BDF_289

Page 1

Circulação Nacional

Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 6 • Número 289

São Paulo, de 11 a 17 de setembro de 2008

R$ 2,00 www.brasildefato.com.br

ENCARTE ESPECIAL

O petróleo tem que ser nosso Articulados em torno do Fórum Nacional contra a Privatização do Petróleo e Gás, os movimentos social e sindical preparam, para os dias 17, 18 e 19, grande mobilização para começar uma caminhada atrás do sonho de reeditar a vitoriosa campanha “O Petróleo é Nosso”, das décadas de 1940 e 1950. As entidades se dizem dispostas a vencer esse embate contra os oligopólios transnacionais

do setor energético e seus aliados junto à burguesia nacional. Como contribuição, o Brasil de Fato traz uma edição especial sobre os desafios colocados à população pelas recentes descobertas do pré-sal. O objetivo é fazer o mais amplo debate possível, em sindicatos, igrejas, rádios e TVs comunitárias e comerciais, sobre qual é a melhor solução. Nesta edição especial, são apresentados os

principais modelos de exploração de petróleo praticados no mundo, como está organizado o marco regulatório no Brasil – o qual induz à partilha da riqueza nacional com grandes companhias e acionistas estrangeiros – e faz algumas propostas para encaminhar as discussões, como a realização de um plebiscito sobre o destinos do recurso natural. Págs. 2, 4 e Encarte

A camada de pré-sal se estende por uma faixa de 800 km, que vai do litoral do Espírito Santo ao litoral de Santa Catarina

Reprodução

Mulheres têm pouca participação no processo eleitoral brasileiro CINEMA Luiz Carlos Barreto defende a volta de uma estatal do audiovisual, como a Embrafilme, distribuidora de A Dama do Lotação. Pág. 12 Jose M. L. da Silva

Em Angola, MPLA vence eleições Com 82% dos votos, o Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA) venceu a primeira eleição legislativa multipartidária ocorrida no país desde 1992. Até mesmo em áreas consideradas pró-Unita (apoiada pelos Estados Unidos), o MPLA ganhou com 70%. Pág. 10

Pesquisa da Secretaria Especial de Política para as Mulheres (SEPM), do governo federal, mostra que apenas 21,33% dos candidatos às próximas eleições são do sexo feminino. O índice nem atinge a cota mínima estabelecida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que é de 30%. Segundo especialistas, o baixo nível de participação é reflexo de questões culturais e socioeconômicas, como a concepção de

que a mulher é a responsável pelos serviços domésticos. Outro elemento que segrega o gênero feminino é a falta de investimento em políticas de incentivos, tanto por parte do governo como dos partidos. Sônia Malheiros, da SEPM, explica que, na retórica, se chama as mulheres à política, mas, na prática, somente há investimentos para candidaturas masculinas. Pág. 5 Sérgio Lima/Folha Imagem

“Grande” mídia defende grileiros no caso Raposa Serra do Sol Após o voto do relator Carlos Ayres Britto – pródemarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol – frustrar as expectativas da mídia corporativa, o comportamento da chamada grande imprensa brasileira chegou às raias do jornalismo de ficção, gênero literário que faz estragos no exercício da informação. Sua Excelência, “o Fato”, tem sido simplesmente pisoteado, desrespeitado, na defesa descarada de seis grileiros de terra que ocupam o território indígena. Pág. 8

Indígenas participam de caminhada e ato de protesto em Surumu (RR)

Sindicatos obtêm aumentos reais com economia aquecida Petroleiros, metalúrgicos e bancários, categorias com data-base neste mês, já iniciaram suas negociações. Segundo pesquisas, os últimos anos têm sido favoráveis às reivindicações salariais dos trabalhadores. Ricardo Antunes,

da Unicamp, aponta que o relativo crescimento econômico, aliado à inflação controlada, proporciona um momento favorável às negociações. Por piso nacional, professores param em todo o país no dia 16. Págs. 6 e 7

Douglas Mansur/Novo Movimento

Protesto contra a privatização do bondinho no RJ Os moradores de Santa Teresa realizaram, no sábado, véspera do 7 de setembro, um verdadeiro samba de protesto contra o projeto do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, de privatizar os tradicionais bondinhos. Cerca de 2 mil pessoas se reuniram para protestar ao som dos famosos blocos do bairro que fazem a festa do Carnaval do Rio, como o “Céu na Terra”, o “Aconteceu”, o “Badalo” e o “Carmelitas”. Este último encerrou o evento cantando “Não

à privatização” em ritmo de hip-hop. A manifestação também comemorava os 112 anos do pitoresco meio de transporte do bairro com um enorme bolo de aniversário, que foi repartido após um “parabéns” cantado por todos os presentes. O Brasil de Fato, na edição 283 – de 31 de julho a 6 de agosto – publicou matéria denunciando esse processo de privatização do governo do Rio de Janeiro. Débora Lerrer

O verdadeiro grito de independência Dezenas de milhares de pessoas participaram, durante a Semana da Pátria, das mobilizações do Grito dos Excluídos, cujo tema foi “Vida em primeiro lugar, com Direitos e Participação Popular”. Em todos os Estados ocorreram atos, exceto no Acre. Pág. 3 ISSN 1978-5134


2

de 11 a 17 de setembro de 2008

editorial

UMA MANIFESTAÇÃO que se esperava do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, desde sua primeira gestão, somente agora (depois de 6 anos) aconteceu. O presidente conclamou, por fim, uma organização de massa para sair às ruas em defesa de um projeto de interesse popular e da nossa soberania, acenando assim, ainda que timidamente, com uma nova estratégia de alianças e de ação. Referimo-nos ao fato de o primeiro mandatário, depois de ter declarado que o petróleo recém-descoberto na camada pré-sal é do nosso povo, e não de meia dúzia de transnacionais, ter convocado a União Nacional de Estudantes (UNE) para erguer a mesma bandeira que a entidade empunhou há cerca de 60 anos, ao lado de centenas de outras organizações e movimentos – “O petróleo é nosso”. A sinalização do presidente é bemvinda e, se for mesmo para valer, ele encontrará respaldo da classe trabalhadora e do povo. A primeira prova disso está no encarte de quatro páginas que publicamos nesta edição, bancado por algumas dezenas de entidades populares, já articuladas em torno da palavra de ordem “O petróleo tem que ser nosso” (ler pág. 4 – Encarte). É que, há vários meses, já se formou no Rio de Janeiro (RJ) o Fórum Nacional em Defesa do Petróleo

debate

Pré-sal e pós-neoliberalismo – composto por todos os sindicatos de petroleiros, movimentos da Via Campesina, Entidades da Assembléia Popular, CMS, movimentos e entidades estudantis, visando levar uma luta, no longo prazo, pela recuperação da nossa soberania sobre o petróleo brasileiro, rompida desde 1997, quando o governo do então presidente tucano Fernando Henrique Cardoso fez aprovar a Lei do Petróleo (nº 9.478), quebrando 44 anos de monopólio estatal do setor (ler pág. 3 – Encarte).

Pressões, invasões, desestabilizações e intimidações da Casa Branca

Mais que em qualquer outro caso ou momento, a mobilização e organização dos trabalhadores e do povo mostram-se indispensáveis na questão do petróleo e da descoberta da(s) jazida(s) do pré-sal. A pressão dos sucessivos governos estadunidenses sobre os países latino-americanos, no sentido de incrementarem a exploração, produção e exportação de energia, remonta ainda à “Crise da Opep” (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), em 1973, quando ficou clara a dependência dos EUA (que consome um quarto da produção mundial) dos mercados petroleiros.

No entanto, será a partir do começo deste milênio que Washington passa a se declarar em crise de segurança energética. Assim, a questão do petróleo e do gás torna-se cada vez mais aguda, e irá subjazer às invasões do Afeganistão e do Iraque, bem como às sucessivas desestabilizações, orquestradas pelos EUA, de governos como o do presidente Hugo Chávez, na Venezuela, e do presidente Evo Morales, na Bolívia. Há poucos meses, Washington reativou sua Quarta Frota Naval (Comando Sul) – medida claramente intimidatória contra todo o continente. A esse respeito, é importante registrarmos algumas questões: a Quarta Frota voltou a patrulhar os nossos mares antes de ser(em) conhecida(s) (pelo menos oficial e publicamente) a(s) nossa(s) jazida(s) do pré-sal. Ao lado disso, não esquecemos que, durante o regime do pós-1964, os EUA realizaram um exaustivo levantamento aerofotogramétrico (com mapeamento de todo o subsolo) de nosso território. Além do mais (fato por nós já denunciado), a empresa estadunidense Halliburton tem sob seu controle todo o arquivo de dados sobre petróleo da Agência Nacional de Petróleo (ANP).

Por fim, é indispensável termos a clareza de que toda essa movimentação em torno do pré-sal acontece exatamente no momento em que não apenas aderna e vai a pique a economia estadunidense, mas também todas as premissas do ciclo neoliberal, o que levará o sistema capitalista – em nível internacional – a se desorganizar e ter de se reorganizar em novo ciclo (estrutura) que continue a permitir a realização ampliada do capital. Nesse quadro, não devemos subestimar a advertência de João Antônio Moraes, da Federação Única dos Petroleiros (FUP), integrante do Fórum Nacional em Defesa do Petróleo. Chamando a atenção para a importância estratégica, em termos geopolíticos, de o país se tornar uma potência em extração de combustível, ele afirma: “(...) Antigamente dizíamos que pior que nascer num país pobre, é nascer num país pobre com petróleo, pois além de o cidadão sofrer com a pobreza, ele sofre com as mazelas das guerras do império. Esperamos que o Brasil não siga essa regra” (pág. 3 – Encarte). No editorial “Como os trabalhadores e o povo podem vencer a crise

crônica

Sérgio Haddad

Dia Internacional da Alfabetização O DIA 8 de setembro foi estabelecido pelas Nações Unidas como o dia Internacional da Alfabetização. Para o Brasil, tal data nos faz recordar aquilo que podemos verificar no cotidiano desse país: o grande número de jovens e adultos que não sabem ler nem escrever, ou o fazem de maneira precária, com dificuldades. O número de analfabetos gira em torno de 10% da população com mais de 15 anos (14 milhões de pessoas), e os que enfrentam dificuldades, aqueles que lêem ou escrevem um pouquinho, como se costuma dizer, atingem 22% (30 milhões de pessoas). São quase 35 milhões de jovens e adultos que não têm o domínio deste importantíssimo instrumento de inserção social. Apesar do ensino fundamental – hoje de 9 anos – ser um direito constitucional de qualquer pessoa, e portanto um dever do Estado em ofertá-la, nossa população tem apenas 7,2 anos de estudo em média. Média enganosa, é verdade, pois alguns poucos têm seus estudos completados no ensino superior e até em pós-graduação, e uma grande maioria não conseguiu completar a sua escolaridade básica. E entre esta grande maioria ainda há muita desigualdade, pois os brancos têm mais escolaridade média que os negros e as populações indígenas, os que estão na zona urbana têm mais escolaridade que os da zona rural, os que vivem na região Sul têm mais acesso que aqueles que estão no Norte ou no Nordeste. Nesta mesma semana do dia 8 de setembro, realiza-se na cidade do México o encontro latino-americano preparatório à VI Conferência Internacional de Educação de Adultos (Confintea), que ocorrerá no Brasil, em Belém do Pará, de 19 a 22 de maio de 2009, organizada pela Unesco com o apoio do governo brasileiro. Tais conferências vêm ocorrendo em média a cada 12 anos: Elsinore, Dinamarca (1949); Montreal, Canadá (1960); Tóquio, Japão (1972); Paris, França (1985); Hamburgo, Alemanha (1997). Será, portanto, a primeira vez que a Confintea será realizada em um país do Sul. Muito se tem discutido sobre a eficácia dessas conferências das Nações Unidas em implementar os resultados dos seus acordos e recomendações, particularmente em um momento em que a ONU vem mostrando fragilidade em se constituir como efetiva instância de governança internacional, depois da sua inoperância frente à força de determinados países, particularmente os EUA, que desconsideram acordos e recomendações, tanto em relação à guerra, como aos desastres ambientais. Apesar de seus resultados serem duvidosos, a verdade é que os impactos dessas conferências dependem de fatores internos a cada país, pois, sendo as recomendações, os acordos, os documentos e as declarações produzidos para todas as nações, constituindo-se em referências universais, a sua efetivação dependerá das lutas

Que sistema construir no pós-neoliberalismo?

concretas empreendidas por governos e sociedade civil em cada país. No caso específico do Brasil, os acordos e recomendações da V Confintea de 1997, em Hamburgo, apesar da sua pouca efetividade quanto à implementação da educação de adultos como um direito humano no plano global, constituíram-se em um importante instrumento de referência e mobilização nacional. Ela foi realizada no contexto da luta de educadores e educadoras para tornar a Educação de Jovens e Adultos (EJA) uma realidade, depois de reconhecida como um direito humano pela Constituição de 1988 e reafirmada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996. O principal fruto da mobilização no Brasil foi o nascimento dos fóruns de EJA, hoje funcionando em todos os Estados, além da produção de importantes subsídios de reflexão e prática nessa modalidade de educação. Naquele momento, o processo nacional preparatório brasileiro da Confintea V ajudou a produzir forças no âmbito da sociedade civil para se mobilizar por um direito. Cabe, portanto, aproveitar esta nova oportunidade para renovar a presença da sociedade civil, ampliando o debate e intervindo na cena pública. Por outro lado, o evento de Belém, por se realizar pela primeira vez em um país do Sul e, em particular, na América Latina, pode transformar-se em uma nova oportunidade de alerta para a temática no plano internacional. A região vem passando nos últimos anos por um processo contínuo de renovação, levando ao poder go-

vernos progressistas, que demonstram maior sensibilidade social e têm reconhecido a EJA como direito humano universal das pessoas adultas, fazendo dela um compromisso do Estado. Ao mesmo tempo, pela força dos movimentos sociais da região, pelos compromissos dos seus governos, pela tradição continental no campo da educação popular, em que o pensamento freiriano é um dos pilares centrais, a realização da Confintea na América do Sul pode influir substantivamente na perspectiva de conceber a EJA de forma mais política e mobilizadora, e menos institucional e burocrática. Neste sentido, a EJA se aproxima de uma prática educativa que reconhece a escola como um direito, mas que vai além dela, nos amplos espaços criados pela sociedade de produção e reprodução de conhecimentos, normas e comportamentos. Numa perspectiva transformadora, parte desses espaços está voltada aos processos educativos de ganhos de consciência e de formação política para a participação nos espaços públicos. A realização da Confintea no Brasil é uma ótima oportunidade para governos e sociedades renovarem seu compromisso com uma educação de jovens e adultos que seja instrumento de formação e consolidação de cidadania e construção de um mundo mais justo, solidário e respeitador dos seus bens naturais. Sérgio Haddad é economista, doutor em educação, coordenador geral da Ação Educativa e diretor presidente do Fundo Brasil de Direitos Humanos.

dos EUA”, da nossa edição nº 258 (7 a 13 de fevereiro de 2008), apontamos que, a partir daquele momento, a crise do império (a crise do capitalismo) tornava-se “o eixo central para que os trabalhadores e o povo construam suas estratégias, táticas e programas, buscando os instrumentos adequados para enfrentá-la”. Hoje, acrescentamos: ainda que a crise continue sendo, mais que nunca, o centro para a construção da política dos trabalhadores, em nosso país, a especificidade dessa crise é o fato dela acontecer exatamente num momento em que é descoberta uma jazida de petróleo que, na pior das hipóteses, quadruplicaria as nossas reservas provadas; e que nas estimativas mais triunfalistas nos levaria à posição de maior detentor de reservas provadas do mundo, superando de longe a Arábia Saudita. Ou seja, a crise do capitalismo e o pré-sal são as coordenadas que devem balizar a estratégia da classe trabalhadora no Brasil e do nosso povo, no sentido de acúmulo para a construção de sua hegemonia, que deverá suceder o neoliberalismo. Os passos mais decididos e seguros nessa direção estão sendo dados no Fórum Nacional em Defesa do Petróleo. Na página 4 do Encarte, estão expostos dez pontos já consensuados pelas entidades e movimentos que compõem o Fórum.

Luiz Ricardo Leitão

Lições Olímpicas (II): espírito de vira-lata? SE, NO plano mais geral, os Jogos de Pequim nos ensejaram preciosas reflexões sobre a nova conjuntura internacional e a ascensão da China no cenário geopolítico do III Milênio, aqui também, na mui peculiar arena de Bruzundangas, eles propiciaram lições valiosíssimas, que, no entanto, nem todos souberam apreciar. De um lado, as declarações dos pomposos dirigentes oscilaram entre o cinismo absoluto e o mais desvairado ufanismo, ao passo que, na platéia, a frustração pelo pífio resultado final, muito abaixo de 2004 e do total de medalhas que as vultosas cifras investidas por certos patrocinadores haviam prometido, suscitou reações extremadas, sem nenhum senso de equilíbrio e, por vezes, eivada daquele idealismo que a burguesia tanto cultiva. As elites tupiniquins, que se divertem em clubes privados, e cujos filhos praticam “esportes” inacessíveis à maioria da população (automobilismo, hipismo, jet-ski, wind-surf e outros do gênero), jamais considerou a prática desportiva um direito inalienável do povo. Nas escolas públicas, base de construção da cidadania, as aulas de Educação Física resumem-se a poucos minutos de ginástica calistênica e outros tantos de jogos coletivos (vôlei, futebol etc.), orientados por tios e tias que não dispõem das mínimas condições de trabalho. Quadras? Esburacadas. Redes? Furadas ou rasgadas. Piscinas? Um sonho tropical... Para não ir muito longe, basta lembrar que Daiane dos Santos, a maior revelação da ginástica olímpica feminina, foi “descoberta” por acaso por uma professora gaúcha, quando fazia suas piruetas numa praça pública de Porto Alegre. Nos países que massificaram o esporte, a captação de “superatletas” para as modalidades de alto rendimento é apenas o corolário de uma política pública cujos frutos são, em primeiro lugar, a elevação da qualidade de vida do povo e a melhoria dos indicadores de saúde, com a conseqüente redução das despesas do Estado no setor. Não importa o regime político ou o grau de progresso econômico, muitas nações já investiram nessa via, dentre as quais China, EUA e Cuba são os casos mais emblemáticos. De fato, era admirável ver nas praças de Pequim milhares de chineses da dita 3ª idade divertindo-se em um jogo de peteca, ou então empenhados em aprender passos de dança ou praticar os movimentos milenares do relaxante tai chi chuan.

