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Circulação Nacional

Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 7 • Número 325

São Paulo, de 21 a 27 de maio de 2009

R$ 2,50 www.brasildefato.com.br João Zinclar

Governos do Rio constroem muros para isolar pobres

Agronegócio intensifica catástrofe nordestina As fortes chuvas que ocorreram nas regiões Norte e Nordeste do país já vitimaram 45 pessoas. A maioria das mortes são nos Estados do Ceará e do Maranhão. Apesar de se repetirem, em média, a cada dez anos, dessa vez, as enchentes atingiram uma parcela ainda maior da população. Uma das principais causas é a construção de obras voltadas para o agronegócio. Para antropóloga, há discriminação da mídia nacional na cobertura e também negligência do Estado no socorro às famíPág. 8 lias desalojadas. Jefferson Bernardes/Palácio Piratini

Denúncias de corrupção no RS afundam governo tucano

O governador Sérgio Cabral, em parceria com a prefeitura do Rio, anunciou a construção de 11 quilômetros de muros na cidade, em 13 comunidades. Destas, 11 ficam na Zona Sul, região mais rica do Rio. Em plebiscito, a comunidade da Rocinha condenou a construção. O Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública vai apurar violações de direitos coletivos fundamentais. Para João Tancredo, do Instituto de Defesa dos Direitos Humanos, o projeto é inconstitucional e “absolutamente imoral”. Pág. 5

Mulher anda de bicicleta em rua alagada da cidade de Jaguaruana, no vale do rio Jaguaribe, sertão do Ceará

Brasil pode ser denunciado por violar Tratado de Itaipu Membros do governo do Paraguai estão descontentes com um possível desrespeito, por parte do Brasil, do tratado que rege a parceria de construção e gestão da hidrelétrica de Itaipu, administrada pelos dois países. A negociação

de ações da Eletrobrás, representante brasileira na empresa binacional, na Bolsa de Nova York (EUA), seria uma grave violação do acordo, que não autorizaria medidas desse tipo, ou seja, que envolvam o patrimônio da hidrelétrica. Pág. 9

A governadora gaúcha Yeda Crusius, do PSDB, está mais uma vez na “corda bamba”. Novas denúncias de arrecadação e uso ilegal de verba da campanha de 2006 vieram à tona. Os recursos eleitorais teriam sido desviados para fins particulares. Até mesmo o DEM (do vice-governador Paulo Feijó) deve apoiar a criação de CPI. Pág. 4

MAB

Campanha do petróleo vai em busca de 1,3 mi de assinaturas Em plenária realizada nos dias 12 e 13, as organizações que defendem a destinação dos recursos do pré-sal para a população brasileira chegaram a dois consensos. O primeiro é que o nome da campanha será “O petróleo tem que ser nosso”. Já a segunda é a definição da ferramenta de lutas: um abaixo-assinado, com o qual pretende-se atingir 1,3 milhão de signatários. Os movimentos também denunciaram a CPI da Petrobras como uma manobra conservadora para pressionar o governo na definição do novo marco regulatório do setor. Págs. 2, 3 e 4

No Pará, perseguições e prisões políticas a trabalhadores Pág. 6 atingidos por barragens

Povos indígenas fazem greve no Peru

Bendito Mário

Mobilização pede retirada de decretos de Alan García

Benedetti,

Há 40 dias 1,2 mil comunidades indígenas peruanas, localizadas em províncias da floresta Amazônica,

escritor, poeta, comunista

realizam protestos exigindo a anulação de decretos do governo Alan García que põem em risco as terras

Espanha põe candidatura anticapitalista na ilegalidade

comunais. Interesses das transnacionais na região estão na raiz do problema, diz especialista. Pág. 10

AFOGANDO EM NÚMEROS

Em 2008, os gastos com juros e amortização da dívida somaram R$

282 bilhões. Se acrescentados ao Bolsa Família, o go-

verno teria R$

292 bilhões para o programa social. Assim, uni-

versalizada, a política destinaria R$ brasileiro. Atendendo apenas àqueles localizados abaixo da linha de pobreza, cada um receberia

R$ 537 mensais.

128 mensais para cada Reprodução

Reprodução

Pág. 12

A partir de denúncia do Executivo, o Tribunal Supremo espanhol determinou a ilegalidade da candidatura ao parlamento europeu da Iniciativa Internacionalista, partido formado por simpatizantes da causa do País Basco, região que busca sua independência. Para jornalista espanhol, sob o pretexto da luta antiterrorista, governo da Espanha criminaliza agremiações que apoiem movimentos independentistas. Pág. 11 ISSN 1978-5134


