Edição 307 - de 15 a 21 de janeiro de 2009

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Circulação Nacional

Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 6 • Número 307

São Paulo, de 15 a 21 de janeiro de 2009

R$ 2,50 www.brasildefato.com.br

Divulgação

Povos condenam terror de Israel e exigem paz Desde o início deste ano, manifestações de rua vêm acontecendo em diversas partes do mundo para condenar os ataques que Israel promove na Faixa de Gaza. Até o 18º dia da ofensiva, 919 pessoas morreram. Diversos governos também expressam seu repúdio ao belicismo israelense. O Conselho de Direitos Humanos

das Nações Unidas “condenou duramente” os ataques, apontando “violações massivas dos direitos humanos do povo palestino”. No Brasil, movimentos defendem um boicote às empresas israelenses e a revogação do acordo de livre comércio entre o Mercosul e o governo de Jerusalém. Págs. 2, 8 a 12 Maurício Scerni

Maior movimento social do país completa 25 anos Entre os dias 20 e 24, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) irá comemorar 25 anos de existência, durante encontro nacional, em Sarandi (RS). “Quando criamos o MST, em janeiro de 1984, um general, João Figueiredo, CMI Brasil

governava o Brasil juntamente com as oligarquias. Hoje, temos um operário na presidência que governa de mãos dadas com o agronegócio e com os interesses do capital”, avalia Ademar Bogo, da coordenação nacional do MST. Págs. 4 e 5 Marcello Casal Jr/ABr

Manifestação no Rio de Janeiro, dia 8, contra o terrorismo associa suástica nazista a bandeira de Israel

Os riscos e oportunidades da atual crise econômica Battisti e Tarso Genro

Ministro Tarso Genro aprova refúgio do escritor italiano Cesare Battisti Em nota divulgada na noite da terça-feira, 13 de janeiro, o Ministério da Justiça anunciou que o ministro da Justiça, Tarso Genro, decidiu pela concessão de refúgio humanitário ao escritor italiano Cesare Battisti, de 52 anos, que se encontrava preso na Penitenciária do Distrito Federal desde 18 de março de 2007. De acordo com a nota, o ministro Tarso Genro “decidiu pela concessão de refúgio (...) por entender que existe o elemento de ‘fundado temor de perseguição’. O voto foi proferido (...) depois de analisados os argumentos do recurso impetrado contra a negativa do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), em novembro passado”. Na Itália, Battisti foi condenado à pena de prisão perpétua por duas sentenças. No pedido de extradição, a Itália alega quatro homicí-

dios que teria cometido entre 1977 e 1979. No voto – diz a nota – o ministro apoia-se no Estatuto dos Refugiados (1951) e na Lei nº 9.474 (1997), “que prevê como motivo de refúgio ‘fundado temor de perseguição por motivos de raça (...) ou opinião política’. Segundo ele, a Itália reconhece a conotação política, uma vez que na sentença de Battisti consta o crime de associação subversiva, ‘com a finalidade de subverter o sistema econômico e social do país’”. Os homicídios imputados a Battisti aconteceram num período em que o Estado italiano havia criado normas jurídicas de exceção. (Mais sobre o caso Battisti em nossa página na internet: artigo de Rui Martins, edição 303 – pág. 8. Leiam também a íntegra do voto do ministro Genro).

O empresariado vai tentar por na conta dos trabalhadores a crise econômica mundial. Para isso, usará as demissões como instrumento de pressão para flexibilizar direitos e preservar os lucros. A análise é de Ricardo Antunes, professor de Sociologia do Trabalho da Unicamp. Para resistir, a classe trabalhadora deve atuar de modo organizado, pautando uma discussão de projeto. Pág. 7

FSM: o mundo deve ouvir a Amazônia, não o inverso O 9º Fórum Social Mundial, marcado para ocorrer entre 27 de janeiro e 1º de fevereiro, será realizado em Belém, no Pará. No entanto, a edição do evento não deve ser chamada de “brasileira”, já que a capital paraense foi escolhida para representar a PanAmazônia, não o Brasil. O FSM 2009 terá um dia (28) integralmente dedicado aos debates sobre a região. Para os organizadores, a escolha da Amazônia como sede explicitará os limi-

AFOGANDO EM NÚMEROS Até o

18º dia da ofensiva, Israel havia

matado 919 palestinos na Faixa de Gaza. A proporção é de

1 vítima para cada

1.612 habitantes da região, que tem uma população de 1.481.000. Proporcionalmente é como se tivessem sido assassinados ISSN 1978-5134

6.820 paulistanos ou 117.891 brasileiros.

tes do sistema capitalista, já que na região podem ser vistos os maiores impactos desse modelo, com a devastação ambiental. Pág. 3

Veracel perde quatro licenças ambientais no sul da Bahia O Conselho Municipal de Desenvolvimento e Defesa Ambiental e Urbana do município de Eunápolis, no sul da Bahia, cancelou quatro licenças ambientais da empresa de celulose Veracel. Para o promotor Dinalmari Messias, as autorizações eram fraudulentas, já que foram resultado de uma reunião manipulada pela empresa, contando com a atuação de funcionários públicos. Pág. 6


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editorial “MUITAS crianças palestinas estão morrendo. E quase nenhuma criança israelense foi morta. Por quê? Porque cuidamos das nossas crianças.” Não, decididamente não se trata de uma explicação dada por qualquer déspota sanguinário bíblico, para justificar suas carnificinas sem limites. Até aqui, imaginávamos que, no mundo contemporâneo, uma declaração tão cruel e cínica só seria possível partir da mente torpe e da boca imunda dos generais do senhor Fürher (Adolph Hitler), referindo-se às milhares de crianças judias, ciganas, ou filhas de comunistas, socialistas, ou de qualquer combatente das resistências antinazistas dos diversos países europeus ocupados pelas tropas alemãs durante a 2ª Guerra Mundial No entanto, são apenas as singelas palavras do presidente de Israel, senhor Shimon Peres, que dividiu, em 1994, com os senhores Yasser Arafat e Yitzhak Rabin, o Prêmio Nobel da Paz, pela assinatura dos Acordos de Paz de Oslo. E é por causa dessa declaração do presidente de Israel que já teve início um movimento internacional pela cassação do pêmio recebido. O senhor Peres, eleito presidente em 2007 pelo Kadima (de centro)

debate

Pela paz em Gaza foi primeiro-ministro nos períodos 1984-1986 e 1995-1996, pelo Likud (União, que reúne a direita liberal, nacionalista e conservadora – extrema direita). O fato é que, quando fechávamos esta edição (13 de janeiro), já eram cerca de 250 crianças palestinas mortas – o que deve ser pensado no contexto de uma região cujas dimensões territoriais, número de população e densidade demográfica são equivalentes às do município de Guarulhos, em São Paulo: 1,5 milhões de habitantes, distribuídos numa área de 360 km². Ou seja, 4.160 habitante por km². Não se trata de um problema de um povo, de uma religião, de uma etnia, mas de políticas de governos Obviamente as políticas agressivas e belicistas levadas a cabo por sucessivos governos de Israel jamais foram consenso sequer entre os israelenses e, menos ainda, entre as comunidades israelitas dos diversos países. Neste sentido, vale lembrar as intervenções e posicionamentos públicos

da militante revolucionária brasileira Iara Iavelberg, de origem judaica, durante a Guerra dos 6 Dias (junho de 1967). Sua radicalidade na crítica aos governantes e à própria existência do Estado de Israel lhe valeram diversas agressões verbais por parte de líderes da comunidade judaica paulista àquela época. Há quem argumente que as dificuldades criadas por autoridades religiosas judaicas de São Paulo para o seu sepultamento normal em cemitério israelita (quando foi assassinada em 20/8/1971, em Salvador-BA) deveu-se menos à versão de suicídio, difundida pelos órgãos da repressão da ditadura brasileira, e muito mais a uma anterior predisposição de alguns setores da colônia pelas posições que assumira publicamente em 1967. Os israelenses de esquerda, pacifistas e progressistas em geral, ainda que minoritários, sempre mantiveram suas organizações e manifestaram sua indignação e repúdio às campanhas belicistas dos dirigentes políticos do país. Igualmente, mundo afora, israelitas e suas comunidades jamais tiveram uma posição consensual a respeito dessas políticas.

Assim também sempre se posicionaram cidadãos e cidadãs não israelitas dos diversos países, em geral tendo como Norte a paz internacional e a solidariedade entre os povos, pressionando seus governos no sentido de conter o expansionismo das autoridades políticas de Israel (ler pág. 11).

Israel conhece pela primeira vez o isolamento Desta vez, porém, não apenas essas manifestações contra a guerra se ampliaram vertiginosamente em todo o mundo (ler págs. 11 e 12), como também, internacionalmente, em nível de governos, Israel jamais esteve tão isolado. A rigor, apesar do cruel bloqueio econômico a que se encontra submetida Gaza há 19 meses, o único incondicional aliado do Governo de Jerusalém, neste momento, parecem ser os Estados Unidos. Nenhuma novidade. O problema para os governantes dos países ocidentais – especialmente do hemisfério Norte –, além das pressões que vêm sofrendo dos seus povos por causa da desmedida

crônica

Beto Almeida

Palestina: por que não enviar tropas de paz da ONU? A PARTIR da posição emitida pelo presidente Lula em ato público no dia 30 de dezembro, em Recife, declarando que “a ONU não tem coragem de intervir no conflito de Gaza porque não quer enfrentar os EUA”, tornou-se mais evidente a percepção de que há conflitos de várias dimensões ou de várias categorias ceifando vidas mundo afora. Em inúmeros outros conflitos registrou-se a intervenção de tropas de paz da Organização da Nações Unidas (ONU), os famosos capacetes azuis, mesmo que nem sempre essas intervenções tenham alcançado imediatamente o seu objetivo, mas, em muitos casos, permitiram condições que facilitassem a solução negociada e pacífica desses conflitos. Para o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que já presidiu a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, o governo brasileiro deveria tentar convencer as partes envolvidas da necessidade do envio de tropas de paz para o Oriente Médio. “Por que não não colocar soldados da ONU para preservar as fronteiras reconhecidas pelas resoluções da entidade, ainda que sejam as fronteiras provisórias?”, indaga, lembrando que ali mesmo, na região do Sinai, já houve a presença dos capacetes azuis, incluindo tropas brasileiras, que hoje encontramse no Haiti, mas já estiveram em Angola, na Iugoslávia, detendo as ações armadas até que fossem encontradas soluções definitivas no campo diplomático. O senador trabalhista tem avaliação positiva sobre as ações adotadas pela política externa brasileira relativas ao conflito, mas lembra que há outras iniciativas a serem adotadas. Cita, por exemplo, o acordo firmado entre o Mercosul e Israel, que, segundo ele, é bem mais favorável a Israel do que o acordo firmado entre este país e a União Europeia (UE), que não inclui nas relações comerciais os produtos fabricados nas regiões ocupadas por Israel que são de direito do povo palestino, conforme as resoluções da ONU que preconizam o estabelecimento de dois estados naquela área. Cristovam entende que esse acordo firmado pelo Mercosul com Israel constitui um erro que contradiz as próprias resoluções da ONU e que, segundo ele, pode perfeitamente ser corrigido tomando em consideração os critérios usados pela UE, que respeitam as resoluções da ONU. O Embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim El Zebem, em entrevista concedida à TV Comunitária de Brasília, enfatizou que não existe guerra em Gaza, e sim um genocídio. “Guerra é quando

e vergonhosa violência desencadeada pelo governo Shimon Peres, é que, mais do que nunca, contam com os barris de petróleo dos países da região. Nesse quadro internacional, convém frisar que a posição do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem demonstrado extrema independência com relação à Casa Branca e grande firmeza no rumo escolhido. Além de condenar e entender a operação desencadeada por Jerusalém como “Terror de Estado”, seu ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, vem desenvolvendo grande atividade diplomática no sentido da paz. Além disso, apesar de todas as dificuldades, como o refluxo dos movimentos e organizações dos trabalhadores e do povo; a desmobilização da sociedade brasileira neste período do ano; a pouca tradição do nosso povo no que diz respeito às campanhas de solidariedade internacional, significativas manifestações vêm ocorrendo em diversas capitais do nosso país, como, por exemplo, em São Paulo onde, no domingo 11 de janeiro, cerca de 7 mil pessoas saíram às ruas para condenar o governo de Israel e exigir a paz imediata em Gaza (sobre Gaza, págs. 8 a 12).

