Edição 320 - de 16 a 22 de abril de 2009

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Circulação Nacional

Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 7 • Número 320

São Paulo, de 16 a 22 de abril de 2009

R$ 2,50 www.brasildefato.com.br Zanone Fraissat/Folha Imagem

Urbano Erbiste/Folha Imagem

Gestão Eduardo Paes: ser pobre é crime no Rio

Em SP, fúria da Anatel contra rádios livres

Política da prefeitura do Rio de Janeiro, governada por Eduardo Paes, promove repressão a vendedores ambulantes e conduz arbitrariamente moradores de rua a abrigos. Pág. 7

A Agência Nacional de Telecomunicação, com o apoio da prefeitura paulistana, destruiu 8 toneladas de equipamentos apreendidos de emissoras de rádio não autorizadas. Pág. 6

Na crise, agronegócio é o setor que mais desemprega no país

Obra denuncia o perfil sujo da Monsanto Autora de livro sobre a Monsanto, a jornalista francesa Marie-Monique Robin fala do passado e do presente da corporação: na lista, corrupção e controle de alimentos em nível global. Pág. 11

O agronegócio foi o responsável pela demissão de mais de 270 mil trabalhadores entre novembro de 2008 e fevereiro deste ano. O volume supera em 8 mil o número de dispensados pelo segundo lugar da lista, a indústria de transformação. Comércio e serviços demitiram 145 mil. As informações são do

Ministério do Trabalho e Emprego. Enquanto isso, o governo federal mantém empréstimos bilionários para o agronegócio. Para a safra 2008/2009, o número oficial é de R$ 65 bilhões. Enquanto isso, a agricultura familiar, que emprega 80% da mão-de-obra no campo, recebe dez vezes menos. Págs. 2 e 3

Guillaume de Crop

Joa Souza/Folha Imagem

Nos EUA, mendigos nas ruas e o medo do “socialismo” Os efeitos da crise econômica não cessam de aparecer por todos os EUA. Os índices de desemprego batem recordes, escolas estão fechando por falta de recursos e mendigos são vistos em cidades onde, antes, não eram comuns. A paisagem da rica cidade costeira de SaintAugustin, por exemplo, começou a mudar. Pedintes, geralmente pessoas mais velhas, estendem suas mãos à espera dos centavos que os visitantes podem lhes deixar. Enquanto isso, o estadunidense médio se apavora com as medidas “socialistas” postas em marcha pelo governo Obama. Pág. 10 Cerca de 1.500 famílias de sem-terra ligadas ao MST ocuparam, dia 8, a fazenda Putumuju, da papeleira Veracel Celulose, em Eunápolis (BA). Os trabalhadores chamam a atenção da sociedade para a urgência da reforma agrária e denunciam os abusos cometidos pelas grandes empresas ligadas ao agronegócio

Condenado à extradição volta ao Chile Ensino alternativo enfrenta País mantém presos políticos com pena de exílio na Europa individualismo nas escolas Lautaro estão sentenciados a até 40 anos de exílio. Mesmo sem uma autorização do Estado, o ex-lautarista Jorge Escobar resolveu voltar para ver a mãe, com câncer em estágio avançado. Com ex-

clusividade, Escobar contou ao Brasil de Fato como reencontrou o Chile e por que decidiu exigir o direito elementar de qualquer condenado: ter contato com seus familiares. Pág. 9

AFOGANDO EM NÚMEROS Ao menos

153 mil trabalhadores rurais

O ensino está cada vez mais distante da realidade. Assim, os estudantes ficam desanimados e os professores desmotivados, o que torna a sala de aula um campo de batalha. Entretanto, mé-

todos pedagógicos alternativos como os utilizados pelo MST e pela Escola da Ponte estão conseguindo alterar esse quadro, envolvendo a comunidade e politizando o aprendizado. Págs. 4 e 5

Bia Pasqualino

Reprodução

ISSN 1978-5134

Julgados e condenados pela ditadura de Pinochet, ainda hoje presos políticos seguem cumprindo pena de extradição. Os nove ex-membros dos movimentos MIR, FPMR e MAPU

foram demitidos desde setembro. O total equivale à população de Chapecó (SC), um dos maiores polos agropecuários do país. A cidade tem um PIB de

R$ 3.044.657.000.

Em 2008, o agronegócio recebeu do governo

R$ 27 bilhões. Ou seja, 9 PIBs chapecoenses.

Crianças em sala de aula do MST, em Eldorado dos Carajás (PA)


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de 16 a 22 de abril de 2009

editorial EM JUNHO de 2002, em uma de suas últimas medidas políticas, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o decreto estabelecendo o 17 de abril como dia nacional de luta pela reforma agrária. A ambiguidade do Estado brasileiro e suas elites é tão grande que, em poucos anos, promoveram e acobertaram um massacre e depois fizeram lei para homenagear as vítimas. Hipocrisias à parte, o certo é que, em função do massacre de Eldorado dos Carajás (PA), em 17 de abril de 1996, que tirou a vida de 21 camponeses, militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e que correu o mundo e sensibilizou a sociedade brasileira, essa data foi transformada pela Via Campesina Internacional em Dia Mundial de Luta Camponesa. Assim, milhares de trabalhadores de todo o mundo aproveitam essa data/homenagem para se mobilizar, lutar por seus direitos e enfrentar o modelo das empresas transnacionais. Aqui no Brasil não poderia ser diferente. Já virou tradição a mobilização de milhares de camponeses

debate

17 de abril, Dia Internacional de Luta Camponesa em todo o país durante o mês de abril, que até recebeu o apelido de “abril vermelho”. Mas, neste ano, existe um componente a mais, ao qual é importante que os leitores do Brasil de Fato fiquem atentos. Nos últimos anos, desde 1996 (data do massacre) até agora, o modelo neoliberal na agricultura brasileira dominava com total hegemonia aquilo que foi chamado de agronegócio. Este é uma aliança de classes construída entre os fazendeiros capitalistas brasileiros e as empresas transnacionais que dominam a produção e o comércio agrícola em todo o mundo. Agora, a diferença é que a crise global do modo de produção capitalista deixou a nu a fragilidade e as contradições desse modelo de produção agrícola, que busca apenas o lucro fácil, agride o meio ambiente, expulsa mão-de-obra e produz basicamente para o mercado externo.

E quando produz para o mercado interno, usa e abusa de venenos, entregando ao povo alimentos cada vez mais contaminados. O Brasil se transformou no segundo país do planeta que mais consome venenos na agricultura. Antes da crise, quando a Via Campesina se mobilizava contra esse modelo aplicado na soja, milho, cana, café, celulose etc., ela era atacada pela imprensa, por setores da academia e até por setores do governo Lula como retrógrada, contra o progresso, isolada da sociedade, que apenas se mobilizava por motivações ideológicas. Diante do fracasso do modelo e o surgimento da crise, as contradições deixaram seus defensores sem argumentos. Perderam a hegemonia ideológica. E estão também perdendo dinheiro na agricultura. Caiu a produção, aumentaram as dívidas, caiu a taxa de lucro. Desempregaram, em

apenas três meses, 280 mil trabalhadores assalariados rurais! Suas propostas para sair da crise são ainda mais vergonhosas. Querem que a sociedade pague seus prejuízos e os subsidie. A Confederação Nacional da Agricultura (CNA), através de sua presidente-lúmpen, senadora Kátia Abreu (DEM-TO), pediu ao governo um financiamento de R$ 150 bilhões! Ora, não eram eles que financiavam o progresso, que carregavam nas costas o povo brasileiro? Caiu a máscara. Os fazendeiros capitalistas pensam apenas em lucro. Querem produzir dólares, não alimentos. Por tudo isso, as mobilizações do MST e da Via Campesina neste mês de abril certamente recolocam a reforma agrária e o modelo de produção agrícola na agenda de debate da sociedade brasileira. Algumas questões realmente

precisam ser cobradas e debatidas com a sociedade. Por exemplo, por que seguir exportando a preços subsidiados, sem pagar nenhum imposto, isentados pela famigerada Lei Kandir (dos tempos do FHC)? Para onde irão os milhares de trabalhadores expulsos do campo com a crise? Qual é a saída? As favelas e o Bolsa Família? Quem deve ser responsabilizado pelo alto nível de contaminação dos alimentos vendidos no Brasil? A classe média escapa comprando cada vez mais produtos orgânicos, e o povo seguirá comendo porcaria? Quem são os responsáveis pelas alterações climáticas decorrentes do monocultivo que destrói a biodiversidade e contamina o meio ambiente? O fato é que o Brasil poderia aproveitar as enormes potencialidades que tem em seu território, sua agricultura e seus recursos naturais para promover a democratização da terra, fazer a reforma agrária e reforçar a produção de alimentos sadios. Isso sim seria uma boa forma de enfrentar a crise, garantindo emprego, renda e comida para o povo.

crônica Dirceu Benincá

Roberta Sperandio Traspadini

Brasil-Venezuela: o nacional burguês versus o nacional popular

Do lugar em que estou já fui embora! Gama

A VENEZUELA OFERECE para o povo brasileiro uma excelente pedagogia do exemplo sobre a possibilidade de se planejar e consolidar um projeto baseado em um plano estratégico de desenvolvimento para uma classe específica: os trabalhadores populares. O presidente Chávez e sua equipe de governo têm claro para que grupo prioritário ditas mudanças foram desenhadas. E que táticas e estratégias deverão ser implementadas para que, na luta contra as oposições (nacionais e internacionais), se consiga avançar rumo à execução do projeto proposto. Aparentemente, em meio à propagação discursiva do fim do socialismo real com a queda do muro de Berlim, a burguesia se projetava, no imaginário coletivo nacional e internacional, como única fomentadora onipotente de planos de ação de curto, médio e longo prazos. Mas, em essência, a política institucional em disputa nos processos de transição dos governos democráticos deve ser manifesta como o espaço de debate, disputa e consolidação do projeto vitorioso, baseado em concretas medidas de realização do projeto com clara intencionalidade de classe. Chávez e sua equipe consolidaram em 2007 o Plano Socialista de Desenvolvimento da Nação. Através deste plano tornaram explícitas as linhas centrais de sua estratégia socialista de médio e longo prazos. Isso não quer dizer que não haja contradições, que as coisas estejam resolvidas e que, de início, o popular nacional já possa ser considerado revolucionário. Mas tampouco significa que a implantação de suas medidas nos últimos anos não tenha revolucionado as bases burguesas hegemonizadoras do poder no território venezuelano. Sem dúvida alguma, frente à atual onda neoliberal vivida pelo continente, que tem países e governos como territórios férteis de sua ação, (como o caso brasileiro), tal postura é, além de um avanço, um suspiro possível sobre horizontes a serem alcançados a partir do trabalho concreto de retomada do público sobre o privado e do Estado como representante legítimo e legal de parte substantiva da sociedade. Em seu plano socialista de desenvolvimento da nação, baseado no tripé economia-moral-democracia socialistas, tal plano aprovado e referendado popularmente em 2007 evidencia como alguns povos latinos estão, na prática, explicitando o outro mundo necessariamente possível, a partir da ação planejada de governos pares no processo. Frente a isso, e com base na realidade brasileira imersa no brutal processo de crise oriunda do histórico pacto burguês no governo, vejamos quais são os principais apontamentos venezuelanos que podem ser potencializados na histórica oportunidade de executar novos processos-projetos, populares. Apontamentos: 1. A centralidade do Estado como interventor direto e indireto na economia.

Como interventor direto, cabe ao Estado retomar sua função de produtor direto nos principais setores estratégicos da economia (telecomunicações, energia, agricultura e petróleo), utilizando sua gestão e ganhos em prol da sociedade, no que se consideram direitos sociais. Como interventor indireto, cabe ao Estado regular, fiscalizar, tributar progressivamente os setores econômicos em que atuam os capitais (trans)nacionais para que, em um viés nacional popular, quanto mais façam uso dos recursos que pertencem ao território e à sociedade, mais paguem tributos e operem em conformidade com as questões legais instituídas pela Constituição nacional. Sem quebras de contratos, sem flexibilização do mundo do trabalho, sem jogadas contábeis que lhes favoreçam e aniquilem a possibilidade de utilização de parte expressiva dos recursos em projetos estruturais. 2. A centralidade do Estado como formulador de políticas públicas estratégicas. Evidenciar o histórico processo de subordinação popular ao projeto liderado pela classe dominante ao longo da história, e especificar, com transparência, o que se quer e como se logrará o que se quer com tal política. A formalização de um número expressivo de trabalhadores informais, o aumento de 20% do salário mínimo, o fomento da escolarização, a retomada de empresas públicas estatais são alguns dos pontos centrais não assistenciais, estruturais, que dão vida ao plano bolivariano. 3. A centralidade do Estado comunicador em expressa manifestação de democratizar o acesso tanto às informações como à formação consciente do que deve ser cobrado, exigido a partir daquilo que deve ser aniquilado e exposto sobre as históricas mazelas das relações desiguais manifestas em uma sociedade injusta, baseada em uma brutal discrepância entre poucos ricos e muitos pobres. 4. A centralidade do Estado e sua clareza tática-estratégica nas relações bi e multilaterais com as demais nações.

