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Circulação Nacional

Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 6 • Número 299

São Paulo, de 20 a 26 de novembro de 2008 Antônio Cruz/ABr

R$ 2,50 www.brasildefato.com.br Ricardo Jorge Carvalho

Organizações repudiam esquema de Sarney no MA

Lutas sociais devem se intensificar com a crise

A Via Campesina Brasil, que reúne os movimentos sociais do campo, divulgou uma “Carta em defesa da democracia no Maranhão”. O documento repudia a oligarquia Sarney e afirma que “há quase dois anos, está em curso a montagem de um golpe que tenta cassar na justiça o mandato popular de Jackson Lago, para entregalo à Roseana Sarney, filha do velho oligarca. Pág. 6

A crise desencadeada a partir do Império estadunidense já provoca efeitos perversos em todo o mundo. Segundo o jornalista e escritor português Miguel Urbano Rodrigues, os trabalhadores vão pagar a fatura da crise. Mas, segundo ele, os movimentos de massa, principalmente nos países da União Européia e nos Estados Unidos, tendem a se intensificar e a ganhar força. Pág. 11

Hildebrando Silva de Andrade

Movimentos se unem para impedir leilão do petróleo MST promove semana de cultura no PA Cerca de 700 participantes de vários Estados discutiram o acesso à cultura e à produção artística nos acampamentos e assentamentos da reforma agrária espalhados pelo país durante encontro realizado em Belém, no Pará, entre os dias 10 e 16. A atividade, promovida pelo MST, contou, entre várias atividades, com a presença de cantores como Chico César (foto). Pág. 8

ISSN 1978-5134

Via Campesina, Assembléia Popular, CUT, Conlutas e outras organizações sociais, como federações de petroleiros, definiram o primeiro objetivo da campanha iniciada após a descoberta das reservas do pré-sal: barrar a 10ª Rodada de Licitações de Petróleo e Gás. Para tanto, devem

João Zinclar

Michelle Amaral

CASA PARA MORAR – No dia 18, cerca de mil pessoas do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que no dia 14 ocuparam um terreno na cidade de Sumaré (SP), marcharam em direção à prefeitura da cidade. A principal reivindicação das famílias é que o artigo 3º do Plano Diretor do município – que estabelece metas para a inclusão social e moradia – seja cumprido. Em Sumaré, 23% das famílias estão sem moradia ou vivem em áreas de risco. Isso quer dizer que 65 mil pessoas não têm onde morar, ou vivem precariamente em uma das 78 favelas da cidade.

Entre 1990 e 2007, o Brasil gastou R$ o

realizar, entre os dias 14 e 17 de dezembro, mobilizações em todo o país. As entidades chegaram a diversos consensos, como a mudança na Lei do Petróleo e a criação de um fundo soberano. O intuito é utilizar as riquezas obtidas para pagar a dívida social brasileira. Pág. 5

Entre 2000 e 2007, o Brasil gastou R$ 1,2 trilhão com o pagamento de juros da dívida. O valor é mais que o dobro da soma das despesas com saúde (R$ 310 bi), educação (R$ 149 bi ) e investimentos (R$ 93 bi). Essas constatações foram feitas em estudo do Ipea, que avalia que essa política alavanca os ganhos de propriedade, obtidos no mercado financeiro, e reduz a participação da renda do trabalho no PIB. Pág. 3

As ameaças do etanol em debate em SP

AFOGANDO EM NÚMEROS Repr oduç ã

Juros foram a prioridade do Brasil nos últimos 7 anos

1,2

trilhão em juros.

Com esse dinheiro, o governo poderia oferecer

24

milhões de moradias

populares novas para os

54

milhões

de brasileiros que, segundo o Ipea, não vivem em habitações dignas.

Entidades e movimentos sociais de mais de dez países realizaram em São Paulo, entre os dias 17 e 19, o seminário internacional “Agrocombustíveis como obstáculo à construção de soberania alimentar e energética”. O encontro definiu respostas coletivas à conferência internacional promovida pelo governo federal para a promoção dos agrocombustíveis. Pág. 4


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editorial

BEM, O que até então (apesar de óbvio) era jogado nos bastidores e por trás das cortinas, se escancarou: a disputa sobre a sucessão presidencial em 2010 definiu o terreno da polarização pelo menos para os próximos meses. De um lado, pela ultradireita, os que acobertam os crimes de tortura, seus agentes e mandantes, apostando numa aliança PMDB-Tucanos, PMDB-PT ou, quiçá, PMDB-Tucanos-PT, em chapa encabeçada pelo ministro da Defesa, doutor Nelson Jobim; pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, doutor Gilmar Mendes, ou pelo governador de São Paulo, o economista José Serra, que tenta aglutinar em torno de si o que há de mais reacionário e fisiológico no país, juntando do DEM a qualquer outra coisa que esteja à disposição. Do outro lado, as forças que, na defesa da construção e aprofundamento de uma sociedade democrática, se alinham em torno do esclarecimento dos crimes da ditadura, e punição, nos termos da lei e do Estado democrático, dos responsáveis (diretos e mandantes) por tais crimes: inafiançáveis e imprescritíveis. Esta é a posição oficial do Partido dos Trabalhadores, decidida em congresso e reiterada em nota lançada há duas semanas pela sua Executiva Nacional; do PCdoB, do PCB e do PSOL – embora não caracterize um bloco. Certamente outras forças se alinham a esse “campo”, mas não

debate

A tortura define hoje a polarização da disputa de 2010 conhecemos ainda suas manifestações oficiais a respeito. A posição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o assunto, no entanto, não é clara. Permanece silente. Mas faria muito bem o senhor presidente se seguisse as orientações do seu partido. Por sua vez, o ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso (tucano), declarou: “Que houve tortura, houve. Não se pode negar. Mas lei é lei, e se há anistia, há anistia. Só que isso não significa que não se deva avançar na investigação sobre os responsáveis”. Ou seja, como diria Pirandello, “Assim é se lhe parece”. Uma absoluta falta de compostura para um homem da sua geração, que esteve exilado e que tem as responsabilidades que tem. Obsceno. Mais obsceno que se houvesse silenciado.

Então, ficamos combinados

É preciso ficar claro que, antes de tudo, quando utilizamos a expressão “ultradireita” é porque entendemos que a tortura, bem como a conivência com sua prática, é atributo da ultradireita. E não venham os ultradireitistas envergonhados (ou mais desavergonhados que aqueles que se assumem enquanto

tais, e dos quais se fazem porta-vozes) com exemplos internacionais e outras tergiversações e hipóteses em contrário, do tipo (tão na moda) “a esquerda queria substituir uma ditadura por outra”, ou, “nos países socialistas e comunistas...”. O fato concreto é que, em nosso país, a tortura foi e continua a ser um instrumento do capital para a contenção social e para a eliminação de seus adversários políticos. Desde o modo de produção que aqui se implantou com a escravidão de índios e negros. A nossa esquerda (comunistas, socialistas de todos os matizes etc.) jamais torturou. Sequer prisioneiros de guerra (militares ou civis) que teve em seu poder. É deste país concreto que tratamos. E quando afirmamos que a tortura, atributo da ultradireita, é um crime inafiançável e imprescritível, implica nosso compromisso histórico de jamais nos utilizarmos desses métodos e de lutarmos para que ele seja banido de uma vez para sempre das relações entre os homens.

Gigolôs, cafetões e bacieiros de torturadores

Infelizmente, porém, apesar da longa batalha que vêm travando as

artigo

Marcelo Barros

A negritude e a liberdade ENQUANTO O mundo inteiro comemora a chegada do primeiro negro ao posto de presidente dos Estados Unidos e muitos refletem sobre as conseqüências disso para a América do Norte e para o mundo, o Brasil recorda a figura de Zumbi, líder negro do Quilombo dos Palmares assassinado no dia 20 de novembro de 1697. Ele teve a sua cabeça exposta em um poste, numa praça do Recife, para que ninguém mais ousasse liderar um quilombo ou pretendesse ajudar os escravos a serem livres. Ao invés de pôr fim às lutas pela liberdade, a morte de Zumbi, ao contrário, suscitou da parte de muitos escravos a consciência de que não poderiam deixar que a morte desse grande líder fosse inútil. A memória do seu martírio se tornou incentivo para que negros, índios e brancos se unissem em torno de um projeto de igualdade humana e de um Estado cujas raças e etnias pudessem ser cidadãs de pleno direito. Até hoje, esta democracia racial plena não é um direito adquirido. No Brasil, as pessoas de raça negra ainda têm menos condições de acesso à educação, ao trabalho remunerado e à plena cidadania. E não só isso. José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, em São Paulo, afirma: “A cor negra da pele de homens e mulheres, assim como sua raça e cultura própria, foram motivos de crueldade humana e de barbárie que mancharam e continuam manchando a dignidade da humanidade”.

Influências negras

Apesar das muitas repressões ao povo negro e da imensa capacidade dos seres humanos de reinventar formas variadas de escravidão, mais de três séculos depois, o Brasil continua cheio de quilombos e comemora este 20 de novembro como o dia nacional da união e consciência negra. Em um Brasil multicultural e pluralista, a maioria da população tem influência das culturas negras que formaram com outras expressões culturais o variado tecido da brasilidade. Neste conjunto, sem dúvida, o povo afro-descendente tem uma função própria. Ele vem de populações que, mesmo nas condições mais adversas e na pobreza mais extrema, sabe dançar a vida e expressar alegria e confiança. Quem não precisa disso? Como garantir que os filhos e filhas das culturas afro-descendentes possam cumprir sua missão própria no conjunto da sociedade brasileira? Nos Estados Unidos, a cada ano se lembra a memória do pastor MartinLuther King, mártir da igualdade racial e do direito das minorias ne-

entidades de defesa dos Direitos Humanos, e dos esforços dos atuais ministros da Justiça, Tarso Genro, e da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi – com o apoio inequívoco da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff –, e da sensibilidade da maioria das organizações e movimentos de trabalhadores e do povo frente a essa questão, parece ainda ser longo o caminho a ser percorrido. Além de enquistada em diversos pontos do aparelho de Estado e órgãos do governo (dos três Poderes e em todas as esferas), a ultradireita (como é a regra em nossa História) tem, na grande mídia comercial, outro dos seus mais fortes bastiões nessa conspiração. A desabrida e vergonhosa campanha desencadeada por essa mídia em defesa dos torturadores e da tortura é de fazer corar (ou, no caso, remexer-se na tumba) o senhor Carlos Lacerda, um dos mais virulentos defensores das mais sórdidas e reacionárias campanhas do pós-guerra em nosso país. Felizmente, os que se dispõem a fazer este serviço hoje para a grande mídia comercial não têm o peso político, o talento e a verve jornalística do velho e sinistro Corvo – como era

Até hoje, a democracia racial plena não é um direito adquirido. No Brasil, as pessoas de raça negra ainda têm menos condições de acesso à educação, ao trabalho remunerado e à plena cidadania gras. Vários analistas salientaram que a celebração anual do aniversário do reverendo Luther King ajudou muito para que os cidadãos estadunidenses descobrissem que era possível eleger um negro como presidente do país.

Racismo disfarçado

No Brasil, muitos setores da sociedade, vítimas do racismo disfarçado e gentil que se esconde sob o véu da democracia racial, não vê com simpatia esta luta. O próprio assunto de culturas afro-descendentes os assustam. É preciso repetir a estes companheiros que a celebração de um dia da “união e consciência negra” nada tem a ver com exaltação racial ou com supremacia de uma cultura, menos ainda com revanchismo ou revolta. Ao contrário, é proposta pedagógica e litúrgica de diálogo e integração. Em várias cidades, como no Rio de Janeiro, Salvador, Maceió e Recife, que tornaram o 20 de novembro feriado municipal, a educação da juventude e o ambiente de convivência social tem progredido na direção da justiça. Em Goiânia, por iniciativa do vereador Sérgio Alberto Dias, o Serjão, que tem se dedicado à causa da igualdade racial, a Câmara Municipal de Goiânia aprovou o Projeto de Lei nº 434, de 13 de novembro de 2007, que institui o dia 20 de novembro como feriado municipal também em Goiânia. Agora este

projeto só depende da assinatura do prefeito, que, esperamos, não tarde. As cidades de Goiás, Pirenópolis e outros núcleos de colonização do Centro-oeste ainda guardam muros de pedra construídos pelos escravos. Até pouco tempo, os garimpos eram mantidos por trabalhadores negros. Apesar de, aparentemente, guardar menos traços da cultura negra do que o Nordeste e alguns Estados do litoral, o Centro-oeste, ao contrário, tem uma grave dívida social e moral com relação à população negra, libertada da escravidão e posta na rua sem indenização nem condições para se integrar, social e economicamente, na sociedade brasileira. As Igrejas cristãs, muitas vezes ou quase sempre, cúmplices da crueldade da escravidão, discriminaram as culturas negras e demonizaram suas religiões ancestrais. Ainda bem que Deus é amor e não tem os mesmos preconceitos. Seu Espírito sopra onde quer e abraça todas as culturas. Por isso, Deus veio sempre encontrar seus filhos e filhas dos quilombos e terreiros. Num mundo sem esperança e consolação, eles se tornam para toda a humanidade testemunhas de que Deus é ternura e beleza. Viva o dia da união e consciência negra! Marcelo Barros é monge beneditino e escritor. Tem 30 livros publicados, dos quais o romance indigenista: A Noite do Maracá (Goiás- Rede da Paz).

conhecido o senhor Lacerda, que, além de deputado, foi governador do Rio de Janeiro (UDN). Os atuais, não passam de pequenos e míseros gigolôs, cafetões e bacieiros de torturadores e outros bate-paus (às vezes, quem sabe, até reféns do crime organizado). Mas o fato é que esta é a mais grave conspiração que enfrentamos desde o final da ditadura. Assim, ou somos capazes de construir uma sólida frente em torno dessa questão para enfrentar a ultradireita, ou iremos enfrentar a grande crise internacional que se avizinha sob um governo de ultradireita, hegemonizado por torturadores, seus defensores, gigolôs, cafetões e bacieiros – o que será o caos.

PS

“Descumprir a Constituição, jamais. Afrontá-la, nunca. É imperativo que o Supremo Tribunal Federal se manifeste em relação à Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental, em que o Conselho Federal da OAB pede que defina se os crimes de tortura, praticados ao tempo da ditadura militar, sendo comuns e de lesa-humanidade, podem ser abrangidos pela Lei da Anistia.” Este foi um dos principais temas da Carta de Natal, divulgada no sábado, dia 15 de novembro, no encerramento da XX Conferência Nacional dos Advogados, realizada em Natal (RN).

