. A primeira característica do cenário político paquistanês é o progressivo descrédito do governo do general Pervez Musharraf. Ele assumiu o comando do Executivo em 1999, após um golpe de Estado apoiado pelo governo estadunidense. Dois anos depois, foi proclamado presidente do Paquistão, cargo que ocupa desde então. Seu regime, centralizador, é marcado por grande volume de investimentos militares – em 2006, 3,2% do Produto Interno Bruto (PIB), estimado em 437,5 bilhões de dólares (no mesmo ano, o Brasil gastou 2,6%) – e crise social. Em novembro de 2007,

Musharraf decretou estado de exceção, anulando direitos constitucionais, o que motivou violentos protestos em diferentes partes do país, especialmente na capital Islamabad.

“A fragmentação territorial faz parte da estratégia estadunidense para o país. O objetivo é aproveitar a crise e fraturar a nação-Estado paquistanesa, assim como as do Iraque e Afeganistão”, diz o economista estadunidense Frederick Engdal O escritor paquistanês Tariq Ali, reconhecido intelectual da luta contra o imperialismo, no artigo A tenebrosa noite está longe de acabar, publicado 31 de dezembro de 2007, descreve a situação política do país: “O Paquistão é um Estado disfuncional. A responsabilidade por isso é a dominação do país pelo Exército, que impede a estabilidade política e a emergência de instituições estáveis”. De acordo com Engdal, o governo estadunidense corrompe integrantes do alto escalão militar paquistanês para impor políticas que o benefi-

ciem. “Os golpes militares e as ondas de repressão no país estão sempre sincronizadas com a adoção de orientações econômicas a favor dos Estados Unidos. O primeiro-ministro que ocupou o cargo até novembro do ano passado, Shaukat Aziz, foi indicado por Washington”, afirma. Aziz foi alto funcionário da transnacional estadunidense Citybank entre 1969 e 1999.

Fragmentação Engdal considera que o descrédito de Musharraf alimenta a força de lideranças tribais que reivindicam a autonomia da maior província do país, o Baluquistão, localizada no sudoeste do Paquistão. “A fragmentação territorial faz parte da estratégia estadunidense para o país. O objetivo é aproveitar a crise e fraturar a nação-Estado paquistanesa, assim como as do Iraque e Afeganistão”, diz. O Baluquistão tem 347 mil quilômetros quadrados – 42% do total do Paquistão – e, de acordo com informações do jornal paquistanês Dawn, possui 76% da produção de gás do país, estimada em 30 bilhões de metros cúbicos por ano, o que representa mais do que a soma do recurso produzido na Bolívia e no Brasil. Na província estão localizadas as principais reservas de petróleo do país, cujo total estimado pelo mesmo é de 360 milhões de barris anuais. Pela região. ainda passam alguns dos principais oleodutos do país, cujo destino é o porto de Gwadar, no mar da Arábia.

O presidente Pervez Musharraf: crise paquistanesa interessa aos EUA

De acordo com Engdal, a estratégia estadunidense é complexa em relação ao Baluquistão. Em 2001, Musharraf se alinhou a Washington na Guerra ao Terror, doutrina criada por Bush para intensificar o intervencionismo estadunidense no Oriente Médio, e, entre outras medidas, concentrou a maior parte do Exército no norte do país, na fronteira com o Afeganistão, país ocupado pelos Estados Unidos em ou-

tubro desse mesmo ano. As forças armadas paquistanesas somam 619 mil pessoas na ativa e 528 mil na reserva, fazendo do país – que possui armas nucleares – a 7ª potência militar do mundo. Preso a acordos militares com os Estados Unidos, que articulam a modernização das armas paquistanesas, como a aquisição de caças F-16, o governo não tem força suficiente para conter a crescente onda sepa-

ratista do Baluquistão. Lideranças tribais da província são financiadas pelo governo inglês, de acordo com Engdal. Para o economista, o fomento das divisões políticas, que pode levar à fratura territorial do Paquistão, “faz parte de uma estratégia de Washington para aumentar sua influência no Oriente Médio, mais fácil de ser aceita em governos fracos e corruptos, com características de protetorado”.

