Uma visão popular do Brasil e do mundo
Ano 6 • Número 271
São Paulo, de 8 a 14 de maio de 2008
Globo mostra o seu poder
Elza Fiúza/ABr
Circulação Nacional
O grau de investimento anima apenas especuladores A agência de classificação de risco Standard & Poor’s concedeu a nota BBB ao Brasil, o que dá ao país o título de grau de investimento seguro. Na prática, a empresa sinaliza ao mercado mundial que o país é um bom pagador de dívidas e que tem um equilíbrio nas contas públicas, sendo um território rentável para aplicações de recursos. No entanto, economistas apontam que o título deve atrair mais capital especulativo para o país, o que não gera investimentos de longo prazo. Pág. 6
Coronel Ustra” Testemunha de acusação na ação que a família do jornalista Luiz Eduardo Merlino move contra o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, o ministro Paulo Vannuchi (foto), da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência, responsabiliza, em entrevista, o coronel Ustra pelas mortes sob tortura que aconteceram no Doi-Codi quando o órgão estava sob seu comando – entre elas, a de Merlino, torturado até a morte em 1973. Sobre a possibilidade de o ex-presidente José Sarney – arrolado na ação como testemunha de defesa – depor a favor de Ustra, Vannuchi diz lamentar que ele se preste a isso. Pág. 7
Claudia Jardim
Agente uruguaio que denunciou envenenamento de Jango é ameaçado Mário Neira Barreiro, exagente do serviço de inteligência do governo militar do Uruguai, que denunciou que o ex-presidente João Goulart (Jango), morto em dezembro de 1976, teria sido envenenado na Argentina em uma operação dos regimes militares da América do Sul articulada pelos Estados Unidos, se diz ameaçado de morte. Pág. 5
Elite racista da Bolívia quer dividir país e enfraquecer Evo Théa Rodrigues
Agrocombustível abre nova onda de devastação e violência rural A modernização que o campo brasileiro vem experimentando nos últimos anos não altera sua constituição colonial e, assim, promove repetição de um ciclo de exclusão e exploração contra as camadas empobrecidas. Essa é a idéia central, exposta em artigo, pelo geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves, professor da UFF. Com a expansão dos agrocombustíveis, Gonçalves nota o surgimento de uma nova onda de devastação e violência. Pág. 4
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“Mortes sob tortura no Doi-Codi competem ao
A Globo fez pressão, e governo sancionou lei que reduz o número de fusos horários. Assim, três Estados sofrerão mudanças consideráveis. O motivo foi a Globo não querer se adaptar às mudanças impostas por portaria que determinava que as emissoras adequassem sua programação ao fuso de cada região. Pág. 5
R$ 2,00
Moradores do Plan 3000, um dos bairros mais pobres de Santa Cruz, queimam urnas em protesto
As autoridades de Santa Cruz comemoraram efusivamente a vitória do “sim” ao estatuto autonômico do departamento no referendo do dia 4, considerado ilegal pelo presidente Evo Morales. Os números mostram, no entanto, que a abstenção ficou em torno de 40%, e 15% dos votantes se colocaram contra a autonomia. Aconteceram bloqueios de estradas e urnas foram queimadas, como informa o enviado especial Igor Ojeda. Opositores do referendo afirmam que o texto autonômico, além de ter viés separatista, é racista contra migrantes indígenas provenientes do ocidente do país, chamados de collas. Págs. 2 e 9 Gaviões da Fiel
Efeitos da desregulamentação agrícola Preço dos alimentos sobe pois produtores perderam o controle A desregulamentação do mercado de produtos agrícolas é a principal responsável pela alta no preço dos alimentos, acentuada nas últimas semanas. Para
Ariovaldo Umbelino, geógrafo da USP, esse processo teve início no começo da década de 1990 com o crescimento da ideologia neoliberal que defendia o fim
dos estoques, transferindo a capacidade de controlar os preços dos produtores para o mercado. “O mercado não fará essa regulação”, adverte. Pág. 3
Haitianos comem
bolachas de terra para enganar a fome Pág. 10
GAVIÕES DA FIEL História militante do primeiro presidente da torcida resgata papel social e político da agremiação. Pág. 8
Prefeitura de Em Roma, Londres será de pós-fascista conservadores ganha eleição Ken Livigstone, chamado de “Ken, o Vermelho”, poderia ter sido eleito prefeito de Londres pela terceira vez no dia 5 de maio se não tivesse cometido o erro de se juntar novamente ao New Labour (Novo Trabalhismo), de Tony Blair e Gordon Brown. Em seu lugar, entra o conservador Boris Johnson, que obteve votos de setores populares mais despolitizados encantados com a promessa de “Tolerância Zero”, ou seja, “mais segurança e menos culturas estrangeiras”. Pág. 11
Depois de 18 anos de governos progressistas, o pós-fascista Gianni Alemanno derrotou, no dia 28 de abril, o candidato de centro-esquerda a prefeito de Roma. O saudosismo fascista não é uma casualidade eleitoral. É a repetição de vitórias de uma direita racista que obtém votos de trabalhadores decepcionados. Pág. 12
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editorial OS “AUTONOMISTAS” de Santa Cruz de la Sierra foram derrotados no referendo que realizaram unilateralmente e ao arrepio da Constituição e do Governo de La Paz: 55% dos eleitores habilitados para votar se manifestaram contra a “autonomia” proposta pela elite econômica local, supostamente branca e de fato racista. 39% não compareceram às urnas, 14% votaram pelo NÃO, e 2,4% de votos nulos. Além de reafirmar a ilegalidade do pleito e declarar que não o reconhece, o presidente Evo Morales, ao analisar os resultados, disse: “Esta consulta dividiu os crucenhos” (ver pág 9). Mas, lá como aqui e por toda parte, a grande mídia comercial, militantemente golpista, anunciou a vitória da elite crucenha, consumando uma situação que, sem dúvida, faz parte de um plano mais amplo de desestabilização do Governo Morales, e de preparação do terreno para uma guerra civil. No contexto boliviano, tendo em vista a sólida e ampla organização autônoma e independente do povo em suas comunidades e locais de trabalho, dificilmente um golpe de estado seria suficiente para derrubar
debate
O “autonomismo” crucenho derrotado o presidente. Além disso, as Forças Armadas, em defesa da Constituição se colocaram contra o referendo. O problema, porém, não pode ser avaliado apenas a partir da correlação das forças internas do país: o embaixador dos EUA em La Paz, senhor Philip Goldenberg, tem uma folha de serviço no qual constam: a divisão dos Bálcãs, da Iugoslávia e o comando da “Missão Kosovo”. Expert em semear a cizânia entre países, povos e etnias, foi peça chave do Plano Colômbia, e um dos articuladores da deposição do presidente haitiano Jean-Bertrand Aristide, e da invasão do país pelas tropas de Washington e Paris. Em entrevista à Radioagência NP, Altamiro Borges, dirigente do Partido Comunista do Brasil (PcdoB), disse que a “oligarquia racista [crucenha] vem adotando uma posição de preparar uma guerra civil. Há notícias confirmadas de contratação de mercenários. Uma empresa da
Europa confirmou que 650 mercenários já foram contratados”, e há indicações da “participação dos paramilitares da Colômbia no processo”. Ou seja, o caminho que Washington e a oligarquia crucenha pretendem trilhar está mais próximo da operação de invasão da Guatemala e deposição do presidente Jacobo Arbénz (1954), que dos golpes urdidos pela CIA e Departamento de Estado, juntamente com as elites econômicas locais, nos anos de 1960-1970, no Continente. No entanto, se em 1954 Washington obteve uma grande vitória diplomática junto à Organização dos Estados Americanos (OEA), que condenou quase por unanimidade o Governo guatemalteco, isolando Arbenz no Continente, o contexto regional hoje é bem diverso. Atualmente, na América Latina, mesmo governos eleitos para fazer mudanças de interesse popular e
que, no entanto, vêm aplicando uma política econômica conservadora, têm desenvolvido políticas avançadas nas questões internacionais, em particular no que diz respeito ao Continente. Há pouco mais de mês, os EUA colheram sua primeira derrota na OEA, desde a fundação do organismo (1948): os Estados Americanos condenaram o bombardeio e invasão do território do Equador pelas tropas colombianas do narco-presidente Álvaro Uribe, em operação apoiada e planejada com Washington. A mesma posição foi reforçada dias depois, na reunião do Grupo do Rio, em São Domingos. Na ocasião, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, embaixador Celso Amorim, e seus colegas argentino e chileno, desempenharam importante papel junto aos demais países. Em entrevista ao Blog Américas, o ministro Amorim disse que o Brasil
crônica
Roberta Traspadini
As veias abertas, a dependência e a geografia da fome na AL EM 1970, o uruguaio Eduardo Galeano, terminava de escrever um dos mais deliciosos e profundos livros sobre nosso continente: As veias abertas da América Latina. Entre as várias argumentações desenvolvidas por ele, estava a constatação de que a América Latina era o território escravizado pelos EUA em seu afã de seguir hegemônico no cenário imperialista mundial. Galeano explica, como Josué de Castro o havia feito há alguns anos, em seu livro Geografia da Fome, que o subdesenvolvimento não podia ser entendido fora da lógica geral de funcionamento do modo de produção capitalista. Dizia o autor: “nossa derrota esteve sempre implícita na vitória alheia, nossa riqueza gerou sempre a nossa pobreza para alimentar a prosperidade dos outros: os impérios e seus agentes nativos. Na alquimia colonial e neo-colonial, o outro se transforma em sucata e os alimentos se convertem em veneno.” Contemporâneo de Galeano, Marini, um mestre e tanto, que como os outros não separava teoria de ação revolucionária, nem prática de reflexão concreta sobre o real e o possível dentro do real de ser transformado, escrevia na dialética da dependência, que o resultado do desenvolvimento capitalista seria a miséria de nossos povos. Nos ensinam esses mestres que a característica histórica da América Latina foi, e é, a de ter suas riquezas naturais, energéticas e vitais (a partir do pulsar da força de trabalho que habita no continente), apropriadas privadamente pelos detentores hegemônicos do modo de produção-acumulação capitalista central. Esse servir, baseado na perda do que é próprio, se sustenta nos históricos vínculos de dependência e subordinação centrados no poder dos países hegemônicos sobre a periferia. Os dados atuais (CEPAL) da América Latina nos mostram não só o quanto vem sofrendo ao longo da história a maior parte de nossos sujeitos-sujeitados pelo capital, mas, também, o terreno fértil da continuada superexploração do trabalho no continente. Um mecanismo que nos anos de 1940-1960 era particular do continente e que agora evidencia sua projeção global. A América Latina faz escola na reprodução ampliada da lógica animal do capital, cujos donos irracionais vivem bem porque sujeitam muitos a viverem mal. É do roubo do tempo que falamos. Cada vez mais, o capital global rouba mais tempo, ao pagar menos salários e quebrar todos os direitos trabalhistas, como forma de não romper seu circulo vicioso da riqueza centrado na pobreza da condição humana. Esse mecanismo de extrair sobretrabalho do mesmo tempo de trabalho de outros sujeitos em outras partes do mundo foi a característica particular encontrada pelo capitalismo periférico para compensar suas perdas nos mercados mundiais, cujo centro de produção de valor e de preço de mercado estava nas mãos de capitalistas centrais mais poderosos que os latinos.
Gama
Enquanto os trabalhadores centrais eram considerados consumidores, uma vez que a produção tinha como vínculo o consumo-mercado interno e externo, os da periferia, como nós, os latinos, não eram consumidores diretos dos bens produzidos, uma vez que o objetivo central do capital latino era, e é, produzir para exportar. Essa diferença do modo de funcionamento da produção e da circulação de mercadorias foi o que permitiu uma forma particular de acumulação privada do capital latino, frente à sua forma geral de funcionamento mundial. É por meio da economia política que Marini nos ensina o quanto a América Latina, por ser rica, tinha sua desgraça centrada na debilidade política. Elemento que a faria ser pobre nas condições objetivas de realização da sobrevivência de sua população, dado o poder hegemônico dos países centrais em ditar as regras (inter)nacionais das relações econômicas mundiais. Como Galeano e Marini, Josué de Castro também reforçava o fato de que o subdesenvolvimento é o resultado de um processo de desenvolvimento centrado nos grandes, a partir das múltiplas formas de roubo de nossas riquezas; América Latina sem identificação soberana e autônoma consigo mesma, frente à hegemonia dos centros. Dizia o mestre Josué: “O subdesenvolvimento não é, como muitos pensam equivocadamente, insuficiência ou ausência de desenvolvimento. O subdesenvolvimento é um produto ou um subproduto do desenvolvimento, uma derivação inevitável da exploração econômica colonial ou neocolonial, que continua se exercendo sobre diversas regiões do planeta”. Essas veias abertas, que fazem com que o capital avance na intensificação da exploração do trabalho e da apropriação privada dos recursos naturais de nossa América, chegam no século 21 com suas marcas visíveis sobre o corpo dos povos latinos. Atualmente somos 580 milhões de latino-americanos (em 2010, seremos
594 milhões). 79,1% desta população vive nas cidades (458 milhões) e 120 milhões vivem na área rural. Destes, 35,1% vivem em situação de pobreza. Outros 12,7 % vivem em situação de indigência (miséria absoluta). Estamos falando de um total de 203 milhões de pobres e 73 milhões de indigentes. Um destaque importante é relativo ao nível da pobreza e indigência da população rural latino-americana. Quando comparados os números com a média total da população, vemos que a pobreza chega a 53,6%, e a indigência engloba um total de 28,7% de nossa população camponesa. Somos um número expressivo de marginais em um território rico. Os condenados da terra, não por desígnios divinos, mas por ordens animalescas advindas de expropriadores privados das riquezas soberanas, autônomas, que por mais que nos pertençam, ainda não são nossas. Falamos de um total de 276 milhões de pessoas vivendo em situações marginais num continente que permanece, após longos séculos de exploração e expropriação, rico em recursos e pobre no poder de distribuição para si mesmo, e seus sujeitos, desta riqueza. O imperialismo encontra na América Latina um terreno fértil de reprodução de suas mazelas político-econômico-ideológicas: o subimperialismo. A capacidade de reproduzir, a partir do mando dos países centrais, a mesma lógica perversa de apropriação, via Estados soberanos nacionais, das riquezas dos países politicamente mais débeis do continente, a partir do poder das economias mais fortes. Um círculo vicioso da pobreza capitalista, centrada na acumulação da riqueza de nossos bens. Os Estados centrais, em parceria com os Estados latinos, roubando, em nome do capital, os recursos do nosso território e jogando à mendicância parte expressiva de nossos trabalhadores, povos autônomos, seres para si, fora de si mesmos, em seu continente. Em 2010, 276 milhões constituirão a PEA, distribuída entre 163 milhões de homens e 113 milhões de mulheres em idade produtiva para estar incluída no setor formal da economia. Entre estes, teremos um total de 202 milhões de jovens com 15 a 34 anos de idade. Destes jovens, 100 milhões são homens e outros 102 milhões são mulheres. A população juvenil latina corresponde a 33,9% da população total e 73,9% da população apta a trabalhar. Ao pensar as características da superexploração na América Latina hoje, temos que ver quanto o capital, a partir dessa expressiva quantidade de jovens (homens e mulheres, e entre eles a distinção de etnias/raças), conta com um terreno fértil de apropriação privada das riquezas a partir da intensificação da exploração do trabalho. (A íntegra deste texto encontra-se em: www.brasildefato.com.br). Roberta Traspadini é economista, educadora popular e integrante da Consulta Popular/ES
não reconhecerá, para efeitos de política externa, departamentos que se declararem autônomos com relação a La Paz. De acordo com o ministro, “Não favoreceremos nada que ameace a integridade territorial da Bolívia”, acrescentando que “o Brasil respeita o que são decisões internas da Bolívia”, mas que “tanto quanto posso ver, alguns dispositivos que contêm os estatutos (...) são dispositivos [votados no referendo] que, no mínimo, causariam embaraço a um governo nacional”. Os presidentes do Equador, da Venezuela, Paraguai, Cuba, Nicarágua, Chile e Argentina se pronunciaram em direção semelhante.
PS Os líderes chineses, durante a Grande Revolução Cultural Proletária que sacudiu a China nos anos de 1960, ameaçando inclusive derrubar seu então chanceler Chu En-lai, cunharam a formulação: “A política externa é o último lugar em que o proletariado toma o poder”. A América Latina dos dias atuais, porém, parece desmentir os velhos maoístas.