Luiz Ricardo Leitão

Tem boi na linha DENUNCIADOS POR gestão fraudulenta e lavagem (multimilionária) de dinheiro pela Polícia Federal (PF), o ex-prefeito Celso Pitta e o banqueiro Daniel Dantas, dois netos pós-modernos de Macunaíma e Brás Cubas, não perdem a pose e tratam de reverter a situação a seu favor. Ambos pretendem processar a PF pelas falhas e “ilegalidades” existentes na famosa Operação Satiagraha, cujo inquérito foi conduzido pelo polêmico delegado Protógenes Queiroz, que, para muitos, em meio à corrupção desenfreada da República, já foi eleito o novo herói de Bruzundanga. Como sofrem os banqueiros da terrinha... Imagine, caro leitor, o “martírio” de Dantas, o dono do nebuloso banco Opportunity (que nome mais sugestivo, não?), do grupo que repassou R$ 20,3 milhões para o “publicitário” Marcos Valério (personagem-chave do escândalo do “mensalão”). Ex-controlador da Brasil Telecom, seu patrimônio pessoal é estimado em R$ 302 milhões, o que decerto o ajudou a tecer uma ampla rede de aliados políticos (ou teria sido o contrário?) em vários partidos políticos, desde o DEM até o PT. Aliás, as boas relações incluem o presidente do STF, que não hesitou em expedir dois habeas corpus para soltar nossa pobre vítima após suas prisões pela PF. Que acusações pesam contra o engravatado 171? Anote aí, caro leitor: só na Operação Chacal, da PF, que desde 2004 investiga a espionagem feita pela Kroll a mando da Brasil Telecom (na época sob controle de Dantas), ele é acusado de corrupção ativa, formação de quadrilha e divulgação de segredo. Já a Satiagraha inclui uma série de crimes financeiros: evasão de divisas, corrupção ativa, uso indevido de informação privilegiada, empréstimos vedados, tráfico de influência e tentativa de suborno de agentes públicos. Isso sem falar na CPI dos Correios, em que o larápio é acusado de calúnia contra integrantes do alto escalão de Brasília, inclusive o próprio Lula, que seriam donos de contas bancárias no exterior. Dá para o gasto? Parece que não. O novo relatório da PF sobre o gajo, entregue pelo delegado Ricardo Saadi ao juiz federal Fausto De Sanctis, levanta uma outra lebre – ou melhor, uma infinidade de novilhas – sobre uma atividade “paralela” de Dantas na área do chamado agronegócio (ou agrobusiness, na língua da matriz): a aquisição, em apenas três anos, de um rebanho que varia entre 500 mil (segundo Dantas) e 1 milhão de cabeças (segundo fontes do mercado). A agropecuária é a maior via de lavagem da grana que o gatuno reuniu num fundo de investimentos nas Ilhas Cayman, que, de acordo com a PF, chegou a quase 800 milhões de dólares. Os especialistas da área dizem que o gado é uma ótima saída para lavar fortunas ilegais. Basta inventar que nasceram milhares de novilhas no rebanho e simular sua venda, como, aliás, também fez o senador Renan Calheiros (outro que padeceu dolorosos “martírios” amorosos com a jornalista Mônica Veloso) para justificar a prata que amealhou na sua nobre carreira parlamentar. Mas, pelo visto, agora deu boi na linha, porque os negócios da pomposa Agropecuária Santa Bárbara Xinguara (dona oficial de 400 mil cabeças de gado e 510 mil hectares de terra) estão na mira da Justiça do Pará: uma ação movida pelo Estado exige a retomada de duas fazendas da quadrilha em Xinguara. Oxalá o movimento social paraense contribua para que a justiça, literalmente, seja feita. Tenho cá minhas dúvidas, porque, infelizmente, enquanto Lulinha Paz & Amor viaja mundo afora apregoando as vantagens do nosso etanol, a burguesia de Bruzundanga segue achando que, por obra e graça de suas fortunas, qualquer crime poderá ficar impune. Mais do que um sentimento, isso se tornou uma convicção até no seio da juventude de classe média, cujos crimes hediondos não param de espocar nas páginas dos jornais, como ocorreu há pouco em Joaçaba, no interior de Santa Catarina, onde três rapazes (dois de 18 anos e um menor), além de estuprar uma menina de 15 anos, preocuparam-se em filmar o próprio crime e depois o divulgaram pela internet. Conforme observou um psicólogo do HC de São Paulo, não há a menor dúvida de que os três se sentiram impunes e livres de risco para satisfazer seu perverso desejo sem o menor pudor e temor. Afinal de contas, papai tem dinheiro (quiçá muitos bois) e depois ajeita as coisas com a Polícia. Em último caso, pede-se um habeas corpus ao STF, porque, afinal de contas, estamos em Bruzundanga, onde somente os pobres ficam na cadeia. Até quando? Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-americana pela Universidad de La Habana, é autor de Lima Barreto: o rebelde imprescindível (Editora Expressão Popular).

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Marcelo Netto Rodrigues, Luís Brasilino • Subeditora: Tatiana Merlino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Igor Ojeda, Mayrá Lima, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Antonio David, César Sanson, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, João Pedro Baresi, Kenarik Boujikian Felippe, Luiz Antonio Magalhães, Luiz Bassegio, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Milton Viário, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Temístocles Marcelos, Valério Arcary, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar: (11) 2131-0800


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brasil

Educação, saúde e investimentos não chegam à metade dos gastos com juros Marcello Casal Jr./]Abr

DESIGUALDADE Estudo do Ipea revela que Selic alta contribui para a concentração; presidente do instituto defende redução Renato Godoy de Toledo da Redação

“Precisamos perguntar à população se ela está satisfeita com o serviço de saúde, se a educação atingiu um nível de qualidade que não precisa de mais recursos. Todos defendem o corte dos gastos. Então pergunto: onde cortar?”, questiona Márcio Pochmann, presidente do Ipea A argumentação de Pochmann tem consonância com o discurso de sua posse no instituto, em agosto de 2007, quando afirmou que o Estado brasileiro é “raquítico” e apontou para a necessidade de uma maior participação do agente estatal na economia. Na apresentação desse estudo, no dia 12, o economista argumentou que o país precisa manter a sua atividade econô-

mica de modo a reduzir os impactos da crise e, para tanto, não se pode diminuir os gastos públicos, sobretudo com serviços essenciais. “Precisamos perguntar à população se ela está satisfeita com o serviço de saúde, se a educação atingiu um nível de qualidade que não precisa de mais recursos. Todos defendem o corte dos gastos. Então pergunto: onde cortar?”, questionou. Trabalho e propriedade As duas categorias que compõem a renda nacional, de acordo com a metodologia mais usual, são a renda do trabalho e os ganhos de propriedade. A primeira, que gira em torno de 40% do produto interno bruto (PIB) brasileiro, é composta por todas as riquezas geradas pelo trabalho, incluindo salário, pensão e aposentadoria. A última, hoje por volta de 60%, é a renda oriunda de uma propriedade que é utilizada para adquirir mais capital. Esta é dividida em dois tipos: a renda tangível, composta pelo lucro das empresas e estabelecimentos comerciais; e a não-tangível, representada pelos rendimentos por meio de títulos, aplicações financeiras e ações em geral. A renda nãotangível é alavancada pelas taxas de juros mais altas do mundo, observadas no Brasil. Isso porque boa parte dos títulos negociados no mercado financeiro são indexados à taxa básica de juros, a Selic, que hoje é estipulada em 13,75% ao ano. Assim, ela se torna a principal vilã no que se refere à iniqüidade entre a renda do trabalho e a da propriedade. “São 7% do PIB que comprometemos anualmente com juros. Juros é renda da propriedade, é uma contribuição para o aumento da desigualdade. [Se aumentar a taxa,] aprofunda o ritmo de desaceleração. Ao mesmo tempo, contribui para mandar mais água para os moinhos dos proprietários”, explicou. Pochmann afirma que o patamar atual do Brasil não condiz com um país “civilizado”. Nas nações com uma desigualdade menor, a renda do trabalho varia entre 60% e 70% do PIB e, conseqüentemente, a remuneração da propriedade fica entre 30% e 40%, de acordo com o economista. Curva tortuosa O estudo do Ipea, que abrange o período entre 1990 e

2007, divide em quatro etapas a evolução da renda do trabalho. A curva é oscilante. De 1990 a 1996, foi observada a queda mais brusca desse indicador no país (15,2%). Na etapa seguinte, de 1996 a 2001, a renda do trabalho recuperou-se parcialmente, crescendo 5,4%. Entre 2001 e 2004, ocorreu uma nova baixa, de 3,1%. No ciclo mais recente, compreendido pelo anos de 2005 e 2006, houve um incremento de 4% no índice.

“Para manter [o crescimento], é preciso decisões que defendam a sustentação do nível de atividade. Se refluir, a capacidade de os sindicatos elevarem o salário é menor, e a capacidade de o governo arrecadar impostos se reduz”

O presidente do Ipea, Márcio Pochmann

Índice de Gini melhora, mas ainda não é “civilizado” Renda dos pobres aumenta, dos ricos diminui

Portanto, com essas pequenas altas seguidas de quedas, o país está cerca de 12% abaixo do nível de 1990 (53,4%), quando o índice superava os ganhos da propriedade. O estudo do Ipea assinala que, nesse ritmo, o país só recuperará os 53,4% em 2011. “Não dissemos que deve chegar em 2011. Dissemos que, se mantiver do jeito que estava entre 2004 a 2007, em 2011 chegaríamos a essa situação, mas temos uma crise pela frente”, ponderou o presidente do instituto. Para ao menos manter esse crescimento lento, Pochmann recomenda que a política econômica do país seja planejada e ousada. “Para manter [o crescimento], é preciso decisões que defendam a sustentação do nível de atividade. Se refluir, a capacidade de os sindicatos elevarem o salário é menor, e a capacidade de o governo arrecadar impostos se reduz. Os gastos em saúde e educação certamente não serão os mesmos”, prevê.

da Redação

Douglas Shineidr/Folha Imagem

A DESIGUALDADE entre renda do trabalho e os ganhos de propriedade no Brasil é maior hoje do que no fim da década de 1980. O principal motor a acelerar essa disparidade são as altas taxas de juros empregadas pelo Banco Central do Brasil. Entre 2000 e 2007, o gasto com os serviços da dívida alcançou a marca de R$ 1,2 trilhão. A quantia representa mais do que o dobro das despesas com saúde (R$ 310 bi), educação (R$ 149 bi) e investimentos (R$ 93 bi). Todos esses dados fazem parte de levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) denominado Distribuição Funcional da Renda no Brasil: situação recente. O estudo foi elaborado a partir de resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE. O presidente da instituição, Márcio Pochmann, diante dos anseios da imprensa corporativa e de economistas ortodoxos, afirmou que também é “favorável à redução do gasto público, mas do gasto com juros”. Ele utilizou essa posição como um contraponto às saídas para a crise sugeridas por quadros do neoliberalismo, que exigem corte de despesas governamentais em todas as áreas como forma de “blindar” o país.

Fila para atendimento no Hospital São Lourenço, no Rio de Janeiro

Nos últimos 17 anos, o Brasil reduziu sua desigualdade social. No entanto, a diferença entre ricos e pobres permanece em um padrão “muito primitivo”, nas palavras do presidente do Ipea, Márcio Pochmann. O índice de Gini do Brasil reduziu nesse período de 0,60 para 0,53. O indicador mede o grau de desigualdade de acordo com a renda domiciliar per capita. Seu valor varia de 0, quando não há desigualdade (a renda de todos os indivíduos tem o mesmo valor), a 1, quando a desigualdade é máxima (um indivíduo detém toda a renda da sociedade e a renda de todos os outros indivíduos é nula), de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Para o presidente do Ipea, o patamar do Brasil está longe do razoável. “Todo país que tem um índice de Gini acima de 0,4 não tem uma distribuição civilizada da renda. Tínhamos, em 1990, índice de 0,6, um padrão muito primitivo. Em 2007, o Gini está em 0,53, melhorou bastante, mas ainda estamos longe de uma distribuição civilizada”, constata. Pobres mais “ricos” A redução no índice de Gini, entre 1990 e 2007, foi resultado do aumento dos rendimentos na base da pirâmide social brasileira e da diminuição real nas remunerações dos trabalhadores nos empregos de maior qualidade no país. Nesse período, a renda

mensal do decil mais pobre da população aumentou 44,4%, passando de R$ 76, em 1990, para R$ 110, em 2007, em valores corrigidos. Os ganhos dos 20% mais pobres aumentaram 16,5% (de R$ 225 para R$ 262). Já entre os 10% dos ocupados mais bem remunerados, o rendimento médio mensal real registrou perda de 9,8% no período analisado (de R$4.579 para R$ 4.130). O 1% mais rico da população teve uma queda maior, passando de R$ 13.510 para R$ 11.799 mensais. Para Pochmann, essa tênue melhora na renda dos mais pobres está relacionada a “várias razões”. “Por exemplo, a expansão do emprego, a elevação dos salários – seja pelo valor pago ou pelo [reajuste do] salário mínimo – complementação via Previdência Social, programas como o Bolsa Família. Tem a ver com a expansão econômica e a estabilidade monetária dos últimos anos”, afirma. Com base na desigualdade entre a renda do trabalho e da propriedade, Pochmann afirma: “A desigualdade diminuiu na renda do trabalho, mas não na renda do país. Quando fazemos uma análise por anos, percebemos que, dos últimos 17 anos somente em sete houve melhora combinada na redução das desigualdades no índice de Gini, com a redução da desigualdade ou ampliação dos trabalhadores na renda nacional”. Segundo ele, essa redução combinada se deu em dois períodos, entre 1996 e 2001, e no período recente de 2005 a 2007. “A distribuição de renda melhora no país quando se combinam dois elementos: aumento da participação de renda no trabalho, acompanhado de uma redução da desigualdade daqueles que as recebem”, conclui. (RGT)

Períodos neoliberais concentram renda Com ausência do Estado, há uma tendência de crescimento dos ganhos da propriedade da Redação De acordo com o Ipea, os períodos em que o ganho de propriedade avança em detrimento da participação da renda do trabalho coincidem com épocas de maior desregulamentação e ausência do Estado na economia. Esse tipo de política econômica, de acordo com o instituto, não se restringe apenas aos governos Collor/Itamar e Fernando Henrique Cardoso. “De 2001 a 2004, a expansão média anual da renda nacional foi de 3,2%, mesmo com a manifestação da crise energética (2001) e da ortodoxia das medidas de combate à inflação em 2003”, atesta o documento, referindo-se ao choque antiinflacionário promovido pelo então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, no primeiro ano da gestão Lula. O principal ingrediente dessa política foi a alta da taxa Selic. Como resultado disso, observou-se a redução da participação da renda do trabalho. “Nessa fase [2001 a 2004], a parcela da renda do trabalho no total caiu 2,1%, enquanto a participação da renda da propriedade e mista aumentou de 52,3% do total em 2001 para 53,6% em 2004”, pontua o estudo. (RGT)


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brasil

Seminário discute ameaça do etanol à soberania alimentar e energética ENERGIA Entidades e movimentos sociais realizam encontro para definir respostas coletivas à conferência internacional promovida pelo governo federal para a promoção dos agrocombustíveis, ocorrridas em São Paulo no mesmo período Michelle Amaral

Michelle Amaral da Reportagem A EUFORIA em torno da promoção dos agrocombustíveis têm gerado inúmeros debates no Brasil e no mundo. Se, por um lado, os governos defendem que a energia gerada por estes combustíveis é “limpa” – segundo eles, por ser menos agressiva ao meio ambiente e por contribuir para o desaceleramento do aquecimento global –, por outro, entidades e movimentos sociais mostram que o processo de produção dos agrocombustíveis traz graves impactos sobre o meio ambiente e a sociedade. Para ressaltar essas denúncias, tais organizações realizaram em São Paulo, entre os dias 17 e 19, o seminário internacional “Agrocombustíveis como obstáculo à construção de soberania alimentar e energética”. Dele participaram representantes de movimentos sociais brasileiros e membros de organizações de alguns países, como Argentina, Alemanha, Bolívia, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Estados Unidos, Guatemala, México, Suécia e Tailândia. O encontro veio se contrapor à propaganda do etanol realizada pelo governo brasileiro na conferência internacional “Biocombustíveis como vetor do desenvolvimento sustentável”, ocorrida em São Paulo no mesmo período. O objetivo principal foi a construção de uma resposta coletiva dos movimentos sociais a esta defesa do governo e fazer com que suas propostas fossem apresentadas no evento oficial. A iniciativa buscou aprofundar a discussão sobre os malefícios que a expansão dos monocultivos para a produção dos agrocombustíveis trazem à biodiversidade e a ameaça que o modelo representa à soberania alimentar e energética, bem como trazer propostas e saídas a este quadro. “Há uma verdadeira ameaça à segurança alimentar. Antes, se cultivavam alimentos, hoje os agricultores têm se rendido aos agrocombustíveis”, salientou Silvia Quiroa, integrante da Amigos da Terra, de El Salvador. Consensualmente, os participantes do seminário ressaltaram a necessidade da realização de uma reforma agrária efetiva, com a priorização da produção de alimentos e políticas públicas voltadas às comunidades camponesas.

