Edição 309 - de 29 de janeiro a 4 de fevereiro de 2009

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Circulação Nacional

Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 7 • Número 309

São Paulo, de 29 de janeiro a 4 de fevereiro de 2009

R$ 2,50 www.brasildefato.com.br

Reprodução

Fernão Lopes

Lobby sionista orienta política dos EUA

Constituição é aprovada na Bolívia

Devido à influência que o chamado “lobby sionista” exerce nos EUA, ações e recursos de organizações pró-israelenses no país determinam a política estadunidense em relação ao Estado judaico. Pág. 10

Carta Magna é aprovada com 60% dos votos, num comparecimento recorde de 85% da população às urnas. Entre outros pontos, o novo texto proíbe latifúndios agrícolas para além de 5 mil hectares. Pág. 9

Douglas Mansur/Novo Movimento

Fórum Carajás condena modelo predatório na Amazônia Mina da Vale, em Carajás, fotografada durante visita dos participantes do Fórum

Cerca de 500 pessoas participaram, entre os dias 24 e 27 de janeiro, do Fórum Social Carajás, sediado em Parauapebas (PA). Durante o encontro, elas visitaram regiões onde operam grandes empresas, como a Vale, e denunciaram o avanço predatório do capital sobre a Amazônia. Pág. 3 Lucivaldo Sena/Agência Pará

Itália usa caso Battisti para distrair sua população

Fóruns paralelos dão início ao FSM 2009

No dia 27 de janeiro, o governo da Itália chamou de volta o seu embaixador no Brasil, Michele Valensise, para consultá-lo sobre a negativa brasileira de extraditar o escritor Cesare Battisti. Na véspera, o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, havia recomendado ao STF a extinção do processo e a libertação de Battisti. Em análise, o jornalista Rui Martins explica que a atitude não passa de jogo de cena do governo italiano para esconder os efeitos da crise econômica em seu país. Págs. 2 e 6

Sob a forte chuva da capital paraense Belém, uma grande marcha deu início, no dia 27 de janeiro, ao 9º Fórum Social Mundial. Mais de 100 mil pessoas devem participar, até 1º de fevereiro, dos debates sobre as mudanças climáticas – principalmente na Amazônia –, a crise econômica e o futuro da hegemonia estadunidense no governo de Barack Obama. Porém, as atividades relacionadas ao encontro começaram em meados de janeiro, com os fóruns mundiais de Mídia Livre, Teologia da Libertação, Saúde e dos Juízes. Págs. 7, 8 e 12

Na abertura do 9º Fórum Social Mundial, em Belém (PA), milhares de pessoas saíram da Praça do Cais em direção à Praça do Operário

MST é homenageado por ocasião dos seus 25 anos No dia 24, governadores, deputados, intelectuais e dirigentes políticos nacionais e internacionais participaram em Sarandi, Rio Grande do Sul, de ato político-comemorativo dos 25 anos do Mo-

vimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Entre os presentes estiveram os governadores Roberto Requião e Jackson Lago, além de Aleida Guevara e Anita Prestes. Págs. 4 e 5 Douglas Mansur/Novo Movimento

Ontem, centro de tortura. Hoje, espaço de memória O térreo do prédio onde funcionou o antigo Departamento de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo (Deops/SP) passou por uma reforma e foi reinaugurado, no dia 24 de janeiro, como Memorial da Resistência. Para Ivan Seixas, do Fórum de ex-Presos e Perseguidos Políticos de São Paulo, “resgatar o prédio e transformá-lo num símbolo de resistência é a manifestação de quem luta pela democracia e não quer apagar as pistas de sangue deixadas por carrascos impunes até os dias de hoje”. Pág. 12 ISSN 1978-5134

Cerca de 2 mil pessoas participaram do ato político-comemorativo

Obama não promoverá grandes mudanças As primeiras medidas tomadas pelo novo presidente dos EUA, Barack Obama, indicam que não haverá muitas alterações em sua gestão, tanto em relação à política

interna como externa. A opinião é do economista Nildo Ouriques. “Essa é a transição mais conservadora da história dos EUA”, destaca, em entrevista. Pág. 11


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editorial COM A GARANTIA da permanência do ex-ativista Cesare Battisti no Brasil, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, através do seu ministro da Justiça, Tarso Genro, do próprio presidente e de alguns outros componentes do seu primeiro escalão – como o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), Paulo Vannuchi –, dará um importante passo na consolidação das nossas instituições democráticas. Mesmo aqueles que, como nós, podem divergir de diversos aspectos das políticas que vêm sendo encaminhadas, não terão como deixar de reconhecer a postura do estadista, e a correção da decisão. A grande mídia comercial, doutor Gilmar Mendes e seus assemelhados As pressões contra o Planalto não são poucas. Internamente, inútil falar da grande mídia comercial (a mais desmoralizada das instituições brasileiras) e de outros protagonistas – igualmente desmoralizados – como o presidente do Supremo Tribunal (STF), doutor Gilmar Mendes. Este mostrou-se tão pressuroso em conceder dois habeas corpus em 48 horas ao senhor Daniel Dantas, quanto rápido foi no envio, para a

debate

A nova República de Salò Procuradoria Geral da República, de um pedido de parecer sobre a questão, logo depois do ministro Tarso ter anunciado sua decisão (14.1.2009) de conceder refúgio humanitário a Battisti. Ou seja, a mesma agilidade que usou para soltar o mafioso, aviou para manter preso o ex-militante de esquerda. No entanto, na terça-feira passada (27.1.2009), o procurador geral da República, doutor Antonio Fernando de Souza, aconselhou o STF a arquivar o processo de extradição de Battisti, que se encontra preso no Complexo Penitenciário de Papuda (DF). O caso ainda será julgado pela Corte. Nada de novo nas manobras do doutor Gilmar. Foi exatamente para cumprir papéis como esse que foi alçado ao STF pelo douto presidente Fernando Henrique Cardoso: esconder as falcatruas do “ilibado” tucano e seus apaniguados e promover desestabilizações contra os opositores. Presidente, premiê e todo o primeiro escalão italiano adentram no perigoso terreno da galhofa Desde o fim da era Mussolini, a

Itália não conhecia nada sequer parecido com o ridículo em que foi lançada pelo seu atual presidente, senhor Giorgio Napolitano, e pelo seu premiê, senhor Silvio Berlusconi. Até porque, desde o final da 2ª Guerra, a direita italiana jamais conseguiu a expressão que ganhou nesta última década. O caso Battisti vai acabando lentamente e de forma patética, para os governantes daquele país. Comendo mortadela e arrotando peru, os herdeiros políticos e ideológicos do Duce metem, a cada dia mais, os pés pelas mãos. Logo após a declaração do procurador geral da República, aconselhando ao STF o arquivamento do processo de extradição de Battisti, num jogo de cena de circo mambembe, o chanceler italiano, senhor Franco Frattini, no próprio dia 27, chamou a Roma seu embaixador em Brasília, senhor Michele Valensise, “para consultas”. “Se entrega, Corisco!” O ministro da Defesa, senhor Ignazio La Russa, por sua vez – como se estivesse às vésperas de uma nova invasão da Abissínia (1935) ou já às portas de Adis-

crônica

Eduardo Galeano

Operação Chumbo Impune PARA JUSTIFICAR-SE, o terrorismo de Estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe pretextos. Tudo indica que esta carnificina de Gaza, que, segundo seus autores, quer acabar com os terroristas, acabará por multiplicá-los. Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, seu tudo. Nem sequer têm direito a eleger seus governantes. Quando votam em quem não devem votar, são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se em uma armadilha sem saída, desde que o Hamas ganhou limpamente as eleições em 2006. Algo parecido havia ocorrido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta e, desde então, viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem. São filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com desajeitada pontaria sobre as terras que foram palestinas e que a ocupação israelense usurpou. E o desespero, à margem da loucura suicida, é a mãe das bravatas que negam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está negando, há muitos anos, o direito à existência da Palestina. Já resta pouca Palestina. Passo a passo, Israel está apagando-a do mapa. Os colonos invadem, e atrás deles os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam a pilhagem, em legítima defesa. Mesma receita Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma de suas guerras defensivas, Israel devorou outro pedaço da Palestina, e os almoços seguem. O apetite devorador se justifica pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos 2 mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu e pelo pânico que geram os palestinos à espreita. Israel é o país que jamais cumpre as recomendações e as resoluções das Nações Unidas, que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, que burla as leis internacionais, e é também o único país que legalizou a tortura de prisioneiros. Quem lhe deu o direito de negar

Abeba –, disse que não se renderá à decisão do Brasil, e que seu governo deverá “tentar todos os caminhos possíveis e imagináveis” para conseguir a extradição do ex-ativista. Não temos dúvida de que os fascistas italianos são capazes de percorrer todos os caminhos imagináveis, e sobretudo os inimagináveis: apesar da fragorosa derrota dos anos de 1940, os fascistas italianos jamais saíram de cena. Nos anos de 1960, 1970 e até em 1980, dedicaram-se a atentados terroristas e até mesmo a uma tentativa de golpe de Estado. Assim, ao invés de tentarem atropelar as instituições brasileiras, os governantes italianos deveriam esclarecer, julgar e punir os autores e responsáveis por atentados como a bomba contra o Banco Nacional da Agricultura, em Milão (dezembro de 1969), que deixou 16 mortos e 88 feridos; a bomba colocada no trem Roma - Munique (agosto de 1974), que resultou em 12 mortos e 44 feridos; e a bomba colocada na Estação Ferroviária de Milão (agosto de 1980), que teve como saldo 85 mortos e 200 feridos. Esta última ação foi execu-

Diante da tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial se ilumina uma vez mais todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está executando a matança de Gaza? O governo espanhol não conseguiu bombardear impunemente o País Basco para acabar com o ETA, nem o governo britânico pôde arrasar a Irlanda para liquidar o IRA. Por acaso a tragédia do Holocausto implica uma apólice de eterna impunidade? Ou essa luz verde provém da potência manda-chuva que tem em Israel o mais incondicional de seus vassalos? O exército israelense, o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe a quem mata. Não mata por engano. Mata por horror. As vítimas civis são chamadas de “danos colaterais”, segundo o dicionário de outras guerras imperiais. Em Gaza, de cada dez “danos colaterais”, três são crianças. E somam aos milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar está ensaiando com êxito nessa operação de limpeza étnica. Cem a um E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Para cada cem palestinos mortos, um israelense. Gente perigosa, adverte outro bombardeio, a cargo dos meios massivos de manipulação, que nos

convidam a crer que uma vida israelense vale tanto quanto cem vidas palestinas. E esses meios também nos convidam a acreditar que são humanitárias as 200 bombas atômicas de Israel, e que uma potência nuclear chamada Irã foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki. A chamada “comunidade internacional” existe? É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos adotam quando fazem teatro? Diante da tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial se ilumina uma vez mais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas rendem tributo à sagrada impunidade. Diante da tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos. A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama alguma que outra lágrima, enquanto secretamente celebra essa jogada de mestre. Porque a caçada de judeus foi sempre um costume europeu, mas há meio século essa dívida histórica está sendo cobrada dos palestinos, que também são semitas e que nunca foram, nem são, antissemitas. Eles estão pagando, com sangue constante e sonoro, uma conta alheia. Nota do autor: este artigo é dedicado a meus amigos judeus assassinados pelas ditaduras latino-americanas que Israel assessorou.

tada por um comando que reuniu a Loja Maçônica P2 e a Máfia (dados pesquisados através do Google). Enquanto isso... Enquanto isso, no Brasil, discretamente, o ministro da Defesa, doutor Nelson Jobim, os comandantes das três armas e outros ministros de corte assemelhado, preparam um documento (cuja primeira versão entregaram enquanto proposta ao presidente Luiz Inácio) de uma “Estratégia Nacional de Defesa – Paz e Segurança para o Brasil”. Calcado na velha Doutrina de Segurança Nacional, o texto (que pode ser acessado no site ), em muitos pontos, avança bem além do que se conheceu na mais recente ditadura, especialmente no que diz respeito ao papel de polícia interna atribuído às Forças Armadas. Estranhamente (?), ministros que não poderiam estar ausentes da elaboração de uma política de Defesa para o Brasil – como o da Justiça e o da SEDH –, não foram convidados a compor a seleta comissão. Para coroar a questão, doutor Jobim pretende lançar a proposta final do texto no dia 31 de março (45 anos do golpe de 1964). Enfim, cada governo tem La Russa que faz por merecer. (Sobre Battisti, ler página 6)