Elaine Tavares
A Bolívia e o separatismo O TEMPO PASSA e a América Latina ainda carrega, indelével, a marca da colônia. As elites brancas, por mais que ostentem um verniz de modernidade e cosmopolitismo, quando se vêem confrontadas com a possibilidade de ter o poder reduzido, reagem como reagiam os invasores do final do século XV e início do XVI: com violência, truculência, força bruta. Assim é agora na Bolívia, quando a nova Constituição arrebata, dos que sempre sugaram as riquezas do Estado para seu bel prazer, parte do poder. Desde que um aymara assumiu a presidência do país e iniciou um processo de nacionalização das riquezas, até então entregues às transnacionais, o poder central vem sofrendo uma série de ataques por parte dos latifundiários e empresários do departamento de Santa Cruz, um dos mais ricos do país. A nacionalização do gás foi o estopim já no início do governo de Evo Morales, e as propostas de retomada das minas e de outros setores estratégicos como a comunicação só tem feito acirrar o ódio dos ricos brancos, não só de Santa Cruz, mas de toda a Bolívia. E, na verdade, é esse o motivo da sanha separatista que assola o país, muito bem orquestrada e financiada por Washington, que não quer ver seus parceiros perderem terreno para o que consideram “um bando de índios”. Basta ver nas paredes de Santa Cruz as pichações que gritam o racismo sempre pronto a se expressar: “faça um bem a humanidade, mate um índio por dia”, dizem os muros. Os povos originários da Bolívia, que têm suas raízes desde há 11 mil anos, com uma história riquíssima que muitas vezes ultrapassa em esplendor a do tão conhecido Egito, são os depositários de uma proposta de organização da vida absolutamente atual nestes dias em que o planeta agoniza. Carregam, desde sua memória ancestral, a tradição da cooperação, da solidariedade, da comunhão, da repartição de riquezas. E mais, sabem muito bem que o seu espaço geográfico, ao qual chamam pátria, é o lugar onde sabem e querem viver, ainda que com todas as intempéries da vida no altiplano, na solidão da montanha. Pois a terra dos Kolla, dos Tihuanaco, Inca, Guarani e Aymara foi um dia invadida por uma gente branca que embandeirava uma cruz. Um povo que, em nome de um deus e um reino, destruiu, violentou, matou. Uma gente que, não contente em tomar as terras e as riquezas do povo originário, ainda hoje precisa submeter e depreciar. Primeiro, diziam que aqueles que ali tinham construído um império sequer tinham alma e, agora, passados 500 anos, ainda insistem na tese de que eles não têm capacidade para gerir seus próprios destinos. Pois talvez fosse bom lembrar que não foram os povos originários que entregaram as riquezas bolivianas ao longo de todos esses anos nas rapinosas mãos estrangeiras. Foi a aristocracia criolla que sugou o guano, o estanho, a prata e agora o gás, sempre usando o povo autóctone como escravo ou mão-de-obra de segunda classe. Eram eles os que morriam nas minas de estanho ou nas cavernas de Potosí. Alguém até pode dizer que o rei do estanho, Patiño, era um aymara e foi um dos que mais usurpou o solo pátrio. Isso é fato, mas ele foi um entre milhões que logrou escapar do destino de escravo e, perdido no mundo branco, se contaminou pela maneira de viver daqueles que dominaram seu povo. A maioria originária vive sob a opressão. Agora, quando a vida e a riqueza da Bolívia começam a voltar para as mãos do povo, essa pequena parcela racista e anti-nacional, de uma gente cuja única pátria reconhecida é a do capital, principia o processo de desestabilização. Sob o manto do racismo estão, mais que tudo, buscando preservar os recursos da natureza boliviana para as transnacionais, únicos chefes a quem prestam obediência. Não é por mais nada que provocam a cizânia em Santa Cruz e trabalham com a idéia de separação. Muito mais do que garantir esse estatuto, querem envolver as gentes numa guerra que paralise o país. Esse é o plano. Há quase três séculos, um aymara chamado Julián Apaza, conhecido mais tarde como Tupac Katari, conduziu as gentes originárias numa luta de libertação. Tal e qual Tupac Amaru, no Peru, ele não excluiu os brancos dos seus exércitos. Era uma luta para extirpar o jugo espanhol e todos os que queriam liberdade foram convocados. Mas, naqueles dias, os criollos traíram a causa do povo autóctone e ficaram do lado do poder colonial. Não é à toa que, hoje, toda essa histórica carga de promessas não cumpridas volta à tona, sempre fomentada pelo poder colonial, hoje representado pelos Estados Unidos. Cabe ao povo da Bolívia não cair na armadilha do fundamentalismo, nem branco, nem originário. Mas a luta pelo direito de compartilhar o poder precisa ser travada. A Bolívia é de todos os que ali decidiram viver. (A íntegra deste texto encontra-se em: www.brasildefato.com.br). Elaine Tavares é jornalista
Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Jorge Pereira Filho, Marcelo Netto Rodrigues, Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Igor Ojeda, Mayrá Lima, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, Tatiana Merlino • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Antonio David, César Sanson, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, João Pedro Baresi, Kenarik Boujikian Felippe, Leandro Spezia, Luiz Antonio Magalhães, Luiz Bassegio, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Milton Viário, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Temístocles Marcelos, Valério Arcary, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131- 0812/ 2131-0808 ou assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar: (11) 2131-0815
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brasil
Alimentos seguirão caros, diz geógrafo Maringoni
SOBERANIA ALIMENTAR alta nos preços dos alimentos é resultado da combinação de vários fatores, o maior deles, a política agrícola neoliberal Dafne Melo da Redação OS PREÇOS dos alimentos no Brasil não só deverão continuar altos, como poderão subir ainda mais nos próximos meses. A imprensa corporativa, representantes do agronegócio e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva têm investido em explicações circunstanciais, como a crise no mercado financeiro internacional, alta no preço do petróleo, aumento da produção de agrocombustíveis. Entretanto, somente esses fatores não explicam a subida dos preços. Para o geógrafo da Universidade de São Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino, é essencial olhar para as questões estruturais ligadas a escolhas políticas feitas nos últimos 20 anos pelos governos brasileiros. “Há que se estabelecer uma hierarquia de prioridades para explicar o que está acontecendo. O primeiro fator é o fracasso das políticas agrícolas neoliberais no Brasil. Esse fracasso revela que o capitalismo não tem como construir políticas de segurança alimentar, muito menos de soberania alimentar. Isso é, inclusive, reconhecido por economistas europeus e estadunidenses e também pelas Nações Unidas”, aponta. O pesquisador explica que, antes de 1990, o capitalismo
Outros dois elementos internacionais que devem ser levados em conta, segundo o geógrafo, são a elevação do preço do barril de petróleo e o aumento do consumo pelos mercados chinês e indiano. O primeiro pressiona o preço dos alimentos, uma vez que todos agroquímicos ficam mais caros. Já o segundo fator – citado pelo presidente Lula – tem uma contribuição muito pequena, na avaliação de Ariovaldo. “Contribui, mas esse fator, por si só, não tem força para elevar os preços. Eu diria que se tem sua fatia de contribuição, ela é bem fininha”, pontua.
assentava seu controle da produção de alimentos na formação de estoques. Os países faziam suas estocagens, o que funcionava como um regulador dos preços. “Se, por exemplo, num determinado país, os produtores decidissem que não iriam exportar um determinado produto por qualquer motivo, a existência desses estoques permitia a regulação”. “Mas, no neoliberalismo”, continua Umbelino, “esse princípio dos estoques foi desmontado”. Agora, eles são postos no mercado que seria responsável pela tal regulação. “O mercado não fez e não fará essa regulação. Qualquer continuidade com essa política significará o aumento da fome no mundo”, finaliza.
Cenário mundial A esse cenário estrutural se combinam outros fatos mais conjunturais, entre eles, o aumento do consumo do milho pelos Estados Unidos, para a produção de etanol. Umbelino alerta que se essa tendência permanecer, poderá passar a ser um fator estrutural. Os altos investimentos no etanol de milho elevaram o preço dessa commodities, uma vez que retirou do mercado mundial de alimentos um enorme volume desse grão. “Os Estados Unidos hoje já é o maior produtor de etanol a partir do milho”. Quem primeiro sentiu as
E o Brasil? Para Ariovaldo, há diversos fatores internos que aprofundam ainda mais o problema, contribuindo para a alta do preço dos alimentos no país. A elevação do preço do trigo, por exemplo – que levou a presidente da Argentina Cristina Kirchner a proibir as exportações do produto em seu
consequências dessa escolha estadunidense foram os mexicanos, que têm o milho como base de sua alimentação diária. No início de 2007, foram às ruas protestar contra o aumento do preço do produto no mercado, que chegou a registrar de 80%. Quando a crise financeira estadunidense estourou, completa Umbelino, os especuladores financeiros passaram a investir justamente
Produção de feijão e arroz não cresce desde 1992 no Brasil AVANÇO DA CANA Ao contrário do que afirma o governo Lula, geógrafo afirma que expansão de monoculturas prejudica produção de alimentos Os sucessivos governos brasileiros, desde 1992, fizeram a opção por importar arroz e feijão quando havia falta desses produtos – base da alimentação brasileira – no mercado interno. “Como agora os países produtores bloquearam suas exportações, o Brasil não tem onde comprar mais e também não tem produzido”, afirma Ariovaldo Umbelino, professor do Departamento de Geografia da USP. E como a opção do atual governo tem sido ampliar as monoculturas de cana, soja e eucalipto, essa situação não deverá mudar. Umbelino conta que diversas pesquisas têm apontado que a expansão dessas monoculturas se dá sobre áreas que antes eram destinadas a plantio de alimentos. No caso na cana-de-açúcar, para a produção de etanol, os números são conhecidos e significativos. O geógrafo, que ainda conclui um estudo sobre essas expansões, comparou a situação dos municípios – com plantio de cana – em 1990 e em 2006. “O crescimento da área destinada à cana foi de 2,7 milhões de hectares, em todo Brasil”. Levando apenas em consideração as localidades que obtiveram crescimento acima de 500 hectares, o pesquisador verificou que houve uma redução da área de plantio de feijão de 261 mil hectares, o que seria suficiente para produzir 400 mil toneladas, 12% da produção nacional. Também verificou uma redução de 340 mil hectares no plantio de arroz, suficiente para plantar 1 milhão de toneladas do produto, o que corresponde a 9% do que o país produz hoje.
A bolha do agronegócio Segundo Umbelino outras monoculturas, soja e eucalipto, por exemplo, também cresceram muito – até mais que a cana – nas últimas duas décadas. Ou seja, as áreas que deixaram de ser destinadas para a produção de alimentos é ainda maior. “Enquanto a cana, hoje, ocupa uma área de 7 milhões
de hectares, a soja ocupa 21,5 milhões”, informa. Nesses municípios avaliados, o geógrafo também contabilizou as consequências para a pecuária: 460 milhões de litros de leite deixaram de ser produzidos, e desapareceram 4,5 milhões de cabeças de gado bovino. “Então, como é que se pode afirmar que a expansão da cana não afeta a produção de alimentos? Não é verdade. Deve-se levar em conta, entretanto, que a cana não é a única responsável, mas um dos elementos”, salienta. Até porque, mais do que o tipo de produção, é essencial o Estado brasileiro definir suas prioridades. “Não adiantaria simplesmente aumentar a produção de arroz e feijão, se elas continuassem sendo destinadas à exportação. Acima de tudo, o que está errado é o modelo agrícola agroexportador neoliberal”, observa. Sem discutir a fundo essas questões, opina, nada irá mudar substancialmente, e os altos preços dos alimentos irá persistir, sem sinal algum de redução. “O agronegócio não produz para o mercado interno, produz para quem pagar mais”, finaliza. Para Guilherme Delgado, economista e pesquisador aposentado do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (Ipea), a opção pelo agronegócio – além de gerar o aumento nos preços dos alimentos – também produz uma economia extremamente frágil e vulnerável. “A escolha pelo agronegócio cumpriu o papel de prover saldos comerciais expressivos para fechar a conta corrente com saldos, ou seja, exportar muito e a qualquer custo para fechar as contas. Mas isso funcionou só até ano passado, já que esse ano fecharemos com deficit”. Em março, as transações correntes ficaram negativas em 4,429 bilhões de dólares, o maior deficit desde outubro de 1998. Ao total, já soma 10,8 bilhões de dólares. Mesmo com todos esses elementos, o governo não tem dado sinais de mudanças. (DM)
nesses produtos agrícolas, como o milho, que estavam valorizadíssimos no mercado financeiro. “Isso significa que as commodities não cairão de preço, porque quem as controla agora são especuladores financeiros, eles que têm os títulos que garantem a oferta desses produtos. E o preço dos alimentos deve permanecer alto e aumentar ainda mais, pois só assim terão mais lucro”, explica.
país (ver box) –, já está afetando o Brasil, maior importador do mundo desse artigo. “Consumimos 10 milhões de toneladas de trigo e importamos sete. E nosso principal mercado era a Argentina. Agora vamos importar dos EUA e Canadá, com frete mais alto, num momento de preço elevado. O preço do trigo, na bolsa de Chicago, chegou ao mesmo patamar de preço que teve durante a II Guerra Mundial”, conta o geógrafo. O feijão é outro produto que aumentará de preço ainda mais, já que, com a valorização do milho, os agricultores brasileiros prefiriram plantar esse produto ao feijão, para assim obterem mais lucro. “O Brasil tem três safras de feijão. A primeira ficou comprometida e seu preço subiu no mercado. Agora, vamos ter mais duas. Por isso, durante um período, o preço de feijão vai cair um pouco. Mas jamais voltará ao preço de antes, pois já se sabe que futuramente vai faltar de novo no mercado”.
Sudeste asiático e Argentina proíbem exportações Em março, o governo argentino bloqueou as exportações de trigo para garantir o abastecimento do mercado interno. Os agricultores responderam com greves e manifestações, pois, ao se verem impossibilitados de exportar, tiveram seus interesses econômicos atingidos, uma vez que não iriam aproveitar a alta do produto no mercado mundial e, assim, obter altos lucros com as exportações. Países do sudeste asiático, tradicionais exportadores de arroz, também adotaram a mesma medida. O Brasil, nos dois casos, se viu sem seus principais fornecedores desses dois produtos. (DM)
MOBILIZAÇÃO
Pequenos agricultores querem 20 mil moradias Jornada de luta do MPA começou no dia 5, com a ocupação de 40 agências da Caixa Econômica Federal Pedro Carrano, de Curitiba (PR) Dez mil camponeses do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) iniciaram, no dia 5, a sua Jornada Nacional de Lutas. Foram ocupadas cerca de 40 agências da Caixa Econômica Federal em 10 Estados. O objetivo é a criação de uma Política Nacional de Habitação para o campo, com recursos do Ministério das Cidades separados dos recursos destinados à produção agrícola. Eles defendem a construção de 200 mil novas moradias camponesas por ano, atendendo a diferentes movimentos sociais. A pauta já tinha sido colocada para as organizações do campo durante a Jornada Internacional da Luta Camponesa do dia 17 de abril, promovida pela Via Campesina. De acordo com a coordenação do MPA, a moradia camponesa adquire recursos próprios com a criação de uma política nacional. “Não aceitamos retirar dinheiro da produção agrícola para colocar na moradia, buscamos um recurso específico para a habitação, que não tenha como fonte a produção”, comenta frei Sérgio Görgen, da direção do MPA e da Via Campesina. A coordenação do MPA explica que, com a pressão de organizações camponesas, o governo criou, neste ano, um grupo interministerial que deve apresentar um projeto para a área no dia 17. O MPA, que este ano luta pela construção de 20 mil casas, considera os recursos atuais insuficientes. Embora a articulação com os movimentos urbanos de luta por moradia ainda seja frágil, o defi-
Reivindicações Que seja implantado um Programa Nacional de Habitação Camponesa, com financiamento para 200 mil novas moradias e 100 mil reformas/ampliações por ano; Prazo de pagamento: em 20 anos e 01 ano de carência em prestações anuais; Valores compatíveis com o
cit e a falta de recursos atingem a ambos, campo e cidade. “O próprio governo estima os recursos anuais para moradia em R$ 1,7 bilhão, mas precisaria de R$ 5 bilhões”, afirma Görgen.
Pauta recente O MPA narra que a pauta da habitação no campo não é usual. “A primeira experiência de moradia no campo foi feita com o MPA em 2002. Até então não se tinha de forma organizada uma aplicação de recursos para a construção de casas no campo”, comenta Maria Costa, da direção nacional do movimento. Para ela, a política habitacional no meio rural tem que levar em conta o modo de assalariamento do pequeno produtor, que se realiza de quatro em quatro meses, o que o impede de pagar prestações mensais cobradas pela Caixa Econômica. Ademais, o modelo de construção da moradia pode usar técnica e material local desenvolvido pelos produtores, apelidada de bioconstrução, que dispensa o uso de ferro e cimento – este último, emissor de grande quantidade de gás carbônico durante a fabricação. “É preciso aumentar o subsídio para que mais famílias tenham acesso à moradia, o que é um elemento de dignidade. Entre os pequenos produtores há muita choupana, muita gente morando em casebre e o Estado chega mais devagar no campo”, critica Maria Costa. Conjuntura A mobilização do MPA está na mesma cronologia de mobilizações feitas pela Via Campesina neste ano, no Dia das Mulheres (8 de março) e no 17 de Abril, custo da moradia: mínimo de R$ 15.000,00 para moradia nova (2008); Juros: 1% ano; Subsídio: rebate de 50% a 80% sobre o valor das prestações anuais; Crédito para construção, reformas, melhorias e ampliações; Acesso mais fácil e menos burocrático através de entidades organizadas.
Deficit habitacional no campo 7, 8 milhões
. Deficit de moradias calculado no Brasil
2 milhões
. Deficit de moradias entre a população do campo, sendo que 80% da carência se dá entre famílias que recebem até três salários mínimos.
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casas por ano. Objetivo dos movimentos sociais junto ao governo. durante a Jornada Internacional da Luta Camponesa. Na avaliação de Frei Sérgio, a luta dos pequenos agricultores está diretamente ligada ao aumento do preço dos alimentos. “Esta mobilização esquenta os motores do movimento. Aponta o atual abandono do campo, o que é uma conseqüência dos governos. Se alguém não consegue viver no campo, vai cair a produção de alimentos”, afirma Görgen. Na avaliação dele, a paralisação da reforma agrária é outro fator que leva a atos de mobilização como esse. “O governo está muito aquém das necessidades, as mobilizações estão mostrando isso. Existe um brutal avanço das transnacionais no campo”, analisa. Um dos fatores, de acordo com Görgen, para a escalada mundial dos preços da alimentação está na dependência da agricultura por fertilizantes derivados do petróleo, algo questionado pelo movimento por meio da agricultura com adubação e sementes próprias. “Em uma agricultura petrodependente, à medida que o petróleo fica escasso, toda a agricultura encarece. Existe a oligopolização dos alimentos, nas mãos de 15 empresas, entre outros fatores conjunturais. Já os pequenos agricultores são especialistas em produção agrícola com preservação ambiental”, comenta.
