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Circulação Nacional

Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 6 • Número 274

São Paulo, de 29 de maio a 4 de junho de 2008

R$ 2,00 www.brasildefato.com.br Everaldo Nascimento/Folha Imagem

Danilo Verpa/Folha Imagem

Encontro de Povos Indígenas “Xingu Vivo para Sempre” discutiu a implantação da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará

Indígenas reagem à ofensiva do atual modelo econômico Parada Gay bate recorde, mas Brasil ainda é campeão em crimes contra homossexuais Apesar de a 12ª edição do evento, em São Paulo, ter sido a maior desde seu início, o Brasil ainda lidera disparado o ranking mundial de crimes homofóbicos. Enquanto, no país, cerca de 100 homossexuais são assassinados por ano, no México – que aparece em segundo lugar –, esse número é de 35; em seguida, vêm os Estados Unidos, com 25. Pág. 8

Tratados como entraves ao progresso, os indígenas têm resistido às fortes investidas das transnacionais e do governo Lula. No litoral de São Paulo, o empresário Eike Batista chegou a oferecer R$ 1 milhão por família indígena que abandonasse sua terra, para construção de um megaporto. No Pará, 14 povos que

serão afetados pela usina de Belo Monte prometem lutar até as últimas conseqüências. Já no complexo hidrelétrico do Rio Madeira – que visa criar um corredor de exportação capaz de ligar o Atlântico ao Pacífico, a fim de integrar a Amazônia ao mercado global –, a usina de Jirau deve atingir 3 mil famílias. Págs. 3 e 4 Charles A. Ordoqui/US Navy

A agroenergia camponesa é alternativa

A Quarta

Frota

Os camponeses também podem produzir agrocombustíveis, assim como o agronegócio. A diferença são os impactos causados por cada um – a agricultura familiar se baseia no desenvolvimento sustentável, e o agronegócio provoca insegurança alimentar. Pág. 5

dos EUA

está a caminho

A xenofobia avança na Ásia, Europa e África A perseguição contra estrangeiros cresce. Israel e Itália aprovaram leis que criminalizam a “imigração clandestina”, enquanto que, na África do Sul, 56 estrangeiros foram mortos desde o dia 11 de maio. A xenofobia é estimulada por partidos de direita. Págs. 10 e 11

O navio de guerra George Washington em operação de treinamento: presença da 4ª Frota é forma de intimidar países da América Latina que buscam alternativas ao imperialismo estadunidense. Págs. 2 e 12 Aurelio Candido/CC

Patronais não querem abrir “caixa-preta” do Sistema S Após o ministro da Educação, Fernando Haddad, afirmar que pretende alterar a legislação do repasse de verbas para o Sistema S, empresários manifestaram repúdio às intenções do governo. O Sistema S foi criado durante o governo Getúlio Vargas e é formado por entidades geridas por associações patronais, como o Sesc, Sesi, Senac e Senai. O financiamento dessas entidades provém da arrecadação de uma taxa de 2,5% sobre a folha de pagamento, equivalente a R$ 8 bilhões. Hoje, os Estados com maior repasse são aqueles que arrecadam mais. O Tribunal de Contas da União (TCU) e especialistas têm criticado o Sistema S por sua falta de transparência. Pág. 7 APC

Partido Liberal ganha força com eleição de Lugo Dentro da Aliança que elegeu Fernando Lugo presidente, o Partido Liberal Radical Autêntico foi responsável por 68,8% dos votos, fez sete de um total de 17 governadores e elegeu 14 senadores. O movimento Tekojoja, por sua vez, conquistou apenas sete eleitos entre 625 candidatos. Para Joaquín Bonett, do Tekojoja, a vitória no Executivo compensa a derrota nas outras instâncias. Pág. 9

Comércio informal nas ruas de Roma: onda de violência contra imigrantes negros, árabes e romenos

O presidente Fernando Lugo e o vice do PLRA, Federico Franco


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editorial

O NASCIMENTO da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) é um fato histórico e com significativas repercussões na geopolítica global. Essa é a avaliação dos presidentes Lula, Chávez, Morales, Kirchner e Correa. E não exageram. A iniciativa, proposta pelo Brasil, tem sim um grande potencial de transcendência, desde que sejam consolidadas uma série de ações de integração operativas, reafirmando e recuperando o papel protagonista do Estado. E, apesar das diferenças nos processos políticos desses países, que representam o eixo progressista dentro da Unasul, é possível observar uma tendência nacionalista e de afirmação da soberania sobre seus bens e suas decisões, com diferenças de ritmos, mas que registram um desenvolvimento expressivo, suficiente para preocupar os Estados Unidos. Assim, a reativação da Quarta Frota Naval dos EUA, destinada especialmente para a defesa dos “interesses estadunidenses” na América Latina, não deve ser encarada fora do contexto do nascimento da Unasul. Trata-se de clara resposta a esse processo, especialmente à proposta, também de autoria brasileira, para a constituição de um Conselho SulAmericano de Defesa, para o qual já foi constituído um grupo de trabalho para apresentar um modelo no prazo de 90 dias.

debate

O nascimento da Unasul e a Quarta Frota Naval dos EUA Nesse sentido, vale ressaltar declaração do ministro da Defesa, Nelson Jobim, destacando que o governo não vai autorizar que a Quarta Frota fiscalize águas territoriais brasileiras. Também fazem parte desse enfrentamento surdo e crescente os vôos de aviões dos EUA violando espaço aéreo venezuelano e o anúncio, pelo governo da Colômbia, de que poderá permitir a instalação de uma base militar estadunidense em Guarija, área fronteiriça com a Venezuela. Ou seja, o enfrentamento surdo dentro de um tabuleiro de xadrez mundial passa a incluir cada vez mais a América do Sul, como já se havia visto com a agressão dos Estados Unidos ao território do Equador, com mísseis que foram lançados da Base Militar estadunidense Las Tres Esquinas, situada em território colombiano. Os foguetes não poderiam ser transportados pelos aviões Super-Tucanos, usados pelo Exército colombiano, para violar a soberania do Equador. O nascimento da Unasul se dá no momento em que o novo presidente russo, Demetrius Medevdev, faz sua

primeira viagem internacional, justamente à China, onde, além de firmar um acordo de cooperação energética de 1 bilhão de dólares, lançou uma declaração conjunta condenando a proposta estadunidense de instalação de escudos anti-mísseis na Europa, nas proximidades da fronteira da Rússia. A Unasul não nasce em qualquer momento. É bastante importante considerar que constam do Tratado de Constituição da Unasul iniciativas concretas de integração nas áreas econômica, comercial, tecnológica, financeira, cultural, política, educacional, informativa, energética e de infra-estrutura de transporte. Como disse o presidente Hugo Chávez, citando Darcy Ribeiro, “caminhamos para ações operativas”. Por isso a cobertura feita pela mídia do capital sobre a Unasul foi de lamento derrotista, destacando que era “pura retórica”, que já nasciam fracos e divididos. Ora, divididos estavam anteriormente, e não pode ser considerada uma retórica a proposta de Lula de constituição de um Banco Central integrado na América do Sul e a

crônica

Silvio Mieli

Os perigos do Google como único filtro da realidade

Hierarquia Desde o primeiro programa de buscas na internet, o Altavista, lan-

çado em dezembro de 1995, vive-se a sensação do dado bruto transformar-se em conhecimento, em informação viva. Com o aparecimento do Google, fundado em 1998 pela dupla Larry Page e Sergey Brin, jovens doutorandos da Universidade Stanford, na Califórnia, passou-se para um outro patamar de programas de busca. Brin definiu que as informações na web deveriam ser organizadas numa hierarquia de popularidade. Ou seja, quanto mais um link leva a uma página específica mais a página merece ser ranqueada nos resultados do programa de busca. Outros fatores, como o tamanho da página, número de mudanças, atualizações constantes, títulos e links no texto foram incluídos na programação (algorítmo) do Google. Lentamente o programa implantou um processso de hierarquização das informações que passou a ser aceito sem contestações. Em março de 2007, o Google atingia 53,7% do mercado dos buscadores da rede (segundo dados da Nielsen/ NetRatings). Considerando-se que muitas das informações que circulam na internet partem de indicações do Google ou da Wikipédia (a grande enciclopédia de conteúdo “aberto” da internet), Stephan Weber, coautor do projeto da Universidade de Tecnologia de Graz, denuncia uma espécie de “Googlarização da realidade”, já que existem fortes indícios de que o Google e a Wikipédia operam a partir de uma espécie de parceria. Os pesquisadores escolheram ao acaso 100 verbetes em alemão e outros 100 em inglês do índice de A a Z da Wikipédia e colocaram estas palavras-chave em quatro grandes programas de busca (Google, Yahoo, Altavista e Live Search). O Google registrou 91% dos resultados das entradas da Wikipédia (em alemão). Para os sites em inglês, os resultados atingiram 76% de registros no Google. “Parece evidente que o Google está privilegiando os sites da

Marcelo Barros

Macondo e o mundo novo possível Gama

“NO INÍCIO do terceiro milênio, estamos diante de uma situação única na história, que faz com que uma corporação privada da América determine a maneira pela qual buscamos informações”. Assim começa a primeira parte da “Pesquisa sobre os perigos e oportunidades apresentados pelos programas de busca na internet (Google, em particular)”, desenvolvida ao longo do ano passado pelo Instituto de Sistemas da Informação e Computação da Universidade de Tecnologia de Graz, na Áustria. O projeto foi coordenado pelo Prof. Hermann Maurer e financiado pelo Ministério austríaco dos Transportes, Inovação e Tecnologia – o estudo completo pode ser baixado aqui: http://www.iicm.tugraz.at/ iicm_papers/dangers_google.pdf A pesquisa questiona uma atitude natural dos usuários da intenet: procurar qualquer coisa naquele retângulo mágico do buscador Google. Se não aparecer nada, talvez “a informação que buscamos efetivamente não exista”. Será? O objetivo do trabalho, cujos resultados foram pouco divulgados pela mídia corporativa, é demonstrar o comportamento monopolista da empresa Google, além de denunciar o que os pesquisadores chamaram de “Síndrome Google de Copiar e Colar”. Trata-se da emergência de uma geração de “pesquisadores” que limitam-se a fazer uma colcha de retalhos de informações pinçadas no Google, travestidas de trabalhos escolares ou acadêmicos, sem ao menos citar as fontes. A apresentação da pesquisa austríaca vai direto ao ponto: “para qualquer um que encare a questão, fica claro que o Google acumulou um poder que acabou se constituindo numa ameaça à sociedade”, já que transformou-se na principal interface entre a realidade e o pesquisador na internet. O Google tem o monopólio dos programas de busca e invade massivamente a privacidade das pessoas. Sem enfrentar limitações de qualquer natureza, o Google conhece particularidades dos indivíduos mais do que qualquer outra instituição, “transformando-o na maior agência de detetives do planeta”. A influência do Google na economia é direta, principalmente na maneira pela qual os anúncios são exibidos (quanto mais a empresa pagar, maior visibilidade o anúncio terá). Aliás, parte do seu faturamento, superior a 16 bilhões de dólares em 2007, deve-se à sua estratégia de publicidade online através dos links patrocinados.

criação de uma moeda única regional, sobretudo no momento em que o dólar derrete, além de não ter lastro algum. E quando até mesmo o presidente do Irã afirma estar disposto a depositar as reservas de seu país no Banco do Sul. A formação da Unasul representa um fortalecimento também para a Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), já que, a partir de um núcleo definido sustentado nas duas mais importantes economias da região, Brasil e Argentina, os demais países poderão receber um impulso de desenvolvimento. Este lhes permita reduzir as enormes assimetrias existentes na região, além do que cria-se a possibilidade para que sejam formadas cadeias produtivas complementares, baseadas nos perfis econômicos de cada um dos países carentes de infra-estrutura produtiva mais desenvolvida. Mesmo a Venezuela, que conta com um governo revolucionário, riqueza energética e realiza grandes iniciativas de integração com Cuba, necessita, em boa medida, de um período para o seu desenvolvimento produtivo, por exemplo, para supe-

rar a precária produção agrícola. O país importa, como Cuba, aproximadamente 80% dos alimentos que consome. Com a Unasul, criam-se as possibilidades para o encurtamento desses prazos históricos para a superação das lacunas agrícolas e industriais. Ao passo que apenas um Estado, o do Paraná, por exemplo, possa comprar da Venezuela toda a sua produção de uréia para uso na sua agricultura. A criação da Unasul permite passar a um novo patamar, para a tomada de medidas estratégicas, a fim de uma integração que já se tentou fazer em vários momentos, como, por exemplo, nos governos de Vargas e Perón, iniciativa boicotada pelo imperialismo que derrubou ambos, em 1954 e 1955, respectivamente. É fundamental considerar que a Unasul tem um componente antiimperialista muito forte. E portanto, necessitará de uma unidade cada vez maior entre os governos progressistas e uma cada vez mais articulada relação orgânica com os movimentos sociais e sindicais. Porque a resposta dos Estados Unidos pode não ser nada diplomática, como já indicam o bombardeio ao território do Equador, a reativação da Quarta Frota Naval e a violação do espaço aéreo venezuelano pela aeronáutica estadunidense.

Wikipédia em seu ranque”, concluiu a pesquisa, seguida pelo Yahoo (56% em alemão e 72% em inglês).

Plágio A segunda seção da pesquisa dedica-se à emergência de uma nova técnica cultural e suas implicações sócio-culturais: o plágio (a tal síndrome do “Copiar e Colar”) e suas relações com os conceitos contemporâneos de propriedade intelectual. O estudo cita o caso de um ex-aluno de psicologia da Universidade Alpen-Adria de Klagenfurt, na Áustria, que elaborou a sua tese de doutorado com mais de cem fragmentos copiados da internet. As primeiras páginas da tese eram uma colagem de vinte sites, muitos dos quais sem o menor rigor científico. Diante do plágio, a universidade passou a aplicar um software alemão de detecção de cópias chamado Docol©c (http: //www.docoloc.de/), cujos resultados ainda estão sendo testados. A proposta prática da pesquisa é a de reduzir a influência do Google a partir do desenvolvimento de outros programas de busca especializados, desvinculando a hierarquia comercial do livre fluxo de dados públicos que circulam pela internet. Assim como o estadunidense Gerg Venter, dono da empresa Celera, pretende mapear o código genético de tudo o que é vivo para patentear e vender, o Google parece querer codificar todas as informações circulantes no planeta, segundo critérios que nem sempre privilegiam o interesse público. Mais do que enfatizar o Google como “a empresa do século 21”, a Universidade de Graz presta um grande serviço ao conscientizar os internautas dos limites e perigos dessa estratégia e, ao mesmo tempo, conclama os pesquisadores a uma ação imediata que impeça a “googlalização da realidade”. Silvio Mieli é jornalista e professor da faculdade de Comunicação e Filosofia da PUC - SP.