Augusto Juncal

Um Cão Paraíba “A REAL? Vô dizê qual é a real. A real é que eu vou quebrar a cabeça dessa véia com esse porrete. Vou abrir cabeça dela em duas parte. Essa véia estúpida, alimentando seu cachorro estúpido, na varanda de sua casa estúpida, nessa cidade estúpida. E eu vô chutar esse cachorro estúpido. Estúpido e atropelado. Bem atropelado. E essa véia, com esse seu choro estúpido, porque seu cachorro estúpido está morto e atropelado. Que senão tivesse mais atropelado do que já tá eu também dava uma porrada com esse porrete nesse cachorro estúpido. Aí eu queria ver essa véia ficar de conversa estúpida, enquanto joga um biscoito estúpido pro ar pro cachorro estúpido dar um pulo estúpido e pegar o biscoito. Que ódio dessa véia. O ódio é uma coisa estúpida também. E a violência as veiz é estúpida as veiz não é. Agora não é. Se eu abrir a cabeça dessa véia com esse porrete não vai ser estúpido porque eu estou abrindo a cabeça de uma véia que é muito estúpida. Meu pai também é um velho estúpido. Tem muito pouco, quase não tem nada, não tem nada mesmo e tem medo de perder o que tem. Meu pai tem medo de perder o que não tem. E isso é muito estúpido. Eu não tenho nada. Portanto não tenho nada a perder. Eu tenho eu. E já tô perdido faz é tempo. Por isso eu posso fazer qualquer coisa muito estúpida, como quebrar a cabeça de uma velha estúpida. Bem aventurados os que atiram primeiro. Isso não é estúpido porque o cara que falou isso não é um cara estúpido. O cara que falou isso é o cara. Meu pai não é o cara. Mas é meu pai. Mesmo estúpido é meu pai. É trabaiadô. Meu pai é trabaidô e estúpido. Explorado por essa usina do caraio. Veio de longe, da Paraíba, pra trampá aqui nessa bosta. Enquanto o véio sangra nessa usina do caraio, essa véia estúpida joga biscoitinho no ar pro seu cachorro estúpido saltar e pegar. Agora, essa porra de cachorro não vai mais saltar pra pegar biscoito. Tá atropelado e muito atropelado. E se essa porra dessa véia estúpida continuar chorando e falando merda, aí eu abro de veiz a cabeça dela. O que foi que você falou, sua véia do caraio? Meu pai veio da

Meu pai veio da Paraíba, veio com dignidade e tudo. Mas a dignidade dele foi assim, no suor do trampo, nesse trampo estúpido dessa usina do caraio Paraíba, veio com dignidade e tudo. Mas a dignidade dele foi assim, no suor do trampo, nesse trampo estúpido dessa usina do caraio. Repete sua véia cuzona, repete o que você disse, que eu abro sua cabeça com esse porrete agora mesmo. Não adianta arregalar seus óio feio do caraio para mim não. Que pra eu descer com essa barra na sua cabeça, é dois palito. É só repetir o que você falou. Ah! Agora num falou nada. Falou sim. Eu ouvi. Você conhece a Paraíba? Conhece? Conhece porra nenhuma. Ah! Não falou por mal? Lembrou que falou, então? Sua carcaça véia. Não falou por mal. Falou por que então? Por bem? Quer saber, só num vou abrir sua cabeça porque você lembra minha mãe. Só por isso, sua véia estúpida do caraio.” Bira vociferou tudo isso e jogou a barra de ferro no chão, dando um pontapé furioso no cachorro atropelado e morto. A dona do cachorro, uma velha de 65 anos, deu um grito, de susto, medo e dor. Ameaçou chamar a polícia. Protegeu o cadáver canino de um segundo chute, debruçando-se sobre ele. Um segundo chute que não viria. Bira já se afastava com sua fúria já bandeira à meio mastro. Andava e praguejava contra a velha estúpida e seu cachorro estúpido. Saiu bem a tempo. Logo chegou um policial. Muito solícito, arranjou uma tábua, colocou o cachorro sobre ela e acompanhou a velha estúpida até sua casa. A velha, ainda em choque, vinte por cento de choque do atropelo de seu cão e oitenta por cento de choque da barra de ferro sobre sua cabeça, não perdeu tempo e tornou a falar chorosa e profundamente sofrida, em tom de voz muito baixo, ao pé do ouvido do policial, olhando para os lados: com tanto paraíba nessa usina, justo meu cachorro que tinha que ser atropelado? O policial ouviu atento, sorriu e balançou afirmativamente a cabeça. Era meio dia. A sirene da usina soou. Os trabalhadores, em sua maioria paraibanos, se aglomeraram com suas marmitas. Entre eles, o pai de Bira. Augusto Juncal é integrante da torcida organizada Gaviões da Fiel e militante do MST.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Marcelo Netto Rodrigues, Luís Brasilino • Subeditora: Tatiana Merlino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Igor Ojeda, Mayrá Lima, Patrícia Benvenuti, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, • Assistente de Redação: Michelle Amaral • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Antonio David, César Sanson, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, João Pedro Baresi, Kenarik Boujikian Felippe, Luiz Antonio Magalhães, Luiz Bassegio, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Milton Viário, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Temístocles Marcelos, Valério Arcary, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar: (11) 2131-0800


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brasil Fotos: Douglas Mansur/Novo Movimento

Integrantes de movimentos sociais realizam mística no monumento da Curva do “S”, local do massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996

Em defesa da Amazônia, da soberania popular e da biodiversidade FÓRUM SOCIAL CARAJÁS Cerca de 500 pessoas debatem os impactos da atividade econômica, em especial mineral, na região Nilton Viana e Vinícius Mansur enviados a Parauapebas (PA) EM DEFESA da Amazônia, da biodiversidade e da soberania popular. Com esse lema, cerca de 500 pessoas de diversas regiões do Brasil e representantes de 24 países participaram das atividades do Fórum Social Carajás. O evento – preparatório ao Fórum Social Mundial, que acontece entre os dias 27 de janeiro e 1º de fevereiro, em Belém (PA) – começou no dia 24 e se encerrou no dia 27. Logo na abertura oficial do evento, na manhã do dia 25, um clima de expectativas tomou conta de todos. No começo do evento, o auditório

do Centro de Treinamento da HSS-TWA, em Parauapebas (PA), ficou pequeno para os grandes problemas e contradições da região. A mística, ao som de uma flauta, deu o tom dramático da realidade vivida pelos povos da região. “O que será de ti, Amazônia?” Essa foi a pergunta, seguida de cenas da saga do massacre de Eldorado dos Carajás, episódio ocorrido em 17 de abril de 1996 e no qual 19 trabalhadores rurais sem-terra foram brutalmente assassinados pela Polícia Militar do Estado, a mando do então governador Almir Gabriel (PSDB). “A Amazônia pede justiça!”, exclamaram os participantes da mística, acrescentando que ainda há vida na região. Num clima con-

tagiante, ecoou em todos os presentes o grito de alerta: “Amazônia livre!”. A cerimônia se encerrou com a palavra de ordem: “Contra o imperialismo, soberania popular na Amazônia”. A dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Pará, Maria Raimunda, deu boas-vindas aos participantes e disse que a realização desse fórum é muito importante porque trata-se de um espaço no qual se pode familiarizar com todos os problemas vividos pelos povos da região. “Aqui temos grandes construções, projetos e contradições que queremos debater com vocês, para que possam conhecer a vida e a luta dos povos, das comunidades”, afirmou. De acordo

com ela, é preciso construir uma grande rede em defesa dos povos da Amazônia, com modelo sustentável, respeitando o meio ambiente e a biodiversidade. Organizado pela Via Campesina, com o apoio da prefeitura local, o Fórum Carajás é um espaço que busca debater com a sociedade brasileira e internacional os crimes que o modelo capitalista comete contra a Amazônia e todos os que nela vivem. Para o prefeito de Parauapebas, Darci José Lermen (PT), a realização desse fórum é uma conquista dos movimentos sociais e dos povos da região. Ele acredita que, a partir desse evento, os graves problemas da Amazônia ganharão projeção nacional e internacional. “Não somos mais uma

Fórum social ecoa grito dos povos Articulação das comunidades é necessária para conter devastação se aporte tem as suas raízes ainda no período da ditadura civil-militar, mas, aos poucos, foi se consolidando.

do enviado a Parauapebas A região de Carajás, localizada no sudoeste do Pará, dentro da Amazônia, precisa de ajuda para evitar o caos ambiental e social. Esse foi o recado deixado por movimentos sociais, sindicatos, entidades da sociedade civil e algumas autoridades do poder público reunidas, entre os dias 24 e 27 de janeiro, no Fórum Social Carajás. O coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Isidoro Revers, conhecido como Galego, salientou que os projetos empresariais que vêm destruindo a Amazônia tentam se vender, com muita propaganda, como sustentáveis e assim confundem os cidadãos. De modo a se contrapor a esse modelo, faz-se necessária uma ampla articulação. Para o representante da CPT, o grande problema das comunidades dessas regiões que ficam na fronteira de expansão do capital transnacional é que elas têm a responsabilidade de fazer o enfrentamento com o modelo e ao mesmo tempo precisam lutar para sobreviver. “Eu acho que nós precisamos fazer um grande pacto no enfrentamento, fundamental-

Violência

Para o Fórum, região de Carajás precisa de ajuda

mente, a essa concentração do capital na mão de pouquíssimas empresas”, opina. As denúncias apontaram os impactos da pecuária, da exploração de madeira, de monoculturas como a soja, mas principalmente da instalação de hidrelétricas e de projetos de mineração na região. Modelo capitalista

Até a década de 1960, os ciclos de exploração da floresta exigiam a sua preservação. Hoje, quase a totalidade dos empreendimentos demandam a derrubada. A cada tonelada de minério de ferro exportada, o Brasil fica com apenas R$ 40,

denuncia Ariovaldo Umbelino, professor de geografia da Universidade de São Paulo (USP). De acordo com ele, são explorados na Amazônia cobre, ferro, estanho, alumínio, zinco e níquel. Os impactos ambientais das hidrelétricas também foram alvo de denúncias dos participantes do fórum. Estimamse que 306 novas hidrelétricas serão construídas na região amazônica até 2030, no projeto de expansão energética do governo federal. Ariovaldo considera muito importante a realização do fórum no centro desse investimento que o capital tem feito na Amazônia. Para ele, es-

Nós últimos 30 anos, mais de 870 trabalhadores e lideranças foram assassinados na região, como no caso do massacre de Eldorado dos Carajás. Além disso, Ariovaldo denuncia que, quando o capital chega na fronteira e explora os bens naturais, o período de atuação desse capital é extremamente curto, porque o que explora é um bem que não se reproduz. “O minério demorou bilhões de anos para existir e, agora, está sendo tirado num período de 30, 40 anos, o que vai nos sobrar? Uma enorme cratera aberta na natureza e a grande contaminação nos rios. E sem nenhum ganho, porque toda essa riqueza foi exportada. Ficará o caos social e ambiental”, adverte o geógrafo. “Será que a humanidade precisa de tanto ferro assim? Para quê? Para continuar construindo automóvel, que vai precisar de cada vez mais petróleo? A humanidade não pode se preocupar em projetar meios de transporte mais coletivos?”, questiona. (NV)

voz isolada. Não estamos sozinhos. É muito importante sentir isso. Porque, apesar de sermos pequeninos, temos a capacidade de incomodar. E se incomodamos é porque estamos no caminho certo”, comemorou. Atividades

As atividades do Fórum Carajás prosseguiram no dia 25 com uma visita, à tarde, às minas de ferro da Vale e ao Parque Zoobotânico de Carajás. No dia 26, os participantes fizeram visita ao assentamento Vila Palmares II, com mística, discursos e lançamento das pedras fundamentais da construção do Instituto de Agroecologia Latinoamericano (Iala) e do estádio Che Guevara; e à tarde encerrou com ato político e

lançamento da pedra fundamental do Bosque Internacional de Solidariedade, na Curva do “S”, em Eldorado do Carajás. Durante os debates dos painéis, as mesas foram compostas pelo prefeito Darci Lermen, por integrantes do MST, pelo professor Raimundo Cruz (UFPA), por Frederico Drummond (chefe do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e Monica Baltodano (Nicarágua), entre outros. Umas das propostas sugeridas durante os debates para ser levada ao Fórum Social Mundial é que fosse aumentada a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem) dos atuais 2% sobre a produção líquida para 4% da bruta.

Famílias cultivam alimento em fazenda que era de Daniel Dantas dos enviados a Parauapebas Próximo de um dos locais de celebrações do Fórum Social de Carajás, cerca de 270 famílias cultivam alimentos em uma área antes reservada ao gado do banqueiro Daniel Dantas. A terra pertence ao Estado e estava sendo explorada irregularmente pelo grupo do milionário. Os camponeses, ligados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ocuparam a área em julho de 2008, logo após a Operação Satiagraha, uma ação conjunta do Ministério Público Federal e da Polícia Federal que apontou Dantas como cabeça de uma organização criminosa especializada em lavagem de dinheiro. O acampamento foi chamado de Dalcidio Jurandir, homenagem a um importante escritor amazonense, e tem uma estrutura simples, com casas de palha e poços artesianos escavados na terra. A escola na parte central é a única construção de madeira. Para tentar intimidar as famílias, os fazendeiros utilizam empresas de segurança privada que agem como

milícias e atuam de forma truculenta, além de outras estratégias bastante agressivas. “Até semente de capim jogaram de avião em nossas roças”, relata Manoel Simões, um dos coordenadores do acampamento. O grupo Dantas começou a atuar no Pará há cerca de três anos, comprando terras e investindo em gado maciçamente. A estimativa é de que o banqueiro, apontado como criminoso pelas autoridades, detenha cerca de 500 mil hectares e 1 milhão de cabeças de boi. A fazenda ocupada era controlada pela família Mutran, um dos grupos mais poderosos do Pará. Eles haviam obtido a concessão para explorar castanha-do-pará, mas desmataram toda a área para abrir espaço para o gado e venderam as terras para Dantas. De acordo com o secretário estadual de Meio Ambiente do Pará, Valmir Ortega, as terras pertencem ao Estado e devem ser utilizadas para reforma agrária. O caso segue na Justiça enquanto os camponeses que fizeram a ocupação colhem milho, mandioca, feijão e diversos outros alimentos. (NV) e (VM)




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A Itália gesticula, mas é só encenação

saiu na agência Encontro MST

DIPLOMACIA Reação do governo europeu, que chamou no dia 27 seu embaixador no Brasil, não passa de jogo de cena para esconder efeitos da crise Reprodução

Rui Martins CESARE Battisti é agora um simples pretexto utilizado pelo governo neoliberal e antiestrangeiros do primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, para mascarar a crise capitalista de seu país, com consequências em termos de desemprego, baixa do poder aquisitivo e ameaça de falência de empresas. A carta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviada ao seu colega italiano e o parecer do procurador-geral da República Antonio Fernando Souza em favor do arquivamento do pedido de extradição de Battisti colocaram um fim na questão. Porém, o governo da Itália continua com encenações diversas que são, na verdade, medidas de distração destinadas apenas ao consumo interno para evitar o ridículo diante da população, depois de duas negativas de extradição – pela França e agora pelo Brasil. Amistoso ameaçado? A situação chegou a ser cômica quando o subsecretário das Relações Exteriores da Itália, Alfredo Mantica, ameaçou cancelar a participação da Itália no amistoso de futebol contra o Brasil, marcado para o dia 10 de fevereiro em Londres (Inglaterra). Pouco tempo depois, o governo italiano percebeu que o esporte bretão não era um bom caminho, e o subsecretário do Conselho de Ministro, Rocco Crimi, com a maior cara de pau, afirmou que uma anulação do amistoso nunca tinha sido colocada em questão.