As elites tupiniquins, que se divertem em clubes privados, e cujos filhos praticam “esportes” inacessíveis à maioria da população, jamais considerou a prática desportiva um direito inalienável do povo Enquanto isso, cá na terrinha, a grande discussão é o suposto mito de que os brasileiros amarelam na hora da decisão. “Fracassamos porque não logramos suportar pressões”, dizem alguns, inspirados no tombo de Diego Hipólito e na segunda derrota das meninas do futebol diante dos EUA. Teríamos “espírito de vira-lata”, escreveram, sem a menor originalidade, vários jornalistas, para deleite dos que continuam a ganhar milhões às custas do esforço abnegado de alguns heróis das pistas, quadras e piscinas, que lutam contra tudo e contra todos para cumprir sua missão e vocação. A pretensa tese não resiste a qualquer análise mais lúcida. Basta lembrar o êxito do voleibol feminino, que superou o fiasco de 2004 com sobras neste ano: será que elas foram a algum terreiro antes de embarcar para a China? Ou será que, graças ao trabalho árduo de uma equipe técnica composta por 30 profissionais, assim como ao talento de seu técnico e das jogadoras, fizemos o dever de casa, após o duro aprendizado de Atenas? E César Cielo, o fenômeno da piscina, onde esteve na última temporada? Numa universidade do Tio Sam, brother, onde ele foi eleito o melhor nadador universitário dos EUA nos últimos anos. Pode ser que São Jorge ou São Expedito tenham dado uma mãozinha (ou melhor, uma braçada) para o paulista de Santa Bárbara, mas deixemos os santos em paz e cuidemos da vida aqui em Bruzundangas, antes que fanfarrões como Carlos Arthur Nuzman (o mafioso presidente do COB), o “bom-moço” Sérgio Cabral, César Maia e a tchurma de Lulinha Paz & Amor venham nos arrancar os últimos centavos para o projeto Rio-2016... E, antes que me esqueça: para os que ainda acreditam no amarelão do povo, leiam a história de Márcia de Oliveira Jacintho, a mãe que apurou o assassinato de seu filho Hanry, de 16 anos, acusado de ser traficante e morto pela PM numa favela carioca. Depois de seis anos, ela conseguiu levar dois policiais para a prisão. Espírito de vira-lata? Só se for a burguesia, meu caro leitor. Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-americana pela Universidade de La Habana, é autor de Lima Barreto: o rebelde imprescindível (Editora Expressão Popular).

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Marcelo Netto Rodrigues, Luís Brasilino • Subeditora: Tatiana Merlino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Igor Ojeda, Mayrá Lima, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Antonio David, César Sanson, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, Ivan Pinheiro, João Pedro Baresi, Kenarik Boujikian Felippe, Leandro Spezia, Luiz Antonio Magalhães, Luiz Bassegio, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Milton Viário, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Temístocles Marcelos, Valério Arcary, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar: (11) 2131-0800


de 11 a 17 de setembro de 2008

3

brasil

O verdadeiro grito do Ipiranga GRITO DOS EXCLUÍDOS Militantes sociais, trabalhadores, indígenas, negros; todos por “direitos e participação popular” Douglas Mansur/Novo Movimento

Eduardo Sales de Lima de São Paulo (SP) ÀS MARGENS do Ipiranga, no dia 7 de setembro, trabalhadores e estudantes se manifestaram, durante o Grito dos Excluídos 2008, em defesa da “Vida em primeiro lugar, com Direitos e Participação Popular”. Segundo a organização do evento, 10 mil pessoas saíram às 9 horas da Praça da Sé, no centro de São Paulo (SP), rumo ao Monumento do Ipiranga, onde foi realizado um ato político, às 12 horas. A manifestação reuniu diversos partidos políticos, movimentos e organizações sociais. O tom dos discursos das organizações sociais que participaram do evento era o de que os direitos do povo brasileiro ainda são muito vilipendiados: a falta de acesso integral à saúde, à educação e ao transporte de qualidade formam apenas uma parte dos problemas. A questão das dívidas interna e externa e da soberania sobre o petróleo brasileiro pautaram parte dos discursos. João Campos, integrante da coordenação estadual do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), denunciou a opção do governo federal pelo agronegócio, “que enviou R$ 65 milhões aos grandes produtores e que somente R$ 13 milhões foram repassados para fins de agricultura familiar e reforma agrária.”

Terras indígenas

Também presentes no ato do Ipiranga, um grupo de dez indígenas da etnia Wassu Cocal, originários de Alagoas, reforçaram a problemática das homologações de terras indígenas pelo Brasil e reivindicaram maior participação do poder público em relação aos direitos do grupo que reside no Sítio São Francisco, periferia de Guarulhos (SP). “Há muita burocracia para sermos atendidos em hospitais porque não possuímos os documentos da aldeia que provam ao poder público que somos índios”, afirma Alan Wassu Cocal, um dos participantes da manifestação.

Cerca de 10 mil pessoas participaram da marcha, que foi da Praça da Sé até o Monumento do Ipiranga

Apesar de diversas bandeiras que reivindicam os direitos constitucionais dos brasileiros, a atual edição do Grito dos Excluídos dialogou, sobretudo, com a questão eleitoral, tendo em conta que o país vive um ano de eleições municipais. Ao final do ato político, a reportagem conversou com um dos integrantes do coordenação do Grito, Édson Carneiro, o Índio, diretor da Intersindical. “A realidade brasileira só mudará com participação popular”, destacou.

Luta social e eleitoral

Índio afirmou que a esquerda errou no último período, quando “jogou todas as energias na eleição do Lula. Temos que combinar a luta social com a luta eleitoral e política. Não há contradição em fazer isso. A contradição está entre aqueles que querem fazer luta eleitoral ou se utilizam

da luta social para aumentar sua quantidade de votos”. Um dos exemplos da luta social citada por Índio foi a nova ocupação realizada na madrugada do dia 6 por 600 famílias organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), no Jardim Nossa Senhora de Fátima, cidade de Embu das Artes (SP). A ação foi lembrada no Grito por Helena Silvestre, da coordenação do MTST. “Quando todos se juntam, a gente consegue marcar posição para um mundo melhor”, afirma, para concluir que “a defesa da vida é uma luta contra o capitalismo e propriedade privada”. O terreno de 100 mil metros quadrados estava abandonado há mais de 20 anos.

Independência verdadeira As pessoas com deficiência física estavam representadas pela Fraternidade Cris-

Grito dos Excluídos deste ano mobilizou todos os Estados brasileiros, exceto o Acre da Redação

Rio de Janeiro

Contra a criminalização da pobreza e a privatização do petróleo, mais de mil manifes-

Manifestação realizada em Campinas (SP)

Em Brasília (DF), além da diminuição do preço da energia elétrica, a defesa das comunidades indígenas e da área de proteção ambiental foram as principais pautas do ato político. A organização do evento na cidade inovou e deixou à disposição um carro de som para que as pessoas pudessem se manifestar. Cerca de 20 representantes comunitários usaram o microfone do Grito dos Excluídos para expor suas reclamações.

Salvador

Organizado pela Assembléia Popular e Pastorais Sociais, o Grito reuniu cerca de 10 mil pessoas em Salvador (BA). Os manifestantes caminharam pela cidade divididos em blocos: sem terra, estudan-

tes, professores e em defesa da saúde. Em destaque, a luta pelo Rio São Francisco e pela construção de um projeto popular para o Brasil. Além disso, houve uma coleta de assinaturas pela “Campanha Ficha Limpa para os Candidatos”.

Manaus

Em Manaus (AM), numa caminhada do centro da cidade para a avenida Rio Negro, mais de 2 mil pessoas se manifestaram pela universalização dos direitos sociais, pela luta contra a corrupção, a favor do meio ambiente e da moradia, pela participação popular e pela demarcação das terras indígenas.

Porto Alegre

O queniano Denis Moenda, que passeava no Museu do Ipiranga no momento do ato, ilustra a análise do economista. Ele afirmou que os povos, tanto no Brasil como no Quênia, ainda estão lutando por sua independência. “Os desafios que encontro no Quênia são os mesmos que encontramos aqui: injustiça social e corrupção”. Moenda lembrou da miséria que tanto em seu país como no Brasil cresce cada vez mais, assim como o número de moradores de rua. A diferença, segundo ele, é que em Nairóbi as crianças ocupam mais as ruas e, no Brasil, são famílias inteiras. Na metade dos cerca de 200 metros que separam o Museu ao Monumento do Ipiran-

O que mais chama a atenção é o caráter nacional da iniciativa que envolve movimentos e pastorais sociais, entidades e diversas organizações populares Pe. Alfredo J. Gonçalves

Brasília

Brasil e Quênia

ga, onde ocorria o ato político, a reportagem passou por duas “estátuas humanas” que encenavam dois “menores abandonados”. Enquanto Moenda destaca a intensa presença das famílias em situação de rua em São Paulo, Nani Sampaio, uma das “estátuas”, salientou que o primeiro passo para que haja a verdadeira independência no Brasil é “cuidar dos nossos menores abandonados”. A manifestação terminou por volta das 15 horas com a apresentação do grupo latino-americano Canto Libre. Além das organizações sociais citadas, estavam presentes no ato representantes da Educafro, do Serviço Franciscano de Solidariedade (Sefras), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), organizações da juventude, partidos políticos e organizações que representam os direitos das pessoas em situação de rua.

Onde, como e quem? João Zinclar

tantes de organizações sociais e sindicatos se reuniram na cidade do Rio de Janeiro (RJ). A bateria da escola do Complexo de Favelas da Maré ainda animou uma homenagem a Zumbi dos Palmares.

não corresponde com a realidade de uma família de quatro membros com renda mensal de R$ 1.064”.

ARTIGO

Manifestações expressam diversidade de bandeiras

Ocorreu, no dia 7, a 14ª edição de uma das manifestações políticas e populares mais importantes do país, o Grito dos Excluídos. Com o lema “Vida em primeiro lugar, com Direitos e Participação Popular”, o evento, que mobilizou todos os Estados brasileiros, exceto o Acre e o Distrito Federal, teve nesta edição a participação de inúmeras organizações sociais reivindicando direitos constitucionais e maior participação popular na tomada de decisão na esfera pública. Para reivindicar terra, moradia, justiça e protestar contra a violência e em defesa do território dos povos indígenas e quilombolas, 150 mil romeiros compareceram nas manifestações do Grito e da 21ª Romaria dos Trabalhadores, na cidade de Aparecida do Norte (SP). Na capital paulista, foram 10 mil pessoas que caminharam da Catedral da Sé rumo ao Monumento do Ipiranga. Na cidade também ocorreu a 11ª Romaria a pé, já iniciada no dia 5.

tã de Pessoas com Deficiência (FCD). Michelle Vieira, conselheira da entidade, afirmou que a verdadeira independência é “poder participar, de fato, de espaços em que qualquer pessoa participa; ser contratado pelo potencial, não só pela Lei das Cotas. O pior são as barreiras impostas pelo preconceito”. As organizações presentes no ato também alertaram para que os brasileiros não se enganassem com o discurso otimista da mídia corporativa e do governo federal em relação à situação social no país, que defende que a classe média já é maioria no Brasil. Como o economista da Unicamp Waldir Quadros afirmou na edição 285 do Brasil de Fato, “a definição de classe média está associada a um conforto financeiro em que o indivíduo pode desfrutar de serviços de qualidade, o que

Denunciando a criminalização dos movimentos sociais e contra a corrupção instalada no governo Yeda Crusius (PSDB), o Grito dos Excluídos, em ato conjunto com a 13ª Marcha dos Sem, ocorreu no dia 5 em Porto Alegre (RS). O ato foi encerrado em frente ao Palácio Piratini, na Praça Matriz.

A 14ª edição do Grito dos Excluídos, com o lema “Vida em primeiro lugar, Direitos e Participação Popular”, mobilizou no dia 7 dezenas de milhares de pessoas em todo território brasileiro. O que mais chama a atenção é o caráter nacional da iniciativa que, desde 1995, envolve movimentos e pastorais sociais, entidades e diversas organizações populares. Embora as atividades mais destacadas do Grito tenham ocorrido nas capitais dos Estados e no Santuário de Aparecida, interior de São Paulo, a cada ano que passa o movimento se estende a novos municípios, dioceses, localidades, no campo e na cidade. As manifestações refletem uma pluralidade rica e variada de eventos – romarias, caminhadas, celebrações, atos públicos, entre outros –, formando uma ampla rede capilar marcada pela indignação e pela crítica, mas, ao mesmo tempo, pela ação propositiva. São gritos que ganham vida e saem às ruas e praças. Explícitos uns, silenciosos outros, brotam do chão de um país onde os contrastes seguem gritantes. Como lembra o tema deste ano, está em jogo a universalização à população brasileira dos direitos básicos, tais como terra, trabalho, moradia, saúde, salário justo, lazer, transporte público, enfim,

por um lado, justiça e paz para todos e, por outro, combate a todo tipo de violência. Três destaques desta 14ª edição do Grito. Primeiro, num painel exposto no Santuário de Aparecida, a população foi convidada a manifestar seus gritos pessoais. Predominou a indignação frente à corrupção na política e nos poderes públicos. Daí a importância de continuar com a “Campanha Ficha Limpa para os Candidatos”, em vista das eleições municipais deste ano. Mas não basta! Além desses gritos declarados, há um grito mudo caracterizado pela apatia, o desestímulo e o descrédito popular pelo processo eleitoral que se aproxima. A própria democracia formal e representativa encontra-se enferma. Os sintomas da doença são graves e bem visíveis. É necessário avançar para formas de participação popular efetiva, a partir das bases, se queremos salvar a democracia sem qualquer tipo de adjetivação. Em segundo lugar, o Grito vem incorporando cada vez mais a preocupação pelo aquecimento global e pela necessidade de preservar o meio ambiente, buscando um desenvolvimento e uma civilização sustentáveis, quer do ponto de vista ecológico, quer do ponto de vista social e cultural. Como exemplo disso, podemos citar as mobilizações em defesa do Rio São Francis-

co. E podemos citar também a desconfiança frente à euforia manifestada pelo governo quanto à descoberta das novas reservas de petróleo, o chamado pré-sal. No contexto do aquecimento global, será lícito comemorar a perspectiva da queima de mais combustível fóssil para o ar das próximas gerações, ou investir em fontes de energia alternativa, sem comprometer por outro lado a produção de alimentos? Além disso, para quem será destinada essa riqueza? O discurso de que ela poderá servir ao programa de educação, por mais que respire boa vontade, parece não resistir facilmente às pressões dos senhores do petróleo, nacionais e internacionais! Por fim, é sempre oportuno ater-se à espinha dorsal do Grito: a vida em primeiro lugar. Esse tema acompanha as manifestações desde o início. Se a exclusão social, a violência e a morte ainda fazem parte do cotidiano de tantos brasileiros e brasileiras, o grito pela vida não pode parar. Ele está na raiz de todos os gritos, simbolizando, simultaneamente, um não ao modelo econômico neoliberal concentrador e excludente e um sim à luta por uma economia solidária e participativa, na qual a vida esteja acima do lucro e do mercado! Padre Alfredo J. Gonçalves é assessor das pastorais sociais.