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de 21 a 27 de maio de 2009

editorial NOS ÚLTIMOS DIAS, a sociedade brasileira foi surpreendida por uma enxurrada de notícias dando conta de que a direita estava se articulando no Congresso para instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a Petrobras. Todo mundo ficou estupefato, a começar pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli de Azevedo, e os senadores do Partido dos Trabalhadores (PT). Afinal, por obra e graça do presidente do Senado, José Sarney, o requerimento foi lido e a comissão, instalada. Aquele mesmo Sarney que prometera fidelidade total ao governo, em troca da presidência do Senado e da recondução de sua filha ao governo do Maranhão, através de um golpe sujo articulado no servil Judiciário. Mas lá está a filhinha governando e mantendo o poder da oligarquia nos últimos 40 anos. Afinal, há algum fato novo relacionado com a Petrobras? Não. Há alguma denúncia de corrupção grave? Não. Então por que expor a empresa ao vexame de uma CPI, que tudo pode? Caberia sim uma CPI da Petrobras lá nos idos do governo de

debate

CPI da Petrobras, nova ofensiva da direita FHC para investigar quem articulou a quebra do monopólio do petróleo, que entregou nossas reservas para exploração de diversas empresas transnacionais. Uma CPI para investigar quantos altos diretores da estatal mudaram de lado e se transformaram em funcionários dessas empresas. Investigar como a Agência Nacional do Petróleo (ANP) funcionava nos tempos em que o genro do presidente FHC presidia a agência. Investigar quantas falcatruas a empresa fez no Equador e na Bolívia, corrompendo funcionários dos governos direitistas daqueles países. Investigar por que 62% das ações da companhia foram vendidas na bolsa de Nova York a preço de banana, repetindo-se a mesma maracutaia da privatização da Companhia Vale do Rio Doce, em que patrimônios avaliados ao redor de 100 bilhões de dólares foram vendidos a 3 bilhões – recuperados já nos primeiros anos de altos lucros da empre-

sa. Investigar por que a Petrobras fazia encomendas de plataformas e navios apenas no exterior. Investigar por que não houve nenhum concurso para novas contratações de trabalhadores na Petrobras durante os oito anos de FHC, enquanto se propagavam centenas de empresas terceirizadas, com trabalho precarizado, que tiveram como resultado salários médios mais baixos e a multiplicação de acidentes de trabalho. Agora, os mesmos tucanos que foram responsáveis pelas entregas da Embraer, da Vale, da Petrobras... têm a coragem de convocar uma CPI para investigar a gestão atual da empresa! Esperamos que pelo menos o governo federal, o PT e os senadores petistas tirem suas lições. Passaram seis anos adocicando a burguesia encrustada no poder Judiciário e no parlamento, entregaram a eles os ministérios com maior volume de recursos e obras, acei-

taram a parceria para reconduzir Michel Temer e Sarney ao comando do Congresso e permitiram a transformação do poder Judiciário em um palanque da direita, contra os direitos sociais conquistados na constituinte. Esperamos que os membros da base do governo na CPI pelo menos coloquem em pauta a investigação dos responsáveis pelas falcatruas na Petrobras durante o governo FHC. A CPI da Petrobras é apenas uma das respostas que as elites estão dando, através de seus partidos, para garantir as reservas do pré-sal para suas empresas. Suas, porque estão totalmente subordinados aos interesses do capital estrangeiro, que mormente financia suas campanhas eleitorais. Que a derrota sirva como lição para que o governo federal saia do casulo e leve para a população brasileira o debate sobre o que fazer com as reservas do pré-sal. Ou vamos esperar que

crônica

Gabriel Strautman

O G-20, a ONU e as velhas ideias

Frei Betto

Piratas, ontem e hoje Gama

“A verdadeira dificuldade não está em aceitar ideias novas, mas em escapar das velhas ideias.” John Keynes (1883 – 1946) EM SITUAÇÕES DE crise, temos a oportunidade de enxergar as causas dos problemas que, cedo ou tarde, voltam a aparecer. Isso não significa que essas causas serão neutralizadas, pois, como sugere Keynes, aceitar uma nova ideia não significa abandonar as antigas. No capitalismo, esta tem sido a regra. Experimentamos agora a crise mais aguda da história do capital, mas não a primeira. Já sabemos que as crises são inerentes ao capitalismo, pois decorrem da própria perversidade de sua lógica. Ainda assim, não há ações capazes de, politicamente, atuar sobre as causas da crise. Os movimentos que vêm sendo realizados para o fortalecimento das Instituições Financeiras Multilaterais (IFMs), como o Banco Mundial e, sobretudo, o Fundo Monetário Internacional (FMI), como uma das saídas para a crise são, nessa perspectiva, um grave sintoma da reprodução de um vício. Durante a reunião do G-20, teve destaque a aprovação de um pacote de 1 trilhão de dólares para estimular a economia mundial. A metade desses recursos serão disponibilizados por meio do FMI, que também será recapitalizado pelos países-membros. O comércio internacional sozinho deve ficar com 250 bilhões de dólares. Já os países mais pobres terão apenas 50 bilhões de dólares disponíveis para investir em suas economias, ou seja, menos de 5% dos recursos. Essas medidas explicitam a intenção do G-20 de garantir as condições para a imediata retomada do crescimento da economia global. Elas se limitam a tentar recuperar a confiança dos mega-atores econômicos através da injeção de mais recursos públicos na economia, e a tapar os buracos da comprometida estrutura da atual arquitetura financeira mundial, fortalecendo as suas principais instituições. Caberá às IFMs um papel central na estratégia do G-20 para o enfrentamento da crise. Do FMI, por exemplo, virá a garantia de recursos para o socorro das economias com problemas de liquidez e com desequilíbrios em suas balanças de pagamento que comprometem o pagamento de suas dívidas externas. Já o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e até o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se encarregarão do financiamento às políticas anticíclicas, que estimulam o crescimento da economia. Ou seja, para superarmos a crise, teremos que enfrentar um novo ciclo de endividamento externo, o que sempre foi causa de crises profundas para a maioria das economias em desenvolvimento. Chama atenção o fato de que as IFMs têm a capacidade de adequarem o seu papel conforme as circunstân-