A situação chegou a ser cômica quando o subsecretário das Relações Exteriores ameaçou cancelar a participação da Itália no amistoso contra o Brasil Embaixador acionado Mesmo depois do presidente brasileiro ter escrito ao seu colega italiano, caucionando a decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, o governo italiano continuou com sua pantomima para dar aos italianos a impressão de usar mecanismos de pressão sobre o Brasil. Assim, o primeiro-ministro Silvio Berlusconi chamou o embaixador italiano em Brasília (DF) para consultas. Mero gesto de de-

Controle das sementes, da água e da biodiversidade e investimentos na produção dos agrocombustíveis e da celulose. Esses são os cinco grandes projetos de expansão do capital no campo, conforme opinou João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST, durante um dos painéis do 13º Encontro Nacional do MST, realizado em Sarandi (RS). Desafios do FSM

Em sua nona edição, o Fórum Social Mundial (FSM) tem como desafio atualizar-se frente à “luta real” contra o neoliberalismo e à nova configuração política da América Latina. A avaliação é do cientista social e filósofo Emir Sader, que acredita que o fórum ficou atrasado ao se posicionar apenas como um “espaço de resistência”.

Dinheiro público

A Votorantim Celulose e Papel comprou 28,03% do capital da Aracruz Celulose. A operação totalizou R$ 2,71 bi, sendo que R$ 2,4 bi serão desembolsados pelo BNDES. Luis Rampazzo, do Centro de Estudos Ambientais, lamenta a utilização de dinheiro público para ajudar grandes empresas: “Com metade desse dinheiro despejado em grandes companhias e nos bancos, já começaríamos a resolver os problemas climáticos do planeta”.

fatos em foco O primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi

sespero, porque, na Europa, a imprensa enfatizou a reação brasileira de que tal medida não iria afetar em nada as relações entre os dois países. Na verdade, tal medida, sem qualquer possibilidade de modificar a decisão brasileira, tem por objetivo dar aos italianos uma compensação, depois do governo Berlusconi ter prometido levar às prisões italianas os dois últimos italianos dos anos de 1970 envolvidos em ações armadas. Primeiro revés Marina Petrella, que pertenceu à Brigada Vermelha, tinha sido internada num hospital parisiense, em estado semicomatoso, alguns dias antes de ser extraditada. Diante disso, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, atendendo a intervenções de sua cunhada e de sua esposa, que são italianas, decidiu perdoar a antiga extremista, que também fora perdoada pelo falecido presidente François Mitterrand, pois rompera há mais de vinte anos com suas antigas atividades, integrando-se na sociedade francesa como professora e constituindo família. O segundo era Cesare Battisti, preso no Brasil desde março de 2007, cuja extradição parecia certa. Entretanto, depois das declarações do senador Eduardo Suplicy (PT/SP) e do deputado federal Fernando Gabeira (PV/RJ), criou-se um movimento em seu favor, que se acentuou no fim de 2008 com o apoio da ala esquerda do PT, sensibilizou intelectuais e culminou com a decisão do ministro Tarso Genro de negar a extradição à Itália e conceder refúgio humanitário de Battisti. Libertação Apesar de protestos da imprensa e governo italianos, o presidente Lula logo refor-

çou a decisão de seu ministro e declarou aos italianos ser uma decisão brasileira soberana. Durante a recessão das festas de final de ano, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, arguiu quanto ao mérito da decisão de Tarso Genro em lugar de conceder imediatamente a libertação de Battisti, reclamada por seu advogado Luiz Eduardo Greenhalgh.

Mesmo que o STF decidisse em favor de uma extradição, ela não seria concedida, pois o presidente Lula já considerou definitiva a decisão do ministro da Justiça Atendendo a um pedido do ministro brasileiro da Justiça, o procurador-geral da República entregou seu parecer sobre o caso Battisti em favor de um arquivamento do pedido de extradição, dada a decisão de Tarso Genro. Por sua vez, o STF deverá tomar uma posição até o dia 2 de fevereiro quanto ao pedido de libertação de Battisti. Encontra-se no Brasil a escritora francesa Fred Vargas, líder do comitê francês e europeu de defesa de Battisti, que conta também com o apoio do filósofo francês Bernard-Henru Levy e do escritor Gabriel García Márquez. França intocada O jornal francês Le Figaro, no seu noticiário online, publicou com destaque a decisão italiana de chamar o embaixador no Bra-

sil, sem acrescentar comentários. Na verdade, o presidente francês tinha prometido a Lula que não reagiria no caso de Battisti – preso, no Rio de Janeiro, há quase dois anos, numa operação policial franco-brasileira – não ser extraditado. Deve-se também destacar que a Itália não fez qualquer ameaça à França, quando Sarkozy perdoou Marina Petrella. Mas quanto ao Brasil, diversas ameaças foram reativadas nesses últimos dias, como a da Itália não apoiar a entrada do Brasil no G8. Ameaça esta transmitida à imprensa pelo ministro italiano do Interior, Roberto Maroni. Desdobramentos O ministro italiano da Justiça, Franco Frattini, considera inaceitável a nãoextradição de Battisti e disse ao jornal Corriere della Sera que estudará com o embaixador que outras opções são possíveis para obter a extradição. O editorialista do jornal afirma que a decisão de chamar o representante não resolve nada, nem terá consequência, e coloca a Itália num beco sem saída, pois o país terá de reenviá-lo a Brasília. Entretanto, diz o editorialista Sergio Romano, “essa é uma dessas reações rápidas que os homens políticos costumam ter em situações análogas”. “O Brasil se sente poderoso em consequência de seu sucesso econômico e do modelo que ele representa”, acrescenta o editorialista. Mesmo que o STF decidisse em favor de uma extradição, ela não seria concedida, pois o presidente Lula já considerou definitiva a decisão do ministro da Justiça, qualificando-a também de soberana. Rui Martins é jornalista brasileiro radicado em Berna, na Suíça.

Alerta necessário Na inauguração do Memorial da Resistência, em homenagem aos que lutaram contra a ditadura militar, no dia 24 de janeiro, em São Paulo, o ex-preso político Ivan Seixas lembrou a incipiente democracia existente no Brasil. Ele disse: “Vemos com preocupação o presidente do Supremo Tribunal Federal se transformar no porta-voz das forças do atraso e da defesa dos torturadores dos tempos da ditadura”. Até quando? Delação médica Entidades que integram a Marcha Mundial de Mulheres denunciam que a criminalização das mulheres que optam pelo aborto está aumentando em várias regiões do Brasil, inclusive com a delação de médicos para a polícia e o Judiciário. O enfrentamento da questão pela via do processo criminal é o pior possível – é a repressão e a intolerância no lugar do atendimento e da orientação. Puro atraso. Fascismo tucano A governadora Yeda Crusius, do PSDB, envergonha a tradição democrática do Rio Grande do Sul ao utilizar a Brigada Militar para uma operação imoral e inconstitucional, seja no contingente armado que barrou e pediu documentos aos participantes do 13º Encontro Nacional do MST, no assentamento Novo Sarandi, seja no sobrevoo rasante do evento por helicópteros da corporação. Pura intimidação. Genocídio tucano Registrado como mais um caso de “resistência seguida de morte”, a Polícia Militar do Estado de São Paulo executou, no dia 18 de janeiro, em Campinas, três jovens que ocupavam uma perua Kombi, na estrada de acesso ao bairro das Andorinhas. Tinham 24, 21 e 15 anos, voltavam de um jogo de futebol e foram confundidos com ladrões. A PM alega que eles estavam armados, o que é negado pelos familiares.

Hamilton Octavio de Souza

Brasil selvagem Responsável pela investigação e denúncia de grupos de extermínio que atuam em Pernambuco, o advogado Manoel Bezerra Matos Neto, vice-presidente estadual do PT e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB, foi assassinado no dia 24, na praia de Pitimbu, na Paraíba. Ele havia apontado a participação de policiais nos grupos de extermínio. Mais um crime para a impunidade! Rede indígena Lançado no Fórum Social Mundial, o projeto Celulares Indígenas procura ampliar a rede de índios online e intensificar o intercâmbio de vídeos, fotos e mensagens sobre o modo de vida e as lutas dos vários povos indígenas do Brasil. Todo o material audiovisual produzido por essa rede, inclusive sobre os eventos do FSM, estará disponível no novo portal www.indiosonline.org. Força total! Democracia não A grande imprensa liberal burguesa do Brasil continua atacando o processo de transformação em andamento na Bolívia: os principais jornais trataram o referendo da nova Constituição com desdém, ironia ou simplesmente como um documento gerador de conflitos e divisões – embora tenha sido aprovada por 60% dos eleitores. Tudo indica que vão continuar apoiando as elites brancas e separatistas do país vizinho. Receita empresarial O jornal Folha de S. Paulo deu destaque ao artigo de Benjamin Steinbruch, presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, no qual afirma: “Em momentos críticos como agora, é bom lembrar que a economia passa a eliminar empregos por razões objetivas, não por maldade de empregadores. Empregos não se criam com gritos e passeatas”. Só faltou pedir para o trabalhador desempregado morrer de fome em silêncio!


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brasil

Sob a chuva da Amazônia, todos os povos reunidos

Belém tem policiamento recorde

A CHUVA torrencial, típica das tardes de Belém (PA), não impediu que cerca de 100 mil pessoas marchassem, no dia 27 de janeiro, da Estação das Docas até a Praça do Operário, no centro da capital paraense, durante a abertura do Fórum Social Mundial 2009, que vai até o dia 1º de fevereiro. Como é usual, a principal característica da passeata foi a diversidade. Esta se manifesta tanto nas etnias dos participantes, quanto nas bandeiras e causas empunhadas. Para se ter uma idéia, em nível nacional, marcharam na mesma avenida evangélicos, membros da Força Sindical, militantes do PSTU, sem-terra e até membros de um movimento cuja principal reivindicação é a adoção do calendário inca. Internacionalmente, a diversidade também é observada, ainda que, obviamente, cada organização traga um número menor de participantes. Comparativamente às outras edições brasileiras do Fórum, em Porto Alegre (2001, 2002, 2003 e 2005), pôde ser observada claramente uma massiva participação de povos tradicionais. De acordo com a organização do evento, cerca de 3 mil indígenas estão em Belém. Simbolicamente, no início da marcha, uma celebração afro-religiosa, realizada por participantes africanos, marcou a passagem do Fórum da África, ocorrido em 2007 no Quênia, para o Fórum amazônico, que foi recebido pelos indígenas. Logo após o rito, a chuva forte veio, e persistiu durante quase uma hora. De todos os cantos

Antes da chuva, Mzonke Poni, membro de uma associação de sem-teto sul-africana, dizia-se entusiasmado com sua primeira visita ao Brasil. “Estamos aqui para buscar alternativas e partilhar experiências interessantes de processos que estão sendo construídos em países como Bolívia e Venezuela. Temos uma coisa muito boa para ver aqui no Brasil, que é o programa de combate ao HIV, algo que o nosso país precisa”, revela Poni, que se admira com a receptividade da cidade de Belém. O francês Mathieu Colloghan, da organização Les Alternatifs, já está em seu 8º Fórum. Do primeiro, o ativista lembra que ouviu o então governador gaúcho Olívio Dutra (PT) afirmar que o processo do Fórum iria surtir efeito em 20 anos

Apesar da chuva, milhares de pessoas participaram da caminhada de abertura do 9º Fórum Social Mundial

do enviado a Belém (PA)

Fabio Pozzebom/ABr

Renato Godoy de Toledo enviado a Belém (PA)

