Circulação Nacional
Uma visão popular do Brasil e do mundo
Ano 6 • Número 297
São Paulo, de 6 a 12 de novembro de 2008
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Obama assume país destruído por Bush
Barack Obama, o primeiro presidente negro dos EUA
Barack Husseim Obama é o 44º presidente eleito dos Estados Unidos. Desde o momento em que se lançou candidato, este havaiano de 47 anos – de mãe branca e pai negro do Quênia – não permitiu que correligionários usassem o tom de sua pele na campanha. Contra ou a favor. E essa foi a sua primeira vitória: isolar essa cor que parece estigma nos EUA. Obama não terá aqueles famosos “cem dias” de trégua concedidos a presidentes eleitos. As conseqüências do governo de George W. Bush, que, no momento, conta com apenas 25% de
popularidade, lhe cairão imediamente nas costas a partir do dia 20 de janeiro de 2009, quando deve tomar posse. E o legado de oito anos de Bush é trágico: cidadãos dormindo dentro de carros por terem perdido suas casas, o painel de Wall Street com setas vermelhas mostrando a queda das Bolsas, torturas de prisioneiros políticos em Abu-Ghraib e Guantánamo. E as guerras do Iraque e do Afeganistão, que meteram os EUA num verdadeiro pântano. Sem contar com o que ainda pode acontecer até o final do governo Bush. Pág. 9 Joka Madruga
José Luis Quintana/ABI
Pontos positivos e negativos da nova Constituição boliviana No dia 25 de janeiro de 2009, os bolivianos serão chamados a referendar uma nova Carta Magna para o país. O projeto foi finalizado após negociações que resultaram na alteração de mais de 100 (dos 408) artigos da Constituição. Em entrevista, o sociólogo Eduardo Paz Rada faz um balanço sobre os avanços e recuos da proposta. Pág. 12
REFORMA AGRÁRIA – Cerca de 1,5 mil famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) estão acampadas desde o dia 1º na Fazenda Variante, em Porecatu (PR). Em agosto, a área foi embargada por manter trabalhadores em condições análogas à escravidão. Pág. 6
Na Itália, um milhão nas ruas de Roma Privatização do ensino será alvo de novas manifestações
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No dia 14, cerca de um milhão de estudantes, professores, funcionários e pais de alunos deverão se mobilizar em protesto contra projeto do presidente italiano, Silvio Berlusconi, de
Um outro olhar sobre a criminalidade
20 anos sem Chico Mendes
Em 22 de dezembro de 1988, assassinos ligados à UDR (União Democrática Ruralista) pensaram calar com uma bala a voz cuja força, tal como uma poronga, continua iluminando caminhos. Porém, o legado do seringueiro e o seu sonho de uma sociedade que combinasse socialismo com ecologia continuam vivos. Pág. 7
privatizar o ensino. A revolta é contra a Lei Gelmini, aprovada no Senado em outubro, que prevê o corte de funcionários e professores, além do fechamento de laboratórios de ensino e de
programas desportivos. Já os metalúrgicos marcaram para o dia 12 de dezembro uma greve geral a partir da qual querem levar 1,5 milhão de pessoas às ruas de Roma. Pág. 10 Uomo Invisibile
“Hoje, a criminalidade não é mais um problema da sociedade consumista, ela é justamente um prérequisito para você isolar através do encarceramento, do extermínio, aqueles que, obrigatoriamente, têm que estar fora do jogo de consumo.” A análise, própria de um militante de esquerda, é do delegado Orlando Zaccone, titular do 52º DP de Nova Iguaçu (RJ), que desenvolve projetos sociais com presos sob sua custódia. Pág. 3 ISSN 1978-5134
Estudantes italianos vão às ruas protestar contra Berlusconi e a privatização do ensino
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de 6 a 12 de novembro de 2008
editorial
NOS MOMENTOS das grandes crises do capitalismo, a velha contradição capital-trabalho tende a se aguçar, resolvendo-se sempre de forma aguda por um dos seus extremos. Basta nos determos nos exemplos de 1914 e 1929: derrocadas de impérios, de regimes e até mesmo de sistemas em diversos países, como o caso da Revolução Russa, em 1917, que mandou para os ares o czarismo, constituindo a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Ou seja, é no momento dessas grandes crises, que desorganizam o mundo capitalista, que se abrem grandes crises políticas que têm como conseqüência profundas mudanças. O desfecho em cada país, porém, depende da correlação de forças entre as diversas classes. Assim, o desfecho “poderá ser de bom proveito das classes dominantes ou das classes dominadas, a depender do grau de organização (o que inclui, entre outras coisas, organizações e movimentos de massa, partidos, projetos e programas) e da clareza política dessas classes” (ver editorial “Como os trabalhadores e o povo podem vencer a crise dos EUA”, Brasil de Fato, nº 258 – 7 a 13 de fevereiro de 2008).
A questão econômica, sua importância e limites
Nesses momentos, ainda que seja importante percebermos a dinâmica econômica geradora da crise e a dimensão (e conseqüências) das medidas que são tomadas pelo capital no sentido de resolvê-la a seu favor, é fundamental não cairmos numa postura economicista: a solução sempre foi e será política. Para impor seus
debate
Esboços de uma política para os trabalhadores derrotarem a crise mecanismos econômicos, o Estado e seus aparatos, construídos e geridos hegemonicamente pela burguesia, irá gerar (constitucionalmente e/ou não) novos mecanismos institucionais capazes de impor sua solução às demais classes. Neste momento, uma análise mais exata da economia, com suas mil variáveis e possíveis cenários – embora desejável – é quase impossível para nós, a esquerda. Além das importantes teses teóricas mais gerais sobre a natureza das crises capitalistas, seus desdobramentos etc., não conseguimos avançar muito. Isso portque, entre outros motivos, o acesso às informações e dados continua sob o controle do capital. O que conseguimos enxergar é a ponta do iceberg: o tamanho, formato, constituição etc. da parte submersa, oculta, sabemos apenas que é capaz de dar conta de uma esquadra de milhares de Titanics – no entanto, não sabemos sequer com precisão por onde vaga a geleira. E mais: se permanecermos atônitos frente ao iminente desastre, não esqueçamos: como no filme, só tem escaleres para a primeira classe – do que podemos concluir que a primeira disputa será em torno dos escaleres.
Rápida pincelada no quadro internacional
Na verdade, a atual crise pega a classe trabalhadora e o povo, no plano internacional, fragilizados. Embora as manifestações eleitorais (e seus
resultados) na América Latina – mesmo que muitas vezes os governantes eleitos se desviem de seus propósitos e/ou programas e/ou compromissos originais de campanha – representem uma vontade dos povos de resistência e mudanças frente ao grande capital internacional, o fato é que, na maioria desses países (exceção talvez apenas de Cuba e da Bolívia), essas eleições não traduzem (nem se traduzem, mesmo a posteriori, em) fortes organizações independentes dos trabalhadores e povos desses países. Essa desorganização e refluxo dos movimentos populares acontece em todos os Continentes. No Hemisfério Norte, nos grandes centros do capital, essa situação se agudiza, pois vem acompanhada de um grande avanço da ultradireita que governa quase toda a Europa, para não falarmos dos EUA, onde republicanos e democratas, do ponto de vista em que nos colocamos, fazem pouca diferença. Entre outros desmandos e intervenções, foram exatamente os democratas os articuladores do golpe de 1964 em nosso país.
No Brasil, por onde podemos começar
Obviamente um programa mais aprofundado para o enfrentamento da crise não surgirá de meia dúzia de mentes: será resultado de uma discussão política capaz de envolver todos nós, ou seja, será resultado de uma inteligência maior, coletiva.
crônica
Ron Jacobs
Fronteiras, uma bobagem AS PRIMEIRAS notícias eram incertas. Os Estados Unidos atacaram um vilarejo na Síria? Mataram oito pessoas? Um posicionamento definitivo do porta-voz das forças armadas não foi feito. As agências internacionais afirmavam que o ataque havia sido feito pelos EUA, mas recuaram depois, não tão certos da informação. Mas, como veio a se confirmar mais tarde, no dia 26 de outubro, um helicóptero da Força Especial estadunidense fez uma incursão intencional na fronteira do Iraque com a Síria, entrando no território deste último. Naturalmente, o Pentágono afirmou que apenas “rebeldes” foram mortos. Porém, as imagens e fotos dos meios de comunicação mostram parentes de civis chorando. O fato é que Washington provou, mais uma vez, o desprezo pelas leis internacionais. No mesmo mês, incursões similares foram feitas, também pela Força Especial dos Estados Unidos, em um vilarejo do Paquistão, onde diversas pessoas foram mortas. Quando os protestos contra esse ataque ocorreram na capital paquistanesa, Islamabad, o Pentágono decidiu “recuar” e fazer ataques aéreos apenas. A principal razão para isso é que o Pentágono sabe muito bem que pode perder alguns soldados se voltar ao território paquistanês de novo. Como é sabido, imagens de soldados estadunidenses mortos nunca “caem” bem para o governo. Por algum motivo, ataques aéreos com mísseis e bombas são considerados menos imorais do que incursões militares que envolvem soldados. Isso desprezando-se o fato de que ataques terrestres raramente matam tantos civis quanto mísseis e bombas jogadas de aviões. Para além da gravidade desses ataques que mostram toda desconsideração pela vida de civis, há o fato temerário de que os Estados Unidos desrespeitam continuamente as fronteiras de países soberanos. Não se trata de um bando armado qualquer que decide cruzar uma fronteira e matar pessoas, mas sim da maior força militar do país mais poderoso do mundo e que considera suas próprias fronteiras absolutamente invioláveis. Consideração apenas para os aliados. Um oficial entrevistado pelo Washington Post, no dia 28 de outubro, afirmou: “Os países têm que limpar a ameaça global que opera internamente, e se não o fizerem, não temos outra escolha a não ser tomar nós mesmos uma atitude”. Por “ameaça global”, entende-se, naturalmente, os entraves aos desejos
No entanto, desde já, ficam claras algumas questões: Além da palavra de ordem genérica, de que é necessário organizar a nossa classe e nossos aliados, é necessário saber para quê. Não se organiza ninguém em torno da palavra de ordem “organizar”, ou em torno de abstrações teóricas. Não basta também esperar os efeitos econômicos mais graves, ou listarmos as reivindicações específicas de cada setor, categoria ou segmento de classe, enquanto eixo para nossas lutas. Ao contrário: é necessário superarmos essa fragmentação. Para avançarmos, mais que nunca, é necessário defendermos e aprofundarmos os instrumentos democráticos conquistados desde as lutas da segunda metade dos anos de 1970, a maioria dos quais consolidados em nossa Constituição de 1988. A Constituição de 1988 é filha de uma correlação de forças, quando os movimentos e organizações populares estavam em seu auge de ascenso, e impuseram diversas conquistas que fizeram daquela Carta a mais avançada que já tivemos, ainda que esteja distante do que seria uma democracia dos trabalhadores e do povo. Não é à-toa que desde então todas as investidas da direita vêm sendo no sentido de mutilar esse documento, aproveitando-se do enfraquecimento e refluxo das nossas lutas. No mesmo espírito, cabe-nos barrar, neste momento, qualquer reforma política. Na atual conjuntura, reforma
Gama
Os Estados Unidos confundem freqüentemente sua própria segurança com a do mundo e, ao fazerem isso, acabam deixando o resto do globo mais vulnerável e inseguro estadunidenses, não os do mundo. Washington confunde freqüentemente sua própria segurança com a do mundo e, ao fazer isso, acaba deixando o resto do globo mais vulnerável e inseguro sempre que age em nome da sua própria autodefesa. Outro aspecto dessas incursões é usar o Iraque como base para atacar países vizinhos, o que passou a ocorrer após a queda de Saddam Husseim, e é uma das razões pelas quais tantos iraquianos se opõem ao acordo militar que está sendo negociado na Zona Verde de Bagdá, região fortificada da cidade que abriga as principais sedes de governos e embaixadas ocidentais. Esses ataques aos países próximos colocam o Iraque em uma posição delicada diante de seus vizinhos, ainda que as autoridades iraquianas muitas vezes sequer saibam desses ataques com antecedência. Mais uma razão para as tropas estadunidenses deixarem o Iraque. Enquanto elas permanecerem no país, usarão seu território como base de operações e intervenções em países do Oriente Médio, pouco importando o que outras autoridades nacionais e internacionais digam. Quanto ao ataque feito à Síria, há informações de que o governo inicialmente apoiou a incursão, ainda que
houvesse divergências. O certo é que, se os EUA decidirem atacar o Irã, os iraquianos não ficarão nada felizes. Entretanto, como estão completamente subordinados a Washington, suas palavras de protesto de nada adiantarão. Afinal de contas, o que poderiam fazer? Mas surpreende que o Congresso estadunidense continue a tolerar esses ataques em países com os quais os EUA não estão declaradamente em guerra. Por que nenhum democrata eleito protesta em relação a isso, quando boa parte deles se elegeu há dois anos prometendo empenhar-se na retirada das tropas? Primeiro, é que a administração Bush tem ligado a presença estadunidense no Iraque e Afeganistão com uma bem-sucedida luta ao terror. Lembremos das palavras contidas na resolução que deu início a esses episódios nefastos: “o presidente é autorizado a usar todas as forças apropriadas e necessárias contra nações, organizações ou pessoas, por ele determinadas, que estejam comprometidas ou ajudem organizações terroristas vinculadas aos ataques de 11 de setembro de 2001, com o objetivo de prevenir quaisquer atos de terrorismo contra os Estados Unidos por parte dessas nações ou pessoas”. A outra razão é o fracasso do povo estadunidense em criar e manter um movimento amplo e forte contra essas atuais guerras. Desmobilizados, permitem que a sanha dos EUA vá em direção ao Paquistão e à Síria. (Zmag – www.zmag.org) Ron Jacobs é escritor, autor de The Way the Wind Blew: A History of the Weather Underground. Já colaborou com ensaios e artigos para Counterpunch, Monthly Review, ZNet, Berlin Jungle World, Zaman Daily, Works in Progress e outros.
política significa perda de direitos e/ ou consolidação de novos instrumentos de dominação. Impedir que a direita e ultradireita se apropriem das instâncias do Estado e construam uma dominação de viés fascista para imprimir suas soluções (em detrimento dos nossos interesses) para a atual crise, implica também massificar e empunhar a bandeira de julgamento e punição dos torturadores (e seus mandantes), expulsando-os do aparelho de Estado e de qualquer posto de comando. Esta não é uma luta apenas da geração que foi perseguida durante a ditadura. Esta é uma luta pela democracia, de interesse das classes que representamos. É, sobretudo, importante termos a clareza de que a luta institucional é também uma das manifestações da luta de classes e, ainda que não sendo o terreno principal do nosso combate, temos de fazer essa disputa. Os resultados eleitorais registrados nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro configuram-se em dois desastres. Serão trampolins para forças mais reacionárias tentarem (e podem conseguir) alcançar a presidência da República e nos arrastar para suas aventuras belicosas e fascistóides. Por fim, é preciso nos fortalecermos para evitar que a sucessão em 2010 seja consumada à margem do jogo democrático estabelecido em 1988. Apesar dos limites de estabelecer parâmetros mais completos de prioridades, entendemos que a discussão desses pontos que indicamos pode ser de grande ajuda na preparação dos trabalhadores e do povo brasileiro para o enfrentamento dos dias sombrios que ameaçam desabar sobre o mundo.