Convergências de crises

Outro consenso levantado no encontro foi em relação ao quadro econômico atual e como a implantação dos agrocombustíveis contribui para ele. De acordo com Marina dos Santos, da Via Campesina Brasil, vivemos não somente uma crise financeira, mas a convergência de várias crises: alimentar, energética etc. Para a professora de economia Rosa Maria Marques, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), essas crises são resultantes de um acúmulo histórico de danos provocados pelo modelo de produção industrial capitalista. “Não é somente um colapso financeiro, é um colapso do capitalismo como um todo”, defende Marques. Segundo a economista, a medida que se dá liberdade para o desenvolvimento desse modelo, sem regulação nem limites, provoca-se este acúmulo de danos e a sua “hipertrofia”. Esta última justificaria o atual quadro, demonstrando que o capitalismo é incapaz de reparar as falhas de seu modelo de desenvolvimento. Segundo ela, isso se deve ao fato de o modelo financeiro capitalista se desenvolver sobre especulações, o chamado capital “fictício”, e os próprios Estados contribuírem durante a história para a sua sobrevivência. Maria Luisa Mendonça, coordenadora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, completou que “o capitalismo sempre dependeu do Estado, seja para subsídios como para outras formas de financiamento”. Para ela, estamos em um momento decisivo para se fazer uma análise deste quadro e “procurar uma saída a partir de propostas das forças populares”.

O professor e engenheiro agrônomo Horácio Martins de Carvalho alega que a implantação dos agrocombustíveis e o modelo de produção adotado reafirmaram a lógica da sociedade capitalista dominante, ao defender os interesses de grandes oligopólios em detrimento das necessidades das comunidades camponesas. “Esse modelo subordina os recursos aos interesses do capital”, ressalta. Os debates realizados em torno deste tema salientaram que o modelo de produção adotado para a geração dos agrocombustíveis afeta diretamente a produção de alimentos e os camponeses que dependem das lavouras para sobreviver, e causa a monopolização do campo pelas grandes empresas, gerando assim a crise alimentar e acentuando a crise financeira. Nalu Farias, da Marcha Mundial das Mulheres, defende que este é o momento dos movimentos sociais se posicionarem frente às decisões que serão tomadas na conferência do governo federal. Ela enfatiza a necessidade da integração entre os povos para o enfrentamento da crise e construção de consensos e propostas efetivas. “É preciso pensar numa mudança de modelo para garantir a soberania alimentar e energética”, diz Farias. Participaram do encontro representantes de países da América Latina, América do Norte, Ásia e Europa, que puderam compartilhar as experiências do avanço dos agrocombustíveis em seus respectivos países. A equatoriana Esperanza Martinez, integrante da Acción Ecológica, contou a experiência de ter participado da elaboração da nova Constituição do Equador, na qual se garante a realização da reforma agrária e se prioriza a produção de alimentos e o direito à agua para o povo. Para ela, a questão da expansão dos monocultivos para a produção de agrocombustíveis não só no Brasil, mas nos outros países da América Latina, reforça a idéia de sustentação do capitalismo. “Está perfeitamente claro que o que se sustenta é o capitalismo, que se apropria do trabalho para explorar camponeses, trabalhadores, mulheres e a natureza”, defende. Martinez salienta a necessidade de se incorporar reflexões acerca de qual energia queremos e para que a queremos. A equatoriana, estudiosa dos impactos do petróleo sobre o meio ambiente e as populações, alerta sobre os danos causados também pelos agrocombustíveis. “Os agrocombustíveis destroem ponto a ponto a soberania alimentar”, alerta. A salvadorenha Silvia Quiroa conta que, na América Central, há uma forte pressão do presidente estadunidense George W. Bush para a expansão dos monocultivos voltados à produção dos agrocombustíveis para exportação para os Estados Unidos e a União Européia. Quiroa relata que, na Guatemala, os grandes produtores têm cercado as vias de acesso da comunidade camponesa como forma de pressioná-los a ceder suas terras ao agronegócio e têm militarizado algumas áreas. Ela explica que no país “há um retardo jurídico para garantir o direito à terra dos camponeses e os direitos dos trabalhadores”. Outro problema derivado da expansão dos agrocombustíveis enfrentado pelos guatemaltecos é a insegurança no acesso à água, pois as grandes propriedades têm se apropriado das fontes para as plantações. “Já não se pode dar a água necessária às pessoas”, lamenta. Já na Colômbia, existem muitas semelhanças com o que tem acontecido no Brasil, na expansão dos agrocombustíveis, conta Paula Alvarez, da Acción Ecológica. “Há uma forte promoção dos agrocombustíveis e falta políticas que favoreçam a produção de alimentos no país”, descreve. Ela afirma que é muito importante salientar o vínculo entre os empresários e os governos no avanço dos agrocombustíveis. Ela explica que há uma forte influência de grandes empresários e oligopólios açucareiros sobre as decisões do governo colombiano.

Evento cria contraponto à propaganda do etanol patrocinada pelo governo brasileiro

Novas tecnologias, mais ameaças Novas formas de produção desenvolvidas para acentuar o avanço do monocultivo da cana trazem mais impactos sobre o meio ambiente da Reportagem A medida que a demanda pela prodA medida que a demanda pela produção do etanol cresce, as grandes empresas se vêem obrigadas a buscar novas formas de cultivo da canade-açúcar e de produção do combustível, não somente constituído através da sacarose da cana, como é feito hoje. Dessa forma, pesquisas avançam em todo o mundo sobre como solucionar o problema da demanda, de modo a garantir a consolidação do agrocombustível no mercado internacional. No seminário promovido pelas entidades e movimentos sociais, foram explicitados os impactos que estas novas formas de cultivo e produção podem trazer ao meio ambiente. O engenheiro agrônomo Horácio Martins de Carvalho alertou para o fato de os agrocombustíveis estarem ligados a outros setores. “A oferta de cana e de etanol é parte de um processo agroquímico que engloba e se articula, positiva ou negativamente, com os setores alimentícios, energéticos, climáticos etc”. Assim, os danos que eles causam não são isolados. O professor conta que uma das saídas ao aumento da demanda pelo etanol encontrada pelas grandes empresas foi a produção do agrocombustível através da palha ou bagaço da cana e de madeiras de eucalipto ou sobras da construção civil, o chamado etanol celulose. Segundo ele, nos Estados Unidos, já é feita a produção do etanol celulose, e, no Brasil, a estimativa é de que dentro de cinco anos a nova forma de etanol esteja no mes-

Uma das saídas ao aumento da demanda pelo etanol encontrada pelas grandes empresas foi a produção do agrocombustível através da palha ou bagaço da cana e de madeiras de eucalipto ou sobras da construção civil, o chamado etanol celulose mo patamar que o produzido através da sacarose da cana. No entanto, Carvalho enfatiza que esta solução se aplica somente para os grandes produtores de cana, mas não resolve nem ameniza os impactos ambientais e sociais que o monocultivo causa como um todo. Ele aponta como principais danos causados pelo etanol, seja ele da sacarose ou da celulose, avanços tecnológicos que acentuam os problemas ambientais, a expansão da área de cana plantada, investimentos do governo nas grandes empresas, em detrimento das necessidades das comunidades camponesas e pressão no preço da terra. “Mais do que o modelo agroquímico afetar a soberania alimentar, ameaça a soberania nacional”, protesta. Outra experiência preocupante, que

Reforma agrária e produção de alimentos devem ser prioridade Declaração final traz consenso de que o conceito de soberania alimentar e energética deve ser priorizado com base na agricultura camponesa da Reportagem “A terra será o grande objeto de disp“A terra será o grande objeto de disputa”, alertou José Juliano de Carvalho, professor e membro da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) no seminário internacional promovido pelos movimentos sociais e entidades. A principal reivindicação dos movimentos sociais é a realização de uma reforma agrária efetiva para a garantia da soberania alimentar e energé-

tica, garantindo o uso sustentável da biodiversidade. Para José Plácido Júnior, coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Pernambuco, “não existe outra forma de produzir alimentos que não seja através da reforma agrária”. Para Lúcia Ortiz, geóloga e coordenadora do Núcleo Amigos da Terra Brasil, a resolução final das entidades e movimentos sociais participantes do encontro é uma reafirmação da necessidade de se garantir a soberania alimentar e energética em contraponto à promoção do governo de que há

pode ser usada para melhoramento das formas de cultivo da cana-de-açúcar e outros cultivos para a produção dos agrocombustíveis, denunciada durante o seminário foi a biologia sintética. Segundo Camila Moreno, pesquisadora da Terra de Direitos, estudos avançam sobre a nova tecnologia desenvolvida, e grandes empresas, como a Syngenta, tentam se apropriar desta com o intuito de acelerar a fermentação das sementes para poder expandir suas produções. Moreno explica que a biologia sintética consiste na construção de organismos vivos para variados fins. No caso dos cultivos, cria-se bactérias e fungos com capacidades imensuráveis de fermentação, podendo-se acelerar os processos de produção. No entanto, a pesquisadora alerta para o impacto que estes organismos podem causar ao meio ambiente. Ela conta que eles são criados em laboratórios e, se entrarem em contato direto com o solo, trazem risco de esterilização imediata, pois agem como uma arma química. Camila Moreno explica que a expectativa das grandes empresas do etanol não é com a produção do combustível para os automóveis, e sim para o abastecimento de navios transatlânticos e de aviões de grande porte, que carregam as mercadorias e produções pelo mundo inteiro. Moreno enfatiza a necessidade de a sociedade e os movimentos sociais se pautarem sobre este tema e começarem a se contrapor a ele. “A biologia sintética está à margem de qualquer regulação”, conta. Por isso, há a necessidade de se cobrarem regras e controle dos governos sobre a tecnologia. (MA)

uma demanda global de energia e que esta pode ser suprida pelos agrocombustíveis. Os integrantes do seminário alertaram para o fato de os agrocombustíveis afetarem o clima, o meio ambiente e as populações. “Os agrocombustíveis não são a resposta à crise que estamos vivendo, e sim um obstáculo à sua superação”, ressalta Ortiz. “Devemos defender que os bens naturais sejam conservados e utilizados prioritariamente para gerar alimentos e energia, garantindo trabalho e qualidade de vida. A produção de energia não pode substituir a produção de alimentos”, salientou Marina dos Santos, da Via Campesina Brasil. Desta forma, os movimentos sociais defendem a produção diversificada de alimentos e uma economia regionalizada, para que cada comunidade possa suprir suas demandas. Outro ponto consensual, de acordo com Lucia Ortiz, é o de que “o princípio de soberania energética pressupõe a solidariedade entre os povos e a complementariedade de recursos”. (MA)


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nacional

Primeiro grande desafio da campanha do petróleo será impedir um novo leilão ORGANIZAÇÃO Via Campesina, Assembléia Popular, CUT, Conlutas, CTB e petroleiros programam semana de mobilizações em dezembro Samuel Costa

Luís Brasilino da Reportagem Fazer o possível para barrar a 10ª Rodada de Licitações de Petróleo e Gás, marcada para os dias 18 e 19 de dezembro. Esse é o primeiro objetivo de uma ampla articulação de movimentos sociais que, a partir da recente descoberta de reservas na camada do pré-sal, está se organizando para defender um modelo de exploração dos recursos energéticos que beneficie os trabalhadores brasileiros. Nesse sentido, em uma reunião realizada em São Paulo (SP) no dia 17, foram programadas mobilizações nacionais que devem ocorrer entre os dias 14 e 17 de dezembro. O destaque será uma manifestação nas ruas da capital da Bahia, no dia 15, quando começa a Cúpula Salvador/Costa do Sauípe. A reunião vai até o dia 17 e deve contar com a participação de 33 chefes de Estado do Mercosul, da Cúpula da América Latina e Caribe (Calc) e da União das Nações Sul-americanas (Unasul). Além dos protestos, algumas categorias, como a dos petroleiros, podem fazer paralisações nesse período. Participam da articulação: Via Campesina, Assembléia Popular, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Coordena-

em si mesmo, “seu conceito está equivocado”. Atualmente, o Brasil vende blocos de petróleo para a empresa que pagar mais, sendo o dinheiro arrecadado utilizado para fazer superavit primário (economia de recursos para pagar os juros da dívida pública). “É hora, inclusive, de rediscutir os leilões que já foram feitos”, aponta.

Consensos

Manifestantes “abraçam” a Petrobras contra os leilões do petróleo e gás brasileiros

ção Nacional de Lutas (Conlutas), Federação Única Petroleira (FUP), Frente Nacional Petroleira (FNP), entre outras.

Articulação

Emanuel Cancella, da FNP e secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Petróleo do Estado do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ), avalia que essa discussão consegue unificar as mais diferentes matizes da esquerda. “São entida-

des que não se unem em outras questões”, distingue. Para ele, três fatores explicam tal unidade. Em primeiro lugar, está a importância da campanha “O Petróleo É Nosso”, da década de 1950, na memória dos trabalhadores brasileiros. A relevância internacional do óleo, responsável por guerras e golpes de Estado em diversas nações, também contribui para unir a esquerda. Por fim, Cancella chama atenção para a con-

juntura nacional. “Aqui, temos uma lei que atende às transnacionais e consegue contrariar todos os movimentos que defendem os interesses dos trabalhadores”, afirma. João Antonio de Moraes, coordenador geral da FUP, conclui: “O que precisamos é transformar isso em mobilização”.

Cancelar leilões

Assim, o primeiro desafio é impedir a realização da 10ª Ro-

dada de Licitações promovida pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). De acordo com Moraes, essa luta imediata possui um aspecto simbólico muito grande. “Num momento em que o país todo discute uma mudança na lei, uma mudança que faça com que os recursos sejam utilizados para pagar a dívida social, está programada uma nova rodada de licitações”, critica. Segundo o dirigente da FUP, o leilão não pode ser um fim

Outros pontos são consensos dentro da articulação dos movimentos sociais, como a alteração do marco regulatório. De acordo com eles, o petróleo deve voltar a ser propriedade exclusiva da nação, o que não acontece desde 1997, quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso aprovou a Lei nº 9.478, conferindo a posse do material à empresa que extrailo. Além disso, a taxação sobre as companhias é muito baixa, entre 0% e 45%, e deveria subir para, pelo menos, 80%, que é a média mundial. Os movimentos também concordam com a não-exportação de petróleo cru, por ter um baixo valor agregado; a criação de um fundo soberano para usar os recursos da exploração na saúde, na educação e em outras áreas sociais; o respeito às populações atingidas; a busca de fontes alternativas de energia; e o estabelecimento de uma relação respeitosa, integradora e solidária com outros países.

POLÍTICA

Em meio à crise mundial, partidos comunistas se reúnem no Brasil

Para superar o capitalismo

Encontro com mais de 70 partidos articula resistência dos trabalhadores

José Reinaldo, do PCdoB, apresenta plataforma de resistência

Reprodução

Luís Brasilino e Vinicius Mansur da Redação e de São Paulo (SP) Em meio à crise financeira internacional, São Paulo (SP) irá sediar, entre os dias 21 e 23, o 10º Encontro Internacional dos Partidos Comunistas e Operários. Setenta e cinco organizações confirmaram presença. José Reinaldo Carvalho, secretário de relações internacionais do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), a entidade que organiza o evento, lembra que o fato do encontro acontecer em meio às turbulências da economia global não passa de uma coincidência, mas admite que, “obviamente, a crise estará no centro dos debates”. Para ele, essa será uma oportunidade para denunciar o capitalismo, o imperialismo e as políticas neoliberais dos governos conservadores. “É uma ocasião propícia para mostrar aos trabalhadores que a crise é do próprio sistema, que se trata de um sistema condenado pela história, que gerou inarredáveis e insanáveis contradições”, afirma.