João Zinclar

FÓRUM SOCIAL MUNDIAL Representantes do mundo celebram o “outro mundo possível”

ou mais. “Na época, pensei que aquilo era um exagero, mas hoje vejo que iremos mudar o mundo aos poucos”, opina. Sua organização autodenominase altermundista, autogestionária, feminista e ecologista. Assim, nessa edição deve se envolver em debates sobre a Amazônia, que, para Colloghan, é um tema “muito complicado”. “É muito fácil para o mundo dizer ao Brasil: ‘não toquem mais na Amazônia’. No entanto, essa é uma atitude imperialista. O problema do desmatamento diz respeito ao mundo. Deve haver um esforço dos países para resolvê-lo, mas não podemos deixar que essas decisões sejam tomadas em Washington ou Paris”, aponta. Morador de uma região que em muitos aspectos está distante de Paris, mas com objetivos próximos aos de Colloghan, o indígena Wellington Gavião, do povo Gavião, que vive na região de Ji-Parará (RO), acredita que esse Fórum servirá mais como um espaço de denúncia, sobretudo para chamar a atenção do governo federal sobre

as barragens que estão sendo construídas no rio Madeira. “Sabemos que as coisas não se resolvem rapidamente, mas aproveitaremos o espaço para denunciar”, promete. Já o indiano Rahul Kumar, da organização Terra Viva, espera que o Fórum sirva para que se crie uma consciência local, mas ressalta que o processo não pode parar por aí. O encontro, para ele, funcionará como um espaço para discutir “mudanças profundas e, sobretudo, alternativas ao neoliberalismo”. Para chegar a Belém, Kumar embarcou em quatro vôos diferentes, que ao todo duraram 22 horas. Solidariedade Um tema muito lembrado na passeata foi a invasão israelense em Gaza. Alguns representantes do país atacado estiveram presentes na manifestação. Um deles, Madhat Al Jagmoup, membro do sindicato de fazendeiros da Palestina e Najah, destacou a necessidade de findarem-se os ataques ao seu país. Na avenida Presidente Vargas, Najah exibia um cartaz com os dizeres:

“Break the siege in Gaza” (rompam o cerco a Gaza, em tradução livre). Para o marroquino Hamid Elkam, do Fórum Alternatives Sud, o evento “será mais uma oportunidade, em meio a um espaço dialético, para que os altermundistas elaborem uma alternativa à globalização neoliberal”. Mas, para ele, os objetivos do FSM só irão se concretizar se houver, posteriormente ao encontro, uma prática militante. Donos da casa Os anfitriões belenenses, sem dúvida, foram os que mais engrossaram a marcha de abertura do Fórum, com faixas com pautas locais e blocos que exaltam a cultura local, sempre embalados pelo carimbó.

Para o marceneiro Charles de Souza, o Fórum mudou a rotina da cidade. “O grande ponto positivo de trazer luz à questão amazônica é o de envolver todo mundo na defesa da floresta. Sozinho, o povo do Pará não consegue barrar o desmatamento”, conclui (colaborou Eduardo Sales de Lima, enviado especial a Belém-PA).

Eduardo Sales de Lima enviado a Belém (PA) Agenda política unificada. Esse foi o mote que permeou os debates ocorridos entre representantes de diversas organizações sociais ligadas à saúde no 3º Fórum Social Mundial da Saúde, realizado na Universidade Estadual do Pará (Uepa) nos dias 25 a 27 de janeiro. “Nossa ação tem que se pautar por missões estratégicas maiores”, afirmou um dos coordenadores do evento, Armando De Negri. A unificação da agenda política dessas organizações sociais, entretanto, não é tão simples no âmbito internacional. De acordo com Negri, as dificuldades para que ocorra um consenso acerca da universalidade do direito à saúde ocorrem porque muitos povos não vivenciaram, na prática, tal experiência. Isso, para

ele, gera uma acomodação entre essas populações e facilita a manutenção da visão neoliberal em relação à saúde em várias regiões do planeta. Assim, Negri compreende que algumas concepções, como a de que o direito à saúde pública deve ser direcionado somente para os pobres, ou de que deve existir uma política exclusiva de atenção aos pobres, podem criar políticas sem efeito ou paliativas. “A primeira ruptura é entender que o direito à saúde é universal, por isso deve chegar a todos e todas, em qualquer região do mundo”, reforça. Ao retomar os entraves que o neoliberalismo causa às estruturas de saúde nos países pobres, Negri, que é também coordenador do Movimento Saúde dos Povos, chama a atenção para o tema do financiamento público. Na contramão da ideologia neoliberal – inserida nos programas de saúde de muitos países, orientando os orçamentos a partir da dívida fiscal –, ele propôs às cerca de mil pessoas presentes na Uepa, entre elas o ministro da Saúde, Jo-

Além dos cerca de 100 mil participantes do Fórum Social Mundial, a cidade de Belém (PA) também recebe, entre os dias 27 de janeiro e 1º de fevereiro, a “visita” de 230 agentes da Força de Segurança Nacional, ligada ao Ministério da Justiça. Essa força federal atua ao lado de 7 mil outros agentes de segurança, entre policiais militares e guardas civis metropolitanos. O foco das ações policiais, de acordo com o governo, é coibir a violência contra os participantes do Fórum. Para tanto, foram reforçados o efetivo policial nas ruas e os equipamentos da polícia. Cerca de 200 pistolas elétricas Taser foram adquiridas pela PM paraense. Essa arma tem a “peculiaridade” de interromper a transmissão de informação do cérebro ao restante do corpo. Assim, o atingido passa alguns segundos desacordado, tempo suficiente para que o agente de segurança o algeme. Já a Força de Segurança Nacional trouxe a Belém um verdadeiro arsenal de guerra: cães farejadores, helicóptero e equipamentos antibombas. A presença policial se dá sobretudo nas áreas centrais de Belém, onde há pontos turísticos como o Mercado ver-o-peso, e no território do Fórum Social Mundial, onde as universidades federal do Pará e Rural da Amazônia estão cercadas por muros e ladeadas por bairros pobres de Belém, como Guamá, Terra Firme e Sacramenta. Nesses bairros, e em outros periféricos, foram proibidas temporariamente as festas de “tecnobrega”, ritmo em voga no Norte do país, que mistura ritmos regionais com a música eletrônica. A reportagem presenciou uma blitz policial na avenida Perimetral, que perpassa as duas universidades em que ocorre o Fórum. Oito policiais, um deles com arma em punho, abordavam todos os moradores da região que passavam de bicicleta pelo local. Em uma hora, ninguém foi detido. Tal como a Polícia Federal, a PM paraense também batiza as suas operações. A que visa conter a violência urbana durante o Fórum ganhou o nome de “Armagedon”. Desde o dia 16 de janeiro, a operação realizou 123 prisões, 22.754 abordagens, 59 prisões por roubo e 97 fechamentos de bares. De acordo com o coronel Leitão, da PM, “a ‘Armagedon’ é um resgate do direito do cidadão ir e vir com tranquilidade”. (RGT)

Cláudio Santos/Ag.PA

Fórum pede participação popular na saúde Para organizador, desafio é unificar agenda política

Governo do Estado adota medidas proibitivas como fechamento de bares e cancelamentos de festas nas periferias

Universalidade do direito à saúde: problema de financiamento é político

sé Gomes Temporão, a ruptura dessa lógica. Para ele, o orçamento de um país precisa ser pautado por outra dívida, a social. Por isso, é categórico: “O problema do financiamento de saúde é político”. Controle social

Mas, além de cobrar um financiamento digno para as necessidades de cada região, cidade ou hospital, o controle

social do fluxo de investimentos públicos e da própria prática dos profissionais de saúde foi considerado nesse fórum tão necessário quanto a questão orçamentária. O ministro da saúde, José Gomes Temporão, tratou de elogiar a sociedade brasileira, que, segundo ele, “mudou de patamar na luta política pela saúde nos últimos trinta anos”. “Enquanto o neolibera-

lismo propunha, e ainda propõe, a liberdade de mercado, foi por meio da participação popular que o SUS [Sistema Único de Saúde] foi criado, baseado no financiamento público, no controle social, entre outros eixos”, afirmou. No entanto, apesar de o SUS ser celebrado pelo governo, e por parte das organizações sociais ligadas à saúde, como uma experiência posi-

tiva, Paulinho Parreira, presidente da Organização NãoGovernamental Sempre Viva, da cidade de Nova Xavantina (MT), aponta seus pontos fracos. Sua ONG fiscaliza os recursos da União, de estados e municípios e luta pela transparência no envio e no aproveitamento dos recursos públicos, sobretudo quando o dinheiro vem da União para as cidades. “Nossa cidade chegou a ter um superfaturamento de remédios de pressão que chegou a 1.900%”, recorda. Parreira critica que em muitas cidades pequenas, os conselhos de saúde e os próprios vereadores estão alinhados ao poder e aos interesses de grandes empresas farmacêuticas e políticos locais. Dada essa realidade, Armando De Negri reforça a importância do controle social sobretudo na questão do financiamento à saúde. Para ele, não basta somente o governo “despejar” rios de dinheiro se boa parte é desviada por políticos locais. Mesmo assim, ele, lembrando que 36% do PIB é fruto de impostos, acredita que a política de financiamento precisa ser reconsiderada, assim como o controle social sobre esse financiamento precisa ser reforçado por parte de organizações independentes e de conselhos de saúde.


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brasil

Mídia Livre: tomar a hegemonia FÓRUNS PARALELOS Veículos de imprensa alternativa debateram por dois dias os rumos da crise financeira e do jornalismo Fotos: Eunice Pinto/Ag. Pará

Renato Godoy de Toledo enviado a Belém (PA) ENTRE jornalistas, comunicadores populares e militantes pela democratização da mídia, cerca de 600 pessoas participaram do 1° Fórum Mundial de Mídia Livre, nos dias 26 e 27 de janeiro, às vésperas da abertura do Fórum Social Mundial, em Belém (PA). O evento dá sequência, agora internacional, ao 1° Fórum de Mídia Livre, realizado no Rio de Janeiro (RJ) em junho de 2008. Os debates contaram com exposições de membros de veículos do campo do “midialivrismo” – termo recém-cunhado para definir essa maneira de se fazer jornalismo – e com atividades autogestionadas, sugeridas pelos participantes. Além da troca de experiências entre diferentes órgãos de imprensa do Brasil, América Latina e Europa, foram realizadas análises acerca da atuação da mídia comercial e do papel da crise financeira internacional no mercado editorial. Também foi alvo de críticas a maneira como a imprensa corporativa aborda a crise, de maneira a fomentar a histeria no sistema financeiro. Mídia e crise Ignacio Ramonet, do Le Monde Diplomatique, realizou uma comparação entre as perspectivas da imprensa alternativa hoje e no primeiro FSM, em 2001. “Naquela época tínhamos um discurso pessimista sobre a ditadura midiática aliada ao poder financeiro, que dominavam a sociedade. Agora, temos um cenário diferente: os meios alternativos se desenvolveram e o neoliberalismo, com a crise, foi golpeado e, na minha opinião, morto. Os grandes meios já estão sofrendo muito com a situação. Enfim, os meios dominantes já não dominam tanto assim”, avalia.

A polêmica das verbas publicitárias O equilíbrio entre a sobrevivência e a independência do enviado a Belém (PA)

Transmissão da rádio alemã Matraconda durante o seminário de comunicação compartilhada

“Não queremos continuar sendo alternativos, queremos ser hegemônicos e majoritários”, afirmou Pascual Serrano, do jornal espanhol Rebelión

o professor aponta um processo de domesticação da imprensa pelo mercado financeiro. “As vozes dissonantes foram afastadas da grande imprensa. Há um processo conduzido pelos grandes bancos de capacitar jornalistas econômicos. [Esse filão do jornalismo] está sendo cada vez mais ocupado por jornalistas com relações com as fontes obsequiosas do mercado financeiro. Há uma tentativa de direcionar os rumos da crise”, explica.

Para o professor Bernardo Kucinski, da Universidade de São Paulo, a mídia é corresponsável pela crise financeira e promove uma cobertura, em geral, insuficiente sobre os principais motivos que a desencadearam. “A grande imprensa passou a alimentar a crise, com uma abordagem catastrofista que leva os empresários a demitir”, considera. Sobre a cobertura geral do jornalismo econômico,

Para sair da margem De modo a fazer um contraponto a essa cobertura, faz-se necessário o fortalecimento dos meios de comunicação “ainda” alternativos. “Ainda”, porque o Norte dos veículos de mídia livre não deve ser a permanência na marginalidade, mas sim conquistar a hegemonia. Outro debate que permeou diversas exposições foi a questão de como a mídia alternativa deve se posicionar diante da sociedade.

