Circulação Nacional
Uma visão popular do Brasil e do mundo
Ano 6 • Número 267
São Paulo, de 10 a 16 de abril de 2008
www.brasildefato.com.br
OFENSIVA DO AGRONEGÓCIO NA AMAZÔNIA
Fotos: Leonardo F. Freitas/CC
Alianças entre partidos expõem a divisão da esquerda nas eleições As principais forças eleitorais da esquerda brasileira sinalizam que as eleições municipais de outubro terão o cenário de maior fragmentação desse campo desde a redemocratização do país. O PT deve priorizar a aliança com o PMDB, principal aliado do segundo mandato do presidente Lula. Seus aliados históricos, o PCdoB e o PSB,
R$ 2,00
devem compor uma aliança com o PDT e outras legendas, sem romper com o governo federal. Já os partidos que apoiaram Heloísa Helena em 2006 – Psol, PSTU e PCB – irão manter a aliança, mas sem a mesma coesão, já que o PSTU não deve participar das chapas que abranjam o PV e o PDT. Pág. 5
Depois do gado de corte, da madeira e da soja, o gado leiteiro A Amazônia está no plano de empresas alimentícias que querem torná-la a maior bacia leiteira do mundo. Alí seria possível vender o litro de leite a R$ 0,11 – condições de produção que não existem em nenhum outro lugar. É o que revela, entre outras denúncias, o ativista e pesquisador do Greenpeace Sérgio Leitão, crítico também à publicação da medida provisória 422 pelo governo Lula, que legaliza a grilagem de terras públicas na região. Pág. 8
Ruralistas do RS querem diminuir faixa de fronteira Para facilitar a exploração de empresas estrangeiras nas zonas de fronteira gaúchas, prefeitos, empresas e parlamentares pressionam a União por mudanças na legislação que beneficiem papeleiras, como a sueco-finlandesa Stora Enso, transnacional já acusada de
APC/CC
adquirir 45 mil hectares na fronteira do Brasil com o Uruguai por meio de uma empresa “laranja”. Segundo sindicato rural, essas empresas, além de gerar uma pequena quantidade de empregos, contribuem para o êxodo rural e a devastação ambiental. Pág. 7 Cristiano Machado/Folha Imagem
Lugo promete “mudar a história do Paraguai” Em entrevista, o candidato à Presidência do Paraguai, Fernando Lugo, favorito nas pesquisas, afirma que quer levar o país a reocupar o seu lugar na história. Encabeçando a Aliança Patriótica para a Mudança, frente de nove partidos, ele garante que os movimentos sociais estão na dianteira de seu projeto. O presidenciável promete que o objetivo de seu governo será “mudar a história do país” e romper com a hegemonia do Partido Colorado. Lugo também exigirá uma renegociação dos tratados das usinas de Yacyretá, com a Argentina, e de Itaipu, com o Brasil. Pág. 9
Milícia privada mata mais um sem-terra no PR Mesmo com as inúmeras denúncias de ações de milícias no Paraná, mais um sem-terra foi assassinado por pistoleiros no Estado. No dia 30 de março, o membro da direção estadual do MST Eli Dallemole foi assassinado dentro de sua casa, em Ortigueira (PR). O dirigente foi o segundo sem-terra morto por milícias no Paraná em menos de seis meses. Em outubro, Valmir Mota de Oliveira (Keno) foi assassinado por pistoleiros contratados pela transnacional suíça Syngenta Seeds. Pág. 4
Revista IstoÉ manipula foto para proteger tucano Serra. Pág. 5
O candidato à presidência do Paraguai, Fernando Lugo, cumprimenta o público em comício
“Bogotazo” completa 60 anos Manifestações que tomaram conta das ruas da capital da Colômbia, Bogotá, em 9 de abril de 1948 – após o
assassinato de Jorge Eliécer Gaitán, principal líder da oposição da época – marcam o início da convulsão
que vigora até hoje no país e o surgimento das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Pág. 10 Divulgação
CULTURA 9 771678 513307
00267
Rock boliviano do Atajo foca temas sociais do país. Pág. 12
Comissão de Anistia reduz indenização de ex-militante A Comissão de Anistia acatou a determinação do TCU de reduzir a reparação de Maria Augusta Carneiro Ribeiro, que lutou contra a ditadura militar. A prestação mensal recebida pela ex-militante foi reduzida de R$ 8,4 mil para R$ 3,6 mil.
De acordo com Rafael Martinelli, do Fórum de ex-Presos Políticos, a discussão em torno do valor das indenizações “transforma uma questão que é política em econômica. A reparação é um direito, e não um privilégio”. Pág. 3
2
de 10 a 16 de abril de 2008
editorial EM 11 DE abril de 2002, a oligarquia petroleira venezuelana, remunerada e orientada pela Casa Branca, organizava um golpe de Estado contra o presidente Hugo Chávez, eleito democraticamente em 1999 com 63% dos votos dos venezuelanos. Os meios de comunicação divulgaram a mentira de que o presidente havia renunciado, quando, na verdade, ele tinha sido seqüestrado, preso e estava incomunicável numa guarnição militar dos golpistas. A inteligência de um cabo do Exército venezuelano, que, duvidando, como a maioria do povo, da versão uníssona de todos os meios de comunicação venezuelanos a trombetear “o presidente renunciou”, transforma-se num gesto decisivo para mudar os rumos da história contemporânea da Venezuela e da América Latina. Esse anônimo soldado entra no recinto onde Hugo Chávez estava preso para servir-lhe a refeição e, aproveitando o fato de estarem a sós, pergunta-lhe se de fato havia renunciado. Surpreendido, o presidente, que estava incomunicável e portanto, não sabia da campanha midiática anunciando sua renúncia, reage negativamente. O soldado pede então a Chávez que escreva uma declaração negando a renúncia, documento que a inteligência popular do soldado, homem do povo, carrega para fora do quar-
debate
A seis anos do golpe midiático derrotado, América Latina avança tel e conduz para a História. Num telefonema à TV Cubana, a filha de Chávez informa que seu pai estava preso e que não havia renunciado, dando publicidade mundial ao documento e ao golpe. A faísca rebelde estava acesa: as massas em movimento, os meios de comunicação comunitários da Venezuela convocavam o povo, exigindo a presença de seu presidente eleito e a reação constitucional dos militares progressistas configuram uma situação revolucionária insustentável para os golpistas. Chávez volta ao poder, e todas as demais tentativas de desestabilização de seu governo têm resultado em fracasso. Anos mais tarde, Chávez teria declarado que o golpe de abril de 2002 também visava impedir a vitória já desenhada de Lula, o que se confirmou em outubro daquele mesmo ano. Claro, no cálculo da política externa dos Estados Unidos, uma vitória de Lula não apenas reforçaria a posição de Chávez, como abriria caminho para novos governos populares na região, além de criar as condições políticas para que propostas
prioritárias para os estadunidenses, como a da Alca, fossem derrotadas, como de fato aconteceu, e com a participação decisiva da política externa brasileira. A eleição de Néstor Kirchner, de Evo Morales, de Rafael Correa, de Tabaré Vasquez, de Daniel Ortega, a quase vitória de Humalla Humanta, no Peru, simbolizam estes novos ventos democráticos e antiimperialistas que sopram pela América Latina. Certamente, há um enorme estoque de demandas populares descumpridas, mas não se pode negar que uma parte destas reivindicações estão sendo atendidas com diferentes alcances por estes governos. O Brasil foi decisivo para barrar a Alca. A nacionalização crescente dos recursos minerais é uma realidade tanto na Venezuela (que acaba de nacionalizar também a indústria do cimento para atender a carência de moradias populares), como na Bolívia, no Equador, na Argentina, embora mais timidamente. Programas sociais estão sendo implementados nestes países e já há conquistas a mostrar: a Ve-
nezuela erradicou o analfabetismo e cumpriu uma das Oito Metas do Milênio, a de garantir a oferta de água potável ao seu povo. A mortalidade infantil foi reduzida fortemente, a assistência médica pública e gratuita se universalizou, o salário mínimo da Venezuela é o mais alto da América Latina. Nada disso teria sido alcançado caso aquele golpe de 11 de abril não fosse derrotado, 47 horas depois, pelo levante popular de 13 de abril. A Bolívia, apesar das ações desestabilizadoras contra Evo Morales, implementa uma Renda de Cidadania para todos os anciãos, inicia uma reforma agrária, constrói uma TV pública, e vai construindo um serviço público de saúde e de educação, com o apoio decisivo de Cuba e da Venezuela. As políticas de Brasil e Argentina para a Bolívia são, em grande medida, instrumentos de estabilização do governo Evo Morales, tal como o forte apoio financeiro e energético da Venezuela à Nicarágua também representa um esteio para que o governo de Daniel Ortega possa vencer o “entulho neo-
manifesto
Rudá Ricci
O desafio de construção de um outro conceito educacional no campo
Solidariedade à Venezuela Gama
EM LIVRO famoso organizado por Carlos Rodrigues Brandão, publicado em 1982, cujo título é A questão política da educação popular, Ciço, um agricultor familiar residente no sul de Minas Gerais, responde o que para ele é educação. A resposta é uma aula e vale a pena reproduzir um trecho: Porque é assim desse jeito que eu queria explicar pro senhor. Tem uma educação que vira o destino do homem, não vira? Ele entra ali com um destino e sai com outro. Como é que um menino como eu fui mudá num doutor, num professor, num sujeito de muita valia? Agora, se eu quero lembrar da minha: “enxada”. Se eu quero lembrar: “trabalho”. Deu pra saber escrever um nome, pra ler uma letrinha, outra. Foi só. O senhor sabe? Muito companheiro meu na roça, na cidade mesmo, não teve nem isso. Mão que foi feita pro cabo da enxada acha a caneta muito pesada e quem não teve prazo dum estudozinho regular quando era menino, de velho é que não aprende mais, aprende? Porque eu vou dizer uma coisa pro senhor: pra quem é como esse povo de roça o estudo de escola é de pouca valia, porque o estudo é pouco e não serve pra fazer da gente um melhor. Os dados oficiais são surpreendentes: temos, hoje, 100 mil escolas rurais, 6 milhões de alunos e 290 mil professores. Contudo, os dados oficiais revelam que apenas 21% das crianças que vivem no campo terminam o ensino fundamental, e apenas 10% terminam o ensino médio. Estudos recentes revelam que o mais comum é o jovem, após a 4ª série, procurar emprego em atividades que exigem pouca qualificação. Em Nova Pádua (RS), de 56 filhos de agricultores pesquisados, 83% informaram que não gostariam de permanecer na atividade agrícola. A educação formal para o meio rural passa a ser, pouco a pouco, compreendida em sua dimensão política. É desta forma que lideranças rurais passam a incorporar propostas educacionais no seu discurso político. Uma dessas propostas é a Pedagogia da Alternância, baseadas nas Maisons Familiales Rurales (MFRs), que surgiram em 1937, na França. As MFRs funcionavam como internatos, alternando o tempo de convívio do aluno na escola com o tempo de convívio com seus pais. Daí a origem da alternância. No Brasil, a experiência foi introduzida em 1968 e proliferou nos anos de 1980. Priorizam a experiência sócio-profissional. Valoriza-se o cotidiano. Na prática, o projeto educativo ocorre em três momentos, envolvendo a casa do aluno, a escola e o meio socioprofissional. Se a casa é o local da observação, a escola é o local da socialização das experiências, da comparação, da análise. No meio profissional são aplicados os conhecimentos, e surgem novos temas de pesquisa. As Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) utilizam planos de estudo (elaborados em conjunto), cadernos de realidade (cadernetas de campo), visitas de estudo, visitas às famílias e empreendimentos profissionais e projeto profissional do jovem. Algumas experiências brasileiras já possuem planos de formação estruturados.
liberal” herdado do governo passado e recuperar alguma sintonia com a Revolução Sandinista, inapagável da memória do povo de Sandino. O mapa político da América Latina mudou, pendendo progressivamente para a esquerda, mas não impunemente. É claro que o bombardeio da Colômbia contra o Equador sinaliza que o imperialismo estadunidense passará para um novo patamar de agressividade, como já se denunciou no Encontro Latinoamericano contra o Terrorismo Midiático, realizado em Caracas no final de março. A mídia do capital deixa transpirar novas tentativas de enfrentar as propostas direcionadas à unidade sul-americana. Não por acaso, a reunião da União das Nações Sul-americanas (Unasur), marcada para definir sua própria constituição e tendo na pauta a criação de um Conselho Sul-Americano de Defesa, proposta brasileira que não prevê participação dos EUA – embora solicitada –, foi adiada por prazo indeterminado após o ataque cirúrgico colombiano ao território equatoriano. A luta de classes tende a uma elevação, mas, como se revelou em abril de 2002 na Venezuela, também nos demais países, só a entrada em cena das grandes massas do povo pode assegurar e aprofundar a continuidade de uma agenda de transformações sociais.
Por ocasião do aniversário do golpe de Estado de 11 de abril de 2002, movimentos sociais brasileiros, intelectuais, políticos e artistas entregam documento na Embaixada da Venezuela Brasil, 11 de abril de 2008 Exmo. Sr. Hugo Chávez Presidente da República Bolivariana da Venezuela
Temos no Brasil inúmeras experiências bem sucedidas de educação do campo, que respeita a lógica e a identidade cultural rural. Contudo, o Estado não as incorpora como política nacional. E assim, nossas crianças e jovens amargam viver num mundo cuja educação formal é sempre a do outro Já o projeto pedagógico do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) soma vários autores do campo educacional (Paulo Freire, Piaget e Makarenko) e do campo das lutas nacionalistas e de esquerda na América Latina (Jose Martí e Che Guevara). Um dos autores mais citados é Paulo Freire. As palavras geradoras, que em Freire significam palavras que possuem forte significado para aqueles que estão estudando, transformam-se, no MST, em complexos temáticos, ou seja, um conjunto temas vinculados à luta pela terra. O processo educacional é entendido como base de organização do movimento socialista e também valorização dos conhecimentos vinculados à vida no campo e formação técnica que possibilite aumento de produção e agroindustrialização. No MST, a criança deve, desde cedo, se envolver com um trabalho produtivo e com política na sua proposta curricular. Por este motivo, o conteúdo educacional possui correspondência com escolas regulares ou de formação técnica e incorpora inovações como discussões diárias, de 45 minutos, sobre acontecimentos do cotidiano. Nos documentos do movimento, os objetivos formativos são claros: formar pessoas que sejam sujeitos, com capacidade e consciência organizativa, capazes de construir uma nova forma de conviver, de trabalhar, de festejar as pequenas e grandes vitórias dos trabalhadores, devendo estimular a livre expressão de idéias e sentimentos, com firmeza na luta em defesa dos trabalhadores e ternura no relacionamento com as outras pessoas. A escola não é apenas lugar de estudo, mas lugar de trabalho. O Conselho Nacional de Educação aprovou, em dezembro de 2001, as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas
Escolas do Campo. Tais Diretrizes constituem-se numa referência oficial para elaboração das estratégias educacionais rurais do país. O parecer do Conselho Nacional de Educação define as seguintes diretrizes: a) a identidade da escola do campo deve ser definida pela sua vinculação às questões à sua realidade, aos saberes dos estudantes, na memória coletiva, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais (parágrafo único do Artigo 2o das Diretrizes); b) o Poder Público deve garantir a universalização do acesso da população do campo à Educação Básica e à Educação Profissionalizante de Nível Técnico (Artigo 3o); c) o currículo deve propiciar investigação direcionada para o mundo do trabalho e o desenvolvimento social economicamente justo e ecologicamente sustentável (Artigo 4o); d) as propostas pedagógicas devem contemplar a diversidade rural, cultural, social, política, econômica, de gênero, geração e etnia (Artigo 5o); e) o calendário escolar pode ser flexibilizado; f) a gestão escolar deve ser democrática, constituindo mecanismos que possibilitem estabelecer relações entre escola, comunidade local, movimentos sociais e órgãos governamentais (Artigo 10). O fato é que as escolas rurais estão sendo desativadas ou nucleadas na zona urbana dos municípios. Levantamento recente realizado pelo Observatório da Equidade, vinculado ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social criado pelo governo federal, indica a defasagem profunda entre a realidade educacional urbana e rural do país. Por exemplo: a média de anos de estudo da população com mais de 15 anos de idade no mundo rural é de 4,3 anos. No mundo urbano, é de 7,6 anos. A taxa de freqüência à creche (até 3 anos) é de 6,6% no mundo rural e 17,6% no mundo urbano. A taxa de freqüência na pré-escola (4 a 5 anos) é de 50% no campo e 72% na cidade. E a taxa de analfabetismo é de 24% no campo (acima de 15 anos) e 7,8% na cidade. Enfim, temos no Brasil inúmeras experiências bem sucedidas de educação no campo, que respeitam a lógica e a identidade cultural rural. Contudo, o Estado não as incorpora como política nacional. E assim nossas crianças e jovens amargam viver num mundo cuja educação formal é sempre a do outro. Assim como nos ensinou Ciço. Rudá Ricci é sociólogo e doutor em Ciências Sociais, membro da executiva nacional do Fórum Brasil do Orçamento e do Observatório Internacional da Democracia
Nós, abaixo assinados, cidadãos brasileiros e latinoamericanos, estamos acompanhando com particular interesse o processo de mudanças que vem se desenrolando na América Latina, e em particular na Venezuela. Vimos com atenção as consultas populares realizadas, os plebiscitos e o grau de participação política do povo da Venezuela. Acompanhamos atentamente os esforços de seu governo e de todas as forças populares para a construção de uma economia mais solidária, com maior distribuição de renda, e que garanta trabalho, terra, moradia, educação e saúde para todo povo. Cumprimentamos seus esforços pessoais, e do processo bolivariano, para construirmos uma maior integração econômica, política e cultural no nosso continente, que esteja de fato subordinada aos interesses do povo. Vimos com carinho os esforços para eliminar o analfabetismo, as enfermidades crônicas, a criação do Banco do Sul, a Escola Latino-americana de Medicina (Elam), o Instituto Latino-americano de Agroecologia Paulo Freire (Iala), e inúmeros esforços que representam a ALBA na prática. Sabemos que os poderosos do império estadunidense – governo Bush e empresas transnacionais – e seus aliados, os grandes capitalistas e oligarquias de nossos países, veêm com preocupação essas mudanças, que representam perda de seus privilégios e o fim da exploração, subordinação e da dependência. Eles não têm escrúpulos em adotar todas as armas a seu alcance. Quantos assassinatos de presidentes latinos legitimimamente eleitos foram cometidos com assessoria da CIA? Quantas tentativas de assassinato continuam, até hoje, de outros dirigentes? Quantos golpes de Estado? Inclusive o realizado em abril de 2002, contra seu governo? Quantas fraudes eleitorais realizadas, como no México recentemente? Quantas intervenções militares, como as tropas estrangeiras que ainda ocupam território do Haiti? Vimos a denúncia recente do Fórum Internacional de Jornalistas sobre um verdadeiro terrorismo midiático, que eles nos impõe com seu monopólio das comunicações, contra todos os que ousam lutar. Sejam governos, pessoas ou movimentos sociais! Sequestraram a verdade e os fatos. Vimos como ousaram inclusive criar conflitos armados entre países, para congestionar a cena política e vender mais armas, como tentaram no conflito da Colômbia e Equador. E boicotando todo o tempo um necessário processo de paz na Colômbia. Diante de tudo isso, queremos manifestar nossa indignação e também enviar nossa solidariedade e um fraternal abraço, para lhe dizer que estamos pelas mudanças sociais. Estamos com o processo bolivariano. Estamos pela construção da ALBA como forma de integração de nossos povos. E esperamos também que o Congresso brasileiro aprove imediatamente o ingresso da Venezuela no Mercosul, e que se implemente todo tipo de integração latino-americana entre nossos povos, nossos governos, nossas culturas e nossos países. (veja a lista dos signatários na Agência Brasil de Fato – www.brasildefato.com.br)
Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Jorge Pereira Filho, Marcelo Netto Rodrigues, Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Igor Ojeda, Mayrá Lima, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, Tatiana Merlino • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Antonio David, César Sanson, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, João Pedro Baresi, Kenarik Boujikian Felippe, Leandro Spezia, Luiz Antonio Magalhães, Luiz Bassegio, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Milton Viário, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Temístocles Marcelos, Valério Arcary, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131- 0812/ 2131-0808 ou assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar: (11) 2131-0815
de 10 a 16 de abril de 2008
3
brasil
Comissão de Anistia aprova redução da indenização de uma ex-militante DITADURA Por determinação do TCU, Comissão revê valor de reparação; entidades falam em agressão a direitos adquiridos Reprodução
Tatiana Merlino da Redação MILITANTE DA Ação Libertadora Nacional (ALN) durante o regime civil militar, Maria Augusta Carneiro Ribeiro foi presa, torturada e expulsa do país com 14 companheiros, em 1969, após ser solta em troca da libertação do embaixador estadunidense Charles Elbrick, seqüestrado pela organização na qual militava. Ela era a única mulher do grupo. Em 2002, Maria Augusta entrou com um pedido de reparação econômica à Comissão da Anistia por ter sido perseguida em seu trabalho – a joalheria H. Stern – e foi contemplada com uma reparação mensal de R$ 8,4 mil, o equivalente ao que, segundo a joalheria, “um bom profissional poderia receber”. No entanto, por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), em um novo julgamento realizado no dia 13 de março, a Comissão, por 10 votos a 4, reduziu para R$ 3,6 mil a prestação mensal paga à socióloga Maria Augusta, hoje ouvidora da Petrobras.