4

de 11 a 17 de setembro de 2008

brasil

Em defesa do petróleo e da soberania Sindipetro

ENTREVISTA Sindicalista fala sobre as lutas convocadas pelo Fórum Nacional contra a Privatização do Petróleo e Gás marcadas para os dias 17, 18 e 19 Fátima Regina Lacerda do Rio de Janeiro (RJ) COMO SECRETÁRIO geral do Sindicato dos Petroleiros do Estado do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ), Emanuel Cancella está à frente de uma luta de resistência contra a entrega do nosso petróleo e gás ao capital privado, há mais de 15 anos. Em 1996, então diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP), com apoio do MST, participou de protesto contra a quebra do monopólio estatal do petróleo ocupando o salão verde do Congresso Nacional. Em novembro de 2006, a Frente Nacional dos Petroleiros (FNP), da qual o Sindipetro-RJ faz parte, ocupou por 13 dias a Petrobras, contra realização do 8º leilão. O leilão foi suspenso pela justiça e depois cancelado pelo governo. Em novembro do ano passado, enquanto a Agência Nacional de Petróleo (ANP) promovia a 9ª Rodada de Leilão, o Sindipetro-RJ comandava, ao lado de outras entidades – dentre elas o MST, CUT e Conlutas – uma ocupação da sede da ANP. Em março, cerca de 60 entidades instituíram o Fórum Nacional contra a Privatização do Petróleo e Gás, durante cerimônia na Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Em junho, um ato-show no Teatro do MEC, com a presença de vários artistas, lançou a campanha para a sociedade. O sonho é reeditar uma campanha vitoriosa, como foi “O Petróleo é Nosso”, nas décadas de 1940 e 1950. É uma corrida contra o tempo. Nos dias 17, 18 e 19 de

setembro, os movimentos social e sindical, reunidos em torno do Fórum, fazem uma nova ofensiva, preparando uma grande mobilização, dispostos a vencer esse embate contra os oligopólios do setor do petróleo e seus aliados junto à burguesa nacional. Em entrevista ao Brasil de Fato, Cancella conta como os trabalhadores estão se organizando. Brasil de Fato - Por que reeditar a campanha “O Petróleo é Nosso”, agora rebatizada como “O Petróleo tem que ser nosso”? Emanuel Cancella – Na campanha “O petróleo é Nosso”, tudo não passava de um sonho, o petróleo não existia. Pessoas como Monteiro Lobato, Barbosa Lima Sobrinho e Maria Augusta Tibiriçá, junto a milhares de brasileiros, se organizaram e foram às ruas na maior campanha cívica que este país já assistiu. Culminou com o presidente Getúlio Vargas criando a Petrobras, o movimento queria mais e Vargas cedeu, sendo instituído o monopólio estatal do petróleo. Como se contrapor ao pensamento único que domina grande parte da mídia? “A mídia é o partido do grande capital”, dizia Gramsci. O grande capital está representado pelas transnacionais do petróleo, as mesmas que promovem a guerra no Iraque e no Afeganistão e golpes como na Venezuela. No Brasil, a lei nº 9.478/97 representa integralmente os inte-

Manifestantes ocuparam a sede da Agência Nacional de Petróleo em novembro de 2007

resses das transnacionais. Criada por FHC, até agora Lula não modificou essa lei. Os trabalhadores, representados sobretudo pelos movimentos sociais e sindicais, têm projeto para o país, no que diz respeito à questão do petróleo? Lógico. Existem inúmeras propostas. Existem aqueles que querem o cancelamento dos leilões da ANP e a revisão de todos os já realizados; há os que querem a mudança no marco regulatório, e não rever o que já foi feito, respeitando os contratos; os que querem o aumento na Participação Especial, imposto cobrado pelo barril de petróleo, pois, no mundo, a média é de 84% e no Brasil, 45%. Os que acham que criar uma empresa exclusiva para administrar o pré-sal na verdade é lesar a Petrobras, empre-

sa que investiu e desenvolveu tecnologia que possibilitou a descoberta. Há os que querem simplesmente a mudança nos royalties. Para nós, da coordenação do Fórum Nacional contra a Privatização do nosso Petróleo e Gás, todos contribuem para a soberania nacional. O que vai determinar a prevalência no setor, não temos dúvidas, é a mobilização. Você acredita que o presidente Lula está do lado do povo brasileiro ou dos empresários? O presidente Lula que ponha suas barbas de molho, porque a história vai cobrar caro qualquer vacilação ou omissão na defesa da nossa soberania. Collor é um exemplo: teve o apoio de toda a elite brasileira, a mesma que depois, sem nenhuma autocrítica, exigiu seu impeachment. Lula goza de grande prestígio junto ao povo

brasileiro e tem pretensões políticas futuras. O melhor caminho para Lula é estar ao lado dos trabalhadores. Como deveria ser o debate sobre o novo marco regulatório? Amplo, com representantes de toda a sociedade. Nós, do Fórum, estamos dispostos a continuar chamando a mobilização, mesmo diante das ameaças da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e da Polícia Federal. Vamos estar ao lado do interesse do povo brasileiro. Aliás, vários brasileiros foram presos e até morreram na luta do “O Petróleo é Nosso”. Nós vamos retomar essa bandeira. Nesta questão, gostaríamos que o governo ouvisse a Associação dos Profissionais da Petrobras (Aepet). Nesse debate, nos sentimos bastante representados pelas posições da Aepet.

Como enfrentar as atuais batalhas, com perspectivas de vitórias para a classe trabalhadora? Vamos fazer a nossa parte. Ninguém imaginava que a “Diretas Já” iria deslanchar, depois de uma modesta mobilização em Curitiba. Vamos tentar aflorar o orgulho nacional. As transnacionais já estão de posse de metade das áreas com potencial petrolífero brasileiro. A maioria está ligada aos mesmos países que, no tempo do Brasil-colônia, levaram nosso ouro e prata. Agora querem levar nosso petróleo e gás: Portugal, através da (Petrogal); Espanha (Repsol); Inglaterra (BG Group); Holanda/Inglaterra (Shell). Que recado você daria para aqueles que estão dispostos a contribuir nessa luta? Nos dias 17, 18 e 19 de setembro vamos promover atos em frente à sede da Petrobras, no Rio de Janeiro. Gostaríamos que o movimento social reproduzisse em seus Estados nossa mobilização, para mostrar ao governo Lula que estamos atentos à questão do petróleo e de olho na Comissão Interministerial que está discutindo a lei do petróleo. Samuel Tosta

Quem é Emanuel Cancella é secretário-geral do Sindicato dos Petroleiros do Estado do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ) e ex-diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP).

HOMENAGEM

Morre Fausto Wolff, um oásis na imprensa diária Allan Sieber e Leonardo Rodrigues

Mário Augusto Jakobskind do Rio de Janeiro (RJ) Ao som da Internacional, de Carinhoso e de Cidade Maravilhosa, o hino do Rio de Janeiro, executado por dois integrantes da Banda de Ipanema, os amigos se despediram do escritor e jornalista Fausto Wolff, que morreu na noite do dia 5, vítima de disfunção múltipla dos órgãos. Seu corpo foi cremado no cemitério do Caju, no Rio de Janeiro. Aos 68 anos, Fausto era considerado um oásis na imprensa diária brasileira, com a sua coluna no Jornal do Brasil, onde por mais de dois anos conseguiu romper com a mesmice, o senso comum e o pensamento único. Não poucas vezes, segundo o jornalista Sergio Caldieri, representamte do Comitê Palestina-Viva Intifada, o Jornal do Brasil foi pressionado para demitir Fausto Wolff, sobretudo por entidades da colônia judaica, em função do seu posicionamento favorável à causa palestina. O empresário Nelson Tanure, proprietário do periódico, presente ao velório, confirmou o que disse Caldieri. Irreverente e defensor incondicional do ideário socialista, Fausto começou cedo no jornalismo. Aos 14 anos, em Porto Alegre, já circulava nas redações de jornais, e em pouquíssimo tempo tornou-se repórter policial, dos mais brilhantes, por sinal, segundo testemunhas da época. De família pobre, Faustin Von Wolffenbüttel, filho de imigrante alemão, deixou Santo Ângelo, cidade onde nasceu, indo trabalhar na capital gaúcha. A sua opção pelo socialismo, segundo o próprio Fausto, ocorreu já naquela época, quando constatou na própria pele como os pobres eram discriminados pela elite bem nascida. Aos 18 anos, foi para o Rio de Janeiro, passando a trabalhar em vários jornais e canais de televisão. Depois do golpe de 1964, circulou pela Europa, onde tornou-se profes-

sor de literatura brasileira, em Nápoles, na Itália, e em Copenhague, na Dinamarca. Fausto esteve em Saigon, então capital do Vietnã do Sul, cobrindo a guerra do Vietnã para uma agência de notícias. Em depoimento no site Youtube, Fausto, com toda a irreverência que lhe caracterizava, assinala que circulava pela noite de Saigon com uma plaqueta que o identificava como jornalista brasileiro, para que “não pairasse nenhuma dúvida”. Ao retornar ao Brasil, participou ativamente de O Pasquim, tornando-se um dos seus editores, juntamente com Jaguar e Ziraldo. Ricky Gooddwin, secretário de redação da publicação, recorda uma passagem pouco divulgada de Fausto Wolff pelo jornal. “Fausto tinha 15% das ações de O Pasquim. Ele se empenhou diante da diretoria no sentido de que ações fossem dadas também aos anônimos que lá trabalhavam, desde o próprio secretário de redação ao office-boy, passando pela faxineira e copeira. Como os diretores não estavam a favor da proposta, Fausto decidiu dividir os seus 15% entre todos os anônimos que trabalhavam no jor-

nal”, lembra Ricky. “No final das contas, ninguém teve lucro, o jornal acabou nos anos de 1980, mas o Fausto deu prova concreta de sua generosidade”, completa. Autor de mais de 20 livros, entre os quais O Ogre e o Passarinho, da série Sinal Aberto, Olympia, premiado em concurso promovido pela Brasil Telecom; A milésima segunda noite e o romance À mão esquerda, que recebeu o prêmio Prêmio Jabuti. De humor refinado, Fausto Wolff muitas vezes surpreendia, como aconteceu numa festa de fim de ano promovida pela Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira do Rio de Janeiro (ACIE). Ele, que era um dos indicados para personalidade do jornalismo em 2006, pegou o microfone e cantou integralmente a letra da Internacional. Junto ao caixão de Fausto Wolff, podiam ser vistas uma camisa da Banda de Ipanema, da qual ele chegou a ser um dos padrinhos, uma bandeira do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e do PDT, partido pelo qual Fausto Wolff concorreu duas vezes a deputado federal.


de 11 a 17 de setembro de 2008

5

brasil Reprodução

Roosewelt Pinheiro/ABr

Reprodução

Roosewelt Pinheiro/ABr

Exceção no quadro político nacional, Porto Alegre (RS) possui quatro candidatas à prefeitura: Manuela D’Ávila (PCdoB), Luciana Genro (PSOL), Vera Guasso (PSTU) e Maria do Rosário (PT)

Pesquisa mostra que as mulheres têm pouco espaço no cenário eleitoral POLÍTICA Conservadorismo machista, falta de incentivo e investimentos são as causas da ausência da mulher nas eleições Michelle Amaral da Redação MESMO SENDO maioria no eleitorado brasileiro – cerca de 51% –, as mulheres têm baixa participação na cena política nacional: apenas 21,33% dos candidatos às próximas eleições são do sexo feminino. Os dados foram apresentados em um estudo feito pela Secretaria Especial de Política para as Mulheres (SEPM), o qual também revela que nenhum partido cumpriu a cota mínima de 30% de mulheres no total de candidaturas para as câmaras municipais, exigência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para as prefeituras, todos os Estados da federação também apresentam índices baixos de participação feminina. Apenas em Porto Alegre (RS), onde há quatro candidatos de cada sexo concorrendo, a cota foi superada. De acordo com especialistas, o baixo nível de participação das mulheres na política brasileira é resultado de questões culturais e socioeconômicas, tais como a idéia de que o papel da mulher é ser cuidadora do lar, do marido e dos filhos. Ainda que trabalhe fora ou realize outras atividades, ela deve se dedicar aos trabalhos domésticos.

Visão machista

Segundo Sônia Malheiros Miguel, subsecretária de Articulação Institucional da SEPM, apesar da mulher ter assumido papéis de visibilidade nas áreas da educação e do trabalho, existe a cultura de que o espaço político não é legítimo para ela. Para ela, trata-se de uma “visão machista e conservadora da sociedade brasileira”, em que o meio público é reservado ao homem, enquanto a mulher deve ficar em casa. Essa mesma avaliação é compartilhada pela cientista política e consultora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) Patrícia Rangel, que acredita que o sistema eleitoral brasileiro é excludente, não somente para as mulheres, como também para as minorias. Ela afirma que a baixa participação feminina não se deve à falta de vontade das mulheres, mas sim às barreiras impostas pelo sistema político-eleitoral brasileiro. “Trata-se de um sistema branco e masculino”, completa Rangel. Outro aspecto tido como preponderante na baixa participação da mulher na política é a falta de investimento em políticas de incentivos, tanto por parte do governo quanto dos partidos. Sônia Malheiros explica que, na retórica, se chama as mulheres à política, mas, na prática, há somente investimentos para candidaturas masculinas. “Nos últimos anos, a eleição passou a ser disputada por quem tem mais dinheiro, não

são mais as idéias que contam. Nesse jogo, as mulheres dificilmente ganham”, observa Laisy Morière, secretária nacional de Mulheres do Partido dos Trabalhadores (PT).

Desigualdades persistem

O cenário político é um espaço significativo de decisão e, historicamente, é dominado pelos homens. A primeira eleitora, não só do Brasil como da América Latina, foi Celina Guimarães Vianna, que teve seu nome incluído na lista de eleitores do Rio Grande do Norte, em 1927. Contudo, o direito ao voto só foi conquistado por todas as mulheres em 24 de fevereiro de 1932, quando foi promulgado o Código Eleitoral que igualava a mulher aos homens: o eleitor era descrito no código como “o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo...”.

A visão conservadora de mundo de que o espaço público é naturalmente dos homens, e à mulher é reservado o espaço da casa, ainda persiste em nossa sociedade, de acordo com Sônia Malheiros

De lá para cá, a mulher alcançou espaços de maior visibilidade na sociedade brasileira. A conquista do direito ao voto, o ingresso ao mercado de trabalho e o acesso aos estudos são passos importantes na afirmação da igualdade entre homens e mulheres. Contudo, a visão conservadora de mundo de que o espaço público é naturalmente dos homens, e à mulher é reservado o espaço da casa, ainda persiste em nossa sociedade, de acordo com Sônia Malheiros. “No trabalho, ocupamos todos os espaços. Já temos maior escolaridade do que os homens”, conta Maria Amélia Teles, da organização não-governamental União de Mulheres do Município de São Paulo. Mas, apesar dessas conquistas, ela ressalta que a igualdade plena entre gêneros não foi alcançada. “A desigualdade nas relações de gênero ainda prevalece em todos espaços e instituições. Nossos salários continuam menores. Isso afeta diretamente as relações de poder. Ainda somos menos empoderadas do que os homens”, lamenta.

Mudança de mentalidade Apesar disso, Maria Amélia aponta que não se pode negar que, entre muitos, a igualdade de direitos entre mulheres e homens já é reconhecida e que cada vez mais a mulher tem conseguido que se façam leis e políticas públicas para a defesa dessa eqüidade. Porém, “a mudança de mentalidade se faz lentamente, e mais: os homens (nem todos) não querem perder seus privilégios”, pondera. Para a feminista, a sub-representação da mulher é fruto do sistema capitalista, que lucra com a desigualdade de gênero. Ela afirma que as mulheres são sobrecarregadas de tarefas, que em maior parte não trazem custos ao sistema. “As mulheres fazem muitos trabalhos inteiramente gratuitos, como as tarefas domésticas, os cuidados com crianças, idosos e doentes. Somos nós que realizamos dois terços do trabalho mundial e grande parte deste não custa nada para os capitalistas”, analisa Maria Amélia. “As mulheres ainda são as cuidadoras da família, fica difícil sair de casa para participar. O Estado e a sociedade precisam assumir os cuidados com a família. A divisão sexual do trabalho doméstico está no campo privado, enquanto não houver uma intervenção nesse processo, a mulher continuará em casa”, enfatiza Laisy Moriére, da secretaria de mulheres do PT.

Política de cotas, uma solução à desigualdade? Não há sanções para os partidos que não cumprem a lei da reserva de vagas da Redação A legislação eleitoral brasileira determina que todos os partidos mantenham o mínimo de 30% de candidatas mulheres nas eleições. Porém, conforme dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nas eleições municipais deste ano, a média de candidaturas femininas é de 21% em todo o país. A região que apresentou maior número de mulheres foi a Norte (22,05%) e a que registrou menor número foi a Sul (20,03%). De acordo com Sônia Malheiros Miguel, subsecretária de Articulação Institucional da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SEPM), não há sanções para os partidos que não cumprem a lei de cotas

e, assim, falta comprometimento em se dirigir políticas de incentivo voltadas às mulheres. Ela explica que a Secretaria trabalha propostas de revisão da lei, com imposição de responsabilização aos partidos que não cumprirem as regras. “Existe a proposta de se rediscutir a legislação de cotas, prevendo sanções como forma de obrigar os partidos políticos a olharem para isso com efetividade”, pontua. Laisy Morière, secretária nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), acredita que a política de cotas é importante, pois garante a participação feminina. Ela explica que, no PT, a lei de cotas nas candidaturas também é utilizada na direção do partido. “O partido tem cotas nas direções de no mínimo 30% de mulheres. É obrigatório cumprir”, diz. Porém, ela afirma que alguns Estados ainda enfrentam dificuldades em seguir o estatuto. Segundo Laisy, os partidos de maneira geral só lembram das mulheres na época das eleições, por causa da lei. O investimento praticamente não existe em outros

momentos, explica. Por esse motivo, ela defende que se destine um percentual do fundo partidário para realizar políticas para as mulheres nos partidos. “O país precisa fazer uma reforma política de verdade para aumentar a participação das mulheres. Lista partidária pré-ordenada, financiamento público de campanha, percentual do fundo partidário para os partidos investirem na participação feminina”, analisa. Patrícia Rangel, cientista política e consultora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), defende que a aplicação de cotas no país deveria seguir o modelo de outros países, como é o caso da Argentina. Ela explica que os eleitores argentinos não votam nos candidatos, e sim nos partidos que, por sua vez, mantém uma lista de candidatos. A eleição respeita a ordem das listas, que obedecem o percentual mínimo de 30%. As mulheres aparecem no topo das listas, dessa forma se garante a participação feminina em todas as instâncias do poder. (MA)

Tripla jornada

Como resultado, a mulher que conquista espaço no mercado de trabalho tem de realizar uma dupla jornada. “A mulher é responsável pelo cuidado do lar e, se trabalha, acaba fazendo uma jornada dupla de trabalho, no serviço e depois em casa”, esclarece Patrícia Rangel, que acredita que, ao se engajar na política, a mulher é submetida a uma jornada tripla de trabalho. Para garantir uma plena participação das mulheres, é necessário que se mude a lógica do sistema político, econômico e social, acredita Maria Amélia. “A política, tal qual está concebida, está distante da vida da maioria das mulheres. Quem vai se responsabilizar pelas crianças se as reuniões dos partidos políticos terminam tarde da noite?”, questiona. Os abusos, como o fato de que, no Brasil, a cada 15 segundos, uma mulher é espancada por seu companheiro ou ex, também são barreiras à realização de política por parte das mulheres. “Há necessidade de se fazer uma inversão da agenda política, priorizando as questões das mulheres. Assim garante-se mais eqüidade na família, na comunidade, no trabalho e na política, e as mulheres poderão disputar espaços políticos de maneira mais justa e equilibrada, sem tanto desgaste”, enfatiza Maria Amélia.