Comitê Dorothy no FMTL Entidade também estimula a criação de outras organizações que lutam pela paz do enviado a Belém (PA) A organização concedeu um espaço para o Comitê Irmã Dorohty dentro do FMTL. A articulação surgiu com o objetivo de acompanhar e pressionar a Justiça paraense para que o caso do assassinato da freira estadunidense, morta a mando de fazendeiros da região de Anapu (PA), tenha uma conclusão exemplar. Após quatro anos de existência, o comitê também vem impulsionando a criação de outras organizações que lutam pela paz, tanto na cidade como no campo. A irmã Jane Dwier, integrante do Comitê que vive no Brasil desde 1972, faz questão de esclarecer, entretanto, que o objetivo do grupo não é o de “santificar” a irmã Dorothy. “Não queremos fazer da Dorothy o único símbolo, mas uma porta para que o povo possa caminhar em meio à justiça e também fazer justiça aos outros que foram mortos”, explica. Irmã Jane lembra que ainda existem outros mártires da luta pela terra, além daqueles que estão vivos. “Mártires são Juarez, Daniel, Isaac, do lote 86, que lutam pelo lote há mais de seis anos. Eles plantam cacau, pimenta, café, arroz e feijão e precisam enfrentar homens que se dizem donos da terra e que espalham gado e plantam capim no lote”, argumenta. (ESL)

Foi consensual a idéia de que a principal batalha visa a fazer com que o caráter marginal desses veículos seja provisório. Joaquím Constanzo, da agência uruguaia IPS, afirma que, para tanto, deve se articular em redes as iniciativas que surgem com as novas tecnologias da informação. “Para disputar a hegemonia real, temos de agrupar as experiências individuais da internet”, definiu. De acordo com Sandra Russo, do diário argentino Página 12, o principal inimigo do jornalismo independente hoje é o senso comum. “Nosso principal desafio é recuperar a linguagem. A comunicação não deve ser panfletária e cansativa. Por vezes, nos propomos a convencer aqueles que já estão convencidos”, opinou. Sobre o objetivo máximo do midialivrismo, Pascual Serrano, do jornal espanhol Rebelión, concluiu: “Não queremos continuar sendo alternativos, queremos ser hegemônicos e majoritários”.

Para fazer uma mídia independente de qualidade, os participantes do 1º Fórum Mundial de Mídia Livre foram quase unânimes ao defender uma maior destinação de verbas publicitárias do poder público para o setor. Entretanto, um membro das Brigadas Populares de Belo Horizonte (MG) discordou dessa fonte de financiamento. “Se quisermos ser realmente independentes, não podemos depender de verbas do setor público ou privado”, defendeu, no plenário. Porém, entre os participantes da mesa, a opinião do militante mineiro não obteve apoio. Renato Rovai, editor da Revista Fórum, explicou por que acredita na importância de anúncios governamentais nos órgãos de imprensa independente. “Quando não vamos

ao Estado pedir, exigir o que é nosso, alguém vai lá e o faz”, explica. Esse alguém, na visão do jornalista, via de regra são os órgãos de imprensa mais “venais”, como a Editora Abril. Como principal exemplo do uso do Estado pelas corporações editoriais, Rovai citou o exemplo da revista Nova Escola da Abril. Recentemente, a publicação “comemorou” a marca de 1 milhão de exemplares impressos. Cerca de 90% desse montante é comprado pelos governos municipais, estaduais e federal para distribuir nas escolas. Assim, de acordo com Rovai, a revista tem o intuito de “ensinar o professor a dar aula”, com um conceito de educação à maneira dos Civita. Altamiro Borges, que representou o Portal Vermelho, considera absurdo o fato de o governo federal, em 2008, ter repassado verbas publicitárias na ordem de R$ 1,7 bilhão para empresas como Abril, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e Organizações Globo. “Enfim, R$ 1,7 bilhão para alimentar cobras”, completa. (RGT)

Rádios comunitárias Dezenas de rádios comunitárias marcaram presença no Fórum de Mídia Livre. Os comunicadores populares exigiram o fim da repressão da Polícia Federal contra essas entidades. O professor da Faculdade Cásper Líbero (São Paulo – SP) Sérgio Amadeu citou um acontecimento recente referente à legislação de radiodifusão que pode ser um alento às rádios comunitárias do Brasil. E o exemplo vem dos EUA. “Nos Estados Unidos, os espaços em branco entre as frequências das redes de televisão foram liberados pelo governo para que as comunidades os utilizem. Essa é a melhor forma de ocupar todo o espectro. Isso é uma decisão técnica, porque diminui a interferência e pode ser importante para que consigamos, aqui, utilizar os espaços em branco das rádios. Por que só nos EUA que as emissoras das comunidades não derrubam aviões?”, diz, referindose à principal alegação das emissoras e das entidades patronais para exigir o combate às “rádios piratas”. (RGT)

Ecologia e espiritualidade para além das religiões 3º Fórum Mundial da Teologia da Libertação: floresta, água e terra também são sagrados Eduardo Sales de Lima enviado a Belém (PA) “Além da pobreza, vejo que o que liga a África ao Brasil, e ao mundo todo, é a ecologia, a proteção do meio ambiente”. A frase é de Mônica Umeh, afro-religiosa ligada à Congregação Irmãs de Notre Dame. Umeh se reuniu com outros 500 religiosos e leigos, provenientes de todos os continentes, para participar do 3º Fórum Mundial de Teologia e Libertação (FMTL). O evento ocorreu entre os dias 21 e 25 de janeiro, no Centro Cultural Tancredo Neves (Centur) em Belém (PA), tendo como tema “Ecologia e Espiritualidade”. “Tanto o FMTL como o Fórum Social Mundial [FSM] serão úteis para tirar o Pará e a Amazônia do anonimato”, acredita a irmã Margarida Pantoja, do Comitê Irmã Dorothy. A religiosa nasceu numa cidade ribeirinha do interior do Pará chamada São Domingos do Capim e se comove ao tentar explicar como as comunidades da floresta se relacionam com os recursos naturais. “A gente se mistura com isso”, conclui. A Teologia da Libertação, compreendida como uma teologia contextual, tanto foi alimentada como deu forças para que diversas teologias em várias localidades do mundo fossem desenvolvidas. Trata-se de um falar de Deus e de Jesus Cristo segundo realidades locais. A “mistura” com a natureza, citada por irmã Margarida, pode ser um exemplo dessa prática religiosa contextual, ao considerar a floresta como parte de si mesmo e do próprio Deus. Somando as peculiaridades locais, a Teologia da Libertação requer luta por justiça social. Por isso, em seu discurso de abertura do FMTL,

A senadora Marina Silva e o teólogo Leonardo Boff falam durante o Fórum o padre Sérgio Torres, um dos idealizadores do encontro, apontoua como uma teologia carregada da mensagem de amor ao próximo, mas com uma novidade: o compromisso dos cristãos pela transformação da sociedade. Na urgência da hora, entretanto, o próprio planeta impôs um novo compromisso. Trata-se da necessidade de uma práxis sobre a ecologia e a espiritualidade, temas centrais do Fórum. Torres aponta para a necessidade de nos voltarmos para um novo tipo visão de mundo. “O paradigma ecológico supera o antropocentrismo, reinterpreta a subjetividade da modernidade, introduzindo o conceito de diversidade e mútua dependência de relações”, explicou Torres para os cerca de mil presentes no Centro Cultural Tancredo Neves. Por sua vez, também presente no encontro, a senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (PT/AC) acrescentou que esse antropocentrismo do homem, o de superar limites para reparar suas fragilidades, já chegou ao ponto de se

deparar com os limites da natureza. “Vivemos uma crise civilizatória. Não só estamos perdendo os recursos naturais como a previsibilidade dos fenômenos naturais”, lembrou. Pacha Mama Na mesma perspectiva da necessidade de um outro modo de tratar o meio ambiente, o filósofo Leonardo Boff optou por recordar os benefícios que o uso sustentável da terra pelos indígenas trouxe para a biodiversidade da região. “Grande parte da Amazônia foi manejada pelos indígenas; a plantação de babaçu é um dos grandes exemplos”, exemplifica. O sacerdote de etnia quíchua Alcidez Catota concordou com Boff sobre o manejo responsável da terra pelos indígenas. “No cotidiano da vida encontramos Deus; seja nos animais, na água, nas lavouras”. No Equador, os indígenas formam 48% do povo, somando 7 milhões de indígenas de 13 povos. Ao fim da conversa com o Brasil de Fato, Costa faz uma dura crítica ao modelo neoliberal, que, para ele,

vende Pacha Mama (Mãe Terra). “Mesmo com a Nova Constituição, aprovada pelo governo de Rafael Correa, não se respeita as terras indígenas, sobretudo por causa da exploração das mineradoras. E o pior é que não há enfrentamento por parte do nosso povo, pois muitas lideranças estão sendo cooptadas”, afirma o sacerdote, pertencente à Diocese de Latacunga e que também faz parte da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie). “Para quem?” A relação dos indígenas com a natureza foi citada na maioria dos debates. Suas práticas cotidianas no que se refere à alimentação e tratamento das florestas foram muito elogiadas. Por isso, a irmã Jane Dwier, amiga de Dorothy Stang, propôs duas novas perguntas que, na verdade, elucidam o que é a luta de classes. “Quando se pensa em desenvolvimento, deve-se perguntar ‘para quem’ e ‘como’” (colaborou Renato Godoy de Toledo, enviado a Belém-PA).


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américa latina

Bolívia diz “sim” à nova Constituição REFERENDO Carta Magna boliviana é aprovada com 60% dos votos, num comparecimento recorde de 85% da população às urnas Fernão Lopes

Fernanda Chaves correspondente do Brasil de Fato em La Paz (Bolívia) No último dia 25, o povo boliviano deu uma mostra suprema de sua cultura democrática ao aprovar por voto sua Constituição Política, pela primeira vez na história. De 8h às 18h, homens e mulheres se dirigiram as zonas eleitorais acompanhados de seus filhos e cachorros, transformando o domingo num dia de recreação, dado à tranquilidade em que se encontravam as ruas em La Paz. Impedidos de circular, os transportes públicos deram lugar às bicicletas, skates e carrinhos de bonecas que acompanhavam as numerosas famílias que atravessavam alguns quarteirões da cidade altiplana, indo ou vindo das urnas. Nas escolas públicas do populoso bairro de São Pedro, o que se viam eram pequenas filas bem ordenadas que fluíam rapidamente. Ao eleitor devidamente identificado e registrado naquela seção e aos demais presentes, o mesário apresentava a cédula aberta, demonstrando que não havia marcas prévias, e a entregava ao cidadão, que, em posse dela, se dirigia a um gabinete para marcar sua opção, após assinar ao lado de seu nome. Ao retornar, dirigia-se à urna e depositava o seu voto. Uma marca azul de tinta no dedo sacramentava o exercício cidadão, além de valer, tradicionalmente, como um mecanismo de controle para evitar dupla votação. Na metade do dia, as organizações que enviaram um total de 311 observadores internacionais iniciaram a emissão de boletins confirmando o êxito da jornada eleitoral. “Presenciamos uma eleição exemplar, que mostra a extraordinária vocação dos bolivianos em submeter suas decisões políticas de acordo com a vontade popular”, registrou o relatório do Mercosul. OEA, Unasul, União Europeia e o Consejo de Expertos Latinoamericanos emitiram comunicados com o mesmo teor. Logo mais, à noite, o presidente da Corte Nacional Eleitoral, José Luis Exeni, ratificou a posição dos organismos internacionais, garantindo a lisura do pleito.

Bolivianos votam em escola em El Alto, cidade ao noroeste da capital La Paz

O que diz o novo texto - Bolívia se define como “Estado unitário social de direito plurinacional comunitário, livre, independente, soberano, democrático, intercultural, descentralizado e com autonomias”; - A religião católica deixa de ser a religião oficial e o Estado se proclama independente de credo, reconhecendo a liberdade de religião; - Tornam-se oficiais os idiomas dos povos indígenas; - O projeto amplia de 1 para 89 artigos sobre direitos, classificando-os em fundamentais, civis, políticos, sociais e econômicos e de povos indígenas; - Os meios de comunicação não poderão conformar monopólios e deverão respeitar os princípios de veracidade e responsabilidade, e difundir os valores das diferentes culturas do país; - Aos clássicos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, se agrega o Poder Eleitoral; - Para ser deputado ou senador, a idade mínima vai de 25/35 para 18 anos; - A justiça comunitária passa a ser reconhecida como parte do Poder Judiciário; - Dois de cada sete membros do Tribunal Supremo Eleitoral devem ser de origem indígena ou camponesa; - Pela primeira vez se reconhece autonomia nos departamentos, regiões especiais e territórios indígenas; - Serviços básicos (água, luz, telefone etc.) são declarados direitos humanos; - Proíbe-se latifúndios agrícolas para além de 5 mil hectares; - Os recursos naturais renováveis e não-renováveis são declarados de caráter estratégico. Sua propriedade não poderá ser concedida a empresas, salvo para extensões limitadas de terras para fins agrícolas.

Oposição Mas nem tudo são flores. Nos departamentos de Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija, onde a nova Constituição foi rechaçada, os líderes da direita conclamaram o povo a não aceitar o resultado nacional e sua aplicação nessa região. Historicamente administrada pela elite, pelo agronegócio e grandes empresários, essa região concentra grande quantidade de latifúndios. No texto constitucional aprovado, as terras privadas deverão ter no máximo 5 mil hectares. No entanto, a aplicação não será retroativa, ou seja, os antigos latifundiários não serão atingidos – apesar de, a partir de agora, terem que garantir o cumprimento permanente da função econômica e social da terra, sob pena de expropriação. No momento, o que está na cabeça do povo é a pergunta: “Como será o amanhã? A plena implementação da nova Constituição em todo território boliviano dependerá da correlação de forças que for estabelecida entre o governo e a oposição, sendo que ninguém arrisca um prognóstico a esta altura. O que se diz hoje na Bolívia é que tudo pode acontecer. Mas, independentemente destes questionamentos, o povo agora quer saber de comemorar.