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Uma nova onda de violência e devastação
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ANÁLISE Sem alteração de sua gênese colonial,“modernização” do campo brasileiro repete ciclo de exclusão e exploração Carlos Walter PortoGonçalves A MÁ distribuição da propriedade da terra se constitui num dos pilares da concentração de poder não só no Brasil como em toda a América Latina. Desde o início da invasão dos territórios dos povos originários pelos europeus que o domínio e o controle da terra e de suas riquezas minerais se configuraram como o principal objetivo dos invasores. Para isso, de acordo com o sociólogo peruano Aníbal Quijano, os invasores conformaram um conjunto de justificativas que teve na idéia de raça um elemento central para legitimar esse controle dos recursos e da riqueza por parte dos fidalgos, ou seja, dos “fi´d´alguém”, já que os filhos de ninguém, isto é, os povos originários e os negros, não eram considerados humanos. Assim, a estrutura assimétrica das relações sociais e de poder tem, no controle dos recursos e da riqueza e nessa distinção/discriminação social fundada na raça, a base da constituição da formação das classes sociais no Brasil e na América Latina. Por isso, a questão fundiária, associada à questão étnico-racial, se constitui num dos temas mais explosivos de nossa formação social. Até recentemente essas questões se mantiveram dissociadas no debate político em parte graças à eficácia da ideologia da mestiçagem e da democracia racial e, em parte, pela ideologia da vanguarda da classe operária que obscurecia outras formas possíveis de classificação social. Todavia, nos últimos anos, esse quadro vem se modificando com a emergência de movimentos sociais que trazem para o debate político o elemento étnico-racial constitutivo das nossas relações sociais e de poder desde sempre. Estamos, pois, diante da negação da negação da condição de humanidade por parte dos negros e dos povos originários que, assim, se apresentam afirmando ter direito a instituir direitos.
Além da violência com as próprias mãos do poder privado, o poder público também vem contribuindo com suas ordens de despejo para consagrar a expropriação de muitos e a apropriação concentrada da terra Duas geografias Desde o início do período colonial, geografias antagônicas se conformaram no Brasil e na América Latina. Uma primeira por assimétricas relações sociais e de poder étnico-racializadas, seja por meio (1) do cativeiro dos homens (escravidão) e (2) da violência contra as mulheres (haja vista o fato de a maioria dos colonos que vieram para o Brasil não ter vindo para cá com suas esposas e, assim, a violação das mulheres indígenas e negras era prática comum), seja por meio (3) do cativeiro da terra (latifúndio), que destina os nossos melhores recursos, (4) tanto técnicos (dos engenhos dos séculos 16 e 17, ali-
ás, as mais modernas manufaturas que então o mundo conhecia, aos atuais tratorescomputadores com seus plantios diretos de monoculturas transgênicas), (5) como naturais (os melhores solos, nossas energias e águas, nossas matas queimadas para fazer ferro-gusa limpo para o primeiro mundo, e a contaminação e a devastação a isso associado que fica para nós) para a exportação. E uma geografia da liberdade, que se conformou por meio de quilombos, nos refúgios dos indígenas e no apossamento de terras pelos camponeses (“homens livres”), em que a diversidade dos cultivos e o aproveitamento do potencial que a natureza, com sua produtividade primária (fotossíntese), oferece conformaram modos de vida e de produção marcados por uma riquíssima culinária e uma medicina criativa e eficaz, cujos conhecimentos são, hoje, objeto de intensa luta por apropriação (etnobiopirataria) e que é responsável por grande parte do nosso alimento de cada dia.
Dados da violência A julgar pelos dados recémdivulgados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), em seu Conflitos no Campo Brasil 2007, essas duas geografias parecem atualizar a contraditória história de nossa formação territorial. De 2006 para 2007 houve um espraiamento dos assassinatos no campo brasileiro [Mapa 1]: de oito Estados com registro de assassinatos em 2006, passouse para quatorze, ainda que tenha havido um decréscimo no número total de assassinatos no país, de 39 para 28, fruto da expressiva queda dos assassinatos no Pará, que, de 24, em 2006, passou a cinco, em 2007. De dez Estados com registro de famílias expulsas em 2006, passou-se também a 14, em 2007 [Mapa 2]. O número total de famílias expulsas aumentou 140% de um ano para outro; em 15 unidades da Federação houve aumento do número de pessoas envolvidas em conflitos de 2006 para 2007 [Mapa 3]; aumentou também o número de trabalhadores em situação análoga à de escravo: em 2006 foram 6.930 casos denunciados, com o resgate de 3.633 trabalhadores em 16 Estados; em 2007 foram 8.653 casos, com o resgate de 5.974 em 18 unidades da Federação. Esses últimos dados são ainda confirmados em matéria publicada pela Folha de S.Paulo no dia 17 de fevereiro. O artigo informa que os grupos móveis do Ministério do Trabalho resgataram
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em propriedades do setor sucro-alcooleiro 3.117 pessoas submetidas à condição análoga à de escravo, o que correspondia a 53% do total de casos registrados no país. Os demais casos foram registrados, principalmente, nas atividades de carvoejamento e de pecuária.
Expropriação Observemos que assassinato, expulsão de famílias e trabalho escravo são ações que revelam práticas de fazer justiça com as próprias mãos. Por outro lado, o número de famílias despejadas também aumentou na região Sudeste, ou seja, na região onde estão os Estados de maior desenvolvimento capitalista do país, aqui indicando que, além da violência com as próprias mãos do poder privado acima indicada, o poder público também vem contribuindo com suas ordens de despejo para consagrar a expropriação de muitos e a apropriação concentrada da terra. Considere-se que, desde 2004, o número de ocupações atingiu seu máximo (508), sendo que este vem caindo, tendo passado para 384, em 2006, e 364, em 2007. O mesmo vem ocorrendo com os acampamentos, que foram 284, em 2003, baixaram para 67, em 2006, e 48, em 2007.
Grilada a terra, retirada as madeiras nobres, queimadas as madeiras para fazer o carvão, é chegada a hora dos pecuaristas e de outros agronegociantes completarem esse tragicamente dinâmico Complexo de Violência e Devastação Quando se observa as categorias sociais envolvidas nos conflitos por terra no ano de 2007 [Mapa 4], vemos que os sem-terra correspondem a 44% do total e as populações tradicionais, a 41%! Assim, notamos que os conflitos envolvendo trabalhadores rurais sem-terra e comunidades com terra, mas sem reconhecimento formal da sua condição de apossamento, praticamente se equivalem. Isso porque as populações tradicionais implicam os posseiros, os remanescentes de quilombos, os faxinaleses, os ribeirinhos, os pescadores, os seringueiros, os castanheiros, as mulheres
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quebradeiras de coco e os geraizeiros. Esses dados indicam que está em curso um intenso processo de expropriação camponesa no Brasil.
Processo histórico O que estaria engendrando tamanho agravamento da violência no campo brasileiro, sobretudo quando se registra também uma diminuição significativa dos acampamentos, das ocupações e demais ações dos movimentos sociais? Há, de um lado, razões de “longa duração”, como diria o historiador francês Fernand Braudel, haja vista que a violência com as próprias mãos por parte das nossas oligarquias moderno-coloniais – os números confirmam amplamente – sempre aumenta quando existe algum avanço no sentido da democratização da sociedade brasileira, e o poder público passa a agir de modo republicano, ao contrário dos períodos de normalidade patrimonialista, quando impera a vontade dos “donos de poder”, conforme a precisa caracterização de Raimundo Faoro. Foi assim no período da Constituinte, nos finais dos anos de 1980, quando a sociedade brasileira via avançar um conjunto de movimentos sociais que pautavam o debate da reforma agrária e, com ela, buscavam conformar uma democracia substantiva, democratizando o acesso à terra e demais recursos necessários à saúde, educação, meio ambiente, apoio à infância, à adolescência e à terceira idade. Seringueiros, atingidos por barragem, remanescentes de quilombos, mulheres quebradeiras de coco ba-
baçu, geraizeiros, retireiros, faxinaleses, castanheiros, ribeirinhos, pescadores e demais formações sociais camponesas começaram a constituir um novo léxico político, diversificando e complexificando o debate da reforma agrária no país. As expectativas de democratização que surgiram com a eleição do Senhor Lula da Silva também fizeram aumentar os índices de violência no campo por parte das oligarquias preocupadas com a possibilidade de o governo avançar na política de reforma agrária. O aumento dos assassinatos, do número de famílias expulsas e de famílias despejadas no primeiro ano do governo Lula foi uma clara demonstração de força, por meio da violência, por parte das oligarquias empresariais latifundiárias.
Grandes oportunidades O fato desse governo não ter avançado, no sentido de mexer na estrutura de poder dos empresários modernos latifundiários, com suas monoculturas históricas de exportação e, ainda, apostar numa nova onda desse avanço moderno-colonial não tem sido suficiente para arrefecer as práticas violentas desse complexo de poder dos agronegociantes. Hoje, são enormes as oportunidades que se abrem para a exportação de commodities, só comparáveis às oportunidades que se abriram nos séculos 16 e 17, quando também uma verdadeira revolução tecnológica se deu na produção, com os engenhos, e na circulação, com a navegação e no conhecimento em geral (cartografia e outras tecnologias de navegação e guerra). O capitalismo de Estado monopolista, sob o comando do Partido Comunista Chinês, tem demonstrado sua superioridade sobre o capitalismo monopolista de Estado, sob a hegemonia neoliberal da banca de Wall Street e suas instituições globalitárias (FMI, Banco Mundial, G-7+1, OMC), ativando a demanda de matérias-primas agrícolas, minerais e de energia e oferecendo oportunidades enormes, sobretudo para países que dispõem de amplas reservas de terra e recursos, como é o caso do Brasil. Dinâmica trágica O avanço do cultivo da canade-açúcar, sobretudo em Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo, vem se fazendo sobre áreas de pastagens, principalmente, e, assim, o gado vai se deslocando para áreas de cerrado e flores-
ta, seja no Maranhão, no Mato Grosso, no Pará, no Piauí, no Tocantins e oeste baiano. O mesmo vem acontecendo com a ampliação da área de soja, de milho e de monocultivos de madeiras exóticas (eucalipto e pinnus). Numa espiral ascendente de violência e devastação, esse avanço do gado e desses monocultivos de exportação, ao exercer pressão sobre essas áreas de cerrado e de florestas, oferece oportunidades que viabilizam os grileiros de terras, os madeireiros que se apresentam como modernocolonizadores, as empresas de carvão que fornecem matériaprima para purificar o ferro a ser exportado por modernas e coloniais infra-estruturas de estradas de ferro e portos. Grilada a terra, retirada as madeiras nobres, queimadas as madeiras para fazer o carvão, é chegada a hora dos pecuaristas e de outros agronegociantes completarem esse tragicamente dinâmico Complexo de Violência e Devastação.
Bloco da colonização São essas amplas expectativas de negócios que estão subjacentes às ações de violência que aumentam no país. Os dados dessa geografia da violência permanecem incontestados pelas entidades do bloco de poder técnico-científico-agroindustrialfinanceiro-midiático diretamente ligado a essa problemática. Bloco de poder esse conformado por entidades como a Associação Brasileira de Agrobusiness(Abag), a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), a Associação da Indústria de Açúcar e Álcool (Aiaa), a Rede Globo Comunicações e Participações, a Agência Estado, entre outras, conforme se pode consultar no sítio da própria Abag (www.abag.com.br). A violência se mostra, assim, como componente estruturante das relações sociais e de poder de nossa história territorial de ontem e de hoje e, tal como ontem e hoje, sempre esteve associada ao avanço do que havia de mais moderno nos colonizando. Carlos Walter Porto-Gonçalves é doutor em Geografia, professor do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Grupo Hegemonia e Emancipações de Clacso. Ganhador do Prêmio Casa de las Américas 2008 de Literatura Brasileira.
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Pressionado pela Rede Globo, governo suprime um fuso horário COMUNICAÇÃO Com interferência da família Marinho, Congresso aprova lei que mudará a vida de muitas populações Eduardo Sales de Lima da Redação A PRESSÃO de grandes empresas sobre decisões de poder público não chega a ser surpresa no Brasil. Em alguns casos, porém, a privatização das instituições políticas torna-se escancarada. No dia 20 de abril, entrou em vigor portaria determinando que as emissoras de televisão adaptem sua programação aos fusos horários vigentes no país. Apenas quatro dias depois, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou lei que adianta em uma hora os relógios do Acre e de parte do Amazonas e do Pará. Assim, o Brasil passará a ter três, não quatro, fusos diferentes a partir do dia 24 de junho. O senador acreano Tião Viana (PT), autor do projeto que originou a lei 11.662/08, garante que a medida pretende “facilitar o transporte aéreo, as comunicações e a integração com o sistema financeiro nacional”. Porém, de acordo com Diogo Moysés, do coletivo Intervozes de Comunicação, a diminuição do número de fusos no Brasil está intimamente ligada a uma pressão exercida pelas Organizações Globo.
Uma decisão autoritária A falta de debate público foi uma das principais características da aprovação da lei 11.620/08. Não foram considerados aspectos como aumento do consumo de estimulantes, diminuição do rendimento escolar e do trabalho. O projeto nem foi discutido nas comissões de Saúde e Educação da Câmara. Segundo o geógrafo da Universidade Federal do Acre (Ufac), Silvio Simione da Silva, também não aconteceram debates no Acre e no sul do Amazonas. (ES) Pela portaria 1.220/07 – aprovada no começo de 2007, mas que teve sua aplicação adiada por diversas vezes –, as TVs precisam alterar suas transmissões devido à classificação indicativa dos programas de acordo com as diferentes faixas etárias. Para entender: com duas horas a menos em relação a Brasília, a nove-
Mudanças no fuso horário brasileiro
Mapa à direita mostra as áreas que foram alteradas la das “oito” da Globo passa às 19 horas no Acre. Porém, nesse horário, muitas pessoas com menos de 14 anos (que é a classificação indicativa do programa) estão predispostas a assistir a trama. Se a Globo se predispusesse a obedecer as normas da portaria, teria, no mínimo, duas possibilidades, segundo
Diogo Moysés. Uma delas seria adequar a novela das “oito” às crianças de 10 anos. A outra seria readequar as grades da região Norte. “Mas eles [Globo] se recusam a fazer isso”, garante. Sobre o protagonismo da Globo, Moysés é categórico: “o motor da pressão foi exclusivamente dela; as ou-
tras emissoras já tinham se comprometido a adequar sua programação à classificação indicativa”. Segundo o membro do Intervozes, essas redes não teriam que fazer grandes mudanças na grade, simplesmente precisariam deixar a grade um pouco mais light em determinados horários.
Alteração provoca impactos na saúde Fuso diferente pode afetar metabolismo, gerando insônia, sonolência diurna, alterações do humor e do apetite e transtornos digestivos da Redação A sanção da lei 11.662/08 ocorreu sem debate público. Fato que chama a atenção porque mudanças de maior ou menor intensidade irão acontecer no cotidiano de acreanos, amazonenses e paraenses. A proximidade em relação à linha do Equador faz com que, na região Norte, o dia e a noite possuam períodos mais constantes em relação ao que acontece em
localidades mais afastadas. “Conforme as estações do ano, não há interferência nos períodos do dia e na noite. Normalmente, o dia amanhece às 5h45 e começa a escurecer a partir das 17h30. Com a nova lei, nosso dia começará uma hora antes e isso vai fazer diferença no relógio biológico”, explica o geógrafo da Universidade Federal do Acre (Ufac), Silvio Simione da Silva. Ele pontua que a própria concepção da lei foi de “uma ignorância enorme do ponto de vista científico”. De acordo com ele, os fusos são produtos de uma convenção internacional, portanto, algo que não pode ser decidido por decreto. Ele argumenta que outros países de vastas extensões longitudinais lidam normalmente com a existência de diversos fusos, como a Rússia, que possui 11 fusos diferentes.
Impacto fisiológico E os mais de 600 mil acre-
anos? Serão prejudicados de modo excessivo após a lei entrar em vigor? Segundo o biólogo Luiz Menna Barreto, especialista em Cronobiologia da Universidade de São Paulo (USP), as mudanças no aspecto fisiológico das pessoas não são drásticas, mas merecem consideração. “Nossos organismos estão adaptados para um fuso horário que coincida o mais aproximadamente possível com os horários de claro/escuro ambiental. Praticamente todas as nossas funções orgânicas apresentam ciclos que se completam a cada 24h, os ritmos circadianos. O claro/escuro ambiental sincroniza (ajusta, acerta) esses ritmos a cada dia”, explica. Com a mudança do fuso, Menna afirma que se cria uma situação de potencial conflito na regulação temporal. “Conflitos que comprometem a saúde, tanto mais quanto mais amplo e prolongado for o desajus-
Monopólio prejudica torcedores e “livre-concorrência” Ministério da Justiça emite parecer condenando Rede Globo e Clube dos 13 por práticas anti-concorrenciais na transmissão da Redação Como já é de costume, o torcedor vai ter que esperar o final da novela para assistir ao jogo do time de seu coração. Uma espera que, entre outras coisas, é fruto da ilegalidade do monopólio nas transmissões de futebol que a Rede Globo domina há anos no Brasil. No entanto, a Secretaria do Direito Econômico (SDE), órgão ligado ao Ministério da Justiça, emitiu, no dia 2, um parecer que condena as práticas anti-concorrenciais conferidas à TV Globo pelo Clube dos 13, de 1997 a 2008, sobretudo em relação à comercialização das transmissões dos campeonatos nacionais de futebol. “As informações constantes nos autos mostram uma efetiva participação da Globo no formato de venda, com o exer-
cício de sua posição dominante para direcionar os contratos aos seus interesses em detrimento da concorrência”, aponta, no parecer, a SDE, que sugere ainda ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que “a Globo deve ser condenada por prática de infração à ordem econômica”. Assim, o Cade poderá proibir as condições favoráveis ao monopólio em novos contratos e multar a Globo e o Clube dos 13. A primeira pode ser condenada a pagar entre 1% e 30% de seu faturamento anual, que chega a R$ 6,5 bilhões; e a segunda pode levar multa de R$ 6 mil a R$ 6 milhões.
