Edição 311 - de 12 a 18 de fevereiro de 2009

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Circulação Nacional

Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 7 • Número 311

São Paulo, de 12 a 18 de fevereiro de 2009

R$ 2,50 www.brasildefato.com.br

Igor Ojeda

Edson Santos/Secom

A luta pela terra perde Adão Pretto

Cuba, 50 anos

Na última semana, o Brasil perdeu um de seus maiores símbolos da luta pela reforma agrária. O deputado federal Adão Pretto (PTRS) faleceu, aos 63 anos, em decorrência de complicações em uma cirurgia para a retirada do pâncreas. Fundador do MST, do PT e da CUT, Adão nunca se esqueceu da sua origem pobre e camponesa e será lembrado pela defesa de um país mais justo. Pág. 8

Pescadores remam sobre o local onde o Granma encalhou

Quando Fidel e seus homens chegaram para a Revolução Há meio século, a Revolução Cubana dava seus primeiros passos. Resultado de dois anos de luta intensa e muitos outros de batalhas políticas. A partir desta edição, o Brasil de Fato publica uma série de reportagens: história, luta, conquistas, obstáculos e desafios. A primeira delas trata da chegada de Fidel e seus homens na ilha, a bordo do iate Granma. Págs. 10 e 11

Implantar a Constituição: o novo desafio do governo Evo Aprovada a nova Constituição na Bolívia, o governo Evo Morales parte agora para o desafio de colocar em prática as mudanças contidas na nova legislação. Para Jerjes Justiniano, do Partido Socialista em Santa Cruz, será preciso negociar com todas as forças políticas do país, inclusive com a oposição de direita, antes de recorrer à pressão popular. Pág. 9

Juros bancários altos freiam produção e geram desemprego Os altos juros cobrados pelos bancos no Brasil criam entraves ao desenvolvimento produtivo do país. O elevado custo do crédito aumenta as despesas das empresas que são levadas a demitir para manter sua margem de lucro. Assim, os juros altos, além de limitarem o consumo,

tornando mais caro comprar a prazo, reduzem a renda da população. Na ponta, desaquecimento da economia e aprofundamento da crise econômica. Enquanto isso, os lucros dos bancos continuam subindo, conforme os dados divulgados pelo Santander no dia 5. Pág. 3 Almeida Rocha/Folha Imagem

Jovens pobres e negros na mira da polícia do PA Desde o início do ano, a letalidade policial na região metropolitana de Belém (PA) aumentou, afirma Cibele Kuss, ouvidora do Sistema de Segurança Pública do Estado do Pará. Dos 13 homicídios ocorridos, 90% apresentam características de execuções sumárias. Pág. 7

Policiais militares revistam moradores da favela Paraisópolis, em SP, durante a Operação Saturação, que conta com 400 homens e 100 carros

STF nega liminar da Itália Em Paraisópolis, um levante contra a desigualdade contra refúgio a Battisti luxuoso bairro Morumbi, A revolta dos moradores to contra a polícia, é o clímax porém, é a comunidade que cujos moradores exploram e abriga os trabalhadores de Paraisópolis, em São Pau- de uma tensão alimentada na década de 1970, época em que militava no grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) – tem “o indisfarçável objetivo de obstruir a continuidade do processo de extradição de Battisti, que tramita no Supremo”, além de afrontar a Constituição Brasileira e os tratados internacionais. Battisti foi preso preventivamente no Brasil, em abril de 2007, e segue detido na Penitenciária da Papuda, no Distrito Federal, à espera da decisão do STF sobre o processo de extradição, após a concessão do refúgio dada pelo governo brasileiro no dia 13 de janeiro. Dois dias depois (15), a defesa de Battisti entrou com uma petição no STF para que o tribunal autorizasse a saída do italiano da prisão (leia mais sobre Battisti na página 2).

há 40 anos pela criminalização da pobreza. Paraisópolis,

lo (SP), que no dia 2 atacaram carros e lojas em protes-

“Reajuste na conta de luz é imoral” A Agência Nacional de Energia Elétrica autorizou, dia 3, reajuste nas tarifas de energia para São Paulo, Rio Grande do Sul e Espírito Santo. “É um período de crise muito difícil, e nos parece imoral, nesse momento, qualquer aumento no custo de vida dos trabalhadores”, avalia Antonio Trierveiler, do MAB. Pág. 4 ISSN 1978-5134

Reprodução

O Supremo Tribunal Federal (STF) negou pedido de liminar feito pelo governo da Itália para anular o refúgio político concedido ao escritor e ex-ativista Cesare Battisti. A negativa foi do ministro Cezar Peluso, em resposta à liminar – que constava de um mandado de segurança – protocolada pelo governo da Itália no STF. O ministro também deu prazo de dez dias para que a defesa de Battisti se manifeste sobre o mérito do mandado de segurança italiano. Após esse prazo, ainda será concedida vista dos autos ao procurador-geral da República. Segundo o governo italiano, o benefício concedido pelo Brasil a Cesare Battisti – condenado à prisão perpétua em seu país sob acusação de quatro assassinatos

que ergueram e servem de mão-de-obra barata para o

humilham os habitantes da vizinha pobre. Pág. 5

AFOGANDO EM NÚMEROS

8,5 bilhões de dólares é a quantia que o governo francês deve injetar nas montadoras do país – como contrapartida exige a garantia dos empregos. O valor corresponde a cerca de R$

19 bilhões.

Com esse dinheiro, seria possível transferir diretamente cerca de R$ para cada um dos

2.700

7 milhões de franceses

que vivem abaixo da linha da pobreza.


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editorial OS PODERES da nossa República andam um tanto combalidos – nem muito mais, nem muito menos que de costume. Apenas – como sempre que a aliança PSDB-DEM não têm seus interesses atendidos – a grande mídia estrebucha. Ora, é óbvio que todos sabemos quem é o PMDB, quem é o senador José Sarney, o deputado Michel Temer e tutti quanti nesse circo em que se transformou a política institucional. Portanto, tolice continuarmos a trombetear as falcatruas ou outras estripulias desses senhores, ou dos articuladores de suas candidaturas. Igual tolice seria mais uma vez nos dedicarmos às biografias do ex-presidente e atual senador, e dos articuladores de sua candidatura à presidência do Senado. Ridículo igualmente ocuparmos nossas páginas com declarações de vestais tucanas ou do DEM – escandalizadas, “em nome da probidade”, com o que se passou no Congresso Nacional para a escolha dos presidentes de ambas Augustas Casas. O cálculo presidencial Inútil também querer desgastar os mais de 80% de popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, denunciando o apoio que este teria dado tanto à candidatura do senador Sarney quanto à do deputado Temer (mesmo este tendendo mais para atucanar-se), contra, respectivamente, o senador petista Tião Vianna e o deputado Aldo Rebelo, do PCdoB – partido que compõe a base governista. É sobejamente conhecido que o pre-

debate

Estrebucha, baby, estrebucha! sidente Luiz Inácio não é um homem de partido, e esse seu comportamento não tem qualquer novidade. Ou seja, o presidente trabalha sempre com um cálculo frio, simples e pessoal. Com relação às presidências da Câmara e do Senado, o PT não tem outra alternativa senão engolir mais este sapo, e continuar a apoiá-lo (aliás, apesar de tudo, seria um delírio pior se não o fizesse – o que nada justifica); de certo modo, o PCdoB, idem. Certamente, pouco lhe importa também o destino do governador Jackson Lago – real politik é isso. Pragmatismo também é isso – e o presidente Luiz Inácio jamais passou de um pragmático. Portanto, melhor (em seu cálculo) garantir o incerto apoio do PMDB, uma vez que o certo – como vimos – fica sem outra alternativa que não apoiá-lo. E, depois de tudo, vá lá saber o que se negocia nos bastidores, no que diz respeito ao escândalo envolvendo o senhor Daniel Dantas – os famosos dossiês, que se tornaram um hit político pelas mãos do senhor Antônio Carlos Magalhães (DEM-BA) e que, oficiosamente, hoje têm o grande poder de decisão. Mas, do caso Dantas, a grande mídia comercial e seus apaniguados não querem nem ouvir falar, pois envolve muito diretamente os dois primeiros presidentes (e suas respectivas cortes) que aquela mídia elegeu no pós-

ditadura: seu enfant gâté (criança mimada) Fernando Collor de Mello – que ela própria viria a destronar em seguida; e o seu príncipe, o douto Fernando Henrique Cardoso, que, aliás, uma colunista da Folha de S. Paulo, habilmente e sem afirmá-lo diretamente, classificou de um “pitbull abandonado”. O homem dos porões Numa República e numa democracia, se o que apontamos acima já é motivo de sobra para acendermos todos os sinais de alerta, mais grave porém é o fato do corregedor-geral da Câmara Federal ter sido um torturador durante a mais recente ditadura. O deputado Edmar Moreira (DEMMG), o “tenente de óculos ray-ban” que torturava os presos políticos de Linhares (MG), acabou por renunciar à Corregedoria. Mas ninguém pense que por haver sido identificado e denunciado enquanto torturador nos anos de 1970. Não, não foi isso. Sua renúncia se deveu ao fato de ter fraudado sua declaração de bens, ao não declarar corretamente o valor de um castelo que mantém. O castelo Monalisa, no município mineiro de São João Nepomuceno. No caso do ex-tenente, porém, o DEM foi rápido no gatilho. Condenou seu tenente-deputado e o obrigou a deixar o cargo, pois o austero DEM não é e nunca foi um partido de fal-

catruas... De senhores de generaispresidentes para a situação de terem tenentes-deputados, é um bom sinal de decadência. Detendo-se no castelo Monalisa, a grande mídia comercial faz absoluta questão de elogiar a presteza das vestais do DEM e esconder o torturador atrás do apelido de “O Homem do Castelo”. Ou seja, aqui, baby, não estrebucha...

recentemente trazidas a público pela revista Carta Capital, lá permanece inamovível o doutor Gilmar, qual uma rocha senhora de todos os dossiês secretos. Depois de livrar o banqueiro Daniel Dantas do xilindró, do mesmo modo como doutor Marco Aurélio procedera com o senhor Salvatore Cacciola, o doutor Gilmar dedica-se hoje a se articular com os fascistas e neofascistas italianos, na tentativa de extraditar o escritor e ex-militante Cesare Battisti. A grande mídia comercial, parte da mesma aliança, não estrebuchou. Aplaudiu.

O antro do Judiciário No entanto, se no Executivo e Legislativo as coisas se passam desse modo, as questões do Judiciário permanecem trancadas a sete chaves. Também aqui a grande mídia comercial se cala. Pelo menos enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) permanecer sob a custódia do doutor Gilmar Mendes, essa impoluta figura ali alocada pelo “pitbull abandonado”. Quando pensávamos que nenhum outro ministro do STF superaria os desmandos e transgressões das normas constitucionais cometidos pelo doutor Marco Aurélio Mello – primo do ex-presidente Collor, que ali o colocou para barrar qualquer investida legal contra suas trampolinagens, os fados nos brindam com o doutor Mendes. Apesar de todas as advertências prévias de juristas da envergadura do professor Dalmo Dallari, e apesar de todas as denúncias de corrupção

O papel dos trabalhadores No entanto, não somos pessimistas. Apesar de tudo, a conquista do atual Estado de Direito, com todas as limitações, é um avanço, se lembramos da ditadura inaugurada, há exatamente 45 anos, com o golpe de 31 de março de 1964. Sua consolidação e aprofundamento, porém, só será possível se as organizações e movimentos autônomos dos trabalhadores e do povo, sem abandonar sua estratégia que define como principal terreno de disputas as ruas e praças, passarem a intervir também na política institucional. E não apenas nos momentos de crise – como no recente caso de defesa do governador Jackson Lago, do Maranhão, alvo da fúria e sanha do senador Sarney, mas também através de uma ação regular e até preventiva, interferindo em todos os níveis dessa disputa e ampliando os instrumentos de controle social do Estado.

crônica

Renato Simões

Battisti e a união das direitas NOS PRÓXIMOS dias, o Supremo Tribunal Federal (STF) se reunirá para decidir sobre o futuro de Cesare Battisti, cidadão italiano acusado de crimes políticos da luta armada dos chamados “anos de chumbo” em seu país, a quem o governo brasileiro concedeu, em decisão soberana, o status de refugiado político. Com a decisão adotada pelo ministro Tarso Genro, o caminho do pedido de extradição de Cesare Battisti, preso desde 2007 em Brasília, deverá ter o caminho do arquivo. Deverá? Eis a questão que hoje movimenta animadas figuras expressivas do pensamento de direita dos dois países diretamente envolvidos – Itália e Brasil – e de toda a aldeia global. A decisão do Supremo será tomada num contexto de franca ofensiva de comunicação dos reacionários dos dois países. A jurisprudência é clara, fixada em decisões anteriores do STF similares ao caso de Battisti, inclusive as que envolvem fugitivos da Justiça italiana procurados ou condenados por ações armadas nos anos de 1970, quando a Corte brasileira negou os pedidos de extradição com fundamentos praticamente idênticos aos adotados pelo Ministro Genro em sua decisão atualmente tão contestada. Ela própria considerou constitucional dispositivos previstos na Lei 9.474/97, a mesma base utilizada para o parecer do Procurador Geral de Justiça em defesa do arquivamento do pedido de extradição movido pelo governo italiano contra Battisti, após a decisão soberana do governo brasileiro lhe concedendo o refúgio. O que cria o suspense sobre a manifestação do Supremo é o contexto de luta política que se seguiu, tanto no plano interno quanto no internacional, contra a decisão de Tarso Genro, amparada em unânime e bem articulada grita dos meios de comunicação de massa dos dois países. Sucessivos governos italianos assimilaram com aparente tranquilidade o asilo informal concedido a Battisti e outros participantes da luta armada na Itália pelo presidente François Mitterrand. Por mais de uma década, eles viveram em paz na França, ali constituíram família e desenvolveram atividades profissionais, sob a condição imposta pelo governo socialista que os acolhia de renúncia formal à luta armada. Battisti assinou tal declaração, casou-se, teve duas filhas, escreveu livros e construiu sua vida na França até que os ventos conservadores que varrem o Velho Continente levaram ao poder a direita francesa e Jacques Chirac lhes cassou o status conferido por Mitterrand. O mesmo não sucedeu desta feita. Alguns “crimes” cometidos na decisão do ministro da Justiça no caso Battisti açodaram a direita italiana em sua re-

ação furiosa. Um deles foi a menção à violação aos direitos humanos pelo Estado italiano, extrapolando as próprias leis de exceção editadas no período: “é público e incontroverso, igualmente, que os mecanismos de funcionamento da exceção operaram, na Itália, também fora das regras da própria excepcionalidade prevista em lei. Tragicamente, também no Estado requerente, no período dos fatos pertinentes para a consideração da condição de refugiado, ocorreram antes momentos da História em que o ‘poder oculto’ aparece nas sombras e nos porões, e então supera e excede a própria exceção legal. Nessas situações, é possível verificar flagrantes ilegitimidades em casos concretos, pois a emergência de um poder escondido ‘é tanto mais potente quanto menos se deixa ver’. Isso é professado em nome da preservação do Estado contra os insurgentes, que não é menos ilegítima do que as ações sanguinárias dos insurgentes contra a ordem”, afirma Genro em sua decisão (parágrafos 17 e 18). Berlusconi e a direita italiana não gostaram de ver apenas o seu passado remexido. Ao analisar o pedido de Battisti e fundamentar sua decisão igualmente na sua condição de perseguido e nos riscos à sua vida e integridade pessoal decorrentes da extradição solicitada pela Itália, o Ministro Genro também aponta elementos de continuidade entre a situação de exceção vivida nos anos de 1970 e a ofensiva da nova velha direita italiana de retomar os processos contra os militantes da luta armada daquele período. “Concluo entendendo, também, que o contexto em que ocorreram os delitos de homicídio imputados ao recorrente, as condições nas quais se desenrolaram os seus processos, a sua potencial impossibilidade de ampla defesa face à radicalização da situação política na Itália, no mínimo geram uma profunda dúvida sobre se o recorrente teve direito ao devido processo legal. Por consequência, há dúvida razoável sobre os fatos que, segundo o recorrente, fundamentam seu temor de perseguição”, encerra Genro sua decisão (parágrafos 43 e 44). Assim, o presidente espetaculoso da

