Edição 316 - de 19 a 25 de março de 2009

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Circulação Nacional

Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 7 • Número 316

São Paulo, de 19 a 25 de março de 2009

R$ 2,50 www.brasildefato.com.br

Wilson Dias/ABr

Tatiana Merlino

Após 15 anos, privatizadores seguem impunes Desestatizações de empresas bem-sucedidas como a Vale do Rio Doce, a Telebrás e a Usiminas continuam ainda sem investigação. Pág. 7

A Revolução Cubana e seus velhos combates Na última reportagem da série, a democracia, as proibições e os desafios da economia, como os ciclones (foto). Págs. 10 e 11

Olmo Calvo/CC

Incra e MDA entregam 67 milhões de hectares de terras na Amazônia Legal Leonardo F. Freitas/CC

Enfrentar a crise mundial será o próximo teste de Evo Historicamente com uma economia dependente da exportação de matérias-primas como os minérios, a Bolívia de Evo Morales já sofre os efeitos da crise mundial, devido à queda dos preços desses produtos. Para o governo, a saída está no estreitamento dos laços com os países vizinhos. Pág. 12 Desmatamento para criação de gado em Porto de Moz, no Pará

Bancos especulam com depósitos compulsórios

Funcionários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) teriam “vendido” mais de 67 milhões de hectares em terras públicas para grileiros na Amazônia Legal. A denúncia é da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra). De acordo com a entidade, a operação começou nas superintendências regionais do Incra, mas seu desfecho foi em Brasília, com a edição da Medida Provisória nº 458/2009, assinada pelo presidente Lula no dia 11 de fevereiro. Pág. 5 Sean Hawkey

Após vitória, esquerda de El Salvador encara desafios

Para economistas que analisam a crise mundial, as medidas tomadas por Lula para resolver o problema de acesso ao crédito são ineficazes. Como exemplo, apontam a diminuição dos depósitos compulsórios que os bancos devem manter no Banco Central, o que os levam a investir em títulos da dívida pública. Pág. 6

Em San Salvador, eleitores comemoram a eleição de Mauricio Funes para a presidência de El Salvador

A partir de 1º de junho, El Salvador estará livre da Arena, partido da oligarquia que controla o país há décadas. Em seu lugar, assumirá a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), de Mauricio Funes, o vitorioso das eleições presidenciais do dia 15 de março. A antiga guerrilha terá pela frente o desafio de eliminar o enorme deficit social do país da América Central, além de contagiar as massas populares. No entanto, para o analista Remberto Nolasco, a agenda neoliberal deve ser mantida, pois a FMLN não vai querer confrontações com as empresas privadas. No campo internacional, Funes sinaliza aproximação tanto com os EUA como com os países da Alba. Pág. 9

Marcela Mattos

ISSN 1978-5134

Esquerda busca unidade diante da crise econômica

Mobilizações alertam para os danos causados pelas barragens

Os principais movimentos sociais e centrais sindicais do país participaram de um encontro na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (SP), para debater a atual crise econômica mundial e a sua assimilação pedagógica dentro do campo da esquerda. Milton Viário, da CUT, foi um dos participantes e, em entrevista ao Brasil de Fato, analisa o debate e aponta os futuros desafios dos trabalhadores organizados do país. Pág. 8

Com manifestações em 27 países, populações atingidas por barragens se mobilizam, na semana do 14 de março, contra o modelo energético que vem causando graves consequências sociais, econômicas, culturais e ambientais. No Brasil, camponeses, ribeirinhos, pescadores e garimpeiros realizaram protestos em oito estados. Até hoje, 80 milhões de pessoas de todo o mundo já foram afetadas por construções de represas. Pág. 3

Camponeses, ribeirinhos, pescadores e trabalhadores urbanos realizaram atos em oito estados


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editorial IMPORTANTES SETORES da esquerda brasileira se reuniram, nos dias 14 e 15, em Guararema (SP) para debater a crise sob o enfoque da defesa dos interesses dos trabalhadores. Representantes de 35 organizações sociais, dentre as quais CUT, Assembleia Popular, Via Campesina, Intersindical, Conlutas, CTB, PCB, PCdoB, CMP, Psol e PT, avançaram nos consensos sobre o colapso econômico, sua natureza e, sobretudo, na construção de uma agenda de lutas e trabalho com o povo. Isso qualifica o enfrentamento dos efeitos da crise, reforçando sua essência capitalista. Logo, fortalece a compreensão de que são os ricos que devem pagar por ela. De seu lado, a burguesia brasileira não tem um projeto próprio e, ao longo da crise, se limitará a executar o projeto da elite internacional e do imperialismo. E isso é um elemento decisivo. As classes dominantes Para a classe dominante, combater a crise significa privatizar o lucro e socializar o prejuízo. Assim, ela naturaliza seus fundamentos como se ela ocorresse por uma fatalidade, a qual deve ser enfrentada por todos. Ao mesmo tempo, começam a impor suas saídas tradicionais. São elas: a destruição de parte do capital

debate

Que os ricos paguem a conta da crise acumulado (financeiro); destruição de capital humano e bens de produção através da promoção de guerras; aumento da exploração do trabalho; transferência maior de recursos da periferia para o centro do capital; e utilização do Estado para concentrar a poupança popular e destiná-la aos capitalistas. Além dessas saídas típicas, em seu desespero, o capital aumentará a ofensiva sobre os recursos naturais. Destaque para o petróleo, o minério, a produção agrícola, a biodiversidade, as águas e as florestas – vide a MP 458/2009, editada pelo governo em fevereiro e que regulariza, sem licitação, terras griladas de até 2.500 hectares na Amazônia Legal. É bom lembrar que o modelo neoliberal sofreu um revés importante, mas não está derrotado. Fusões de grandes bancos e empresas continuam acontecendo, e a mídia corporativa brada em uníssono: menos direitos trabalhistas e impostos. Querem passar a fatura para a classe trabalhadora e, para isso, intensificam a repressão policial e a criminalização dos movimentos no

Judiciário. No plano político, saídas podem caminhar com a ascensão de governos fascistas. As consequências já são sentidas, sobretudo, pelos trabalhadores, as mulheres e as populações com menor proteção social. As forças populares Para os setores populares, há consenso de que a crise é estrutural, profunda, prolongada, sistêmica. Ela atinge a produção, as finanças, o comércio, o meio ambiente, o consumismo e encerra um período histórico de ofensiva do capital, abrindo a possibilidade de um reascenso da luta de massas. No entanto, a esquerda brasileira enfrenta essa conjuntura adversa com problemas de caráter ideológico e organizativo. E que, por serem difíceis e complexos, exigem a construção de alternativas de médio e longo prazos, sendo que a tarefa central é a construção da unidade entre as diferentes formas do povo brasileiro se articular. O caminho para essa construção é nas agendas comuns de lutas, as quais fomentam a construção de confiança mútua.

Para isso, é necessário reafirmar que são com esses setores, e a partir delas, que se podem desencadear mobilizações que resultem no crescimento da atuação das massas e, assim, alterar a correlação de forças. A construção dessa unidade não se resume no trabalho de articulação, mas reclama firmeza para impedir o fracionamento das lutas e disputas. A unidade A crise inaugura um novo período histórico, marcado pela insatisfação social e pela retomada da capacidade de luta de massas. Diante disso, as forças populares avançaram na construção de bandeiras unitárias, tais como: nenhum desemprego nem direitos a menos; elevação do salário mínimo; diminuição da jornada de trabalho, sem reduzir vencimentos; decréscimo das tarifas de energia e água e dos impostos para os pobres; queda no preço dos alimentos; menor taxa Selic e para o consumidor; investir superavit primário em educação e saúde; apoiar a CPI da dívida pública; impedir que a reforma tributária tire recursos da

crônica

Antonio Alves de Almeida e Dirceu Benincá

Negócios da China e a fome NA ÚLTIMA década, a China buscou seu desenvolvimento através da intensa expansão de sua indústria, comércio e serviços. Com isso, vem alterando de forma significativa sua realidade socioeconômica e ambiental, sobretudo nas grandes cidades. Este quadro é retratado no documentário Manufactured Landscapes (Paisagens Transformadas), dirigido por Jennifer Baichwal. Entre as paisagens mutantes de maior impacto, está a barragem Três Gargantas, uma monstruosa e inédita obra de engenharia, a maior central hidrelétrica do mundo, planejada para fornecer energia para o complexo industrial daquele país. A barragem está em execução há vários anos e tem previsão de ser concluída em 2011. Para se ter ideia de sua magnitude, a quantidade de aço utilizado nela seria suficiente para construir 63 torres Eiffel. A hidrelétrica deverá ter uma capacidade de geração de 22.500 MW e o acúmulo de água poderá aumentar os riscos de terremotos na região. Quase 1 milhão e meio de pessoas serão forçadas a deixarem seus locais de origem. As autoridades estimam que outros 4 milhões de pessoas sejam deslocadas até o ano de 2020. A construção da barragem implica a destruição de 13 cidades e mais de mil vilas. O acelerado desenvolvimento econômico da China, com a superexploração da mão-de-obra nas fábricas, mostra o aspecto perverso do capitalismo moderno. Diante disso, os trabalhadores reagem de várias formas na defesa dos seus direitos. Em 2004, por exemplo, houve 74 mil manifestações, greves e diversos incidentes maciços. O governo chinês abandonou a tentativa de construir o socialismo naquele país, privatizando empresas, retirando direitos trabalhistas, direitos de habitação digna, de cuidados médicos, de educação etc., até então fornecidos gratuitamente pelo Estado. O referido documentário é um exemplo evidente da dinâmica de destruição do planeta; uma demonstração cabal da insustentabilidade ecológica do sistema capitalista. A ascensão da China está revolucionando a economia mundial. Desde 1996, o país tornou-se o maior produtor mundial de aço. De acordo com o escritor Oded Shenkar, os chineses produzem 70% dos brinquedos do mundo, 60% das bicicletas, metade dos calçados, metade dos fornos de microondas, um terço dos televisores e aparelhos de ar-condicionado, um quarto das máquinas de lavar e um quinto dos refrigeradores. Hoje existe cerca de 30 mil exportadores de produtos têxteis naquele país. Na Revolução de 1949, a China tinha 10% de população urbana e 90% rural. O objetivo das autoridades chinesas é inverter essa estatística. O documentário Paisagens Transformadas busca mostrar a parte oculta do capitalismo e ressalta a necessidade da organização e da luta da classe

Marcelo Barros

Excomunhão e diálogo Gama

trabalhadora para combater os efeitos nocivos do sistema de mercado. Durante a era maoísta, tinha-se a compreensão de que o desenvolvimento industrial devia estar a serviço das pessoas. Agora, a perspectiva é de que as pessoas estejam a serviço do desenvolvimento industrial e do consumo. Paralelamente a este acelerado desenvolvimento – que gera acúmulo de lucro e riqueza –, crescem os problemas sociais, como a insegurança e a escassez alimentar para milhões de seres humanos na China e em diferentes partes do mundo. Essa situação é demonstrada por outro documentário, intitulado We Feed the World (Nós alimentamos o mundo), sob a direção de Erwin Wagenhofer. O mesmo ressalta a violência nas relações mercantis atuais em uma sociedade global, bem como a violência no que diz respeito à apropriação da produção e do excedente econômico. Evidencia também as consequências da concentração da renda, entre as quais o agravamento do ciclo da fome e da pobreza no mundo. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que 75 milhões de pessoas, em 2007, e mais 40 milhões, em 2008, vieram engrossar as fileiras dos subalimentados do planeta, devido principalmente ao aumento dos preços dos bens alimentares. Isso fez com que o número de pessoas com fome no mundo atingisse os 963 milhões

seguridade social; reestatização de empresas estratégicas (Embraer, Vale, Petrobras etc.); reforma agrária massiva e mudança do modelo do agronegócio; estatização do sistema financeiro; garantia de um programa de educação pública e gratuita para todos; e construção de programas de integração popular entre os países da América Latina. Nas lutas, o plano é jogar energias para construir uma jornada nacional de protestos contra a crise, unitária e massiva, nos dias 30 e 31 de março e 1º de abril – datas definidas durante a Assembleia Mundial dos movimentos sociais no FSM. Na primeira semana de junho, intensificar as mobilizações e, em outubro, nova jornada mundial contra a crise, entre os dias 12 e 16. O dia 12 será de defesa da natureza e o 16, de luta pela soberania alimentar. E, paralelamente, apoiar as mobilizações e atos de resistência contra os efeitos da crise. Em especial a greve dos petroleiros, no dia 23, a mobilização dos estudantes secundaristas e universitários, no dia 28 (em memória à morte do estudante Edson Luis, pela ditadura militar), as jornadas dos movimentos da Via Campesina, do movimento sindical, da juventude, de moradia e de todos que forem a luta!

contra os 923 milhões em 2007 (FAO, setembro e dezembro de 2008). Como se vê, as estatísticas são dramáticas. Segundo o relatório, de janeiro de 2009, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a taxa de desemprego no mundo poderá subir de 6% em 2008 para 7% em 2009. O relatório aponta ainda que o número de trabalhadores extremamente pobres que ganham menos de 1,25 dólares por dia poderá também aumentar para perto de 200 milhões. Em 2007, 21% dos trabalhadores eram muito pobres, e essa cifra poderá alcançar os 27% em 2009. O modelo neoliberal é a mola propulsora da crise financeira, econômica e socioambiental atual, tendo como consequência o aumento do desemprego, da pobreza, da fome, da exclusão social e do aquecimento global, especialmente nas três últimas décadas. Com esse modelo, tudo o que é considerado um obstáculo à livre concorrência dos mercados (de trabalho, de produtos, de dinheiro, de títulos) tem que ser eliminado. Em outras palavras, a globalização hegemônica não tolera outro modelo de desenvolvimento e nem a regulação do mercado. O que fazer quando os “negócios da China” causam fome? Antonio Alves de Almeida e Dirceu Benincá são doutorandos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