Comemoração na Praça Murillo, em La Paz

O que disseram os observadores “O que presenciamos foram eleições exemplares, que demonstram a extraordinária vocação dos bolivianos por submeter suas decisões políticas à vontade popular. E, quanto à polêmica da tinta, entendo que não seja necessário essa marca como controle, já que os cidadãos estão inscritos em uma única mesa eleitoral e, ao votar, assinam o documento, como fazemos no Brasil”. Doutor Rosinha (chefe da delegação do Mercosul). “Destacamos o espírito democrático do povo boliviano, que votou de maneira massiva, livre e sem pressões no referendo, demonstrando vocação democrática e compromisso cidadão nas tomadas de decisões transcendentais para seu país. Destacamos a logística eleitoral implementada e o absoluto respeito às restrições estabelecidas, assim como a transparência dos jurados. Não observamos qualquer ato que tenha prejudicado o processo em sua integridade”. Hector Osorio Isaza (presidente da Missão de Observação Eleitoral – Conselho da Colômbia).

“O processo realizado na Bolívia consolida e reafirma a institucionalidade eleitoral como sustentação do sistema democrático. A jornada eleitoral transcorreu pacificamente, e a responsabilidade demonstrada pelos bolivianos não deixa dúvidas a respeito do bom estado da sua democracia. Felicitamos as Cortes Eleitoral e Departamentais, que manifestaram um alto grau de eficiência e imparcialidade em suas gestões”. Nicanor

Moscosa Pezo (presidente da Ceela)

“Destacamos o ambiente de paz que imperou em todo país. Pedimos à cidadania que siga cumprindo com seu dever cívico, em clima de tranquilidade e respeito, envidenciado durante a jornada eleitoral”. Raul Lagos

(chefe da Missão da OEA)

ARTIGO

A revolução descolonizadora Fernão Lopes

Fernão Lopes

Polêmica da tinta Ainda assim, algumas emissoras privadas de TV, em seus programas sensacionalistas, insistiam em questionar a eficácia da tinta usada enquanto mecanismo de segurança. Repórteres desses canais insistiam em comprovar, usando baldes, detergentes e outros produtos químicos, que a tinta poderia ser lavável, como se fosse esse o único controle contra fraudes eleitorais.

A tentativa de desmoralizar a eficácia do sistema eleitoral por parte de alguns meios de comunicação foi objeto de crítica do chefe da delegação do Mercosul, deputado Doutor Rosinha (PT-PR). O texto constitucional aprovado dará mais poderes aos povos indígenas, abrirá caminhos às autonomias regionais e consolidará o controle estatal sobre a economia. Os principais pontos da nova Carta, consolidada por uma Assembleia Constituinte e impulsionada pelo presidente Evo Morales Ayma, focam a questão religiosa, a estrutura dos três poderes e o tema fundiário. Após os anúncios dos primeiros resultados, o presidente declarou: “Hoje, 25 de janeiro de 2009, se refunda uma nova Bolívia, com igualdade de oportunidades para todos os bolivianos. Aqui se acabou o Estado colonial”. De acordo com o mineiro Primo Quilale, a vitória do “sim” foi muito importante para a valorização dos trabalhadores: “Antes, só se exportava nossa matéria-prima. A nova Constituição nos dá uma luz de que vamos agregar valor aqui, criar empregos e aportar mais recursos”, disse durante a comemoração, na Praça Murillo, onde milhares de pessoas dançavam, cantavam e sacudiam suas bandeiras whipalas (aquelas com quadrados coloridos).

A Bolívia atravessa um período novo em sua conturbada e complexa história. Além das conquistas políticas, houve profundas mudanças na sociedade, com destaque para questões culturais que puseram em xeque vários pilares da colônia e da modernidade no país. O processo recente de lutas sociais intensas culminou com a crise do neoliberalismo e o ascenso de novas forças sociais. Evidências são encontradas em episódios marcantes, tais como: a Guerra da Água, em 2000; o fevereiro de 2003 e a Guerra do Gás, de outubro do mesmo ano, terminando com a deposição do ex-presidente Goni – Gonzalo Sánchez de Lozada. Em 2005, a Bolívia elegeu Evo Morales, o primeiro presidente de origem indígena na história desse país de maioria indígena – Aymara, Quechua, Guarani e tantas outras etnias. As mudanças ocorridas em menos de seis anos, especialmente no cotidiano da população de origem indígena, são inomináveis. Muito se comenta que antes essas pessoas assumiam uma posição

de submissão social, em que baixavam a cabeça ao cruzar pessoas não-índias na rua. Havia uma negação do passado, da cultura indígena e camponesa. Em pouco tempo ocorreu uma guinada em que movimentos sociais e organizações de base coletiva e indígena mudaram o sentido de cidadania e de participação política. E como seriam os cambios (mudanças) a partir dessa cosmovisão? Não se trata de um regresso ao passado antes da invasão espanhola, mas de compreender que a própria cultura é um processo de construção contínua e integrado sobremaneira ao território e à ruralidade. O atual processo questiona completamente o sistema de valores e de funcionamento da modernidade. E não por acaso sua crise coincide com a outra crise, a financeira, por que passa o capitalismo global. A crise da modernidade se expressa na ausência de respostas por parte da esquerda clássica, por uma crise ambiental, de produção, de consumo, do próprio sentido da sociedade humana ocidental. O que a revolução andina, indígena e originária – na Bolívia, no Equador, no México – tem a ensinar ao mundo é

que não é a humanidade que está em crise, mas sim o mundo ocidental. Não se pode entender a fundo o processo de resistência e de mudança que está vivendo a Bolívia sem compreender o caráter anticolonial – descolonizador – e de um enfrentamento na raiz contra a crise da modernidade. O vácuo de respostas que deixa essa crise tem levado a diversos caminhos, tal como os levantes islâmicos – que também tem como principal bandeira a negação do modernismo. Mas o levante andino tem novas proposições para esse enfrentamento, e que podem levar o mundo a uma nova via: da diversidade e de uma sociedade baseada no respeito à natureza. Essa cosmovisão não nega todos os sentidos do moderno, do ocidental. Na nova Constituição boliviana, não se trata de acabar com o direito à propriedade privada; mas se reconhece e se dá força e poder ao modo tradicional de propriedade, a coletiva. As particularidades das várias culturas andinas começam a ser reconhecidas pela instituição ocidental que é o Estado, mas as bases começam a ser alteradas. Um outro exemplo é o reconheci-

mento da Justiça originária, colocada em pé de igualdade com a Justiça ocidental; outro é a Medicina originária, que passa a ser estimulada e não mais combatida e negada pela Medicina ortodoxa. Em ambos os casos busca-se uma expansão para contemplar o mundo rural, originário, em contraste a uma sociedade com uma legislação que somente reconhece o cidadão urbano, com suas instituições urbanas e ocidentais. A nova Constituição é descolonizadora porque considera outras lógicas. E a sociedade ocidental não consegue suportar que seus valores fundamentais sejam negados, pois não sabe lidar com o diferente, que sempre considerou inferior. Bolívia e Equador são agora um laboratório político do continente, com suas mudanças constitucionais e um processo de participação popular sem precedentes na história da esquerda, conseguindo assim dar um sentido novo à própria ideia de socialismo do século 21. Os últimos anos têm apontado nessa direção. Os próximos, com novas Constituições, darão novos frutos que muito terão a ensinar para outros povos do mundo.


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Os Estados Unidos, o Oriente Médio e o lobby sionista ISRAEL Ações e recursos de organizações pró-israelenses determinam, em grande medida, a política estadunidense em relação ao Estado judaico e seus vizinhos Igor Ojeda da Redação MUDANÇA. A palavra-chave na campanha eleitoral do novo presidente dos Estados Unidos, Barack Hussein Obama, parece que não será levada em conta no que diz respeito a um tema fundamental: a política externa estadunidense para o Oriente Médio. Pelo menos não a julgar por sua primeira declaração a respeito dos ataques realizados por Israel à Faixa de Gaza, que deixou 1.400 mortos, em sua maioria, civis, incluindo inúmeras crianças: “Israel tem o direito de se defender”, disse o mandatário, referindo-se aos foguetes lançados pelo grupo islâmico Hamas na fronteira entre a Palestina e o Estado judeu. A afirmação de Obama, entretanto, não foi novidade para muitas pessoas. Afinal, poucos acreditavam que a força do “novo” que o ex-senador vem carregando consigo seria suficiente para suplantar a estreita aliança existente há décadas entre EUA e Israel. Estreita para alguns, estranha para outros. Estes últimos consideram que há tempos as políticas estadunidenses no Oriente Médio não seguem seus próprios interesses, e sim os do Estado judaico. A explicação? O enorme poder de influência que o chamado “lobby sionista” exerce nos EUA. “Mesmo a partir de um ponto de vista imperialista, os Estados Unidos não têm um interesse particular em apoiar o genocídio israelense em Gaza. Isso é prejudicial para os EUA no Oriente Médio, pois o país está desesperadamente tentando criar uma aparência de ‘estabilidade’ para lidar com a destruição no Iraque e o fervor antiestadunidense na região”, analisa Ramzy Baroud, jornalista palestino-estadunidense. Intimidação

Um episódio ocorrido no início deste ano ilustra o contrassenso da política dos EUA para o Oriente Médio. No dia 8 de janeiro, o Conselho de Segurança (CS) da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou uma resolução que exigia o imediato cessar-fogo na Faixa de Gaza e a retirada das forças israelenses do território palestino, que estava sendo alvo de ataques. Quatorze dos 15 paísesmembros do CS aprovaram a resolução; somente os EUA se abstiveram, mesmo tendo sido a própria secretária de Estado estadunidense, Condoleezza Rice, a preparar o documento. O esclarecimento para fato tão inusitado foi dado por ninguém menos que o primeiro-ministro israelense Ehud

Olmert, em um discurso na cidade de Ashkelon: “Na noite entre quinta e sexta [8 e 9], quando Rice queria liderar a votação no Conselho de Segurança no sentido de um cessar-fogo, não queríamos que ela votasse a favor. Fiz uma ligação e disse: ‘ponha o presidente Bush na linha’. Falaram que ele estava num discurso na Filadélfia. Eu disse que não me importava. ‘Preciso falar com ele agora’. Ele saiu do palanque e me atendeu. Eu falei a ele que os EUA não poderiam votar a favor de uma resolução como aquela. Ele, imediatamente, ligou para a secretária de Estado e disse a ela para não votar a favor”, contou Olmert.

Anualmente, o Estado judaico recebe dos Estados Unidos 3 bilhões de dólares em assistência direta (20% do orçamento estadunidense para a ajuda externa) Baroud conclui o raciocínio: “Imagine, o Olmert se gabando de como ele, num telefonema, conseguiu mudar completamente toda a agenda da política externa dos EUA. Isso nos indica que essa não é uma relação de simbiose”. Para ele, o relacionamento entre o governo estadunidense e o lobby próIsrael é, ao contrário, “de interesses claros, transações de negócios e, às vezes, manipulação e intimidação”. Lobby

A dimensão que tal lobby alcança foi detalhada no artigo – depois transformado em livro – O Lobby de Israel e a Política Externa dos EUA, publicado na London Review of Books, em março de 2006. Nele, os cientistas políticos John Mearsheimer e Stephen Walt resumem a questão: “outros grupos de interesse específicos conseguiram influenciar a política externa, mas nenhum lobby conseguiu desviá-la para tão longe do que o interesse nacional indicaria, e, ao mesmo tempo, convencer os estadunidenses de que os interesses de seu país e os do outro – no caso, Israel – são essencialmente idênticos”. Segundo Baroud, historicamente, os EUA apoiavam uma agenda “equilibrada” para o Oriente Médio, para garantir na região uma relativa estabilidade que atendesse seus interesses. O jornalista cita o exemplo da invasão francesa, britâ-

Os EUA e o lobby sionista* • Desde a 2ª Guerra Mundial, Israel recebeu dos EUA mais de 140 bilhões de dólares (em 2004) • Durante a Guerra de Yom Kipur (1973), os EUA enviaram a Israel 2,2 bilhões de dólares em assistência militar de emergência • Anualmente, Israel recebe 3 bilhões de dólares em assistência direta (20% do orçamento estadunidense para a ajuda externa) • Israel é autorizado a gastar 25% da ajuda que recebe na própria indústria de defesa • Os EUA já forneceram a Israel quase 3 bilhões de dólares para o desenvolvimento de sistemas de armamento, além de equipamentos de guerra como helicópteros

nica e israelense contra o Egito em 1956, quando o então presidente estadunidense, Dwight Eisenhower, exigiu a imediata retirada de Israel da Península do Sinai e da Faixa de Gaza. “Desde então, os interesses dos EUA na região permaneceram intactos. Mas o que mudou para que o governo dos EUA apareça como uma ramificação do Knesset [o parlamento de Israel]? O que mudou foi a força do lobby israelense e o nível de influência dos ‘amigos’ de Israel no Congresso, no Executivo e na grande mídia.” Assistência

Os resultados de tamanha articulação foram aparecendo e se consolidando ao longo dos anos. De acordo com o artigo de Mearsheimer e Walt, desde 1976, o Estado judeu é o maior receptor anual de assistência direta, econômica e militar vinda dos EUA, o que o faz o maior beneficiário desde a Segunda Guerra Mundial, com um total de 140 bilhões de dólares (em 2004). No plano militar, os estadunidenses já enviaram a Israel quase 3 bilhões de dólares para o desenvolvimento de sistemas de armamento, além de equipamentos de guerra como helicópteros Blackhawk e jatos F-16. Além disso, a ajuda nessa área também vem se dando em ocasiões de conflito, como a Guerra de Yom Kipur (1973), quando 2,2 bilhões de dólares em assistência militar de emergência foram concedidos. Outro exemplo aconteceu em maio de 2002. Após Israel ter invadido novas áreas na Cisjordânia, a Câmara de Representantes dos EUA aprovou uma concessão de 200 milhões de dólares ao Estado judeu para serem usado no combate ao terrorismo.