ESTOU INDO para Vicenza, na Itália, representando a teologia latino-americana em uma festa que se chama Macondo e tem como objetivo incentivar o cuidado solidário dos europeus em relação à África e à América Latina. Para quem não se recorda, Macondo é o nome da cidade imaginária de Gabriel García Márquez em “Cem anos de Solidão”. E este nome foi escolhido para significar a solidariedade com o Terceiro Mundo. A festa ocorre anualmente neste período porque a ONU consagra esta semana à solidariedade a todos os povos de territórios vítimas de colonização (Cf. Agenda Latino-americana 2008). É importante o fato de se falar de solidariedade através de uma festa. Não se trata de estratégia de cooptação ou armadilha para recolher dinheiro. É o próprio espírito da solidariedade como comunhão e alegria do encontro. Festeja-se a diversidade das culturas e a liberdade de se ser diferente e, entretanto, participante da mesma festa que é a vida. Macondo é símbolo do mundo inteiro transformado em uma só cidade de convivência e pluralismo. No mundo inteiro, existem diversas Macondos e mesmo múltiplas concepções de solidariedade. 1. Existe a solidariedade compreendida como assistência. Os pobres são vistos como indivíduos carentes que precisam de esmola e ajuda. Em determinadas situações, como depois de catástrofes naturais, em casos de epidemia e guerra, esta solidariedade assistencial é necessária. Entretanto, este tipo de solidariedade se contenta em intervir emergencialmente, sem buscar mudanças estruturais e comunitárias. Não se preocupa em compreender as causas da pobreza e combatêlas. Vê os pobres apenas como destinatários da ação social e não como protagonistas e sujeitos de sua própria vida. A assistência social corre sempre o grave risco de degenerar em assistencialismo e favorecer o coronelismo e a dependência. Nos anos de 1980, o Iraque era um país próspero e rico, com excelente sistema de educação e saúde. Não se viam mendigos pelas ruas nem pessoas sem moradia. Mas o país tinha um problema seríssimo. Era construído sobre um imenso lençol subterrâneo de petróleo. Isso fez o governo dos Estados Unidos invadir o Iraque em 1991, dez anos antes do atentado às Torres Gêmeas. Depois do país ter sido destruído, as organizações humanitárias de solidariedade usaram os mesmos aviões de bombardeio para jogar do céu, sobre as aldeias em ruínas, sacos de arroz, trigo e batatas. Este tipo de solidariedade não contesta a guerra. Só joga comida às vítimas da guerra, depois que esta destruiu tudo. Quando a assistência social se transforma em política pública, traz esta ambigüidade: assegura alguns direitos básicos aos fracos e supre temporariamente carências gritantes. Mas pode ser arma perigosa de manipulação do povo. Especialmente se não se ligar a práticas de autogestão e organização dos setores populares. 2. Um outro modelo de solidariedade é, em geral, vivido pelos organismos de voluntariado. Aí a solidariedade é vista como o encontro com o diferente e diálogo de culturas. Um rapaz ou moça da Europa que se engaja nos Médicos sem Fronteira, ou nas Caravanas de Paz ou em qualquer outro tipo de trabalho de solidariedade, não vê o pobre como um coitadinho que precisa de ajuda. Ao contrário, sabem que eles, voluntários, é que são ajudados no contato com os empobrecidos do mundo. Têm a consciência de que o pobre é sempre um outro com personalidade e história. A única solidariedade eficaz é a que lhe faz protagonista de sua própria vida. A solidariedade não é apenas a ajuda social ou econômica que se dá aos pobres. Isso é necessário. Todas as religiões incluem a esmola em seus mandamentos básicos. Mas a solidariedade é mais do que isso. É corresponsabilidade amorosa entre pessoas e comunidades, como entre povos e nações, em função da justiça e da fraternidade entre os seres humanos. Daí decorre o terceiro tipo de compreensão de solidariedade. 3. A Solidariedade significa unir-se e organizar-se no compromisso de libertação de todos os tipos de opressão. Não adianta ajudar o pobre se não se busca transformar o modelo sócio-político que provoca e agrava as condições de pobreza. Como dizia Paulo Freire: “só o pobre liberta o pobre”. A solidariedade é possibilitar que se viva esta vocação da liberdade. Para os cristãos, solidariedade é a tradução mais correta e atual do termo caridade ou amor fiel que Jesus nos deu como mandamento novo quando disse: “Amem-se uns aos outros, assim como eu amo vocês” (Jo 13, 34). Marcelo Barros é monge beneditino e autor de 30 livros, dos quais o mais recente é Dom Helder, profeta para os nossos dias, Goiás, Ed. Rede da Paz, 2006.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Jorge Pereira Filho, Marcelo Netto Rodrigues, Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Igor Ojeda, Mayrá Lima, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, Tatiana Merlino • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 342 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Antonio David, César Sanson, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, João Pedro Baresi, Kenarik Boujikian Felippe, Leandro Spezia, Luiz Antonio Magalhães, Luiz Bassegio, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Milton Viário, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Temístocles Marcelos, Valério Arcary, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131- 0812/ 2131-0808 ou assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar: (11) 2131-0815


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brasil Wilson Dias/ABr

A Cachoeira do Teotônio, que será submersa caso se construam as usinas de Jirau e Santo Antônio no Rio Madeira, em Rondônia

Leilão ameaça soberania da Amazônia QUESTÃO ENERGÉTICA Construção da hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, serve a interesse de empresas transnacionais

O LEILÃO da usina hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia, abre a fronteira amazônica para a construção de grandes empreendimentos energéticos na região e representa uma ameaça à soberania nacional. De acordo com o sociólogo Luis Fernando Novoa, professor da Universidade Federal de Rondônia (Unir), trata-se “do repasse da soberania para o capital privado transnacional”. O consórcio liderado pela franco-belga Suez Energy (Tractebel), maior geradora privada de energia do Brasil, venceu o leilão ocorrido no dia 19 de maio. Segundo Novoa, que é membro da Rede Brasil – Vigilância de Instituições Financeiras, a abertura da fronteira da Amazônia “representa o projeto de construção de um corredor de exportação bioceânico, mas que servirá apenas aos interesses de grandes grupos econômicos, e não a um projeto nacional ou regional”. A hidrelétrica de Jirau é o segundo empreendimento do rio Madeira, o maior afluente do rio Amazonas. O primeiro, a usina de Santo Antônio, já foi leiloado em dezembro de 2007 para o consórcio Madeira Energia – Odebrecht e Furnas. As construção das duas hidrelétricas faz parte do Complexo Rio Madeira.

Privatização Para o sociólogo, os impactos decorrentes da construção da hidrelétrica de Jirau serão “um acúmulo do que aconteceu com Santo Antônio”, ou seja, privatização de parte da Amazônia. “Quando se concede a gestão e o controle de uma bacia inteira, significa que as margens, os igarapés e o uso do solo estão sendo privatizados”, explica. De acordo com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o leilão de Jirau “é mais um episódio da entrega do patrimônio nacional aos interesses de grandes empresas, tal como aconteceu no processo de privatização das estatais brasileiras”. Para a coordenação, a construção da hidrelétrica irá abrir a fronteira amazônica para a construção de grandes empreendimentos energéticos, “seja para a construção de novas usinas hidrelétricas, seja para a plantação de cana-de-açúcar e produção de etanol, agravando a destruição da floresta”. A usina de Jirau é considerada prioritária pelo governo federal e é parte integrante do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A obra tem capacidade prevista para gerar 3.300 MW e entrará em funcionamento a partir de 2013, com gastos estimados em R$ 8,7 bilhões. Somado, o custo das obras previstas para

o Complexo Madeira chega a R$ 43 bilhões.

Suporte do Estado Para Dorival Gonçalves Júnior, professor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), a construção de hidrelétricas na região amazônica irá afetar a população local que, quando entra em embate com os grandes projetos, “é combatida pelo próprio Estado”. Segundo ele, além de terem alta taxa de lucratividade, as empresas “têm o apoio do Estado, visto que 80% dos recursos do projeto vêm do BNDES [Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social]”. De acordo com Gonçalves, ao ter concedido 30 anos de exploração para os grupos que venceram o leilão das hidrelétricas, “o governo dá suporte às empresas. Fica até difícil de acreditar que sejam leilões, na medida em que Furnas, que é uma estatal, estava com o grupo Odebrecht, e a Chesf e a Eletrosul fizeram parceria com a Suez”, critica. Na opinião do professor, na discussão da energia elétrica, tem prevalecido o discurso de que “essa é uma questão técnica, e não política”. “Ao afirmar isso, se encerra o debate e a discussão se torna mais difícil”, observa. Assim, “há falas como a do engenheiro da Eletrobrás, Paulo Fernando Rezende, que disse que as populações amazônicas deveriam deixar de ser egoístas para atender às pessoas do sul e sudeste” (ver matéria nesta página). Segundo Gonçalves, “apesar desse tipo de discurso, a riqueza que é gerada não beneficia os trabalhadores e ainda temos que pagar uma das energias mais caras do mundo”. Deslocamento Para especialistas e ambientalistas, a construção de hidrelétricas na Amazônia irá provocar inúmeros danos sociais e ambientais. Como os lagos das hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau terão 120 km e 80 km de comprimento, res-

Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira É uma proposta integrada, visando produzir 7,5 MW de energia hidrelétrica e simultaneamente criar um sistema de hidrovias totalizando 4.225 km no Brasil, Bolívia e Peru. O Complexo prevê a construção de duas hidrelétricas do lado brasileiro, Santo Antônio e Jirau, ambas no rio Madeira (no trecho entre as cidades de Porto Velho e Abu-

pectivamente, pelo menos 3 mil pessoas serão deslocadas das áreas inundadas. O bagre, peixe importante para a dieta das famílias ribeirinhas da região, também está ameaçado pelas hidrelétricas do rio Madeira, assim como outras espécies de animais. A construção das usinas também pode atingir a Bolívia, onde nasce o rio Madeira, com o aumento de volume de água e um possível alagamento das terras do país vizinho. “Essas usinas irão influenciar toda a população que depende da alimentação vinda do rio, esse impacto será direto e imediato”, afirma Gonçalves.

Desmatamento Os especialistas também citam como possíveis impactos o estímulo ao desmatamento, a grilagem de terras e uma possível contaminação de mercúrio, utilizado no garimpo de ouro e depositado no fundo do rio. Uma modificação no projeto inicial da hidrelétrica de Jirau também pode levar a impactos ambientais ainda maiores, explica o sociólogo Luis Fernando Novoa. “É escandaloso, já que não há estudos para saber quais seriam os impactos. Esse episódio demonstra como esse processo está desmoralizado”, diz. Após vencer a disputa pela construção da usina, o consórcio da Suez anunciou mudanças no projeto que possibilitariam uma economia de R$ 1 bilhão. A mudança é a realocação da barragem a 9,2 km do local previsto para a instalação. Além das usinas de Jirau e Santo Antônio, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê uma série de grandes empreendimentos hidrelétricos na região, como as usinas de Belo Monte (no rio Xingu), Marabá (no rio Tocantins) e São Luís (no rio Tapajós), todas no Estado do Pará. Somados a outras usinas de menor porte que estão em estudo, o PAC apontou a possibilidade de exploração de 58,7 mil MW na região Norte.

nã, em Rondônia); a hidrelétrica Guajará, em território brasileiro e boliviano; e a hidrelétrica Cachuera Experanza, totalmente em terras bolivianas. O custo total do investimento, que ainda conta com a construção de duas eclusas, interligações, hidrovias e linhas de transmissão, chegará a R$ 43 bilhões, segundo estudos de viabilidade disponíveis na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A iniciativa foi do presidente Fernando Henrique Cardoso, mas ganhou forma e força no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. (TM)

Indígenas resistem à construção de usina “Aconteça o que acontecer, morreremos defendendo as nossas vidas, patrimônios e terras”, diz documento da Redação Obra prioritária do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, Pará, vem gerando conflitos entre indígenas e os seus empreendedores. Apesar de estudos comprovarem que, entre outros impactos, os povos indígenas da região estão ameaçados de deslocamento com a construção da hidrelétrica, o leilão da usina já foi marcado para 2009. Os investimentos na nova hidrelétrica em território paraense serão de aproximadamente 3,7 bilhões de dólares, segundo estimativas da Eletrobrás. No dia 20 de maio, durante um debate sobre os impactos da obra, realizado em Altamira (PA), o funcionário da Eletrobrás e coordenador do estudo de inventário da usina hidrelétrica de Belo Monte, Paulo Fernando Rezende, sofreu um corte no braço após defender que as comunidades indígenas estariam sendo consultadas sobre a obra e que seus estudos levariam em conta todos os fatores ambientais, sociais e econômicos envolvidos. Um grupo de índios que acompanhava o debate do “Encontro Xingu Vivo pa-

ra Sempre” irritou-se com a postura de Rezende e, após sua explicação, começou a dançar. Eles cercaram o funcionário da Eletrobrás, que foi ferido no braço com facões. O caso repercutiu com destaque na mídia, que logo tentou estabelecer uma relação entre a compra dos facões para os índios com a agressão sofrida por Rezende.

“Morreremos” Na mesma semana em que ocorreu o conflito com o funcionário da Eletrobrás, índios que habitam a Bacia do Rio Xingu entregaram um abaixo-assinado com mais de 300 assinaturas ao juiz federal substituto da Subseção de Altamira, Antonio Carlos Campelo. No “Documento dos Povos Indígenas da Bacia do Xingu”, que deverá ser encaminhado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os índígenas prometem ir às últimas conseqüências para impedir o empreendimento. “Aconteça o que acontecer, nós, povos indígenas, morreremos defendendo as nossas vidas, nossos patrimônios e nossas terras”, diz o texto. Em abril, Campelo concedeu liminar suspendendo o efeito de acordo que permitiria à Eletronorte atribuir a três empresas privadas –

Construções e Comércio Camargo Corrêa S/A., Construtora Andrade Gutierrez S/A. e Construtora Norberto Odebrecht S/A. – os estudos de viabilidade da Hidrelétrica de Belo Monte, na região do Xingu.

Atingidos De acordo com estudos, 14 povos indígenas, que vivem numa área total de 5,3 milhões de hectares, serão afetados pelas obras. Outro impacto será a inundação dos igarapés Altamira e Ambé, que cortam a cidade de Altamira e parte da área rural do município de Vitória do Xingu, em decorrência da construção do reservatório da hidrelétrica. A obra também irá deslocar cerca de 2 mil famílias que vivem na periferia de Altamira, 600 famílias da área rural de Vitória do Xingu e 400 famílias ribeirinhas. Para o sociólogo Luis Fernando Novoa, como os povos indígenas do Xingú têm uma tradição de luta e combatividade, o conflito na região “deve continuar”. No entanto, “o que estamos vendo hoje é uma tentativa de isolá-los num gueto, criminalizá-los”. De acordo com Novoa, “trata-se de uma deslegitimação, o questionamento de uma titularidade ancestral”. (TM)

Everaldo Nascimento/Folha Imagem

Tatiana Merlino da Redação

Contra a construção da hidrelétrica, indígenas prometem ir às últimas conseqüências


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brasil

Eike Batista oferece R$ 1 milhão por família indígena para construir porto PERUÍBE A princípio, além da quantia, empresa LLX propôs dar uma Mitsubishi e uma fazenda; agora, a oferta é de um salário mínimo por três anos, afirma a Funai Agatha Abreu de Santos (SP)

Salário mínimo A empresa LLX, porém, em pouco tempo, do mesmo jeito que mudou o valor a ser investido no porto, mudou o valor da negociação, que caiu para um salário mínimo durante três anos para cada família, como mostra Hutter em uma das cartas que os indígenas escreveram à Funai. Ele acusa ainda a empresa de ter contratado conhecidos dos indígenas a fim de jogar a aldeia contra a Funai: “Uma das índias me entregou uma folha que os representantes deram a ela”. Na folha, estavam es-

critas em letras grandes perguntas que os indígenas deveriam fazer à Funai, de forma a acirrar os ânimos entre a entidade e os indígenas. Mas a estratégia também não deu resultado. Foi então que começaram os telefonemas e as ameaças: “Eles ligavam na aldeia de madrugada, por volta das 3 horas da manhã. Aterrorizavam todo mundo e diziam que, se eles não fizessem uma reunião naquele exato momento e decidissem sair da terra, iriam ser desalojados por força judicial, ou teriam que enfrentar a violência de pistoleiros que estavam prestes a chegar à área. Nós denunciamos à Polícia Federal”, conta Hutter. “Essas informações não foram divulgadas na imprensa, que mostrou muito mais a grandeza e o investimento bilionário do projeto.” Para comparação, o orçamento de Peruíbe gira em torno de “apenas” R$ 105 milhões – quantia ínfima ao lado dos R$ 6 bilhões necessários à construção do projeto.