Luiz Ricardo Leitão
O chauvinismo neoliberal sobre rodas “CARIOCAS NÃO gostam de sinal fechado”, cantou com certa dose de lirismo a gaúcha Adriana Calcanhoto. Não cabia à cantora esticar seus versos para analisar por que tal fenômeno se naturalizou entre nós, mas, como ao cronista quase tudo é permitido, peço licença ao leitor para abordar o tema agora que a histeria em verde, amarelo e vermelho já dá sinais de esgotarse com o desfecho do GP Brasil de F-1, e a imprensa da filial ocupa-se tãosomente das eleições à presidência da matriz. De fato, é uma terra curiosa esta nossa Bruzundanga: com uma independência consentida e uma grotesca proclamação de República, não existem figuras públicas para cultuar ou reverenciar, como ocorre em Cuba (onde José Martí inspira todo o ciclo revolucionário que resulta na Revolução de 1959) e na Venezuela (pátria do grande libertador Simón Bolívar), de sorte que todos os pajés desta aldeia, sobretudo a mídia, patrocinam ícones épicos para o imaginário coletivo nacional. Assim, no rastro do perverso caldo de cultura que a indústria automobilística – fator chave para a consolidação do capitalismo monopolista no país – nos legou, surgem os semideuses sobre rodas, dos quais o bom moço Aírton Senna (aquele cujo ‘namoro’ com Xuxa ajudou a loirinha global a tornar-se “a rainha dos baixinhos” na tevê) foi, sem dúvida, o estereótipo mor. O crescimento do tão decantado “circo da F-1” na era neoliberal, por sinal, merece uma breve reflexão. O pseudo-esporte, que na verdade é um laboratório das grandes fábricas automotivas (Ferrari, Mercedes, Renault, Honda, Toyota etc.), remonta à primeira metade do século 20, mas sua expansão se dá após a 2ª Guerra, quando as corporações do setor investem sobre novos mercados para ampliar seus lucros. A partir da primeira grande crise do petróleo, em 1973, quando a OPEP reajustou o preço do barril em quase 100%, assim como no limiar da década de 1980, quando a segunda crise do produto leva a organização a limitar sua cota total de produção para manter a cotação da mercadoria, o circo consolida seu caráter comercial e torna-se um instrumento eficaz na busca de novos consumidores. O “Brasil Grande” fora impulsionado por essa indústria (Volks, Ford etc.) e, não por acaso, no auge das crises, aqui surgiriam Fittipaldi (bicampeão em 1972 e 1974) e Piquet (tricampeão em 1981, 1983 e 1987). Depois, em plena era Collor, projeta-se o tricampeão Senna, com o qual a mídia, em especial a Rede Globo, iria faturar milhões em publicidade. Eles simbolizam o sucesso que somente os donos das mais velozes – e poderosas – máquinas poderão desfrutar. Por isso, sejam eles cariocas, paulistas, gaúchos e outros mais, todos odeiam sinais fechados e aqueles pedestres que insistem em cruzá-los, os excluídos da sociedade chauvinista sobre rodas. Essa agressividade, aliás – típica das elites, porém já assimilada por certa parcela das classes populares –, manifestou-se em Interlagos, na forma deselegante e hostil com que o “seleto” público dolarizado do evento tratou o inglês Lewis Hamilton, que se assustou não só com as vaias e palavrões, como também com os cartazes que incitavam outros pilotos a “dar uma porrada” no rival. Saudades do pelourinho ou mero chauvinismo neoliberal estimulado pela mídia (sob a batuta da Globo, essa grande “pedagoga” da Paidéia audiovisual pós-moderna)? É claro que, ao priorizar a ordem privada e abandonar o espaço público, fomentando o transporte individual em detrimento do coletivo e de massa, a opção neoliberal não leva a lugar algum: os órfãos de Senna perdem horas para cruzar as ruas das metrópoles e só podem voar a mais de 100 km nas madrugadas dos fins de semana, quando flertam com a morte nas vias expressas que os alcaides não cansam de inaugurar às vésperas das eleições. Não sou profeta, mas posso prever que, daqui a mil anos (se o capital não destruir o planeta antes), quando os arqueólogos estudarem a nossa ‘civilização’ e, em vez de múmias, descobrirem milhões de toneladas de ferro e latão enterrados, todos se indagarão como conseguimos sobreviver a esse modelo tão antinatural e degradante de sociedade. Por isso, mais do que nunca, em meio a mais uma grave crise do sistema que nos aprisiona, vale a pena repetir: um outro mundo é possível! Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-americana pela Universidade de La Habana, é autor de Lima Barreto: o rebelde imprescindível (Editora Expressão Popular).
Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Marcelo Netto Rodrigues, Luís Brasilino • Subeditora: Tatiana Merlino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Igor Ojeda, Mayrá Lima, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Antonio David, César Sanson, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, João Pedro Baresi, Kenarik Boujikian Felippe, Luiz Antonio Magalhães, Luiz Bassegio, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Milton Viário, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Temístocles Marcelos, Valério Arcary, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar: (11) 2131-0800
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brasil Fernanda Chaves
A reabilitação levada a sério SISTEMA CARCERÁRIO Delegacia de Nova Iguaçu oferece tratamento humano para os presos Fernanda Chaves e Mariana Duque de Nova Iguaçu (RJ) A 52ª DELEGACIA de Nova Iguaçu (RJ) poderia ser apenas mais uma carceragem da Polícia Civil. Ela abriga, em média, 350 presos por mês, 38 policiais civis, um chefe de carceragem, funcionalismo burocrático, um delegado titular e um substituto. Além do calor infernal e da superlotação que são característicos desses espaços. Até aí nada de novo, não fossem os presos considerados “acionistas do nada” pelo delegado titular Orlando Zaccone, 44 anos, delegado titular, há nove na Polícia Civil. A expressão intitula a pesquisa de mestrado em Ciências Penais, na Universidade Cândido Mendes, que defende a distribuição desigual das prisões pela cidade e relaciona o fato à seletividade punitiva do sistema, que criminaliza a pobreza e deixa impunes os bandidos de colarinho branco. A 52ª DP, diferentemente da maioria das delegacias do Estado do Rio de Janeiro, tem carceragem porque ainda não passou pelo projeto de reforma da Delegacia Legal, ou seja, ainda abriga pessoas detidas que aguardam julgamento e mesmo os que já estão em cumprimento de pena. Até o governo anterior, todas as carceragens das delegacias estavam sob responsabilidade da Polinter, e o delegado de polícia respondia apenas pelos inquéritos. Com a atual administração, isso mudou, mas a Lei de Execução Penal (LEP), que prevê assistência médica, jurídica e educacional, se restringe aos presídios, não sendo extensiva às carceragens das delegacias. Carceragem Cidadã Quando Zaccone chegou à 52ª DP, em janeiro de 2007, o quadro era desolador. Falta de recursos, instalações precárias e doenças graves, como a tuberculose, que infectavam diversos presos, davam o tom do abandono. Com a tese de mestrado em mente, o delegado logo criou o projeto Carceragem Cidadã, cujo objetivo era desenvolver novas formas de condução do sistema penitenciário e oferecer assistências básicas aos presos. Mas, para isso, ele precisaria estabelecer parcerias com a sociedade civil e os governos locais. “Como toda carceragem de delegacia, aqui era só um local para depósito de pessoas, que tem só a comida e um lugar muito ruim para o cara ficar, com superlotação”, afirma. “Assim que cheguei, vi que eu tinha dois caminhos: fazer o que a maioria dos delegados faz nessa situação – entregar a chave para o chefe da carceragem e nem entrar para não saber o que acontece e ficar rezando para não dar problemas – ou assumir. Decidi enfrentar a situação e fui atrás de um
diálogo com a sociedade que pudesse estruturar as assistências que nós não temos na polícia”, resume. Assistências A partir daí, diversos trabalhos passaram a ser desenvolvidos na delegacia. Entre eles, um cineclube, em parceria com o músico Marcelo Yuka e a Companhia do Cinema Barato; turmas de alfabetização, com a prefeitura de Nova Iguaçu; e a construção de uma biblioteca, com o Corujão da Poesia, do educador João Luiz de Souza. Uma das últimas conquistas foi a assistência jurídica, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para Zaccone, essa foi uma luta de dois anos que só agora foi resolvida. “A defensoria pública atua apenas no sistema penitenciário, isso é um absurdo. Não tem assistência aos 4 mil presos que estão em delegacias, porque carceragem não é considerado sistema penitenciário. Dentro de um Estado de Exceção, essas carceragens de delegacia são um nada jurídico”, explica. Como exemplo concreto do que pode perpetuar a prisão de pessoas pela falta de assistência jurídica, o delegado aponta o caso de um preso que foi condenado em outro Estado: “eu tenho um preso lá do Mato Grosso que foi recapturado aqui no Rio. O Mato Grosso não vem buscá-lo, e o Secretário de Segurança daqui não o manda de volta, então ele vai ficar aqui até morrer. No crime, tem coisas absurdas”. Contra a corrente Julio César Pereira Oliveira, chefe de carceragem, apóia com orgulho o projeto e ajuda na sua implementação. Para ele, usar da violência com os presos gera ainda mais violência. “A polícia tem que ser justa, nada além disso. Tudo tem que ter equilíbrio. É preciso ter confiança nas pessoas. Muitos dizem que somos loucos, nem todos apóiam. Há uma discriminação muito forte com quem mora na favela, e os presos são da favela. Eu morei oito anos e sei. Mas como lidar com isso? Com mais discriminação e violência?”, indaga um dos maiores entusiastas do projeto e braço direito de Zaccone. A proposta de implementar projetos educacionais e culturais vai além do simples objetivo de dar aos presos uma forma de se integrarem à sociedade que, por princípio, já os exclui. Aliás, para Zaccone, a sociedade de consumo exclui os presos por seu próprio perfil: pessoas pobres, sem inserção no mercado de trabalho ou escolarização, e criminalizadas pela própria condição de pobreza. “Hoje, a criminalidade não é mais um problema da sociedade consumista, ela é justamente um pré-requisito para você isolar através do encarceramento, do extermínio, aqueles que, obrigatoriamente, têm que estar fora do jogo de consumo”, explica o delegado.
O chefe da carceragem, Julio, e os alunos dos cursos em sala de aula
O sistema penal e a seletividade do crime Para delegado, Estado só pune as infrações cometidas em lugares públicos de Nova Iguaçu (RJ) Em seu livro Acionistas do Nada: quem são os traficantes de droga?, publicado pela Editora Revan, o delegado titular do 52º DP de Nova Iguaçu Orlando Zaccone defende que os encarcerados são selecionados entre os setores mais vulneráveis da sociedade, numa forma cruel de manutenção da estrutura social vigente. De acordo com o oficial, esse processo se estabelece no espaço público, pois, no espaço privado, o requinte necessário à ação da polícia é muito alto. “O policial pode ter uma investigação, pedir um mandado de busca e apreensão no apartamento ou autuar por associação por causa das escutas telefônicas, mas é muito mais fácil fazer um flagrante na viela do morro. As pessoas que são presas hoje no tráfico estão com a droga no espaço público. Na Barra da Tijuca, só tivemos três flagrantes de tráfico em 2005, pois lá o tráfico de drogas é num espaço privado, num condomínio”, diz Zaccone. Estereótipos Outro critério de seletividade do crime é o estereótipo do criminoso. Hoje, a população carcerária tem o perfil pobre. O número de negros no sistema prisional é maior que na sociedade. Para o delegado, o negro tem mais
facilidade de ser identificado, pois pertence a um estrato social popular e comete o crime num espaço público. “Nem toda pessoa que pratica crime é presa. Se fôssemos autuar, processar, condenar e prender todas as pessoas que praticam as condutas defini-
é o discurso. Nada explica porque um cara entra no tráfico de drogas, mas tudo pode explicar porque um comerciante, um empresário, sonega o imposto. Então essa lógica já denota que existe uma seletividade em cima de quais crimes vão ser objetos do sistema penal”, compara o delegado.
“Se fôssemos autuar, processar, condenar e prender todas as pessoas que praticam as condutas definidas como crime, as cidades estariam vazias”, afirma delegado
Prisão contra o desemprego Para Zaccone, o sistema carcerário hoje funciona como uma espécie de esgoto, para onde são enviados os excedentes da sociedade de mercado. De acordo com ele, o Estado não cumpre mais as funções de equilíbrio e proteção do bem-estar social. “Ou seja, se a gente não divide coletivamente os prejuízos causados pela própria estrutura econômica da sociedade, você vai ter que dar uma solução para o desemprego, àquelas pessoas que estão colocadas de lado no mercado de consumo. E a solução tem sido o cárcere e o extermínio. Encarcerar as classes pobres e perigosas e exterminar aqueles que resistem”, completa. Zaccone acredita que o sistema carcerário precisa de uma mudança total. “E essa mudança permeia uma questão fundamental: a decisão política. Não apenas decidir por mudanças reformistas, mas numa perspectiva estrutural, de começar a compreender de fato o que leva a população pobre para o cárcere”, conclui. (FC e MD)
das como crime, as cidades estariam vazias. A sonegação fiscal é crime, punido com pena privativa de liberdade. Agora, vamos pesquisar no sistema quantas pessoas estão encarceradas por sonegação fiscal. Se você for conversar com qualquer pessoa, ela vai dizer: bom, mas um comerciante estabelecido não tem condição de se manter comerciante se não sonegar; esse
Educação, leitura e cultura como formas de sociabilização política Fernanda Chaves
Presos retiram, em média, 10 livros por dia da biblioteca; na maioria, romances e poemas de Nova Iguaçu (RJ)
Pela primeira vez, presos não condenados votaram no RJ Cinqüenta e oito detidos que aguardam julgamento participaram das últimas eleições de Nova Iguaçu (RJ) Nas eleições de outubro, foi organizada na 52ª DP de Nova Iguaçu uma Zona Eleitoral para que os presos que ainda aguardam julgamento pudessem votar. No total, 58 estiveram aptos ao processo. Foram levadas urnas eletrônicas para os votos e, ao fim da votação, os resultados foram pregados na parede da carceragem, de acordo com a legislação. Apesar de estar dentro da lei, foi a primeira vez que cidadãos detidos não condenados votaram no Rio de Janeiro. Para Haroldo Esteves, de 31 anos, Adaílton da Silva e Rodrigo de Azevedo, ambos de 27, esse processo parece gerar alguma noção de cidadania, pois, ainda que estejam aguardando a sentença sob custódia, não tiveram cassados seus direitos políticos. Adaílton, há dez meses na prisão, conta que para eles é importante lutar pela
manutenção do projeto: “Nós vamos sempre acompanhar as atividades e buscar fazer. A que mais gosto aqui é do psicólogo”. Rodrigo, preso há sete meses, votou pela primeira vez. “Foi uma vitória, eu nuca tinha conseguido tirar o título, lá fora eu não queria saber disso. Foi uma conquista. Acho que o que tenho aqui vai me ajudar lá fora”, afirma. Garantir o voto aos presos não julgados partiu da idéia de estimular a noção de pertencimento do encarcerado à sociedade, revela o delegado titular Orlando Zaccone: “Eleitoralmente, o voto dos presos foi simbólico, pelo pequeno número de eleitores. Mas representou para eles um momento de participação política. Porque esse é o outro barato do projeto: mostrar para o preso que ele pertence à comunidade, pois, se mostrar para ele o contrário, quando sair, ele vai acreditar nisso. Ele tem o direito a se colocar nas suas reivindicações. Isso é fundamental”. (FC e MD)
Duas turmas de alfabetização e do Projeto Terceiro Saber já se formaram na 52ª DP de Nova Iguaçu, num total de 70 alunos. Segundo Daniel Borges, de 45 anos, preso há um ano e meio, a possibilidade de se alfabetizar foi para além da leitura. “Eu não sabia ler nada. Escrevo pouco ainda, mas leio qualquer livro e isso me fez ter mais paciência. Antes, por qualquer coisa eu brigava”, confessa. Marcos, de 38 anos, também detido há um ano e meio, é responsável pela biblioteca, mantém a estante arrumada e cuida do controle dos títulos. O sistema de funcionamento é simples: os presos pegam um livro e podem devolvê-lo em 15 dias. São em média 10 livros, revistas e jornais retirados diariamente. Há uma lista de controle dos livros para o Comando Vermelho, uma para Terceiro Comando e outra para o chamado “seguro”, onde estão os presos que precisam ficar isolados. “A preferência é por poesia e romance. Para a sociedade lá fora, isso pode parecer estranho, mas é o que mais gostam por aqui”, explica Marcos. Cinema Já o cineclube já exibiu cerca de 20 filmes nas duas alas da delegacia: uma do Comando Vermelho e outra do Terceiro Comando. Sim, tudo lá acontece em dose dupla. Sejam
Concurso de MCs no Circo Voador Outra idéia está prestes a ser colocada em prática. Os músicos Marcelo Yuka e MC Leonardo irão promover um concurso de MCs dentro da carceragem. Os presos irão compor as letras e musicá-las, sendo que a escolha do vencedor será no Circo Voador, onde intérpretes conhecidos do mundo funk apresentarão as canções para um seleto grupo de jurados. Um sistema de telão possibilitará uma interação entre o público do Circo e os autores, que acompanharão o festival de dentro da carceragem, em tempo real. Para MC Leonardo, o concurso tem o objetivo de mostrar à sociedade a vida real na prisão. “Queremos fazer esse diálogo com a sociedade, mas não apenas colocar o preso em contato com quem está fora, e sim mostrar a quem está fora que os presos são pessoas. Por isso, estamos incentivando que as letras das músicas retratem a vida na cadeia, que sejam críticas”, explica. (FC e MD) as turmas de alfabetização, as pregações religiosas ou pequenos shows. Até mesmo um simples comunicado deve ser dito a uma ala e depois repetido em outra. O delegado titular Orlando Zaccone lembra que há visitas permanentes de médicos da rede municipal, que fazem
exames clínicos e laboratoriais básicos. “Isso é simples, porque o SUS paga ao município o atendimento de cada preso. O município é remunerado pelos exames, não há prejuízo do ponto de vista de qualquer despesa. Não fazer é uma questão de vontade política”, registra. (FC e MD)
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brasil Ricardo Motti/CC
Um “cabide de empregos” chamado Ceagesp DENÚNCIA Segundo funcionário demitido, indicações políticas crescem, enquanto estatal desrespeita direito de ascensão funcional Eduardo Sales de Lima da Reportagem A COMPANHIA de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) está contratando funcionários sem concurso público, por indicação política, e se tornou um “cabide de empregos”. A denúncia é feita por Ademir Novaes, demitido da estatal, segundo ele, por pressionar a direção para cessar as contratações irregulares. Ele garante que novos funcionários são indicados pelo presidente da Companhia, o engenheiro Rubens Costa Boffino, a cargos que são exclusivamente de carreira. O ex-gerente financeiro, cargo que ocupou nos últimos cinco anos, entrou com uma ação no Ministério Público do Trabalho do Estado de São Paulo explicando que os erros administrativos antecedem a atual gestão da Ceagesp, mas se concentram nela. Ademir trabalhava na empresa desde 1977. Lançando mão de um caso comum e elucidativo, Ademir faz sua primeira denúncia. Desde 2003, o indicado para a chefia da Seção de Tesouraria permanece no posto sem preencher os critérios do Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS). “Ele está há cinco anos barrando pessoas formadas dentro da Seção, impedindo que os funcionários de carreira concursados assumam a chefia; é a única forma de ascensão vertical que qualquer funcionário tem. Como exigir motivação se cada um que entra usurpa os direitos dos que já estão?”, critica Ademir.