“Podem encontrar soluções tópicas de curta duração, mas o capitalismo não pode ser reformado no sentido virtuoso, não aponta perspectiva de sanar as contradições sociais”, define José Reinaldo, do PCdoB Ivan Pinheiro, secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB), organização participante do encontro, acredita que a crise confere ao evento uma “importância extraordinária, na medida em que permite não só uma reflexão multifacetada e consistente, como também a oportunidade históri-

ca dos comunistas contribuírem para dar uma resposta dos trabalhadores e dos povos em âmbito mundial”. Na sua opinião, o encontro também deve contribuir para a unidade internacional das forças de esquerda, “na perspectiva de uma luta global contra os efeitos da crise”. “Outra tarefa importante é dar passos seguros no sentido de reforçar a unidade de ação dos comunistas”, acrescenta.

da Redação Considerando-se ser “vã ilusão alcançar o desenvolvimento independente e o progresso social sob o capitalismo”, José Reinaldo Carvalho, do PCdoB, acredita que os partidos de esquerda e os movimentos sociais brasileiros devem elaborar uma plataforma de resistência no sentido de defender a soberania nacional, os direitos dos trabalhadores e acumular força. Ele levanta alguns pontos para compor esse programa, como a mudança na política econômica, com corte nas despesas com juros, fim do superavit primário, redução dos juros, controle dos fluxos de capitais, fim do câmbio flutuante e restrições às remessas de lucros. O secretário de relações internacionais do PCdoB também defende o aprofundamento dos processos de integração latino-americana; a ampliação dos investimentos públicos em áreas sociais; a submissão do setor financeiro ao controle público, reforçando o papel do Estado na economia e o caráter estatal da Petrobras e reestatizando a Vale do Rio Doce. “Reforma tributária baseada no princípio da progressividade e justiça social; reformas estruturais (agrária, urbana, da educação); defesa dos salários, do emprego e dos direitos trabalhistas e sociais; nem um centavo sequer de dinheiro público para salvar banqueiros falidos e especuladores: os ricos e exploradores que paguem a crise”, completa José Reinaldo.

Conjuntura

Pinheiro avalia que a turbulência atual é a mais grave de toda a história do capitalismo, pois não é apenas financeira, apresentando elementos estruturais. Além disso, trataria-se de uma crise política do discurso neoliberal. Nesse sentido, ela derrota dois mitos: o do Estado-mínimo e o de que a classe operária diminuiu de tamanho e qualidade de intervenção. “Num primeiro momento, com uma correlação de forças desfavorável, o proletariado deve perder muito. Mas a crise tornará evidente a centralidade do trabalho. No médio prazo, a crise pode elevar a consciência das massas e a tendência é de uma contra-ofensiva dos trabalhadores, sobretudo nos países mais desenvolvidos”, aposta Pinheiro. Confrontar o capitalismo é a saída de longo prazo para a crise também na avaliação de José Reinaldo. De acordo com ele, os governos buscam soluções pontuais seguindo duas tendências. A primeira, conservadora, propõe desviar trilhões de dólares ou euros dos orçamentos nacionais para ajudar instituições financeiras. A outra, social-democrata, confia na construção de novos mecanismos de regulação do sistema a partir de um acordo entre os países emergentes e desenvolvidos. “É a ilusão no ‘multilateralismo financeiro’. Esse foi o debate e essas são as conclusões que retiramos do convescote de Washington [Estados Unidos] do dia 15, a reunião do G-20”, analisa. José Reinaldo insiste que não há saídas para a crise nos marcos do sistema. “Podem encontrar soluções tópicas de curta duração, mas o capitalismo não pode ser reformado no sentido virtuoso, não aponta perspectiva de sanar as contradições sociais”, conclui (com informações da Radioagência NP).

Ato em solidariedade à América Latina José Reinaldo Carvalho destaca que essa será a 10ª edição do Encontro dos Partidos Comunistas e Operários, mas a primeira, em mais de 100 anos de história do movimento comunista, a ser realizada na América Latina. Segundo o dirigente, isso demonstra um apoio às transformações em curso no continente e a vitória da compreensão de que não há um modelo único de socialismo. “Nós não lutamos para voltar ao socialismo tal qual ele foi no século passado, ainda que valorizemos as experiências do passado. Lutamos pelo socialismo nas novas condições políticas, históricas, do mundo e do nosso continente. A luta pelo socialismo em nosso continente passa por caminhos originais”, afirma José Reinaldo. Nesse sentido, acontecerá, no dia 22, o único evento aberto ao público do encontro. O ato em solidariedade à América Latina acontecerá na rua Tabatingüera, 192, próximo à Praça da Sé, e deve contar com a presença de 70 partidos convidados. (VM)

Mobilizações Já Ivan Pinheiro, do PCB, acrescenta que “só um poderoso movimento de massas pode nos trazer alguma vitória no Brasil, sobretudo porque temos um governo fundamentalmente a serviço do capital”. De acordo com ele, como todos os mandatos a serviço do capital, as primeiras ações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva têm sido para socorrer o sistema financeiro e outros setores de ponta do capitalismo, como as montadoras, com dinheiro público. “Não nos iludamos. A medida provisória [MP nº 422] dos bancos públicos não é para ‘estatizar’ o sistema financeiro. Vai é obrigar o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal a comprarem instituições financeiras prestes a falir ou bancos públicos menores, a preço bem acima do mercado. Se fosse para adquirir instituições que agregam valor, não precisava da MP, o ‘mercado’ faz isso muito bem, haja vista a ‘fusão’ Itaú/Unibanco”, critica. (LB)


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Movimentos lançam documentos contra golpe no Maranhão DENÚNCIA Preocupados com as articulações da oligarquia Sarney para derrubar o governador Jackson Lago, a Via Campesina divulga “Carta em defesa da democracia no Maranhão” José Cruz/ABr

da Redação A DENÚNCIA de que o grupo Sarney está tentando antecipar decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra o governador do Maranhão, Jackson Lago, deixou os movimentos sociais em estado de alerta. Em documento intitulado Carta em defesa da democracia no Maranhão, a Via Campesina Brasil, organização que reúne os movimentos sociais do campo e diversas entidades e pastorais sociais, afirma que a oligarquia Sarney trama golpe para derrubar o atual governador. “É preciso saber que, há quase dois anos, está em curso a montagem de um golpe que tenta cassar na justiça o mandato popular do Jackson Lago para entregá-lo à Roseana Sarney, a filha do velho oligarca. Por isso, repudiamos os atos que a oligarquia Sarney vem fazendo para tentar reverter sua derrota nas eleições de 2006 e no pleito de 2008. E denunciamos para a sociedade brasileira a ação traiçoeira que esta oligarquia tenta impor ao povo maranhense”, afirma o documento. Para a Via Campesina, o Maranhão é um dos lugares do mundo que mais concentra terra. E alerta que isso é resultado da política latifundiária e concentradora desenvolvida há mais de 40 anos pela oligarquia Sarney, e que, em 2006, o povo maranhense, em eleição democrática e popular, escolheu Jackson Lago, governador do Maranhão, e derrotou assim a mais atrasada e cruel oligarquia do país, a família Sarney. Ainda segundo a nota da Via Campesina, além da petulância de, por várias vezes, marcar a data de cassação de Jackson, espalha que ainda este ano o governador será cassado pelo TSE. “Reiteramos aqui nossa crença no dever de isenção do TSE enquanto gestor dos processos eleitorais que garantem à sociedade a plena manifestação de sua vontade, pelo exercício do direito de votar e ser votado.” O documento finaliza repudiando todas as ações realizadas nos municípios nos quais

Situação concreta Pode até existir algum sensacionalismo da imprensa empresarial sobre a dimensão da crise econômica mundial, inclusive para provocar a transferência de recursos públicos para setores privados. Mas é verdade também que a estagnação já bateu na indústria, existe produção encalhada e as demissões massivas estão ocorrendo no Brasil. Está na cara que o quadro social tende a ficar mais dramático ainda em 2009. Depressão histórica Prêmio Nobel de Economia deste ano, o professor Paul Krugman afirmou, no dia 14, referindo-se à situação dos Estados Unidos, o seguinte: “Quando a economia de depressão se impõe, as regras habituais da política econômica já não se aplicam: virtude vira vício, cautela é arriscada e prudência é loucura”. Ele prevê um “estado de coisas” semelhante à depressão dos anos 1930. “Pindura” geral Um dos indicadores de crise, o índice de inadimplência dos consumidores registrou aumento de 7,5% de janeiro a outubro, em comparação com o mesmo período de 2007. Segundo a Serasa, essas dívidas estão relacionadas com o não-pagamento de bancos (43,2%), cartões de crédito (33,1%), cheques sem fundo (21,3%) e títulos protestados (2,4%). É quando a rolagem chega ao limite.

Os senadores José e Roseana Sarney

os representantes da oligarquia tentam, através de ações judiciais, impedir a posse de prefeitos eleitos por partidos contrários à oligarquia. “Nós, da Via Campesina Brasil, somos solidários ao povo maranhense e ao governador Jackson Lago, e apoiamos as mobilizações populares em defesa de suas escolhas e conquistas”. A Via Campesina Brasil é uma organização que reúne entidades como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Pastoral da Juventude Rural (PJR), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB) e a Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF).

Deputado denuncia esquema O deputado Ribamar Alves (PSB) denunciou, no dia 7, em discurso na Câmara Federal, que os senadores do Maranhão, todos, sem exceção, vêm ligando para os prefeitos de todos os municípios do interior, informando que o processo de cassação de Jackson Lago está com data marcada e que eles contam com os votos, na grande maioria, do Tribunal Superior Eleitoral. O deputado refere-se ao processo que corre no TSE contra o governador, acusado de abuso de poder econômico nas eleições de 2006. O deputado afirma ainda que os senadores estão ligando para os prefeitos, ameaçando-os, constrangendo-os e deixando-os sob pressão, na expectativa de que haverá cassação imediata do

mandato de Lago. E advertiu que o Maranhão tem sofrido bastante porque não foram liberadas até agora as emendas de bancada ao Orçamento da União, pois o grupo Sarney, utilizando-se de sua influência junto ao presidente Lula, não deixa o governo federal liberá-las, impossibilitando o governo estadual de realizar o trabalho administrativo. O deputado afirma que, na peça acusatória, “não há nada que comprove nada”. Ele enfatizou que o processo que tramita no TSE contra o governador é uma forja de provas que faz lembrar a farsa do caso Reis Pacheco, quando o grupo Sarney acusou o ex-governador Epitácio Cafeteira de ter mandado seqüestrar, matar e ocultar o cadáver do ferroviário José Raimundo Reis Pacheco.

MANIFESTO

O povo do Maranhão exige respeito ao seu voto Está na fase final, no Tribunal Superior Eleitoral, com decisão iminente, o julgamento do processo movido pela coligação “Maranhão – a Força do Povo”, que apoiou a candidata Roseana Sarney (DEM) ao governo do Maranhão nas eleições de 2006, pedindo a cassação do governador Jackson Lago e do vicegovernador Luis Carlos Porto. O motivo alegado para justificar o pedido seria a ocorrência de abuso de poder político (uso da administração pública em benefício dessa candidatura). Não é difícil demonstrar, mesmo conhecendo as sutis filigranas jurídicas, a fragilidade das acusações. A maior parte das supostas irregularidades ocorreu antes do dia 1º de outubro de 2006 (data do primeiro turno). O então governador do Estado, José Reinaldo Tavares – que apoiou no primeiro turno o candidato Edson Vidigal, seu correligionário do Partido Socialista Brasileiro –, teria celebrado convênios com prefeituras como instrumento eleitoral. No primeiro turno, Roseana Sarney superou Jackson Lago em 101 (cento e um) dos 156 (cento e cinqüenta e seis) municípios beneficiados com repasses de recursos decorrentes de tais ajustes. E, em diversos municípios não favorecidos com esses convênios, a candidata Roseana Sarney foi derrotada. Os exemplos mais concretos são os municípios de São Luís e Imperatriz, nos quais Jackson Lago venceu a eleição com dianteira de mais de 210 mil eleitores.

fatos em foco

Hamilton Octavio de Souza

No segundo turno, Roseana Sarney não conseguiu o apoio de nenhum dos candidatos derrotados no primeiro turno. Sua votação se manteve praticamente inalterada: 1.282.053 votos no primeiro turno e 1.295.745 no segundo. O terceiro e quarto colocados, Edson Vidigal e Aderson Lago, apoiaram Jackson Lago, que, tendo recebido 933.089 votos no primeiro turno, saltou para 1.393.647 votos no segundo. A diferença é praticamente equivalente ao total de votos dos candidatos derrotados no primeiro turno. Não há nada de ilegal ou ilegítimo nisso! Este breve resumo dos antecedentes do processo contra o dr. Jackson Lago só permite uma conclusão: o processo movido contra ele é político, e não jurídico. A candidatura de Roseana Sarney em 2006 representava a continuidade no controle do aparelho do Estado de um grupo político-econômico que começou a obter poder quando seu maior expoente, o atual senador José Sarney, numa reviravolta política, aliouse ao governo militar após o golpe de 1964, tornando-se desta forma governador biônico. Na verdade, quem teria sido eleito governador pelo voto, caso não houvesse a intervenção militar, teria sido Neiva Moreira, cuja candidatura já era dada como vitoriosa. Mas, nessa altura, Neiva tinha sido preso e depois expulso do país, passando 15 anos no exílio. Aliado à ditadura, Sarney comandou o Maranhão como um

chefe político absolutista, pois, além do poder econômico, foi concentrando amplas prerrogativas políticas, como a formação do maior conglomerado de comunicação da região, o sistema Mirante, e a nomeação para os principais cargos nos poderes e na burocracia do Estado daqueles que lhe juravam fidelidade plena. Como nas monarquias hereditárias, José Sarney “preparou” os filhos para assegurar a continuidade do seu domínio sob o Estado, sempre amparado na falta de democracia, de liberdade de imprensa, na construção de mitos e no uso e abuso da maquina burocrática. Quando a abertura política permitiu uma eleição de compromisso entre o passado autoritário e um futuro democrático, Sarney teve o benefício do destino trágico de Tancredo Neves para chegar à presidência. Desde que as eleições se tornaram, de fato, diretas, esse grupo vinha mantendo o seu poder graças a essa forma autoritária de controle do Estado. Assinale-se, por exemplo, que, entre as emissoras de rádio e de televisão que funcionam no país com prazo de concessão vencido, algumas pertencem ao grupo Mirante. Há alguns anos que a família Sarney está sendo investigada por irregularidades de todo tipo (eleitorais, financeiras, administrativas), praticadas durante décadas. Chama a atenção que o grupo Sarney, que teve a ousadia de pedir a cassação do governador Ja-

ckson Lago, confiando em seu imenso poder, tenha um dos seus membros, Fernando, filho do senador Sarney, sob investigação da polícia e do Ministério Público por financiamento ilegal da campanha de Roseana Sarney para o governo do Maranhão em 2006! Alguém duvida, diante desta pequena síntese, de que o processo contra o dr. Jackson Lago é político? Alguém duvida que se trata de mais uma jogada suja de um clã que não se resigna a aceitar a realidade de que o Maranhão, pelo voto popular, disse que não aceita mais ser um feudo da família Sarney? A Justiça no Brasil está sendo observada pelo povo, que, em duas décadas de exercício do voto e da prática cotidiana da democracia, aprendeu que o voto tem valor! A família Sarney foi destronada pelo voto popular e confia-se que a Justiça Brasileira mais uma vez referende a vontade do eleitor, não cometendo um equívoco que certamente trará graves e imprevisíveis conseqüências políticas para a governabilidade do Estado do Maranhão. O voto tem valor! Não à cassação do dr. Jackson Lago! Movimento contra a cassação do Jackson Lago

Para assinar este manifesto, escreva para: monicadenazare@gmail.com ou bbissio@gmail.com

Ataques secretos A imprensa estadunidense revelou recentemente que as Forças Armadas e a Agência Central de Inteligência (CIA) receberam ordens secretas do presidente George W. Bush para ataques a alvos localizados em vários países, entre os quais Somália, Síria, Paquistão, Iêmen, Arábia Saudita e outros. Sob o pretexto de combater o terrorismo da Al Qaeda, os Estados Unidos realizaram 20 atentados desde 2004. Quem pratica terrorismo mesmo? Culpa generalizada Laudo do Instituto de Criminalística de São Paulo concluiu que todos os órgãos, empresas e pessoas direta ou indiretamente relacionadas com o acidente da TAM, em 2007, no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo (SP), contribuíram para o acidente e a morte de 199 pessoas. Essa é uma forma de culpar todo mundo e isentar a empresa aérea que operava uma aeronave com defeito decisivo para o acidente. Mais uma pizza! Verdade obrigatória No início deste mês, circularam na internet relações de torturados e de torturadores e vários manifestos exigindo o esclarecimento completo das violências praticadas pelo Estado durante a ditadura militar (1964-1985) e a punição dos torturadores. Essa é a demanda de uma sociedade que precisa encarar o futuro sem escamotear os crimes do passado. O que impede o Brasil de passar essa questão a limpo? Ensino sucateado Ao invés de ampliar as universidades públicas e as medidas de apoio aos estudantes do ensino superior, o governo federal e os governos estaduais estão estimulando a proliferação do ensino à distância, especialmente das escolas privadas, o que amplia a distribuição de diplomas em cursos de baixa qualidade. É mais um atalho que não resolve a carência do país na formação de profissionais qualificados. Meio expediente De acordo com o jornal O Dia, do Rio de Janeiro, o Comando do Exército autorizou os comandantes de unidades a adotarem o regime de meio expediente, principalmente para reduzir despesas de alimentação dos militares. Tudo indica que, a partir de 1º de dezembro, a maior parte dos batalhões do Rio vai funcionar apenas no período da manhã. À tarde fica apenas o efetivo para garantir a segurança das instalações. Ameaça ambiental Na 9ª Reunião Ordinária de Ministros do Meio Ambiente do Mercosul, realizada no Rio de Janeiro, os representantes do Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile (associado) advertiram, em seu relatório, que a degradação ambiental da região é cada vez maior porque mais de 60% das exportações são de produtos que dependem dos recursos naturais. O risco do esgotamento é real.