o jornalista Edison Lobão, ex- presidente da Arena, ex-assessor do general Geisel, ex-PDS, ex-PFL, ex-DEM, ex-tudo... e agora paladino do PMDB e ministro das Minas e Energia, vá propor mudanças nos marcos regulatórios do petróleo que beneficiem ao povo? É urgente que o tema do petróleo, do gás e das reservas do présal sejam amplamente debatidos na sociedade. Os movimentos sociais, as centrais e os sindicatos dos petroleiros vão fazer a sua parte. (Leia reportagem na pág. 3 sobre a campanha “O petróleo tem que ser nosso”). Mas está na hora do governo federal dizer de que lado está. É preciso suspender imediatamente todos os leilões, tomar medidas que levem à reestatização do capital da Petrobras e implementar um amplo debate com toda a população e suas formas de organização sobre o destino das reservas do pré-sal, para que essa riqueza não sirva para enriquecer, de novo, meia dúzia de capitalistas, estrangeiros; mas sim para resolver os graves problemas do povo brasileiro, como desemprego, educação, moradia e acesso à terra.

cias e se fortalecerem. Nos últimos 30 anos, essas instituições foram responsáveis pela implementação, em diferentes países, de uma ampla agenda de reformas econômicas e políticas liberalizantes, que estão na raiz da atual crise. Assim, através da imposição de condicionalidades como contrapartida dos contratos de dívida externa, especialmente do Sul Global, teve início um processo de redução do papel do Estado nas economias nacionais, privatização de serviços públicos, liberalização financeira e comercial e desregulamentação dos mercados. Diante disso, a legitimidade dessas instituições para ocuparem um papel central nos esforços de superação da crise é inaceitável. A inclusão dos países emergentes à mesa de negociações do G-20 foi celebrada pela opinião pública internacional. Mas a principal razão para essa abertura é o fato de que, para as economias do G-8, a saída da recessão passa necessariamente pelos grandes mercados consumidores desses países emergentes, menos afetados pela crise. Por sua vez, as economias emergentes parecem não se importar com o preço pago pelo convite. O Brasil, por exemplo, apesar de ter cortado R$ 25 bilhões destinados às áreas sociais, comprometeu-se a dar 4,5 bilhões de dólares de suas reservas internacionais ao FMI, mesmo sem nenhuma perspectiva de aumento real de voz e voto dentro da instituição. Não há como construir uma resposta global à crise sem que todos os países atingidos por ela sejam ouvidos, sobretudo os que mais sofrem seus impactos. Nos dias 1º, 2 e 3 de junho, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizará em Nova York a “Conferência sobre a crise financeira e econômica mundial e seus impactos sobre o desenvolvimento”. Estarão reunidos na mesa de negociações sobre as soluções para a crise não apenas oito nem vinte nações, mas 192 países. Após o fracasso da reunião do G-20, a iniciativa da ONU gera expectativas sobre o anúncio de medidas concretas que ataquem as causas da crise. Porém, restam dúvidas quanto à capacidade da ONU de cumprir essa missão.

A construção da proposta do documento que será discutido na conferência da ONU foi marcada por conflitos internos. A última versão do documento foi enviada aos países membros pelo presidente da Assembleia Geral da ONU, Padre Miguel d’Escoto, incluindo modificações em relação à primeira versão apresentada dois dias antes pelo comitê facilitador da conferência, integrado pela Holanda e pelo país caribenho São Vicente & Granadinas. A versão apresentada por d’Escoto é sensivelmente mais ousada, de modo que sua atitude gerou protestos e explicitou divergências existentes entre os países desenvolvidos e a sua maneira de conduzir o processo. Enquanto a versão do comitê facilitador se limita a respaldar as decisões aprovadas na Conferência de Doha e do G-20, a versão da presidência da Assembleia Geral apresenta críticas e algumas propostas de fundo. Se elas forem realmente acertadas entre os líderes presentes no encontro da ONU, serão as mais importantes medidas até o presente momento. A ideia de criação de um sistema de reservas internacional que permita a substituição do dólar e a taxação sobre as movimentações financeiras não mudam o sistema, mas podem ser o início da sua transformação. Além disso, um maior esforço de coordenação das políticas econômicas sob a batuta da ONU dá maior legitimidade ao esforço de regulação do sistema econômico como um todo. Se soluções sérias não forem apresentadas logo e só restarem as medidas anunciadas pelo G-20, estaremos apenas adiando a próxima crise. O atual modelo de desenvolvimento é injusto, pois distribui de maneira desigual o ônus e os benefícios dos seus resultados entre os diferentes países. Logo, essa crise é também política, e é chegada a hora de dar vez e voto às vozes do Sul Global, para que seja respeitada a perspectiva dos povos que estão sofrendo mais com a atual crise e que já enfrentam há séculos uma crise estrutural e permanente. Gabriel Strautman é secretário executivo da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais.