Arte sobre foto de Maurício Scerni

existe enfrentamento de dois estados, dois exércitos. Ali só há um Estado e um exército, enquanto o povo palestino não dispõe nem de seu Estado nem de exército”. Zebem avaliou como muito acertadas as iniciativas do governo brasileiro, que em nota oficial condenou o uso desproporcional da força e deplorou a incursão terrestre quando todo os países do mundo estavam apelando para o cessar-fogo. Para ele, o presidente Lula acertou quando afirmou que “de um lado estão os palestinos, com um palito de fósforo, e do outro, os israelenses, com um arsenal dos mais poderosos do mundo, inclusive atômico”. O embaixador entende que hoje a causa palestina é cada vez mais conhecida em todo o mundo, especialmente na América Latina, sobretudo pela nova realidade política de governos progressistas e populares da região. De fato, confirmando a análise do representante palestino, há poucos dias o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, expulsou o embaixador sionista em Caracas e denunciou que no golpe de Estado de abril de 2002 a embaixada israelense conclamava o povo venezuelano a derrubar o governo constitucionalmente eleito. Mesmo assim, Zebem denunciou que alguns países sul-americanos estão comprando armamentos israelenses, incluindo aviões sem pilotos, reservando-se ao direito de não informar que países seriam estes. “Israel está fazendo uma demonstração macabra de sua indústria bélica”, declarou, acrescentando que é exatamente em função do complexo militarindustrial, sobretudo o estadunidense, que se torna praticamente impossível alterar a posição dos EUA de vetar toda e qualquer resolução da ONU que tente parar os crimes cometidos pelo Estado israelense. Zebem também destacou existir uma fortíssima vincu-

lação entre a indústria bélica e os conglomerados de comunicação privados internacionais, que sempre atuam em favor das posições israelenses. Enquanto praticamente todos os países apelam para um imediato cessar-fogo, para o levantamento do bloqueio israelense à Faixa de Gaza e pelo cumprimento das Resoluções da ONU, especialmente pelo reconhecimento do direito ao Estado Palestino independente e autônomo, o encarregado de negócios da Embaixada de Israel no Brasil afirmava que o Hamas é um grupo que não pode ser reconhecido, dando a entender que a ação militar destina-se a depor o governo do Hamas, que foi eleito pelo voto direto dos palestinos. De fato, em nenhum documento oficial do governo israelense aparece o reconhecimento territorial histórico dos palestinos tal como deliberado pela ONU quando da criação do Estado de Israel. Encurralados em uma exígua faixa territorial do tamanho similar ao município de Guarulhos ou 16 vezes menor que o Distrito Federal, mas com uma população de 1,5 milhão de habitantes, os palestinos governados pelo Hamas se veem numa situação de um gueto, tal como a vivida pelos judeus encurralados pelos nazistas no Gueto de Varsóvia, na 2ª Guerra, com uma enorme e trágica diferença: enquanto o Gueto de Varsóvia não foi bombardeado, a Faixa de Gaza vem sendo submetida a bombardeios indiscriminados, o que, numa densidade populacional tão alta, significa bombardeio generalizado de população civil, com grande matança de crianças, inclusive a partir de armas condenadas pelas Convenções de Genebra, como as bombas de fósforo. Assim, podem ser notadas enormes discordâncias entre as posições assumidas pelo Brasil e aquelas emitidas por Israel para

justificar essa bárbara ação que não pode ser tipificada como uma guerra; especialmente a partir da posição brasileira apresentada pelo chanceler Amorim em viagem a diversos países do Oriente Médio, inclusive a Israel, reivindicando a inclusão do Hamas nas negociações oficiais. Os documentos oficiais israelenses afirmam ainda que suas ações militares não visam apenas a questão palestina, mas também atingir o Irã. De fato, transpirou em setores da imprensa endinheirada estadunidense – em boa medida sob controle estrito do setor financeiro, que tem forte presença sionista – que Israel teria solicitado ao governo Bush autorização para atacar também as instalações nucleares iranianas, tendo recebido um desencorajamento por parte do governo, que termina seu mandato como um dos mais impopulares da história política dos EUA. Além disso, mais do que por prudência ou por sensatez – aliás, o governo Bush demonstrou não ter nenhuma coisa nem outra – vale destacar o posicionamento político e militar da Rússia, cada vez mais presente em temas estratégicos internacionais. O presidente russo, Dmitry Medvedev, além de enviar substantiva ajuda humanitária para a Faixa de Gaza, gesto que foi acompanhado pelo Brasil e pela Venezuela, determinou a instalação de mísseis e antimísseis de última geração no Irã, atitude que foi avaliada pelos especialistas militares de várias posições ideológicas como de grande alcance, lembrando que, se a Iugoslávia tivesse estas armas na década de 1990, não teria sido submetida ao descomunal bombardeio da Otan, que destruiu boa parte de sua capacidade militar e sua infraestrutura. Esses movimentos significativos no tabuleiro de xadrez mundial indicam que Israel, ainda que tenha a criminosa sustentação dos EUA, está cada vez mais isolado, ao passo que a aproximação de países como Rússia, China e Brasil do Irã – que agora também decidiu integrar a Alba – parece configurar um novo grupo, que atua com razoável sintonia e identidade, mesmo preservando suas diferenças políticas. Essa polarização deve ser valorizada e apoiada pelas forças progressistas dos diversos países, pois representam uma política de isolamento dos EUA e de Israel, e uma maior cooperação entre países e povos que estão preconizando um novo equilíbrio e novo desenho no mapa político internacional. Beto Almeida é jornalista e membro do Conselho Político do Brasil de Fato.

Alipio Freire

Para quando falarmos das guerras Em solidariedade ao povo palestino e a todos os povos que vivem em Gaza Quando falarmos das guerras sejamos contidos A simples emoção apenas ampliará os conflitos. Quando falarmos das guerras baixemos o tom milhões de filhos de trabalhadores e do povo morrem nas trincheiras por uma causa que não é sua. Quando falarmos das guerras falemos com recato Para não acordarmos os meninos que dormem nas frentes de batalha. Respeitemos seu último sono. Quando falarmos das guerras falemos com todo respeito Para transformarmos o desespero de mães, viúvas e órfãos em gritos de paz. Quando falarmos das guerras não esqueçamos que o inimigo é a guerra Nossos companheiros são os povos. Quando falarmos das guerras falemos da igualdade entre os homens Comecemos por apagar as fronteiras. Quando falarmos das guerras Lembremos do rufião que as promove O capital. Quando falarmos das guerras Lembremos que só existe uma trincheira legítima A dos que se negam a combater. Quando falarmos das guerras saquemos nossa melhor arma A bandeira da paz e do socialismo. Falar das guerras é o avesso de falarmos da Revolução Embora nossos companheiros e palavras-de-ordem sejam sempre os mesmos Os povos, a paz e o socialismo. Alipio Freire é jornalista, escritor e membro do Conselho Editorial do Brasil de Fato.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Marcelo Netto Rodrigues, Luís Brasilino • Subeditora: Tatiana Merlino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Igor Ojeda, Mayrá Lima, Patrícia Benvenuti, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, • Assistente de Redação: Michelle Amaral • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Antonio David, César Sanson, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, João Pedro Baresi, Kenarik Boujikian Felippe, Luiz Antonio Magalhães, Luiz Bassegio, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Milton Viário, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Temístocles Marcelos, Valério Arcary, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar: (11) 2131-0800


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Com derrocada do neoliberalismo, FSM deve apresentar perfil anticapitalista BELÉM 2009 Para membros da organização, principal desafio é relacionar crise financeira com danos ao meio ambiente Renato Godoy de Toledo da Redação ENTRE 27 de janeiro e 1º de fevereiro, mais de 4 mil entidades de cerca de 150 países devem promover discussões com o intuito de formular alternativas ao livre comércio, às formas de produção poluentes e, por fim, fomentar a ideia de uma nova sociedade. Esse último objetivo, aliás, tornou-se ainda mais premente com a exposição dos limites do capitalismo, com a decorrência da crise financeira mundial que teve seu estopim em 2008 e ainda não dá sinais de quando deve terminar. O principal desafio da 9ª edição do Fórum Social Mundial, que será realizado pela primeira vez em Belém (PA), é relacionar os debates acerca dos modelos de produção com impactos ambientais e climáticos reduzidos com a necessidade de transformação radical do sistema econômico e social.

“Desde 2001, o Fórum já apontava que o modelo econômico era insustentável, pois fortalece e aprofunda as desigualdades e destrói o meio ambiente. Portanto, o FSM já fazia uma crítica sistêmica”, diz Moema Valarelli, do Ibase Para isso, a capital paraense, porta de entrada da Amazônia, apresenta um cenário que contribui para tais reflexões, já que nessa região os limites do sistema estão expostos, com a devastação ambiental promovida pela busca do lucro – grosso modo, o objetivo máximo do capitalismo. Também se torna simbólico o fato de 27% da região serem compostos por territórios indígenas, com 522 povos de diferentes etnias. De acordo com a organização, a participação indígena nessa edição deve ser a maior da história do FSM, com cerca de 3 mil representantes (leia matéria a0 lado). Fim do neoliberalismo

Entre duas ativistas da organização do FSM, atuantes desde a primeira edição, há uma opinião de que a edição panamazônica pode representar um salto qualitativo em termos políticos. “Desde a primeira edição [em 2001], conseguimos que o Fórum tivesse um perfil anti-Davos [sede do Fórum Econômico Mundial]. Conseguimos mostrar ao mundo que havia uma voz que discordava do pensamento único. O Fórum teve uma primeira edição forte, acompanhando o ascenso do movimento global, que teve seu ápice em Seattle [em 1999, em atos contra a OMC]. No entan-

to, o 11 de setembro de 2001 foi uma rasteira muito grande nesse movimento, que apresentou um refluxo. Mas o Fórum mostrou muito dinamismo e deu a volta por cima”, avalia Fátima Melo, diretora da Fase, entidade que integra o Fórum Social Mundial. Na análise de Melo, os esforços dos movimentos sociais aglutinados no Fórum obtiveram resultados importantes, como a eleição de governos progressistas na América Latina. “O Evo Morales é claramente um resultado político do Fórum. Agora, há um grande desafio colocado para essa edição: passar de um perfil antineoliberal para anticapitalista. É muito positivo que estejamos na Amazônia, pois lá torna-se mais evidente os limites do sistema”, pontua, baseando-se nos impactos da crise financeira mundial que levaram governos dos países centrais a adotar medidas antineoliberais. Moema Valarelli, do Ibase, revela que desde a primeira edição havia quem defendesse que o Fórum assumisse uma posição mais estritamente anticapitalista. Apesar de se colocar nesse bloco, ela ressalta a importância da composição ampla do FSM. “Eu, particularmente, achava que devíamos assumir uma postura anticapitalista desde a primeira edição. A avaliação era de que o neoliberalismo representava aquele momento do capitalismo; os males como a competição, a desigualdade e o individualismo não têm cura, pois são sistêmicos, tal como a ganância e a concentração de renda. Mas foi muito positivo manter o Fórum com aquela amplitude, agregando outros grupos que tinham uma crítica contundente ao neoliberalismo, mas não ao capitalismo”, afirma. Crise e meio ambiente

Outra importante tarefa que se espera do FSM 2009 é a vinculação dos problemas climáticos e ambientais à crise financeira internacional. Para Valarelli, não se pode dizer que a turbulência econômica mundial “pegou de surpresa” os movimentos sociais. “Desde 2001, o Fórum já apontava que o modelo econômico era insustentável, pois fortalece e aprofunda as desigualdades e destrói o meio ambiente. Portanto, o FSM já fazia uma crítica sistêmica”, relembra. A instabilidade do sistema financeiro mundial tornou o evento ainda mais importante, e o fato de o FSM se dar em pleno decorrer da crise deve enriquecer as discussões, de acordo com Fátima Melo. “Quando estourou a crise financeira, enxergamos o acontecimento como uma grande oportunidade para discutir essa questão na Amazônia, que não está alheia ao que acontece no mundo. A crise está associada à questão climática e ambiental. Temos uma grande oportunidade de expor as várias dimensões da crise do modelo e do capitalismo. Esperamos que as discussões se articulem com a questão global mais geral”, diz.

Programação do 9º Fórum Social Mundial A organização do FSM estima que 100 mil pessoas participarão das atividades que estarão distribuídas entre o campus das Universidades Federal do Pará (UFPA) e da Federal Rural da Amazônia (UFRA). Esta última também será a sede do Acampamento Intercontinental da Juventude. Calendário 25/1 - Início do credenciamento (Ginásio da UFRA) 27/1 – Marcha de abertura (saída às 15 horas da escadinha do Cais do Porto) 28/1 – Dia da Pan-Amazônia: 500 anos de resistência, conquistas e perspectivas afro-indígena e popular 29 a 31/1 – Demais atividades autogestionadas 1º/2 – Dia das Alianças e Encerramento do FSM 2009, com ações descentralizadas e autogestionadas nas quais serão apresentados os acordos e alianças construídos no decorrer do FSM e celebração geral de encerramento (Palco GeoSpace – UFRA)

Fóruns Paralelos Bem como nas edições anteriores, diversos setores dos movimentos sociais devem aproveitar a oportunidade para realizar fóruns paralelos, antes ou durante o FSM em Belém. Confira informações sobre alguns deles: Teologia da Libertação: De 21 a 25 de janeiro acontecerá o 3º Fórum Mundial de Teologia e Libertação. Na programação, a cada dia um continente fará celebrações religiosas seguidas de conferências, debates e oficinas, abordando diversos temas como água, terra e teologia, raça, etnia, gênero e economia solidária. Juízes: O 5º Fórum Mundial de Juízes está previsto para ocorrer de 23 a 25 de janeiro no Hangar Centro de Convenções e Feiras da Amazônia. O evento traz como tema central “Judiciário, Meio Ambiente e Direitos Humanos” e tem o objetivo de promover a união dos países por um judiciário democrático e preocupado com a inclusão social. Saúde: O 3º Fórum Social Mundial da Saúde será realizado de 25 a 27 de janeiro na Universidade Estadual do Pará (Uepa). O evento se propõe a constituir um intercâmbio de conhecimentos e práticas em torno da luta social pelo direito universal, integral e igualitário à saúde. Mídia livre: O 1º Fórum Mundial de Mídia Livre ocorrerá no Hangar Centro de Convenções e Feiras da Amazônia, nos dias 26 e 27 de janeiro. “Midialivristas” de diversos países devem se reunir para discutir estratégias para a democratização dos meios de comunicação. Parlamentares: O 6º Fórum Parlamentar Mundial deve ocorrer de 28 a 30 de janeiro, com as temáticas: presente e futuro da Amazônia, processo de integração regional, institucionalidade democrática da integração, parlamentos regionais e migrações. O evento, tal como os anteriores, deve contar com a participação de parlamentares de diversos continentes, mas de partidos com afinidade com o processo do Fórum (fonte: Organização FSM).