Itália, montado em sua coligação que integra todas as tonalidades do pensamento mais direitista de seu país, incluindose aí os neofascistas e racistas da Liga do Norte, e ainda respaldado pelos meios de comunicação de que é proprietário privado e dos meios de comunicação estatais sob seu comando, transformou o caso Battisti num elemento de “união nacional” e de legitimação do Estado Democrático de Direito italiano pretensamente atingido pela decisão do governo brasileiro. A direita tupiniquim alvoroçada encontrou um mote para fustigar o governo Lula, no contexto de uma crise internacional que elevou ainda mais a popularidade do Presidente e do próprio governo a patamares recordes de mais de 80%. Alinharam-se assim os principais editorialistas dos jornais escritos e as redes de televisão no ataque à soberania brasileira, reproduzindo os argumentos fascistas de autoridades italianas que nos remetem à condição de República de Bananas a desafiar o berço do Direito e da Civilização Cristã Ocidental. Nessa cruzada, direitas ítalo-brasileiras se juntaram, pressões diplomáticas injustificáveis foram adotadas na Itália e justificadas no Brasil, expressões preconceituosas e discriminatórias ofensivas contra o povo brasileiro foram veiculadas por meios impressos, rádio, TV e internet por uma direita sem bandeiras e sem outras perspectivas para o Brasil que não seja a submissão covarde aos ditames dos governos dos países que compõem o G-8, mesmo que econômica e politicamente decadentes, como é o caso da corte bufa de Berlusconi. Vejamos como o STF resolverá o ‘imbroglio’. Se manterá suas decisões anteriores, baseadas no direito e na Constituição brasileiras, ou se fará média com a mídia e os setores conservadores transnacionais em campanha para fazer de Battisti um instrumento da afirmação de sua prepotência e autoritarismo. Renato Simões é Secretário Nacional de Movimentos Sociais e Políticas Setoriais do PT e conselheiro nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH).

Dom Demétrio Valentini

Centenário de dom Helder NO DIA 7 de fevereiro completaram cem anos do nascimento de dom Helder Camara. Para personagens com dimensão histórica, a roupagem adequada é a dos séculos. De fato, o arco de um século situa melhor a importância e a grandeza de dom Helder. É muito acertada a iniciativa de se promover um “ano centenário”, para recolher a grande herança deixada por ele. A iniciativa parte de diversas instituições, a começar pela CNBB, com a presença do seu atual presidente, dom Lyrio Rocha, na missa de abertura do “ano centenário”, em Recife, defronte à Igreja das Fronteiras. A Cáritas Brasileira se sente particularmente ligada à pessoa de dom Helder, que foi o seu fundador, no ano de 1956. Por isso, ela se antecipou e promoveu uma homenagem especial ao seu primeiro secretário-geral e presidente no dia 6, à noite. Quando a liturgia tem uma data especial a celebrar, ela começa no dia anterior, com as “primeiras vésperas”. A Cáritas se incumbe de entoar os primeiros louvores, sinalizando que a celebração é de “primeira classe”! Entre tantos predicados, dom Helder foi indiscutivelmente um grande profeta e um sonhador das grandes utopias humanas e cristãs. Para descortinar os amplos horizontes suscitados pelo centenário do seu nascimento, podemos lembrar os dois grandes sonhos de dom Helder. Ambos em vista da passagem do milênio, que ele nem pôde ver. Como Moisés que não chegou a pisar a terra prometida, só a enxergando do alto do Monte Nebo, assim dom Helder deixou este mundo em 1999, antes da chegada do novo milênio, que ele sonhou com a generosidade de suas grandes utopias. Pois bem. Para o mundo, dom Helder sonhou o fim da miséria e da fome. Um mundo justo, em paz, reconciliado e fraterno, onde ninguém precisasse viver na miséria e passando fome. Este é o mundo que dom Helder sonhou para o milênio que já estamos vivendo! Para a Igreja, dom Helder sonhou, e divulgou, sua grande utopia, carregada de profundo simbolismo: a convocação do Segundo Concílio de Jerusalém! Para entender a força desse sonho, é preciso saber o que foi o Primeiro Concílio, descrito na Bíblia e realizado no começo da Igreja. Os apóstolos se congregaram em Jerusalém e perceberam a universalidade do Evangelho de Cristo, que precisava romper os limites estreitos do judaísmo e de quaisquer outras amarras culturais e religiosas para ser levado a toda a humanidade, que o aguardava como terra sedenta de verdade e de amor, pronta para produzir os frutos do Reino de Deus. Agora, um segundo “Concílio de Jerusalém” implicaria a predisposição da Igreja em rever sua caminhada, e o convite ao mundo para se abrir ao Evangelho de Cristo, superando preconceitos e confrontos inúteis, e abrindo caminho para um novo tempo de reconciliação e de paz mundial. Assim sonhava dom Helder. Ele vinculava seus sonhos a uma data, carregada de simbolismo, para dizer que esses sonhos ultrapassam as possibilidades concretas do nosso dia a dia, mas ao mesmo tempo começam a acontecer se lhes damos abrigo em nossas mentes e em nossos corações. Ele insistia na dimensão comunitária das utopias, alertando que um sonho que se sonha só fica na ilusão, mas um sonho que sonhamos juntos começa sua encarnação. O “Ano centenário” é para voltarmos a sonhar como dom Helder, para nos comprometer com a realização concreta de suas grandes utopias. Apesar das nuvens carregadas de pessimismo que se abateram sobre o mundo no alvorecer deste novo milênio. Em tempos de borrascas, os profetas precisam anunciar a bonança! Dom Demétrio Valentini é bispo de Jales (SP).

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Marcelo Netto Rodrigues, Luís Brasilino • Subeditora: Tatiana Merlino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Igor Ojeda, Mayrá Lima, Patrícia Benvenuti, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, • Assistente de Redação: Michelle Amaral • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editor de Arte: Rodrigo Itoo • Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Antonio David, César Sanson, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, João Pedro Baresi, Kenarik Boujikian Felippe, Luiz Antonio Magalhães, Luiz Bassegio, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Milton Viário, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Temístocles Marcelos, Valério Arcary, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar: (11) 2131-0800


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brasil

Bancos lucram em cima da produção e provocam aumento do desemprego ECONOMIA Com um dos maiores spreads do mundo, setor bancário brasileiro corrobora para que a crise econômica cresça no país Eduardo Sales de Lima da Redação OS BANCOS no Brasil parecem não estar sendo afetados pela crise econômica mundial. Seus lucros, obtidos em grande medida por meio do spread (diferença entre os juros que pagam para obter empréstimos e a taxa que cobram quando oferecem crédito), criam obstáculos internos ao desenvolvimento produtivo do país, refletindo, ao final, o desemprego. A política monetária brasileira beneficia sobretudo os banqueiros que, ao seu bel-prazer, traçam seus próprios critérios operacionais para estruturar o spread. O Banco Santander é um exemplo de como o Brasil fez com que a tempestade da crise se transforme numa refrescante chuva de verão para os bancos. A empresa registrou em 2008 uma redução de 2% de seu lucro em relação a 2007, atingindo 8,8 bilhões de euros. No Brasil, porém, seu lucro foi 22% maior, alcançando 1,1 bilhão de euros, que em reais representa R$ 3,2 bilhões. O Santander é o terceiro banco que cobra mais caro pelo cheque especial, contabilizando 9,9% de taxa de juros ao mês. Se você tiver dívidas com essa instituição, talvez já tenha se convencido de que o Brasil é o melhor cenário para o lucro bancário e o pior cenário para o crédito. Lucro embutido

É no índice do spread bancário que está embutido boa parte do lucro dessas empresas financeiras. Grosso modo, é a soma do spread com a taxa de captação (o custo de obtenção dos recursos financeiros pelos bancos comerciais) que formam os juros cobrados sobre os empréstimos a pessoas físicas ou jurídicas. Já o spread é composto por impostos,

depósitos compulsórios, despesas administrativas, risco de inadimplência e, claro, a margem de lucro. Ao longo de 2008, os brasileiros pagaram um spread médio de 26,6 pontos percentuais. Em dezembro, o índice chegou a 30,6%. A média praticada em outros 42 países pesquisados pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que representam mais de 90% do PIB mundial, é de 3 pontos percentuais. No último trimestre de 2008, conforme a Fiesp, o setor industrial brasileiro despendeu R$ 5,5 bilhões, em média, por mês, só para pagar juros, ante uma média mensal de R$ 4,4 bilhões entre janeiro e setembro. No custo para captação de recursos dos bancos, entretanto, a média passou de R$ 3,72 bilhões para R$ 4 bilhões. Quer dizer, os juros tiveram um aumento de 25% enquanto a taxa de captação contou com uma variação de 7,5%. Spread contra emprego

“Não há a menor dúvida de que o spread bancário é um gigantesco entrave ao desenvolvimento, inclusive ao gerenciamento da crise que está se aprofundando”, lembra

Reinaldo Gonçalves, economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É preciso compreender que, não somente no momento de crise, é esse lucro dos bancos, embutido no spread, que resulta nos juros altos. Estes, por conseguinte, dificultam o investimento produtivo de empresas e retêm o crédito a pessoas físicas. Toda essa onda vai na direção contrária ao desenvolvimento econômico. Quando ela quebra, é o trabalhador que paga o preço, perdendo seu emprego. A desaceleração na expansão da oferta de crédito teve um impacto direto nas empresas. Somado aos demais efeitos da crise (como a dificuldade de captar recursos no exterior e a queda das exportações), a alta do custo financeiro contribuiu para a redução da atividade econômica. Tanto que a produção industrial caiu 7,5% de setembro para novembro. E a situação ficou ainda pior: dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que houve recuo de 1,8% no nível de emprego na indústria em dezembro, quando comparado a novembro. Mais um dado revela como o capital financeiro se sobres-

Mais produção, sem especulação Proteger a economia exige redução da Selic e protagonismo do setor público da Redação Para economistas ouvidos pelo Brasil de Fato, de modo a evitar o avanço da crise no país, o Banco Central precisa agir rapidamente, sobretudo em dois pontos: reduzir a taxa Selic e fazer com que os bancos públicos sejam os primeiros a facilitar o crédito. Mas, antes disso, na opinião do economista Reinaldo Gonçalves, da UFRJ, é necessária “uma extraordinária fiscalização do Banco Central, porque banco no Brasil é caixa-preta, ninguém sabe o que acontece”. Atualmente a taxa Selic é de 12,75%. Trata-se de um índice fundamental que tem relação direta com o spread bancário. Vejamos: para ganhar com a Selic, os bancos compram títulos públicos remunerados pela taxa. Uma forte queda dessa taxa forçaria a diminuição dos juros cobrados pelos bancos, pois ganhariam menos emprestando dinheiro à União e, para compensar, deveriam conquistar clientes no mercado, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Por consequência, o spread teria que ser menor. No entanto, a taxa Selic está ainda

tão alta que seria necessária uma redução drástica para que tal mudança possa impactar no spread. “Se a remuneração ocasionada pela taxa Selic diminui, o banco será forçado a buscar rentabilidade no crédito ao setor privado, às pessoas e empresas”, explica o economista e presidente do Instituto Desemprego Zero, José Carlos de Assis. Ele pondera, ainda, “que o banco não empresta dinheiro para mais ninguém se a rentabilidade da taxa básica de juros (Selic) for maior; tem banco por aí com 40% em títulos públicos. É uma indecência!”, conclui. Lucro público Concomitantemente a uma aguda redução da taxa selic, Reinaldo Gonçalves aponta para a necessidade do protagonismo dos bancos públicos na retomada do ciclo econômico brasileiro, facilitando o crédito sobremaneira para pessoas físicas e jurídicas. Desse modo, segundo ele, seria favorecido um clima de “acirramento pela disputa dos clientes, jogando lá para baixo o spread, em todas as linhas de crédito”. Mas esse protagonismo parece não ser do gosto do governo federal. “O fato singular é o seguinte: não há no mundo um spread tão alto quanto no Brasil. Nós somos campeões de duas coisas, de taxa básica de juros (Selic) e de spread. O sentido é ainda menor quando bancos públicos acompanham os critérios operacionais dos ban-

cos privados”, lembra José Carlos de Assis. A título de exemplo, compare-se o Itaú com o Banco do Brasil. O primeiro, privado, apresenta uma taxa de juros de capital de giro, voltado para empresas, de 2,75%. O segundo, por ser público, exerce uma taxa que poderia ser bem menor, mas que é de 2,46%. Por isso, de acordo com Assis, da forma como agem os bancos públicos, em vez de ser uma força reguladora do mercado para reduzir as taxas, puxam para cima os juros também. Então, “do que adianta ter banco público?”, questiona o economista. Para resolver isso, ele explica que, a curto prazo, o Banco Central teria que submeter o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e os outros bancos públicos, que cooperam com o crédito direto ao consumidor e com o capital de giro às empresas, a uma supervisão que determinasse os tetos para a taxa de juros em cada setor. “O banco tem que cumprir e ponto final”, salienta. O economista entende que, nessa situação, é a partir do comportamento operacional dos bancos públicos que o sistema bancário privado irá se reorganizar, pois não vai querer perder seus clientes. No entanto, reforça que a economia não pode ficar dependente, sobretudo numa hora de depressão econômica, de um sistema privado que não quer correr nenhum tipo de risco. Tal atitude, para ele, somente agrava a situação macroeconômica. (ESL)

sai ao capital produtivo no Brasil. Segundo a Fiesp, na média entre outubro e dezembro, os desembolsos para pagamentos de juros foram 11% superiores aos gastos com salários. De janeiro a setembro, a média das despesas financeiras correspondia a 95% dos gastos mensais com salários. Para Denise Gentil, diretora adjunta de Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), esses juros altos, que comprimem os investimentos, também desestimulam o consumo. “No todo, haverá uma redução de demanda agregada e, por consequência, o aumento do estoque das indústrias. E aí as indústrias se veem diante de trabalhadores que elas não têm condições de sustentar nas fileiras de trabalho”, explica. Disfuncional

O governo cobra dos bancos que liberou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), reduziu a taxa do depósito compulsório e a Selic em janeiro e, mesmo assim, os juros finais não caíram. Os bancos, por sua vez, culpam o fator inadimplência pela elevação do índice. O economista José Carlos de Assis, presidente do Instituto Desemprego Zero, desconsidera o argumento e acusa justamente o alto spread cobrado pelos bancos como o principal culpado da inadimplência dos clientes, pelo simples fato de não conseguirem pagar as altas taxas. De acordo com ele, é por essas e outras que o sistema bancário nacional se tornou disfuncional e criou um círculo vicioso quanto à falta de acesso ao capital produtivo. É, sobretudo, por causa desse círculo vicioso, que, segundo Assis, a crise atingiu o Brasil, “além da queda de exportações, que é um fator externo”.