SÃO ESTARRECEDORAS AS notícias sobre piratas nas costas da Somália. Para mim, é quase como encontrar, hoje, dinossauros em plena Amazônia. Piratas eram, até agora, lendários personagens de minha infância. No carnaval, fantasiados ou não de piratas (lenço de seda vermelho na cabeça, tapa-olho preto e espada de pau), cantávamos alegres a famosa marchinha de 1947: “Eu sou o pirata da perna de pau / do olho de vidro / da cara de mau...” Súbito, eis notícias de que, em pleno século 21, há piratas de verdade atacando grandes embarcações no litoral da Somália. É Homero quem, na Odisseia, cita pela primeira vez ‘pirata’, termo que deriva do grego ‘assaltar’. Entre os séculos 16 e 18, os piratas infestaram os mares do Caribe. A atual Ilha da Juventude, em Cuba, era conhecida como Ilha do Tesouro e ensejou várias histórias de aventuras. Ali os piratas escondiam seus botins. Todos os piratas são bandidos? O historiador usamericano Marcus Rediker, no livro Villains of all nations (Vilões de todas as nações), descreve as dramáticas condições em que trabalhavam os marujos ingleses nos séculos passados. Viviam num inferno flutuante, tratados como escravos. Quem se rebelasse era chicoteado como o nosso João Cândido, o “almirante negro” da Revolta da Chibata (1910). Os reincidentes, atirados aos tubarões; os sobreviventes recebiam salários de fome. Os marujos foragidos da desumana marinha de suas majestades tornaram-se piratas e criaram, diante disso, uma “outra marinha possível”: aboliram a tortura, passaram a escolher seus comandantes por eleição, partilhavam entre si os botins. Enquanto eles assaltavam navios, a marinha europeia saqueava países – na Ásia, na África e na América Latina. A história de nosso continente que o diga... Segundo Rediker, os piratas, que acolhiam a bordo escravos africanos para libertá-los, implantaram “um dos planos mais igualitários para distribuição de recursos que havia em todo o mundo, no século 18”.

“Não somos bandidos do mar. Bandidos do mar são os pesqueiros clandestinos que saqueiam o nosso peixe.” A Somália entrou em colapso em 1991 e, desde então, seus 9 milhões de habitantes vivem em situação de miséria. O litoral do país é utilizado pelas nações metropolitanas como lixeira da sucata nuclear. Junto ao lixo atômico, outros tipos de dejetos têm sido jogados no mar da Somália, causando enfermidades na população, como erupções de pele, náuseas e bebês malformados. Após o tsunami de 2005, muitos apresentaram sintomas de radiação. Morreram cerca de 300 pessoas. E inúmeros navios europeus pilham a pesca do litoral da Somália. Por ano, carregam dali toneladas de atum, camarão e lagosta. Assim, os “piratas” somalianos – que se autonomeiam “Guarda Costeira Voluntária da Somália” – são pescadores afetados em seus direitos e em busca de alguma compensação frente ao saque e à contaminação de suas águas por nações europeias. Em entrevista ao jornal The Independent, Sugule Ali, um dos líderes dos “piratas”, declarou: “Não somos bandidos do mar. Bandidos do mar são os pesqueiros clandestinos que saqueiam o nosso peixe.” Johann Hari, colunista do jornal inglês, se pergunta: “Por que os europeus supõem que os somalianos deveriam deixar-se morrer de fome passivamente pelas praias, afogados no lixo tóxico europeu, e assistir passivamente aos pesqueiros europeus (dentre outros) que pescam o peixe que, depois, os europeus comem elegantemente nos restaurantes de Londres, Paris ou Roma? A Europa nada fez, por muito tempo. Mas quando alguns pescadores reagiram e intrometeram-se no caminho pelo qual passam 20% do petróleo do mundo, imediatamente a Europa despachou para lá os seus navios de guerra.” No século 4 a.C., um pirata foi levado preso à presença de Alexandre, o Grande, que indagou se ele pretendia tornar-se senhor dos mares. O homem respondeu qual era a sua intenção: “O mesmo que você, fazendo-se de senhor das terras; mas, porque meu navio é pequeno, sou chamado de ladrão; e você, que comanda uma grande frota, é chamado de imperador.” E hoje, quem é o principal ladrão? Frei Betto é escritor, autor de Gosto de Uva (Garamond), entre outros livros.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Luís Brasilino • Subeditor: Igor Ojeda • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Mayrá Lima, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte - Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Delci Maria Franzen, Dora Martins, Frederico Santana Rick, José Antônio Moroni, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800