Preferência A SDE pediu a proibição da cláusula de preferência dos contratos do campeonato nacional de futebol, a mais polê-
mica. Nela, a Globo tem direito de adquirir o Brasileirão se igualar as propostas concorrentes. E obriga o Clube dos 13 a dar prazos para a emissora carioca cobrir essas ofertas. Mesmo assim, a cláusula de preferência foi mantida no contrato do Campeonato Brasileiro para 2009 a 2011, já fechado. Para defender a necessidade da cláusula de preferência, a Globo alegou que o direito antitruste aceita certas condutas para proteger empresas do comportamento free-rider, ou seja, quando outros agentes econômicos acabam usufruindo de um determinado benefício proveniente de investimentos oriundos de determinada empresa. Resumindo, para a emissora, foi essencial se “proteger” nos contratos para não permitir que outras empresas se aproveitassem de seu investimento para o desenvol-
te entre os ciclos naturais e sociais”, completa. Esse descompasso entre ciclos naturais e sociais rebatem no metabolismo das pessoas. “Insônia, sonolência diurna, alterações do humor e do apetite e transtornos digestivos são as queixas mais freqüentes desses desajustes temporais”, explica o especialista. Menna reforça que o fato das populações acabarem por se adaptar a essas imposições não elimina os transtornos mencionados. A geógrafa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Arlette Moisés Rodrigues, lembra que Portugal já viveu a experiência de mudar seu fuso horário em 1992, em função de seu ingresso para a União Européia; e, devido a diversas complicações na vida e na saúde da população, o país voltou atrás. “Houve um aumento do consumo de estimulantes e diminuição do rendimento escolar e do trabalho”, lembra. (ES)
vimento do “produto futebol”, como dizem.
Antitruste? A prática antitruste, no entanto, se transformou em prática a favor do monopólio e limitadora da liberdade de escolha dos torcedores. “Toda essa tentativa de monopolizar a atividade esportiva é ruim para sociedade. Por isso, a decisão da SDE é bem-vinda e está de acordo com a concepção de que a prática desportiva e seu acesso através dos meios de comunicação são um direito do torcedor”, afirma o presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal, Romário Schettino, que aponta a necessidade de existir uma liberdade maior de ação para todas aquelas emissoras que estiverem dispostas a transmitir os jogos. A Globo cortou as asas até da TV pública, que em seu projeto inicial queria transmitir os jogos de futebol que a gigante não transmitiria, mas que estava sob seu domínio. Schettino lembra que a Globo conseguiu vetar no Congresso artigo que definia o repasse de jogos que não seriam transmitidos pela TV aberta à TV pública. (ES)
Futebol sagrado Nas últimas semanas, a Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert) encomendou ao Ibope uma pesquisa, pois queria comprovar que os cidadãos dos Estados afetados pela lei 11.620/08 seriam contra a adequação da programação ao fuso horário. A iniciativa falhou quase que totalmente: a maior parte dos entrevistados apoiou o respeito à classificação indicativa. A única reação negativa da população se deu em virtude do “cumprimento das regras” mencionadas pela pesquisa, às quais impediriam a transmissão a vivo dos jogos de futebol. Segundo o Intervozes, a pergunta foi colocada de forma descontextualizada, pois, jornalismo e eventos ao vivo podem ser transmitidos em qualquer horário. Assim, o fato de a Globo atrasar a exibição dos jogos nessas regiões nas quartas-feiras foi uma opção da emissora. “Foi uma chantagem explícita. Ela simplesmente adiou toda a programação, fazendo com que o jogo não fosse mais transmitido ao vivo”, afirma Moysés, que atesta ser a novela, que antecede o jogo, o real problema. “É óbvio que ninguém quer ver VT de jogo”, pondera.
DITADURA
Ex-agente uruguaio se diz ameaçado de morte Filho de João Goulart e autoridades brasileiras recebem alerta de quem denunciou o envenenamento do presidente brasileiro Mário Augusto Jakobskind do Rio de Janeiro (RJ) Mario Neira Barreiro, ex-agente do serviço de inteligência do governo militar do Uruguai, então conhecido como Tenente Tamuz, revelou que está sendo ameaçado de morte. Ele tinha contado ao filho de João Goulart, morto em dezembro de 1976, que o presidente teria sido envenenado na Argentina, em uma operação dos regimes militares na América do Sul articulada pelos Estados Unidos. Barreiro está preso na penitenciária de Charqueadas, no Rio Grande do Sul, condenado por roubo, formação de quadrilha e posse ilegal de armas. Em carta enviada a João Vicente Goulart, o filho de Jango que colheu a denúncia, Barreiro diz que, após a revelação, passou a ser perseguido pela Dirección Nacional de Información e Inteligencia do Uruguai (DNII). De acordo com ele, a DNII foi criada “sob diretrizes e auspícios estadunidenses e encontra-se infiltrada pela CIA”. O ex-agente uruguaio disse ainda que, desde que os meios de comunicação brasileiros divulgaram as suas denúncias, o próprio chefe de disciplina da penitenciária onde se encontra “tem pretendido convencer-me a que desista de sustentar minha versão”. Barreiro assinalou que só continua vivo “porque tenho recebido a proteção dos ‘bandidos’ que têm se solidarizado com minha condição”. Depois de afirmar que esperava que as autoridades brasileiras adotassem uma atitude séria para esclarecer os fatos, ele diz: “vejo que tudo não passa de mero formalismo, e em breve as minhas valiosas informações terminarão indo junto comigo para o túmulo”. Barreiro pede que seu depoimento seja tomado antes que seja tarde. “Que estão esperando para tomar meu depoimento? Meu óbito?”, provoca.
Confisco O ex-agente da DNII denuncia que guardas da penitenciária de Charqueada apreenderam os originais de sete volumes que escreveu contando detalhes sobre o assassinato de João Goulart. Barreiro garante que forneceria “uma cópia, se me houvesse sido solicitada, a título de colaboração” e acrescenta: “Não entendo o motivo pelo qual a autoridade prisional toma uma atitude hostil e intimidatória contra mim, sendo que me ofereci de livre e espontânea vontade a cooperar?”. O ex-agente assegura que nem pensava publicar o que escreveu sem antes ter um aval do próprio filho de João Goulart. E finaliza a carta afirmando para João Vicente: “Sabe que não estou mentindo! Seu pai, João Goulart, foi assassinado! Estou disposto a submeter-me a todo tipo de polígrafo detector de mentiras e até avaliações psiquiátricas se for preciso. Só espero que seja antes que algum sicário dos norte-americanos me elimine”.
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Raimundo Pacco/Folha Imagem
saiu na agência 1º de maio de luta Cerca de 3 mil pessoas foram à Praça da Sé, em São Paulo, para celebrar o 1º de Maio. Intersindical, MTST, além de partidos como o Psol, PSTU e PCB, estiveram presentes no ato que foi marcado por críticas ao governo federal, como a possível reforma da Previdência. O discurso também foi duro em relação às celebrações da CUT e Força Sindical, que ocorriam simultaneamente nas zonas sul e norte da capital. Os pontos mais criticados foram a despolitização dos atos, os mega-shows e os sorteios. A CUT não realiza sorteios. O que podemos ser Pregão da Bovespa: recorde histórico após “selo de qualidade” da Standard & Poor’s
Grau de investimento é sinal verde à especulação ECONOMIA Classificação só afeta setor financeiro, já que juros altos freiam produção Renato Godoy de Toledo da Redação A CLASSIFICAÇÃO do Brasil como grau de investimento gerou euforia no governo e no mercado de ações nacional. Superando as expectativas da equipe econômica – que almejava atingir o título apenas em 2009 –, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s atribuiu ao país a nota BBB, dando ao Brasil esse “selo de qualidade”. Em outras duas agências com respaldo no mercado financeiro, a Moody’s e a Fitch, o país está a um degrau dessa condição. A escala da Standard & Poor’s vai de AAA até D. A primeira classifica o país como tendo “capacidade excepcional de honrar compromissos”; EUA e Alemanha ostentam esse título. A nota D sinaliza que a nação não tem condições alguma de pagar suas dívidas. Atualmente nenhum país possui essa classificação. Com a nova nota, o Brasil passou de país “menos vulnerável à inadimplência” para ingressar num “parâmetro de proteção adequado”, segundo os critérios da agência. O entusiasmo gerado com anúncio do grau de investimento pode ser comprovado pelos resultados do índice Bovespa, que fechou pela primeira vez acima dos 70 mil
pontos, e pela fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, anunciando que, “se tudo permanecer como está, ninguém segura esse país”. Na prática, a Standard & Poor’s sinaliza para o mercado internacional que os investimentos no Brasil têm rentabilidade garantida, diante da postura do país de equilíbrio nas contas públicas e de bom pagador de dívidas. Alguns fundos de pensão europeus, por exemplo, só investem em mercados que possuem esse título. De fato, o anúncio alterou a dinâmica do mercado. Mas apenas do financeiro, já que o setor produtivo e a geração de renda para os trabalhadores não devem sofrer muitas mudanças com o esse novo patamar.
Financeiro x produtivo Miguel Bruno, coordenador do Grupo de Conjuntura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), afirma que o status atingido pelo Brasil deve-se ao equilíbrio das contas públicas, ao crescimento econômico e à redução do desemprego. No entanto, ele não demonstra o mesmo entusiasmo do mercado financeiro quando questionado sobre os impactos do grau de investimento na geração de renda e na abertura de novos postos de trabalho. “Sabemos que o Brasil possui um calcanhar de Aquiles:
Selic alta é sinal de risco Para Theotonio dos Santos, Banco Central tem postura contraditória da Redação Ao aumentar a taxa Selic para 11,75% ao ano, o Banco Central (BC) alegou que, além de combater a inflação, a economia brasileira precisava ser blindada diante de uma crise financeira internacional, e que era preciso evitar uma fuga de capitais. Com a taxa de juros mais alta do mundo, os credores dos títulos da dívida pública têm uma elevada rentabilidade garantida, o que proporciona a permanência de seus recursos no mercado interno de ações. Agora, com o grau de investimento, o mesmo BC afirma que o título foi concedido graças à maneira como o órgão conduz a economia brasileira e que o anúncio da Standard & Poor’s mostra que o Brasil é seguro para investimentos. Para Theotonio dos
Santos, o BC tem um discurso contraditório. “Um país com pouco risco tem de ter uma taxa de juros baixa, mas o Banco Central elevou a taxa Selic. O BC afirma que o grau de investimento mostra que o Brasil tem baixo risco, mas afirma que isso é resultado da política de risco. As taxas de juros mais altas do mundo mostram que o Brasil é um dos países com mais risco no mundo”, constata. A única maneira de o Brasil reverter sua condição de país atrativo apenas para os capitais de curto prazo, segundo Miguel Bruno, do Ipea, é a redução da taxa de juros. “Numa análise positiva, se o BC retomar a redução de juros, podemos imaginar que haveria melhores condições de linhas de financiamento para a economia, o que poderia acarretar na abertura de novas indústrias”, considera. (RGT)
as taxas de juros mais altas do mundo. Isso tem sido palco de discussão entre economistas, afinal, quais são as razões objetivas para taxas tão elevadas? Tudo o que essa classificação trouxer de positivo para o país vai ser mediado pelas taxas de juros”, prevê. É consenso entre especialistas que a nova classificação do Brasil implicará num cenário favorável para os capitais de curto prazo, também conhecido como especulação financeira. De outro lado, o setor produtivo não colherá os louros do grau de investimento, justamente pelo calcanhar de Aquiles citado por Bruno. “Para o setor financeiro, o fato de ter essa nota é muito bom, certamente vão aumentar os índices da bolsa e a atração do capital de curto prazo, mais líquido. Também vai se aprofundar ainda mais a tendência de baixa na taxa de câmbio”, avalia Bruno.
Câmbio valorizado A entrada massiva de dólares no país, aliás, é vista com ressalvas tanto por setores progressistas quanto por parte do empresariado, sobretudo aquele que tem parte de sua lucratividade associada às exportações. Com a valorização do real frente ao dólar, fruto da grande oferta da moeda estadunidense no Brasil, o preço do produto nacional fica menos atrativo para o mercado externo.
Para Reinaldo Gonçalves, economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o setor produtivo pode até perder se essa avaliação aumentar. “Pode haver não só uma alteração na taxa de câmbio, como um aumento da volatilidade da taxa, tanto quanto na entrada e saída de capitais no país”, explica. Theotonio dos Santos, economista da Universidade Federal Fluminense (UFF), acredita que o grau de investimento não servirá de chamariz para os capitais de longo e médio prazo, nem mesmo para os capitais de curto prazo, já que a maior parte dos detentores desse tipo de capital já tinham ciência de que o Brasil possui boas condições para aplicações. “Alguns investidores seguem esse tipo de classificação (grau de investimento), mas são uma minoria. Em todo caso, não deixa de ser um atrativo para os capitais de curto prazo ”, revela. Ele entende que a configuração do quadro brasileiro é resultado da falta de um planejamento da economia. “O Brasil não atrai o capital de médio e longo prazo, porque não se tem uma clareza sobre a evolução da economia em um prazo maior. Agora temos o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que tem metas de longo prazo, mas a maioria é de metas de dois, três anos”, analisa.
Agências de classificação têm baixa credibilidade Empresas erram muito, como em casos nos quais país que possuíam índices razoáveis declararam moratória da Redação As recentes turbulências no mercado internacional e até a bancarrota de mega-empresas como a estadunidense Enron, colocaram em xeque a credibilidade das agências de classificação de risco, como a Standard & Poor’s, que atribui ao Brasil o grau de investimento. Os Estados Unidos, por exemplo, que enfrentam uma crise de inadimplência no setor imobiliário, com conseqüências ainda não mensuradas, estão no topo do ranking dessa agência. Para a Standard & Poor’s, mesmo com a crise, os EUA são o melhor país para se investir, ao lado da Alemanha. “Essas empresas têm um problema sério de credibilidade, cada uma tem uma metodologia para classificar o país. Elas têm uma avaliação subjetiva, são diferentes metodologias e interesses. Há muitos casos de fracassos, como o de países que, às vésperas de moratória, tinham uma classificação de risco razoável”, lembra Reinaldo Gonçalves, da UFRJ. O economista do Ipea, Miguel Bruno também critica a meto-
dologia dessas agências. “Elas erram muito, precisavam avaliar mais os fatores reais, produtivos. Elas se atêm a indicadores de superfície, como a relação entre dívida pública e PIB e não vêem a estrutura econômica subjacente. Os EUA são uma nação com uma classificação mais favorável do que a nossa, no entanto, entraram em crise”, contesta.
Investimento real Bruno também critica a utilização equivocada do termo “investimento” que vem sendo realizada por economistas do setor financeiro. “Em macroeconomia, procuramos separar investimento de aplicação financeira. O investimento do ‘grau de investimento’ é muito mais um aporte de recursos para o setor financeiro. O grau de investimento não significa que está havendo um boom no setor produtivo, são coisas desconexas. Há cenários em que o mercado financeiro pode estar inflado, e o que é investimento rigorosamente, como a abertura de novas indústrias, pode estar em baixa”, explica. (RGT)
Rui Mauro Marini, Josué de Castro e Eduardo Galeano. O que os três pensadores têm em comum? Em artigo, a economista Roberta Traspadini diz que os três mestres ensinam que a característica histórica da América Latina foi, e é, a de ter suas riquezas naturais, energéticas e vitais apropriadas privadamente pelos detentores hegemônicos do modo de produção-acumulação capitalista central. Roberta aponta que os dados atuais da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL) mostram não só o quanto vem sofrendo, ao longo da história, a maior parte de nossos sujeitados pelo capital, mas, também, o terreno fértil da continuada superexploração do trabalho no continente. Um mecanismo que nos anos de 1940 e 1960 era particular do continente, e que agora evidencia uma projeção global.
Condição do ar de SP
Apesar de viverem em uma potência econômica, os moradores da cidade de São Paulo correm o risco de morrer em função das péssimas condições do ar que respiram. Em artigo, o economista Sérgio Haddad, coordenador geral da Ação Educativa, aponta que, além do trânsito caótico da cidade, a qualidade do ar que os paulistanos respiram vem piorando. É como se cada cidadão fumasse cerca de quatro cigarros por dia. Isso significa maior risco de desenvolver bronquite crônica, agravamento das crises de asma e doenças cardiovasculares, menor peso ao nascer, maior chance de abortamento e redução discreta da expectativa de vida.
fatos em foco
Hamilton Octavio de Souza
Álcool recorde A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) prevê que a produção de álcool combustível baterá o recorde brasileiro neste ano, com o processamento de aproximadamente 630 milhões de toneladas de cana-de-açúcar. O crescimento da colheita deve ser 10% superior a de 2007; e a produção de álcool deve ser 15% a mais do que no ano passado. Combustível tem, falta alimento farto e barato. Trigo escasso Um dos principais consultores do presidente da República, o ex-czar da ditadura militar Antonio Delfim Netto, é responsável pelo abandono do cultivo de trigo no Brasil, quando chefiou o Ministério da Agricultura, de 1979 a 1985, pois achava mais negócio importar o grão dos Estados Unidos, Canadá e Argentina. Hoje a tonelada do trigo importado custa quase o dobro do produzido no país. Faltou visão de futuro. Gente finíssima O Ministério Público pediu à Justiça a condenação dos donos da Daslu, a loja mais luxuosa de São Paulo, a 26 anos de prisão. Eles são acusados da prática de contrabando, falsificação de documentos e sonegação de impostos. Só a sonegação está estimada em R$1 bilhão, que foi desviado dos cofres públicos. Mas, no fundo, será que alguém acredita que esses ricos e famosos cumprirão alguma pena? Inflação real O IGP-M da Fundação Getúlio Vargas fechou em abril com aumento de 9,81% nos últimos 12 meses. Esse índice é apurado principalmente nos preços do atacado, o que significa que o aumento demora um pouco mais para chegar ao consumidor. Serve para reajuste de contratos em geral, inclusive de aluguéis, com peso no custo de vida dos trabalhadores. Se o reajuste dos salários não acompanhar... Salada paulista O 1º de Maio em São Paulo tem sido comemorado há anos com manifestações e festas bem distintas, conforme a linha política de cada central sindical e suas ligações partidárias. O último Dia do Trabalhador, no entanto, apresentou grande mistura partidária, com políticos do DEM (ex-PFL) no ato da CUT e políticos do PT no ato da Força Sindical. Está cada dia mais difícil saber as diferenças partidárias.