Fórum será da Pan-Amazônia, não do Brasil Região deve ser a protagonista dos principais debates da Redação Assim como o Fórum Social Mundial de 2007, ocorrido em Nairóbi, no Quênia, não foi sediado por um país, mas por um continente – a África –, a edição de 2009 não terá como sede um país, mas uma região, a Pan-Amazônia. Daí a escolha da capital paraense, Belém, “no coração da Amazônia”, como define a organização do evento. O segundo dia do evento, 28 de janeiro, foi batizado de Dia da PanAmazônia e será dedicado integralmente a discussões e manifestações em prol da região. A Amazônia, portanto, não deve ser apenas o cenário dos debates do FSM, mas protagonista das instâncias do evento. “A maior importância simbólica de ter Belém como sede é que, de fato, o FSM não estará sendo realizado num país, mas numa região. Isso dá um caráter sem fronteiras ao encontro. Hoje a Amazônia é um espaço de dis-

“A organização do FSM tem que mostrar ao mundo que a Amazônia é terreno de conflito de interesses, mas também de sociedades muito organizadas e ricas. Esperamos que a Amazônia fale para o mundo, não que o mundo venha falar para a Amazônia”, afirma Fátima Melo, da Fase

puta fundamental de projetos de desenvolvimento mundial. Lá está sendo travada a batalha pela privatização da água e da terra, e há uma grande capacidade de resistência dos indígenas e dos camponeses, que até o momento têm sido os guardiões da região”, considera Moema Valarelli. Para Fátima Melo, a ocasião é um ensejo para explicitar os limites do sistema capitalista. “É na Amazônia onde os grandes conflitos do mundo se manifestam. A organização do FSM tem que mostrar ao mundo que a Amazônia é terreno de conflito de interesses, mas também de sociedades muito organizadas, muito ricas culturalmente, e que ali se produzem resistência e propostas que muito têm a dizer para o mundo. Esperamos que a Amazônia fale para o mundo, não que o mundo venha falar para a Amazônia”, define. Participação indígena

As populações indígenas devem ter a sua presença mais expressiva na história do encontro. A estimativa é que 3 mil representantes participem das atividades em Belém. Para Moema Valarelli, o aumento da participação dos indígenas é um reflexo do esforço do FSM em agregar novos atores políticos, sobretudo com a realização de edições na África, em 2007, e na Índia, em 2005. “Conseguimos ampliar o leque de participação no FSM. Hoje, os povos indígenas são os mais radicais na luta anticapitalista e no Fórum da Amazônia terão um espaço preponderante. O FSM demonstrou um amadurecimento para reconhecer novos sujeitos na luta anticapitalista. Cito, como exemplo disso, o fato de em 2001 apenas 20 africanos terem vindo a Porto Alegre. Hoje, já estão inscritas 500 entidades africanas no Fórum”, compara. (RGT)




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Veracel tem licenças anuladas Reprodução

MONOCULTURA Conselho municipal acata considerações do Ministério Público e suspende plantios de eucalipto Dafne Melo da Redação O CONSELHO Municipal de Desenvolvimento e Defesa Ambiental e Urbana (Condau) do município de Eunápolis, no sul da Bahia, cancelou quatro licenças ambientais da empresa de celulose Veracel. A decisão foi publicada no dia 17 de dezembro de 2008 e baseouse em uma ação civil pública feita pelo Ministério Público Estadual (MPE) e ajuizada em maio de 2006. Na peça, o promotor Dinalmari Mendonça Messias afirma que quatro autorizações para plantio de eucaliptos obtidas pela papeleira são fraudulentas, uma vez que a decisão foi resultado de uma reunião manipulada pela empresa, contando, para isso, com a atuação de funcionários públicos. Também aponta que a decisão fere uma série de legislações ambientais, e só por isso já deveriam ser suspensas. As autorizações foram dadas em novembro de 2003 pelo próprio Condau, então sob a gestão do engenheiro agrônomo Luiz Carlos Scoton. Ele ainda acumulava o cargo de secretário de meio ambiente da gestão do ex-prefeito Gediel Sepúlvida Pereira (PL), que governou de 2001 a 2003. Segundo o MPE, Scoton era representante dos interesses da Veracel na prefeitura e colocou no conselho pessoas favoráveis à empresa, como o engenheiro florestal Danilo Sette de Almeida, funcionário da papeleira. Vitória De acordo com a resolução do Condau, a Veracel deverá suspen-

Deserto verde: eucaliptos da Veracel no sul da Bahia

“Estamos investigando outras denúncias de corrupção, lavagem de dinheiro, sonegação de impostos, dentre outros”, revela promotor der a extração da madeira nas áreas de abrangência dessas licenças. As áreas pertencem legalmente a proprietários “laranjas” que vendem a madeira para a Veracel. Juridicamente, são chamados de “projetos de fomento”. “Se ela continuar extraindo e comprando essa madeira, ainda poderá responder por crime de receptação”, afirma o promotor João Alves da Silva, do Ministério Público Estadual. A empresa pode recorrer da decisão. Alves acredita que a nova decisão do Conselho é uma grande vitória para os movimentos e organizações sociais que lutam há mais de uma década para impedir as ações nocivas da empre-

sa na região do sul da Bahia. “É uma grande vitória moralizadora, que deve servir de exemplo a outros órgãos estaduais que concedem licenças irregulares à Veracel, empresa que tem uma atividade muito nociva para o povo da nossa região”, avalia o promotor, que cita o aumento do êxodo rural, da favelização e da fome desde que a papeleira começou a plantar eucalipto na região. “A realidade aqui é triste, a cidade não tem nenhuma sustentabilidade econômica e todas as culturas de alimentos foram inviabilizadas”, completa. Derrotas Essa é a segunda derrota da Veracel – empresa fruto de uma parceria entre a sueco-finlandesa Stora Enso e a brasileira Aracruz – em menos de um ano. Em agosto de 2008, a Justiça Federal de Eunápolis acatou uma outra ação civil pública, de 15 anos atrás, movida pelo Ministério Público Federal (MPF). A empresa foi culpada de desmatar 96 mil hectares de Mata Atlântica no sul da Bahia e condenada a restaurar toda a área com vegetação nativa. Também foi condenada a pagar uma multa de R$ 20 milhões. O Centro de Recursos Ambientais

(CRA) e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) também foram condenados por terem concedido autorizações baseadas em estudos de impacto ambiental irregulares. A Veracel recorreu dessa decisão. João Alves explica que as ações impetradas pelo Ministério Público Estadual ainda não foram apreciadas pela Justiça. O promotor participa das investigações acerca da atuação da Veracel e assina junto com Dinalmari Mendonça Messias uma outra ação de improbidade administrativa contra a empresa, o ex-prefeito Gediel Sepúlvida Pereira, Luiz Carlos Scoton e Danilo Sette. No documento, os promotores relatam todo o processo fraudulento das votações. “É vergonhoso. Agora, estamos investigando outras denúncias de corrupção, lavagem de dinheiro, sonegação de impostos, dentre outras, com envolvimento de políticos, funcionários públicos, tudo isso em favorecimento da Veracel e contra os interesses da sociedade e do meio ambiente”, resume o promotor. Caso a ação de improbidade seja acatada, os acusados terão seus direitos políticos suspensos por um período de 3 a 5 anos, além de pagamento de multa.

ANÁLISE

Para pensar alternativas ao desenvolvimento (Ao MST, por tornar força produtiva de história, nesses 25 anos, essa perspectiva para além do produtivismo) “Para desenvolver a Inglaterra foi necessário o planeta inteiro. O que será necessário para desenvolver a Índia?” Mahatma Ghandi Carlos Walter Porto Gonçalves

Há um senso comum, em boa parte estimulado pelo senso comum científico, de que a humanidade caminha em direção à urbanização. É o que está subjacente à ideia de desenvolvimento, tanto na matriz liberal como em setores que se pretendem seus críticos, como as correntes hegemônicas marxistas. Já é grande a literatura que, sobretudo desde os anos de 1950 vem questionando essa ideia, muito embora grande parte dela se faça em torno de busca de alternativas de, e não ao, desenvolvimento. Todavia, estatísticas recentes da ONU nos dão conta de que, em 2001, mais da metade da população mundial (53%) era rural. É isso mesmo, em 2001, somente 47% da população mundial era urbana (ONU, 2003). A despeito de toda a celeuma sobre esses conceitos, que, decerto, devem ser sempre historicizados, esses dados surpreendem. É certo que essa distribuição rural/ urbana é extremamente desigual segundo os continentes, as regiões e os países, nos dirão alguns. Todavia, o que nos instiga é o fato de que, mesmo depois de 200 anos de intenso desenvolvimento capitalista no mundo e mesmo sob a forte ideologia urbanoindustrial eurocêntrica, mais da metade da população mundial viva na área rural. Tanto a mídia como a própria academia, entretanto, ainda pensam o destino da humanidade ignorando esses dados como se a população mundial fosse, simplesmente, ainda rural, sendo que a atenção recai no ainda. Assim, independentemente do que se passa no mundo, já se tem de antemão um destino que a hu-

Classes Sociais da População Urbana Mundial (milhões de habitantes)

Fonte: Samir Amim

CENTRO

PERIFERIA

MUNDO

330

390

720

Estabilizados

390

330

720

Precários

270

1.290

1.560

Total Classes Populares

660

1.620

2.280

Total Geral

990

2.010.000

3.000.000

Classes Médias e Ricas Classes Populares

manidade inelutavelmente haverá de seguir, qual seja o destino das sociedades urbano-industriais da matriz epistêmico-política europeia norte-ocidental. A questão torna-se ainda mais intrigante quando se nota que a maior parte da população urbana do mundo não está ali onde se imagina que esteja, ou seja, na Europa, nos EUA ou no Japão. Ao contrário da ideologia urbano-industrial eurocêntrica, 70% da população urbana mundial está na Ásia, na África e na América Latina, e, desse modo, o urbano realmente existente é muito diferente daquele prometido pela ideologia progressista eurocêntrica. Enfim, mais de 2/3 dos urbanos do mundo vivem um cotidiano dramático nas favelas e vilas misérias da Cidade do México, de São Paulo, de Bogotá, de El Alto e La Paz, de Caracas, do Rio de Janeiro, de Quito e, até mesmo, se Buenos Aires para ficarmos somente com exemplos de nuestra América. Samir Amim nos oferece um quadro (acima) das classes sociais urbanas no mundo que nos sinaliza para a gravidade das contradições que ora atravessamos. Os dados de Samir Amim confirmam os da ONU quanto à distribuição rural/urbana e quanto aos 2/3 de urbanos morando na periferia do sistema capitalista mundial. E, para além da miséria e da precariedade das populações dos países da periferia, ver-

dade tão salientada como confirmada pelos dados acima, é preciso destacar que 54% das classes médias e ricas urbanas do mundo estão nos países da periferia, e não estão nos países centrais, como se quer fazer crer (390 milhões contra 330 milhões). Assim, as classes médias e ricas da periferia do sistema capitalista mundial não são simplesmente acessórias para a reprodução das assimétricas relações sociais e de poder que conformam o mundo contemporâneo, se não por outras razões, pela demanda solvável que constituem, apesar de não terem a hegemonia cultural e ideológica e, talvez exatamente por isso, sejam tão propícias a aderir à ideologia de ser “de primeiro mundo”, como vulgarmente se diz. Ainda assim, 270 dos 990 milhões de urbanos dos países centrais (27%) são trabalhadores precários, a maior parte deles, sabemos, formada por imigrantes dos países da periferia. E, nos países da periferia, apesar de aí estarem 54% das classes médias e ricas urbanas do mundo, 64% desses seus urbanos é formada por trabalhadores precários, o que talvez nos ajude a entender as dificuldades, nesses países, de regimes políticos fundados em princípios de igualdade e cidadania, característicos das democracias liberais, ou de interesse público, como os regimes republicanos.