Incra assenta 260 famílias em terra indígena no Acre

Entrave ao progresso A violência moral e verbal contra os indígenas continua fora dos limites de sua terra: “As pessoas na cidade xingam e querem agredir os índios quando os vêem. A frase que eles mais ouvem é que é por causa deles que ‘o progresso não vem para a cidade’. O que todo mundo acha é que o porto é realmente a oitava maravilha do mundo e que a culpa é dos indígenas. E isso está trazendo um conflito enorme dentro da aldeia. Alguns índios sentem vergonha da Funai, como se a houvessem traído, por terem acreditado nos representantes da LLX. Outros deixaram de se falar. Os indígenas têm, no seu íntimo, um grande senso de justiça, e quando se sentem revoltados e amargurados, podem cometer suicídio. O Eike e a empresa LLX não têm noção do que causaram naquela aldeia. E se for vontade dos indígenas processar a empresa pela situação em que foram colocados, eu vou à luta com eles.”

Ministério Público Federal entra com ação civil pública para garantir que índios da etnia tenham direito a permanecer em suas terras; prazo para retirada dos assentados se esgotou no dia 8 de abril Fernando Alves de Cruzeiro do Sul (Acre) De maneira imprudente, o Incra assentou cerca de 260 famílias em uma terra indígena dos ApolimaArara, às margens do Rio Amônia, no município de Marechal Thaumaturgo, a 580 quilômetros da capital Rio Branco. O prazo dado pelo Ministério Público Federal para o reassentamento das famílias se esgotou no dia 8 de abril, mas os assentados permanecem na área. Temendo pela instabilidade dos ânimos entre os assentados e os ApolimaArara, lideranças indígenas apelaram, em novembro de 2007, ao Ministério Público Federal no Acre – que entrou com ação civil pública com pedido de liminar contra o Incra, a Funai e a União – para que intercedesse a fim de que a Funai levasse a cabo a demarcação definitiva e obrigasse o Incra a retirar os assentados, colocando as famílias em local adequado. A Funai já tem em sua posse dois laudos antropológicos que reconhecem a tradicionalidade da tribo dos Apolima-Arara, que existe desde a primeira metade do século 20, quando a tribo fixou a sua tradição e cultura na área que hoje é alvo do conflito e só é acessível por via aérea ou fluvial. Assim, no dia 8 de janeiro deste ano, o juiz federal Jair Araújo Fagundes determinou que o Incra, Ibama, Funai e União reassentassem as famílias em um prazo de 90 dias.

Luciano Netto

PARA CONSEGUIR construir um megaporto no valor de R$ 6 bilhões, em Peruíbe, no litoral sul de São Paulo, representantes da empresa LLX – do grupo EBX, do empresário Eike Batista – chegaram a oferecer uma caminhonete Mitsubishi, uma fazenda no município vizinho de Itanhaém e R$ 1 milhão para cada família tupi-guarani que abandonasse a terra indígena Piaçagüera, que se situa à beira-mar. “É como se tivéssemos voltado ao tempo do descobrimento, só que agora não são espelhinhos que surpreendem os índios, mas sim uma Mitsubishi”, denuncia o chefe da Funai Itanhaém/Peruíbe, Cristiano Hutter, sobre a pressão que as cerca de 50 famílias têm sofrido por parte da empresa responsável pela tentativa de construção do Porto Brasil. Hutter explica que a aldeia ficou dividida. Alguns indíge-

nas viram na oferta uma forma de mudar de vida, caso venham a perder a terra – o processo de demarcação da reserva, que se encontra em fase final no Ibama, ainda não foi oficializado. Mas a maioria tinha, e tem, conhecimento de que é uma questão de tempo até que o local seja demarcado, afinal, desde o século 16 que indígenas habitam aquela região. Eles sabem que fazem parte da história de Peruíbe.

APOLIMA-ARARA

Vista aérea da terra indígena Piaçagüera, em Peruíbe, litoral de São Paulo

Atrás de indenização, invasores entram na área da aldeia indígena O chefe da Funai, Cristiano Hutter, denuncia que invasões têm ocorrido recentemente na área em que o porto da empresa LLX poderá ser construído. “Após a divulgação de que os moradores da área serão indenizados pelo Eike se houver a compra da terra, inúmeras pessoas têm invadido o local, pegando parte da terra para eles. A prefeitura de Peruíbe não dá à mínima e cada vez mais chegam pessoas. Todos com o mesmo pensamento, o de que ‘o Eike vai indenizar a gente’.” Conseqüência que pode ter vindo da enorme divulgação do projeto Porto Brasil entre a população; um número considerável de moradores da cidade festeja a obra e torce para que ela comece o mais depressa possível. Assim como a prefeita Julieta Omuro (PMDB), que já foi ao Rio de Janeiro discutir o projeto com Eike Batista e não disfarça o entusiasmo com o futuro progresso que o município pode vir a ter. “A Julieta é exatamente a cara do PMDB, ela quer ficar ‘de bem’ com todos, enquanto defende seus interesses. Ela diz não estar contra os indígenas, mas não me atendeu sequer uma vez para conversar.

Estrutura Em meio a essas denúncias, surge a dúvida: se Peruíbe teria estrutura, como na Saúde, por exemplo, para suportar o Porto Brasil no município, e se tem estudo sobre os impactos ambientais que essa construção pode causar. O diretor do departamento de imprensa da prefeitura, Silvio Siqueira, responde: “Não. A cidade não tem estrutura para tamanho projeto. A prefeitura tem um orçamento limitado. O que recebemos é ‘suficiente’ para nós, com essa população e essas necessidades. Se o projeto do Porto for realmente aprovado, nós precisaremos de ajuda para fazer as reformas que forem necessárias. A cidade é veranista, e com o porto, vai tornarse portuária, perdendo as suas características principais. Mas é um aspecto que não acredito ser negativo”. Em relação ao meio ambiente, explica: “Nós sabemos que nem tudo sairá ileso, mas também sabemos que o pro-

Paz na região No entendimento do Procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, a principal meta da ação civil pública é a pacificação na região. “Índios e assentados têm os seus direitos. Os assentados são vítimas também e devem receber garantia de assistência para que não sejam prejudicados com a demar-

O impasse do Porto Brasil de Santos (SP) O Porto Brasil é um projeto da empresa LLX, de Eike Batista. O empresário, que declarou recentemente que quer se tornar, em poucos anos, o homem mais rico do mundo, atua nos setores de mineração, petróleo, gás, energia e logística. Em novembro do ano passado, Eike comprou sete dos doze blocos de petróleo leiloados na 9ª Rodada de Licitações. Em 2008, entrou pela primeira vez para a lista de bilionários elaborada pela revista especializada Forbes e se posicionou no 142º lugar da relação, com 6,6 bilhões de dólares – a maior fortuna do mundo, como comparação, é de 62 bilhões de dólares, do especulador financeiro estadunidense Warren Buffett. A área da Piaçagüera foi delimitada como terra indígena em 2002, quando começou o processo de demarcação. No entanto, interferências políticas retardaram a sua regularização quando o Ministério da Justiça já estava prestes a conceder a sanção definitiva, segundo o chefe da Funai em Itanhaém/Peruíbe, Cristiano Hutter. A aldeia é a última remanescente à beira-mar, onde ainda existe a vegetação nativa de restinga estendida até a areia da praia. Se o porto for construído, essa vegetação, que leva não menos do que 300 anos para crescer, acabará. (AA) gresso será ótimo para a cidade. Já foi pedido à USP um estudo técnico do ecossistema do local que será afetado. Eles vão estudar o mar e ver qual será o impacto de uma ilha artificial implantada na área. Com o resultado em mãos, poderemos comparar com o que a LLX trouxer”. Na questão indígena, ele diz

que a prefeitura não pode fazer nada: “Nesse caso, nós não podemos interferir. A terra é da União e a União é soberana”. Segundo Siqueira, a prefeitura está em compasso de espera, em função do decreto de demarcação da área indígena, o que pode impedir a obra. O assunto está em fase final de discussão. (AA)

Cães de caça Francisco Siqueira Apolima-Arara, cacique do povo indígena Apolima-Arara, morador da aldeia Novo Destino, Alto Rio Amônia, disse que a situação está cada vez mais tensa na região. Devido à ocupação de terras desordenada por nãoíndios, há construção de casas na região, extração ilegal de madeira e caça predatória, com utilização de cães de caça. Siqueira, junto com outras lideranças ApolimaArara, entraram também com uma representação contra os produtores rurais e seringueiros no Ministério Público Federal no Acre, pedindo suspensão imediata de qualquer atividade e trânsito de pessoas que não sejam moradores (não-índios). Segundo o cacique, a caçada com cachorro não é permitida dentro de áreas indígenas, pois, além de espantar todos os animais selvagens que vivem na região, essas caças não voltam mais para esses lugares. As rivalidades entre indígenas Apolima-Arara e brancos no Rio Amônia pela demarcação de terras tem ocasionado diversos conflitos, desde a retenção de funcionários do Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac) até a ocupação da sede do Ibama, ocorrida em 2006.

Gerson Corazza

de Santos (SP)

Tentei falar com ela inúmeras vezes. Por outro lado, ela correu atrás do Eike. É uma pena que a Funai não tenha todo esse dinheiro também”, diz Hutter em relação à fala da prefeita à Folha de S. Paulo, de que o município é preservacionista e que eles não estão contra os indígenas.

cação.” O Ministério Público sugere uma indenização de 300 salários mínimos para cada família retirada da área. O pedido do Ministério Público Federal (MPF) é para que a Justiça reconheça e preserve a posse dos indígenas ApolimaArara na terra, e com isso impedir a construção de novas edificações, obras ou plantações dos assentados até que haja decisão final sobre o caso. Também foi pedida a declaração da terra em litígio como Terra Indígena e a demarcação definitiva da área pela Funai, obrigando-se a Fundação a proteger o território.

O cacique Francisco Apolima-Arara


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brasil Fotos: Arquivo Cooperbio

Equipe da Cooperbio na colheita da mamona; ao lado, moenda móvel responsável pela moagem na lavoura, onde ficam os resíduos sólidos

Agricultura camponesa e os agrocombustíveis CAMPO Para frei Sérgio Görgen, do MPA, governo deve investir na criação de ciclos fechados, nos quais a produção de energia gere insumos para estimular a de alimentos Alexania Rossato de São Paulo (SP) NO ATUAL estágio de desenvolvimento do capitalismo, e com o elevado nível de consumo de bens e serviços, é consenso que o petróleo não tem vida longa. Frente à ameaça de colapso do sistema ocasionado pela crise energética, os países centrais – que possuem a matriz alicerçada no combustível fóssil – colocaram-se numa corrida ao novo “ouro”: o agrocombustível. No entanto, dois grandes questionamentos acompanham essa transição: as origens e a finalidade dessa energia. Não basta o investimento em novas fontes se quem permanece com os meios de produção e com os lucros é o agronegócio e as empresas transnacionais, assim como não soluciona o problema se a agroenergia continuar mantendo um sistema ambientalmente insustentável e socialmente inviável. Como resposta a esses questionamentos e visualizando a potencialidade dos camponeses brasileiros, várias iniciativas têm como proposta a produção de agrocombustíveis através da agricultura camponesa, como um subproduto da produção de alimentos e geração de renda, tida como um novo paradigma energético. Segundo frei Sérgio Görgen, coordenador do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), a primeira condição para essa produção de maneira sustentável é que não se pode trabalhar, em hipótese alguma, com a monocultura. Conseqüentemente, a produção tem que conviver com o ecossistema local. Sobre as exigências políticas para tal modelo, Görgen afirma serem basicamente duas. A primeira é que os movimentos sociais encampem a produção de alimento associada à produção de energia. A outra refere-se ao papel do Estado brasileiro: “O governo precisa dar-se conta que essa transição [do uso do petróleo para o uso do agrocombustível] exige uma mudança de paradigmas, não apenas de tecnologia”. Além disso, é necessá-

ria uma participação efetiva do Estado para criar condições de apoio tecnológico, financeiro e comercial que garantam a implantação desses sistemas. “Hoje, o Estado apenas tem apoiado o agronegócio, tanto na produção de alimentos como na de agrocombustíveis”, afirma.

Potencial de produção Se toda a produção extensiva leva à insustentabilidade alimentar, seja para produção de cana, milho, eucalipto ou fumo, a solução apontada para a soberania alimentar e energética é a diversificação de culturas pelos camponeses e a produção a partir dos meios locais disponíveis. “A soberania energética das comunidades poderá ser implantada a partir das potencialidades das próprias comunidades, começando com o abastecimento local. Isso diminuiria muito a necessidade de grandes hidrelétricas, por exemplo”, menciona Görgen. Além disso, é necessário pensar que toda lógica do agronegócio leva à insegurança alimentar da humanidade. Frei Sérgio associa a crise do petróleo com a alta do preço dos alimentos, na medida em que os insumos usados nas plantações são petroquímicos. Se a crítica recai, principalmente, sobre a produção extensiva de cana para o etanol, qual seria o potencial a partir da agricultura camponesa? Para Görgen, a produ-

ção de agrocombustíveis pelos camponeses possui um potencial significativo. Pelos estudos que vem desenvolvendo, se no Brasil fossem implantadas 150 mil micro-usinas, com uma ocupação média de 35 hectares de terra por unidade, além da produção de alimentos e produção de leite, por exemplo, essas micro-usinas produziriam, aproximadamente, 20 a 25 bilhões de litros de álcool por ano. “Isso equivale à atual produção das grandes usinas, que geram enormes impactos ambientais e concentrados em poucas regiões de país”, analisa. De acordo com ele, as usinas camponesas, além de diversificarem o uso de matérias-primas geradoras, criariam cerca de 200 mil empregos. No seu ponto de vista, postos de trabalho mais estáveis e dignos que aqueles que a indústria da cana gera atualmente.

Sem êxodo Outro fator relevante da produção de agrocombustíveis pelo viés camponês é que, com os projetos de micro-usinas, 1,5 milhão de pessoas permaneceriam no campo, com uma renda agregada à produção de alimentos. “O governo calcula que, para a produção de 20 bilhões de litros de álcool, seria necessário em torno de R$ 70 bilhões. Nas minhas contas, com R$ 20 bilhões, conseguiríamos essa mesma produção. Em 10 anos, poderíamos chegar a isso gastando apenas 20% dos recursos do Pronaf,

Transformando em exemplo No sul do Brasil, já existem iniciativas dos camponeses para a produção de agrocombustível a partir de sistemas sustentáveis. A Cooperativa Mista de Produção, Industrialização e Comercialização de Biocombustíveis do Brasil Ltda (Cooperbio), criada em setembro de 2005, está localizada em Palmeira das Missões/RS e se propõe a ser um instrumento de desenvolvimento da região, melhorando as condições de vida dos camponeses, gerando emprego, distribuindo renda e cuidando do meio ambiente. O projeto liderado pela Cooperbio é voltado para a produção, armazenamento, industrialização e comercialização de álcool, óleos vegetais, biodiesel, energia elétrica e outros agrocombustíveis e já abrange 63 municípios da região noroeste do Rio Grande do Sul. (AR)

ou seja, com R$ 2 bilhões por ano, teríamos a mesma produção prevista pelo agronegócio, apresentado como a solução pelo governo”, calcula. O termo que vem sendo usado entre os camponeses para a combinação entre produção de alimentos e de energia é “alimergia”, ou seja, um sistema de produção de alimentos, conservação ambiental e auto-suficiência energética das comunidades. Görgen se refere a esse conceito como a criação de ciclos fechados, nos quais a produção de energia gera insumos para a melhoria da produção de alimentos, e os agricultores tornam-se independentes dos insumos oriundos do petróleo. “É um sistema energeticamente, ambientalmente e alimentar sustentável, é uma sinergia, uma energia que se repõe e só os sistemas camponeses de produção dão conta disso”, afirma. Por fim, Görgen explica que “o projeto capitalista vê na energia uma fonte de lucros, uma forma de aumentar seu poder sobre as nações e os povos. Temos que construir projetos que tenham na energia um elemento alavancador do desenvolvimento sócio-econômico e ambiental, da organização social e da produção. A alimergia não é nenhuma novidade, pois o camponês já fez isso no passado e tem que voltar a fazer. A crise energética e a crise alimentar vai, fatalmente, levar a sociedade a buscar novas formas de produção e, conseqüentemente, vai haver no mundo um reencontro com a agricultura camponesa”.