“Mas de que adianta ter normativos e legislação se os gestores oportunistas de plantão chegam, fazem o que querem e se colocam acima da lei?”, questiona Ademir, demitido do Ceagesp
O PCCS estabelece quais são os cargos considerados de confiança e a obrigatoriedade de preenchimento dos cargos de chefias de seção e de gerentes das unidades do interior por servidores de carreira, aprovados em concurso público. O gerente demitido pela presidência lembra que, de acordo com a lei, o indicado para a chefia da Seção de Tesouraria deveria ser demitido e, no caso de não haver na empresa nenhum funcionário capacitado para exercer a função, ser contratado nos termos de livre provimento. A contratação por livre provimento é permitida no caso de cargos de confiança e comissionados.
Mais irregularidades
A ação movida por Ademir atesta também que a atual presidência recriou o Departamento de Compras, substituindo
os funcionários de carreira nos cargos da Comissão Permanente de Licitação (CPL), na Seção de Contratos e na Seção de Compras. Denuncia ainda que o atual indicado para gerência de recursos humanos atuava de forma irregular até o mês de junho como chefe de seção, sem ter prestado concurso público. Além dos desvios apontados, a assessoria jurídica da empresa conta com nomeações ilegais. Boffino concedeu procuração a dois advogados, outorgando-lhes poderes para representar a empresa em ações judiciais o que, de acordo com Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre a Ceagesp e o Ministério Público do Trabalho, não é permitido. Os advogados são Carlos Alberto de Oliveira e Rodrigo Frateschi. Após pressão dos funcionários, entretanto, seus nomes foram retirados da procuração. Exceto o chefe de departamento, todos os advogados da empresa precisam ser concursados. “Incluíram o nome de dois advogados por simples indicação do presidente [Boffino]. Isso é uma ofensa contra aqueles que lutaram tanto no concurso público”, afirma Saulo Vassimon, ex-advogado da Ceagesp, demitido em 2000 por denunciar esquema de corrupção na empresa federal quando era administrada pelo PSDB de Fernando Henrique Cardoso. A estatal assinou um acordo coletivo neste ano explicitando que são consideradas funções de confiança somente as de assessor técnico, assistente executivo, coordenador de assessoria, gerente de departamento e secretária de diretoria. O acordo reitera que as promoções serão realizadas nos termos das normas internas da empresa, do PCCS e através do processo seletivo interno. “Mas de que adianta ter normativos e legislação se os gestores oportunistas de plantão chegam, fazem o que querem e se colocam acima da lei?”, questiona Ademir. Desde 1989, os funcionários estão de fora da elaboração do PCCS da Ceagesp. Nos últimos anos, de acordo com Antônio Paulo Fernandes, secretáriogeral do Sindicato dos Empregados em Centrais de Abastecimento de Alimentos do Estado de São Paulo (Sindbast), entra presidente, sai presidente, e o excesso de indicações transforma a empresa em um amontoado de funcionários sem função definida. “Se tem um presidente que quer pôr um amigo dele aqui, coloca. Depois, ele sai, outro vem, e não se pode tirar o amigo indicado anteriormente porque existe um compromisso político; o cara fica, e assim vai embolando de cargos de confiança”, descreve. A justificativa da Ceagesp é que todas as distorções serão corrigidas no próximo PCCS, pronto para ser aprovado. “Faz cinco anos que está para ser aprovado. Enquanto isso, os funcionários da empresa ficam impedidos de ascender verticalmente em suas funções”, afirma Ademir. O ex-funcionário entrou com uma representação no Ministério Público do Trabalho e na Controladoria Geral da União para que se decrete a nulidade dos atos referidos, de modo a assegurar a ascensão funcional dos servidores de carreira aos cargos de chefe de seção da empresa e a sua reintegração liminar ao quadro de funcionários da Ceagesp. Ele tam-
Tarde movimentada na Ceagesp: denúncia de criação de “cabides de emprego”
bém entrará com uma representação na Comissão de Ética do diretório municipal do PT, em São Paulo (SP).
Passado presente
A questão do “cabide de empregos” não veio à tona na atual gestão da Companhia, assumida por Boffino em maio. Já em 2005, o Ministério Público Federal iniciou uma investigação sobre um abusivo esquema de contratações e suspeitas de superfaturamento de um contrato para coleta de lixo. Segundo reportagem da revista Época, desde 2003, o número de cargos de confiança na Ceagesp saltou de 31 para 77. “Transformaram até os
cargos de gerentes do interior como cargo de confiança. Virou um pandemônio”, critica o Antônio Paulo Fernandes, do Sindbast. Na época, os envolvidos com o contrato eram Ademir José Pereira, diretor operacional da Ceagesp e irmão do ex-secretário-geral petista Sílvio Pereira; Valmir Prascidelli, presidente da Companhia; e Edvaldo Pereira de Souza, chefe de departamento de entreposto da capital e irmão do prefeito de Osasco (SP), Emídio de Souza. Todo o grupo faz parte do círculo político de João Paulo Cunha, deputado federal (PT/SP) e membro da tendência Cons-
truindo um Novo Brasil (exCampo Majoritário). A gerência de Compras e Contratos da Ceagesp investigada pelo MPF era ocupada por Valter Pucharelli, casado com Ana Lúcia, irmã de João Paulo Cunha, responsável pela indicação. Pucharelli, esteve na Ceagesp até 2004, quando se transferiu para a Prefeitura de Osasco. Hoje, Ana Lúcia é chefe de seção de recursos humanos, cargo que deveria ser ocupado por funcionário concursado. Além disso, no final de outubro, o historiador Edson Inácio da Silva, sobrinho do presidente Lula, assumiu a gerência do Departamento de Engenharia e Manutenção.
De tucanos a petistas Perseguições políticas cresceram na Ceagesp após federalização da Reportagem A Ceagesp, desde que foi federalizada, em 1997, possui um histórico de perseguições políticas; mais evidentes na gestão tucana de Fernando Henrique Cardoso, quando vários funcionários foram demitidos por terem criado uma Comissão de Sindicância com o objetivo de investigar um caso de corrupção dentro da companhia. A Ceagesp foi interditada em novembro de 2001 pelo Ministério da Agricultura. Os funcionários haviam levantado informações e chegaram à conclusão de que teria havido, entre 1999 e 2001 (governo FHC – tucano, com o vice do Dem, Marco Maciel), favorecimento de comerciantes para uti-
“Fui demitido tanto pela extrema direita como, agora, pela chamada esquerda. E pelos mesmos motivos. Eles queriam que eu fosse subserviente a eles, e não que eu defendesse o patrimônio público e os direitos dos funcionários de carreira”, critica Ademir
Petista histórico A trajetória de Ademir como petista e na Ceagesp iniciou-se em épocas distintas. Ademir entrou em 1977 na Ceagesp e se filiou ao PT em 1984. No final da década de 1980, licenciou-se da companhia de abastecimento de alimentos para trabalhar na Secretaria Municipal do Abastecimento de São Paulo. Em 1992, retorna à empresa como encarregado de seção. Ademir admite, entretanto, “que foi bom ele não ter se desfiliado do
lização de espaços, recebimento de propina e realização de contrato sem licitação. Dois diretores foram afastados e processados. Até hoje eles têm seus bens bloqueados pela Justiça. Ademir Novaes, demitido em julho por pressionar a empresa a obedecer as regras de contratação da companhia, foi mandado embora também em 2002, naquela vez numa gestão tucana. Junto com ele, também foram dispensados os funcionários Cláudio Roberto Donato e Ana Maria Mejias. Reintegrado em 2003, quando o PT assumiu o Executivo Federal, Ademir foi nomeado chefe do departamento financeiro e permaneceu no cargo até sua recente demissão.
Intimidação
“Fui demitido tanto pela extrema direita como, agora, pela chamada esquerda. E pelos mesmos motivos. Eles queriam que eu fosse subserviente a eles, e não que eu defendesse o patrimônio público e os direitos dos funcionários de carreira”, critica Ademir. A luta de Ademir dentro da companhia encontra apoio, mas não ostensivo. “Todos os funcionários estão de acordo com essa defesa, mas nenhum se arrisca a levantar a voz porque podem ser demitidos”, afirma o ex-advogado da Ceagesp, Saulo Vassimon, dispensado também por integrar a comissão de funcionários que descobriu a corrupção tucana na Ceagesp em 2001. “Qual é a finalidade da demissão, truculenta, sumária, de um funcionário que foi, durante cinco anos, gerente do setor de departamento financeiro e que está há mais de 20 anos no partido do próprio presidente? Meramente intimidar todos os funcionários”, afirma Vassimon. (ESL)
partido na época do mensalão por, justamente agora, estar sofrendo essa perseguição política”. Ele havia sido convencido por militantes do partido de que aquelas pessoas envolvidas com o escândalo não conformavam o todo do PT. Ademir conclui que “a atual política do partido é totalmente equivocada; o PT, quando estava fora do governo, sempre defendeu os funcionários de carreira”. O atual presidente da Ceagesp, Rubens Costa Boffino, é engenheiro. Seu grupo político é liderado por João Paulo Cunha. (ESL)
A reportagem entrou em contato com o diretório estadual do PT, mas não obteve resposta. Em relação a João Paulo Cunha, sua assessoria de imprensa afirma que a administração da Ceagesp é independente e autônoma e que sua linha política segue orientação do governo federal. O deputado federal garante ainda que “não tem poder para indicar ou nomear qualquer pessoa no Ceagesp, e que as informações sobre a administração desta empresa devem ser requeridas junto à administração da mesma”. A assessoria de imprensa da presidência da Ceagesp não retornou os contatos feitos pela reportagem.
No entreposto da capital, descontentamento da Reportagem A Ceagesp surgiu em maio de 1969 e administra 13 entrepostos atacadistas do Estado de São Paulo. Só no entreposto da capital paulista passam todos os dias 10 mil toneladas de frutas, verduras, legumes, pescados e flores vindos de 1,3 mil municípios e de outros países. A movimentação de mercadorias chega a 350 mil toneladas por mês e responde por quase 60% do abastecimento de hortícolas da Grande São Paulo.
“A gente sabe da nossa realidade no dia-a-dia. Politicamente, pouco se sabe”, afirma comerciante da Ceagesp Nos seus 700 mil metros quadrados, o entreposto da capital paulista recebe um intenso fluxo de veículos de carga e uma população de cerca de 30 mil pessoas por dia. Possui uma grande feira livre e 228 boxes revendedores de produtos alimentícios. Em 2007, a receita da Ceagesp foi de R$ 57 milhões com a locação de espaços a vendedores de frutas e hortaliças. Cada comerciante arca com um aluguel de R$ 1,9 mil. O preço é motivo de reclamação de seu Firmino Kanashiro, vendedor do Box 194. “Às vezes, eles [administração da Ceagesp] cobram e não fazem. Consertam somente a frente da loja”, opina Kanashiro, com relação à falta de manutenção dentro dos boxes, onde os comerciantes revendem os alimentos. Para o permissionário Celso Tadashi, ainda existem diversos gargalos que precisam ser corrigidos pela administração da companhia, mas que vêm sendo esquecidos, como a falta de higiene nos banheiros e os péssimos asfalto e iluminação. “A gente sabe da nossa realidade no dia-a-dia, das necessidades práticas. Politicamente, pouco se sabe”, comenta Tadashi sobre a atual administração da Ceagesp, que acredita ser uma opinião que contempla a maior parte dos permissionários. (ESL)
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nacional
Imprensa corporativa será questionada na Câmara Federal sobre o “caso Eloá” COMUNICAÇÃO Deputado propõe audiência para apurar possíveis abusos na cobertura da mídia sobre o seqüestro de Santo André Danilo Verpa/Folha Imagem
“A cobertura se baseou na busca frenética pela audiência, perdendo qualquer parâmetro baseado no interesse público e na ética jornalística”, afirma Ivan Valente
Renato Godoy de Toledo da Redação APÓS O trágico seqüestro em Santo André, a opinião pública questionou tanto a ação atabalhoada da Polícia Militar de São Paulo, quanto a atuação da imprensa corporativa. Esta cobriu o caso a poucos metros da cena do crime, com imagens ao vivo e, inclusive, entrevistando Lindemberg Alves Fernandes, de 22 anos, que mantinha como refém as garotas de 15 anos Nayara Silva e Eloá Pimentel, ex-namorada do seqüestrador e que acabou assassinada. As conversas de jornalistas com o jovem se davam por telefone celular, bloqueando o único contato dos negociadores da PM. O deputado federal Ivan Valente (Psol-SP) acredita que a imprensa contribuiu para o final trágico do caso de Santo André. “A cobertura se baseou na busca frenética pela audiência, perdendo qualquer parâmetro baseado no interesse público e na ética jornalística. A imprensa transformou o seqüestrador numa celebridade. Isso inflama a psicopatologia do indivíduo. Já que tornou-se celebridade, ele tem interesse em prolongar ainda mais o caso”, constata. O deputado propôs uma audiência na Câmara para que as empresas de comunicação prestem esclarecimento acerca de sua atuação no seqüestro. A sessão, prevista para ocorrer no dia 11 de novembro, deve contar com a presença de representantes das principais redes de televisão, da Polícia Militar paulis-
Da janela de sua casa, Eloá pede calma à polícia
ta, do promotor Augusto Rossini, representante do Ministério Público, e dos acadêmicos Veníco de Lima, professor da UnB, e Renato Mezan, da PUC-SP. Para solicitar a audiência, o deputado se baseou nas declarações do promotor Augusto Rossini, que acompanhou o caso. Em entrevista ao programa Hoje em Dia, da TV Record, o jurista afirmou que as negociações com Lindemberg foram prejudicadas pelo fato de o celular do seqüestrador estar constantemente ocupado, devido às sucessivas ligações feitas por jornalistas.
Ação desastrada
O parlamentar também critica o fato de a garota Nayara, de 15 anos, ter sido conduzida de volta ao apartamento onde estavam Eloá e o seu ex-namorado, dois dias após ter sido liberada. Em entrevista à Rede Globo, a jovem desmentiu a polícia, que sustentava a versão de que ela voltou à cena do crime por livre e espontânea vontade. “Foram me buscar em casa e disseram que eu tinha que ir lá [no apartamento]”, afirmou a jovem. “A polícia precisa se esclarecer sobre essas afirmações da jovem. A instituição
demonstrou despreparo ao invadir o apartamento daquela forma”, aponta o deputado. Logo após o desfecho do seqüestro, a polícia declarou que invadira o cativeiro depois de ouvir um tiro, versão que também foi desmentida pela sobrevivente e por peritos. Valente também aponta erros da polícia em relação à imprensa. “A polícia também errou ao permitir que os jornalistas ficassem tão próximos do local do seqüestro. O seqüestrador tinha uma visão ‘panorâmica’ de todas as ações que a polícia executava do lado de fora do
prédio, já que tudo era mostrado ao vivo”, critica. Para ele, os erros da polícia são também erros do governador do Estado, José Serra (PSDB). “Ali [em Santo André], a polícia representava o Estado. O governador tem que ser responsabilizado, sim, sobre esse tema”, defende.
Gestão de crise
Ainda nesse sentido, Ariel de Castro Alves, advogado e presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Condep), aponta o governo estadual como o principal responsável pelo fim trágico do crime de Santo André. “O governo abandonou a polícia nesse caso. A PM ficou sozinha, encarregada de promover as negociações e de assessorar a imprensa”, diz.
Diante da situação, o advogado propôs a criação de um gabinete de gestão de crise, que deve ser composto em situações como a de Santo André. Esse órgão seria formado por membros do gabinete do governador, do Ministério Público, do Tribunal de Justiça, da Secretaria de Segurança Pública, da Polícia Militar e do Condepe. “O gabinete de gestão de crise poderia resolver também a questão da cobertura da imprensa, que nesse seqüestro partiu para a espetacularização. O órgão poderia gerenciar um pacto entre os órgãos de imprensa para que estes não divulgassem algumas informações importantes durante o acontecimento, para não prejudicar o andamento das negociações. Mas, ao fim do caso, a imprensa poderia noticiar tudo o que ocorreu”, explica. Ariel cita, como exemplo exitoso de acordo entre imprensa e órgãos de segurança, o caso de seqüestros comuns e suicídios. Em um acerto entre a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e autoridades de segurança, foi acordado que a imprensa só noticiaria os seqüestros após os seus desfechos e não noticiaria suicídios. “Isso, inicialmente, resultou numa diminuição no número de seqüestros. O fato de não noticiar suicídios desencoraja muitas pessoas a praticá-lo, já que o indivíduo que não tem nada a perder poderia se suicidar para conquistar os seus cinco minutos de fama, ainda que depois da morte”, esclarece.
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brasil
Trabalhadores da Infraero resistem à privatização dos aeroportos CONTRA A PRIVATIZAÇÃO Funcionários do Galeão e Viracopos lançam comitê e campanha em nível nacional contra a entrega da estatal à iniciativa privada Alfredo Neto/CC
Reginaldo Cruz de Campinas (SP) ENQUANTO AS atenções da maioria da população ainda estavam voltadas para as eleições municipais, foi publicado no dia 8 de outubro, no Diário Oficial da União, a Resolução nº 18 do Conselho Nacional de Desestatização (CND), indicando ao presidente da República a edição de decreto autorizando a inclusão no Programa Nacional de Desestatização (PND) do Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão), no Rio de Janeiro (RJ), e do Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas (SP). Não por coincidência, tratam-se de dois dos aeroportos mais lucrativos administrados pela Infraero, que juntos respondem por 35% da movimentação financeira da empresa estatal. Na prática, esse decreto abre caminho para a privatização destes dois aeroportos, além de sinalizar para a futura privatização da Infraero, empresa pública que administra os aeroportos brasileiros. Conforme divulgou a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a licitação para a privatização destes aeroportos deve sair num prazo de seis meses.