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brasil

Novos rumos para a campanha “O petróleo tem que ser nosso” MOBILIZAÇÃO Nos dias 12 e 13, cerca de 90 militantes de diferentes organizações definiram linhas de ação e de unidade Pedro Carrano de Guararema (SP) A DESCOBERTA DE petróleo na camada pré-sal é a última fronteira de um recurso estratégico para a produção e reprodução do capitalismo hoje. As descobertas anunciam, no mínimo, 50 bilhões de barris de petróleo. Como disputar com a hegemonia do capital os recursos naturais? Como alertar a classe trabalhadora no seu conjunto sobre o tema? Como vertebrar uma campanha que vá além de categorias e setores isolados? Já não se trata da luta dos atingidos por barragens ou de algum setor do movimento petroleiro. O que está em jogo, para quem participou da 3ª Plenária da Campanha do Petróleo, em Guararema (SP), é formar um campo de luta popular, agregando o maior número de forças, em torno da meta: “O petróleo tem que ser nosso” (nome definido para dar unidade à campanha). Como repetir a ação militante da campanha contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), em 2002, que mobilizou cerca de 150 mil ativistas em todo o Brasil e resultou em 10 milhões de votos? As campanhas que vieram antes fornecem aprendizados, da histórica “O petróleo é nosso” até o baixo resultado numérico da campanha pela anulação do leilão da Vale. “Temos que fazer uma campanha de grandes proporções, com ampla mobilização de massas. Vai ser uma derrota se a campanha for pequena. Devemos fazer da campanha do petróleo algo capaz de alterar a correlação de forças neste país”, definiu Ricardo Gebrim, da Consulta Popular.

A plenária aconteceu nos dias 12 e 13, na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema. O local foi apropriado para garantir mística e unidade das forças de esquerda em torno de um tema complexo, no qual jogam diferentes atores. Compareceram à convocatória cerca de 90 pessoas, de 17 estados, que atuam em mais de 30 organizações. Resoluções

As principais resoluções da 3ª Plenária passaram pela definição do nome (“O petróleo tem que ser nosso”) e da primeira ferramenta de lutas: um abaixo-assinado unitário que busca “assegurar a consolidação do monopólio estatal do petróleo, a reestatização da Petrobras e o fim das concessões brasileiras de petróleo e gás, garantindo a destinação social dos recursos gerados”. A tarefa é atingir a marca de 1,3 milhão de assinaturas, para enviar um projeto de lei de iniciativa popular ao Congresso Nacional. O documento também será enviado ao presidente da República. No próximo período, a intenção é a construção de espaços – comitês e fóruns – estaduais em defesa do petróleo e do gás, que possibilitem a nacionalização e o enraizamento da campanha “O petróleo tem que ser nosso”. Com a avaliação do tamanho dos recursos e da sua importância geopolítica, as organizações movimentaram-se em torno dos temas de consenso para dar um salto de qualidade na campanha. João Antônio de Moraes, da direção nacional da Federação Única dos Petroleiros (FUP), explica que a campanha “O petróleo é nosso” deu-se em torno de consensos. “Havia um projeto de país, que não era o

Gama

nosso, mas melhor do que veio depois. Essa luta criou a lei da Petrobras, o povo organizado levou ao monopólio estatal. Se a opção das forças populares fosse o ataque ao projeto do Getúlio Vargas e não a construção, não estaríamos onde estamos hoje”, conta. No centro do debate

Outro ponto de consenso entre as organizações da campanha é a centralidade da Petrobras e a importância da retomada dessa empresa com total controle público. Ivan Pinheiro, secretário-geral do PCB, justifica a importância da Petrobras com base não apenas no caráter popular da sua criação, mas também pelo papel que ela desenvolve. “Apesar de transnacional no exterior, aqui é melhor ela estatal do que privada. Como achamos que vamos chegar ao socialismo, a empresa fornece uma base material importante para construí-lo. Uma questão fundamental aqui é que temos de ter o consenso se o povo compreender que a luta está ligada não à existência da Petrobras, mas sim a uma estatal a serviço dos problemas sociais: saúde, educação, saneamento. Unidade tem de ser com consenso”, avalia.

Visão política

Segundo Ricardo Gebrim, a campanha tem potencial de unir um amplo leque de setores. “Em 2002, havia uma meta que sintetizava todas as forças: ser contra a Alca. Possibilitou que fôssemos incorporando setores, quilombolas, indígenas etc. Quem era o dono da campanha? Não tinha dono. A forma de lu-

ta era o plebiscito. Converteu-se no nosso pretexto de agitação e propaganda. Esse pretexto fez com que conseguíssemos vasta agitação e propaganda e nos pautarmos todos em um determinado tema”, define. A principal razão da unidade é a força tarefa criada para mobilizar diferentes agrupamentos da classe trabalhado-

Linha política unitária da campanha 1. Mudança na Lei do Petróleo, restabelecendo o monopólio estatal e o fim dos atuais leilões; 2. Interrupção da exportação do petróleo cru, com investimento na indústria petroquímica; 3. Mensurar o tamanho da riqueza do pré-sal; 4. Fundo social soberano de investimento voltado para as necessidades do povo brasileiro; 5. As populações impactadas devem ser respeitadas; 6. Redução do uso do petróleo e avanço nas pesquisas de nova matriz energética, limpa e renovável;

7. Que a exploração, produção e transporte sejam realizados pela Petrobras 100% estatal; 8. Apoio às campanhas contra privatizações, pela reestatização da Vale e da Embraer; 9. Contra a criminalização dos movimentos sociais.