Para entender Alimergia – Um novo conceito em agricultura, pecuária e floresta. Procura desenvolver formatos produtivos que integrem de maneira sinérgica a produção de alimentos, com preservação ambiental e produção de energia, visando soberania alimentar e energética das comunidades e dos povos de maneira integrada e harmônica com os ecossistemas locais.

SINDICALISMO

No PR, trabalhadores de usina de cana paralisaram atividades por duas semanas Cortadores de cana se unem a outras categorias em greve na cidade histórica de Porecatu Pedro Carrano de Curitiba (PR) Em meio à expansão do cultivo da cana-de-açúcar para a produção de etanol, trabalhadores de três diferentes categorias paralisaram suas atividades na Usina Central do Paraná (região norte do Estado), ao longo de duas semanas. Somados, cerca de 3,2 mil trabalhadores da área de alimentos, transporte, de corte e cultivo de cana reivindicavam dois meses de salários atrasados, além da infração às leis trabalhistas, devido ao não-pagamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). No dia 26 de

A greve ajuda um pouco, no sentido de ir despertando a categoria para a possibilidade de novas lutas para obter conquistas maio, a direção da usina – que pertence à família Atala – depositou os valores atrasados do salário. O movimento encerrou a paralisação, ainda que o FGTS continue pendente. A usina fica na cidade histórica de Porecatu, onde aconteceu, no final da década de 1940, uma revolta de posseiros chamada de Guerrilha de Porecatu, incentivada, à época, pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). A usina chegou a ser uma das mais produtivas do Estado, na década de 1970, quando era responsável por cerca de 10% da produção. Hoje, é considerada como uma empresa

em vias de falência, com a produção atrasada em relação às outras usinas. Mesmo assim, tem influência no rumo de pelo menos oito municípios da região. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) questiona se os prejuízos alegados para o atraso nos pagamentos não são parte justamente de um preparativo para a venda da empresa a um grupo maior, como o grupo Cosan – logicamente recorrendo à ajuda do Estado.

Solidariedade A paralisação dos trabalhadores contou com o apoio dos comerciantes da cidade. O atraso nos salários os levou a um estado de extrema pobreza, e os comerciantes locais tiveram as mercadorias estocadas. “Os trabalhadores estavam na miséria, passando fome, literalmente. A maioria absoluta é cortador de cana com contratos temporários, extremamente precários. A usina se equipara aos engenhos falidos do Nordeste, com dívidas financeiras com a União, não cumprindo o compromisso com os trabalhadores”, comenta representante de movimento social local. Ainda que espontânea e com problemas, observadores afirmam que a greve dá um passo ao garantir unidade entre diferentes categorias. “Foi uma das greves de maior tempo de duração (15 dias). Entre os bóias-frias, há essa deficiência de lideranças, e da parte do poder há truculência, retaliação, controle de sindicatos. Por isso, a greve ajuda um pouco no sentido de ir despertando a categoria para a possibilidade de novas lutas para obter conquistas. Abre condições para novas lutas”, afirma o mesmo contato.


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brasil

Por telefone, perigosa desnacionalização da televisão ameaça soberania brasileira COMUNICAÇÃO Projeto de lei que trata de marco regulatório para TV por assinatura permite entrada de telefônicas no mercado Beto Almeida UM GRAVÍSSIMO golpe contra a soberania nacional está sendo preparado por meio do projeto de lei 29/ 2007, que trata de um novo marco regulatório para a televisão por assinatura. O PL permite a entrada de empresas de telefonia no segmento de televisão por assinatura e fixa cotas de produção nacional para essas emissoras. Nos próximos dias, o plenário da Câmara deve votar o substitutivo do relator Jorge Bittar, deputado federal (PT-RJ), sobre a matéria. Mas, a pretexto de criar novas regras para a TV paga, na realidade, a proposta transfere o controle do setor para um reduzido grupo de poderosos conglomerados de telecomunicações (Telefônica, Telmex e Sky). Além disso, o PL 29 abre espaço para o esmagamento da produção audiovisual brasileira, para a inviabilização completa das TVs comunitárias e universitárias e, em um futuro breve, para o controle total da televisão aberta por transnacionais da comunicação. Sim, novas regras: os poucos oligopólios externos assumem o controle! O lado triste e emblemático de tudo isso é que ele ocorre no exato momento em que a Associação dos Músicos Arranjadores e Regentes do Brasil (Amar) denuncia que o samba amaxixado “Pelo Telefone”, do genial Donga, o primeiro samba gravado no Brasil, teve sua autoria transferida para editora musical dos EUA, que comprou arquivos de editora nacional, sendo registrada como se fosse canção estadunidense. Essa verdadeira ofensiva de ocupação do audiovisual brasileiro, em continuidade à desnacionalização iniciada com a introdução da cabodifusão no Brasil, ocorre em meio a um crescente processo mundial de oligopolização do setor de comunicação e telecomunicação, sem que o texto do PL 29 estabeleça qualquer mecanismo de proteção aos produtores nacionais e independentes. Além disso, o relator rejeitou ainda todas as sugestões para o fortalecimento das TVs comunitárias e universitárias para assegurar pluralidade e diversidade informativas. O resultado é previsível: controle da televisão brasileira por conglomerados de comunicação-telecomunicação estrangeiros. O inacreditável é que os defensores do PL 29 acreditam que as mudanças, trazendo esses novos atores para o mercado, irão democratizar e popularizar o setor de TV por assinatura.

Apartheid audiovisual Um rápido balanço sobre a cabodifusão no Brasil já permite compreender que as regras trazidas pelo PL 29 simplesmente iriam concentrar e internacionalizar ainda mais a televisão por assinatura. Segundo a Agência Nacional do Cinema (Ancine), 99,5% dos filmes exibidos na TV paga são estrangeiros, esmagando a produção nacional. O Brasil possui a televisão por assinatura mais cara do mundo e com o maior tempo dedicado à publicidade, o que se configura em dupla-cobrança sobre o assinante que já havia pago também para livrar-se do dilúvio publicitário consumista-imbecilizante da TV aberta. Não admira que a TV paga no Brasil seja um fracasso de público, sem esquecer que a esmagadora maioria dos assinantes tem preferência pelos canais de TV aberta que são exibidos no cabo. É assombroso que ainda há os que chamam esse verdadeiro apartheid audiovisual de democratização. Trata-se

O mexicano Carlos Slim (esq.), dono da Telmex e apontado em 2007 como o homem mais rico do mundo, possui uma fortuna orçada em 67,8 bi de dólares; Rupert Murdoch (dir.) presidente da News Corporation, conglomerado de mídia, é proprietário, dentre outros, da rede Fox e do The Wall Street Journal

na verdade de uma clamorosa injustiça com o povo brasileiro, que sustenta com verbas públicas esses canais por assinatura, mas é impedido de assisti-los. Enfim, é uma TV para poucos, mas paga com o dinheiro de todos, os quais não têm acesso a esses canais, assim como não têm acesso a cinema, muito menos brasileiro, a julgar pelos dados do IBGE, apontando que apenas 8% dos municípios possuem salas de cinema, freqüentadas por apenas 12% dos brasileiros, que, aos poucos, vão se tornando analfabetos cinematográficos.

Cotas? Que cotas? Os debates em torno do PL 29 são primorosos para revelar quem é quem nessa luta pela democratização da comunicação no país. A maioria se distraiu num debate bizantino, pois na verdade estamos diante de uma operação do poder mundial do capital para ocupar um setor estratégico – num país que tem riquezas estratégicas como petróleo, energia renovável, minerais escassos, biodiversidade amazônica etc. Num país que nem mesmo uma empresa de satélite possui mais, há os que imaginam ser possível entregar o comando da propriedade e da produção televisivos e, ao mesmo tempo, acreditar na eficácia de algum milagroso tipo de cotas para a produção nacional. Mesmo sabendo que ingenuidade tem limites, Jorge Bittar, em resposta a artigo da revista Veja, elimina todas as possibilidades para dúvidas quando afirma que o PL 29 prevê apenas 10% de cotas para a produção nacional, buscando tranqüilizar o oligopólio que já controla a TVA e, caso ocorra a aprovação do projeto, terá permissão legal de controlar muito mais. Ou seja, nessas cotas, o Brasil está fora! A comparação feita pelos defensores do PL 29 com o regime de cotas para a produção nacional e a independente em outros países é imprópria. A França, que é um grande país capitalista, não se dá ao luxo de não ter alavancas estatais protetoras para a sua produção audiovisual. Mas os defensores do PL 29 terminam por ser coadjuvantes passivos desse processo de internacionalização e concentração de poderes sobre a TV brasileira, cujo resultado será nefasto para a produção nacional, como já se constata hoje. Marco regulatório Não é de hoje que, instalados nos ambientes acadêmicos ou mesmo nos movimentos sociais e sindicais, repetidores dessas teorias propagadas nos países centrais do capitalismo articulam suas ações em sintonia com os interesses dos oligopólios, os quais vão impondo o seu verdadeiro marco regulató-

rio, o do mercado cartelizado, aproveitando-se da debilidade do poder público e da ausência de ações mais efetivas do Estado em defesa da soberania audiovisual. Para comprovar a tese de que não pode haver marco regulatório público com Estado demolido ou raquítico, basta comparar com o ocorrido no setor de telecomunicações do Brasil após esta entrada de novos atores. Com internacionalização do setor, a economia popular foi assaltada por taxas extorsivas nos serviços de telefonia, todo investimento feito no passado com a poupança pública foi alienado para empresas estrangeiras, a produção de tecnologia nacional foi esmagada, os centros de excelência tecnológicos foram desbara-

[Alguns] acreditam que Rupert Murdoch, Carlos Slim e Telefônica – tão empenhados em vocalizar ameaças ao Irã, em propagandear a ocupação e a rapina sobre o Iraque e o Afeganistão, em desestabilizar a Venezuela, em balcanizar a Bolívia e em fomentar uma guerra entre Colômbia, Equador e Venezuela – poderão colaborar para o aperfeiçoamento da democracia televisiva brasileira tados sem que tivesse havido uma ocupação militar como no Iraque, e nossos engenheiros formados com recursos do contribuinte hoje se encontram desempregados ou transformados em bordadeiras eletrônicas, ocupandose de montar a parafusar os celulares que estavam estocados nos países centrais do capitalismo. O Brasil exportava equipamentos de telefonia, hoje importa tudo. Para onde foram as cotas de produção nacional? Tratase ou não de uma operação de ocupação produtiva, de destruição da produção nacional, ocupação do mercado? Operações que no Iraque são feitas por manu militari, mas que aqui contam com a cooperação dos acadêmicos e de setores do movimento de democratização da comunicação – que, aliás, escrevem a favor desta internacionaliza-

ção e são remunerados para isto. Será que se pode levar a sério que o audiovisual nacional será fortalecido com a ocupação dos oligopólios estrangeiros no setor?

Perigosa ocupação Nesse caso do PL 29, estamos diante de uma operação de guerra para o controle total da TV brasileira por núcleos estratégicos do poder imperialista. Alguns acham que essa internacionalização oligopólica poderá trazer mais democracia, mais pluralidade, mais produção nacional. Ou seja, acreditam que Rupert Murdoch, Carlos Slim e Telefônica – tão empenhados em vocalizar ameaças ao Irã, em propagandear a ocupação e a rapina sobre o Iraque e o Afeganistão, em desestabilizar a Venezuela, em balcanizar a Bolívia e em fomentar uma guerra entre Colômbia, Equador e Venezuela – poderão colaborar para o aperfeiçoamento da democracia televisiva brasileira. Assim como há os que acreditam que os novos colonizadores vão investir na TV brasileira e não rapinar nossos recursos, vetando a produção nacional, tal como fizeram no setor fonográfico. Neste, as transnacionais do disco começaram gravando todo o tesouro da música popular brasileira, assim penetraram no mercado nacional. Depois, mostraram suas garras: hoje nossos grandes talentos musicais estão em gravadoras independentes, que produzem 70% da música nacional, mas têm apenas 8% do espaço de difusão no rádio e TV, enquanto que os oligopólios, impondo uma ditadura do mau-gosto, gravam apenas 9% da enorme diversidade musical brasileira, mas controlam um latifúndio de 90% do espaço de difusão. Ou seja, a oligopolização e internacionalização arruínam com a diversidade musical brasileira, impondo uma tirania do mais do mesmo, tal como já ocorre na TV por assinatura, agora ameaçada de uma overdose dessa tirania, como passo para o controle também da TV aberta. Mas, entre os que atuam pela democratização da mídia, há a crença que mais oligopólio e mais desnacionalização podem trazer democracia e fortalecimento do audiovisual nacional. Reforçando os argumentos imperiais, os EUA anunciam a reativação da Quarta Frota Naval para a América Latina. Idéias colonizadoras Só esta cândida credulidade – apesar das estatísticas acachapantes – já nos dá uma idéia do grau de profundidade com que as idéias colonizadoras foram semeadas por aqui. O que também nos dá a clara idéia da gritante necessidade de uma campanha em defesa do audiovisual brasileiro, do estabelecimento de

cotas de no mínimo 50% para a produção nacional, de mecanismos público-estatais para garantir a diversidade e a pluralidade na televisão brasileira, por meio de instrumentos que democratizem os recursos públicos hoje controlados por essa bilionária tirania do mercado televisivo, redirecionando-os criteriosamente para as TVs comunitárias e universitárias, permitindo sua massificação e elevação qualitativa, em programas de popularização da leitura de jornais e revistas, para a disseminação massiva e gratuita de telecentros públicos de acesso à internet. Ou seja, é urgente fortalecer e reerguer o Estado demolido no setor de comunicação, única forma de barrar a ocupação estrangeira e a imposição de uma ilimitada tirania de mercado. A gravidade dessa ofensiva do grande capital internacional teleinformativo para ocupar a TV brasileira merece uma discussão muito mais aprofundada por parte do Congresso Nacional, inclusive da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, mas também do próprio Ministério da Defesa, e até mes-

fatos em foco

mo do Conselho da República, pois basta ligar a TV para ver que a questão engloba também ameaças à soberania nacional. Trata-se de decidir agora se a TV brasileira deve ser ainda mais controlada pelos que comandam grandes ações internacionais neocolonizadoras, como querem segmentos que confundem obediência à lógica concentradora do mercado com democratização, ou se devemos, ao contrário, pensar e implementar uma linha de mais nacionalização de nossa TV, sintonizá-la finalmente com a nossa Constituição, fortalecendo a presença do poder público no setor, protegendo e revitalizando o nosso audiovisual, tal como no exemplo dado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao criar a TV Brasil? Seremos ou não capazes de honrar a brasilidade genial do Donga? Beto Almeida, jornalista, é presidente da TV Comunitária de Brasília e membro da direção da Telesur.

Hamilton Octavio de Souza

Sem futuro Não é de hoje que a juventude brasileira tem sido violentamente atingida pela barbárie do neoliberalismo, que aprofundou as desigualdades e reduziu o papel do Estado na implantação de políticas públicas compensatórias aos estragos sociais do capitalismo. O alto índice de desemprego da juventude abre as portas para o ócio, a depressão, as drogas, os crimes e a mortalidade precoce. Muitos escapam imigrando para outros países. A maioria padece aqui dentro. Mentira oficial Finalmente o governo federal admitiu que a história da instalação de uma fábrica japonesa de semicondutores no Brasil, que seria uma contrapartida na escolha do padrão digital japonês para a TV, não passou de conversa fiada, uma mentirinha inventada pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa, para enfiar o pacote goela abaixo do presidente da República. O Brasil inteiro foi enganado. Sistema falido Parte dos assassinatos ocorridos em São Paulo é investigada pelos distritos policiais e parte pelo Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa, que é o setor especializado da Polícia Civil. Dos 1.499 casos investigados pelo DHPP, em 2007, apenas 46,9% foram elucidados e entregues à Justiça. A maioria continua com autoria desconhecida. Por essas e outras que a impunidade campeia no Brasil. Brasil moderno O cortador de cana Mariano Baader, de 53 anos, morreu em meados de maio enquanto trabalhava na Usina Alvorada do Oeste, em Santo Anastácio, interior paulista. O caso está sendo investigado como mais uma morte por excesso de trabalho, já que os canavieiros são obrigados a cortar 12 toneladas de cana por dia. Nos últimos três anos, pelo menos 21 trabalhadores faleceram por excesso de trabalho. Padres políticos Reunido em Belo Horizonte, nos dias 13 e 14 de maio, o Grupo Mineiro de Padres na Política lançou um manifesto em defesa da participação dos padres na luta política e em cargos públicos. Um trecho do manifesto afirma: “Religião e política não se separam. O nosso mestre Jesus de Nazaré foi condenado à pena de morte por um complô dos poderes político-econômico e religioso. Não participar da política, omitir-se, é a pior forma de fazer política”.