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brasil Marcello Casal Jr/ABr

Antônio Cruz/ABr

“Anistia não é amnésia” DITADURA Polêmica em torno da responsabilização de torturadores continua causando divergências dentro do governo Lula Mário Augusto Jakobskind e Tatiana Merlino do Rio de Janeiro (RJ) e da Redação A PUNIÇÃO dos crimes cometidos por agentes do Estado durante a ditadura civil-militar (19641985) continua dividindo representantes do governo federal e setores da sociedade civil. Os ministros Tarso Genro (Justiça), Paulo Vanucchi (Direitos Humanos) e Dilma Roussef (Casa Civil) defendem a responsabilização criminal daqueles que cometeram seqüestros, torturas, estupros e assassinatos durante o regime militar. Já os ministros Nelson Jobim (Defesa) e Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), sustentam a posição da Advocacia Geral da União (AGU), que defende que atos de tortura cometidos no regime militar foram perdoados pela Lei de Anistia. A AGU assumiu a defesa dos coronéis da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir dos Santos Maciel (já falecido) em uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), na qual ambos são apontados como torturadores. A decisão da AGU criou uma celeuma dentro do governo. Tarso e Vanucchi criticaram publicamente a decisão do órgão e pediram que a AGU reveja o parecer. Ao comentar o assunto, Mendes disse que repudiava as tentativas de ideologização e politização desse tipo de debate. “Essa discussão sobre imprescritibilidade é uma discussão com dupla face, porque o texto constitucional também diz que o crime de terrorismo é imprescritível”, disse Mendes, referindo-se às ações armadas dos opositores do regime militar. Vanucchi rebateu, dizendo que Mendes deveria evitar fazer declarações que demonstrem simpatia pela ditadura militar. “O ministro precisa manter o distanciamento em relação àquele regime. Não pode fazer declarações que denotem simpatia por ele – porque o uso dessa linguagem, de terrorista, foi do regime”.

Na avaliação do presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, na Lei de Anistia “Não há uma só linha que absolva criminosos torturadores”

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por sua vez, ingressou, no final de outubro, no Supremo Tribunal Federal (STF), com um ação em que solicita à Corte decidir se a Lei de Anistia alcança ou não crimes praticados por militares e policiais durante a ditadura militar. A OAB avalia que a lei de 1979 não isenta militares envolvidos em crimes e deixa aberto o caminho para o Brasil rever ações praticadas por agentes do Estado. Para a OAB, a possibilidade de militares acusados de tortura durante o regime militar serem beneficiados pela Lei de Anistia é uma afronta à Constituição. “Anistia não é amnésia”, defendeu a OAB em carta que marcou o encerramento da 20ª Conferência Nacional dos Advogados, ocorrida em Natal, entre os dias 11 e 15. A AGU, que tinha que entregar informações ao STF sobre a Lei de Anistia no dia 13 de novembro, pediu uma prorrogação de 10 dias do prazo.

Entendimento equivocado Na avaliação do presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, “não há uma linha sequer da lei” que dê margem à interpretação da AGU. “Há um entendimento político equivocado na leitura dessa legislação. Não há uma só linha que absolva criminosos torturadores”.

A Lei de Anistia, apresentada pelo então presidente João Batista Figueiredo, foi votada pelo Congresso sob pressão dos próprios militares, que defendiam uma auto-anistia para torturadores Durante a abertura do Seminário Latino-americano de Justiça de Transição, ocorrido no Rio de Janeiro entre os dias 17 e 19, Abrão defendeu punição de agentes do Estado que cometeram delitos contra a humanidade durante o período de vigência da ditadura no Brasil. Abrão criticou o posicionamento da Advocacia Geral da União (AGU), ao apontar que delitos contra a humanidade são imprescritíveis, conforme estabelecem convenções internacionais. De acordo com ele, a decisão da AGU entra em confronto com os compromissos assumidos pelo Brasil, que, na ditadura militar, já era signatário de alguns tratados e convenções internacionais que previam que a tortura é um crime de lesa-humanidade. “O Brasil se comprometeu e ratificou esse preceito, que foi confirmado na Carta das Nações Unidas depois da 2ª Guerra Mundial”, lembrou. Auto-anistia de torturador Abrão lembrou, ainda, que a Lei de Anistia de 1979, apresentada pelo então presidente João Batista Figueiredo, foi votada pelo Congresso sob pressão dos próprios militares, que defendiam uma auto-anistia para torturadores. “Tanto isso é verdade que, no dia da votação, as galerias da Câmara dos Deputados foram ocupadas desde cedo por militares em trajes civis, para impedir a presença de representantes de entidades defensoras dos direitos humanos e que questionavam uma lei que contemplava torturadores”, lembrou. Além disso, destacou, a Arena, partido que apoiava o governo, era majoritário, com 12 parlamentares na Comissão que analisou o projeto que seria votado, enquanto o MDB tinha apenas oito. Ainda, o Senado era composto por um terço de representantes que ocupavam cadeiras sem terem sido escolhidos pelo voto popular. Na opinião de Abrão, a lei de 1979 também não pacificou a nação. Como exemplo, ele citou a recente ação judicial impetrada pelo Clube Militar e da Aeronáutica contra a anistia concedida pela Comissão de Anistia ao Capitão Carlos Lamarca. “Os mesmos militares da reserva que invocam a Lei para defender acusados de torturas e assassinatos entram na Justiça com uma ação para pedir a anulação da anistia ao capitão Carlos Lamarca. É, sem dúvida, uma contradição invocar uma coisa para um caso e, para outro, apresentar argumento que entra em choque com o da defesa de seus pares”.

No alto, Gilmar Mendes e Nelson Jobim; abaixo, a partir da esquerda, Tarso Genro, Paulo Abrão e Paulo Vanucchi Fabio Pozzebom/ABr

Marcello Casal Jr./ABr

Fabio Pozzebom/ABr

Brasil deve pedir abertura de arquivos sobre Operação Condor O descobridor dos arquivos da Operação Condor e Prêmio Nobel Alternativo da Paz de 2002, Martin Almada, exortou o governo brasileiro a solicitar à Alemanha a abertura do arquivo militar de Fraiburgo e do Ministério das Relações Exteriores, que podem conter informações relacionadas com a ação dos serviços de inteligência das ditaduras do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e Bolívia nos anos de 1970. Almada fez esta sugestão ao participar do Seminário Latino-americano de Justiça de Transição, realizado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Na mesa de debate sobre a Iniciativa Latino-americana para o Nunca Mais e a Busca da Verdade, Martin Almada lembrou de fatos relacionados à violenta repressão do regime ditatorial do general Alfredo Stroessner, que sempre teve o apoio de sucessivos governos dos Estados Unidos. Almada foi preso em 1974 quando, segundo ele, era apenas um “professor reformista que lutava por salários dignos para os professores paraguaios que recebiam salários de fome”, e, durante o período em que esteve preso, inclusive em um campo de concentração, tornou-se “socialista”. Martin Almada observou que, de 1975 a 1985, a Operação Condor vitimou mais de

100 mil cidadãos latino-americanos, metade deles dirigentes sindicais, estudantes, professores, artistas, jornalistas investigativos, religiosos, médicos, enfim, a classe pensante da América Latina. Para Almada, os reflexos da Operação Condor até hoje se fazem sentir, como, por exemplo, no Paraguai, onde funciona um Parlamento corrupto e medíocre. Fim da impunidade Na mesa de debate em que participou Almada, coordenada por Nilmário Miranda, ex-secretário especial de Direitos Humanos da presidência da República, o filósofo uruguaio Álvaro Rico, representante da Equipe de Investigação Histórica sobre Desaparecidos Políticos, tratou dos vários momentos que o seu país atravessou na área de direitos humanos até chegar aos dias atuais, em que até um ex-presidente, Juan Maria Bordabery, encontrase preso, juntamente com o Ministro do Exterior do seu governo, Juan Carlos Blanco. Ambos respondem na Justiça pelo golpe de Estado de julho de 1973 e pelo assassinato dos parlamentares uruguaios Zilmar Michellini e Gutierrez Ruiz, além de outros opositores ao regime ditatorial que se instalou no Uruguai. Álvaro Rico lembrou também que a chamada “Lei de Caducidade”, que concedia

anistia até mesmo a quem praticou crimes contra a humanidade e que tinha sido aprovada em plebiscito, acabou sendo revogada. Agora, os acusados dessa prática estão respondendo na Justiça pelos crimes contra a humanidade que cometeram. Durante a ditadura, 128 uruguaios desapareceram na Argentina, 32 no próprio Uruguai, nove no Chile, um na Bolívia e outro na Colômbia, revelou Rico. Participação brasileira O pesquisador estadunidense Peter Kornbluh, representante do Arquivo Nacional de Segurança da Universidade de George Washington, ao fazer um histórico sobre a liberação de documentos dos arquivos dos serviços de inteligência dos EUA, confirmou que os papéis tornados públicos comprovam que a ditadura brasileira teve uma importante participação na Operação Condor, o chamado “Condortel”, no âmbito de comunicação secreta entre os serviços de informação do Cone Sul que resultaram em inúmeras prisões e desaparecimentos de opositores aos regimes ditatoriais. Kornbluh revelou ainda que, nos arquivos brasileiros, certamente se encontram também essas informações. Para o pesquisador estadunidense, nos oito anos do governo de George W.

Bush, o Condor também esteve voando com operações secretas em várias partes do mundo, assim como fez, durante os anos de 1970, no Cone Sul. José Nascimento Junior, diretor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Cultural (IPHAN), lamentou que, ao contrário de outros países do Cone Sul, no Brasil não há nenhum espaço de memória em homenagem às vítimas do período ditatorial. Ele revelou que no país se pretende criar os caminhos da democracia em locais das cidades onde, nos anos de chumbo, tombaram opositores ao regime ditarorial então vigente. “Será uma reparação cultural, o que é fundamental para a o avanço do processo democrático”. Nascimento Junior citou como exemplo a ser seguido o Museu da Favela da Maré, no Rio de Janeiro, um importante espaço de memória. Jaime Antunes da Silva, diretor geral do Arquivo Nacional, ao prestar uma pormenorizada sobre o funcionamento do setor que ele dirige, relacionado com o material do período da ditadura, revelou que 78 mil dossiês do antigo Serviço Nacional de Informação foram incinerados, o que é uma prova concreta da depuração feita por um organismo de inteligência da repressão. (MAJ)


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cultura

A arte como luta política CULTURA POPULAR Encontro reúne 700 pessoas no Pará para debater a produção artística em acampamentos e assentamentos Patrícia Benvenuti, enviada a Belém (PA) MOSTRAR O camponês como um produtor de cultura, e não apenas como mero espectador. Esse foi um dos objetivos da Semana de Cultura Brasileira e da Reforma Agrária, realizada entre os dias 10 e 16 no Centro Cultural Tancredo Neves (Centur), em Belém (PA). O encontro, promovido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), reuniu cerca de 700 participantes de vários Estados que discutiram o acesso à cultura e a produção artística nos acampamentos e assentamentos da reforma agrária. Na avaliação de Maria Raimunda César, da coordenação do MST no Pará, a semana conseguiu pautar um diálogo com a sociedade que vai além da valorização do trabalhador do campo, reconhecendo o camponês como um sujeito que também produz cultura, conhecimentos e saberes. “Não é comum ver trabalhadores sem-terra ocupando o centro da cidade e discutindo cultura. Para a sociedade, é mais concebível a gente estar reivindicando do que reunido para socializar cultura e conhecimento. Aos poucos, vamos conseguindo romper essa barreira que afasta os sujeitos do campo do mundo do conhecimento.” Além da importância de divulgar a produção cultural dos camponeses, Maria Raimunda destaca a relevância de realizar uma semana de cultura em Belém, considerada a capital da Amazônia. A região, na avaliação da coordenadora, vem so-

Hildebrando Silva de Andrade

frendo com o avanço de grupos interessados em lucrar em cima da cultura dos povos locais, transformando os costumes e tradições em mercadoria. “Há uma diferença muito sutil entre o processo de comercialização da cultura e a valorização desses sujeitos produtores de cultura”, explica. De acordo com ela, “o mercado e os meios de comunicação transformam o carimbó e o lundu, nossas danças e a nossa alimentação em um grande espetáculo para inglês ver, para turista ver”, avalia a militante.

A arte e a cultura devem ser encaradas como luta política, pois são instrumentos necessários para vencer a ideologia incutida pela indústria cultural durante séculos Encontro conseguiu mostrar à sociedade que o camponês também produz cultura

Imaginário popular

Segundo o professor de História da Arte da Universidade de São Paulo (USP), Francisco Alambert, a arte e a cultura devem ser encaradas como luta política, pois são instrumentos necessários para vencer a ideologia incutida pela indústria cultural durante séculos. De acordo com ele, a história já mostrou a importância da pro-

dução artística e cultural para as conquistas socialistas, como na Revolução Soviética, em 1917, e na Revolução Chinesa, de 1949. “Os grandes processos revolucionários do século 20 entenderam que a luta revolucionária deve estar em todos os lugares ao mesmo tempo, inclusive no terreno das artes, da cultura e da produção simbólica”, avalia.