Taxas* de juros de cheque especial (pessoa física) de 21 a 27/01/2009 Instituição (entre 34 instituições financeiras) HSBC BANK BRASIL S.A. BANCO MULTIP

9,99

9,90

BANCO ABN AMRO REAL S.A.

9,01

BANCO BRADESCO S.A.

8,77

10º

BANCO ITAÚ S.A.

8,58

11º

BANCO NOSSA CAIXA S.A.

8,44

13º

UNIBANCO UNIÃO BANCOS BRAS S.A.

8,38

15º

BANCO DO BRASIL S.A.

8,04

17º

BANCO DO NORDESTE DO BRASIL S.A.

7,09

21º

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

6,78

22º

Taxas* de juros de crédito pessoal (pessoa física) de 21 a 27/01/2009 Instituição (entre 98 instituições financeiras)

Taxa de juros

Posição no Ranking

BANCO BRADESCO S.A.

5,05

27º

BANCO ITAÚ S.A.

4,93

29º

HSBC BANK BRASIL S.A. BANCO MULTIP

4,66

31º

UNIBANCO UNIÃO BANCOS BRAS S.A.

4,34

35º

BANCO SANTANDER S.A.

4,15

37º

BANCO ABN AMRO REAL S.A.

3,81

44º

BANCO NOSSA CAIXA S.A.

3,28

52º

BANCO DO NORDESTE DO BRASIL S.A.

2,74

64º

BANCO DO BRASIL S.A.

2,69

65º

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

2,53

80º

Taxas* de juros de capital de giro prefixado (pessoa jurídica) de 21 a 27/01/2009 Instituição (entre 77 instituições financeiras)

Taxa de juros

Posição no Ranking

HSBC BANK BRASIL S.A. BANCO MULTIP

3,69

13º

BANCO NOSSA CAIXA S.A.

3,44

17º

BANCO BRADESCO S.A.

3,35

22º

BANCO ABN AMRO REAL S.A.

2,79

37º

BANCO ITAÚ S.A.

2,75

39º

UNIBANCO UNIÃO BANCOS BRAS S.A.

2,63

40º

BANCO DO BRASIL S.A.

2,46

46º

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

2,36

51º

BANCO SANTANDER S.A.

1,91

60º

BANCO DO NORDESTE DO BRASIL S.A.

1,48

71º

*Taxas efetivas ao mês (%)

Para economista do Ipea, mesmo sem queda da Selic, investimento público tem forte impacto na economia

A redução da taxa Selic, hoje em 12,75%, não é importante só para reduzir o spread. Denise Gentil, diretora adjunta de Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), acredita que a queda é importante também para reduzir os gastos financeiros do governo e, consequentemente, liberar recursos para que ele aumente o nível de investimento público e de gastos sociais. Com uma forte redução da Selic, cria-se um espaço maior no orçamento da União para fazer, segundo Gentil, uma política fiscal mais ativa, ou seja, uma política de investimento massivo. “Uma Selic menor desestimula o investimento do capital no circuito financeiro e passa a dirigir o capital para o circuito produtivo”, explica a economista. Ela argumenta que a queda da taxa proporcionaria rentabilidade aos empreendimentos e projetos que antes não eram rentáveis por causa da influência dela nos outros juros bancários. Assim, Gentil conclui que “por todas as razões, a Selic deve cair”.

Posição no Ranking

BANCO SANTANDER S.A.

Investimento público “na veia”

da Redação

Taxa de juros

Urgência

A economista pondera que a curto prazo, no momento atual de crise, a política fiscal se sobrepõe à monetária, porque é necessário “injetar demanda agregada ‘na veia’”, como diz Gentil. “O efeito multiplicador de um investimento público e de gastos sociais é muito grande na economia; a política fiscal tem um impacto mais rápido e maior na economia neste momento do que a política monetária”. O economista e presidente do Instituto Desemprego Zero, José Carlos de Assis, reforça a posição de Gentil e crê que o Brasil viverá uma fase expansiva de gastos públicos. Segundo ele, a histórica fase neoliberal do acúmulo de reservas voltadas para o superavit primário (economia de recursos para pagar juros da dívida pública) acabou. Para reforçar sua opinião, Assis cita exemplos de países antes conservadores e que hoje comprometem até mesmo seus orçamentos. “Os Estados Unidos estão com um deficit projetado no orçamento de 10%; a Inglaterra, de 9,6%; a Alemanha, de 4,4%; e nós (Brasil) estamos com um deficit nominal do orçamento menor que 2%”, compara. (ESL)

Fonte: Banco Central do Brasil

Na crise, cartel entre banqueiros mantém lucros “Governo Lula se submeteu a isso de uma forma vergonhosa”, critica economista da Redação O economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Reinaldo Gonçalves, retrata o sistema bancário nacional como um cartel. “A pergunta é: por que isso (alto spread bancário) só tem no Brasil? Por uma razão que é a mais importante, que é o cartel dos bancos”, atesta. Com um governo “capturado” pelos bancos desde o final dos anos de 1980, como diz Gonçalves, representantes do setor se tornaram dominantes também na política, utilizando instrumentos que vão do financiamento de campanha à intimidação política. “Por isso que o governo entrega o Banco Central ao sistema financeiro; o governo Lula se submeteu a isso de uma forma vergonhosa”, afirma. Gonçalves acrescenta, contudo, que os banqueiros serviram de base não somente para o financiamento de campanha de Lula, mas de vários deputados e senadores. (ESL)


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de 12 a 18 de fevereiro de 2009

brasil

Com a crise, alto preço da energia elétrica onera ainda mais população ENERGIA Aneel reajusta tarifas; para coordenador do MAB, empresas querem compensar queda no consumo gerada pela crise Patrícia Benvenuti da Redação A AGÊNCIA Nacional de Energia Elétrica (Aneel) divulgou, no dia 3, os índices de reajuste nas tarifas de energia elétrica nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Espírito Santo. Consumidores do Paraná e de Minas Gerais que são atendidos por empresas paulistas também serão afetados. Em São Paulo, cinco distribuidoras que fornecem energia para o interior do Estado foram autorizadas a aumentar o preço das tarifas. Com isso, cerca de 360 mil clientes das companhias Jaguari, Mococa, CPFL Leste Paulista, CPFL Sul Paulista e Santa Cruz serão atingidos pela medida, em vigor desde o dia da divulgação da Aneel. O maior reajuste, para consumidores residenciais, é da Santa Cruz (14,62%), que abastece 24 municípios paulistas da região de Ourinhos e Avaré e ainda três cidades paranaenses. Já para as indústrias, o maior percentual foi o da CPFL Leste Paulista (18,76%), que fornece eletricidade para municípios como São José do Rio Pardo e Divinolândia. No Espírito Santo, moradores de 11 cidades atendidas pela Empresa Luz e Força Santa Maria já estão com a energia 2,08% mais cara, enquanto que as indústrias pagarão 8,62% mais. A única redução no preço será no Rio Grande do Sul, onde foi aprovada uma proposta de queda de 1,24% nas tarifas da usina hidrelétrica Nova Palma, que abastece nove municípios. A proposta faz parte de um processo de revisão tarifá-

ria que ficará em consulta pública até o dia 4 de março. Entre as razões para o reajuste das tarifas, de acordo com a Aneel, está a variação do Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), utilizado para medir a inflação no período, e o aumento do custo da energia produzida pela usina hidrelétrica de Itaipu, que é cotada em dólar. Preço “imoral” O reajuste, no entanto, é criticado por Marco Antonio Trierveiler, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Para ele, esse aumento nas tarifas de energia onera ainda mais a população, que já sofre com os efeitos da crise financeira mundial. “Há muitos trabalhadores perdendo seus empregos, tendo redução dos seus direitos, muitos camponeses que também estão sendo expulsos da terra. É um período de crise muito difícil, e nos parece imoral, nesse momento, qualquer aumento no custo de vida dos trabalhadores”, avalia.

kW consumido – praticamente sete vezes mais caro do que a Votorantim paga”, relata. Para Trierveiler, portanto, o único objetivo dos aumentos é manter altas as taxas de lucros das empresas. “As empresas têm uma margem de lucro muito grande em cima dessa venda de energia, então não teria porque aumentar os preços. Pelo contrário, a ‘gordura’ é tão grande que nós poderíamos, tranquilamente, estar discutindo diminuição da tarifa ao invés de qualquer reajuste”, argumenta. Queda no consumo

Desde setembro de 2008, segundo dados do MAB, o consumo da energia elétrica no país vem apresentando queda, mais acentuada nos meses de dezembro e janeiro. Na avaliação de Trierveiler,

esse resultado evidencia, além da redução da atividade do setor industrial, que existe hoje um excedente de energia, que derruba o discurso sobre a necessidade de produzir eletricidade a qualquer custo. “Isso abre um período para nós discutirmos a matriz energética brasileira, principalmente as alternativas energéticas, tanto de produção como de consumo de energia”, afirma. Com a redução no consumo, porém, o coordenador do MAB também prevê o aumento da pressão das companhias que controlam o setor energético sobre o governo e sobre a sociedade. “Essas empresas que são proprietárias vão pressionar muito para o aumento de preço de energia porque, como diminuiu o consumo e as empresas não aceitam reduzir sua margem

de lucro, elas vão brigar por reajustes de preços cada vez maiores”, analisa. Tarifa Social Trierveiler reforça, por isso, a necessidade de fortes mobilizações, este ano, para forçar políticas públicas que facilitem o acesso da população mais carente à energia. Uma das lutas mais importantes tem sido a aplicação efetiva da Tarifa Social, que poderia favorecer até 18 milhões de brasileiros. O benefício já é garantido por lei às famílias que consomem até 80 kW/h e, desde 2007, uma liminar expedida pelo Tribunal Regional Federal também garante o direito às famílias que gastam até 220 kW/h.

Para acessar os descontos, as famílias precisam apenas entregar uma autodeclaração na distribuidora de energia elétri-

João Zinclar

Trierveiler também rebate os argumentos da Aneel para o reajuste, lembrando que, com a hidreletricidade, os custos para a produção de energia atualmente são muito baixos. Além disso, ele destaca os subsídios governamentais oferecidos às grandes companhias, que compram a energia a preço de custo, fazendo com que as famílias paguem muito mais caro pela energia elétrica do que as empresas. “Nós temos grandes empresas, como a Votorantim, comprando energia pública de Furnas a R$ 0,09 o quilowatt [kW], enquanto nós, no meio urbano, estamos pagando, aqui no Rio Grande do Sul, R$ 0,52 por

Objetivo do aumento é manter altas as taxas de lucros das empresas

ca da região e não há necessidade de cadastro em programas sociais do governo. Milhares de brasileiros com direito ao benefício, no entanto, não conseguem usufruir dele. As principais razões para isso, segundo Trierveiler, são a falta de conhecimento e os entraves provocados pelas empresas. “Existem milhares de famílias que têm direito, mas não recebem informação e não reivindicam por causa disso. Inclusive, a lei diz que toda família que gasta até 80 kW de energia automaticamente teria na sua conta o desconto, mas isso não acontece. E as empresas fazem todo esforço em não informar e, quando informam, tentam de todo o jeito prejudicar esse direito”, denuncia. “O preço da luz...”

Com o objetivo de protestar contra os altos preços da energia elétrica, o MAB mantém, desde 2007, a campanha “o preço da luz é um roubo”. De acordo com informações da campanha, a tarifa de energia paga pelo brasileiro é a quinta mais alta do mundo, duas vezes mais cara do que a paga pelos estadunidenses. Entre as propostas da campanha, está a igualdade de preço entre o valor pago pelas grandes empresas e pelas famílias e o cadastramento e aplicação da Tarifa Social para todas as famílias que possuem esse direito. “A gente sabe o quanto pesa a tarifa de energia elétrica quando chega no final do mês e tu tens que pagar a conta, mas não tem dinheiro. Está desempregado ou o salário não deu para pagar todas as contas. A gente sabe a dificuldade, até porque a luz é uma coisa muito necessária”, completa Trierveiler.