Diplomacia

Anualmente, o Estado judaico recebe 3 bilhões de dólares em assistência direta (20% do orçamento estadunidense para a ajuda externa). Desse total, o país está autorizado a gastar 25% na própria indústria de defesa, privilégio exclusivo entre os receptores de ajuda estadunidense. A colaboração econômica e militar vem acompanhada, ainda, do apoio no campo diplomático. Ainda de acordo com Mearsheimer e Walt, desde 1982, os EUA vetaram 32 resoluções do Conselho de Segurança da ONU que eram críticas a Israel, número maior que o total de vetos de todos os outros membros do organismo que possuem tal poder. Além disso, os estadunidenses obstruem todos os esforços dos países árabes para que a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) inspecione o arsenal israelense.

Blackhawk e jatos F-16 • Desde 1982, os EUA vetaram 32 resoluções do Conselho de Segurança da ONU que eram críticas a Israel. Esse número é maior que o total de vetos de todos os outros membros do organismo • Os eleitores judeus representam cerca de 3% da população estadunidense, mas são os responsáveis por levantar 60% dos recursos financeiros destinados às campanhas dos candidatos democratas à presidência, de acordo com o Washington Post • Em maio de 2002, após Israel ter invadido novas áreas na Cisjordânia, a Câmara de Representantes dos EUA aprovou uma concessão de 200 milhões de dólares ao Estado judeu, para ser usado no combate ao terrorismo * Fonte: John Mearsheimer e Stephen Walt: The Israel Lobby and U.S. Foreign Policy (London Review of Books, março de 2006).0

Grupo de judeus ortodoxos em ponto de ônibus do Brooklyn, bairro de Nova York

Nas entranhas do poder Lobby sionista nos EUA conta com uma rede de organizações e indivíduos que penetram nas instituições do Estado com o objetivo de estabelecer uma linha pró-Israel na política externa estadunidense da Redação O jornalista palestinoestadunidense Ramzy Baroud define o lobby próIsrael nos EUA não como um organismo unitário, que possui lobistas pagos nas dependências do Congresso e do Executivo, embora isso também exista. De acordo com ele, tamanha força é resultado de uma “vasta infra-estrutura de indivíduos e organizações que penetraram em toda instituição possível, governamental ou não, que pode, de alguma maneira, influenciar, pressionar ou defender a agenda israelense”. Para Baroud, não se trata somente de alguns milhões em contribuições para as campanhas eleitorais, mas de um “complexo e bem organizado aparato de muitos grupos, imensos recursos e um grande número de organizações de apoio e indivíduos que trabalham em sincronia, todos focados em uma causa, a de Israel”. Para atingir seus objetivos, essa “rede” conta com duas estratégias centrais: influir sobre o Estado e sobre o debate público. Assim, além do trabalho junto ao Congresso e ao Executivo estadunidenses, o lobby sionista possui “ramificações” na mídia e nas universidades. De acordo com os cientistas políticos John Mearsheimer e Stephen Walt, autores do artigo O Lobby de Israel e a Política Externa dos EUA, de março de 2006, campanhas de envio de emails e cartas e de realização de boicotes são organizadas contra parlamentares, meios de comunicação, jornalistas e professores universitários que contrariam os interesses israelenses. No caso de deputados ou senadores “rebeldes”, além disso, a estratégia é cortar o financiamento econômico e direcioná-lo a seu adversário político. Promessa de Obama

No entanto, o fato de o lobby pró-Israel nos EUA não possuir um corpo uni-

tário não significa que não exista uma organização bastante forte e influente por trás dele. É o caso do Comitê de Assuntos Públicos Israel-estadunidenses (AIPAC, na sigla em inglês), entidade que possui 60 mil membros. Segundo o artigo de Mearsheimer e Walt, uma enquete realizada em 1997 com os membros do Congresso revelou que o AIPAC é considerado o segundo lobby mais poderoso de Washington, atrás apenas da Associação Estadunidense de Aposentados. Em 2005, um estudo do National Journal chegou a uma conclusão parecida. “Quando o AIPAC – que derrama nos congressistas estadunidenses muitos milhões de dólares em contribuições de campanha, tudo isso com um objetivo em mente, uma agenda direitista pró-Israel – realiza suas conferências anuais, a maioria dos membros da Câmara e do Senado, integrantes do Executivo, os maiores representantes de ambos os partidos, centenas de embaixadores estadunidenses e muitos mais afluem de todo o país e de todo o mundo para marcar o louvor a Israel, no mais bizarro e inédito modo de tratamento dos EUA a qualquer outro lobby ou organização influente”, protesta Ramzy Baroud. De fato, no dia 4 de junho de 2008, logo após obter a indicação do Partido Democrata para a candidatura à presidência dos EUA, Barack Obama participou de um encontro na sede da entidade, no qual prometeu “eliminar” a ameaça representada pelo Irã ao Estado judeu. “Não há ameaça maior para Israel e para a paz e a estabilidade na região que o Irã”, declarou. De acordo com os cientistas políticos Mearsheimer e Walt, essa influência do lobby sionista sobre o Executivo estadunidense não é nova. Um dos exemplos citados é o da gestão Bill Clinton (1993-2001), que contava com importantes nomes pró-Israel nos setores dedicados à

política para o Oriente Médio: entre eles, Martin Indyk, ex-vice diretor de pesquisa do AIPAC e co-fundador do Winep, instituição de orientação pró-sionista; Dennis Ross, que ingressou no Winep após deixar o governo, em 2001; e Aaron Miller. Congresso

Os três estavam “entre os colaboradores mais íntimos de Clinton na reunião em Camp David, em julho de 2000, o que fez com que os negociadores palestinos se queixassem de estarem tratando com ‘duas equipes israelenses’”, segundo os autores do artigo. Já em relação ao Congresso, a força do lobby pró-Israel é ainda maior. Um exemplo claro ocorreu durante o governo de George W. Bush (20012009). Em 16 de novembro de 2001, após pressões do presidente estadunidense para que Israel flexibilizasse sua posição em relação aos territórios ocupados na Palestina, 89 senadores (de um total de 100) enviaram-lhe uma carta exigindo que sua administração não impedisse Israel de fazer retaliações contra os palestinos. Segundo eles, o Executivo deveria, ainda, declarar publicamente seu apoio ao Estado judeu. Na ocasião, o The New York Times afirmou que tal carta teve origem em uma reunião anterior entre líderes da comunidade judaica estadunidense e importantes senadores, e que o AIPAC esteve bem ativo no fornecimento de conselhos para sua elaboração. “O mais revelador é o fato de que, fora uma menção aqui ou ali, o poder desse lobby mal é coberto na mídia dos EUA, o que mostra o seu nível de influência. Apesar desse imenso poder, muitos estadunidenses sequer se dão conta que tal lobby existe, enquanto outros argumentam que isso é um ‘mito’, chegando ao ponto de chamar qualquer um que deseje criticar esse poder e influência de anti-semita”, questiona Baroud. (IO)


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“Essa é a transição mais conservadora da história dos Estados Unidos” SUCESSÃO NOS EUA Em entrevista ao Brasil de Fato, o economista e professor Nildo Ouriques afirma que as primeiras medidas do mandatário estadunidense indicam que ele não irá promover grandes mudanças em sua gestão Reprodução

EM SEUS primeiros dias como presidente dos Estados Unidos, Barack Obama ordenou o fechamento do centro de detenção de Guantánamo no prazo de um ano. Logo em seguida, declarou que seu país continuará apoiando o “direito de Israel de se defender de ameaças legítimas, pois nesses últimos anos o [movimento islâmico] Hamas lançou diversos foguetes na região”, referindo-se à ofensiva militar israelense em Gaza, que em 22 dias matou 1.400 palestinos, a maioria civis, e deixou mais de 5.000 feridos. Na avaliação do economista Nildo Ouriques, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), as primeiras medidas do mandatário estadunidense indicam que ele não irá promover grandes mudanças em sua gestão, tanto em relação à política interna quanto externa. “Sobre o Obama não há nada ainda, só o benefício da ilusão”, afirma Ouriques, em entrevista ao Brasil de Fato. Em relação à base militar localizada em Cuba, o economista afirma: “O que ele fez foi suspender por 120 dias os tribunais de Guantánamo. E ele não tem que fechar as prisões, tem que devolver Guantánamo para os cubanos”. Já a respeito das declarações do presidente dos EUA sobre Israel, Ouriques pontua: “Israel tem 300 bombas atômicas, recebe mais de 1 bilhão de dólares por ano dos Estados Unidos. Então, acreditar que a história começa com os foguetes do Hamas a Israel é esquecer que o Hamas chegou ao poder por uma eleição limpa, ganhou e foi bloqueado por Israel, pelas Nações Unidas e pelos Estados Unidos”. O economista também é pouco otimista em relação à composição do governo Obama, que acredita ser “ultraconservador”. Segundo ele, “essa é a transição mais conservadora da história dos Estados Unidos. Eu não recordo de outro presidente, democrata ou republicano, que manteve em postos-chave figuras do outro partido”. Brasil de Fato – Poderia fazer uma avaliação sobre as declarações feitas nos primeiros dias do novo presidente dos Estados Unidos, como a promessa de fechamento de Guantánamo? Nildo Ouriques – Sobre o Obama não há nada ainda, só o benefício da ilusão. Ele não fechou Guantánamo. O que ele fez foi suspender por 120 dias os tribunais de Guantánamo. Em segundo lugar, ele não tem que fechar as prisões, tem que devolver Guantánamo para os cubanos. Isso é fundamental, mas não está em seus planos. Então, agora há o benefício da ilusão, o negro na presidência dos Estados Unidos, o adeus ao Bush... Mas a mídia é totalmente favorável a ele, é o Jesus Cristo que chegou na Terra. Mas medidas, nenhuma. As medidas concretas foram, para a América Latina, a manutenção do subsecretário para a América Latina do Bush, que é do partido Republicano. Em segundo lugar, no mundo das finanças ele colocou, em postos-chave da economia, todo mundo do “big business”, do mundo das finanças. Então, o que fez o Obama até agora foi muito negativo, não teve mudança. Ele assinou uma ordem executiva

Reprodução

Patrícia Benvenuti da Redação

“É um governo ultra conservador, e essa é a transição mais conservadora da história dos Estados Unidos. Eu não recordo de outro presidente, democrata ou republicano, que manteve em postos-chave figuras do outro partido” Militar estadunidense substitui a foto de Bush pela de Obama em quadro na base de Guantánamo; abaixo, iraquianos assistem à posse de Obama em um café em Bagdá

“As medidas concretas foram, para a América Latina, a manutenção do subsecretário para a América Latina do Bush, que é do partido Republicano” para o fechamento de Guantánamo... O que tem de imediato da ordem presidencial é a suspensão dos juízos do centro de detenção, que não está sob jurisdição estadunidense. Provavelmente o que ele vai fazer é transferir os prisioneiros para os Estados Unidos e dar um juízo dentro da lei estadunidense, porque em Guantánamo as leis são de exceção. Comentando a ofensiva de Israel contra os palestinos em Gaza, Obama afirmou que os israelenses têm o direito de se defender contra os foguetes do Hamas. Como avalia essa declaração? Israel tem 300 bombas atômicas, recebe mais de cerca de um bilhão de dólares por ano dos Estados Unidos. Então, acreditar que a história começa com os foguetes do Hamas é esquecer que ele chegou ao poder por uma eleição limpa, que ganhou. Essa história de começar a crônica com os foguetes do Hamas é ocultar o

essencial da história. Basta ler o livro do [jornalista britânico Robert] Fisk sobre o Líbano ou a Grande Guerra pela Civilização. A primeira coisa é a vitória do Hamas em uma eleição democrática, que foi boicotada pelos Estados Unidos e por Israel. Israel tem o direito de se defender, e os palestinos têm o direito à pátria, que é anterior e, mais ainda, à sua terra. Estamos iguais – aliás, a desigualdade segue. Qual a expectativa para o governo Obama em termos de política externa? E em relação à Gaza? Não são os Estados Unidos, é o Estado. Não é o Obama, é governo do Estado. Tem que ser leninista, o pessoal esquece Lênin. Tem Estado e tem governo, e o Estado é o bloco do poder. E, sobre tudo que o Obama está fazendo até agora, não tem nenhuma medida destinada a equilibrar as forças no Oriente Médio, que implica no seguinte: o Irã tem direito à bomba atômica, não somente o Paquistão e Isra-

el; Israel tem que ser desarmado, e os territórios ocupados têm que ser todos desocupados, se é para falar sério. Não tem medida nenhuma até agora. E a promessa de retirada de tropas do Iraque? Promessas têm, mas, com governo, eu não dou o menor valor para promessas. O Obama era promessa até ontem. Desde ontem, ele tem a caneta. E eu, como analista, tenho que analisar o que ele faz, e não o que ele diz que vai fazer. E ele não fez nada até agora. Aliás, a mídia fez muito mais por ele do que ele próprio. No sentido de propaganda? É claro. A mídia é um modelo de propaganda, não tem nada a ver com jornalismo. O jornalismo é uma coisa que não existe. O que existe é um modelo de propaganda. Como avalia a cobertura da imprensa brasileira? Foi vergonhosa. A cobertuReprodução

No Afeganistão, pessoas se reúnem para ver Obama se tornar o 44º presidente dos EUA

ra da imprensa brasileira foi um lobby pró-Obama e prójudaico. Foi ridículo, as vozes críticas dos Estados Unidos não apareceram. Ainda sobre a política externa, acredita que o governo de Obama manterá o embargo a Cuba? Não há nada sobre isso, nem uma declaração, nada na campanha, absolutamente nada. Só um jogo duro contra a Venezuela, contra tudo que eles consideram que é ameaça. Obama, inclusive, afirmou em uma de suas declarações que (o presidente da Venezuela, Hugo) Chávez tem sido um entrave para o desenvolvimento da América Latina... Como o Chávez vai ser um entrave? Entrave são os Estados Unidos. Eu considero que o Obama é um entrave para o desenvolvimento dos Estados Unidos. Ele considera que o Chávez é um entrave para o desenvolvimento da América Latina, e eu considero que o Obama é um entrave para o desenvolvimento dos Estados Unidos e do mundo. Pronto. Qual o valor da afirmação do Obama e da minha? Nenhuma. É propaganda, é um presidente dos Estados Unidos fazendo propaganda. Quem autorizou os Estados Unidos a julgar o Chávez? Nos Estados Unidos, o habeas corpus está suspenso, há prisões extra judiciais, intervenção no correio eletrônico, tortura... O que tu achas de tortura reconhecida pelo Estado? O que tu queres mais? Invasão no Iraque, invasão no Afeganistão. Como é que nós levamos a sério considerações do Estado mais terrorista do mundo, os Estados Unidos? Como eles vêm falar para nós que alguém é entrave, Evo [Morales], Rafael [Correa]...