áfrica

No Quênia, conflitos também na posse do novo Parlamento Mechathomas

Mesmo sem possuir maioria absoluta, partido do opositor Raila Odinga consegue eleger presidente do Parlamento por 4 votos de diferença da Redação Em meio a assassinatos diários que indicam o início de um genocídio no país, parlamentares do Quênia tomaram posse no dia 15 para uma nova legislatura. Após três votações apertadas, o candidato do Movimento Democrático Laranja (ODM, em inglês), de Raila Odinga, venceu o candidato do Partido de União Nacional (PNU, em inglês), do presidente reeleito Mwai Kibaki, por 4 votos de diferença. A oposição, que não possui maioria absoluta no Parlamento – apesar de ter obtido mais do que o dobro de cadeiras de seu principal oponente – temia que a escolha para ocupar o terceiro cargo mais poderoso do país também fosse fraudada, assim como foram as eleições presidenciais de 27 de dezembro. O ODM obteve 99 deputados contra 43 do PNU, mas o partido governista possui a maioria dos 222 assentos devido a alianças com outros partidos. Após três rodadas apertadas de votação, Kenneth Marende, da ODM, atingiu 105 votos contra 101 de Francis ole Kaparo, do PNU.

De início, a oposição exigia que o voto, tradicionalmente secreto, fosse aberto. Por fim, os deputados aceitaram depositar os seus votos secretos dentro de uma urna transparente no centro do auditório. Essa foi a primeira ocasião que Kibaki e Odinga se encontraram no mesmo recinto desde o início da onda de assassinatos motivados pela etnia das vítimas.

Distúrbios A polícia queniana informou que já foram oficialmente registradas 693 mortes em conseqüência dos conflitos desencadeados por irregularidades apontadas por observadores nas eleições presidenciais de 27 de dezembro – quando o atual presidente, Mwai Kibaki, foi reeleito. Raila Odinga, o candidato derrotado, sustenta que o número de assassinatos já ultrapassou os mil. A violência expõe as divisões tribais dentro do Quênia, principalmente entre os luo – etnia a qual pertence Odinga – e os kikuyu, da mesma etnia de Kibaki, que representam apenas 22% da população e controlam o país desde a sua independência, em 1963. Num dos episódios, 50

Quenianos trabalham em mesa de apuração durante as eleições presidenciais

pessoas que pertenciam à etnia kikuyu, que se escondiam em uma igreja da Assembléia de Deus, perto da cidade de Eldoret, foram queimadas vivas por um grupo pertencente à etnia luo. Cerca de 255 mil pessoas foram expulsas de suas residências, e mais de mil foram presas em decorrência da violência pós-eleitoral, de acordo com a polícia.

A Comissão Eleitoral anunciou que Mwai Kibaki, do Partido da Unidade Nacional, conquistou 4 milhões, 584 mil e 721 votos, enquanto Raila Odinga ficou com 4 milhões, 352 mil e 993 votos. Uma diferença apertada de cerca de 200 mil votos. A Ordem dos Advogados local pediu que Kibaki renuncie e convoque novas eleições. O representante da promotoria

geral, Amos Wako, afirmou que é necessária a recontagem dos votos, e que isso precisa ser feito imediamente, ante as dúvidas sobre a reeleição de Kibaki, que, por sua vez, acusa Odinga de acirrar propositalmente a situação e perpetuar a turbulência.

Negociação Analistas internacionais afirmam que, desde o dia

30 de dezembro, o país passa pela pior crise desde que o Quênia deixou de ser colônia inglesa. Odinga anunciou o cancelamento dos protestos contra o governo enquanto ocorrer um “processo de mediação” na crise política do país. “Recebemos garantias de que o processo de mediação está a ponto de começar”, disse o candidato derrotado do Movimento Democrático Laranja a jornalistas depois de uma reunião com a diplomata estadunidense Jendayi Frazer. Segundo ele, a mediação internacional pode contribuir para solucionar a crise. O arcebispo sul-africano, Desmond Tutu, prêmio Nobel da Paz, visitou o Quênia para auxiliar o diálogo entre as partes. O presidente de Gana, John Kufuor, que também encabeça a União Africana, também esteve no país para tentar mediar a crise, mas não obteve sucesso. A União Européia e a GrãBretanha criticaram o processo eleitoral. Os Estados Unidos, que já receberam algumas vezes ajuda do governo queniano em sua luta contra extremistas islâmicos na vizinha Somália, fizeram críticas menos veementes. Para constar: Odinga é filho de um político socialista que estudou na então Alemanha Oriental e tem um filho chamado Fidel Castro Odinga. (Com agências internacionais)


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