Aqui são termômetros importantes da forma e do conteúdo das negociações internacionais. Relações mais duras com os hegemônicos, relações mais solidárias com os latinos e relação mais próxima com os pares são temas diferenciadores do processo de integração latina e retomada da relação cujo fim é a socialização dos fatores e meios de produção. 5. A centralidade do Estado na reformulação da educação e cultura nacionais como fomentadoras de uma ética-moral baseada em outros princípios que não o da concorrência, individualista, gananciosa, classificadora. O pacto do desenvolvimento nacional popular que vai migrando para o socialismo e tem como raízes sólidas mudanças estruturais contidas no marco constitucional, por isso legítimas (os referendos que o digam) e legais (a Constituição os respalda). Podemos não estar falando de imediato de uma ação e projeção socialistas. Mas o nacional popular venezuelano, protagonizado pelo perfil de seu governante e pela soberana vontade popular, nos mostra a diferença significativa entre projeto estrutural e projeto assistencialista. Enquanto a equipe de governo venezuelana protagoniza a realização de um projeto estrutural nacional popular, cujos rumos do desenvolvimento estão pautados na democratização e socialização da produção, o governo de cá vê sua popularidade baixar ou subir com base em projetos assistenciais, nebulosos e cuja dimensão popular parece não romper o círculo vicioso do populismo. A ruptura com o subimperialismo é possível. Entretanto, para que isso ocorra, é necessário planejar-executar uma política contra-hegemônica que, além de se contrapor à ordem dominante burguesa mundial, concretize um projeto de desenvolvimento e de poder diferenciados. Esse pode ser o caso venezuelano. Mas nem em aparência se parece com o caso brasileiro. Roberta Sperandio Traspadini é educadora popular, economista, integrante da Consulta Popular.

A VIDA É mesmo uma passagem que decorre a passos largos. Em certo sentido, é como disse o filósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso: “Não se pode banhar-se duas vezes no mesmo rio”. E o “rio” continua a correr, embora muitos deles já tenham sido barrados. Enquanto isso, às voltas com a vida, por esses dias dei-me com a lembrança viva de Fernando Pessoa, junto ao Mosteiro dos Jerônimos, localizado em Lisboa, Portugal. Pessoa foi um destes homens que viu longe e viveu de modo intenso seus menos de 50 anos (1888 - 1935). Entre o que escreveu, acha-se uma frase emblemática, evidenciando que em nada há que pôr ponto final. Gravado em sua tumba está: “Não: Não quero nada. Já disse que não quero nada. Não me venham com conclusões! A única conclusão é morrer” (1923). Se nada se pode concluir é sinal de que a vida é uma permanente busca. E o é de fato, busca de tantas coisas! Com igual destaque, encontra-se inscrito no túmulo daquele que foi um dos poetas mais importantes do século 20: “Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive” (1923). Mas, o que será que importa nesta vida: Ser grande ou ser humilde? Ter destaque ou permanecer anônimo? Servir ou ser servido? O que vale, disse o poeta, é ser inteiro em toda parte. E como é difícil sê-lo! Espelhar-se na imagem da lua que alta está. Embora em poça d’água suja deixa-se ver clara e totalmente. Eis o desafio a quem quer ser inteiro. Fugir de toda e qualquer forma de ilusão e escravidão. Sair da “caverna” para ver a luz. O poeta a isso nos evoca com seu terceiro epitáfio grafado na sepultura em que se encontra. “Não basta abrir a janela para ver os campos e o rio. Não é bastante não ser cego para ver as árvores e flores” (1919). Só fotografar não é suficiente. É preciso avistar para descortinar. Importa diagnosticar, contemplar e entender para transformar ou apenas para viver. Fernando Pessoa, que encarnou diversos heterônimos, como Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro Campos, recebeu homenagens diversas. Numa praça pública de Coimbra ergue-se um monumento onde se lê a famosa frase: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”. E ela só não é pequena quando está cheia de amor, solidariedade e esperança. Em tese, como nos leva a pensar o ilustre poeta português, nada é pequeno ou grande. Tudo tem a dimensão que lhe damos, inclusive e, sobretudo, a vida. Para não se apequenar o sentido da vida é essencial sair-se de si sem esquecer o que disse o grande filósofo ateniense Sócrates (470-399 a.C.): “Conhece-te a ti mesmo”! O desejo de não se fechar no tempo e no espaço, mas buscar realidades maiores foi também expresso de modo fascinante por ele: “Não sou nem ateniense nem grego, mas sim um cidadão do mundo”. Desse modo se pode compreender uma das maiores realidades da nossa existência, que consiste na tensão constante entre o transitório e a permanência; entre o aqui e o “além”. Os filósofos, os poetas e também os santos nos ajudam a pensar no que fazer no tempo e no espaço que temos para viver. Estar presente fisicamente em dois lugares ao mesmo tempo não nos é possível. Diz-se, entretanto, que o conterrâneo e homônimo de Pessoa conseguia. Seu nome era Fernando Martins Bulhões, nascido em 1195, em Lisboa, que se tornou Santo Antônio. Estar presente em todos os lugares ao mesmo tempo e em todos os tempos só mesmo Deus. A nós só resta nos esforçarmos para ser todo em cada coisa, como afirmou o poeta. Estar presente física, mental e espiritualmente no mesmo lugar e ao mesmo tempo nem sempre é fácil, porque sofremos da tendência de estar longe de onde estamos enquanto estamos aqui ou ali. Estar integralmente no mesmo lugar e tempo é condição para viver intensamente a vida que passa. E, na medida em que vamos embora do lugar em que estamos, é preciso fazer todo o possível para não ter a sensação de que o tempo foi em vão no espaço em que se viveu! Dirceu Benincá é doutorando pela PUC/SP.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Luís Brasilino • Subeditor: Igor Ojeda • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Mayrá Lima, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte - Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Delci Maria Franzen, Dora Martins, Frederico Santana Rick, José Antônio Moroni, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br Para anunciar: (11) 2131-0800


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brasil

A (nova) urgência da reforma agrária A CRISE NO CAMPO Mesmo com manutenção de empréstimos altos, agronegócio já começa a demitir trabalhadores rurais Douglas Mansur/Novo Movimento

Dafne Melo da Redação ESTE ANO, a tradicional jornada de lutas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizada no mês de abril ganha um novo fôlego. Isso porque, em tempos de crise econômica, as alternativas de desenvolvimento para a agricultura brasileira propostas pelo MST se tornam ainda mais urgentes. Um dos dados que reforça essa percepção é o do crescimento do fechamento de vagas no agronegócio. Entre novembro de 2008 e fevereiro deste ano, o setor foi o responsável pela demissão de mais de 270 mil trabalhadores. O volume supera em 8 mil o número de dispensados pelo segundo lugar da lista, a indústria de transformação. Comércio e serviços demitiram 145 mil. As informações são do Ministério do Trabalho e Emprego e foram organizadas pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). “Isso só mostra o quanto o agronegó-

“Segundo dados do Dieese, o saldo de demissões e admissões nos três últimos meses de 2008 revelou um aumento de 26% das demissões em relação ao mesmo período de 2007” cio é inviável: com o pouco de emprego que gera, ainda está demitindo”, avalia José Batista de Oliveira, da direção nacional do movimento no Estado de São Paulo. Ainda segundo o Dieese, esse quadro não tende a melhorar, mas sim a piorar nos pró-

Sem contrapartidas

A agricultura familiar emprega 80% da mão-de-obra no campo brasileiro e produz 60% dos alimentos consumidos no país

ximos meses. Só janeiro, mês no qual, tradicionalmente, há saldo positivo de contratações no campo (por conta do trabalho sazonal), apresentou um deficit de pouco mais de 12 mil postos de trabalho. Uma queda de 166% em relação a 2008 (saldo positivo de 8 mil) e de 242% em relação a janeiro de 2007 (17 mil). Gerson Teixeira, ex-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), acredita que apenas o modelo proposto pelo MST e por outros movimentos sociais do campo pode reverter essa tendência de aumento do desemprego rural. “Só a agricultura familiar pode propor um modelo sustentável ambientalmente e gerador de emprego”, pontua.

rio (MDA), a agricultura familiar emprega 80% da mãode-obra no campo brasileiro e produz 60% dos alimentos consumidos internamente. Ainda assim, não é prioridade no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que tem jogado peso no setor agroexportador. Mesmo após o estouro da crise e o temor generalizado de desemprego, o Execu-

tivo continua injetando mais recursos no agronegócio, ou seja, tem investido em num setor que desemprega. Informações do Ministério da Fazenda dão conta de que o montante destinado ao setor no plano safra 2008/2009 será de R$ 65 bilhões, sete bilhões a mais do que em relação à safra passada. Na prática, o valor dado para a “agri-

Empresa

Empréstimos

De acordo com o Ministério de Desenvolvimento Agrá-

da Redação Enquanto o agronegócio abocanha uma média de R$ 70 bilhões por ano, a agricultura familiar fica com cerca de dez vezes menos. Para a safra 2008/2009, foram prometidos pouco mais de R$ 7 bilhões. Porém a soma dos recursos disponibilizados não é o que mais preocupa o setor. Para Gerson Teixeira, ex-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), além da quantidade, é necessário discutir a qualidade desses investimentos. Hoje, eles chegam ao pequeno agricultor via Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), liberados em sua maioria pelo Banco do Brasil. José Batista Oliveira, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), conta que em 2008, por exemplo, nem todo o montante disponibilizado foi captado, não

por falta de demanda e interesse dos assentados, mas porque o excesso de burocracia e exigências para se obter uma linha de crédito inibe as famílias de acessarem o Pronaf. “Temos propostas, mas há prioridade de viabilizar os grandes empreendimentos, enquanto os nossos não conseguem sair do papel”. Agronegocinho

Segundo o militante do MST, o governo propagandeia o aumento do volume de recursos do Pronaf, mas o que não revela é que tem diminuído o número de famílias que o acessam devido a problemas estruturais que impossibilitam o acesso ao crédito. Além do excesso de burocracia, há contrapartidas exigidas que dificultam a adesão. De acordo com dados do Banco do Brasil, de 2003 até hoje, os recursos que disponibiliza aumentou em 290%. Para Gerson Teixeira, porém, o que o Pronaf faz hoje é incentivar o camponês a se inserir dentro da lógica do agronegócio – “a virar um agronegocinho” –, incentivando, por exemplo, determinadas culturas (como a soja e a cana), o que acaba inviabilizando o projeto de agricultura familiar defendido pelos movimentos sociais, de produção de alimentos saudáveis para consumo interno, e o vincula ao agronegócio, para quem será obrigado a vender sua safra, muitas vezes a preços tão baixos que não consegue viabilizar seu sustento – já que passa a produzir menos para subsistência –

cultura empresarial”, como denomina o governo, é ainda maior por conta de apoios complementares, ficando o valor anual em torno de R$ 70 bilhões, sendo mais da metade somente com a rolagem de dívidas anteriores. Dentro desse total, há também os empréstimos feitos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e

Gerson Teixeira também avalia que um dos problemas em relação aos altíssimos empréstimos é que não há a exigência de nenhuma contrapartida por parte do governo federal, como a obrigação de manter ou aumentar o número de postos de trabalho. O ex-presidente da Abra afirma que sequer há justificativa para as demissões, já que o setor não tem tido queda nos lucros. “Na minha opinião, as demissões são de caráter preventivo”. Apesar disso, Teixeira acredita que, com a crise, as contradições do atual modelo agrícola brasileiro tendem a se esgarçar. “Sem crise já haveria motivos para se mudar o modelo. Agora, ela potencializa ainda mais a importância da reforma agrária”. Ao seu ver, é inviável a permanência do modelo também do ponto de vista do meio ambiente e da exploração dos recursos naturais. José Batista argumenta que incentivar a pequena agricultura poderia aquecer setores da economia do país. “Além de atenuar efeitos da crise para os trabalhadores rurais, resolve problema estrutural da sociedade brasileira, que é a distribuição de terra e renda”, conclui.

Alguns empréstimos feitos pelo BNDES

Linhas de crédito, apenas o começo Movimentos apontam que é necessário discutir um planejamento para a agricultura familiar, não apenas liberar verbas

Social (BNDES) e pelo Banco do Brasil (ver as tabelas abaixo). Este último liberou, para apenas 20 empresas, pouco mais de R$ 10 bilhões, mostrando que a concentração não fica só nas terras, mas também nos recursos.