Prestação mensal A decisão irá influenciar no montante retroativo que Maria Augusta receberia, e cujo cálculo tem como base o valor da prestação mensal. Antes da revisão, a militante teria direito a R$ 1.640.410,00, mas, com o novo julgamento, o montante caiu para R$ 877.403,80. A comissão ainda acatou determinação do Tribunal de que ela devolva o excedente, de cerca de R$150 mil, que teria recebido a mais nesses dois anos, com o recálculo da indenização. A comissão decidiu, em vez de cobrar a restituição desse valor, descontar os R$150 mil dos R$ 877 mil de retroativo, parcela da indenização ainda não paga. Assim, esse valor será de R$627 mil. Ou seja: R$1 milhão a menos do valor aprovado no primeiro julgamento, em 2005. Tempo de cadeia Durante o julgamento do caso, Maria Augusta sinalizou que vai recorrer da decisão. “Vou recorrer de todas as formas possíveis, porque eu acho um escândalo o que está se fazendo aqui. É um escândalo, primeiro, que o TCU intervenha numa decisão da Comissão de Anistia, tratando de uma questão que não tem nada a ver com o erário público”, disse ela. A socióloga disse, ainda: “Passei 10 anos fora e agora, em 2008,
Foto dos 15 presos políticos trocados pelo embaixador Elbrick em 1969; em destaque, Maria Augusta Carneiro Ribeiro
estão re-julgando qual é o prejuízo que eu posso causar ao erário. Daqui a pouco vão querer que eu pague os dias que eu passei na cadeia”. A Associação Brasileira de Anistiados Políticos também protestou contra a medida. “Muito nos preocupou a decisão coletiva da Comissão de Anistia que, por maioria, acatou a imposição do TCU para reduzir o salário, absolutamente legal e com base na declaração da empresa, no processo de Maria Augusta Carneiro Ribeiro (Guta)”, disse em nota.
Fins políticos De acordo com o jurista Belisário dos Santos Júnior, ex Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, o questionamento do TCU não é improcedente, “pois ele tem como competência a fiscalização contábil, por ser um órgão de controle externo. Agora, se isso foi usado para fins políticos eu já não sei”, alerta. Apesar de não ver “nenhum ab-
surdo” na solicitação do TCU, o jurista afirma que a Comissão não era obrigada a seguir a determinação. Para a psicóloga Cecília Coimbra, do Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, toda reparação financeira deveria ser o final de um longo processo, que passa pelo esclarecimento das circunstâncias em que a pessoa foi presa e torturada. “No entanto, nada disso foi feito nesse país, e agora, com o questionamento do valor das reparações, a imprensa vem falando até em bolsa ditadura”, afirma. Cecília acredita que, pelo modo que a questão das indenizações vem sendo discutida na sociedade, “é como se as pessoas que lutaram contra a ditadura tivessem feito o que fizeram pensando em receber dinheiro. Essa é a imagem dos perseguidos políticos que está sendo reproduzida”. A psicóloga lamenta que “ainda não estamos nem no meio do caminho para resgatar a memória e punir os culpados do período ditatorial”.
ESCOLA DAS AMÉRICAS
Brasil ainda manda militares para a Escola de Ditadores Segundo especialistas, contingente é pequeno, mas doutrina estadunidense é ensinada para quem faz parte do intercâmbio
Saiba mais Criada pelo Ministério da Justiça, em agosto de 2001, a Comissão de Anistia é responsável por fazer a análise de pedidos de indenização formulados pelas pessoas que foram impedidas de exercer atividades econômicas e profissionais por motivação exclusivamente política entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. Vinculada diretamente ao gabinete do ministro Tarso Genro (Justiça), a comissão é composta por 15 conselheiros nomeados e presidida agora pelo professor universitário e doutorando da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Paulo Abrão Pires Júnior. A vice-presidência está a cargo de Sérgio Ribeiro Muylaert. A anistia está prevista no artigo 8º do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1988, o qual é regulamentado pela Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002. A reparação econômica, segundo a referida Lei, poderá ser concedida em prestação única correspondente a 30 salários mínimos por ano de perseguição política até o limite de R$ 100 mil, ou prestação mensal que corresponderá ao posto, cargo, graduação ou emprego que o anistiando ocuparia se na ativa estivesse, observado o limite do teto da remuneração do servidor público federal.
contra os militantes de esquerda no famigerado Estádio Nacional do Chile, quando Pinochet [Augusto Pinochet, ditador chileno que derrubou Salvador Allende] instaurou a ditadura militar naquele país, havia vários militares norteamericanos formados nesse Centro”, afirma.
Mayrá Lima de Brasília (DF)
Marcello Casal Jr/ABr
Perseguição De 1967 a 1968, a socióloga foi recepcionista bilíngüe da joalheira, no Rio de Janeiro (RJ). Como agentes da repressão visitavam a loja e a ameaçavam, a militante deixou o emprego e passou a viver clandestinamente. A recente decisão do TCU, acatada pela Comissão de Anistia, preocupa militantes da área de direitos humanos, que acreditam que ela fere direitos adquiridos, além de abrir um precedente para possíveis ingerência em decisões da Comissão num futuro próximo. Para Rafael Martinelli, ex-líder ferroviário e presidente do Fórum de ex-Presos Políticos, a “Comissão está agindo na contramão da Lei de Anistia e não deveria ter acatado à determinação. Temos que protestar contra isso”. Ele defende que Maria Augusta entre com um recurso contra a decisão: “é isso que nós do Fórum iremos sugerir”, afirma. Martinelli também critica a discussão em torno do valor das indenizações, porque “transformam uma questão que é política em econômica. Não aceitamos o que a Comissão está fazendo. A reparação é um direito, e não um privilégio”, protesta.
Depois que a revista IstoÉ (n° 2003, de 26 de março) denunciou que o governo brasileiro mantém, ao menos, 12 militares que fazem intercâmbio com o Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em Segurança (Whinsec, na sigla em inglês), a antiga School of the Americas (SOA, ou Escola das Américas), famosa por formar repressores que atuaram nas ditaduras militares da América Latina, a Câmara Federal resolveu apurar melhor a questão. O deputado Adão Pretto (PT/RS) encaminhou um pedido de informações ao Ministério da Defesa. O parlamentar gaúcho quer saber porque o Brasil ainda mantém relações com a Whinsec, através da oficina “Duque de Caxias”, mesmo com a pressão que vários ativistas em direitos humanos (principalmente as famílias que foram vítimas de militares formados na instituição) fazem para que a escola seja fechada diante do seu mal simbolismo. “Causa estranheza o fato de o Ministério da Defesa continuar enviando militares a uma instituição como aquela que, em seu passado, marca a formação de torturadores e repressores que atuaram aqui na América Latina e ainda continuam a usar uma linha intervencionista sobre outros países, não só latinos, mas também asiáticos”, afirma Pretto.
50 soldados De acordo com o professor do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade de Campinas (Unicamp), Geraldo Cavanhari, o Brasil foi o país que menos man-
Novo brasão da escola
dou contingentes militares para a SOA. Cavanhari disse acreditar, inclusive, que menos de 50 soldados tenham sido mandados para o intercâmbio na época da ditadura militar brasileira. “Foram mais colombianos, argentinos, paraguaios... Lá eles faziam uma formação completa. No nosso caso, era mais a questão da inteligência e o combate contra o terrorismo”, diz. Segundo Cavanhari, que também foi militar, a Escola das Américas centrava o ensino em vários níveis de táticas contra a “guerra irregular”, ou seja, casos que fogem dos ataques nucleares ou guerras convencionais. “Não era só a subversão. Eram atentos a guerras civis e tinham o objetivo de aniquilá-las. O objetivo era manter o status quo político”, explicou. Já para o advogado e militante político Plinio Arruda Sampaio, a denúncia é grave. “Ninguém gasta dinheiro para treinar oficiais em técnicas de interrogatório, espionagem, desestabilização de governos para nada”, alerta. Na época da ditadura brasileira, Plinio teve seus direitos políticos cassados e se exilou no Chile e depois nos Estados Unidos. “O que se dizia no meu tempo de exílio é que, nos interrogatórios e torturas cometidas
História horripilante A Escola das Américas foi criada em 1946 no Panamá, mas ainda em 1983 foi transferida para Fort Benning, na fronteira da Georgia e do Alabama, nos Estados Unidos. Seu objetivo era formar militares estadunidenses e latino-americanos num sistema de intercâmbio. No entanto, em 1993, a escola, ao divulgar sua relação de formandos, chocou o mundo pela quantidade de soldados envolvidos em casos de torturas, homicídios e golpes de Estado, principalmente na América Latina. De lá saíram, por exemplo, integrantes das juntas militares argentinas, os generais Roberto Viola e Leopoldo Galtieri; o coronel Domingo Monterrosa, que comandou um massacre de dezenas de pequenos agricultores em El Salvador; o general hondurenho Humberto Ragalado, ligado aos cartéis de drogas colombianos. A Pentágono ainda chegou a revelar que a escola teria criado uma espécie de manual de tortura para o trato de prisioneiros. O apelido “Escola de Ditadores” veio após um editorial do jornal estadunidense The New York Times, que condenava a existência da instituição. Até mesmo os congressistas dos Estados Unidos tentaram fechar as portas da Whinsec, mas a proposta foi derrotada por seis votos.
4
de 10 a 16 de abril de 2008
brasil
Milícias armadas assassinam mais um sem-terra no Paraná VIOLÊNCIA NO CAMPO No dia 30, Eli Dallemole, da direção estadual do MST, levou quatro tiros à queima roupa dentro de sua casa MST/PR
Pedro Carrano e Solange Engelmann de Curitiba (PR)
Falta de proteção Nos recentes casos de assassinato, havia denúncia anterior sobre o risco de um ataque contra os dirigentes do
Março de 2007 Ataque contra as famílias acampadas na fazenda Videira, em Guairaçá, que havia sido desapropriada pelo governo federal. Cerca de 20 pistoleiros armados com metralhadoras invadiram o acampamento disparando contra as famílias. Três trabalhadores ficaram feridos. Na ocasião, a polícia prendeu dez pistoleiros, que já estão em liberdade.
Em 1º de abril, um dia após o enterro de Eli Dallemole, cerca de 200 trabalhadores do MST reocuparam a fazenda Copramil
A esposa, Liane Zelir Dallemole, presenciou o crime: “Dois homens armados e encapuzados chegaram correndo. Atiraram contra ele, que caiu no chão. Quando implorei para que parassem com aquilo, ameaçaram atirar em mim” movimento social. No caso de Ortigueira, cinco pessoas foram presas no dia seguinte ao assassinato – o que gera dúvidas sobre por que não houve proteção anterior aos agricultores. Após o despejo violento de 8 de março, sete pessoas foram presas. Assim, ao todo, 12 estão presos, mas há indícios de que existem mais envolvidos nessa quadrilha. As investigações continuam. Entre os presos está o fazendeiro e presidente do Sindicato dos Comerciários de Cornélio Procópio, Adilson Honório de Carvalho, que se diz dono da fazenda Copramil, mas não comprova a posse. No entanto, no dia 4, o Centro de Operações Policiais Especiais (Cope) concluiu o inquérito de investigação do assassinado de Eli, afirmando que Dallemole foi vítima de vingança pessoal tramada por “Zezinho”, que está preso. Para a advogada do MST, Gisele Cassano, o inquérito do Cope inocenta o fazendeiro mandante do crime e não ajuda a resolver o caso das milícias armadas na região. Gisele explica que “Zezinho” nunca foi integrante do MST, mas um pistoleiro infiltrado no acampamento para colher informações e praticar assassinatos, a mando do fazendeiro Carvalho.
Estado ausente As ações das milícias estão mais ágeis que as atividades
da polícia, e as ameaças continuam. Frente a isso, o movimento social enfatiza a necessidade de proteção aos militantes e aos defensores de direitos humanos. Para tanto, a Secretaria de Segurança terá que mobilizar mais estrutura e uma patrulha rural para prevenir os ataques de milícias armadas. “Necessitamos do poder público para uma política de defesa dos direitos humanos”, afirma Darci Frigo, da organização Terra de Direitos. Na avaliação dele, as medidas concretas de prevenção devem se dar sobre três eixos. O conjuntural, devido à paralisação do programa de reforma agrária, a investigação policial e a proteção aos membros do movimento. “Esses grupos [armados] vão para cima do movimento social pelo fato de o Estado não ser o mediador do conflito”, afirma Frigo.
Desculpas O Secretário de Segurança Pública do Paraná, Luis Fernando Delazari, nega que houve falta de proteção preventiva do Governo do Estado aos trabalhadores sem terra. Ele afirma para a reportagem do Brasil de Fato que, desde o assassinato de Keno, o Cope passou a comandar as investigações referentes a milícias armadas feitas ao lado da Polícia
Marcha de protesto pelas ruas de Ortigueira
Federal e Militar. Com relação à Ortigueira, ele comenta que havia uma operação policial programada para o dia 31 de março, decidida na tarde do dia 28. No entanto, na noite do trágico domingo (30), o assassinato de Dallemole foi consumado. “Não se pode submeter uma pessoa ou organização a uma proteção sem que haja esse requerimento. A polícia agiu com o máximo de rigor, não só no caso do homicídio, mas muito antes disso”, afirma Delazari. De acordo com o Promotor de Ortigueira, Rodrigo Cabral, a polícia estava preparada para cumprir os mandados de prisões, mas não conseguiu chegar a tempo de evitar o assassinato. “Foi por uma questão de horas. A acusação foi oferecida dia 26 de março, e a juíza decretou as prisões na sexta-feira. Já na sexta-feira, entraram em contato com o Cope para cumprir os mandados, mas não houve tempo”, lamenta.
