Edição 315 - de 12 a 18 de março de 2009

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Circulação Nacional

Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 7 • Número 315

São Paulo, de 12 a 18 de março de 2009

www.brasildefato.com.br João Zinclar

Igor Ojeda

Em El Salvador, FMLN deve ganhar eleições A Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), antiga guerrilha de esquerda transformada em partido, tem, no dia 15, a chance de ganhar as eleições presidenciais em El Salvador. O candidato é o comunicador Maurício Funes, que apresenta um discurso de mudança: maior intervenção estatal na economia e manutenção dos Tratados de Livre Comércio com os EUA. Pág. 9

R$ 2,50

Em Cuba, o capitalismo não voltará

Greve paralisa refinaria da Petrobras

Na 4ª reportagem da série sobre a Revolução Cubana, o povo da ilha sentencia: o socialismo é irrevogável e permanente. Págs. 10 e 11

Petroleiros pararam por 5 dias as atividades da Refinaria de Paulínia. Categoria agora promete greve nacional para o dia 23. Pág. 3

Mulheres camponesas lutam contra a crise e o agronegócio João Zinclar

Milhares de militantes de diversos movimentos sociais do campo e de entidades que apoiam as lutas feministas e a reforma agrária realizaram diversos atos simbólicos em todo o país. Nos protestos, que ocorreram em quatro regiões do Brasil, as mulheres denunciaram a expansão do agronegócio e os incentivos do governo para empresas transnacionais em plena crise financeira. As mobilizações fazem parte da Jornada Nacional de Luta contra o Agronegócio e em Defesa da Reforma Agrária e da Soberania Alimentar, que acontece todos os anos para celebrar o 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Págs. 2 e 7

O centenário do Patativa do Sertão Se estivesse vivo, o poeta cearense Patativa do Assaré completaria o seu centésimo aniversário. Há quase sete anos, o “Sinhozinho”, como era chamado por Dona Belinha, sua esposa, faleceu. Entretanto deixou o legado de ter repassado, na forma de poesia, toda a informação necessária para que o povo sertanejo pudesse compreender a complexidade do mundo no século 20. Pág. 8

Trabalhadoras ocupam área do grupo Cosan em Barra Bonita (SP) Reprodução

Riqueza e miséria: a Angola dos contrastes

A coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), diante das manifestações do presidente do STF, Gilmar Mendes, divulgou documento denunciando a parcialidade e o comportamento do ministro. “Como grande proprietário de terra no Mato Grosso, ele é um representante das elites brasileiras, ciosas dos seus privilégios”. Pág. 2

Angola, pese o forte crescimento econômico recente, com média de 20% ao ano, segue sendo detentora de baixíssimos indicadores sociais. Dos cerca de 18,5 milhões de habitantes, 12,5 milhões vivem na pobreza. Em artigo, o cientista político angolano Nelson Pestana analisa as raízes de tamanha miséria em um dos principais países exportadores de petróleo e diamante do mundo. Para ele, a explicação está na vulnerabilidade estrutural das famílias e na falta de acesso a serviços básicos. Pág. 12

Um ano após ser implementada, a proposta curricular do governo do Estado de São Paulo vem sendo duramente criticada por profissionais e entidades ligadas à educação. Para eles, o pacote massi-

fica os conteúdos a serem transmitidos, priorizando a superficialidade. Assim, o foco é voltado para o ensino de habilidades capazes de adequar os estudantes às exigências do mercado de trabalho. Págs. 4 e 5

Edvaldo Rodrigues/Folha Imagem

Gilmar Mendes não esconde sua parcialidade

Escolas de São Paulo formam mão-de-obra, mas não cidadãos

ISSN 1978-5134

Daniel Augusto Jr./Folha Imagem

Crianças pobres da vila de Jamba, no sul de Angola

AFOGANDO EM NÚMEROS Em 2008, a União gastou R$

282 bilhões com

pagamento de juros e amortizações da dívida. Esse valor é 4 vezes maior do que o gasto público com educação (R$ 44 bilhões) e saúde (R$ 23 bilhões) juntos. Com a quantia, poderia-se pagar o salário de Ronaldo no Corinthians, R$

400 mil, durante 58.750 anos.

Igreja Católica não quer se adaptar ao mundo atual A postura conservadora que a Igreja assumiu em dois casos recentes acerca de temas como aborto, métodos contraceptivos e discriminação de homossexuais explicitam a incapacidade que a instituição tem de se adequar ao mundo contemporâneo. Pág. 6


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editorial NOS ÚLTIMOS dias tivemos uma grande mobilização de mulheres do campo e da cidade ao redor das celebrações do Dia Internacional de Luta da Mulher. Milhares de militantes de diversos movimentos sociais do campo e de entidades que apoiam as lutas feministas e a reforma agrária realizaram diversos atos simbólicos em todo o país. Mas, afinal, contra o que combateram as mulheres? Muita gente poderia pensar que, em função da celebração do 8 de março, haveriam apenas manifestações antimachistas, contra o capitalismo patriarcal, que explora duplamente as mulheres, seu trabalho e sua condição feminina. Mais além dessa consciência, as mulheres romperam novamente o silêncio para bradar contra a crise e contra o modelo do agronegócio. De um tempo para cá, a dominação do capital financeiro e das empresas transnacionais sobre a agricultura brasileira impôs um novo modelo de organização da produção no campo, que concentra terra e se apropria dos recursos naturais. Transforma tudo em mercadoria, aumenta a exploração do trabalho, mecaniza e expulsa a mão-deobra e abusa do uso de agrotóxicos, que destroem a natureza e envenenam os alimentos. Os governos, satisfeitos, estimulam tal modelo. São coniventes e procuram apenas fazer suas alianças eleitorais.

debate

O recado do 8 de março: as mulheres não pagarão pela crise Os fazendeiros brasileiros, grandes proprietários de terra, comemoram sua aliança com as transnacionais, que lhes garante mercado e preço. Ao povo, fica só a exploração, pois a Lei Kandir isenta os produtores até de pagar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e prestação de Serviços (ICMS). Nessas circunstâncias, o agronegócio passou a controlar grandes extensões de terra em todo o país, avançou sobre os recursos da Amazônia e impôs a produção apenas para a exportação: pecuária extensiva, etanol, café, soja e milho. Mas isso não desenvolve o país. Apenas concentra riqueza nas mãos de alguns e gera ainda mais pobreza e desigualdade social, que só não se transforma em tragédia por causa do Bolsa Família. Para se ter ideia, existem 11 milhões de famílias recebendo comida mensalmente; destas, 2 milhões residem no campo. São trabalhadores e trabalhadoras que poderiam viver com seu trabalho, produzindo na agricultura. Os alimentos se transformaram em mera mercadoria, compra quem tem di-

nheiro. Além disso, estão cada vez mais contaminados por agrotóxicos. Com a crise do capitalismo, esses problemas não só não se resolveram como se agravaram, e os alimentos ficaram mais caros. Algumas empresas do agronegócio, como Aracruz, Sadia, Votorantim, Perdigão e dezenas de usinas, estão a ponto de falir. Mas, eis que a mão salvadora do Estado – sempre renegado pelas elites com o neoliberalismo e o tal Estado mínimo – agora os socorre. O governo do Brasil, através do BNDES, repassou bilhões de reais para salvá-las. Mas, não satisfeitos com isso, os ruralistas pressionaram e a União aceitou regularizar terrenos de até dois mil hectares por pessoa, de todas as terras griladas na Amazônia. E, se cada fazendeiro grileiro tiver quatro familiares, já poderá legalizar oito mil hectares. É a legalização da grilagem e a apropriação legalizada dos recursos naturais que são de todo o povo. E não para por aí. Avança o controle das empresas transnacionais também sobre as sementes. Ou seja, através da

“aprovação” das sementes transgênicas, estas vão monopolizando o mercado. O milho geneticamente modificado estava proibido, mas foi liberado em 2008. E, já na primeira safra, as empresas venderam sementes transgênicas para mais de 52% da área cultivada. Esses grãos vinham sendo cultivados ilegalmente e ninguém falava nada. O monocultivo do eucalipto também avança em todo o país. É usado para a produção do carvão vegetal e para a celulose destinada à exportação. Os efeitos são devastadores. No Rio Grande do Sul, já há comunidades que precisam de carro-pipa para se abastecer de água, tal o desequilíbrio que a destruição da biodiversidade provoca, devido a essas monoculturas.

Alerta ao povo Para denunciar todos esses absurdos decorrentes do modelo do agronegócio e pedir mudanças na política agrícola, as mulheres da Via Campesina se mobilizaram em todo país. Deram o seu recado.

crônica

Dom Xavier Gilles de Maupeou d’Ableiges

“Ai dos que coam mosquitos e engolem camelos” (MT 23, 24)

O ministro Gilmar Mendes não esconde sua parcialidade e de que lado está. Como grande proprietário de terra no Mato Grosso, ele é um representante das elites brasileiras, ciosas dos seus privilégios Lula”... e não se pode esperar, “pois estamos falando de mortes”. Nos parece ser a segunda alternativa, pois conflitos fundiários seguidos de mortes são constantes. Alguém já viu, por acaso, esse presidente do Supremo se levantar contra a violência que se abate sobre os trabalhadores do campo, ou denunciar a grilagem de terras públicas, ou cobrar medidas contra os fazendeiros que exploram mão-deobra escrava? Ao contrário, o ministro vem se mostrando insistentemente zeloso em cobrar do governo as migalhas repassadas aos movimentos, que hoje abastecem dezenas de cidades brasileiras com os produtos dos seus assentamentos, que conseguiram, com sua produção, elevar a renda de diversos municípios, além de suprirem o Poder Público em ações de educação, de assistência técnica e comunitárias. O ministro não faz a mesma cobrança em relação ao repasse de vultosos recursos ao agronegócio e às suas entidades de classe. Pelas intervenções do ministro, deduz-se que ele vê na organização dos