ALESP

Qual é o tamanho das riquezas? Professor da USP defende a imediata mensuração da camada pré-sal de Guararema (SP) O professor da USP e ex-Diretor de Gás e Energia da Petrobras, Ildo Sauer, denunciou na 3ª Plenária da Campanha do Petróleo, em Guararema (SP), que as reservas da camada pré-sal não estão quantificadas. Mesmo assim, essas riquezas vêm sendo exploradas por transnacionais e colocadas em leilão. Ao todo, foram feitos 16 furos, mas ainda não está investigado se fazem parte de uma mesma reserva ou são várias fragmentadas, na região estendida de Santa Catarina ao Espírito Santo. “A Exxon furou e encontrou petróleo também. É importante dizer o quanto temos, para as reservas não ficarem com quem enfiar o primeiro buraco”, explica Sauer. Para tanto, a Petrobras deve ser a empresa contratada pelo governo para prestar o serviço: “Para saber quanto tem e aonde está. Depois discutimos politicamente o quanto temos e o que vamos fazer com isso”, defende. A proposta transformouse numa das bandeiras da campanha. “Nós já somos autossuficientes, não precisamos buscar petróleo a toque de caixa”, declarou Emanuel Cancella, da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP). Ele de-

fende o papel da Petrobras no processo em meio a uma conjuntura de ataques contra a empresa (veja matéria correlata ao lado). “A Petrobras passou 30 anos pesquisando a questão do pré-sal, um furo custou 250 milhões de dólares, quem iria correr esse risco?”, questiona. Matriz energética A campanha “O Petróleo tem que ser nosso” nasce carregada do debate sobre a mudança do hidrocarboneto como matriz energética. Uma das bandeiras da campanha é o uso dos recursos da camada pré-sal para o investimento em pesquisa de nova matriz energética. “A matriz energética calcada nos recursos fósseis causa impacto no planeta. Temos que discutir que tipo de desenvolvimento queremos exercer, que preserve a vida do planeta”, defende Anderson Mancuso, da Intersindical e do Sindicato dos Petroleiros do litoral paulista. Na leitura do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e da Assembleia Popular, a crítica deve ser focada no modelo e nos seus pilares centrais. A questão energética é exemplar. “Três questões são fundamentais hoje: petróleo, agrocombustíveis e hidreletricidade, que estão fora dos países centrais. Setenta por cento da energia consumida no mundo está nos países centrais. Sempre achávamos que a matriz era o problema central; mas não, é um dos problemas, o problema central é o modelo como um todo, energia para que e para quem?”, explana Gilberto Cervinski, do MAB. No Brasil, 665 grandes

ra em torno do debate. “Fizemos lutas com os funcionários da Eletrosul, com os trabalhadores das hidrelétricas, somos da mesma classe. A campanha vai exigir esforço de nós fazermos unidade, caso contrário seremos cobrados mais adiante, pelas futuras gerações”, defende Gilberto Cervinski, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

empresas consomem 30% da energia produzida. Delicada geopolítica O jornalista Igor Fuser, autor do livro Petróleo e poder: O envolvimento militar dos Estados Unidos no Golfo Pérsico, explica que, na geopolítica atual, a África é uma nova região produtora de petróleo, e a Rússia está se reerguendo e redefinindo o seu papel, a partir da estatização de petróleo e gás, pela estatal Gazprom.

De acordo com dados apontados no debate, hoje somente 3% do petróleo mundial está nas mãos das sete irmãs (maiores transnacionais petroleiras), os grandes produtores hoje são estatais (65%). Uma redefinição de papéis. “Os Estados Unidos, até final da década de 1950, eram o maior explorador de petróleo do mundo. Hoje, 60% de petróleo estadunidense vem de fora. Por que se fala tanto do Oriente Médio? Dois terços do petróleo estão concentrados em sete ou oito países”, coloca Fuser. É consensual a análise de que o principal ator em cena na geopolítica atual é o Brasil. As organizações presentes na 3ª plenária construíram um quadro claro com os elementos: crise econômica e civilizatória, necessidade de expansão do imperialismo e escassez de reservas energéticas para sustentar esse modelo. O tempo está correndo para as elites. Hoje, os Estados Unidos possuem reserva de 29 bilhões de barris e gastam 10 bilhões por ano, aparte os dispêndios com a guerra, segundo dados da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet). (PC)