Neste mês de março, as comunidades cristãs populares celebram a preciosa memória do martírio de dom Oscar Romero, arcebispo de El Salvador, assassinado por militares ligados ao governo do país. O seu crime era ter consagrado sua vida à defesa intransigente dos mais pobres e perseguidos pelo regime. Dom Oscar Romero e Dom Hélder Câmara foram os bispos latino-americanos mais dedicados a aplicar a renovação da Igreja, proposta pelo Concílio Vaticano II (1965) e que estes mesmos atualizaram para a América Latina na famosa conferência dos bispos de Medellín (1968). Desta época para cá muita coisa mudou na Igreja e no mundo. Em sua comovente carta circular de 2009, dom Pedro Casaldáliga começa citando o cardeal Martini, ex-arcebispo de Milão que, em uma entrevista publicada em livro, declarou não ter mais os mesmos sonhos a respeito da renovação da Igreja. Dom Pedro contextualiza o que ele quis dizer e explica: “Ele e milhões de pessoas na Igreja sonhamos com a ‘outra Igreja possível’”, ao serviço do “outro Mundo possível”. E o cardeal Martini é uma boa testemunha e um bom guia nesse caminho alternativo; o tem demonstrado. De fato, graças a Deus, no Brasil, continuamos sempre a ter exemplo de bispos católicos, tanto mais velhos, quanto mais novos, simples, despojados, abertos ao diálogo com o povo, sensíveis aos pobres e que, mesmo em meio a uma conjuntura desfavorável e às vezes contrária, procuram seguir as orientações do Concílio Vaticano II, como dom Romero fez e propunha. Na contramão deste espírito, o povo brasileiro é surpreendido por duas notícias diferentes: dom José Cardoso, arcebispo de Olinda e Recife, excomungou publicamente médicos/as, enfermeiros/as e até a mãe da criança que, grávida aos nove anos de idade e de gêmeos, foi submetida a um aborto cirúrgico de urgência. Segundo o médico, morreriam ela e as crianças se não fizessem a operação. Como o arcebispo condenou os médicos e não deu uma palavra sobre o padrasto que a estuprou, os jornalistas perguntaram. Ele respondeu: “O estupro é menos grave do que o crime do aborto”. Nos mesmos dias, em João Pessoa, o arcebispo dom Aldo Pagotto suspendeu da ordem sacerdotal o padre Luiz Couto, deputado federal dos mais votados no Estado, porque este declarou em uma entrevista a uma revista ser favorável à camisinha e ser à liberdade de os padres casarem (celibato livre e facultativo). Acontece que neste momento o padre está ameaçado pelos esquadrões da morte da fronteira do Estado e, na semana passada, este grupo assassinou o vice-presidente do PT em Pernambuco. Os meios de opinião pública têm comentado esses casos, em geral, falando da Igreja que passa a um “período de trevas” (Alberto Dines) ou que volta ao regime da inquisição e assim por diante. Não é justo. Esses dois bispos não representam o modo de ser e de agir da maioria dos bispos brasileiros. Muitos são conservadores, mas não cruzados de uma ideologia absolutista e confundida com o Evangelho. No tempo de dom Oscar Romero, a proposta da Igreja foi passar desta cultura de excomungar pessoas por isso ou por aquilo para o diálogo. O papa Paulo VI dizia que o diálogo foi iniciado por Deus e que tudo se deveria tentar resolver, em primeiro lugar, pelo diálogo. Fez sucesso no mundo todo um livro chamado Do Anátema ao Diálogo. Na sua carta às comunidades, na altura dos seus mais de 80 anos, dom Pedro Casaldáliga reafirma: “Como Igreja queremos viver, à luz do Evangelho, a paixão obsessiva de Jesus, o Reino. Queremos ser Igreja da opção pelos pobres, comunidade ecumênica. O Deus em quem acreditamos, o Abbá de Jesus, não pode ser de jeito nenhum causa de fundamentalismos, de exclusões, de inclusões absorventes, de orgulho proselitista. Chega de fazermos do nosso Deus o único Deus verdadeiro. ‘Meu Deus, me deixa ver a Deus?’. (...) A Igreja será uma rede de comunidades, uma Nova de misericórdia, de acolhida, de perdão, de ternura, samaritana à beira de todos os caminhos da Humanidade. Seguiremos fazendo que se viva na prática eclesial a advertência de Jesus: ‘Não será assim entre vocês’ (Mt 21,26). Seja a autoridade serviço.” Marcelo Barros é monge beneditino e autor de 26 livros, dos quais o mais recente é O Espírito vem pelas Águas, Ed. Rede-Loyola, 2003.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Marcelo Netto Rodrigues, Luís Brasilino, Tatiana Merlino • Subeditor: Igor Ojeda • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Mayrá Lima, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte - Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Antonio David, Frederico Santana Rick, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar: (11) 2131-0800


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brasil

Atingidos, em luta contra as barragens Arquivo MAB

MOBILIZAÇÃO Após a jornada de lutas das mulheres, atingidos por barragens se manifestam e demarcam o Dia Internacional de Luta contra as Barragens Alexania Rossato de São Paulo (SP) NA SEMANA do 14 de março – Dia Internacional de Luta contra as Barragens – populações atingidas por barragens do mundo inteiro denunciam o modelo energético que, historicamente, tem causado graves consequências sociais, econômicas, culturais e ambientais. Segundo o relatório da Comissão Mundial de Barragens (órgão ligado à ONU), no mundo, cerca de 80 milhões de pessoas foram atingidas direta ou indiretamente pela construção de usinas hidrelétricas. Neste ano, houve manifestações em 27 países. No Brasil, centenas de camponeses, ribeirinhos, pescadores, garimpeiros e trabalhadores urbanos realizaram atos e protestos em oito estados. De acordo com Océlio Muniz, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), além de dialogar com a sociedade, as manifestações foram para pedir solução para a enorme dívida social e ambiental deixada pelas usinas já construídas e para fortalecer a luta por um outro modelo energético. “Essa luta não é apenas da população atingida pelos lagos, pois todo o povo brasileiro é atingido pelas altas tarifas da energia, pela privatização da água e da energia, pelo dinheiro público investido em obras privadas”, afirma. Críticas

Uma das críticas do MAB recai sobre o alto investimento público na construção das barragens. Mesmo com a forte crise do sistema capitalista e com a demissão em massa dos trabalhadores, recentemente o BNDES anunciou a liberação R$ 7,2 bilhões somente para a Usina Hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. “A crise nas atividades econômicas e a consequente queda no consumo da energia abre a possibilidade de discutir uma reestruturação profunda do modelo energético, que parta da necessidade de supera-

ção das contradições do atual modelo e que carregue os princípios da soberania energética, a partir de um projeto popular. No entanto, o BNDES continua financiando as empresas transnacionais, que exigem aumento na remessa de lucros para seus países de origem, já que lá estão na bancarrota”, argumenta Muniz. Injustiças

Por outro lado, no Brasil não há uma legislação que assegure e estabeleça quais são os direitos dos atingidos por barragens, nem há um órgão público encarregado de realizar as indenizações e reassentamentos. Há inúmeros casos de indenizações injustas e de desrespeito aos direitos humanos no processo de inserção de uma barragem, e o caso de Acauã, na Paraíba, é considerado um dos piores do país. Segundo o MAB, depois do fechamento do lago, em 2002, as 4,5 mil pessoas deslocadas foram transferidas para conjuntos habitacionais isolados e desprovidos de quaisquer condições de vida, onde faltam serviços públicos e, principalmente, meios de os moradores retomarem suas atividades produtivas.

Ação civil pública

“Até o Ministério Público Federal entrou com uma ação civil pública contra o Estado e a União por não terem disponibilizado os meios de vida que possuíamos antes da barragem”, afirmam as lideranças locais que se manifestaram em João Pessoa (PB), na semana passada. “A situação de milhares de pessoas lançadas ao desamparo de conjuntos habitacionais situados no meio do nada, impossibilitando a seus habitantes o exercício de qualquer atividade produtiva, reclama, urgentemente, a adoção de medidas que venham a suprir as carências mais elementares da população deslocada, até que se cumpra a obrigação governamental de lhes conferir uma convivência sustentável em seus novos lares”, argumenta o Ministério Público.

Camponeses, ribeirinhos, pescadores e trabalhadores urbanos realizaram protestos em oito estados

Rio Madeira: repressão sem fronteiras frente à luta sem fronteiras Para ribeirinhos, as barragens de Santo Antônio e Jirau não beneficiam a população de São Paulo (SP) Mais do que denunciar o desrespeito aos direitos dos atingidos, em Rondônia os ribeirinhos mostraram que megaempreendimentos como as barragens de Santo Antônio e Jirau não beneficiam a população, que perde o emprego e as condições de vida. Por outro lado, durante os 30 anos de concessão que os dois consórcios têm para a geração de energia, lucrarão R$ 93 bilhões de reais, ou seja, R$ 365 mil reais por hora, exceto a transmissão e a distribuição dessa energia. “Denunciamos a forma truculenta com que as empresas estão expulsando os ribeirinhos e o caos social e ambiental que se instalou nas margens do rio e na cidade de Porto Velho e entorno”, afirma Océlio Muniz, do

Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Truculência

A truculência não parte apenas das empresas. Durante uma manifestação de rua dos atingidos, a Polícia Federal prendeu e deportou para a Bolívia seis militantes de movimentos sociais e indígenas que participavam do acampamento, mesmo com permissão para ficarem no Brasil por quinze dias. Há meses, movimentos e organizações sociais daquela região denunciaram que a construção das duas barragens no Rio Madeira atingirá terras bolivianas e a população daquele país sequer foi consultada pelas empresas donas das obras. As organizações de campesinos e indígenas da Bolívia são parceiras do MAB nas propostas conjuntas de ação e tratamento aos

ribeirinhos e já participaram de várias atividades no Brasil. “Contra a efetiva integração dos povos, o Estado brasileiro responde com a repressão, articulado com o capital”, declarou Muniz. Omissão

A prisão dos camponeses e indígenas bolivianos aconteceu no dia seguinte à libertação de sete militantes da Via Campesina que foram presos durante uma mobilização em Erechim, região norte do Rio Grande do Sul. Os agricultores chamavam a atenção sobre a situação de abandono dos agricultores que, entre outros problemas, sofrem com a estiagem. Além disso, pressionavam os governos federal e estadual para que apontassem avanços nas reivindicações apresentadas desde que perderam quase toda a produção pela forte seca que assolou a

região. “Pela omissão dos governos, os camponeses saem às ruas para lutar por garantias de vida, trabalho, educação, entre outros. Queremos continuar sendo agricultores e produzindo alimento sadio para a população, no entanto o Estado não nos dá condições e nos reprime quando nos manifestamos”, afirmam as lideranças. Em nota, o MAB repudia toda a ação do aparato estatal que nos últimos meses tem reprimido as ações dos movimentos sociais, criminalizado suas lideranças. Sobre a truculência da polícia no Rio Grande do Sul, a coordenação do Movimento afirma: “Com estas ações o MAB teme que o atual governo do Estado avance nas ações ilegais de criminalização, tais como aconteciam no período da ditadura, e alerta a sociedade em geral para isso”. (AR)

Marcha por direito de muitos contra direito de um empresário VALE DO RIBEIRA 400 pessoas marcharam para reforçar os 20 anos de resistência à construção da usina hidrelétrica de Tijuco Alto Pedro Carrano enviado especial a Ribeira do Iguape (SP) Ribeirinhos, caiçaras, quilombolas e pescadores marchavam ao lado de estudantes, ambientalistas e camponeses ameaçados de perder a terra onde produzem. No Vale do Ribeira, fronteira entre São Paulo e Paraná, cerca de 400 pessoas marchavam para reforçar os 20 anos de resistência à construção da usina hidrelétrica de Tijuco Alto, projetada pela Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), empresa do grupo Votorantim, junto a outras três barragens, ao longo do rio Ribeira de Iguape. O Movimento dos Ameaçados por Barragens (Moab) é a sigla que aglutina as lutas dessa região. O ato era mais um momento do Dia Internacional de Luta Contra as Barragens. O trecho entre as cidades de Ribeira (SP) e Adrianópolis (PR) foi atravessado pela marcha, em um trabalho de conscientização da população. Uma faixa do comércio local apoiava Tijuco Alto, mas os manifestantes gritaram alto: “Terra sim, barragens não”. O lema do movimento é o direito à terra pelos seus moradores, algo que está em contra-

dição com o projeto que beneficia a CBA – pertencente ao empresário Antônio Ermírio de Moraes. A finalidade de Tijuco Alto é alimentar uma planta de produção de alumínio em cidade há 250 quilômetros dali. Ernani Coutinho, ribeirinho e quilombola, coleta peixes e moluscos no encontro do rio Iguape com o mar, em Cananéia (SP), no complexo estuarino mais conhecido como Lagamar. Tomou parte no início do movimento, há vinte anos. Hoje, está ao lado de trabalhadores de outras 20 cidades. “Somos todos pobres, temos que nos organizar”, reivindica. Onde Coutinho vive, mais de 3 mil pessoas dependem da pesca da manjuba – uma espécie de peixe que pode ser afetada pela mudança na salinidade da água, resultado da barragem.