Luiz Ricardo Leitão

O Dia Internacional da Mulher em Bruzundanga Gama

A COORDENAÇÃO NACIONAL da Comissão Pastoral da Terra (CPT), diante das manifestações do presidente do STF, Gilmar Mendes, vem a público se manifestar. No dia 25 de fevereiro, à raiz da morte de quatro seguranças armados de fazendas no Pernambuco e de ocupações de terras no Pontal do Paranapanema, o ministro acusou os movimentos de praticarem ações ilegais e denunciou o Poder Executivo de cometer ato ilícito por repassar recursos públicos para quem, segundo ele, pratica ações ilegais. Cobrou do Ministério Público investigação sobre tais repasses. No dia 4 de março, voltou à carga discordando do procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, para quem o repasse de dinheiro público a entidades que “invadem” propriedades públicas ou privadas, como o MST, não deve ser classificado automaticamente como crime. O ministro, então, anunciou a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do qual ele mesmo é presidente, de recomendar aos tribunais de todo o país que seja dada prioridade a ações sobre conflitos fundiários. Essa medida, de dar prioridade aos conflitos agrários, era mais do que necessária. Quem sabe com ela aconteça o julgamento das apelações dos responsáveis pelo massacre de Eldorado de Carajás (PA), sucedido em 1996; tenha um desfecho o processo do massacre de Corumbiara (RO), 1995; seja por fim julgada a chacina dos fiscais do Ministério do Trabalho, em Unaí (MG), 2004; seja também julgado o massacre de semterras, em Felisburgo (MG), 2004; o mesmo acontecendo com o arrastado julgamento do assassinato de Irmã Dorothy Stang, em Anapu (PA), em 2005, e cuja federalização foi negada pelo STJ no mesmo ano. Quem sabe com essa medida possam ser analisados os mais de 1.500 casos de assassinato de trabalhadores do campo. A CPT, com efeito, registrou, de 1985 a 2007, 1.117 ocorrências de conflitos, com a morte de 1.493 trabalhadores. (Em 2008, ainda dados parciais, são 23 os assassinatos). Destas 1.117 ocorrências, só 85 foram julgadas até hoje, tendo sido condenados 71 executores dos crimes e absolvidos 49, e condenados somente 19 mandantes, dos quais nenhum se encontra preso – ou aguardam julgamento das apelações em liberdade, ou fugiram da prisão, muitas vezes pela porta da frente, ou morreram. Causa estranheza, porém, o fato dessa medida estar sendo tomada neste momento. A prioridade pedida pelo CNJ será para o conjunto dos conflitos fundiários ou para levantar as ações dos sem-terra, a fim de incriminá-los? Pelo que se pode deduzir da fala do presidente do STF, “faltam só dois anos para o fim do governo

Esperamos que a sociedade e as autoridades entendam esse alerta, antes que seja tarde. A imprensa da burguesia e setores do Poder Judiciário optaram por cumprir seu papel de classe: condenar as manifestações legítimas das trabalhadoras. Isso mostra que a imprensa corporativa brasileira se transformou apenas em guardiã dos interesses da classe de seus proprietários, além de buscar o lucro, é claro. Já no Judiciário, a direita brasileira construiu seu mais novo líder, o pequeno-grande Berlusconi, o senhor Gilmar Mendes, que, do alto do cargo que lhe foi doado pelo seu ex-patrão Fernando Henrique Cardoso, se considera acima, um verdadeiro “dulce” todo-poderoso. Apesar de presidente do STF, se arvora o direito de opinar sobre tudo e sobre todos. Inclusive tem a pachorra de telefonar para os governadores exigindo repressão aos movimentos sociais e cobra de juízes de primeira instância mais celeridade contra os trabalhadores. Sobre os crimes dos capitalistas, dos latifundiários, dos banqueiros, dos Dantas da vida: silêncio. Mais de 60% dos parlamentares respondem processos. E a sua imprensa fiel escudeira lhe garante espaço de popstar. O povo brasileiro não merece uma classe dominante tão medíocre. Como fez falta uma verdadeira Revolução Francesa neste país.

trabalhadores sem-terra, sobretudo no MST, uma ameaça constante aos direitos constitucionais. O ministro Gilmar Mendes não esconde sua parcialidade e de que lado está. Como grande proprietário de terra no Mato Grosso, ele é um representante das elites brasileiras, ciosas dos seus privilégios. Para ele e para elas, os que valem são os que impulsionam o “progresso”, embora ao preço do desvio de recursos, da grilagem de terras, da destruição do meio ambiente e da exploração da mãode-obra em condições análogas às de trabalho escravo. Mendes escancara aos olhos da nação a realidade do Poder Judiciário, que, com raras exceções, vem colocando o direito à propriedade da terra como um direito absoluto e relativiza a sua função social. O Poder Judiciário, na maioria das vezes leniente com a classe dominante, é muito ágiíl para atender suas demandas contra os pequenos e extremamente lento ou omisso em face das justas reivindicações destes. Exemplo disso foi a veloz libertação do banqueiro Daniel Dantas, também grande latifundiário no Pará, mesmo pesando sobre ele acusações muito sérias, inclusive de tentativa de corrupção. O Evangelho é incisivo ao denunciar a hipocrisia reinante nas altas esferas do poder: “Ai de vocês, guias cegos, vocês coam um mosquito, mas engolem um camelo” (MT 23,23-24). Que o Deus de Justiça ilumine nosso país e o livre de juízes como Gilmar Mendes! Dom Xavier Gilles de Maupeou d’Ableiges é presidente da Comissão Pastoral da Terra.

E esta quem me contou / Foi Lima do Camarão: Dom José excomungou / A equipe de plantão, A família da menina / E o ministro Temporão, Mas para o estuprador, / Que por certo perdoou, O arcebispo reservou / A vaga de sacristão. (“A Excomunhão da Vítima”, Miguezim de Princesa) A mídia celebrou com certo alarde o Dia Internacional da Mulher em Bruzundanga, mas eu não consigo imaginar o que a data terá significado para aquela menina pernambucana de nove anos e sua mãe, que, além de padecerem a violência e humilhação de um estupro, se viram “excomungadas” pelo arcebispo de Olinda e Recife – o qual, para pasmo dos próprios católicos, declarou com rara desfaçatez aos jornais que “roubar, assaltar e estuprar também são pecados, mas não tão graves como o aborto”. As duas, decerto, sequer tiveram paz para refletir sobre a triste sina das mulheres e dos demais excluídos de uma “nação” que se ergueu sobre os pilares do latifúndio agroexportador e da escravidão, repleta de “senhores de baraço e cutelo” que exerciam (e até hoje exercem) um poder infinito sobre seus servos – julgando, inclusive, “natural” o direito de violar suas escravas, sem o menor pejo de atribuir toda e qualquer culpa às vítimas, que, afinal, foram feitas “à imagem do demônio” e são indignas de nossa fé... O episódio é uma demonstração cabal do ranço (ou seria essência?) de conservadorismo que permeia esta sociedade estamental e oligárquica, “cujos donos do poder”, cultivando o tipo “ideal” do homem “cordial”, de que nos falou Sérgio Buarque de Holanda, se apropriaram do Estado para promover a mais ampla e desavergonhada pilhagem das riquezas que milhões de trabalhadores explorados até a exaustão produzem nos campos e cidades da triste República. Aliás, no mesmo instante em que dom José Cardoso Sobrinho enunciava suas heresias aos jornais, Fernando Collor era eleito o novo “gerente do PAC”, ou seja, presidente da Comissão de Infraestrutura do Senado, unindo as duas pontas – do PT ao PTB – das forças políticas que administram a colônia, graças às artimanhas do velho coronel Zequinha do Sir Ney, símbolo rematado da capacidade que as oligarquias tupiniquins têm de permanecer no poder “desde os tempos da lamparina”, como oportunamente escreveu um colunista da grande imprensa. As reações às declarações do arcebispo ecoaram em todo o país. Não faltou quem associasse a “excomunhão” aos tempos da Inquisição, para desespero de alguns católicos mais honrados, e até Lulinha Paz & Amor, fiador da “salada” que elegeu o “caçador de marajás”, ergueu sua voz para lamentar o “comportamento conservador” do religioso e dizer que, “neste caso, a medicina está mais correta que a Igreja”. O inevitável desgaste da instituição já é visível nas seções de cartas dos jornais: um leitor de Paulínia (SP), por exemplo, diz que “o Deus de dom José é um Deus mau e insensato, que não aceita em seu reino as pessoas que fazem o bem e salvam vidas”. E o cordelista Miguezim de Princesa afinou sua lira para cantar que “o mundo está virado / e cheio de desatinos: / missa virou presepada, / tem dança até do pepino / padre que usa bermuda, / deixando mulher buchuda / e bulindo com os meninos”... As instituições, dentro de uma sociedade de classes, servem ao status quo, mas podem cindir-se e, até mesmo, aliar-se às classes populares, como fizeram notáveis bispos defensores da Teologia da Libertação na América Latina. Convém, porém, não esquecer que a proximidade com o poder tem sido fatal para alguns: em Cuba, após a Revolução, foi a Igreja Católica que patrocinou a absurda Operação Peter Pan, enviando para os EUA milhares de filhos da burguesia, sob a alegação de que estes seriam sequestrados pelo governo de Fidel e remetidos para a Sibéria, onde seriam assassinados para fazer salsichas (!!!). As relações do regime com a hierarquia católica se abalaram tanto que somente nos anos de 1990 se logrou uma reconciliação com o Vaticano, selada com a visita de João Paulo II ao arquipélago. Será que dom José e outros seguirão pela mesma trilha, açoitando as filhas de Eva? Miguezim já avisou: há “milhões morrendo de Aids / É grande a devastação, / Mas a Igreja acha bom / Furunfar sem proteção / E o padre prega na missa / Que camisinha na linguiça / É uma coisa do Cão.” Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Extranjeros: reflexões, crônicas e ficções de um brasileiro em Cuba no “Período Especial”.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Marcelo Netto Rodrigues, Luís Brasilino, Tatiana Merlino • Subeditor: Igor Ojeda • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Mayrá Lima, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte - Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Antonio David, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar: (11) 2131-0800


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Paralisação radicalizada em refinaria da Petrobras incendeia a categoria MOVIMENTO SINDICAL Justiça e estatal reprimem mobilização e petroleiros tiram greve nacional para o dia 23 João Zinclar

Aline Scarso de Paulínia (SP) DURANTE SETE longos dias, os trabalhadores da Refinaria de Paulínia (Replan), em São Paulo, cruzaram os braços contra o corte do extraturno – adicional recebido nos feriados trabalhados – aos admitidos depois de 1999. De forma radicalizada, o movimento, que durou da meianoite do dia 2 até às 19 horas do dia 8, diminuiu a produção da maior refinaria do país, responsável por 20% do abastecimento do mercado nacional de combustíveis, e reascendeu o movimento organizado de petroleiros. Estes têm agendada uma greve nacional para o dia 23, nas 17 bases sindicais. As duas entidades nacionais da categoria prometem, agora, dar sequência à luta. “Os bravos companheiros(as) da Replan dão o exemplo: é na luta que nossos direitos são conquistados e mantidos!”, exalta nota da Frente Nacional dos Petroleiros (FNP). Já a Federação Única dos Petroleiros (FUP) entende que “a suspensão do pagamento das horas-extras dos feriados trabalhados (extraturno) na Replan foi a gota d’água de uma série de ataques feitos pela Petrobras aos direitos dos trabalhadores”. Em comunicado, o Conselho Deliberativo da entidade indicou cinco dias de greve a partir do dia 23. A mobilização