João Batista aponta que o aumento do crédito é uma conquista dos movimentos de luta pela terra, mas sozinhos não resolvem os problemas. É necessário inseri-los dentro de programas de estruturação da agroindústria familiar e ainda pagar os empréstimos contraídos, endividando-se. “É uma linha de crédito que parte de premissas equivocadas”, opina Teixeira, e continua: “projetos de agricultura familiar que fazem o camponês produzir como o agronegócio só o farão falir”. Uma das mudanças, sugere, é que as culturas priorizadas fossem aquelas com maior demanda pelo consumidor brasileiro, garantindo, assim, que esses produtos chegassem à sua mesa mais baratos e saudáveis. Agroindústria

Outra mudança apontada por Teixeira seria a desfinanceirização do crédito para a agricultura camponesa. “Na prática, o Banco do Brasil atua como qualquer outro banco privado na hora de conceder os créditos, não como um banco público que deveria incentivar o desenvolvimento do país”, aponta. Ao seu ver, deveria ser criada uma instituição financeira específica para conceder as linhas ao agricultor rural. José Batista conta que o MST e outros movimentos da Via Campesina há tempos

propõem, junto ao governo federal, um financiamento voltado especificamente para os assentados da reforma agrária, que também envolva incentivo à comercialização desses produtos e possibilite que os assentados possam realizar investimentos individuais e coletivos, a exemplo de algumas cooperativas de alimentos do MST. O dirigente aponta que o aumento do crédito é uma conquista dos movimentos de luta pela terra, mas sozinhos não resolvem os problemas. É necessário inseri-los dentro de programas de estruturação da agroindústria familiar. “É preciso qualificar a produção, agregar valor aos produtos in natura para aumentar a renda dos assentados. A produção in natura é importante também, mas atinge apenas um mercado localizado”, explica. O que o governo faz hoje, resume, é tratar desiguais de forma igual: “O Pronaf iguala a família à grande empresa, coloca na mesma lógica e isso não funciona. Ainda não há um planejamento, uma proposta mais estruturante de desenvolvimento dos assentamentos”, analisa. (DM)

Quantia (em reais)

Independência (frigorífico)

450 milhões

Sadia

330 milhões

Brenco (sucroalcooleiro)

140 milhões

Marfrig (frigorífico)

700 milhões

Perdigão

342 milhões

Bertin (frigoríficos)

2,5 bilhões

JBS-Friboi (frigorífico)

1,1 bilhão

Votorantim (celulose)

77 milhões

Biopav (sucroalcooleiro)

215 milhões

Rio Claro (alimentos)

420 milhões

Amaggi (soja)

111 milhões

Colombo (sucroalcooleiro)

122 milhões

Santa Luiza (agroenergia)

377 milhões

Os empréstimos do Banco do Brasil (em reais) a empresas do agronegócio Klabin (celulose – Brasil)

150 milhões

Suzano (celulose – Brasil)

260 milhões

Veracel (celulose – Brasil)

585 milhões

Votorantim (celulose – Brasil)

1,004 bilhão

ADM (grãos – Estados Unidos)

1,645 bilhão

Bunge (grãos – Holanda)

921 milhões

Cargill/Seara – (grãos, alimentos – Estados Unidos)

928 milhões

Copersucar (açúcar – Brasil)

237 milhões

Doux (alimentos – França)

572 milhões

Louis Dreyfus – (sementes e energia – França)

713 milhões

Souza Cruz (tabaco – Brasil)

136 milhões

Ambev (bebidas – Bélgica)

1,6

bilhão

Garoto (alimentos – Brasil)

55

milhões

Perdigão (alimentos – Brasil)

541

milhões

Basf (química – Alemanha)

632

milhões

Bayer (grãos – Alemanha)

50

milhões

Hexion (química – Estados Unidos)

61

milhões

160

milhões

81

milhões

150

milhões

10,481

bilhões

Fosfertil (fertilizantes – Brasil) Rhodia (química – França) Carrefour (supermercados – França) TOTAL




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brasil fatos em foco

Anatel destrói ilegalmente aparelhos de rádios livres

Hamilton Octavio de Souza

Lucas Krauss

CENSURA Em parceria com prefeito de São Paulo, Agência transforma em sucata equipamentos usados para comunicação

Evasão pesada A Rede BBC, de Londres, que tem a fama de veicular informação com grande credibilidade, colocou no ar que 70% dos capitais brasileiros transferidos para o exterior – acima de 100 bilhões de dólares por ano – passam pelos paraísos fiscais, em especial pelas ilhas Cayman. Isso confirma que as empresas nacionais e estrangeiras estão dilapidando o Brasil com o aval do Banco Central.

Bia Barbosa de São Paulo (SP) NO DIA 8, o escritório regional da Agência Nacional de Telecomunicação (Anatel) em São Paulo (SP), com o suporte logístico e político da prefeitura, destruiu cerca de 8 toneladas de equipamentos apreendidos em operações de fiscalização de emissoras de rádio não autorizadas. Ao todo, 17 mil discos e CDs, 750 transmissores, 70 antenas e dezenas de computadores e aparelhos de som se transformaram em sucata no hangar da Vasp, no aeroporto de Congonhas. Segundo a Anatel, todos os equipamentos encontravam-se sem homologação pelas autoridades responsáveis e provocavam interferências no controle de tráfego aéreo e nas transmissões de emissoras comerciais. Eles teriam sido apreendidos em cinco anos de operações da Agência no Estado e correspondiam a dois mil processos concluídos pela Justiça, que teria autorizado sua destruição. “Este é um ato simbólico do combate à ilegalidade em São Paulo. Aqui tem lei e ela será respeitada”, disse o prefeito Gilberto Kassab (DEM), que fez questão de subir no rolo-compressor e posar para os flashes da grande imprensa comercial, que prestigiou em massa o acontecimento. “É fundamental que o material seja destruído, para mostrar que não teremos tolerância com quem faz isso. Nosso objetivo é fechar todas as rádios piratas e ilegais, que trazem riscos à vida das pessoas. Se é clandestina, tem que ser eliminada”, sentenciou.

Ao contrário da apreensão de drogas, por exemplo, os transmissores, antenas, computadores, mesas de som e CDs não são produtos proibidos pela lei Além do prefeito e dos veículos comerciais tradicionais, o ato de destruição contou com a presença de policiais federais, militares, civis, de diversos secretários do governo municipal e da cúpula do escritório regional da Anatel em São Paulo. Para Everaldo Gomes Ferreira, gerente regional da Agência, “uma rádio clandestina é um caminhão na contramão” do espectro. Essas emissoras, acrescentou, aparentam ter um “fascínio pela ilegalidade”. “Temos que respeitar a lei e a lei não se respeita. Todas essas rádios nunca buscaram a legalização. Até onde sei – porque sou da Anatel e não do Ministério das Comunicações –, o Ministério faz exigências, tenta localizar os responsáveis, manda correspondência para mandar documentação e essas pessoas não são localizadas”, alegou. Um relatório da subcomissão criada para avaliar os processos de outorga de concessões de rádio e TV da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados revelou, no entanto, que os processos para obtenção da autorização de operação para uma rádio comunitária podem levar até 3,6 anos. O governo federal já reconheceu o problema ao ter instalado dois grupos de trabalho, um em 2003 e outro em 2005, para tentar resolver o acúmulo de processos. Apesar de ambos terem produzido recomendações e relatórios finais, as medidas sugeridas nunca foram implantadas pelo Ministério das Comuni-

Operação abafa O operação articulada pela diretoria da Construtora Camargo Corrêa e a assessoria de comunicação Máquina da Notícia, para abafar a investigação da Polícia Federal e do Ministério Público sobre a empresa, conseguiu sucesso quase absoluto. A grande imprensa burguesa escondeu ou desviou a atenção sobre os principais crimes da construtora, mesmo porque vários grupos empresariais poderosos fazem a mesma coisa.

17 mil discos e CDs, 750 transmissores, 70 antenas e diversos computadores foram destruídos

cações e por outros órgãos do Executivo Federal. Ilegalidade na destruição A Anatel justificou a destruição dos equipamentos dizendo tratarse de provas materiais de crimes. “É igual a uma arma”, disse Everaldo Ferreira. Ele garantiu que a Agência tem como uma de suas prerrogativas a destruição de equipamentos e alegou que não faria sentido doar as oito toneladas que ali estavam porque “hoje o custo de aquisição de materiais como esses é cada vez mais barato, sem contar que são de origem duvidosa”. No entanto, segundo o juiz federal aposentado Paulo Fernando Silveira, consultado pelo Observatório do Direito à Comunicação, a absoluta maioria dos equipamentos apresentados na operação da Anatel e da prefeitura de São Paulo não poderia ser inutilizada. Ao contrário da apreensão de drogas, por exemplo, os transmissores, antenas, computadores, mesas de som e CDs não são produtos proibidos pela lei, não sendo, portanto, passíveis de destruição. Ao serem adquiridos no mercado interno de forma lícita, são propriedade permanente daqueles que o compraram, mesmo que sejam considerados pela Justiça provas materiais de um crime. “Mesmo um revólver, se estiver registrado no nome de alguém, deve ser devolvido pela Justiça após o término de um processo, independentemente se a pessoa foi condenada ou não, porque o bem não é ilícito. Se o processo terminou e ninguém requereu os bens, a União não se torna proprietária automaticamente. Teria que devolvê-los. Portanto, se a Anatel destruiu esses equipamentos, o fez ilegalmente e terá que indenizar essas pessoas. Mesmo se havia ordem judicial para isso, ela era abusiva e ilegal. Todos os proprietários devem entrar com ação de perdas e danos, porque o juiz mandou destruir algo que é seu, de sua propriedade”, afirma Silveira. A Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) questiona a existência de decisão judicial para a destruição dos equipamentos. “Se há um processo judicial, quem provocou a Justiça a se pronunciar sobre isso? Talvez nem processo exista”, analisa Jerry Oliveira, diretor da entidade em Campinas (SP). Para Paulo Silveira, o direito à comunicação está garantido na Constituição Federal como um direito individual e coletivo, e o Estado não pode, portanto, abolilo. “Sua função é apenas de gestor do espectro; é uma função administrativa. O dono do espectro é o povo, de modo que o exercício de um direito individual não pode ser considerado crime”, acredita o juiz federal. “A lei que criminaliza a radiodifusão não autorizada é que é inconstitucional – e não a conduta que é criminosa”, completa (do Observatório do Direito à Comunicação, com a colaboração de Lucas Krauss).

Descriminalização está na pauta do Congresso Neste momento, estão em tramitação no Congresso Nacional dois projetos de lei que descriminalizam o exercício não autorizado da radiodifusão comunitária. Ou seja, em vez de abordar a prática a partir de uma perspectiva penal, propõem fazê-lo mediante infrações administrativas. “Se aprovarmos a lei da descriminalização e a anistia dos processados, esses atos judiciais se tornarão sem efeito. Como é então que as rádios vão ter acesso a esses equipamentos, que foram destruídos?”, questiona José Sóter, coordenador-geral da Abraço. “No mínimo, foi uma prevaricação da Anatel, que deveria ter ouvido todos os lados da questão antes de destruir os equipamentos”, completa (BB, do Observatório do Direito à Comunicação, com a colaboração de Lucas Krauss).

Ação contra a liberdade Para Fórum, a destruição dos aparelhos representa uma atitude deliberada contra a democratização das comunicações de São Paulo (SP) Por pressão dos grandes radiodifusores, o projeto de lei que anistia as rádios comunitárias (que já havia sido aprovado na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados e estava sob avaliação da Comissão de Constituição e Justiça) foi remetido pelo deputado Raul Julgmann (PPS-PE) à Comissão de Combate ao Crime Organizado. A manobra se coaduna com a operação da Anatel realizada no dia 8, em São Paulo (SP), que tratou a destruição dos equipamentos como uma ação de combate ao crime.

“Como eles mesmos disseram, foi um ato simbólico, orquestrado pelos setores que são contrários à descriminalização das emissoras comunitárias, para reforçar a ideia dos radiodifusores comerciais de que rádio comunitária derruba avião” “Como eles mesmos disseram, foi um ato simbólico, orquestrado pelos setores que são contrários à descriminalização das emissoras comunitárias, para reforçar a ideia dos radiodifusores comerciais de que rádio comuni-

tária derruba avião. Por outro lado, vivemos o processo de convocação da Conferência Nacional de Comunicação. Ao sinalizar que está defendendo o interesse dos meios comerciais, a Anatel atende à necessidade da grande mídia de ganhar a opinião pública para as teses que ela defende, e que serão tema da Conferência. Ou seja, uma atividade midiática e pirotécnica como essa responde a dois objetivos dos meios comerciais”, avalia José Sóter, coordenador-geral da Abraço. Cotação Na tarde do dia 9, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação divulgou nota pública condenando o vandalismo da Anatel em relação a um patrimônio coletivo e de inestimável valor social para as comunidades. Para o FNDC, a destruição de equipamentos de rádios comunitárias constitui um ato de prepotência, representa uma atitude deliberada contra a democratização da comunicação e deixas às claras os temores de setores empresariais frente à Conferência Nacional de Comunicação. “A destruição dos equipamentos também representa uma cabal demonstração de ignorância sobre o papel fundamental da comunicação para a consolidação da democracia, o fortalecimento da sua pluralidade e dos laços culturais da nação brasileira”, diz a nota, que conclui cobrando da Anatel explicações ao povo brasileiro. Do contrário, entidades que lutam pela democratização da comunicação poderão fazê-lo através de uma ação judicial, que já está sendo avaliada nacionalmente (BB, do Observatório do Direito à Comunicação, com a colaboração de Lucas Krauss).

Ganância patronal Demitido da Sadia por ter causado prejuízo à empresa, o ex-diretor financeiro Adriano Ferreira revelou, em entrevista à Folha de S. Paulo, que a diretoria da companhia sabia das operações com derivativos – investimento na especulação de papéis, e não na produção. Segundo ele, 80% do lucro da empresa vinham da ciranda financeira, o que tem sido uma prática corrente em boa parte do setor industrial. Privatização furada A empresa espanhola Telefonica entra fácil na lista das companhias estrangeiras que mais espoliam o Brasil: aumentou violentamente suas tarifas muito acima da inflação – com a omissão e conivência da Anatel –, terceirizou os serviços para os assinantes, não atende as reclamações como manda a lei e pratica extorsão escancarada nas cobranças do Speedy. A quem os cidadãos devem recorrer? Lucro predador A ausência de regulamentação para a expansão da cana-de-açúcar só favorece mesmo o setor agroindustrial, que invade áreas de preservação ambiental. O plantio da cana e a instalação de usinas nas proximidades do Pantanal, no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul ameaçam de contaminação com agrotóxicos e vinhoto os rios que formam o complexo ecológico. Visite o Pantanal antes que desapareça! Armas mortais Vários movimentos sociais populares e entidades de direitos humanos decidiram fazer manifestação contra a feira de armas e equipamentos bélicos realizada no Riocentro, no Rio de Janeiro, de 14 a 17, inclusive com a participação de quatro indústrias de Israel que tiveram seus artefatos militares utilizados recentemente nos ataques contra os palestinos da Faixa de Gaza. Fora a feira da morte! Povo ameaçado Entidades e movimentos sociais ligados ao Tribunal Popular preparam a campanha “Paraisópolis exige respeito”, em defesa da favela de Paraisópolis, que está sob constante ameaça da Polícia Militar e alvo de manobras da prefeitura de São Paulo e do governo do Estado para a retirada dos moradores daquela região. O lançamento da campanha deverá acontecer nos dias 25 e 26. Rabo preso A má vontade da grande imprensa com o delegado Protógenes Queiroz, da Polícia Federal, é cada vez mais acintosa. Tudo indica que ao investigar o grupo Opportunity, com apoio do Ministério Público e do Judiciário, ele praticou o maior pecado do país, que é mexer com os ricos e poderosos. A cobertura de seu depoimento na CPI dos grampos foi reveladora de quem está com o rabo preso com Daniel Dantas. Simples descuido No dia 7, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou parecer do senador Pedro Simon, do PMDB-RS, que veta a renovação e novas concessões de rádio e TV para parlamentares. Como os caciques do Congresso Nacional são detentores de inúmeras concessões, praticam o “coronelismo eletrônico” o tempo todo, está na cara que o parecer não tem nenhum futuro, vai acabar no lixo. Foi apenas um cochilo!