Gritaria geral A concentração setorial faz parte do capitalismo e foi acelerada no modelo neoliberal. No entanto, bastou o Banco do Brasil demonstrar interesse em adquirir a Nossa Caixa, banco estatal de São Paulo, para banqueiros e empresários privados em geral reclamarem contra esse tipo de incorporação. Na lógica do sistema, a concentração só é boa sob o controle privado – e não com controle estatal. Papel destruidor Há muitos anos que a imprensa empresarial brasileira adota uma postura servil aos interesses do imperialismo estadunidense e dos países centrais do capitalismo. Por isso mesmo é que bombardeia o tempo todo as iniciativas de integração dos países dependentes e periféricos. E por isso mesmo tratou com desdém e críticas a criação da União das Nações SulAmericanas – a Unasul. Evidente! Pura espoliação Nos últimos quatro meses, as empresas estrangeiras que operam no Brasil enviaram para o exterior 12 bilhões de dólares em remessa de lucro, o que contribuiu para causar um deficit de 14 bilhões de dólares na balança comercial. Está acontecendo o óbvio no atual modelo econômico: o que entra de investimento costuma sair em seguida com muito mais, incluindo lucros, royalties e juros. Quem paga é o povo. Tiroteio amigo Tudo indica que o governo federal ainda não tem a menor convicção se a nova onda inflacionária está fora de controle ou se é apenas um assunto que está sendo inflado – especialmente na mídia – para justificar novo aumento de juros, que interessa aos banqueiros e especuladores em geral. Essa dúvida seria facilmente resolvida se o Banco Central fosse de confiança da Nação. Não é mesmo?


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brasil

Arrecadação com tributos é de R$ 8 bi, mas o Sistema S é uma “caixa-preta” ECONOMIA Braço assistencial das federações patronais não presta contas e realizam repasses irregulares de verbas às federações Julian Weyer

Renato Godoy de Toledo da Redação O MINISTRO da Educação, Fernando Haddad, causou irritação entre empresários ao propor mudanças na metodologia de distribuição de verbas no Sistema S, composto por órgãos geridos por instituições patronais, como Sesc, Senac, Senai e Sesi. Criado em 1940 pelo governo Getúlio Vargas, em pleno Estado Novo, o Sistema S surgiu como um braço assistencial da indústria e do comércio. Seu financiamento provém de um desconto de 2,5% da folha de pagamento das empresas pertencentes aos setores de comércio, indústria e transportes. Hoje, esses descontos representam uma arrecadação de R$ 8 bilhões anuais – valor que se equipara a todos os novos investimentos do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) até 2010. Essa quantia é repassada às entidades em nível estadual, que investem em atividades culturais, sociais e cursos profissionalizantes.

Mudanças Atualmente, os Estados em que há mais arrecadação recebem um repasse maior de verbas. Haddad propôs alterações nessa metodologia, destinando mais verbas para quem oferece maior número de vagas gratuitas e tem as maiores

cargas horárias em cursos profissionalizantes. Com esse incentivo, Haddad acredita que seria possível criar mais 1,5 milhões de vagas nesses cursos. O ministro apresentou a proposta em março, durante em reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). Presente na reunião, o cientista político do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), José Antonio Moroni, considerou exagerada a reação dos empresários, já que a proposta do MEC não altera o principal problema do Sistema S: a gestão de recursos públicos pela iniciativa privada e a obscuridade das contas desse conjunto de entidades.

Púbica privada “A receita do Sistema S é oriunda de um imposto sobre a folha de pagamento. Portanto, é uma verba pública que o Estado passa à iniciativa privada, que a utiliza da maneira que quiser, sem prestar contas. Os empresários utilizam esse recurso como se fosse deles. A proposta [do governo], em linhas gerais, não muda em nada ao que se refere à transferência automática de recurso público para a gestão privada; o que muda é o cálculo”, explica Moroni. É uma análise corrente entre os críticos do Sistema S que atualmente os braços assistenciais se confundem com as próprias enti-

Quanto

7 bilhões de reais é o

orçamento dos cursos profissionalizantes do Sistema S, dez vezes o orçamento de escolas técnicas federais dades patronais, como federações estaduais da indústria. “Hoje, praticamente não há diferença entre o Sistema S e as federações. Há muita promiscuidade. Muitas vezes as entidades funcionam nos prédios das federações e têm os mesmo administradores”, cita Moroni. Na avenida Paulista, centro financeiro do Estado de São Paulo, o argumento do cientista político pode ser comprovado. Num só prédio, estão os escritórios de Fiesp, Ciesp, Sesi e Senai.

TCU O próprio Tribunal de Contas da União (TCU) tem feito críticas ao Sistema S e exige mais transparência em suas contas. Segundo o TCU, muitas entidades realizam obras sem licitação e contratam pessoal sem seleção com recurso público. O órgão também atesta a promiscuidade entre as federações e o Sistema S. Foram constatados casos de entidades que repassam verbas para a manutenção de prédios e pagamentos de funcionários das federações.

Patronais emperram fiscalização de trabalhadores no Sistema S Governo assegurou participação de centrais, mas federações burlam lei da Redação Em 2006, o governo federal sancionou uma lei que determinou a participação de entidades de trabalhadores nos conselhos estaduais e federal do Sistema S. Tal como o projeto de alterações na destinação de verbas, apresentado pelo ministro da Educação, Fernando Haddad, a lei foi vista com maus olhos pelo empresariado. Até o momento, a participação de sindicatos e centrais sindicais não foi totalmente implementada. A lei do governo federal concede aos trabalhadores representação nos conselhos de quatro entidades: Sesc, Sesi, Senai e Senac. No entanto, somente no Sesi os trabalhadores já foram empossados co-

mo conselheiros. “Foi fundamental o esforço do presidente do Sesi, Jair Menegheli (ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores)”, afirma Adeílson Telles, da CUT, e um dos representantes dos trabalhadores no Sistema S.

Dificuldades Ele explica o quão lento tem sido o processo para empossar os conselheiros – ainda que estes tenham uma função apenas consultiva e minoritária nos conselhos. “Após diversos seminários realizados em todo a país, discutindo o papel dos conselheiros do Sistema S, a Confederação Nacional do Comércio (CNC) estabeleceu uma polêmica, exigindo que as centrais só poderiam participar se fossem reconhecidas (recentemente, o governo reconheceu as centrais). Depois queriam que fosse oficializado o peso de cada central no conselho, mas já tínhamos acordado isso”, conta. Apesar de a CUT ainda não ter se posicionado sobre as possíveis alterações no Sistema S, Tel-

les afirma que majoritariamente a central apóia a medida, já que se trata de dinheiro público. “É absolutamente positivo que se coloque na pauta a questão da qualificação, porque, por um lado, reconhecemos a autoridade do Sistema S para realizar qualificação profissional, mas o acesso a esses cursos tem sido dificultado para os trabalhadores em função dos preços e de uma política pouco focada para a mão-de-obra necessária para o momento do Brasil”, analisa.

Democracia Adeilson acredita que a participação dos trabalhadores nos conselhos é fruto do processo de democratização do país. “A sociedade vem se democratizando cada vez mais, e a democracia implica em participação e transparência. Mesmo que tenhamos uma bancada francamente minoritária e não haja a paridade, é importante esse espaço. O ideal é que esse processo chegue a todas as instituições”, defende. (RGT)

Fiesp, Ciesp, Sesi e Senai: promiscuidade entre o Sistema S e as federações

Senai oferece curso pago voltado para o mercado Cursos profissionalizantes não dão formação sólida aos alunos, diz educador da Redação José Marcelino Resende, professor de Educação da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, atevese a pesquisas sobre o financiamento e o caráter do ensino profissionalizante oferecido pelo Sistema S. “A principal dificuldade para se estudar o tema é ter acesso aos dados do orçamento. É uma caixa preta”, conta. Marcelino calcula que o orçamento do sistema gira em torno de R$ 12 bilhões anuais, sendo R$ 8 bilhões oriundos de impostos. Desse montante, R$ 7 bilhões são destinados à educação profissionalizante. O educador estabelece uma comparação que traz à tona a necessidade do controle público sobre a arrecadação dos 2,5% da folha salarial. O investimento anual em escolas técnicas federais, em todo o Brasil, é de R$ 700 mil, ou um décimo do orçamento do ensino profissionalizante.

Baixa qualidade Além das disparidades de orçamento, há uma grande distância entre o ensino oferecido pelas técnicas federais e os cursos profissionalizantes, segundo Marcelino. As escolas técnicas federais são referências nacionais e sempre figuram entre as primeiras nos índices de qualidade de ensino, ao lado de escolas particulares com altas mensalidades. Por outro lado, cursos como o do Senai têm curta duração, são pagos e têm uma concepção imediatista, sem conceder bases sólidas em ciências para os alunos. Para Marcelino, o fato de boa parte dos cursos nas entidades não serem gratuitos faz com que a sociedade pague duas vezes por eles, por meio de imposto e no ato da matrícula.

Quanto

12 bilhões

de reais é a orçamento anual do Sistema S Marcelino contesta o argumento da eficiência, muito utilizado por empresários para rebater as críticas aos serviços do Sistema S. “Eles alegam que todos que participam do curso conseguem empregos. Mas o que acontece é que os cursos só são abertos quando as empresas estão contratando funcionários”, revela.

Privatização Sobre o aspecto pedagógico, o educador aponta que os ensinamentos desses cursos têm finalidade apenas mercadológica. “É uma profissionalização voltada para o interesse do segmento patronal, não para o do trabalhador e da sociedade. É uma formação imediatista. No fim do curso, os conhecimentos ministrados podem ter se tornado obsoletos. Mas para a empresa não importa, porque esse trabalhador pode ser substituído”, constata o professor, para quem o local essencial para a formação é a escola. Para ele, uma bom curso profissionalizante deve seguir o modelo das escolas técnicas, “com boa formação em ciências, física e química”. Participação O professor defende a participação da sociedade na gestão das verbas do Sistema S e aponta como positiva a participação de sindicalistas nos conselhos, mas elenca alguns receios. “Pode haver um processo de cooptação de lideranças sindicais. O ideal é que os recursos passassem pelo conselho nacional de educação e por conselhos estaduais, além do conselho do Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica]. A participação de sindicalistas pode vir a legitimar a estrutura do Sistema S”, acredita Marcelino. (RGT)


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brasil Eduardo Anizelli/Folha Imagem

Parada Gay cresce, homicídios também PRECONCEITO Por ano, cerca de 100 homossexuais são assassinados no país; em 2007, foram 122; México vem em 2º lugar, com 35 mortes ao ano; e EUA, em 3º, com 25 Jonathan Constantino e Vanessa Ramos de São Paulo (SP) OS NÚMEROS crescem de maneira inversamente proporcional. Ao mesmo tempo em que a maior Parada Gay do mundo atinge o seu recorde de público – muitos falam em 3,5 milhões de pessoas –, os assassinatos de homossexuais no país não diminuem. Só nos três primeiros meses de 2008, já foram registrados 45 homicídios. Em 2007, foram 122, ultrapassando a média de 100 por ano – o que representa uma morte a cada três dias. Os dados, divulgados pelo levantamento da organização não-governamental Grupo Gay da Bahia (GGB), indicam que houve um crescimento de 30% nos assassinatos em relação a 2006, quando ocorreram 96 mortes. De acordo com a pesquisa, desse total, 73% eram profissionais do sexo e 65%, menores de 21 anos; 27% dos mortos eram travestis e 3% lésbicas, com idades, na sua maioria, entre 20 e 40 anos. O estudo do GGB aponta que o Brasil ainda é o campeão mundial em crimes de homofobia – de 1963 a 2007 foram documentados 2.802 assassinatos –, seguido pelo México, com 35 mortes ao ano, e pelos Estados Unidos, com 25. O levantamento de 2007 aponta que, no país, o risco de uma travesti ser

morta é 259 vezes maior do que um gay. Constata também que, pela primeira vez, a Bahia é o Estado mais violento, com 18 assassinatos, e o Nordeste a região mais perigosa. O levantamento mostra que um gay nordestino corre 84% mais risco de ser assassinado do que no Sul e no Sudeste. Mesmo incompleto, o estudo, realizado desde 1980, é considerado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos como o principal documento sobre crimes contra homossexuais no Brasil.

Parada Gay Apesar de números tão adversos, a 12ª Parada do Orgulho GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Travestis) levou uma multidão à avenida Paulista no domingo, 25 de maio – o público não foi divulgado nem pela Polícia Militar, nem pelos organizadores do evento. O evento foi aberto com o lançamento do selo que será concedido aos estabelecimentos comerciais que respeitarem a diversidade sexual na cidade de São Paulo. Com o tema “Homofobia mata – por um Estado laico de fato”, o público concentrou-se em frente ao MASP e caminhou em direção à praça Roosevelt, próximo à igreja da Consolação. Ao todo, era previsto o desfile de 22 trios elétricos ligados a diversas ONG’s, sindicatos e categorias trabalhistas, como enfermeiros e trabalhadores de telemarketing.

Em números A Parada Gay é um dos maiores eventos da cidade de São Paulo – que, de janeiro a abril deste ano, já registrou 98 casos de homofobia na Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual da Prefeitura. Em público, só perde para a Virada Cultural. Em rentabilidade, só a prova de Fórmula 1 está à frente dela. Em entrevista coletiva antes da abertura do evento, o prefeito Gilberto Kassab disse que “são impressionantes os números de ocupação da rede hoteleira da cidade”. Não é para menos, afinal, segundo a São Paulo Turismo, 85% dos 46 mil quartos disponíveis estavam ocupados em razão do evento. Além disso, estima-se que foram gerados cerca de 13,5 mil empregos, podendo ou não ser mantidos por cerca de um ano, além de mobilizar 52 setores da economia. Durante o evento, a ministra do Turismo, Marta Suplicy, afirmou que a parada atrai cerca de 327 mil turistas, dos quais 5% são estrangeiros, ou seja, aproximadamente 16,3 mil. De acordo com a Agência Brasil, os turistas que mais participaram do evento vieram dos Estados Unidos, Argentina, Alemanha, Espanha, França e Itália. Perda da identidade Porém, nem todos defendem a parada. O jornalista Paulo Nascimento, em julho de 2007, publicou um arti-

go polêmico na edição 124 da revista Caros Amigos, dizendo que a “Parada Gay de São Paulo é um evento nazista, segregacionista e vulgar, cria de uma sociedade consumista, fetichista e mesquinha”. Tal afirmação é consonante com o defendido pela Conlutas (ler matéria nesta página) que, na convocatória para o evento, dizia ser necessário “resgatar o caráter combativo desta data, rejeitar a mercantilização do movimento e as políticas demagógicas dos governos federal, estaduais e municipais, que, longe de acabarem com a homofobia e a violência (...), a mascaram”.

Por trás do “arco-íris” Ao contrário do que foi veiculado em alguns meios de comunicação, a passeata ocorreu de forma aparentemente desorganizada e tumultuada. A Polícia Militar registrou cerca de 150 ocorrências entre furtos e roubos de carteiras, celulares e máquinas fotográficas. Durante o percurso, foi detectado o alto consumo de bebidas alcóolicas e drogas – incluindo cocaína e ecstasy. Na madrugada do dia 25, o comerciante Carlos Renato Cardoso dos Santos foi preso em um hotel nos arredores da Paulista, portando 101 comprimidos de ecstasy, 42 porções de special K (ketamina), 47 papelotes de cocaína, 1 kg de maconha e 2 kg de substância análoga à cocaína, que seriam comercializados durante a parada.