Para Ildo Sauer, não precisamos buscar petróleo a toque de caixa

Os recursos energéticos e a base concreta da sociedade de Guararema (SP) Ildo Sauer, professor da USP e exDiretor de Gás e Energia da Petrobras, abordou durante o espaço de formação da 3ª plenária (dia 12) o conceito histórico e social da energia. A demanda e necessidade de energia estão diretamente relacionadas às formas de produção e reprodução da vida humana, o que tem resultado direto no número de habitantes vivendo sobre o planeta. Sauer resgatou a questão do controle energético na evolução dos povos. A revolução agrícola proporcionou uma mudança estrutural, quando 20 a 30 milhões de seres humanos, enquanto coletores, disputavam a sobrevivência com os animais. “Certas sementes evoluem de certo jeito, podem ser reproduzidas: o ser humano percebe isso, surge a primei-

ra grande mudança. Organiza-se de outra forma. A organização social começa a domesticar a energia do sol, energia que gera as plantas. Cientificamente, o ser humano passa a entender a natureza. Passa a haver a necessidade de controle do território”, ensina. A revolução industrial, por sua vez, permitiu nova forma de organizar a vida. “A era do carvão nos aumentou em milhões de habitantes. A máquina a vapor passou a ser a força motriz da base industrial dos teares, navios, trens a vapor, ferrovias que se expandiram”, afirmou. Sauer aponta a produção de excedentes de petróleo e a disputa das classes dominantes por esse recurso produzido socialmente e apropriado de modo privado. “O que estamos discutindo hoje não é física. É política. São escolhas feitas politicamente. Não é aleatório – capitalistas querem se apropriar do lucro”, afirma. (PC)


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CPI da Petrobras: desespero do PSDB POLÍTICA Tucanos criam comissão para apurar supostas irregularidades na estatal com vistas no novo marco regulatório do petróleo Pedro Carrano de Curitiba (PR) A PARTIR DE uma manobra de senadores tucanos, foi criada no dia 15 a CPI da Petrobras. O requerimento foi feito por Álvaro Dias (PSDB/PR) e pede que sejam investigadas denúncias de irregularidades fiscais que teriam proporcionado à estatal ganhos de R$ 4 bilhões. No entanto, de acordo com movimentos sociais, em especial o petroleiro, por trás da comissão está a intenção da oposição em dificultar ou impedir mudanças na legislação do setor do petróleo. Segundo João Antônio de Moraes, da direção nacional da Federação Única dos Petroleiros (FUP), a legislação atual permite que transnacionais operem no Brasil apropriando-se do petróleo do país. “Manter a Petrobras sob pressão, com exposição negativa na mídia, faz parte da estratégia dos representantes das transnacionais para manter a lei atual, que o próprio presidente Lula já disse por diversas vezes que quer mudar, principalmente após as descobertas do présal”, comenta. A tentativa do PSDB de aprovar a CPI aproveita um timing político: em breve, um grupo interministerial do governo federal deve apresentar uma proposta de novo marco regulatório para o setor, após as descobertas da camada pré-sal. As transnacionais, reunidas no Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), defendem que não se altere a legislação vigente. Entidades do movimento popular, reunidas em torno da campanha “O petróleo tem que ser nosso”, entendem que mesmo a

Valter Campanato/ABr

criação de uma nova estatal para a exploração das novas reservas (em tese, a proposta mais forte dentro do governo) ainda seria insuficiente, uma vez que existe a centralidade da Petrobras no processo de pesquisa, desenvolvimento de tecnologia e exploração dos recursos. As organizações sociais fazem coro de que a Petrobras é central no processo e deve ser novamente retornada como 100% pública, com a força de mobilizações.

Centralidade

Emanuel Cancella, da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), acredita que não há, até o momento, pressão social para a proposta de uma nova estatal para as reservas de pré-sal. “A Petrobras surgiu no contexto de um movimento de massas nas ruas”, descreve. Dessa forma, a centralidade da exploração de petróleo e das novas reservas estaria na Petrobras. Daí, o por quê dos ataques que a empresa vem sofrendo por parte da elite e da mídia corporativa. As entidades denunciam que os veículos da Rede Globo já vinham promovendo uma campanha contra a estatal desde antes da criação da CPI. Ele explica que a estatal é vistoriada de diversas formas. A CPI, nesse contexto, não cumpre um papel prático. “Há duas semanas a Globo vem colocando a Petrobras como inadimplente. Na mesma época, o terceiro seminário da campanha ‘O Petróleo tem que ser nosso’ mostrou avanços. As transnacionais estão por trás dessas iniciativas do PSDB e da Globo, a Petrobras é um grande ícone. Entendo que são inimigos da companhia aqueles que tentaram barrar a sua criação, tentaram privatizá-la e agora tentam fragilizá-la”, avalia Cancella. De acordo com tese da FUP, as elites não têm projeto nacional. “Apesar do mundo reconhecer a importância das instituições do Estado contra a crise atual, a elite brasileira continua com sua pregação contra a ação do Estado na economia. Nossa elite é atrasada, preconceituosa e sem projeto. Daí o ataque visceral a esse importante instrumento de política pública contra os efeitos da crise mundial em nossa economia”, complementa Moraes.