Sob o sol abrasador (na semana mais quente dos últimos quatro anos na região de Campinas, SP), os petroleiros fizeram pipocar piquetes nas 14 portarias da refinaria. Muitos dormiam no local, dentro dos carros ou em

barracas, alimentando-se de “quentinhas” e lanches, voltando para casa somente para tomar banho. A resistência teve adesão de mais de 90% dos operários próprios da unidade, especialmente entre os trabalhadores mais novos, contratados em 2008 e conhecidos pelos veteranos como “borrachos”. Na refinaria, trabalham 1,1 mil trabalhadores concursados. A Petrobras respondeu rapidamente diante da movimentação, antes mesmo de decretado formalmente o início da greve. Prevendo a paralisação dos turnos posteriores, a empresa impediu os 72 trabalhadores do Grupo 5 de deixarem a refinaria logo após encerrado o turno de domingo (1º), às 15h30. A partir de então, seriam 43 horas de tensão, pressão e cárcere, sob a ameaça de perda do emprego por justa causa, caso os operários abandonassem o posto de trabalho. Perseguição judicial

Diante da situação, o Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro-SP) entrou com uma ação de habeas corpus na 2ª vara do Trabalho de Paulínia. O recurso, porém, foi negado pelo juiz federal do Trabalho, Álvaro dos Santos. Em processo, a excelência declarou que “parece natural” que trabalhadores “se disponham a manter o funcionamento desse sistema. Mais natural então, ainda, que estejam exaustos, preocupados e desanimados”. Para Santos, os trabalhadores não eram impedidos de sair da refinaria, o que havia era “uma evidente colaboração responsável. Com elevado custo pessoal, mas responsável”. O parecer do juiz foi corroborado após a visita de um

Trabalhadores na Replan: reação ao ataque da Petrobras a direitos trabalhistas

“Fomos obrigados a ficar, estávamos cansados, há 30 horas sem dormir”, relata funcionário

Quanto

90% dos operários da unidade aderiram à greve

oficial de Justiça, que visitou os setores da Replan indagando aos trabalhadores se sentiam-se em cárcere. “O oficial estava acompanhado de um dos gerentes e do jurídico da Petrobras. Era uma situação de coação, as pessoas não se sentiam à vontade para falar”, conta o trabalhador Alberto Fontes*.

Tortura

Setores como o Centro de Controle Integrado, composto por operadores conhecidos pela atuação em movimentos de greve, foram ignorados pela empresa e pe-

de Paulínia (SP)

Pressão

Trabalhadores terceirizados também foram obrigados a se juntar à equipe de contingência e realizaram funções diferentes das que estão capacitados. É o que relata Sandro Godoy*: “A Produman [empresa de manutenção] pediu para ficar. A gente, com medo de ser mandado embora, ficou. Perder o emprego é o maior medo do trabalhador. Mas não via a hora de ir embora”, rela-

ta o terceirizado, que, durante dois dias, abriu e fechou o reator. Houve coação da Petrobras também entre os trabalhadores concursados, com o envio de telegramas para suas casas, pressionando-os a voltar para o trabalho e alegando que o Sindicato estava servindo aos interesses de poucos trabalhadores. “É um grupo pequeno [o dos novatos e futuros], mas é um grupo que tem direito de receber o extraturno”, destaca Itamar Sanches, coordenador do Sindipetro-SP. (AS) *Nome fictício.

Operários barravam caminhões de comida e de produtos estratégicos para a produção tratégicos para a produção, como o gás nitrogênio. Um abaixo-assinado foi feito e endereçado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, exigindo que ele interviesse na situação. Alta tensão

Piqueteiros lançavam-se ao chão para impedir que

caminhões entrassem na refinaria. A Petrobras alugou pelo menos oito helicópteros para aumentar o efetivo e garantir a produção. Greve parecida não se via há tempos. A última foi a de 1995, tornando-se, inclusive, referência para o movimento sindical petroleiro e nacional. A radicalização obrigou a Petrobras a abrir negociações. Em reunião com representantes do sindicato em São Paulo, no dia 5, a empresa disse que pagaria o extraturno para os admitidos até 2007, excluindo os novatos e os futuros contratados. A proposta não foi aceita e, diante da recusa, não foi feita nenhuma outra. (AS)

No fim, a Justiça obstrui mobilização Desembargador federal impõe multa de R$ 50 mil

“Perder o emprego é o maior medo do trabalhador”, reconhece contratado O coordenador da regional de Campinas do Sindipetro, Danilo Silva, chama a atenção para o fato de que “os chefetas” exerceriam cargos de operadores na refinaria, função que conheciam, mas que não era executada há tempos. “Isso, somado ao cansaço, re-

No dia 4, o segundo da paralisação, em assembleia lotada, os terceirizados aprovaram por unanimidade greve de solidariedade aos petroleiros parados. Outras unidades do Brasil também manifestaram apoio, atrasando as atividades e reduzindo a emissão de permissões de trabalho (PTs) – autorização para execução de operações. O clima era de confraternização e combate nos piquetes. Operários escreviam em quadros o nome dos gerentes, supervisores e operadores que furavam a greve, barravam caminhões de comida e de produtos esAline Scarso

Depois de quase dois dias presos dentro da Refinaria de Paulínia (Replan), somente às 11 horas do dia 3 o Grupo 5 foi liberado das instalações da fábrica. Os trabalhadores foram recebidos em clima de euforia pelos grevistas, após negociação de entrada de uma equipe de contingência da Petrobras. O novo time foi formado fundamentalmente por gerentes e supervisores, conhecidos popularmente por “chefetas” e “pelegos”. Para eles, a situação seria ainda mais desesperadora, pois trabalhariam até às 19 horas do dia 7, totalizando cinco dias de confinamento.

*Nomes fictícios.

Grevistas montam piquetes e recebem apoios pelo país

Empresa obrigou trabalhadores a realizar funções diferentes daquelas para as quais foram capacitados vela o real compromisso da Petrobras com a segurança”, pontua.

biente era hostil, estressante. A ausência da família judia do peão. Estávamos confinados, dormindo pouco, cansados e com a responsabilidade de cuidar de uma refinaria.” Ainda abalado, o operador reforça a negligência da Petrobras, que optou por produção, e não por segurança. “A cada hora que passava, o cansaço aumentava e o estágio de vigilância naturalmente diminuía, colocando em risco a vida dos próprios trabalhadores e da comunidade circunvizinha”, explica.

O movimento se agudiza

Medo e coação espalhados entre os terceirizados de Paulínia (SP)

la Justiça. Dele fazia parte a operadora Luciana Lopes*. “Quando não saiu o habeas corpus foi duro, havia muita expectativa de ir embora. Fomos obrigados a ficar, estávamos cansados, há 30 horas sem dormir. Sabíamos que só poderíamos sair se a refinaria parasse ou outra equipe assumisse, porque havia risco de vazamento de gás e de incêndio. E isso é pior que cárcere privado, é tortura psicológica”, denuncia. O operário Alberto também relata que se sentiu numa sessão de tortura. “O am-

de Paulínia (SP)

Assembleia: segurança comprometida

Após reunião realizada no Ministério Público do Trabalho (MPT) de Campinas, no dia 6, a procuradora Renata Coelho Vieira entrou com ação contra a Petrobras para a retirada da equipe de contingência. O desembargador federal do Trabalho, Renato Buratto, a pedido do MTP, visitou a Replan e constatou a “condição degradante” dos funcionários da Petrobras, muitos dormindo em colchões espalha-

dos pelos setores. No entanto, ele exigiu o relaxamento dos piquetes, com a entrada de comida, pessoal de limpeza e caminhões de gás nitrogênio. Perto de entrar no oitavo dia de paralisação, no dia 8, Buratto decretou que cobraria pena de R$ 50 mil por cada pessoa ou veículo barrado pelos piqueteiros. A decisão ocorreu sob clima de revolta entre os trabalhadores, que se viram obrigados a suspender a greve. Ironicamente, seriam subtraídos da empre-

sa R$ 1 mil de cada funcionário mantido no grupo de contingência. “Foi revoltante”, sinaliza o coordenador regional do Sindipetro, Danilo Silva. Os trabalhadores, no entanto, não se sentiram derrotados. “Entro em greve mais uma vez se precisar. A Petrobras não pode tratar o trabalhador como se isso fosse um regime escravo”, afirma o “borracho” Pedro Gama*, que já trabalhou dois feriados sem receber o extraturno. (AS) *Nome fictício.




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brasil

Conservadorismo afasta Igreja Católica da realidade dos fiéis Juliana Leitão/Folha Imagem

RELIGIÃO Polêmica em dois casos recentes desnuda a dificuldade da instituição em se adaptar ao mundo atual RE

Frei Betto afirma que considera correta a conduta dos médicos que realizaram o aborto Fora da realidade Yury Puello Orozco, da coordenação da organização não-governamental Católicas pelo Direito de Decidir, explica que a Igreja se posiciona assim em situações emble-

Crianças pegam água de poça em pequena comunidade quilombola da Ilha de Marajó (PA)

O arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho

máticas porque está completamente distante do dia-a-dia das pessoas, fundamentando suas decisões em princípios abstratos que não condizem com a realidade. De igual modo, o frade dominicano Frei Betto considera que, em ambos os casos, pode-se perceber a dificuldade que a instituição tem de se adaptar ao mundo atual. Para ele, “a Igreja fica encastelada em seu principismo abstrato, sem considerar o que a teologia chama de ‘moral de situação’, a partir da realidade concreta”. Orozco defende que a Igreja Católica deve trabalhar no sentido de criar um discernimento entre seus fiéis, ao contrário de uma ruptura, agindo assim baseada nos princípios de misericórdia, consolo e acolhimento. Ela defende que, em casos como esses, “a última palavra não deveria ser da Igreja, e sim dos protagonistas do evento, fazendo uso da sua consciência e da sua fé”. Pensamento controverso Um fato que agravou a polêmica no caso da menina pernambucana foi o arcebispo não excomungar o padrasto da menina. De acordo com dom José, “ele cometeu um crime hediondo. [Mas] Mais grave do que isso é o aborto, eliminar uma vida inocente”, afirmou. Orozco considera uma vergonha que o arcebispo se declare assim: “É triste que ele condene uma criança, a mãe dessa criança e as pessoas que a ajudaram, e não o estuprador”, protesta. Orozco afirma que a Igreja Católica não conhece a realidade das mulheres e mantém uma posição machista em situações como esta. “A Igreja, que neste momento

já deveria ministrar os princípios evangélicos da misericórdia, do consolo, novamente mostra o castigo, o autoritarismo”. Frei Betto afirma que considera correta a conduta dos médicos que realizaram o aborto e defende que a posição da Igreja Católica deveria ser de perdão ao invés de condenação: “Comparo a atitude do arcebispo com a de Jesus diante da mulher adúltera... Que diferença! Jesus foi capaz de compreender, perdoar”, pondera.

Para Orozco, a reação da Igreja diante das declarações do padre Couto demonstram que ela não tem considerado questões como saúde pública, como no caso do uso de preservativos. Ela acrescenta que o direito de escolha deve ser garantido a todos, de modo que as pessoas optem segundo sua consciência. “Deus vai julgar os seres humanos pelo seguimento da sua consciência. Este recurso é respaldado, autorizado e explícito dentro do catecismo da Igreja Católica”, completa.