Gestão duvidosa A meta do superavit primário do setor público é de 3,8% do PIB, mas, no primeiro trimestre deste ano, bateu novo recorde e chegou a 4,65% do PIB, com uma reserva de R$ 31,3 bilhões. Embora o governo comemore tal desempenho e a imprensa burguesa e os economistas neoliberais aprovem a “contenção dos gastos públicos”, o fato é que tais recursos poderiam ter sido bem aplicados na sociedade, e não foram. Não é um erro de gestão? Risco evidente A Serasa, atualmente uma empresa controlada pelo capital estrangeiro, acaba de divulgar pesquisa sobre a expectativa de o comércio faturar, no Dia das Mães, pelo menos 15% a mais do que no ano passado. É claro que a Serasa, interessada na expansão do crédito, procura estimular o consumo, mesmo sabendo que a situação do crédito no Brasil – 35,9% do PIB – pode causar grave crise de inadimplência. Vitória popular Criada em 1996, a Rádio Cantareira ficou 10 anos no ar prestando serviços públicos para a população da zona noroeste de São Paulo, mas acabou silenciada em 2006 por ações judiciais da Anatel. Agora, acaba de ser autorizada – junto com outras 35 emissoras – a prestar serviços de radiodifusão comunitária na capital paulista. É uma vitória de quem não se dobrou à ditadura das comunicações. Ajuda oficial Os economistas críticos da política de juros do Banco Central do Brasil calculam que a simples elevação de 0,5% da taxa Selic aumentou a dívida pública em R$ 2,9 bilhões, ao mesmo tempo em que o governo cortou R$ 6,2 bilhões de investimentos em saúde e educação. Para eles, essa medida favorece a concentração da riqueza, pois beneficia a minoria dos credores do governo. Por isso os ricos estão rindo à-toa.
de 8 a 14 de maio de 2008
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brasil
Assassinatos e mortes sob tortura competem ao Ustra, diz ministro JUSTIÇA Torturado durante ditadura, Paulo Vannuchi será testemunha de acusação no caso do assassinato de Luiz Eduardo Merlino Arquivo Nacional
José Cruz/ABr
Dafne Melo da Redação NO DIA 1º, mais um pequeno passo foi dado em direção à construção da memória histórica recente do Brasil. O prédio onde funcionou, na cidade de São Paulo, um dos centros de repressão mais importantes do regime militar, o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), passa agora a se chamar Memorial da Resistência. Na cerimônia de abertura, além de representantes do governo estadual paulista, esteve presente o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo de Tarso Vannuchi, que, na ocasião, concedeu esta entrevista exclusiva ao Brasil de Fato. Ele, também ex-preso político, testemunharia, no dia 13, “como cidadão”, salienta, na ação movida pela família do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino contra o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra. O juiz que acatou a ação civil declaratória movida pela família Merlino, Carlos Hernique Abrão, disse em seu parecer que a tortura é um crime imprescritível e que “o assunto não trata de privilégio decorrente da Lei de Anistia”. Numa ação civil declaratória, não há punição criminal nem pedidos de indenização, apenas o reconhecimento público da responsabilidade pela morte do jornalista. Entretanto, a audiência foi suspendida temporariamente após o advogado de Ustra, Paulo Esteves, entrar com recurso, usando como justificativa a proteção garantida pela Lei de Anistia. O desembargador Luiz Antônio de Godoy, do Tribunal de Justiça de São Paulo, acatou o pedido e a audiência do caso foi suspensa até que a ação seja examinada. De seu lado, Aníbal Castro de Sousa, advogado da família Merlino, lembra que a ação, por ser na área cível, não questiona a Lei de Anistia, e acrescenta que crimes de direitos humanos são imprescritíveis. Aos 23 anos, Merlino foi seqüestrado em sua casa e levado ao Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DoiCodi), em 1973. Lá, foi torturado até a morte. Vannuchi, também preso naquela mesma época, viu Merlino e conversou brevemente com ele após o jornalista passar pela tortura. Confira a entrevista a seguir.
Todos os legisladores que ajudaram a aprovar essa lei [de Anistia] sabem disso, conhecem a lei, mas quiseram usar a palavra “conexos”, algo próprio de ditaduras, em que não há luz, não há democracia, bastava a autoridade do poder Brasil de Fato – O senhor vai prestar depoimento na ação movida contra o coronel Ustra. Qual a participação dele na morte do Merlino? Paulo Vannuchi – Fui preso político no Doi-Codi, conheci e tive uma breve conversa com o Merlino. Breve, mas suficiente para entender o processo do seu assassinato sob tortura. Um dia, vejo uma movimentação em frente ao X-3, xadrez número 3. Apareceu um enfermeiro que pelos seus traços podia ser alguém de origem boliviana ou indígena. Esse enfermeiro, então, arrastou uma escrivaninha até a porta da minha cela e trouxeram, então, o Merlino, que praticamente já não conseguia caminhar. Fizeram-no deitar e ele passou por uma sessão prolongada de massagem nas pernas. O Merlino falava pouco, muitos gemidos de dor. Essas massagens não eram, absolutamente, rotineiras no Doi-Codi, único caso que vi nos três meses que fiquei lá, e também depois, nas inúmeras – sete retornos – que fiz de outros presídios, para voltar a ser interrogado lá. Nos breves intervalos em que o enfermeiro se afastava, conversei com ele, fiquei sabendo seu nome e fiz o diálogo humanitário. Ele disse: “eu não estou sentindo minhas pernas”. Elas estavam realmente inchadas, repletas de hematomas. Como torturado, eu mesmo havia passado por aquilo meses antes e sabia que era conseqüência do pau-de-arara, instrumento de tortura em que o ser humano é pendurado em condições em que a circulação sanguínea – sobretudo do joelho em direção aos pés e dos pulsos até os dedos, que é por onde a corda passa para amarrar o torturado – fica absolutamente comprometida. Quando somos arreados, para além da dor que está presente no resto do corpo, nessas regiões se dá um processo de dormência e formigamento que às vezes demora semanas para passar. Outras vezes, na cadeira do dragão – uma cadeira toda revestida de chapas me-
Quem é
Protesto no Rio de Janeiro em 1968, foto integrante da exposição
tálicas para potencializar a descarga elétrica. Você fica amarrado durante horas... pessoalmente, eu tive uma região de pele, na bacia, que durante anos ficou insensível, não reagia a toques de agulha. Como soube da morte dele? Soube nos dias seguintes, através de outros presos e, posteriormente, no presídio de Tiradentes. Acredito que, em algum momento, o Merlino foi tirado de lá, presumivelmente para algum hospital, na busca – o que eu já tinha constatado – de sua recuperação. Provavelmente ele não era um preso que o Doi-Codi tivesse previamente condenado à morte, porque, quando faziam isso, evitavam o convívio com outros presos, mantinham só na chamada cela forte, que não ficava à vista das demais celas. Ou levavam o preso para sítios e aparelhos clandestinos. Se faziam massagens como essa, presumivelmente era o reconhecimento de que aquele preso político não tinha sido condenado à morte previamente pela repressão. Evidentemente, buscou-se obter informações do Merlino, sob tortura, que ultrapassaram os limites da sobrevivência humana. E quero testemunhar que o comandante do Doi-Codi, naquele período, era o Carlos Alberto Brilhante Ustra. No mesmo período em que o Ustra esteve à frente do Doi-Codi, houve outros 40 casos de assassinato e cerca de 502 denúncias de tortura. Evidentemente, o caso Merlino não é algo isolado. Não, não é isolado. Na minha compreensão, todos os casos de assassinatos e mortes sob tortura, durante o período em que o Ustra foi comandante, competem em última instância a ele. O Ustra entrou com recurso, e a Justiça acatou, suspendendo a audiência. Como você vê essa decisão? E a possibilidade de termos um ex-presidente – José Sarney – depondo a favor do Ustra? No Estado democrático de direito, é fundamental reconhecer a todo acusado o pleno direito à defesa, a um julgamento público e à transparência. A arrolagem de testemunhas é um direito que a democracia – que nós reconquistamos com nossa luta – assegura. Lamento e preferiria que um ex-presidente, que sempre merece respeito por essa qualidade, faça qualquer pronunciamento a favor de uma pessoa que ainda tem um profundo equívoco de comportamento, que viola também a honra militar – a qual historicamente foi sempre eivada pela idéia de verdade. Os torturadores poderiam se calar ou dizer que torturaram em nome da pátria, da família, até da democracia. Mas é intolerável que digam que não torturaram, que Vladimir Herzog suicidou-se, que Rubens Paiva, um belo dia, abandonou sua esposa e seus filhos, que o Stuart Edgard Angel Jones, militante, sumiu de repente. Foram assassinados sob tortura, assim como Manuel Fiel Filho e tantos outros. E suas mortes são de responsabilidade dos comandantes das unidades em que morreram sob tortura, em cada época. Basta verificar o período em que Ustra foi comandante no Doi-Codi. O livro de
Élio Gaspari, que o ouviu, registra com precisão o período em que ele atuou e sobre a morte de quantos brasileiros e brasileiras paira a responsabilidade de Ustra.
Que haja um memorial como esse com o nome de todos torturadores, por exemplo. Que as filhas desses torturadores perguntem: você fez isso que o livro conta? Você violentou essa mulher que estava no pau-de-arara? Isso não pode ser subestimado como punição A ação contra Ustra é civil declaratória. Por conta da Lei de Anistia, não se pode entrar com ações criminais. Há juristas, como Helio Bicudo e Fabio Konder Comparato, que questionam a lei. Qual a opinião do senhor? Um dos aspectos muito importantes dessa iniciativa da família Merlino, junto com o Comparato, que já inciou um procedimento comparável no caso da família Teles, é que de alguma maneira isso caminhará para a sensibilização do Supremo Tribunal Federal (STF), que é a corte constitucional brasileira. Juristas respeitados como Dalmo Dallari, Comparato, Bicudo e Flávia Piovesan, entre outros, sustentam que a palavra “conexos”, se quisesse abranger torturas, violências sexuais, ocultação de cadáver e homicídio, deveria ser transformada por um artigo de lei naquela época, dizendo: estão anistiados os crimes políticos e também os eventualmente cometidos, por parte dos órgãos de segurança do regime, na repressão a esses delitos. Todos os legisladores que ajudaram a aprovar essa lei sabem disso, conhecem a lei, mas quiseram usar a palavra “conexos”, algo próprio de ditaduras, em que não há luz, não há democracia, bastava a autoridade do poder. Vamos entender por crimes conexos tal coisa e pronto. Mas na democracia não se admite a palavra do ditador como decisão de última instância. Se o Supremo decidir que a Lei de Anistia de 1979 agasalha toda essa violência, eu, ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, discordarei, mais uma vez, do STF e queixarei publicamente, mas respeitarei e acatarei, pois no Estado democrático de direito, todos precisamos acatar a decisão soberana desse poder. Mas pode ser que ocorra o oposto: o Supremo decida que não, que esses crimes não podem ser prescritos. Não cabe a mim essa definição. E, à sociedade civil, cabe o papel importante de sensibilizarse com a questão e pressionar. Em países vizinhos, há ditadores presos, sempre por iniciativa do Judiciário. Nem no Uruguai, nem na Argentina, nem no Chile, o presidente manda prender ninguém; é o Ministério Público, são os defensores do povo que tomam a iniciativa, acatada por juízes. No Brasil, deve-se trilhar o mesmo caminho.
serviço Com a abertura do Memorial da Resistência, a Secretaria de Estado da Cultura inaugurou a exposição fotográfica Direito à Memória e à Verdade - a Ditadura no Brasil: 1964-1985. A exposição reúne painéis compostos por 110 fotografias expostas nas celas do Dops. Uma vez por semana, haverá visitas guiadas, monitoradas por ex-presos políticos. A programação
inclui palestras, debates e apresentações de vídeo uma vez por mês, aos sábados, no auditório da Estação Pinacoteca. Onde: Estação Pinacoteca, no largo General Osório, 66, Luz, região central de São Paulo, Quando: terça-feira a domingo, das 10h às 17h30. A entrada é gratuita. Mais informações: (11) 3337-0185.
Paulo de Tarso Vannuchi é ministro da secretaria especial de Direitos Humanos. Entrou para o curso de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em 1969. Militante da Aliança Libertadora Nacional (ALN), foi preso em fevereiro de 1971, aos 20 anos. Foi solto apenas em 1976, em liberdade condicional. Seu primo, Alexandre Vannuchi Leme, foi morto pelo regime em 1973.
Esses países também têm liberado os arquivos. E aqui, há novidades? O governo federal determinou a abertura dos arquivos do Serviço Nacional de Inteligência e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Estamos trabalhando para anunciar, nos próximos meses, a interligação digital desses arquivos, cumprindo determinação da Justiça. Qual a importância de conhecer a verdade sobre esses casos? A preocupação central é conhecer e assegurar o direito à memória. A Justiça, no meu ponto de vista, não exige necessariamente pôr na cadeia todos os responsáveis. Tenho o mais profundo respeito por todos aqueles que exigem isso. Não desacataria um procedimento jurídico assim, se as instituições jurídicas assim entenderem, ficarei feliz. Porém, me parece mais importante entender a idéia de Justiça num sentido mais geral. Que haja um memorial como esse, com o nome de todos torturadores, por exemplo. Que as filhas desses torturadores perguntem: você fez isso que o livro conta? Você violentou essa mulher que estava no pau-de-arara? Isso não pode ser subestimado como punição, talvez até mais grave do que dois ou três meses de cadeia. Repito: a posição do governo Lula é compreender punição como tema do Judiciário. O governo não opina sobre isso. Como cidadão, fui chamado a testemunhar no caso Merlino, tenho o dever de não hesitar um segundo, e lá estarei para dizer que sou testemunha ocular das prisões, torturas, imobilidade e falta de sensibilidade nas pernas que ele sofreu. Em comparação com minha experiência pessoal de torturado, inclusive no pau-de-arara, sei que aquilo gera o corte de sensibilidade e irrigação que, muito provavelmente, levou-o à morte por trombose ou gangrenamento. Em seguida, a farsa que foi montada. Inclusive, no livro Direito à Memória e à Verdade, no item Luiz Eduardo da Rocha Merlino, está muito claro que o Estado brasileiro já se posicionou sobre isso. Havia uma falsa versão [a versão do regime é que Merlino, ao ser transportado para reconhecimento de outros militantes, se jogou em frente a um carro], assim como no atentado ao Riocentro, e quando algumas autoridades militares, lamentavelmente, preferiram deixar as Forças Armadas como responsáveis por uma farsa jurídica coordenada por Job Lorena na época, dizendo que aqueles oficiais do Doi-Codi foram assistir a Chico Buarque de Holanda e que aquelas bombas explodiram em seu colo, matando-os. O Brasil não tolera mais esse tipo de farsa; e assim como ocorreu no caso Merlino, em 1973 fizeram o mesmo para acobertar a morte de Alexandre Vannuchi Leme [primo do ministro], que morreu no Doi-Codi, na cela forte. O carcereiro saiu gritando: “o homem morreu”, e seu corpo foi arrastado, deixando uma marca de sangue. (Colaborou Tatiana Merlino, da Redação)
Para entender Riocentro – No dia 1º de Maio de 1981, no Rio de Janeiro (RJ), um militar morreu e outro ficou ferido, após a explosão acidental de uma bomba dentro de um carro em que estavam. O objetivo era plantar as bombas no show que acontecia no local, em comemoração do Dia dos Trabalhadores. O Atentado do Riocentro, como ficou conhecido o episódio, partiu de setores mais radicalizados das Forças Armadas, que queriam criar um pretexto para uma nova onda de repressão, paralisando a lenta abertura política então em andamento. Na ocasião o governo militar acusou a esquerda pelos atentados.
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de 8 a 14 de maio de 2008
cultura Acervo Família La Selva
Para além das arquibancadas História militante do primeiro presidente da Gaviões da Fiel resgata papel social e político da agremiação
UM DOS efeitos colaterais da ditadura militar foi que, sob o manto de chumbo do regime de exceção, pequenos fascistas se sentiram à vontade para impor suas ditaduras particulares. Por exemplo: enquanto o general Arthur da Costa e Silva (des)mandava, em Brasília, a corrupção e o autoritarismo de Vadih Helu corriam soltos pelo gramado do Parque São Jorge, sede do Sport Club Corinthians Paulista. No entanto, nas arquibancadas, assim como acontecia nas ruas, um grupo de jovens uniu forças e articulou a resistência. Para mostrar sua garra, elegeram a maior ave de rapina do mundo. E assim foi fundado, no dia 1º de julho de 1969, o Grêmio Gaviões da Fiel Torcida, a primeira (e mais numerosa) torcida organizada do Brasil, hoje com cerca de 75 mil associados – o equivalente à população da cidade de Arujá (SP). Nesta semana, celebram-se os 20 anos da morte de uma liderança desse grupo: Flávio La Selva, sócio número 1 e primeiro presidente da Gaviões (veja texto abaixo). A breve – porém, intensa – vida desse professor e advogado, falecido aos 40 anos, não apenas determinou as origens da Fiel, mas deixou um legado social e político para a agremiação. Apontando a quadra denominada Flávio La Selva, onde, além de outras atividades, todos os sábados a comunidade desfruta de uma feijoada com samba, o atual presidente da Gaviões, Herbert César Ferreira, afirma: “Aqui, a gente agrega as pessoas. O empresário e o faxineiro estão lado a lado, numa vivência comunitária, na qual todo corinthiano é igual. Aqui não tem diferença de classe, não tem quem ganha mais, quem ganha menos. Esse era o modo de pensar do Flávio, que permanece
até hoje”. Quem conhece a origem humanista e militante daquele fundador e as ações sociais que a Gaviões promove fica intrigado com a violência que marca as torcidas de clubes de futebol. “É exatamente para transformar essa realidade que estamos investindo em cultura, em educação, não apenas para os associados, mas para toda a comunidade”, relata Denis Nogueira, diretor social da Gaviões.