A ordem política mundial joga um papel importante, embora não exclusivo, na sustentação das elites e classes dominantes nos países da periferia, na medida em que essas não conseguem tornar seu poder legítimo exercendo a hegemonia (Gramsci) dentro de seus próprios países da mesma forma que as classes dominantes dos países do centro conseguiram assimilar as lutas encetadas pelas camadas populares ali, sobretudo proletárias. Ao contrário da velha cantilena do fim do campesinato e dos preconceitos à esquerda e à direita ainda cultivados, vemos hoje a criação de uma internacional camponesa, a Via Campesina, impensável nos marcos teórico-políticos até aqui dominantes. Assim, aqueles que estariam fadados ao desaparecimento – os camponeses, os indígenas, os afrodescendentes – vem à cena exigindo o direito à voz e recusando a condenação a que haviam sido submetidos à sua própria revelia. Numa época em que a água, o solo, a diversidade biológica passam a ser objeto de intenso debate político, aquelas/es que desenvolveram seus conhecimentos em contato com a vida ganham uma importância que, até aqui, lhes foi negada por uma colonialidade do saber que sobreviveu ao colonialismo. Tudo isso nos obriga a repensar a geografia imaginária do poder que nos conforma. Carlos Walter Porto Gonçalves é doutor em Geografia e professor do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense. Foi presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros (1998-2000). Membro do Grupo de Assessores do Mestrado em Educação Ambiental da Universidade Autônoma da Cidade do México. Ganhador do Prêmio Chico Mendes em Ciência e Tecnologia em 2004. É autor de diversos artigos e livros publicados em revistas científicas nacionais e internacionais.

fatos em foco

Hamilton Octavio de Souza

Genocídio programado Ainda em dezembro, nos primeiros dias dos bombardeios do Estado de Israel sobre a população miserável da Faixa de Gaza, o escritor israelense Larry Derfner declarou: “A guerra entre Israel e Gaza é guerra inventada por Israel. A decisão de pôr fim à guerra não cabe ao Hamas. Cabe a Israel”. Depois disso, o que o mundo viu, com a conivência da ONU e de muitos governos, foi o genocídio do povo palestino. Até quando? Feijão transgênico Maior banco genético da América Latina, a estatal Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária promete priorizar, em 2009, o desenvolvimento de alimentos transgênicos. Além de semente de soja resistente a herbicida, a Embrapa deve patentear um novo tipo de feijão geneticamente imune a determinadas pragas. Alguém ainda se preocupa com os riscos e danos dos alimentos transgênicos?

Juventude mundial Junto com o Fórum Social Mundial, de 27 de janeiro a 1º de fevereiro, em Belém (PA), será realizado o Fórum da Juventude, que tratará de Educação e Cidadania, com ênfase na democratização do acesso e dos conteúdos; Integração Cultural Planetária, sobre a diversidade cultural; Meio Ambiente e Mobilidade Social, sobre o acesso universal e sustentável aos bens da natureza. Avante! Crise fragmentada De acordo com o IBGE, 21 dos 27 setores industriais registraram queda de produção no último trimestre de 2008. O setor de máquinas e equipamentos, que serve para medir o desempenho de outros setores, reduziu a produção em 12% de outubro para novembro. O Ministério do Trabalho fala em fechamento de 600 mil postos de trabalho. O governo garante que não há recessão. Será mesmo? Espoliação garantida Segundo o Banco Central, em 2008 a remessa de dólares para o exterior chegou aos 49 bilhões de dólares, a maior saída registrada pela instituição e quase 1 bilhão de dólares a mais do que ingressou no Brasil. Tudo indica que em 2009 a crise vai fazer o “investimento estrangeiro” sugar o máximo aqui dentro para compensar prejuízos já consumados nas matrizes e países ricos. É a lógica do capital. Consciência negra Morreu dia 1º de janeiro, em Porto Alegre (RS), o poeta e professor Oliveira Ferreira da Silveira, que, junto com outros militantes do movimento negro, defendeu a criação do Dia da Consciência Negra – 20 de novembro – para reverenciar Zumbi e o Quilombo dos Palmares. Professor aposentado, autor de vários livros, foi membro do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial.

Golpe telefônico Além de aumentar exageradamente as tarifas de seus serviços de internet, a empresa espanhola Telefônica continua sem dar a menor atenção para usuários e clientes: toda vez que alguém precisa reparar o Speedy, por exemplo, gasta horas para ser atendido por secretárias eletrônicas e por procedimentos burocráticos. A omissão do Ministério das Comunicações e da Anatel é vergonhosa. Sapatada merecida No dia 20 de janeiro o democrata Barack Obama assume a presidência dos Estados Unidos em substituição ao republicano George W. Bush, que ficou oito anos no governo e deixa um terrível legado de violações de direitos civis, prática de tortura em Guantánamo, sequestro de afegãos e árabes, invasões de países, genocídios e uma crise econômica com reflexo mundial. Já vai tarde! Só desinformação Vários veículos de comunicação de alcance nacional repercutiram trecho de entrevista do presidente Lula no qual reafirma que não gosta de ler jornais e revistas. Ele admite – mais uma vez – que não acompanha o noticiário da imprensa, pois prefere ser informado por assessores e serviços palacianos. Resta agora saber quem distorce mais a realidade: os jornais empresariais ou o boletim oficial?


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brasil

Em jogo, a sociedade do século 21 CRISE Para Ricardo Antunes, humanidade deve pensar que sociedade quer: uma que destrói trabalhadores ou uma que os dignifica Lucas Lacaz Ruiz/Folha Imagem

Vinicius Mansur de São Paulo (SP) O EMPRESARIADO se movimenta para obrigar os assalariados a pagar pela atual crise econômica. A principal tática é utilizar as demissões para garantir os lucros e pressionar pela flexibilização de direitos. Para resistir, os trabalhadores devem atuar de modo organizado, pautando um debate sobre qual deve ser a sociedade do século 21. Em entrevista, Ricardo Antunes, professor de sociologia da Unicamp, aprofunda essa análise, elogia os governos da Bolívia, Cuba, Equador e Venezuela e critica o brasileiro, “um partícipe da ordem”. Brasil de Fato – O senhor tem dito que é falsa a dicotomia flexibilização dos direitos trabalhistas e desemprego? Por quê? Ricardo Antunes – A ideia de flexibilizar direitos para preservar empregos é uma falácia e, no limite, uma falsidade. Vários países, como Inglaterra, Argentina, Espanha, Itália e até mesmo a França, tentaram flexibilizar direitos com o pretexto de melhorar as condições de emprego e o que se vê, de todas essas experiências, é que a flexibilização foi uma forma de precarizar os direitos. Isso porque, em situações adversas, os trabalhadores flexibilizam os direitos e, com isso, perdem direitos que eles não recuperam depois. Na verdade, o empresariado quer é fazer com que as contas nesse momento de crise sejam jogadas em cima da classe trabalhadora. Quem deve pagar essa conta é o próprio empresariado e o seu sistema financeiro, pois eles são os agentes partícipes e os responsáveis por essa crise. Porém, o empresariado não diz “trabalhadores, vocês vão pagar a conta”. Eles afirmam, “trabalhadores, vamos flexibilizar para garantir os seus empregos”. Ora, quem acredita que irá se fortalecer tendo os seus direitos destruídos? É uma fala mistificadora e é muito importante que a classe trabalhadora perceba, porque, se em um momento de crise como essa ela aceita a redução de direitos, não conseguirá recuperá-los depois facilmente.

Assembleia na GM em São José dos Campos, São Paulo; no dia 12, a montadora demitiu 744 funcionários temporários de sua fábrica

do Trabalho] já contempla modalidades desse tipo de suspensão do contrato por um período de até cinco meses. O problema é que o empresariado está fazendo várias propostas para tirar dele o ônus da crise.

Por outro lado, é muito importante nós percebermos que as lutas dos trabalhadores também são globais

Lembre-se que no governo Fernando Henrique Cardoso houve, entre várias medidas para flexibilizar o contrato de trabalho, aquela que permitia os contratos temporários. Isso fez com que muitos trabalhadores hoje peguem empregos temporários e, quando eles vão completar três meses de experiência para ficar no emprego, as empresas os demitem para não configurar estabilidade. O que tenho mostrado é que este momento que o capital chama para flexibilizar direitos é de fato para que a conta [da crise] seja paga pela classe trabalhadora.

É importante ficar claro que o empresariado deve reduzir os seus lucros. Todos falam em reduzir direitos do trabalho, por que não falar em flexibilizar a propriedade privada? Ou seja, por que não pensar em propriedade não inteiramente privada, mas que os trabalhadores tenham acesso à propriedade do capital? Porque eles não flexibilizam aquilo que, para eles, é o fundamental. Agora, é preciso que a sociedade entenda que, para a classe trabalhadora, o trabalho é a única atividade que lhe permite sobreviver. Se não a exerce, ele está na indigência social, está próximo da economia política do crime, do narcotráfico. A OIT [Organização Internacional do Trabalho] já fala em 1,5 bilhão de trabalhadores que perderiam, em 2009, salários e viveriam em condições de trabalho mais adversas. Essa é a dimensão do problema. E, dentro dele, ampliar o seguro desemprego é legítimo. O Estado garantir que os trabalhadores desempregados tenham formas de sobrevivência é legítimo. O que não é legítimo é o empresariado, na primeira ameaça de crise, já reduzir custos cortando trabalho para garantir que os prejuízos em seus lucros não sejam grandes. Os trabalhadores não são os responsáveis pela crise, mas sim o próprio sistema de competitividade destrutiva interempresa, acentuado nesse contexto de globalização.

Como pode acontecer essa flexibilização? O empresariado começa a falar em várias alternativas. Por exemplo, suspender o contrato de trabalho por um período de dez meses. Na verdade, a suspensão do contrato é a iminência do desemprego completo. A CLT [Consolidação das Leis

E, dentro desse cenário de globalização do capital, podemos dizer que proposições como essa do layoff (suspensão do contrato de trabalho) fazem parte de uma movimentação global de empresários? Um traço muito importante da mundialização ou glo-

O problema é que o empresariado está fazendo várias propostas para tirar dele o ônus da crise

balização é que o capital se transnacionalizou e, nesse sentido, o seu receituário. Não é por acaso que as propostas de flexibilização atingiram praticamente todos os países do mundo que têm um certo tipo de atividade econômica industrial e de serviços forte. Todos os países sofreram isso: Inglaterra, França, Itália, Estados Unidos, Alemanha e até a China. E como as empresas são transnacionais, ainda que marcadas pelas particularidades de cada país, elas têm um receituário que é geral. Uma das receitas mais gerais agora é usar o momento para dar um outro salto no sentido de precarizar as condições de trabalho. Por isso que a ideia de que o negociado se sobreponha ao legislado é uma imposição global. Ou seja, vale o que se negocia em cada espaço de trabalho, e não o que diz a lei. Isso porque os empresários estão achando que, em uma situação adversa para os trabalhadores, estes aceitariam negociar situações piores do que aquelas que estão estabelecidas na legislação. Mas, por outro lado, é muito importante nós percebermos que as lutas dos trabalhadores também são globais. Uma resistência no Brasil, no México, nos Estados Unidos, dos trabalhadores chineses, na Alemanha, na Bolívia, na Venezuela, na Coreia, no Japão, enfim, essas lutas que nós estamos presenciando hoje têm uma dimensão mundial. Quais os caminhos práticos a se trilhar para responsabilizar os verdadeiros responsáveis? A primeira coisa é que mais uma vez querem responsabilizar os migrantes pela crise. Esses trabalhadores já estão comendo o pão que o diabo amassou. Porque, evidentemente, a primeira tacada, o fechamento dos trabalhos mais precarizados, mostra o fundo do poço para vários setores dos trabalhadores. Por exemplo, os decasséguis brasileiros que estão no Japão são mandados embora de suas empresas e não têm

Quem é Ricardo Antunes é professor de Sociologia do Trabalho do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É autor dos livros O caracol e sua concha – ensaios sobre a nova morfologia do trabalho, Os sentidos do trabalho, Adeus ao trabalho, entre outros.

mais onde dormir, pois, no geral, moram em alojamentos das companhias. O primeiro desafio então é resistir e impedir que essas mudanças sejam impostas agora nessa situação de crise. E só há um jeito de impedir essa medidas, entre aspas, de flexibilização: resistir de modo organizado, nos locais de trabalho, com apoio do sindicato. E também com apoios de todo tipo, que permitam mostrar para a sociedade que não é justo a classe trabalhadora pagar pela crise. O empresariado tem uma visão microcósmica. Ele pensa assim, “tem crise, eu vou arrochar, diminuir os custos da minha empresa e, então, desempregar”. Só que essa racionalidade empresarial gera uma monumental irracionalidade na sociedade. Porque explode e aumentam os bolsões de desempregados, de precarizados, de miseráveis e isso cria uma sociedade na qual não é mais possível viver.