Resistência
Diante da ameaça de privatização, trabalhadores da Infraero em Viracopos e no Galeão iniciaram uma série de atividades que visam mobilizar a categoria para resistir à privatização e denunciar à sociedade os prejuízos que ela causará aos cofres públicos e à soberania do país neste setor. No dia 26 de setembro, antes da publicação da resolução do CND, os trabalhadores realizaram uma manifestação simultânea em Viracopos e no Galeão, abraçando simbolicamente as torres de controle, e criaram uma comissão de trabalhadores pró-Comitê Contra a Privatização da Infraero/ Viracopos e Galeão.
nha, disse que ira combater as privatizações”, diz Hilza.
Sem justificativa
Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão)
Organização
No dia 31 de outubro, foi realizado um seminário no aeroporto de Campinas para discutir os impactos da privatização do setor aéreo, em especial a dos aeroportos lucrativos. Ao final da atividade, que reuniu trabalhadores dos dois aeroportos e contou com a presença do deputado federal Ivan Valente (PSOL/ SP), foi lançado o Comitê Contra a Privatização da Infraero e dos Aeroportos de Viracopos e Tom Jobim (Galeão). Também foi redigido um manifesto dos trabalhadores da estatal contra a privatização. “Estamos recolhendo assinaturas contra a privatização, e na segunda quinzena de novembro, teremos uma audiência com a Ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, e levaremos nossas reivindicações”, informou Luciana Camargo, membro da comissão de trabalhadores de Viracopos. Segundo Luciana, além da luta contra a privatização, os trabalhadores reivindicam valorização
profissional, melhorias nas condições de trabalho e maior participação e transparência na gestão da Infraero. “O que defendemos é uma reestruturação e modernização do setor aéreo, e não sua privatização”, observa.
Luta nacional
Para Hilza Sá, membro da comissão de trabalhadores do Galeão, o desafio agora é ampliar as mobilizações e cobrar uma postura do presidente da República. “Os trabalhadores dos aeroportos da Pampulha e Confins, em Belo Horizonte, já manifestaram solidariedade a nossa luta e estão se mobilizando. Nosso objetivo é fazer uma luta nacional, pois não é só Viracopos e o Galeão que estão em risco, mas todo o setor aéreo brasileiro. Vamos nos organizar e fazer uma caravana à Brasília para debater o assunto no Congresso Nacional e cobrar uma postura do presidente que ajudamos a eleger e que, na campa-
A justificativa do governo para entregar os dois aeroportos para a iniciativa privada é a necessidade de desafogar o tráfego aéreo em Guarulhos e Congonhas e adaptar o aeroporto do Rio de Janeiro para a Copa do Mundo de 2014, além de ajudar nas pretensões da capital fluminense em sediar as Olimpíadas de 2016. De acordo com o deputado federal Ivan Valente, as privatizações não se justificam do ponto de vista econômico. “Viracopos é o segundo maior terminal de cargas do país. Em agosto, sua movimentação foi histórica: mais de 15 mil toneladas de mercadorias importadas, o que representa um crescimento de 23% em relação ao ano passado. Ou seja, é um aeroporto altamente lucrativo”, informa. Dados oficiais mostram que Viracopos e Galeão estão entre os 12 aeroportos viáveis financeiramente, que sustentam outros 55 aeroportos deficitários e que garantem lucro para a Infraero, segundo o último balanço da empresa. No primeiro semestre deste ano, obtiveram resultado operacional de R$ 48 milhões e R$ 12 milhões respectivamente, conforme dados da Infraero, e além disso receberão investimentos públicos de R$ 1,8 bilhão para reformas e ampliação, conforme projeto já publicado no Diário Oficial da União. “Em seus 35 anos de funcionamento, a Infraero sempre foi lucrativa e estratégica para o país. Se os aeroportos lucrativos forem privatizados, como o sistema aeroviário se manterá? Qual será o interesse em investir nos demais aeroportos?”, questiona Ivan Valente. Vale lembrar que existe um projeto do governo federal, já em andamento, para a construção de um Trem de Alta Velocidade (TAV) ligando os dois aeroportos e passando por São Paulo e pelo Aeroporto Internacional de Cumbica (Guarulhos), projeto este financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e que também será entregue à iniciativa privada.
REFORMA AGRÁRIA
No Paraná, MST ocupa fazenda embargada por manter trabalhadores em regime escravo PEC que tramita há quatro anos no Congresso prevê que áreas flagradas com trabalho escravo sejam expropriadas pelo governo federal para a reforma agrária Joka Madruga
Raquel Casiraghi de Porto Alegre (RS) Cerca de 1,5 mil famílias sem-terra estão acampadas desde o dia 1º na Fazenda Variante, que em agosto passado foi embargada por manter trabalhadores em condições análogas à escravidão. A área, que fica no município de Porecatu, ao norte do Paraná, tem pouco mais de 1,3 mil hectares. Três meses atrás, o grupo móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Polícia Federal encontraram 17 trabalhadores em condições degradantes no corte de cana-de-açúcar. Em toda a vistoria da Usina Central do Paraná (UCP), proprietária da fazenda, a fiscalização encontrou 228 funcionários em situação degradante, com exaustão física devido à jornada excessiva, sem água potável para beber e local apropriado para comer, entre outras irregularidades.
Expropriação
O coordenador estadual do Movimento Sem Terra (MST) José Damasceno avalia que a situação encontrada pela fiscalização é adequada à Proposta de Emenda à Constituição do Trabalho Escravo, que tramita há quatro anos no Congresso. “A gente espera que a área seja expropriada e destinada para a reforma agrária.” A medida, que encontra forte resistência da bancada ruralista, pre-
fatos em foco
Hamilton Octavio de Souza
Oligopólio privado O governo privatizou vários bancos estatais nos anos de 1990 sob a alegação de que era preciso aumentar a competitividade do setor para baixar os custos dos serviços cobrados dos clientes. Na prática o que aconteceu foram um crescente encarecimento dos serviços e a concentração do setor em grandes bancos privados, que batem recordes de lucros todos os anos. A fusão de Itaú-Unibanco comprova a tendência oligopolista do sistema financeiro. Salve-se quem puder! Nosso petróleo Depois de constituir um comitê da campanha “O petróleo tem que ser nosso”, o Sindicato dos Advogados de São Paulo decidiu estudar os principais instrumentos jurídicos do setor, como a Lei nº 2.004/53, que instituiu o monopólio; a Emenda Constitucional nº 09/95, que quebrou o monopólio; a Lei nº 9.478/97, que estabeleceu o marco regulatório. O objetivo é ampliar o debate nas faculdades de Direito. Vingança policial Executado pelas costas por um homem encapuzado, em junho, em Santo André (ABC paulista), o jovem Leandro Oslindo Ribeiro de Moura, de 21 anos, era jurado de morte pelos policiais militares daquela cidade. A família tem informações e testemunhas para comprovar que o assassino é policial militar, mas tanto a Polícia Civil quanto a Secretaria de Segurança Pública procuram abafar o caso. Terror policial Moradores da favela Pantanal, na zona sul de São Paulo, estão cansados das ações terroristas praticadas por policiais militares do 22° Batalhão. Nas últimas semanas, eles invadiram a favela diversas vezes, perseguiram e espancaram trabalhadores, jogaram bombas de efeito moral e de gás pimenta, provocaram tiroteios e deixaram várias pessoas feridas, inclusive duas crianças. Cadê as autoridades? Crime impune Três trabalhadores rurais de Monte Santo (BA) foram brutalmente assassinados no mês de outubro em emboscadas na estrada entre a Fazenda Capivara e o assentamento Santa Luzia da Bela Vista, onde ocorria um cadastramento do Incra. Todos os indícios dos crimes apontam para pistoleiros contratados por grileiros de terras em Monte Santo, que são contrários aos assentamentos da reforma agrária. Censura empresarial Não é de hoje que as emissoras de rádio e TV, que são concessões públicas controladas por grupos empresariais privados, fazem de tudo para impedir a liberdade de expressão dos trabalhadores e dos movimentos sociais. Há alguns dias, a Rádio CBN interrompeu a leitura de um comunicado do Sindicato dos Bancários de São Paulo sobre a demissão de trabalhadores pelo grupo espanhol Santander. É um abuso total. Irresponsabilidade Explorado exaustivamente pela mídia, o caso do seqüestro que culminou no assassinato da jovem Eloá será debatido pela Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, no dia 11 de novembro, já que três emissoras de TV – Globo, Record e Rede TV! – colocaram no ar entrevistas com o seqüestrador e assassino. Afinal, essas concessões do serviço público de radiodifusão têm responsabilidade social ou não?
Ocupação da Fazenda Variante, em Porecatu (PR)
vê que todas as áreas flagradas com trabalho escravo sejam expropriadas pelo governo federal para a reforma agrária. Segundo Damasceno, as famílias não foram notificadas sobre um eventual pedido de reintegração de posse. No entanto, a Usina Central do Paraná pretende entrar com pedido nos próximos dias.
70 mil hectarest
Desde 1997, tramitam na Justiça processos contra a empresa, que vão
desde atrasos de salários até situação de trabalho degradante. Para o sem-terra, o caso da usina mostra que o modelo do agronegócio que domina o norte do Paraná não gera o desenvolvimento prometido. Somente o Grupo Atalla, proprietário da usina e da fazenda, tem cerca de 70 mil hectares de terra na região para produção de álcool e de cana. “No fundo, é uma demonstração de que esse modelo do agronegócio, baseado na grande propriedade da cana e em grandes áreas, é um impe-
dimento para o desenvolvimento econômico dessa região. Também gera problemas sociais, como a pobreza.” Na Fazenda Variante, as famílias sem-terra estão construindo barracos, escola e outros setores comuns a um acampamento. Também devem iniciar em breve o plantio para a alimentação básica das famílias. O norte paranaense tem um dos melhores solos do Estado, e não sofre com grandes variações de clima, o que o torna propício para qualquer cultura.
Veneno liberado Proibida de comercialização nos Estados Unidos, por excesso de pesticida no seu conteúdo, a Farinha Láctea da Nestlé continua sendo vendida livremente no Brasil e, em grande parte, é consumida por crianças e adolescentes. Os ministérios que tratam da fiscalização alimentícia – Agricultura e Saúde – precisam atuar com mais seriedade e responsabilidade. Chega de envenenar o povo brasileiro! Publicidade negativa O procurador Fernando Lacerda Dias ingressou, na Justiça Federal de São José dos Campos (SP), com ação contra as principais cervejarias do Brasil, na qual pede indenização de R$ 2,75 bilhões por danos causados à saúde. Com base em pesquisas realizadas pela Unifesp, a ação comprova que a publicidade das cervejarias é diretamente responsável pelo aumento do consumo de álcool entre os jovens. Agora depende da Justiça.
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brasil
Chico Mendes, um ecossocialista à frente de seu tempo ARTIGO Há 20 anos, Chico Mendes era assassinado; o legado do seringueiro e o seu sonho de uma sociedade que combinasse socialismo com ecologia continuam vivos
Carlos Walter PortoGonçalves FRANCISCO Alves Mendes Filho nasceu no seringal Porto Rico, no município de Xapuri, em 15 de dezembro de 1944. Filho de pais nordestinos que migraram para a Amazônia, desde os 11 anos trabalhou como seringueiro partilhando o destino comum àquelas famílias cujos filhos, em vez de irem à escola, trabalham para extrair o látex. Chico Mendes teve a fortuna de encontrar aquele que seria seu grande mestre, Fernando Euclides Távora, que não só lhe ensinou a ler e a escrever, mas o caminho que o levaria a se interessar pelos destinos do planeta e da humanidade. Euclides Távora era um militante comunista que havia participado ativamente no levante comunista de 1935 em Fortaleza e, ainda, na Revolução de 1952 na Bolívia. Retornando ao Brasil pelo Acre, Euclides Távora vai morar em Xapuri, quando se torna mestre de Chico Mendes. Chico Mendes sempre falava com grande carinho de seu grande mentor-educador-político que nunca mais veria desde o golpe ditatorial civil-militar de 1964.
Empates
A educação passou a ser uma verdadeira obsessão de Chico Mendes, ao que ele dava um sentido político muito prático, pois acreditava que, sabendo ler e escrever, o seringueiro não mais seria roubado nas contas, no barracão do patrão.
A educação passou a ser uma verdadeira obsessão de Chico Mendes, ao que ele dava um sentido político muito prático, pois acreditava que, sabendo ler e escrever, o seringueiro não mais seria roubado nas contas, no barracão do patrão
Em 1975, já militando nas Comunidades Eclesiais de Base – as Cebs – funda o primeiro sindicato de trabalhadores rurais no Acre, em Brasiléia, junto com seu amigo Wilson Pinheiro. Em março de 1976, organiza junto com seus companheiros, o primeiro Empate no Seringal Carmen. O Empate consistia na reunião de homens, mulheres e crianças, sob a lide-
rança dos sindicatos, para impedir o desmatamento da floresta, prática que se tornaria emblemática da luta dos seringueiros.
O Empate consistia na reunião de homens, mulheres e crianças, sob a liderança dos sindicatos, para impedir o desmatamento da floresta, prática que se tornaria emblemática da luta dos seringueiros
Nos Empates, alertavam os “peões” a serviço dos fazendeiros de gado, geralmente de fora do Acre, que a derrubada da mata significava a expulsão de famílias de trabalhadores; convidava-os a se associar à sua luta, oferecendo “colocações” e “estradas” de seringa para trabalhar e, firmes, os expulsava dos seus acampamentos de destruição, impedindo seu trabalho de derrubada da floresta. Os Empates tiveram um papel decisivo na consolidação da identidade dos seringueiros, e essa forma de resistência acabou por chamar a atenção de todo o Brasil, sobretudo após o assassinato de seu amigo Wilson Pinheiro, em 21 de julho de 1980. Chico Mendes insistiu com os Empates mobilizando os trabalhadores, mesmo depois que as autoridades governamentais, diante da repercussão da resistência dos seringueiros, começaram a fazer projetos de colonização.
Armadilha
Chico Mendes, desde então, mostraria uma lúcida compreensão do significado daquela estratégia governamental que, inclusive, encontrava eco entre militantes sindicais, recusando-a, posto que levaria o seringueiro a deixar de ser seringueiro ao torná-lo um colono-agricultor confinado a 50 ou 100 hectares de terra. Chico Mendes valorizava o modo de vida seringueiro, que usava uma restrita parcela de terra junto à casa para fazer seu roçado e criar pequenos animais e fazia a coleta de frutos e resinas da floresta. Para os seringueiros, o objeto de trabalho não é a terra, e, sim, a mata, a floresta. Assim, mais que hectare de terra, ele e os seringueiros lutavam pela floresta, e foi essa firme convicção que o levou a gozar de apoio dos seus pares e aproximá-lo dos ecologistas, o que fazia com desconfiança, como não se cansou de manifestar a amigos. Como comunista, Chico Mendes desconfiava não só
dos ecologistas como também de uma série de movimentos sociais que começavam a se destacar naqueles anos (mulheres, negros, homossexuais) que, acreditava, dividiam a luta dos trabalhadores. Todavia, como homem prático e com grande capacidade de subordinar os princípios à vida sem perder o sentido da sua luta, Chico Mendes percebeu que os ecologistas, ao defenderem a floresta, eram aliados importantes da luta dos seringueiros na prática, além de permitirem que eles saíssem do isolamento a que estavam confinados.
Aliados
Os ecologistas, por seu lado, reconheceram a importância da luta dos seringueiros e dos seus Empates na preservação da floresta. Dessa aliança, Chico Mendes formulou um princípio que caracterizaria sua filosofia: “Não há defesa da floresta sem os povos da floresta”, que bem pode ser estendido a outras situações de defesa da natureza. Chico Mendes percebeu que a luta dos seringueiros era uma luta de interesse da humanidade e, pouco a pouco, vai firmando a convicção de que, além da exploração dos trabalhadores, o capitalismo tinha uma voraz força destrutiva que havia de ser combatida. Assim, vai se tornar um dos maiores próceres do ecossocialismo pela junção da luta contra a devastação com a luta contra a exploração e o capitalismo. Enfim, desenvolvia uma fina percepção holística, recusando tanto um sindicalismo como um ecologismo restrito. Em 1984, num encontro nacional de trabalhadores rurais, Chico Mendes defende uma ousada proposta para a época: a de que a reforma agrária deveria respeitar os contextos sociais e culturais específicos. Um ano depois, ao fundar o Conselho Nacional dos Seringueiros em Brasília, já desenvolve junto com seus companheiros a proposta de Reserva Extrativista, uma verdadeira revolução no conceito de unidade de conservação ambiental que, pela pri-
meira vez, não mais separa o homem da natureza como até então se fazia. Costumava dizer que a Reserva Extrativista era a reforma agrária dos seringueiros. Esta consagra todos os princípios ideológicos que Chico Mendes propugnava, posto que, ao mesmo tempo que cada família detinha a prerrogativa de usufruto da sua colocação com sua casa e com suas estradas de seringa, a terra e a floresta eram de uso comum, podendo mesmo cada um caçar e coletar nos espaços entre as estradas de cada família, idéia comunitária inspirada nas reservas indígenas.