Oficinas e bolsas Bancadas com recursos próprios ou em parceria com o governo paulista, são oferecidas diversas oficinas gratuitas a associados ou não da Gaviões. Na sede e nas sub-sedes (Guarulhos, Piracicaba, São José dos Campos e Sorocaba) acontecem aulas de xadrez, percussão, cavaquinho, dança, capoeira, grafitagem, muay thai, jiu jitsu, judô. “Nossos melhores alunos são selecionados para integrar a ala musical da escola”, conta o professor Fabinho do Cavaco, autor do samba enredo de 2008. Na área de educação, a Gaviões tem convênio com escolas e faculdades da cidade de São Paulo. Os associados têm bolsas de estudos de até 60%, em cursos que vão desde a educação infantil até a pós-graduação. “Começamos este ano, e já são mais de 80 sócios estudando por meio desses convênios”, comemora Nogueira. Atuação política Desde sua formação, com forte influência na constituição da Democracia Corinthiana, a Gaviões marca presença em diversas frentes políticas externas ao clube. Entre os momentos memoráveis, em 1979, em jogo contra o Santos no Morumbi, a torcida abriu uma faixa com os dizeres “Anistia ampla, geral e irrestrita”. Em 1984, deflagrou as bandeiras nas ruas, pelas Diretas Já. Hoje, a Gaviões apóia e atua
em causas populares, como a luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Tirando proveito da visibilidade nos estádios, a agremiação já organizou a torcida para usar os bonés do MST durante partidas de futebol. E também acolheu em sua quadra famílias despejadas de um acampamento. A mais recente luta é junto ao Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), ao lado de expoentes da organização popular e social do país, como a CNBB e a OAB. O movimento propõe um projeto de lei de iniciativa popular, tratando da inelegibilidade de pessoas que tenham sido condenadas pela Justiça, em primeira instância, ou que tenham renunciado a seus mandatos para não serem cassadas pelo poder legislativo.
serviço Homenagem Ato in Memorian Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo Exposição Flávio La Selva De 5 a 9 de maio, das 9h às 18h Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo Espaço V Centenário Av. Pedro Álvares Cabral, 201, Ibirapuera, São Paulo. Guarulhos Arte Grafitti Todos os sábados Das 9h às 12h São José dos Campos Percussão Todos os sábados Das 13h às 16h São Paulo Xadrez, Percussão, Samba no Pé, Capoeira, Muay Thai Todos os sábados Das 10h às 13h Sorocaba Percussão, Mestre-sala, Portabandeira Todos os sábados Das 15h às 18h Piracicaba Xadrez Todos os sábados Das 9h às 11h Gaviões da Fiel
A torcida oferece aulas e oficinas gratuitas, como as de cavaquinho e muay thai
Gaviões da Fiel
Áurea Lopes de São Paulo (SP)
No alto, Flávio La Selva, sócio número 1 e primeiro presidente da Gaviões
Um homem leal, humilde e com muito procedimento PERFIL Fundador da Gaviões da Fiel era filho de uma são paulina e de um palmeirense de São Paulo Os palmeirenses podem não acreditar. Mas é fato: a Gaviões da Fiel tem raízes no bairro paulistano da Moóca, reduto da colônia italiana. Mais que isso, as primeiras reuniões da agremiação foram feitas – imagine! – na casa de um palmeirense e de uma são paulina, cujo filho, Flávio Tadeu Garcia La Selva, viria a se tornar o sócio número 1 e primeiro presidente da maior torcida organizada do planeta. “No mesmo ano em que criou a Gaviões, meu irmão entrou para a faculdade de Direito do Largo São Francisco. Desde então, até o fim da vida, se dedicou totalmente a ajudar os outros”, conta Wanda La Selva, organizadora da Semana Flávio La Selva, que, entre outros
eventos, exibirá uma mostra fotográfica na Assembléia Legislativa de São Paulo, até o dia 9. No esporte, La Selva foi também dirigente da Federação Paulista de Futebol de Salão, diretor do Sport Club Corinthians Paulista, presidente da Associação das Torcidas Organizadas do Estado de São Paulo. Em 1988, Vicente Matheus o convidou para a vice-presidência do Corinthians, cargo que ele não aceitou por já estar doente. No Carnaval, foi também vice-presidente da União das Escolas de Samba Paulistana, vice-presidente Jurídico da Federação das Escolas de Samba do Estado de São Paulo, integrante das escolas de samba Vai-Vai e Vila Dalila.
Da procissão ao desfile Formado em Letras e em Direito, La Selva tinha um espírito humanista. Fundou o Grupo de Defesa da Cidade, ao lado de Humberto Mesquita e Sérgio Camarano. Foi sócio benemérito do Hospital Humberto Primeiro e integrante da Casa de
Saúde Ermelindo Matarazzo, que ajudou a recuperar de dificuldades financeiras. Em sua homenagem, foi batizada a Escola de Primeiro e Segundo Graus Prof. Flávio La Selva, no Jardim Ângela, zona Sul de São Paulo. Católico praticante, era amigo de Dom Paulo Evaristo Arns, ao lado de quem participou de momentos históricos nos tempos da ditadura. “Quando chegava a época da procissão de Corpus Christi, Dom Paulo mandava chamar o Flávio e dizia: deixa por conta dele que sai direito, ele tem experiência dos desfiles de carnaval!”, lembra o amigo Jureni José dos Santos, atualmente conselheiro vitalício da Gaviões. Outro conselheiro vitalício, Sérgio Romano, o Paracatá, lembra das vezes em que o grupo de fundadores da Gaviões era agredido por capangas de Vadih Helu: “Ele queria comprar aqueles que faziam oposição às arbitrariedades. Oferecia ingressos, ônibus gratuitos ... mas a Fiel não se dobrava. Então ele mandava bater. Mas a torcida se fortalecia ainda mais”. (A.L.)
FILME Reprodução
Ninguém escapa do McDonald’s Miguel Enrique Stédile Lançado recentemente em DVD, Nação Fast Food de Adrian Linklater, é um bom exemplo de como a forma estética pode trair ou esterilizar o seu conteúdo. O filme é uma adaptação ficcional do livro País Fast Food, de Erik Schlosser, que é também coroteirista da nova versão. O livro é resultado de um longo e intenso estudo de Schlosser sobre a cadeia produtiva das lanchonetes fastfood estadunidenses, em especial o McDonald’s. Em sua pesquisa, Schlosser aborda desde a produção da carne, passando pelo cartel dos frigoríficos e a indústria de aromas e sabores, à exploração do trabalho adolescente, nos balcões, ou imigrante, nos frigoríficos. E, ainda, relaciona a ex-
pansão da indústria automotiva e bélica com as lanchonetes que estabeleceram o padrão alimentar estadunidense. Incapazes de transportar um conteúdo tão abrangente para as uma hora e meia de duração – exigidas por outra fast indústria, a do cinema – o diretor e o próprio autor fizeram duas opções: primeiro, transformar em ficção o que no livro é real. Segundo, optar pela forma dramática para narrar o conteúdo. Assim, o personagem principal e condutor da história é um executivo de uma rede de lanchonetes destacado para investigar o excesso de cloriformes fecais nos hambúrgueres da empresa. Por ele, o espectador desvendaria o caminho da carne da fazenda ao frigorífico. Curiosamente, o personagem só está presente na pri-
Cartaz promocional do filme, lançado em 2006
meira metade do filme. Em certa altura, diante das denúncias encontradas – e entre elas e seu futuro na companhia – o executivo prefere não se comprometer com nada e não tomar decisão alguma. É o próprio alter ego do diretor. Daqui para frente, o espectador segue outras duas personagens: a balconista adolescente pobre e a imigrante ilegal mexicana. Mas ainda olhamos como se o
executivo estivesse contando a história, de forma passiva, sem compromissos. Convencida a tomar partido na vida, a adolescente abandona a lanchonete e se junta a um grupo de estudantes eco-ativistas. Para o diretor, a corporação é maléfica, mas os ecologistas são patéticos, apresentados como falsos radicais que, em essência, não passam de garotos brancos da universidade. Resol-
vem fazer uma ação direta: libertar as vacas de uma fazenda. Quando a ação fracassa, só resta ao grupo se conformar que as coisas são assim. “As vacas não querem ser livres”. A frase é como uma explicação para a seqüência seguinte: a imigrante mexicana, que resistia em trabalhar no frigorífico, conforma-se que esta é sua única alternativa. Assim como as vacas, os mexicanos também não querem ser livres.
Apelação No livro, ou seja, na “vida real”, o pecuarista agroecológico que não consegue concorrer com o cartel de frigoríficos, suicida-se. No filme, não há superação possível das contradições, apenas a conformação. Mesmo o frigorífico, “vilão da história”, é limpo demais, branco demais, hollywood demais, para convencer da brutalidade que o livro convence sem imagens. Sem ter emocionado com o drama, nem denunciado com força, ao diretor só resta apelar. Ao final, apresenta um acidente de trabalho – previsível desde o iní-
cio – e, mais tarde, cenas do abatedouro, na esperança de chocar ou indignar nos seus últimos minutos. O filme, que começa com a típica família estadunidense comendo hambúrgueres numa lanchonete, termina com um novo grupo de mexicanos ilegais recebendo hambúrgueres da mesma marca. Não é apenas a idéia de um ciclo, ou que estamos todos fazendo parte da mesma cadeia. A idéia é também que, depois de tudo que vimos, as coisas continuarão idênticas e que a solução é se conformar com elas. Não há ruptura possível para as contradições. Como já sabia o executivo que foi embora na metade do filme. Miguel Enrique Stédile é jornalista e historiador
servico Nação Fast Food ( Fast food Nation). Direção de Adrian Linklater. EUA. 114 minutos. País Fast Food de Erik Schlosser. Editora Ática. 405 páginas.
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américa latina
As vozes dissonantes de Santa Cruz REFERENDO Embora passe a imagem de apoio unânime ao estatuto, departamento opositor é palco de resistência à oligarquia local Marcello Casal Jr./Abr
Igor Ojeda Enviado especial a Santa Cruz de la Sierra (Bolívia)
Repúdio
No entanto, certamente ele não viu o que aconteceu no dia 2, numa zona mais deteriorada da cidade. E é possível que não tenha ficado sabendo dos eventos do dia 4 no Plan 3000, um dos bairros mais pobres de Santa Cruz. Nos dois casos, as cores predominantes não eram o verde e o branco: a grande maioria das pessoas empunhava a “tricolor”, como é chamada a bandeira boliviana, verde, amarela e vermelha. Outros carregavam a whipala, bandeira que leva as cores do arco-íris e que é sagrada para os indígenas da região andina. Na concentração do dia 2, que reuniu cerca de 2 mil pessoas contrárias à consulta, diversos líderes de movimentos sociais locais e nacionais revezavam-se ao microfone discursando contra “o referendo ilegal impulsionado por uma minoria oligárquica racista do departamento que quer manter o poder sobre as terras e a exploração do trabalhador nos latifúndios”. Já no Plan 3000, no dia da votação, os moradores mostraram seu repúdio ao estatuto queimando urnas e cédulas na La Rotonda, uma espécie de centro do bairro. Durante todo o dia, ocorre-
de Santa Cruz de la Sierra (Bolívia)
Contagem de cédulas: unanimidade em favor de estatuto é questionável
ram duros enfrentamentos contra apoiadores do referendo, liderados pela Unión Juvenil Cruceñista, que tentavam garantir a consulta. Pedras e pedaços de pau voaram, de um lado ao outro, por várias horas, assim como bombas de gás lacrimogêneo da Polícia Nacional, que tentava acalmar a situação. Grandes mobilizações como essa aconteceram também no interior do departamento (veja matéria nesta página), dando mostras de que a unanimidade em favor do estatuto autonômico é questionável.
Abstenções
A “vitória retumbante” do “sim” também ficou abalada – embora as autoridades crucenhas não reconheçam – com a divulgação da primeira parcial da apuração, no dia 5. Com um terço dos votos contados, o índice de abstenção estava em 35,82%. Os que haviam votado pelo “não” somavam 15,73%, enquanto os nulos e brancos chegavam a 3,81%. De acordo com o Movimiento Al Socialismo (MAS, partido do governo), o fato de 55,36% dos eleitores de Santa Cruz não terem votado pelo “sim” evidencia que a maioria dos crucenhos não apóia o estatuto, significando, assim, o fracasso do referendo autonômico. No entanto, tanto o MAS quanto organizações sociais do departamento fazem questão de frisar que eles não lutam contra a autonomia, e sim contra o texto autonômico, considerado por eles anti-democrático e de viés separatista. “Os setores sociais não estão tão informados sobre o estatuto. Porque o povo foi marginalizado desse processo. Não tivemos representantes do povo, diretamente eleitos por nós, para que o escrevessem”,
protesta Mario Barón, presidente da Associação Copacabana, organização de comerciantes do Mercado Central do Plan 3000. “Estamos contra porque foi feito por cima de nós”, completa.
Disputa de poder
Para Jerjes Justiniano, do Partido Socialista boliviano, a consulta levada a cabo no dia 4 não diz respeito à autonomia, e sim a uma disputa pelo poder político e econômico. “Não votamos pela autonomia. Já a aprovamos em junho de 2006. Votamos a aprovação ou não de um estatuto autonômico, que é mais centralista que o federalismo do Brasil”, diz. Em 2006, em um referendo nacional, o “não” à autonomia ganhou nacionalmente, enquanto o “sim” triunfou nos departamentos de Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando, chamados de meia-lua. Na época, o governo central fez campanha pelo “não”, o que fez, na opinião de Justiniano, com que a oligarquia do oriente se apropriasse da bandeira autonômica. Ainda de acordo com ele, que se diz “um autonomista desde os 19 anos”, o referendo é o resultado de um processo histórico acentuado a partir da revolução boliviana de 1952. Enquanto no ocidente do país foi realizada uma reforma agrária, o mesmo não ocorreu no oriente, por existir, na época, muita terra e pouca gente. Em 1971, com o início da ditadura de Hugo Bánzer, a burguesia de La Paz, surgida em 1952, se vincularia com os setores produtivos de Santa Cruz, desenvolvendo uma agroindústria exploradora e uma classe social emergente na região. “Esta classe é a que está disputando o poder nesse momento”, diz.
Terra
Poder que pode ser resumido, para ele, na tentativa de manutenção da estrutura fundiária do departamento. “Foi feita uma lei de reforma agrária por Evo Morales que afeta a oligarquia de Santa Cruz”, esclarece. Segundo o estatuto autonômico, a faculdade de titulação das terras é do governador, assim como muitas outras competências, como a definição da política de hidrocarbonetos. “O estatuto é a tentativa de voltar 180 anos antes da República. Querem um governador com todos os poderes. Poder de nomear o presidente da Corte Eleitoral, o presidente da Corte Suprema de Justiça no departamento, os juízes...”, alerta Saturnino Pinto, presidente do Comitê Cívico Popular de Santa Cruz, entidade criada em 2006 em contraposição ao Comitê Cívico “oficial”. Para Pedro Nuni, vice-presidente da Confederação dos Povos Indígenas do Oriente Boliviano (Cidob), os impulsionadores do referendo autonômico nunca levantaram a bandeira pela autonomia. Para ele, essa é uma estratégia para se contraporem à arremetida que o governo e as organizações sociais haviam realizado com a Assembléia Constituinte. “Eles não se sentem garantidos, incluídos no novo texto constitucional”, afirma. Já de acordo com Edgar Rivero, presidente da direção Departamental do MAS em Santa Cruz, os dirigentes dos partidos tradicionais que perderam as eleições de 2006 se reagruparam em comitês cívicos e governos departamentais e desde então passaram a desenvolver uma conspiração para desestabilizar o governo Evo.
Théa Rodrigues
Resultado deve ser usado como trunfo em negociações de Santa Cruz de la Sierra (Bolívia) A partir da aprovação do estatuto autonômico de Santa Cruz no referendo do dia 4, a disputa política na Bolívia tende a se acirrar ainda mais. O cruceño Jerjes Justiniano, do Partido Socialista boliviano, acredita que o país pode tomar dois caminhos. No primeiro deles, as autoridades do departamento desconheceriam a institucionalidade do governo central e aplicariam o estatuto, tomando as empresas do Estado. Com o Executivo intervindo para impedir, um ciclo de violência poderia ser gerado. “Isso é o que busca o império, para causar um debilitamento do país e a queda de
Com o microfone na mão, a repórter do canal de TV boliviano PAT pergunta às pessoas em frente a um colégio, segurando pedaços de pau, o que estão fazendo ali. Uma delas, um homem branco de cerca de 40 anos, responde: “Estamos protegendo o local para que ninguém venha roubar as urnas”. Questionado o que aconteceria se alguém viesse, o homem não hesita: “Ah, aí, coitados dos collas”. A escola está localizada no Plan 3000, um dos bairros mais pobres de Santa Cruz de la Sierra, cujos moradores são indígenas provenientes do ocidente do país, conhecidos justamente pela denominação colla. Na disputa entre oriente e o ocidente do país, o racismo se exacerba. Algumas pichações em Santa Cruz de la Sierra garantem que “depois de 4 de maio, os collas vão ter que ir embora”.
Evo, por gravidade. Assim, nunca mais um índio voltará à presidência, em nenhum país do continente.”