IMPERIALISMO TUPINIQUIM

Transnacionais brasileiras são denunciadas por movimentos latino-americanos Empresas usam discurso de integração como fachada para apresentar seus interesses como se fossem os de todos Ana Garcia e Maria Luisa Mendonça A atuação de empresas transnacionais brasileiras na América Latina tem sido um assunto polêmico. Porém, para representantes de movimentos sociais latino-americanos, esse tema deve ser aprofundado no Brasil, no sentido de esclarecer os limites entre interesses públicos e privados, geralmente confundidos quando tratados pela imprensa comercial. O Brasil está em 3º lugar no ranking de empresas de países “emergentes” com potencial para desafiar empresas transnacionais estadunidenses e europeias. Entre as brasileiras que atuam no exterior, estão Petrobras, Vale, Votorantim e grandes construtoras como Odebrecht e Camargo Corrêa. Essas empresas se internacionalizam com financiamento público, ganham protagonismo na política externa brasileira e tornam-se também agentes de conflitos entre estados. Entre os mais emblemáticos estão os casos do conflito entre Brasil e Bolívia, por conta da nacionalização do petróleo naque-

le país em 2006, e entre Brasil e Equador no último ano, devido aos problemas causados pela construtora Odebrecht na construção da hidrelétrica São Francisco. Integração de fachada

Segundo o pesquisador Luis Novoa, da Rede Brasil, o papel do BNDES é central na expansão dessas empresas para a América do Sul. “O BNDES financia apoio tecnológico e comercial, com o objetivo de controlar mercados locais e facilitar o modelo exportador. O discurso de integração é usado como fachada. Precisamos criar alianças entre nossos povos porque temos inimigos comuns, ou seja, as burguesias nacionais subjugadas a interesses externos”, explica. Por trás de uma grande empresa há sempre um Estado forte, que a financia e estrutura o campo jurídico e político para que ela atue. E por trás de um Estado hegemônico há sempre empresas transnacionais que atuam dentro e fora do país, levando sua marca e criando sua imagem junto à imagem do país-potência. Nesses casos, a relação entre empresa e Estado é direta e se explicita com a constante penetração das empresas dentro do aparelho estatal (em conselhos, ministérios ou pela via informal de amizades e lobby). Assim, elas influenciam políticas públicas, tanto para serem beneficiadas por grandes obras como para receberem créditos e incentivos fiscais. Esta mescla entre capital e Estado é característica da hege-

monia capitalista, na qual os interesses da classe burguesa são apresentados como interesses de todos. Essas empresas também se beneficiam de projetos de integração regional baseados na infraestrutura, como no marco da IIRSA (Integração da Infraestrutura Sul-Americana), que têm sido conduzidos prioritariamente para exploração de recursos naturais e para o aprofundamento do modelo exportador. Para a professora Ana Esther Ceceña, da Universidade Nacional do México, “o capitalismo é um sistema mutante e, nesta nova fase, utiliza monopólios financeiros para a apropriação territorial e de recursos estratégicos”. Subimperialismo

Durante o Fórum Social Mundial, o Instituto Rosa Luxemburgo promoveu, juntamente com organizações e movimentos sociais brasileiros – MAB, Rede Social Justiça e Direitos Humanos, PACS, Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, Rede Justiça Ambiental e Rede Jubileu Sul –, um seminário para debater a atuação das empresas transnacionais brasileiras na América do Sul. Uma das palestrantes foi Patrícia Molina, que explicou a atuação da Petrobras na Bolívia. Segundo ela, “a expansão do capital com apoio do Estado brasileiro constitui uma situação de subimperialismo, ou seja, a busca de hegemonia regional através de controle de recursos e mercados”. A Petrobras controla 50% das reservas de gás

Quanto A Petrobras controla % das reservas de gás e % das reservas de petróleo da Bolívia, além % das de deter refinarias e % dos postos de gasolina

50 40

100 50

e 40% das reservas de petróleo da Bolívia, além de deter 100% das refinarias e 50% dos postos de gasolina. A empresa utiliza uma fachada de “responsabilidade social” através do financiamento de atividades esportivas e culturais, mas também apoia o movimento separatista nos Estados da meia-lua. Para Patrícia,“o governo brasileiro usou chantagem na negociação dos novos contratos da Petrobras, e o Itamaraty insistiu em negociar com a oposição, mesmo após o massacre de Pando, no ano passado”. Terra indígena

Há denúncias também sobre a atuação da Petrobras no Equador. Alexandra Almeida, da Accion Ecológica, afirma que a empresa pratica extração de petróleo no Parque Nacional de Yasuni, uma área rica em biodiversidade que inclui comunidades indígenas. Movimentos indígenas e ambientalistas equatorianos protestam contra a concessão desse tipo de território para exploração petrolífera, muitas vezes chocando-se com o governo de Rafael Correa. Segundo Alexandra, “o governo brasileiro fez pressão para que a Petrobras mantivesse a exploração na região”.

A ação da Petrobras e do governo brasileiro para expandir a produção de agrocombustíveis na América Central também tem sido alvo de críticas. “As visitas de Lula à região e as campanhas de publicidade se intensificaram após o acordo firmado entre Brasil e Estados Unidos para expandir a produção de etanol. Dessa forma, os EUA podem importar mais facilmente o produto, através do acordo de livre comércio com a América Central (CAFTA). Há também forte propaganda para que pequenos agricultores substituam suas lavouras para produzir etanol. Assim, o poder público passa a defender interesses privados”, explica Andrés Leon Araya, pesquisador da Comissão de Estudos Políticos Alternativos na Costa Rica. Outro caso emblemático diz respeito aos danos econômicos, sociais e ambientais causados pela Odebrecht no Equador. Segundo Natalia Landivar, da FIAN, “a Odebrecht não cumpre leis ambientais e causou a destruição de comunidades ribeirinhas. Uma auditoria identificou fraude, superfaturamento e falhas técnicas na construção da hidrelétrica São Francisco, realizada pela Odebrecht com recursos do BNDES. A empresa administrou diretamente esses recursos, mas quem paga a conta é o Estado equatoriano”. Itaipu

O Brasil é contestado ainda sobre sua relação com o Paraguai na gestão da usina de Itaipu. Para Constancio Mendonza, da Frente Social e Popular do Paraguai, “o atual acordo foi firmado durante a ditadura, mas hoje o Brasil não pode seguir com esse tipo de política. O Paraguai deve ter soberania sobre seus recursos naturais e dispor livremente de sua energia. Deve receber um

preço justo, o que não acontece hoje, pois é obrigado a vender energia de Itaipu a preço de custo para o Brasil”. Constancio explica que o alto custo cobrado pelas empresas transnacionais que distribuem essa energia causa prejuízos tanto para os brasileiros quanto para os paraguaios. “É preciso revisar a dívida da construção de Itaipu, pois houve superfaturamento das obras. A usina custou dez vezes o que era previsto inicialmente. Por isso, 66% do que o usuário paga por essa energia vai para o pagamento da dívida. Uma auditoria poderia servir para baixar a tarifa de energia”, defende o pesquisador. Um ponto em comum neste debate é a necessidade de desconstruir o senso comum que mescla a identidade nacional com o papel dessas empresas. De maneira emblemática, a Odebrecht se autodenominou recentemente “construtora da integração regional” em anúncios públicos, colocandose como instrumento de realização dos interesses dos povos e dos países, na tentativa de, ao mesmo tempo, “limpar” sua imagem deteriorada por problemas graves em suas obras. Estas questões remetem ao papel da chamada “responsabilidade social corporativa”, um mecanismo que mistura interesse público e privado, funções estatais exercidas por empresas, “benevolência” e marketing. A Petrobrás, que financia boa parte da cultura brasileira, assim como o próprio Fórum Social Mundial, é exemplo deste quebracabeça entre identidade nacional, política externa e interesses privados. Ana Garcia é pesquisadora do Instituto Rosa Luxemburgo. Maria Luisa Mendonça é coordenadora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.


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brasil

Comunidade Paraisópolis saturada Zanone Fraissat/Folha Imagem

VIOLÊNCIA POLICIAL Em São Paulo, revolta de moradores, que atacaram carros e lojas no dia 2, é reflexo de tensão latente provocada pela criminalização da pobreza Márcio Zonta de São Paulo (SP) O REAL motivo que levou jovens moradores a apedrejarem comércios e carros na comunidade de Paraisópolis, em São Paulo (SP), no dia 2, ainda não foi divulgado pela imprensa e tampouco pela Secretaria de Segurança Pública do Estado. Um fato levantado pela comunidade parece que não ganhou eco nesses meios: a morte de um homem pela polícia e a ocultação de seu cadáver. A família, muito abalada e com medo, não quer falar sobre o assunto. De acordo com moradores que preferem manter em sigilo suas identidades, a polícia chegou a Paraisópolis atirando. Tanto Marcos Purcino, identificado como foragido da Justiça, como o homem que estava com ele não esboçaram reação alguma. “Chegaram atirando, nenhuns dos dois reagiu, o outro rapaz era trabalhador e ainda sumiram com o corpo dele, talvez por verem que ele não devia nada a polícia”, relata um morador. Um dos líderes comunitários da região, que também não quer ser identificado, indaga: “Por que o socorro foi prestado a Purcino, que eles sabiam que era um foragido, e o outro rapaz, que não tinha nenhum envolvimento com o crime, teve seu corpo desaparecido? Não tem entrada em hospital, Instituto Médico legal, nada?”

A deturpação dos fatos A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, que vem alegando vários motivos para a realização da manifestação, dentre eles a morte do foragido, os conflitos a mando de facções criminosas e até a troca de um comandante do 16º Batalhão da Polícia Militar, parece querer esconder a realidade. Segundo o sociólogo da Universidade de São Paulo (USP) Tiaraju D’Andrea, isso se dá pela forma como a polícia contextualiza o ocorrido. “A polícia tentou impor a mais óbvia de todas as versões: a de que um ‘criminoso’ havia sido morto em uma ‘troca de tiros’ e que, em decorrência disso, o ‘crime organizado’ havia ordenado o levante. Enfim, a versão clássica utilizada em qualquer contexto”, comenta. Conforme revela a própria Secretaria de Segurança, dos nove homens detidos no conflito, entre eles três menores, nada foi provado contra os mesmos, principalmente se faziam parte de alguma facção criminosa ou se estavam se manifestando a mando delas. Nesse sentido, o sociólogo avalia que isso prova que não é um caso de criminosos, até porque em seu raciocínio ele enfatiza: “Não sou um especialista em facções ligadas ao tráfico de drogas, mas realmente tenho dúvidas sobre o caráter da ação. Geralmente esses grupos organizados não se expõem tanto quando realizam uma ação, pois não dese-

jam o confronto direto e nem a presença policial”, pontua. A comissão de líderes comunitários de Paraisópolis acredita que esse desencontro e as variedades de informação podem ser propositais para a não-elucidação do caso e para manter em foco apenas os atos de vandalismo: “A manifestação não pode ser taxada apenas como vandalismo. Ela foi realizada por jovens da comunidade que estão revoltados não só com a opressão da polícia, mas com o preconceito da sociedade em geral”. Para o sociólogo, o argumento dos líderes da comunidade faz sentido em relação à manifestação e os seus reais motivos, pois “tudo indica que o ocorrido em Paraisópolis tenha sido um levante popular, protagonizado em sua maior parte por jovens desejosos de expor sua revolta, mas sem uma demanda reivindicativa clara ou sem saber os meios para expressar publicamente essa demanda”, identifica. O sociólogo ainda afirma que, indiferentemente do ocorrido, já havia uma prétensão na região que só precisava de um estopim para ge rar a revolta. “Qualquer que tenha sido o fato ocorrido no domingo [dia 1º], já existia uma tensão latente nessa população. Esta foi canalizada em um fato ocorrido. Sem uma tensão latente, sem um clima de revolta anterior, o fato não teria servido de estopim”, complementa.

Policiais militares revistam moradores da favela Paraisópolis durante a Operação Saturação

Uma noite de terror contra trabalhadores

Paraisópolis x Morumbi

Policiais usaram violência desmedida contra trabalhadores que vivem na região

Bairros cresceram juntos; um fornece mão-de-obra; o outro, opressão

Henrique Manreza/Folha Imagem

de São Paulo (SP) Ao andar pelas ruas íngremes e apertadas de Paraisópolis, é fácil perceber que o assunto principal é a violência da polícia e o medo da comunidade por represálias, como foi dito por diversas pessoas. Um líder comunitário, que já está há aproximadamente 30 anos na comunidade, vem sendo muito solicitado por moradores que trazem relatos dos maiores absurdos cometidos pelos policiais que ocupam a área, compostos por três corporações: Rondas Intensivas Tobias Aguiar (Rota), Choque e Comando de Operações Especiais (COE). Ele relata que, no dia 2, por volta das 23 horas, com a situação já controlada, homens das três corporações da Polícia Militar invadiram a comunidade e mesmo sem ter ninguém nas ruas atiraram bombas de efeito moral e dispararam tiros de borracha contras as janelas das casas, inclusive contra as pessoas que voltavam do trabalho. “Crianças e idosos gritavam desesperados pela dificuldade de respiração que a fumaça da bomba causava, inclusive idosos acamados”, diz. Barbárie Para a comunidade foi uma noite de terror, mas para um morador em especial quase lhe custou a vida. O jovem garçom de um restaurante situado na Avenida Paulista, que resguarda sua identidade, contou que, preocupado com a violência desmedida quando da invasão dos policiais, foi encontrar sua mulher que voltava do trabalho, mas ao sair de casa ele encontrou com aproximadamente oito policiais: “Eles pediram para eu entrar em casa novamente,

de São Paulo (SP)

Policial da 1a Companhia de Rota Noturna atira bala de borracha contra manifestantes

mas quando coloquei a mão na cabeça e virei as costas levei muitos tiros de balas de borracha, e o pior, a bomba de efeito moral foi atirada contra meu corpo, estilhaçando na minha perna”. Arrastando-se até a sala e sangrando muito, foi socorrido por sua esposa que chegou logo em seguida e havia assistido a tudo. Ela conta que mesmo com o uniforme de serviço, quando gritou para que deixassem seu marido em paz, recebeu insultos. “Me xingaram muito, deram muitas risadas e continuaram a percorrer o bairro”. O pior estava por vir: quando chamou a ambulância e a demora em chegar persistia, ela retornou a ligação para a central de atendimento da prefeitura. Pelo telefone lhe informaram que a unidade móvel estava na entrada de Paraisópolis, mas impedida de prestar qualquer socorro aos moradores por ordem da polícia. “Meu marido ficou das 22h às 2h15 da madrugada sem atendimento médico, só conseguimos sair de madrugada, quando um vizi-

nho que tem carro nos prestou ajuda”, desabafa. Ainda não se sabe, pela gravidade dos ferimentos, se o jovem conseguirá recuperar os movimentos da perna ou mesmo se terá que amputá-la. Em casa, ele lamenta o ocorrido e promete que irá processar o Estado. “Um pai de duas filhas precisa trabalhar, eles pensam que na favela só tem bandidos, sou muito criminalizado por morar aqui”, conclui. Despreparo A vizinha da frente conta que teve sua casa invadida sem nenhum mandado judicial e ainda que, quando os policiais viram sua televisão e computador novos, pediram nota fiscal. “Fui humilhada, sou trabalhadora, será que, só porque eu moro na favela, se tiver algo é porque roubei? Quase esfreguei na cara deles as notas”, revela. O líder comunitário deixa claro que não é contra a polícia na comunidade, mas ressalta: “Somos contra o modo de agir da mesma, tenho relatos e vi barbaridades nesses últimos dias, os

negros são os mais abordados; policias revistam mulheres e crianças de 10 a 13 anos de idade; menores e moradores são algemados; os pedidos de ajuda são respondidos com bombas de efeito moral”, indigna-se. Quando o líder da comunidade repudiava a atuação da polícia para a reportagem do Brasil de Fato, parece ter tomado outro golpe, ao ser interrompido por uma moradora que diz que seu filho foi agredido porque é deficiente auditivo e, quando abordado, tentou se comunicar por sinais. “Essa polícia não tem preparo nenhum, bateram no meu filho porque ele sofre de uma deficiência, será que nem deficientes eles respeitam?”, questionou. Atordoado, ele diz que nos dias a rotina foi essa, sair pelas ruas e escutar reclamações de todos os lados sobre as abordagens dos policiais. “A revolta contra a polícia é geral, por isso, a atuação da polícia não melhora a comunidade, precisamos muito mais de educação do que de repressão”, reflete. (MZ)