Há perspectivas de haver um diálogo maior com lideranças da América Latina? Aí eu estou com o Fidel e com o Raul, que disseram: “Tomara que ele tenha”. Tudo que a gente quer é que os Estados Unidos abandonem o terrorismo de Estado e comecem a dialogar. Eu gostaria que o Obama começasse um diálogo porque, desde que os Estados Unidos se afirmaram como potência, eles usam o porrete. Eu gostaria que fosse diferente, mas não me iludo. Eu acho que não existe essa possibilidade. E qual é sua avaliação em relação à composição do governo de Obama? É um governo ultra conservador, e essa é a transição mais conservadora da história dos Estados Unidos. Eu não recordo de outro presidente, democrata ou republicano, que manteve em postos-chave figuras do outro partido. Porque a vitalidade do sistema estadunidense é: quando os republicanos entram, saem todos os democratas. Quando os democratas entram, saem todos os republicanos. Agora, o que a gente está vendo é ele conservando um monte de gente. Por isso eu digo que é a transição mais conservadora dentro dos Estados Unidos. E quanto à política interna, como deve ser sua postura diante da crise? Quais devem ser suas principais medidas? É uma crise tremenda. Imagine 44 milhões de estadunidenses sem plano de saúde, 2,16 milhões de presidiários, mais 4 milhões com mandado judicial, são 6 milhões. A economia destruída, o desemprego em alta, a tarefa interna é gigantesca. Mas ele fortaleceu os monopólios, mais um pacote de 400 bilhões agora para os monopólios, sem garantia de que as empresas vão manter os empregos. Os monopólios enquadraram ele. Uma das promessas foi o acesso universal à saúde... Não esqueça de que o Bill Clinton, quando assumiu junto com a Hillary – que é especialista em sistemas de saúde –, por um ano e meio ela também propagandeou tudo, e depois foi enquadrado nos monopólios privados do sistema de saúde. Para o senhor, então, a figura do Obama até agora não representa mudança? Nenhuma. Eu vou esperar daqui a três meses e nós vamos ver. Se ele mudar para melhor, eu vou ficar muito feliz, vou reconhecer e saudar. Mas até agora nada, e o que eu vejo é muito ruim. Divulgação

Quem é O economista Nildo Ouriques é professor do departamento de Economia e presidente do Instituto de Estudos Latino-americanos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).


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de 29 de janeiro a 4 de fevereiro de 2009

cultura Arquivo Brasil de Fato

Para que não se esqueça,

jamais

Jonathan Constantino de São Paulo (SP) APÓS CERCA de um ano e meio de luta e pressão do Fórum Permanente de ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo junto ao Governo do Estado, foi reinaugurado, no dia 24 de janeiro, o Memorial da Resistência, no térreo da Estação Pinacoteca, antigo prédio do Departamento de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo (Deops/SP). Após reforma, o memorial reabre com uma nova concepção museológica para preservação da memória “de milhares de combatentes, que nunca aceitaram a opressão das classes dominantes e seus instrumentos ditatoriais”. De acordo com o jornalista Ivan Seixas, diretor do Fórum, “resgatar esse velho prédio e transformálo num símbolo de resistência é a manifestação de quem luta pela democracia e não quer esconder nossa história. E nem apagar as pistas de sangue deixadas por carrascos impunes até os dias de hoje”. Reconstituição das celas

Com a pressão realizada pelo Fórum, conseguiu-se a mudança do nome do memorial e a realização de uma significativa reforma. Em agosto de 2007, foi apresentado o projeto de remodelamento, e sua implantação iniciou-se em agosto de 2008. Na reforma foram reconstituídas celas, a fim de apresentar as reais condições a que os presos eram submetidos. Com

ajuda de ex-presos, também foram refeitas inscrições nas paredes para resgatar as frases de resistência e solidariedade que haviam sido apagadas. Também foram instalados equipamentos audiovisuais por meio dos quais os visitantes podem informar-se sobre o que foi o espaço. Na avaliação de Seixas, para cumprir seu papel histórico e didático, o memorial deve ter um destino militante. “Projetos e programações devem sensibilizar a sociedade sobre a importância da luta pela Anistia, a Justiça de Transição e os Direitos Humanos para a Democracia. Para nós, do Fórum dos ex-Presos e Perseguidos Políticos, o objetivo maior é completar a transição democrática, consolidar e aprofundar a democracia”, salientou. Sem precedentes

Segundo Kátia Filipini, museóloga da Estação Pinacoteca do Estado, “não temos conhecimento de nenhum outro projeto do tipo, no Brasil. O que sabemos é que há um museu na Argentina, ligado à Escola Superior de Mecânica da Armada (Esma), e que no Chile há um projeto em implantação”. Sobre a importância do memorial como instrumento de preservação e resgate da memória, ela afirma que “o museu é uma boa tentativa nessa luta, e, como seu foco principal é a ação educativa e cultural, desde já estão em projeto seminários, debates e palestras para contribuir nesse sentido”.

De acordo com o secretário da Cultura, João Sayad, presente à solenidade de inauguração, a recaracterização do memorial deveria ter sido ainda mais dramática, para retratar melhor o que foi aquele período. Para ele, o modo como as celas haviam sido apresentadas na última reforma assemelhavamse mais a salas confortáveis de um hotel. Estiveram presentes à solenidade de inauguração o governador do Estado de São Paulo, José Serra; os secretários da Cultura, João Sayad, e da Justiça e Defesa da Cidadania, Luiz Antônio Marrey; o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, que representou o ministro da Justiça, Tarso Genro; o diretor da Pinacoteca do Estado, Marcelo Araújo; e Rogério Sottili, representando o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos; além de Raphael Martinelli, que, juntamente com Ivan Seixas, falou em nome do Fórum Permanente de ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo.

Acervo Iconographia

MEMÓRIA E VERDADE Prédio onde funcionava centro de tortura vira museu de resgate da história de presos políticos

Histórico

Localizado no Largo Manoel Osório, próximo à estação Luz da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), o prédio, onde hoje funciona a Estação Pinacoteca – anexo da Pinacoteca do Estado –, foi projetado em 1914 por Ramos de Azevedo, destinado a ser um armazém para a Ferrovia Sorocabana. Porém, em 1949, durante o governo do General Eu-

Acima, prédio da Estação Pinacoteca (antigo Deops), onde está localizado o Memorial da Resistência; abaixo, manifestação contra o Golpe Militar em 1964

rico Gaspar Dutra, o Deops/ SP, criado 25 anos antes com a finalidade de combater os movimentos sociais e outras manifestações originárias de “ideologias exóticas”, como o anarquismo e o sindicalismo, é transferido para o prédio do antigo armazém. Assim, passa a ser o cenário sombrio no qual se desenrolaram diversos atentados de lesa-humanidade, amplificados durante a ditadura civil-militar de 1964-1984.

Inaugurado em 2002 com o nome de Memorial da Liberdade, o atual Memorial da Resistência passou por inúmeros processos de transformação, o que acarretou a descaracterização do prédio. Foram destruídas duas celas, localizadas no térreo, chamado “Fundão”, que era formado por antigas celas reforçadas que funcionavam como solitárias. Além disso, o espaço recebeu pinturas modernas e sofistica-

das, foram destruídos os banheiros que eram utilizados pelos presos e raspadas inscrições deixadas nas paredes das celas por presos políticos de diversas gerações. As reformas e nome atribuído ao memorial, então, desencadearam o descontentamento de grupos ligados às vítimas da violência durante a ditadura militar, de modo especial, do Fórum Permanente de exPresos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo.

Fórum de juízes defende responsabilização de crimes da ditadura Divulgação

Divulgação

Carta final do encontro defende “a necessidade da interpretação técnico-jurídica da Lei de Anistia”

Operação Condor

da Redação “A necessidade de que o Ministério Público promova a persecução criminal necessária para a responsabilização dos autores de crimes contra a humanidade praticados durante a ditadura militar no Brasil, com a criação de força tarefa para este fim”. Esse é um dos pontos defendidos na “Carta a Belém”, documento redigido e aprovado ao final do 5º Fórum Mundial de Juízes, evento que contou com a participação de juízes, advogados e procuradores de vários países. A carta sintetiza os princípios discutidos durante os três dias do encontro, entre eles “a necessidade da interpretação técnico-jurídica da Lei de Anistia”. Um dos palestrantes do evento, ocorrido entre 23 e 25 de janeiro, em Belém (PA), foi o chileno Juan Guzmán, que tratou da intervenção do Poder Judiciário durante e após a ditadura de 1973 a 1990, no

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Ayres Britto; na foto ao lado, à esquerda, a senadora Marina Silva participa de outro painel

Chile. O magistrado foi quem investigou os casos de tortura e homicídios praticados pelo ditador Augusto Pinochet. “A repressão que o Chile sofreu pode ser resumida na prática indiscriminada de prisões, na utilização de torturas mais sofisticadas e no desaparecimento de pessoas como forma de terrorismo por parte do Estado”. Segundo o juiz, “o Judiciário colaborou com a perpetração dos crimes cometidos por agentes do Estado nesse período. Deveriam ter sido investigados e julgados os magistrados que delinquiram como cúmplices nos crimes de sequestro, assassinato e tortura”. Para ele, a troca de expe-

riências entre juízes de gerações e nacionalidades diversas é sempre válida e importante. “Brasil, Itália, Chile e Espanha, em especial, são países progressistas e, como tais, assumem compromisso com os povos originais e usam o Direito para fins sociais, com o objetivo de pregar a igualdade entre as nações, priorizando os tratados internacionais do direitos humanos”. Agentes violadores

O procurador regional da República do Estado de São Paulo, Marlon Weichert, e a procuradora da República no Estado de São Paulo, Eugênia Fávero, também discutiram a responsabilização dos agen-

tes públicos violadores dos direitos humanos durante a ditadura militar no Brasil. Ambos são autores de uma ação civil pública contra dois ex-comandantes do Doi-Codi de São Paulo – Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel –, que os responsabilizam por crimes cometidos durante a ditadura civil militar. “Se os países vizinhos encontraram um caminho jurídico para ir contra essa impunidade e trazer alguma solução à ferida aberta, precisamos conhecê-lo. Estamos convencidos de que esse caminho existe e é perfeitamente compatível com a Constituição Federal brasileira”, afirmou Eugênia Fávero.

No Brasil, dois casos de responsabilização criminal – pela morte de José Luiz da Cunha e do jornalista Vladimir Herzog – foram arquivados sob o argumento de que o Brasil não ratificou a convenção da ONU sobre a imprescritibilidade de crimes contra a humanidade. “Mas o Chile também não ratificou e foi condenado. Nesse cenário, tenho convicção de que, se os familiares das vítimas acionarem a Comissão Interamericana contra a omissão do Estado brasileiro, esses casos chegarão à Corte e o Brasil será condenado”, afirmou Marlon Weichert. (com informações da Agência Carta Maior e da página do Fórum Mundial de Juízes).

O juiz e procurador da República em Roma, Giancarlo Capaldo, falou sobre os crimes praticados na “Operação Condor”, aliança político-militar entre os vários regimes militares da América do Sul (Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai), cujo objetivo era coordenar a repressão aos opositores do regime. Após denúncias de parentes de desaparecidos políticos, Capaldo passou a investigar 25 casos de crimes que envolviam italianos e que aconteceram nos cinco países. Apesar dos pedidos, o governo brasileiro não colaborou com as investigações, interrogatório e extradição de alguns acusados pelo desaparecimento de dois ítalo-argentinos na década de 1980 – Horácio Domingo Campiglia e Lorenzo Ismael Viñas. Há alguns meses, a Justiça reconheceu a responsabilidade indireta do governo brasileiro e determinou o pagamento de indenizações às famílias de vítimas italianas.


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