Tudo começou no Village Allan Johan A Parada Gay tem sua gênese em 28 de junho de 1969, quando a polícia deu uma “batida” em um bar com freqüência de homossexuais, o Stone Wall Inn, no bairro de Greenwich Village, em Nova York. Gays constantemente eram alvo de extorsão e espancamento por parte dos policiais. Nessa ocasião, era o fim de semana da morte da atriz Judy Garland, a Dorothy do filme O Mágico de Oz. O ambiente era de comoção e respeito à diva. Várias drag queens foram contra a atitude dos policiais que tentaram prendê-las e foram defendidas por travestis, homossexuais e lésbicas. O protesto durou três dias, pautados pelo não à intolerância, e marcou a data em que os gays se organizaram como um movimento, recusando serem tratados como cidadãos inferiores. A partir de então, gays de todo mundo se reúnem no mês de junho para comemorar o orgulho gay, com diversos protestos que foram apelidados de paradas.

Conlutas é impedida de participar de desfile de São Paulo A Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), que desfilaria no quarto carro na Paulista foi impedida de participar. A Conlutas afirma que, “sem nenhum motivo concreto e convincente, a organização da Parada, encabeçada pela Associação da Parada do Orgulho GLBT, proibiu o carro de som e, conseqüentemente, o Bloco da Conlutas, organizado pelo grupo de trabalho GLBTT da entidade”. Conforme membro do

grupo de trabalho GLBTT da Conlutas, o intuito dessa participação era resgatar o “espírito de Stone Wall, que deu origem ao dia do orgulho gay” e “fazer com que a Parada voltasse a ter um espírito de luta”. O major que comandou o bloqueio defendeu-se dizendo que integrantes do PSTU entraram no carro de som da Conlutas portando bandeiras, o que inviabilizaria a participação do carro, já que, segundo ele, manifestações políticas não seriam permitidas na parada. (JC) e (VR)

cultura

A conduta de risco de Tony Gilroy contra o agronegócio Thiago Barison O SUSPENSE indicado a sete oscars conta a história vivida por “Michael Clayton” (George Clooney), advogado de um grande escritório em Nova Iorque responsável pelos casos da fictícia – porém nem tanto – megacompanhia de herbicidas “United Northfield”. A trama é tecida em torno de um processo sofrido pela transnacional do agronegócio, responsável pelo envenenamento de 450 famílias de camponeses. Isso mesmo: as semelhanças com a realidade não são mera coincidência e isto faz de Conduta de Risco um filme que nos põe a refletir. Nesta teia de relações, os advogados são chamados de “faxineiros”: os responsáveis por limpar a sujeira deixada pela lógica bárbara do grande negócio. Diante de lucros monstruosos, a vida e a natureza se mostram meros objetos. E todos envolvidos têm um preço, a ser pago por esse montante volumoso de lucros, proporcionalmente segundo o grau de envolvimento de cada sujeito dessa estrutura.

Ocorre que um advogado do caso muda de lado e sua conduta se torna um risco à boa ordem dos negócios. O suspense então prende a atenção do espectador precisamente porque o encadeamento das cenas aparece como algo terrível, porém possível neste mundo cão. Com efeito, o filme espelha uma realidade em que prevalece a mentira, que aliás é muitas vezes divulgada pelo próprio cinema. Eis aí a razão pela qual vale a pena assistir a obra de Tony Gilroy: num jogo de espelhos entre as telas e as janelas, a verdade aparece nua e corrosiva como os herbicidas da transnacional.

Propaganda e ideologia Contar apenas uma cena não vai estragar o espetáculo e pode nos dar uma idéia dos símbolos de que trata o diretor. Diz a bela propaganda da “United Northfield”, passada nos telões do Time Square e em todas as televisões do mundo: “we find the seed... we shape the soil... we speed the harvest: we feed the planet.” (encontramos a semente… preparamos o solo… aceleramos a colheita: alimenta-

mos o planeta.). A reação é imediata: vemnos à mente as igualmente apelativas peças publicitárias que hoje compõem o mosaico de mentiras coloridas da ideologia capitalista. No caso brasileiro, impossível não lembrar das recentes propagandas de Aracruz, Monsanto & Cia, ou então da Vale do Rio Doce, cujos cenários remontam a um Brasil diverso e próspero: aparecem índios, brancos, negros, jovens, idosos, todos bonitos (bem maquiados), bem alimentados, felizes e cantando as canções da MPB (na voz de artistas a soldo). Um espetáculo farsesco. Tudo isso logo após os movimentos populares se organizarem e botarem nas ruas um plebiscito questionando a privatização da Vale do Rido Doce. Diante de qualquer movimentação dos povos, o capital responde imediatamente com as poderosas armas da videologia. Recordamos também a última eleição presidencial, em que mudam os atores e o cenário, mas a peça mantém o mesmo roteiro tragicômico. O espectador interage com sua inércia bem acomodada no so-

fá da sala e, ao final, dá um sorriso amarelo, sabendo que no fundo está sendo enganado. A modernidade perverteu a tragédia grega, retirando a filosofia da arena e introduzindo o culto à mercadoria.

Outras referências Revelar essa relação íntima entre o mundo dos negócios e a barbárie vivida na Terra tem sido a tônica de bons filmes como Erin Brockovich – uma mulher de talento (indústria química), O Informante (indústria tabagista), O Jardineiro Fiel (indústria de medicamentos), Diamante de Sangue (indústria de jóias e pedras preciosas), Boa Noite e Boa Sorte (grande mídia), Senhor das Armas (indústria bélica), The Corporation (sociedades anônimas em geral), O Bom Pastor (serviços de inteligência dos EUA). A lista é imensa, pois não faltam subsídios para bons roteiristas nas muitas décadas de atuação nefasta do império das transnacionais. E aqui Tony Gilroy não arriscou, e foi buscar no meio jurídico elementos para seu enredo, aproveitando a inspira-

ção obtida em visitas a grandes escritórios de advocacia quando escrevia O Advogado do Diabo (1997). De fato, ali ninguém é inocente, e também no terreno do direito, as transnacionais têm larga vantagem, comprando tudo e todos. Um aspecto dessa linhagem de filmes, contudo, nos decepciona. Geralmente, em tais filmes, (registre-se: exceções à regra do enlatado americano), são indivíduos, profissionais liberais, intelectuais, figurando como personagens principais, os únicos capazes de enfrentar o poder do capital quando descoberto em sua lógica suja. Para não dizer verdadeiros “heróis” (de cinema, é claro). Isso quando o filme não envereda para um ceticismo paralisante diante do “poder imenso das corporações” ou perante a “maldade intrínseca do ser humano”. Talvez isso seja mesmo reflexo da falta de alternativas reais, da fraqueza das forças que hoje enfrentam o poder das transnacionais. A tragédia da realidade contemporânea impõe ao cinema crítico certos limites. E precisamente por esse fa-

to amargo, somos forçados a reconhecer a perspicácia e o poder da abordagem presente em filmes americanos dessa linhagem. Os dramas e contradições individuais que levam os heróis a se voltar contra as engrenagens do capital, partindo de dentro delas, ou então a sinceridade corrosiva de personagens anti-heróis que encarnam a alta função de agentes do big business revelam toda a podridão moral e as mentiras utilizadas na constante auto-justificação dessa estrutura desumana. O público tenta se identificar com um ou se afastar do outro, enquanto assiste agoniado ao conflito posto em marcha. Ao final, portanto, ficamos otimistas diante de trabalhos como o de Tony Gilroy que, no centro da indústria de dominação, com inteligência e ironia, destilam uma crítica ao capital nas entrelinhas de suspenses e tragédias pessoais. A conduta de risco do diretor nos dá bons subsídios para falarmos das mentiras e da verdade sobre o agronegócio. Thiago Barison é advogado e militante da Consulta Popular.


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américa latina

Eleição de Lugo fortaleceu liberais PARAGUAI Dentro da Aliança que elegeu Lugo, o Partido Liberal Radical Autêntico foi responsável por 68,8% dos votos, fez sete de um total de 17 governadores e elegeu 14 senadores; movimento Tekojoja conquistou apenas sete eleitos entre 625 candidatos APC

Pedro Carrano de Curitiba (PR) NÃO HÁ quem duvide que a vitória de Fernando Lugo à frente da Aliança Patriótica para a Mudança (APC, na sigla em espanhol), nas eleições do dia de 20 de abril de 2008, foi uma tarefa imediata para a esquerda no Paraguai. Lugo é o nome que garantiu unidade para 20 movimentos sociais e 9 partidos políticos. A queda do Partido Colorado (Associação Nacional Republicana – ANR) significou a derrota histórica de um projeto que, por 61 anos, enraizou-se em cada bairro e distrito do Paraguai, à custa de favorecimento político, personalismo, apropriação e esvaziamento das pautas populares. O Partido Colorado confundiu-se com o Estado, em um trabalho comparável ao do mexicano Partido Revolucionário Institucional (PRI), que se manteve 70 anos no poder, apropriando-se da Revolução Mexicana de Zapata e Villa. No Paraguai, o Colorado, que surgiu reivindicando a causa agrária, hoje deixa um legado de 300 mil camponeses sem-terra e o crescimento de cultivos para exportação, como a soja, controlada pela elite brasileira. Porém, assim como em um tabuleiro de xadrez, apenas uma boa jogada não garante o sucesso do jogo. A queda e as sonoras rachaduras entre dois setores do Partido Colorado não apagam o fato de que a esquerda também saiu combalida da batalha.

De acordo com Joaquín Bonett, do Movimento Tekojoja, a vitória no Executivo compensa a derrota nas outras instâncias. De acordo com ele, cerca de 94% dos recursos do país estão centralizados na figura do Executivo O resultado final das eleições para o Parlamento (senador, deputado, Parlasur, além dos governos departamentais), aponta que a sustentação concreta do governo Lu-

Durante a campanha presidencial, cada partido apoiou Lugo, mas optou por lançar seus próprios candidatos. Fosse diferente, a esquerda poderia ter logrado, por exemplo, um número maior de senadores, de acordo com informações do Tekojoja. O próprio Tekojoja aceitou o preço de investir mais no nome de Lugo do que nas próprias candidaturas. O movimento conquistou apenas sete eleitos. Entre nomes locais e nacionais, havia lançado 625 candidatos. Uma conquista importante foi a eleição do engenheiro Ricardo Canese para representante do Parlasur. Autor de A recuperação da Soberania Hidroelétrica do Paraguai, Canese é o principal quadro dos movimentos sociais sobre a questão de Itaipu – justamente a pauta política que melhor garante a unidade e na qual não há contradição entre os setores liberais e nãoliberais do governo Lugo.

Intercâmbio Federico Franco (PRLA) e Fernando Lugo: cabo de guerra entre liberais e movimentos sociais já começou

go virá do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), que elegeu 14 senadores, enquanto os colorados ainda contam com 15. Os liberais arrebataram sete governadores dos departamentos (em um total de 17), e, ademais, contribuíram com 68,8% dos votos do ex-bispo entre os partidos no interior da Aliança. A questão parece ser que os colorados ainda não foram liquidados totalmente e os liberais, por sua vez, saíram fortalecidos nas eleições. Na Câmara de Deputados, entre 80 cadeiras, os liberais conseguiram 26 lugares, ao passo que os colorados da ANR mantêm-se em 29 postos.

Executivo forte

Embora a evidência destes dados possa apontar para um enfraquecimento da jovem esquerda paraguaia, na opinião de um dos conselheiros do Movimento Tekojoja, Joaquín Bonett, em entrevista ao Brasil de Fato, a vitória no Executivo compensa a derrota nas outras instâncias. De acordo com ele, cerca de 94% dos recursos do país estão centralizados na figura do Executivo. Fernando Lugo e o vice-presidente, Federico Franco, do PRLA, tomam posse no dia 15 de agosto, embora o cabo de guerra entre os grupos que os

sustentam já tenha começado. O mês de maio foi marcado por ocupações de terra feitas por movimentos camponeses – como a Mesa Coordenadora Nacional de Organizações Camponesas (MCNOC) e a Organização Camponesa de Misiones (COM) –, em departamentos do país como San Pedro (base de Lugo) e Misiones. O alvo até aqui têm sido os proprietários de soja brasileiros. Em San Pedro, a Coordenadora de Luta pela Defesa da Soberania e da Reforma Agrária ameaçou agroexportadores brasileiros com a desapropriação feita pelo povo. Em declarações recentes, Lugo não condenou a ação dos movimentos, defendendo a legitimidade da ação dos camponeses como último recurso. Já o PRLA tratou de manifestar-se a favor da propriedade de maneira irrestrita. A frase de praxe do vice-presidente causa desconforto: “Vamos respeitar todas as propriedades privadas, mas queremos que todos tenham propriedades”. Ao lado da questão da revisão dos preços da hidrelétrica de Itaipu, a Reforma Agrária ampla é a pauta mais importante do governo Lugo. Ainda não é possível medir a influência, e até onde Lugo e os liberais vão caminhar lado a lado. De acordo com uma

O mês de maio foi marcado por ocupações de terra feitas por movimentos camponeses. Em declarações recentes, Lugo não condenou as ocupações, defendendo a legitimidade da ação dos camponeses como último recurso. Já o PRLA, de seu vice, tratou de manifestar-se a favor da propriedade de maneira irrestrita fonte do Brasil de Fato, os liberais não formam um grupo coeso como pode parecer. “O liberalismo não é luguista. Vai continuar liberal (a final, eles têm mais de 120 anos de existência). Por conveniência, vão se aproximar mais ou menos, mas o PLRA é um partido muito dividido. Lugo parece estar ‘trabalhando’ essas divisões – estabelecendo diretamente negociações e relações com cada facção”, opina.

Esquerda

No momento, a esquerda no Paraguai busca se reorganizar, com experiências jovens e ricas, como o Movimento Tekojoja, principal força não-liberal de apoio a Lugo, espaço decisivo na consolidação do programa de governo, além do Partido do Movimento ao Socialismo (P-Mas), ambos os instrumentos com pou-

co mais de dois anos. Documento divulgado pelo Movimento Tekojoja aponta que Lugo não teria ganho sem a militância dos partidos de esquerda, responsáveis por um terço dos votos do exbispo. O Tekojoja, por exemplo, aportou 11% dos votos para Lugo. No geral, as eleições de 2008 representam o melhor resultado alcançado pela esquerda na história do país, uma conquista importante para uma esquerda renovada e em vias de superar as fragmentações. Durante a campanha eleitoral, os diferentes partidos de centro e esquerda apoiaram Lugo em meio a um processo de fragmentação. À época, já estava enfraquecida a experiência do Bloque Social e Popular – que, naquele momento, diferenciava liberais e nãoliberais que apóiam Lugo.

Passada a luta eleitoral, a esquerda dá sinais de buscar a unidade para sustentar o governo. O P-Mas, reticente no início, sinalizou apoio ao presidente popular, até mesmo podendo aceitar pastas do governo. Já o restante dos movimentos sociais, no dia 12 de maio, assinaram um documento reafirmando a unidade e o apoio a Lugo. “Estão também desde já se organizando para um forte e constante trabalho de base e de formação de militantes, visto que a conjuntura vai exigir pessoas capacitadas e com uma ideologia clara. Para tal, pretendem construir escolas de formação e fazer intercâmbio de militantes, para conhecerem experiências populares em países da América Latina”, como informa o militante Márcio Azevedo “Rato”, da Federação dos Estudantes de Agronomia (Feab), que acompanhou o processo eleitoral do país. O economista Raul-Monte Domecq, em conversa com o Brasil de Fato, considera que os 100 primeiros dias são decisivos para o governo Lugo. Neste espaço de tempo, a APC espera implementar medidas urgentes no país, nos setores essenciais. Entre estes, o tema da Saúde é tido como “estado de emergência nacional”, com um programa detalhado, vinculado com a Seguridade Social.