torno dos rios. Na paisagem, é comum um longo trecho de pinus, para logo vermos áreas desérticas. Na lógica do lucro e da exploração, a região do Vale amarga o pior índice de desenvolvimento humano do Estado de São Paulo. O grupo Votorantim é conhecido por cooptação e despejo de trabalhadores rurais nas áreas onde realiza seus projetos. Uma favela inteira de Curitiba (PR), a Vila Esperança, recebeu agricultores expulsos das terras pela corporação brasileira. O atual projeto de Tijuco Alto alagará uma região equivalente a 11 mil campos de futebol, de

acordo com informações do deputado estadual Raul Marcelo (Psol-SP). Dados apontam que municípios onde barragens foram instaladas seguem entre os piores se o assunto for o desenvolvimento humano. A luta dos atingidos por barragens se confronta com o projeto decenal do governo Lula para o setor. Presente apoio ao ato, Hélio Mecca, da direção nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), critica a construção de 1.443 barragens projetada pelo atual governo. “Mais barragens não são necessárias, uma vez que o estoMarcela Mattos

Riqueza apropriada

O Vale do Ribeira mantém 21% da Mata Atlântica restante no país. Assim mesmo, os morros e a natureza que contornam a cidade do Ribeira enganam: atravessar as estradas do Vale é deparar com o projeto de plantação de pinus, cujos proprietários desertificam o solo e não respeitam acordos mínimos: a região de topo de morro, o en-

Marcha percorreu trecho entre Ribeira (SP) e Adrianópolis (PR)

que de águas atual é suficiente para vinte anos. Ademais, a produção de energia hoje, no Brasil, atende ao projeto de exportação das eletrointensivas, produtoras de alumínio e bauxita, com baixo emprego de força de trabalho”, explica Mecca. Dois projetos em colisão

No Vale do Ribeira, o ato teve caráter de procissão, misturando cantos afro-católicos, músicas da militância e a batucada do maracatu. O Moab recebe o apoio do bispo da cidade de Registro (SP), para quem a luta do não se volta contra a tecnologia e os projetos por si mesmos, mas contra a falta de controle popular sobre eles. “O governo nunca consulta a sociedade, tudo vem de cima para baixo. Quando o povo participa temos boas propostas. O lema desta luta “Terra sim, barragens não!” é porque a terra produz alimento, mas as barragens não”, declama o bispo José Luiz Bertanha. Hélio Mecca, do MAB, ressaltou o caráter de disputa de projetos, presente na atual jornada nacional de lutas. “Não basta confrontar com o existente, é preciso que a gente mostre alternativas; assim como o MST apresenta o projeto de reforma agrária para o

campo, temos a obrigação de apresentar um projeto energético, popular e alternativo”, defende. Risco iminente

O deputado Raul Marcelo (Psol-SP), que atua na luta contra Tijuco Alto, informou que o processo de licenciamento da barragem (a primeira do total de quatro) está em curso no Ibama. Falta apenas o relatório final. Em novembro do ano passado, o Vale do Ribeira sofreu um duro golpe do governo federal, que, por decreto, autorizou a destruição de cavernas no Brasil. Nessa região existe uma série de grutas e cavernas que, asseguradas pelas leis ambientais, até então impediam a construção das barragens. Na semana passada, o procurador-geral da República, Antônio Fernando Souza, ajuizou, no Supremo Tribunal Federal, uma Ação Direta da Inconstitucionalidade contra o decreto assinado pelo presidente Lula. Segundo ele, o decreto “toma para si o papel de traçar o regime de exploração desses espaços, adotando critérios não-determinados pela comunidade científica para, pretensamente, eleger os sítios que devam, ou não, ser preservados”.


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Da aldeia à periferia de São Paulo Jaime Patias

ENTREVISTA Jovem indígena Pankararu, recémformada em Direito pela PUCSP, fala sobre a realidade de seu povo, que vive em periferias da grande São Paulo Vanessa Ramos e Beatriz Maestri de São Paulo (SP) NO DIA 4 ocorreu a formatura de 12 jovens indígenas de diversas etnias na Pontifícia Universidade Católica (PUCSP). Entre os formandos está Rejane Aparecida Silva, que se graduou no curso de Direito. Ela é da região do Brejo dos Padres, que fica entre as cidades de Tacaratu e Jatobá, no sertão de Pernambuco, onde se localiza a reserva indígena dos Pankararu. Na sua aldeia, homens, mulheres e crianças indígenas sofrem principalmente com os prolongados períodos de seca. Muitos acabam migrando para outros estados, fugindo da seca e de conflitos com posseiros invasores de suas terras, e em busca de emprego e melhores condições de vida. Rejane faz parte desse contingente indígena que deixou sua terra para se aventurar em São Paulo. No entanto, na periferia da metrópole, sobrevivem em meio a contradições e graves desigualdades sociais. Além disso, sofrem com a dispersão do grupo, pois, apesar de pertencerem à mesma etnia e terem vindo todos de Pernambuco, os Pankararu estão espalhados por vários bairros da capital e grande São Paulo.

Pankararus realizam a dança do Toré para celebrar a formatura de jovens indígenas

Brasil de Fato – Como é sua comunidade no Real Parque? Rejane Aparecida Silva – Não há uma organização como existe nas aldeias. Na comunidade do Real Parque moram indígenas Pankararu, que há aproximadamente 50

O movimento indígena está se aperfeiçoando. Cada vez mais encontramos indígenas atuando em comunidades, no terceiro setor e no setor público. O melhor é que são profissionais e estão se preparando sempre melhor Em uma realidade muito diferente da aldeia, a começar pela organização, os primeiros Pankararu da Comunidade do Real Parque, zona sul de São Paulo, chegaram à capital paulista há aproximadamente 50 anos. No decorrer das décadas, instalaram-se nesse bairro e recebem, ainda hoje, os parentes da aldeia que também vêm em busca de uma vida melhor. Atualmente residem, nessa comunidade, cerca de 600 indígenas, em condições precárias de moradia, desemprego, saúde, e falta de terra e de uma educação diferenciada. Para falar sobre a realidade de seu povo vivendo em periferias da grande São Paulo, especialmente da comunidade Real Parque, onde atua e onde vive a grande maioria do povo Pankararu, o Brasil de Fato entrevistou Rejane Aparecida. A jovem recém-formada em Direito fala, entre outras questões, sobre as condições de vida dos Pankararu na Real Parque, a relação dos indígenas com a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o que pensa sobre educação. Enfatiza, ainda, as dificuldades no reconhecimento de sua identidade indígena: “E nós, indígenas que perdemos nossa língua, não temos mais as características físicas que as pessoas esperam ver, que não estamos na aldeia? Pois é, temos que provar todos os dias quem somos, que temos conhecimento da nossa cultura e que mesmo assim moramos na cidade grande”.

anos vieram para São Paulo em busca de melhores condições de vida, de emprego e, no decorrer das décadas, foram se instalando nesse bairro e recebendo outros parentes da aldeia que vinham em busca do mesmo sonho. Hoje, podemos dizer que a comunidade do Real Parque seria uma segunda casa para os Pankararu. Quais são as principais lutas defendidas pelos Pankararu na cidade de São Paulo? Podemos dizer que uma das maiores preocupações da comunidade Pankararu, atualmente, é a questão da moradia, pois a comunidade está instalada dentro de uma favela, onde existem famílias morando em prédios do Cingapura e outras que ainda moram em barracos e que podem ser desapropriadas a qualquer instante. Além disso, a questão da saúde, como na maioria das comunidades indígenas espalhadas pelo país, fica muito a desejar. Mas também há uma crescente preocupação com o ensino. Muitos jovens estão terminando o ensino médio sem perspectiva de cursar uma faculdade. O único programa que garante realmente bolsas para os estudantes indígenas, com o apoio de alguns coordenadores, é o Projeto Pindorama da PUC-SP, mas que infelizmente só pode receber 12 alunos indígenas por ano. Como está a questão da educação nas aldeias

indígenas? Você tem percebido a implantação de políticas públicas para a educação indígena no Estado de São Paulo? Acho que a educação nas aldeias está mais encaminhada do que a educação oferecida fora delas, pois dentro da aldeia são ensinados, além das disciplinas normais [do currículo], os costumes da aldeia. Em São Paulo, as políticas públicas para educação indígena que conheço são aplicadas nas aldeias Guarani (Parelheiros e Pico do Jaraguá). Há também a tentativa de aplicação da Lei Federal n° 11.645/08, que obriga o ensino da História dos povos indígenas nas escolas. Qual tem sido a atuação da Funai junto às populações indígenas que vivem em São Paulo? Ela se preocupa de fato com essas populações e contribui para o seu desenvolvimento educacional? A Funai existe ainda porque ainda existem indígenas no país, mas o funcionamento do órgão deixa muito a desejar. A maioria dos funcionários desconhece as peculiaridades de cada povo e, em muitos casos, não sabem lidar com os problemas que surgem dentro e fora das aldeias. As verbas repassadas pelo governo federal para a Funai muitas vezes não chegam ao seu destino, e não são raras as aldeias em que os indígenas passam fome. A meu ver, isso tem um nome: má administração. Quanto ao desenvolvimento educacional, a divisão de verbas é muito injusta. Há indígenas que, pelo fa-

to de morar em aldeias, recebem em torno de R$ 400,00 de bolsa-auxílio, enquanto os estudantes indígenas da cidade de São Paulo recebem R$ 75,00 mensais. Acho que a Funai deveria ter maior respeito [pelos indígenas que moram em áreas urbanas], afinal de contas somos indígenas mesmo não morando na aldeia, mas pagamos condução, compramos livros, enfim, temos gastos. Como você observa a atuação das universidades públicas e privadas no apoio das conquistas e reconhecimentos da luta dos povos indígenas? Das universidades públicas, as únicas que tenho conhecimento que garantem bolsas para indígenas são a UFSCAR [Universidade Federal de São Carlos] e a UNB [Universidade Federal de Brasília], através de cotas. Acho que as universidades públicas deveriam abrir mais espaço para o ingresso de estudantes indígenas, pois já foi demonstrado que temos capacidade. Das universidades particulares, pelo que sei, a única que tem um programa específico para os estudantes indígenas é a PUC-SP. Inclusive, vale salientar que na PUC-SP temos o apoio de um grupo de pessoas juntamente com um coordenador (do Projeto Pindorama). Durante esse tempo em que você frequentou a universidade, quais os aspectos negativos e positivos que você destacaria? O ponto falho é a nossa falVanessa Ramos

Jovens de várias etnias exibem seus diplomas

ta de preparo ao ingressar na faculdade, pois a maioria de nós cursou escola pública, o que inclusive levou alguns colegas a desistirem de seus cursos por não se verem tão preparados. Positivo foi saber que, no decorrer do curso, se podia contar com o apoio dos coordenadores do projeto, ver o Programa Pindorama se expandindo, sendo conhecido em outros estados, ver colegas se formando em diversas áreas e alguns trabalhando para suas aldeias. Houve apoio da sua comunidade para que você estudasse ou há resistência quando surgem oportunidades como essa? Com certeza tive o apoio da comunidade, pois somos carentes de profissionais que entendam nosso modo de viver, nossa luta e nossos costumes. Cada vez mais a comunidade se abre para essas oportunidades, justamente por entender que só o indígena para compreender as peculiaridades de outros indígenas. Após ter se formado em Direito, como pensa em contribuir junto a sua comunidade e à causa indígena no Brasil? Já contribuo há algum tempo, pois presto serviço a uma Ong [Ação Cultural Indígena Pankararu] criada e formada por indígenas Pankararu, da comunidade do Real Parque, e minha intenção é expandir meus conhecimentos trabalhando pela causa indígena em outros locais. Sempre participo de eventos que tratam dos direitos dos povos indígenas. O que pensa sobre o movimento indígena no Brasil? Há perspectivas animadoras? O movimento indígena está se aperfeiçoando. Cada vez mais encontramos indígenas atuando em suas comunidades, no terceiro setor e no setor público. O melhor é que são profissionais que atuam em diversas áreas: pedagogos, assistentes sociais, antropólogos, advogados, enfim, estão se preparando cada vez melhor. Como se dá a relação entre as lutas pelos

direitos humanos e a causa indígena no Brasil? Acho que os direitos humanos não alcançam as reivindicações das populações indígenas. Cada povo tem sua especificidade, seu jeito. A causa indígena é muito mais antiga, nossa resistência é anterior às leis. Lutamos há mais de 500 anos pela nossa sobrevivência. Nesse processo de conquista dos direitos, resistência e luta dos povos indígenas, há atuações de lideranças que marcam, como por exemplo, da advogada indígena Joênia Wapichana. Joênia passa a ser uma inspiração para você? Acho que minha inspiração real vem de todos esses séculos de “recusa” dos povos indígenas, das discriminações sofridas, o total desconhecimento de nossa cultura e do nosso modo de viver, da negação dos nossos direitos. Claro que a Joênia é uma inspiração também, mas ela ainda tem uma vantagem, mora na aldeia, tem fenótipo de uma indígena, aquela que todos estão acostumados a ver em livros, e deve falar a língua do seu povo. Mas, e nós, indígenas que perdemos nossa língua, não temos mais as características físicas que as pessoas esperam ver, que não estamos na aldeia? Pois é, temos que provar todos os dias quem somos, que temos conhecimento da nossa cultura e que mesmo assim moramos na cidade grande. Após a conclusão do curso de Direito, quais suas perspectivas? Em sua comunidade, como pensa em atuar daqui para frente, levando em conta sua área de formação? Ficaria muito feliz em trabalhar com a questão indígena na área que escolhi, que é o Direito. Quanto a minha atuação na comunidade, vou continuar com meu trabalho na Ong e tentar alguma parceria que possibilite prestar serviço voluntário de consultoria jurídica para as pessoas da comunidade. (Beatriz Maestri é do Conselho Indigenista Missionário – Cimi)