“Essa humilhação constante no trabalho, aliada à própria violência simbólica que a riqueza desmedida provoca na população da favela, transforma a relação entre os dois polos numa bomba-relógio”. Essa é a análise do sociólogo da Universidade de São Paulo (SP) Tiaraju D’Andrea, autor da dissertação de mestrado Nas Tramas da Segregação: o Real Panorama da Pólis, sobre a relação entre Paraisópolis e o bairro de classe econômica alta do Morumbi. Em sua pesquisa para o mestrado, ele constatou que 25% da população de Paraisópolis estão desempregados e os outros 75% trabalham no setor informal; a maioria no entorno rico, servindo como mão-de-obra barata, prestando serviços de babás, empregadas domésticas, zeladores, motoristas e pedreiros com baixa remuneração e alta exploração. O sociólogo revela que esses trabalhadores não usufruem das conquistas da classe trabalhadora, já que “não possuem nenhum tipo de benefício, como carteira assinada, férias ou 13º”. A população da comunidade de Paraisópolis serve a eles para que realizem os serviços braçais, diz o sociólogo. “Pensar que o Morumbi apresenta ofertas de emprego ao Paraisópolis é uma análise rasa. Afinal quem precisa de quem? A elite do Morumbi não realiza nenhum desses trabalhos e necessita dessa população pobre para realizá-los. E quanto maior for a oferta, mais explorados eles serão”, enfatiza. Fora daqui Segundo Tiaraju, pode-se afirmar que Morumbi e Paraisópolis crescem imbricados por uma necessida-

de mútua, “impulsionada a partir da década de 1960 pelo crescimento do bairro rico. Paraisópolis se constitui como sendo o abrigo dos trabalhadores da construção civil contratados para edificar as mansões e condomínios do Morumbi e para trabalhar nas obras viárias e de infraestrutura urbana que passaram a ocorrer na região nessa época”, revela. Por que não se oferecem à comunidade, com tanta riqueza ao redor, meios de vida dignos, já que as principais demandas são por educação, saneamento básico, moradia e trabalho? José Maria, líder da União do Movimento em Defesa das Moradias e Melhoras da Comunidade de Paraisópolis, tem a resposta ao seu modo: “Eles querem acabar com a favela, nos tirar do meio dos ricos”. A menos de 30 metros de uma das entradas que dá aceso a Paraisópolis, num comércio da avenida Giovanni Gronchi, um morador de um suntuoso prédio da região faz jus às palavras de Zé Maria: “Adorei essa Operação Saturação, esses caras pensam que são quem para quebrar tudo? Não são ninguém, têm que tomar bala mesmo”, afirmou. Esse pensamento opressor explicita o modo de vida na região. “Existe toda uma gama de situações que induzem à revolta local: o trabalhador explorado, o jovem miserável e sem perspectiva, o desemprego em massa, a tortura por parte da polícia, denunciada pela população local, a opressão simbólica expressa pelas mansões e condomínios do entorno, a falta de moradia digna, de saneamento básico, de serviços públicos, entre outros fatores que transformam o morar em favelas em uma humilhação cotidiana”, conclui Tiaraju. (MZ)


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brasil

Comunidades resgatam patrimônio histórico na região do Contestado Solange Engelmann

PROJETO Agricultores protegem a memória das fontes d’água dos Santos Olhos d’Água de São João Maria

Com apoio de um pregador e curandeiro chamado Monge José Maria, os caboclos da região se organizaram e pegaram em armas para lutar pela posse de suas terras, combatendo a entrada do capital estrangeiro no país O trabalho de recuperação da memória cultural e ambiental abrange 12 municípios da região centro-sul e sudoeste do Paraná, atingindo agricultores familiares tradicionais, posseiros, faxinalenses (comunidades de agricultores específica da região que produz de forma comunitária), assentamentos de reforma agrária e acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A iniciativa faz parte do Projeto Águas em Movimento, patrocinado pela Petrobras através do Programa Petrobras Ambiental. Em Reserva do Iguaçu, na comunidade de Reserva, existe uma

Comunidades ainda conservam os locais por onde os monges passaram; no detalhe, criança é batizada na fonte de Santos Olhos d’Água de São João Maria

fonte na qual batismos são feitos até hoje. O lugar é bastante visitado e já serviu de parada para viajantes na coleta de água, relata o agricultor João Chaleira (como é conhecido), de 115 anos, que diz ter ouvido muitas histórias dos monges do Contestado. Na comunidade de Faxinal dos Santos, entre os municípios de Bituruna e General Carneiro (PR), também há uma fonte de São João Maria. A agricultora Cecília Nunes afirma que o local é importante porque mesmo depois de muito tempo as pessoas continuam acreditando no legado dos monges. “Isso faz com que as gerações futuras passem a respeitar mais as águas e a preservar as fontes”, garante. Guerra do Contestado Os monges tiveram um papel muito importante na Guerra do Contestado, que aconteceu entre 1912 e 1916, em uma área disputada pelos estados de Santa Catarina e Paraná, denominada região do Contestado. A causa foi a construção da estrada de ferro entre São Paulo e Rio Grande do Sul pela empresa estadunidense Brazil Railway Company, que recebeu uma enorme extensão de terras no trecho da ferrovia, provocando a expulsão de milhares de famílias camponesas de suas terras. Segundo a escritora Mitsue Morissawa, com apoio de um pregador e curandeiro chamado Monge José Maria, os caboclos da região se organizaram e pegaram em armas para lutar pela posse de suas terras, combatendo a entrada do capital estrangeiro no país. A batalha final terminou com o extermínio de cerca de 20 mil caboclos, assassinados pelos militares dos dois estados e do Exército Nacional. Essa foi a primeira vez, no Brasil, que os militares usaram a aviação em combates.

Eloy Tonon, professor-doutor de História da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória, relata que muitas das fontes d’água são heranças diretas dos beatos e registros de onde passaram, mas apenas algumas fontes foram eleitas pela devoção da população. “Os locais onde os Santos Olhos d’Água se encontram, geralmente nas beiras de estradas, e indicam o caminho que provavelmente os santos fizeram durante a passagem pela região”, observa. Alguns desses locais, comunitários, permaneceram intactos até hoje, permitindo a preservação e a conservação, mas muitas fontes que ficam em propriedades particulares sofrem os impactos do avanço do capitalismo no campo, principalmente do agronegócio da madeira, conforme ressalta um dos coordenadores do Projeto Águas em Movimento, Valdenir dos Santos. “No passado, esses locais abrigavam uma comunidade de faxinal, mas hoje estão sobre a tutela de uma empresa ou de um proprietário. [Assim,] a plantação de pinus e eucalipto a engoliu ou ela fica ao lado de uma plantação que despeja dejetos [geralmente agrotóxicos e químicos]. Muitas já desapareceram”, denuncia. Ações do projeto Na tentativa de resgatar essa memória popular do Contestado, através do projeto foi feito um levantamento histórico do legado dos monges nos municípios de abrangência, mapeando em torno de 40 olhos d’água e coletando informações de subsídio para a continuidade das atividades. Dentre esses 40 locais, foram selecionados 16 para o início do trabalho de recuperação e conservação. Santos afirma que o trabalho é conduzido de forma cautelosa para não interferir nos costumes da população local e ser mais um fator

Quanto

40 olhos d’água foram

mapeados pelo Projeto Águas em Movimento

importante na preservação do meio ambiente. “Após a escolha dos espaços, a equipe do projeto se reúne com as comunidades para discutir como será a recuperação dessas áreas. A proposta é não provocar interferência nos costumes e cultura local, além de fazer com que o trabalho de recuperação e resgate da história também ajude a fortalecer as atividades de recuperação ambiental na região”, destaca. Em São Mateus do Sul (PR), um dos municípios de abrangência do projeto, o trabalho de recuperação de fontes d’água foi realizado por meio de mutirões em duas comunidades. Na comunidade Terra Vermelha, segundo devotos, São João Maria passou no início do século 20 e abençoou a água de vertente. O local, que para os religiosos guarda água benta capaz de curar feridas, é muito visitado nas vésperas de dias santos. Giovana Lemos de Mello, técnica da Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de São Mateus do Sul, conta que a fonte é bastante visitada pela população da região, mas o local estava coberto de muito mato e com acesso ruim. Então, a comunidade se organizou em mutirão para fazer a limpeza, retirar o lixo, melhorar o acesso e plantar mudas de árvores. Já na comunidade Divisa, a recuperação ocorreu em uma gruta onde se concentra a devoção da população. O local guarda uma capelinha com imagens de santos, sobre a qual desce a água, considerada milagrosa. A área é cercada por vegetação nativa e visitada, principalmente, nas sextas-feiras santas, por fiéis que creem no poder de cura da água.

A história dos três monges do Contestado de Curitiba (PR) Os três monges do Contestado tiveram grande influência no imaginário popular dos caboclos que vivem na região, afirma Eloy Tonon, professor-doutor de História da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória. “Cada um deles teve um papel importante, em determinado momento, na criação do imaginário popular e coletivo dos homens e mulheres que povoavam o sertão do Contestado. Eles influenciaram primeiramente a cultura cabocla, trazendo atributos que enriqueceram ainda mais uma religiosidade rústica, já presente no meio do povo simples, que se contentava em viver com o pouco que podia produzir, convivendo harmoniosamente com a natureza”, comenta. As rezas de ladainhas, curas com ervas e “benzimentos” para espantar os males trouxeram elementos que se agregam de tal forma à cultura local que fizeram surgir uma religiosidade rústica única que

Evasão máxima Empresas estrangeiras que operam no Brasil estão orientando suas filiais a enviar para as suas respectivas sedes, em especial as que estão localizadas nos Estados Unidos, todas as reservas financeiras disponíveis, por meios legais e ilegais. Especialistas tratam de maquiar as remessas ilegais. Mais uma vez o Banco Central dorme em berço esplêndido e o Brasil é considerado o paraíso do capital. Máquina emperrada A bronca do governo federal nas prefeituras que não tocam o PAC expõe a pior face da política e da administração pública: de um lado, muitas prefeituras usaram o programa apenas para fazer marketing nas eleições municipais de 2008 e, depois, não se empenharam em tocar as obras prometidas; de outro lado, a burocracia da Caixa Econômica é o maior entrave para liberação dos recursos. O povo espera!

Solange Engelmann de Curitiba (PR) ALIANDO religiosidade, cultura popular e preservação ambiental, seis entidades e associações rurais do Paraná realizam um trabalho de resgate cultural e religioso dos Santos Olhos d’Água de São João Maria, também conhecidos na região como “pocinhos” de São João Maria. Os locais são fontes d’água consideradas santas pelo imaginário popular e sinais deixados pela passagem dos três monges do Contestado (ver texto abaixo), que tiveram um papel fundamental de apoio e conscientização dos caboclos da época. Na região do Contestado muitas histórias são passadas de geração em geração. Segundo a população, por onde passavam, os monges abençoavam o lugar ou deixavam algo. Os devotos também acreditam que, nos locais em que eles descansavam ou dormiam, nascia uma fonte d’água benta. Esses lugares depois passaram a ser chamados de Santos Olhos D’Água de São João Maria. Ainda hoje, a população realiza batizados de recém-nascidos nesses locais, além de promessas e agradecimentos de graças alcançadas.

fatos em foco

Hamilton Octavio de Souza

Segundo a crença popular, o terceiro monge comandou a resistência dos caboclos e camponeses, durante a Guerra do Contestado, morrendo em combate permanece viva até os dias atuais, apesar do não-reconhecimento das religiões oficiais, garante Tonon. Em alguns locais, considerados santos, também se encontram os chamados cruzeiros (cruzes encontradas ao lado das fontes, que identificam a irmandade cabocla e se tornaram símbolos da passagem de um monge). Várias pessoas mais velhas se consideram afilhadas dos monges, com a missão de continuar

o seu legado. Por isso, em muitos municípios do interior encontram-se os curandeiros, que receitam ervas, fazem as “garrafadas” e “benzimentos” para curar diversos males. Para um dos um dos coordenadores do Projeto Águas em Movimento, Valdenir dos Santos, o segundo monge, João Maria de Agustini, o mais conhecidos, adotou o codinome do anterior “São João Maria”, mas para alguns autores seu verdadeiro nome era Atanás Marcaf. Ele surgiu publicamente com a Revolução Federalista de 1893, mostrando uma postura firme, dizendo “estar ao lado dos que sofrem”. Atuava na região entre os rios Iguaçu e Uruguai e percorreu a estrada velha de Palmas (antiga estrada dos tropeiros). Há relatos de que o monge fez orações e curas por onde passou, desaparecendo em 1908. O terceiro Em 1912, apareceu publicamente a figura do terceiro monge, um curandeiro que se apresentava co-

mo “José Maria”, de nome verdadeiro Miguel Lucena de Boaventura. “Como ninguém conhecia sua origem, logo ganhou a confiança do povo com a presunção de ter ressuscitado uma jovem (provavelmente, vítima de Catalepsia Patológica) e curado a esposa de um coronel, vítima de uma doença grave. Ao rejeitar terras e ouro deste, passou a ser considerado santo pela população”, argumenta Valdenir dos Santos. Segundo a crença popular, esse foi o monge que comandou a resistência dos caboclos e camponeses durante a Guerra do Contestado, morrendo em combate. O coordenador do Projeto Águas em Movimento afirma que, ao contrário dos curandeiros da época, esse monge sabia ler e escrever e catalogava as propriedades medicinais das plantas encontradas na região. Em um rancho, cedido por um coronel, ele montou um local chamado de farmácia do povo, onde atendia a população e fazia o depósito das ervas medicinais que utilizava. (SE)

Trabalho escravo Envolvido em diversos conflitos fundiários no Maranhão, segundo denúncia da Comissão Pastoral da Terra, o deputado estadual Antonio Bacelar, do PDT, é também o dono da Fazenda São Domingos, no município de Coelho Neto, onde a fiscalização do Ministério do Trabalho encontrou, no início deste mês, 13 pessoas submetidas ao trabalho escravo e vivendo nas piores condições. Isso é que é modernidade! Caos político Em artigo na Folha de S. Paulo, a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, defendeu a união do PT e PSDB para “moralizar” o ambiente político do país. O PMDB, que acaba de conquistar as presidências da Câmara Federal e do Senado, está empenhado em eleger o vice-presidente da República em 2010, que tanto pode ser em dobradinha com o PT ou com o PSDB. Dá para entender? Jogo medieval Gravação de conversa familiar revelou o senador José Sarney, do PMDB, orientando seu filho Fernando a ser implacável na perseguição política de seus adversários no Maranhão. O clã domina o Estado há 50 anos, controla as comunicações, mistura negócios privados com os recursos públicos, cuida das nomeações etc. E o senador ainda ficou irritado porque foi chamado de oligarca. Faz sentido? Medida paliativa O governo federal encaminhou ao Congresso Nacional projeto de lei que descriminaliza a radiodifusão comunitária. Ou seja, se o projeto for aprovado ninguém poderá ser preso, mas será processado administrativamente. Melhor seria se o governo tivesse liberado os sete mil pedidos de rádios comunitárias parados no Ministério das Comunicações há muitos anos. Assim, todos estariam na legalidade. Grande mistério O deputado federal Edmar Moreira, do DEM-MG, é um daqueles personagens que ganham projeção na mídia – de tempos em tempos – com seus currículos espetaculares: envolvimento com tortura, sonegação de impostos, jogo proibido, desvio de dinheiro público, fraude fiscal e a construção de um castelo de R$25 milhões não-declarado à Receita Federal. Pergunta básica: como ele fez tudo isso sem ser preso e condenado? Revista marxista Pesquisadores e professores da Universidade Federal do Ceará acabam de lançar a revista eletrônica Arma da Crítica, que é um periódico “organizado sob as coordenadas teóricas do marxismo ontológico, aberto à colaboração de intelectuais e militantes comprometidos com a luta pelo socialismo”. O endereço http://www.armadacritica.ufc.br/ está à disposição dos interessados em colaborar. Data histórica Há 12 anos, no dia 17 de fevereiro de 1997, partiram de São Paulo, Mato Grosso e Minas Gerais milhares de militantes do MST rumo a Brasília, na histórica Marcha Nacional pela Reforma Agrária. Recepcionada carinhosamente pelas populações das cidades por onde passou, a marcha projetou o MST na mídia, conquistou credibilidade e reforçou a inclusão da reforma agrária na agenda nacional.