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brasil

No Rio, o “choque de ‘ordem’” Urbano Erbiste/Folha Imagem

REPRESSÃO Política do prefeito Eduardo Paes criminaliza a pobreza e inviabiliza a economia informal Leandro Uchoas do Rio de Janeiro (RJ) EDUARDO PAES (PMDB) ocupava há apenas nove dias a prefeitura do Rio de Janeiro quando editou o decreto 30.398. Era o início de uma política complexa de reordenamento urbano, bem-recebida pela grande mídia e por alguns setores da sociedade carioca, especialmente os mais ricos. Mas, na prática, as ações do que ficou conhecido como “choque de ordem” representaram muito mais do que o simples “cumprimento da lei”, apregoado pelo prefeito. Somadas a medidas como as multas a veículos estacionados irregularmente ou o combate a bares invasores de calçadas, vieram outras ações de criminalização da pobreza. Moradores de rua são frequentemente levados, mesmo contra a vontade, para abrigos isolados. O comércio informal é perseguido – às vezes com violência. Regiões de economia informal são remapeadas. E despejos em ocupações urbanas, embora nem sempre tenham relação com as medidas, tornaram-se mais comuns. Para rico

As razões da política municipal antecedem a posse de Paes. Durante o segundo turno da disputa eleitoral, Fernando Gabeira (PV) teve 70% dos votos nas regiões mais ricas da cidade. Paes, cuja trajetória política foi construída junto a esses setores, acabou eleito pelas regiões mais pobres. Por conta da ampla aceitação de Gabeira junto às

classes média e alta, a vitória veio por apenas 55 mil votos. O “choque de ordem”, que encontra nesse eleitorado aceitação quase completa, surgiria como uma sinalização aos ricos de que Paes ainda os representa. Marcelo Edmundo, da Central de Movimentos Populares (CMP), considera que, por trás das distintas ramificações da medida, existe um projeto de poder. “Isso não é um programa para quatro anos. É para 15 a 20 anos. Não é por acaso que ele nomeou tantos jovens para as secretarias. São medidas de controle do espaço urbano, de substituição completa de pessoal”, diz. Ele lembra que a política não é nova. A criminalização da pobreza viria “desde a Revolta da Vacina, no início do século 20”. O ponto alto teria sido o governo Carlos Lacerda (1960-1965), acusado de atirar moradores de rua em rios. Entretanto, a repressão de Paes parece mais veemente em alguns casos. Reação

Desde janeiro, alguns debates e atos marcaram a tentativa de movimentos sociais se organizarem para o protesto. No mês seguinte, a defensora Maria Lúcia Pontes, do Núcleo de Terras da Defensoria Pública, organizou a primeira audiência de denúncias de camelôs e moradores de comunidades. “Queríamos fazer um marco da atuação contra o choque de ordem. Estávamos notando que a medida tinha começado em regiões onde o movimento social era fragilizado”, explica. Em um auditório lotado, depoimentos de atos violentos de policiais em ocupações urbanas e repressões ao comércio informal se sucediam com constância. No início de março, organizou-se um debate no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS). Estudantes tomaram todas as cadeiras. Nas intervenções, não se notava o mesmo “consenso” a favor das medidas que se encontra com frequência nas coberturas dos

Em mais uma ação de “choque de ordem”, moradores de rua são retirados dos arredores da prefeitura do Rio

O “choque de ordem” surgiria como uma sinalização aos ricos de que Paes ainda os representa grandes jornais cariocas. Ao final daquele mês, um ato em frente à Central do Brasil reuniu estudantes, camelôs e lideranças de movimentos diversos. Ocupações e legalidade

Maria Lúcia explica que há um nível de ilegalidade na ação do prefeito. “Ele tenta usar uma atribuição que pode ser interpretada como anticonstitucional, porque ele não a tem. A Carta Magna fala de ampla defesa, de direito social

da moradia etc. O prefeito não pode criar com um decreto uma nova ordem jurídica no Rio de Janeiro”, defende. Marcelo lembra que outras ilegalidades são cometidas em nome de um suposto ordenamento urbano, à margem do discurso oficial. “Ele chega numa comunidade com o argumento de que vai combater a Cracolândia. Depois você vê um trator derrubando um barraco”, diz. Embora nem todos os despejos em ocupações urbanas

tenham relação com o “choque de ordem” e a população ainda esteja confundindo medidas, houve um crescimento na repressão a ela durante o início do governo Paes. Desconfia-se que policiais ligados a milícias estejam usando o discurso oficial do “choque de ordem” para disputar o controle urbano. Bombas em ocupações e ameaças por telefone a lideranças têm se tornado comuns. Alguns dos processos de despejo já tramitavam na Justiça antes da gestão atual. Entretanto, o governo Paes sinalizou em diversas direções a demonização de ocupações urbanas e de outras formas de cumprimento do direito humano à ha-

Camelôs são os principais atingidos

bitação. Ocorreram demolições de barracos, sinalização da possibilidade de perdão ao IPTU de proprietários de prédios ocupados e um início de debate sobre remoção de favelas. Exibição

A relação da prefeitura com ocupações urbanas tende a ser muito estudada neste ano. O Rio de Janeiro será sede, em 2010, do 5º Fórum Urbano Mundial. Promovido pelo UN-HABITAT, programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, o evento pode servir de palco para propaganda de medidas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) federal nas comunidades cariocas.

Partidos se calam

Nando Neves

Política pode empurrar comerciantes para o tráfico de drogas

Eduardo Paes e o secretário da Ordem Pública, Rodrigo Bethlem, descritos numa faixa como “inimigos n° 1 da economia informal”. No primeiro governo César Maia, também houve uma intensa repressão semelhante aos camelôs, em 1993. “Na época também foi ruim, mas a gente aprendeu a conviver. Os camelôs foram aprendendo. Criou-se um ambiente de corrupção. Camelôs pagando guarda para trabalhar. Mas a gente aprendeu. Agora, estamos sofrendo de novo”, conta.

do Rio de Janeiro (RJ) É na economia informal que se encontram os maiores danos do “choque de ordem” da prefeitura do Rio de Janeiro. A repressão contra o trabalhador de rua alcança todas as regiões da cidade, e a atuação da polícia, com o confisco de mercadorias, atinge trabalhadores registrados ou não. Se já havia diminuído com a crise econômica, o volume de vendas caiu ainda mais, inviabilizando a sobrevivência em alguns casos. Maria de Lourdes Santos, do Movimento Unido dos Camelôs (Muca), conhecida como Maria dos Camelôs, conta que tem passado quase todas as noites em delegacias, para soltar colegas presos. “Não há nada de ilegal em nossa profissão. Há uma lei regulamentando. Por que não se cumpre a lei?”, pergunta. Tráfico Segundo Maria, mais da metade dos trabalhadores cariocas vive do comércio informal, e a maioria estaria em grave situação financeira. “Muita gente chega para mim e diz que vai para o tráfico de drogas. Fico muito triste. A pessoa está trabalhando e vivendo igual bandido, levando porrada na rua. Vai fazer o quê? Não tem emprego”, argumenta. O sociólogo Ivo Lesbaupin, professor na

Reunião de ambulantes para discutir o “choque de ordem”

“É como se fosse um projeto da Globo” O sociólogo Ivo Lesbaupin, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), observa que a conivência da mídia com o governo municipal é direta. “É como se fosse um projeto da Globo. Eles denunciam e no dia seguinte o governo Paes está lá”, critica. Para Marcelo Edmundo, da Central de Movimentos Populares (CMP), as medidas estariam desviando a atenção da sociedade para além de outras promessas não cumpridas do prefeito Eduardo Paes. “E as UPAs (Unidades de ProntoAtendimento 24 horas) prometidas, onde estão? E as ruas sem iluminação? E as escolas? O ‘choque de ordem’ direciona o debate para onde interessa”, comenta. (LU)

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), comenta que a repressão ao comércio informal significa impedir a única possibilidade de sobrevivência do desempregado. “Eles não dão saída. Então, o pessoal vai para o tráfico. Não é possível que eles não percebam que estão fechando as portas para a única saída legal”, comenta. Em março, o Muca reuniu mais de 700 camelôs num ato contra o “choque de ordem”. Para Maria, a repressão diminuiu depois do ato. Na noite do dia 9, véspera da SextaFeira da Paixão, o movimento queimou dois bonecos de Judas, representando o prefeito

Última ação No dia 6, um dos locais de economia informal mais tradicionais do Rio de Janeiro foi vítima do “choque de ordem”: o Largo da Carioca. Barracas que ocupavam a área há 20 anos foram realocadas. Trabalhadores com licença tiveram que ordenar as vendas num espaço improvisado, depois de uma grade. “Ficar isolado dentro de uma praça com uma grade eu considero um apartheid”, comenta Carlos Alberto Lourenço, que há onze anos trabalhava no Largo vendendo livros e criou três filhos com o negócio. “Estou quase desistindo, porque está muito difícil. Lá fora já estava. Mas não consigo outra colocação em lugar nenhum”, lamenta. Pedindo para não ser identificado, um representante de uma das três bancas alocadas provisoriamente no local afirma que as vendas foram reduzidas a 15% ou 20% do volume anterior. Segundo Maria dos Camelôs, ao questionar Paes sobre a ação no Largo da Carioca, ouviu pessoalmente do prefeito que ele não sabia da medida. (LU)

A reação organizada ao programa estaria limitada pela cooptação de partidos originários da esquerda. Durante o segundo turno das eleições, legendas como PT e PCdoB aderiram à candidatura Paes. Houve um pedido de desculpas formal do prefeito ao presidente Lula por sua atuação, como deputado do PSDB, durante as denúncias do mensalão, em 2005. Na época, Paes foi um ferrenho opositor do presidente. Após o perdão, foi costurada aliança entre os governos federal, estadual e municipal. Os dois partidos ocupam hoje secretarias da prefeitura. Historicamente responsáveis por parte da organização social contra repressões estatais, estão calados. “Até houve boa intenção, em tentar acabar com os 16 anos de César Maia (que manifestou apoio a Fernando Gabeira). Mas quando se agravar esse modelo de ataque aos pobres, como esses partidos vão voltar ao povo? Eu não vejo perspectiva, nos próximos anos, para a esquerda partidária do Rio de Janeiro”, lamenta Marcelo Edmundo. (LU)


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cultura Reprodução

O krach perfeito LIVRO Em sua obra, jornalista francês desenvolve uma minuciosa análise dos eventos que se configuram como uma precipitação do “fim de uma era do capitalismo” Douglas Estevam IGNACIO RAMONET acaba de publicar seu mais recente trabalho, O krach perfeito, crise do século e refundação do futuro, no qual desenvolve uma minuciosa análise dos eventos que, para o autor, se configuram como uma precipitação do “fim de uma era do capitalismo”, em que “o sistema financeiro internacional foi comprometido como nunca antes. Pior do que em 1929”. Em um ensaio conciso, a descrição dos elementos ideológicos, políticos e econômicos que configuraram as bases da atual crise financeira se articulam com a exposição da emergência de uma ordem mundial marcada pela globalização neoliberal em detrimento dos mecanismos de regulação, estímulos econômicos e investimentos públicos realizados pelo Estado que, somados às políticas de pleno emprego, haviam caracterizado o período anterior, fortemente influenciado pelo pensamento de Keynes. Ele enfatiza, ainda, um outro fenômeno inédito que se produziu no último ano: a alta simultânea dos preços do petróleo, dos produtos primários e dos produtos alimentares. “Todos os elementos são reunidos para um krach [equivalente francês ao termo inglês crash] perfeito, que só vemos uma vez a cada século”. Arqueologia do krach “Tudo começou em 15 de agosto de 1971. Nesse dia, o presidente estadunidense Richard Nixon anuncia que os EUA suspendem a conversibilidade do dólar em ouro”. Chegava ao fim o sistema de Bretton Woods, e abria-se o caminho às manobras monetárias de Washington e à desregulamentação financeira, marcos de um novo capitalismo. Em Arqueologia do krach, título do primeiro capítulo do livro, as teorias dos “três oráculos do neoliberalismo” – Schumpeter, Hayek e Milton

Friedman – são analisadas. A presença dos teóricos formados pela Escola de Chicago (da qual os dois últimos foram os maiores expoentes) nas ditaduras de Pinochet, no Chile, e de Suharto, na Indonésia, em 1971; e depois, no início dos anos de 1980, nos governos de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, na Inglaterra e Estados Unidos, marcam a chegada ao poder da chamada “Revolução Conservadora”. Centradas em um “neoliberalismo agressivo, redobradas por um antikeynesianismo militante”, suas teses, que têm como principal objetivo “chegar ao fim da longa tradição de intervenção econômica e social do Estado, dominaram o campo teórico do capitalismo real dos últimos 30 anos”. Schumpeter introduziu o conceito de destruição criativa, para o qual a lógica do capitalismo seria marcada por uma constante inovação, tendo singular importância a inovação tecnológica e a figura do empreendedor.