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Incra e MDA “vendem” terras na Amazônia Legal MEIO AMBIENTE Medida Provisória 458/2009 legaliza áreas griladas de até 2.500 hectares Luís Brasilino da Reportagem UMA “BANDA podre”, que incluiria funcionários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), teria “vendido” mais de 67 milhões de hectares em terras públicas para grileiros na Amazônia Legal. Uma área superior a do território da França. A denúncia foi feita pela Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) no dia 13, em debate realizado no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP). De acordo com manifesto da entidade, a operação começou nas superintendências regionais (SRs) do Incra, mas seu desfecho foi em Brasília: a edição da Medida Provisória 458/2009, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 11 de fevereiro. “É um enorme empreendimento imobiliário a favor de grileiros contraventores que se apropriaram do patrimônio público”, declara o texto da Abra. Ariovaldo Umbelino, professor de Geografia da USP e responsável por apresentar o projeto no debate, não tem dúvida de que o objetivo da medida é regularizar o grilo na Amazônia Legal. Ele garante que uma banda podre do Incra foi entregando paulatinamente terras da região para os grileiros. Depois, estes protocolavam pedidos de regularização fundiária nas superintendências regionais. Para Ariovaldo, o passo seguinte do Incra e do MDA foi pressionar no sentido de mudar a legislação, aumentando a extensão das áreas passíveis de regularização. Conteúdo da MP Nesse ponto, entraria a MP 458. Ela regulariza, sem licitação, áreas da Amazônia Legal que possuem até 15 módulos fiscais – ou seja, no máximo, 1.500 hectares – e cujas posses sejam anteriores a dezembro de 2004. A titulação dos minifúndios (1 módulo fiscal) será gratuita; as pequenas (de 1 a 4) serão repassadas por um valor abaixo do mercado; e as médias (de 4 a 15), pelo preço de mercado. Além disso, desde que não ultrapassem 2.500 hectares

(limite constitucional para a venda de terras públicas sem a necessidade de aprovação no Congresso), áreas com mais de 15 módulos fiscais (grandes propriedades) podem ser adquiridas por meio de licitação, “sendo a ele [o ocupante] garantido o direito de preferência”, conforme o inciso II, parágrafo 1º, do artigo 13 da medida. “Licitação com direito de preferência para o grileiro?”, questiona Ariovaldo. Por fim, a MP estabelece que as posses podem ser pagas em até 20 anos, com carência de três, ou à vista, com 20% de desconto. O professor da USP entende, ainda, que a medida iguala posseiros e grileiros, ao admitir a ocupação indireta (“exercida somente por interposta pessoa”, artigo 2, inciso II) e a exploração indireta (“atividade econômica exercida em imóvel rural, por meio de preposto ou assalariado”, artigo 2, inciso IV).

Plinio Arruda Sampaio acredita que a medida também serve para lavar títulos de propriedade que, no futuro, poderão ser comprados pelo agronegócio Conluio Incra Agora, o ciclo se completa. Segundo o manifesto da Abra apresentado no debate, “todas as terras públicas da Amazônia Legal já estariam divididas em lotes inferiores a 2.500 hectares, normalmente 2.499 hectares”, ou seja, cujas compras não precisam passar pelo Congresso. Ariovaldo acrescenta que os pedidos de aquisição de áreas da Amazônia Legal já estão protocolados, desde o final de 2004, nas SRs de Marabá (PA), Belém (PA), Cuiabá (MT), Porto Velho (RO), Manaus (AM) e Rio Branco (AC). De acordo com ele, só na superintendência da capital paraense existem 16.860 pedidos. O professor

explica que é assim que a MP premia a grilagem. E conclui com um alerta: “o crime cometido contra o patrimônio público é imprescritível”. Plinio Arruda Sampaio, presidente da Abra e promotor do debate na USP, acredita que a medida também serve para lavar títulos de propriedade que, no futuro, poderão ser comprados pelo agronegócio. Segundo a Medida Provisória, as propriedades poderão ser vendidas dez anos depois de legalizadas. Forma incorreta O senador Eduardo Suplicy (PT/SP) também esteve no debate no IEA/USP. Falando em seu nome e no da colega Marina Silva (PT/AC), ele criticou o fato das regularizações estarem sendo feitas via MP. “Deveria ser um projeto de lei, dada a complexidade”, afirmou, lembrando que o território atingido é superior ao da França. O parlamentar também condenou a precariedade dos critérios para definir a posse, especialmente o aspecto autodeclaratório. “[A regularização] deveria estar dentro de um programa de ordenamento territorial, para separar a posse mansa e pacífica da grilagem”, apontou.

Para entender Módulo fiscal – Terreno suficiente para a sobrevivência de uma família. A área varia de município para município, podendo atingir, no máximo, 100 hectares. A Lei nº 8.629 estabelece que são minifúndios as posses com até 1 módulo fiscal; pequenas propriedades possuem de 1 a 4 módulos; as médias, entre 4 e 15; e as grandes, mais de 15.

Para governo, MP favorece pequenos e preserva floresta Medida vai regularizar mais de 200 mil minifúndios, e beneficiados precisarão manter 80% da mata em pé da Reportagem O governo federal sustenta que a Medida Provisória 458 possibilitará a regularização fundiária, em três anos, de 296,8 mil terrenos em 436 municípios da região, por meio do Programa Terra Legal. De modo a acelerar o processo, que levaria 40 anos para normalizar os 67,4 milhões de hectares em terras públicas não discriminadas (devolutas) existentes na região, o rito de titulação estaria sendo simplificado com a MP 458, em tramitação na Câmara dos Deputados. Desse modo, o Incra e o MDA, responsável pela condução do processo através da sua Diretoria Extraordinária de Regularização Fundiária

na Amazônia Legal, esperam beneficiar pequenos posseiros (211.327 minifúndios de até um módulo fiscal seriam atendidos) e conter o desmatamento da floresta. Eles lembram que os beneficiários teriam que cumprir a legislação ambiental, que determina a preservação de 80% da mata nativa. Uma negação Porém, no debate promovido pela Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), Ariovaldo Umbelino, professor de Geografia da USP, rebateu as alegações do governo, explicando que tais objetivos não serão atingidos. Ele lembra que a floresta tem sido destruída independentemente da regularização ou não da propriedade. “No Mato Gros-

so, por exemplo, nenhuma fazenda respeita o código [florestal]”, completa. Com relação aos beneficiários da titulação, Ariovaldo apresentou números coletados durante a elaboração do II Plano Nacional de Reforma Agrária, em 2003, sobre a concentração fundiária das terras atualmente ocupadas por posseiros ou grileiros na Amazônia Legal. Ao todo, são 42,2 milhões de hectares. Os minifúndios e pequenas propriedades, apesar de estarem em 282.176 imóveis (93% do total), ficam em uma área que não chega a 40,6% do total. Já as médias somam 13.435 terrenos e ocupam 17,3% do total. Por fim, existem 6.846 grandes propriedades, que abarcam 42,1% das terras. (LB)

Terras públicas federais do Incra – As áreas arrecadadas, que aparecem no mapa em amarelo, serão as atingidas pela MP 458, ou seja, os 67,4 mi de hectares não discriminados. Aquelas que ficam numa faixa de até 150 km da fronteira não serão afetadas. Os terrenos em laranja são aqueles que o Incra arrecadou e já regularizou

Prêmio à grilagem é estímulo ao agronegócio Opção pela produção destinada à exportação em grandes propriedades explica legalização de terras de até 2.500 ha da Reportagem O avanço das medidas de legalização da grilagem na Amazônia é reflexo da opção do governo federal pelo agronegócio, em detrimento da reforma agrária e da agricultura familiar. Para comprovar tal análise, Ariovaldo Umbelino, professor de Geografia da USP, fez, em debate sobre a Medida Provisória 458/09, um breve resgate da política agrária e ambiental da atual gestão. De acordo com ele, a escolha do governo pode ser observada, por um lado, na evolução dos números de assentamentos de reforma agrária. Em 2003, ele se comprometeu a dar terra para 400 mil famílias até o fim do mandato. Ano a ano, porém, as organizações sociais foram ficando insatisfeitas com o andamento da reforma agrária. Até que, em 2006, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) emitiu nota criticando os números – que seriam “inflados” – do governo.

Para José Vaz Parente, da associação de servidores do Incra, o que está em questão é a manutenção de um modelo concentrador e excludente e a sua expansão O Incra respondeu. Disse que havia assentado semterra de outros movimentos e prometeu publicar os nomes dos beneficiados. Ariovaldo conta que a relação foi disponibilizada no site do órgão durante um dia. Tempo suficiente para ele copiar a lista. “Li os nomes e descobri que, por exemplo, em Barra do Corda [MA] apareciam 900 famílias que tinham sido assentadas pelo Getúlio Vargas em 1942”,

relata. A inclusão de ações de outros governos se repetiu diversas vezes. Outro expediente amplamente utilizado foi a classificação de projetos de reassentamento e reorganização e regularização fundiárias como sendo reforma agrária. Depois de tirada do ar, a relação voltou, mas a data dos assentamentos havia desaparecido. “Já havia uma determinação de só fazer reforma agrária com pressão”, comenta Ariovaldo. De outro lado, em 2003, o preço da soja disparou no mercado internacional. “Foi o período que o país obteve seus maiores superavits comerciais”, conta o professor. O resultado, então, tornouse importante dentro da política econômica do governo. Esse processo culminou em 2007, com o plano nacional de produção de etanol. Madeireiras José Vaz Parente, da direção nacional da Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra (Cnasi), afirma que a Amazônia não é diferente do quadro nacional. Para ele, o que está em questão é a manutenção de um modelo concentrador e excludente e a sua expansão. Na região amazônica, a atividade econômica inaugural em terras de mata nativa é a extração de madeira. Esta é seguida pela pecuária e, depois, pelo cultivo de grãos, no processo conhecido como expansão da fronteira agrícola. Quando assumiu o Ministério do Meio Ambiente em 2003, a então titular da pasta, Marina Silva, montou um esquema para coibir a derrubada da floresta. Incomodados com a situação, em 2005, madeireiros trancaram rodovias e rios no Pará para pressionar por uma maior flexibilização em relação às retiradas das toras. O governo federal criou então, em novembro de 2005, a superintendência regional 30 (SR-30), do Incra em Santarém (PA). O órgão começou a tocar um projeto de “desenvolvimento sustentável” que baseava-se na criação de assentamentos coletivos com planos de manejo flo-

restal. Segundo Ariovaldo, os madeireiros negociavam com os supostos assentados e faziam a exploração da área. O Ministério Público Federal descobriu o projeto e entrou com processo de improbidade administrativa contra os funcionários do Incra. No dia 17 de outubro de 2006, o juiz federal Antonio Carlos de Almeida Campelo afastou o superintendente da SR-30, Pedro Aquino de Santana, junto com outros quatro servidores. A Justiça proibiu o prosseguimento do esquema.

“Agora, fazem o desmatamento durante a época de chuvas; assim, o satélite é incapaz de detectar a derrubada” Grilos legais Desde então, a tática do governo vem sendo regularizar extensões cada vez maiores de terras griladas na Amazônia. Esse processo já tinha começado em 2005 com a “MP do Bem” – hoje, artigo 118 da Lei nº 11.196. Com a medida, o tamanho das terras públicas passíveis de titulação passaram de 100 para 500 hectares. Em 2008, o governo foi além. Com a MP 422/08, possibilitou a regularização, sem licitação, de propriedades de até 1.500 hectares. Por fim, veio a MP 458/09, que eleva esse limite até 2.500 hectares, o máximo permitido pela Constituição. Ariovaldo acrescenta que, recentemente, os madeireiros desenvolveram uma nova forma de driblar a fiscalização do governo em suas áreas. “Agora, fazem o desmatamento durante a época de chuvas; assim, o satélite é incapaz de detectar a derrubada”, coloca. (LB)


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Bancos compram títulos com depósito compulsório Valter Campanato/ABr

CRISE FINANCEIRA Com juros elevados, bancos não realizam empréstimos e investem dinheiro no mercado financeiro Dafne Melo da Redação ‘’TEMOS UM problema no mundo chamado acesso ao crédito’’, assim o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resumiu a crise econômica mundial dia 16 de março, em Nova York. Entretanto, economistas apontam que as medidas do governo federal desde o início da crise têm sido totalmente ineficazes para restabelecer a liquidez no país. Uma dessas medidas, realizadas ainda no final do ano passado, foi a diminuição dos depósitos compulsórios que as instituições bancárias devem manter no Banco Central. O objetivo era justamente injetar mais dinheiro na economia, via empréstimos financeiros bancários. Márcio Pochmann, presidente do Instituto de Políticas Econômicas e Aplicadas (Ipea), aponta que não foi isso que aconteceu. “A redução dos compulsórios, sem que se reduzisse a taxa de juros, não surtiu o efeito anunciado. Com mais recursos, os bancos vão investir naquilo que é mais rentável e, em vez de aumentar os créditos e alavancar o setor produtivo, vão investir em títulos da dívida pública”, explica o economista. Contrapartidas O presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, declarou que, até 11 de fevereiro, os bancos deixaram de depositar R$ 99,8 bilhões no BC. Em tese, essa quantia estaria à disposição daqueles que quisessem obter créditos nos bancos. Entretanto, com os juros altos, poucos são os que se atrevem a captar recursos junto às instituições bancárias, embora a demanda no país seja alta. Como exemplo, afirma que antes da crise estourar, 20% dos recursos obtidos aqui eram capturados no exterior. Com a falta de crédito em todo mundo, essas fontes secaram e muitos bancos pequenos e empresas estão sem possibilidade de obter recursos. Os bancos, com dinheiro a mais em caixa e sem perspectivas de realizar empréstimos, investem no mercado financeiro e mantêm suas taxas de lucro altas, independentemente da crise. José Carlos

Maranhão rebelde Ameaçado de cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral, o governador Jackson Lago, do Maranhão, enfrenta a mais poderosa oligarquia atuante no Brasil, a da família Sarney, que controla aquele Estado há 40 anos e mantém tentáculos nos poderes estaduais e federais. Os movimentos sociais apoiam o governador e prometem resistir a mais essa violência do coronelismo político. A situação tende a esquentar. Barbárie gaúcha A violência desencadeada pelo governo do Rio Grande do Sul contra os movimentos sociais parece não ter limites: no dia 10, o Batalhão de Operações Especiais (BOE), da Brigada Militar, cercou o acampamento das mulheres da Via Campesina, na Fazenda Ana Paula, do Grupo Votorantim Celulose e Papel, em Candiota, destruiu barracos e prendeu mulheres e crianças. Uma barbaridade!