Familiares e amigos acompanham o enterro de Eli no cemitério de Tamarana
Abril de 2007 No município de Lindoeste, uma ocupação do Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST) foi despejada pelo Movimento dos Produtores Rurais (MPR), braço armado da Sociedade Rural do Oeste (SRO). Foi a primeira ação do MPR. A fazenda estava ocupada por 60 famílias, o que resultou em vários feridos. Outubro de 2007 A Via Campesina havia reocupado uma área ilegal de experimentos da transnacional suíça Syngenta Seeds, quando 40 milicianos armados disparam contra as famílias e lideranças do movimento. Os pistoleiros usavam os coletes da empresa NF segurança, contratada pela Syngenta e pela SRO. No ataque, morreram o militante Keno e o segurança Fábio Ferreira. Cinco outros militantes ficaram feridos.
Insegurança continua em Cascavel Ameaças alcançam defensores de direitos humanos e focam as lideranças de Curitiba (PR)
MST/PR
Brutalidade As ameaças contra Eli vinham sendo feitas há mais de dois anos, mas aumentaram após o ataque de um grupo de milícia armada contra o acampamento Terra Livre, na fazenda Copramil, em Ortigueira, no dia 8 de março. Nesse dia, 15 pistoleiros despejaram, de forma violenta, 33 famílias acampadas no local. Os semterra relatam que foram presos em um barracão, de madrugada, enquanto os pistoleiros queimaram todos os barracos, com pertences e documentos pessoais. Hoje, existem várias milícias armadas no Paraná, atuando em diferentes regiões. Em cada local são articuladas de forma distinta, dependendo da face do latifúndio regional. Na avaliação do MST, a natureza da milícia armada na região de Ortigueira é diferente do grupo que atua na região de Santa Tereza do Oeste, por exemplo. “Neste caso, é o crime organizado que desemboca em ação de milícia, conjuga o interesse do latifúndio, violência, tráfico de drogas, assalto e roubo. Despeja, ameaça e assassina. Essa é a natureza da pistolagem delinqüente. A mesma coisa que o crime organizado, no qual quem denuncia é o próximo a ser assassinado”, alerta o movimento. Os trabalhadores temem pela segurança das famílias. “Parece que moramos numa terra sem lei, onde o bandido anda livremente, na certeza de que não terá punição, principalmente pela forma como aconteceu o crime”, relata um trabalhador acampado. Após o enterro de Dallemole, no dia 1º, aproximadamente 200 trabalhadores do MST reocuparam a fazenda Copramil, chamada agora de acampamento Terra Livre.
Fevereiro de 2007 Quarenta pistoleiros armados invadiram um acampamento do MST, na Fazenda 3 Jota (Londrina), pertencente ao ex-deputado federal José Janene (PP-PR). Expulsaram as 200 famílias acampadas no local.
MST/PR
NADA FOI suficiente para evitar o assassinato de mais um trabalhador sem-terra no Paraná. Nem as inúmeras denúncias contra a ações de milícias armadas no Estado, nem a campanha internacional organizada pela Via Campesina contra a violência das transnacionais – após o assassinato do militante Valmir Mota de Oliveira (Keno), ainda em outubro de 2007, no acampamento do campo de experimentos da Syngenta, em Santa Tereza do Oeste. A violência se intensifica. No dia 30 de março, um domingo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) perdeu mais um de seus militantes. Eli Dallemole, de 42 anos, membro da direção estadual, foi executado dentro de casa, no assentamento Libertação Camponesa, em Ortigueira. Dois homens armados e encapuzados invadiram a casa do trabalhador, por volta das 19h30, executando-o com quatro tiros à queima roupa. Eli era casado e pai de três filhos. A esposa, Liane Zelir Dallemole, presenciou o crime e fala do sentimento de revolta: “Dois homens armados e encapuzados chegaram correndo e anunciando voz de assalto. Atiraram contra ele, que caiu no chão. Foi executado com mais três tiros. Quando implorei para que parassem com aquilo, ameaçaram atirar em mim, corri pro quarto porque estava arriscando morrer também. Só escutava os tiros e quando saí ele já estava praticamente morto, não teve chance de pedir socorro, foi execução mesmo”, relata.
Casos recentes
A intimidação dos ruralistas no oeste do Paraná atinge os colaboradores do movimento social. Desde o ataque de milícias armadas à Via Campesina – na área de experimentos da Syngenta Seeds – o reverendo Luiz Carlos Gaba, da igreja Episcopal Anglicana do Brasil, vem sofrendo ameaças, devido ao apoio dado às vítimas do ataque. Primeiro foi a descoberta de que um tiro havia sido disparado contra o seu carro. Em março, o veículo de Gaba foi fechado por dois outros carros. Ligações sem identificação têm sido constantes. Em Cascavel (PR), a ação de milícias voltou à tona no mês de março, com o ataque a outro acampamento e espancamento de dois trabalhadores sem-terra. Para a organização Terra de Direitos, a impunidade da empresa de segurança NF (envolvida nos ataques contra a Via Campesina) e a acusação do Ministério Público local contra o movimento social são o fermento da instabilidade e da insegurança na região. “Temos as vítimas e os culpados, só que a Justiça colocou todos (trabalhadores sem-terra e milicianos) em situação de culpados, no
mesmo patamar. Isso deu mais força para que pudessem voltar a atuar. Por outro lado, Alessandro Meneghel foi reeleito presidente da Sociedade Rural do Oeste (SRO). Ele deu declarações absurdas na imprensa e também nada foi feito”, acusa a organização.
Lideranças De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Paraná, a intimidação contra os sem-terra não é um fato novo. Houve, inclusive, aumento das intimidações de pistoleiros contra famílias de agricultores, entre 2004 e 2006. Nesse período, a intimidação às famílias aumentou em 49,92%. Entretanto, a partir de 2007, há uma clara inflexão na postura destes grupos, que passam a assassinar trabalhadores sem-terra, em um processo seletivo, que tem como alvo as lideranças do movimento, avalia Rogério Nunes, da coordenação estadual da entidade. Um marco desse processo no Paraná teve início em novembro de 2006, com o bloqueio de estrada promovido pela SRO, impedindo a passagem de marcha pacífica do MST, durante a Jornada de Educação na Reforma Agrária. Membros do movimento foram agredidos na ocasião. (PC e SE)
de 10 a 16 de abril de 2008
5
brasil
Ainda mais dividida, esquerda busca êxitos eleitorais em outubro POLÍTICA Eleições municipais apresentarão um novo rearranjo de forças; PCdoB, PDT e PSB devem compor aliança nacional Gama
Renato Godoy de Toledo da Redação A SEIS meses das eleições municipais, as forças de esquerda sinalizam que o pleito deste ano será o de maior fragmentação desde a redemocratização do país. Ao menos três blocos distintos estão sendo configurados. O PT deve compor com os principais partidos da base aliada do governo, sobretudo o PMDB. Psol, PSTU e PCB devem reeditar a aliança que promoveram em 2006 em torno da candidatura presidencial de Heloísa Helena. E a principal mudança no quadro eleitoral deve ser a configuração de um campo político formado por dois aliados históricos do PT, o PCdoB e o PSB, que estiveram presentes nas cinco campanhas presidenciais de Luiz Inácio Lula da Silva. O PDT também compõe esse bloco. Por diversas vezes, o PDT apoiou a candidatura de Lula, chegando a ter a sua maior liderança, Leonel Brizola, como vice da chapa, em 1998. O campo, auto-denominado Bloco de Esquerda, sinaliza que pretende acumular forças nas eleições municipais e fortalecerse para 2010. O deputado federal Ciro Gomes (PSB-CE) é o principal nome do grupo para disputar a Presidência.
Sem rupturas O afastamento desses partidos do campo hegemonizado pelo petismo não significa que estes passaram à oposição ao governo Lula, segundo os próprios dirigentes desse bloco. O presidente do PCdoB, Renato Rabelo, afirma que o processo de desvinculação teve início no parlamento, mais precisamente em 2007, quando o PT e a maior parte da base aliada decidiram lançar a candidatura de Arlindo Chinaglia (PT) à presidência da Câmara, ao invés de apoiar a reeleição de Aldo Rebelo (PCdoB), que acabou sendo derrotado pelo petista. Rabelo explica que a configuração do Bloco de Esquerda no Congresso não significa uma ruptura com o PT. “Houve um realinhamento de forças. Não rompemos com o PT e continuamos na base aliada. Por mais que o PT diga que as alianças prioritárias são com os partidos de esquerda, na prática, a aliança prioritária é com o PMDB”, afirma. Segundo o dirigente do PCdoB, a preferência do PT pelo PMDB abre um espaço para que o Bloco anga-
rie eleitores mais à esquerda. Apesar de considerar que o governo Lula tem levantado bandeiras importantes, como a do desenvolvimento nacional e da soberania, o PCdoB acredita que há uma série de entraves enfrentados pelo governo que são frutos de seus compromissos com setores do centro. “Quando se compromete com setores do centro, fica difícil de realizar algumas ações para combater a desigualdade social, como enfrentar grandes proprietários de terra e não diminuir direitos sociais. Mas esses temas, de certa forma, têm um papel menor nas eleições municipais. Pretendemos defender a reforma urbana, a questão da moradia e saneamento, que são problemas que o governo já aborda no PAC, mas precisam de um investimento maior”, analisa.
Prioridade? A análise de Rabelo acerca da opção eleitoral do PT é negada pelo secretário-geral, o deputado federal José Eduardo Cardozo (SP), que afirma pretender restabelecer as alianças eleitorais com os aliados históricos. “A constituição desse bloco não muda o nosso desejo prioritário de se aliar com esses partidos. Na conjuntura atual, é inconcebível pensar um bloco de esquerda que não tenha a participação do PT ou do PCdoB, PSB e PDT”, defende. Cardozo afirma que o PT vê as eleições municipais como uma oportunidade para ganhar o maior número possível de cidades, visando um acúmulo de forças para 2010. Hoje o partido encabeça o governo de 408 municípios. O PMDB, partido que ganhou status de principal aliado no segundo mandato de Lula, conta com 1059 prefeituras, figurando-se como o partido com maior inserção municipal. As candidaturas que tenham alguma incongruência com o projeto petista para 2010 devem ser evitadas, segundo Cardozo. O diretório nacional do partido orienta que não sejam feitas alianças com partidos que se opõem ao governo Lula, como o PSDB, o DEM e o Psol. No caso de Belo Horizonte (MG), onde há uma aproximação do PT com o PSDB de Aécio Neves, Cardozo afirma que a situação deverá passar pelo Diretório Nacional. O prefeito da capital mineira, Fernando Pimentel (PT) e o governador Aécio costuram uma aliança que lançaria um nome do PSB para a Prefei-
tura. “Nacionalmente, o PSB é nosso aliado natural, mas temos que decidir se aceitamos ou não o PSDB em nossa coligação”, avalia Cardozo. Alguns expoentes do PT mineiro se opõem à aliança, como o secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci, e o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, que almeja disputar a Prefeitura. No entanto, boa parte do diretório municipal da capital mineira aprova a aliança. O secretário-geral do partido afirma que, se aprovada municipalmente, a aliança deve passar pelo crivo do diretório estadual e nacional. “Se qualquer uma dessas instâncias reprovar a aliança, o partido fica proibido de realizá-la”, garante.
Psol, PSTU e PCB devem manter Frente de Esquerda
Com candidatas, PCdoB mira quatro capitais
Aliança com o Partido Verde em Porto Alegre causa polêmica
Mulheres disputam liderança das pesquisas eleitorais
da Redação Os partidos que compuseram a Frente de Esquerda que apoiou a candidatura de Heloísa Helena à presidência em 2006 – Psol, PSTU e PCB – devem manter a aliança em outubro, mas a coesão não será a mesma. Em sua conferência eleitoral, o Psol aprovou uma política de alianças que tem como prioridade os partidos da frente, mas aceita algumas exceções de acordo com especificidades locais. O Psol vetou alianças com partidos da direita tradicional, como DEM e PSDB. Também estão proibidas as alianças com o PT, PMDB e partidos “mensaleiros”, de acordo com a resolução do Psol. “Aprovamos [na conferência] a ampliação da política de alianças, não vamos buscar apenas PSTU e PCB. Mas vamos ter um controle da qualidade nessa ampliação”, relata Luiz Araújo, secretáriogeral do Psol. Segundo Araújo, 80% do partido apoiou essa resolução e o Psol aprovou uma carta-compromisso que deve ser assinada por todos os candidatos majoritários da legenda. Nela, os candidatos se comprometem a governar em benefício das causas populares e da construção do socialismo.
Polêmica O Psol costura uma aliança
para ter o PV como vice da deputada federal Luciana Genro, na disputa para a prefeitura de Porto Alegre (RS). Genro aparece em quarto lugar nas pesquisas. A aliança gerou polêmica no âmbito da Frente e o PSTU já decidiu que lançará candidaturas avulsas nas cidades em que partidos de fora da frente participem da coligação. “Não aceitamos frente com a direita e setores do campo do governo. Para nós, a frente não comporta PV, PPS, PDT, PSB”, enfatiza José Maria de Almeida, presidente do PSTU.
Cenário Além de Luciana Genro, em Porto Alegre, o Psol pode apresentar uma candidatura forte em Belém (PA). O exprefeito Edmilson Rodrigues, que governou a cidade por oito anos (1997-2004), ainda não definiu se será candidato, mesmo assim sua provável candidatura apresenta chances de êxito. Nas primeiras pesquisas, o candidato do Psol aparece em primeiro lugar, com cerca de 30% dos votos, à frente do atual prefeito, Duciomar Costa (PTB). Outra eleição que o Psol enxerga como importante é a do Rio de Janeiro, na qual seu candidato, o deputado federal Chico Alencar, aparece em quinto lugar, com 6% dos votos. Em São Paulo, o partido lançou a pré-candidatura do deputado federal Ivan Valente. (RGT)
PODER DA MÍDIA
da Redação Aliado histórico do PT, o PCdoB terá, em outubro, seu primeiro teste eleitoral para se firmar como uma das principais forças políticas do país, sem estar vinculada ao petismo. “Nunca investimos tanto numa eleição. Normalmente, investíamos em campanhas proporcionais, agora teremos 400 candidaturas majoritárias, sendo 15 em capitais”, informa Renato Rabelo, presidente da legenda. Os aliados prioritários do partido são as siglas que compõem uma frente parlamentar no Congresso, como PSB, PDT, PMN, PHS e o PRB, do vice-presidente José de Alencar. Nos primeiros levantamentos, o partido aparece com candidaturas fortes em quatro capitais: Aracaju, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Em Porto Alegre, num cenário que demonstra a grande divisão das forças de esquerda, a deputada federal Manuela Dávila disputa com a petista Maria do Rosário o segundo lugar nas pesquisas – ambas estão atrás do prefeito José Fogaça (PMDB). Enquanto o impasse acerca da aliança PSDB-PT não se resolve em Belo Horizonte, a deputada federal Jô Moraes (PcdoB) se aproveita da situação e aparece em
Imagem de protesto do MST e do MAB contra a privatização da Cesp trazia a inscrição “Fora Serra”, que sumiu da foto publicada pela revista
A REVISTA IstoÉ, que circula desde o dia 6, mostra – para poucos – que a campanha eleitoral já começou e de que lado está. Para proteger o PSDB e o governador de São Paulo, José Serra, a publicação, contrariando todas as regras do jornalismo, apagou a inscrição “Fora Serra” de uma foto feita durante um protesto do MST e do MAB contra a privatização da Cesp.
Reeleição Além das candidaturas das mulheres, o PCdoB aponta como prioridade reeleger o prefeito de Aracaju (SE), Edvaldo Nogueira. Na capital sergipana, o PCdoB assumiu a prefeitura após o agora governador Marcelo Déda (PT) se licenciar do cargo para concorrer à eleição. Déda será um importante cabo eleitoral da candidatura de Edvaldo, segundo Renato Rabelo. Rabelo também considera importante construir um nome do PCdoB em Olinda (PE), onde a prefeita Luciana Santos administra a prefeitura desde 2001 – primeira administração municipal do PCdoB. O irmão do senador Renan Calheiros (PMDBAL), o deputado federal e vice-presidente do PCdoB Renildo Calheiros, deve ser o nome do partido na cidade pernambucana. (RGT)
Cristiano Machado/Folha Imagem
IstoÉ manipula foto para proteger Serra
Marcelo Netto Rodrigues e Renato Godoy de Toledo da Redação
primeiro lugar em alguns cenários. “A candidatura da Jô em Belo Horizonte é muito forte, porque vai ter muita gente descontente com essa aliança (PT-PSDB), que vem de cima, é cupulista, uma candidatura formada nos bastidores”, analisa Rabelo. No Rio de Janeiro, outro cenário de fragmentação, a candidata do PCdoB, a deputada federal Jandira Feghali, divide a liderança com o bispo Marcelo Crivella (PRB).