O professor, portanto, defende que a luta contra o latifúndio não deve estar separada da luta pelo controle da produção cultural, e alerta para a necessidade dos movimentos sociais disputarem o domínio do imaginário popular e o acesso aos bens simbólicos. Para isso, afirma, é necessário socializar os meios de produção cultural, para que

sirvam aos interesses coletivos. “A arte só se produz coletivamente. O autor deve ser o produtor, e o produtor deve ser ator”, sintetiza. A Semana de Cultura contou com debates com militantes do MST, representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), do governo do Estado do Pará e do Instituto Nacional de Colonização e

Rompendo a cerca enviada a Belém (PA) Um dos grupos que participaram da semana foi o coletivo de teatro Rompendo Cercas, do Assentamento Nova Conquista, de Açailândia, no Maranhão. A peça narra a história de um casal de camponeses que, procurado por produtores de soja interessados em comprar a propriedade da família, decidiu não vender suas terras nem acreditar nas promessas de que a vida na cidade seria melhor. A integrante do grupo, Martha Denise de Oliveira Silva, de 17 anos, relata que o Rompendo Cercas surgiu na própria escola do assentamento, onde foram realizadas as primeiras apresentações, a partir da necessidade de denunciar o modelo de latifúndio e de exclusão no campo. “A gente escolheu esse nome porque está justamente rompendo cercas, passando uma cultura de resistência contra a cultura de massa. É mais um instrumento de luta”, afirma. Da escola do assentamento, eles passaram a se apresentar também em atividades do MST, inclusive em outros Estados. São os 14 adolescentes do grupo que decidem o que vão encenar e quem assumirá cada papel, a partir das discussões travadas a cada encontro. No histórico, já são seis peças, pautando temas como o avanço dos monocultivos, do neoliberalismo e a valorização da mulher. As aulas dificultam uma rotina de ensaio, mas isso está longe de ser o maior empecilho. A falta de recursos ainda é o que mais pesa. O MST auxilia nas viagens, mas, ainda assim, não há verbas para comprar figurinos, acessórios e outros materiais. A comunidade tenta levar um Ponto de Cultura para o assentamento de Açailândia, mas, enquanto isso não acontece, as soluções vêm por meio do improviso, como ocorreu em Belém. “Nessa peça, eu fiz o papel do agricultor, então peguei a

roupa do meu pai, que trabalha na roça”, relata. As atividades da semana, segundo Martha, também auxiliarão o grupo, já que os jovens participaram de oficina de dança, máscaras, customização e música e poderão repassar o conhecimento para os demais integrantes. “Eu aprendi a dançar carimbó, que eu não sabia. A gente vai conhecendo pessoas, trocando experiências, é bom por conta disso também”. A jovem, que pensa em seguir carreira no teatro, percebe que as pessoas têm gostado do trabalho do grupo, mas acredita que o mais importante é a mensagem de resistência transmitida em cada peça. “A gente não espera aplausos, mas que o público possa assimilar a idéia que queremos passar”. O pai de Martha, o educador Luís Antonio Lima e Silva, que ajuda a coordenar os adolescentes, acredita que o teatro dentro das áreas da reforma agrária contribui para a conscientização dos trabalhadores rurais, tendo uma importância ainda maior para os jovens, que encontram, assim, uma forma de produzir cultura. “Isso ajuda a formar tanto os integrantes do grupo como os trabalhadores. É um instrumento de conscientização e de transformação da sociedade, e também uma forma de se contrapor à cultura de massa, que ainda está cheia nos assentamentos, por meio da televisão e do rádio”, explica. Silva lamenta a falta de incentivo para a profissionalização dos jovens nos acampamentos e assentamentos que, segundo ele, estão repletos de talentos não apenas no teatro, mas também em outras artes, como a dança e a pintura. “A gente sabe que essa cultura de resistência não recebe incentivo nenhum por parte do poder público. Então, vamos fazendo da forma que dá, com muita dificuldade. E quando a gente vê o resultado, acredita que vale a pena”. (PB)

Reforma Agrária (Incra), professores e jornalistas. Foram realizadas, ainda, oficinas sobre cinema, dança, rádio, jornal impresso, customização e máscaras, entre outros, além de noites culturais com cantores, escritores, poetas e grupos de dança e de teatro, além de tributos especiais ao compositor Waldemar Henrique e ao músico João do Vale.

A primeira vez no cinema enviada a Belém (PA) A terça-feira do dia 11 de novembro entrará para a história do sem-terra Manuel Pereira de Araújo, que, neste dia, aos 61 anos, foi ao cinema pela primeira vez. Ele assistiu ao filme Milton Santos: A Globalização vista do lado de cá, de Silvio Tendler, exibido durante o encontro, que aborda a importância do intelectual para os movimentos sociais e para a conquista do poder popular. Natural do Piauí e há mais de 20 anos vivendo no Pará, Araújo assume que a vida sofrida de trabalhador rural não permitiu muito acesso à cultura. Da cidade de Belém mesmo, conhece apenas alguns pontos. “Você vê, com 61 anos, nunca tinha ido ao cinema. É trabalho, trabalho, trabalho, não tem tempo para mais nada.” Sobre sua estréia como espectador no cinema, o semterra se mostra orgulhoso com a conquista. “Foi muito bom, porque a gente fica mais bem-informado, a gente vê o conhecimento na tela. É bom pegar uma coisa na tela e repassar para os que não vieram.” Além de ter participado da oficina de cinema durante a semana, Manuel participou ativamente de todo o encontro, inclusive da marcha de encerramento, no centro da capital paraense, no domingo (16), apesar de suas dificuldades para caminhar. O homem garante que, sempre que pode, vai aos encontros do MST, mesmo sendo longe do acampamento Olga Benário, em Aracá, a 50 quilômetros de Belém, onde vive atualmente. Para ele, é a forma de contribuir para a mudança na sociedade. “Tem que participar das coisas, porque a gente coloca os políticos lá e não adianta, eles esquecem da gente, fazem como se nunca tivessem nos visto”. (PB)


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américa latina

Paraguai, entre Lula e a soja ANÁLISE Não são de agora os atos de Lula elucidativos das opções feitas contra a sua classe de origem. Agora, até já imita os EUA e publica um Decreto-lei com aplicação extraterritorial, com o qual pretende enfrentar uma eventual “agressão estrangeira” Raúl Zibechi A PODEROSA mobilização dos camponeses paraguaios está a pôr a nu as contradições regionais e a forçar o governo de Fernando Lugo a definir-se quanto à prometida reforma agrária. Com a chegada de Lugo à presidência, os “de baixo” sentiram que chegou a hora de começar a resolver as injustiças históricas e decidiram apresentar a fatura. A repressão já havia provocado um morto e dezenas de feridos e presos no início de novembro. Os camponeses estão a ocupar terras dos grandes proprietários de produção de soja, grande parte brasileiros, a quem chamam brasiguaios. No Paraguai, a soja cresceu de forma exponencial, aproximandose dos 3 milhões de hectares na safra de 2007/2008, sendo já o quarto exportador mundial. A outra face da expansão da soja é a massiva emigração camponesa. Em 1989, quando caiu a ditadura de Alfredo Strossner, 60% da população paraguaia vivia no campo. Hoje não chega aos 40%. Os grandes produtores de soja brasileiros foram se instalando no Paraguai desde a década de 1960, atraídos pelo baixo preço da terra e pelas facilidades dadas pela ditadura, mas trouxeram os “seus” peões do vizinho Brasil. Calcula-se que há cerca de meio milhão de brasiguaios, 10% da população do país. Em algumas zonas dos departamentos fronteiriços, S. Pedro, Itapúa, Alto Paraná, Concepción, Amabay e Canindeyú, fala-se português e comerciase em reais. Ainda que não haja

Light Ripper

números oficiais, calcula-se que 80% da cultura de soja está nas mãos de brasiguaios.

Fazendas de brasiguaio

As ocupações de terras pelos camponeses, particularmente as feitas pela Organização de Luta pela Terra (OLT), em que participam militantes de outros movimentos, centraramse nas fazendas do brasiguaio Tranquilo Favero, proprietário de 55 mil hectares e 30 depósitos nos departamentos de Alto Paraná e Amabay. No final de outubro, 4 mil camponeses derrubaram cercas de arame e ameaçaram queimar os depósitos. O rei da soja e os seus colegas queixaram-se à Associação Rural e ao governo de Lugo, e contaram com um poderoso aliado. No começo de outubro, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva publicou o Decreto-lei nº 6.952, que regulamenta o Sistema Nacional de Mobilização, com o qual o governo do PT pretende enfrentar uma eventual “agressão estrangeira”. O decreto define como “ameaças ou atos lesivos à soberania nacional, à integridade territorial, ao povo brasileiro ou às instituições nacionais, ainda que não signifiquem invasão do território nacional.

Recado do Brasil

No dia 17 de outubro, 10 mil soldados brasileiros iniciaram exercícios militares na fronteira com o Paraguai. A gigantesca movimentação militar formou parte da Operação Fronteira Sul II, que durante uma semana incluiu a utilização de aviões, tanques, barcos, com uso de munição real. A imprensa de As-

Manifestação de camponeses membros da Organização Luta pela Terra

sunção informou que a operação contempla exercícios como a ocupação de Itaipu e o resgate de cidadãos brasileiros. O governo de Lugo levou o assunto à Assembléia Permanente da OEA, onde insinuou que a operação militar foi uma “mensagem para Itaipu” e assegurou que o Brasil quer negociar a paz para os fazendeiros de soja por um pequeno aumento no preço da energia que compra do Paraguai. Os governos de Lugo e Lula começaram uma rodada de negociações focadas em dois pontos chaves: Paraguai quer recuperar a livre disponibilidade da sua energia e poder vender os seus excedentes a qualquer país, e quer receber mais do que estabelece

o Tratado de Itaipu, que estabelece cinco vezes menos que o preço de mercado. O general José Carvalho Sequeira, chefe do Comando Militar do Sul, explicou à imprensa as razões das manobras militares: “Já passou o tempo em que tínhamos de esconder as coisas. Hoje, temos de demonstrar que somos uma potência, e é importante que os nossos vizinhos o saibam. Não podemos deixar de nos exercitar e mostrar que somos fortes, que estamos presentes e temos capacidade de enfrentar qualquer ameaça”. Uma das ameaças a que aludiu foi uma possível ocupação de Itaipu por movimentos sociais, já que a barragem

abastece 20% da energia consumida pelo Brasil. Mas foi o diretor da revista militar DefesaNet, ao entrevistar o general Carvalho Siqueira, quem explicou as razões dos exercícios militares: “A Operação Fronteira Sul II quer passar a mensagem ao governo Lugo, de que os militares brasileiros estão atentos à situação que os brasiguaios estão enfrentando, sofrendo invasões de terras e ameaças de perder as suas terras, legalmente adquiridas.”

Interferência brasileira

Para afastar qualquer dúvida sobre a atitude do governo de Lula, o chanceler Celso Amorim pediu ao governo paraguaio, sem rodeios, que controlas-

se os “excessos” contra os brasiguaios. Em agosto, um movimento camponês queimou a bandeira brasileira num assentamento de sem-terra, refletindo um sentimento muito amplo no Paraguai. Não são poucos no país Guarani os que sentem que a potência regional se comporta como se os pequenos países que a rodeiam fossem o seu quintal. Simultaneamente, o governo de Rafael Correa expulsou do Equador a transnacional brasileira Odebrecht por violação de contrato, o que levou Lula a sair em defesa da empresa fundada pelo seu amigo Norberto Odebrecht, um dos principais financiadores das campanhas eleitorais do PT. O Paraguai atravessa uma encruzilhada. Pela primeira vez, depois de seis décadas de governos colorados, pode superar a tutela de Washington, realizar algumas reformas que limitem a corrupção e melhorar as condições de vida da população. Mas não quer cair numa nova dependência perante um poderoso vizinho (Brasil) que é a potência emergente da região. Os movimentos sociais também estão numa encruzilhada. Apoiaram Lugo porque, quando ele era bispo da diocese, os defendeu e prometeu a reforma agrária. Mas não estão dispostos a continuar à espera. Também não vão tolerar repressão, como as que estão acontecendo nas ocupações destes últimos meses (artigo publicado originalmente no diário mexicano La Jornada). Raúl Zibechi é analista internacional do semanário Brecha de Montevideo, Uruguai


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internacional

Afeganistão, um Exército de famintos Justin Heine

ÁSIA Estima-se que 8,4 milhões de afegãos devem passar fome no inverno que se aproxima; EUA e aliados ocupam o país desde outubro de 2001

ORIENTE MÉDIO

Israel estrangula Gaza novamente da Prensa Latina

Manuel Navarro Escobedo DO MARTIRIZADO Afeganistão, sabe-se até o momento dos 70 mil militares dos Estados Unidos que estão no país e da Força Internacional de Assistência e Segurança das Nações Unidas, comandada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Também sabe-se das dezenas de milhares de insurgentes islâmicos que se levantam em defesa da independência e da soberania nacionais, cujo objetivo central, segundo seus líderes, é aniquilar ou fazer com que os ocupantes estrangeiros, que invadiram o território centro-asiático em outubro de 2001, o abandonem. Há um pouco mais de sete anos, só se fala e escreve sobre operações, ofensivas, combates, atentados, ataques suicidas e bombardeios contra a população civil, em especial nas áreas rurais produtivas. É lógico. A muitos meios da imprensa internacional, não interessa divulgar sobre a existência de um quarto elemento que habita este país, o qual está ameaçado de desaparecer por carecer de mínimos recursos para se defender da fome.

8 mi de famintos

Uma entidade militar estratégica britânica advertiu que a escassez de alimentos que se deve enfrentar neste inverno representa uma ameaça mais importante para os esforços de reconstrução do Afeganistão do que a própria rebelião atual. Segundo o Royal United Services Institute, de Londres, a acumulação de vários fatores, como a alta dos preços dos alimentos básicos e a seca, criaram as condições para uma escassez desastrosa, que pode afetar 8,4

Homens afegãos transportam água: metade dos habitantes do país vive abaixo da linha de pobreza

Quanto

O Afeganistão segue sendo o país mais pobre do mundo, de acordo com o Programa da ONU para o Desenvolvimento (PNUD)

milhões de afegãos – dos 32 milhões de habitantes que o país possui. Essa “insegurança alimentar” cresceu enquanto “os olhares do mundo se concentravam na violência”, assinala um informe de Paul Smyth, analista da entidade inglesa. Em seu alerta, Smyth atribui essa perigosa situação à pouca chuva na primavera, à seca do verão, à baixa produção das colheitas, à elevação mundial dos preços dos alimentos e à guerra.

Entre os mais pobres

O Afeganistão segue sendo o 5º país mais pobre do mundo, de acordo com o Programa da ONU para o Desenvolvimento (PNUD), tendo a corrupção generalizada como principal fator

que estrangula sua vida social desde a invasão conduzida pelos Estados Unidos e seus aliados. Soma-se a isso o fato de que o acesso à agua potável, eletricidade e assistência médica é ainda uma quimera, já que a metade de seus 32 milhões de habitantes sobrevivem abaixo da linha de pobreza. Só os 10% dos que residem nas cidades grandes têm eletricidade, enquanto os 5% de população rural alcançam uma expectativa de vida de 46 anos. Sem contar que, da taxa de crescimento econômico prevista para este ano, de 9%, mais da metade provém do narcotráfico, e o resto, da ajuda internacional enviada à administração de Kabul.

Angelina Jolie

Ante esses fatores, Smyth estima que, para enfrentar a escassez de alimentos, faz-se urgente que o Programa Mundial de Alimentos da ONU envie 95 mil toneladas de ajuda à população afegã até fevereiro de 2009. Na mesma linha, a atriz estaduni-

dense Angelina Jolie, embaixadora da boa vontade da agência da ONU para os refugiados (ACNUR), advertiu que ao menos 3 milhões de afegãos permanecem refugiados no Iraque e no Paquistão sem poder regressar ao seu país de origem, e se encontram sem ajuda humanitária. Jolie urgiu os Estados Unidos e suas nações aliadas a cumprirem os programas de desenvolvimento aos quais se comprometeram durante as conferências sobre o Afeganistão em Berlim, Tóquio e Paris. Mas os governos ocupantes prosseguem surdos e indiferentes a tais reclamações, já que só planejam e falam do envio de mais militares e armamentos sofisticados como remédio para atenuar a fome do povo afegão. E como sentencia Smyth: “Sejam quais forem os efeitos da insurreição sobre a missão coordenada pela ONU no Afeganistão, são a fome e a desnutrição em grande escala que vão criar o obstáculo mais importante para o avanço da comunidade internacional” (da Prensa Latina/Ásia).

Apesar de advertências internacionais, de que os palestinos podem sofrer uma crise humanitária, Israel ordenou novamente, no dia 18, fechar os acessos para a Faixa de Gaza. O porta-voz do Ministério da Defesa de Israel, Peter Lerner, confirmou que “as passagens estão fechadas por causa do atual disparo de mísseis”, em alusão à resposta dos palestinos à agressão aérea israelense, que deixou 15 mortos, feridos e estragos em 13 dias. A medida produz-se um dia depois que, pressionado pela comunidade internacional, Tel Aviv concordou em reabrir “temporariamente” a passagem fronteiriça de Karem Abu Salem (Kerem Shalom para os judeus) para que 33 caminhões com alimentos e medicamentos entrassem. A autorização dada no dia 17 por Israel excluiu os carros-pipa que habitualmente fornecem combustível à única planta geradora de eletricidade neste local costeiro, motivo pelo qual 1,5 milhão de habitantes sofrem diariamente cortes de energia.

Irã

Também no dia 17, membros do Parlamento do Irã chamaram os demais Estados muçulmanos a deterem a crise humanitária que sofre a população palestina da Faixa de Gaza por causa do bloqueio imposto por Israel. A trágica piora da situação em Gaza é alarmante, alertaram 217 dos 290 legisladores iranianos em um comunicado que exortou uma ação conjunta entre as nações islâmicas.