Só há um jeito de impedir essas medidas: resistir de modo organizado Não adianta o empresariado andar de carro blindado ou morar em condomínios fechados ultrassecretos quando, em algum momento, ele se torna vulnerável, dada essa verdadeira guerra civil latente que existe nas grande capitais do mundo. Assim, o desafio, agora, é questionar que sociedade nós queremos. Faz sentido uma sociedade que, numa primeira crise, penalize os que não são culpados por ela? Faz sentido jogar bolsões de trabalhadores nas ruas, na medida em que eles não terão outra alternativa de trabalho? Ou não será o momento do empresariado pensar num plano de sociedade e não no seu plano microcósmico e dizer: “Agora é o momento do empresariado pagar por isso”?

Sabe por que, nos Estados Unidos, uma parte importante do Congresso não concedeu recursos para as montadoras? Pois disseram que os recursos eram para desempregar trabalhadores e os altos gestores não teriam nenhuma redução nos seus monumentais ganhos. Ou seja, eles foram os responsáveis pela crise e não foram penalizados. Por isso, uma parte dos que disseram não a esse subsídio para General Motors, Ford e Chrysler perguntaram: “qual vai ser a contrapartida que essas empresas vão dar? Elas vão tocar nos seus ganhos, nos seus lucros, nos seus benefícios?” E a crise abre uma possibilidade real da sociedade fazer esse debate? Claro, primeiro porque uma grande parte da esquerda acreditou que o capitalismo era a única alternativa e está há décadas tentando consertar o inconsertável. Mas agora o capitalismo está numa crise profunda. A sociedade está em ebulição e uma parte importante dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda tem a consciência de que o capitalismo não é o remédio. E é nesse momento de tensão, de crise profunda, que nós somos chacoalhados a buscar a alternativa. A virada do século 19 para o 20 foi um momento de turbulência. A guerra mundial, a disputa interimperialista. Naquele momento se viveu uma era turbulenta que balançou os alicerces da sociedade instaurada. Fazendo as devidas diferenciações, nós estamos também numa época assim. O que está acontecendo na Venezuela? Na Bolívia? No Equador? São exemplos alternativos, são movimentos populares fortes, há uma impulsão da luta social dizendo, “não queremos a mesma resposta”. Diferente do caso brasileiro, no qual o governo é um partícipe da ordem. Mas há na luta latino-americana sinais do novo, contra a privatização do petróleo, da água, dos recursos naturais. Lutas sociais pedindo mudanças políticas mais profundas. A América Latina está vivendo novas experiências. Há também no mundo asiático uma tensão diária, lutas sociais. É evidente que nós estamos presenciando no mundo hoje algo muito diferente do que [Jürgen] Habermas chamou há 20 e tantos anos de “pacificação das lutas sociais”. Nós estamos vivendo um momento de tensão das lutas sociais. E isso é muito impor-

tante, porque é nesse quadro de tensões que, por exemplo, um lema que estava completamente abandonado voltou a ser lema inclusive de alguns governos: o socialismo do século 21. Você deve se recordar que há dez anos se dizia que o socialismo tinha morrido. Só que mesmo esses governos ainda não apontaram saídas para a crise. Certamente. O quadro de crise, dessa vez, começou nos Estados Unidos há pelo menos um ano, mas a sua forma avassaladora, intensa, se desenvolveu nos últimos cinco, seis meses. Agora, veja, esses governos estão, ao seu modo, há anos, tomando medidas preventivas importantes. Quando o governo [Hugo] Chavéz impediu a privatização da PDVSA, há 10 anos, ele estava tomando uma medida decisiva para que o futuro da Venezuela não fosse leiloado, como havia sido o do México na crise dos anos de 1990. Na ocasião, uma parte do petróleo mexicano se tornou de utilização direta dos EUA. A saída não tem um receituário. Até porque ninguém sabe, com todas as letras, qual é a sua amplitude e fundamentação mais estrutural. Há reflexões importantes nessa direção, mas nós estamos carentes de estudos mais aprofundados na perspectiva crítica.

No século 21, a humanidade tem que trazer para si o desafio de pensar que sociedade ela quer De todo modo, é muito importante saber que a saída é a auto-organização popular, não uma série de medidas. Não adianta o governo dos EUA estatizar os bancos, isso é chafurdar o Estado em um sistema financeiro que ele não controla. Os desafios são mais profundos. Em um segundo plano, [a saída para a crise] passa por preservar os direitos até aqui conquistados e não permitir que eles sejam destruídos. Em terceiro lugar, é preciso avançar e fazer com que qualquer penalização sobre os trabalhadores seja, na medida do possível, impedida. Essas são as medidas que podem ser tomadas. É evidente o esforço da Venezuela, da Bolívia, do Equador e de Cuba, que sabem que é mais fácil sair desse quadro crítico em bloco. Essa é uma diferença muito clara entre o governo Lula e o governo venezuelano. O primeiro imagina que é possível sair dessa crise integrando-se com alguma autonomia no mundo globalizado, ao passo que Venezuela, Bolívia, Equador etc. estão buscando uma forma de integração que não seja dependente das regras destrutivas do mercado. Alguma consideração ainda a fazer? Quem sabia, no início do século 20, quais seriam as alternativas possíveis? Ninguém. E olha que se tinha uma camada de intelectuais revolucionários que era majestosa, brilhante. Quer dizer, no século 21, a humanidade tem que trazer para si o desafio de pensar que sociedade ela quer. Ela quer manter essa sociedade destrutiva como está, na qual todas as penalizações incidem sobre as classes que vivem do trabalho? Ou vai buscar uma alternativa na qual a dignidade do trabalho será dotada de sentido contra as regras destrutivas do mercado?


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cultura Bulla Jr

Arte a serviço do povo

ATAQUE A GAZA Charges do brasileiro Carlos Latuff se espalham em manifestações ao redor do mundo que condenam os ataques de Israel contra a Faixa de Gaza Marcelo Netto Rodrigues da Redação Desde 1999, quando começou a desenhar pela causa palestina, o chargista brasileiro Carlos Latuff nunca tinha visto nada parecido. Numa rápida checagem em sites de agências de notícias, é possível ver posters com suas charges nas mãos de manifestantes nas ruas da Índia, Bélgica, Escócia, Suécia, Romênia, Alemanha, Indonésia, Turquia, Emirados Árabes, Malásia, Coreia do Sul, Espanha, Canadá e Estados Unidos. “Fico feliz que meu trabalho esteja sendo apropriado pelo povo. É para isso que ele é feito. Mantenho a palavra que dei a um palestino chamado Adris, que conheci em Hebron em 1999, e a todo

o povo da Palestina. Prometi que voltaria da viagem da Cisjordânia e colocaria meu traço a serviço da causa palestina, e é o que tento fazer desde então.” Até o fechamento desta edição, 919 palestinos já haviam morrido em virtude dos ataques de Israel contra a Faixa de Gaza, incluindo 277 crianças, 97 mulheres e 92 idosos. Os ataques já haviam deixado também 4.100 palestinos feridos. “É impossível visitar os territórios palestinos, ver como a população de lá sofre com a ocupação israelense e não se solidarizar com a sua força de vontade em resistir a toda aquela opressão. Espero estar à altura daquele povo. Para mim, a causa já deixou de ser uma questão de direitos humanos; tornou-se pessoal, eu verdadeiramente amo aquela gente.”


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internacional

A guerra imperial praticada por Israel Maurício Scerni

MASSACRE NA FAIXA DE GAZA Cerca de mil palestinos, incluindo crianças e idosos, já foram mortos por tropas israelenses desde o dia 27 de dezembro Achille Lollo NO DIA 27 de dezembro, o Exército de Israel (Tsahal), o Serviço de Segurança Interna (Shin Bet) e o serviço secreto daquele país (Mossad) desferiram um ataque mortal (terraar-mar) contra a Faixa de Gaza, numa operação denominada “Chumbo Fundido”, que até o fechamento desta edição, dia 13, já havia provocado a morte de 919 palestinos, incluindo 277 crianças, 97 mulheres e 92 idosos, de acordo com o chefe dos serviços de emergência de Gaza. Os ataques deixaram ainda 4.100 palestinos feridos e mais de 400 desaparecidos, cujos corpos permanecem debaixo dos escombros dos prédios públicos e das casas-alvo dos bombardeios. Essa operação foi planejada durante os últimos seis meses para acabar com o governo do Hamas na Faixa de Gaza, que, apesar de 18 meses de eficaz bloqueio econômico e militar israelense, nunca se rendeu. Outro objetivo estratégico da invasão é o de eliminar todo o grupo dirigente do Hamas e, sobretudo, acabar com seu braço militar, as Brigadas Ezzedim al-Qassam. A primeira constatação a ser feita é a de que o chefe de Estado Maior da Defesa israelense, general Gaby Ashkenazy, determinou um excepcional grau ofensivo para atacar por ar, mar e terra todo o território da Faixa de Gaza, utilizando para isso uma capacidade bélica semelhante a dos EUA na última investida contra o Iraque de Saddam Hussein. Por outro lado, com a operação “Chumbo Fundido”, o Tsahal e o Shin Bet querem resgatar a derrota política e militar que o Hezbollah infligiu a Israel, em 2006, no sul do Líbano. É nesse âmbito que os porta-vozes do Estado Maior e do Ministério das Relações Exteriores – contando com a benevolência da mídia ocidental e do forte lobby das comunidades judaicas no exterior – passaram a justificar a violência contra os civis palestinos como um ato de “auto-defesa”, responsabilizando o Hamas por utilizar as mesquitas e as escolas – inclusive aquelas administradas pela ONU – como “escudo humano” dos guerrilheiros ou pontos de lançamento de foguetes ou morteiros. Essas mentiras foram legitimadas pelo presidente Shimon Perez. Porém, no dia 9, veio o primeiro desmentido no jornal israelense Haaretz. Chiris Gunnes, porta-voz da agência da ONU para refugiados, revelou que: 1) na escola da ONU bombardeada em Jabaliya morreram 40 civis, na maioria crianças e mulheres; 2) Não havia guerrilheiros; 3) Os militares israelenses manipularam a opinião pública com uma foto de 2007, quando na escola houve uma manifestação de militantes do Hamas. Massacrar os civis Muitos observadores, entre eles o cardeal Martini, denunciaram o Exército israelense por estar enveredando na vertente da violência feroz contra os civis e equipararam os sofrimentos dos palestinos de Gaza aos dos judeus europeus perseguidos pelos nazistas durante a 2ª Guerra Mundial. Uma tese que, evidentemente, enfurece o governo e os militares israelenses. Porém, se de fato não pode haver comparação política entre Estado nazista e Estado sionista, a atuação do Tsahal e do Shin Bet é talvez mais criminosa por se tratar de instituições de um Estado democrático (mesmo se restrito só aos judeus e árabes israelenses), e não de um regime ditatorial como foi o nazismo hitleriano.

O problema é que 81% da população israelense apoiaram a operação “Chumbo Fundido”, mesmo sabendo o que os civis palestinos iriam sofrer. Matar palestinos virou corriqueiro em Tel Aviv, tanto que intelectuais famosos e “progressistas” como Amoz Oz, Avi Mograbi e Abraham Yoshuha e os partidos “de esquerda”, como o Meretz e os Trabalhistas, apoiaram a invasão e os bombardeios. Apenas 18% manifestaram sua preocupação com a população palestina de Gaza. Para o Exército israelense (que não é formado por mercenários, mas por reservistas), o apoio da maioria da opinião pública foi fundamental para cumprir os objetivos da operação “Chumbo Fundido”. Por isso, a pressão internacional ou a morte de 500 ou mil palestinos não vão sensibilizar os homens do Tsahal. Para o Terceiro Reich de Hitler, a solução final do Holocausto dos judeus europeus não era uma necessidade estratégica, mas sim uma forma para sustentar ideologicamente o nazismo na Europa. Agora, para os comandantes do Tsahal e do Shin Bet, o massacre dos civis é um objetivo estratégico que visa desarticular a confiança que os palestinos de Gaza mantêm no Hamas. Portanto, o sistemático bombardeio de escolas, mesquitas e casas populares – além de reforçar o egovingador do sionismo – é uma chantagem moral para destruir a imagem do Hamas na Palestina. Foi por isso que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, considerou o bombardeio a Gaza terrorismo de Estado. Por outro lado, essa invasão em Gaza – bem como todos os ataques e massacres perpetrados pelo Estado de Israel desde 1948 – visa, antes de tudo, impor ao mundo árabe o respeito pela cidadania israelense, o direito sagrado dos judeus sobre as terras dos palestinos e a aceitação de que o Estado sionista é o bastião do Ocidente no Oriente Médio, principal fornecedor de petróleo para os EUA e Europa. Potência nuclear Não foi por acaso que os EUA transformaram Israel em potência nuclear, enquanto os programas de paz (Camp David, Oslo, Taba e por último Annapolis) nunca definiram uma paz equitativa entre judeus israelenses e palestinos. Pelo contrário, Carter, Clinton, Bush, Margareth Thatcher, Condoleezza Rice, Tony Blair, Moubarak, Sarkozy, Javier Solana e por último Benita Ferrero-Waldner visaram legitimar apenas o conceito estratégico de um Estado judaico soberano, dando aos palestinos só o direito de serem reconhecidos como uma minoria sem nenhuma perspectiva de soberania nacional. De fato, em 2008, Dov Weisglass, braço direito de Sharon, explicava que “o inteiro pacote denominado Estado Palestino, com todas suas implicações, foi removido da agenda das negociações por tempo indeterminado, e Abu Mazen e a cúpula dirigente do Fatah – conscientemente ou não – aceitaram o texto da conferência de Annapolis”. Foi a partir desse momento que o Hamas endureceu as relações com o Fatah, inclusive após o primeiro-ministro da ANP, Salam Faiyad, ter assinado com Condoleezza Rice um acordo para a CIA treinar e organizar a polícia palestina na Jordânia. Achille Lollo é jornalista italiano, diretor do filme América Latina: Desenvolvimento ou Mercado?, também em DVD, em www.portalpopular.org.br.