Quanto

R$ 99,8 bilhões é a quantidade de dinheiro que os bancos deixaram de depositar no Banco Central de outubro de 2008 a fevereiro deste ano.

de Assis, professor de Economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) concorda com a avaliação de que as medidas do governo federal serão insuficientes enquanto a taxa de juros continuar alta. “Com a maior taxa de juros do mundo, não é possível irrigar a nossa economia”, afirma. O correto, continua, além de abaixar a taxa Selic, é exigir contrapartidas dos bancos para garantir que seu destino seja injetar capital na economia, ou seja, aumentar a liquidez. Juros Pressionado e cada vez com menos justificativas para manter a taxa Selic tão elevada, o Conselho Político Monetário (Copom) a reduziu em 1,5%, em reunião realizada dia 11; foi a maior redução percentual desde novembro de 2003. Porém, para José Carlos de Assis, ela continua altíssima, e se o objetivo é reaquecer de fato a economia a médio prazo, ele deve abaixar cada vez mais, e rápido. As centrais sindicais e organizações comerciais e industriais também não festejaram muito a queda anunciada pelo Copom. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), em nota oficial, defendeu que as reuniões do Copom devem ser menos espaçadas e os cortes mais drásticos. Também afirmam que o órgão do BC deve ter controle social, com a inclusão de representantes do setor produtivo nas decisões. Para Assis, as justificativas recorrentes do BC para manter a Selic alta se mostram, no cenário da crise, cada vez menos consistentes. O medo da volta da inflação, por exemplo, estaria totalmente descartado. “Em momentos de crise, o medo geral é por deflação, por queda de preços. Dizer que não abaixa para controlar a inflação é uma justificativa falsa”, afirma Assis,

fatos em foco

Hamilton Octavio de Souza

Justiça parcial De acordo com o promotor Roberto Livianu, presidente da entidade Ministério Público Democrático, as constantes declarações públicas do presidente do Supremo Tribunal Federal, o latifundiário Gilmar Mendes, comprometem a necessária imparcialidade do Poder Judiciário e “são nocivas ao interesse público”. As opiniões pessoais e pré-julgamentos de Mendes atentam contra o decoro do cargo.

Boneco de Henrique Meirelles em protesto diante do Banco Central

que atribui as decisões do governo a uma postura ortodoxa que não admite mudanças na atual política fiscal brasileira, não permitindo aumento dos investimentos para acelerar a produção e gerar emprego e renda. Gastos De acordo com o economista Reinaldo Gonçalves, da Universidade Federal Fluminense, o conservadorismo do governo Lula diante da crise deixa para trás até mesmo os Estados Unidos. No último trimestre de 2008, o gasto público de George W. Bush, aumentou em 20%. No Brasil, o aumento foi de apenas 0,5%. Algumas tentativas têm sido esboçadas. Neste mês, o governo anunciou um novo pacote de financiamentos de casas populares. Assis acredita que, se conduzido de forma diferente, esse programa seria uma boa oportunidade para unir as demandas sociais com o combate à crise. “Claro que é algo positivo, mas insuficiente. Com financiamentos você não cria demandas novas, mas apenas

desloca orçamentos”. Ao seu ver, uma saída seria construir as moradias populares por meio de mutirões remunerados, formados pelas próprias pessoas da comunidade que estejam desempregadas e residam em bairros de periferia das grandes metrópoles. “Um programa como esse gastaria cerca de 1,5% do PIB e seria um investimento novo na economia. Além disso, geraria emprego em regiões metropolitanas, onde a taxa de desemprego é a maior”, opina (com informações do Vermelho – www.vermelho.org.br).

Para entender Depósito compulsório – Parte do controle monetário do país, o depósito é um dos instrumentos que o Banco Central (BC) usa para controlar a quantidade de dinheiro que circula na economia. Os bancos são obrigados por lei a manter parte dos recursos de seus clientes numa conta do BC, evitando a multiplicação excessiva da moeda.

COOPERATIVA CENTRAL DE CRÉDITO RURAL DOS PEQUENOS AGRICULTORES E DA REFORMA AGRÁRIA – CREHNOR CENTRAL CNPJ: 05.879.577/0001-39 / NIRE: 43400088547 DE 28/08/2003 ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA E ORDINÁRIA EDITAL DE CONVOCAÇÃO

O Coordenador Geral da Cooperativa Central de Crédito Rural dos Pequenos Agricultores e da Reforma Agrária – CREHNOR CENTRAL, inscrita no CNPJ sob o nº 05.879.577/0001-39, estabelecida a Av. Duque de Caxias, 1597 – sala 101, município de SARANDI, Estado do Rio Grande do Sul, no uso de suas atribuições que lhe confere o Estatuto Social, C O N V O C A todos(as) os(as) associados(as) que nesta data somam 06 (seis) em condições de votar, para reunirem-se em ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA e ORDINÁRIA, a serem realizadas no dia 31 de março de 2009, nas dependências da Sede da cooperativa, situada na Av. Duque de Caxias, 1.597 – sala 101, no município de Sarandi, às 8h (oito horas ) em primeira convocação, com a presença mínima de 2/3 (dois terços) dos associados em condição de votar, às 9h (nove horas ) em segunda convocação, com a presença de metade mais um dos associados em condição de votar, e às 10h (dez horas) em terceira e última convocação, com a presença de qualquer número de associados em condição de votar, para deliberar sobre os seguintes assuntos: Em regime de AGE: 1) Alteração do Estatuto Social, instituindo o “Conselho de Administração” através do Artigo 24 e incisos, renumerando os incisos subsequentes, e parágrafo II do mesmo Artigo, Artigo 35 e seus parágrafos I, II, IV, V, VI, com a inclusão de Artigos e incisos se assim a Assembleia decidir, renumerando os demais. 2) Alteração dos Artigos 30, inciso I e II, Artigo 37, 38 e incisos I, III e parágrafo II do inciso IV, Artigo 39 e incisos XXII, XXV, XXVI, Artigo 40, incisos I, III, IV, V, VI, Artigo 41, incisos VI, VII, X, Artigo 42, incisos VI e XI, Artigo 45, Artigo 49, incisos III, XI, XII, XIV parágrafo único, Artigo 59, Artigo 63, inciso I, artigo 64, Artigo 66, inciso IV, Artigo 67 do Estatuto Social; 3) Consolidação do Estatuto Social; A instalação da AGO acontecerá 1 (uma) hora após o término da AGE, para deliberar sobre a seguinte Ordem do Dia: Em regime de AGO: 1) Prestação de Contas do exercício de 2008, compreendendo: a) Relatório de Gestão; b) Demonstrativo de Resultados do Exercício Social; c) Apresentação do Parecer do Conselho Fiscal; d) Apresentação do Parecer de Auditoria; e) Destinação dos resultados apurados no exercício; 2) Eleição dos membros do Conselho de Administração; 3) Eleição dos membros do Conselho Fiscal conforme estabelece o Art.47 do Estatuto Social; 4) Fixação do valor dos honorários, das gratificações e da cédula de presença dos membros do Órgão de Administração e Conselho Fiscal; 5) Escolha dos Delegados para representação junto à CONFESOL; 6) Deliberação sobre o Orçamento para 2009; 7) Assuntos gerais de interesse da sociedade Sarandi (RS), 19 de março de 2009. Valdemar Alves de Oliveira Coordenador Geral

Proteção suprema Com esquema financeiro semelhante ao do banqueiro Daniel Dantas, o milionário estadunidense Bernard Madoff, de 70 anos, foi preso dia 12 sob as acusações de fraude, lavagem de dinheiro, roubo e falso testemunho. Vai ficar numa cela de seis metros quadrados, na cadeia de Nova York, até a audiência, em junho, quando será sentenciado. Aqui, os grandes estelionatários são protegidos pelo STF. Mais desemprego Autorizado pelo Banco Central e demais órgãos do governo a comprar o Banco Real, há menos de seis meses, o banco espanhol Santander já iniciou a degola dos funcionários do Real, primeiro com um “programa de incentivo à aposentadoria”, que deve atingir 5 mil trabalhadores, e, em seguida, com demissões nas agências que serão desativadas. Outros processos de fusão devem seguir o mesmo caminho. Alimento danoso Criada para supostamente defender os interesses nacionais e a saúde pública, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) está prestes a liberar o plantio do arroz transgênico da Bayer, que não é plantado comercialmente em nenhum lugar do mundo, mas segundo estudos independentes tem efeitos ruins para a saúde humana e o meio ambiente. A Bayer quer transformar o povo brasileiro em cobaia. Modelo tucano Protegido pela mídia e com forte apoio no Judiciário e na Assembleia Legislativa, o governador de São Paulo, José Serra, tem conseguido esconder a real situação financeira do Estado, em especial os R$ 20 bilhões de dívidas em precatórios empurradas com a barriga há vários anos. O governo prefere gastar em obras eleitorais a pagar as dívidas trabalhistas com milhares de trabalhadores. Cada qual com a sua prioridade. Confusão federal O geógrafo Ariovaldo Umbelino, da USP, deixa claro porque é contra a Medida Provisória 458, que trata da “regularização fundiária” na Amazônia: “A MP tenta buscar a equivalência entre o posseiro e o grileiro, criando uma confusão jurídica. A grilagem é um ato criminoso, enquanto a posse é a tentativa de encontrar um pedaço de chão para a sobrevivência da família. A posse é garantida pela Constituição, o grilo não.” Colarinho branco Convocado para novo depoimento na CPI dos Grampos, no Congresso Nacional, o delegado Protógenes Queiroz, da Polícia Federal, que investigou as maracutaias do Banco Opportunity, de Daniel Dantas, promete revelar os nomes das pessoas envolvidas nas remessas ilegais de recursos para o exterior, lavagem de dinheiro sujo e outros crimes. O Brasil espera isso desde o escândalo do Banestado.


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Onde estão os homens do presidente? PRIVATARIA Passados 15 anos da eleição de FHC, operadores das privatizações permanecem impunes e bem-posicionados no mercado Renato Godoy de Toledo da Redação O PLEITO DE 1994 que conduziu Fernando Henrique Cardoso ao Palácio do Planalto completará 15 anos, em outubro deste ano. À época, o tucano saiu do Ministério da Fazenda do então presidente Itamar Franco para tornar-se o candidato da situação, frustrando a segunda tentativa de Luiz Inácio Lula da Silva de chegar à presidência da República. Os anos de FHC no poder, que duraram até 2002, foram marcados pela implementação da nova moeda, o Real, que também terá seu 15º aniversário neste ano, e por um processo abrupto de desestatização, promovendo uma modernização conservadora e alijando o Estado de setores estratégicos da economia. O processo de privatização foi levado a cabo a despeito da forte oposição de partidos de esquerda e movimentos sociais. A contrariedade em relação ao processo não era advinda apenas de motivações ideológicas ou por orientação econômica, mas também pela maneira obscura como foram vendidas as estatais brasileiras. A desestatização de empresas bem-sucedidas como a então Companhia Vale do Rio Doce, Telebrás e Usiminas são acontecimentos repletos de indícios de abuso de poder e favorecimento a grupos privados. Durante os oito anos de FHC, nenhuma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as privatizações foi implementada. Nenhum membro do governo foi responsabilizado.

A desestatização de empresas bem-sucedidas como a então Companhia Vale do Rio Doce, Telebrás e Usiminas são acontecimentos repletos de indícios de abuso de poder e favorecimento a grupos privados Equipe hábil

Monetaristas e vitoriosos

Os monetaristas eram liderados pelo ministro da Fazenda, Pedro Malan, e pelos presidentes que passaram pelo Banco Central (BC), como Armínio Fraga, Francisco Lopes e Gustavo Franco. Economistas de formação, hoje todos ocupam altos postos no mercado financeiro – setor que foi, disparado, o que mais se beneficiou da política econômica dos anos FHC. Pedro Malan atualmente é presidente do Conselho Administrativo do Unibanco, instituição que recentemente foi adquirida pelo Itaú. Ele retornou ao setor privado após uma vistosa trajetória nas altas esferas da República. Já no governo Collor, foi indicado pelo ministro e banqueiro Marcílio Dias Moreira para representar o país no Banco Mundial, em Washington (EUA). No governo Itamar Franco, voltou ao país e assumiu o Banco Central, realizando uma “dobradinha” com seu parceiro Fernando Henrique Cardoso, que assumira o Ministério da Fazenda e despontara como candidato “natural” à sucessão presidencial. Malan ficou no Banco Central até o fim do governo Itamar. Assumiu a pasta da Fazenda já no início do governo FHC. Malan foi o único ministro a permanecer no mesmo cargo durante os oito anos de governo tucano. Nesse período, passou por atritos com grandes quadros do PSDB, como Sérgio Motta, Luiz Carlos Mendonça de Barros e José Serra. Em todas as ocasiões, saiu ileso e logrou vitória, chegando a ser cogitado como o candidato do tucanato à sucessão. Armínio Fraga, que veio a comandar o Banco Central após se desligar do Soros Fund, de Wall Street, pertencente ao megainvestidor George Soros, hoje controla a Gávea Investimentos, grupo que compra e vende ações de empresas como o McDonald’s. Outro expoente monetarista do governo foi André Lara Resende, que teve uma breve passagem pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social em 1998. Filho do escritor Otto Lara Resende, o economista se viu obrigado a renunciar após a divulgação dos célebres “grampos do BNDES”, que envolve boa parte dos expoentes monetaristas do governo.