“Tudo começou em 15 de agosto de 1971”. Nesse dia, chegava ao fim o sistema de Bretton Woods, e abria-se o caminho às manobras monetárias de Washington e à desregulamentação financeira, marcos de um novo capitalismo Hayek, “muito mais ideológico, o verdadeiro mestre do pensamento, o profeta dos neoliberais”, defendia um conceito próprio de “Estado mínimo, desprovido de poder de intervenção econômica, e a ideia de que o mercado tem sempre razão”. O teórico americano Milton Friedman contribuiu com sua tese da nova violência capitalista. Para ele, “o livre mercado é um sistema científico perfeito” e o “Estado teria como única função proteger nossa liberdade contra os inimigos externos”. “Ao longo dos anos 80, as principais firmas multinacionais, os bancos de Wall Street, o Federal Reserve dos Estados Unidos e os organismos financeiros internacionais ela-

A revolução da internet, que no início da década de 1990 “parecia confirmar as duas teses schumpeterianas: a da mudança de ciclo, provocada pelo salto tecnológico, e a da destruição criativa”, foi duramente abalada pela explosão da Bolha da Internet boram em comum, sob a base desses comandos neoliberais, uma doutrina feita de competitividade, disciplina orçamentária, reforma fiscal, redução de despesas públicas, liberalização de trocas comerciais e financeiras e privatizações massivas do setor público”. Essas medidas são postas em prática com os “programas de ajustamento estrutural”. No final da década de 1980 e início dos anos de 1990, com a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética, ficava “suprimido o principal obstáculo político à expansão do neoliberalismo”, dando aos neoliberais a segurança de que “suas concepções de economia foram a chave da vitória”. Responsáveis do Banco Mundial sintetizam as teses neoliberais no “Consenso de Washington”, que o “Pôquer do Mal – FMI, Banco Mundial, OCDE e OMC” se encarregaria de promover, primeiro na América Latina e logo depois na Ásia e África. É o apogeu do mercado contra o Estado, marcado por uma transformação profunda da política, a adoção de uma globalização que “concerne sobretudo ao setor financeiro. A liberdade de circulação dos capitais tornando-se absoluta, esse setor dominando, de longe, a esfera da economia”. A fábrica do krach Ramonet dedica uma parte de sua análise às crises que

precederam o krach atual. Nesse fragmento de seu estudo, denominado A fábrica do krach, ele percebe o primeiro sintoma da “crise do século” nos eventos que atingiram os “tigres asiáticos” em 1997, que demonstraram claramente que “o sistema financeiro edificado pela teoria neoliberal, com mercados desregulados e liberalizados, atores abusando dos efeitos de alavancagem e capitais internacionais em movimento permanente, estava se tornando perigosamente frágil”. Recuando no tempo, ele menciona os impactos da crise do México, amenizada por uma massiva intervenção dos Estados Unidos. A revolução da internet, que no início da década de 1990 “parecia confirmar as duas teses schumpeterianas: a da mudança de ciclo, provocada pelo salto tecnológico, e a da destruição criativa”, foi duramente abalada pela explosão da Bolha da internet. Os especuladores estavam persuadidos de que “uma das transformações mais rápidas que o mundo conheceu, em virtude das leis da destruição criativa”, obrigaria as empresas a “se adaptarem, a investirem enormemente em equipamentos de informática, telecomunicações, redes numéricas, cabos ópticos etc. As perspectivas de crescimento pareciam ilimitadas”. As cotações das ações das empresas de internet explodem, as “stock options desempenham um Reprodução

O jornalista Ignacio Ramonet

papel importante nessa febre” e, depois de cinco anos de especulação, em março de 2000 a bolha explode. Os outros exemplos são as empresas Enron e Parmalat. Reconhecida como “um modelo de audácia e modernidade, de governabilidade de empresa, com a capacidade de melhor operar nos mercados desregulamentados de produtos derivados”, a norte-americana Enron conseguiu um aumento de 90% do valor de suas ações em único ano. “A ascensão do valor das ações fazia calar os últimos céticos”. Seu sucesso se devia a escandalosos métodos fraudulentos. Em 2001, foi descoberto que a empresa “exagerava artificialmente seus rendimentos, ocultando deficits, utilizando uma infinidade de sociedades fantasmas e falsificando suas contas”, tudo em cumplicidade com uma agência de auditoria. Um prejuízo de 68 bilhões de dólares. A Parmalat, outro “exemplo de sucesso impulsionado pela dinâmica da globalização liberal” não ficaria atrás, falsificando documentos, balanços e realizando desvios contábeis que, em 2003, viriam à tona numa operação que envolvia prejuízos de mais de 11 bilhões de euros. Todos esses acontecimentos não foram suficientes para conter os “instintos animais” que, segundo Keynes, a liberdade econômica estimula. Fim de uma Era de Ouro Apesar de todas essas crises, o sistema parecia miraculosamente intocável. Um dos artesãos desse milagre foi Alan Greenspan, presidente do Banco Central dos EUA. Ele desenvolve “uma política agressiva de taxas de juros baixas e encoraja os americanos a se endividarem além de suas possibilidades”. Estimulado pelo contexto de desregulamentação, “surge um novo capitalismo ainda mais brutal e concorrente”, para o qual Robert Rubin iria desempenhar um papel central ao implementar as reformas que eliminavam as incompatibilidades entre bancos de investimento e bancos de depósito. “A porta é aberta para toda sorte de excessos da parte de financistas ávidos de rendimentos máximos”. Com essas medidas, os fundos de investimentos se tornam os “novos mestres do universo”. Essa iniciativa resultou na crise imobiliária norte-americana, que, através de uma “indústria financeira hiperssofisticada”, acompanhada de uma “engenharia financeira dotada de uma forte criatividade, não cessou de se desenvolver inventando instrumen-

tos (títulos derivados, subprimes, hedge fonds) e técnicas” que provocaram a generalização internacional de uma crise, desencadeando em todo o mundo uma sequência de falências, desempregos, nacionalizações, planos de salvamento e quebras que veríamos eclodir em 2008.

A todas essas crises, vêm ainda se juntar as energética e alimentar. Para Ramonet, “cada uma delas age sobre as outras. Elas se estimulam. Elas constituem o saldo deplorável de três décadas de neoliberalismo” A todas essas crises, vêm ainda se juntar as energética e alimentar. Para Ramonet, “cada uma delas age sobre as outras. Elas se estimulam. Elas constituem o saldo deplorável de três décadas de neoliberalismo”. A emergência da China como superpotência econômica “é um presságio de que os dias dos Estados Unidos como primeira potência econômica estão contados”. As manifestações sociais que se espalham pelo mundo, como as que se viram nos países mais afetados pela crise alimentar, as que se realizaram na Grécia ou a eleição de Obama, que gerou um entusiasmo que pode “rapidamente se transformar em decepção, frustração e cólera”, são, para o autor, sinais de emergência da questão social que se coloca “no coração do debate político”. Contudo, Ramonet reconhece que “este krach talvez não signifique o fim do capitalismo, que já conheceu outros e conseguiu se recuperar”, mas não deixa de perceber que, mesmo num contexto de vazio teórico das esquerdas, “a crise atual, pela sua extensão e intensidade, fornece a ocasião de transformar enfim a arquitetura geoeconômica e geopolítica do mundo”. Douglas Estevam é correspondente do Brasil de Fato em Paris (França).


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américa latina

No Chile, a temporária volta de um exílio que parece não ter fim Cristiano Navarro

JUSTIÇA Julgados e condenados pela ditadura de Pinochet, nove chilenos seguem cumprindo pena de extradição em plena democracia Cristiano Navarro de Santiago (Chile) NO INÍCIO DE 2005, ao receber a notícia que sua mãe fora acometida de um grave câncer, o ex-guerrilheiro do Movimento de Ação Unitária Popular (Mapu) Lautaro, Jorge Escobar Díaz, insistiu por quatro anos seguidos em obter um salvo-conduto que lhe permitisse voltar ao Chile para visitá-la. Todas as inúmeras consultas que ele fez junto à embaixada chilena na Noruega e ao Ministério da Justiça foram respondidas com silêncio. Sem uma resposta positiva ou negativa e com a mãe já em estado terminal, no dia 25 de março, o ex-guerrilheiro resolveu por conta própria voltar. Jorge Escobar, que está há 15 anos em situação de exílio na Noruega, é um dos nove presos políticos dos grupos que foram detidos e julgados pela ditadura do general Augusto Pinochet e que atualmente cumprem pena de extradição na Europa. Ao chegar em Santiago (capital do Chile), ele foi detido pela Polícia no desembarque do aeroporto. Nas 23 horas em que esteve preso, um imbróglio judicial foi travado. A sua família apelou para o direito humano básico que todo condenado tem, que é de ter contato com seus familiares. Na manhã do

dia 26, a juíza Isabel Margarita Zúñiga negou o pedido da família e ordenou a imediata volta de Jorge Escobar para a Noruega, em um voo que partiu ao meio-dia com escala no Brasil. Contudo, a advogada da família, Alejandra Arriaza, persistiu no pedido, recorrendo junto à Corte de Apelações de San Miguel. Assim, na escala de São Paulo para Oslo, Jorge foi abordado por dois homens da Polícia Internacional Chilena, que lhe trouxeram a notícia: o ministro da corte de Apelações, Ismael Contreras, decidira autorizar seu ingresso no país durante 30 dias. Meia-volta para o ex-Lautarista (nome dado ao militantes Mapu Lautaro), que regressou à Santiago. “Estávamos muito apreensivos. Acreditamos que nossa petição foi atendida pelo ministro por razões humanitárias. Certamente, o juiz procedeu considerando a grave situação de saúde em que se encontra sua mãe”, destaca Alejandra. Ao descer, novamente, no aeroporto de Santiago, Jorge reencontrou seu irmão, o também ex-guerrilheiro Lautarista Ramón Escobar Díaz. “Em 20 anos, apenas no dia 7 de fevereiro do ano de 1994 nos encontramos por uma hora; 15 anos depois podemos nos abraçar. Isso porque quando ele foi extraditado para a Noruega, todo nosso grupo es-

Os irmãos Ramón e Jorge Escobar Díaz posam em frente estátua de Salvador Allende, em Santiago

tava preso por atividades terroristas. Temos muito o que conversar”, comenta Ramón. Um precedente Em janeiro de 2006, Marcos Antonio Paulsen, também ex-guerrilheiro Lautarista, entrou em contato com a embaixada do Chile na Bélgica para saber se já havia cumprido seus 12 anos de pena de extradição. Com aval da embaixada, que consultou o governo chileno, o Lautarista to-

O que encontrou o exLautarista, 20 anos depois De um novo modelo de capitalismo instalado por um poder militar à militância civil desse mesmo modelo econômico de Santiago (Chile) Ao regressar para Santiago, Jorge Escobar Díaz foi cercado por câmeras e microfones de emissoras de tevê, rádio e jornalistas de veículos impressos. Ele comentou sua chegada, mas não deu entrevista. Nos dias seguintes, já sendo tratado com adjetivos pejorativos por setores da imprensa corporativa, o ex-Lautarista se recusou a falar com a mídia chilena. Confiou ao Brasil de Fato, com exclusividade, sua primeira entrevista.

Mas não importa onde estivermos, seguiremos fazendo política Brasil de Fato – Como você enxerga a transição da ditadura militar para o governo civil?

Jorge Escobar Díaz – Chile é um caso claro de modelo de como se desenvolver para todo mundo. Um país que passa de uma ditadura à democracia, e o que se vê acontecer é uma transição de um novo modelo de capitalismo instalado por um poder militar à militância civil desse mesmo modelo econômico já instalado. E a derrota de Salvador Allende é isso. É a derrota de um sistema político, econômico e social por outro sistema ideológico de caráter fascista. E a atual democracia?

Vivemos uma democracia em que eu posso sair, falar,

caminhar para qualquer lado. Mas onde posso expressar minha liberdade, não como Jorge, mas como cidadão? É no campo do trabalho, é em ter acesso à educação, à saúde. Por exemplo, se não tenho dinheiro para pagar pela minha saúde eu estou morto. Então, essa é a nossa liberdade e a nossa democracia. O que você acha que pesou mais no seu caso para voltar ao Chile, o lado político ou o jurídico?

Para mim, ambos são inseparáveis. O que acontece é que nenhum dos dois se responsabiliza totalmente. Mas o meu caso pontual foi de fácil resolução, porque havia uma base de justificativa humanitária.

E para uma volta definitiva?

A volta definitiva passa por lutar. Se não lutarmos não vai acontecer nada. Temos que encontrar uma brecha para que haja avanços, tanto no político quanto no jurídico. No campo político temos que saber como pressionar através de companheiros e com campanhas. Essa pressão política deve chegar ao jurídico. Você acredita que persistam interesses militares nas penas de estranhamento?

Eu creio que aqui nós fizemos uma aposta na luta e, tanto no político como no militar, fomos derrotados. Nós fomos derrotados ou, senão, não estaríamos falando aqui do meu exílio. E eles [os militares] sabem disso, fazem parte disso. Porque nossa situação é parte de uma política de castigo permanente, porque aí você

tem um exemplo vivo do que acontece quando a gente comum, quando um trabalhador se levanta contra um sistema ou contra uma ordem estabelecida. Quando a subversão emerge. Na visão dos militares servimos para provar para toda a sociedade que há algo estático permanentemente. No Chile seguimos tendo presos políticos; outros que cumprem pena semiaberta, outros com pena de exílio que não podem entrar neste país por tantos anos. Mas, de qualquer forma, a Justiça e os militares estão abaixo de uma ordem: que é o poder do Estado. Criminalizam os que lutam: estudantes, trabalhadores, ao povo Mapuche. Pensa em voltar ao Chile e às suas atividades políticas?