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brasil

No Pará, violência policial contra jovens pobres e negros da periferia Ali Rocha

ENTREVISTA Cibele Kuss, ouvidora de Segurança Pública do Estado do Pará, tem notado um aumento expressivo na letalidade policial desde o início deste ano Ali Rocha de Belém (PA) EM PLENO processo de Fórum Social Mundial (FSM), a violência estatal contra jovens pobres e negros da região metropolitana de Belém (PA), só fez crescer. A ouvidora do Sistema de Segurança Pública do Estado do Pará, Cibele Kuss, que está à frente do órgão desde meados de 2007, tem notado um aumento expressivo na letalidade policial desde o início deste ano. Entre as causas do problema, ela aponta a política de enfrentamento defendida abertamente pelas autoridades de segurança do Estado, a apologia a essa prática feita pela grande imprensa e o apoio da sociedade ao uso da violência no combate à criminalidade. A ouvidoria está acompanhando 13 homicídios ocorridos nas primeiras seis semanas de 2009 e 90% dos casos apresentam características de execuções sumárias. Cibele vê uma verdadeira criminalização da pobreza, já que todas as vítimas executadas moram em bairros de periferia. Ela defende que os órgãos de controle, a sociedade civil e os movimentos sociais trabalhem em conjunto para que um outro mundo seja, de fato, possível. Brasil de Fato – A senhora disse que o número de denúncias teve um aumento expressivo desde que assumiu o cargo na ouvidoria. Cibele Kuss – Sim, tivemos um aumento de 300% nas denúncias, mas o que mais nos assusta é o aumento dos casos de letalidade. Você tem gerações inteiras de policiais militares e civis formados nessa perspectiva de que bandido bom é bandido morto. Aí vem os secretários de segurança pública, os comandantes, os delegados gerais falando abertamente que a nossa política é repressiva e de tolerância zero. Imagine o que um praça com uma arma na mão, recémsaído de seu treinamento, vai fazer com essa arma. Ele está ouvindo tolerância zero, repressão ao crime, imagina... Na primeira oportunidade que ele tiver, por uma questão até mesmo de falta de preparo, vai acabar cometendo homicídios. Então, essa é uma preocupação muito grande. Qual o caso recente que você considera mais emblemático? Um deles é a chacina de Curuçambá. A poucos dias do início do FSM, um cabo da polícia militar foi assassinado durante um assalto em Ananindeua, bairro da periferia de Belém. A PM montou uma operação na área para encontrar os assassinos do policial. Cinco pessoas acabaram mortas na operação, que recebeu o nome de “Reação”. Eles não conseguiram nem mascarar o propósito dessa operação. Como a imprensa se posiciona em relação a essas mortes? Aqui no nosso Estado, os jornais cujas páginas policiais são um derramamento de sangue extremamente sen-

Policiais militares revistam jovem negro em rua da capital paraense

sacionalistas, fazem uma apologia diária à letalidade porque as manchetes são sempre positivas no que diz respeito a isso, dizendo coisas como “mais um bandido fora de circulação”. Então dá a entender que a única forma de acabar com o crime é através da letalidade. E a imprensa acaba reforçando essa tese de que quando um policial mata uma pessoa, se ela for assaltante ou tiver antecedentes criminais, está legitimado. Essas pessoas, na verdade, deveriam ser presas e julgadas... Sim, isso só aumenta a violência, pois se alguém que tem envolvimento com o crime sabe que não vai passar por um processo jurídico normal, que não vai ser preso, que não vai responder um processo, é óbvio que a letalidade deles também vai aumentar. Você tem um fogo cruzado com um tentando matar o outro. O bandido querendo matar o policial e o policial tentando matar o bandido. E no meio estão todas as outras pessoas. E como é a investigação desses casos? Esses confrontos que aparecem diariamente nos jornais, que nós muitas vezes suspeitamos que haja envolvimento de policiais, raramente são investigados, porque os inquéritos, quando saem das delegacias, colocam normalmente um auto de resistência seguida de morte, então quando chega no judiciário, é arquivado porque o réu está morto. Não sai como homicídio, mas deveria sair como homicídio. Auto de resistência é uma coisa, tem um embasamento legal, mas auto de resistência seguida de morte é uma invenção da polícia para realmente mascarar as execuções ocorridas e isso é realmente muito comum. Para impossibilitar a perícia e dificultar ainda mais as investigações, os policiais violam a cena do crime, retirando o corpo mesmo quando a pessoa já está morta, colocando-o dentro da viatura e levando-o para o hospital, além de desaparecem com as armas e balas. E qual o papel da sociedade civil nisso tudo? Primeiro nós temos que conscientizar a sociedade em geral de como funciona esse jogo das execuções sumárias, e de como nós somos coagidos também e somos levados pela imprensa a acreditar que aquilo realmente foi um confronto, mas as pessoas em geral não sabem como funciona isso. O outro grande desafio está nesse processo de monitoramento dos ca-

sos de letalidade. Esse monitoramento é responsabilidade da sociedade civil também. Ela deve se organizar e dizer para os corregedores, para o judiciário: “Olha, nós estamos aqui acompanhando esses casos e queremos que essa investigação seja feita com transparência”. E as vítimas dessa letalidade policial são em geral homens pobres e negros... E muito jovens, na adolescência ou início da fase adulta. E é realmente esse extermínio da população negra que é impressionante, esse eixo da cor é taxativo. Você identifica que são essas pessoas que estão mais distantes das políticas públicas de inclusão social. Elas são realmente as maiores vítimas. E são as mulheres que ficam viúvas, que ficam órfãs de filho, que vêm procurar a ouvidoria. Na maioria das vezes são as mães que já tiveram outros filhos também assassinados pela polícia ou mortos em algum outro tipo de crime, mas que é consecutivo; a história dessas famílias é marcada por essa violência, por essas tragédias. É impressionante.

A imprensa acaba reforçando a tese de que quando um policial mata uma pessoa, se ela for assaltante ou tiver antecedentes criminais, está legitimado Você acredita que o mesmo aconteceria se as vítimas fossem da classe média? Quando houve o assassinato agora recente de algumas pessoas cujas referências profissionais eram públicas – médico, procurador – você teve um apelo e um direcionamento muito grande da classe média. A imprensa chamava para caminhadas, para passeatas pela paz, havia realmente uma pressão, eu diria até financeira, sobre o governo para que tomasse providências porque pessoas de bem morreram. Enquanto que em todas as mobilizações que nós fazemos, quando há casos de violência contra crianças e adolescentes ou assassinatos de jovens da periferia, você tem realmente um abandono total. Aí a sociedade se manifesta mes-

mo, com indiferença ou publicamente, dizendo que estão aí defendendo os bandidos novamente. A nossa sociedade então está dividida em cidadãos de 1a e 2a classe? Isso ficou muito explícito. O quanto a classe média é hipócrita, e como as elites ainda têm o poder de conduzir os comandos da segurança pública no nosso Estado. Devemos falar mais abertamente sobre essa hipocrisia, que esses mandos e desmandos estão ligados a uma classe social muito branca, muito rica, muito detentora dessas cotas na política, e que isso tem um reflexo muito grande mesmo na sociedade – a estigmatização de grupos, de pessoas, da juventude, principalmente da juventude negra –, e trabalhar em processos de formação, de capacitação da juventude. Como funciona o corporativismo na polícia? “É uma situação muito difícil também para os próprios policiais militares e civis que ainda possuem um pouco de dignidade e amor à farda, porque manter-se digno e fiel a essa profissão é um exercício diário de resistência, e nós temos que dar todo apoio para aqueles policiais que têm um envolvimento nesse compromisso. Nós tivemos casos aqui de policiais que nos procuraram dizendo que estavam sendo ameaçados pelos próprios colegas. Teve um policial militar cujo afilhado de 16 anos foi morto por policiais. Ele foi até o local do crime e, por ter se recusado a cumprimentar os policiais que ali estavam, imediatamente depois passou a sofrer ameaças. Ele confessou que hoje tem mais medo da polícia do que de bandidos, e isso me chocou muito. Em outro caso, policiais foram acionados para impedir um linchamento de dois assaltantes por moradores da comunidade. Quando foram atender a ocorrência, descobriram que os dois rapazes haviam assaltado uma mercearia onde seus colegas de farda faziam bico de segurança e que teriam sido os próprios policiais a incitar o linchamento. Depois disso, passaram a ser perseguidos por esses colegas. O judiciário também contribui para a impunidade dos policiais? Os inquéritos já saem das delegacias com muita fragilidade, e o judiciário não se manifesta em relação a isso, então obviamente nós vamos

ter um resultado muito ruim. Muitas vezes a gente encontra promotores que solicitam já no processo de investigação que mude o delegado, que fazem algumas articulações para que se coloque lá um delegado ou uma delegada que possa presidir esse inquérito, que seja uma pessoa com mais autonomia. Mas aí depende muito do comprometimento do promotor que está acompanhando aquele caso. E a isso a gente precisa dar valor. Mas na maioria dos casos não tem, o judiciário está completamente absorvido com a quantidade de processos que tem e devolve esses inquéritos para que haja uma melhor investigação. Muitas vezes nem identifica as falhas no inquérito. E acaba absolvendo os policiais. E o que a ouvidoria pode fazer sobre isso? A ouvidoria tem que ter um papel mais ativo no monitoramento da investigação dos casos. Em muitos casos que estamos acompanhando, estamos em diálogo direto com o promotor justamente pra fazer um trabalho em conjunto, para verificar como foi construído esse inquérito, quais foram as falhas encontradas e o que a gente ainda pode voltar atrás para verificar. Acho que esse é um trabalho fundamental da ouvidoria. Se nós conseguirmos sistematicamente fazer esse tipo de coisa pelo menos nos casos mais emblemáticos, teremos um avanço. O que dizer de uma ouvidoria que recebe uma denúncia e simplesmente a encaminha para a corregedoria, sem fazer nenhum acompanhamento? Aí vamos fechar as portas. Se a ouvidoria se reduzir a mandar um documento para a corregedoria, pode fechar a porta porque para isso não precisa ter ouvidoria, para isso qualquer pessoa pode fazer. Se é só para mandar um ofício solicitando, não tem função nenhuma. Nós temos que realmente monitorar. Isso significa sentar com o corregedor, ir até a delegacia, conversar às vezes com o delegado, perguntar que tipo de investigação é essa, porque muitas vezes a gente vai até a corregedoria e a pessoa encarregada pelo caso diz: “Não, mas eu fui lá, investiguei, verifiquei”. Mas como é que as outras quatro pessoas viram coisas diferentes? Aí você, fazendo contato com as pessoas envolvidas, vai tendo intuições e vai descobrindo coisas no decorrer dessa aproximação. A ou-

vidoria tem que ter proximidade das pessoas, dos casos, para conseguir contribuir. Você acha que uma polícia comunitária ajudaria a resolver o problema? Sim, acredito que esse programa de formação de segurança comunitária, de segurança cidadã, tem um eixo temático muito interessante. É realmente fundamental, pois se inverte a lógica daquele policial frenético, enlouquecido, com armas na mão dentro de um carro, sem se relacionar com ninguém, para um policial que realmente caminha, para a tal da polícia de proximidade. Mas para que isso realmente aconteça, tem que haver uma conjuntura, um contexto preparado para isso, porque nas periferias e em algumas áreas as pessoas não querem essa polícia. A classe média não quer essa polícia, a elite não quer essa polícia. A elite quer a polícia que afaste as pessoas de perto delas, que afaste os pobres, que afaste aquele que chega para pedir alguma coisa, porque ela morre de medo de que alguém que bate no vidro do seu carro vá assassiná-la. Os policiais continuam matando porque sabem que continuarão impunes? Temos que fazer uma série histórica de punições aos policiais violadores de direitos humanos. As punições exemplares são fundamentais porque repercutem internamente dentro das corporações. Elas têm uma força enorme de criar novos referenciais, de realmente instaurar uma política pautada na ética. Na maioria das vezes, policiais infratores não são punidos nem administrativamente. Quando o são, uma semana depois já estão soltos e duas semanas depois já estarão divididos em outros lugares. Acho que este é um grande desafio nosso: verificar que tipo de punição exemplar eles estão realmente fazendo. O que se verifica aqui e acolá é alguma punição noticiada por algum órgão de imprensa, para afirmar que o Estado está punindo seus filhos. Mas, e depois? Essas manchetes não têm fundamentação, são apenas manchetes para aquietar a sociedade civil organizada e para nos enganar. Alguma consideração final? A classe média, a elite, tem medo das crianças que pedem nos faróis. Acho que a gente tem que ter coragem de falar mais abertamente sobre isso. E de trabalhar mais para a autonomia dos nossos órgãos, para que eles realmente possam trabalhar numa perspectiva de que a política de segurança pública deve ter equidade. Uma política de segurança pública que não tiver equidade sempre vai matar mais juventude negra e fazer cada vez mais segurança privada e segurança nos bairros ricos. Ali Rocha escreve pelo Tribunal Popular em Belém (PA). Reprodução

Quem é Cibele Kuss é ouvidora da Segurança Pública do Estado do Pará.