Mais que isso, o resultado visual inverte o significado da imagem que traz uma placa de trânsito “Pare”, como se quem devesse parar fossem os movimentos, e não as privatizações. A adulteração de uma foto – passível de processo pelo detentor de seus direitos autorais, no caso, a Folha de S. Paulo – é plenamente possível hoje em dia com o uso de um programa para tratamento de imagens, como o Photoshop por exemplo, mas é prática condenada no meio jornalístico. O fato escancara o po-
À esquerda, a foto de Cristiano Machado para a Folha de SP; ao lado, a mesma foto adulterada pela IstoÉ
der de influência camuflada que os meios de comunicação de massa têm para atuar com o que vem sendo chamado de “Partido da Mídia”. A foto adulterada, de autoria do fotógrafo Cristiano Machado, ilustra a matéria “O MST contra o desenvolvimento” e mostra integrantes de movimentos sociais bloqueando a rodovia Arlindo Bétio, que liga São Paulo a Mato Grosso do Sul e Paraná, em protesto contra a privatização da Cesp (Companhia Energé-
tica de São Paulo), no dia 24 de março. A legenda diz “A exemplo do que ocorreu em São Paulo, em protesto contra a privatização da Cesp, os sem-terra prometem parar estradas em todo o país nos próximos dias”. A reportagem assinada por Octávio Costa e Sérgio Pardellas criminaliza os movimentos sociais, sustentando que “os sem-terra ameaçam empresas e investimentos que geram empregos e qualidade de vida”, sem mencionar que
a Aracruz Celulose, a Monsanto, a Cargill, a Bunge e a Vale – citadas pela matéria como exemplos de empresas prejudicadas – respondem a acusações de destruição do meio ambiente, desrespeito aos direitos de povos tradicionais, como quilombolas e indígenas, e exploração de trabalhadores. A matéria tenta desautorizar o MST como um ator político que vá além da luta pela reforma agrária. Diz que “desde 2006, o MST lidera ataques à globalização, ao ne-
oliberalismo e às privatizações – algo que nada tem a ver com a sua luta original”. A editora Três, que publica a revista IstoÉ, é controlada pelo acionista majoritário do banco Opportunity, Daniel Dantas. O banqueiro tem ligações com fundos de pensões, além de uma participação ativa no processo de privatizações de estatais sobretudo durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Em 2007, Dantas superou a concorrência da Rede Record e comprou 51% das ações da editora Três, que estava à beira da falência. O banqueiro tem uma trajetória de proximidade com partidos de direita como o DEM, sobretudo com o falecido político baiano Antonio Carlos Magalhães. Também foi sócio do publicitário tucano Nizan Guanaes. Por diversas vezes, foi alvo de investigações e respondeu a crimes como espionagem e formação de quadrilha. Quando estava à frente da Brasil Telecom, foi acusado de contratar a empresa Kroll para espionar a Telecom Italia.
6
de 10 a 16 de abril de 2008
brasil
Grupo Votorantim gera devastação com mina Maria Luísa Mendonça
MEIO AMBIENTE Atuação da companhia em Vazante já causou o secamento de duas lagoas em Minas Gerais
Afundamento de terreno causado pela exploração subterrânea de minério feita pela Votorantim
ro para outro internacional, atualmente com o endereço: www.ecodenuncia.org.
Desastre ecológico Diversos estudos de impacto ambiental confirmam o desastre ecológico causado pela Votorantim. Em 1992, a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) constatou que a exploração subterrânea de minério causaria “subsistência (afundamento) dos terrenos, conflitos por escassez de água e problemas na qualidade dos afluentes”. Em abril de 1999, ocorreu um grave acidente na mina subterrânea, a 350 metros de profundidade. A escavação atingiu um imenso lençol freático e a água invadiu a mina. Com isso, a empresa passou a realizar o bombeamento contínuo de grande quantidade de água. O relatório da Feam afirma que a quantidade de água bombeada deveria ser de no máximo 2.600 metros cúbicos por hora (m³/h), mas atualmente essa quantidade é superior a 7.500 (m³/h). Esse é um dos maiores níveis de bombeamento de água subterrânea no mundo e o maior já feito no Brasil. A cada ano, a quantidade de água bombeada equivale ao tamanho da baía da Guanabara. Um documento elaborado pelo vereador Donizetti Vida para a Promotoria Pública de Vazante alerta que “o desper-
Crateras podem engolir grutas naturais e edifícios Devastação segue em frente apoiada em intensa exploração dos trabalhadores de Vazante (MG) A mineradora coloca em risco outro importante patrimônio natural, pois em Vazante estão localizadas algumas das maiores grutas de Minas Gerais. O rebaixamento do lençol freático pode causar o desmoronamento dessas grutas. Um laudo elaborado por técnicos da Universidade Federal de Uberlândia constatou ainda que a diminuição do nível do aqüífero pode levar à “destruição de edifícios e equipamentos urbanos. Pessoas podem ser vitimadas pela destruição de suas moradias”. Com a drenagem da água subterrânea, aumentaram os fenômenos conhecidos como dolinas – enormes crateras que se formam de maneira abrupta, como se fosse uma implosão. Em seu livro Crateras da Cobiça, o jornalista José Carlos de Assis explica como ocorre a formação dessas crateras: “Quando essas águas são bombeadas, no processo de sucção na frente de mineração subterrânea, reduz-se a resistência ao peso da superfície, que é tragada para os bolsões secos, formando as dolinas”.
saiu na agência Arrozeiros X direitos indígenas Trinta anos passados desde o primeiro pedido de regularização da terra indígena de Raposa Serra do Sol, disputas pela área elevam a tensão em Roraima. O conflito, desta vez, está sendo insuflado por produtores de arroz, liderados por Paulo César Quartieiro, que não querem deixar o local. Em abril de 2005, um decreto do presidente Lula homologou a área como terra indígena para os cerca de 18.530 integrantes dos povos Makuxi, Wapichana, Ingaricó, Taurepang e Patamona. Em represália às ameaças da Polícia Federal para retirá-los do local, arrozeiros estão danificando pontes e bens públicos – para isolar as comunidades – e usando violência contra os indígenas. Ocupação UnB
Maria Luisa Mendonça de Vazante (MG) A ESTRADA que leva à Vazante tem os contornos de Minas Gerais. As montanhas onduladas, cobertas de cerrado, nem parecem reais. Têm um tom cinematográfico. Por aqui passam os rios Santa Catarina e Paracatu, que são afluentes do São Francisco. A região, rica em minérios, é explorada pela Companhia Mineira de Metais, do Grupo Votorantim. Em 1992, após o esgotamento da extração mineral na superfície, a empresa passou a explorar uma mina subterrânea na região. A partir daí, aumentou a destruição ambiental. “Essa mina é como a galinha dos ovos de ouro da Votorantim. Mas para os moradores de Vazante, o resultado é a rachadura das casas, a poluição da água e a destruição das grutas naturais”, explica a professora Dolores Solis, que organizou um abaixoassinado contra a empresa. Em represália, a mineradora tentou processar Dolores judicialmente. “A Votorantim manda na cidade. A empresa financiou até mesmo a reforma do Fórum e da Prefeitura. O prédio da Prefeitura recebeu o nome da mãe do Antônio Ermírio de Moraes! É por isso que não tem justiça”, afirma Dolores. Mesmo sem fundamento legal, o objetivo da empresa é intimidar outras formas de protesto. Através de uma ação judicial, a mineradora conseguiu retirar um sítio da internet que continha denúncias sobre sua atuação. A solução foi passar a página de um servidor brasilei-
www.brasildefato.com.br
Mais de 100 agricultores locais, em uma área que abrange um diâmetro de 92 quilômetros, foram afetados pela formação de centenas de dolinas e pela poluição do solo e das águas. Somente em uma dessas fazendas, que faz divisa com a mina, existem hoje mais de 40 dolinas. Cada uma delas tem em média 25 metros de diâmetro e entre 12 e 25 metros de profundidade.
Desertificação A produção agropecuária se tornou inviável, e a secagem de poços gerou um risco de desabastecimento de água para a população. Há também um processo de desertificação dos solos e destruição da biodiversidade. A criação de gado praticamente acabou, pois os animais morrem envenenados quando bebem a água contaminada do rio. As fazendas Salobo e Olaria, localizadas nas proximidades da mina, eram conhecidos centros de criação de gado da raça Pardo-Suíça. Com a poluição das fontes de água, utilizadas para o consumo animal, todo o rebanho morreu. Estima-se que somente nessa fazenda morreram 493 animais. Atualmente são registrados também al-
dício de água, numa proporção de 180 mil m³ por dia, seria suficiente para abastecer uma cidade com 360 mil residências com consumo diário de 500 litros cada”. Desta forma, um dos principais problemas apontados na operação da mina subterrânea é a quantidade de água bombeada do subsolo, que causa o rebaixamento do lençol freático e das reservas de águas subterrâneas. A região, que apresenta subsolo calcário, abriga enormes aqüíferos. O resultado desse desperdício tem sido a drenagem de águas subterrâneas de córregos, lagoas e açudes. A Lagoa do Sucuri e o Poço Verde, próximos à mina, secaram completamente. Esses eram locais de lazer da população local, onde a água era limpa e havia grande quantidade de peixes. Ocorre também o problema da contaminação dos solos, rios e água pelos rejeitos da mineração, como no rio Santa Catarina. A contaminação do leito por metais pesados causou a morte de milhares de peixes e destruiu praticamente toda a sua fauna.
Corrente de lama Em 25 de outubro de 1999, o editorial da Folha Noroeste (de Paracatu, MG) denunciou que “uma enorme quantidade de rejeitos da mineração está sendo lançada no Santa Catarina, em volume supe-
tos índices de aborto no gado da região. O Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Codema) atribui esse fenômeno à presença de mercúrio, chumbo e zinco na água. Especialistas advertem que há também risco de aumento de acidentes fatais, como o que ocorreu em 2002, quando o operário Elias Marques Jordão morreu soterrado na mina subterrânea. O jornalista José Carlos de Assis afirma que “o acidente pode ser descrito como um processo de dolinamento, igual a centenas de outros em Vazante, só que visto de baixo para cima”.
Exploração Edgar Lunes, representante do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas de Vazante, conta que os operários precisam cumprir uma meta de produção, que aumenta todos os anos. Isso exige um esforço cada vez maior dos trabalhadores. “Entre 1998 e 2006, a meta de produção aumentou 100%. O salário depende das horas trabalhadas e não há estabilidade no emprego”, explica. Recentemente, a Votorantim anunciou que pretende aumentar a exploração nessa mina e, conseqüentemente, a produção na siderúrgica de Três Marias, que é abastecida pelo minério de Vazante (ver matéria sobre desastre ecológico em Três Marias na edição 266). Até 2010, a empresa pretende aumentar a produção de zinco de 180 mil para 260 mil toneladas por ano. Para isso, deve pressionar os órgãos ambientais para a liberação de uma outorga de
rior à vazão do próprio rio. O que era água límpida e pura se transformou numa corrente de lama que, de tanto material sólido, mal consegue correr pela calha daquele importante manancial d’água”. O jornal noticiou também que uma das substâncias encontradas no rio foi o cádmio, um subproduto tóxico da refinação do zinco que, mesmo se absorvido pela população em pequenas quantidades, pode causar insuficiência renal e deformação óssea. Especialistas da Universidade Federal de Uberlândia constataram que o nível de zinco no rio era 50 vezes maior do que o limite permitido por lei; o de chumbo, 137 vezes maior; o de manganês 149, vezes maior; e o de ferro, nove vezes. A contaminação com esses metais pode causar desde inflamação gastro-intestinal, toxidez crônica, anorexia, paralisia, distúrbios visuais, anemia, convulsões, envenenamento e até morte. Estudos mostram que a água subterrânea do local está ligada ao Aqüífero Guarani. Este é o maior manancial subterrâneo do mundo e abrange parte do território do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. No Brasil, o Aqüífero Guarani está localizado nos Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
água ainda maior em Vazante. O pedido de outorga mais recente da Votorantim pretendia aumentar o bombeamento de água na mina subterrânea para 16 mil metros cúbicos de água por hora. Essa quantidade seria quase três vezes maior do que a atual.
Terrorismo psicológico Os moradores de Vazante, atingidos pela destruição ambiental, parecem perplexos com o poder da empresa. Uma das táticas de chantagem utilizadas pela Votorantim é a ameaça de despedir funcionários e provocar uma crise econômica no município. O problema é que grande parte da população local não percebe que os prejuízos causados pela mineradora são muito maiores do que representaria a interrupção de suas atividades. Outro mecanismo que a empresa encontrou para conter os protestos e as ações judiciais tem sido a cooptação, através de acordos paliativos, como a entrega de água em carros-pipa, a abertura de poços, o aterramento das dolinas ou até mesmo a compra das fazendas atingidas. Porém, agricultores que decidiram seguir com os processos contra a Votorantim denunciam que a água fornecida pela empresa está contaminada, assim como a terra usada para cobrir as dolinas, pois a vegetação não se recompõe nesses locais. O que está em jogo em Vazante é, de um lado, o poder de um dos maiores grupos econômicos do país e, de outro, o agravamento de um desastre ecológico irreversível. (MLM)
Um grupo de estudantes ocupou na quinta-feira (3) a reitoria da Universidade de Brasília (UnB) para pedir o afastamento do reitor Timothy Mulholland – envolvido no uso de um cartão corporativo para decorar seu próprio apartamento com artigos de luxo – e a dissolução do conselho da Fundação Universidade de Brasília (FUB) e a convocação de novas eleições diretas e paritárias. A Polícia Federal (PF) cortou o fornecimento de água e luz da universidade, mas os estudantes conseguiram mais apoio e, na terça-feira, os manifestantes já somavam cerca de 1.300 pessoas.
Banco da Alba
O projeto de integração solidária capitaneado por Venezuela, Cuba, Nicarágua, Bolívia e República Dominicana lançará, no final de abril, o seu próprio banco. A instituição financeira terá o papel de reduzir a dependência dessas nações de recursos externos. Outra iniciativa em curso é a criação de uma empresa na área de telecomunicações que irá atuar nos cinco países.
Cuba em debate
Discursos feitos por autoridades cubanas em encontro de artistas tocaram em questões polêmicas e ilustraram o momento político de Cuba, marcado por intenso debate. Destaque para a frase do presidente Raúl Castro: “Da maior divergência sairão as melhores decisões”.
fatos em foco
Hamilton Octavio de Souza
Crise mesmo! Enrolou, enrolou, mas o presidente do Banco Central dos Estados Unidos, Ben Bernanke, reconheceu que a economia do seu país está em recessão, com risco de quebradeira em setores bancários e imobiliários. Já o Fundo Monetário Internacional (FMI) analisa que se trata da maior crise desde 1929, tanto é que o crescimento global deste ano já sofreu três revisões – todas para baixo. Com certeza, a periferia vai pagar caro! Ciranda financeira A aparente invulnerabilidade do Brasil diante da crise nos Estados Unidos está sendo mantida, em parte, porque as empresas e os bancos que operam aqui captaram muitos recursos para financiar a indústria e o consumo, através de créditos de longo prazo com os juros mais altos do mundo. O capital especulativo tenta assim, com a extorsão dos brasileiros, compensar os prejuízos nos países estagnados ou em recessão. Política protecionista Os serviços públicos de saúde e educação que se danem, mas o superavit primário dos cofres públicos – para pagar os credores – não apenas está garantido, como continua sendo aumentado. Já foi de 31 milhões de dólares (2,92% do PIB) em 1999 e chegou a 101 milhões de dólares (3,97% do PIB) em 2007. Agora, em 2008, está acima dos 6% do PIB. É a chamada política protecionista dos especuladores. Enganação escolar Mobilizados em campanha salarial, os professores da rede estadual de ensino fundamental e médio do Estado de São Paulo reivindicam também, além do justo reajuste, a fixação de no máximo 35 alunos por sala de aula. Vale lembrar que anos atrás – antes do domínio tucano no governo paulista – as escolas públicas trabalhavam com o limite máximo de 30 alunos por sala. Está na cara porque a qualidade do ensino caiu. Imprensa democrática A iniciativa da equipe de Carta Maior, no sentido de reunir setores da imprensa alternativa e de esquerda, já tem agendado o 1º Fórum Mídia Livre, que será realizado nos dias 17 e 18 de maio, na Universidade Fe-
deral do Rio de Janeiro. O manifesto dessa articulação – centenas de veículos de todo o Brasil – defende a luta por “verdadeira liberdade de imprensa e de acesso à informação, em toda sua dimensão política e pública”.