Dom Tomás explica que “a comunhão de adultos supõe liberdade, questionamento e busca”

Repercussão Dom Tomás teme agora que jovens seminaristas fiquem com medo de serem afastados do serviço eclesiástico por manifestar seus pontos de vista. Por outro lado, o bispo acredita que o caso pode ter efeitos positivos: “Espero que gere maior discernimento dentro da comunidade eclesial”. Orozco acredita que ambos os casos talvez contribuam para uma mudança no pensamento conservador da instituição por causa da ampla repercussão que tiveram. “Eu me atreveria a dizer que a Igreja sai perdendo. Existe um panorama de recusa e de indignação geral frente a esse posicionamento”, aposta. Da mesma forma, Frei Betto afirma que o conservadorismo católico contribui para que os fiéis busquem outras denominações religiosas, nas quais se sentem mais acolhidos pela compaixão, o perdão e a misericórdia divina, manifestados por meio de seus pastores. “A cada ano a Igreja Católica perde, no Brasil, 1% dos fiéis”, relata.

Liberdade de escolha Em relação à suspensão do padre Couto, dom Tomás Balduíno, bispo emérito de Goiás e conselheiro da Comissão Pastoral da Terra (CPT), defende que haja liberdade de pensamento dentro Igreja Católica. “Algo que está muito presente na caminhada da Igreja é esse pluralismo de pensamento, a diversidade dentro da comunhão”, afirma. Dom Tomás explica que isso “não significa que quem pensa dessa ou daquela maneira esteja rompendo com a comunhão. A comunhão de adultos supõe liberdade, questionamento, aprofundamento e busca”.

Sociedade manifesta opinião contrária Posição da Igreja Católica foi alvo de críticas de vários segmentos da Redação Diversas entidades e organizações sociais, muitas delas católicas, bem como membros do governo, se manifestaram contrárias ao posicionamento da Igreja Católica, tanto no caso da menina pernambucana como no do padre e deputado Luiz Couto (PT-PB). Através de declarações e da divulgação de notas de vários segmentos, pode-se notar uma forte reação da sociedade em relação ao modo como a direção da instituição sentenciou os dois casos. Menina pernambucana No caso da excomunhão dos participantes do aborto da menina pernambucana de 9 anos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que os médicos agiram corretamente e que, apesar de respeitar a posição da Igreja Católica,

Brasil arcaico Todo mundo sabe que o governador do Maranhão, Jackson Lago, tem uma vida política marcada por seriedade e honestidade. É a história dele. Todo mundo sabe que a família Sarney tem exercido o domínio daquele Estado na base de negociatas políticas e administrativas, com corrupção das grossas. Por isso mesmo o Tribunal Superior Eleitoral cassou Jackson Lago para entregar o governo maranhense para Roseana Sarney. Com a bênção de quem? Ataque cultural Com suas terras reconhecidas desde 2000, os quilombolas de Alcântara, no Maranhão, continuam perseguidos pela Empresa Binacional Alcântara Cyclone Space, que invade o território da comunidade e força a remoção de famílias. A ação nefasta da empresa já causou danos culturais e ambientais irreparáveis. As entidades dos quilombolas pedem socorro às autoridades estaduais e federais.

Michelle Amaral da Redação O POSICIONAMENTO conservador adotado pela Igreja Católica diante de dois casos recentes gerou grande polêmica e trouxe à tona o debate sobre a forma como ela trata assuntos atuais que incidem diretamente na vida da sociedade contemporânea. No dia 25 de fevereiro, tornou-se público o caso da menina pernambucana de 9 anos que foi violentada por seu padastro e acabou grávida de gêmeos. Com direito garantido por lei e para preservar a saúde da menina, sua mãe decidiu pelo aborto, realizado no dia 4 por uma junta médica do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), em Recife. No entanto, além da violência brutal sofrida por ela, outro fato que chamou a atenção da sociedade foi a reação da Igreja Católica em relação ao caso. O arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, determinou a excomunhão da mãe e dos médicos que realizaram o aborto da menina. Para ele, a excomunhão foi dada porque houve desrespeito a uma lei católica: “não matarás”. Outro caso bastante emblemático também ocorreu no dia 25 de fevereiro. O arcebispo da Paraíba, dom Aldo di Cillo Pagotto, suspendeu o uso de Ordem do padre e deputado Luiz Couto (PT-PB). O motivo foi uma entrevista concedida pelo padre na qual questionava o celibato e defendia o uso de camisinhas e o combate à intolerância e à discriminação de homossexuais. Segundo dom Aldo, a posição “provoca confusão entre os fiéis cristãos e contraria as orientações doutrinais, éticas e morais sustentadas pela Igreja”. Dessa forma, o padre Couto está impedido de realizar atividades próprias de um sacerdote, como celebrar missas, até que se retrate publicamente.

fatos em foco

Hamilton Octavio de Souza

considera-a conservadora. Da mesma forma, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, classificou como radical e inadequada a posição do arcebispo. “Fiquei impactado pelos dois eventos, pela agressão contra essa menina e pela reação da Igreja. A postura da Igreja é retórica e não tem respaldo no Judiciário. A Igreja tem uma opinião, mas a saúde trabalha em defesa da vida”, afirmou. O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher declarou solidariedade à equipe médica que realizou o aborto e criticou a reação da Igreja Católica. “Manifestamos nosso repúdio à ingerência da Igreja Católica, que tentou inviabilizar o atendimento a essa menina, atendimento esse que obedece a uma política pública de saúde amparada em lei”, conforme nota. No entanto, o chefe do departamento do Conselho Pontifício para a Família do Vaticano, Gian-

“Luiz Couto tem sido um incansável defensor dos direitos humanos, da cidadania e da justiça social” franco Grieco, declarou-se favorável à excomunhão. Para ele, a Igreja não pode trair o princípio de defesa da vida. “É muito delicado, mas a Igreja nunca pode trair o seu anúncio, que é defender a vida desde a concepção até à morte natural, mesmo em face de um drama humano tão forte como o da violência de uma criança”, argumentou. Padre Couto Entidades católicas e personalidades políticas manifestaram apoio

ao deputado Luiz Couto. Ele é padre há mais de 30 anos e foi eleito, pela segunda vez, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara de Deputados no dia 4. O presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini, divulgou nota em que se solidariza com a situação vivida pelo padre e afirma que “Luiz Couto tem sido um incansável defensor dos direitos humanos, da cidadania e da justiça social”. A Comissão Pastoral da Terra também enviou nota de solidariedade, afirmando que o padre é um “sacerdote fiel ao seu Ministério, se colocando a serviço dos pobres e excluídos, sendo um grande defensor dos direitos humanos”. O comunicado ainda destaca sua atuação política no combate à violência contra as pessoas como relator da CPI da Prostituição Infanto-Juvenil. (MA)

Crime político O líder dos moradores da Terra do Sol, uma ocupação na zona oeste do Rio de Janeiro, foi assassinado no dia 4, com três tiros, aparentemente sem testemunhas, em frente à sede da associação. As famílias que moram na Terra do Sol já vinham sendo ameaçadas pela prefeitura municipal e pela Polícia Militar desde meados de 2008. As autoridades não se manifestaram sobre o crime. Manobra eleitoral A invasão da favela de Paraisópolis pela Polícia Militar, em São Paulo, sob o pretexto de combater o crime organizado, visa não apenas intimidar a comunidade e proteger os ricos moradores dos condomínios de luxo do Morumbi, mas também envolver algumas lideranças locais com a candidatura presidencial de José Serra (PSDB). O Estado e a prefeitura vão fazer uma “virada cultural” dentro da favela. Sem pudor Ao assumir o controle acionário da Universidade Ibirapuera, de São Paulo, o empresário José Campos de Andrade, proprietário de escolas no Paraná e em Brasília, não teve o menor pudor em afirmar para a imprensa que vai mudar o perfil da instituição: “Não quero universidade barata, nós somos elite”. Está aí um exemplo de mercenário-modelo do ensino superior no Brasil, geralmente bajulado pelo MEC. Modelo atrasado A revista britânica The Economist, considerada a bíblia do capitalismo mundial, publicou no dia 6 uma curiosa versão de que o Brasil, na sua visão, não sofreu com a crise mundial até agora porque a “indolência” do Estado brasileiro atrasou o desenvolvimento econômico do país. A revista se esqueceu de dizer que o Estado, aqui, foi moldado para favorecer o capital. Especialmente o estrangeiro! Crise existencial A crise econômica mundial está dando nó na cabeça de muitos liberais, especialmente depois que o governo dos Estados Unidos praticamente estatizou o CitiBank e o governo da Inglaterra assumiu o controle de dois dos maiores bancos do Reino Unido, o RBS e o Lloyds. Já tem liberal achando que esses países aderiram ao comunismo. Na verdade, o que estão fazendo é socializar os prejuízos, algo típico do capitalismo. Marolinha brasileira Considerada pelo presidente Lula apenas uma “marolinha”, a crise econômica continua fazendo estragos no Brasil, como aumento do desemprego, redução da produção industrial, aumento da inadimplência – o que tem levado a novas revisões na taxa de crescimento deste ano, que já foi de mais de 5%, baixou para 4%, chegou a 3,5% e agora está em 2%. Onde vai parar ninguém sabe. Reestatização já De acordo com a Agência Petroleira de Notícias, a 2ª Plenária Nacional da Campanha “O Petróleo Tem que Ser Nosso”, realizada no Rio de Janeiro no dia 2, com a participação de mais de 100 representantes de entidades nacionais, defendeu a reestatização da Petrobras e rejeitou a criação de uma nova empresa exclusiva para o pré-sal. A luta continua com nova plenária em maio.