Negociação
A outra possibilidade é que Santa Cruz sente para negociar com o presidente Evo Morales, com o resultado nas mãos como trunfo para obter maiores concessões na nova Constituição. “Vai ser um processo longo e tenso. Essa negociação pode ser uma arma poderosa que também debilite o governo”, preocupa-se Jerjes. Pedro Nuni, vice-presidente da Confederação dos Povos Indígenas do Oriente Boliviano (Cidob), concorda. “O que os governadores querem é dizer: ‘olha, Evo, aqui temos a votação do referendo, agora
Intervenção do Executivo pode gerar violência
me dê o que me corresponde’. Só que o presidente vai falar para eles se apegarem à nova Constituição.” Um dia depois do referendo, os governadores de Beni e Tarija, departamentos que
têm consultas autonômicas marcadas, respectivamente, para os dias 1º e 22 de junho, condicionaram a abertura do diálogo ao reconhecimento, por parte do governo, dos resultados em Santa Cruz. (IO)
“Nação Camba”
A discriminação é reforçada pela idéia, difundida nos últimos anos, da chamada Nação Camba, que dividiria a Bolívia em duas partes. “Não existe uma cultura camba. O termo era usado pejorativamente pela oligarquia para chamar um indígena ou um camponês. Era como dizer que eram li-
xo. Agora eles reivindicam o termo. Pegaram-no para capitalizar frente às massas”, explica Pedro Nuni, vice-presidente da Confederação dos Povos Indígenas do Oriente Boliviano (Cidob). “Conheço muito camba. Vivemos em paz, compartilhamos. Agora, nos fazem brigar, nos fazem inimigos”, lamenta Mario Barón, presidente da Associação Copacabana, organização de comerciantes do Mercado Central do Plan 3000, na periferia de Santa Cruz de la Sierra. Da etnia quéchua, o dirigente nasceu em Potosí, nos Andes, mas vive há mais de 40 anos na cidade.
Estatuto racista
Segundo Nuni, os migrantes e filhos de migrantes collas (formados por quéchuas e aymaras) representam hoje mais da metade da população da capital do departamento, onde servem como mão-de-obra barata. Mesmo assim, o estatuto autonômico crucenho não os reconhece, garantindo direitos apenas aos povos indígenas “oriundos” da região: Chiquitano, Ayoreode, Yuracare-Mojeño, Gwarayo y Guaraní. “O Estatuto é racista”, garante Nuni, que lembra ainda que das mais de 20 nações do departamento, apenas essas cinco serão representadas no Conselho Departamental, que funcionará como órgão legislativo. (IO)
Nick Buxton/CC
SOB UM Cristo Redentor que leva seus braços para o alto, Rubén Costas, o governador de Santa Cruz, discursa. “No dia 4 de maio, diremos um ‘sim’ à democracia, à liberdade, a nossa forma de ser. A autonomia tem razão histórica e é direito fundamental sermos donos de nosso destino. É parte essencial de nossa liberdade”. É dia 30 de abril, data do encerramento oficial da campanha em favor do referendo sobre o estatuto autonômico do departamento. A cada frase de Costas, uma multidão espalhada por uma longa avenida aplaude e grita em apoio. Estão quase todos vestidos de verde e branco, as cores da região. Um turista que tenha estado na cidade no dia 4 e nos dias que antecederam a consulta crucenha deve ter imaginado que toda uma população estava irmanada na mesma luta autonômica. Carros com adesivos, bandeiras nas casas, pessoas com camisetas com alusões à autonomia estavam por todos os lados. Caso o mesmo viajante tenha visto, por curiosidade, os resultados de boca-de-urna, que projetaram a aprovação do estatuto por 85% dos votos, provavelmente pensou que sua impressão era correta.
O racismo como arma
Na disputa entre oriente e ocidente, o racismo
Na cidade bastião de Evo, ninguém votou Sue Iamamoto de San Julián (Bolívia) Em San Julián, no interior do departamento de Santa Cruz, não houve referendo autonômico. Considerado o bastião crucenho do Movimiento Al Socialismo (MAS), partido do governo, o município é formado principalmente por comunidades de colonos – camponeses migrantes de outras regiões que tiveram pequenas propriedades doadas pelo Estado. A mobilização começou no dia 3 pela tarde, com uma concentração de alguns milhares de pessoas em frente ao mercado da cidade. Elas determinaram, em assembléia, o bloqueio da estrada que liga a região à cidade de Santa Cruz de la Sierra e o confisco de qualquer urna encontrada nas comunidades.
Bloqueio
Às 22hs (23hs de Brasília) do mesmo dia, seis pontos de bloqueio foram estabelecidos e mantidos por
quase 20 horas, através do cumprimento de turnos por parte da população local. Na manhã do dia 4, data da consulta, algumas urnas foram encontradas sob o cuidado de notários e, na maior parte dos casos, foram entregues aos colonos sem maiores conflitos. Contudo, na comunidade de Los Angeles, os fiscais do referendo resistiram ao confisco, gerando um enfrentamento que deixou um jovem ferido. “Ganha o estatuto e os collas vão embora”, assim ameaçavam os que cuidavam das urnas, fazendo referência ao nome que se dá aos indígenas da região ocidental do país. Depois de alguns minutos, as urnas foram abandonadas e rapidamente queimadas pelos colonos em um protesto. Com a calma restabelecida, um dos participantes do confronto desabafou: “Eles dizem que a gente é de fora, mas eles são estrangeiros, croatas, filhos de espanhóis. Em contrapartida, nós estamos nestas terras há mais de 500 anos”.
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américa latina
Para enganar a fome, haitianos se alimentam com bolachas de terra Claudia Jardim
RECEITA INDIGESTA Antes utilizadas para conter o desejo das mulheres grávidas, as bolachas feitas de argila, água, sal e margarina têm servido de alimento à população Claudia Jardim de Porto Príncipe (Haiti) EM FRENTE ao Fort Dimanche, antigo centro de tortura do ex-ditador Jean-Claude Duvalier, um grupo de mulheres haitianas iniciam mais um dia de trabalho. Sob um forte calor, estendem no meio da quadra de basquete vários tecidos que serão utilizados como bandejas. Duas mulheres mesclam juntas, com as mãos em um balde, uma massa: argila, água, sal e margarina. Outras se ocupam de dar-lhes uma forma arredondada. Essa é a receita das bolachas de terra, antes utilizadas para conter o desejo das mulheres grávidas. Mas a história da bolacha e dos haitianos mudou. Há algum tempo, as bolachas estão sendo consumidas para enganar a fome. “ Nós vendemos a bolacha, mas quando não temos dinheiro para comprar comida, também comemos isso, não tem jeito”, conta Rosemary Paul, enquanto esperava que o sol secasse a produção do dia. Rosemary vive, há três anos, em Fort Dimanche, umas das favelas mais pobres da capital Porto-Príncipe. Optou por deixar os dois filhos com a mãe no campo, nutrida pela esperança de conseguir um trabalho na cidade para poder pagar a escola para as crianças. “Lá pelo menos a escola é mais barata”, afirma a mulher, para logo acrescentar: “Mas tá difícil, nem isso conseguimos pagar”. No Haiti, 82% das escolas são privadas e 42% da população é analfabeta. É comum escutar famílias que no final do mês têm que decidir se pagam a escola ou compram comida. Muitas vezes não podem optar nem por uma uma coisa nem outra.
Saciedade No Haiti, tradicionalmente, algunas mulheres grávidas consomem as bolachas de ar-
gila como fonte de cálcio e minerais encontrados na terra. Outras comem por desejo, relatam os haitianos. Mas quando a panela está vazia, Rosemary diz que a bolacha de terra é a opção de muitas famílias. “No centro da cidade, onde vendemos, muitos compram por fome também, não é só para mulher grávida”, relata. No Haiti, 47% da população sofre de desnutrição crônica, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). A bolacha de terra é salgada e absorve toda a umidade da boca, provocando sede. O barro e a água juntos produzem uma sensação de saciedade. “Não faz mal nenhum”, afirma Rosemary. A argila utilizada na produção das bolachas é trazida do Estado de Hinche, centro do Haiti, e é vendida a 5 dólares, uma quantia equivalente a 100 bolachas. No mercado, Rosemary e outras dezenas de haitianos vendem cada bolacha a 5 gourdes (moeda local), que valem 0,13 centavos de dólar, enquanto um quilo de arroz é vendido a 2,50 dólares, 50% mais caro que há um ano. Os haitianos que trabalham (70% dos trabalhadores estão desempregados) sobrevivem com menos de 2 dólares diários. A poucos metros de onde as mulheres preparavam o barro, um grupo de jovens jogava dominó. As crianças, umas descalças, outras nuas, brincavam com o que encontravam em meio ao lixo e ao esgoto que corre a céu aberto.
Tabu A bolacha de terra também é o passatempo das crianças que chupam pequenos pedaços da bolacha como se fossem um doce. No canto da boca escorre a argila. “Eu como quando dá fome”, disse, envergonhado, Wilgens, de 11 anos. Admitir que se come a bolacha por fome também é um
da pela corrupção. “Nós preferimos entregar nas mãos das pessoas a bolsa de alimento, assim sabemos que está chegando para quem necessita realmente”, disse o embaixador do Brasil no Haiti, Igor Kipman. Na última crise, desencadeada pelo aumento dos preços dos alimentos, o Brasil enviou 14 toneladas de alimentos ao país. De acordo com o governo brasileiro, mil familias foram beneficiadas com uma bolsa de alimento. O envio de alimentos foi questionado por analistas que consideram que somente a ajuda alimentar aumenta a dependência e não soluciona o problema. “A ajuda deveria estar direcionada para incentivar a produção nacional e solucionar os problemas de fundo que geram a pobreza e a fome”, avaliou Marc-Arthur Fils Aimé, analista político, diretor do Centro Cultural Karl Lévêque.
Acompanhada pelo esposo e três filhos, Emma Pierre seca as bolachas no teto da casa
A bolacha de terra é salgada e absorve toda a umidade da boca, provocando sede. O barro e a água juntos produzem uma sensação de saciedade tabu. No bairro La Salines, ao lado do Fort Dimanche, uma família inteira participava da produção das bolachas. Secavam o produto nos tetos das casas. “Fazemos isso há oito anos”, contou Emma Pierre. Acompanhada pelo esposo e três filhos, Emma nega que os haitianos estejam comendo a bolacha por fome. “Ninguém come isso. Nós vendemos para comerciantes na República Dominicana, que usam o lodo em clínicas de estética. Uma pessoa que come isso todos os dias vai morrer”, afirmou Em-
ma. Atrás dela, a filha menor mostrava a língua tingida pelo barro. Evangélica, Emma acredita que a miséria do povo haitiano é uma profecia escrita na Bíblia e se resigna. “Não é o presidente que vai mudar isso. É com Jesus que falamos quando temos fome”, disse.
14 toneladas de comida Os haitianos são fanáticos por futebol, em especial pelo brasileiro. Um grupo de meninos disputavam entusiasmados quem seria o Ro-
naldinho ou o Kaká naquela tarde. Fort Dimanche está ao lado da maior favela de Porto Príncipe, Cité Soleil, área sob controle militar das tropas brasileiras que pertencem à Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti ( Minustah). Mepri, de seis anos, um dos tantos que se diz Ronaldinho em Fort Dimanche, falava dos gols que faria no jogo do próximo domingo, mas de repente, sem avisar, mudou de assunto. “ O Brasil nos mandou comida e (René) Preval vendeu e não nos deu”, disse. Essa é a percepção de muitos haitianos sobre a ajuda alimentar enviada pelos demais países. Além de ser insuficiente para alimentar a todos, muitas vezes a comida se perde no caminho, desvia-
30% chega ao país De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Haiti recebe 314 milhões de dólares de ajuda internacional, que são destinados às despesas. No entanto, de acordo com o senador da base governista, Jean Hector Annacacis, apenas 30% deste total anunciado realmente chega ao país, muitas vezes, com destino já definido. “E na maioria das vezes esse dinheiro vem condicionado a projetos de ONGs que são pouco eficientes. Não nos perguntam o que necessitamos ou para onde pensamos que deveria ir esse recurso, o que torna a ajuda pouco efetiva”, critica. Em Fort Dimanche, já era final da tarde e ameaçava chover. “Estamos em época de chuva, chove todos os dias”, disse Rosemary, apressada para recolher as bolachas já secas. Desanimada, a mulher não vê solução para a crise de seu país. “A situação está cada vez pior e não temos um governo que se preocupe com os nossos problemas. Eu não vejo como isso pode mudar”, afirmou. Olhando as crianças ao lado, acrescentou: “Para elas tampouco há saída, se nem direito de ir à escola têm, como vamos mudar essa situação?”, lamentou.
MÉXICO
Obrador convoca resistência contra privatização do petróleo do país Waldo Lao Fuentes
Waldo Lao Fuentes da Cidade do México (México) Milhares de mexicanos de vários Estados que integram as brigadas do Movimento Nacional em Defesa do Petróleo Mexicano compareceram à Cidade do México, no dia 27 de abril, após convocatória de Andrés Manuel López Obrador. O objetivo era protestar contra a iniciativa de reforma energética, proposta pelo presidente Felipe Calderón, que, além de inconstitucional, abre caminho para uma maior corrupção dentro da companhia Petroleos Mexicanos (PEMEX). A manifestação aconteceu em razão da tomada da Tribuna do Senado – ocupada por mais de 16 dias pelos legisladores próximos a Obrador, da Frente Amplio Progresista (FAP), formada pelo Partido del Trabajo, Partido Revolución Democrática e Partido Convergencia – que foi realizada para tentar frear a iniciativa calderonista e iniciar uma segunda fase de debate sobre a questão, prevista para começar no dia 13 de maio e se estender por 71 dias. A tentativa de privatização dos hidrocarburetos – primeira fonte de riqueza do país – não é nada mais do que a continuidade de um processo da agenda neoliberal do presidente “ilegítimo” Calderón. Ao longo de seu discurso, Obrador
Metas da segunda fase na luta pela defesa do petróleo - Continuar com as mobilizações, duplicando o número de brigadistas nacionais. Espera-se conseguir 200 mil no mês de junho e, assim, informar casa por casa e chegar a mais de 10 milhões de famílias;
Manuel López Obrador discursa na Cidade do México contra a reforma energética de Felipe Calderón
comentou sobre os meios de comunicação, ressaltando que o Partido Revolucionário Institucional (PRI), assim como o Partido de Acción Nacional (PAN), “se apóiam no controle que têm sobre os meios, os quais permitem a manipulação da informação e a enganação da população”. Seu discurso fez referência ao recente spot transmitido pelo canal Televisa, no qual foi comparado a Hitler e a Mussolini. Logo após, completou: “Que se garanta o direito do povo à informação”, se dirigindo com respeito e admiração aos meios livres e
independentes presentes na platéia, denominando estes como “imprensa humanitária”, que têm a tarefa de informar sem manipular. Enquanto os milhares de participantes gritavam em coro “A pátria não se vende, se defende”, Obrador divulgou seu novo programa, o que chamou de segunda fase na luta pela defesa do petróleo. E finalizou seu discurso entre aplausos: “Que não morra o amor pela pátria. O que se obtém com amor se conserva para sempre”, disse. (Tradução de Anna Flávia Feldmann.)
A PEMEX surge em 18 de Março de 1938, no governo do presidente Lázaro Cárdenas del Río (1934-1940), após uma emblemática expropriação do setor petroleiro conduzida por ele. Esta foi a decisão política mais importante de seu governo. Conhecido como “nacionalista revolucionário”, Cárdenas também deu continuidade aos princípios da Constituição de 1917, fazendo a efetiva reforma agrária no país. (WLF)
- Realizar uma campanha nacional, percorrendo todos os Estados do país, para dar continuidade à resistência civil pacífica e informar a população sobre quais seriam as grandes conseqüências da privatização do petróleo; - Oferecer ênfases aos meios massivos, propondo que cada brigadista seja seu próprio meio de comunicação para informar a população sobre o que acontece, iniciando um processo a partir dos bairros; - Realizar um referendo nacional; - Convocar uma próxima manifestação para o domingo de 29 de junho e fazer uma avaliação dos avanços pela luta na defesa do petróleo.
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internacional
Britânicos punem neoliberalismo adotado pelo “novo trabalhismo” TIRO NO PÉ Ken Livingstone, chamado de “Ken, o Vermelho”, poderia ter sido eleito prefeito de Londres pela terceira vez consecutiva no dia 5 de maio se não tivesse cometido o erro de se juntar novamente a Tony Blair e a Gordon Brown Reprodução
Achille Lollo A DERROTA dos trabalhistas britânicos finaliza os péssimos resultados que a esquerda reformista européia registrou, em abril, na Itália, e, antes, na Espanha, com a desastrosa campanha da Izquerda Unida, sem esquecer a queda na França do PS e do PCF, em 2007, quando Sarkozy se elegeu inaugurando o novo curso político da direita na Europa. De fato, na Inglaterra — como nos outros países europeus — aumentou a desconfiança dos eleitores com os partidos de centro-esquerda, em função do profundo mergulho que eles deram no neoliberalismo. Em teoria, os líderes trabalhistas, Giddens e Mandelson, inventaram a “Terceira Via” para se contrapor ao neoliberalismo dos conservadores. Conseqüentemente, no congresso de Blackpool, em 1997, Tony Blair transformou o Labour Party (Partido Trabalhista) em New Labour, retirando a Clause 4 do estatuto que definia a atuação socialista do partido. A partir desse momento, Blair não teve mais dificuldades em desmontar toda a tradição política do Labour Party. Desde então, Ken Livingstone – conhecido por “Ken, o Vermelho” – liderou a resistência de importantes setores sindicais (trade unions) e da própria esquerda do partido trabalhista. Porém, a brilhante retórica de Tony Blair foi avassaladora, prometendo “um governo capaz de recriar a confiança na política (...) e agora que fomos eleitos como New Labour, vamos governar como New Labour”. Além disso, para justificar o programa de privatizações – muito semelhantes ao de Margareth Thatcher – o New Labour, inventou uma frase que extrapolou a lógica da Terceira Via, fazendo chorar de felicidade a maior parte dos trabalhadores e da classe média quando Tony Blair, frente aos microfones da BBC, em pleno Parlamento, declarou: “O povo é o dono e nós somos os servidores do povo”. Desta feita, Tony Blair deveria ganhar o Prêmio Nobel pela maior mentira dita nos últimos dez anos.