Chico Mendes valorizava o modo de vida seringueiro, que usava uma restrita parcela de terra junto à casa para fazer seu roçado e criar pequenos animais e fazia a coleta de frutos e resinas da floresta. Para os seringueiros, o objeto de trabalho não é a terra e, sim, a mata, a floresta Segundo assassinato
Desde então, Chico Mendes se empenha, junto com seu amigo Ailton Krenak, na construção da Aliança dos Povos da Floresta, unindo indígenas e seringueiros e invertendo a história de massacres que até então protagonizaram, instigados pelas grandes casas aviadoras e seringalistas do complexo de exploração de borracha. Aqui, também, o profundo sentido humanístico não-antropocêntrico da ideologia de
Chico Mendes ganhava sentido prático. Registre-se que a proposta da Reserva Extrativista contemplava, ainda, uma inovadora relação da sociedade com o Estado, na medida em que, embora a propriedade formal da reserva extrativista seja do Estado, no caso, do então Ibama, a gestão da mesma é de responsabilidade da própria comunidade, cabendo ao órgão público supervisionar o cumprimento do contrato de concessão de direito de uso, que, nesse sentido, é o pacto que se estabelece entre o Estado e os seringueiros. Ou seja, o notório saber dos seringueiros se torna o elemento-chave da concessão do direito de uso que o Estado confere a eles. Esse princípio viria a ser violentado no Sistema Nacional de Unidades de Conservação, aprovado no ano 2000, que, assim, deve ser considerado rigorosamente como o segundo assassinato de Chico Mendes, pois desconsidera o saber das populações tradicionais como a base de todo o direito que têm aos seus territórios, ao preconizar que todo plano de manejo deve ser feito por técnicos. Temos aqui um belo exemplo da colonialidade do saber e do poder que, assim, desperdiça a riqueza da experiência humana materializada em múltiplas formas de conhecimento que a humanidade, na sua diversidade, inventou. Em toda sua vida, Chico Mendes jamais deixou de se dedicar à construção de instrumentos de lutas sociais e políticas, tendo sido dirigente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Partido dos Trabalhadores (PT), assim como do Conselho Nacional dos Seringueiros.
Socialismo com ecologia
O legado político e moral de Chico Mendes é enorme e pode ser visto tanto pelos intelectuais que reconhecem a originalidade de suas idéias e práticas políticas, como pelos políticos que, tanto no seu Estado como no país, têm seus cargos de vereador, deputado, governador, senador e miReprodução
nistro associados às lutas que protagonizou, embora devamos reconhecer que alguns de seus companheiros no Acre prefiram falar de “governo da floresta”, e não governo dos povos da floresta.
Em 22 de dezembro de 1988, assassinos ligados à UDR (União Democrática Ruralista) pensaram calar com uma bala essa voz cuja força, tal como uma poronga, continua iluminando caminhos
Tanto no Brasil como no mundo, seu trabalho foi reconhecido: em 1987, recebe, em Londres, o Prêmio Global 500 da ONU e, em Nova York, a Medalha da Sociedade para um Mundo Melhor. Já em 1988, foi condecorado com o título de Cidadão Honorário da cidade do Rio de Janeiro. Sua enorme crença na capacidade humana de superar as contradições do mundo que vive, se organizando social e politicamente, foi capaz de inspirar todo um conjunto de idéias e práticas que vê a natureza, com sua produtividade e capacidade de auto-organização (neguentropia), e a criatividade humana, na sua diversidade cultural, como bases de uma racionalidade ambiental (Enrique Leff). Ou, como ele gostava de chamar, de uma sociedade que combinasse socialismo com ecologia. Em 22 de dezembro de 1988, assassinos ligados à UDR (União Democrática Ruralista) pensaram calar com uma bala essa voz cuja força, tal como uma poronga, continua iluminando caminhos. Carlos Walter Porto-Gonçalves é doutor em Geografia; professor do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense; pesquisador da CNPq e do Grupo Hegemonia e Emancipações do Clacso; ganhador do Prêmio Casa de las Américas 2008 de Literatura Brasileira; ex-Presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros (1998-2000).
Para entender
Chico Mendes segura criança na janela de sua casa
Poronga – Instrumento que os seringueiros carregam sobre a cabeça para iluminar os caminhos na mata quando saem, ainda de noite, para trabalhar. Chico Mendes chamou de “poronga” a cartilha que alfabetizava os seringueiros.
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cultura
Bienal do Ceará busca integrar latino-americanos LITERATURA Para curador, evento se baseia na oferta de livros como elemento de cultura, não de mercado Eduardo Sales de Lima da Redação NA ÚLTIMA Bienal Internacional do Livro de São Paulo, ocorrida em agosto, o consumidor gastava R$ 30 só para adentrar o evento. Na 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará, que acontecerá entre os dias 12 e 21, no Centro de Convenções do Ceará e na Universidade de Fortaleza (Unifor), o acesso dos leitores será feito a partir de doações de livros. Esse é apenas um dos elementos que trazem algo de novo em relação a tantas bienais de livros que ocorrem pelo Brasil afora. O tema do evento será “A aventura cultural da mestiçagem”, se referindo às comunidades lingüísticas portuguesa e espanhola, com ênfase na relação existente entre elas, ou à necessidade de implementá-la, sobretudo no que se refere aos povos do território latino-americano. Em vez de atrair os holofotes para grandes autores, a prioridade dos organizadores é apostar no livro como mais um elemento de cultura. São aguardados cerca de 750 mil visitantes e 70 convidados estrangeiros, vindos de países africanos, europeus e sul-americanos. Para o curador da bienal, Floriano Martins, é fundamental criar um espaço que abrigue a diversidade cultural de todos os povos que falam o português e o espanhol. “Não te parece um fato absolutamente fora de lógica a ausência de integração entre os diversos países que compõem, sobretudo, a América Ibérica?”, questiona o curador. Confira a seguir entrevista que o curador concedeu ao Brasil de Fato.
Brasil de Fato – Diante de um modelo que rege bienais voltadas para o mercado, e tendo em conta que você destaca a importância do tema “integração latinoamericana” nessa próxima Bienal, podemos considerar o evento como a prática de uma “cultura
de resistência”, tema que também será abordado na programação?
Floriano Martins – A rigor, esse será sempre o tema, a defesa de uma cultura de resistência. Nosso tempo está tomado por um falso conceito de produção cultural, sobretudo no campo das artes, e temos nos aprimorado em um preocupante aspecto daquilo que se pode chamar de cultura efêmera, a que anseia não por sua consistência e permanência, mas antes pela imediata superação. São as estratégias do consumo aplicadas à cultura de forma desenfreada.
Por que você disse, em entrevista ao jornal O Povo de 13 de outubro, que o anseio de uma integração latino-americana é antes uma imposição histórica?
Não te parece um fato absolutamente fora de lógica a ausência de integração entre os diversos países que compõem, sobretudo, a América Ibérica? Não fosse a atuação de editores de revistas literárias, seria ainda mais intensa essa ausência de diálogo. Editores esses que, em sua grande maioria, são poetas. A justificativa da língua é uma retórica ingênua, considerando que a falta de integração também se dá entre os países de língua espanhola e que seria mais prático para brasileiros aprenderem o espanhol do que o inglês, por exemplo. Temos então que compreender, em definitivo, que se trata de um dever com a história e a prosperidade do continente tratarmos de buscar soluções para a ruptura desse silêncio improdutivo que estabelecemos entre nós.
A Bienal se pautará por uma influência popular em termos de orientação político-ideológica?
O fundamental é criar um imenso palco que abrigue a diversidade cultural de todos os povos que falam o português e o espanhol. Creio que a maneira como está desenhada a Bienal permitirá isso, tanto através das áreas de circulação do livro em si, quanto no tocante às mostras de vídeo,
música, gravura, cordel, arte postal, a intensa programação preparada para crianças e jovens etc. Devemos inspirar o mais amplo convívio entre artes e culturas, de tal forma que o que chamas de “orientação político-ideológica” também aprenda a conviver com a diversidade apresentada.
Você disse, na mesma entrevista ao O Povo, que o desconhecimento dos nomes não reflete em falta de qualidade, muito pelo contrário. Esse desconhecimento reflete a concentração de produção que as grandes editoras nacionais e internacionais gozam dentro do mercado brasileiro e que muitas vezes só reproduzem o que já fez sucesso no exterior?
Mais do que a concentração, o vício dessa fatia de mercado, a recusa de não apostar em novos valores ou mesmo de reconhecer escritores de obra consistente e até de renome em seus países sem que antes estes mesmos nomes sejam validados por um mercado internacional. Alega-se o risco; porém é uma contradição essa atitude do mercado querer atuar unicamente sem risco. Ao mesmo tempo, o escritor no Brasil não consegue entender a sua atividade como uma profissão, é desarticulado em termos de classe, o que o deixa completamente à mão, por exemplo, da exigência absurda de que pague pela edição de seus livros ou que seja ele próprio obrigado a sair em busca de condições institucionais (que são raras) para tanto.
Quem é Floriano Martins nasceu em Fortaleza em 1957. É poeta e ensaísta. Publicou alguns livros de poesmas, entre os quais O amor pelas palavras (1982). Na área jornalística, publicou inúmeros textos em jornais e revistas do Brasil e de países como Espanha, Portugal, Colômbia e Costa Rica. Também integra o conselho editorial da revista Poesia Sempre, da Biblioteca Nacional (RJ).
Na Galícia, o berço da língua portuguesa reafirma sua identidade “Galegos imperialistas”
da Redação Sobre o Atlântico Sul, cruzamse os idiomas espanhol e português, formando as semelhanças genealógicas e históricas entre a América Latina e a Europa. Aproveitando esse ensejo, a 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará terá como tema a “mestiçagem cultural”. O objetivo é constituir-se em mais um instrumento para impulsionar a integração latino-americana. Curioso é que, na Europa, sobretudo na Península Ibérica, a integração entre os povos da região é acompanhada por reticências. O fato da Galícia, localizada no norte da Espanha, ser considerada o berço da língua portuguesa exemplifica isso. Para o professor de literaturas lusófonas, Carlos Quiroga, da Universidade de Santiago de Compostela, a história galega “é algo dramático, de emigração obrigada, quando a opressão da Espanha, em que cedo ficamos integrados, resultava insustentável”. Ele conta que, há séculos, todas as administrações do Estado espanhol focaram no idioma como o principal instrumento de anexação da Galícia, e mesmo de Portugal, ao seu país. Segundo a escritora portuguesa Joana Ruas, de 1580 a 1640, sob o domínio dos reis espanhóis Filipe I e Filipe II, toda a aristocracia do país trocou a sua língua pela castelhana. Hoje, Portugal se vê independente.
“Nós galegos levamos séculos na agonia da sobrevivência sob a bota da Espanha”, afirma Carlos Quiroga Mas, no caso da Galícia, o privilégio de ter originado a língua portuguesa se tornou motivo de perseguição, com ápices no século 20. De acordo com o professor Quiroga, hoje, as forças do chamado “tardofranquismo” acomodaram-se com o advento das novas estruturas democráticas e deixaram “algo de corda solta”, “inclusive na questão da ortografia, o suficiente para parecerem politicamente corretos”. “E a sociedade galega e as suas elites ainda comportam-se dentro da lógica de uma castração identitária praticada há séculos e que teve o seu último capítulo no ‘tardofranquismo’, no final da ditadura”, revela Quiroga.
O professor da Universidade de Santiago de Compostela revela que, assim, foi-se educando a maior parte dos galegos, de modo a estarem cada vez menos interessados em conservar as suas características identitárias acima das de pertencimento ao Estado espanhol. “Para que Madri seja a sua capital, para que o acontecido na Costa do Sol, Sul da Espanha, seja o que interesse aqui no Norte”, completa Quiroga. Nessa situação, até ver televisão portuguesa não é consentido pelo governo espanhol; “não sei se pesa o fantasma da Guerra Civil e dos separatismos”, indaga-se. A ótica “imperialista” de Caetano Veloso na área lingüística ajuda Quiroga a desenvolver seu argumento da manutenção da língua para o fortalecimento da identidade de um povo. “Nós, galegos, levamos séculos na agonia da sobrevivência sob a bota da Espanha. Por isso sempre gostei tanto daquela canção do Caetano Veloso, chamada ‘Língua’, e até chego a entender aquele verso em que ele diz, referindo-se ao idioma, ‘sejamos imperialistas’; sejamos-lo pelo menos para sobreviver”, conclui o galego. (ESL)
Para entender Franquismo – Refere-se à ideologia e ao movimento político que sustentou o regime ditatorial fascista liderado na Espanha pelo general Francisco Franco, entre 1936 e 1975.
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Concentração editorial monopoliza setor didático Pequenas editoras se pautam menos no mercado e mais na transmissão da cultura da Redação A concentração do controle de diversas editoras nas mãos de poucos grupos tem aumentado nos últimos anos. Isso ocorre de forma globalizada. Seja no Brasil ou na Europa, assiste-se à diminuição da diversidade editorial e, conseqüentemente, de conteúdo e autores. O estudo “El espacio iberoamericano del libro”, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), mostra que, em 2006, o número de editoras industriais no Brasil contabilizava 545. Com faturamento acima de R$ 50 milhões, somente 11 eram consideradas grandes. Agora, o principal objetivo das grandes editoras nacionais e internacionais é controlar o mercado de livros didáticos e paradidáticos. “O Brasil é um dos maiores compradores governamentais de livros didáticos do mundo. Poucos têm um programa no setor tão amplo como o governo federal”, atesta o antropólogo Felipe Lindoso. Em 2006, dos R$ 1,48 bilhão faturados em livros escolares, o governo contribuiu com 40%. A editora espanhola Santillana investiu R$ 150 milhões para adquirir a Editora Moderna, que detinha cerca de 30% do mercado nacional de livros escolares. A editora Abril adquiriu, em 2004, o controle da Ática e da Scipione, também bastante representativas nesse setor. Na Europa, segundo o professor galego Carlos Quiroga, são também uns poucos grupos editoriais que controlam os grandes nú-
meros, vendem os livros majoritariamente no 4º trimestre (que representa em torno de 40% do faturamento global) e são vendidos somente nas grandes lojas. “A oferta é limitada a nomes badalados e, da língua portuguesa, apenas poderão achar-se em tradução na Espanha um Paulo Coelho ou um José Saramago”, afirma Quiroga. De acordo com ele, para além dessa literatura que só “aparentemente” é a que mais se lê, existe aquela que está fora das grandes redes e mercados, figurando somente em estabelecimentos menores e livrarias especializadas. Ele cita o exemplo de Santiago de Compostela, capital da Galícia, onde, para além da maciça literatura espanhola, já é possível encontrar em vários pontos livros de autores brasileiros, angolanos, moçambicanos, portugueses etc., na sua língua original, o que não era assim tão fácil há alguns anos. O poeta argentino Jorge Ariel Madrazo acrescenta que, em seu país, as coisas não são diferentes, afirmando que o interesse das editoras sempre estará condicionado aos padrões culturais e econômicos.
Enfrentamento
De Portugal, a escritora Joana Ruas conta que, em seu país, a vida dos criadores literários sempre foi muito dura no que se refere à edição das suas obras. Ela revela, no entanto, uma experiência paradoxal que o setor de livros de Portugal está passando nos últimos seis meses. Estão surgindo pequenas editoras alternativas. Muitos editores que trabalhavam em grandes empresas que mono-
polizavam o ramo optaram por arriscar a criar suas próprias editoras, “dando assim uma oportunidade a criadores que de outro modo não teriam a possibilidade de ver as suas obras editadas”, relata Joana. O Brasil também vive esse paradoxo, ocorrendo, de fato, um grande surgimento de pequenas novas editoras. Mas isso não significa, necessariamente, bons resultados. “Uma boa parte delas não dura muito tempo, porque não tem capital e capacitação empresarial para sobreviver”, lembra Felipe Lindoso. Para o editor da editora Expressão Popular, Carlos Bellé, o que está em jogo é a questão do livro como bem cultural. “A experiência nossa mostra que é possível fazer livro bom e barato, manter uma linha política coerente com os princípios editoriais e com as necessidades dos movimentos populares, estudantis”, diz. Segundo ele, o que complica no Brasil é que o mercado é viciado. Ele explica que, em média, o preço do livro é estabelecido entre R$ 0,10 a R$ 0,15 a página no preço final. “Divide por três esse valor. Esse é o diferencial, uma outra lógica”, conta Bellé, se referindo ao fato de que a editora em que trabalha elabora livros três vezes mais baratos. Diante desses números, as bibliotecas têm uma importância fundamental também para as pequenas editoras, na medida que esse seria um mercado para elas. Segundo Felipe Lindoso, existem nos Estados Unidos 154 mil bibliotecas. “No Brasil, não há nem 5 mil”, completa (ESL, com informações da revista Retrato do Brasil).