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brasil

Crise e agronegócio pautam jornada MULHERES Com protestos e ações em quatro regiões do país, mulheres da Via Campesina denunciaram, no dia 8 de março, os impactos do agronegócio no campo e o apoio do governo brasileiro às empresas afetadas pela crise Patrícia Benvenuti da Redação CAMPONESAS DE todo o país realizaram protestos e ações para denunciar a expansão do agronegócio e os incentivos do governo brasileiro para empresas transnacionais em plena crise financeira. As mobilizações fazem parte da Jornada Nacional de Luta contra o Agronegócio e em Defesa da Reforma Agrária e da Soberania Alimentar, que acontece todos os anos para celebrar o 8 de março, Dia Internacional de Luta da Mulher. Marina dos Santos, da coordenação nacional da Via Campesina Brasil, explica que o objetivo da Jornada, este ano, foi alertar a população sobre os prejuízos do modelo econômico que predomina no campo, baseado no latifúndio e na exportação, especialmente para os camponeses. “Esse modelo tem trazido várias consequências para a sociedade brasileira, seja na questão do trabalho escravo, da degradação e destruição ambiental, na liberação de sementes transgênicas ou da produção dos monocultivos com prioridade para exportação, que não deixam espaço e terra suficientes para a produção de alimentos no Brasil”, afirma. As ações das trabalhadoras também foram uma crítica ao apoio que o governo vem oferecendo aos grandes empresários afetados pela crise econômica, sobretudo àqueles ligados ao latifúndio, o que colabora, segundo Marina, para a manutenção do sistema capitalista. “Esse modelo de desenvolvimento que está aí é fortalecido e sustentado pelo Estado brasileiro, que está se colocando a serviço de salvar as empresas através de recursos públicos, com financiamento do BNDES”, denuncia. As verbas públicas para o agronegócio, no entanto, não foram suficientes para impe-

João Zinclar

dir o desemprego no setor, o segundo mais afetado até agora pela crise. De acordo com o Ministério da Agricultura, apenas em dezembro de 2008 foram 134 mil demissões no campo. Para evitar mais prejuízos para os trabalhadores rurais, Marina reforça a necessidade de outra postura por parte do governo, que seja voltada para as necessidades da população e não para os interesses de geração de lucro. “O Estado brasileiro, nesse momento em especial de crise que a humanidade está vivendo, tem que se colocar a serviço da reforma agrária, da produção de alimentos, da valorização da semente crioula, que, historicamente, esteve na mão dos camponeses”, argumenta. Mulheres, as mais afetadas

A jornada também debateu as consequências do agronegócio para as camponesas, que, de acordo com Marina, arcam com os maiores prejuízos. “As mulheres, na nossa visão, são as que pagam a conta mais cara, pela falta de educação no campo, pela falta de políticas públicas voltadas à saúde, pelas condições de trabalho e carga de trabalho e, principalmente, pelas necessidades em torno dos filhos”, explica. Em relação ao desemprego no meio rural, as mulheres também são as mais atingidas, principalmente em regiões onde há predomínio de monocultivos. Ana Soares, da coordenação da Via Campesina no Rio Grande do Sul, lembra que, além dessas lavouras gerarem poucos empregos, os poucos postos de trabalho são destinados a homens, restando às mulheres poucas opções. “O único papel que tem para as mulheres nesse meio é a prostituição ou ficar no espaço privado de fazer tarefas de casa. E nós compreendemos que nós temos uma tarefa, sim, que é a de produzir ali-

Cerca de 600 trabalhadoras ocuparam área canavieira do grupo Cosan em Barra Bonita, São Paulo

mentos”, argumenta. Ações positivas

As denúncias da Via Campesina também foram levadas ao diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), Jacques Diouf, que convidou um grupo de mulheres para discutir as propostas da organização para o campo brasileiro. Para Marina dos Santos, o encontro foi uma garantia a mais de que as mobilizações deste ano cumpriram seu papel, que foi levar à população um debate acerca do agronegócio e da atuação das transnacionais, questões que não têm espaço na grande mídia. “Foi uma jornada positiva, com um saldo importante para toda a sociedade, não só para os movimentos sociais do campo”, analisa.

De acordo com ela, o sucesso da Jornada deste ano atesta a importância e a efetividade das mobilizações das camponesas em torno do Dia Internacional da Mulher, especialmente a partir de 2006, quando 2 mil integrantes da Via Campesina ocuparam um horto florestal da Aracruz Celulose em Barra do Ribeiro, Região Metropolitana de Porto Alegre (RS). A ação, que repercutiu mundialmente, serviu, na sua avaliação, para que as camponesas brasileiras resgatassem o 8 de março como um dia de luta. “A partir daí está sendo um movimento crescente a cada ano, e há um envolvimento maior das mulheres, garantindo também esse processo de autonomia para serem realizadas as ações e as jornadas em torno do 8 de março”, avalia.

ANÁLISE

As mulheres e o 8 de março. Um manifesto pelo direito de desobedecer Antonio Cechin e Jacques Távora Alfonsin Entre os protestos que as mulheres campesinas estão fazendo para celebrar o Dia Internacional da Mulher, foram encaminhadas cinco cartas abertas, endereçadas ao presidente do Tribunal de Justiça do Estado, ao presidente do Tribunal Regional Federal, ao procurador-geral de Justiça, ao procuradorchefe da Procuradoria Regional da República da 4ª Região e à secretária de Educação do Estado. É notável o fato de que, em todas essas cartas, as violências das quais elas se queixam – com provas significativas de violações flagrantes dos seus direitos humanos fundamentais, relacionadas com acontecimentos recentes ocorridos aqui no Estado – não receberam atenção pronta de nenhum daqueles órgãos públicos administrados pelos destinatários dessas queixas. Junto aos Tribunais de Justiça, entre outras coisas, se queixaram do fato de que os conflitos agrários submetidos a Juízo nunca ultrapassam o exame superficial do título de propriedade da terra, sem considerar o que a Constituição Federal, o Estatuto da Terra e da Cidade dispõem, a respeito da função social de um bem como a terra, indispensável à preservação do meio ambiente e da vida de toda a população. Do

procurador-geral de Justiça, que comanda os promotores de Justiça do Estado, além de denunciarem a perseguição sistemática que os mesmos estão fazendo contra as(os) agricultoras(es) sem- terra, cobraram as razões pelas quais não se fornece informação sobre o andamento das denúncias que os movimentos sociais fazem contra os abusos de autoridade praticados contra as suas lideranças e seus outros integrantes, de modo particular pela Polícia Militar do Estado. Do procurador-chefe da Procuradoria Regional da República da 4ª Região, exigiram um posicionamento claro sobre a grave ameaça que pesa sobre o território e a gente daqui, no referente às agressões ao meio ambiente e à pretensão das transnacionais de diminuir a nossa faixa de fronteira, para facilitar a sua avara sede de lucro, em prejuízo da biodiversidade, da terra destinada à alimentação e à moradia. Para a secretária de Educação do Estado, as mães campesinas mostraram o irreparável prejuízo que suas filhas e seus filhos estão sofrendo com o fechamento das escolas itinerantes que o MST mantinha. É sabido que tais escolas funcionavam com apoio expresso do próprio Conselho Estadual de Educação, reconhecendo-se o fato de que, por força da própria perseguição que as(os) sem-terra sofrem por parte dos latifundiários, da mídia e do próprio Poder

Público, eles têm de mudar de lugar a toda hora. Como se sabe, “em plena luta pela redução da jornada de trabalho para 10 horas (!...), 129 tecelãs da Fábrica de Tecidos Cotton, em Nova York, cruzaram os braços, na primeira greve americana conduzida exclusivamente por mulheres, no dia 8 de março de 1857. Cercadas pela polícia, foram encerradas dentro da fábrica, na qual patrões e policiais atearam fogo. Morreram carbonizadas.” Pelo jeito, a memória vergonhosa desse fato ainda não sensibilizou o Poder Público do Estado, pela primeira vez governado por uma mulher. Quando esse poder somente se relaciona com o povo através das violentas repressões da polícia, não é que esteja sendo infiel somente aos fundamentos de um Estado que se pretende democrático e de direito, entre eles o da cidadania e o da dignidade humana, previstos na Constituição Federal em seu primeiro artigo – ele está sendo infiel à sua própria origem, que não é outra senão a de respeitar a soberania desse mesmo povo, reconhecida no mesmo artigo. É aí que falta a legitimidade para a legalidade, abrindo-se a chance não para a possibilidade, mas sim para o dever de desobedecer, como as mulheres campesinas já fizeram na Barra de Ribeiro e acabam de fazer em Candiota: “Atingir-se-á o “ponto do não-direito” quando a contradição entre as leis e medi-

das jurídicas do Estado e os princípios de justiça (igualdade, liberdade, dignidade da pessoa humana) se revelarem de tal modo insuportável (critério de insuportabilidade) que outro remédio não haverá senão o de considerar tais leis e medidas como injustas, celeradas e arbitrárias e, por isso, legitimadoras da última razão ou do último recurso ao dispor das mulheres e homens empenhados na luta pelos direitos humanos, a justiça e o direito: o direito de resistência, individual e coletivo.” Pelo testemunho dessas campesinas na celebração do 8 de março, o fato de recordarem o martírio massivo e cruel das tecelãs queimadas em 1857 indica que elas conhecem muito bem as causas e os responsáveis por aquelas mortes. Não permitirão que isso aqui se repita, nem sob o fogo ideológico do disfarce com que a opressão costuma passar por “natural” o sacrifício intolerável que ela impõe a quem defende a justiça, a liberdade, a paz e a vida com dignidade . Antonio Cechin é irmão marista, advogado, especialista em catequese e um dos fundadores da Pastoral da Terra no Rio Grande do Sul. Jacques Alfosin é procurador do Estado aposentado, jurista, advogado dos movimentos populares. Laureado com a medalha Farroupilha, da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.

Ações denunciam monocultivos e trabalho escravo Marchas e ocupações fazem parte das mobilizações da Via Campesina da Redação As ações das mulheres da Via Campesina foram realizadas nas regiões Centrooeste, Sudeste, Sul e Nordeste, pautando principalmente os impactos sociais e ambientais causados pelo agronegócio e pela atuação das transnacionais. Em Brasília (DF), 800 mulheres da Via Campesina ocuparam o prédio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) como protesto contra a política agrária do governo. O ato também lembrou o fechamento das escolas itinerantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais

No Rio Grande do Sul, os impactos do plantio comercial de eucalipto para produção de celulose também foram o eixo das mobilizações Sem Terra (MST) no Rio Grande do Sul, por determinação do Ministério Público Estadual e do governo de Yeda Crusius (PSDB). Em São Paulo, cerca de 600 trabalhadoras ocuparam, na manhã do dia 9, uma área do Grupo Cosan no município de Barra Bonita, na região de Jaú, para expor os impactos ambientais e sociais do agronegócio no Estado, sobretudo por parte do setor sucroalcooleiro. No Espírito Santo, 1,3 mil mulheres ocuparam, também no dia 9, o porto de exportações da empresa Aracruz Celulose (Portocel) em Barra do Riacho, no município de Aracruz, para denunciar a concentração de terras da empresa, utilizadas para plantio de eucalipto, e o re-

passe de verbas públicas para a transnacional. No Rio Grande do Sul, os impactos do plantio comercial de eucalipto para produção de celulose também foram o eixo das mobilizações. No dia 9, cerca de 700 mulheres da Via Campesina ocuparam a Fazenda Ana Paula, no município de Candiota, de propriedade da Votorantim Celulose e Papel (VCP), realizando o corte de eucalipto no local. No dia 10, agricultores assentados no entorno cortaram mais eucaliptos na fazenda, em apoio à ação das camponesas. Em Porto Alegre, 800 integrantes da Via Campesina e do Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD) marcharam em direção ao prédio do Ministério da Justiça pedindo o fim da violência contra as mulheres. No Paraná, 1,2 mil trabalhadoras participaram de debates no Centro Comunitário da prefeitura de Porecatu, norte do Estado e, no dia 8, realizaram uma marcha no centro da cidade. Entre as reivindicações estavam o assentamento de 6 mil famílias que permanecem nos cerca de 65 acampamentos do Estado e a desapropriação da Fazenda Variante, do grupo Atalla, que fica no município de Porecatu. O alvo dos protestos em Pernambuco foram as usinas de cana-de-açúcar e o trabalho escravo. Dia 9, cerca de 200 camponesas fizeram um ato na Usina Cruangi, em Aliança, Zona da Mata Norte de Pernambuco, onde, em fevereiro deste ano, fiscais resgataram 252 trabalhadores. Em Petrolina, no sertão pernambucano, as camponesas realizaram uma manifestação na Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codefasv) para protestar contra o descaso dos órgãos públicos em relação aos trabalhadores rurais. No Maranhão, as mulheres destruíram, dia 9, uma produção de eucalipto em uma fazenda da Vale em Açailândia, em repúdio ao avanço da monocultura na região. (PB)