Desmanche legal Promulgada pelo presidente Getúlio Vargas, em 1º de maio de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho ainda é – 65 anos depois – o principal instrumento legal de proteção dos trabalhadores brasileiros, apesar de todos os ataques que sofreu ao longo do tempo, especialmente nos anos do neoliberalismo. Se o governo fiscalizasse para valer o cumprimento da lei, os trabalhadores estariam em situação bem melhor. Visão empresarial O jornalista Eugênio Bucci, ex-presidente da Radiobrás no governo do PT, passou quatro anos na empresa estatal sem maiores conflitos com os grupos privados de comunicação. Agora lançou um livro revelador de sua visão de mundo, “A guerra entre a chapabranca e o direito à informação”, com críticas aos colegas de governo. Não está claro se ele se enganou de governo ou se o governo se enganou ao nomeá-lo para a Radiobrás! Diáspora brasileira Em 2007, pouco mais de 4 mil estrangeiros foram impedidos de entrar em Portugal via aeroporto de Lisboa. Desse total, mais de 50%, exatamente 2.608, eram brasileiros que não dispunham de vistos nem de condições financeiras para permanecer na Europa. Situação semelhante tem ocorrido nos aeroportos da Espanha e da Irlanda. A pergunta certa: por que os brasileiros querem viver em outro país?
de 10 a 16 de abril de 2008
7
brasil
Ruralistas fazem lobby para reduzir faixa de fronteira no RS Eduardo Seidl
SOBERANIA Parlamentares, municípios e empresários pressionam governo federal por alteração que beneficia papeleira estrangeira Christiane Campos e Raquel Casiraghi de Porto Alegre (RS) HÁ MAIS de ano, parlamentares, municípios, ruralistas e empresários tentam acelerar a redução da faixa de fronteira, de 150 quilômetros, para 50 quilômetros, no oeste do Rio Grande do Sul. Nesse sentido, dois projetos de lei tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado, a fim de alterar a Constituição Federal e garantir investimentos econômicos na região. A ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, já se colocou favorável à mudança em prol do desenvolvimento econômico. Conforme dados do Ministério da Integração Nacional, a região da faixa de fronteira brasileira abrange 11 unidades da federação e 588 municípios que estão total ou parcialmente no perímetro de 150 km da fronteira do Brasil com vários países. Cerca de 10 milhões de pessoas vivem nessas localidades. Pela legislação brasileira (lei 6.634/1979 e artigo 20 parágrafo 2 da Constituição Federal de 1988), há um conjunto de restrições para a realização de atividades econômicas nessa faixa. Uma delas é para a obtenção de terras por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras, que só pode ocorrer mediante aprovação do Conselho de Defesa Nacional, órgão ligado diretamente à Presidência da República. E é essa questão que está em jogo na redução da faixa de fronteira no Rio Grande do Sul. Apesar de os defensores da medida dizerem que o problema é debatido há mais tempo, foi agora, com a instalação da papeleira suecofinlandesa Stora Enso na região, que a discussão em torno do assunto aumentou. E também ganhou novos argumentos, como a importância da alteração da faixa para o desenvolvimento econômico e social da fronteira e até mesmo uma maior integração dos países do Mercosul, como defende o senador gaúcho Sérgio Zambiasi (PTB).
“Modernidade” O parlamentar é o autor do projeto de emenda constitucional (PEC) com as alterações, já aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e que logo deve ir para votação em plenário. Ele avalia que o conceito de faixa de fronteira no Brasil é bastante conservador e que precisa ser mudado. “A faixa de fronteira restringe enormemente os investimentos, dificultando o desenvolvimento especialmente dos estados da região Sul. Começamos a corrigir esse problema histórico que, se em um determinado momento teve suas razões, hoje já não existe mais. Os países não têm mais faixas de fronteira. Nós temos que preservar a Amazônia, por isso foi mantida a faixa de fronteira na floresta, mas do Mato Grosso do Sul para baixo, onde as fronteiras estão mais desenvolvidas, nós estamos reduzindo para 50 km”, diz. O senador justifica que até mesmo para abrir uma rádio ou construir uma estrada na faixa de fronteira, o empreendedor precisa da autorização do Conselho de Defesa Nacional, dificultando ainda mais o processo. Questionado sobre a relação do projeto com a Stora Enso, o senador nega. “O projeto não tem relação com a Stora Enso, apesar de ela ser beneficiada”, diz. Desenvolvimento O economista José Antônio Alonso, da Fundação de Eco-
Quanto
2
Apenas empregos diretos foram gerados em uma área de dois mil hectares da Stora Enso Mulheres da Via Campesina ocupam fazenda da Stora Enso no Rio Grande do Sul
nomia e Estatística (FEE) do Rio Grande do Sul, contesta essa tese de que a redução da faixa de fronteira seja a “salvação” do sul gaúcho, conhecido como a metade pobre do Estado. O economista participou de pesquisas sobre a economia da região que indicam que a pobreza é resultado de um conjunto de fatores, entre os quais a concentração fundiária. “A distribuição inicial das terras favoreceu a concentração em poucas mãos, e essa pequena parcela social com renda e propriedade nunca dinamizou a economia, se abastecendo apenas de importações. O latifúndio não foi capaz de diversificar a economia, nunca gerou mercado interno, resultando em uma distribuição de renda muito concentrada e em pouco desenvolvimento socioeconômico”, afirma Alonso. Em relação ao emprego, o economista diz, que de fato a implantação desses grandes projetos podem gerar novas oportunidades de trabalho, mas questiona a quantidade e a qualidade das vagas. “Quando se fala em geração de emprego, nos interessa o emprego formalizado, com direitos, com boas condições de trabalho, não o emprego temporário e precarizado que é comum de ser gerado no processo de implantação dos projetos”, diz.
Bom para poucos Segundo lideranças dos movimentos sociais, em uma das fazendas da Stora Enso, que foi ocupada por mulheres da Via Campesina em março, a empresa gerava apenas dois empregos diretos numa área de aproximadamente 2 mil hectares, no município de Rosário do Sul (RS). Um ônibus de trabalhadores vem diariamente do município de Alegrete (RS), a cerca de 140 km da propriedade, trazendo trabalhadores diaristas, sem carteira assinada, para realizar trabalhos que exigem pouca qualificação, como matar formigas. Na avaliação dos movimentos, é esse tipo de emprego precarizado, sem direitos e com baixos salários que devem ser gerados com o crescimento das plantações de árvores para celulose na região. Os empregos mais qualificados, com melhores salários, não serão para a população das localidades afetadas. E isso já é uma realidade em outras regiões do país. Segundo Almir Ramos, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Eunápolis, na Bahia, onde a Stora Enso tem uma fábrica em parceria com a Aracruz, “de cada 10 empregos gerados no setor de celulose, apenas um atende a comunidade local”. O sindicalista afirma ainda que outra grave conseqüência da implantação desse empreendimento de celulose na região foi o aumento do êxodo rural.
Stora Enso utiliza empresa “laranja” para burlar a lei e comprar terras Papeleira sueco-finlandesa já adquiriu 45 mil hectares na divisa com o Uruguai de Porto Alegre (RS) No final de 2007, a Via Campesina do Rio Grande do Sul denunciou ao Ministério Público Federal (MPF) as atividades ilegais da Stora Enso na faixa de fronteira gaúcha. Como a empresa, por ser estrangeira, não pode adquirir terras em seu nome e nem no de sua empresa que atua na América do Sul, a Derflin, a transnacional acabou criando uma nova empresa, a Azenglever. De capital brasileiro, a empresa atua como “laranja” da Stora Enso, comprando terras na faixa de fronteira para que a transnacional plante eucalipto. Uma das provas entregues ao MPF (ver figura ao lado) é um documento que mostra que a agropecuária Azenglever é de propriedade de dois brasileiros, João Fernando Borges e Otávio Pontes (diretor florestal e vice-presidente da Stora Enso para a América Latina, respectivamente). Nesse sistema, a empresa sueco-finlandesa já adquiriu cerca de 45 mil hectares na fronteira do Brasil com o Uruguai, onde também possui plantios. A meta é formar uma base florestal de mais de 100 mil hectares e futuramente instalar fábricas de celulose na região. Segundo reportagem veiculada no jornal Valor Econômico, em julho de 2007, das 94 fazendas ad-
Quanto
100 mil
hectares é a meta da transnacional escandinava quiridas entre 2004 e 2005 pela Stora Enso, 52 propriedades já foram escrituradas em nome da Azenglever. As terras, situadas na região sudoeste do Estado, próximas à fronteira com a Argentina e o Uruguai, estão em Alegrete, Cacequi, Itaqui, Maçambará, Manoel Viana, Rosário do Sul, São Borja, São Francisco de Assis e Unistalda.
Reforma agrária O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) do Rio Grande do Sul vem investigando a atuação da Stora Enso no Estado. O superintendente, Mozar Dietrich, a considera ilegal e defende que as áreas já compradas pela empresa sejam destinadas à reforma agrária. “Entendemos que as áreas que estão sendo adquiridas na fronteira pela Stora Enso são ilegais e devem ser destinadas à reforma agrária. No entanto, esse é um processo demorado, difícil e também tem que haver uma decisão judicial em cima da questão”, pondera. O procurador da República, Domingos Sávio Dresh da Silveira, qualifica a conduta da Stora Enso como “utilização de ‘laranja’, e po-
de significar, em tese, pelo menos crime de falsidade ideológica”. Ele solicitou inquéritos públicos ao MPF em correspondência ao procurador-chefe da República no Rio Grande do Sul, Carlos Eduardo Copetti Leite. Domingos ainda alerta que a responsabilidade de licenciar áreas de fronteira é fe-
deral, e não estadual. Nesse sentido, os Termos de Ajustamento de Conduta assinados entre papeleiras, Governo do Estado e Ministério Público Estadual autorizando o plantio de pínus e eucalipto antes da finalização do zoneamento ambiental da silvicultura não valem para a Stora Enso. (CC e RC)
Exploração do trabalho e ambiental atrai papeleira Celulose produzida no Brasil é cerca de 41% mais barata do que a chinesa de Porto Alegre (RS)
na (120 dólares) e Indonésia (112 dólares).
Entre os motivos que atraem as empresas de celulose para o Brasil está a disponibilidade de terras, águas e clima quente e úmido, que propiciam o rápido crescimento das árvores (em torno de 7 anos para o eucalipto). Essas condições, somadas ao baixo preço da força de trabalho e a um conjunto de benefícios para implantação das indústrias, tornam o Brasil um lugar barato para produzir celulose. Pesquisa feita pela própria Stora Enso mostra que, em 2007, o custo da plantação de fibra curta no país era de cerca de 70 dólares por tonelada de celulose, um valor bem menor do que de países concorrentes, como Chi-
Questão ambiental Além dos aspectos legais e das controvérsias em torno da geração de empregos, os projetos da Stora Enso também esbarram na questão ambiental. Ainda que a empresa conte com total apoio do governo gaúcho, que tem concedido licenças ambientais para seus plantios, os movimentos sociais e ambientais prometem intensificar a luta contra sua instalação. Uma das preocupações dos movimentos é com a água. Nos municípios em que a Stora Enso adquire terras, está parte do Aqüífero Guarani (maior reserva de água doce subterrânea do mundo). “Isso é uma mera coin-
cidência?”, questiona o ambientalista e professor de Santana do Livramento José Louis Sampaio, vice-presidente da organização nãogovernamental ambientalista Rio Ibirapuitã.
Ecossistemas O ambientalista lembra que o senador Sérgio Zambiasi (PTB/RS) retirou de seu projeto de redução da faixa de fronteira a região da Amazônia, alegando que isso poderia prejudicar a floresta. “Para nós, todos os ecossistemas são importantes, se essa medida traz impactos ambientais negativos para a floresta, evidentemente também vai prejudicar o pampa e o cerrado. Esse é mais um projeto para cumprir com os interesses econômicos dos grupos estrangeiros em de-
trimento da vida no nosso país”, diz Sampaio. Outra grande preocupação, por parte da Via Campesina, é a redução das águas para a agricultura. “Chamamos as monoculturas de eucalipto de deserto verde porque elas secam as fontes de água, a terra e o clima. Mas também porque expulsam as pessoas da terra. Como as famílias camponesas podem produzir comida se tudo vira um mar de eucalipto? A soberania alimentar do nosso país está sendo comprometida. Os governos estão priorizando a produção de lucros para as transnacionais e deixando de produzir alimentos para a nossa população”, afirma Ana Hanauer, da coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). (CC e RC)
8
de 10 a 16 de abril de 2008
nacional
A política de destruição da floresta AMAZÔNIA Pesquisador e ativista do Greenpeace critica MP que legaliza grilagem e denuncia descaso com a questão ambiental Leonardo F. Freitas/CC
Dafne Melo da Redação ATUALMENTE, calcula-se que 18% da floresta amazônica esteja devastada. Até 2050, se o atual ritmo persistir, metade da área original desaparecerá. Em abril, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que detecta a devastação em tempo real, informou que 72,4 mil hectares foram devastados em fevereiro, 12% a mais que em janeiro. Esse quadro tende apenas a piorar com as pretensões do governo federal para a Amazônia: transformá-la numa área de expansão do agronegócio e de atuação de transnacionais para garantir o crescimento econômico, mesmo que às custas da destruição da floresta e do aprofundamento da concentração fundiária no Brasil. Conforme matéria publicada na edição 266 do Brasil de Fato, a medida provisória 422 – que legaliza a grilagem de terras públicas na Amazônia – sacraliza uma outra série de práticas ilegais na região. Em entrevista, Sérgio Leitão, do Greenpeace, analisa as conseqüências da MP, critica a visão que os sucessivos governos brasileiros têm da região e descreve o ciclo da destruição na floresta. Brasil de Fato – Como o senhor vê a edição da medida provisória 422? Sérgio Leitão – Essa MP legaliza todo o processo de invasão de terras públicas feito na Amazônia; usa como justificativa o argumento de que é para beneficiar pequenos posseiros e ocupantes, ou seja, setores sociais que não são proprietários de terras. Isso não é verdade, pois, se olharmos o volume de área legalizada por essa MP – 1.500 hectares para cada dono –, essa afirmação não faz sentido. Alguém que tem 1.500 hectares não é um pequeno proprietário. Não há dúvidas de que a MP foi feita para beneficiar o processo de ocupação ilegal da Amazônia por grandes transnacionais. Isso já estava sendo reivindicado pela bancada ruralista, por meio de projeto de lei do deputado federal Asdrúbal Bentes (PMDB-RS). A MP é uma cópia dessa proposta. Quando o governo topa editar uma MP idêntica ao PL do Asdrúbal Bentes, é sinal de que atendeu à reivindicação ruralista. Isso mostra que ele não está disposto a criar restrições, proibições e ações efetivas que dêem conta da grilagem, pelo contrário, estimula o oposto disso. A mensagem é: quem invadiu e grilou está perdoado, quem não invadiu fica estimulado a fazê-lo. Há um duplo efeito nocivo: perdoar a ilegalidade e incentivar novas grilagens. Agora estamos vendo a questão da Raposa Serra do Sol, em Roraima. Uma parte do governo até quer resolver a questão da regularização das terras; outra parte cobra a desocupação pelos povos indígenas. A MP é parte desse pacote de desrespeito às posses de populações tradicionais.
Na Amazônia, há a linha de montagem da destruição. A primeira que chega é a madeireira, que abre a estrada, rasga a floresta e retira a madeira. Em seguida, queima-se o que sobrou da atividade e põe-se o gado. Depois, vem a monocultura da soja. Essas atividades econômicas não são isoladas, estão relacionadas entre si e operam hoje como uma frente de ocupação da região. A última etapa é a ida de transnacionais Historicamente, nenhum governo tem mostrado vontade política de resolver a grilagem de terras públicas na Amazônia, certo? A visão dos governos sobre a Amazônia, principalmente de 1964 para cá, é a de que ela deve ser uma área de expansão de atividades econômicas que interessam ao país – ou o que os governantes acham que interessam ao país. Também é usada como “válvula de escape” da reforma agrária, já que ela não é feita. Então, dois terços da reforma agrária no período militar foi feita na Amazônia; dois terços dos assentamentos no governo Fernando Henrique Cardoso também; e dois terços dos assentamentos no governo Lula estão sendo feitos lá. Ou seja, não se resolve o que deve ser resolvido – a distribuição de terras – e a Amazônia vira um quarto de despejo dos conflitos agrários nacionais. O que se faz lá, aliás, é colonização agrária, que não mexe na expropriação e distribuição de terras, mas regulariza. A violência no campo pode ser vista como uma conseqüência do que você descreveu? O mapa da violência de 2006 mostra que entre as 10 cidades mais violentas, em números relativos, quatro delas estão na zona de expansão da fronteira agrícola da Amazônia. Toda vez que há proces-
Área queimada na Amazônia: crescimento econômico às custas da destruição ambiental e da concentração fundiária
Não se resolve o que deve ser resolvido – a distribuição de terras – e a Amazônia vira um quarto de despejo dos conflitos agrários nacionais. O que se faz na Amazônia, aliás, é colonização agrária, que não mexe na expropriação e distribuição de terras, mas regulariza
A região é vista pelo Estado, então, unicamente como uma área de expansão agrícola? Nessa visão de crescimento econômico a qualquer preço, a região é tida como o espaço que vai permitir ao país manter a posição de grande exportador de produtos agrícolas e minerais, local disponível para a construção de grandes obras de infra-estrutura. Essa visão da Amazônia é um intransitivo da ação de governo, seja PT, PSDB, DEM/PFL ou militares. Não adianta nenhum ministro ou ministra se demonstrar bem intencionado, porque sua ação sempre será residual diante do restante do governo que vê a Amazônia como espaço a ser explorado para garantir o crescimento do país.
sos de invasões intensos no campo, há explosão da violência, pois todos começam a disputar o espaço, aparentemente sem dono. E como não há regularização de terras e uma ausência completa do Estado – não há polícia, Judiciário, Ministério Público – a solução dos conflitos é a bala. O município de Colniza, no Mato Grosso, fronteira com Rondônia, é emblemático. Há uma explosão da violência porque há todos esses elementos: madeireiras, frentes de grilagem, assentamentos do Incra. A terra pública não é vista como terra controlada pelo Estado, mas um espaço aberto para ser tomado pela grilagem que depois se legaliza com medidas como essa. Isso é o que no Greenpeace nós chamamos de plano de aceleração da grilagem.