Máquinas trabalham em mina da Vale: privatização realizada de maneira obscura

los Mendonça de Barros, foram interceptados, de forma ilegal, e revelaram que ambos articulavam um favorecimento ao amigo e ex-sócio Pérsio Arida, acionista do banco Opportunity. A operação dos membros do governo buscava fazer com que a Previ (caixa de previdência dos funcionários do Banco do Brasil) entrasse no leilão de forma a beneficiar o grupo Opportunity, controlado majoritariamente pelo banqueiro Daniel Dantas, preso em 2008 durante a operação Satiagraha.

Para implantar de vez o neoliberalismo no país, ainda incipiente em 1995, Fernando Henrique Cardoso selecionou quadros com diferentes formações políticas e profissionais

Ligações perigosas

À época, telefonemas entre Resende e o então ministro das Comunicações, Luiz CarWilson Dias/ABr

Para implantar de vez o neoliberalismo no país, ainda incipiente em 1995, Fernando Henrique Cardoso selecionou quadros com diferentes formações políticas e profissionais. De um lado, cardeais tucanos com familiaridade com a burocracia estatal, como Sérgio Motta e José Serra; de outro lado, o presidente foi o padrinho de uma nova geração de financistas de origem acadêmica, oriundos, sobretudo, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Ja-

Douglas Mansur/Novo Movimento

neiro (PUC-RJ). Assim, formou uma equipe com competência técnico-política e ampla habilidade para transitar entre o público e o privado. À época, convencionou-se denominar esses dois grupos no governo como desenvolvimentistas e monetaristas, respectivamente. Tal qual no governo atual, a principal queixa dos primeiros era relacionada à opção pelas altas taxas de juros e a falta de investimento público.

O caso repercutiu fortemente na imprensa, ganhou tons de escândalo e custou as cabeças de André Lara e Mendonça de Barros. Apenas isso. Não foram instauradas maiores investigações, e as ações dos agentes governamentais obtiveram sucesso. Daniel Dantas conseguiu arrematar parte do sistema Telebrás, edificando a Brasil Telecom, que teve uma das maiores disputas acionárias da história empresarial do país. Apesar de as ações serem em sua maioria de fundos de pensão como a Previ, Dantas sempre foi o chairman da empresa; até o ano passado, quando saiu após acertar a fusão com a Oi e beneficiar-se com uma anistia judicial que perdoava as ações de outros sócios contra o banqueiro. Casal das privatizações

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso

Envolvido no caso do BNDES, Pérsio Arida tem uma trajetória que simboliza a es-

treita relação de financistas com o setor público e o privado, bem como a constante migração de quadros de uma esfera para outra. Também oriundo da PUC-RJ, o ex-professor da universidade foi um expoente da geração de economistas neoliberais que chegou ao poder com o PSDB. Como teórico, teve respaldo internacional em encontros para discutir a desregulamentação da economia, ainda na era Reagan-Tatcher, nos anos de 1980. No governo FHC, ocupou os cargos de presidente do Banco Central por seis meses, em 1995, e do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), de 1993, ainda no governo Itamar, até 1995. O economista participou do seminário organizado em Washington, em 1989, de onde saíram diretrizes que edifica-

ram a agenda neoliberal no mundo. O evento, e a doutrina nele deliberada, ficou conhecido como Consenso de Washington. Daniel Dantas também esteve no encontro. Em 1995, então na presidência do BC, Arida passou o carnaval na casa de seu amigo banqueiro Fernão Bracher, do BBA, em plena crise financeira estourada no México. A maneira como o Banco Central conduziu a política cambial favoreceu a instituição de seu amigo, o que levantou suspeitas de informação privilegiada para a compra de dólares. O episódio desgastou Arida, que renunciou ao cargo. No entanto, ele e sua então esposa Elena Landau, ex-diretora de Desestatização do BNDES, foram para a iniciativa privada, justamente no Opportunity de Dantas. No banco, ambos foram sus-

peitos de conceder informações privilegiadas e de fazerem uso do prestígio que tinham junto a membros do governo. Arida foi representante do grupo no conselho de administração da Companhia Vale do Rio Doce, quando da sua privatização. Daniel Dantas, aliás, foi um grande operador que circundou o governo FHC por diversos momentos, sendo bastante privilegiado pelas privatizações. Dos agentes citados acima, apenas Dantas figura como réu no processo desencadeado pela operação Satiagraha, da Polícia Federal, e acabou sendo preso por poucos dias em 2008. Arida e Landau foram citados pelo relatório da operação como agentes do Opportunity Fund, que seria um órgão do grupo de Dantas destinado à lavagem de dinheiro.

Financistas da era FHC se rearticulam no Rio Malan, Fraga, Arida, entre outros, se reúnem discretamente e formulam políticas para governos tucanos da Redação Desde 2003, professores e ex-alunos da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) restauraram uma mansão no bairro da Gávea e criaram o Instituto de Estudos de Política Econômica. A Casa das Garças, como ficou conhecido o instituto, reúne teóricos do neoliberalismo e banqueiros que tiveram participação importante no governo de Fernando Henrique Cardoso e formularam a política de desestatização do país. O projeto conta com parcerias com universidades dos EUA e até organismos multilaterais, como o Banco

Mundial. No entanto, as atividades do grupo são pouco divulgadas, por determinação dos próprios participantes, e as reuniões são sempre fechadas. Além de afinidade com o discurso dos membros do grupo, deve se ter uma boa quantia de dinheiro para frequentar a Casa das Garças. No primeiro ano, a anuidade dos participantes chega a R$ 30 mil. Quantia que não deve ter feito falta a pessoas como Armínio Fraga, Pedro Malan, Pérsio Arida, André Lara Resende, Pedro Moreira Salles e Edmar Bacha, todos em altos cargos no sistema financeiro, quando não donos de poderosas instituições. Para o jornalista Luiz

Marcos Gomes, esse grupo de economistas formula políticas para serem implementadas num eventual próximo governo do PSDB. “O Instituto Casa das Garças se propõe a fazer estudos para serem aplicados no Brasil, como se fosse uma daquelas instituições dos EUA de grandes cabeças. Pouco se fala sobre eles. O [governador de Minas Gerais] Aécio Neves encontrou esse pessoal recentemente para pedir conselhos. Isso mostra que eles ainda mantêm boas relações com o poder. Para usar um termo do Antônio Gramsci, eles são intelectuais orgânicos da direita”, afirma Gomes, autor do livro Os homens do presidente, sobre a era FHC. (RGT)


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Desafio da esquerda: se unir para reinar CRISE Seminário articulado pela Assembleia Popular reuniu representantes de organizações sociais e sindicais de todo o país Eduardo Sales de Lima da Redação A CRISE econômica mundial traz um importante desafio para as forças progressistas: evitar o aprofundamento de uma outra crise, a da própria esquerda, que impede que as necessárias mobilizações dos trabalhadores sejam mais sincronizadas. Representantes de 35 organizações sindicais e sociais de todo o país, como MST, CUT, Conlutas, UNE e Consulta Popular, entre outras, puseram o dedo na ferida durante seminário da Assembleia Popular, realizado entre os dias 14 e 15 na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema (SP). À procura da palavra de ordem comum diante da crise, os dirigentes discutiram como características ideológicas e organizativas servem como empecilhos determinantes para se forjar a união nas lutas. A busca por tal união, segundo os líderes sociais, acontece, sobretudo, no transcorrer de experiências e diálogos construídos junto às bases e entre elas, e não apenas em reuniões entre as cúpulas das organizações. Mas, em termos gerais, Milton Viário, da direção executiva da Central Única dos Trabalhadores (CUT), que participou do encontro, se diz tomado por “muito otimismo”, pois “[o seminário] deu o primeiro esboço do que nós somos capazes de construir, que é a unidade da classe trabalhadora para lutar em defesa de um Brasil melhor”, ressalta. Repercutindo a assembleia, Viário reforça ainda a necessidade de uma reaproximação da esquerda sindical com a defesa dos recursos naturais brasileiros, apontando para

Gama

a intensificação das denúncias contra a Vale, que “rapina”, segundo ele, a riqueza do país. Brasil de Fato – A crise tem natureza sistêmica. Os representantes de movimentos sociais e sindicais e a esquerda não-partidária conseguem apontar caminhos sistêmicos para que o povo utilize a crise como uma oportunidade para enfrentar o capitalismo? Milton Viário – Com respeito a apontar caminhos, nós ainda estamos trabalhando com algumas reivindicações, mas ainda num cenário defensivo, de defesa do emprego. Me parece que o que a gente precisa construir nessa esteira, num próximo período, é uma estratégia de luta da classe trabalhadora brasileira para enfrentar toda a crise.

Se achamos que a crise é sistêmica, nós temos que botar o dedo na nossa ferida. O movimento sindical, hoje, com a sua forma de organização e luta, não está respondendo A avaliação dos movimentos sociais e sindicais com relação à crise convergiram muito, mas ainda acho que não con-

seguiram sistematizar ou enxergar o que está vindo pela frente. Além dos movimentos, as centrais sindicais precisam notar a importância do que é central, e não secundário. O que eu quero dizer com isso: há um nível de divergências entre as centrais sindicais, mas me parece que é naquilo que é secundário. Temos uma crise e, ao mesmo tempo, uma dificuldade enorme de nossa classe de reagir a ela. As centrais precisam se debruçar em cima disso e ver como a gente reúne forças para poder reagir diante da crise. Isso é a centralidade. Uma ação imediatamente necessária, então, seria tentar atenuar divergências táticas para construção de uma pauta unitária?

Isso. Para todos juntos podermos atingir esse objetivo de unidade, porque foi o ponto comum entre todos no seminário. Os movimentos sociais atestaram que a atual crise econômica é sistêmica e tem caráter prolongado. Mesmo assim, a demora de uma reação mais contundente da sociedade civil organizada não pode facilitar a execução de políticas sempre capitalistas por parte dos estados, até o término da crise? A correlação de forças vai determinar isso. Pessoalmente, acho que há um risco grande de que isso aconteça. Se achamos que a crise é sistêmica, nós temos que botar o

dedo na nossa ferida. O movimento sindical, hoje, com a sua forma de organização e luta, não está respondendo. Nós ainda não conseguimos responder e enfrentar a crise. Portanto, cada central sindical e cada organização sozinha não consegue enfrentar esse desafio. A Conlutas precisa da CUT, e vice-versa. A Intersindical necessita da CTB, e vice-versa. O ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega, falou na necessidade da democratização do Fundo Monetário Internacional (FMI) como mais uma resposta à crise econômica. Na sua opinião, isso poderá de fato acontecer ou será mantida a politica

Trabalhadores da Petrobras prometem greve nacional

de transferência dos recursos dos países pobres e emergentes aos países ricos? Estamos vivendo a ditadura dos grandes capitais, a ditadura do mercado. Democratizar o FMI seria a possibilidade de colocar os interesses da população dentro desse jogo de reorganização do mercado internacional. Agora, se continuar a ditadura do mercado, somente com os interesses do lucro, qualquer reforma nesse sentido vai ser como atirar pedra n’água: não causa efeito nenhum. Mas eu acho que tem espaço aí, principalmente para os países emergentes, sempre na perspectiva de levar em conta os interesses das populações, como por exemplo a questão alimentar, do emprego e da distribuição de renda. O seminário destacou também a escalada da ofensiva sobre os recursos naturais brasileiros. Como você vê os movimentos sociais se organizando para barrar essa investida? De duas maneiras. A primeira coisa é que os movimentos sociais precisam continuar e intensificar suas manifestações com relação à Vale. Ela era uma empresa estatal que pertencia ao povo e aos interesses da nação. Hoje, ela está rapinando o minério de dentro de nosso país para atender os interesses do grande capital externo. Está a serviço da geração de lucro. Devemos fazer a luta direta contra esses grupos econômicos, reforçando essa denúncia, e barrar esse processo. Em segundo lugar, precisamos construir um movimento popular, social, fazer com que a sociedade reaja e não aceite essa rapinagem.

João Zinclar

MOBILIZAÇÃO Com início previsto para o dia 23 de março, paralisação contra abusos pode durar até mais de cinco dias da Redação Os petroleiros vão parar. Pelo menos isso é que apontam as reuniões dos sindicalistas ligados à Federação Única dos Petroleiros (FUP) e à Frente Nacional dos Petroleiros (FNP) – principais entidades do setor no país –, além das assembleias locais de cada unidade da Petrobras. A greve geral unificada está marcada para ter início em 23 de março e busca enfrentar a redução de direitos dos trabalhadores e o corte de pessoal. Para as organizações sindicais, a empresa de capital misto utiliza a crise econômica mundial como argumento para atacar os direitos trabalhistas. Concretamente, os principais eixos da pauta dos trabalhadores são o pagamento da Participação de Lucros e Resultados (PLR) de 2008, com negociação imediata do regramento da PLR futura; o restabelecimento do pagamento do extraturno para todos os trabalhadores, mesmo os admitidos após 1999; a garantia dos postos de trabalho em todo o sistema da empresa; e condições seguras de trabalho. Para se ter uma ideia, a primeira parcela da PLR do ano passado deveria ter sido paga em janeiro. “Sempre se pagou; agora, com a crise, eles vêm com essa desculpa”, indignase João Antônio de Moraes, da FUP. A proposta inicial da Petrobras era começar a negociação oficial da PLR somente após a assembleia dos acionis-

tas, marcada para o dia 8 de abril. Atualmente, os sindicalistas estudam propostas recentes da empresa, o que poderá enfraquecer a greve nacional unificada.