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cultura Foi em mil novicento E nove que vim ao mundo Meus pai naquele momento Tivero um prazê profundo Foi na Serra de Santana Em uma rede chopana Humilde e mudesto lá Foi aqui onde nasci E a cinco de março vi Os raio da luz solá Patativa do Assaré

O tradutor centenário dos sertanejos 100 ANOS Patativa do Assaré transformou “coisas complexas para um código de comunicação que fosse compreensivo para o seu povo” Eduardo Sales de Lima da Redação No dia 5 completaram-se os 100 anos de nascimento de Patativa do Assaré, um poeta que construiu a si mesmo e desenvolveu uma poesia valorizando o sujeito popular. Leitor ferrenho de clássicos da literatura portuguesa, não seguiu metodologias acadêmicas para elaborar seus versos, e sim sua sensibilidade. O que talhou uma arte para ter, entre outras funções, a de enfrentar as injustiças sociais, sem que sua riqueza estética ficasse abalada. “O Patativa virou um tradutor do mundo. Ele se inquietava com tudo o que via e imediatamente passava a comunicar aquilo”, afirma Luiz Tadeu Feitosa, antigo amigo e estudioso da obra do autor. Como explica, o poeta transformou “coisas complexas para um código de comunicação que fosse compreensivo para o seu povo”. Também conhecido como “poeta cidadão”, Patativa vai na contramão de outros escritores, considerados eruditos pela universidade, pela academia. O crítico literário Má-

rio Chamie já lembrava pouco depois da morte de Patativa: “Enquanto um Guimarães Rosa, um João Cabral de Melo Neto e outros escritores eruditos convertem a matéria-prima da tradição oral em alta literatura, Patativa faz o inverso; serve-se da literatura erudita para enunciar uma linguagem de comunicação direta”. Para ouvir A oralidade dos versos, característica acentuada do sertanejo e presente desde a “meninice” de Patativa, nos remete para o fato de que sua poesia, apesar de conter estilo e métrica, sempre foi construída para ser ouvida. Uma característica produzida pela próprio modo de aprender do menino agricultor da Serra de Santana (zona rural de Assaré, no Ceará). Patativa foi “alfabetizado pela voz, não pela letra”, lembra Feitosa, que também é professor de jornalismo na Universidade Federal do Ceará (UFC). Não à toa, ele recebeu como apelido o nome do “Patativa”, pássaro cantador do nordeste, no período em que visitou Belém (PA), nos anos de 1930.

“O que incomoda é a pobreza: não a dos versos, mas a do autor deles” Um anseio do poeta era o de que o sertanejo se reconhecesse por meio da produção cultural local, e não pelo que pessoas de outras regiões do Brasil falavam sobre ele. Uma parte do poe-

ma “Cante lá que eu canto cá” mostra isso: “A cidade que é sua / Que eu canto o sertão, que é meu”. Segundo Feitosa, o poeta compreendia muito bem o modo preferencial que a mídia eletrônica e outros meios de comunicação utilizava ao falar do sertão, com “olhar estrangeiro”. “Ele leu Os Sertões, de Euclides da Cunha, e se impressionou, por exemplo, com a primeira parte do livro, que de forma muito competente falava da ecologia, da geografia do sertão. Mas na hora em que ele começa a falar do povo e da luta, como paulista que era, não havia como retratar esse povo com o código que formava a sua pessoa; é o olhar do outro”, explica Feitosa. Doutô? O poeta frequentou a escola somente por seis meses. Entretanto, por iniciativa própria, leu inúmeras obras clássicas, dentre elas, as de Luiz de Camões e de Bocage. Considerava Castro Alves como seu grande mestre. O cearense chegou a ler o Tratado de Versificação, escrito pelos parnasianos Olavo Bilac e Guimarães Passos. Agraciado com o título de Doutor Honoris Causa em três universidades públicas do Ceará, Patativa foi estudado por universidades na França e na Inglaterra. Mas sua relação com clássicos, eruditos e mesmo com a academia para por aí. Patativa optou por chamar a si mesmo de “poeta matuto”. Segundo Feitosa, era uma forma desdenhosa de o próprio poeta tratar essas instâncias. “A academia acha que para ser o cânone literário ou poético tem que

passar pelas bancadas acadêmicas, e isso não é verdade. Porque todos os antropólogos sabem que existem formas distintas de sabedoria”, afirma Feitosa. Outra coisa. Por ter sido alfabetizado pela voz e não pela letra, e posteriormante por transmitir sua arte também pela voz, acadêmicos o classificaram como sendo um poeta analfabeto. Mas tal preconceito “faz parte do processo civilizatório, em que as hegemonias arbitram os padrões que uma sociedade deve seguir”, como explica Feitosa. Para o pesquisador, Patativa não precisa desses cânones, da representação materialista, romântica, regionalista para subsidiar sua licença poética, “diferente dos poetas de bancada, que precisavam do modelo e da metodologia da criação poética para fazer poesia; ele não. Tudo porque ele é gênio”, atesta. Mas o que impede a academia de considerar Patativa tão poeta quanto João Cabral de Mello Neto? Como acrescentou outro pesquisador da obra de Patativa, Cláudio Henrique Sales Andrade, “o que incomoda é a pobreza: não a dos versos, mas a do autor deles”. Injustiça social A temática da luta social é um mote recorrente na poesia de Patativa. Segundo seu antigo amigo, Luiz Tadeu Feitosa, a proximidade do poeta com a natureza contou como um fator fundamental para esse aprofundamento temático. “Ele via na retidão da natureza a antipodia, o contrário das relações sociais. Numa coisa aparentemente simples, havia um fundamento filosófico imenso; era dizer que

cada pássaro tinha seu ninho para habitar e seu ‘pedaço’ de espaço para voar”. Nessa perspectiva, segundo Feitosa, ele questionava o porquê de nem todos os sertanejos terem seu “pedaço” de chão, seu “pedaço” de emprego. A partir dessa compreensão da natureza, o poeta buscava a correção do social. “Não é por outro motivo que ele abraçou todas as causas dos excluídos e todas as ideologias de esquerda que, com seriedade, buscavam essa democratização do saber, da igualdade”, completa.

No leito de morte, Patativa desejou que sua obra fosse estudada pelas crianças: “como é na escola, não; queria que estudassem para ser refletido” Uma característica forte da personalidade do “poeta cidadão” foi a coragem com que desenvolveu seu versos em meio ao coronelismo regional. Considerado uma pessoa avançada por seus estudiosos, com mais influências do cristianismo que de ideias marxistas, sofreu mas se rebelou contra a injustiça no campo. Em um de seus poemas escreveu: “Prucausa de nós sofrê/ Iguá ao boi mamjarra / Samo obrigado a fazê / Reforma Agrara na marra”.

Segundo Gilmar de Carvalho, biógrafo e também antigo amigo do poeta, o tratamento especial à questão agrária proveio da forte sensibilidade de Patativa, que sempre foi agricultor, em relação à concentração de terras, seja na região do sul do Ceará, seja no Brasil inteiro. Para ele, a orientação política de poeta não comprometeu sua poesia. “Isso não fez com que perdesse a qualidade estilística”, afirmou Gilmar à reportagem, então presente na Bienal do Livro do Ceará, realizada em novembro de 2008. Último desejo “Eu não pude dizer isso na minha tese, senão não poderia ter defendido. Mas não tenho a menor dúvida de que, ainda sem ter leitura sobre o assunto, que havia naquilo inspiração divina, transcendental”, atesta Feitosa. O pesquisador se explica, afirmando “que só quem conheceu de perto Patativa e viu as formas impressionantes de criar a todo instante, sem parar, é que pode dar conta de uma poesia dessa”. Inspirado até em seu leito de morte, Patativa pediu à Luiz Tadeu Feitosa que retransmitisse seu último desejo, menos de poeta, e mais de cidadão: que sua obra pudesse ser estudada, sobretudo, pelas crianças nas escolas. “E ainda disse mais, o que, certamente, faria com que Paulo Freire lhe tivesse dado um beijo no cangote: ‘mas eu não quero que seja estudado como é na escola, não, estudar para fazer prova, estudar para ser cobrado; eu queria que estudassem para ser refletido’”. (Com informações da Repórter Brasil)

Arquivo Luiz Tadeu Feitosa

O “Sinhozinho” de Belinha Para Inês, filha do poeta, pai era protetor da Redação Foi na cidade de Assaré (CE) que, em 5 de março de 1909, nasceu Antônio Gonçalves da Silva. E lá morreu, com 93 anos, no dia 8 de julho de 2002. O poeta era chamado por Dona Belinha e por toda a família de “sinhozinho”. Sempre morou na Serra de Santana, zona rural localizada a 18 quilômetros do município. Por amor à esposa “Belinha” (Belarmina Paes Cidrão), entretanto, se mudou da serra para o município de Assaré somente aos 70 anos. Ela era muito religiosa e queria morar mais próxima à Igreja. Luiz Tadeu Feitosa, amigo da família, conta que o relacionamento do poeta com a mulher era “algo que não se vê em lugar nenhum”. Além de Belinha, todos os filhos de Patati-

va tinham um apreço grande pelo pai, entre eles Inês Cidrão Alencar. Ela recorda que, muitas vezes, lia alguns poemas de Patativa só para ele ouvir, porque sentia prazer em escutá-la. Segundo ela, nos quatro anos que antecederam a morte de sua mãe, Belinha, em 1994, em três ocasiões, mesmo com dificuldades de se comunicar por já ter sofrido um derrame, a esposa de Patativa o havia chamado de “sinhozinho”. “Depois da morte dela, ele ficou muito triste e se trancou no quarto. Ele ficou lá, sozinho, e só abriu a porta quando as filhas chegaram”, conta. Inês, hoje com 70 anos, ressalta que seu pai foi bom e ainda o é, devido aos benefícios financeiros que suas obras ainda trazem à família. Ela explica que toda a quantia financeira que chega ao Memorial Patativa do Assaré serve para mantê-lo; mas o restante é repartido entre os filhos. (ESL)