Como as atividades econômicas hoje realizadas afetam o meio ambiente? As forças econômicas da Amazônia funcionam quase como uma linha de montagem. No modelo clássico da fábrica de automóveis, cada um faz sua parte, e lá na frente você tem um carro pronto. Na Amazônia, há a linha de montagem da destruição. A primeira que chega é a madeireira, que abre a estrada, rasga a floresta e retira a madeira. Em seguida, queima-se o que sobrou e põe-se o gado. Depois, vem a monocultura da soja. Essas atividades econômicas não são isoladas, estão relacionadas entre si e operam hoje como uma frente de ocupação da região. A última etapa é a ida de transnacionais que vão para a região produzir a preços mais baixos do que obteriam em qualquer outro lugar, pois lá há abundância de terra e água, além de um clima regular e estável. As condições são imbatíveis. No final dessa linha de montagem temos grandes transnacionais instaladas, a floresta destruída e a região sendo mudada de forma radical. O prejuízo disso para o Brasil e para o mundo, do ponto de vista ambiental, é imenso, pois a Amazônia é uma região fundamental para o equilíbrio climático do planeta. A chuva que cai nas áreas agrícolas do país, inclusive no CentroSul e Sudeste, e também em toda região da Bacia do Rio da Prata tem relação com o regime de chuvas amazônico. O Inpe já comprovou que quando chove menos lá, chove menos nas áreas agrícolas do país, por exemplo.
Existe preocupação ambiental por parte do governo? Há pouco tempo houve debate sobre o aumento de desmatamentos e promessas de diminuí-lo. O que tem sido feito concretamente? Não existe preocupação ambiental. Parte pequena e sem poder até tem interesse em conter os desmatamentos. É algo assim: quem quer combater o desmatamento, não pode, não tem condição para isso. Já a parte que pode, não quer. Se compararmos o andamento do programa de combate ao desmatamento – uma ação que reúne vários ministérios sob a coordenação da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef – com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), também sob coordenação da Dilma, vemos uma clara distinção. Ela inaugura obras pelo Brasil, fala todo o tempo disso, mas nunca fala da necessidade de se conter a devastação da Amazônia. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) até quer fazer, mas não pode. A Dilma pode, mas não quer, pois não está na prioridade de sua linha de ação. As medidas de combate ao desmatamento são apenas para compensar aquilo que o governo faz para estimular a política de ocupação e desmatamento da Amazônia. As ações funcionam mais como uma espécie de satisfação à opinião pública do que uma política séria. O grosso dos recursos governamentais são para fomentar atividades econômicas na região. Não há recursos para atividades sustentáveis. Não é dado crédito para agricultores que querem fazer plano de manejo na área de floresta, nem mesmo recurso para a área de pesquisa, ciência e tecnologia que ajude a pensar a questão do manejo das florestas, pois é um tema em que não há consenso científico de que é possível regenerá-las, por exemplo. Os recursos só vão para o lado da destruição. Enquanto não mudar isso, os índices de desmatamento vão continuar altos. Quando essas taxas caem, é porque há uma queda dos preços dos produtos agrícolas. A ação do Estado nesse meio é residual.
Essas queimadas anunciadas nos jornais são feitas após a ação das madeireiras? Exato. Às vezes, dependendo do interesse econômico, já queimam direto. A voracidade e a velocidade com que agem as frentes de ocupação é brutal. Isso explica porque, hoje, já se tem 18% da floresta destruída. E isso só tende a crescer, pois todas as empresas estão indo para a Amazônia, quem não foi, está indo, comprando terra. Isso se reflete, por exemplo, nos projetos de lei, na pressão dos ruralistas para flexibilizar a legislação. Há, por exemplo, o PL 6424/2005, do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), que altera o código florestal para permitir o plantio de cana-de-açúcar para a produção de agrocombustíveis. Já passou no Senado e agora está na Comissão de Meio Ambiente da Câmara de Deputados. Na prática, o proprietário de terras, ao invés de recuperar a floresta derrubada, poderá cultivar “plantas exóticas” [plantas não originárias da Amazônia] como dendê, eucalipto e cana, com a desculpa de que isso ajudará o país na área de agrocombustíveis. Isso consolidaria o que já foi destruído e diminui a proteção. E a cana já está lá: no Pará, Mato Grosso, Acre, e vai crescer mais.
Quanto
1
10 mil
hectare corresponde a metros quadrados, o equivalente a um campo de futebol Além da pecuária de corte, há interesses das transnacionais em produzir leite também na região, não? A Amazônia estaria no plano de várias empresas que querem torná-la a maior bacia leiteira do mundo. Ali seria possível vender o litro de leite a 11 centavos de real. Se isso for verdade, essas condições de produção não se repetem em nenhum lugar no mundo. E parece algo plausível, porque hoje a Amazônia já é a maior produtora de carne do Brasil, e o Brasil, o maior produtor de carne do mundo. No resto do país, o rebanho cresce negativamente, ou seja, aumenta-se a atividade pecuária na Amazônia e diminui em outros lugares. Para ilustrar isso, em 1964, havia 1 milhão de cabeças de gado e hoje existem 80 milhões. Esse gado não nasceu todo lá, a maior parte foi levada; e continua sendo levada.
Os recursos só vão para o lado da destruição. Enquanto não mudar isso, os índices de desmatamento vão continuar altos. Quando essas taxas caem, é porque há uma queda dos preços dos produtos agrícolas, e o inverso também acontece. A ação do Estado nesse meio é residual Qual é a visão que devemos ter da Amazônia? A visão de que a floresta pode prestar serviços econômicos e ambientais ao Brasil e à humanidade, sem ser derrubada. A visão, hoje, é que ela só serve se estiver no chão. O volume de área que já se desmatou é suficiente para manter todas as atividades agrícolas que se quer para a Amazônia. Mas param de cortar? Não, as pessoas querem terra nova, não uma que já foi desmatada, para, assim, cortar a floresta e entrar na dinâmica da linha de montagem. Até 2050, calcula-se que mais 25 ou 30% de seu território serão devastados, ou seja, até lá, metade da área original será destruída. Certamente haverá aumento de secas, queimadas e diminuição das chuvas. E aí podemos ver as confirmações dos cenários mais catastróficos. Elza Fiuza/ABr
Quem é Sérgio Leitão é diretor de políticas públicas da organização não-governamental Greenpeace-Brasil
de 10 a 16 de abril de 2008
9
américa latina
Lugo: “o Paraguai deveria voltar a ocupar seu lugar na história” APC/CC
20 DE ABRIL Em entrevista, o ex-bispo Fernando Lugo – candidato favorito às eleições – faz uma análise do quadro político e dos desafios sociais para não “decepcionar” a esperança Claudia Korol de Assunção (Paraguai) O PARAGUAI atravessa atualmente uma encruzilhada cujo resultado marcará as perspectivas populares não somente nesse país, mas em toda a América Latina. Pela primeira vez em 60 anos, está seriamente ameaçada a hegemonia do Partido Colorado por uma força eleitoral popular, encabeçada pelo ex-bispo Fernando Lugo. Depois de terminada a ditadura de Stroessner (1954 – 1989), todas as estruturas de controle das instituições políticas, jurídicas, militares e legislativas ficaram nas mãos de seus continuadores. O modelo de acumulação que por muitos anos sustentou a ditadura, baseado no esquema agroexportador, nas grandes contratações do Estado e, sobretudo, o dinheiro que entrou no país pelas grandes construções das usinas hidrelétricas de Itaipu (com Brasil) e Yacyretá (com Argentina) terminou na década de 1980. A profunda crise foi sorteada com violência política exercida contra o povo e com os ajustes de contas entre as principais facções do poder: os pecuaristas – organizados na Associação Rural do Paraguai–, a União Industrial Paraguaia (UIP) e a Cadelpa (os agroexportadores), todos entrelaçados a narcotraficantes e a grupos que têm feito da política o caminho dos negócios. É por isso que a possibilidade de que se concretize, no dia 20, o que aparece em todas as pesquisas, está ameaçada. Não somente porque o Partido Colorado é especialista em “megafraudes”, mas também por causa da guerra suja que tem sido desenvolvida contra as forças opositoras. A força eleitoral que leva Lugo como candidato está composta por uma franja política muito ampla, que vai desde uma parte significativa dos movimentos populares até o tradicional (e conservador) Partido Liberal Radical. Isso gera algumas desconfianças entre os setores que, apesar de o apoiarem, sabem que caso ele vença haverá uma grande disputa interior entre as forças que hoje o apóiam. Esta entrevista foi concedida em um seminário nacional convocado pela juventude de Tekojoja, a força criada recentemente em torno da figura de Lugo.
Os tratados de Itaipu e Yacyretá são leoninos, injustos, que quase não beneficiam o Paraguai. Vamos exigir uma renegociação para dispor livremente de nossos excedentes hidrelétricos e receber um preço justo por eles Como o senhor pensa em desafiar o aparato corrupto que hoje controla majoritariamente as estruturas políticas do Paraguai? Nós temos consciência de que não será fácil, porém, não será impossível. O maior obstáculo será, por um lado, o confronto com um sistema eleitoral de fraude que tem 60 anos. Por outro, há uma estrutura estatal identificada com o Partido Colorado. Por isso dizemos que a cidadania será o sujeito dessa mudança real que estamos gerando. O que nós queremos é que o povo tenha o poder, seja protagonista e elabore o programa. Sempre dizemos que o adversário não será Blanca Ovelar (candidata do Partido Colorado) ou Lino Oviedo (candidato de um setor militar). Nosso inimigo será a corrupção. Teremos que vencer a pobreza e a ignorância. No 20 de abril, dia das eleições, o grande desafio será romper 60 anos de fraude eleitoral. Como se caracterizam as forças que integram a Aliança? A Aliança Patriótica para a Mudança (APC) aglutina nove partidos políticos e 20 movimentos sociais de camponeses, sindicais, de bairros e de mulheres. O Paraguai é nossa garantia de unidade. Todos nós nos unimos debaixo das cores de nossa bandeira. O vermelho, que simboliza a justiça, o branco, que simboliza a paz e o azul, da liberdade. A Aliança resume o que é o Paraguai, incluindo uma franja colorada que também a integra. Nós unimos diferentes ideologias, tendências, líderes de diferentes extrações, colocando o país em primeiro lugar. Prometemos que não haverá perseguições. Não haverá exclusão ideológica, religiosa ou étnica. Queremos que se cumpra a Constituição: somos todos iguais peran-
Fernando Lugo, candidato da APC à presidência do Paraguai: “os movimentos populares estão na dianteira”
te a lei. Se tiverem que haver privilegiados, serão os esquecidos. A APC se fez para favorecer os mais pobres do país. Eles nos exigem a mudança real do Paraguai. Dessa vez, não se trata de mudar de presidente, mas de fazer um país diferente. Nosso sonho é que o Paraguai abra seus braços, levante vôo e possa acolher, se não a todos – para ser realista –, a grande maioria dos paraguaios. Que lugar têm os movimentos populares no projeto da APC? Os movimentos populares estão na dianteira. Aqui também está o maior partido de oposição, o Partido Liberal, as forças sociais, camponesas, sindicais, que fazem um grande contrapeso. O movimento Tekojoja nasce quando os movimentos sociais se dão conta de que suas revindicações, desde o ponto de vista social, não são atendidas, não avançam. Quando os sem-terra vêem que sua luta social está sendo criminalizada a partir do momento em que processam mais de 4 mil camponeses, esses grupos começam a pensar em formar um movimento político. Em Tekojoja, a grande maioria é composta por líderes sociais jovens, estudantes, artistas e políticos que não surgem dos partidos tradicionais. Estamos convencidos que os movimentos populares hoje têm um grande protagonismo político. Um grande passo é pensar politicamente os problemas sociais e, também, responder politicamente. Esse protagonismo é o que marca a diferença e a identidade da Aliança. Que mudanças esse governo espera realizar? Nossa visão é de mudar a história. É romper com mais de 60 anos de um partido hegemônico que nem sequer representa seus princípios. Há muitos colorados que estão também na Aliança Patriótica para a Mudança, porque a política atual não os representa. O que vai mudar? Vai terminar o roubo ao erário público. Nós não vamos roubar, como escandalosamente se faz em nosso país. A maneira mais rápida de fazer fortuna no Paraguai é fazer política. Que outras coisas vão mudar? Estarão na administração pública os melhores homens. Na Aliança Patriótica para a mudança, há seis eixos que ocupam o mesmo nível de importância: a reforma agrária, a reativação econômica, a recuperação da institucionalidade da República, a justiça independente, o plano de emergência nacional e a recuperação da soberania, especialmente da soberania energética. Os seis eixos programáticos recolhidos em todo o país têm o mesmo peso, a mesma importância. A reforma agrária nunca foi feita. Há um programa elaborado pelos próprios camponeses. Não se trata somente de distribuir algumas terras. Reforma agrária é possibilitar cidadania, que as 300 mil famílias sem-terra possam ter uma vida digna, com terra, crédito, assistência técnica, cultivo adequado, mercado justo e com todos os serviços. De onde sairá o dinheiro? Das reservas do Estado. O Estado paraguaio tem uma reserva de 2,5 bilhões de dólares neste momento. O programa de reforma agrária apresentado pelo movimento camponês requer 150 milhões de dólares. Outro tema importante é que vamos apoiar as pequenas empresas formadas de maneira cooperativa. Temos energia suficiente para fazer um país industrial. No nosso plano de governo, propomos uma justiça soberana, independente e autônoma. Hoje não a temos. A Justiça soberana e independente não é resulta-
do de um pacto político dos partidos para eleger os juízes membros das cortes, mas sim que estes sejam os mais idôneos, os mais capazes. Eu acredito que os organismos internacionais estão dispostos a nos ajudar para que possamos avançar nisso. Um tema fundamental é a recuperação da soberania energética; isso põe a necessidade de reconsiderar os tratados das usinas de Yacyretá (com a Argentina) e de Itaipu (com o Brasil). O que vocês estão propondo a respeito? Os tratados de Itaipu e Yacyretá são leoninos, injustos, que quase não beneficiam o Paraguai. Vamos exigir uma renegociação para dispor livremente de nossos excedentes hidrelétricos e receber um preço justo por eles. Exigiremos acesso técnico, sem custo adicional, da totalidade da energia que nos é correspondente de Itaipu e de Yacyretá – segundo estabelecem os respectivos tratados – e a eliminação de todas as dívidas espúrias. Vamos discutir que o preço da energia seja o do mercado, e não o de custo, como se faz até agora. A Aliança Patriótica para a Mudança demandará, além disso, a redução das taxas de interesse usurárias, a co-gestão efetiva na administração dos entes binacionais e a transparência na gestão, com livre acesso público à informação e o controle por parte dos entes de fiscalização pública dos países involucrados. Incentivaremos a construção de redes de transmissão de grande tamanho, para assegurar o abastecimento interno do país, estimular o uso produtivo de nossa hidroeletricidade e possibilitar que seja o centro de interconexão elétrica do Mercosul, exportando-a a preços de mercado. De todas as formas, eu penso que esse tema não pode ser visto apenas do ponto de vista econômico, mas é necessário também incluir no debate a questão ambiental. Como garantir que o desenvolvimento econômico não se faça em detrimento do meio ambiente? No Paraguai, somente a partir de 1996, as leis contemplam delitos sobre o meio ambiente. O desafio é como garantir o respeito ao ambiente. A relação do Paraguai com o Brasil, a Argentina e o Uruguai está marcada por uma dívida histórica que significou a Guerra da Tríplice Aliança [Guerra do Paraguai, para os brasileiros]. O que significa essa carga histórica em relação à integração de nossos povos? Acredito que há uma releitura e uma reinterpretação da história. Há um reconhecimento da dívida histórica com o Paraguai. Acreditamos na Justiça, o Paraguai deveria voltar a ocupar o lugar que ocupava: o país mais desenvolvido, o mais unido, que tinha um projeto econômico diferenciado. Acreditamos que o Paraguai tem um potencial humano, econômico e riquezas naturais para voltar a ocupar o lugar que possuía. O reconhecimento que os países vizinhos podem dar a essa dívida histórica é simplesmente o que, por uma questão de justiça, corresponde ao país. Faremos um governo aberto ao continente e ao mundo. Aberto às novas tendências, mas com nossa identidade bem marcada. Abertos ao Mercosul, a uma integração com mais eqüidade social, com mais simetria. Os homens e mulheres paraguaios nos ensinaram muito nestes últimos meses. Nos ensinaram que temos uma identidade própria fortalecida, e, sobretudo, que o Paraguai não se ajoelhará diante de ninguém. Recuperaremos nossa dignidade como nação. Nossas pequenas gran-
Quem é Nascido em 1951, em uma comunidade rural, Fernando Lugo viveu desde pequeno a repressão da ditadura. Seu pai foi preso mais de 20 vezes. Três de seus irmãos foram torturados e expulsos do país. Aos 19 anos, entrou no seminário e se identificou com a perspectiva da Teologia da Libertação. Em 1983, foi expulso do Paraguai por seus sermões “subversivos”. Depois de um tempo em Roma, voltou em 1987, e em 1994 foi ordenado bispo. Durante dez anos foi bispo em San Pedro, uma das regiões mais pobres do Paraguai e mais castigadas pela repressão. Ao final de 2006, renunciou ao sacerdócio e aceitou a candidatura para presidente, depois de receber mais de 100 mil assinaturas que lhe pediam para que contribuísse com seu prestígio e se empenhasse em conseguir a unidade das forças paraguaias opositoras ao Partido Colorado.