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internacional
Barack Husseim Obama: a vitória do novo Reprodução
ELEIÇÕES NOS EUA Nascido no Havaí há 47 anos, de mãe branca e pai negro do Quênia, Barack Husseim Obama chega à presidência do país mais poderoso Memélia Moreira de Orlando (EUA) “NÃO SOU um candidato negro. Sou senador do Estado de Illinois disputando a presidência dos Estados Unidos da América.” Com essa resposta, dita há cerca de 18 meses, Barack Husseim Obama começou a trilhar o caminho da vitória nas urnas. Foi naquele momento, quando um jornalista (branco) que lhe perguntara sobre o significado da candidatura de um negro num país de brancos, que ele traçou o perfil de uma candidatura que continha todos os ingredientes para se transformar em mais uma disputa étnica. E assim se impôs também diante dos negros que, tão racistas quanto os brancos, pretendiam ir à forra com a possibilidade de vitória de Obama. Nascido no Havaí há 47 anos, de mãe branca e pai negro do Quênia, Barack Husseim Obama, do Partido Democrata e representante de Illinois no Senado, vem fazendo história no seu país há 21 meses, desde quando decidiu se candidatar em dispu-
O garoto que cresceu entre as areias do Havaí e a ditadura de Suharto, na Indonésia, arrecadou fundos de campanha que atingiram 695 milhões de dólares Novo presidente terá a tarefa de salvar um país a cada dia mais próximo do precipício
ta com a poderosa senadora pelo Estado de Nova York Hillary Rodham Clinton, ex-primeira dama por oito anos. A audácia parecia excessiva. Afinal de contas, além de negro, num país onde o racismo continua presente, Obama ia lutar contra a máquina dos Clinton dentro do Partido Democrata. Máquina que há anos deci-
de quem pode e quem não deve ser candidato pelos democratas. Mas o negro não se intimidou e sequer deixou que os correligionários usassem o tom de sua pele na campanha. Contra ou a favor. Sua primeira vitória foi isolar essa cor que parece estigma nos EUA. Quando venceu as primá-
rias de Carolina do Sul, descobriu que até mesmo dentro do seu partido, que tem fama de esquerda, o racismo não tem fronteiras. Ao comentar a vitória de Obama sobre a concorrente, o ex-presidente Bill Clinton fez um comentário carregado de preconceitos. Carolina do Sul é um Estado com uma gran-
de população de negros, e Clinton, com uma indisfarçável dor de cotovelo por ver a derrota de sua esposa, disse: “É, Jesse Jackson também ganhou em Caroliona do Sul”. Jesse Jackson é negro e em 1992 disputou as primárias do Partido Democrata contra Bill Clinton. Menos de uma semana de-
Marcello Casal Jr./ABr
O legado maldito de W. de Orlando (EUA) Annus Terribilis! Foi com essa expressão em latim que a rainha Elizabeth 2ª, da Inglaterra, se referiu ao terrível ano de 1994, quando seu filho, o príncipe Charles, ainda casado com a princesa Diana, foi morar em casa separada da princesa, porque já eram públicos os comentários das traições mútuas do casal. Dois anos depois, eles se divorciaram. A rainha usou a expressão latina no singular porque foi apenas um ano. Caso fosse a soberana dos Estados Unidos e se referisse aos oito anos de George W. Bush na Casa Branca, ela diria, do alto de sua majestade, que os EUA viveram seus Anni Terribili. Foram oito terríveis anos, principalmente para a classe média desse país. Os dois mandatos de George W. Bush foram tão terríveis e esgotaram de tal forma a paciência do povo que internautas se deram ao trabalho de criar um site ao qual, quando acessado, a qualquer hora do dia ou da noite, informa exatamente quantos dias, horas, minutos e segundos faltam para George W. deixar a Casa Branca. Nos Estados Unidos, Bush só consegue ser menos impopular do que o arquinimigo saudita Osama Bin Laden, um dos autores intelectuais ao ataque do World Trade Center, em Nova York. E, assim mesmo, há dúvidas sobre o percentual de impopularidade entre esses dois homens unidos pela sociedade comercial de seus países, parceiros na exploração de campos de petróleo e pelo célebre 11 de setembro de 2001. George W. Bush, no momento, conta com 25% de popularidade. Mais de 40% menos do que contava nos meses que se seguiram ao ataque às torres gêmeas.
Legado maldito
A lembrança de seu mandato será a de cidadãos dormindo dentro de carros por terem perdido suas casas, o painel de Wall Street com setas vermelhas mostrando a queda das Bolsas, torturas de prisioneiros políticos em Abu-Ghraib, no Iraque, crianças e adolescentes revistados na fronteira do Iraque com a Síria por agressivos soldados estadunidenses e os olhares profundos das mulheres afegãs, perplexas diante da barbárie de uma guerra sem sentido, enquanto George W. Bush jogava golfe no seu rancho no Texas.
Mas ele também será lembrado por outras razões. Mesmo sendo de mundos, sistemas e valores diferentes, George Walker Bush será comparado a Mikhail Gorbachev, ex-premier da extinta URSS. Eles terão na História um lugar bem especial. Um porque ajudou na queda do comunismo no Leste europeu; outro porque deu a largada para o descrédito do capitalismo no mundo ocidental. Gorbachev, por ação. Bush, por inação.
Bush será comparado a Mikhail Gorbachev, ex-premier da extinta URSS. Eles terão na História um lugar bem especial. Um porque ajudou na queda do comunismo no Leste europeu; outro porque deu a largada para o descrédito do capitalismo no mundo ocidental. Gorbachev, por ação. Bush, por inação Sim, George W. deixa um legado maldito. E seu sucessor terá uma tarefa gigantesca para reerguer um país que está desgastado por uma crisse financeira que se anuncia prolongada, por duas guerras que solapam ainda mais a economia dos Estados Unidos e, principalmente, por ter sido o responsável pela maior crise de confiança que o povo estadunidense já viveu. O precedente da atual crise só encontra paralelo no início do século 20, quando os Estados Unidos viram ruir, pela primeira vez, os pilares de seu capitalismo irresponsável e devorador, em 1929. Três anos depois, as urnas deram o troco e o povo elegeu o democrata Franklin Delano Roosevelt, o presidente que levou o país ao século 20 e o principal construtor do império tal o conhecemos.
Guerra e mais guerra
Antes de completar dois anos de governo, George W. Bush, a pretexto de encontrar o “inimigo número 1 dos Estados Unidos” (aqui, cada dia há um inimigo público número 1), ou seja, Osama Bin Laden, bombardeia Kabul em 8 de outubro de 2001. O bombardeio contou com o sempre beneplácito apoio da Inglaterra, que desde sempre dá suporte aos ataques dos Estados Unidos, seja contra a destruição da Iugoslávia, seja no massacre aos civis do Iraque; onde quer que um povo se levante para contestar a supremacia dos Estados Unidos, lá estará desfraldada também a bandeira inglesa. A guerra do Afeganistão é mais um desses conflitos que envolvem criador e criatura. Foram os EUA, com apoio do Paquistão e Arábia Saudita, quem entregaram poder aos talibans, reforçaram os fundamentalistas (entre eles, Bin Laden) contra as forças soviéticas que ocupavam o país e, agora, em mais um surto psicótico, o criador ia destruir a criatura. Por ser um país cuja infra-estrutura fora liquidada nos anos da guerra contra a União Soviética, os estrategistas do Pentágono e, principalmente, Donald Rumsfeld, secretário de Defesa, acreditavam que os soldados dos Estados Unidos tomariam o país em questão de semanas. Mas o Afeganistão foi uma grande surpresa. Divididos em clãs, diferente de Milosevic e Saddam Husseim, os talibans são inimigos difusos e a guerra completou sete anos há um mês, com milhares de mortos de lado a lado. O regime dos talibans caiu, mas os Estados Unidos até hoje não conseguem sair do país, e o Afeganistão mergulhou numa violência sem fim, com 900 soldados estadunidenses mortos logo no primeiro ano e cerca de 4 mil feridos (entre eles alguns que se tornaram inválidos) e as tropas da OTAN, aliadas dos EUA, não controlam todo o país. A guerra do Afeganistão ainda se arrastava, quando novamente os estrategistas do Pentágono, ajudados com informações “precisas” da CIA (Agência Americana de Inteligência) fazem chegar ao presidente Bush, nas célebres reuniões matinais do Salão Oval da Casa Branca, que o homem todo poderoso do Iraque, Saddam Hussein, vinha armazenando um
pois, Clinton desculpou-se da grosseria. Àquela altura, Obama já vinha conquistando mais e mais democratas. A primeira grande conquista aconteceu em 28 de janeiro. Dois dos mais ilustres representantes do clã Kennedy, o senador Edward Kennedy e a filha do presidente John Kennedy, Caroline, declararam apoio a Obama. A partir daí, o garoto que cresceu entre as areias do Havaí e a ditadura de Suharto, na Indonésia, foi colecionando troféus e arrecadando fundos de campanha que atingiram 695 milhões de dólares. Dizer que ele inicia uma nova era nos Estados Unidos é chover no molhado, tal a evidência. Mais do que isso, Obama não terá aqueles famosos “cem dias” de trégua concedidos a presidentes eleitos. Logo depois da valsa que vai dançar com sua mulher Michelle Obama, ainda de ressaca da festa da noite da posse, o novo presidente terá a tarefa hercúlea de tentar salvar os Estados Unidos, a cada dia mais próximo do precipício. E o conselho a ser dado aos futuros assessores do novo presidente é: cheguem cedo. Obama não deixa ninguém calado em reuniões, é detalhista e não gosta muito que atrasem as tarefas distribuídas. E, do Nirvana, onde se encontra um outro Husseim, o Saddam deve estar rolando de rir com as ironias do destino...
Como se não bastassem a força das imagens, há menos de 20 dias, os jornais trouxeram uma notícia que, até então, era apenas uma suspeita de setores da intelligentsia do país. A denúncia desabou feito um míssil entre os cidadãos que viam a guerra apenas como um “mal necessário”. Ela informava que a tortura contra prisioneiros de guerra fora autorizada pelo governo dos Estados Unidos. Era o que faltava para desabar ainda mais a confiança do povo no seu governo e criar brechas na crença das instituições que eles tanto prezam.
Sono profundo
Bush, uma das piores administrações da história dos EUA
arsenal de guerra capaz de explodir o mundo. Obviamente, foi Rumsfeld quem levou a notícia e iniciou sua cruzada, desta vez com apoio do vice-presidente Dick Chenney, para o ataque ao Iraque. Demorou pouco para que George W. Bush se lançasse em mais uma aventura. E essa começou exatamente no dia 20 de março de 2003, quando os soldados, com seus aliados italianos, ingleses e espanhóis, avançaram sobre o sul do Iraque. matando mil pessoas (a maioria, civis) logo no primeiro ataque, enquanto a capital Bagdá e Najaf eram brutalmente bombardeadas. Bagdá resistiu por 20 dias e, no dia 9 de abril de 2003, foi dominada pelas tropas inimigas. Cem mil mortos depois, já em 2007, os Estados Unidos, que pensavam fazer apenas uma “manobra” no Iraque, enfrentam uma ferrenha oposição iraquiana. De um lado, os sunitas, que não aceitam o comando do poder Executivo nas mãos dos xiitas. De outro, os xiitas, que se recusam a integrar os sunitas pró-EUA às forças de segurança que vão controlar o país depois da retirada dos invasores. Os Estados Unidos estavam tão despreparados para essa guerra que, em 2003, tentavam recrutar, às pressas, civis que falassem árabe para traduzir as informações chegadas nessa lín-
gua que eles desconhecem. Mal sabiam que a língua árabe é diferente em cada região. A maior potência do planeta não sabe o que fazer com suas tropas no Iraque e no Afeganistão. Já certos da impossibilidade de vitória, tentam bater em retirada numa operação que não seja tão humilhante para os brios patrióticos do povo estadunidense. E essa tarefa, também gigantesca, será de responsabilidade do novo presidente.
Torturas
Num país onde a palavra democracia é repetida quase como mantra, a tortura de prisioneiros de guerra – que eles pensavam ser uma prática de povos selvagens, como os vietnamitas, por exemplo – é considerada um ato que ultrapassa os limites da covardia. Pois bem, ainda com feridas abertas desde o Vietnã, a sociedade estadunidense foi surpreendida com as primeiras imagens da selvageria cometida por seus “bravos” soldados. E não eram informações ao léu. A denúncia vinha acompanhada de filmes feitos pelos próprios soldados que, não satisfeitos de torturar civis e militares iraquianos, se divertiam fotografando com seus telefones celulares. E ali Bush começou a perder as rédeas e a própria guerra, a qual pensava que seria outro passeio pelo Oriente Médio.
Tudo isso resultou numa espécie de “despertar do gigante adormecido”. Num movimento ainda vagaroso, mas com sinais de consistência, a sociedade deste país passou a discutir política, a se interessar pelo debate entre os dois principais partidos e, principalmente, a tirar seu título de eleitor. Num país onde o voto não é obrigação, 75% dos estadunidenses entre 20 e 29 anos decidiram se registrar para votar nas eleições deste ano. E desses, 68% se registraram como democratas (quando alguém tira o título de eleitor nos Estados Unidos, tem a opção de declinar o nome do partido no qual pretende votar ou, então, marcar um “xis” na opção “independente”). O fato é assunto dos principais comentaristas e cientistas políticos, e alguns deles chegam a temer pelo resultado desse despertar. As notícias sobre autorização de tortura se misturavam às notícias sobre a recessão que a cada dia se aprofunda e apresenta. O chamado “americano tranqüilo” – aquele cara que acorda às seis da manhã, toma café, vai trabalhar e às seis da tarde chega em casa, beija maquinalmente a esposa, janta, liga a TV, paga as contas em dia, paga os impostos e não sabe sequer o nome dos senadores do seu Estado – começou então a se indagar sobre as podridões que o cercam e a cada dia mais se inquieta com os rumos de um país onde a ordem, por incrível que pareça, é a tradução livre da frase de Lênin, “Sonhos, acredite neles”, que aqui recebeu o tom direto: “acredite nos seus sonhos”. O novo presidente dos Estados Unidos não vai ter tempo de sonhar muito. O legado que lhe será entregue por George W. Bush no dia 20 de janeiro é de um país cuja riqueza não será suficiente para tapar os rombos abertos por uma das mais desastradas administrações do Ocidente nos últimos 20 anos. (MM)
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internacional
Greves de estudantes e metalúrgicos vai estremecer o governo Berlusconi ITÁLIA Movimentos sociais pretendem levar 1 milhão de pessoas para Roma em protesto contra lei que privatiza o ensino Achille Lollo NO DIA 14, a “Onda Anômala” deverá mobilizar cerca de um milhão de pessoas, entre estudantes, professores, funcionários e pais de estudantes primários, para realizar outra greve nacional em defesa do ensino público. A manifestação nacional será realizada na capital, Roma, com a participação de centenas de milhares de universitários e secundaristas vindos de toda Itália, aos quais se juntarão os estudantes do ensino primário e das creches da capital que – como aconteceu nos dias 29 e 30 de outubro – estarão presentes com seus pais, professores e funcionários. Esse é o novo movimento estudantil italiano. Chamado “Onda Anômala”, no dia 14, ele vai desafiar o governo Silvio Berlusconi até obter a definitiva suspensão da Lei Gelmini, a qual prevê minimizar e privatizar a educação pública. O movimento sindical vai apoiar essa greve nacional do setor de ensino, visto que as três confederações, (CGIL, CISL e UIL), pressionadas pelas bases dos metalúrgicos – a “Onda Azul”–, já marcaram para o dia 12 de dezembro uma greve nacional com manifestações de protesto em frente à sede do governo. O objetivo é levar para Roma um milhão e meio de metalúrgicos, na sua maioria trajando o uniforme de trabalho azul, daí o nome. A greve nacional dos metalúrgicos será, também, o ensaio para uma greve geral que pode acontecer em janeiro de 2009, quando o conflito com o governo Berlusconi será mais agudo por causa da não-renovação dos contratos de trabalho. De fato, no dia 12 de dezembro, entrarão em greve o funcionalismo público (sem contrato de trabalho há oito meses), os previdenciários, os ferroviários e os aeroviários da Alitalia.
“Onda Anômala”
O nome não é muito atraente, mas é necessário para marcar uma concreta diferenciação do movimento estudantil de 68 e das vertentes partidárias da esquerda que se constituíram na última década tentando enquadrar os estudantes em esquemas eleitorais, que, na realidade, exasperaram os alunos quando os governos de centro-esquerda (Massimo D’Alema e, depois, Romano Prodi) não cumpriram nenhuma das promessas eleitorais, além de manterem intacta a essência do modelo neoliberal na administração do Estado. A vitória da coligação de direita (Partido da Liberdade) liderada por Silvio Berlusconi nas eleições de maio permitiu a esse novo movimento estudantil conquistar uma maior autonomia política e, sobretudo, ter sua própria agenda política. Um elemento que se manifestou, claramente, no dia 29 de outubro, quando a “Onda Anômala” proclamou uma greve nacional para pressionar pela nãoaprovação no Senado da Lei Gelmini. Paralisação que continuava, no dia 30, com uma avalancha humana ocupando Roma, com quase um milhão de manifestantes, enquanto que em 30 cidades italianas se realizavam manifestações de rua que chocavam o Ministério do Interior e o próprio governo. De fato, foi a partir desse momento que o componente ideológico mais direitista (os neofascistas de Aliança Nacional – AN), o ministro da Defesa, Ignazio La Russa, e o porta-voz da coligação, Maurizio Gasparri, procuraram um recuo tático do governo sugerindo o congelamento da lei em 2009 e sua implementação em 2010. É claro que os estudantes da “Onda” não caíram nessa armadilha, aliás foi em função disso que a mobilização do dia 14 virou unanimidade em todas as escolas e universidades, recebendo o apoio dos estudantes de direita e dos “não-politizados”.