A defesa dos direitos As conquistas de gênero alcançadas são mérito dos movimentos feministas da década de 1970 da Redação As mulheres têm que fazer política para defender e denunciar as violações de seus direitos, mas a sociedade como um todo também deve assumir “a bandeira pela igualdade de direitos, de oportunidades e de condições”. A avaliação é de Maria Amélia Teles, da organização não-governamental União de Mulheres do Município de São Paulo. Para ela, as conquistas de gênero alcançadas são de mérito dos movimentos feministas da década de 1970, que lutaram contra a ditadura militar, pelas diretas e pela igualdade de direitos entre mulheres e homens na Constituição. “Foram as mulheres que denunciaram e mostraram seus hematomas adquiridos com a violência doméstica e familiar. Se não colocarmos a boca no trombo-

ne, não há mudanças, não há como enfrentar violações e abusos”, enfatiza. Maria Amélia explica que, de acordo com estudos em torno do tema, quanto mais se melhora a vida das mulheres, mais se ganha na vida da comunidade. “Quando se defende as mulheres, se defende toda a humanidade. As mulheres são metade da humanidade e mães da outra metade”, esclarece. Segundo Laisy Moriére, secretária nacional do PT, para se garantir a defesa dos direitos da mulher, é importante que elas estejam onde se aprovam as leis. “É diferente articular com os parlamentares e ser a parlamentar com acesso a toda discussão, poder intervir diretamente”, pontua. Dentre as mulheres que exercem papéis no cenário político atual, Maria Amélia considera favorável suas atuações em defesa dos direi-

tos da mulher. Porém, Laisy lembra que estas enfrentam ainda muitas dificuldades frente à posição conservadora de muitos homens. “Na política, a afirmação do machismo é muito forte. Se acompanhamos as sessões das casas legislativas, fica fácil constatar a truculência verbal em relação às mulheres. Até no Senado, quando alguns têm de fazer o debate político com uma mulher, partem para a baixaria”, lamenta. Sônia Malheiros Miguel, subsecretária de Articulação Institucional da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SEPM), ressalta que não basta ser mulher para se fazer uma boa política, pois ela não é naturalmente melhor do que o homem. Segundo Sônia, o que deve ser feito é trabalhar pela igualdade como valor humano, não pela disputa de gênero. (MA)


6

de 11 a 17 de setembro de 2008

brasil www.brasildefato.com.br

Fernando Cardoso/APEOESP

saiu na agência Referendo constitucional O presidente boliviano Evo Morales enviou ao Congresso Nacional, no dia 6, um projeto de lei que convoca os referendos sobre a nova Constituição do país, aprovada em dezembro, e que irá decidir sobre um artigo do texto que discute se uma pessoa poderá ter, no máximo, 5 mil ou 10 mil hectares de terra. A medida de Evo se deu após a Corte Nacional Eleitoral (CNE) anular, no dia 1º, as consultas que haviam sido marcadas para o dia 7 de dezembro, através de um decreto supremo emitido pelo mandatário boliviano. A justificativa era, justamente, que a convocatória deveria ser realizada por meio de uma lei parlamentar. Privatização de aeroportos Em São Paulo, professores protestam contra o governo tucano

Pela implantação do Piso Nacional, magistério público pára em todo o país EDUCAÇÃO Com a palavra de ordem “O Piso é lei. Faça Valer!”, trabalhadores em educação paralisam atividades dia 16 Leonardo Wexell Severo de São Paulo (SP) APÓS QUASE três décadas de luta e mobilizações, os trabalhadores em educação garantiram que o Congresso aprovasse e o presidente Lula sancionasse, no dia 16 de julho, o Piso Salarial Nacional Profissional do magistério público da educação básica. A fim de garantir a imediata implantação da estratégica medida em prol da escola pública e da valorização dos profissionais que nela atuam, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) convocou para o dia

16 de setembro uma paralisação com o mote “O Piso é lei. Faça valer!”. Os cerca de três milhões de professores e funcionários do ensino básico em todo o país, a comunidade escolar e a sociedade estão sendo convocados a se mobilizar contra a reação privatista capitaneada pelos governos tucanos (PSDB) de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Inconformados com a prioridade dada à educação pública, os secretários da pasta nesses três Estados – respectivamente o 1º, o 2º e o 4º de maior arrecadação – têm se pronunciado veementemente contra a lei, articulando prefeitos e contando com o patrocínio da mídia servil para a sua campanha de desinformação da opinião pública. “A Lei estabeleceu o valor mínimo de R$ 950 para jornada de até 40 horas semanais. Ao se manifestarem contra até mesmo este valor, que ainda está bem abaixo do que defendemos, os governos do PSDB expõem sua visão elitista, propondo uma escola pobre para o pobre. Dessa forma, os filhos dos trabalhadores continuariam sendo

mão-de-obra barata, desqualificada e explorada”, denuncia o presidente da CNTE, Roberto Franklin de Leão. O estabelecimento do Piso Nacional, enfatiza, é alavanca para a concretização de uma bandeira histórica da categoria: o mínimo do Dieese, atualmente em R$ 2.025,99. “Pela nova Lei, gratificações e abonos não poderão ser computados na composição do Piso, para que não seja desvirtuado o seu significado, nem haja arrocho nas aposentadorias, cuja recomposição dos valores é mais do que necessária”, esclarece. A medida também sinaliza para uma evolução funcional, para a aprovação de um Plano de Cargos e Salários. “Outra importante conquista é que a nova lei determina a reserva de 33% da carga horária dos professores para atividades extraclasses, como a preparação de aulas, pesquisas, correção de trabalhos e atendimento aos alunos”, comemora a presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Maria Izabel Azevedo Noronha. Para colocá-la

Tucanos e demos tentam sabotar Piso “Ao ameaçarem argüir a inconstitucionalidade do artigo que trata sobre a horaatividade, esses secretários estaduais buscam erguer obstáculos à melhoria da qualidade do ensino público, fazendo abertamente o jogo dos donos de escola. Daí a importância da unidade de ação dos professores, pais e alunos do Brasil inteiro, e da necessidade de seguirmos ampliando apoios no conjunto das categorias e na sociedade, para fazer valer o que foi debatido no Congresso Nacional ao longo de mais de um ano”, sublinha o presidente da CNTE, Roberto Franklin de Leão. Historicamente, os trabalhadores em educação têm se mobilizado para garantir uma escola pública de qualidade, instrumento indispensável para o desenvolvimento nacional, que necessita cada vez mais do conhecimento técnico-científico para impulsionar o progresso. Sem investir na capacitação da sua juventude, sem qualificar o ensino, o país não só compromete seu presente, como o seu futuro. Nos programas e propagandas eleitorais de todos os partidos, a educação é sempre prioridade. Na prática, como bem demonstram os desgovernos de José Serra, Aécio Neves e Yeda Crusius, é bem diferente. Em São Paulo, o sucateamento do ensino é visível, afirma Ana Letícia Oliveira, presidente da União Municipal dos Estudantes (UMES), denunciando que “tucanos e demos (DEM) foram os responsáveis pelo fechamento de mais de 300 escolas e milhares de salas de aula, sem falar nos inúmeros prejuízos causados pela falta de material didático e pela desastrosa aprovação automática”. A questão é extremamente séria e grave, reforça a Apeoesp, lembrando que 30 mil professores foram demitidos ao longo de 13 anos de desmanche promovido pelos sucessivos governos tucanos. Hoje, o professor do Estado mais rico da Federação rece-

be R$ 785,50 para uma jornada de 24 horas, com cerca de 1/6 (16%) destinados a atividades extraclasse. “O governo Serra persiste em tratar a educação pública com viés administrativo e contábil, considerando-a como gasto, e não como investimento”, condena Maria Izabel. Em São Paulo, a categoria realizou recentemente uma greve de 22 dias em protesto contra várias medidas arbitrárias que impõem dificuldades ainda maiores ao exercício profissional. De acordo com Rejane de Oliveira, presidente do Centro dos Professores do Rio Grande do Sul (Cpers-Sindicato), o piso básico no Estado é de R$ 288,60 para uma jornada de 20 horas semanais. Como o valor não pode ser inferior ao salário mínimo regional, de R$ 477,40, o governo estadual pratica a chamada “operação completivo salarial”. “Mas não insere nenhum benefício, tudo é calculado em cima dos R$ 288,60”, revela, lembrando que o descaso se acentua já que não repercute nas aposentadorias. Rejane denuncia que a estratégia do governo Yeda é a privatização da escola pública, pois corta recursos da educação no Orçamento, fecha bibliotecas e laboratórios e lota as salas de aula. Entre outros abusos, está a multisseriação, a qual junta várias séries numa mesma sala de aula, com uma mesma professora, prejudicando o processo de ensino-aprendizagem. “Foram fechadas 115 escolas, havendo uma redução de 7.500 turmas”, protesta Rejane, alertando também para a demissão de professores contratados. Para completar, acrescenta, depois de um ano investindo no sucateamento da educação, o governo gaúcho implanta um sistema para “avaliar” o desempenho dos educandos. “A expectativa é que os resultados demonstrem a queda na qualidade do ensino, para justificar o processo de privatização”, enfatiza. (LWS)

em prática, os governos precisarão abrir concursos públicos, em vez de sobrecarregar os profissionais, como é feito na atualidade. Conforme dados do Ministério da Educação, ao estabelecer R$ 950 como valor mínimo, o Piso beneficiará cerca de 60% dos trabalhadores em educação, além de amenizar as disparidades existentes no país com relação ao salário dos educadores, cujas variações chegam a até 400%. A legislação garante ainda um aporte extra de recursos federais a quem comprovar que ele se faz necessário, ao contrário do que diz o tucanato, que tenta envolver o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) para que entre com Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF). A alegação do PSDB é de que a medida mergulharia as administrações mais pobres na insolvência. A própria lei desmonta o sofisma, reduzindo seus detratores ao que são: instrumentos dos tubarões do ensino, os únicos prejudicados com o fortalecimento da escola pública.

Minas em greve contra o desgoverno Aécio Em Minas Gerais, “pela implantação do Piso e contra as políticas neoliberais do desgoverno Aécio”, o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (SindUTE) comanda uma greve desde o dia 28 de agosto. No Estado, a jornada da categoria é de 24 horas, com 1/4 do período (25%) destinada a atividades extraclasse. “Considerando que Minas é o segundo Estado em arrecadação, reivindicamos a implantação do Piso de R$ 950 para esta jornada, valor que, defendemos, seja ampliado também para os funcionários”, declarou Maria Inez Camargos, denunciando que “praticamente todos os pisos da educação no Estado giram em torno de R$ 330”. “Somos contra a política de abono e de gratificação por produtividade, pois só serve como propaganda, já que, além de não servir para a aposentadoria, prejudica o trabalhador, que acaba sendo responsabilizado pelas péssimas condições de trabalho e de infra-estrutura existentes. Em vez disso, exigimos um plano de carreira e salários”, esclarece Inez. (LWS) Leonardo Wexell Severo é colaborador do Brasil de Fato, editor da Hora do Povo, bacharel em Comunicação, pós-graduado em Política Internacional pela Faculdade de Sociologia de SP e autor do livro “Bolívia nas ruas e urnas contra o imperialismo”(Editora Limiar).

O governo federal anunciou que o modelo de concessão dos aeroportos à iniciativa privada deve ficar pronto em 2009. Entre os primeiros da lista a serem vendidos está o de Viracopos, em Campinas, com o objetivo de desafogar o tráfego aéreo em Guarulhos e Congonhas, em São Paulo. O outro é o do Galeão, no Rio de Janeiro, já preparando o aeroporto para a Copa do Mundo em 2014. De acordo com o presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores da Aviação Civil (Fentac), Celso Klafke, a privatização esconde a má gestão do poder público nos aeroportos. Segundo ele, em anos anteriores, o Aeroporto do Galeão era uma das principais saída de vôos internacionais, como ocorre em São Paulo e em Brasília. No entanto, perdeu qualidade devido à falta de investimentos do governo.

Dólar banido

Em um encontro, os presidentes da Argentina e Brasil, Cristina Fernández de Kirchner e Luiz Inácio Lula da Silva, assinaram, no dia 8, em Brasília, acordo que troca o dólar pelo real e o peso argentino no comércio entre os dois países. Depois do encontro com Lula, Cristina disse que os dois países partilham “uma mesma visão da política e da integração”. Acordo entre o Banco Central do Brasil e o Banco Central da Argentina estabelece o uso de moedas locais em transações comercias. A Argentina já é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas dos Estados Unidos e da China.

fatos em foco Arrocho salarial Após pesquisar em 207 empresas de vários setores de atividades, a consultoria Watson Wyatt chegou a conclusão de que a média dos reajustes salariais de junho de 2007 a maio de 2008 não passou de 5%, enquanto a inflação média registrada no período ficou em 5,9%. Aos poucos, de grão em grão, o arrocho salarial dos últimos dez anos tem sido fundamental para aumentar as margens de lucro das empresas. Conquista imediata Bastou os 105 mil metalúrgicos do ABC paulista ameaçarem entrar em greve, no início deste mês, para que as empresas da região – a maioria montadoras de veículos – corressem em aceitar o reajuste salarial com 3,6% acima do índice anual do INPC, de 7,1%, além de fixação de novo piso salarial em R$1.250,00, aumento de 12,6%. Só mesmo com mobilização e luta para furar o bloqueio patronal. Oposição comercial A Confederação Nacional do Comércio decidiu recorrer ao Supremo Tribunal Federal para anular dois feriados estaduais no Rio de Janeiro: 23 de abril, dia de São Jorge, cultuado também pelo candomblé e pela umbanda, e 20 de novembro, dia de Zumbi, dedicado à manifestação da consciência negra. A alegação é de que os feriados prejudicam o comércio. A cultura do povo pouco importa. Justiça classista Edemar Cid Ferreira deu golpe de R$2,4 bilhões no rombo do Banco Santos, deixou 4.500 credores na pior e pegou condenação de 21 anos, mas está solto e curtindo a vida em sua mansão no Morumbi, bairro nobre de São Paulo. Agora o Tribunal de Justiça do Estado decidiu que os bens privados do ex-banqueiro (desviados fraudulentamente) não devem ser incluídos na massa falida. O que foi roubado está roubado! Apoio eleitoral De acordo com o Observatório Brasileiro de Mídia, ONG ligada ao PT, os jornais empresariais da burguesia de São Paulo (Folha, Estado, Diário, Jornal da Tarde e Agora) estão cobrindo a campanha eleitoral de forma

Hamilton Octavio de Souza mais “favorável” à candidata do PT, Marta Suplicy, do que aos candidatos Alckmin (PSDB), Kassab (DEM) e Maluf (PP). Todos os três têm noticiário mais “desfavorável” do que ela.

Ação judicial O Tribunal Superior do Trabalho acaba de reconhecer – para uma empregada terceirizada da Caixa Econômica Federal – os mesmos direitos trabalhistas aplicados à categoria dos bancários, inclusive isonomia salarial. A decisão pode abrir caminho para reparar a situação de muitos trabalhadores que tiveram suas condições precarizadas nesses anos de neoliberalismo. Ações contra as empresas! Direitos humanos Começa no dia 6 de outubro a 3ª Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul, que contará este ano com 182 trabalhos audiovisuais de 11 países, os quais serão apresentados em 12 capitais: São Paulo, Curitiba, Salvador, Fortaleza, Brasília, Teresina, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre, Belém, Belo Horizonte e Goiânia. A mostra coincide com os 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Alvo alcançado No início da “crise” aeroportuária, em 2006, a coluna “Fatos em Foco” registrou que o objetivo final do governo – para atender os interesses do capital internacional, OMC e Banco Mundial – era mesmo a privatização dos aeroportos, assim como dos portos, rodovias e setores da educação e da saúde. Não deu outra: o governo disfarçou daqui e dali e acabou anunciando a entrega de mais um setor para a exploração privada. Exemplo federal Vários militantes da CUT, MST, Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro, Conlutas, Federação Única Petroleira, Federação dos Sem Teto e de outros movimentos sociais estão sendo processados na Justiça Federal pela Agência Nacional de Petróleo, porque participaram de protesto, na sede do órgão, contra o leilão do petróleo, em 27 de novembro de 2007. O aparato do Estado continua criminalizando os movimentos sociais.


de 11 a 17 de setembro de 2008

7

brasil

Economia facilita conquistas salariais MOVIMENTO SINDICAL Crescimento e inflação controlada permitem avanços na pauta econômica nos últimos anos Valter Campanato/ABr

Dafne Melo da Redação TRÊS CATEGORIAS importantes entram em campanha salarial no Brasil neste mês. Petroleiros, metalúrgicos e bancários já estão em processos de negociação e lutas para obter reajustes e aumentos salariais. Se a tendência dos últimos anos se confirmar, os trabalhadores não terão dificuldades em obter suas reivindicações salariais, ainda que mediante paralisações e greves. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), das 715 negociações salariais analisadas pelo Sistema de Acompanhamento de Salários em 2007, 88% resultaram em aumento real, ou seja, com o índice superando a inflação do período. Em 2006, esse percentual havia sido de 86%. Este ano, entretanto, o Dieese já detectou uma queda. No primeiro semestre, 74% das campanhas salariais tiveram aumento real. O resultado ficou abaixo dos verificados em 2006 (84%) e 2007 (87%). O aumento da inflação seria uma das principais razões para esse resultado. João Antônio de Morais, coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP), acredita que esses resultados positivos estão relacionados a um espaço mais democrático de negociações, “uma conquista dos trabalhadores” e um cenário econômico favorável que permite que a pauta econômica avance, “mesmo em um momento de refluxo dos movimentos de massa”, opina.