des diferenças, conversaremos como vizinhos, com amizade, solidariedade. Nos uniremos com alegria aos governos progressistas da América Latina. Temos muito que aprender com nossos irmãos. É muito o que temos para aprender com a Bolívia. É um país que criativamente está fazendo um novo caminho. O que significaria um triunfo de Fernando Lugo para o cenário político latino-americano? O Paraguai vai mudar de imagem. Em primeiro lugar, não será o país mais corrupto da América Latina. Será o país mais honesto. Com uma administração transparente, um governo de credibilidade e legitimidade, pluralista, popular, com participação cidadã. Isto permitirá ao país cobrar o lugar que lhe pertence. Um lugar que o coloque em igualdade de condições para conversar com todos; e ser protagonista no processo de integração latino-americano. Temos um elemento de desenvolvimento para a integração que não se deve descartar: a energia. O Paraguai é o único país que tem reservas de energia e que tem superavit de energia na região. Acredito que isso nos dá potencial para negociar com os países vizinhos e, ao mesmo tempo, ser escutado no concerto das nações como um país que pode aglutinar, unir e ter um espaço preponderante no desenvolvimento e na integração do continente. Uma jovem militante de Tekojoja expressou que ainda existe medo entre os jovens para participar. Como se dá essa batalha entre o medo e a esperança nos setores populares? Há medos distintos. Como na Aliança há setores tão diversos – o que torna ainda mais rica a experiência – há medo que interesses prevaleçam. O governo será muito equilibrado em um primeiro momento, levando em conta as prioridades de todos os setores. Nos camponeses, o medo que existe é que suas reivindicações não sejam cumpridas e que haja um aparato repressor forte, como o que ocorreu em San Pedro, em 2005, e criminalizou a luta agrária com 4 mil camponeses processados e casas queimadas. É certo que há um grande medo. Mas também há uma grande esperança posta em marcha. Não vamos decepcionar essa esperança. Será um processo difícil e longo, mas prometemos à cidadania não renunciar aos direitos de todos os paraguaios. Acredito que a governabilidade tem que ser assegurada através de um grande pacto social que envolva os mais diversos setores. (Jornal Punto Final)
10
de 10 a 16 de abril de 2008
américa latina
Sessenta anos após “Bogotazo”, conflito continua na Colômbia HISTÓRIA Assassinato de Jorge Eliécer Gaitán marca o início da convulsão no país; Farc e outros grupos surgem nesse período Reprodução
Claudia Jardim de Caracas (Venezuela) HÁ 60 ANOS, o som de quatro disparos à queima roupa mudaria a história da Colômbia. Era uma sexta-feira, 9 de abril de 1948. Jorge Eliécer Gaitán, líder do Partido Liberal e principal líder da oposição, caminhava no centro de Bogotá acompanhado por três amigos. Um jovem barbudo se aproximou do grupo e sacou um revólver. Gaitán teria recuado, tentado regressar ao edifício de onde havia saído minutos antes. Já era tarde. “Mataram Gaitán, mataram Gaitán”, começou a gritar um, logo outro, até que a frase se transformou em um coro uníssono na capital do país. Se iniciava a rebelião popular conhecida como “El Bogotazo”. O assassino, Juan Roa Sierra, não pôde escapar. Foi arrastado pelas ruas enquanto era linchado pela multidão enraivecida e levado ao local em que acreditavam que estaria o autor intelectual da morte do líder opositor: o Palácio de Governo, de onde despachava o presidente do partido Conservador, Mariano Ospina Pérez. Favorito às eleições presidenciais de 1950, com um programa para “restaurar a moral da República”, Gaitán prometia democratizar a terra, estimular a educação pública, tornar o voto obrigatório, reconhecer a igualdade de direitos à mulher, entre outras reformas. Era tempo de bipartidarismo, em que os partidos Conservador e Liberal disputavam o controle político do país. “A Colômbia travava uma guerra entre duas tribos, na qual mataram um dos chefes”, sintetizou o historiador Marco Palacios ao diário venezuelano El Nacional.
Fidel Castro O assassinato de Gaitán impediu um encontro. Gaitán receberia, às duas da tarde deste dia, um dos estudantes latinoamericanos que estava reunido em Bogotá em um evento paralelo à 9ª Conferência Interamericana, que tinha como figura central o general estadunidense George Marshall, que pretendia fincar em Bogotá a política estadunidense de combate ao comunismo na América Latina. Quando o então estudante, Fidel Castro, deixa seu hotel em direção ao local onde encontraria Gaitán, escuta os gritos e o estardalhaço da rebelião que se iniciava. Carros, edifícios, igrejas e tudo o que poderia representar o governo conservador seria destruído ou queimado.
O assassinato de Gaitán impediu um encontro. Às duas da tarde do dia em que foi morto, o principal líder da oposição se encontraria com um desconhecido estudante cubano de nome Fidel Castro, que estava em Bogotá Aquela gente começou a correr em todas as direções e a gritar que haviam matado Gaitán. Gente da rua, do povo, divulgando velozmente a notícia. Em pouco tempo, começaram as manifestações de anarquia, quebrando vidros e saqueando. Se respirava um ambiente de irritação na massa. Não era uma agitação organizada, e sim essas coisas que ocorrem espontaneamente”, relatou Castro anos depois.
Guerrilheira em acampamento das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc)
“A origem das Farc é absolutamente camponesa. Marulanda é um velho camponês que não teve nenhum contato com o mundo urbano, é um homem absolutamente rural”, afirma Jorge Luis Botero, jornalista colombiano A multidão reivindicava a renúncia do presidente. Os “gaitanistas”, uma das correntes do Partido Liberal, pretendiam transformar a revolta em revolução. A resposta foi a repressão. Dezenas de milhares de pessoas seriam mortas a partir desse dia. Iniciava-se uma guerra que, até hoje, não tem data para terminar.
Começa a guerra Com a iminente derrota nas eleições presidenciais de 1950, o partido Conservador indicava já não acreditar na via eleitoral. A violência, incrementada após o Bogotazo, já marcava a vida dos camponeses no interior do país. “Pedimos que cesse a perseguição das autoridades. Assim o pede esta imensa multidão. Pedimos uma pequena e grande coisa: que as lutas políticas se desenvolvam pelo leito da constitucionalidade”, discursou Gaitán, cercado por milhares de pessoas durante uma manifestação realizada meses antes de seu assassinato. Em resposta à violência dos latifundiários conservadores, a partir dos anos de 1940 começaram a conformar-se os primeiros núcleos de autodefesas camponesas que anos depois se converteriam em guerrilhas. As pessoas se armavam com velhas escopetas, revólveres antigos e todos os implementos de guerra que encontrassem. Os trabalhos do campo eram abandonados devido à violência que já não permitia que as pessoas a ele se dedicassem. Surge a solidariedade entre conterrâneos, entre companheiros de luta, entre perseguidos”, descreveu Manuel Marulanda ou “Tirofijo”, o nome de guerra de Pedro Antonio Marín, principal comandante das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), ao relatar o
nascimento das autodefesas camponesas em seus Cadernos de Campanha.
Primeira célula das Farc Levados pela violência a abandonar suas terras, dezenas de camponeses passaram a colonizar a zona selvática colombiana, abrigando o nascimento da primeira célula das Farc, que tinham como braço político o Partido Comunista Colombiano. De um grupo de autodefesa que contava com umas poucas dezenas de camponeses, a guerrilha se constituiu em uma organização político-militar. Passou a inflar suas filas com novos recrutas e formá-los na cartilha marxista-leninista, sob a reivindicação da tomada do poder para transformar a então conservadora estrutura em um Estado democrático, orientado pelo resgate das terras para os camponeses, controle dos recursos naturais, educação e saúde universais. “A origem das Farc é absolutamente camponesa. Marulanda é um velho camponês que não teve nenhum contato com o mundo urbano, é um homem absolutamente rural”, afirma Jorge Luis Botero, jornalista colombiano, autor do livro Últimas notícias da guerra. ELN e M-19 Paralelamente às Farc, se constituíram o Exército de Libertação Nacional (ELN) e a já extinta guerrilha M-19. Em uma etapa posterior, as Farc se consolidam como a maior guerrilha do país, estruturada como um Exército e autônoma. A chamada economia de guerra, vinculada à produção de cocaína, extorsões, cobrança de impostos e, mais recentemente, aos seqüestros, garantiam à guerrilha a manutenção de um Exército que, na década de 1980, somava 30 mil guerrilheiros, de acordo com dados do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz (Indepaz). Este desenvolvimento das
Farc culmina com a pior crise do Estado colombiano, que foi a crise da narcopolítica. Nesse ambiente de guerra, as Farc aparecem como uma força militar e uma bandeira política. Esse foi seu ponto máximo”, afirma Camilo González, ex-membro da guerrilha M19, presidente do Indepaz.
União Patriótica Em 1980, as Farc iniciam um processo de negociação para um acordo de paz com o governo de Belisário Betancour, no qual seria criado um movimento de oposição que permitiria que a guerrilha fosse incorporada paulatinamente à via institucional. As condições que permitiam o trânsito à legalidade era o pleno respeito aos direitos políticos dos integrantes da recémconformada União Patriótica (UP) e a realização de uma série de reformas democráticas, que permitiriam o pleno exercício de seus direitos civis.
A partir de 1984, estima-se que 5 mil membros da União Patriótica – partido criado para incorporar militantes das Farc, na tentativa de que o grupo abandonase a luta armada –, foram assassinados ou desaparecidos pelas mãos de paramilitares ou do Exército regular Em 1984, se iniciou um processo de perseguição, assassinatos e desaparições forçadas dos membros da UP. Estima-se que 5 mil militantes, entre eles dezenas de dirigentes políticos, foram assassinados ou desaparecidos
Quanto
10 mil
pessoas morrem anualmente em virtude da guerra, que já dura 60 anos pelas mãos de paramilitares ou do Exército regular. O extermínio da UP incide ainda hoje na análise das Farc sobre uma possível saída política para o conflito colombiano. “Símon Trinidad [do secretariado das Farc, condenado a 60 anos de prisão nos EUA] me disse uma vez: ‘Temos dois nuncas: nunca esqueceremos o que aconteceu com a UP e nunca vamos deixar as armas. Isso nunca vai acabar’”, sentenciou Trinidad, de acordo com o jornalista Jorge Botero. Nesse período, de acordo com Camilo González, o incremento da pobreza nas zonas rurais, provocada pela bancarrota da economia camponesa – que substituiu o milho e o feijão pelo cultivo da coca e da papoula –, tornou as guerrilhas e os grupos paramilitares uma fonte de “emprego” para os jovens do campo. Houve uma ‘mercenalização’, muitos se incorporaram à guerrilha como modo de vida e, com o crescimento militar, a formação política foi ficando de lado”, afirmou González.
Reféns Após o ostracismo vivido depois do fracasso das negociações de paz do Caguan (1998 a 2000) e do crescente rechaço dos colombianos a práticas como o seqüestro, em agosto de 2007, as Farc lançam uma nova estratégia para construir uma plataforma política internacional, em uma tentativa de compensar o debilitamento interno dos últimos anos. A guerrilha abre os canais de diálogo com o governo de Álvaro Uribe para um acordo humanitário intermediado pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que prevê a libertação de um grupo de seReprodução
Bonde queimado e Fidel Castro sem barba (primeiro à esquerda)
qüestrados políticos em troca de 500 guerrilheiros presos. “As Farc precisavam fechar o capítulo desse grupo de reféns. Estavam traçando o caminho, mas Uribe tampouco quer deixar. Uribe os tem encurralados e diz que as coisas são à sua maneira”, avalia Camilo González.
Plano Colômbia O Plano Colômbia, principal instrumento do governo Uribe no combate à guerrilha, deverá alcançar cifras recordes para este ano. Financiado pelos Estados Unidos, o plano deverá alcançar os 9 bilhões de dólares, o equivalente a 5,6% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com um estudo realizado pelo pesquisador em Direitos Humanos Ivan Cepeda. O bombardeio realizado pelo Exército colombiano no Equador, dia 1º de março, que resultou na morte de Raúl Reyes, principal interlocutor do acordo humanitário, congelou as possibilidades de novas libertações de reféns. Depois disso, as Farc anunciaram que a entrega unilateral, como a de seis reféns libertadas no início deste ano, não se repetiriam. Uribe está convencido que pode derrotar militarmente a curto prazo as Farc. Ele acredita que sua estratégia está funcionando e, portanto, não abrirá espaços de diálogo ao acordo nem ao diálogo internacional, porque não convém à sua estratégia”, avalia González.
“Símon Trinidad [do secretariado das Farc, condenado a 60 anos de prisão nos EUA] disse uma vez: ‘Temos dois nuncas: nunca esqueceremos o que aconteceu com a União Patriótica e nunca vamos deixar as armas. Isso nunca vai acabar’ ”. Mais 60 anos? A guerra, que já dura 60 anos, cobra anualmente a vida de 10 mil pessoas, de acordo com dados do Indepaz. Convencido de que pode derrotar a guerrilha, Uribe insiste na via armada. Além do acordo humanitário, as Farc não indicam um caminho diferente. O jogo está trancado. Para o jornalista colombiano Jorge Botero, a projeto político defendido pelas Farc, de tomada de poder pela via armada, é “utópico” e “inviável” no atual contexto latino-americano e interno colombiano. “É um caminho absolutamente inviável do ponto de vista militar, não só porque a conjuntura latino-americana é desfavorável a este cenário, mas também porque não há como desequilibrar a balança de tal forma que possam chegar ao poder como chegou Fidel e seus barbudos”, avalia Botero. Para Camilo González, do Indepaz, a maioria dos colombianos já não entende a razão de ser da guerra e responsabilizam principalmente a guerrilha pelo conflito. A seu ver, as Farc não possuem atualmente uma bandeira programática pela qual lutam. “O que pensam dos problemas reais do povo colombiano, o que propõem? Ninguém sabe o que pensam sobre nenhum dos temas que inquietam as pessoas no cotidiano. A bandeira deles é de auto-reivindicação, e não deixam ver seu programa político, que, sim, existe, mas ninguém mais recorda quais são as razões da sua luta”, afirma González.
de 10 a 16 de abril de 2008
11
internacional
A luta dos sem-teto na França Douglas Estevam
ENTREVISTA Coordenador do mais antigo movimento por moradia da França, Jean-Baptiste Eyreud, explica como funciona o Droit au Logement – DAL (Direito à Moradia, em francês) Douglas Estevam de Paris (França) JEAN-BAPTISTE Eyreud é o coordenador do mais antigo movimento por moradia da França, o Droit au Logement – DAL (Direito à Moradia, em francês), criado em 1990. Nascido em 1954, em Paris, carpinteiro e pai de três filhos, ele preside a Federação de Comitês do DAL, que conta hoje com 30 comitês em toda a França. Brasil de Fato – O DAL, constituído em 1990, se estrutura em torno da luta por um direito à moradia, reinvindicando-o como uma lei. Quais são as bases para estas reivindicações? Jean-Baptiste Eyreud – Na França, há várias políticas de habitação social. Na Europa, há muita coisa assim, na Alemanha, na Inglaterra e em outros países. Depois da Segunda Guerra mundial, o mercado imobiliário de locações privadas foi liberado. Na França, a mercantilização do mercado imobiliário foi progressivamente estimulada depois de 1948, obrigando o Estado a construir moradias socias. O direito à moradia é reconhecido na França, mas não é aplicado. Ele existe, mas é apenas uma declaração de princípio. A Constituição francesa prevê os meios de existência. Existem também os Direitos do Homem, reconhecidos na convenção européia dos Direitos do Homem e na Declaração Internacional dos Direitos do Homen da ONU, instituída depois da Segunda Guerra. Ainda na França, nós temos uma lei que diz que o direito à habitação deve ser uma lei de solidariedade nacional, a lei SRU, e temos uma outra lei que reconhece o direito à moradia, a lei DALO. E por que essas leis não são aplicadas? Por diferentes razões. Antes, as pessoas conseguiam se alojar porque o aluguel não era tão caro, mesmo que as habitações não fossem tão boas. Depois, com a alta dos aluguéis, começou a se formar um grande número de pessoas sem condições para morar. Esta é a situação que conhecemos na França hoje: o aluguel é caro em quase toda a parte, nas vilas, nas grandes vilas, nas periferias, tudo é caro, além da especulação imobiliária. O DAL, constituído como uma organização social, de-
Douglas Estevam
pois de mais de 15 anos de luta, conseguiu pautar a legitimidade destas reivindicações e estabelecer uma relação diferente com a opinião pública, e isso é importante. Depois dos anos de 1990, vocês se tornaram um movimento de massas. Quais foram os motivos que levaram à adoção desta forma de organização? Isso se construiu progressivamente. Existiram muitas lutas antes da criação do DAL, ocupações, requisições de imóveis, por famílias em dificuldades. Houve requisições de moradias sociais, para denunciar o fato da existência de populações pobres, muito mal alojadas, imigrantes, que não são aceitos nos alojamentos (apartamentos) sociais, que são rejeitados, vivendo em condições de moradias muito difíceis, de insalubridade. Depois, começou a resistência para a obtenção de moradia. Em 1990, famílias que foram expulsas de dois imóveis no mesmo dia começaram um acampamento. Elas não puderam resistir às expulsões, então fizeram um acampamento ao lado, com o apoio dos habitantes do bairro, de organizações sindicais, políticas, associativas, religiosas, e o governo, nesta época socialista, cedeu e realojou as famílias. Eram 50 famílias que obtiveram um alojamento social. O acampamento durou quatro meses. Então essa conquista foi o embrião? Naquele momento, houve um debate interno nas organizações, e foi decidido que não iríamos mais fazer ocupações e sermos despejados, voltar a fazer ocupações e sermos despejados de novo. Era preciso resistir e criar uma organização que não saísse enquanto não obtivesse uma habitação. Foi quando criamos o DAL. As famílias disseram: queremos uma associação de fato, uma organização declarada, que possa negociar com o poder público, que possa manter uma relação oficial com o governo, com possibilidade de negociar com as instituições. E que depois possam continuar a luta. Com este novo formato de organização, vocês também implementaram uma série de táticas específicas de enfrentamento social. Quais foram? Começamos fazendo acam-
Quem é Jean-Baptiste Eyreud é o coordenador do mais antigo movimento por moradia da França, o Droit au Logement – DAL (Direito à Moradia, em francês), que conta hoje com 30 comitês em todo o país.
pamentos com 50 famílias no primerio ano, em 1990; depois com 100, no segundo, e 300, no terceiro ano. Isto provocou uma forte reação da polícia, que nos reprimiu. A partir de 1993 até 1997, nossas principais formas de atuação foram as ocupações de prédios abandonados. E isto começou a dar resultados. Houve ocupações em que uma semana depois as famílias foram alojadas. Após este período, começamos a alternar ocupação e acampamentos, e ocupações pontuais, ocupações dos órgãos públicos, de habitação social, de prefeituras, para obtermos promessas de alojamento. Ocupações de um dia. Ocupávamos, fazíamos a denúncia e a negociação. Faziam atos massivos também? Fizemos grandes manifestações. As maiores reuniram 15 mil pessoas, após os incêndios de 2005 em imóveis de habitação precária. Era um imóvel extremamente precário, de famílias africanas que estavam temporariamente aguardando habitação social. Outro aspecto muito importante é a cobertura das ações pela mídia, dos processos de luta. Conseguimos conquistar um espaço de destaque na imprensa, o que garantiu para nós um enfrentamento com maior força. E vocês fazem formação política? Não chamamos de formação política. Nós fazemos formação de militantes, com militantes voluntários e também com as famílias. Uma formação de um dia sobre a situação da moradia, políticas de habitação, lutas e história do DAL. Depois sobre o problema dos aluguéis. Fornecemos também instruções para aprenderem como preencher os formulários. No verão, temos uma formação de
No dia 15 de março, cerca de 4 mil franceses foram às ruas protestar contra os despejos
10 dias sobre as leis, preparação de ações práticas, de materiais para intervenções, faixas, bandeiras, e também formação geral, de abertura para o mundo, uma formação mais política, sobre a mundialização, as relações com o Sul, o papel das mulheres.