Luta interna no Labour Juntando a retórica ao pragmatismo durante quase dez anos, Tony Blair e o New Labour ganharam com facilidade todas as eleições. Além disso, conseguiram isolar os grupos e os movimentos de esquerda ligados ao antigo Labour, obtendo o apoio do histórico líder trabalhista Neil Kinnock para minimizar a força política dos sindicatos. Para concretizar este nefasto projeto, Tony Blair – já primeiro-ministro – manteve todas as leis anti-sindicais que Margareth Thatcher criou, em 1986, para quebrar os grandes sindicatos (mineração, metalúrgicos, serviço público, correio, transportes) que rejeitavam o programa de privatização. O único que no New Labour se manteve distante de Tony Blair e da “Terceira Via” foi Ken Livingstone, motivo pelo qual recebeu o nome de “Ken, o Vermelho”. E foi por esta teimosia política que, em 2000, “Ken, o Vermelho” concorreu ao governo de Londres como independente contra o próprio candidato de Tony Blair e dos conservadores. O resultado é sabido: Ken Livingstone obteve uma extraordinária vitória, tornando-se, de fato, o representante do povo trabalhador (britânico e imigrado) de Londres e de seus numerosos subúrbios. Uma vitória que o consagrou novamente em 2004 e
Ken Livingstone e o vitorioso Boris Johnson; derrota do New Labour de Tony Blair
que, no dia 05 de maio, podia ter-lhe dado a terceira vitória eleitoral consecutiva, se ele não tivesse cometido um erro que 300.000 eleitores não lhe perdoaram; isto é, voltar ao New Labour e se juntar, novamente, a Tony Blair e Gordon Brown. De fato, o candidato conservador Boris Johnson ganhou esta eleição para o governo de Londres com 1.168.000 votos contra os 1.029.000 de Livingstone que, na realidade, perdeu pela abstenção de quase 300 mil eleitores do subúrbio, que não votaram querendo punir o New Labour de Blair. Para “Ken, o Vermelho”, este é um motivo a mais para continuar a luta interna – ou talvez voltar a atuar como independente – visto que sua derrota não foi por ter feito uma administração ruim, mas, sim, por ter se associado ao New Labour que, recentemente, cometeu uma autêntica covardia
De fato, o candidato conservador Boris Johnson ganhou esta eleição para o governo de Londres com 1.168.000 votos contra os 1.029.000 de Livingstone que, na realidade, perdeu pela abstenção de quase 300 mil eleitores do subúrbio que não votaram querendo punir o New Labour de Blair contra os pobres da Inglaterra. De fato, na véspera de eleições, o governo de Gordon Brown se atrapalhou no Parlamento e votou pela anulação da lei que vetava a taxação das rendas baixas. É claro que a working class (classe trabalhadora britânica e estrangeira), espremida pela legislação neoliberal, explorada com a implementação da flexibilização e vítima do trabalho precário, não acreditou mais no New Labour e se vingou ficando em casa no dia das eleições. .
Significado da derrota Os resultados das eleições municipais na Inglaterra e no País de Gales foram um autêntico desastre eleitoral para o New Labour, que perdeu 434 vereadores. Por sua parte, o partido conservador (Tories) elegeu 300 vereadores. Se no próximo mês houvesse eleições políticas para renovar o Parlamento de Westminster, os conservadores alcançariam a maioria absoluta, com 150 parlamentares destroçando o New Labour, depois de 11 anos de governo.
Para os dirigentes do New Labour, o elemento determinante da derrota não foi o absenteísmo da working class – que, segundo o ex-ministro Charles Clarke, “pode ser reconquistada a qualquer momento” – mas sim o retorno da classe média às fileiras do partido conservador. Para ele, a opção política da classe média foi uma mera traição, visto que o New Labour – na prática – fez tudo aquilo que o capital queria, ao ponto de privatizar muito mais que a própria Margareth Thatcher, reduzindo o serviço público ao mínimo indispensável. A explicação desta “traição” é a falta de segurança que hoje a classe média sente, após a globalização da força de trabalho. Um processo que começou quando o governo de Tony Blair, para garantir o apoio do capital, abriu as fronteiras para receber mão-deobra barata estrangeira que aceitava trabalhar por salários 40% menores que os dos britânicos. Este fluxo nunca parou, enloquecendo de felicidade comerciantes e pequenos empresários, sobretudo os do terceiro setor. A seguir, veio a onda da flexibilização na indústria, seguida pela introdução do chamado “trabalho precário”, através do qual os empresários estabelecem, livremente, novos ritmos de trabalhos, introduzindo, também, formas de pagamentos semanais baseadas na quantidade de produtos fabricados e não nas horas de trabalho. Para evitar que este novo exército de trabalho fosse organizado pelos sindicatos, o capital fez com que os fluxos de emigração fossem cada vez maiores. Por isso desapareceu, quase por completo, a estabilidade no trabalho, visto que nas cidades industriais da Inglaterra há cada vez mais trabalhadores estrangeiros e britânicos empobrecidos que aceitam trabalhar em condições cada vez mais precárias. Este contexto de livre exploração da mão-de-obra e de concentração de massas migratórias fez surgir autênticas babilônias nos subúrbios das cidades britânicas, que – como aconteceu em Paris – ameaçam explodir a qualquer momento, pelo fato de os “novos escravos globalizados” viverem em verdadeiros guetos, sem serviços sociais, sem lazer, sem educação e constantemente pressionados pela polícia.
Tolerância Zero O partido conservador de David Cameron explorou amplamente os temores da classe média prometendo reorganizar a sociedade para conter os fluxos migratórios e reprimir com “Tolerância Zero” tudo que possa alimentar possíveis revoltas populares de pobres e estrangeiros.
Não há dúvida que a classe média e também uma parte de setores populares mais despolitizados ficaram encantados com a promessa de “Tolerância Zero” e votaram nos conservadores convencidos de que terão “mais ordem, mais segurança e menos culturas estrangeiras”. David Miliband, atual ministro das Relações Exteriores e possível sucessor de Gordon Brown no New Labour, acredita que “a segurança que os moradores dos bairros da Grande Londres requerem e que não encon-
traram no nosso governo foi o principal argumento de nossa derrota”. O próprio Gordon Brown admite que “foi um dia ruim para o New Labour, um resultado muito fraco. Devemos escutar e aprender esta lição”.
Após esta derrota, o primeiro-ministro, Gordon Brown, certamente, vai introduzir medidas repressivas que aumentam o poder da polícia. Uma delas é poder prender e segregar nas prisões um suspeito durante 42 dias Mas, para os analistas internacionais, as declarações desanimadas de Miliband e do próprio Brown implicam numa possível virada do New Labour em direção à chamada “Tolerância Zero”, com vistas a reconquistar a classe média. Uma possibilidade que pode tornar-se real com facilidade, visto que, durante os 11 anos de governo, 75% dos parlamentares do New Labour votaram sempre a favor das campanhas militares: Ko-
sovo, Afeganistão e Iraque. E votaram também quando o líder Tony Blair era desmascarado publicamente pelas suas repetidas mentiras. Portanto, após esta derrota, o primeiroministro, Gordon Brown, certamente vai introduzir medidas repressivas que aumentam o poder da polícia. Uma delas é poder prender e segregar nas prisões um suspeito durante 42 dias. Ninguém no New Labour – excluindo, evidentemente, Ken Livingstone – se levantou para criticar este projeto, que já foi apresentado no Parlamento e rejeitado pelos conservadores. É bom lembrar que, em 1996, Tony Blair, Mandelson, Giddens e a grande maioria do New Labour – para ficar no poder – não tiveram escrúpulos em sacrificar o movimento sindical, a tradição de lutas operárias e todas as conquistas sociais. Portanto, para continuar no poder, é certo que Gordon Brown, David Miliband e Charles Clarke não hesitarão em aumentar a militarização e a violência policial para mostrar à bem-sucedida pequena burguesia da grande Londres que eles são capazes de garantir a “Tolerância Zero” da mesma forma, ou talvez melhor, que os próprios conservadores. Achille Lollo é jornalista italiano, diretor do documentário América Latina: Desenvolvimento ou Mercado, disponível no www.portalpopular.org.br
12 de 8 a 14 de maio de 2008
internacional
Na Europa, o inferno neoliberal para sindicatos e trabalhadores Reprodução
DERROTA Com um discurso que explora o fantasma do desemprego frente à chegada dos imigrantes e a “falta de segurança” causada por eles, direita manipula com êxito os humores decepcionados dos setores populares Achille Lollo DEPOIS DE 18 anos de governos progressistas, o pósfascista Gianni Alemanno derrotou – neste último 28 de abril – o candidato de centroesquerda a prefeito de Roma, com a diferença de quase 100 mil votos. Um alerta dramático para toda a esquerda européia, que segundo o jornal britânico Independent não é apenas uma derrota eleitoral. É, antes de tudo, a evidência da ausência dos sindicatos no território, deixando desprotegidos os trabalhadores, diante de um processo de reformulação da sociedade que os “centros de excelência do capital” estão construindo, desde 1990, após a queda do Muro de Berlim. O ritual do saudosismo fascista nas escadas da Prefeitura de Roma não é uma casualidade eleitoral. É a repetição de vitórias que uma direita reacionária e racista obtém com o voto de trabalhadores decepcionados e populares amedrontados que, anteriormente, votavam nos candidatos dos partidos de esquerda conforme as orientações dos sindicatos. Diante disso, a questão é a seguinte: por que os sindicatos não mobilizaram suas bases como antigamente? A verdade é que 80% dos sindicatos e centrais sindicais européias não exercem mais seu papel político no território, ao lado dos trabalhadores. No local de trabalho, os sindicatos se limitam em representar verticalmente as dis-
putas contratuais, deixando de contextualizar a nova organização das linhas de produção que visam “robotizar” cada vez mais o trabalhador. “De fato, um robô não sabe o que é a ‘autonomia política da classe operária’. Ele apenas executa tarefas produtivas, não pensa se as mesmas são ruins para o corpo humano, para o meio ambiente, não reage se o trabalho é alienante. O robô trabalha até ser substituído por outros mais multifuncionais”. Assim um panfleto distribuído na FIAT-Mirafiori de Torino pelos comitês da Rede 28 de Abril (fórum que reúne a esquerda na central CGIL) criticava o silêncio da CGIL e da federação FIOM diante da nova investida da FIAT alertando os operários com o título: “Atenção, companheiro, os robôs não precisam de sindicato!”.
Crise de identidade Na União Européia, os sindicatos estavam organizados em fortíssimas centrais sindicais, que desde 1945 sustentaram os ideários da esquerda – sejam eles socialdemocratas, socialistas-reformistas ou abertamente anti-capitalistas. Os sindicatos metalúrgicos e químicos, italianos e franceses, sempre representaram a vanguarda política do movimento sindical, cuja força em unificar a classe operária era determinada por dois elementos centrais: 1) o estudo crítico das linhas de produção para contestar a condição de trabalho imposta pelo capital; 2) a or-
ganização e a representação sindical na fábrica e no território. Quando estas duas vertentes históricas foram substituídas por soluções ditadas pelo nascente verticalismo organizativo, os sindicatos e as centrais perderam sua identidade. Conseqüentemente, importantes setores do mundo do trabalho aceitaram as manipulações da direita e se sujeitaram às novas regras do World Class Manifacturing, isto é: garantir uma qualidade da produção just in time passando acima de ritmos de trabalho e das garantias da própria condição de trabalho. Um comportamento que se alastrou diante da pouca combatividade sindical quando explodiram as privatizações que, em muitos casos, foram determinadas pela condescendência de suas lideranças com os governos neoliberais e pela incapacidade de construir uma resposta alternativa.
Migrantes Em 1971, o diretor de cinema italiano Elio Petri lançava o filme A classe operária vai ao paraíso, no qual denunciava a mudança ideológica e organizativa da aguerrida central sindical CGIL (socialistacomunista) quando, em 1966 os centros de excelência do capital industrial começam a introduzir sistemáticas mudanças estruturais no ciclo de produção do automóvel, chamado de Processo de Reestruturação Tecnológica Industrial (PRTI).
Partidários de Alemanno comemoram com saudações fascistas
Na verdade, o PRTI, ao introduzir as chamadas “ilhas automatizadas” na linha de produção, pretendia romper a hegemonia política da dita “aristocracia operária” substituindo o operário especializado (sindicalizado e de esquerda) pelo imigrante (nacional ou estrangeiro), na maior parte dos casos sem qualificação técnica e cultural e manipulado pelas entidades que haviam terceirizado seu emprego. Para quebrar a presença militante de sindicalistas anticapitalistas, foram terceirizados os trabalhos que na fábrica eram considerados inferiores e que as novas gerações de operários recusavam por serem mal pagos. Assim, nas fábricas alemãs as funções de limpezas das linhas, recolha do lixo, transportes das peças etc. eram realizadas por imigrantes turcos que, hoje, na Alemanha, somam os 2 milhões. Na França, na Bélgica e na Holanda foram os imigrantes árabes e africanos que passaram a desempenhar a maioria das tarefas pesadas e sujas da produção industrial. A falta de consciência política, as contradições culturais desse pessoal e o ressurgimento do racismo provocaram a separação e a dissociação das atividades sindicais. Um processo que, após a queda do Muro de Berlim, inundou a União Européia com imigrantes do Leste Europeu que foram empregados massivamente nas indústrias e nas lojas (mesmo se clandestinos) para romper – do ponto de vista político e salarial – o último bastião de controle social das centrais sindicais. Assim, em pouquíssimo tempo, os cinturões suburbanos começaram a hospedar uma variedade de imigrantes árabes, africanos, latino-americanos, asiáticos e sobretudo do Leste Europeu, criando uma realidade multicultural que sindicatos e partidos da esquerda reformista não conseguiram entender e, sobretudo, organizar. Um atraso que a nova burguesia neoliberal e a direita logo exploraram, começando a agitar o fenômeno da concorrência salarial da emigração clandestina para sensibilizar o voto dos trabalhadores ameaçados de desemprego, enquanto, em outro território, a direita e a mídia levantavam a bandeira da “falta de segurança” em função dos crimes cometidos por uma nova delinqüência representada por imigrantes.
Miragem pelo poder É neste conturbado cenário dos anos de 1990 que o sindicalismo europeu introduz uma importante mudança estratégica quando as principais centrais sindicais européias (a DGB da Alemanha, a CGT francesa e a CGIL italiana) fizeram a opção pelo poder, que, na prática, implicava no abandono ideológico da terminologia da esquerda (fim do conceito de luta de classe, socialismo etc.), e das vacilantes temáticas da social-democracia. No seu lugar, entrava a lógica americanizante da AFL-CIO, com a participação ou co-gestão de áreas do poder que induz os sindicalistas europeus a aceitarem a inserção no socialneoliberalismo achando que para os trabalhadores esta é a única saída em um mundo cada vez mais globalizado.
O ritual do saudosismo fascista nas escadas da Prefeitura de Roma não é uma casualidade eleitoral. É a repetição de vitórias que uma direita reacionária e racista obtém com o voto de trabalhadores decepcionados que, anteriormente, votavam sob orientação dos sindicatos Uma miragem política que, indiretamente, abriu o caminho a Sarkozy e a Berlusconi, visto que a centro-esquerda foi incapaz de administrar o Estado, em termos neoliberais, e, ao mesmo tempo, não conseguiu criar uma hegemonia “progressista” na sociedade, tanto que as centrais sindicais perderam a ligação política com o território social. A lógica de um sindicalismo americanizante produziu a verticalização dos sindicatos que eliminaram o delegado das bases e as comissões internas de fábricas. No seu lugar, entrou um funcionário nomeado pela direção do sindicato para gaOli Wheatley
Rótulo de garrafas de vinho homenageiam Mussolini
rantir em cada fábrica a burocrática renovação contratual nacional. Porém, a atrelagem de sindicatos e centrais a governos de centroesquerda fez com que a negociação contratual nacional caísse no vazio, sobretudo quando os governos não queriam exacerbar os industriais ou poupar sua reserva. Por exemplo, na Itália, a renovação contratual dos servidores públicos sumiu da agenda sindical logo após a posse do governo Prodi, enquanto os metalúrgicos esperam sua renovação contratual desde novembro de 2006. Além disso, sindicatos e governo de centro-esquerda não conseguiram criar um sistema de controle para a TV pública capaz de responder às manipulações grosseiras da “grande” mídia ou de defender o próprio governo de centro-esquerda.
Ataque final Enquanto partidos de esquerda, de centro-esquerda e centrais sindicais italianas e francesas sonhavam em se perpetuar no poder, a direita trabalhava os humores decepcionados dos setores populares, manipulando as aspirações do mundo do trabalho para formular, após a vitória de Sarkozy, na França, e agora de Berlusconi, na Itália, aquilo que será o novo inferno neoliberal dos trabalhadores europeus. De fato, se do lado dos trabalhadores temos centrais sindicais claudicantes, interessadas em sobreviver com sua estrutura profissionalizada, que a própria direita chama de “casta”, do outro temos uma liderança industrial arrogante por ter conseguido quebrar o custo político da força de trabalho e cada vez mais desejosa de impor ao governo de direita suas regras no capítulo Capital versus Trabalho. De fato, segundo o administrador geral da FIAT, Sergio Marchionne, “os novos procedimentos fabris e de organização da qualidade na fábrica não vão contra o sindicato, mas sem o sindicato”. Procedimentos que são: a) fim da greve que deve ser referendada por todos os trabalhadores, caso contrário é declarada ilegal. b) efetiva introdução de “Banco de Horas” alimentados com horas de trabalho extraordinárias devolvidas sob formas de acúmulo de férias não pagas; c) aumento das horas extraordinárias, até 4 por dia, sem taxação governamental; d) definitiva revisão dos atuais modelos de pensão; e) fim das negociações contratuais nacionais com base nos parâmetros da OIT, optando por negociações descentralizadas ou até em cada unidade fabril; f) desvinculação do sindicato das linhas de produção; g) reforma sindical para definir os limites do mandato dos delegados e a transparência financeira nas contas de sindicatos e centrais. Agora, para o trabalhador europeu, o problema é saber se este é o primeiro ou o último andar do inferno neoliberal. Achille Lollo é jornalista italiano.