BOLÍVIA Carlos Ruggi

Ele esteve junto ao Che, mas não sabia Pedro Carrano de Curitiba (PR) Ele esteve junto ao Che, com menos de 20 anos. Mas não sabia. Falante do idioma aimará, vindo das montanhas gélidas da região de La Paz, na Bolívia, tampouco sabia a dimensão do movimento guerrilheiro que se desencadeava na América Latina no fim da década de 1960. Eusebio Tapia é um dos dois bolivianos ainda vivos que lutaram pelo Exército de Liberação Nacional da Bolívia (ELN), comandando por Che. Tapia foi um dos convidados a participar da Mostra Cultural de Integração dos Povos Latino-Americanos, realizada em Curitiba, onde narrou a sua experiência ao Brasil de Fato. Brasil de Fato – Que impressões o senhor guarda do seu contato com o Che? Eusebio Tapia – Quando eu conheci o Che, não o conheci como Che, mas como “Ramón” (codinome na guerrilha), que era uma pessoa

comum, que não tinha hierarquia, que não tinha privilégios. É importante destacar sua forma de pensar não só nele mesmo, mas nos demais: pensar no social, pensar no povo. Sua entrega total, de espírito revolucionário, para dar direitos a todos os habitantes da América Latina, como a todos os habitantes do mundo, faz dele um patrimônio da humanidade. Quanto tempo o senhor conviveu com ele em Ñacahuazú? Estivemos entre 20 de janeiro até 17 de abril de 1967, quando Che nos deixa ao mando da retarguarda, que era Joaquim, o Cubano, enquanto o grupo de Che ia a um povoado para poder despachar Régis Debray (francês) e um argentino [Ciro Bustos], que deviam fazer um trabalho de solidariedade no exterior. O compromisso era o de regressar em três dias para reunir-nos. Pela perseguição do Exército, Che não conseguiu regressar onde nós estávamos e se foi por outro caminho, e nós lutamos por outro cami-

O ex-guerrilheiro Eusebio Tapia, ao lado de bandeira com imagem de Che Guevara

nho contra o Exército, até que o grupo de retaguarda foi aniquilado, no dia 31 de agosto de 1967. O Exército acumula a força sobre o grupo de Che, que é aniquilado a 8 de outubro de 1967. Portanto, compartimos mais de cinco meses andando juntos, dormindo juntos, assim, compartimos a luta revolucionária. Pode explicar como se dava a divisão dos

quadros dentro da guerrilha? O grupo guerrilheiro estava organizado em três grupos: a vanguarda era um grupo de 20 pessoas, o centro tinha algo como 25, e nós éramos do grupo de retaguarda. O momento em que nos separamos, no 17 de abril, o grupo do Che teve que voltar a organizar outra vanguarda, centro e retaguarda. Nós também, desta maneira, tivemos que atuar para

poder responder ao ataque do Exército. O centro sempre foi comandado pelo Che, ao mesmo tempo compunha o centro Inti Peredo, como comissário político dos bolivianos, e como comissário político dos cubanos, Rolando. Estes comissários não cumpriram suas funções, particularmente o Inti não falou nada com a gente, inclusive não houve preparação ideológica e militar, pensando que vários de nós entra-

mos na guerrilha novatos, sem treinamento militar. Ao contrário, os cubanos vieram muito bem preparados, outros bolivianos também treinaram em Cuba, então houve uma espécie de desentendimento na prática guerrilheira, mas ideologicamente não havia dúvida, todos estávamos convencidos. Em que conjuntura se deu a escolha da Bolívia para desencadear a revolução? O contexto da luta política e ideológica dos movimentos sociais estava em efervescência, o governo militar, naquele momento de René Barrientos, estava governando de maneira ditatorial, havia massacrado os mineiros nas suas próprias minas, havia fechado as rádios mineiras, havia perseguição e prisões. Havia uma euforia de ódio contra os militares naquele momento. O problema foi que a guerrilha não prosperou porque elegeu geograficamente uma zona ruim. Não foi o Che que a elegeu, mas os que compraram a área de entrada e a elegeram como área de operação. Como área de operação não foi correto, mas como área de treinamento era estratégico, era uma zona onde muitos guerrilheiros poderiam ter treinado ali, sair e combater em outros âmbitos.


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internacional

Racismo quebra o equilíbrio social na África, na Europa e no Oriente Médio DIREITA Para esconder contradições do neoliberalismo, elite põe culpa pela pobreza nos imigrantes – “os outros” – e gera violência Aurelio Candido/CC

Achille Lollo O mês de maio foi caracterizado por manifestações racistas e xenófobas contra os imigrantes nos países do primeiro e do terceiro mundo. A África do Sul foi palco de inusitados padrões de violência organizada, nos quais o sentimento de rancor das populações negras não é contra a cada vez mais rica e preconceituosa comunidade branca. Hoje, os pobres sul-africanos são os que mais manifestam ódio, desprezo, antipatia e raiva contra os imigrantes pobres de raça negra originários do Zimbábue, Moçambique, Maláui e Somália. Diferentemente do passado, o que prevalece é a aversão a pessoas estrangeiras, mais conhecida por xenofobia. Os partidos da direita européia exploram tais sentimentos tentando promover as manifestações contra os imigrantes para reforçar sua imagem política, sobretudo entre os trabalhadores e a classe média. De fato, quando as violências, verbais e físicas contra os imigrantes ganham amplitude racista na mídia, a classe política conservadora não condena, mas justifica com uma falsa crítica, dizendo que se trata apenas de “excessos provocados por algumas minorias”.

Exército de reserva Na verdade, as manifestações racistas e xenófobas são um elemento determinante para iludir os setores pobres, apresentando o imigrante estrangeiro como o inimigo central. Dessa forma, os governos evitam, com facilidade, o debate sobre o modelo de exploração da sociedade neoliberal e os motivos que colocam os trabalhadores pobres e desempregados nacionais contra os imigrantes, também pobres e desempregados. Na verdade, o cerne do conflito é a redução do custo do trabalho no âmbito da globalização industrial. Por isso, o modelo neoliberal otimizou, do ponto de vista institucional, os fluxos migratórios (oficial e clandestino) para rebaixar o custo de trabalho da mãode-obra empregada e, assim, rentabilizar o crescimento industrial dos países centrais e de alguns emergentes, como a África do Sul. Esse processo favoreceu o surgimento de um segundo exército de reserva de mãode-obra barata, que não enfrenta mais o capital para afirmar seu real valor. Pelo contrário, aceita concorrer no mercado de trabalho, desvalorizando a si próprio. Por outro lado, o regime de exploração e o isolamento sócio-cultural fazem com que grande parte dos trabalhadores imigrantes passem a ignorar os parâmetros sindicais, rompendo com a unidade de luta dos trabalhadores.

Os partidos da direita européia exploram sentimentos xenófobos, tentando promover as manifestações contra os imigrantes para reforçar sua imagem política, sobretudo entre os trabalhadores e a classe média Conseqüentemente, nos populosos e carentes cinturões suburbanos, surgem novos guetos culturalmente fechados que, com extrema facilidade, se tornam coniventes com a “economia ilegal” organizada pelo submundo crimi-

Imigrante vende peças de artesanato em rua de Roma, na Itália: negros, árabes e romenos vêm sofrendo ataques de grupos organizados

O modelo neoliberal otimizou, do ponto de vista institucional, os fluxos migratórios (oficial e clandestino) para rebaixar o custo de trabalho da mão-de-obra empregada e, assim, rentabilizar o crescimento industrial dos países centrais e de alguns emergentes noso. Elemento que a mídia enxerga e manipula para insuflar na sociedade as argumentações racistas. De fato, nos últimos anos, a principal tônica editorial de muitos tablóides populares europeus é a seguinte: “Sem os imigrantes, não haveria violência e degradação em nossas cidades”.

Caos na África do Sul Seria mentira dizer que o presidente sul-africano Thabo Mbeki, o líder do partido de governo ANC (African Nacional Congress), Jacob Zuma, e o chefe dos serviços de informação, Manala Manzini, foram apanhados de surpresa pelos tumultos raciais que, no dia 11 de maio, explodiram em Alexandra, a imensa favela de Joanesburgo. Alguns dias depois, a violência se espalhou, sob forma de guerra de gangues, saques e linchamentos, em toda a província das minas de ouro de Gautang, atingindo, no dia 25 de maio, as cidades de Durban e Cidade do Cabo. Os resultados desse conflito interno são desanimadores (veja matéria na página ao lado). Para a central sindical Cosatu – que é bastante crítica com as opções neoliberais do presidente Thabo Mbeki e da maioria do partido ANC — o problema dos imigrantes começou quando explodiu a crise no Zimbábue. De fato, a repressão do presidente Robert Mugabe e um fajuto sistema eleitoral provocaram a fuga em massa de quase 3 milhões de zimbabuanos, na maioria camponeses da etnia matebele. O governo sul-africano os acolheu, mas nada fez para organizar sua integração no país. Dessa forma, a maioria dos imigrantes foi construindo suas miseráveis favelas ao lado das que já existiam em Joanesburgo, Durban e Cidade do Cabo. Milhões de imigrantes A endêmica pobreza de Maláui, Moçambique e Lesotho – como aos tempos do apartheid

– fez deslocar para a África do Sul mais de 2 milhões de imigrantes, na maioria homens. Além disso, nos últimos anos, chegaram da Somália e da região de Dalfur, no Sudão, outros 800 mil imigrantes. Nesse caldeirão de nacionalidades, devemos juntar os milhares de paquistaneses, indianos, cingaleses, árabes, filipinos e chineses que emigraram, monopolizando o setor comercial dos bairros pobres e favelas habitadas pelos imigrantes. Hoje, Manala Manzini, o poderoso chefe dos serviços de informação, denuncia os partidários zulus do partido de oposição Inkatha, liderado pelo chefe tradicional Gatsha Buthelezi, salientando que “existe um esforço deliberado, orquestrado e bem planejado para que os tumultos explodissem em um bairro após outro. Temos informações de que os elementos envolvidos nas violências que procederam as eleições de 1994 agora estariam envolvidos no monitoramento dos tumultos. Tratam-se de elementos negros da etnia zulu ligados às antigas forças de seguranças do apartheid. Não há dúvida de que alguns dirigentes do Partido Inkatha (IFP) estejam envolvidos nisso”. Por sua parte Jacob Zuma, líder do ANC e candidato à sucessão de Thabo Mbeki

na presidência, é mais enfático em acusar os pequenos comerciantes por terem insuflado os sentimentos xenófobos dos moradores pobres sulafricanos, cuja onda de violência castigou milhares de pequenos comerciantes imigrantes, sobretudo árabes, somali e sudaneses, os quais tiveram suas lojas saqueadas e incendiadas.

Estado mínimo Os dirigentes do Cosatu explicam que, em Joanesburgo, a barbárie das gangues chegou ao ponto mais alto, porque o governo não controla mais as favelas e os cinturões suburbanos. Diariamente, na capital financeira da Árica do Sul, são assassinadas 50 pessoas, vítimas de assaltos nas ruas das favelas. E a polícia é praticamente ausente. De fato, para sedar os tumultos, o presidente Mbeki, no dia 23 de maio, teve que assinar um decreto especial e temporário para que os batalhões do exér-

Qual seria o motivo dessa renovada raiva? É muito simples: os imigrantes zimbabuanos, moçambicanos e do Maláui aceitam trabalhar por um salário 50% menor. Por isso as direções das diferentes minas demitem os mineiros sul-africanos Lebogang Nkoane/CC

Favela Alexandra, em Joanesburgo: estopim da onda de violência

cito fossem utilizados para dar cobertura às unidades de choque da polícia, como nos tempos do apartheid. Minnie Mandela, a ex-mulher de Nelson Mandela, entrevistada pela televisão sulafricana, advertiu que, num futuro próximo, os bandos xenófobos poderão atacar os trens suburbanos que diariamente transportam os milhares de imigrantes que vão trabalhar nas minas de ouro e de carvão da região de Gautang. Qual seria o motivo dessa renovada raiva? É muito simples, os imigrantes zimbabuanos, moçambicanos e do Maláui aceitam trabalhar por um salário 50% menor. Por isso as direções das diferentes minas demitem os mineiros sul-africanos e contratam, a cada semana, cada vez mais imigrantes que aceitam trabalhar fora das regras fixadas pelos contratos nacionais assinados pelos sindicatos. Algo semelhante aconteceu nos Estados Unidos depois da crise de 1929, quando os empresários pagavam as gangues mafiosas italianas e irlandesas para usar os imigrantes como fura-greves e espancar os militantes dos sindicatos socialistas.

Imigração clandestina Em Israel, o vice-ministro da Defesa, Matan Vilnai e a comissão de defesa e relações exteriores do Knesset (Parlamento) votaram a favor de uma lei que pune o imigrante clandestino com cinco anos de prisão. Caso seja reincidente, a reclusão será de sete anos. Porém, se o imigrante vem de uma nação considerada “inimiga”, como Sudão, Irã, Síria e a própria Palestina, a pena é de 10,5 anos. Além disso, se o infeliz é preso com uma faca ou outra arma, a mesma punição será aumentada para até 20 anos. No Parlamento israelense, somente o deputado comunista votou contra. Os demais levantaram a mão, representando, assim, o consenso xenófobo e racista da maioria da sociedade israelense. Consenso xenófobo que também a maioria dos italianos legitimou ao eleger Silvio Berlusconi para o cargo de primeiroministro; e perseguir os imigrantes. Na Itália, o ministro do Interior do governo assinou um decreto que introduz

no pacote de leis de segurança o crime de “Imigração Clandestina”. Nesse clima, os romenos – os mais pobres da Europa que emigraram para receber as migalhas do bemestar italiano – foram as primeiras vítimas do “Bel Paese” de Berlusconi.

Em Nápoles e em Roma, por exemplo, grupos organizados chegaram a atacar as comunidades romenas até com bombas incendiárias. Ataques que fazem lembrar as violências dos neonazistas alemães contra os imigrantes turcos Neofascismo Na verdade, logo após a posse do novo governo, em quase todas as grandes e médias cidades italianas houve manifestações de violência contra os imigrantes. Em Nápoles e em Roma, por exemplo, grupos organizados chegaram a atacar as comunidades romenas até com bombas incendiárias. Ataques que fazem lembrar as violências dos neonazistas alemães contra os imigrantes turcos. No último fim de semana de maio, em quase todas as cidades do norte da Itália, os membros do partido xenófobo de Ugo Bossi e Roberto Maroni, ministro pelas Reformas Institucionais e do Interior, organizam “rondas” com o objetivo de livrar bares e ruas públicas da presença de árabes e negros. Uma vez capturados, os imigrantes são regularmente espancados com cassete ou barras de metais sob o olhar dos moradores. muitos dos quais batem palmas, como aconteceu em Roma, no bairro de Pigneto, quando uma ronda linchou um imigrante romeno que trabalhava de garçom em um bar. Achille Lollo é jornalista italiano e diretor do documentário América Latina: Desenvolvimento ou Mercado, disponível em DVD no www.portalpopular.org.br.


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áfrica

Violência xenófoba na África do Sul IMIGRANTES Desde o dia 11, 56 estrangeiros negros vindos principalmente do Zimbábue, Moçambique e Maláui foram mortos Boaventura Monjane de Maputo (Moçambique) OS ATAQUES violentos contra estrangeiros negros que a cidade de Joanesburgo, na África do Sul, tem presenciado ainda não estão sob controle. Se a situação não for urgentemente estancada, há sinais de uma provável propagação para mais regiões do país. A onda de xenofobia naquele país africano, que se tem traduzido em perseguição principalmente a imigrantes do Zimbábue, Moçambique e do Maláui, já causou a morte de 56 pessoas e deixou 650 feridos, além da destruição de propriedades. Entendidas como sendo contra os mais básicos direitos universais à vida e à dignidade, e também se traduzindo numa clara violação de declarações e princípios internacionais contra tortura e abusos sexuais, estas ações violentas têm merecido reprovações por todos os lados. Vários apelos já foram feitos pelo governo da África do Sul e por líderes cívicos contra todos os atos de violência e de vandalismo verificados há mais de duas semanas. Há informações que indicam que algumas mulheres foram abusadas sexualmente nesta situação de caos. O MISA, um instituto de Comunicação Social da África Austral, veio a público recentemente denunciar a situação e apelar à imprensa para que desempenhe um papel de responsabilidade frente a esta situação. Num relatório que o instituto publicou, desafia-se a mídia a se pautar pe-

la transmissão de mensagens que apelem ao fim da violência, aconselhando os perpetradores desses atos a apresentarem suas inquietações de uma forma civilizada. Na mesma linha, os meios de comunicação precisam ir para além dos fatos em si, indagando as autoridades sobre as ações que estão sendo levadas a cabo, devendo, sempre, usar uma linguagem cuidadosa, para que se não inflame ainda mais a situação.