Reposição de perdas

O professor do departamento de Sociologia da Universidade de Campinas, Ricardo Antunes,

Assembléia de servidores da Caixa Econômica Federal realizada em outubro de 2007

“Seria importante perguntar aos trabalhadores e ver se eles acham que os sindicatos estão mais fortes. Não creio que seja isso. A conjuntura econômica é mais favorável. Não vejo fortalecimento nem pelas cúpulas, nem pelas bases”, aponta Ricardo Antunes avalia que, após um longo período de recessão ou crescimento econômico pífio – como o verificado no Brasil nos anos de 1990 e início deste século –, a classe trabalhadora é submetida ao desemprego, precarizações e perdas salariais. “Nos últimos dois

anos, o Brasil começou a ensaiar uma retomada do desenvolvimento econômico. Esse crescimento, somado a uma taxa de inflação controlada, favorece a luta dos trabalhadores no sentido de reposição de suas perdas”, afirma Antunes.

Metalúrgicos e bancários iniciam negociações Setor das montadoras já finalizou campanha; com pauta extensa, bancários negociam durante o mês inteiro Antônio Cruz/ABr

da Redação Na área de metalurgia, os trabalhadores das montadoras no Estado de São Paulo aprovaram no dia 8 um reajuste de 11% (7,15% de inflação, mais 3,6% de aumento real), após uma semana de paralisações e reuniões com sindicatos patronais. A categoria ainda conquistou um aumento no piso de 12,6%. Metalúrgicos de outros grupos ainda estão em negociação. Para Vivaldo Moreira, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região, apesar do crescimento do setor, as negociações foram difíceis. No dia 3, fizeram uma paralisação de 24 horas em diversas companhias para pressionar a direção. “As empresas estão com seus lucros altíssimos, mas as negociações, difíceis, talvez porque vislumbrem algum cenário de crise, mas o trabalhador não é quem deve pagar por isso”, avalia. De acordo com o sindicalista, a produção das montadoras de veículos aumentou bastante este ano. Em nível nacional, entre os meses de janeiro e agosto, a indústria automobilística produziu 2,32 milhões de unidades. Um aumento de 20,3% sobre o mesmo período de 2007.

Bancários

Se há um setor que tem lucrado imensamente, é o financeiro. Cálculo realizado pelo professor da Universidade de Brasília Adriano Benayon mostra que, de 1995 a 2007, 31 instituições financeiras que atuam no Brasil aumentaram seus lucros em 468%. Nem por isso, nas campanhas salariais, os trabalhadores obtêm facil-

Apesar dos lucros do setor, bancários enfrentarão duras negociações

mente suas reivindicações. Vagner Freitas, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), conta que para este ano a categoria exige um aumento de 13,39% (inflação mais aumento de 5%), reajuste de 17% no piso. Do outro lado, os banqueiros afirmam que o aumento de salários irá pressionar a inflação. O presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Frebaban) e do Santander no Brasil, Fábio Barbosa, reiterou esse posicionamento em declarações à imprensa. Freitas rebate: “O fator salário influencia pouco na inflação, há componentes que pesam muito mais e que são decisivos para aumentá-la”. Ainda em agosto, o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Econômicos (Dieese) soltou uma nota técnica que

também refuta a tese dos banqueiros. “Os trabalhadores não devem aceitar que os custos do combate à inflação lhes sejam transferidos”, aponta a conclusão da nota, que atribui à alta dos preços dos alimentos, um dos fatores que mais pesou no aumento da inflação no último ano. Os bancários manterão mesas de negociações durante todo este mês, no qual as negociações serão feitas por blocos de assuntos afins. A primeira, por exemplo, discutiu, no dia 2, as questões do assédio moral e da saúde do trabalhador, com o objetivo de estabelecer programas e medidas que amparem os bancários. “Nesse ramo, há muita pressão por metas, muitas delas abusivas. A remuneração acaba tendo uma parcela significativa que é variável, atrelada a essas metas, inclusive. Por isso vemos o aumento do número de doenças entre nós”, finaliza. (DM)

O que não quer dizer que as condições de vida dos trabalhadores estejam satisfatórias. As perdas salariais ao longo das décadas são tamanhas que, ainda de acordo com o Dieese, o salário mínimo ideal para a família brasileira, em agosto, deveria estar em torno de R$ 2 mil. Hoje, o salário mínimo não chega nem a um quarto desse valor (R$ 415). “As reposições são pequenas, ainda que reais e que ajudem. Então, não há uma relação linear entre crescimento, avanço ou recuo dos trabalhadores, mas uma situação de crescimento que favorece essas conquistas. Num contexto de crise, luta-se para preservar o emprego, o que freqüentemente, inclusive, não se consegue. Es-

se é o momento em que se recupera um pouco daquilo que se perdeu. Quantos acordos salariais não são impostos em momentos de crise?”, esclarece Antunes.

Mobilização

As vitórias dos trabalhadores nas mesas de negociação não se deram sem mobilizações. O número de greves em 2007, ano com maior porcentagem de categorias com aumento real desde que o Dieese passou a medir esse índice, em 1996, manteve sua média de ocorrências dos últimos anos, somando 316 eventos, com paralisação de 29 mil horas de trabalho, sendo que 51% das greves foram no setor público e 49% no privado. Esse levantamen-

to é feito desde 2004, quando houve registro de 302 paralisações. Em 2005, foram 299 e, em 2006, 320 greves. Para muitos, o cenário positivo mostra justamente o fortalecimento dos sindicatos e sua capacidade de organização. “Certamente não concordo. Muitos desses sindicatos tiveram níveis ampliados de dessindicalização; são os dirigentes falando em causa própria. Seria importante perguntar aos trabalhadores e ver se eles acham que os sindicatos estão mais fortes. Não creio que seja isso. A conjuntura econômica é mais favorável. Não vejo fortalecimento nem pelas cúpulas, nem pelas bases”, aponta Ricardo Antunes. Além disso, observa Antunes, as lutas de cunho mais profundamente político estão de lado de uns anos para cá, sobretudo desde o governo Lula. “A luta econômica tem algum nível de significação política, mas há as lutas voltadas para a questão salarial e lutas que são por ampliação de direitos sociais e políticos. Por exemplo, a luta pela redução da jornada tem forte viés político, porque amplia direitos, altera a legislação social do trabalho”, exemplifica o sociólogo. Desse modo, embora o período seja favorável à reposição das perdas salariais, as mobilizações e conquistas políticas estão paradas, boa parte pelo o que Antunes identifica como cooptação política das cúpulas sindicais hegemônicas no país. “Vemos um aumento do controle do Estado sobre o sindicalismo, uma reedição na era Lula do sindicalismo getulista. Não houve avanço, não temos autonomia sindical plena, condição básica para um sindicalismo combativo”, finaliza.

Petroleiros se mobilizam por salários e contra possível leilão Entidades sindicais afirmam que se governo marcar outra rodada de licitação, farão greve geral em todo país Neste ano, a campanha salarial dos petroleiros ganhou um fôlego a mais com os recentes debates acerca das descobertas das reservas de petróleo do pré-sal. Além da reposição das perdas salariais e aumento real, também pautam a necessidade urgente de revisão da Lei do Petróleo, criada em 1997 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. A legislação quebrou o monopólio da Petrobras e tornou possível a realização dos leilões anuais que concedem a exploração do recurso natural a empresas privadas. Até agora já foram concedidos, em nove leilões, cerca de 500 blocos de petróleo. O governo federal tem se mostrado firme em não incluir o pré-sal nas áreas a serem leiloadas. Entretanto, o ministro das Minas e Energia, Edson Lobão, afirmou à imprensa que as licitações em áreas ter-

restres e em águas rasas deverão ocorrer ainda este ano. “A prioridade da categoria é discutir a revisão da Lei de Petróleo. Vamos propor greves se os leilões voltarem. Queremos levar esse debate para a sociedade”, rebate João Antônio de Morais, coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP). Clarkson Araújo, do Sindicato dos Petroleiros de Alagoas/ Sergipe, que integra a Frente Nacional dos Petroleiros (FNP), afirma que o momento é oportuno para mobilizações e para conscientizar a sociedade da importância de se suspender a Lei do Petróleo. “Se marcarem mais um leilão, vamos contra-atacar com mobilizações”, afirma.

Campanha

Assim como o setor financeiro, a Petrobras possui poucas desculpas para não conceder

aumento aos trabalhadores. A empresa teve lucro recorde de R$ 8,78 bilhões no 2º trimestre deste ano. Na comparação com igual período de 2007, a alta foi de 29%. A FUP, neste ano, apresenta apenas a pauta econômica, pois negocia pauta social apenas de dois em dois anos, com acordos coletivos que valem pelo biênio. Já os sindicatos da FNP, além de reajuste de acordo com a inflação e aumento de 5%, pedem gatilho salarial de 2% (o salário aumenta automaticamente assim que a inflação atinge esse patamar) e outras pautas sociais que remontam à pauta histórica da categoria surgida nos anos de 1993/94. A FUP também pede um reajuste de 5% e correção da inflação. Para João Antônio de Morais, da FUP, “a Petrobras tem plena condição de atender as nossas reivindicações”. (DM) Sindipetro

Ocupação da ANP contra realização de leilões


8

de 11 a 17 de setembro de 2008

brasil

Escalpos, voto e a torcida da imprensa RAPOSA SERRA DO SOL Após voto de relator frustrar expectativas da mídia corporativa, jornais manipulam fatos Lula Marques/Folha Imagem

Memélia Moreira de Orlando (EUA) “As atuais condições na fronteira são realmente alarmantes...Não se passa uma semana sem depredações feitas pelos índios...Nos últimos três anos, os moradores da fronteira pediram, suplicaram, pela proteção do governo federal que demonstra sangue frio e indiferença diante dos nossos problemas...” COM TODO seu avanço e uso de tecnologia de ponta, a sociedade brasileira continua arcaica e sem sinais de mudança. O melhor exemplo é dado pelo texto acima. Embora aponte semelhanças com os fatos vividos hoje em Roraima, não foi publicado por nenhum dos jornais de Boa Vista, capital daquele Estado. Essas poucas linhas vão completar 148 anos na próxima sexta-feira, 13 de setembro, e foram publicadas pelo The White Man, jornal da cidade Weathford, no Estado do Texas, em 1860. Na época, o mesmo jornal dizia que o então governador daquele Estado, Sam Houston, fez de tudo para mostrar ao presidente dos EUA, Abraham Lincoln, que “havia bandos de índios bem organizados que são ladrões e assassinos”. Qualquer semelhança com o governador de Roraima, José de Anchieta, não é mera coincidência, apenas a triste repetição de uma história de desrespeito que marca as relações entre os nativos das Américas, primeiro com conquistadores e, depois, com as elites das ex-colônias européias que se estendem da Patagônia ao Alasca. Nesse trecho citado pelo jornal, os índios em questão são o povo Comanche. Naquele distante 1860, a população de Weathford reuniuse para atacar os Comanche. Não há informações de quantos foram mortos, mas a ordem era escalpar os índios. O ataque foi bem sucedido e, depois da chacina, segundo o editor do jornal The White Man, John Baylor, “a ação foi celebrada num churrasco público, com danças, e as armas e escalpos capturados serviram de decoração para a festa realizada nas salas do tribunal. O general Baker exibia seus troféus e todos gritavam: ‘Exterminemos os Índios’”.

O jornalista da Folha de S.Paulo usa o verbo “poder” para justificar seu argumento. Qualquer principiante de jornalismo sabe que o uso do verbo “poder” é um artifício bastante comum quando jornalistas não têm certeza total da informação. Ou seja, quando a informação é do tipo “ouvi dizer” Com raríssimas exceções, os jornais das áreas de fronteira dos Estados Unidos, tanto com o México quanto com o Canadá, promoviam uma campanha diária contra os povos indígenas que, também naquele país, foram perseguidos pelos militares, ao ponto do general Philip Sheridan, um dos mais implacáveis perseguidores do povo Shoshone (conhecido também pelo nome de Nez Percé, que hoje vive no Estado de Idaho, noroeste dos Estados Unidos), cunhar a célebre frase: “Índio bom é índio morto”. É o caso de perguntar: será que o general Augusto Heleno teria a co-

Indígenas realizam manifestação em Brasília pela confirmação da demarcação da área contínua da reserva Raposa Serra do Sol

ragem de repetir a mesma frase ou será que prefere o genocídio indolor, sufocando os índios em exíguas sobras de terra? Mas tudo isso é parte de uma história longínqua, de quase dois séculos atrás, e a mancha dos massacres cometidos contra os indígenas é um capítulo da história que os estadunidenses de hoje preferem esquecer.

Paulo Renato, ex-ministro da Educação do PSDB, critica o fato de que os 17 mil indígenas da Raposa Serra do Sol serão proprietários de 1,7 milhão de hectares. Para efeito comparativo, nos Estados Unidos, 19.400 Comanche controlam um território de 2,5 milhões de hectares em área contínua que se estende de Oklahoma ao Texas, chegando até a fronteira com o México

Raposa Serra do Sol

Esses exemplos, à exceção dos escalpos, se repetem no Brasil em pleno século 21, em relação aos povos que vivem na área da Raposa Serra do Sol. Com raríssimas exceções, a imprensa brasileira se alinhou em defesa de seis grileiros de terra que ocupam o território indígena e, se não dançam nas salas dos tribunais, fazem a festa tentando influenciar os juízes e, muitas vezes, sob o manto do off (informação na qual se omite o autor da notícia), mente descarada e escandalosamente.

Voto de ficção

No caso do conflito de terras da região da Raposa Serra do Sol, o comportamento da chamada grande imprensa brasileira chegou às raias do jornalismo de ficção, gênero literário que já conta com um bom número de adeptos e faz estragos no exercício da informação. Sua Excelência, “o Fato”, foi simplesmente pisoteado, desrespeitado. Cada jornalista, dos mais capacitados aos mais incompetentes, se julgou no direito de “antecipar” a seus leitores a essência do voto do relator do processo no Supremo Tribunal Federal, ministro Carlos Ayres Britto. No abre-alas do bloco antiindígena, o inefável O Estado de São Paulo. Como se fosse um coro afinado no mesmo tom, esses jornalistas e comentaristas afirmavam, categoricamente, que o ministro-relator votaria pela divisão da reserva. Quem acreditou no noticiário recebeu com surpresa o voto do ministro Ayres Britto. Os jornalistas erraram. E sequer pediram perdão aos leitores, como seria de se esperar. O ficcionismo jornalístico invadiu blogs informativos, blogs pessoais, televisão e até quem não é jornalista tirou uma casquinha na onda antiindígena que vem se alastrando pelo país desde o início das agressões dos grileiros contra os índios. Um deles foi o ex-ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, deputado federal do PSDB de São Paulo. Ministro que passou em branco nos oito anos de Esplanada dos Ministérios, Paulo Renato, que chegou a ter veleidades de sair candidato à presidência da República, marcou sua passagem por Brasília somente porque abriu sua própria universidade particular na capital. Não fora isso, seria lembrado apenas pela fotografia da galeria de ministros. Mas, mesmo assim, se achou no direito de dar palpites na questão indígena. Em artigo publicado ainda em abril, quando se reiniciaram os conflitos entre indíge-

nas e grileiros, o deputado paulista diz: “Não estamos diante de uma disputa mesquinha entre governo e oposição. Muitos na base governista estão descontentes com o formato definido por Lula, a começar por seu líder no Senado, Romero Jucá, empenhado numa saída intermediária. Não se trata de um conflito localizado entre ‘arrozeiros’ (sic) e índios. Ao contrário, a Raposa Serra do Sol é hoje um problema nacional, a comprometer a existência de Roraima como Estado, pois, com a sua criação, 46% de suas terras serão reservas indígenas. Nenhuma política séria – e articulada com os interesses nacionais – criaria algo como a Raposa Serra do Sol, onde apenas 17 mil índios serão proprietários de 1,7 milhão de hectares”. Mais adiante, o ministro, numa afirmativa sem qualquer base na realidade, pergunta: “Que país do mundo foi tão generoso ao pagar uma injustiça histórica? E isso corresponde à área geográfica de quantos países da Europa?”. Se o ministro quer saber a resposta correta, podemos mais uma vez citar o exemplo do povo Comanche. Depois de batalhas vitoriosas e perdidas, eles hoje controlam um território de 2,5 milhões de hectares em área contínua, que se estende de Oklahoma ao Texas, chegando até a fronteira com o México. Mais um detalhe: os 2,5 milhões de hectares são povoados por 19.400 índios.