ANÁLISE Ricardo Stuckert/PR

Reunião do G-20: um banho de água fria Fidel Castro Ruz BUSH se mostrava feliz com Lula, a sua direita, no jantar do dia 14. À esquerda, colocou Hu Jintao, a quem respeita pelo enorme mercado de seu país, pela capacidade de produzir bens de consumo a baixo preço e pelo volume de suas reservas em dólares e bônus dos Estados Unidos. Medvedev, a quem ataca com a ameaça de colocar os radares e os mísseis estratégicos nucleares próximos a Moscou, foi colocado num assento distante do anfitrião da Casa Branca. O rei da Arábia Saudita, um país que produzirá num futuro próximo 15 milhões de toneladas de petróleo leve a preços altamente competitivos, ficou também a sua esquerda, junto de Hu. Seu aliado mais fiel na Europa, Gordon Brown, primeiroministro do Reino Unido, não aparecia perto dele na mídia. Nicolas Sarkozy, descontente com a ordem financeira atual, ficou distante dele, com o semblante descontente. Ao presidente do governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, vítima do ressentimento pessoal de Bush, presente no encontro de Washington, nem sequer o vi nas imagens televisivas do jantar. Assim foram colocados os participantes no banquete. Qualquer um teria pensado que, no dia seguinte, se produziria o debate de fundo sobre o complicado tema. Cedo, na manhã do sábado, as agências informavam sobre o programa que teria lugar no National Building Museum de Washington. Cada segundo estava programado. Se-

riam analisadas a crise atual e as medidas a serem tomadas. Começaria às 11h30, hora local. Primeiro, sessão fotográfica: “fotos de família”, como as chamou Bush; 20 minutos depois, a primeira plenária, seguida de uma segunda, na metade do dia. Tudo rigorosamente programado, até os nobres serviços sanitários. Os discursos e análises durariam aproximadamente 3 horas e 30 minutos. Às 15h25 (hora local), o almoço. A seguir, às 17h05, declaração final. Uma hora depois, às 18h05, Bush iria descansar, jantar e dormir placidamente em Camp David. O dia decorria, para os que acompanhavam o evento, com a impaciência para saber como, em tão pouco tempo, seriam abordados os problemas do planeta e da espécie humana. Estava anunciada uma declaração final.

Demagogia

(...) De onde sairão tantos dólares, euros e libras esterlinas a não ser endividando seriamente as novas gerações? Como se pode construir o edifício da economia mundial sobre notas de papel, que é o que realmente se está colocando em circulação, quando o país que os emite está sofrendo um enorme deficit fiscal? Valeria a pena tanta viagem aérea, rumo a um ponto do planeta chamado Washington, para se reunir com um presidente a quem lhe restam apenas 60 dias de governo, e assinar um documento que já estava formulado de antemão para ser aprovado no Washington Museum? Teria razão a comunicação radiofônica, televisiva e escrita dos Estados Unidos

Os presidentes Lula e Bush, em recente encontro do G-20

Do meu ponto de vista, [no documento final] não foram tocados, nem com a pétala de uma flor, os privilégios do Império

ao não dar destaque especial a esse velho jogo imperialista desta enfadada reunião? O inacreditável é a própria declaração final, aprovada por consenso dos participantes do evento. É óbvio que constitui uma aceitação plena das exigências de Bush, antes e durante a Cúpula. A vários países participantes não

restava outra alternativa que aprová-la; em sua luta desesperada pelo desenvolvimento, não desejavam ficar isolados dos mais ricos e poderosos, bem como de suas instituições financeiras, que constituem a maioria no seio do Grupo G-20. Bush falou com verdadeira euforia. Usando palavras demagógicas, leu frases que retratam a declaração final: “A primeira decisão que tive que adotar – disse ele – foi indicar quem viria à reunião. Decidi que deveriam estar presentes as nações do Grupo dos 20, em lugar de apenas o Grupo dos 8 ou o Grupo dos 13. Mas, uma vez adotada a decisão de ter o Grupo dos 20, a pergunta fundamental é: com quantas nações de seis continentes, que representam diferentes etapas de desenvolvimento econômico, será possível chegar a acordos que sejam substanciais? E me

compraz informar-lhes que a resposta a essa pergunta é que conseguimos”.

Mais do mesmo

O texto do resto do que disse Bush é do mesmo estilo. (...) A declaração final da Cúpula, que, por sua extensão, precisa de meia hora para ser lida em público, definese num grupo de parágrafos selecionados. (...) Linguagem tecnocrática, inacessível para as massas. Cortesia ao Império, que não recebe crítica alguma a seus métodos abusivos. Louvores ao FMI, ao Banco Mundial e às organizações multilaterais de créditos, criadores de dívidas, despesas burocráticas fabulosas e investimentos encaminhados ao fornecimento de matérias-primas às grandes transnacionais, que, além disso, são responsáveis pela crise. E assim por diante, até o último parágrafo. É aborrecida,

repleta de lugares-comuns. Não disse absolutamente nada. Foi subscrita por Bush, campeão do neoliberalismo, responsável por chacinas e guerras genocidas, que investiu em suas aventuras sangrentas todo o dinheiro que teria sido suficiente para mudar a face econômica do mundo. No documento, não se diz uma só palavra do absurdo da política de converter os alimentos em combustível que propugnam os Estados Unidos, do intercâmbio desigual de que somos vítimas, nós, os povos do Terceiro Mundo, nem sobre a estéril corrida armamentista, produção e comércio de armas, ruptura do equilíbrio ecológico e as gravíssimas ameaças à paz que colocam o mundo à beira do extermínio. Só uma pequena frase perdida no longo documento menciona a necessidade de “encarar a mudança climática”, quatro palavras. Pela declaração, se verá como os países presentes no conclave demandam reunirse de novo em abril de 2009, no Reino Unido, no Japão ou em qualquer outro país que possua os requisitos adequados – ninguém sabe qual –, para analisar a situação das finanças mundiais, com o sonho de que as crises cíclicas nunca voltem a se repetir com suas dramáticas conseqüências. Agora, caberá aos teóricos de esquerda e de direita opinarem fria ou acaloradamente sobre o documento. Do meu ponto de vista, não foram tocados, nem com a pétala de uma flor, os privilégios do Império. Quem tiver a paciência necessária para lê-lo do princípio ao fim poderá constatar como se trata simplesmente de um apelo piedoso à ética do país mais poderoso do planeta, tecnológica e militarmente, na época da globalização da economia, como quem roga ao lobo que não devore a Chapeuzinho Vermelho.


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internacional Ricardo Jorge Carvalho

Com a crise, lutas sociais tendem a se intensificar ENTREVISTA Para o jornalista e escritor português Miguel Urbano Rodrigues, os trabalhadores vão pagar a fatura da crise. Em contrapartida, segundo ele, os movimentos de massa, principalmente nos países da União Européia e nos Estados Unidos, tendem a ganhar força Nilton Viana da Redação A ÚNICA alternativa para o capitalismo senil, que ameaça conduzir a humanidade ao abismo, é o socialismo. Essa é a convicção do jornalista e escritor português Miguel Urbano Rodrigues. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Urbano fala sobre a grave crise desencadeada a partir do Império estadunidense, que já provoca efeitos perversos em todo o mundo. Ele vislumbra um futuro próximo de grandes sofrimentos para a humanidade, sofrimentos que, segundo Urbano, serão diferentes de continente para continente, de país para país, como diferentes serão as características da luta dos povos contra o sistema que continuará a impor-lhes a sua dominação. É categórico ao afirmar: os trabalhadores vão pagar a maior fatura dessa crise. Mas é otimista. Para ele, grandes movimentos de massa devem surgir, principalmente nos países da União Européia e nos Estados Unidos. Brasil de Fato – O mundo inteiro vive um drama com a crise financeira desencadeada a partir do centro do império. Tem se dito que essa crise ainda está apenas começando e que ela tende a se agravar. Na sua avaliação, qual é a dimensão dessa crise? É apenas mais uma das tantas que o capitalismo já produziu? O neoliberalismo foi derrotado? Miguel Urbano Rodrigues – Esta crise é estrutural, e não cíclica como as anteriores. Do sistema financeiro, alastrou para a economia real, e dos Estados Unidos, passou à Europa e à Ásia Oriental. Ela tende a agravar-se muito. E o seu desfecho é por ora imprevisível. Uma certeza: o neoliberalismo, glorificado como a ideologia definitiva que assinalaria “o fim da História”, fracassou. Hayek [Friedrich August von Hayek] é enterrado e Keynes [John Maynard Keynes] ressuscita. O senhor disse que se trata de uma crise estrutural. As medidas anunciadas até agora alteram a atual estrutura desse processo? Por ser uma crise estrutural, e não apenas cíclica como as anteriores – confirmando previsões de autores marxistas como Istvan Meszaros e Georges Labica –, as medidas tomadas pelos governos do G-8, transformados em bombeiros do capital, são apenas paliativos. A recuperação das bolsas e do dólar geram a ilusão de que tudo vai voltar rapidamente à normalidade, entendida esta como um reflorescimento do capitalismo sob um novo figurino. Tal convicção é enganadora. A economia real nos EUA, no Japão e na União Européia vai continuar a afundar-se em proporções no momento imprevisíveis. Os despedimentos maciços em dezenas de gigantescas transnacionais, os apelos angustiados dos grandes da indústria automóvel e aeronáutica à ajuda estatal e o encerramento de milhares de empresas ligadas à construção e ao comércio funcionam como espelho da gravidade e complexidade de uma crise de muito longa duração. O senhor acredita que os Estados Unidos, como

potência imperialista, saem derrotados dessa crise ou se fortalecem ainda mais? Os Estados Unidos, pólo hegemônico do sistema do capital, saem enfraquecidos. Mas enquanto o atual sistema monetário subsistir, com o dólar como moeda de referência mundial, os custos da crise serão distribuídos. Os Estados Unidos são o país mais endividado do mundo (a dívida já iguala o PIB do país). Mas o privilégio de emitir a moeda em que é faturado o petróleo – o produto-chave no comércio internacional – tem adiado um desfecho de bancarrota. Um sistema midiático perverso e desinformador, dominado no fundamental por grandes transnacionais estadunidenses, ocultou, por exemplo, que grande parte do chamado “resgate” de 700 bilhões de dólares será pago por países da Ásia, nomeadamente a China e o Japão, principais compradores dos Títulos emitidos pelo Tesouro dos Estados Unidos. Somente a China possui cerca de 1.300 bilhão de dólares em reservas e bônus do Tesouro. Se os trocassem por outras moedas, os EUA iriam à falência. Mas a China também, porque a sua economia depende muito das exportações para os Estados Unidos. Que avaliação o senhor faz das conseqüências desse cenário para a América Latina? No momento, a maioria das previsões sobre as conseqüências da crise para a América Latina são no fundamental do domínio da especulação. Mas essas conseqüências serão certamente graves. Os Estados Unidos são o principal mercado para as exportações da América Latina, em alguns casos com mais de 50%. No plano político, a estratégia de Washington terá de ser revista. É previsível uma redução da agressividade contra a Venezuela bolivariana e contra o governo de Evo Morales (Bolívia). As manobras conspirativas persistirão, mas a nova administração utilizará outra linguagem. Em todo o mundo, temos a impressão de que a classe trabalhadora está apenas assistindo a crise. O senhor compartilha da idéia de que vivemos um perído de descenso do movimento de massa e essa crise veio num momento muito ruim para os trabalhadores? É minha convicção de que, pelo contrário, as lutas sociais tendem a intensificar-se, sobre-

tudo nos países da União Europeia e nos Estados Unidos, porque os trabalhadores vão pagar a fatura maior da crise. O movimento de massas ganha amplitude na Europa. Por exemplo, no dia 8 de novembro, 120 mil professores (80% da categoria profissional) desfilaram em Lisboa, Portugal, protestando contra a política educacional do governo reacionário de Sócrates. Como em toda crise, há sempre saídas. As elites já estão tratando de encontrar suas saídas. Quais os rumos que a esquerda deve buscar? A situação é dilemática porque todas as saídas são, na aparência, más. A única alternativa para o capitalismo senil, que ameaça conduzir a humanidade ao abismo, é o socialismo. Mas o capitalismo não vai acabar em data próxima, e o socialismo é, por ora, aspiração distante. As tentativas orientadas para a humanização do capitalismo (como é o caso de governos como o Lula, no Brasil; os Kirchner, na Argentina; Tabaré, no Uruguai) são perversas, por enganarem o povo com a cumplicidade de forças e partidos progressistas. Vão fracassar. Grandes sofrimentos – essa é outra certeza – esperam a humanidade no futuro próximo. Sofrimentos que serão diferentes de continente para continente, de país para país, como diferentes serão as características da luta dos povos contra o sistema que continuará a impor-lhes a sua dominação. Nesses períodos de crise, quem paga a conta são sempre os trabalhadores. Teremos novamente de pagar a conta? O senhor acredita ser possível unir os proletários do mundo e encontrar saídas ou as soluções tendem a ser isoladas? A crise coloca os povos por ela atingidos, nomeadamente na Europa Ocidental, perante uma situação dilemática. A relação de forças, da Suécia à Itália, de Portugal à Grécia, não abre a possibilidade de que a crise atual desemboque em rupturas revolucionárias. Mas, simultaneamente, a transformação profunda das sociedades da União Européia, moldadas e oprimidas pelo capitalismo, não é possível pela via institucional, dita pacífica. A burguesia nunca entrega o poder sem uma confrontação final com as forças do progresso. Sejamos realistas. No caso português, fora do contexto de uma crise de proporções continentais, os partidos que representam o capital

Professores portugueses protestam contra política educacional

continuarão a vencer todas as eleições. A alternância no governo do PS e do PSD ilustra bem o controle que a classe dominante exerce sobre os mecanismos eleitorais da impropriamente chamada democracia representativa, que na prática funciona como ditadura da burguesia com máscara democrática. A crise do sistema financeiro mundial adquiriu as proporções de uma crise de civilização que atinge toda a humanidade. O seu desfecho é por ora imprevisível. A única certeza é a de que milhares de milhões de pessoas vão pagar a fatura da falência do capitalismo neoliberal e da ideologia a ele subjacente, enquanto os responsáveis pela crise pouco ou em nada serão afetados, no imediato, pelo naufrágio da monstruosa engrenagem por eles montada. Em momentos como estes, o que fazer? Lutar, lutar com energia redobrada. Não são apenas a falência do sistema financeiro mundial, a recessão que alastra nos países do G-7, o encerramento de milhares de empresas em dezenas de países, que iluminam a gravidade e a fragilidade da crise estrutural do capitalismo. O sistema do capital dispõe de uma força enorme. Mas não pode mais funcionar de acordo com a sua lógica. Os EUA, pólo e motor do sistema, estão envolvidos em duas guerras perdidas no Oriente Médio e na Ásia Central. Na América Latina, desenvolvem-se processos de ruptura com a dominação imperial. Na Ricardo Jorge Carvalho

Manifestação em Portugal: movimento de massas ganha força na Europa

Europa, anunciam-se num horizonte próximo grandes lutas inseparáveis das conseqüências da crise, que vai lançar milhões de trabalhadores no desemprego. No movimento da História, a maré da contestação ao sistema tende a subir. Da luta dos povos, da fusão do particular e do geral, do nacional e do universal, depende que essas lutas adquiram um carácter torrencial, assumindo com o tempo dimensão planetária numa atmosfera de internacionalismo dinamizado pelas organizações e partidos revolucionários. Como jornalista, como o senhor tem acompanhado a cobertura da mídia sobre a crise? O sistema midiático apresenta uma frente única na difusão da mentira, nas explicações falsas da crise e nos remédios propostos para resolvê-la, todos orientados para a preservação do capitalismo. No discurso de sociólogos, economistas, historiadores, ministros e parlamentares chamados à televisão para esclarecer a “massa ignorante” da população, o povo não aparece como personagem. Está ausente. Os porta-vozes e epígonos caseiros do grande capital, cúmplices do caos financeiro e social que alastra pelo mundo, desprezam os trabalhadores. O panorama social da crise não é iluminado pela mídia, porque isso seria perigoso para os senhores da finança. Nos Estados Unidos, Obama acaba de ganhar as eleições presidenciais. Como o senhor analisa essa vitória e o que pode mudar com o novo presidente? É positivo que o povo estadunidense tenha optado por Obama, um presidente negro, com um discurso muito diferente do de seu adversário republicano. Mas não participo da euforia gerada em nível mundial pela vitória de Barack Obama. É um grande orador e um político hábil e inteligente. Mas aparece-me também como o produto de uma gigantesca e milionária campanha de marketing eleitoral. Não esqueçamos que Obama foi o candidato da Finança, dos grandes grupos transnacionais. As suas primeiras iniciativas não justificam o entusiasmo que por aí vai. Para chefe de gabinete na Casa Branca, designou já

um falcão, sionista, ex-voluntário na guerra do Golfo, um belicista inflamado. Obama afirma pretender “ganhar” a guerra do Afeganistão, defende uma política agressiva contra o Irã, afirma que manterá o bloqueio a Cuba. O vice Joe Binden antecipou uma evidência ao afirmar que as primeiras medidas do futuro presidente serão “muito impopulares”. Alguns dos assessores são republicanos de direita e clintonianos conservadores. A designação de Madeleine Albright como sua representante na Conferência dos 20 (G-20) é inquietante. Temo que Obama seja uma grande decepção para a humanidade progressista. João Peschanski

Quem é Miguel Urbano Tavares Rodrigues é jornalista e escritor português. Redator e chefe de redação de jornais em Portugal antes de se exilar no Brasil, onde foi editorialista principal do jornal O Estado de S. Paulo e editor internacional da revista brasileira Visão. Regressado a Portugal, após a Revolução dos Cravos, foi chefe de redação do jornal do Partido Comunista Português (PCP) Avante!, e diretor de O Diário. Foi ainda assistente de História Contemporânea na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, presidente da Assembléia Municipal de Moura, deputado da Assembléia da República pelo PCP entre 1990 e 1995 e deputado da Assembléias Parlamentares do Conselho da Europa e da União da Europa Ocidental, tendo sido membro da comissão política desta última. Tem colaborações publicadas em jornais e revistas de duas dezenas de países da América Latina e da Europa e é autor de mais de uma dezena de livros publicados em Portugal e no Brasil.