Veja bem, aqui entra outra coisa. Eu estou 15 anos fora. Vivendo outra vida. Claro que tenho muita vontade de voltar, mas tenho que ver coisas práticas. Por exemplo, primeiro: onde vou trabalhar? Tenho mais de 40 anos, tenho 44 anos, onde vou trabalhar com 44 anos aqui? Segundo, quem me daria trabalho com meus antecedentes? Claro que tenho vontade de me instalar por aqui. Mas eu teria que resolver minhas questões básicas. Mas não importa onde estivermos, seguiremos fazendo política. Aqui, nesta entrevista, estamos fazendo política. Na Noruega, fazemos política de apoio aos movimentos daqui. Claro, gostaria de estar fazendo mais coisas no Chile. Mas isso se define com o tempo. E quando estiver aqui, volto à luta política. (CN)

mou um avião e voltou ao seu país com sua família. No entanto, ao chegar em Santiago, antes mesmo de pisar no solo, dois policiais adentraram a aeronave e perguntaram aos passageiros: quem é Marcos Paulsen? Ao se identificar, ele foi detido por quebrar sua pena. Segundo a Justiça chilena, ainda faltavam 77 dias, e estes deveriam ser cumpridos pelo exLautarista em uma penitenciária de segurança máxima.

“Não houve quebra de pena. Paulsen só voltou porque se baseou nas informações que o Ministério repassou à embaixada; em segundo lugar, houve um erro, a polícia lhe deu voz de prisão no avião, que não é solo chileno; portanto um ato ilegal”, relembra a advogada. Depois de um processo que durou dois meses, durante o qual Marcos esteve preso por uma semana, a Justiça sentenciou em favor de sua liberdade.

“Não há motivo para lhe condenar, todo delito depende de um ânimo de delinquir. O que não houve. Então, depois do desencontro de informações, muitos desses exilados passaram a ter desconfiança das informações que recebem do governo”, conclui a advogada. Marcos ganhou a disputa com a Justiça, mas o sentimento de que os ex-Lautaristas não eram bem-vindos pelo Estado ou pela Justiça permaneceu.

Lista dos chilenos condenados à pena de extradição que vivem na Europa Nome

Ano de prisão

Ano da extradição

Pena

Carlos García Herrera

1981

40 anos na Bélgica

Fernando Espinoza Espinoza

1982

40 anos na Bélgica

Jorge Palma Danoso

1983

1992

25 anos na Bélgica

Carlos Araneda Miranda

1983

1992

25 anos na Bélgica

Hugo Marchant Moya

1983

1992

25 anos na Finlândia

Hugo Gómez Peña

1986

1993

20 anos na Bélgica

Héctor Maturana Urzúa

1988

1994

20 anos na Bélgica

Jorge Escobar Díaz

1989

20 anos na Noruega

Héctor Figueroa Gómez

1994

20 anos na Bélgica

Marcas que não se curam com placebos No último ano da ditadura, 1989, Jorge Escobar Díaz foi acusado pela Justiça Militar de participar de ações que resultaram na morte de dois policiais e uma menor de idade. A sentença para os crimes foi de 25 anos de prisão. “Os julgamentos feitos pelos militares não é o que se poderia chamar justo. Debaixo de tortura e de profundas distorções, eram dadas as sentenças, multiplicadas em três vezes em casos que se classificassem como terrorismo, que foi o caso de Jorge”, afirma a advogada Alejandra Arriaza. Do dia 11 de setembro de 1973 – quando as tropas do general Augusto Pinochet derrubaram o governo democrático, assassinando o então presidente chileno Salvador Allende – até o dia 11 de março de 1990 – quando o ditador e os militares devolveram o Estado ao poder civil – cerca de três mil pessoas foram assassinadas ou seguem desaparecidas, 35 mil foram torturadas e 300 mil foram presas. Sob pressão da sociedade civil para libertar os presos políticos “herdados” da ditadura militar, o primeiro presidente civil no Chile, Patricio Aylwin (de 1990 a 1994), ofereceu a 24 militantes do MIR, FPMR e Mapu Lautaro acusados de participar de ações que resultaram em vítimas fatais a pena que foi chamada de extrañamiento (exílio, em espanhol). Ela consistia em um “benefício” transformando o resto de seus anos de prisão em exílio. Bélgica, Noruega e Finlândia são as nações que abrigam os nove últimos condenados que cumprem a pena de extrañamiento. Ao todo, esses condenados possuem sentenças de 20 a 40 anos de exílio. Jorge acredita que, para o Estado chileno, “trata-se de uma política de castigo. Isso serve para dizer que, quando uma pessoa comum se levanta contra alguma injustiça, este é seu destino”. A contribuição de grupos como os que fizeram parte os irmãos Jorge e Ramón Escobar Díaz parece não ser reconhecida, hoje, pela maioria da sociedade. “Como família, falamos, nunca vamos desistir da luta por outro modelo. Não temos vergonha. Somos orgulhosos do que fizemos. De combater e resistir com armas a ditadura militar. Fizemos parte de um grupo de um punhado de chilenos que tiveram coragem de enfrentar. Não nos interessa os anos que passamos presos”, resgata Ramón. Ele avalia que, “nesta luta, tivemos um custo que pagamos que foi enorme. Porque morreram irmãos e companheiros, tivemos filhos que não vimos crescer: esse foi nosso custo. Mas foi uma derrota política e militar. Uma derrota da nossa organização. Mas como indivíduos não estamos derrotados e ainda temos vontade de seguir na luta”. (CN)


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internacional

A crise se espalha

Paranoid Monk/CC

EUA Os índices de desemprego batem recordes, escolas estão fechando por falta de recursos e mendigos são vistos em cidades onde antes não eram comuns Memélia Moreira de Saint-Augustin e Orlando (EUA) CENTRO DE peregrinação quase religiosa dos estadunidenses brancos, negros, mestiços, ricos, pobres e da ampla classe média, o “mundo encantado” da Disney, que tem como palavra de ordem “onde os sonhos se tornam verdade”, viu, finalmente, a recessão econômica invadir seus domínios. Nem os cerca de 300 mil visitantes que a cada dia buscam seus cinco parques nos EUA foram capazes de deter a degola. Na primeira semana de abril, a Disney Corporation anunciou a demissão de 1.200 funcionários. Outras 700 demissões estão previstas até o final do primeiro semestre. Estas, no entanto, não atingiram ainda os trabalhadores que servem os parques, apenas o quadro administrativo. A porta-voz da empresa, Tasia Fillipatos, dourou a pílula ao explicar as decisões tomadas pela direção, dizendo que as dispensas “não foram feitas de forma leve, mas são essenciais para manter nossa liderança em turismo familiar e refletir as realidades econômicas atuais”. Sem leis trabalhistas que assegurem um mínimo de sobrevivência para o período imediato de perda de emprego, tais como fundo de garantia ou indenização,

no século 16, é refúgio de milionários que, no inverno, fogem das baixas temperaturas do norte do país e velejam entre o Golfo do México e o Caribe, onde o clima é ameno. A cidade é rica. Basta ver o porto onde sobram iates caríssimos. Mas a paisagem de Saint-Augustin começou a mudar. No início da primavera (outono, no Brasil) deste ano, já se podia ver cenas muito comuns de países pobres: mendigos nas ruas. Na sua maioria, pessoas mais velhas, mãos estendidas à espera dos centavos que os visitantes podiam lhes deixar. E, mesmo em Orlando, cidade onde o turismo é a marca registrada, pessoas em cadeiras de rodas, ou mesmo na porta dos supermercados, seguram plaquinhas de papelão pedindo dinheiro “para comer”. Essas cenas eram des-

os demitidos sequer reclamaram, pois a Disney Corporation concedeu-lhes ajuda financeira. Cada um deles recebeu o equivalente a uma semana de trabalho para cada ano na empresa e, ainda, foi orientado a procurar o Centro de Recursos Humanos para ver a possibilidade de conseguir emprego em outra área da própria empresa. As notícias vindas da Disney vieram à tona um dia depois do anúncio dos novos recordes de demissões no país. Só em março, 742 mil pessoas foram mandadas para casa. É como se, de repente, uma cidade brasileira de porte médio inteira estivesse desempregada. Os cortes elevaram o índice de desemprego no país para 8,5%, a maior taxa desde 1983, quando os Estados Unidos sentiram os primeiros sinais da catástrofe que agora parece ter se instalado de vez. E nem mesmo as tentativas de estancar essa hemorragia financeira, com ajuda a bancos e empresas de seguro, parecem ter qualquer serventia. Mendigos

Fantasma que começou a assustar o país há cerca de um ano, a recessão econômica já frequenta as ruas. E é visível até mesmo em cidades pequenas. Localizada a 180 km de Orlando, na Flórida, a histórica cidade de Saint-Augustin, fundada pelos espanhóis

O fantasma “socialista” Medidas de intervenção do Estado em empresas privadas assustam o imaginário social estadunidense, acostumado à fé no capitalismo de Orlando (EUA) Além do pânico, real, da perda de emprego e, consequentemente, do estilo de vida ao qual se acostumaram, os estadunidenses enfrentam um novo fantasma em seus pesadelos. A cada medida do governo tentando regular o mercado, o imaginário social treme nas bases com o medo do país “cair no socialismo”. Foi isso que aconteceu logo depois que o Executivo se tornou coproprietário do Citigroup. E é o que vem se repetindo a cada movimento de intervenção governamental no sistema bancário. A tal ponto de o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, ser obrigado a vir a público garantir que “a administração do presidente Barack Obama continua acreditando firmemente que o melhor caminho, ainda, é deixar o controle bancário com a iniciativa privada”. A declaração morreu na praia, pois, dias depois, a American International Group (AIG), empresa na qual o governo federal tem controle de 80% depois que a socorreu, distribuiu bônus de 160 milhões de dó-

lares para seus executivos. O caso virou um escândalo nacional, e o Partido Democrata, que tem maioria nas duas casas do Congresso, votou em tempo recorde uma lei específica para os sortudos beneficiários, criando um imposto de 90% sobre esses bônus. Cerca de 30 dos que os receberam devolveram o dinheiro. E não era para menos. Os investidores não esconderam sua raiva, enquanto parcela da sociedade começou a se movimentar contra os privilegiados. Salários regulados

Para provocar mais ainda a alergia estadunidense aos sinais de “socialismo” (dá até vontade de rir!) demonstrados pelas autoridades econômicas, na noite de 6 de abril o Congres-

so votou mais uma lei que vai tirar o sono daqueles que ainda professam a fé capitalista. A partir de agora, todas as empresas que recebam ajuda do Estado terão os salários de seus trabalhadores (independentemente do cargo que ocupem) controlados pelo parlamento. A norma, mais um passo para reduzir os ganhos abusivos dos executivos que estão lucrando com a crise, quando os bancos ou empresas na qual trabalham têm suas dívidas resgatadas pelo governo, estarreceu o estadunidense médio, aquele que acredita que a chave da verdadeira felicidade está no capitalismo, e qualquer ingerência do Estado é vista como aberração. A perplexidade foi tão

conhecidas na região até o início do ano. A mendicância deixou de ser um fenômeno. Mais corriqueiro nas grandes metrópoles, tais como Nova York, Chicago, Los Angeles e San Francisco, ela vem se espalhando por todo o país e não faz distinção étnica. Brancos de olhos azuis e não-brancos começam a ocupar espaços nas cidades onde há menos de um ano encontrar um mendigo era prova de gincana. Escolas fechadas

Mas, até agora, não há nenhuma estatística mostrando qual o percentual de pessoas que passaram a viver na rua. País que venera as estatísticas, os Estados Unidos também ainda não mediram o número de pessoas que migrou da classe média para patamares inferiores, e nem mesmo quantas crianças e adolescentes não podem mais frequentar as escolas, porque algumas estão fechando devido à insuficiência de recursos governamentais para mantê-las em funcionamento. Até para sua própria sobrevivência, o sistema capitalista socorre em primeiro lugar os bancos e as grandes corporações. Em momento algum, autoridades do governo vieram a público anunciar qualquer ajuda às escolas, embora a educação tenha sido um dos principais temas de campanha do presidente Barack Obama. Muito pelo contrário. A cada semana, o noticiário traz informações de que determinada unidade de ensino está prestes a fechar porque seu orçamento foi reduzido à metade. Reuniões de pais e professores se sucedem, e uma das escolas técnicas da Flórida, a Orange Mid Florida Tech, tem usado seu painel eletrônico, que normalmente anuncia os cursos oferecidos, para convocar os estudantes a uma resistência pacífica. “Escrevam ao seu senador para que ele não permita o corte do nosso orçamento”, diz o aviso.

O despertar de consciências grande que um raivoso comentarista do canal de televisão Fox News, porta-voz da direita, perguntou, no término de sua fala, “onde é que vamos parar?”. Mais uma lei dessa natureza e a ex-companheira de chapa do candidato republicano John McCain, a governadora Sarah Palin, que via comunistas russos do seu quintal, vai entrar em transe, pois os tais “comunistas” teriam tomado de assalto o próprio Congresso do país. E ela está disposta a salvar “The House” (“A Casa”, como é chamado o Congresso) candidatandose ao Senado, quando deixar o governo do Alasca. É a saída

Mesmo provocando pesadelos e levando o estadunidense médio a ver fantasCandice Gail

“Sem-teto, por favor ajude se puder”, pede homem em rua de Orlando, na Flórida

mas à luz do dia, uma das saídas para atenuar a recessão vem sendo justamente a intervenção do Estado na iniciativa privada, seja bancos ou grandes empresas. Ou, como foi proposto e aceito na reunião do G-20 em Londres, “a regulação do mercado”.