Arnaldo Criscuolo
1 milhão contra o governo
O extraordinário acontecimento político registrado pela “Onda Anômala”, nos dias 29 e 30 de outubro, foi ter conseguido empurrar à esquerda um movimento que era considerado bastante heterogêneo, em função da presença das mães e dos avós dos estudantes primários e das creches. Por isso, Walter Veltroni, líder do Partido Democrático (PD), principal componente da centro-esquerda, e o secretáriogeral da central sindical CGIL, Guglielmo Epifani, tentavam cavalgar o movimento propondo apenas recolher 500 mil assinaturas, para, depois, tentar formalizar na Câmara dos Deputados um referendo popular para junho de 2009, pedindo a anulação da Lei Gelmini. O elemento surpreendente foi a imediata decisão dos pais dos estudantes primários e das creches de rejeitar o referendo de Veltroni para apoiar a proposta dos universitários de continuar com as manifestações de rua. Na verdade, todos sabiam que o governo de direita, majoritário no Parlamento, teria vetado o referendo, enquanto a mídia o teria desqualificado, usando a retórica de Berlusconi: “obra nefasta de uma esquerda comunista que nada sabe da democracia”. O salto à esquerda da “Onda Anômala” foi possível porque ela assumiu a defesa do ensino público, que é um capítulo importante da Constituição italiana. Diferentemente dos Movimentos de 68 e de 77, quando os estudantes queriam uma ruptura radical com o ensino burguês, hoje os estudantes de esquerda sabem que a prioridade é a defesa do sistema de ensino público. Por isso, a “Onda” cresceu com a adesão massiva dos estudantes e se tornou “Anômala”, fixando regras para a manutenção de uma democracia interna que não exclui dos debates os estudantes de direita ou aqueles que não têm uma posição política definida. Dessa forma, a “Onda Anômala” conseguiu se livrar do estigma de ser um “movimento comunista” e pode enfrentar o governo Berlusconi de cabeça erguida.
Estigma do comunista
O principal argumento da retórica política de Berlusconi e de seus aliados (Ugo Bossi, líder da racista Liga Norte, e Gianfranco Fini, da neofascista Aliança Nacional) é que a Itália seria controlada por um “poder subterrâneo comunista, cujos tentáculos já chegaram a controlar o funcionalismo, a universidade, o ensino público, os sindicatos, a imprensa, os intelectuais e a magistratura”. Argumentos que, com o constante bombardeamento psicológico nas televisões sobre a “violência dos Maquis comunistas durante a Segunda Guerra mundial e das Brigadas Vermelhas durante a década dos Anos de Chumbo”, produziram um verdadeiro estigma do comunista, tanto que, hoje, na Itália, muitos estudantes, mesmos sendo progressistas, não querem ser chamados de comunistas, que para muitos é uma ofensa. Essa campanha se iniciou em 1979 e obrigou os reformistas do Partido Comunista Italiano (PCI) a, literalmente, liquidar todo seu passado histórico. Conseqüentemente os ex-PCI criaram o Partido Democrático de Esquerda, que, a seguir, perdia o adjetivo “Esquerda”, oscilando entre a terceira via de Tony Blair e o “capitalismo democrático” de Barack Obama. Mesmo assim, todas as vezes que o PD de Veltroni consegue promover uma forma de oposição ao governo, logo, Berlusconi e seus anfitriões voltam a denunciar na mídia “o perigo comunista e a falta de democracia na esquerda”. Achille Lollo é jornalista italiano, autor do documentário Brasil De Fato, 2003/2008, uma história contada, disponível no www.portalpopular.org.br.
Estudantes tomam as ruas de Roma em manifestação do dia 30 de outubro
“A escola é pública e não vai pagar pela vossa crise”, dizem estudantes Para o governo Berlusconi, a escola pública é, antes de tudo, um inimigo ideológico por abrigar profissionalmente docentes, intelectuais e estudantes que alimentam o conceito de resistência ao pensamento único. Além disso, representa um compacto pólo de resistência que impulsiona o movimento de opinião e rejeita as manipulações culturais e midiáticas Por outro lado, esse governo cortou impostos em benefício dos setores mais abastados da classe média e promoveu mudanças na arrecadação de impostos para satisfazer as cidades do norte, no âmbito de um pseudo-federalismo, que abriram um buraco enorme no orçamento do Estado. Este será fechado com drásticos cortes no social. Acossado pela crise financeira estadunidense e pela queda do PIB italiano (que terá crescimento de 0,1% neste ano), o governo Silvio Berlusconi não hesitou em retirar 8 bilhões de euros do orçamento do ensino público, promovendo, com a Lei Gelmini, o desemprego imediato de quase 80 mil professores do ensino primário e secundário, além do desligamento de 20 mil funcionários com contratos temporários. Por fim, os salários dos professores permanecem no nível mais baixo. É nesse âmbito que a nova lei pretende “minimizar” o ensino público, voltando ao professor único para o ensino primário e aumentando as turmas para até 50 alunos, além de fechar laboratórios de ensino, programas desportivos e acabar com os projeto de ensino em tempo integral.
A grande questão é saber se a experiência da “Onda Anômala”, bem como a da metalúrgica “Onda Azul”, vai encontrar uma resposta na esquerda italiana, visto que, hoje, as duas “ondas”, sem erguer a bandeira vermelha, souberam se posicionar muito mais à esquerda que os próprio partidos e sindicatos ensino público, optou por financiar as escolas privadas católicas que, além de darem um substancial suporte ideológico ao governo de direita, podem formar uma nova classe dirigente dentro da lógica cultural conservadora. Hoje, as universidades estatais vivem uma situação caótica após a reforma que reduziu todos os seus cursos de cinco para três anos, enquanto que a privadas recebem apoios do governo para a realização dos mestra-
dos e dos doutorados. Além disso, o governo pretende privatizar as universidades públicas, transformando-as em fundações que recebem verbas somente em função de seus resultados e sua integração técnico-científica com o mercado. É evidente que, com a criação das fundações, será mais fácil desempregar massivamente docentes e pesquisadores (a maioria, progressistas), obrigando a maior parte dos estudantes a emigrar para as universidades privadas. Vanessa
Privatização disfarçada
É evidente que a Lei Gelmini provocou a reação dos pais que já sentem a crise econômica com o aumento do preço da gasolina e o descontrole nos preços dos aluguéis e da cesta básica. Por exemplo, a partir do dia 15 de outubro, o macarrão, o azeite e o pão – que são os produto alimentares de 90% dos italianos – aumentaram, em média, 35% sem nenhuma justifica. De fato, o governo Berlusconi, ao retirar verbas do
A “Onda Anômala” em ação
De modo a limitar ainda mais o conceito de ensino público e poupar dinheiro, o governo mandou duplicar as mensalidades de todas as faculdades das universidades estatais, bem como reduzir as facilitações para os estudantes de baixa renda ou trabalhadores-estudantes, além de cortar todo tipo de investimentos para os restaurantes universitários, os alojamentos, as bibliotecas e os laboratórios. Uma maneira de retirar do mundo acadêmico público todos os benefícios e auxílios que os estudantes conquistaram nos últimos 30 anos.
Universidade pública
É evidente que, diante desse desejo do governo de decepar a universidade pública, a maioria dos estudantes apóia a “Onda Anômala” como a última possibilidade para bloquear essa política de desmanche. Por isso, em todas as cidades italianas onde há universidade públicas, ocorrem contínuas mobilizações e manifestações de estudantes, professores, pesquisadores e funcionários, que, para sensibilizar a opinião pública, realizam suas aulas nas praças públicas. Por exemplo, no dia 3, toda a imprensa estrangeira foi a Nápoles para cobrir as “aulas” que os professores de Economia Política da Universidade Oriental e da Universidade Del Sannio realizaram na centralíssima Praça dos Mártires, com a participação de 500 estudantes e mais de mil ouvintes ocasionais. Diante disso, a grande questão é saber se a experiência da “Onda Anômala”, bem como a da metalúrgica “Onda Azul”, vai encontrar uma resposta na esquerda italiana, visto que, hoje, as duas “ondas”, sem erguer a bandeira vermelha, souberam se posicionar muito mais à esquerda que os próprio partidos e sindicatos. As duas “ondas”, hoje, têm um apoio de massa que Walter Veltroni, do PD, Fausto Bertinotti, de Refundação, e Guglielmo Epifani, da CGIL, sempre sonharam. O problema é saber como transformar essas “ondas” em movimento organizado para derrubar o governo Berlusconi. (AL)
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américa latina
No México, projeto de reforma energética de Calderón é aprovado com alterações Trianero
PETRÓLEO Entre elas, está a de proibir a contratação de serviços do setor privado para a refinação, transporte, armazenamento e distribuição de petróleo
Pemex
da Redação APÓS CERCA de oito meses de debates e protestos em torno do projeto de reforma energética apresentado pelo presidente mexicano Felipe Calderón, a Câmara dos Deputados aprovou o texto final que possibilita alterações na legislação petroleira do país. A reforma aprovada pelo Congresso mexicano traz alterações no texto original proposto por Calderón. As mudanças foram relacionadas em sete sentenças, que passaram por votação no Senado, na Comissão de Energia da Câmara de Deputados e, no dia 28 de outubro, no plenário da Câmara. Votaram deputados do governista Partido Ação Nacional (PAN), do Partido Revolucionário Institucional (PRI) e do oposicionista Partido da Revolução Democrática (PRD). Oito legisladores apresentaram observações aos artigos 8, 9, 34, 47, 48, 60, 61 e 71 do referido documento, os quais se-
do território mexicano a empresas transnacionais.
Mexicanos lutam para evitar que estrangeiros explorem o petróleo no país
rão submetidos a consideração da Câmara. Salvo isto, o projeto ficou aprovado no geral por 395 votos a favor e 82 contrários.
Alterações
Os legisladores mexicanos eliminaram uma série de propostas do presidente Felipe Calderón. Entre as mais importantes alterações, está a de proibir a contratação de serviços do setor privado para a refinação, transporte, armazenamento e distribuição de petróleo. O argumento, fundamentalmente defendido pelo PRD, é que a proposta derrotada de Calderón, que permitiria que esses trabalhos fossem feitos por empresas privadas, seria na prática a privatização do se-
tor petroleiro. Assim, foi eliminada, também, a proposta de oferecer contratos ao setor privado, e ficou proibido dar-lhe qualquer direito sobre o petróleo ou seus derivados. Os legisladores propuseram e aprovaram leis para gerar energia com fontes não contamináveis, como água, vento ou sol. Do texto original, de Calderón, ficaram propostas como incluir no conselho de administração da Pemex (Petróleos Mexicanos) quatro cidadãos mexicanos profissionais e independentes para vigiarem a operação da estatal. Também será permitida a emissão de vale-cidadãos, que, segundo o presidente, permitirão trocar, poupar e receber rendimentos da Pemex.
Não obstante a aprovação dos artigos, houve um rechaço contundente por parte de um grupo de deputados do PRD, que expressaram seu descontentamento com a ação legislativa. O líder do PRD, Andrés Manuel López Obrador, foi recebido antes da sessão ser iniciada pelos coordenadores parlamentares, ante os quais pronunciou um discurso de uma hora, no qual disse que a reforma pretende entregar a soberania do país às grandes empresas petroleiras estrangeiras. O ex-candidato presidencial solicitou que não se assinem contratos de exploração e de produção que contemplem a concessão de áreas exclusivas
Um dos pontos mais debatidos durante o período de negociações em torno da reforma energética foi o destino da estatal Pemex. De acordo com a proposta inicial do presidente mexicano, abriria-se a indústria petroleira mexicana ao capital privado. A justificativa do governo para a privatização da estatal deve-se à deterioração tecnológica e financeira da empresa e à falta de recursos para a exploração do petróleo. A Pemex, situada entre as dez principais petroleiras do mundo, sofreu uma baixa de 9,7% na produção de petróleo no período de janeiro a setembro de 2008, em comparação com igual intervalo do ano passado, ao cair a 2 milhões e 882 mil barris diários em média, contra mais de 3 milhões de barris no mesmo período do ano passado. Por sua vez, a oposição, liderada por Obrador, também dirigente do Movimento Nacional em Defesa do Petróleo, organizou marchas e protestos contra a privatização da estatal, como também uma consulta popular sobre o tema. Os resultados da consulta foram entregues ao Senado mexicano antes do início das votações e, apesar do caráter nãovinculatório, confirmaram o rechaço da população à privatização da Pemex. O número total dos participantes no referendo foi de 2,5 milhões, e a grande maioria se manifestou contra a abertura da estatal ao capital privado.
Resistência
López Obrador, que desde o início dos debates em torno da reforma energética tem encabeçado protestos e manifestações em todo o México contra a proposta do presidente Calderón, promove agora ações de resistência civil pacífica contra a reforma aprovada pelo Congresso. O senador mexicano Ricardo Monreal, do PRD, assegurou que a resistência continuará até quando não se agregar na lei da Pemex a proibição expressa da participação de empresas estrangeiras na exploração de petróleo no país.“Vamos continuar lutando e em resistência civil. Vão surgir grandes empresas estadunidenses que pretenderão apropriar-se do petróleo mexicano através de concessões.” “Esta luta não acabou, apenas se inicia”, afirmou Monreal, “porque somos milhões de mexicanos contrários a que se entregue nossos recursos petrolíferos em mãos estrangeiras”, completou. O senador advertiu que, se necessário, solicitarão a inconstitucionalidade da lei ou um recurso de amparo para proteger a nação e os cidadãos desta “investida da direita, que pretende ficar com o petróleo através das áreas geográficas”. A lei que garante a reforma energética seguirá o processo legislativo normal. Primeiro a promulgação, depois a publicação e por último será posta em vigência. Espera-se que esse registro aconteça até o final do ano.
ARTIGO ABN/ABI
O satélite Simón Bolívar e a crítica fora de órbita Beto Almeida O lançamento do satélite Simón Bolívar, pela Venezuela, no dia 29 de outubro, numa cooperação tecnológica com a China, manda literalmente para o espaço e deixa fora de órbita a crítica antichavista, seja lá na Venezuela como aqui no Brasil, onde alguns jornais, na impossibilidade de esconder completamente o fato, embora quisessem, tentaram ironizar o fato de Hugo Chávez ter qualificado o novo aparato tecnológico como satélite socialista. A pobreza da crítica é estarrecedora, obtusa e chega mesmo a escorregar para algo similar às chamas da Inquisição Medieval, que queimaram Giordano Bruno e chegaram a chamuscar Galileu. Ou seja, é perigosa, revela a estatura político-intelectual dos responsáveis pela linha editorial desses meios de comunicação que deveriam funcionar como serviços públicos em sintonia com a Constituição. Primeiramente, vale revelar que a mídia venezuelana, seguindo como vassala a mídia dos EUA, sonegou a informação da entrada da nação bolivariana na era do satélite. Por si só, esta sonegação informativa constitui afronta a todo o patrimônio cultural da humanidade.
Mesquinhez informativa
Completamente desconcertada com o salto tecnológico da Venezuela, a oposição de direita, dirigida desde Miami, tentou várias táticas para reduzir a importância do episódio. Primeiro sonegou, não informou. Porém, a Venezuela já possui hoje um sistema público de comunicação social bastante expressivo, e a Telesur – a nova televisão do Sul – transmitiu ao vivo o lançamento a partir de território chinês. Aqui no Brasil, a TV Cidade Livre de Brasília, a TV Paraná Educativa e a TV Comunitária do Rio de Janei-
ro também transmitiram integral ou parcialmente a entrada da Venezuela, por meio de uma decidida política estatal, na idade dos satélites. Fracassada a tática da sonegação, a mídia do capital tentou criticar os “gastos excessivos” feitos no satélite que trás o nome do libertador e integrador das nações latino-americanas, tal como o satélite também poderá fazer a partir de agora, colocando-se à disposição de outras nações da região, sobretudo àquelas que sofrem bloqueios e sabotagem do imperialismo estadunidense, como Cuba e Bolívia, já convidadas por Hugo Chávez a compor o projeto do satélite.
O satélite Simón Bolívar é uma ferramenta socialista que permitirá fantástica dinamização econômica, cultural e social da região Nesse sentido, os investimentos de 400 milhões de dólares revelam-se uma ninharia se comparados ao significado histórico de uma ferramenta que permitirá fantástica dinamização econômica, cultural e social da região. Sendo assim, o Simón Bolívar é sim uma ferramenta socialista. Mas os críticos terminam por tomar as dores do seleto clube de satélites, do qual a Venezuela se liberta agora, com enorme economia para seus cofres públicos.
Terrorismo de quem?
Demolida esta tática, a outra crítica inventada pela mídia do capital é a de que o satélite será
usado para o terrorismo. A mesquinhez aqui não tem limites! Todos sabemos que a carnificina feita pelos EUA no Iraque teve ampla cobertura de satélite, seja para orientar seus mísseis assassinos na destruição de cidades e mais cidades, seja para a prática do “terrorismo midiático”, por meio do qual se “justificou” esta matança selvagem, com o uso da mentira sobre a existência de “armas de destruição em massa”, hoje completamente desmascarada. Com o Simón Bolívar, os países que buscam um caminho independente do caos financeiro-social traçado pelo neoliberalismo já tem um instrumento a mais para se afastarem das redes de controle informativo/ desinformativo do grande capital. Canais públicos de rádio e televisão já não mais precisam estar sujeitos aos satélites controlados pelos conglomerados midiáticos capitalistas, novas condições para políticas públicas de comunicação estão abertas, e a integração informativocultural do Sul é cada vez mais uma realidade concreta, visto que era meta impossível sob a ditadura do capital midiático.
Ameaça ou exemplo?