Blá... blá... blá

Talvez por não ser jornalista, o ex-ministro da Educação não se arriscou em antecipar o voto do relator. Apenas tentou influenciar a opinião pública, num texto carregado de preconceitos. Mais ousado foi o jornal Tribuna da Imprensa. Seu editor, o jornalista Hélio Fernandes, também não resistiu à tentação de engrossar as fileiras da torcida antiindígena. E, dois meses antes do julgamento no Supremo Tribunal Federal, pontificou: “Pelas convicções de Ayres Britto, pelo seu passado e pelo presente, nem chega a ser revelação concluir que dois fatos certamente formarão a base de seu voto: 1 – Ficará nitidamente contra a demarcação contínua (negrito do autor), que os maiores especialistas consideram verdadeira traição nacional, a transformação da nação brasileira (idem) em nação Ianomâmi (ibidem). Seu voto é o apogeu e a apologia da demarcação descontínua. 2 – Ayres Britto se concentrou no estudo da própria Cons-

tituição vigente (a chamada Consituição Cidadã) e nem admite, sugere ou apela para qualquer reforma constitucional...”, blá blá blá. Talvez por desinformação, o consagrado jornalista tenha se referido ao povo Yanomami, que também já foi alvo de perseguições semelhantes nos anos de 1980 e 1990, quando na verdade os indígenas que agora se encontram sob fogo cerrado são os Makuxi, Wapixana, Tawarepang, Pokonoma e Ingarikó.

Mais uma gafe

Outro brilhante jornalista que esqueceu as raízes foi Alon Feuerwerker, do Correio Braziliense. Sem qualquer fundamento e na ânsia de apresentar as lideranças indígenas como representantes de interesses internacionais, ao comentar o desejo dessas lideranças em lucrar com a exploração dos minérios na terra da Raposa Serra do Sol (a exploração de minérios pelos indígenas e o percentual a ser entregue a eles está previsto na lei nº 6.001, o Estatuto dos Índios, aprovado durante o governo do general-ditador Emílio Garrastazu Médici), diz no seu blog do dia 9 de maio que o líder indígena Julio Makuxi é “um dos diretores da ONG estrangeira CIR (Conselho Indígena de Roraima)”. Para qualquer desavisado, é um choque. Como??? Uma ONG estrangeira quer explorar o subsolo brasileiro???! Um pouco de pesquisa evitaria o editor de Política do mais importante jornal de Brasília fazer uma afirmação dessa natureza. O Conselho Indígena de Roraima foi criado por inspiração do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organização vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que, até onde se sabe, não tem ligações escusas no Brasil e menos ainda defende interesses internacionais, a não ser que o chamado “Reino de Deus” também esteja sob suspeita.

Nova torcida

Ao encerrar seu voto de 108 páginas, o ministro Ayres Britto cobriu de frustrações algumas manchetes já prontas. E então, o voto-alvo passou a ser o do ministro Carlos Alberto Direito, que pediu vistas do processo na sessão do dia 27 de agosto. O jornal Folha de S. Paulo saiu na pole position. Imediatamente após o encerramento da sessão, o repórter Felipe Seligman foi logo dizendo que “o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Carlos Alberto Direito deverá citar documento da

ONU (Organização das Nações Unidas) sobre direitos dos índios para contestar, em seu voto, a forma de demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol, defendida pelo relator do tema, ministro Carlos Ayres Britto”. E mais adiante, no terceiro parágrafo de sua nota, ele passa para o time dos torcedores afirmando: “Direito poderá argumentar que os índios, em reserva contínua, ganham poderes com respaldo internacional que permitiria, inclusive, a criação de nação autônoma dentro do Brasil e que poderia sujeitar o país, em caso de atuação militar no interior da região, por exemplo, a ser acusado de cometer ‘infrações penais’ por descumprir documento das Nações Unidas”.

Os repórteres do Estadão fazem uso da “informação difusa”, ou seja, quando se coloca o autor da informação no plural. Esse é outro artifício usado por jornalistas quando querem manter o sigilo da fonte ou quando não têm fonte alguma. Seligman usa, nesse parágrafo, o verbo “poder” para justificar seu argumento. Ora, qualquer principiante de jornalismo sabe que o uso do verbo “poder” é um artifício bastante comum quando jornalistas não têm certeza total da informação. Ou seja, quando a informação é do tipo “ouvi dizer”. O restante da matéria são considerações genéricas sobre a carta das Nações Unidas sobre o direito dos povos indígenas.

Mais um artifício

No dia seguinte do voto do ministro, já refeito do susto, mas ainda sem engolir o erro cometido, o Estadão ataca novamente. A nota, assinada por dois repórteres da sucursal de Brasília (Felipe Recondo e Mariângela Galucci), é um primor daquilo que se chama “informação difusa”, ou seja, quando se coloca o autor da informação

no plural. Esse é outro artifício usado por jornalistas quando querem manter o sigilo da fonte ou quando não têm fonte alguma. E o artifício é usado logo na abertura do texto que começa assim: “Consultados pelo Estado, 4 dos 11 ministros mostraram-se propensos a fazer ressalvas ao voto de Ayres Britto. Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) consultados pelo Estado adiantaram ontem que podem diminuir a área destinada à reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, para deixar livres para as Forças Armadas as faixas de fronteira do Brasil com a Venezuela e a Guiana. A demarcação permaneceria da forma contínua, como determinou o governo, mas o tamanho da reserva seria reduzido”. E continua: “A decisão nesse sentido contrariaria o voto do relator da ação, contra a demarcação, ministro Carlos Ayres Britto, que manteve a delimitação da reserva nos moldes originais. Quatro dos 11 ministros se mostraram propensos a fazer ressalvas ao voto de Britto, que foi classificado por um colega de ‘romântico’ e visto por outros como superficial – mesmo tendo 108 páginas. Para que sejam feitas alterações na reserva são necessários 6 votos. Os demais membros do Supremo preferiram não se pronunciar, mesmo reservadamente”. Depois desse exemplo de desrespeito à Sua Excelência, “o Fato”, o mesmo jornal voltou à carga em matéria assinada pelo repórter Roldão Arruda. E, obviamente, traz apenas a opinião daqueles que defendem os grileiros. Sob o título “Indefinição sobre a reserva paralisa RR”, o repórter traz uma entrevista com um desconhecido economista, professor da Universidade de Roraima, Gilberto Hissa. O jornalista garante que Hissa não se envolve com nenhuma das duas posições, mas, apesar disso, prefere ver mais produção no Estado, porque “a área ocupada hoje pela agricultura gira em torno de 100 mil hectares. Mas nós temos outros 2 milhões para explorar. Quando começarmos a fazer isso a economia do Estado avançará e deixará de ser tão dependente dos recursos federais. Hoje 60% do PIB de Roraima é do setor público”. Ora, essa é exatamente a posição dos seis grileiros que querem derrubar a homologação da Raposa Serra do Sol. E, se terra de índio fosse impedimento para desenvolvimento de qualquer Estado, Piauí e Rio Grande do Norte seriam os campeões de riqueza e desenvolvimento do Brasil. Nenhum dos dois Estados tem um centímetro qualquer de terra indígena, até porque os dois bradam à Rosa dos Ventos que não há um índio sequer em seus territórios. O fato é que, em todo esse processo da Raposa Serra do Sol, a imprensa brasileira arrancou a máscara e mostra sua verdadeira face, que sempre esteve em defesa do latifúndio e contra qualquer possibilidade de respeitar interesses coletivos.


de 11 a 17 de setembro de 2008

9

américa latina

No México, em três dias, três marchas Daphnis Kieffer

MOBILIZAÇÕES A primeira teve a violência como alvo; a segunda, o petróleo; e a terceira, a economia do país Waldo Lao e Anna Feldmann da Cidade do México (México) NO FINAL do mês de agosto e no início deste, os habitantes da Cidade do México vivenciaram um fato pouco comum: a realização de três marchas, em três dias seguidos, ocupou a atenção dos meios de comunicação, assim como as principais avenidas da metrópole. Encabeçadas por diferentes setores da população, cada uma das manifestações teve um caráter distinto, diferentes reivindicações, mas com um enfoque comum: a indignação social, produto das atuais políticas vigentes no país. A primeira, no dia 30 de agosto, foi em repúdio aos altos índices de violência, mortes e seqüestros que cada vez estão mais comuns na região. “Iluminemos o México” foi o grito que levou milhares de cidadãos, vestidos de branco, em maioria pertencentes à classe média e alta, a marchar contra a insegurança pública. Ao coro de “se não podem, que renunciem” ou “pena de morte para seqüestradores”, os manifestantes marcharam desde o monumento El Angel de la independência até o Zócalo, centro da cidade, de onde acenderam velas em protesto ao aumento da violência. Calcula-se que, em um ano, mais de 5 mil estudantes mexicanos entre 15 e 18 anos foram seqüestrados e mais de 6 mil pessoas, principalmente dos Estados do norte do país, tenham sido executadas na forjada guerra que o presidente Felipe Calderón declarou ao narcotráfico desde o início de seu governo.

Privatização do petróleo

A segunda manifestação, no dia seguinte, convocada por Andrés Manuel Lopez Obrador, foi composta por inúmeros brigadistas em oposição à privatização da Petróleos Mexicanos (PEMEX). Nessa ocasião, o encontro ocorreu no monumento da revolução, de onde AMLO denunciou mais um caso de corrupção: os “negócios imorais” da PEMEX, quando, no

Quanto

5 mil estudantes me-

xicanos entre 15 e 18 anos foram seqüestrados e mais de 6 mil pessoas foram executadas na forjada guerra que o presidente Felipe Calderón declarou ao narcotráfico desde o início de seu governo

ano de 2004, comprou um tanque petroleiro, chamado de “El señor de los mares”, por 1,1 bilhão de dólares, quando na realidade seu valor era de 230 milhões de dólares. O líder aproveitou para comentar que “a intenção de privatizar a Petróleos Mexicanos tem como objetivo a repartição de contratos e a corrupção, o que por certo não está explícito na proposta de Calderón e do PRI”. Obrador anunciou que no próximo dia 15 de setembro acontecerá outra concentração e afirmou a necessidade de acompanhar o congresso mexicano, uma vez que recomecem os trabalhos legislativos a respeito da possível privatização. Desta forma, declarou que, se necessário, convocará a população a participar de bloqueios de estradas e a uma paralisação nacional.

Trabalhadores

No dia 1º, por fim, em oposição ao segundo informe da presidência sobre os gastos do governo, aconteceu uma parada cívica nacional em que participaram milhares de campesinos, estudantes, trabalhadores agrupados em sindicatos e organizações. Foram várias marchas no mesmo dia com a mesma proposta, porém a mais representativa ocorreu também na Cidade do México, em oposição às atuais políticas econômicas do governo, práticas que atualmente apenas desvalorizam a vida dos trabalhadores mexicanos. Com a realização destas três manifestações, aumentaram as pressões ante o governo mexicano, demonstrando que o país, apesar de sofrer um claro desgaste em termos de legitimidade social, continua se expressando e se mobilizando em busca de melhorias.

Capitaneada por Lopez Obrador, a segunda manifestação protestou contra a privatização da PEMEX

Aumentam as agressões às comunidades zapatistas ... y por eso los zapatistas son soldados para que no haya soldados. (Sexta Declaração da Selva Lacandona)

da Cidade do México Depois de longos meses de ausência, no começo do mês de agosto, pela primeira vez no ano, o Subcomandante Marcos fez sua primeira aparição pública nas comunidades zapatistas. Desta vez, esteve na companhia do coronel Moisés e dos integrantes da caravana nacional e internacional (formada principalmente por países europeus como Espanha, Grécia e Itália). Esta Caravana, formada por mais de 400 ativistas, em apoio e solidariedade aos zapatistas, percorreu alguns dos Caracóis para constatar e denunciar as agressões que sofrem as comunidades devido ao aumento dos militares na zona de Chiapas. Desde o final do ano passado, uma intensa ofensiva militar acontece nas comunidades

zapatistas. A nova estratégia é visível, com a reorganização de acampamentos militares, o posicionamento de novas forças armadas e a criação de estradas que facilitam o acesso às comunidades. O cenário permanece crítico no Estado de Chiapas, com a intensificação dos ataques e das expulsões de indígenas de suas terras. O objetivo final é a desarticulação da autonomia zapatista e de suas “Juntas de Bom Governo”, criadas em agosto de 2003 como uma iniciativa democrática de organização comunitária. Atualmente, existe um novo modelo de justiça no sul do México, com a remilitarização na zona de Chiapas, não em termos de quantidade, mas sim de qualidade das chamadas Forças Especiais – Polícia Militar, Batalhão de Infantaria, Batalhão de Grupos Especiais, Grupos Aeromóveis de Forças Aéreas, Batalhão de Corpos Especiais, além dos quartéis generais. Esta fase começou em 2006 e registra 79 acampamentos

militares, dos quais 56 estão em territórios indígenas. Sendo assim, a polícia e representantes do governo municipal, estatal e federal constroem um clima de plena impunidade na área. Na última década, surgiram em Chiapas as denominadas “organizações indígenas”, criadas e financiadas pelos diversos grupos paramilitares e pelo Exército mexicano. Este nome faz referência a novos arranjos governamentais que se autodenominaram como “indígenas”, uma forma de reorganizar as comunidades fora da autonomia zapatista. Estas novas instituições se enquadram à lei e têm um caráter legal. Uma das mais conhecidas é a Opddic, (Organização para a Defesa dos Direitos Indígenas e Camponeses), surgida em 1998. Seu fundador, o deputado estadual priista Pedro Chulin Jiménez, declarou no começo deste ano sua opinião sobre o atual governador de Chiapas pelo PRD: “A política que Juan Sabines começou a praticar é a

mais apropriada, na qual nos juntamos aos indígenas e procuramos para o Estado um futuro melhor”. Mais um exemplo é a União de Ejidos da Selva (UES), que com o apoio do Exército realiza, clandestinamente, um processo de apropriação das terras, cortando árvores, queimando milharais e plantações de café, fazendo com que muitos indígenas sejam expulsos dos seus lugares de origem. Durante a reunião com a Caravana, o subcomandante Marcos argumentou que “entre ganhar e perder, os zapatistas escolheram lutar”, e declarou: “Não procuramos a tomada do poder, pensamos que as coisas se constroem de baixo”. Para o que concluiu: “Não pretendemos um México zapatista, nem um mundo zapatista. Não almejamos que todos se façam indígenas. Queremos um lugar aqui e nosso, que nos deixem em paz, que não nos mandem ninguém. Isso é a liberdade. Que possamos decidir o que queremos fazer”. (AF) e (WLF)

ENTREVISTA

A resistência da Rádio Plantón de Oaxaca da Cidade do México Durante o ano de 2005, a Rádio Plantón, no Estado de Oaxaca, iniciou suas transmissões acompanhando a luta do movimento magisterial da seção 22 do Sindicato Nacional de Trabalhadores da Educação (SNTE) por melhores salários e condições de ensino. Já em junho de 2006, Oaxaca foi marcada pela repressão do governo por conta de um protesto de professores realizado para reivindicar o aumento dos salários e o afastamento do atual governador, Ulises Ruiz (do PRI – Partido Revolucionário Institucional). A partir deste conflito, a região sofreu significativamente com o acréscimo do número de pessoas mortas, desaparecidas, processadas, além de ter seu material de operação destruído. Porém, mesmo após meses de repressão no final do mesmo ano, a Rádio Plantón reiniciou suas atividades no meio de uma coalizão de rádios livres mexicanas e transmitiu a situação grave que o governo oaxaqueño e federal exerceram contra o movimento social. Atualmente, a Rádio Plantón não está mais presente nos ouvidos da população de Oaxaca. Seu sinal saiu do ar em junho de 2007. Entretanto, ainda podemos ouvir a voz de seu locutor e coordenador, Sanzon Jiménez Domínguez, e traduzir na entrevista abaixo, de maneira detalhada, a situação de um veículo

de comunicação ativo pela autonomia dos povos indígenas no fortalecimento de sua luta e na garantia de sua continuidade. Brasil de Fato – Quais fatores levaram ao surgimento da Rádio Plantón? Sanzon Jiménez Domínguez – A Rádio Plantón nasceu em 25 de maio de 2005 com a finalidade de cobrir a jornada de lutas que aconteceu de maio a junho deste ano. A cada época, o magistério se move por diferentes necessidades que existem no Estado e no país também. Nesta ocasião, a idéia era pedir a reorganização econômica de Oaxaca, já que há uma diferença de pressupostos nas diferentes zonas do Estado. A rádio surge pela iniciativa de vários companheiros que trabalham no magistério, agrupados na seção 22, que é uma parte do Sindicato Nacional de Professores em Oaxaca, os quais impulsionaram vários projetos de comunicação. Um destes era um jornal, uma revista, a rádio e inclusive havíamos pensado em fazer televisão. O secretário-geral destes companheiros aprovou e a ele pareceu interessante o projeto da rádio. Então, buscamos os canais que são: as assembléias de delegações, as regionais e o órgão máximo da direção, que é a assembléia estatal. Podemos considerar alguma melhoria na Educação de Oaxaca?