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áfrica Augusto Juncal

As cores da África-Brasil CRÔNICA Pedi dois copos. Enchi o meu de cerveja e deixei o outro vazio junto à garrafa. Não demorou muito para que um jovem se aproximasse da minha mesa Augusto Juncal ATRAVESSANDO uma ponte sobre um esgoto, cruzando uma larga avenida confusa de carro e de gente, sob um sol quente que nuvem nenhuma amenizava, do outro lado da avenida eu avistei o começo de Thokozo. Só mesmo um olhar atento, de corte de navalha, para delinear com clareza cirúrgica, e de claridade de céu africano, a confusão da avenida que passava paralela à Thokozo, e a própria confusão do township aglomerada na sua porta de entrada. Sua porta de entrada era um imenso portão metafísico que sinalizava: você está entrando no township de Thokozo. Talvez seja bem-vindo. Talvez não. Depende de quem você seja e do que você quer aqui. Nesse twonship não há pacotes turísticos. Se é isso que você procura, dirija-se a Soweto. Hambakahle. Township, uma intradução. Uma condição humana materializada em... bairro? aglomeração? gueto? favela? periferia? cidade-satélite? campo de concentração? De quem? Dos brancos? Dos capitalistas? Dos brancos e capitalistas? Dos negros e capitalistas? De quem? Township é uma intradução porque é cidade-satélite, é periferia, é favela, é gueto, é holocausto. E se é preciso buscar as causas, as conseqüências estão ali. Sem esforço nenhum para a percepção. Mesmo para as mais embotadas. Passei por aquele imenso portão, portão para iniciados, com a segurança de quem está com o passaporte carimbado com visto de entrada. Sibusiso era meu passaporte com visto de entrada. Negro e morador local. Com ele entrei. Havia outros motivos, outras razões para minha segurança. Uma confiança em algo que havia em mim, que naquele momento me era obscuro. E que ainda não tenho identificado. Que ainda é negativo de foto não revelada. Quando entramos em Thokozo, havia muita música. Vários bares, várias músicas. Em um deles identifiquei Zola. Noutro, Hip Hop Pantsula. Tuks. E em outro, o gospel da Rebecca. Pensei no Brasil. Vivemos num país onde a mídia tenta banalizar todas as coisas: a po-

lítica, a sensualidade, a sexualidade, o afeto, os sentidos diários da vida. Einstein explica De São Paulo a Johannesburg, tudo me pareceu a mesma realidade reproduzido-se a si mesma. Mas os townships eram novas realidades que começava a conhecer. Estava em Thokozo, e, incrível, estava em Guaianazes. Poderia estar. Como sou do muito pequeno e seleto grupo que sai da universidade contemporâneo de Einstein, e não mais de Newton, aceitei sem problemas a possibilidade de meu corpo único ocupar dois espaços ao mesmo tempo. Mas claro, nada se repete. Nem o Sol, nem a miséria. Todas as misérias são una, e são, cada uma, uma. Debaixo daquele Sol e diante daquela expressão da pobreza, eu me perguntei: “Como é possível uma militância política divorciada dos códigos simbólicos, presentes todo o tempo nos cotidianos?”. A vivência nos centros e nos bairros periféricos de nossas cidades, debaixo dos viadutos e dentro de guetos, revelam-me imagens que antes eu nunca vi. Não poderia ver. Imagens do abandono e da fome que transcendem o corpo físico e o texto específico dos atores. Será que a questão é só a falta de dinheiro ou de trabalho? Será que são esses itens que movem um povo a revolucionar sociedades como as nossas? Penso que a exclusão social, se é que posso usar essa expressão sem a explicar, sugere outras condições humanas, que estão dentro dos sentimentos, dos gestos, do ser e estar na vida desprovida. Estes contatos diários com o lixo, os cheiros que exalam dos esgotos, a angústia da sobrevivência, os medos de não amanhecer, enfim... parecem inscrever formas de sentir no mundo não só desprovido, mas sem qualquer alento, sem qualquer esperança. A única maneira de estar vivo é na alegria, na criatividade da alegria... e aí a mídia pega pesado... e de todos os lados. Por que vamos acreditar na contaminação se a nós é dado perceber um cotidiano de modo subjetivo? E a maioria dos militantes de esquerda? ... Que tão-pouco se conhecem a

Crianças brincam em rua de township

Passei por aquele imenso portão, portão para iniciados, com a segurança de quem está com o passaporte carimbado com visto de entrada. Sibusiso era meu passaporte com visto de entrada. Negro e morador local. Com ele entrei

si mesmos? Pouco se miram ou fingem em si (sem o saber) um outro personagem, fora, externo ao seu, para explicar, para representar, uma condição que nem sempre “conhece”, ou não a sente...de um Outro?...Talvez por esta razão estejam cansados, ausentes, entregues. Meandros próprios Vou me aprofundando ruas adentro e vou pensando: “Quem vive em São Paulo pode viver em qualquer cidade do mundo”. Inverdade! “Quem anda com uma certa segurança de si em Capão Redondo, Jardim Elba, Glicério e Gato Preto não tem porque temer as ruas de Johannesburg. Nem as dos townships.” Inverdade! Os acúmulos da miséria têm meandros próprios de culturas e materialização local que uma mente forasteira pode não perceber. Não sentir.

Em São Paulo, a pobreza faz privado um espaço que é público. Sempre que passo muito próximo a um morador de rua, tenho a desconcertante impressão de que estou entrando numa casa sem ser convidado. Mas eu, ali, em Thokozo, queria fazer público um espaço que era privado. Queria fazer minhas as ruas para as quais eu era estranho. E, pior que estranho, um branco para eles. Thokozo e todos os townships de África do Sul eram dos negros. Deles somente. Eram espaços privados. E eu queria me apropriar deles. Não. Na verdade, queria ser apropriado por eles. Manifestei meu desejo por uma cerveja bem gelada. Sibusiso me deixou na casa de sua irmã. Uma irmã de pouco e curto inglês. O inglês era uma condição socioeducacional. Às vezes, tinha a impressão de que entendia o que ela me falava em zulu. E respondia. Muitas vezes, acertei na reposta. Uma cerveja, please Meu amigo me deixou em casa e foi visitar uma velha tia. Quis ficar e quis tomar cerveja. “Você não pode sair só. Se quiser tomar uma cerveja, minha irmã vai com você. Você compra e volta para beber aqui em casa. Não quero que você sofra nenhuma agressão verbal. Ou mesmo física.” Disse e foi na direção da casa de sua tia, sua irmã foi arrumar o quarto em que eu ia dormir, e eu fugi para o barzinho mais próximo. Andei por duas, três ruas, seguido por olhares que não soube identificar. Mapeei quatro ou cinco botecos. Escolhi o mais cheio de pessoas e de música. Entrei. Pedi uma Castle no balcão. Um balcão protegido por grades. Todos os bares eram as-

sim: te serviam por trás de grades. Apenas um espaço aberto para a passagem do dinheiro e da cerveja. “Uma Castle, please.” Não tinha. “Heineken? No. Eu quero south african beer.” “Ah! Hansa.” “South african?”, perguntei. “South african.” “Ok. Hansa.”, então. Ele trouxe, me cobrou e eu pedi dois copos. “Ngiyabonga”, agradeci dizendo obrigado em zulu. Ele respondeu e sorriu. Me sentei, enchi o meu copo e deixei o outro vazio junto à garrafa. Não demorou muito para que um jovem se aproximasse da minha mesa. De pé, com seu copo de cerveja na mão, falou pra mim. Eu não entendi. Mas vi a agressividade do seu tom, e seus olhos quase imóveis, fixos sobre mim. O rapaz do balcão intercedeu falando alguma coisa que também me escapou dos sentidos. Senti que chamava o outro à atenção. O rapaz à minha frente respondeu pra ele, e tornou a me falar. Todos no bar olhavam. Posso ter um problema sério agora, pensei enquanto mantinha meu olhar firme no olho do rapaz. “Igama Iami ngu Augusto. Ngubami igama lakho?” (Meu nome é Augusto. Qual o seu?). Senti um vacilo de confusão no olhar. Não dei tempo e estendi a mão, dizendo: “Unjani?” (Como você está?). Seu olhar era menos inquisidor, e até vislumbrei, com um pouco de esforço, um sorriso zulu no fundo de suas pupilas negras, para as quais eu olhava intensamente. Sem me responder e sem me estender a mão, perguntou: “Uphumaphi?” (De onde você é?). “Brasil”. E ele falou mais. Mas minha cota de zulu tinha acabado. Tinha na manga apenas mais uma frase para uma urgência e fui logo desembolsando ela: “Ngisagala ukufunda isiZulu. I speak isiPor-

Theatrum Belli

A guerra (provocada e) esquecida do Congo ARTIGO Conflito no país da África Central, que já foi chamado de Zaire, tem origem na política do “desunir para explorar melhor” Antonio Caubi Ribeiro Tupinambá A República Democrática do Congo, ex-Congo belga ou Zaire, país situado na África Central, já viveu dias melhores, quando seus habitantes se integravam a sua rica natureza e havia acordos de convivência entre clãs e tribos. Há muito esse quadro foi substituído por acirrados conflitos intertribais, resultantes dos erros de uma colonização européia e de ingerências pós-coloniais desastrosas, que pregavam a discórdia, numa política do “desunir para explorar melhor”. O resultado foi o acirramento de diferenças e de intolerância, gerando uma busca de domínio e superioridade entre as tribos locais. Essas divergências são hoje acentuadas por um constante

Sabe-se que o leste do país guarda recursos naturais que levam a uma disputa de controle pelos grupos que lideram os combates. As cerca de 200 etnias distintas que co-habitam o país atendem a grupos que buscam o controle de zonas onde há tal riqueza mineral abundante vai-e-vem de grupos oriundos de tribos diversas nas fronteiras delineadas, artificialmente, pelos colonizadores. Tratam-se de grupos que pertencem, muitas vezes, a países vizinhos, a exemplo dos tutsi e hutu, cuja história de guerras e genocídio entrou para o rol de catástrofes deste século.

O conflito atual no Congo não se descolou das tensões étnicas posteriores ao genocídio de Ruanda, em 1994, mas se somou às intermináveis guerras civis originadas no próprio solo congolês. O povo tutsi não se livrou de um ciclo de perseguição, mas também se tornou algoz quan-

Rebeldes congoleses na região de Kivu

do confrontado pelos inimigos hutus em fuga. Assim, os líderes das campanhas locais justificam que suas incursões bélicas devem proteger a comunidade tutsi dos ataques de rebeldes hutus, acusados de serem os remanescentes do genocídio de Ruanda que se refugiaram no Congo. Denúncias de ligação do Exército congolês com essas guerrilhas agravam a situação. Riqueza Há outros interesses em jogo na região do conflito, especialmente de natureza econômica, que explicam sua origem

e motivação. Sabe-se que o leste do país guarda recursos naturais que levam a uma disputa de controle pelos grupos que lideram os combates. As cerca de 200 etnias distintas que co-habitam o país atendem a grupos que buscam o controle de zonas onde há tal riqueza mineral abundante. Diamantes, ouro, petróleo, urânio e, ultimamente, a columbita e a tantalita, de onde se extrai matéria-prima utilizada em novas tecnologias, acirram as disputas locais. O conflito atual atravessa fronteiras nacionais e se instala entre o Congo e Ruanda. Depois

tuguese and isiEnglish.” (Apenas comecei a aprender zulu. Falo português e inglês). Soltei meu melhor sorriso. Agora sim, seu olhar tinha vacilado bastante. Era a hora do golpe final: “I don’t undersand what you said. But if you are inviting me to drink a beer with you, let me invite you to drink a beer with me” (Não entendi o que você falou, mas se você me estiver convidando com uma cerveja, deixa eu convidar você com uma). Enchi o copo vazio, que aguardava sua hora. Ele recebeu o copo. “Brasil? Ronaldinho!”. Bati a mão no peito da camisa que vestia e disse: “Ronaldinho no! Corinthians!”. E aqui começou uma amizade construída a partir da desconfiança e em segundos. Tinha agora um novo carimbo no meu passaporte: “Augusto, Igama Iami ngu Bhekithemba”. Disse e me estendeu sua mão imensamente negra. Estendi-lhe, outra vez, minha mão marrom. Da cor do apartheid do meu país. Augusto Juncal é integrante da torcida organizada Gaviões da Fiel e do Coletivo de Projetos Internacionais do MST.

Para entender Township – Durante o apartheid racial da África do Sul, townships eram cidades-dormitório da periferia onde moravam negros e negras. Para ir trabalhar nas grandes cidades, precisavam “passe”. Com o fim do apartheid racial, permaneceu o apartheid econômico e social. Hoje as negras e os negros pobres continuam a viver nos townships. Zola, Hip Hop Pantsula, Tuks e Rebecca – Músicos sul-africanos.

de várias acusações dos dois lados, seus mandatários concordaram em trabalhar, conjuntamente, na busca de um acordo de trégua mediado pelas Organização das Nações Unidas (ONU) e pela União Africana. Um dos maiores desafios será convencer ao chefe das milícias rebeldes de origem tutsi a respeitar o governo congolês, já desacreditado por conta das acusações que pesam sobre ele, de colaboracionismo com a reedição da perseguição aos tutsi em solo local. Um coquetel explosivo, cujos ingredientes são formados por ódios étnicos históricos e interesses econômicos, convertendo a região num campo de batalha com pouca chance de trégua, tendo em vista o pouco interesse dos chefes locais e da fraca diplomacia internacional de alcançá-la. Ainda que o ano de 2002 tenha testemunhado alguns acordos de paz que puseram fim aos quatro anos de uma sangrenta guerra civil naquela região, hoje se vê a repetição de um embate semelhante e sem um fim anunciado. Antonio Caubi Ribeiro Tupinambá é professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC).


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