A partir de agora, todas as empresas que recebam ajuda do Estado terão os salários de seus trabalhadores (independentemente do cargo que ocupem) controlados pelo parlamento No encontro, aliás, outro totem da sociedade dos Estados Unidos foi colocado em xeque pelo próprio presidente Barack Obama, quando disse que o mundo não pode esperar que seu país seja sempre “um mercado consumidor voraz”. A declaração aponta para uma mudança de mentalidade, uma verdadeira revolução cultural, porque, se há um consumidor voraz, este é o povo estadunidense. Portanto, assombrados ou não, se quiserem realmente sobreviver à crise, a população dos EUA precisa, urgentemente, mudar seu estilo de vida. E essa é uma tarefa titânica que levará algumas décadas para ser implantada. (MM)

de Orlando (EUA) Enquanto a grande maioria do povo estadunidense tem urticárias ao ver estampadas nos jornais as notícias sobre intervenções do Estado na iniciativa privada, há muitos que não têm medo de careta e já começam a se mexer exatamente exigindo que essas “medidas socializantes” sejam implantadas o mais rápido possível. Críticos tanto de George W. Bush como de Barack Obama por causa do resgate (bailout, em inglês) aos bancos, eles se organizaram no movimento chamado “Bailout People”, que promoveu a primeira grande manifestação da crise, no dia 3 de abril, exatamente nas portas de Wall Street. O mesmo grupo, logo depois de anunciados os bônus milionários da AIG, alugou um ônibus escolar e promoveu “excursões” para visitar os beneficiados. Com o veículo lotado, os manifestantes paravam na casa de cada um dos executivos e faziam um comício-relâmpago denunciando o desvio de recursos do programa de resgates. Bem ou mal, a recessão está despertando consciências. Mesmo as pessoas que não têm o hábito de se informar, procuram saber das notícias e demonstram indignação ao tomarem conhecimento de que os impostos que pagam podem estar sendo desviados para salários abusivos de executivos e, até mesmo, festas nababescas promovidas por bancos que se dizem em bancarrota. Podem até temer uma “saída socializante”, mas já não aceitam passivamente todos os desmandos do capitalismo. O resultado desse despertar é uma incógnita, mas, no país que cultiva a autoestima, exacerba a noção de liberdade e acredita firmemente que os Estados Unidos é o lugar onde “os sonhos se tornam verdade” – versão anglo-saxônica da famosa frase de Lenine (“Sonhos, acredite neles”) –, qualquer resultado é possível, inclusive, perder o pânico ao socialismo. (MM)


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internacional Monsanto

“Quem controla as sementes controla a comida e a vida” TRANSNACIONAIS Pesquisadora francesa denuncia poder da maior corporação de sementes do mundo: produção de armas químicas e controle de alimentos em nível global

UMA EMPRESA líder, um modelo agrário e suas consequências sociais e sanitárias. Os segredos da Monsanto, seu poder de influência sobre os governos e a ciência. A investigadora, escritora e documentarista francesa MarieMonique Robin aborda, na entrevista a seguir, o seu livro O Mundo Segundo a Monsanto, fruto de três anos de profundas investigações. Na obra, ela trata de todos os aspectos essenciais para se contextualizar o monocultivo de soja e os agrotóxicos em nível global. Corrupção, produção de armas químicas e controle sobre o que as pessoas comem são algumas das denúncias feitas pela francesa. Como define a Monsanto? Marie-Monique Robin – É uma empresa delinquente. E digo isso porque há provas concretas. Ela foi muitas vezes condenada por suas atividades industriais, por exemplo, o caso dos PCB, produto que agora está proibido, mas que segue contaminando o planeta. Durante 50 anos, o PCB esteve nos transformadores de energia. E a Monsanto, que foi condenada por isso, sabia que eram produtos muito tóxicos, mas escondeu a informação e nunca disse nada. E é a mesma história com outros dois herbicidas produzidos pela empresa, que formaram o coquetel chamado “agente laranja”, utilizado na Guerra do Vietnã [1959-1975]: ela também sabia que eram muito tóxicos e fez o mesmo. Além disso, a corporação manipulou estudos para esconder a relação entre as dioxinas e o câncer. É uma prática recorrente na Monsanto. Muitos dizem que isso é passado, mas não é assim, é uma forma de obter lucros que ainda hoje está vigente. A empresa nunca aceitou seu passado, nem responsabilidades sobre ele. Sempre tentou negar tudo. É uma linha de conduta, e hoje acontece o mesmo com os transgênicos e o herbicida Roundup. Quais são as práticas comuns da Monsanto na ordem global? Ela tem práticas comuns em todos os países onde atua. A Monsanto esconde dados sobre seus produtos, mas não só isso. Também mente e falsifica estudos sobre esses produtos. Outra particularidade que se repete é que, cada vez que cientistas independentes tentam fazer seu trabalho a fundo sobre os transgênicos, eles sofrem pressões ou perdem seus trabalhos. Isso também acontece nos organismos dos EUA, como a FDA [Administração de Alimentos e Medicamentos] ou a EPA [Agência de Proteção Ambiental]. A Monsanto também é sinônimo de corrupção. Dois exemplos claros e provados são, primeiro, a tentativa de suborno no Canadá, que originou uma sessão especial do Senado canadense, quando se buscava a aprovação do hormônio de crescimento leiteiro. O outro caso ocorreu na Indonésia, onde a Monsanto foi condenada porque corrompeu cem altos funcioná-

rios para pôr no mercado seu algodão transgênico. Não duvidamos que exista mais casos de corrupção nos quais a Monsanto é quem corrompe. Você também afirma que a modalidade de “portas giratórias” é uma prática habitual? Sem dúvida. Na história da Monsanto, sempre está presente o que nos EUA se chama de “a porta giratória”. Um exemplo claro: o texto de regulamentação sobre os transgênicos no país foi publicado em 1992 pela FDA, a agência estadunidense encarregada pela segurança de alimentos e medicamentos, que, supõe-se, é muito séria... ao menos eu sempre pensava isso, até antes deste trabalho. Agora sei que não é assim. Em 1992, o texto da FDA foi redigido por Michael Taylor, advogado da Monsanto que ingressou no órgão para isso e, depois, foi vice-presidente da empresa. Um exemplo muito claro de “porta giratória”. Há muitos exemplos, em todo o mundo.

“Ela tem práticas comuns em todos os países onde atua. A Monsanto esconde dados sobre seus produtos, mas não só isso. Também mente e falsifica estudos sobre esses produtos” A Monsanto fabricou o agente laranja, o PCB e o glifosato. E tem condenações por publicidade enganosa. Por que ela tem tão boa reputação? Por falta de trabalho sério dos jornalistas e a cumplicidade dos políticos. Em todo o mundo, é igual. Por que a Monsanto não fala? Tentou ligar para eles? Sim, mas não aceitaram perguntas. Também é o mesmo em todo o mundo. Diante de qualquer jornalista crítico, a Monsanto tem uma só política: “Sem comentários”. O que significa a Monsanto no mercado mundial de alimentos? A meta da Monsanto é controlar a cadeia alimentar. Os transgênicos são um meio para essa meta. E as patentes, uma forma de consegui-lo. A primeira etapa da “revolução verde” já ficou para trás, foi a de plantas de alto rendimento com utilização de pesticidas e com contaminação ambiental. Agora, estamos na segunda etapa dessa “revolução”, em que a chave é fazer valer as patentes sobre os alimentos. Isso não tem nada a ver com a ideia de alimentar ao mundo, como se publicou em seu momento. A única finalidade é aumentar os lucros das grandes corporações. A Monsanto ganha em tudo. Ela vende o pacote tecnológico

completo, sementes patenteadas e o herbicida obrigatório para essa semente. A empresa te faz firmar um contrato pelo qual te proíbe conservar sementes e te obriga a comprar o Roundup; não se pode utilizar um glifosato genérico. Nesse modelo, a Monsanto ganha em tudo, e é tudo o oposto da segurança alimentar. Aproveitemos para recordar que a soja transgênica que se cultiva na Argentina não é para alimentar os argentinos, é para alimentar os porcos europeus. E o que acontecerá no país quando as carnes da Europa tiverem que ser etiquetadas, sendo que foram alimentadas com soja transgênica? Se deixará de comprar carnes desse tipo, e a Argentina também receberá o golpe, porque a demanda de soja diminuirá. Você esteve na Argentina, Brasil e Paraguai. Que particularidades encontrou na região? Deve-se recordar que a Monsanto entrou na Argentina graças ao governo de Carlos Menem [1989-1999], que permitiu que a soja transgênica entrasse sem nenhum estudo. Foi o primeiro país da América Latina. Depois, da Argentina, organizou-se um contrabando de sementes transgênicas de grandes produtores para o Paraguai e o Brasil, que se viram obrigados a legalizá-las porque eram cultivos que depois se exportavam. E, depois, a Monsanto veio reclamar seus royalties. Foi incrível como se expandiu a soja transgênica na região, e em tão poucos anos. É um caso único no mundo. Na década de 1990, a Argentina era denominada alunomodelo do FMI. Hoje, com 17 milhões de hectares de soja transgênica e a utilização de 168 milhões de litros só de glifosato, pode-se dizer que a Argentina é um aluno-modelo dos agronegócios? Sim, claro. A Argentina adotou o modelo Monsanto em tempo recorde, é um caso pragmático. Mas também houve alguns problemas com o aluno-modelo. Como as sementes transgênicas são patenteadas, a empresa tem o direito de propriedade intelectual. Isso significa, como vi no Canadá e nos EUA, que fazem os produtores firmarem um contrato no qual se comprometem a não conservar parte de suas colheitas para ressemear no próximo ano, o que costumam fazer os agricultores de todo o mundo. A Monsanto denuncia isso como uma violação de sua patente. Então, a corporação envia a “polícia de genes”, que é algo incrível: detetives privados que entram nos campos, tomam amostras, verificam se é transgênico e se o agricultor comprou suas sementes. Se não as comprou, processos são instalados e a Monsanto ganha. É parte de uma estratégia global: a empresa controla a maioria das empresas sementeiras e patenteia as sementes, exigindo que cada camponês as compre. O que aconteceu aqui é que a lei argentina não proíbe que se guardem sementes de uma colheita e as utilizem na pró-

Estufa de pesquisa e desenvolvimento de transgênicos da Monsanto

xima semeadura. Em um primeiro momento, a Monsanto disse que não iria pedir royalties e forneceu, a preços baixos, as sementes e o Roundup. Mas, em 2005, começou a pedir royalties, rompeu o acordo inicial e, por isso, mantém um enfrentamento judicial com seu aluno preferido. As grandes empresas do setor prometem, há décadas, que com transgênicos e agrotóxicos se conseguirá aumentar a produção e assim acabar com a fome do mundo. A Argentina é o melhor exemplo dessa mentira. Como tem ido a “sojização” do país? Perdeu-se na produção de outros alimentos básicos, e ainda há fome. Esse modelo é o do monocultivo, que acaba com outros cultivos vitais. É uma transformação muito profunda da agricultura, que leva diretamente à perda da soberania alimentar, e lamentavelmente já não depende de um governo para poder revertê-lo. Por que você chama o processo agrário atual de “a ditadura da soja”? É uma ditadura no sentido de um poder totalitário, que abrange tudo. Deve-se ter claro que quem controla as sementes controla a comida e a vida. Nesse sentido, a Monsanto tem um poder totalitário. Estamos diante de um programa político com finalidades muito claras. Quem decide o que se vai cultivar na Argentina? Nem o governo nem os produtores. Quem decide é a Monsanto. E, para piorar, a segunda onda de transgênicos vai ser muito forte, com um modelo de agrocombustíveis que acarretará mais monocultivos. E, a esta altura, já está claro que o monocultivo significa a perda de biodiversidade e é todo o oposto à segurança alimentar. Já não há dúvidas de que o monocultivo, seja o da soja ou para o biodiesel, é o caminho para a fome. Qual é o papel da ciência no modelo do agronegócio, do qual a Monsanto é só sua cara mais famosa? Antes, eu pensava que, quando um estudo era publicado em uma prestigiosa revista científica, se tratava de um trabalho sério. Mas, não. As condições em que se pu-

blicam alguns estudos são tristes, com empresas como a Monsanto pressionando os diretores das revistas. No tema transgênico, fica muito claro que é quase impossível realizar estudos. Em muitas partes do mundo, nos EUA ou na Argentina, os laboratórios de investigações são pagos por grandes empresas. E, quando o tema é sementes, transgênicos ou agroquímicos, a Monsanto sempre está presente e sempre condiciona as investigações.

E o papel dos meios de comunicação? Me dá muita pena, porque sou jornalista e acredito no que fazemos, acredito que é uma profissão com um papel muito importante na democracia, mas há uma grande manipulação dos meios. Em tudo o que se refere aos transgênicos, a imprensa não trabalha seriamente. Os meios olham a propaganda da Monsanto e a publicam sem questionamentos, como se fossem empregados da empresa. Também é público que a Monsanto convida os jornalistas para comer, lhes dá presentes, os leva de viagem a Saint Louis (onde está sua sede central); os jornalistas vão muito contentes, passeiam pelos laboratórios, não perguntam nada e vão embora. Assim funciona a relação dos meios com a Monsanto. Também registrei casos nos quais a empresa busca, em cada meio de comunicação, um defensor. Estabelece contato com ele e consegue opiniões favoráveis. Não sei se há corrupção, mas sei que a Monsanto consegue seu objetivo. Na Argentina, é claro como atua. Ao se lerem alguns artigos de suplementos rurais, veem-se, em lugar de artigos jornalísticos, publicidades da Monsanto. Não parece que um jornalista o escreveu, e, sim, que foi diretamente a companhia (Página 12 www.pagina12.com.ar).