As condições para lecionar não são nada favoráveis. Nas escolas, o professor não pode fazer bem seu trabalho, pois não possuímos um bom espaço, material didático e uma equipe adequada. Aqui em Oaxaca, ainda há escolas sem luz, sem infra-estrutura. Faz-se de uma casa uma sala de aula. Não existem condições e isso debilita muito, atrasando o aspecto educativo. Existem crianças que caminham duas ou três horas para poder chegar à escola, chegam sem o café da manhã. Apenas trazem uma tortilha com pimenta seca, e esta é toda a sua comida. Falta a organização dos pais de família, porém, estes estão pensando mais no que seus filhos irão comer no dia seguinte, não na educação em geral. Depois do ocorrido em 14 de junho de 2006, qual é a relação da Rádio Plantón com a Associação dos Povos de Oaxaca (APPO)? A Rádio Plantón cobriu a jornada de luta de 2005, com um transmissor de 300 watts que nos mandaram de forma solidária os companheiros da Rádio Chicago. Neste momento, muitos companheiros se incorporaram e participaram da iniciativa, muitos que, depois, com a formação da APPO, tomaram as 12 rádios – um feito único no mundo e sobretudo no México. Depois da jornada, a surpresa foi que continuamos transmitindo. Operávamos cerca de 45 programas, que aconteciam desde às 6 da manhã até às 22h ou

23h. Contudo, isto foi durante os meses de 2005, até meados de 2006. Com a jornada de 2006, fizemos o primeiro aniversário e iniciamos o processo de legalização jurídica da rádio, mas o Estado não nos concedeu a permissão e seguimos transmitindo em fase de prova, mas cumprindo com todos os requisitos. Como foi o dia 14 de junho? As instalações da rádio foram atacadas com bombas de gás lacrimogêneo, roubaram nossos equipamentos, o transmissor, os computadores e bateram em vários companheiros. A rádio saiu do ar nesse mesmo dia, mas os companheiros que estavam colaborando de maneira solidária e aprenderam a usar o equipamento são aqueles que depois desta data tomaram conta da Rádio Universidade e proporcionaram a cobertura dos fatos. A respeito da APPO, ela nasce como fruto do movimento magisterial, porém logo sai de suas mãos. O magistério não cumpriu com as expectativas do movimento popular, porque o magistério charrea (algo como faz piada), os líderes se vendem, não há uma capacidade política para negociar, e a APPO vai além do movimento magisterial. Atualmente, como são definidas as relacões entre o Movimento Magisterial e a APPO? Há companheiros que se mantêm com os princípios da APPO

e outros apenas estão buscando protagonismo. Em um movimento social desta magnitude, existem alguns que buscam seus próprios interesses, buscando candidaturas nos partidos políticos independentemente da repressão. O magistério sofre uma censura muito forte. Temos companheiros presos, ordens de apreensão contra os coordenadores da Rádio Plantón.

re a ocupação de outras duas estações FM, as quais se mantiveram em nosso poder até dezembro de 2006.

Qual foi a reação da sociedade a respeito da tomada dos meios de comunicação? Quando a rádio se inicia, há 2 mil professores mais a sociedade civil nos escutando. O Estado sentiu medo e nos bloqueou, roubando o nosso equipamento. Mas a sociedade começou a nos apoiar. No dia 1º de agosto, as mulheres de diferentes organizações se uniram em uma marcha que mobilizou entre 200 e 250 mil mulheres, que, então, decidiram ocupar o Canal 9 – uma rede estatal. As companheiras disseram “saiam ou lhes tiraremos”, houve o aviso. Alguns trabalhadores do Canal 9 se simpatizaram com o movimento, dando assessorias na parte técnica. Havia a necessidade de informar as pessoas, momento em que se convocam outras marchas. A experiência ficou marcada na vida dos oaxaquenhos. Aprendemos que, com força e organização, podemos expropriar serviços para o nosso benefício. Logo após, entre os meses de agosto e setembro, ocor-

Qual foi o papel dos meios convencionais em relação ao que aconteceu em Oaxaca? Praticamente não se falou a respeito, houve muito hermetismo. Falar de Oaxaca era oferecer relevância à oposição em um momento político eleitoral. Creio que até para a morte de Brad Will (jornalista estadunidense do meio independente Indymedia, morto em 27 de outubro de 2006, enquanto filmava uma mobilização em Oaxaca) foi aberto pouco espaço para que outros meios se colocassem. Mas a repressão se faz efetiva e contínua contra os veículos de comunicação. Um exemplo é que seguimos bloqueados. Estamos lutando por cinco freqüências, mas todas estão bloqueadas. Se nos autorizam, terão que legalizar os outros também. E este é o medo do governo. Não querem que a população tenha informação. Em todo caso, nós temos cumprido com os requisitos, temos toda a documentação. O princípio da Rádio Plantón é falar a verdade e sustentar o que se diz. (WLF) e (AF)

Quanto

12 rádios foram tomadas pelo povo organizado durante os conflitos em Oaxaca, em 2006


10

de 11 a 17 de setembro de 2008

áfrica

Em Angola, MPLA recebe 82% dos votos ELEIÇÕES Movimento Popular pela Libertação de Angola vence primeira eleição legislativa multipartidária desde 1992 Sam Seyffert

Achille Lollo EM ANGOLA, a primeira eleição legislativa multipartidária se realizou, em 1992, em um cenário de violências, tiroteios e atentados que não intimidaram os eleitores em votar a favor do MPLA-PT, desqualificando a certeza do líder da Unita, Jonas Savimbi, que não aceitou a derrota eleitoral e partiu para uma terceira guerra civil. Finalmente, em 2002, com a morte de Savimbi, iniciou-se entre o MPLA (Movimento Popular pela Libertação de Angola) e a Unita (União Nacional para a Independência Total de Angola) um processo de reconciliação nacional e a fixação de novas eleições para 5 de setembro de 2008. Desta vez, o pleito eleitoral foi, em geral, sereno e tranqüilo, excluindo algumas raras exceções que não passaram de brigas entre grupos rivais. Tanto que os representantes da Human Rights Watch não puderam denunciar as falsificações de cédulas que seus “informantes” da Unita davam por certas.

Mau humor da EU

As eleições se abriram com um clima de desconfiança generalizado. Boaventura de Sousa Santos, apesar da diplomacia em seu artigo de 1º de agosto, no site www.esquerda.net, acreditava na fraude eleitoral por parte do MPLA. Este clima influenciava também a representante da União Européia, Luisa Morgantini, que, na véspera das eleições, declarou que “estas eleições eram um desastre”. A seguir, a vice-presidente do Parlamento Europeu reconheceu que houve só “alguns casos pontuais de anomalias e que por isso a missão européia não iria invalidar todo o processo eleitoral, porém se recusava a admitir que as eleições haviam sido justas e livres”. Para os analistas, o posicionamento mau humorado da chefe da missão européia representa, também, o sentimento de desilusão de uma parte do executivo da União Européia com Angola, que nos últimos anos ampliou suas relações políticas e comerciais com a China, em de-

Comitê eleitoral do candidato vitorioso José Eduardo dos Santos, do MPLA

O pleito eleitoral foi, em geral, sereno e tranqüilo. Tanto que os representantes da Human Rights Watch não puderam denunciar as falsificações de cédulas que seus “informantes” da Unita davam por certas trimento de alguns importantes países europeus. Entretanto as críticas de Morgantini se referiam, sobretudo, à pressão que o governo e seu partido, o MPLA, exercitaram no eleitorado, usando seus principais órgãos de informação – o diário Jornal de Angola; a Televisão TPA; a Rádio RNA e a agência de notícias Angop. Uma acusação que não impediu o reconhecimento da vitória do MPLA, visto que estes órgãos de imprensa, juntamente com a empresa petrolífera Sonangol e a diamantífe-

ra Diamang, são, de fato, empresas estatais eficientes, cujas organizações foram temperadas ao longo de 30 anos trabalhando em precárias condições de guerra. Por outro lado, o governo do MPLA e o presidente Eduardo dos Santos não repetiram o erro cometido em 1992, quando anteciparam o pagamento de subsídios para projetos sociais e produtivos, tanto que os observadores ocidentais e os partidários da Unita interpretaram isso como uma forma de comprar votos.

MPLA com 81,82%

No dia 8, a manchete do Jornal de Angola não escondendo sua intimidade com o poder Executivo, encheu a primeira página com a manchete “MPLA arrasa concorrência”, querendo transmitir aos leitores o peso da vitória do MPLA, que, dos 4.316.934 votos considerados legais por Adão de Almeida, presidente do Comitê Nacional Eleitoral, havia arrematado nada mais do que 3.530.819, enquanto a Unita não passava de 453.266. Diante desses resultados, é fácil entender por que Filomeno Manacás, diretor-adjunto do Jornal de Angola, autorizou uma manchete que aponta para o povo quem é quem na política angolana. Por sua parte, a Unita, o partido da antiga FNLA e o da Renovação Nacional reconheceram que para eles estas eleições foram um verdadeiro desastre. Na capital Luanda e na ho-

móloga província – onde se concentram 2 milhões e meio de angolanos – o MPLA ganhou com 75% dos votos. Nas províncias de Kwanza Norte, Cunene, Huila, Malanje e Namibe alcançou 90% dos sufrágios. Em Moxico, Bié, Uije, Kuando-Kubango, Kuanza-Sul e Huambo, consideradas áreas da Unita, o MPLA ganhou com 70%. Nas províncias do Norte do país, Lunda-Norte e Zaire, o MPLA obteve 65% dos votos. Em Cabinda, onde ainda vigora um acordo de paz com os separatistas da Frente de Libertação de Cabinda, o partido de Eduardo dos Santos ganhou com 58,50%. Somente na província de Lunda-Sul, o MPLA registrou um resultado abaixo da média, com 47,25%, seguido pelo Partido da Renovação Social, com 45,08%.

Reconciliação nacional

Quando a Comissão Nacional Eleitoral angolana anunciou

que haviam sido abertas 90% das cédulas e que o MPLA estava com uma vantagem de 80%, o presidente da Unita, Isaias Samakuva, logo declarou que iria impugnar os resultados porque acreditava que a vitória esmagadora do MPLA, certamente, devia ser fruto de falsificações. A seguir, tal como foi com Morgantini, o presidente da Unita teve que admitir a derrota: “Agora que o MPLA ganhou, teremos quatro anos de trabalho para nos preparar devidamente para participar das próximas eleições de 2012”.

Até mesmo nas áreas consideradas pró-Unita, o MPLA ganhou com 70%. Somente na província de Lunda-Sul, o MPLA registrou um resultado abaixo da média, com 47,25% seguido pelo Partido da Renovação Social, com 45,08%

Por sua parte, o secretáriogeral do MPLA, o histórico comandante guerrilheiro Julião Paulo “Dino Matrosse” reafirmou que “esta eleição legislativa manifesta o desejo do povo em reconstruir em paz e serenidade o país que ficou quebrado após quase 30 anos de guerras: a colonial, a de agressão sulafricana e por último a guerra civil imposta pela teimosia de Savimbi. Por isso, o MPLA fará de tudo para manter abertas as esperanças dos angolanos”. Achille Lollo é jornalista italiano. Diretor do filme América Latina: Desenvolvimento ou Mercado?, também em DVD, em www.portalpopular.org.br.

F. Vieira

A derrota da Unita

Petróleo é ainda o motor da economia

Sem a liderança carismática de Jonas Savimbi, sem o fetiche da luta contra o invasor soviético, sem a possibilidade de atiçar o ódio racial e étnico (humbundos de Huambo contra kimbundos de Luanda), sem as milionárias contribuições em dólares da Freedom House, das diferentes fundações estadunidenses e britânicas e, sobretudo, sem os fundos secretos da CIA e do Serviço Secreto do então regime racista sul-africano, a Unita se tornou um partido de oposição igual a tantos outros. Isto é, com poucos quadros formados para exercer uma perspicaz oposição parlamentar ou capacitados para exercer cargos na administração pública.

Apesar dos esforços, os EUA deverão esperar por mais quatro anos antes de fazer atracar seus portaaviões no porto de Luanda Em 2002, após a morte de Savimbi e a rendição daquela parte da Unita que havia seguido o chefe do Galo Negro na aventura da guerra civil, Isaias Samakuva, então responsável pelas relações internacionais, foi eleito presidente da Uni-

Angolas fazem fila para votar

ta, merecendo, de imediato, os cumprimentos do Departamento de Estado dos EUA, desde sempre ansioso para tirar do poder os homens do MPLA.

Washington

De fato, a Casa Branca, apesar de ter imposto ao governo do MPLA a implementação das regras do mercado e o abandono da fraseologia marxista-leninista, continuou mantendo uma relação preferencial com o novo partido parlamentar da Unita. Na Casa Branca, Condoleezza Rice acreditava que o processo eleitoral fortaleceria a Unita ao ponto de retirar democraticamente o poder do

MPLA, visto que os analistas estadunidenses acreditavam que havia muito descontentamento com o governo do MPLA e um “cansaço social após quase 30 anos de governo”. De fato, a vitória eleitoral da Unita permitiria aos EUA ter na África Austral um governo estrategicamente aliado e fiel. Porém, e apesar dos esforços de Isaias Samakuva, os EUA deverão esperar por mais quatro anos antes de fazer atracar seus porta-aviões no porto de Luanda. Até lá, as empresas e os bancos da China serão os parceiros internacionais mais importantes do governo e da economia angolana. (AL)

Hoje, Angola é o 3º país exportador africano e suas reservas nos blocos offshore localizados em Cabinda – sobretudo a norte de Luanda – são avaliadas em 9 bilhões de barris que, com os atuais ritmos de exploração, acabarão em 2028. Por isso, o governo do MPLA não pode mais desperdiçar tempo e procurar resolver todos os problemas socioeconômicos, além de preparar o país para viver sem a fatura petrolífera. Esta é a idéia do ministro das Finanças José Pedro Morais, que, com José Cerqueira – principal economista neoliberal, autor do Programa de Saneamento Econômico e Financeiro –, agora, pretende convencer o presidente Eduardo dos Santos e o governo a promover uma maior abertura da economia angolana e, conseqüentemente privatizar tudo, deixando ao Estado apenas o ônus de três setores: Defesa, Saúde e Educação. Será uma batalha difícil, visto que com o barril do petróleo a 120 dólares, surgiu uma nova burguesia angolana que se enriqueceu com a exploração das empresas estatais, com a intermediação na importação de produtos de alta tecnologia e com a representação dos interesses das transnacionais. Essa burguesia dificilmente vai permitir que as privatizações cortem uma fonte de lucro considerada fácil, segura e inesgotável.

Tal como o Brasil

Na tentativa de abrir outros horizontes para a economia angolana, e sem interferir bruscamente nos atuais esque-

mas de enriquecimento (e até de corrupção), o presidente Eduardo dos Santos nomeou José Cerqueira para a implantação do projeto Aldeia Nova, que prevê realizar mega plantações de cana-de-açúcar para produzir e exportar etanol.

Principal economista neoliberal, autor do Programa de Saneamento Econômico e Financeiro do país, quer “tornar Angola uma potência agro-industrial e energética tal como oBrasil”, com megaplantações de cana-de-açúcar para produzir e exportar etanol Segundo José Cerqueira, toda a região ribeirinha do rio Cunene, na fronteira com a Namíbia, e parte do KuanzaSul serão transformadas para plantar cana-de-açúcar e, assim, “tornar Angola uma potência agroindustrial e energética tal como oBrasil”. Além desse projeto, o gover-

no pretende construir 1 milhão de casas populares, fazer investimentos de 100 bilhões de dólares durante dez anos para reconstruir e ampliar as infraestruturas. Promessas que certamente devem ajudar o governo nas próximas eleições presidenciais em 2009, quando o presidente Eduardo Dos Santos fará o “sacrifício” de se recandidatar para evitar choques entre os grupos políticos que controlam o MPLA. Enquanto os projetos e as promessas enchem as páginas do Jornal de Angola e cativam o interesses dos banqueiros e empresários chineses, visto que o pagamento dos empréstimos é assegurado pela venda dos barris de petróleo, as ruas de Luanda alimentam, cada vez mais, um fantástico mercado informal, abastecido por sacoleiros internacionais e por um contrabando superorganizado que importa do Brasil e da África do Sul 40% dos produtos de consumo.

Kandonga

José Cerqueira acredita que o governo deverá encontrar soluções para isso, visto que o comércio informal emprega a maior parte da juventude de Luanda, que é atraída pelo lucro fácil da “kandonga” (comércio ilegal de produtos importados), recusando o trabalho assalariado dos projetos governamentais. Tanto é que, hoje, em Luanda há carência de carpinteiros, soldadores, marceneiros, pintores etc. Porém, há uma quantidades enorme de jovens que até sabem traduzir as indicações escritas em chinês dos produtos que vendem nas ruas. (AL)


de 11 a 17 de setembro de 2008

11

internacional

Apenas comércio justo não basta SEGURANÇA ALIMENTAR Problemas que impedem a produção voltada à alimentação local nunca foram resolvidos dessa forma Douglas Mansur/Novo Movimento

José Antonio Segrelles A MAIOR parte das vozes que se fizeram ouvir durante a última reunião da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), em Roma, continuaram insistindo nos mesmos raciocínios de sempre quando falam do campo e da pobreza no planeta, ainda que agora seus argumentos estejam reforçados pelo aumento espetacular dos preços dos alimentos – o qual ameaça com a fome milhões de pessoas do mundo subdesenvolvido. Tais raciocínios são diferentes de acordo com sua procedência. Os governos dos países dominantes, a agroindústria, as grandes firmas de transformação e distribuição de alimentos e os organismos multilaterais (Organização Mundial do Comércio – OMC; Fundo Monetário Internacional – FMI; Banco Mundial – BM) sustentam que a pobreza dos países subdesenvolvidos seria solucionada se houvesse uma maior liberalização comercial no mundo. Os governos dos países pobres e algumas ONGs, por sua parte, insistem que os ricos deveriam abandonar a proteção às suas agriculturas, eliminando de uma vez por todas as ajudas e subsídios ao setor agropecuário para evitar, assim, uma concorrência desleal nos mercados internacionais. As intenções de uns e outros são muito diferentes, algumas até boas, ainda que, do meu ponto de vista, sejam igualmente equivocadas e ao final desemboquem na implementação de estratégias e receitas muito parecidas.