A execução de uma greve unificada, em nível nacional, é vista também como resposta a um acúmulo de medidas postas em prática pela Petrobras Gota d’água A paralisação poderá se estender por tempo indeterminado, segundo a FNP, ou durar até cinco dias, de acordo com a FUP. Essa entidade informou que aproximadamente 80% das bases, que incluem funcionários de refinarias, plataformas petrolíferas, plantas de produção de petróleo na floresta, entre outras, já realizaram suas assembleias, e que até o dia 18 toda a categoria já teria se posicionado sobre a proposta de greve. Até o fechamento desta edição, no dia 17, das 44 plataformas da Bacia de Campos, no Estado do Rio de Janeiro (RJ), 33 já haviam concluído as assembleias, sendo que 29 delas aprovaram a paralisação.

A execução de uma greve unificada, em nível nacional, é vista também como resposta a um acúmulo de medidas postas em prática pela Petrobras. A suspensão do pagamento das horas-extras nos feriados (extraturno) aos trabalhadores da Refinaria do Planalto Paulista (Replan) admitidos a partir de 1999 significou “a gota d’água de uma série de ataques feitos pela Petrobras aos direitos dos trabalhadores”, de acordo com nota da FUP. Os trabalhadores da refinaria, a maior da Petrobras, cruzaram os braços por uma semana. Mesmo com a greve, a empresa optou pela produção, em detrimento da segurança, obrigando funcionários de alguns setores, como o Centro de Controle Integrado, a trabalhar por até 30 horas ininterruptamente. O Ministério Público do Trabalho foi chamado ao local. Somada à FUP, a FNP também reiterou seu apoio aos petroleiros da região de Campinas, onde se localiza a Replan, mais precisamente na cidade de Paulínia . “Os bravos companheiros(as) da Replan dão o exemplo: é na luta que nossos direitos são conquistados e mantidos!”, exalta nota da entidade. Terceirizadas Outro abuso apontado pelas organizações do setor petroleiro diz respeito aos vários contratos firmados entre a Petrobras e empresas terceirizadas que, por sua vez, estão reduzindo postos de

Petroleiros em greve na Replan, em Paulínia (SP)

trabalho. Segundo o sindicalista João Antônio de Moraes, o caso dos terceirizados é mais grave que o dos empregados diretos do sistema Petrobras, porque são mais vulneráveis em relação aos seus direitos trabalhistas por não estarem cobertos pela Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O artigo prevê o impedimento de demissão imotivada ou sem justificativa por parte do empregador. “Os funcionários diretos da Petrobras estão protegidos por ela”, atesta Moraes. Em razão disso, a FUP compreende que a greve contará com forte adesão dos petroleiros terceirizados, que, no primeiro dia da mobilização, paralisarão suas atividades por 24 horas. “Essas empresas dizem que estão se adequando à crise mundial ao despedir funcionários”, lembra Moraes. Os

petroleiros da Schlumberger e Halliburton, que prestam serviço para a Petrobras, estão, desde maio de 2008, sem reajuste salarial, porque as empresas se negam a avançar na negociação com as representações sindicais. A Halliburton chegou, inclusive, a demitir mais de 20 trabalhadores na Bacia de Campos. Acionistas garantidos A segurança no trabalho é outro dos eixos das reivindicações da greve unificada do dia 23 de março. O tema ecoa com mais força entre os prestadores de serviço. Desde 2000, já ocorreram na empresa 165 óbitos de petroleiros, dos quais 134 eram terceirizados e 31, trabalhadores diretos da Petrobras. As negociações entre a empresa e os trabalhadores ocorrem com pé no freio. A empresa alega que não tem dinhei-

ro. Apesar disso, segundo nota da FNP, no relatório do 4º trimestre, publicado na página eletrônica da Petrobras, ela obteve em 2008 um lucro líquido recorde 66% maior do que em 2007. Dessa soma, a empresa prevê um aumento de 51% de lucro para os acionistas, em comparação com o ano passado. Para os trabalhadores, outra conta. A FNP mostra que a razão da Participação nos Lucros e Resultados (PLR) em relação ao lucro líquido (PLR/LL) caiu 19%. Enquanto em 2007 os petroleiros receberam apenas 12,8% do que foi distribuído aos acionistas, em 2008, essa porcentagem foi de 11,5%. Agora, os trabalhadores terão que esperar pela decisão dos “donos” da empresa, que, justamente, disputam os lucros da Petrobras com os funcionários. (ESL)


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américa latina

Vitória da esquerda em El Salvador, esperança de mobilizações populares ELEIÇÕES Partido Arena, representante da direita, reconhece derrota histórica para Mauricio Funes, da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN). Porém, clima no país é de divisão e ataque midiático intenso contra o partido vencedor Sean Hawkey

Venâncio de Oliveira de San Salvador (El Salvador), especial para o Brasil de Fato e Pedro Carrano de São Paulo (SP) O SILÊNCIO massacrante cobria a noite de sábado (14), véspera das eleições decisivas em El Salvador. Estavam em jogo a candidatura do comunicador Mauricio Funes, pela Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), contra o partido no poder há 21 anos, a Arena, encabeçada por Rodrigo Ávila, antigo patrocinador dos esquadrões da morte nos anos de 1980. Nessa noite, chamada também de “a mais longa da história” do país, nenhuma das duas legendas podia fazer propaganda. Mas a tensão definitivamente estava instalada no ar. O período de guerra entre esses dois campos, durante os anos de 1980 e 1992, tem apelo no imaginário de todos. O medo foi o principal recurso usado na campanha da Arena. Este clima era traduzido nas ruas: o jovem Sam passou a juventude numa escola dos EUA. Estudante de negócios, teme a vitória de Funes. “Pode ser que ele seja bom. Mas por trás dele estão os guerrilheiros. Meus pais viveram a guerra. Não podíamos sair. Tínhamos medo do tiroteio. Não esquecemos isso tão fácil”, relata. Uma outra versão é narrada por quem viveu a história do lado do povo. “Era fácil caminhar nas calçadas e ver mortos na lata de lixo. Este candidato da direita (Ávila) foi chefe dos esquadrões da morte. Temos de tirar eles. São fascistas”, comenta Denz, que acordou às quatro horas da manhã de domingo para ser fiscal eleitoral pelo FMLN. No dia 15, em um país onde o povo não tem acesso a serviços básicos, a tensão e a histeria anticomunista não barraram a vitória de Mauricio Funes, que obteve 51,2% dos votos, de um total de 2.630.137 eleitores.

Partidários de Mauricio Funes celebram a vitória do candidato da FMLN nas ruas de San Salvador

Ávila atingiu 48,73%. É o fim do primeiro round de uma campanha marcada pelo assistencialismo televisionado, doação de casas e comida – algo permitido pela legislação eleitoral. Na semana do pleito, a Arena transportou indocumentados de países vizinhos para votar em sua legenda. Ávila reconheceu a derrota. Seus correligionários, porém, respondiam ao seu discurso: “Pátria sim, comunismo, não”.

Em seu primeiro discurso após a vitória, Funes recordou os mártires na guerra, mas fez também uma fala conciliatória. “Não podemos ser vingativos. Eu perdoo a Arena por sua campanha suja. Vamos governar para todos. Quero agradecer aos apoios dos velhos democratas cristãos, dos outros partidos”, disse, referindo-se à fração de partidos aliada ao FMLN na polarização final da campanha.

Desafios O presidente eleito Mauricio Funes assume a presidência do país no dia 1º de junho de 2009 e vai enfrentar dificuldades. Na capital, San Salvador, assume o opositor Norman Quijano, da Arena, que venceu o pleito de janeiro com a palavra de ordem: “Paz, limpeza, segurança”.

Esperança Veronica, mãe solteira que trabalha no mínimo 12 horas por dia como garçonete, para ganhar 300 dólares mensais, tem esperanças em mudanças. A jovem de 21 anos nasceu um ano antes do levante de 1989, momento crucial da guerra. “Meu sonho é que Funes cumpra sua promessa de

ajudar as mulheres, crescer a economia e dar emprego para os jovens”. Veronica é uma entre várias mães solteiras de um país que paga um salário de R$ 162,76 para a trabalhadora de fábrica, ao passo que a cesta básica está fixada em R$ 170. Sem contar os serviços de educação, saúde e transporte. O programa de Funes prevê a criação de um hospital para atendimento especial das mulheres. Dois discursos El Salvador está dividido ao meio. Funes busca amarrar o apoio estadunidense e sinalizar uma aproximação com a América Central e com o Sul. Já nas ruas, são dois discursos em questão, algo reforçado pelo resultado numérico das urnas. “Estou feliz por termos tirados os fascistas. Mas tenho medo. As pessoas

3% de crescimento anual do PIB; 17%, valor representado pelo envio de remessas de trabalhadores migrantes, sendo que 80% das remessas partem dos Estados Unidos; 2,5 milhões, número de imigrantes salvadorenhos; 4,900 mil dólares, renda per capita no país; 10. Número previsto de projetos de construção de barragens; 600 mil. Número de pessoas que passam fome em El Salvador, 10% de sua

arrastados totalmente”, descreve. Gutiérrez defende que o momento é de unificação do campo popular pautado em lutas. Boa parte da composição da classe trabalhadora salvadorenha está em outros solos: 2,5 milhões de salvadorenhos são trabalhadores migrantes, em um total de 6,9 milhões de pessoas. As remessas são fundamentais para o país, responsável por 17% do PIB, atrás apenas do setor de serviços (60%), que cresceu a partir das políticas de importação de produtos e que envolve cerca de 500 mil trabalhadores apenas na capital do país. (VO e PC)

população, segundo dados da FAO de 2005. Em 1980, o setor agrícola representava

38% da população, e passou a representar 10% no ano 2000. (VO e PC)

Divulgação

É preciso conhecer o derrotado nestas eleições: o partido Arena, após a assinatura dos Acordos de Paz, em 1992, venceu três eleições presidenciais seguidas. Porém, dizer que a Arena está no poder há 21 anos é relativo. Na realidade, a oligarquia salvadorenha, exportadora de café, foi a protagonista do massacre de índios, camponeses e pobres, conhecido como “ La Matanza ”, na década de 1930. Combateu as forças guerrilheiras e o povo na década de 1970 e 1980. Assassinou o arcebispo Oscar Romero. Até a assinatura dos Acordos de Paz, o processo eleitoral sempre foi militarizado em El Salvador. Nos anos de 1990, a Arena consolida o discurso neoliberal de abertura à produção das fábricas maquiladoras e o consequente abandono da produção camponesa. Torna-se importadora e assiste passivamente à migração massiva de mãode-obra para o exterior. O FMLN também passou por mudanças ao longo dos anos, enfrentando o refluxo das lutas nos anos de 1990.

Manteve-se como um partido massivo, mas sem a mesma capacidade de enfrentamento. Dagoberto Gutiérrez, militante histórico do partido comunista e ex-parlamentar, que deixou a Frente para formar a organização Tendência Revolucionária (TR), analisa que a derrota da Arena é o fator fundamental neste momento histórico. Nessa conjuntura de crise econômica, é o momento de verificar as possibilidades da Frente. “A vitória do FMLN é a possibilidade de que a crise seja distribuída socialmente e que os mais fracos e vulneráveis sejam protegidos e não sejam

Funes comemora: possibilidade de distribuir a crise socialmente

Promessa O período eleitoral causou motivação entre a militância do FMLN. Resta saber se a militância da Frente saberá contagiar as massas populares após este período. “Foi uma batalha difícil, as empresas queriam obrigar seus funcionários a votar em Ávila. Acho que agora podemos romper com a corrupção. Não vai ser a revolução, mas podemos cobrar mais impostos dos ricos. Não é o mes-

mo contexto do Brasil. Tenho a esperança que Funes vai radicalizar”, analisa a educadora suíça Ana Bickel, que foi militante das Forças Populares de Libertação (FPL), uma das correntes político-militares que formaram a Frente. “É possível fortalecer as organizações populares no governo Funes. Porém, vai continuar a mesma agenda neoliberal. Não vão querer se confrontar com as empresas privadas. Mas vai ter um espaço novo, no nível da subjetividade das pessoas. Elas vão sentir mais liberdade depois da saída de um partido fascista. As pessoas hoje têm esperança”, comenta Remberto Nolasco, educador e pesquisador do Centro de Investigação sobre Investimento e Comércio (Ceicom).

Economia sobre o período Arena

As forças políticas salvadorenhas de San Salvador (El Salvador), especial para o Brasil de Fato, e de São Paulo (SP)

vão querer soluções concretas imediatas. Vai ser difícil para Funes conseguir satisfazê-las. Vai necessitar de uma conjuntura internacional para ter êxito, senão não consegue. A direita vai se apoiar no descontentamento da população”, comenta o militante Erick Barrera, da Fundação Promotora de Cooperativas.