Em São Paulo, Casa das Rosas celebra cem anos de Patativa De 7 de março a 5 de abril, a Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura –, em São Paulo (SP), vai expor obras literárias e acervos fonográficos e fotográficos de Patativa. Paralelamente, ocorrerão palestras sobre a vida e a obra do poeta, oficinas de xilogravura e repentismo. A xilogravura nos cordéis, com Valdeck de Garanhuns 14 de março, às 20 horas Patativa do Assaré e o reino da cantoria, com Assis Ângelo 21 de março, às 20 horas Literatura de cordel para jovens e crianças e lançamento do livro O Valente Domador, com César Obeid 28 de março, às 17 horas Ideias para a discussão de uma poética popular, com Ricardo Azevedo 28 de março, às 20 horas Oficinas de xilogravura, com Nireuda Longobardi 12, 19 e 26 de março, das 16 às 18 horas Repentistas na hora do almoço, com Sebastião Marinho e Luzivan Mathias 13, 20 e 27 de março, das 12h30 às 13h10


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américa latina

Esquerda em El Salvador: entre dólares e colones, a antiga moeda Divulgação

AMÉRICA CENTRAL Nas eleições do dia 15, candidato da FMLN disputa economia dependente e dolarizada Venâncio de Oliveira e Pedro Carrano de San Salvador (El Salvador) e Curitiba (PR) UM COMERCIANTE grita num canto da rua: “a libra de uva custa 1 dólar”. O vendedor é ambulante. A moeda, estadunidense. Eis a realidade em El Salvador. O papel cunhado por autoridades dos Estados Unidos é o dinheiro vigente no menor país da América Central. No ano 2000, o partido do governo, Arena, com a desculpa de criar o bimonetarismo, quando circulariam dólares e colones (antiga moeda salvadorenha), gradualmente tirou do mercado o dinheiro nacional e proibiu o Banco Central de fabricá-lo. Nem por isso El Salvador virou um país mais rico. A burguesia escolheu o caminho fácil: o de sócio menor dos capitais estadunidenses. Antes, a elite salvadorenha investia na produção agrícola e industrial. Mas a dolarização facilitou a sua vida. A dependência é menos arriscada e lucrativa: acenaram para a importação. O governo da Arena dedicouse a importar insumos para a agricultura, cobrando elevados preços dos camponeses. Com facilidades, passaram a comprar os produtos no exterior, como milho e arroz estadunidense subsidiado, e vender no próprio solo. A produção camponesa foi destruída e a migração se acentuou.

O comunicador Maurício Funes apresenta um discurso de mudança segura A economia do país sustentou-se na superexploração das fábricas maquiladoras e na dependência das remessas dos migrantes que trabalham no EUA. As chamadas “maquilas”, uma das apostas da década de 1990, hoje têm como resultado demissões em massa. A conta corrente do país é pressionada pelas importações das maquiladoras e de alimen-

tos: as “fábricas” importam tudo o que compram e exportam suas vendas. Eleições É a partir dessa linha histórica que o candidato de esquerda da histórica Frente de Libertação Nacional Farabundo Martí (FMLN) tem reais possibilidades de vitória nas eleições do dia 15. O comunicador Maurício Funes apresenta um discurso de mudança segura, com a pauta de fábricas maquiladoras mais humanas e a manutenção dos Tratados de Livre Comércio (TLCs) entre a América Central e os Estados Unidos. Ao mesmo tempo, em sua plataforma, declara-se defensor de maior intervenção estatal e da construção de um mercado interno centro-americano. A vitória da Frente demarcaria um ciclo que coincide com a experiência da Frente Sandinista, na Nicarágua, e do Partido dos Trabalhadores, no Brasil: partidos combativos nos anos de 1970 ou 1980, sínteses da classe trabalhadora, com amplo apoio das massas, que chegam ao governo quando a estratégia volta-se para a gestão do capital, em meio ao refluxo das lutas sociais. Em El Salvador, no contexto atual, há uma grande imobilidade dos movimentos sociais, o que se reflete na pouca movimentação nas ruas, que aponta para além do período eleitoral. Partido da ditadura A campanha de Funes esteve centrada em transmitir confiança a empresários e investidores estadunidenses. Antiga frente guerrilheira, a FMLN aposta na tática de derrotar a direita com um discurso semelhante, para diferenciarse na prática. A partir da assinatura dos Acordos de Paz, em 1992, o Partido Comunista (uma das organizações históricas em El Salvador) divide-se. O campo que permanece dentro da FMLN consegue, em 2004, lançar o nome do militante histórico Jorge Shaffic Handal para a presidência. Já neste ano, ao contrário, o nome de Funes, jornalista não orgânico à esquerda, revela uma hegemonia do núcleo conservador do partido.

Maurício Funes em campanha: discurso semelhante ao da direita para diferenciar-se na prática

Rodrigo Avila, candidato da Arena, é um antigo comando do exército paramilitar da época da guerra civil, os conhecidos “esquadrões da morte”. Seu discurso conflui para a criminalização agressiva da esquerda. Desde o ano 2000, o país teve aprovada a lei “antiterrorista”. Organizações como a Tendência Revolucionária (TR), ligada a movimentos sociais de luta contra barragens e mineradoras, defendem que a vitória da FMLN tem dois aspectos: o primeiro, derrotar o partido histórico da ditadura. O outro, ver a estratégia da Frente à prova. São 70 anos de ditadura de um mesmo grupo político e exploração em El Salvador. Mas os estragos causados ao país aprofundaram-se na década de 1990. A renda média do trabalhador salvadorenho não alcança o preço da cesta básica. O salário em maquiladoras foi a 167,1 dólares em dezembro de 2008, 9,37% mais baixo do que a cesta básica do mesmo período, que esteve em 176,47 dólares. Os dados da cesta básica ampliada (saúde, educação e água) fazem do discurso de progresso da Arena um texto de realismo fantástico. Neste ano, o preço está em 758,02 dólares.

Os ciclos do movimento de massas

Na América Central, a atual conjuntura pauta novas lutas A margem do enfrentamento institucional, movimentos sociais combatem a construção de barragens e mineradoras de San Salvador (El Salvador) e Curitiba (PR) Novos enfrentamentos estão ocorrendo em El Salvador, à margem da luta centrada na questão institucional. A partir do enfrentamento concreto e da demanda dos trabalhadores e camponeses, novas lutas estão surgindo, em questões contra barragens e as mineradoras norte-americanas (canadenses e estadunidenses) de ouro. A empresa canadense Pacific Rim hoje conspira pela aprovação de projeto de abertura de minas de ouro em El Salvador. No resto da América Central, esse tipo de extração é conhecido pelo uso do metal cianuro, contaminante ao extremo. O gasto e a contaminação

Resistência às represas envolve enfrentamento contra um projeto de dez hidrelétricas da água afetam cidades e povoados camponeses de Guatemala e Honduras. São utilizados, de acordo com o Centro de Pesquisa sobre Investimento e Comércio (Ceicom), cerca de 604 mil toneladas de cianuro por ano na América Central – quantidade suficiente para matar a população mundial. As fontes secam, os animais morrem e a paisagem se desertifica. As organizações temem que a América Central

se transforme em um campo definitivo de contaminação, ao passo que as descobertas de jazidas minerais, de ouro e prata estejam a serviço das companhias dos países centrais. Em El Salvador, a luta contra as represas envolve um enfrentamento contra um projeto de dez hidrelétricas. O objetivo é a proteção do rio Lempa, que percorre 48% do território nacional. De acordo com Erick Barrera, da organização Fundação Promotora de Cooperativas, as hidrelétricas representam a realocação dos povoados, o que gera perda de solos férteis, infraestrutura das comunidades e sítios arqueológicos, além do risco de inundações e da proliferação de doenças. (VO e PC)

Aprendizados do colapso global País é exemplo de como a crise golpeia trabalhadores

de San Salvador (El Salvador) e Curitiba (PR) A história de enfrentamentos entre as classes em El Salvador, no século 20, teve como ápice a rebelião de cerca de 40 mil camponeses e indígenas que tomaram cidades e formaram sovietes temporários. O ano era 1932. Em reação, a ditadura dos latifundiários do café instaurou uma repressão conhecida como La Matanza, que dizimou a população indígena. A capilaridade do Partido Comunista Salvadorenho (PCS) nos acontecimentos de 1932 é um dos fatores que encerram um período revolucionário na América Latina, que teve influência da Revolução Russa, dos escritos de Mella e Mariatégui. O fim de um período de ascenso em todo o continente. Em 1931, a elite do café instaura a ditadura e vê o seu projeto em decadência apenas em 1950, com a tentativa de implementar o Mercado Comum Centro-americano, início da industrialização no país e surgimento de um proletariado mais numeroso. A tentativa do Mercomun, mercado interno e de produção própria, logo conhece a sua impossibilidade, na década de 1970. O modelo agroexportador cobra o seu quinhão. Com a crise mundial, assim como no Brasil, Nicarágua e outros países, tem início um processo de reorganização da classe trabalhadora. A experiência das Forças Po-

pulares de Libertação (FPLs) é imprescindível para estudar os ciclos do movimento de massas na América Latina. As FPLs se constroem como vanguarda armada, inserida nos sindicatos e movimentos sociais, com o foco central no movimento de massas. Durante a década, esgotam-se as saídas democráticas com fraudes em duas eleições (1972-1977). Entre os anos de 1979 e 1980, ocorre um sangramento terrível para o movimento popular. Perseguições, morte do bispo dom Oscar Romero, fatos que levam as cinco correntes políticas de oposição a formar a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), uma guerrilha popular. Luta de massas, esgotamento dos caminhos institucionais, unidade da força de esquerda contra o inimigo de classe – lições da experiência dos salvadorenhos. Em 1989, o FMLN não havia sido derrotado pelo exército oficial, nem conseguido tomar a capital do país. A convocatória para o levante daquele pode ter sido precipitada, uma vez que a Frente possuía acúmulo militar, mas a capacidade de convocatória das massas era frágil. O governo da ditadura tomou uma decisão inesperada: bombardeou bairros populares nas principais cidades, onde os guerrilheiros contavam com o apoio da população. Com os Acordos de Paz, assinados em 1992, a esquerda julgava ter atingido um objetivo: retirar o Estado da sua condição militarizada. (VO e PC)

de San Salvador (El Salvador) e Curitiba (PR) O território de El Salvador é uma mostra de como a crise do capitalismo, e o seu epicentro, nos Estados Unidos, afeta os países dependentes latinoamericanos. Com a queda pela metade na produção do setor de construção nos EUA, milhares de imigrantes perderam o emprego. Números conservadores apontam que, em El Salvador, 80 mil trabalhadores voltaram para casa em 2008. O país ao norte é a fonte de onde vêm 80% das remessas enviadas ao país por imigrantes salvadorenhos. No cenário atual, a família deixa de receber as remessas, que chegam a 16% do PIB do

país, e ainda ganha mais uma boca para sustentar. No campo, pequenos produtores sofrem com a falta de dinheiro para adquirir insumos. Falta, ademais, trabalho. As exportações das mercadorias salvadorenhas para os EUA devem diminuir. Com a falta de remessas e o freio nas exportações, a escassez de dólares afeta o projeto das elites do setor importador. Bancos e empresas ficam sem liquidez. As elites encontram-se sem condições de comprar insumos, máquinas. Os trabalhadores não têm acesso ao alimento e a produtos essenciais. Dependência Assinante de Tratado de Livre Comércio (Cafta) com os