O salto tecnológico da Venezuela é também uma lição muito profunda para a consciência nacionalista do povo brasileiro, sempre atacada pela mídia controlada editorialmente pelos vassalos dos interesses imperiais no Brasil. As repetidas críticas às políticas implementadas por Hugo Chávez no país vizinho tendem sempre a sinalizar a existência de uma ameaça chavista aos interesses nacionais. Esta tese, tal como a das “armas de destruição em massa”, nunca foi comprovada, mas os jornais e TVs a repetem frequentemente, como repetiram aquela anterior. O jornal The New York Times pelo menos teve a atitude de reconhecer, em editorial, anos após o banho de sangue no Ira-
Lançamento do satélite Simón Bolívar na China
que, que jamais se pôde comprovar que existiram as tais armas e que a mentira foi usada pelos planejadores da bárbara agressão militar. Claro, seus anunciantes são os principais acionistas da indústria bélica.... E aqui? A mídia reconhecerá que se enganou nestes anos todos diante das transformações em curso na pátria de Bolívar ou seguirá praticando não-jornalismo e afirmando que a Venezuela é ameaça ao Brasil? Quando as próprias autoridades confessam não ter hoje o Brasil capacidade militar para defender, por exemplo, o petróleo pré-sal ou os tesouros da Amazônia de algum “espertinho” aventureiro, como disse Lula, como é que se pode reprovar que um país vizinho esteja reconstruindo sua indústria de defesa e desenvolvendo soberanamente o que considera pertinaz para defender suas imensas riquezas energéticas e sua soberania? Não seria mais indicado que tais condutas fossem tomadas como exemplo e não como ameaças? Parece que o presidente Lula já entendeu desta forma, tanto é que determinou a liberação de vultosos recursos para o projeto do submarino nuclear brasileiro, decisão rigorosamente realista para qualquer país que tenha uma costa do nosso porte e que sofreu anos de demolição da indústria bélica e de sucateamento neoliberal de sua Arma-
da, inclusive com a privatização de sua Marinha Mercante. Os oligopólios navais transnacionais até hoje agradecem.
Empresa pública
Por fim, como pode um país com a economia e o território do porte que temos não dispor de uma empresa pública de satélite? Vale lembrar que os que vivem a alardear a tal “ameaça chavista”, nunca comprovada, apoiaram freneticamente a farra da privataria que levou a Embratel a se transformar em uma empresa sob controle de capitais estadunidenses. Para se perceber a gravidade deste fato, basta citar que até mesmo informações militares brasileiras hoje dependem da operação de satélites controlados por capitalistas dos EUA. E ainda há aqueles que, por candura eqüina ou por cinismo, admitem que num momento de conflito, como os que têm ocorrido no planeta, as informações de interesse nacional que trafegam por esses satélites serão preservadas corretamente “porque os contratos serão cumpridos”. Aliás, tanto isso não é verdade como já ocorreu situação em que os interesses nacionais não foram preservados: em reunião dos acionistas do Consórcio de Satélite Intelsat, surgiu a oportunidade de aumento da participação acionária do Brasil, mas tal oportunidade simples-
mente não foi comunicada ao Estado brasileiro pela tal empresa agraciada com a Embratel na farra privateira. Esse episódio, juntamente com o exemplo edificante do lançamento do Simón Bolívar, deve promover a necessária reorientação desta nefasta privatização, que precisa ser revertida e seus operadores, devidamente responsabilizados. Por que os que ficam a acenar com fantasmas de supostas ameaças de um governo que tem sido correto colaborador do governo brasileiro não advertem para os interesses nacionais verdadeiramente ameaçados, por estarem as informações militares brasileiras sob controle de uma empresa dos EUA?
E, no entanto, move-se
Como indicado, o lançamento do satélite Simón Bolívar é uma enorme lição para a consciência nacionalista brasileira. Se pretendemos de fato construir um projeto soberano de nação – e muitas decisões governamentais acerca da nacionalização do petróleo recém-descoberto e da recuperação da indústria da defesa sinalizam nesta direção –, não podemos ter dúvidas sobre o que é realmente exemplo e o que é ameaça. E neste mundo de sombras, incertezas e violência, não temos o direito de vacilar sobre a imperiosa necessidade de buscar independência tecnológica e de sonharmos, sim, como nação, em “assaltar os céus”, como um dia “assaltou” um ilustre brasileiro, Alberto Santos Dumont. Mas nem sempre nossas políticas públicas de ciência e tecnologia e de comunicação estão à altura de seu gesto grandioso. E, se depender de uma certa mídia colonizada, nunca estarão. Nada mudará, e o espaço sideral seria como um latifúndio a mais. Mas, para contrariar tais visões imutáveis, tal mesquinhez informativa, aí estão os câmbios na Venezuela, no Equador, na Bolívia, na Nicarágua, no Brasil, na Argentina. E aí está o satélite Simón Bolívar, trazendo de volta Galileu Galilei e dizendo ao mundo inteiro “Eppur si muove”. Beto Almeida é presidente da TV Cidade Livre de Brasília.
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de 6 a 12 de novembro de 2008
américa latina
Avanços e retrocessos da Constituição BOLÍVIA Nova Carta Magna representa vitória para indígenas e camponeses, mas alterações negociadas significaram recuos Igor Ojeda
Igor Ojeda e Tatiana Merlino da Redação NO DIA 21 de outubro, o Congresso da Bolívia aprovou e sancionou um projeto de lei convocando um referendo para aprovar a nova Constituição do país, que será realizado no dia 25 de janeiro de 2009. Para especialistas e representantes de setores sociais, a convocatória à consulta representa uma vitória para indígenas, camponeses, cocaleiros e setores que apóiam o governo de Evo Morales, que há anos lutam pela aprovação de uma nova Carta Magna. “Os avanços mais importantes estão relacionados ao reconhecimento pleno de direitos dos povos indígenas, à maior participação e controle do Estado da economia e à abertura plena às mudanças no sistema político, com a inclusão da democracia participativa e comunitária”, avalia o sociólogo Eduardo Paz Rada, em entrevista concedida por correio eletrônico. No entanto, para se chegar a um acordo que possibilitasse a aprovação da lei, o governo Morales recuou aceitando a modificação de mais de cem artigos (de 408 no total) da nova Carta Magna. Na opinião de Rada, que é docente da Universidad Mayor de San Andrés (UMSA), de La Paz, as alterações incorporadas nas negociações com os congressistas de oposição significaram um retrocesso em relação a diversos aspectos aprovados pela Assembléia Constituinte. “Entre estes, encontrase o tema da terra e o reconhecimento dos direitos dos proprietários de mais de 10 mil hectares de terra, com a condição de que cumpram a função econômica e social, sem que possam ser afetados em sua propriedade. Isso contradiz claramente a idéia original de reverter ao Estado e redistribuir a terra entre os camponeses de maneira democrática”, critica Rada.
Brasil de Fato – Como você avalia a convocatória do referendo constitucional para janeiro de 2009?
Eduardo Paz Rada – A convocatória ao referendo para aprovar ou rechaçar o Projeto da Nova Constituição Política do Estado da Bolívia é o resulta-
Quanto
100
Mais de artigos da Constituição foram alterados nas negociações com a oposição do de um longo processo de luta entre os movimentos populares, indígenas, camponeses, colonizadores, cocaleiros e setores urbanos que apóiam o governo de Evo Morales, que têm lutado há dez anos pela aprovação de uma nova Carta Magna com uma nova visão da política, do Estado, da economia e das relações internas e internacionais do país. Os setores conservadores e neoliberais têm se oposto ao processo de transformações que estão se implementando e frearam a Assembléia Constituinte por contar com um terço de representantes que praticamente “vetaram” as decisões. Esses setores oligárquicos têm sido respaldados pelos meios de comunicação empresariais, os governadores de alguns departamentos e grupos violentos e racistas que atemorizaram os congressistas. A convocatória ao referendo representa um passo importante para o processo dirigido pelo presidente Evo Morales porque, depois de consolidar seu governo com o respaldo de 67% dos eleitores na consulta revogatória de agosto, tem conseguido estabelecer novas condições na correlação de forças. A determinação final, contudo, foi o resultado de um “acordo político” parlamentar entre o partido do governo e a oposição conservadora, que provocou críticas dentro dos setores populares pelas reformas introduzidas no projeto aprovado na Assembléia Constituinte depois de quase dois anos de deliberações.
Quais avanços você acredita estarem incorporados na nova Constituição que irá a referendo?
Os avanços mais importantes, da perspectiva das demandas populares e de mudança, estão relacionados ao reconhecimento pleno de direitos dos povos indígenas, à maior participação e controle do Estado da economia e à abertura plena às mudanças no sistema político, com a inclusão da democracia participativa e comunitária, esta úl-
Convocatória representa vitória para indígenas e camponeses
tima relacionada com a cultura ancestral. Também incluemse mudanças no ordenamento administrativo, com a incorporação das autonomias departamentais e indígenas, com competências, em alguns casos, próprias e, em outros, compartilhadas. O projeto, finalmente, incorpora a reeleição presidencial, que abre a possibilidade para a reeleição de Evo Morales por um novo período de cinco anos, devido a sua alta preferência pelo povo boliviano.
Como você avalia as mudanças que os congressistas fizeram no texto constitucional original?
As mudanças incorporadas nas negociações com os congressistas de oposição significaram um retrocesso em relação a distintos aspectos aprovados pela Assembléia Constituinte. Entre estes, encontra-se o tema da terra e o reconhecimento dos direitos dos proprietários de mais de 10 mil hectares de terra, com a condição de que cumpram a função econômica e social, sem que possam ser afetados em sua propriedade. Isso contradiz claramente a idéia original de reverter ao Estado e redistribuir a terra entre os camponeses de maneira democrática. Por outro lado, as empresas transnacionais mineradoras e petroleiras adquirem um
direito permanente sobre esses recursos naturais, extinguindo a possibilidade de recuperação soberana por parte do Estado. Além disso, entre as concessões feitas à oposição, está a de validar as autonomias departamentais com maiores direitos, afetando a unidade nacional.
Você acredita que o governo Evo fez demasiadas concessões? Por quê?
O governo de Evo Morales, depois de haver nacionalizado, em maio, a empresa holandesa e estadunidense Transredes, encarregada do transporte de hidrocarbonetos, e a ENTEL, empresa de Comunicações da Itália, e de haver conseguido um triunfo político eleitoral com o referendo revogatório, apoiado por uma enorme mobilização popular, tem dado vários passos atrás por causa de concessões contidas no “acordo político”, que, segundo setores afins ao governo, atrasam as mudanças políticas e sociais. Adverte-se também que a pressão internacional, especialmente do governo do Brasil, da Organização dos Estados Americanos [OEA] e da União Européia influenciou para que o governo se flexibilizasse frente aos setores tradicionais.
Não parece contraditório o fato do governo do
MAS (Movimiento Al Socialismo, partido do governo) ter aceitado mais de cem modificações na nova Constituição em um momento em que Evo tinha acabado de sair com um forte respaldo das urnas? A que se deve isso? Sem dúvida, se trata de algo inexplicável que, tendo um elevado apoio popular, um controle territorial de todo o país e a ação direta das Forças Armadas para controlar os grupos paramilitares de direita, o governo tenha feito tantas e importantes concessões relacionadas a reivindicações históricas do movimento popular. Reitero que a influência de organismos internacionais, e do governo do Brasil em particular, foi chave para a assinatura dos acordos. Membros do governo brasileiro estiveram em contato com os governadores opositores e, na qualidade de mediadores, influenciaram nas decisões finais. Não se descarta a existência de setores flexíveis dentro do governo que, em troca da reeleição de Evo Morales, cederam em temas importantes.
Em quais pontos você acredita que houve retrocesso em comparação com o texto aprovado em Oruro?
Os pontos mais sensíveis es-
tão relacionados com a propriedade de terra, porque estão legalizando os latifúndios, uma vez que os limites máximos de propriedade, seja 5 ou 10 mil hectares, só terão vigência no futuro, sem afetar as terras conseguidas no passado, em muitos casos, de maneira ilícita. O outro é referente à concessão de direitos às transnacionais petroleiras e mineradoras, especialmente com a validação de contratos que afetam a política de nacionalização de hidrocarbonetos de maio de 2006. Outros aspectos se relacionam com a incorporação da nação boliviana como marco geral de existência e reconhecimento das nações indígenas e o termo República, que foi anulado no projeto original.
De que modo você avalia as modificações no capítulo “terras”? Em sua opinião, o que representam para o futuro da reforma agrária na Bolívia? Acredita que a função econômica e social da terra será cumprida de fato?
No tema terras, como se adverte antes, se cedeu em excesso, porque se reconhece aos proprietários direitos ilícitos e se consolidam direitos. Seu resultado é maior porque se trata do setor mais poderoso da oligarquia, com forte respaldo político e de grupos armados irregulares. Contudo, o vice-ministro de terras, Alejandro Almaráz, indicou que se aplicarão normas para afetar aos proprietários de terras que não cumprem função econômica e social. Situação que poderá provocar novos choques de interesses.
Como você avalia o novo capítulo das autonomias na Constituição acordada no Congresso?
Em relação ao tema de autonomias, o projeto reconhece quatro tipos: Departamental, Indígena, Municipal e Regional. As duas primeiras são as mais delicadas. As autonomias departamentais realizam concessões aos poderes locais, reconhecendo inclusive o direito a legislar e manter relações exteriores. As autonomias indígenas reconhecem direitos a seus valores e costumes e a autodeterminação política e social.
Movimentos de 13 países firmam compromisso de apoio à Bolívia Reprodução
Encontro em Santa Cruz de la Sierra selou pacto no momento em que embate entre governo e oposição deverá recomeçar em torno da campanha pelo referendo Spensy Pimentel de Santa Cruz de la Sierra (Bolívia) O apoio internacional à Bolívia e ao seu governo democraticamente eleito, expresso em reunião especial da União das Nações Sul-americanas em Santiago (Chile), em setembro, agora deve ser estendido à sociedade civil internacional. O novo Comitê Internacional de Solidariedade com a Bolívia inicia-se com 111 organizações sociais de 13 países. Entre os participantes brasileiros, estão o MST e a Via Campesina. Ao todo, 1.584 delegados, segundo o documento final do evento, participaram, entre os dias 23 e 25 de outubro, do Encontro Internacional de Solidariedade com a Bolívia, em Santa Cruz de la Sierra. A reunião foi encabeçada principalmente pelos movimentos indígenas e camponeses, mas também contou com a participação de organizações urbanas, como sindicatos. A expectativa boliviana é que a mobilização internacional se amplie no período crítico dos próximos meses, quando deve se intensificar o embate político
Quanto
1.584
delegados, de 111 organizações sociais, participaram do encontro Entre os movimentos que participaram do evento, estiveram ainda as Madres de la Plaza de Mayo, da Argentina. Hebe de Bonafini, líder do movimento, ressaltou a importância do suporte ao país-irmão. “Estamos vivendo um momento histórico na América Latina, e Evo Morales nos deu uma oportunidade de viver um momento impressionante: está fazendo a revolução através das urnas”, observou. Em agosto, Morales venceu um referendo que ratificou seu mandato com 67,4% de votos favoráveis – no pleito que o levou ao poder, em 2005, ele teve 54% dos votos.
no país, em decorrência da convocação do referendo sobre a nova Constituição, marcado para o dia 25 de janeiro de 2009. Fechado em 20 de outubro, o acordo entre governo e oposição para a realização do referendo incluiu mudanças feitas pelo Congresso boliviano em parte dos artigos que haviam sido aprovados em 2007, em uma Constituinte que foi boicotada pela oposição e acabou controlada pelo MAS, partido do presidente Evo Morales (por isso a nova Carta Magna era boicotada pela direita). Ainda assim, setores mais radicais da oposição, como os ligados ao governador – que lá se chama prefecto – do departamento de Santa Cruz, Ruben Costas, pregam o rechaço total ao novo texto. Vigilância e mobilização Presente ao encontro internacional em Santa Cruz, o presidente boliviano recebeu vários presentes e até dançou com as mulheres de um grupo musical indígena do Equador. Porém, não discursou. A principal fala em nome do governo foi feita pelo vice-presidente, Álvaro García Linera, na abertura do evento.
Ele qualificou a direita boliviana de golpista e alertou os participantes do evento para a necessidade de manter atenção sobre o processo: “A direita não morreu, ainda que os golpistas do oriente e do sul do país tenham sido derrotados com as
armas da democracia. Vigilância permanente e mobilização! A direita foi derrotada em uma batalha, mas ainda não perdeu a guerra e, mais cedo que tarde, seguramente, encontrará algum mecanismo para atentar contra a democracia”, concluiu.
Justiça comunitária O modelo da nova Constituição boliviana segue princípios semelhantes ao que começa a ser aplicado em países como Equador – o qual realizou recente referendo sobre sua nova Carta Magna. Entre as inovações, a extensão da noção jurídica de autonomia para as comunidades indígenas – o que significa, na prática, a regulamentação, por exemplo, da justiça praticada pelas próprias comunidades. “Os povos indígenas e os movimentos sociais e populares aqui reunidos nos levantamos
pela Bolívia e por Evo Morales, exigimos justiça para nossos irmãos e irmãs e celebramos a refundação da Bolívia, que se levará a cabo com a aprovação do novo texto constitucional”, diz a declaração final do encontro em Santa Cruz, que, além de defender a Bolívia, também alerta para possíveis ingerências do “império norte-americano” contra os “processos revolucionários” em Cuba, Venezuela, Equador e Paraguai, entre outros. Expulsão do embaixador Os participantes do evento também expressaram apoio à expulsão do embaixador dos Estados Unidos Philip Goldberg, ocorrida em setembro, no auge dos conflitos nas regiões “autonomistas” do país, com episódios violentos, como o Massacre de Pando, em que morreram dezenas de camponeses – os sobreviventes insistem que as contagens oficiais são inexatas e suspeitam da existência de valas comuns. O governo boliviano acusou Goldberg de participar de diversas reuniões com os políticos tidos como “golpistas”. O documento final do encontro também lança a candidatura de Evo Morales ao prêmio Nobel da Paz e se compromete com a formação de uma rede de notícias que rompa o bloqueio promovido pela mídia corporativa sobre os fatos que vêm ocorrendo no país, entre outras medidas.