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brasil Divulgação

Esquerda perde Adão Pretto, defensor da luta pela terra HOMENAGEM Além de deputado federal, o gaúcho Adão Pretto, que faleceu no dia 5 de fevereiro, era um dos fundadores do MST Patrícia Benvenuti da Redação A LUTA pela reforma agrária e pela agricultura camponesa perdeu um de seus símbolos. No dia 5 de fevereiro, faleceu em Porto Alegre (RS) o deputado federal Adão Pretto (PT-RS), de 63 anos, devido a complicações após uma cirurgia para retirada do pâncreas. Agricultor por profissão e com apenas quatro anos de estudo, Adão Pretto nunca esqueceu suas origens simples. Foi por elas que, durante toda a sua vida, dedicou-se a defender os pobres, especialmente os pequenos produtores e aqueles que não tinham terra. Que o diga o próprio Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Rio Grande do Sul, o qual ajudou a criar, há 25 anos. Histórico Natural da pequena cidade de Coronel Bicaco, no noroeste gaúcho, Adão Pretto começou sua trajetória política nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da Igreja Católica, passando também pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pela presidência do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Miraguaí. Adão Pretto ingressou no Partido dos Trabalhadores em 1985, depois de passar pelo PDT. No ano seguinte, foi eleito deputado estadual. Ao terminar seu mandato na Assembleia Legislativa, em 1991, elegeu-se deputado federal, mantendo-se no cargo, por meio de reeleições seguidas, por cinco mandatos. Em seu caminho, Adão Pretto apresentou projetos de lei que pretendiam agilizar a reforma agrária no país e melhorar a qualidade de vida para os trabalhadores do campo, além de ter sido um dos mais ferrenhos opositores da bancada ruralista. Ainda como deputado estadual, em 1986 ele presidiu a CPI da Violência no Campo na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, a fim de investigar os conflitos entre grandes latifundiários e produtores rurais. Adão Pretto também estava empenhado, nos últimos meses, em denunciar o plantio ilegal de eucalipto na Faixa de Fronteira, no Rio Grande do Sul, encabeçado pela empresa suecofinlandesa Stora Enso. Segundo denúncias de entidades e do próprio deputado, a transnacional estava utilizando empresas-laranja para comprar terras que, de

acordo com a Constituição, por estarem na faixa de divisa não podem ser adquiridas por empresas de capital internacional. Seu último Projeto de Lei foi apresentado em outubro do ano passado, no qual propunha o fim das indenizações compensatórias nos processos de desapropriação para reforma agrária. Além da fundação do MST, Adão Pretto ajudou a criar a Central Única dos Trabalhadores (CUT) na região Celeiro do Rio Grande do Sul e auxiliou na organização do Partido dos Trabalhadores no Estado. Trajetória política É com carinho e profunda admiração que Frei Sérgio Goergen, ex-deputado estadual e integrante da Via Campesina do Rio Grande do Sul, lembra do antigo companheiro. A amizade dos dois iniciou em 1978, durante a 2ª Romaria da Terra, em São Gabriel, no sudoeste gaúcho, e fortaleceu-se quando Frei Sérgio foi trabalhar na diocese de Frederico Westphalen, no norte, da qual Adão já fazia parte como integrante da Pastoral da Terra.

Seu último Projeto de Lei foi apresentado em outubro do ano passado, no qual propunha o fim das indenizações compensatórias nos processos de desapropriação para reforma agrária Foi nessa época, de acordo com Frei Sérgio, que surgiu a primeira oportunidade para Adão Pretto ingressar na vida política. “Ele [Adão] foi escolhido coletivamente. Nós fizemos um debate no qual decidimos que os agricultores deveriam ter uma participação no processo constituinte e que, para isso, era importante que a gente tivesse candidatos para a Constituinte federal e para a estadual. “A Igreja Progressista assumiu as candidaturas, e [os candidatos] eram levados para tudo que era lugar para fazer o debate, o que levou à eleição do Adão para deputado estadual”, relata.

Simplicidade e humildade Nas palavras de Frei Sérgio, Adão Pretto era uma pessoa muito “querida”, “pura” e “simples”, incapaz de dissimulações para obter vantagens na vida política. “É interessante como o Adão sobreviveu na política esses 22 anos – 24, se contar o tempo de campanha – e não era capaz de dizer uma coisa pensando em outra. Ele era direto, com muita franqueza”, lembra. O integrante do MST Darci Maschio, que participou da fundação do Movimento e hoje é assentado na Fazenda Annonni, também recorda da simplicidade de Adão. “O Adão era um agricultor. Mesmo sendo deputado, ele era um pequeno agricultor humilde, simples, onde ele chegava. Quantas e quantas vezes dormiu no nosso barraco. Ele era tão discreto que, no meio do povo, quem não conhecia ele não dizia que ele era deputado. Era mais um no meio do acampamento, mais um acampado, não alguém diferente”, explica. Frei Sérgio destaca, ainda, outro traço marcante da personalidade do amigo: a inteligência. Mesmo com a escassa escolaridade e com sérias dificuldades para ler, Adão era capaz de assimilar rapidamente as ideias e ainda passálas para os companheiros. “Ele tinha uma capacidade de aprender auditivamente; como a gente costuma dizer, aprender de ouvido. Se a gente fazia uma discussão, inclusive de avaliação de conjuntura, ou mesmo temas científicos de alta complexidade, o Adão pegava aquilo e conseguia traduzir para os trabalhadores em uma linguagem popular, acessível, como um pedagogo popular, de forma impressionante.”

As lutas de Adão Apesar de lutar pela melhoria geral das condições de vida do povo, especialmente no campo, Adão Pretto tinha dois grandes objetivos que, para Frei Sérgio, já haviam se transformado em uma obsessão: o seguro agrícola e a reforma agrária. “Ele defendia em geral os agricultores, os sem-terra, mas duas coisas que ele não largava eram reforma agrária e o seguro agrícola. O seguro agrícola ele viu realizado. Ele não se conformava com essa ideia de o sacrifício do agricultor não ser recompensado quando tivesse uma intempérie climática ou algo assim. E a outra era a reforma agrária. Ele ficava indignado com a má distribuição da terra”, garante.

O deputado federal Adão Pretto em seu gabinete na Câmara dos Deputados

Darci Maschio também recorda da participação de Adão Pretto em momentos críticos para os trabalhadores sem-terra, como nos enfrentamentos com a polícia gaúcha. “Em todos os conflitos da luta pela terra no Estado ele esteve sempre presente, na intermediação, na busca de negociação. Mesmo sendo deputado federal de um partido que tem a presidência da República, nas negociações ele nunca teve a posição de governo, ele sempre teve a posição dos movimentos, frente à Brigada Militar, frente ao próprio governo”, conta.

Lacuna para o PT O deputado estadual (PTRS) e agricultor assentado Dionilso Marcon também destaca a participação de Adão Pretto em diferentes frentes de batalha, que iam desde a luta pela terra e pela reforma agrária até moradia nas cidades e movimento sindical. “O companheiro Adão Pretto não tinha uma pauta só do Movimento Sem Terra; era em defesa de um projeto de vida para todos. É uma perda muito grande”, salienta. A ausência de Adão Pretto, segundo Marcon, também será muito sentida no Partido dos Trabalhadores. O deputado relata que, dentro do PT, Adão sempre teve uma postura muito ética, respeitando as decisões partidárias ao mesmo tempo em que seguia firme em suas convicções. “A ética do companheiro Adão Pretto no partido e nas lutas não tem medida. Ele vai deixar uma lacuna na esquerda, sempre tentou segurar um partido de esquerda. O companheiro Adão Pretto tem uma história que, se alguns nossos do PT lessem, com certeza não teriam que ser corrompidos nessa passagem”, avalia. Legado A novidade de Adão Pretto na política, para Frei Sérgio Goergen, era o fato de estar atuando, com lealdade, em nome de sua própria classe. “O Adão era um camponês representando camponeses, não era alguém que pedia voto da classe e depois representava em nome da classe. Não, o Adão era parte da clas-

Árvore da justiça por Adão Pretto

Nós plantamos uma árvore cujas folhas nunca caem, O inverno vem e se vai e ressurge a primavera, E a natureza então gera muitas folhas e galhos novos, É uma esperança do povo que vem brotando da terra. Em seus galhos haverá espaço pra todos os passarinhos Construírem ali seus ninhos com fraternidade mútua. Darão milhares de frutas dos mais variados sabores, Produzirão também flores pra quem tombar nesta luta. É a árvore da justiça que a honestidade cultiva, Regada por força viva que quer mudar a sociedade, E a fúria da tempestade não impede o crescimento, Porque é chegado o momento de nós elegermos a verdade. A ganância e a mentira são contratempos que ocorrem, Mas a verdade não morre e continua sendo dita. Por aqueles que acreditam no fim desta exploração, E nem as vozes dos canhões calam essas bocas que gritam.

se e se sentia representando a classe. Por isso também nunca se deixou cooptar e nunca traiu”, afirma. A fidelidade de classe, portanto, é apontada por Frei Sérgio como um dos grandes legados de Adão Pretto não apenas para a política, mas para os movimentos sociais e para toda a esquerda. “Eu acho que o grande legado do Adão foi ser alguém da classe popular que atua na política não como um político tradicional, mas como um representante da classe, que atua na institucionalidade sem perder as raízes populares de onde ele vem”. Frei Sérgio também sinaliza a ética como companheira inseparável do deputado: “Nesse momento de crise da política, especialmente da ética política, o Adão é uma prova concreta, palpável, que vai ficar viva para sempre, de que a política não só deve ser diferente, mas a política pode ser diferente”, completa. Para Darci Maschio, o que fica de Adão Pretto é “uma grande mensagem da necessidade da unidade, da humildade, da luta da transformação, do sonho e da nossa utopia pelo socialismo. No Congresso, ele era um de nós lá.

Ele não apenas defendia o Movimento, ele era o Movimento lá dentro”. O desejo de Adão Pelo número de autoridades presentes e pela mobilização, o velório de Adão Pretto em Porto Alegre foi comparado ao do ex-governador gaúcho Leonel Brizola, em 2004, uma das figuras mais populares do Estado. Além de militantes de movimentos sociais e sindicais, compareceram à cerimônia o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, oito ministros, além de senadores, deputados federais, senadores e prefeitos. Adão Pretto também recebeu homenagens da Embaixada de Cuba, do presidente do Paraguai, Fernando Lugo, e de vários governadores. No Rio Grande do Sul, a governadora Yeda Crusius decretou luto oficial. O gesto da governadora, no entanto, não impediu que, durante o enterro, o bispo emérito de Goiás, Dom Tomás Balduíno, criticasse a repressão sobre os trabalhadores rurais no Rio Grande do Sul. “Em vez de decretar luto por três dias, Adão certamente gostaria que a governadora parasse com a repressão”, diz. Douglas Mansur/Novo Movimento

Encontro com Fidel Castro no Anhembi, em São Paulo, em março de 1990; ao lado, no Rio Grande do Sul, durante Romaria da Terra, em fevereiro do mesmo ano


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américa latina

Próximos passos do processo boliviano NOVA CONSTITUIÇÃO Para membro do Partido Socialista, governo Evo terá que negociar com todos para implantar mudanças José Lirauze/ABI

Fernanda Chaves correspondente em La Paz (Bolívia) A NOVA Constituição Política de Estado da Bolívia está oficialmente em vigor após sua promulgação realizada na cidade de El Alto, diante de quase um milhão de pessoas, “e não mais entre quatro paredes, conforme era feito antigamente”, como assinalou o presidente da República Evo Morales Ayma. A festa teve início na manhã do dia 7 e só terminou de madrugada, após desfiles militar e civil. Nem a granizada que caiu no início da tarde dispersou a multidão composta por diversos movimentos organizados indígenas, de trabalhadores, partidários do Movimento ao Socialismo (MAS) ou simplesmente gente que apoia o processo de transformações que vem sendo conduzido pelo atual governo. Dos 411 artigos do texto constitucional aprovado, apenas 25 têm aplicação imediata. Os demais precisam ser regulamentados por novas leis e, além disso, muitos deles abrem a possibilidade para múltiplas interpretações – o que pode ser um fator gerador de violência. Na última edição (310), o Brasil de Fato tratou de dois temas bastante complicados na aplicação das mudanças da Constituição: economia e terra. Este último já foi motivo de dois conflitos nas áreas rurais de San Julian e Guarayos, em Santa Cruz, logo na semana seguinte à aprovação da nova Carta (referendada no dia 25 de janeiro). Nesta reportagem, serão tratados outros dois temas

Mais de 500 mil bolivianos foram a El Alto para a promulgação da nova Constituição Política de Estado

“Aqui, como no Brasil e em todas as partes do mundo, para manter seus interesses, os latifundiários estão dispostos a promover grandes atos de violência ou mesmo uma guerra”, alerta membro do Partido Socialista que podem ser alvo de novos embates na arena política, jurídica e social boliviana: recursos naturais e autonomias (departamentais, regionais e indígenas). Como em muitos momentos os dois temas se confundem, eles serão tratados de forma conjunta (ver matéria abaixo).

Passo a passo Jerjes Justiniano, membro do Partido Socialista em Santa Cruz, ressalta que pela primeira vez se aprovou na Bolívia uma Constituição via referendo popular, e que agora o governo estará obrigado a negociar sua aplicação com todas as forças políticas, in-

cluindo a oposição de direita, antes de recorrer ao mecanismo de pressão popular, como marchas e ocupação das ruas. “Para aprovar várias leis, necessárias e inerentes ao funcionamento da nova Carta Magna, [o governo] deverá estabelecer acordos ou consensos e até negociações com cessão de parcelas de poder, a fim de avançar”, afirma Justiniano. Neste sentido, ele acredita que o centro do debate político neste ano estará no Congresso. “Por certo, o cenário mais importante, a partir de hoje, será o Parlamento. Este ano, iniciado com a crise global do mundo capitalista, que nos afetará também, estará marcado por uma forte

Recursos naturais e as autonomias na Nova Constituição da Bolívia As mudanças ainda estão bem no início de correspondente em La Paz (Bolívia) O artigo 342 da Nova Constituição da Bolívia determina que “é dever do Estado e da população conservar, proteger e aproveitar de maneira sustentável os recursos naturais, assim como manter o equilíbrio do meio ambiente”. Apesar de esse e outros artigos conferirem ao Estado o controle sobre os recursos naturais, existem zonas de interseção entre as diversas esferas da administração pública, o que, segundo especialistas, pode ser um fator gerador de conflitos. “Há contradições, vazios legais e conflitos de competências existentes entre o Estado, os departamentos, as regiões e os povos indígenas”, afirma o ex-ministro de Hidrocarbonetos Andrés Soliz Rada.