Ato pró-Palestina realizado no dia 8, no Rio de Janeiro

Gaza, uma Stalingrado no deserto? No dia 6 de janeiro, isto é, no 12º dia do conflito – quando havia 735 mortos e 2.800 feridos palestinos contra seis soldados israelenses mortos e 30 feridos –, o presidente israelense Shimon Peres afirmou reiteradamente que “Israel não havia atacado a Faixa de Gaza para voltar a ocupar esse território, porém o conflito continuava até o Exército alcançar todos os seus objetivos”. Por sua parte, o chefe de Estado Maior da Defesa, general Gaby Ashkenazy, especificava que o Exército “pretendia se estacionar nos territórios da Faixa de Gaza apenas para realizar uma operação de definitiva limpeza antiterrorista, destruindo toda a infraestrutura do Hamas”. O general Ashkenazy não esclarecia que o verdadeiro objetivo da operação “Chumbo Fundido” era o aniquilamento da estrutura política do Hamas (300 homens), de seu braço armado, as Brigadas Ezzedim al-Qassam (2 mil homens), e dos grupos armados da Jihad Islâmica (mil homens). Os sobreviventes dos 15 mil homens enquadrados nos batalhões da Tanfisiyeh (Guarda Nacional) deveriam ser “reeducados” pelo Shin Bet (Serviço de Segurança Interna) após um longo período de aprisionamento. Na prática, essa seria a terceira fase da invasão conhecida por “cerco e aniquilamento”, em que a infantaria e os grupos especiais devem penetrar nas cidades da Faixa de Gaza, correndo o risco dos combates de guerrilha urbana e das armadilhas explosivas predispostas pelas unidades da Tanfisiyeh em cada canto das cidades, além de interrogar/torturar os guerrilheiros presos para ter, rapidamente, informações preciosas sobre o funcionamento da rede e as estruturas dos insurgentes. O problema dessa “caça ao homem” é que os combates “casa por casa” podem provocar ainda mais massacres de civis e, sobretudo, baixas entre os soldados israelenses, que, ao serem atacados pelos guerrilheiros, podem perder o controle e operar represálias sobre os civis, achando que cada homem, cada adolescente, é um guerrilheiro escondido entre os civis. Aliás, Alegre Pacheco, da Coordenação dos Negócios Humanitários da ONU (OCHA), e Pierre Kraehenbuehl, do Comitê Interna-

cional da Cruz Vermelha (CICR), no dia 9, acusaram o Exército israelense de violar as leis internacionais sobre as garantias de socorro aos feridos. Crime de guerra Por sua parte, o Washington Post publicou no dia 10 uma denúncia do OCHA, lembrando que os soldados israelense haviam obrigado 110 palestinos, na maioria mulheres e crianças, a entrar em uma casa no bairro de Zeioton (zona sul da Cidade de Gaza) que depois foi bombardeada, provocando a morte de 30 crianças, 10 mulheres e 3 homens. Uma chacina que muitos na ONU querem que seja investigada como crime de guerra praticado pelo Exército israelense.

A preocupação dos ministros Barak e Livni não é com as condenações internacionais ou pelo aumento das vítimas palestinas ou com as resoluções da ONU para um cessarfogo imediato; o problema são as eleições legislativas de 10 de fevereiro A verdade é que somente os militares e os falcões do governo (Haim Ramon, Meri Shetrit, Rafi Eitan, Daniel Fiedman e Avi Dichter)

apoiam na radicalização do confronto. O ministro da Defesa, o trabalhista Ehud Barak, e a conservadora Tzipi Livni (ministra das Relações Exteriores) querem a continuação da operação sem correr o risco de baixas ou a captura de soldados israelenses nos combates urbanos, como aconteceu no sul do Líbano. De fato, a preocupação dos dois ministros não é com as condenações internacionais ou pelo aumento das vítimas palestinas ou com as resoluções da ONU para um cessar-fogo imediato. O problema são as eleições legislativas de 10 de fevereiro, pois uma eventual baixa de soldados israelenses pode determinar a definitiva vitória de Benjamin Netanyahu, o líder direitista do Likud e herdeiro de Sharon, que já está com 40% do eleitorado israelense. Perspectivas Um elemento que apavora os estrategistas da inteligência militar é a falência da teoria da “superioridade militar capaz de gerar vitórias políticas”, se de fato o Hamas: 1) Consegue resistir em Gaza a todo tipo de ataque — como aconteceu até o dia 10 de janeiro, apesar das perdas materiais, dos 919 mortos e mais de 4.100 feridos; 2) Se os Tanfisiyeh e as Brigadas Ezzedim al-Qassam conseguem manter o controle em Rafah e Khrbat Abu-Shafah (sul, na fronteira com Egito); Khan Yunus (sul); Nusayarat e Dahr al Balah (centro-sul); Gaza City e Saknat Azzarqah (centro norte); Jabaliya e Na Nazalah (norte). 3) Se conseguem lançar contra Israel mais foguetes Qassam ou Grad; 4) Se os principais dirigentes sobrevivem aos bombardeios; 5) Se nos próximos 15 dias se iniciam no Egito a negociação entre o presidente francês, Sarkozy, e o egípcio, Moubarak, para um o cessar-fogo geneDavid Katz

O líder do Likud, Benjamin Netanyahu

ralizado e o fim do embargo econômico. Se o Hamas sobreviver, será vitorioso não só do ponto de vista militar, mas sobretudo em termos políticos, enterrando o laxismo de Abu Mazen e a burocrática cúpula do Fatah. Uma vitória que certamente vai influenciar a população palestina da Cisjordânia nas eleições de maio para a renovação dos membros da ANP e de seu presidente. De fato, outra derrota política de Abu Mazen e do Fatah equivale a uma pesada derrota estratégica do Estado de Israel. Além disso, a teoria da “execução dirigida” – que durantes anos empenhou os agentes do Shin Bet e do Mossad no assassinato preventivo de dirigentes da Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP), da FDLP, da esquerda do Fatah e do próprio Hamas – demonstrou seus limites, visto que, além de fortalecer o sentimento de revolta (Intifada) contra o sionismo, não conseguiu desarticular as diferentes organizações palestinas. Aquelas execuções emocionaram somente os rabinos ortodoxos e os sionistas do Likud, que viam nos foguetes dos helicópteros Apaches ou nas balas dundum dos franco-atiradores do Shin Bet a mão vingadora de Deus. Na realidade, foi um retumbante fracasso estratégico porque os grupos contrários ao reconhecimento do Estado sionista ganharam apoio popular. Por isso o Fatah, após sua derrota em Gaza, continua cada vez mais isolado e apegado ao monitoramento ocidental. É nesse âmbito que o porta-voz do Exército israelense, Avi Benayahu, no dia 4 de janeiro, declarava: “O objetivo da operação ‘Chumbo Fundido’ é infligir ao Hamas um golpe duríssimo, reforçar o poder de dissuasão de Israel na região, além de tranquilizar a população israelense no sul do país. Nesse sentido, é nossa intenção destruir toda a infraestrutura terrorista do Hamas e assumir o controle em Gaza das áreas normalmente utilizadas para o lançamento dos foguetes. Os moradores da Faixa de Gaza não são um objetivo dessa operação, porém aqueles que escondem terroristas ou armas em suas casas serão considerados terroristas, que são os únicos responsáveis pela morte dos civis que eles usam como escudo humano”. (AL)


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O mito dos foguetes Qassam e o Hamas MASSACRE NA FAIXA DE GAZA Para Israel, é mais rentável manipular suas populações com o medo dos Qassam do que colocar ao longo da fronteira com Gaza as baterias de foguete ar-ar que explodiriam os Qassam logo no início de seu voo Achille Lollo O FOGUETE Qassam possui uma tecnologia primária muito utilizada pelos movimentos de libertação para construir seus foguetes artesanalmente. Não há mecanismos que corrijam a rota ou que reconheçam os alvos. Além disso, o pessoal do Hamas inverteu as características do foguete Qassam, tornando-o um meio de “propaganda armada”. De fato, foi ampliado o compartimento do combustível, reduzindo o da carga explosiva. Desta forma, o Qassam alcança cerca de 30 quilômetros provocando estrago semelhante ao de uma granada de mão. Por não ter nenhum sistema de camuflagem eletrônica, é facilmente detectado pelos radares ou aviões de reconhecimento-drone (sem piloto) e pode ser abatido com um foguete ar-ar. Para Israel, é mais rentável manipular suas populações com o medo dos Qassam e construir milhares de abrigos antifoguetes do que colocar ao longo da fronteira com Gaza as baterias de foguete arar que explodiriam os Qassam logo no início de seu voo. Na edição do jornal israelense Haaretz, o jornalista Nehemia Strassler lembra que, até 3 de novembro, o Hamas respeitou a trégua e não disparou nenhum foguete, além de impedir os grupos da Jihad Islâmica de fazê-lo. Entretanto, no dia 4 de novembro, o Exército israelense ensaiava a operação “Chumbo Fundido” invadindo o setor central da Faixa de Gaza, entre Nusayarat e Saknat Azzarqa, para destruir uma casa de onde o Hamas – segundo o porta-voz do Exército – deveria começar a escavação de um túnel que desembocaria em território israelense. A seguir, a Força Aérea bombardeou o carro de um líder do Hamas, matando

o motorista e mais quatro pessoas que, no comunicado do Tsahal, “eram terroristas”. O Haaretz lembra que alguns setores do Hamas acreditavam que Israel teria renovado a trégua no dia 19 de dezembro, para depois negociar o fim do bloqueio caso o Hamas aceitasse a alternativa de “dois estados para dois povos”. O ataque de 4 de novembro foi um brutal alerta para o Ha-

mas, que logo se preparou para resistir. Nesse sentido, sua organização voltou a ser compacta e ao mesmo tempo descentralizada, com um crescente apoio popular em função do bloqueio econômico realizado por Israel e apoiado por EUA e União Europeia. Hamas

O Hamas se divide em quatro setores:

A ONU e os esforços diplomáticos de Sarkozy Assim que o Exército israelense iniciou os bombardeios contra a Faixa de Gaza, os países da União Europeia logo se solidarizaram com Israel. O governo e a mídia dos EUA quase que idolatraram os governantes de Tel Aviv. Por sua parte, os governos árabes moderados (Arábia Saudita, Jordânia, Iraque e Egito) ficaram calados, manifestando apenas “preocupação”. O silêncio de Obama e de Hillary Clinton, além de confirmar seu posicionamento pró-Israel, reforçou as pressões do lobby judaico na mídia, enquanto o Conselho de Segurança e a Assembleia da ONU congelaram suas atividades durante a primeira semana do conflito. Somente o presidente francês, Sarkozy, e o Papa Bento 16 apontaram os riscos de uma crise humanitária. A defesa radical do ataque por parte de Bush contagiou o servilismo do presidente da União Europeia, o tcheco Mirek Topolanek, mas não pôde evitar que Sarkozy entrasse em campo, escolhendo o Egito de Moubarak e a Síria de Baschar Assad para construir uma negociação capaz de legitimar as duas partes, Israel e o Hamas. Por isso, os EUA recorreram à Assembleia das Nações Unidas para formular uma resolução para um cessar-fogo imediato das duas partes. Na realidade, esta resolução favorecia Israel, visto que nada dizia sobre o bloqueio econômicomilitar contra a Faixa de Gaza, que agora entra no 19º mês. A verdade é que o governo de Israel rejeitou a resolução

da ONU porque precisa atacar o Hamas até a véspera das eleições de 10 de fevereiro. Por isso, a ministra das Relações Exteriores, Tzipi Livni, pediu a Condoleezza Rice para que informasse os EUA e o Conselho de Segurança da ONU de que Israel aceitará o cessar-fogo somente quando: 1) A ONU realizar o desarmamento preventivo do Hamas; 2) O governo de Gaza for devolvido ao Fatah de Abu Mazen; 3) For introduzido um processo de internacionalização dos territórios de Gaza, dando ao Egito o papel de “fiscal fronteiriço”, enquanto um corpo de expedição árabe-europeu controlaria a fronteira de Gaza com Israel por uma banda de 30 km, de onde o Exército