Estados Unidos, 50% das exportações de El Salvador têm o destino ao norte do continente. Outros 30% das exportações estão centrados no mercado centro-americano, mas a demanda deste último também será afetada e diminuída com a crise. Do ponto de vista das mobilizações de massas e das ações dos movimentos sociais, a classe trabalhadora está adormecida. Com vitória ou derrota, militantes da Frente Farabundo Martí acreditam que as eleições podem mudar essa conjuntura. Porém, os movimentos sociais do país ao lado, Honduras, não esperaram tanto. Só em 2008, três paralisações gerais balançaram o país. (VO e PC)

Dados sobre o impacto do livre comércio No ano 2000, a Arena desenvolveu um plano de desmonte do modelo agroexportador. Reduziu impostos e obstáculos das importações de produtos agrícolas. O setor de produção agrícola representava 38% em 1980, mas passou para 10% em 2000. De acordo com

dados da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO/ONU) referentes a 2008, 600 mil pessoas passam fome em El Salvador, 10% de sua população em 2005. Em 1992, essa proporção era de 9%. (VO e PC)




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áfrica Wilson Bentos/CC

Angola: pobreza é vergonha nacional ANÁLISE Apesar do crescimento provocado pela recente elevação na extração do petróleo e dos diamantes, desigualdade mantém população pobre

Crianças brincam no lixo em periferia de Luanda, capital de Angola

Nelson Pestana A POBREZA É um fenômeno mundial. Desde há algum tempo, várias lideranças se deram conta de que ela é uma questão global localizada em um terreno que mina a coesão social dos países e destrói a irmandade dos povos. É também um fenômeno antigo. As idades Antiga e Média foram muito marcadas pela pobreza, uma vez que eram épocas menos produtivas. Já a Modernidade apresenta-se, pela sua capacidade tecnológica, como a era da abundância. Pela primeira vez na história, o homem foi capaz de produzir em quantidade e qualidade suficiente para as suas necessidades. No entanto, continua a haver uma grande massa de pessoas afastadas do bem-estar. A exclusão provoca a degradação do ser humano, estimula a sua marginalização, divide o mundo entre os que são partícipes do sucesso do desenvolvimento científico e tecnológico alcançados e desfrutam das vantagens do consumo e aqueles que nada têm e se escondem, pois estão relegados às sarjetas das grandes avenidas do mundo. Parece ser já um dado incontroverso o fato de que a pobreza não está mais associada à preguiça de uns, à incapacidade de alguns ou à identidade de outros, mas a uma muito desigual distribuição da riqueza produzida. A curva de progressão da riqueza é cada vez maior, porém, lamentavelmente, a curva de progressão da pobreza também aumenta. Daí que se fale no “paradoxo da abundância”.

Temos um país extremamente rico e uma população muito pobre País rico, povo pobre

Em Angola, a pobreza deve ser tida como uma vergonha nacional. Temos um país extremamente rico e uma população muito pobre. O que denota que o forte crescimento econômico registrado pelo país, numa média de 20% nos últimos cinco anos, tem

uma fraca incidência social (com informações do Relatório Econômico de Angola). Nosso país tem uma população estimada em 18,5 milhões de habitantes, sendo cerca de 12,5 milhões pobres, que vivem com cerca de 1,7 dólar por dia, numa situação de serviços básicos reduzidos, baixos indicadores sociais e fraco funcionamento do sistema de direitos. A pobreza no país está associada à vulnerabilidade estrutural das famílias, à doença e a um fraco acesso a serviços básicos.

O forte crescimento econômico tem uma fraca incidência social O contexto geral de Angola diferencia diversas formas de paupérie e, sobretudo, uma diferença entre a carestia no meio urbano e no rural. Hoje, a maior parte das pessoas vive nas cidades (65%), sendo a pobreza das famílias aí estimada em 57%, enquanto que no campo atinge 94% dos agregados. Aqui, “as famílias mais vulneráveis dependem normalmente de atividades agrícolas e do cultivo de alimentos para a sua sobrevivência, porque têm acesso limitado a terras de cultivo e a outros inputs [insumos] agrícolas, porque têm acesso limitado a escolas e serviços médicos e água potável e, frequentemente, são excluídos das decisões que os afetam, e apenas uma minoria tem conhecimentos sobre Aids” (Fundo de Ação Social-FAS, Pobreza, vulnerabilidade e exclusão social em Angola pósconflito). Essa vulnerabilidade é agravada por outras variáveis estruturais, específicas e imprevisíveis (fatores naturais e agroecológicos), embora seja diferente de região para região, em função dos hábitos e costumes, da organização comunitária, da organização social e econômica e da composição demográfica da população.

educação, à saúde, ao crédito, à cultura, aos meios de produção e trabalho, à habitação e às necessidades inerentes à dignidade da pessoa humana que se baseia o futuro das sociedades, a construção de uma nação solidária e harmoniosa, onde cada um pode encontrar o seu lugar e ter um sentimento de pertença, onde nenhuma pessoa, nenhuma camada social se sinta excluída. A situação social de Angola pode ser ilustrada também pelos indicadores do desenvolvimento humano do país em relação às infraestruturas básicas, ao mercado de trabalho, à saúde e nutrição, à educação, às características dos agregados familiares, à urbanização e ao direito à cidadania, num contexto não só de reduzido acesso a serviços básicos, mas também de fraco funcionamento do Estado de Direito. Perante o contínuo crescimento da riqueza nacional (real e potencial), agrava-se o “paradoxo de Angola”, de ser um país rico (muito rico) com uma população muito pobre. O que faz do combate à pobreza, de fato, não só um desafio crucial das políticas públicas dos anos vindouros, mas também uma razão de mobilização de vários atores sociais.

do preço do petróleo reforçaram os resultados positivos no domínio da estabilização macroeconômica, enquanto que a Estratégia de Combate à Pobreza (ECP), que nunca foi assumida como um guia de ação do governo, foi abandonada, e os baixos níveis dos indicadores sociais persistem. No entanto, a ECP tinha como propósito concreto (em consonância com os Objetivos do Milênio – ODM’s) reduzir para metade a população pobre e a mortalidade infantil (que é de 260/ano, por mil nascimentos). Da conjuntura que motivou a Estratégia de Combate à Pobreza, então associada ao programa de estabilização econômica, reinserção social, reabilitação e reconstrução nacional, resta, para bem do país, o Fundo de Ação Social (FAS), financiado pelo Banco Mundial.

A Estratégia de Combate à Pobreza foi abandonada e os baixos níveis dos indicadores sociais persistem

Combate à pobreza

O governo estabeleceu, a partir de meados de 2004, uma estratégia de desenvolvimento baseada, por um lado, na estabilização macroeconômica, na correção das distorções da economia, no controle e redução da inflação e, por outro lado, no combate à pobreza. A estratégia de redução da inflação e a subida em flecha

A questão da terra e da sua distribuição continua a privilegiar um grupo restrito ligado ao poder O PIB agrícola e da indústria transformadora não representam mais do que, respectivamente, 12% e 15% do total (mesmo se agora revelam uma maior dinâmica). A questão da terra e da sua distribuição para o aproveitamento da atividade agropecuária continua a privilegiar um grupo restrito ligado ao poder. Por outro lado, os investimentos na agricultura têm privilegiado a agricultura empresarial, que abarca um universo reduzido de famílias, em detrimento da agricultura familiar, que representa 1,5 milhão de famílias. Pouco investimento

Desigualdades

Mas o país continua a registrar não somente uma forte desigualdade social, mas também grandes assimetrias regionais. A capital do país concentra cerca de um quarto da população (mais de 4 milhões de habitantes) e representa 75% da indústria, 65% do comércio e 90% da atividaReprodução

Direito ao bem-estar

Tais fatores, pelos quais se manifesta a pobreza, têm um impacto direto na vida cotidiana das populações, pois é no acesso à água potável, à

de financeira e bancária. Além disso, o crescimento econômico continua concentrado em dois setores de enclave: o petróleo e os diamantes.

Crianças pobres de Jamba, vila localizada no sul de Angola

Todos esses fatores conjugados que caracterizam o crescimento econômico de enclave são responsáveis pelas reduzidas oportunidades de emprego e de rendimento, o que não contribui para a redução da pobreza e, nomeadamente, da pobreza urbana extrema. O desemprego permanece alto devido não só à fraca capacidade da economia de criar empregos – porque a economia de enclave requer mãode-obra qualificada e é estruturalmente incapaz de produzir emprego em quantidade –, mas também porque o plano de obras infraestruturais está sendo desenvolvido com recurso da mão-de-obra expatriada, incluindo a mão-deobra não-qualificada. Um outro fator é o fraco investimento na qualificação da mão-deobra nacional, traduzida pela fraca taxa de escolarização bruta combinada (25,6%) e pelas despesas públicas com a educação (2,6% do PIB). Por isso, é fato incontestável que o forte crescimento econômico tem uma fraca incidência social e largas camadas

Quanto

260 crianças, a cada mil, morrem por ano em Angola, que tem uma população de milhões

18,5

da população continuam em situação de pobreza e de pobreza extrema. Não há dúvida de que o considerável crescimento do PIB per capita beneficiou sobretudo as classes mais abastadas (isso é traduzido pelo aumento do índice de Gini) e a política clientelar de criação de uma burguesia nacional restrita, que será, segundo os seus mentores, uma vez consolidada, o motor do desenvolvimento.

A tentação é a de criminalizar esse tipo de atividade e de combatêla com medidas de polícia (e não de política). O que se traduz no combate aos pobres, em vez da pobreza Combate aos pobres

Neste contexto, o mercado informal aparece como um setor de recurso para a sobrevivência dos pobres urbanos, particularmente no pequeno comércio informal varejista. Mas, também aqui, há uma grande pressão, pois os rendimentos são cada vez mais dificultados pela concorrência do sempre maior número de participantes nesse mercado e de um programa do Estado de estabelecimento de uma nova rede de comércio no varejo que os exclui. A tentação é a de criminalizar esse tipo de atividade e de combatê-la com medidas de polícia (e não de política). O que se traduz no combate aos pobres, em vez da pobreza (Pambazuka News – Fórum para a Justiça Social na África). Nelson Pestana é cientista político angolano.


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