Livre mercado

Como aponta o historiador Eric Hobsbawn, imaginar que o comércio internacional livre e sem limitações permitirá que os países pobres se aproximem dos ricos vai contra a experiência histórica e o senso comum. Quem ganha mais e melhor com as aberturas de mercados são as corporações transnacionais de grande distribuição organizada. Inclusive as recentes políticas agrárias da União Européia, que tentam adaptar o setor a um comércio internacional livre de travas aduaneiras e de subsídios agrícolas protecionistas, foram feitas para atender às grandes companhias agroalimentares do continente. E estas não se movem exatamente pela solidariedade e nem pelo altruísmo de um comércio internacional mais justo, mas sim pelo interesse em comprar as matérias-primas que utilizam ou os produtos frescos que vendem ao preço mais baixo possível para negociá-los o mais caro que puderem. Em qualquer um dos casos, e à luz de experiências concretas, a liberalização comercial que preconizam esses paladinos do livre-comércio implica de fato em prejuízo claro para os pobres dos países ricos, mais precisamente, aos agricultores, em benefício quase exclusivo dos ricos dos países pobres, ou, o que dá no mesmo, a oligarquia latifundiária, a agroindústria e os exportadores mais dinâmicos, sem esquecer, claro, das transnacionais que ali atuam.

Agroexportação

Para conseguir as matériasprimas e os produtos agroalimentares a um preço baixo, essas pujantes corporações, com a conivência de muitos governos locais, fomentam os modelos agroexportadores, baseados em uma monocultura depredadora e empobrecedora que arruína os ecossistemas, a agricultura camponesa e a organização social de muitas comunidades rurais. A distribuição organizada precisa de grandes fornecedores capazes de oferecer enormes quantidades de produtos padronizados, a um preço mínimo e no menor tempo possível, e, por isso, procuram os países subdesenvolvidos, onde a terra e a mão-de-obra são baratas e a legislação ambiental e trabalhista são permissivas. Além disso, o modelo agroexportador supõe que muitos países dediquem as terras de cultivo aos produtos susce-

O modelo produtivo agroindustrial é dominante e inviabiliza a agricultura familiar

Sobram pessoas bem intencionadas, que compram um produto de um país subdesenvolvido pensando que assim está apoiando os camponeses desses lugares

tíveis de serem vendidos nos mercadores exteriores (flores, hortaliças, soja, cítricos, canade-açúcar), em detrimento da produção alimentar da população local (trigo, arroz, mandioca, feijão). O mundo desen-

volvido cada vez consome mais produtos que vêm de longe e fora da estação correta. Tudo isso provoca enorme êxodo rural e leva a fome e a desnutrição para milhões de seres humanos, assim como uma grande contribuição à poluição e ao aquecimento global. A questão agroalimentar e as ameaças que pairam sobre ela têm muito que ver com a existência de dois modelos produtivos: a agricultura familiar e camponesa e a agroindústria. Este último é dominante e sua influência afeta o mundo camponês até o ponto de contribuir com sua inviabilidade e conseqüente desaparição. Definitivamente, os problemas que oprimem os agricultores dos países pobres são muito parecidos com aqueles que devem ser enfrentados pelas famílias dos países ricos.

Luta no campo

Apesar dos eloqüentes discursos e declarações oficiais,

os quais tranqüilizam as consciências e ajudam a difundir entre a população mundial a preocupação um tanto cínica de muitos governos e das instituições de Washington (FMI e BM), a realidade demonstra que os alimentos sobem de preço constantemente, e que cada vez menos pessoas têm acesso a eles. Por outro lado, o termo comércio justo encontra-se cheio de confusões e ambigüidades. Existe uma visão tradicional cujo enfoque orienta-se sobre a necessidade dos camponeses dos países pobres venderem seus produtos no exterior como forma para sair do subdesenvolvimento. No entanto, há uma outra maneira mais global e crítica de enfrentar a questão, pois sobram pessoas bem intencionadas, que compram um produto de um país subdesenvolvido pensando que assim está apoiando os camponeses desses lugares, quando na verdade está contribuin-

do para fomentar um modelo produtivo depredador e responsável por grandes impactos ambientais e exclusões sociais em amplas áreas do planeta. O comércio justo serve para sensibilizar a população; até aqui perfeito, mas os graves problemas estruturais que perseguem os camponeses impedem a produção agrária voltada à alimentação local e ameaçam a soberania alimentar dos povos nunca foram resolvidos dessa forma.

União internacional

Por mais paradoxal que pareça à primeira vista e contra aquilo que se insiste propagandear nas mais diversas instâncias, a melhor forma de defender os camponeses dos países subdesenvolvidos é proteger os agricultores familiares das nações ricas. Assim, o comércio seria mais eqüitativo, o consumo ganharia em responsabilidade e as grandes transnacionais de distribuição e trans-

formação agroalimentares ficariam impossibilitadas de arruinar uns e outros. Talvez os países subdesenvolvidos devessem renunciar à miragem da liberalização comercial e da assinatura de tratados de livre-comércio com as nações dominantes e se agruparem em blocos regionais políticos e econômico-mercantis que os possibilitariam defender melhor seus interesses, dando proteção aos seus produtores e camponeses mediante a implementação de uma preferência comercial regional similar à que inspirou a Política Agrícola Comum (PAC), quando foi criada a Comunidade Econômica Européia (CEE), em 1957. José Antonio Segrelles, catedrático em geografia humana, é diretor do Grupo Interdisciplinar de Estudos Críticos e da América Latina (Giercryal) na Universidad de Alicante (Espanha).


12

de 11 a 17 de setembro de 2008

cultura

Embrafilme seria hoje uma Petrobras do audiovisual

Gama

CINEMA Para Luiz Carlos Barreto, o audiovisual é algo tão importante como o petróleo e a energia Beto Almeida de Brasília (DF) A DECLARAÇÃO que dá título a este texto é de Luiz Carlos Barreto, um dos mais renomados produtores do cinema brasileiro (Olga, Dona Flor e seus Dois Maridos, dentre outros), ao posicionar-se favoravelmente à reconstituição de uma empresa pública capaz de alavancar a produção audiovisual brasileira, assegurar ao povo o acesso ao cinema brasileiro e proteger o setor da ocupação internacional. “A Embrafilme cumpriu um papel excepcional no passado e se não tivesse sido privatizada, destruída pelo furacão Collor, hoje ela prometia ser uma empresa do porte de uma Petrobras ou uma Vale do audiovisual. Ela estava indo nesse caminho”, exclama. Barretão, como é conhecido, lembra que a Embrafilme era uma empresa de economia mista que atuava eficientemente, de forma que naquele período o cinema brasileiro chegou a deter 44% do mercado. “Depois da demolição da Embrafilme, nós praticamente fomos a zero e hoje ainda não alcançamos nem 10% do mercado cinematográfico. Temos que tirar a cultura e o cinema, em particular, do casulo das elites, pois só os freqüentadores de shoppings, as elites, têm acesso aos bens culturais”, explica. Para o cineasta e produtor, o audiovisual é algo tão importante como o petróleo e a energia. “Informação e conhecimento aliados ao espetáculo, pois através do espetáculo se pode democratizar didaticamente a informação e o conhecimento, que são itens estratégicos no mundo atual”, argumenta. Barretão ainda acrescenta que hoje há duas prioridades muito claras, os alimentos e as imagens, afirmando que no audiovisual também estão envolvidas ques-

Barreto se declara escandalizado com o fato de fazer parte de um povo de 190 milhões de habitantes, dos quais apenas 10 milhões freqüentam cinema, 1 milhão compra discos, 100 mil consome livros e 300 mil vão ao teatro

tões como a conquista ou não da soberania nacional e a conformação de uma identidade cultural de nação, sem esquecer a geração de empregos.

O futuro no passado

Luiz Carlos Barreto entende que o cinema brasileiro vive um processo crônico de dificuldades, mas avalia que o país possui todas as armas necessárias para superar essa fase e tornar o setor evoluído, em direção à auto-sustentabilidade do audiovisual. “Essa luta já poderia ter sido vencida. Nosso futuro está no passado, ou seja, nós já tivemos 44% do controle do mercado do cinema para a produção nacional. Falta-nos um projeto estratégico”, sinaliza. Para ele, não basta estimular a produção, todas as leis de incentivo à cultura reduzem-se à

produção, mas não incidem sobre o consumo dos bens culturais. Traçando uma radiografia do consumo da cultura no Brasil, Barreto se declara escandalizado com o fato de fazer parte de um povo de 190 milhões de habitantes, dos quais apenas 10 milhões freqüentam cinema, 1 milhão compram discos, 100 mil consomem livros e 300 mil vão ao teatro. “Isto não existe!”, protesta. Para ele, se estamos numa sociedade de consumo de massas na qual não pode fazer cinema para um círculo restrito da elite e se sentir confortável com isso. Como alternativa, Barreto propõe que seja instituído o Vale-Cultura, similar ao Vale-Refeição, por meio do qual o trabalhador e sua família poderiam ter acesso ao consumo de bens culturais. Ele lamenta

a existência de uma queda-debraço entre o Ministério da Cultura (MinC) e o Ministério da Fazenda, atrasando a implantação do mecanismo, em razão de uma discordância sobre a inclusão ou não no sistema das empresas de lucro presumido, além das de lucro real. “A sociedade é que está sendo prejudicada com esse embate”, lamenta o veterano produtor.

Burocracia

Barreto critica a existência de um enorme contingente de burocratas nos órgãos de cultura, sem que haja gente realmente vinculada ao cinema. Ele conta com tristeza que recentemente o premiadíssimo cineasta Nelson Pereira dos Santos foi recebido numa Secretaria do Minc com a seguinte pergunta: “O senhor é de onde?”.

Embora critique o inchaço de burocratas, Barreto faz questão de defender a presença do Estado como ferramenta indutora e executora de políticas públicas capazes de defender o audiovisual brasileiro, tal como se faz na França ou na Venezuela. “Se nós tivéssemos um público de 50 ou 60 milhões de pessoas com capacidade de consumir cultura, tudo seria resolvido na disputa de fatias de mercado pelos empreendedores, mas a realidade não é essa”, diz.

Villa Del Cine

Barreto declara-se impressionado com o que viu em viagem recente à Venezuela, onde visitou o projeto governamental chamado Villa Del Cine, cujo objetivo é dotar não apenas a Venezuela, mas a América Latina de uma capacidade de pro-

dução de alto nível, uma espécie de Hollywood latino-americana. “Eu vi tecnologia de ponta à disposição de diretores, editores, montadores, produtores; quase não vi burocratas, mas gente com a mão na massa, realizando filmes sobre temáticas nacionais e latino-americanas. É assim que se aprende, fazendo, não apenas em teoria”, relata um entusiasmado Luiz Carlos Barreto, que, inspirado, lembrou do cineasta revolucionário italiano Roberto Rosselini, para quem educar-se é vivenciar. “Temos aqui o exemplo do Lula, que é um doutor na vida, aprendeu vivendo, apanhando, superando, não na teoria”, declara, sem esconder a satisfação de não ter visto no país caribenho inchaço de burocratas e de ver o cinema venezuelano levantando vôo.

CRÔNICA

Quem viu o que não foi visto viu o quê? Um lobisomem! E logo vieram os tiros que saíram da espingarda, uma luz que se acendeu e o lobisomem que pulou a cerca Augusto Juncal Da minha “lembrança do fato” ao “fato em si” são 35 anos. A história que agora conto esteve displicentemente guardada. Digo displicentemente guardada para não dizer esquecida. Pois nessa vida nada se esquece. Tudo permanece. Latente permanece. A mente pode não lembrar, mas alguma outra parte do corpo seguro que não esqueceu. Minhas pernas, por exemplo, jamais esqueceram. Tremeram tanto que foram incapazes de se mover. Mas como as pernas são submissas à mente, assim como todas as demais partes do corpo, elas silenciaram sobre o assunto, e a mente pôde ver-se livre do incômodo dessa lembrança irracional, inexplicável. Incontável. Quando o “fato em si” aconteceu, o menino que não cabia em si de medo do fato tinha dez anos. Aos dez anos não se vive ainda sob a ditadura da mente. E o homem de 45 anos não pode mais perguntar, ao menino de dez, como foi mesmo que o fa-

to foi. Pois o homem de 45 displicentemente esqueceu como o menino de dez pensava. Os pensamentos e as visões do menino de dez estão guardadas por alguma outra parte do corpo que a mente do homem de 45 silenciou. Se esse homem pudesse agora pensar com suas pernas, o fato em si se revelaria na sua essência. Pois, mesmo que a mente do homem pudesse conversar com a mente do menino, isso não ia adiantar muita coisa. Pois mesmo a mente do menino de dez, naquele tempo de dez já pensava com fortes influências de outros homens de 45. Por isso o menino, ao ver o que viu, superpôs o que viram por ele. As histórias antes contadas, os desenhos antes desenhados, as imaginações antes imaginadas revestiram naqueles segundos a imagem que ele via. Que concretamente via. Por isso, tantos anos depois, ele não sabe bem o que viu. Mas sabia que tinha visto algo. Algo que só suas pernas souberam o que era. Pois ali, na porta que dava pro terreiro da casa, olhando para dentro da noite, ele via o que seu tio gritava: Um lobisomem! Um lobisomem. E logo vieram os tiros que saíram da espingarda, uma luz que se acendeu e o lobisomem que pulou a cerca de um só pulo e escapuliu para mais dentro ainda da noite escura. O menino de dez anos era um menino do asfalto. Lia Monteiro Lobato, mas sabia, ou sabiam por ele, que sacis, lobisomens, mulas-sem-cabeça não existiam. Ou só existiriam

Reprodução

quando São Tomé baixasse um decreto atestando a existência de uma coisa ou outra. Mas, como São Tomé é muito preguiçoso, ele não anda baixando decretos sobre a existência desses seres. Mas também não há da parte dele nenhum decreto que ateste que eles não existem. Não que São Tomé seja um Poncius Pilatos e lave as mãos, deixando a cada um a decisão de acreditar ou não. Ele simplesmente prefere não se pronunciar, respeitando assim o livre-arbítrio das pessoas. Mas as pessoas são mais filhas de São Tomé do que de Deus. Meu tio mesmo disse no café da manhã: “Só acredito porque vi. Se não tivesse visto, não acreditava”. E meu tio, mesmo morando na cidade de São Pedro, não negou nenhuma vez sua verdade. Vira de fato um lobisomem. Sustentou sua convicção na visão. Al-

guns a quem ele contou o fato acreditaram porque já tinham visto. Outros que nunca tinham visto, é claro, deram boas gargalhadas às custas de meu tio. Eu achei isso uma falta de respeito. Ninguém precisa acreditar no outro, mas também não precisa rir dele. Mas a minha tia, mulher do meu tio, que foi quem acendeu a luz, mas chegou atrasada, pois o lobisomem já tinha pulado a cerca, era mais filha de Deus. Ela dizia: “Nunca vi, nem quero ver. Mas sei que existe. Meu pai já viu muitos. E minha mãe uma vez viu um pelo buraco da fechadura, no meio do terreiro, comendo as galinhas. Eu era pequena, mas lembro que ela viu”. E eu, menino do asfalto, vi pela primeira vez, e também única, o meu lobisomem. Vi ou viram por mim. Explico: além das histórias contadas, dos de-

senhos desenhados, das imaginações imaginadas, teve o tempo do fato. Tempo. Horror da lembrança. Ele atua destrutivamente sobre ela em duas frentes: ao longo de seu percurso, desbotando suas cores, como sol incidindo inexoravelmente sobre a capa de um livro; e ali, na rapidez do instante, no flash do piscar dos olhos, que se estes pudessem revelar o que viam, como uma polaroide, tudo se resolveria. Mas não. O “fato em si” teve um tempo vertiginoso de velocidade vertiginosa. Meus olhos mal tiveram a certeza do que via, meus ouvidos já me falavam: Um lobisomem! Um lobisomem! Meus ouvidos viram um lobisomem. Meus olhos não sabiam o que viram. Mas sabiam que viam algo feio, amedrontador, que de um pulo inteiro saltou sem tocar a cerca, numa velocidade não-humana. Meus olhos também viram três dos filhotes da cachorra de meu tio comidos pela metade, e a cachorra, que tentava proteger seus filhotes, arranhada como que por garras de onça. Ah! Importante: o bicho estava acocorado diante dos filhotes. E dessa mesma posição ele alçou o pulo dois palmos mais alto sobre a cerca que era alta. Pulou parabolicamente. Foi o latido desesperado da cachorra e os incessantes e altos ganidos dos filhotes que nos despertaram a todos. Todos que eram apenas três: eu, meu tio e minha tia, que corajosamente, enquanto meu tio pegava a espingarda, agarrou

o rastelo, para enfrentar quem quer que fosse que estivesse ali no quintal naquela hora da noite. Eu peguei a madeira que reforçava a porta que não fechava muito bem. Hoje eu conto o que acho que vi. Melhor, o que acho que achei que vi. Mas minha intuição me diz que vi muito mais. Mas, como a grande maioria dos homens são mais filhos de São Tomé do que de Santo Agostinho (para não meter Deus outra vez nessa estória), intuição não conta. Não conta porque não é conhecimento. É experiência não-empírica. Improvável. Assim sendo, e tendo tudo acontecido em São Pedro, eu deveria ter negado essa estória. Negado meu tio. Negado a mim mesmo. Simplesmente tendo dito que aquilo era um cachorro grande, feio e faminto. Mas não o fiz. Primeiro, porque, por mais submissas que minhas pernas sejam à minha mente, o medo que elas guardaram é tão primitivo e tamanho que, no repouso da mente cansada, ele vem como rio chovido na cabeceira. Segundo, porque não sou filho nem de São Tomé e nem de São Pedro. E embora eu tenha lá minhas simpatias por Santo Agostinho, sou filho mesmo de Santo Shakespeare, que disse: existem mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia. Augusto Juncal é integrante da torcida organizada Gaviões da Fiel e do Coletivo de Projetos Internacionais do MST.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.