Quanto 19 meses é o tempo que já dura o bloqueio econômicomilitar conduzido por Israel contra a Faixa de Gaza israelense se retiraria. É evidente que o Hamas nunca vai aceitar as condições de Israel. Permanece uma vaga esperança para o plano de Sarkozy, que o Hamas julgou “interessante”. O problema é que a troika do governo israelenses (Olmert-Livni-Barak) ainda aposta em uma solução militar que possa promover a afirmação de novos parceiros políticos dispostos a negociar o cessar-fogo com base nas condições de Israel. (AL)

1) o movimento religioso ligado ao fundamentalismo xiita; 2) os serviços sociais (creches, ambulatórios, escolas, universidades, rádios e empresas comunitárias e demais serviços públicos); 3) o partido político; 4) o braço armado (Brigadas Ezzedim alQassam). A direção política é representada pelo grupo de Khaled Meshaal, que, a partir da capi-

tal da Síria, Damasco, se ocupa das relações diplomáticas e das finanças. Em Gaza e na Cisjordânia, a direção política é local, com uma assembleia permanente de 50 dirigentes que tomam decisões quase sempre em regime de semiclandestinidade para fugir às emboscadas do Mossad israelense. A ala militar criou um sistema de clandestinidade no qual as células são compostas por

no máximo dez militantes, que operam absolutamente desligados do partido e do movimento e que recebem apenas orientações formais. Cada célula tem seu laboratório para construir artesanalmente os foguetes Qassam, enquanto os Grad são importados da China e os Faijr3, do Irã. Estes foguetes, bem como o material para construir os Qassam, chegam pelos túneis construídos debaixo da fronteira egípcia – expediente utilizado após o presidente egípcio Moubarak ter fechado a fronteira (Porta de Rafah), apoiando o bloqueio econômico e militar de Israel. Segundo a inteligência israelense, citada pelo site Debkafiles, a capacidade militar do Hamas foi atingida somente em 15%, de forma que lhe sobram ainda uns 10 mil foguetes Qassam e uma centena de Grad e Fajr3, cuja ogiva de 70 quilos o faz voar até 50 quilômetros. Mohammad Nazzal confirmou em Damasco que o Exército israelense até o dia 11 havia conseguido matar um líder político do Hamas, Nizar Rayan, e dois chefes das Brigadas Ezzedim Qassam, Abu Zakaria Al Jamal e Muhhad Shalfuk, enquanto Jihad Adam ficou gravemente ferido nos combates em Khan Yunes. Por isso, o responsável político do Hamas em Gaza, Moushir Al-Masri, em uma entrevista na TV Al Jazira, declarou que “o inimigo, apesar dos contínuos bombardeios e ataques pelo mar, terra e ar, não conseguiu alcançar seus objetivos. A resistência, com os poucos meios de defesa que dispõe, surpreendeu o Exército sionista. O inimigo não vai reconhecer sua incapacidade em derrotar a resistência e, graças à farsa do Conselho de Segurança, vai continuar bombardeando sobretudo as áreas onde se encontram nossas populações”.

Richard Falk, relator da ONU: “Um crime terrível contra o povo de Gaza” No dia 15 de dezembro passado, o professor Richard Falk, após desembarcar no aeroporto Bem Gurion, de Tel Aviv, como chefe da missão da ONU encarregado de investigar violações dos direitos humanos nos territórios da Cisjordânia e na Faixa de Gaza, era expulso pela polícia por ser considerado “antissemita”. Nesta entrevista telefônica, Michelangelo Cocco, do jornal italiano il Manifesto pediu ao professor Falk sua opinião sobre a invasão em Gaza.

Michelangelo. Cocco — Professor Falk, a Ministra das Relações Exteriores de Israel, Tzipi Livni, declarou que “não há nenhuma crise humanitária em Gaza”.

Richard Falk – Bombardear diariamente uma população indefesa e em uma área densamente povoada como é a Faixa de Gaza é sem dúvida um crime.

bloqueio extremo que negou à população alimentos, combustível e medicamentos têm criado uma situação de sofrimento e uma deterioração da mesma.

Você acredita que o governo israelense deve ser perseguido juridicamente?

Mesmo assim o governo israelense continua dizendo que tem o pleno direito de se defender, após o lançamento de foguetes contra o seu território.

Falk – Sim, o direito penal internacional não deveria perseguir apenas os derrotados, como aconteceu nos últimos 15 anos. Nos últimos dias se falou muito em “trégua humanitária”. Acha que pode ajudar? Qualquer diminuição da emergência é bem-vinda. Porém, é preciso lembrar que os efeitos de 18 meses de um Reprodução

Em teoria, Israel, enquanto Estado soberano, tem direito a sua autodefesa. Porém, o uso indiscriminado de caça-bombardeiros F-16 e dos helicópteros Apache contra uma população sem nenhuma defesa é incontestável. Há, também, relatórios que apontam o uso do urânio empobrecido nas bombas chamadas “bunker buster”, para destruir os túneis que interligam Gaza com o Egito. Neste âmbito, temos que lembrar que o embargo contra um povo, praticado em regime de ocupação, pode ser considerado um ato de guerra. A imprensa israelense justificou sua expulsão porque você disse que a situação dos palestinos em Gaza era semelhante à dos judeus na Europa durante a ditadura nazista.

Tanques de Israel versus fuzis do Hamas

Nunca disse que era a mesma coisa. Porém, acredito que a maneira como foram concebidas as políticas contra o povo de Gaza podem ser equiparadas às terríveis experiências que os judeus europeus sofreram. (Tradução de AL)


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Do Brasil, organizações populares pedem o fim imediato da ofensiva MASSACRE NA FAIXA DE GAZA Movimentos pressionam governo Lula para ter postura mais energética Sílvia Valim

Eduardo Sales de Lima da Reportagem O ANO começou com manifestações populares de apoio à resistência palestina espalhadas por todo o Brasil. Movimentos sociais e partidos de esquerda pedem o fim imediato do massacre infligido pelo Estado de Israel aos palestinos que vivem na Faixa de Gaza. Reivindicam, também, que o exército israelense deixe aquela população livre para iniciar a reconstrução do seu território. Localmente, as principais bandeiras são a revogação do Tratado de Livre Comércio (TLC) do Mercosul com Israel e o boicote às empresas israelenses. “Como é que o Brasil pode assinar um acordo como esse? Todas as resoluções da ONU sobre a questão da Palestina foram desrespeitadas por Israel”, afirma Marcelo Buzetto, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Em Brasília (DF), ainda na véspera do ano novo, integrantes da comunidade palestina no Brasil se reuniram em frente à Embaixada de Israel. No dia 6, em Florianópolis (SC), manifestantes se encontraram na região central da cidade e recolheram assinaturas contra os ataques israelenses. Dois dias depois, cerca de mil cidadãos que vivem no Rio de Janeiro (RJ) se dirigiram ao consulado estadunidense, atiraram sapatos em direção ao prédio da representação diplomática e queimaram bandeiras dos EUA e Israel. Em Curitiba (PR), no dia 9, a exemplo de Florianópolis, também foram coletadas assinaturas para o fim dos bombardeios. Fechando essa primeira semana de mobilizações, no dia 11, 7 mil foram às ruas em São Paulo (SP), na região da avenida Paulista. A passeata destacou imagens do genocídio palestino e denunciou os grandes meios de comunicação pelo apoio aos ataques, pedindo empenho total do governo brasileiro pela paz na região. No dia 13, por fim, cerca de 500 pessoas mobilizadas por mais de 20 entidades pediram o fim dos ataques israelenses aos moradores de Gaza numa manifestação que percorreu as ruas centrais de Porto Alegre (RS).

Manifestação em Curitiba (PR), que pediu o fim dos ataques de Israel contra Gaza

Expulsar o embaixador israelense “não estaria na ordem da agenda”, tendo em vista que o “Brasil busca ser um mediador do conflito”, afirma diretor do Cebrapaz Rubens Diniz, diretor do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), pontua que o próximo Fórum Social Mundial (FSM), que ocorrerá em Belém (PA) entre janeiro e fevereiro, será o ápice das manifestações contra a escalada de violência de Israel. “Acreditamos que a marcha de abertura do evento será um ‘não’ de todos os movimentos sociais presentes no Fórum a essa barbárie que ocorre no Oriente Médio”, aposta. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) divulgou, em

Na adolescência... “Quando adolescente, eu morava na cidade de Belém, na Cisjordânia, ocupada em 1967. Era proibido mencionar o nome da Palestina nas escolas. Se portássemos a bandeira da Palestina, seríamos presos por mais de três anos”, lembra o médico Abdel Latif. Ele conta que na escola era proibido ensinar geografia da Palestina ou história da Palestina. “Apesar dessa tentativa de Israel de criar uma nova geração esquecendo da história, essa mesma geração, em 1987, ergueu a bandeira da luta palestina”, afirma Abdel. Segundo ele, “o objetivo principal daquela geração era se libertar da ocupação israelense e criar uma entidade palestina”. Sob um olhar estrangeiro Jamil Murad, vereador pelo PCdoB na cidade de São Paulo, lembra de janeiro de 1988, quando viu com seus próprios olhos a Primeira Intifada. “Fomos em 15 médicos nos solidarizar com os palestinos. Os soldados de Israel quebraram os braços de crianças com porretes e utilizaram gases tóxicos que provocavam hepatite, pneumonia e aborto”, lamenta. (ESL)

nota, que “sob o pretexto de uma ação de caráter ‘defensivo’, o exército de Israel destrói escolas, hospitais, residências, matando um sem-número de civis inocentes, num caso típico de terrorismo de Estado”. Já a Consulta Popular criticou o respaldo dado pela Casa Branca ao terrorismo do governo israelense. Responsabilidade histórica

O governo Lula enviou o chanceler Celso Amorim para visitar a Faixa de Gaza e dizer que o Brasil está interessado em participar ativamente da busca por um caminho para a paz. Ele reiterou o reconhecimento brasileiro à criação do Estado de Israel, mas disse que o povo palestino merece também ter seu Estado próprio e ambas partes devem dialogar. Apesar disso, Marcelo Buzetto, do MST, espera menos timidez do governo brasileiro. “É importante dizer explicitamente, como o Celso Amorim disse, que o governo brasileiro expressa solidariedade ao povo palestino; mas é tímido. Além disso, o governo brasileiro mandou 14 toneladas de alimentos. O governo venezuelano, com muito menor capacidade, já man-

dou 12 toneladas e vai mandar mais 80”, compara. O Partido Socialismo e Liberdade (Psol), também em nota, se dirigiu ao governo brasileiro solicitando que suspenda imediatamente todas as relações diplomáticas com Israel. No entanto, tal idéia não agrada o diretor do Cebrapaz, Rubens Diniz. Para ele, expulsar o embaixador israelense “não estaria na ordem da agenda”, tendo em vista que o “Brasil busca ser um mediador do conflito”. O palestino Abdel Latif, integrante do Movimento Palestina para Todos (Mopat), se vale da história para ilustrar os diferentes níveis de apoio que seu povo recebe. “Qualquer apoio é bem-vindo, mas a história nos ensinou que o nazismo não caiu com negociações ou críticas suaves. O mesmo aconteceu no caso do apartheid, na África do Sul”, lembra. Para ele, há forças no cenário mundial que têm responsabilidades histórica e moral de dar um passo além da crítica suave. Por fim, Latif elogia a posição tomada pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez: “é necessário ter mais ações como a dele”.

Associações judias se posicionam da Reportagem O Oriente Médio está marcado pela intolerância e pela sobrevivência de algumas ideias que legam a destruição do Estado de Israel. Isso é o que defende o assessor do setor de comunicação da Federação Israelita do Estado de São Paulo, Jairo Roizen. “Mais de 60 anos depois da decisão da ONU de partilhar a Palestina, ainda existem grupos como o Hamas, que defendem o fim do Estado judeu e fazem essa região viver em violência, como mostra o conflito dos últimos dias”. Para ele, é preciso reconhecer o direito que o Estado de Israel tem legitimamente de se defender de ataques terroristas que o Hamas inflige ao país há muitos anos. “Infelizmente, as pessoas veem esse momento como se Israel só estivesse atacando. Israel está se defendendo. Desde 2000, mais de 1.100 pessoas foram assassinadas pelo terrorismo. Só em 2008, foram mais de 2.500 mísseis atirados contra cidades do sul de Israel”, argumenta Roizen.