“Da Argentina, organizou-se um contrabando de sementes transgênicas de grandes produtores para o Paraguai e o Brasil, que se viram obrigados a legalizá-las. E, depois, a Monsanto veio reclamar seus royalties” Os cientistas têm medo ou são cúmplices? Ambas as coisas. O temor e a cumplicidade estão presentes nos laboratórios do mundo. No livro, deixo claro que há cientistas, em todos os países, cuja única função é legitimar o trabalho da empresa. Qual é o papel dos governos para que empresas como a Monsanto avancem? Os governos são os melhores propagandistas dos OGM. Realizam um trabalho de lobby incrível. A Monsanto leva seus estudos, sua informação, suas revistas e fotos, tudo muito lindo. E diz aos políticos que não haverá contaminação e que salvará o mundo. E os políticos fazem a parte deles. Também há pressões. Deputados franceses denunciaram publicamente as pressões da Monsanto; até reconheceram que a companhia contatou cada um dos 500 deputados para que legislassem segundo os interesses da empresa.

Dominique Robin

Darío Aranda de Buenos Aires (Argentina)

Quem é A jornalista francesa Marie-Monique Robin é famosa por sua cobertura sobre direitos humanos. Em 1995, recebeu o prêmio Albert Londres por uma reportagem sobre roubo de órgãos. Além disso, ganhou outro prêmio, concedido pelo Senado da França, por um documentário sobre a ligação entre os esquadrões da morte no Chile e na Argentina com os serviços secretos franceses. Na América do Sul, trabalhou como repórter independente.


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de 16 a 22 de abril de 2009

áfrica

O consumo ocidental, os “minerais sangrentos” e a violência sexual Melinda Kerr

CONGO KINSHASA Recursos naturais do leste do país financiam a guerra civil na região, zona com altíssimos índices de violação às mulheres Marina Litivinsky de Washington (EUA) O CONSUMO MACIÇO mundial de telefone celular, computador e outros produtos eletrônicos exacerba a violência sexual na República Democrática do Congo (RDC, ou Congo Kinshasa), segundo a organização humanitária estadunidense Enough Project. O informe “Pode escutar o Congo? Telefones celulares, minerais conflitivos e a pior violência sexual do mundo”, divulgado no começo de abril, descreve como rebeldes da RDC compram armas com dinheiro da venda de valiosos recursos minerais, causa direta da generalizada violência sexual nesse atribulado país africano.

Nos últimos dez anos, os diferentes grupos rebeldes e unidades militares que dominam a zona conflitiva do país disputam o controle das áreas ricas em recursos minerais e o de seus habitantes – em parte, mediante a violência sexual “O conflito no leste da RDC, que causou a maior quantidade de mortes desde a Segunda Guerra Mundial (19391945), está exacerbado, em grande parte, pelo multimilionário comércio de recursos minerais”, diz o informe. “Os grupos armados re-

Mulher congolesa: vítima da pior violência sexual do mundo

cebem cerca de 144 milhões de dólares por ano com a venda de quatro metais: estanho, tântalo, tungstênio e ouro”, acrescenta. Com a ajuda de outras organizações não-governamentais, a Enough Project investigou, durante todo o ano passado, a cadeia de fornecimentos que vincula os minerais conflitivos à maioria dos produtos eletrônicos, incluídos telefones celulares, reprodutores portáteis de música e computadores. A violência na RDC, derivada da “maldição dos recursos”, tem mais de um século. Nos últimos dez anos, os diferentes grupos rebeldes e unidades militares que dominam a zona conflitiva do país disputam o controle das áreas ricas em recursos minerais e o de seus habitantes – em parte, mediante a violência sexual. Segundo a pesquisa, há 1.100 denúncias de violações por mês. “As mulheres de algumas comunidades que foram forçadas a abandonar suas casas ficam tão traumatizadas que não querem voltar nunca mais ao seu lugar de origem”, escreveu um dos fundadores do Enough Project, John Prendergast, no jornal San Fran-

cisco Chronicle. A violência “destrói famílias, dizima comunidades e propaga o HIV/ Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis”. Presença de “genocidas”

Após o genocídio de Ruanda, em 1994, quando cerca de 800 mil tutsis e hutus moderados foram mortos por forças governamentais e rebeldes, centenas de milhares de hutus vinculados ao regime fugiram para a RDC, enquanto a Frente Patriótica Ruandesa, apoiada pelos tutsis, conquistava o país. Muitos deles voltaram para Ruanda, mas a presença de “genocidas” no leste da RDC serve para o governo ruandês justificar as repetidas incursões na região nos últimos 12 anos. A divulgação do estudo coincidiu com um outro preparado pela Oxfam, segundo o qual cerca de 250 pessoas abandonaram suas casas na RDC após uma operação conjunta sem precedentes entre Ruanda e soldados angolanos contra os restantes rebeldes hutus. A operação foi considerada um sucesso pelos dois países, mas, após a retirada das forças ruandesas, há algumas semanas, os insurgentes regressaram à região e es-

tão praticando saques e aterrorizando a população local. A Oxfam afirma que soldados do Congo também participam de ações violentas. “Há saques generalizados, aldeias incendiadas e um número inaceitável de violência sexual”, disse o diretor da Oxfam na RDC, Marcel Stoessel, à rede de rádio e televisão britânica BBC. Os três grupos armados responsáveis pela violência, que controlam a maior parte do comércio de minerais, são o Congresso Nacional para a Defesa do Povo, as Forças de Libertação Democráticas de Ruanda e unidades renegadas do exército da RDC. Essas organizações ficam com o lucro do comércio de minerais por controlarem as minas através da força, e exigirem pagamento por parte de transportadores, compradores locais e internacionais e guardas de fronteira. Os minerais do conflito vão da RDC aos países da Ásia-Pacífico, onde são processados e transformados em metais valiosos, necessários para produzir uma gama ampla de produtos eletrônicos. O estanho é usado principalmente para soldagem de placas-base de computadores. As organizações armadas

Essas organizações ficam com o lucro do comércio de minerais por controlarem as minas através da força, e exigirem pagamento obtêm cerca de 85 milhões de dólares por ano com a venda desse metal, diz o estudo. O tântalo, empregado para armazenar eletricidade em condensadores de Ipods, reprodutores portáteis digitais de áudio e vídeo, câmeras digitais e celulares, rende aos rebeldes cerca de 8 milhões por ano. O tungstênio, usado para fazer o celular vibrar, gera aproximadamente 2 milhões. Por fim, o ouro, empregado em jóias, é outro dos componentes dos produtos eletrônicos e deixa aos grupos armados entre 44 milhões e 88 milhões de dólares ao ano. Consumidores

Enough exortou as empresas de produtos eletrônicos a

se comprometerem – como fizeram os joalheiros e a indústria de diamantes há sete anos, com os chamados “diamantes de sangue” – em não fabricar seus produtos com minerais conflitivos e submeter sua cadeia de fornecimento a uma auditoria transparente. Companhias como as estadunidenses Apple e Hewlett Packard, a finlandesa Nokia e a japonesa Nintendo teriam que “mudar suas práticas de abastecimento e exigir dos fornecedores provas da origem dos minerais”, afirmou a organização. A Enough também incentiva os consumidores de todo o mundo a usarem seu poder de compra para reclamar das companhias a revisão de seus protocolos empresariais e a responsabilização pela origem dos minerais que usam em seus produtos. “Pedimos aos consumidores que entrem em contato com as 21 companhias de produtos eletrônicos através de nosso site na internet, para pressionálas a fabricarem seus produtos sem metais conflitivos”, disse Prendergast. O estudo da Enough também cobra do presidente dos EUA, Barack Obama, e do congresso desse país medidas concretas para garantir o fim da violência na RDC. “O presidente Obama deve romper com a política anterior para a RDC, criada mais para cuidar, sem muita vontade, dos sintomas do problema, através de ajuda humanitária, ações diplomáticas irregulares e forças de paz”, segundo Prendergast. Também exortou Obama a nomear um enviado de alto nível para trabalhar, juntamente com sua equipe, as causas da instabilidade, em coordenação com atores locais e regionais. Além disso, o presidente estadunidense poderia apoiar o trabalho do Tribunal Penal Internacional, que investiga os crimes de guerra cometidos na RDC, e pressionar para que as violações, enquanto arma de guerra, sejam objeto de investigações penais. A Enough também cobrou do Congresso dos EUA a aprovação de leis que “obriguem as companhias a revelar a origem dos minerais que utilizam e o estabelecimento de sanções para as que continuarem comprando recursos conflitivos”. (IPS/ Envolverde).

ANÁLISE

Um sonho do homem branco As campanhas que promovem as soluções tecnológicas para combater a fome costumam oferecer a palavra de porta-vozes africanos para silenciar as vozes genuínas de agricultores Anuradha Mittal O AUMENTO da fome no mundo se converteu em ferramenta da indústria da Biotecnologia, em busca de apoio para os cultivos de transgênicos. A tática da “maquiagem verde”, que traz a ideia de que a Biotecnologia é amistosa com o meio ambiente e ajudará a enfrentar a mudança climática, e a da “maquiagem pobre”, que incita a aceitação da Engenharia Genética para aumentar a produção e melhorar a vida dos camponeses, ganharam a ajuda de certas desencaminhadas instituições filantrópicas. Por exemplo, a Aliança para uma Revolução Verde na África (Agra), dirigida pela Fundação Bill e Melinda Gates, pretende ser o

mais importante veículo institucional para mudar a agricultura africana. Contudo, em seu entusiasmo por ajudar os africanos a se alimentarem, graças a um pacote tecnológico de insumos químicos e sementes modificadas, a Fundação Gates deixou de consultar os agricultores e as comunidades que pretende beneficiar. Embora se defina como uma “iniciativa conduzida por africanos” – tendo o ganês Kofi Annan, exsecretário-geral das Nações Unidas, como presidente –, a Agra continua sendo um “sonho do homem branco para a África”. Especialistas da indústria da biotecnologia que ocupam as principais posições na Fundação Gates estão elaborando um projeto com sua visão so-

bre o que deveria ser a revolução agrícola. Seus assessores são expoentes de elites políticas africanas, como Ruth Oniang’o, cujas opiniões podem ser encontradas nas páginas do site da multinacional Monsanto, defendendo a necessidade da biotecnologia no continente. Para calar críticas da sociedade civil, a Fundação tem sido vaga em seu papel de promoção de cultivos modificados geneticamente. Porém, seus donatários trabalham para desbaratar a ampla resistência local ao uso de transgênicos na agricultura.

Especialistas da indústria da Biotecnologia que ocupam as principais posições na Fundação Gates estão elaborando um projeto com sua visão sobre o que deveria ser a revolução agrícola

Lobby pró-transgênicos

Por exemplo, o Donald Sanforth Plant Science Center, com sede no Estado de Saint Louis, nos EUA, recebeu 5,4 milhões de dólares da Fundação Gates para conseguir que os governos africanos aprovem a realização de pesquisas de campo de cultivos modificados geneticamente. A Fundação deixa de lado destacados estudos que refutam posições convencionais contidas em sua agenda agrícola industrial e orientadas pe-

lo mercado. Um estudo publicado em 2008 pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) demonstra que a agricultura orgânica é mais benéfica do que a de uso intensivo de produtos químicos e que, portanto, é mais favorável para a segurança alimentar da África.

Uma análise de 114 projetos em 24 países africanos comprovou que os cultivos onde foram usadas práticas orgânicas ou próximas das orgânicas duplicaram seus rendimentos. As pesquisas também mostram que tais práticas produziram grandes benefícios ambientais, como melhoria na fertilidade do solo, maior retenção de água e resistência à seca. Entretanto, nada disso é considerado nos planos agrícolas da Fundação Gates. O relatório 2008-2011 da Estratégia de Desenvolvimento Agrícola da Fundação mostra o quanto esses planos estão longe daqueles a quem tenta ajudar. De acordo com suas próprias afirmações, a entidade investe em desenvolvimento agrícola porque uma crescente maioria de pobres depende da agricultura. Porém, o resumo do informe confidencial para os executivos da Fundação propõe reduzir a população rural sem especificar ou explicar onde e como seriam realocadas em outras atividades as pessoas retiradas do meio agrícola. Agricultura familiar

As campanhas que promovem as soluções tecnológicas para combater a fome costumam oferecer a palavra de

um punhado de porta-vozes africanos para silenciar as vozes genuínas de agricultores, pesquisadores e organizações da sociedade civil. No entanto, há uma extensa oposição à Engenharia Genética e aos planos de uma nova “revolução verde” para a África. Os africanos uniram-se contra os cultivos modificados geneticamente e optam por amplas intervenções políticas que apoiem a agricultura familiar, para que os camponeses possam produzir e comercializar os frutos de suas colheitas de maneira sustentável. Mesmo quando se veem diante de situações extremas de fome, os países africanos escolhem proteger a biodiversidade diante do dilema de aceitar ajuda em alimentos geneticamente modificados, como foi o caso da Zâmbia, em 2002. Nestes tempos de “maquiagem pobre” e fome crescente, é crucial que suas vozes sejam ouvidas para que se possa garantir a soberania alimentar da África e de seus povos (IPS – Envolverde). Anuradha Mittal é diretora-executiva do The Oakland Institute e editora do relatório “Vozes da Africa: agricultores e desenvolvimentistas. Africanos falam claramente contra a nova revolução verde”.


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