“É apenas o início de um processo que se firma aos poucos nesse cenário hostil do capital internacional e, com a Nova Constituição, temos mais um instrumento”, aposta pesquisador Considerando as disposições sobre os recursos renováveis, o ex-ministro está bastante preocupado. Ele acredita que esse tema é complexo,

e que a nova Constituição abre o precedente para a ingerência estrangeira. Soliz explica que o uso do termo “nações” é inadequado, porque “nação é uma categoria sociológica historicamente constituída a que ascendem comunidades humanas em determinado grau de desenvolvimento, que compartem idioma, história, território, vida econômica e consciência de sua identidade”. De acordo com o ex-ministro, “o MAS confundiu nações com culturas, cuja reivindicação é legítima. Infelizmente, em seu projeto de Constituição faz figurar como nações agrupamentos humanos que, em alguns casos, não chegam a cem pessoas. O texto outorga a essas nações inexistentes autonomias sobre territórios e recursos naturais, assim como a administração da Justiça. Conhecemos as ambições dos centros de poder mundial sobre a biodiversidade dos países periféricos. É óbvio que as grandes potências preferem negociar concessões sobre recursos naturais, renováveis e não-renováveis, com mini governos indígenas autônomos, suscetíveis de ser corrompidos por ONGs, em lugar de fazê-lo com sólidos Estados nacionais.” Soliz se refere, por exemplo, ao longo artigo 304, que possui diversos itens e, entre eles, afirma textualmente que “as autonomias indígena-origináriocampesinas poderão exercer a gestão e administração dos recursos naturais renováveis, de acordo com a Constituição”. Parceria com o Estado Outros estudiosos, no entanto, pensam diferente. Juan Pablo Flores, pesquisador do Observatório Boliviano de Re-

cursos Naturais, concorda que a Constituição permite a dupla interpretação, mas acha que está claro que a administração dos recursos pelos povos originários terá que ser feita em parceria com o Estado. “Está determinado que os povos indígenas vão ter a gestão, mas isso terá que ser feito em concordância com o departamento ou com o Estado Nacional. As autonomias indígenas não vão poder decidir por si próprias para que não haja nenhum problema com a administração dos recursos naturais, por exemplo, os hidrocarbonetos. Isso terá que ser feito com base num acordo comum entre as partes”, afirma Pablo. Com relação à nacionalização das transnacionais que exploram os recursos naturais da Bolívia, principalmente gás e hidrocarbonetos, Flores acredita que o processo, ainda que decretado desde maio de 2006, não se deu em sua plenitude. Mesmo que os termos

de contratos tenham sido alterados, para que haja uma nacionalização plena dessas empresas, será necessário avançar um pouco mais. “Logo no momento do decreto, o governo afirmou que 82% dos recursos obtidos seriam para o Estado e 18% para a empresa exploradora. Esse seria o termo dos contratos. Mas em se tratando de mercado internacional, é muito difícil chegar a esses níveis. O governo se deu conta e retrocedeu aos atuais 50% para cada lado. Sob esses aspectos, é mesmo difícil dizer que há uma nacionalização real, mas o pontapé foi dado. É apenas o início de um processo que se firma aos poucos nesse cenário hostil do capital internacional e, com a Nova Constituição, temos mais um instrumento”, aposta. Gasto público Hoje, programas como o Renda Dignidade, de aposentadoria para os idosos, e Ju-

tendência eleitoral. Dezembro deverá culminar com a eleição ou reeleição do presidente, vice, deputados e senadores, de acordo com as novas regras do jogo, que deverão previamente definir o atual Parlamento, adequando-se aos novos instrumentos estabelecidos na Constituição Política de Estado recentemente aprovada por referendo”, complementa. O representante do Partido Socialista enxerga três vertentes entre as forças da direita, que seguramente poderão causar problemas para a aplicação do novo texto constitucional. Uma ligada à burguesia financeira, que sempre teve lucros altíssimos e agora começa a se preocupar com a

maior participação do Estado na economia; outra representada pela velha burguesia mineira, sempre atenta aos preços dos metais no mercado internacional; e a terceira é a burguesia nascente de Santa Cruz, que não tem um projeto nacional e luta pelo separatismo da região chamada meia-lua. “Aqui, como no Brasil e em todas as partes do mundo, para manter seus interesses os latifundiários estão dispostos a promover grandes atos de violência ou mesmo uma guerra, se for necessário”, afirma Justiniano. Nesse sentido, são fundamentais o controle sobre os recursos naturais e o manejo das autonomias.

ancito Pinto, um bônus para crianças matriculadas em escolas, existem graças à verba obtida com a nacionalização de transnacionais. Mas Flores ressalta que o governo deve atentar para o desenvolvimento de políticas públicas e de gestão, de forma a aproveitar ainda mais o montante obtido com as nacionalizações. “Muita gente não crê no processo das nacionalizações porque não vê o retorno, não vê esse dinheiro chegando. É preciso que o governo pense seriamente em desenvolver políticas para isso”, observa.

de dólares para desenvolver projetos de forma autônoma. Com esse dinheiro, YPFB deve atender primeiro seu mercado interno, garantir ao país autossuficiência alimentícia e desenvolver seus próprios projetos, como o gasoduto interno, antes de se submeter a pressões estrangeiras”, aponta.

“O MAS confundiu nações com culturas, cuja reivindicação é legítima”, lamenta ex-ministro Para o ex-ministro Soliz, Evo Morales acertou a política para o setor de gás e petróleo no ano passado. “Em 2008 ficou provado que as petroleiras, entre elas a Petrobras, não farão investimentos na Bolívia, salvo que esta se ponha de joelhos frente a suas exigências. Evo assumiu a conduta correta: dotar a YPFB de 1 bilhão José Luis Quintana/Min. Presidencia

Evo discursa para a multidão: “segunda independência” do país

Previsões Em que pese a avaliação positiva de 2008, prevalece a cautela no prognóstico do exministro em relação ao tema na Nova Constituição. “Em matéria de hidrocarbonetos, existe um artigo transitório (o oitavo), que respeita os direitos adquiridos pelas companhias privadas, as que, desta maneira, poderão seguir operando nas condições pactuadas. Na mineração, as empresas devem adequar seus contratos à nova Constituição no lapso de um ano”, diz. Os primeiros sinais dão conta de que o governo segue perseverante na ainda tortuosa estrada da implementação de sua nova Constituição. Vinte e quatro horas depois de promulgada a Carta, uma considerável remexida nos ministérios e a criação de novas pastas aprofundou e ampliou o campo de coordenação de ministros e vice-ministros. Foram criados os ministérios de Autonomia, Culturas e de Transparência Institucional e Luta contra a Corrupção. Também foi criado um primeiro gabinete plurinacional, formado por 20 ministros, cuja principal pauta é aplicar e fiscalizar a Nova Constituição. O governo anunciou ainda que haverá um regime de transição das autonomias, que deve adequar as condições de transferência de competência de cada nível autonômico, numa espécie de pacto fiscal. Com as mudanças passam a figurar, em maior número, no novo poder executivo, ex-catedráticos, ex-dirigentes sindicais, assessores da Central Obreira Boliviana (COB) e indígenas. (FC)




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cultura

Brasil de Fato comemora seis anos durante Fórum Social Mundial RESISTÊNCIA Militantes, jornalistas, artistas e intelectuais participam de ato político-cultural para celebrar mais um aniversário do jornal João Zinclar

Claudia Santiago de Belém (PA) NA NOITE do dia 30 de janeiro, redes coloridas se espalhavam pela Universidade Federal Rural da Amazônia, em Belém (PA). Elas pareciam enfeite de parede para receber os que chegavam para a cerimônia do sexto aniversário do jornal Brasil de Fato. Não eram, não. É que ali estavam hospedados integrantes do MST que foram a Belém participar do Fórum Social Mundial. Após a festa, as redes foram estendidas e abrigaram corpos bem cansados. Mas... voltando à cerimônia. Foi simples e bonita. Jornalistas de diversos países, comprometidos com a luta dos povos, se revezaram ao microfone para saudar a única publicação semanal brasileira vendida em bancas. “O Brasil de Fato é um instrumento da luta de classes”, afirmou o editor do jornal, Nilton Viana. Para ele, a ditadura hoje se apresenta através do monopólio da informação, controlada pelo capital financeiro e transnacional. “A cada ano que completarmos comemoraremos mais um ano de resistência, ajudando a formar a classe trabalhadora para que ela faça as transformações necessárias”, declarou. A atividade contou com a presença de várias personalidades. Entre elas, a médica Aleida Guevara, que se define como “Hija de la Revolución e hija biologica del Che”. É

Aleida Guevara durante o ato: “ilustrar o povo com a verdade para que ele tenha a capacidade de reagir”

emocionante mirar o rosto de Aleida, bem parecido com o do pai. Impossível não pensar em tudo o que o nome Guevara significa para a esquerda latino-americana. Vito Giannotti, um dos coordenadores do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), convidado a dar o seu depoi-

mento sobre o jornal, não perdeu tempo. Enfatizou a necessidade de ler, divulgar, assinar e presentear os amigos com o Brasil de Fato. “Um grande instrumento para a disputa de hegemonia com nossos inimigos de classe”, disse. O último orador foi João Pedro Stedile, da direção na-

cional do MST. Stedile lembrou a tradição revolucionária da esquerda europeia, de construir jornais, boletins e programas de rádio. E criticou os partidos de esquerda que trocaram a sua voz por três minutos da televisão. “Alguns chegaram a dizer que a imprensa é neutra”.

O dirigente do MST destacou que, embora o Brasil de Fato não tenha se consolidado como um jornal de massas, como era seu objetivo inicial, “tiragens extras de até 2 milhões de exemplares são feitas quando a conjuntura exige”.

Para ele, a comunicação de esquerda é central no mundo, hoje. “Durante os séculos 19 e 20, a burguesia reproduzia suas ideias através da escola, da igreja, dos partidos. Agora, a televisão é o principal instrumento para transmitir a ideologia burguesa” (www.piratininga.org.br).

Douglas Mansur/Novo Movimento

“É possível esse mundo melhor e necessário pelo qual batalhamos” Aleida Guevara March Caros amigos e amigas,

Douglas Mansur/Novo Movimento

Fui convidada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para, junto com eles, celebrar seu 25º aniversário de luta e resistência. Compartilhamos momentos de ternura e plenos de esperanças. Lembramos os que tombaram e nos comprometemos a continuar a batalha até a vitória definitiva. Assumimos o compromisso de nos dedicarmos mais ao estudo e à preparação técnica, aumentar a nossa capacidade de análise política e econômica para poder obter mais frutos, respeitando e amando a terra. Assumimos o compromisso de solidariedade com outros movimentos e com cada um dos homens e mulheres do mundo

que necessitarem dela. Esses são alguns dos desafios que o aniversário lança a todos nós. Hoje (30/01), juntos, comemoramos o 6º aniversário do Brasil de Fato, um dos poucos periódicos que tenta e consegue informar o povo sobre o que realmente acontece ao seu redor, tarefa que corresponde a um verdadeiro órgão de informação: ilustrar o povo com a verdade, para que ele tenha a capacidade de reagir. É uma tarefa difícil, mas que nestes tempos se torna imprescindível. Avante, companheiros! Há muita coisa que temos que denunciar, muita coisa que temos que publicar para contribuir com o conhecimento e a consciência popular. Nestes dias com tantas atividades, participamos junto com outros convidados internacionais de um intensivo e profundo aprendizado do grande Brasil e da nossa Ama-

Extração de minério de ferro na mina da Vale em Carajás

zônia. Desconhecíamos muitas coisas. Visitamos uma mina de ferro, quiçá a maior do mundo, que é cavada nas elevações da Amazônia e que atinge o subsolo, acabando com o ambiente em volta – ainda que os senhores que nos receberam digam o contrário, mostraram-nos uma reserva com animais bem cuidados, mas incapazes de se valer por si próprios no seu habitat. É uma pena não termos podido ver qualquer benefício social ou econômico para as populações da região. Já que destroem a natureza, ao menos, seria lógico esperar que os homens e mulheres mais humildes em volta da mina fossem compensados. Mas isso não acontece, o que é uma vergonha. Também fomos conhecer os projetos sociais que com poucos recursos e grande vontade foram conseguidos pela firmeza desse povo. Conhecemos a história de homens que morreram defendendo o seu direito à terra para viver com dignidade, conhecemos outros que conseguiram preservar a vida, que dançam e resgatam suas raízes culturais, e que deram para nós o exemplo de hospitalidade e ternura. Depois visitamos a hidrelétrica de Tucuruí, impressionante obra de engenharia. Nela é produzida energia que não chega aos que mais necessitam, e os que podem desfrutá-la têm que pagar um alto preço por ela. No bairro seleto da alta hierarquia da empresa [Eletronorte – responsável pela hidrelétrica], no entanto, os moradores usam e abusam da energia sem nada pagar por isso. A natureza é novamente danificada; a vida humana, ultrajada; a cultura, despreza-

da; e a dívida humana e social volta a ser protelada. O desenvolvimento econômico é considerado mais importante do que a vida, o que provoca em nós pena, dor, impotência. Mais ainda ao constatar que o benefício desse desenvolvimento é para poucos, e a maior parte dele permanece fora do país. Porém, o que mais impacto teve sobre mim durante todo o percurso foi a escolta militar que nos acompanhou por esses dias. Houve helicópteros de combate, pelotão da Guarda Nacional equipado com armamento pesado e até dois tanques de guerra. E a verdade é que me pergunto para quê. Por quê? Ainda não consigo acreditar. O único motivo que penso é que nós, um grupo heterogêneo de pessoas, grande parte com cabelo grisalho, sem mais armas que a nossa voz e a nossa inteligência, provocamos medo. Pensem vocês que, se a nossa presença faz com que os poderosos peçam proteção para uma imensa mina de ferro e uma hidrelétrica com helicópteros e tanques, então o que precisarão mobilizar quando o povo unido decida mudar a realidade em que vive? Com certeza, vocês já sabem disso. Também visitamos a ilha de Marajó. A impressão com que volto de lá é que a TV Globo não precisa fazer “novelas de época”. É só copiar a realidade dessa ilha e com isso seria suficiente para mostrar como eram as coisas no século 19 ou 18, ou ainda antes. É inaudito o que lá acontece, na nossa frente. No entanto, damos as costas para essa realidade. Donos da terra que pen-

Cena de mística realizada durante o Fórum Social Carajás

sam ser deuses, que se acham no direito de mudar os limites das “suas terras” quando assim o desejarem, sem levar em conta ninguém nem se importar com os danos provocados nas outras pessoas. Senhores feudais que impedem a pesca nos “seus rios”. Que é isso? É a triste demonstração da ignorância em que vivem muitos homens e mulheres ainda hoje, desconhecendo seus direitos mais elementares. E isso deixa bem claro que se não formos capazes de unir as nossas forças, nunca conseguiremos mudar e muito menos construir um mundo mais justo para todos. Retorno a Cuba com dor pelos irmãos que sei que ainda

têm muito que aprender para continuar o caminho. Mas retorno também com a felicidade de conhecer e compartilhar a minha vida com o Movimento Sem Terra, que a cada dia mostra que, sim, é possível esse mundo melhor e necessário pelo qual batalhamos. Retorno à casa pequena sabendo que Brasil de Fato continua a luta por levar a luz e a justiça para os homens e mulheres desta grande pátria latino-americana. Muito obrigada. Aleida Guevara March é médica pediatra, cubana, filha mais velha de Che Guevara com sua segunda esposa, Aleida March.


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