Espiral de violência Num outro viés, a Associação Scholem Aleichem, do Rio de Janeiro, divulgou sua declaração contra o que denomina de “ilusão militarista”. Para a entidade, a operação de guerra de Israel contra a Faixa de Gaza realimenta a espiral de violência no Oriente Médio. “São centenas de mortos e feridos palestinos, muitos não-combatentes, atingidos por armamento de última geração. A resposta do Hamas, com mísseis artesanais, matou e feriu israelenses, causando pequenos danos materiais”, afirma o texto. A Associação ressalta que o corte do fornecimento de água, eletricidade e combustíveis aos palestinos está trazendo consequências terríveis à população. “O resultado é o crescimento da pobreza, do desemprego, da desesperança, da radicalização”, constata. (ESL)

Hamas: mais um argumento sionista para exterminar o povo palestino Para médico palestino, a exemplo do nazismo alemão, Estado israelense mente da Reportagem O atual ataque aos palestinos que vivem na Faixa de Gaza é premeditado e faz parte de uma estratégia israelense, que é contínua e sistemática. Tal análise é sustentada por Jamile Abdel Latif, integrante do Movimento Palestina para Todos (Mopat) e consultora jurídica das Federação das Entidades Palestinas. “Eles fingem que negociam com os palestinos”, diz. Assim, em meio a “paz negociada”, surgem as “provocações” aos palestinos, que podem ser traduzidas, por exemplo, em bloqueios econômicos. Como peixes que abocanham o anzol, as reações dos árabes servem como o argumento básico para a ma-

nutenção dos massacres. Segundo ela, essa estratégia tem o objetivo último de assassinar as lideranças palestinas e provocar a imigração em massa desse povo para outros países. Essa linha de pensamento se insere também dentro daquilo que Rubens Diniz, do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), argumenta, apontando para a importância da parceria estadunidense junto ao Estado israelense: “Isso faz parte de um plano de construção de um novo grande Oriente Médio. Uma nova zona geopolítica de influência estadunidense que vai de parte do Magreb até áreas da Ásia”, afirma. No entanto, se a Palestina é assolada pelo genocídio resultante da política israelense, o mundo já está mostrando os efeitos colaterais das ações belicistas. “Vai chegar um momento em que o mundo repensará a atitude de Israel. Se esse Estado precisa sacrificar anualmente milhares de crianças libanesas, palestinas, para se manter, vale apena apoiar esse país?”, argumenta

Abdel Latif, médico palestino integrante do Mopat. De acordo com ele, os políticos de Israel não só aprenderam com os nazistas sobre os meios de tentar exterminar um povo, mas principalmente sobre os meios de propaganda de Joseph Goebbels. “Mente, mente, mente; e será verdade. Eles dizem que a guerra não é contra o povo palestino, mas contra o Hamas; mataram cerca de mil civis palestinos e mais da metade são mulheres e crianças”, conclui. Hamas No atual contexto do ataque sionista a Gaza, o Hamas se transformou somente em mais uma peça a serviço do jogo israelense, como explica Jamile Abdel Latif. Mais uma vez, Israel justifica e se legitima ao Ocidente provocando, para, na sequência, arrasar. “Posso não concordar com o Hamas. Mas, há seis meses, esse grupo acertou uma trégua com Israel. Nesse tempo nenhum israelense morreu. Mas 50 civis palestinos foram mortos e

centenas de palestinos feridos esperaram ser medicados. E o bloqueio econômico continuou”, explica o médico palestino, se referindo ao período de seis meses de cessar-fogo que antecederam o ataque à Faixa de Gaza. Abdel destaca o que chama de “miopia moral” do Ocidente ao não legitimar a vitória democrática do Hamas. “O Hamas ganhou as eleições em 2006 e não teve a chance de mostrar seu programa político. No dia seguinte às eleições anunciaram o bloqueio econômico. O povo escolheu o Hamas. O que dificultou tudo foi a esquizofrenia moral do ocidente, que olha para a Palestina com o olho de Israel”, avalia. Apesar da escalada da violência israelense, o integrante do Mopat acredita na resistência de seu povo e resgata a existência dessa fé por meio da história. “Em 1948, obrigaram mais de 800 mil palestinos a sair de suas casas, de suas cidades. Líderes sionistas falaram que os velhos morreriam e os novos esqueceriam disso. Isso não aconteceu”, observa. (ESL)


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de 15 a 21 de janeiro de 2009

internacional

Pelo mundo, governos e manifestantes oferecem solidariedade aos palestinos MASSACRE NA FAIXA DE GAZA Ações de Israel são condenadas em protestos nas Américas e na Europa

“Israel, assassino, vocês são os terroristas”, gritam manifestantes argentinos A medida provocou o descontentamento do governo israelense, que afirmou que serão tomadas medidas de represália, como uma possível expulsão do representante venezuelano no país. Já o líder do partido libanês Hizbollah, Hasán Nasralá, elogiou a decisão do presidente latino-americano e pediu que outros países árabes sigam o exemplo de Chávez, adotando uma postura mais firme diante de Israel. Na Argentina

O governo da Argentina também repudiou a “força desproporcional” usada por Israel na Faixa de Gaza e exigiu imediato cessar-fogo para “resolver as graves e urgentes necessidades humanitárias da população civil palestina”. O representante argentino na Organização das Nações Unidas, Jorge Argüello, pediu, ainda, uma “investigação independente” sobre os ataques israelenses contra escolas de refugiados da ONU em Gaza, onde morreram dezenas de civis. No dia 6, cerca de 7 mil argentinos participaram de um ato em repúdio às ações de Israel em Gaza no Obelisco e em frente à embaixada israelense em Buenos

Marcelo Cugliari/CC

De Norte a Sul

Patricio/CC

No México, o governo do presidente Felipe Calderón repudiou tanto o uso excessivo da força nas operações israelenses como o lançamento de foguetes por parte do Hamas. Nas ruas da Cidade do México, entidades e organizações mexicanas também promoveram uma manifestação pedindo o fim dos ataques. No Equador, dezenas de pessoas se reuniram em Quito diante da embaixada de Israel. Os manifestantes, que percorreram várias ruas da capital até chegar à sede da diplomacia israelense, pintaram a fachada de preto e jogaram ovos e sapatos contra o prédio. Os ataques israelenses também foram condenados pelo governo do Chile, que, por meio de uma declaração, repudiou “energicamente” as ações de Israel e expressou “sua mais profunda preocupação pela escalada de violência vivida na região”. Na capital Santiago, dezenas de membros da comunidade palestina no Chile expressaram sua rejeição à ofensiva em Gaza.

Europa e Líbano

Na Europa, milhares de pessoas foram às ruas de várias cidades no último final de semana para protestar contra os ataques de Israel na Faixa de Gaza. As maiores manifestações ocorreram em Madri e Barcelona (Espanha), Londres (Inglaterra) e Paris (França). Na capital francesa, o alvo também foi o presidente Nicolas Sarkozy, que, segundo os manifestantes, tem assumido um discurso semelhante ao dos Estados Unidos sobre o direito de Israel se defender e sobre o “terrorismo do Hamas”. No sul do Líbano, cerca de 20 mil pessoas se reuniram em Nabatiyeh no dia 10 para acompanhar um comício promovido pelo Hizbollah, que lutou contra Israel em 2006 e apoia o Hamas.

Judeus contra a ofensiva As manifestações contra a violência israelense também contam com a participação de diversos grupos judeus. Em Israel, a organização pacifista Gush Shalom convocou um ato em Tel Aviv contra o que chama de “loucura” na Faixa de Gaza. Ela exige o “fim do massacre” e dos “crimes de guerra”, assim como a retirada dos soldados da região. No início deste mês, cerca de 150 mil pessoas marcharam em diversas cidades do país em repúdio à ofensiva.

Em Toronto, no Canadá, dez mulheres judias ocuparam de forma pacífica o consulado israelense. As manifestantes pediram que Israel pare imediatamente com os ataques, além de mostrarem seu descontentamento com o governo do Canadá, que tem apoiado as ações militares israelenses. “Israel pretende representar a todos os judeus do mundo, mas essas atrocidades não são cometidas em nosso nome”, assegura a cineasta Cathy Gulkin, que participou do ato.

Nobel de Shimon Peres é questionado O atual presidente de Israel, Shimon Peres, recebeu em 1994 o Prêmio Nobel da Paz, por sua atuação no Acordo de Paz de Oslo, assinado em 1993, que pretendia a paz entre israelenses e palestinos. Ao lado de Peres, que era ministro dos Negócios Estrangeiros, receberam o Nobel o primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin, e o então líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) Yasser Arafat. No entanto, o prêmio dado a Peres vem sendo questionado em função de declarações que ele vem dando à imprensa. Em uma delas, o presidente explica por que estão morrendo mais crianças palestinas do que israelenses no conflito: “Muitas crianças palestinas estão morrendo. E quase nenhuma criança israelense foi morta. Por quê? Porque cuidamos das nossas crianças”. (PB)

Bernardo Londoy/CC

A OFENSIVA militar israelense contra a Faixa de Gaza tem motivado atos de apoio aos palestinos em todo o mundo, que vão de manifestações nas ruas até condenações públicas por parte de vários governos. A atitude mais forte, até agora, ocorreu na América Latina, onde o presidente venezuelano, Hugo Chávez, expulsou de seu país, no dia 6, o embaixador israelense, Shlomó Cohen e seus colaboradores mais próximos. Chávez classificou o Exército de Israel como “covarde” e acusou o governo de Ehud Olmert de “assassino genocida”. Além disso, ele defendeu que o presidente israelense, Shimon Peres, seja julgado pelo Tribunal Internacional de Haia. Em nota, o Ministério do Poder Popular para as Relações Exteriores da Venezuela explica que a decisão de expulsar a embaixada israelense de Caracas reitera a solidariedade irrestrita do povo venezuelano aos palestinos. A declaração também garante que o governo Chávez não descansará até que os responsáveis pelos crimes em Gaza sejam punidos. Por fim, o Ministério acusa Israel de praticar terrorismo de Estado, promovendo flagrantes violações do Direito Internacional. Milhares de venezuelanos também participaram de uma manifestação em apoio ao povo palestino em frente à embaixada israelense em Caracas, gritando frases como “Basta de petróleo para Israel” e “Boicote aos produtos israelenses”.

Aires. Os manifestantes protestaram contra o “genocídio” a que os palestinos estão sendo submetidos e gritaram palavras de ordem como “Israel, assassino, vocês são os terroristas”.

Intelectuais pedem igualdade entre povos Artistas e intelectuais de diversos países têm se manifestado contra a ofensiva israelense em Gaza. Abaixo, segue um texto escrito pelo músico de origem israelita e militante da causa palestina Daniel Barenboim. O documento será publicado com todas as adesões no dia 20, mas já recebeu as assinaturas, entre outros, do bispo Desmond Tutu (África do Sul), do maestro Zubin Mehta (Índia), do cineasta Wim Wenders (Alemanha), Jorge Semprun (Espanha) e dos brasileiros Sílvio Tendler, cineasta, e Walnice Nogueira Galvão, professora da USP. “Durante os últimos quarenta anos, a história tem demonstrado que o conflito israelense-palestino não pode ser resolvido pela força. Todos os esforços, todos os meios possíveis e todos os recursos da imaginação e da reflexão devem ser agora utilizados para encontrar um novo caminho para seguir adiante. Uma nova iniciativa que alivie o medo, reconheça a injustiça e leve a segurança de israelenses e palestinos da mesma forma. Uma iniciativa que exige de todas as partes uma responsabilidade comum: assegurar a igualdade de direitos e a dignidade de ambos os povos e garantir o direito de cada pessoa de transcender o passado e aspirar a um futuro.” (PB)

Israelenses que não querem lutar vão para a cadeia da Redação

A partir do alto, manifestações na Argentina, Chile e Venezuela

ONU condena ofensiva Nações Unidas apontam “violações massivas dos direitos humanos do povo palestino” Frecuencias Populares/CC

Patrícia Benvenuti da Redação

da Redação O Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) adotou no dia 12, por ampla maioria, uma resolução que condena Israel por sua atual ofensiva na Faixa de Gaza, pede o fim da incursão e decide pelo envio de uma missão independente para investigar abusos cometidos pelos militares israelenses. O texto obteve 33 votos favoráveis, 1 voto contrário do Canadá e 13 abstenções de países europeus – os Estados Unidos não fazem parte do Conselho. A resolução “condena duramente” a operação israelense, “que tem resultado em violações massivas dos direitos humanos do povo palestino e na destruição sistemática das infraestruturas”. Além disso, exige a retirada das forças de Israel de Gaza e o fim imediato dos ataques militares israelenses, que já deixaram mais de 900 mortos – dos quais cerca de 275 crianças – e mais de 4 mil feridos. Durante a sessão especial dedicada à

Protesto no México

Palestina, o embaixador palestino em Genebra, Ibrahim Khraishi, qualificou de “genocídio” o que ocorre em Gaza e afirmou que 80% dos mortos palestinos em ataques são civis. (PB)

Um grupo de jovens israelenses, que têm entre 16 e 19 anos, está preso por se recusar a servir ao Exército de Israel. Chamados de Shministim ou de “objetores de consciência”, eles se negam a ingressar no Exército por questões de consciência, já que não concordam com a violência cometida pelos militares de seu país. Os Shministim, que acreditam em um futuro melhor para palestinos e israelenses, pedem agora a ajuda da sociedade civil para levar ao conhecimento do governo de Israel que, em todo o mundo, vários objetores de consciência apoiam sua coragem. No dia 18 de dezembro, foi lançada uma campanha mundial em favor desses jovens e para exigir sua libertação. De acordo com um comunicado que circula na internet, “especialmente agora que bombas caem sobre Gaza, nós somos lembrados de que, quando os soldados dizem não ao ilegal, mortes são evitadas”. Informações sobre a campanha, a carta de apoio, histórias e depoimentos desses jovens podem ser encontrados no site www. december18th.org. (PB)


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