Intervenção Se não houver uma rápida intervenção responsável por parte dos atores políticos, agentes de segurança, líderes comunitários e organismos não-governamentais, no sentido de estancar a onda de violência, a situação poderá ficar catastrófica. O presidente sul-africano, Thabo Mbeki, autorizou, no dia 22 de maio, a intervenção das Forças Armadas para ajudar a Polícia a repor a ordem – decisão que, a princípio, foi contestada por grupos de defesa de direitos humanos, sob a alegação de que o assunto é da alçada da Polícia, e que por isso, não se justificaria uma intervenção militar. Moçambicanos Por decisão do governo moçambicano, o Centro Nacional Operativo de Emergência foi reativado. As autoridades de Migração já confirmaram o retorno de cerca de 6.500 cidadãos, 700 dos quais com cobertura da operação organizada pelo governo, através do consulado moçambicano em Joanes-

No Zimbábue, Mugabe diz estar preparado para segundo turno da Redação O presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, que lutará por sua sobrevivência política no segundo turno das eleições presidenciais, previsto para 27 de junho, iniciou no dia 25 sua campanha eleitoral em Harare, capital do país, expressando seu otimismo na vitória. “Posso assegurar-lhes que tudo está preparado para o segundo turno e que ganharemos”, disse Mugabe perante milhares de seguidores da governamental União Nacional Africana do ZimbábueFrente Patriótica (Zanu-PF, em inglês). Mugabe começou seu discurso às 14h do horário local (11h de Brasília), mas a longa espera não desanimou seus simpatizantes, que entoaram canções partidárias que se remontam à guerra da independência do país e levaram bandeiras e cartazes da Zanu-PF. Segundo Mugabe, a campanha da Zanu-PF será feita “porta a porta” para explicar pessoalmente às pessoas a estratégia do partido, ao contrá-

rio das usuais manifestações que eram comuns desde sua chegada ao poder, em 1980. Mugabe se referiu, além disso, ao opositor Movimento para a Mudança Democrática (MDC) de Morgan Tsvangirai, seu rival na fase final das presidenciais, dizendo que a formação tem a intenção de dividir o povo do Zimbábue. O atual presidente também admitiu que no primeiro turno, realizado em 29 de março, seu partido estava dividido e concorreu às eleições “ferido”, mas que as diferenças foram resolvidas e “tudo está preparado para derrotar Tsvangirai”, concluiu. Tsvangirai retornou no dia 24 ao Zimbábue vindo da África do Sul, onde estava morando desde pouco depois das eleições gerais de março. O líder opositor havia planejado retornar antes, mas adiou a viagem porque, segundo denunciou o MDC, existia um plano para assassiná-lo. O governo de Mugabe rejeitou taxativamente as acusações do MDC, taxando-as de “propaganda política”. (Com agências internacionais) Reprodução

O presidente do Zimbábue, Robert Mugabe: otimismo na vitória

burgo, por meio de dez ônibus da companhia de transportes Vaal Maseru. Desde a eclosão da violência xenófoba, no dia 11 de maio, muitos moçambicanos regressaram ao país, usando os mais variados meios de transporte. De acordo com o jornal Notícias, publicado em Maputo, o diretor de operações da Vaal Maseru, Johan Piennar, confirmou o envio de mais dez

ônibus com 600 moçambicanos, acrescentando que, numa eventual necessidade de apoio para os dias subsequentes, a sua companhia estaria à disposição de colocar mais ônibus em circulação. Leonardo Boby, director nacional adjunto da Migração, explicou ao mesmo Notícias que depois dos procedimentos fronteiriços normais em Ressano Garcia, e

alguns exames para aferir o estado de saúde, os retornados foram transportados até a fábrica de refeições, na cidade de Maputo, onde, além de terem tido acesso a condições para higiene pessoal, receberam uma refeição completa disponibilizada pelo Instituto Nacional de Gestão de Calamidades, antes de seguirem viagem, com destino às respectivas casas ou zonas

de origem. O grosso, segundo a fonte, tinha como destino a província de Gaza. No quadro das ações preparatórias da recepção dos retornados, foi aberto um centro de acolhimento na região de Beluluane, na província de Maputo, onde estão disponíveis 70 tendas e um posto de primeiros-socorros, montados com apoio da Cruz Vermelha de Moçambique.


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internacional

Com nova frota militar, os EUA tentam retomar terreno perdido nas Américas GEOPOLÍTICA Após anos no Iraque, império lança mão de superbarcos para reverter integração dos povos de seu antigo “quintal” US Navy

Memélia Moreira de Orlando (EUA) FAMOSO POR suas águas de um azul profundo, o mar do Caribe sempre exerceu fascínio nas potências mundiais de diferentes épocas. Por suas águas navegaram famosos piratas, espécie de mercenários a soldo da coroa inglesa, do reino de Espanha, do império francês, da Companhia das Índias Ocidentais, de propriedade da Holanda, cada um tentando abocanhar o território conquistado pelo outro e, principalmente, as riquezas produzidas por esses territórios. O cenário mudou com as primeiras declarações de independência, no início do século 19, a começar pelo Haiti, em 1805. Parecia que, finalmente, o Caribe estava livre dos piratas saqueadores. Entre lutas com derrotas e vitórias, a região começou sua caminhada para a soberania. E exatamente na metade do século 20, acrescentou mais uma característica que o transformou, para sempre, num símbolo, povoando o imaginário de todos os latino-americanos que sonham em transformar seus países em sociedades justas, livres de dominações. Tudo aconteceu a partir da vitória dos “barbudos” que, descendo Sierra Maestra, tomaram o poder em Havana, tornaram a revolução vitoriosa, expulsaram o imperialismo estadunidense e transformaram Cuba no primeiro território socialista da América Latina. E enfrentando um embargo comercial criminoso, há 49 anos vem desafiando seu poderoso vizinho, os Estados Unidos, a pouco mais de 100 km de Miami. Para a arrogância imperial, é um espinha de tubarão atravessada na jugular. Mas engana-se quem pensa que os piratas desapareceram para sempre. Eles estão voltando. E dessa vez, com data marcada. O retorno foi anunciado em alto e bom som, numa solenidade com direito a fotos, palmas e muita publicidade. Esqueçam os longos cabelos, tranças, brincos e badulaques, bandana na testa e garrafas de rum na mala, detalhes que emprestaram um charme especial a Johnny Depp no seu personagem mais popular, o de capitão Jack Sparrow. Esqueçam a bandeira negra e rota, encimada por uma caveira. Papagaios? Nem pensar.

Mas engana-se quem pensa que os piratas desapareceram para sempre. Eles estão voltando. E dessa vez, com data marcada: 1º de julho Os novos piratas vestem uniformes sem vincos, cabelos cuidadosamente cortados, uma bandeira de listas vermelhas e brancas, com um quadrilátero azul no canto esquerdo e coberto por 50 estrelas, símbolo de suas conquistas territoriais. Eles usam radares de alta precisão e não dependem de ventos para navegar. Seus navios são velozes o suficiente para alcançar qualquer território da América do Sul em menos de dois dias e, em questão de horas, circulam por toda a América Central.

Quarta Frota Criada em 1943 para proteger a costa sul dos Estados Unidos contra possíveis ataques dos alemães, a Quarta Frota foi desativada em 1950 e, no dia 28 de abril, sem qualquer aviso prévio, o chefe do Comando das Operações Navais dos Estados Unidos, al-

“Esqueçam os longos cabelos, tranças, brincos... os novos piratas vestem uniformes sem vincos, cabelos cuidadosamente cortados...”

Com 333 metros de comprimento e 77 metros de largura, o Nimitz suporta uma carga de até 100 mil toneladas, conta com dois reatores nucleares e atinge uma velocidade de até 56 km por hora (ou seja, atinge Cuba em 1h40). Esse navio de guerra comporta 90 aviões mirante Gary Roughead convocou a imprensa para revelar a decisão tomada pelo Departamento de Defesa do governo estadunidense de reativá-la. A sua base ficará sediada na cidade de Mayport, estado da Flórida, e seu primeiro comandante será o almirante Joseph Kerner, que já esteve à frente de outras frotas dos Estados Unidos, inclusive a mais ativa de todas elas, a Quinta Frota, que atua no Golfo Pérsico. A primeira operação da Quarta Frota está marcada para o dia 1º de julho, quando um porta-aviões modelo Nimitz fará incursão inicial pelas águas do Caribe, percorrendo a América Central e, em seguida, chegando ao Atlântico para “visitar” a América do Sul. O porta-aviões será precedido por um navio de assalto anfíbio. O Nimitz é um dos dez porta-aviões mais sofisticados do Estados Unidos (na verdade, do mundo). Com 333 metros de comprimento e 77 metros de largura, ele suporta uma carga de até 100 mil toneladas, conta com dois reatores nucleares e atinge uma velocidade de até 56 km por hora (ou seja, atinge Cuba em 1h40). Esse navio de guerra comporta 90 aviões. Até agora, não está decidido qual dos Nimitz será escolhido para a primeira viagem. O mais recente deles foi batizado com o nome de “George H.W. Bush”, em homenagem ao ex-presidente George Bush, pai do atual presidente dos Estados Unidos. Analistas militares acreditam que esse será o porta-aviões escolhido para ser o carro-chefe da Quarta Frota.

Apoio e interesse Ao anunciar o retorno das atividades da Quarta Frota, o almirante Roughead fez um breve discurso dizendo que “o restabelecimento é o reconhecimento da imensa importância da segurança marítima na área sul do hemisfério ocidental e também um sinal de nosso apoio e interesse nos serviços marítimos civis e militares da América Central e do Sul. Nossa estratégia mostra a importância do trabalho de parceria, tendo como base a segu-

rança marítima global. Queremos enfatizar nosso interesse na região, empregando uma força naval que tem como foco principal os acordos assinados e nossos interesses mútuos”. Oficialmente, não houve nenhuma declaração dos reais objetivos que levaram o Departamento de Defesa dos Estados Unidos a reativar uma frota extinta há 58 anos. E até analistas civis descartam os objetivos militares da recente decisão do departamento de Defesa. O analista Alejandro Sánchez, do Conselho de Relações Exteriores – um organismo acadêmico não-governamental com sede em Washington – e especialista em questões militares interpreta a reativação da Quarta Frota “mais como decisão política do que necessidade militar, porque, embora a região tenha se tornado um desafio militar para os Estados Unidos, para ser honesto, mesmo que a Venezuela compre submarinos russos ou que o Brasil construa seus submarinos nucleares, nenhum desses países apresenta qualquer perigo para os Estados Unidos. Ou seja, por mais que a América Latina esteja em franca corrida armamentista, eles não têm como competir com o poderio bélico norte-americano. A verdade é que os Estados Uni-

dos passaram os últimos anos olhando mais para o Afeganistão e o Iraque e, com isso, perdeu espaço político na América do Sul. E, agora, quer retomar o tempo perdido”. A análise de Sánchez foi reforçada pelas declarações do porta-voz do Comando Sul, major Myers Vásquez. Em entrevista concedida à BBC de Londres, ele reafirmou os argumentos de seus superiores dizendo que, “Na realidade, as forças navais dos Estados Unidos subordinadas ao Comando Sul já vinham atuando como uma frota, do ponto de vista operacional. Basicamente, apenas decidiu-se batizar de direito um fato que é realidade desde sempre. Não há a menor necessidade de incrementar a presença militar americana na região e a reativação da Quarta Frota é apenas uma medida administrativa. Vamos continuar com as mesmas operações que já vínhamos realizando há dois anos e que têm se destinado ao combate do narcotráfico e do terrorismo, além das missões humanitárias. Nesse momento estamos em missão humanitária na Guatemala”.

Gato escaldado Pode ter sido apenas uma coincidência, mas o anúncio da reativação da Quarta Frota aconteceu pouco depois da invasão do território equatoriano pelas Forças Armadas da Colômbia, quando o comandante Reyes, um dos líderes das Farc, foi assassinado. Essa coincidência não passou desapercebida para o expresidente cubano Fidel Castro, um dos homens mais odiados por todos os presidentes estadunidenses desde a década de 1960. E Fidel foi o

primeiro a apontar os risco da Quarta Frota. Num texto intitulado Resposta Hemisférica Ianque: Quarta Frota de Intervenção, o comandante Fidel pergunta: “Qual é o objetivo declarado da Quarta Frota? Combater o terrorismo e as atividades ilícitas como o narcotráfico, bem como enviar uma mensagem à Venezuela e ao resto da região?”. O Chefe do Comando Sul dos Estados Unidos, almirante James Stavrides, declarou que esse país precisa trabalhar mais forte “no mercado das idéias, para ganhar os corações e as mentes” da população na região. Os Estados Unidos contam já com a Segunda, Terceira, Quinta, Sexta e Sétima fro-

“Os porta-aviões e as bombas nucleares com os quais ameaçam nossos países servem para semear o terror e a morte, mas não para combater o terrorismo e as atividades ilícitas. Deveriam servir também para envergonhar os cúmplices do império e multiplicar a solidariedade entre os povos”, escreveu Fidel Clifford L. H. Davis/US Navy

O navio de guerra estadunidense George Washington nas águas do Atlântico

tas dispersadas no Atlântico Ocidental, o Pacífico Oriental, o Oriente Médio, o Mediterrâneo e Atlântico Oriental e o Pacífico Ocidental. Faltava apenas a Quarta Frota para custodiar todos os mares do planeta. Total: nove portaaviões Nimitz ativos ou muito próximos de estarem em plena disposição combativa, como o George H. W. Bush. Dispõe de uma reserva suficiente para triplicar e até quadruplicar o poder de qualquer de suas frotas num determinado teatro de operações. “Os porta-aviões e as bombas nucleares com os quais ameaçam nossos países servem para semear o terror e a morte, mas não para combater o terrorismo e as atividades ilícitas. Deveriam servir também para envergonhar os cúmplices do império e multiplicar a solidariedade entre os povos”, escreveu Fidel.

Reação O fato é que a retomada da Quarta Frota acontece exatamente no momento em que a América Latina caminha para uma unidade sem precedente na sua história, quando todos os governos, com exceção da Colômbia, demonstram um maior comprometimento com as causas populares. Os Estados Unidos vêm perdendo não apenas espaço político no continente. O império vê ameaçado seu expansionismo militar em diferentes pontos da América do Sul. O primeiro território que vai perder é a Base Militar de Manta, no Equador, segundo anunciou o presidente Rafael Correa, que não renovará o contrato de uso da área a partir de 2009. E, provavelmente, perca a base do Paraguai, onde as oligarquias acabam de ser derrotadas com a vitória de Fernando Lugo. E um dos compromissos eleitorais de Lugo é exatamente desativar a base militar estadunidense instalada no Chaco. Com todas essas derrotas na região, que há menos de 40 anos era conhecida por ser “quintal dos Estados Unidos”, fica difícil para o império aceitar tantas perdas sem uma reação. Por isso, no dia 1º de julho, em plena estação dos furacões, o navio de assalto anfíbio Keasarge, carregando os novos piratas, sairá de Mayport com previsão de atracar em 12 portos do Caribe, alguns portos da América Central e a porção norte da América do Sul, exatamente de onde parte a maior resistência latino-americana contra o império: a Venezuela, com suas portas abertas para o Caribe.


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