Conseguimos habitação para mais de 6 mil famílias em Paris e 10 mil na França. Mas ainda não é o suficiente para maiores vitórias sobre a crise de moradia. Nestas formações, há os militantes das famílias, mas também novos militantes voluntários, antigos sindicalistas e mesmo pessoas sem experiência. São estas pessoas que vão montar os comitês. E vão mobilizar os “malalojados”. Existem comitês dirigidos pelas famílias alojadas também. Hoje, conta-
mos com 30 comitês em toda a França. Quais são os desafios enfrentados pelo movimento para seu avanço? Temos dificuldades com os imigrantes, que têm as piores condições de moradia. Depois que conquistam a moradia, ainda enfrentam muitos problemas para organizarem suas vidas. A segunda dificuldade são os franceses brancos. Eles não querem contar a sua história, não querem lutar, não acreditam na luta. Preferem se esconder, não aparecer. Os brancos se mobilizam menos sobre os problemas de moradia. Então, com efeito, os imigrantes têm uma função importante porque eles lutam para ser alojados. É dificil, isso pode durar dois ou três anos. Um outro aspecto é que eles lutam também pelo interesse geral, de todo mundo. É preciso que se saiba que não somos um grande movimento de massa. Existe alguma regra de conduta para os militantes?
Adotamos alguns princípios. As negociações são sempre feitas com um representante dos “mal-alojados”. A segunda regra é a participação nas decisões e a realização das assembléias gerais, que é um momento muito importante. E, depois, a independência política, não se filiar a nenhuma organização política, não se apresentar como candidato nas eleições. Temos militantes de várias organizações, não há uma única cor. E também pedimos independência institucional, porque, na França, dão dinheiro para associações que se ocupam dos pobres. Garantimos nossa autonomia financeira com campanhas e eventos públicos. Quais as maiores conquistas do DAL até o momento? Conseguimos habitação para mais de 6 mil famílias em Paris e 10 mil na França. Obtivemos também muitas conquistas jurídicas. Mas ainda não é o suficiente para maiores vitórias sobre a crise de moradia. A especulação imobiliária representa interesses que ainda não somos suficientemente fortes para neutralizá-los.
áfrica Sgt. Jeremy Lock USAF/CC
No Zimbábue, partido de Mugabe fala em disputar segundo turno com “energia” Oposição se autoproclama vencedora, apesar de resultado ainda não ter sido divulgado; presidente está no poder há 28 anos do Gara O partido do presidente Robert Mugabe disse estar preparado para disputar com “energia” o segundo turno das eleições presidenciais para preservar o mandato de Mugabe – no poder há 28 anos. A União Nacional Africana de Zimbábue – Frente Patriótica (Zanu-PF) “está pronta para o segundo turno e para a vitória resultante”, declarou o porta-voz governamental, Bright Matonga. Não há um prazo legal para que as autoridades eleitorais divulguem os resultados
do pleito. A lei só diz que, caso seja necessário, o segundo turno tem de acontecer dentro de 21 dias, contados a partir do primeiro turno – que no caso, ocorreu no dia 29 de março. A comissão eleitoral admitiu, no dia 2 de abril, que a Zanu-PF perdeu a maioria na Câmara dos Deputados para o Movimento para a Mudança Democrática (MDC), que obteve 109 das 210 cadeiras. Ao depositar seu voto, Mugabe foi taxativo: “ Vamos ganhar”. Desde então, tem mantido uma posição discreta, não habitual. No mesmo dia 2, nem mes-
mo reagiu quando o seu opositor, Morgan Tsvangirai, candidato presindencial do MDC, autoproclamou sua vitória, visto que o seu partido davalhe garantias de que havia recebido 50,3% dos votos contra 42,9% de Mugabe – números, porém, sem confirmação oficial. No dia 3, após dias de silêncio, Mugabe compareceu brevemente e sorridente na cadeia de televisão estatal. Ao seu lado estava o chefe da missão de observadores enviada pela União Africana, Ahmad Tejan Kabbah. Após o encontro, disse que Mugabe, de 84 anos, “parecia muito abatido”,
Robert Mugabe, presidente do Zimbábue e candidato à reeleição: “vamos ganhar”
e informou que também havia se entrevistado com Tsvangirai, o que demonstra uma intensa atividade diplomática com os dois partidos. Segundo analistas, diplomatas africanos haveriam ofe-
recido a Mugabe a possibilidade de uma “retirada suave”. Outra opção também considerada seria a do exílio. O exprimeiro ministro da Malásia, Mahatir Mohamad, amigo próximo de Mugabe, conside-
rou a possibilidade de seu país acolhê-lo. Falta ver a postura das Forças Armadas do país, se saírão ou não em defesa do presidente, héroi da independência. (do Rebélion www.rebelion.org)
12 de 10 a 16 de abril de 2008
cultura Divulgação
Retratos da Bolívia MÚSICA Atajo, grupo de rock boliviano, experimenta ritmos andinos além de apresentar letras com temáticas político-sociais Igor Ojeda de La Paz (Bolívia) A IDÉIA era ir direito ao ponto. Não fazer como a maioria das bandas bolivianas de então: começar tocando covers, ficar conhecida e só então compor canções. Pelo contrário, o objetivo era tomar um caminho mais curto. Um atalho. Surgiu, assim, em 1996, o grupo Atajo (atalho, em espanhol), uma das bandas de rock de maior sucesso na Bolívia atualmente. O projeto, além de tocar músicas próprias, era compô-las em espanhol e “falar do que acontece com a gente, individualmente e na sociedade”, explica Panchi Maldonado, compositor, guitarrista e voz principal do grupo. No entanto, mais do que as letras no idioma nacional, chamam a atenção as composições de caráter social e político da banda e suas experimentações com outros ritmos, como os sons tradicionais da região andina, do resto da América Latina, o reggae e o blues. “Eu tinha um grupo chamado ‘La Bluesera’. Marcelo Siles, meu parceiro, gostava bastante de blues. Eu também, mas queria experimentar mais com outros ritmos. Então, decidimos nos separar e eu fundei Atajo. Não tem limites, não tem teto, estamos totalmente abertos a fazer o que quisermos”, conta Panchi. Elmer Cuba, percussionista do Atajo, conta que a banda parte de uma base rockeira comum a todos os membros, e utiliza as influências musicais de cada um. “O modo que fundimos essas influências faz com que saia um produto muito particular”, opina.
Ritmos latinos Caporal e morenada dos Andes bolivianos, cajón afro-peruano, saya afro-boliviana, corrido mexicano, huayno peruano. A lista de ritmos mesclados ao rock do Atajo é interminável, contribuindo para valorizar as expressões musicais latino-americanas. Sem, no entanto, chegar a tocar o ritmo autóctono de forma pura. “Porque estaríamos desrespeitando-o. Não somos feitos para fazer essas músicas. Escutamo-nas, e as trabalhamos para misturá-las”, explica Germán Romero Andrade, guitarrista da banda, que enfatiza que nunca caracterizam as canções tradicionais como folclóricas. No caso boliviano, Elmer diz que seu país possui uma riqueza cultural e musical muito grande, e que usar as influências dos ritmos andinos é relativamente fácil, “porque as vivemos muito fortemente”. Panchi, porém, conta que o contato mais próximo com tais ritmos não foi imediato. “Na adolescência, ouvi bastante heavy metal. Depois, comecei a escutar rock melódico, ou em espanhol. A partir disso, comecei a olhar mais para dentro, aprendi a escutar música andina, e a tocar também. Então, foi uma viagem por muitos ritmos. E agora, tento experimentá-los.” Tal incursão por novos sons trouxe desafios ao grupo e seus integrantes, como a obrigação de estudar e aprender a tocar instrumentos incomuns na música “moderna”. O baixista Gonzalo Molina González, por exemplo, considera possuir uma base ainda bastante rockeira.
A arte engajada Algunas participações de Atajo em eventos políticos: 2006. Participação em disco de apoio à candidatura de Evo Morales à presidência. Abril de 2005. Semana de ação mundial por um comércio justo e solidário (Campanha continental contra a Alca/ Movimento Boliviano contra a Alca e o TLC). La Paz. Outubro de 2004, novembro de 2005 e janeiro de 2006. Campanha Coca e Soberania (Primeira Feira pela Despenalização da Folha de Coca). Outubro de 2004. Feira cultural em homenagem aos caídos de outubro de 2003. La Paz. Dezembro de 2003. Concerto pelos direitos humanos, promovido pela Assembléia Permanente de Direitos Humanos da Bolívia. Novembro de 2003. Concerto em benefício de viúvas e órfãos dos acontecimentos de outubro de 2003. La Paz. “Estou aprendendo um pouco mais dos ritmos latinos”, diz.
Manifesto Da formação original do Atajo, apenas Panchi Maldonado, seu fundador, permanece. Hoje, além dele e do percussionista Elmer Cuba, do guitarrista Germán Romero Andrade e do baixista Gonzalo Molina González, fazem parte da banda o tecladista Marco Antonio Flores Gutiérrez e o baterista Edgar Arene. Todos eles, assim como os membros anteriores, com profunda sensibilidade social. Em 1998, o primeiro disco do grupo, chamado Personajes Paceños (Personagens Pacenhos, como são conhecidos os naturais de La Paz), trazia uma espécie de manifesto traduzido em 12 canções, com histórias reais, costumes, problemas e denúncias envolvendo personagens da capital boliviana. Uma delas, “Reggae de los lustras” (Reggae dos engraxates), conta a dura vida dos meninos engraxates, que em La Paz costumam cobrir seus rostos para não serem reconhecidos pelos colegas de escola.
“Reggae de los lustras” (Reggae dos engraxates) conta a dura vida dos meninos engraxates, que em La Paz costumam cobrir seus rostos para não serem reconhecidos pelos colegas de escola Não demorou muito para a imprensa posicionar o Atajo no gênero “rock urbano”, ao mesmo tempo em que afirmava que o rock da Bolívia havia nascido com o álbum. A categorização ganhou força em 2000, quando a banda lançou Calles Baldías (Ruas Baldias), que contemplava a temática da vida marginal da cidade, unindo as canções com sons de rua e cantos populares urbanos.
Experimental “As pessoas têm sempre que classificar. Com a gente, há um problema, porque tocamos de tudo. Então, quando tocamos uma morenada, não sabem o que dizer”, pondera Panchi. Já Elmer faz uma proposta:
se desejam classificar o Atajo, que o coloquem no gênero experimental. “Fazemos a música que gostamos e a que queremos fazer. Por isso, não queremos estar em uma categoria, porque é muito limitante, no sentido de não podermos explorar mais além de determinada fronteira”, diz. A temática social, a realidade e a história recente da Bolívia estão presentes também, por exemplo, em músicas como “Ay! Mamita” (Ai! Mãezinha), “Que la D.E.A. no me vea” (Que a D.E.A. não me veja) e “Hoja Verde” (Folha Verde). A primeira trata da Guerra do Gás, quando, em outubro de 2003, dezenas de pessoas que reivindicavam a utilização do gás para o desenvolvimento do país foram mortas pela repressão do governo de Gonzalo Sánchez de Lozada. Na letra, mãezinha é a terra, enquanto o ex-mandatário é tratado como Goni, seu apelido, e Gringo, como também é chamado pelo fato de ter vivido boa parte de sua vida nos EUA.
Compromisso social Já as duas últimas defendem a importância da folha de coca para a cultura andina e denuncia a ação da D.E.A. (Drug Enforcement Administration, a agência anti-drogas estadunidense) na Bolívia, que trouxe como conseqüência a criminalização da coca e de seus cultivadores. O Atajo participou, ainda, da campanha à presidência de Evo Morales, em 2006. Para os componentes da banda, que afirmam que mais do que o apoio a uma pessoa, foi um apoio a um processo de mudanças, o artista deve ter compromisso social e político. “Alguns se queixam de estarem em um sistema com o qual não estão de acordo, mas, se não dizem nada contra isso, são cúmplices, parte disso. Acho importante que o músico diga o que pensa, não só em nível social, mas também pessoal”, opina Panchi. Quanto aos dois anos de governo Evo, o compositor do Atajo diz que não culpa o presidente por ainda não ter solucionado os problemas. “É duro fazer isso num país podre. O indígena sempre foi considerado um inseto. Vem sendo a merda, o pária de nossa sociedade. Agora, é difícil para o poderoso aceitar um índio no governo.” Em www.atajo.org, é possível conferir todas as letras do grupo e baixar alguns CDs e músicas.
Ai! Mãezinha (Mãe-terra) Letra e música: Panchi Maldonado
Ai! Mãezinha, meus olhos doem de ver como te mancham de sangue calaram a mais de oitenta pessoas que o gringo mandou matar Goni go home! Ai! Mãezinha, tenho os ouvidos confundidos de escutar tanta porcaria quando o cavalheiro vai justificar o uso de bala contra a turba puto sacana! Ai! Mãezinha, te peço perdão pelas coisas que acontecem em seu ventre Ai! Mãezinha, canto esta canção a essa gente que deu seu exemplo e sua vida Ai! Mãezinha receba-os queremos viver melhor Ai! Mãezinha minhas mãos tremem por causa de um presidente e suas duas promessas defendeu com as armas sua democracia lutou contra a pobreza Goni cumpriu! Ai! Mãezinha, ainda me resta o coração meu violão e minha voz ao vento
Que a D.E.A. não me veja
Letra e música: Panchi Maldonado
Que a D.E.A. não me veja que me causa estresse E tem mais, meu avô me ensinou a pijchar [mascar coca, em quéchua] E tem mais, me faz esquecer da fome E tem mais, o akulliku [mascar coca, em aymara] não se perderá E tem mais, me vai tirar o cansaço Que a D.E.A. não me veja que me causa estresse Que a D.E.A. não me veja Não mate o cocalero A coca não é cocaína Não acosse o cocalero A coca é milenar Yankee mother fucker, green go! yankee mother fucker, go home! Que a D.E.A. não me veja que me causa estresse Que a D.E.A. não me veja Que a D.E.A. não me… green go! Que a D.E.A. não me… go home!
Reggae dos engraxates
Letra e música: Panchi Maldonado
Já é muito cedo, queria continuar Dormindo um pouquinho, mas é preciso sair Além disso, se demoro, já podem vir Esses senhores de verde Que nos batem e nos queimam Pego minha caixa, me dirijo a esse senhor Seus sapatos sujos, os limpo, por favor? Ele me diz “tudo bem” de muito mal humor Assim que consigo uma boa engraxada E começo o dia (aha) E digo popopopo popopo por isso, eu faço isso Popopopo popo por isso, para ganhar um peso Mas há pessoas que continuam esquecendo Que nossos estômagos nos pedem comida E que também somos seres humanos (de carne e osso) Às vezes cheiramos cola ou tomamos um trago E mesmo que não acreditem Esquecemos do mundo um pouco uoyo, uoyoyoyo... Rastaman is the way oh is the way rastaman is the way oh is the way rastaman provied the bread