Crise econômica converte Alba em campo alternativo para América Central A influência do campo da Alternativa Bolivariana das Américas (Alba) disputa espaço no continente. Ao longo da história do século 20, a América Central foi um cavalo de batalha do imperialismo estadunidense, interessado nos recursos hídricos, como o lago de Nicarágua, e no Canal do Panamá. Durante o período de Ronald Reagan, duas eram as preocupações: que a revolução sandinista não se alastrasse (1979) e a implementação de políticas que acabassem com o mercado interno na América Central e no Caribe. Dependentes de petróleo, a proximidade com a Venezuela impõe-se em um contexto de crise econômica. O governo sandinista de Daniel Ortega (FSLN), eleito em 2006, foi o primeiro a aderir. Honduras é governada por Mel Zelaya, do Partido Liberal, o que não o impediu de aderir à Alba. Com isso, o discurso de Zelaya foi tensionado à esquerda, chegando a implementar projetos sociais, programa de previdência social e manifestação de apoio político a Chávez. Funes pode seguir o mesmo caminho da Alba, ao mesmo tempo que busca posicionar-se como próximo ao governo Lula, em projetos como o da produção de etanol, em meio aos ataques da mídia e acusações de alinhamento com Chávez. (VO e PC)




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de 19 a 25 de março de 2009

américa latina

A crise do capitalismo chegou à Bolívia Olmo Calvo/CC

ECONOMIA Dependentes da exportação de matérias-primas, cujo valor está em queda no mercado mundial, os bolivianos sofrem os efeitos da crise e apostam na integração regional para contorná-la de capital fictício, que não tem correlação com a produção real”, analisa. Arze acredita que os efeitos dessa crise sobre o povo boliviano serão intensos, pois trata-se de um país integrado à economia global. “No caso da Bolívia, que depende basicamente da exportação de matérias primas, o impacto será bem sentido. Somos, como a maioria dos países da América do Sul, bem abertos. Estamos ‘globalizados’. O investimento estrangeiro direto vem caindo há vários anos. E com a crise será ainda menor, porque as empresas estão quebrando ou com restrições, avalia.

Fernanda Chaves correspondente em La Paz (Bolívia) A CRISE DO capitalismo vai afetar a Bolívia. Na verdade, já está afetando. Esta é a conclusão dos economistas ouvidos pela reportagem. A economia, essencialmente primária e exportadora de matérias-primas, já sofre com os efeitos da queda do preço dos minérios, sobretudo o zinco, que perdeu metade do valor no último ano. Na ponta, sofrerão os trabalhadores que perderão seus empregos – postos que o governo luta para salvar. Na avaliação do economista Carlos Arze, pesquisador do Centro de Estudos para o Desenvolvimento Laboral e Agrário (Cedla), trata-se de uma crise provocada pela aplicação intensiva do receituário neoliberal. “Primeiro, temos que entender que essa crise é expressão de uma crise ainda mais profunda, típica do capitalismo, cíclica. Mas agravada porque vem combinada com outras crises: alimentícia, ambiental etc. Ela acumula o efeito de muitos anos de um capitalismo parasitário, especulativo, que vigora desde a década de 1980, de geração Igor Ojeda

Impactos

Minerador: empregos em risco

Outro aspecto ressaltado por Arze é a queda nas remessas de dinheiro feitas por bolivianos que vivem no exterior. Segundo o pesquisador, esses imigrantes injetam na economia boliviana cerca de 1,3 bilhão de dólares, cerca de 10% do PIB. “Eles trabalham, sobretudo, no setor de construção, na Espanha. Mas se a crise está sendo sentida na Europa, sobretudo no setor imobiliário, eles podem perder seu emprego e retornar”, engrossando assim o desemprego no país. Por outro lado, ele afirma que a reduzida presença do sistema financeiro no país pode atenuar os impactos. “A Bolívia não tem um setor financeiro-econômico ligado às finanças mundiais como, no caso, o Brasil. Aqui, esse segmento é muito pequeno e não tem serviços nem atividades junto ao mercado internacional. A presença do capital financeiro especulativo, de carteira, é reduzidíssimo. Isso faz com que o impacto não se sinta por esse aspecto”, explica o pesquisador.

Trabalhador empurra carrinho de minério tendo ao fundo a cidade de Potosí

Alternativa

Por fim, o economista afirma que é um erro investir tanto em exportações e que uma boa saída para a crise seria investir no mercado interno. Neste ponto, a avaliação de Arze coincide com a opinião do vice-ministro de Planificação e Desenvolvimento. O também economista Abrahan Pérez acredita que o aprofundamento das relações econômicas da Bolívia com as economias emergentes pode funcionar como uma espécie de salvaguarda durante o período de crise. Durante entrevista ao Brasil de Fato, ele citou sobretudo Brasil e Argentina, além da China e outros países asiáticos como compradores das matérias primas bolivianas. De modo que o governo aposta na decisão destas economias em privilegiar a aquisição desses produtos primários expor-

tados pela Bolívia. “Há que ver com muito interesse o desenvolvimento da economia emergente latino-americano. Nós estamos bastante atentos a esse assunto. Portanto, se aumenta a demanda de minerais, que são matérias primas, há uma recuperação de preço dos minerais que nos permitiria ter o excedente para utilizar e transformar no nosso próprio padrão de acumulação, nosso estilo de desenvolvimento, (e empreender) um modelo distinto do que foi aplicado durante 20 anos, no neoliberalismo”, afirma. Minério e gás

Abrahan Pérez concorda que, no campo da mineração, a Bolívia vai sofrer com a crise do capitalismo. Para tanto, cita a brusca queda no preço do zinco no mercado mundial. A tonelada do mineral, o mais exportado pela Bolívia, che-

gou a valer US$ 1,4 em 2005 e US$ 3,3 em 2006, mas agora começa a recuar aos valores anteriores ao “boom” (ocorrido entre 2004 e 2008). Em 2003, por exemplo, a tonelada estava cotada a 74 centavos de dólar. Por outro lado, ele ressalta que recentemente foi descoberto que 60% das reservas mundiais de lítio estão na Bolívia, cujo valor da tonelada está em 3 mil dólares. No campo dos hidrocarburos, o vice-ministro discorda da avaliação de Carlos Arze, pesquisador do Cedla, quem acredita que o Brasil vai comprar menos gás natural da Bolívia devido ao longo período de chuvas que encheram os reservatórios das hidrelétricas brasileiras. Apesar disso, o vice-ministro Abrahan Pérez aposta na continuidade da demanda pelo gás boliviano: “Alguns ministros do Brasil, de escalão mais baixo, têm di-

to que vão comprar menos gás da Bolívia, mas esses anúncios são comuns antes do período de negociação para tentar baixar o preço. Eu acredito que o Brasil vai adotar a estratégia de considerar que seu mercado interno não está somente dentro de suas fronteiras mas em toda região. Nesse sentido, qualquer desenvolvimento necessita de energia”, afirma. Como a Bolívia vai atravessar a crise do capitalismo só o tempo dirá. Mas se depender da aplicação de medidas socialistas, como preconiza o campo popular (ver box), é bem provável que o país leve vantagem com as nacionalizações e com a maior presença do Estado na economia, conforme determina a Nova Constituição Política de Estado recentemente aprovada e vem sendo posta em prática pelo governo Evo Morales.

Diversidade em igualdade de condições: uma Constituição do século 21 Vice-presidente do Estado plurinacional boliviano fala sobre a nova Carta Magna do país e a correlação de forças gerada por ela Júlio Delmanto e Juliana Sada de La Paz (Bolívia) Como ato inaugural de uma série de debates sobre as modificações que a Bolívia sofrerá após a aprovação da nova Constituição Política do Estado, Álvaro García Linera, vicepresidente do Estado plurinacional boliviano, discursou dia 10 sobre os rumos institucionais do país e o “desenho do novo Estado”. Sob olhar atento dos cerca de 300 militantes e simpatizantes do Movimento ao Socialismo – Instrumento Político Para Soberania dos Povos (MAS-IPSP, partido no poder desde a posse de Evo Morales, em 2006), o intelectual e ex-guerrilheiro falou por duas horas acerca de suas concepções teóricas de organização estatal e das movimentações políticas e econômicas que alçaram outro “bloco histórico” ao posto de detentor da “hegemonia política, intelectual e moral” do país. Linera dividiu sua exposição em duas partes: uma mais teórica – com a definição de Estado e seu papel – e outra calcada na atual conjuntura boliviana, marcada pela ascensão de novos atores políticos ao poder, depois de quase duas décadas de neoliberalismo socialmente devastador, responsável pelo desmanche do Estado pensado pelos nacionalistas da Revolução de 1952. Segundo ele, cada Estado apresenta três “eixos transversais” que o definem: a ins-

titucionalidade (conjunto de normas, procedimentos, acordos e burocracias), arcabouço teórico e, principalmente, a correlação de forças que gera e sustenta esses outros dois eixos. No caso boliviano, essa correlação estaria mudando de alguns anos para cá, em favor do movimento popular. Desafio

Além de detentor do “monopólio da coerção legítima”, o Estado possui o monopólio da capacidade “de representar a vontade geral da sociedade”, explica Linera. Mas como se daria esse processo em uma sociedade dividida em classes? “Esse é o grande desafio do Estado, converter a divisão em unidade, em biocoletivo”, o que só acontece quando uma classe ou bloco possui a capacidade de “incorporar demandas e interesses do resto da sociedade”, constituindo o que Antônio Gramsci definiu como hegemonia. Depois de cerca de 30 anos de “hegemonia pequeno-burguesa”, representada pelo nacionalismo revolucionário triunfante em 1952, e de outros 20, nos quais a burguesia agroindustrial nacional, aliada ao capital estrangeiro, controlou o cenário político sob o ideário neoliberal, configura-se agora outra hegemonia na Bolívia, “articulada por um núcleo nacional popular”, segundo seu vice-presidente. Ela começou a se formar em torno de sindicatos agrários, que depois incorporam juntas urbanas de vizinhos e movimento operário; a par-

tir daí, agrega-se a esse “bloco histórico” um setor intelectual urbano de classe média, formando o grupo hegemônico da Bolívia de hoje. Ao assumir o poder, esse bloco passa a articular-se também com “outros setores médios urbanos” e “setores empresariais”, deixando de fora setores ligados ao investimento estrangeiro. Para Linera, “o núcleo desse bloco é campesino e vicinal urbano, é de natureza de classe distinta” ao que tradicionalmente dirigia o país. Para ele, é essa mudança no bloco dirigente da Bolívia que explica as mudanças pelas quais o país tem passado nos últimos anos, especialmente após a chegada do MAS ao governo federal, com 54% dos votos. “Revolução não é invenção de movimento social ou partido político, é resultado dos desdobramentos de forças acumuladas por décadas na sociedade”, afirma. Heterogeneidade

Na época de hegemonia militar-nacionalista, “não havia índios, somente bolivianos”; já no período neoliberal, os indígenas tinham seu papel apenas no lado folclórico, turístico, diferentemente do presente momento, no qual “são a força motriz do novo Estado”. E com um detalhe muito importante: força motriz não homogênea. Se nacionalistas revolucionários e neoliberais constituíam-se enquanto núcleos minimamente homogêneos entre si, o mesmo não se passa no atual bloco hegemônico, confor-

mado por diferentes grupos políticos e étnicos, com suas respectivas tradições, culturas e visões de mundo. É essa heterogeneidade que explica a nova Constituição boliviana, segundo o vice-presidente. O texto anterior reconhecia idiomas e culturas distintos, mas “reconhecia a sociedade como plurinacional, não o Estado”, o que seria fundamental para “superar a colonização”, na opinião de Linera. Como exemplo, compara sua própria história de vida – intelectual, branco, proveniente da classe média – com a de Evo Morales, para mostrar como há diferentes tradições e concepções, pessoais e coletivas conformando o bloco dirigente. Dessa maneira, a configuração plurinacional do novo Estado “não é impertinência teórica ou capricho intelectual, é demanda histórica. Como sentar-se juntos sem que um se sinta superior? Plurinacionalidade!”.

munitária. Linera aponta novas práticas educacionais como exemplo de tradução prática dos conceitos de um Estado plurinacional; assim, o fato de o poder público propiciar educação primária e superior em línguas indígenas, além de abarcar tradições, mitos e heróis desses povos, representaria um passo importante na consolidação de uma igualdade substantiva entre os diferentes povos bolivianos. Quanto ao argumento recorrentemente utilizado pela direita boliviana, de que o MAS e o discurso de afirmação indígena estariam dividindo a Bolívia, Álvaro García Linera responde que não é a plurinacionalidade que irá dividir o país: “Toda sociedade do mundo está dividida,

a pergunta é como construir unidade. Uma opção é a colonial, valorando um só em detrimento da diversidade. Mas é uma unidade imposta, falsa”; por outro lado, há a opção que ele acredita ter sido tomada atualmente no país, a opção pela “diversidade em igualdade de condições e em enriquecimento mútuo”. Segundo o vice-presidente, é a coexistência de diferentes instituições que difere a constituição boliviana de outras que já reconhecem idiomas distintos e/ou originários como a canadense, belga ou indiana. Para ele, a Bolívia está na vanguarda porque reconhece também a diversidade quanto a matrizes organizativas: “É uma constituição do século 21”, resume. José Lirauze/ABI

Igualdade

De acordo com o vice-presidente boliviano, esse novo bloco traz em si uma diversidade de práticas políticas, que o coloca como representante de uma “civilização distinta”, a “comunitária associativa”, apresentada em oposição à “mercantil moderna”. Dessa maneira, é essa diversidade política que gera a necessidade de novas alternativas institucionais, que prevejam, para além da democracia representativa, mecanismos de democracia participativa e co-

O vice-presidente boliviano, Álvaro García Linera


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