Parlamentares que apoiam a criação da CPI acompanham o senador Álvaro Dias para protocolar o requerimento

Diversas denúncias marcaram gestão FHC É possível arriscar que o feitiço se volte contra o feiticeiro e a investigação da CPI da Petrobras remeta a alguns anos atrás, quando o governo Fernando Henrique Cardoso buscou transformá-la em “Petrobrax”. A possibilidade é defendida pelo jornalista Luiz Carlos Azenha em seu blog : “O brasileiro se identifica com a Petrobras. Os inquisidores da empresa correm o risco de serem tachados de entreguistas, de prejudicarem a empresa e, portanto, a imagem do Brasil no Exterior”. Confira a seguir algumas informações levantadas pela Federação Única dos Petroleiros (FUP) sobre as denúncias que pairam sob a condução da Petrobras no governo FHC. A Petrobras, sob a gestão do PSDB (1995-2002), aparelhou o Conselho de Administração da estatal e substituiu seis conse• lheiros por prepostos da iniciativa privada e de empresas internacionais de petróleo. O objetivo era demitir, reduzir investimentos e demonstrar que a Petrobras não tinha competência para administrar o monopólio da União.

Gros, presidente do período FHC, disse logo após a posse que a Petrobras passaria de estatal a empresa priva• daFrancisco de capital internacional. O movimento sindical foi reprimido duramente durante a greve de 1995, quando o Exército foi enviado para invadir refi• narias e retirar os petroleiros. TST impôs multas exorbitantes aos sindicatos. • FHC dividiu a Petrobras em 40 subsidiárias, para privatizá-las uma a uma. • Vendeu 36% das ações da Petrobras na Bolsa de Nova York por menos de 10% de seu valor real. • Aprovou a Lei 9.478/97, que contraria a Constituição e concede o petróleo – que deve ser da União – a quem o produz. • Mudou o nome da Petrobras para Petrobrax, para vendê-la melhor nos países de língua inglesa. “Foi neste período, da dita ‘gestão competente’ do PSDB na Petrobras, que a imagem da empresa no Brasil e no exterior • passou por seu pior momento: foi a época dos grandes acidentes da P-36, da Baía de Guanabara e do rio Iguaçu. Foi a época da Petrobrax”, avalia João Antônio de Moraes, da FUP.

Período de terceirização, precarização e acidentes de trabalho que permanece até hoje. Desde 1995, são 273 mortes, sendo • 220 de pessoas ligadas a empresas prestadoras de serviços; em 2008, foram 15 os acidentes fatais.

CORRUPÇÃO

Governo tucano balança mais uma vez no Rio Grande do Sul Jefferson Bernardes/Palácio Piratini

Reportagem da revista Veja e e-mails revelados pelo Psol reforçam denúncias sobre existência de caixa 2 na campanha de Yeda Crusius (PSDB) Raquel Casiraghi de Porto Alegre (RS) Novas denúncias de arrecadação e uso ilegal de verba da campanha estremecem o frágil governo de Yeda Crusius (PSDB) no Rio Grande do Sul. Uma matéria da revista Veja, divulgada no início deste mês, revela parte de conversas gravadas em que o lobbista Lair Ferst e o exchefe da representação do governo gaúcho em Brasília, Marcelo Cavalcante, tratam do uso de caixa 2 durante a campanha de 2006 e do desvio de recursos eleitorais pela tucana para comprar uma mansão em Porto Alegre (RS). Parte das denúncias trazidas pela revista Veja já havia sido divulgada pelo Psol em fevereiro. É o caso dos pagamentos de contas pessoais de Yeda pela agência de publicidade DCS, a doação de R$ 400 mil das fumageiras Alliance One e CTAContinental e o uso de dinheiro ilegal na compra da casa da governadora. No entanto, além de reforçar a existência das gravações, a matéria aponta o recebimento de dinheiro do caixa 2 pelo marido da governadora, Carlos Crusius. Ao entrevistar a viúva de Marcelo Cavalcante, Mag-

da Koenigkan Cunha, a revista relata que o coordenador de campanha de Yeda entrou em depressão ao saber das gravações feitas por Lair Ferst e que havia decidido depor à Justiça, mas morreu duas semanas antes em Brasília (DF) de causas ainda desconhecidas. A viúva também confirmou à Veja que, quando Yeda ainda era deputada federal, recebia todo mês cerca de R$ 10 mil do Sindicato da Indústria da Construção de Estradas (Sicepot). Quem arrecadava o dinheiro era Walna Vilarins, a atual coordenadora de ações administrativas do governo estadual. A governadora nega as denúncias e desqualificou o depoimento de Magda, deixando subentendido que a viúva estaria se aproveitando da situação.

CPI

O líder da bancada do PT, deputado estadual Elvino Bohn Gass, defende a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as denúncias de corrupção. De acordo com ele, essa é a única forma de se obter acesso às gravações, que estariam em posse do Ministério Público Federal, que, até o momento, não se pronunciou se tais provas existem.

da pela governadora ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Na reportagem, Feijó relata que na época entregou o dinheiro em uma mochila a Rubens Bordini, então tesoureiro da campanha de Yeda e hoje vice-presidente do Banrisul.

Crime eleitoral

Paulo Feijó e Yeda Crusius: doação de R$ 25 mil dentro de mochila

Feijó confessa ter entregado dinheiro em uma mochila para Rubens Bordini, tesoureiro da campanha de Yeda e vice-presidente do Banrisul “A única forma de esclarecermos isso para a sociedade gaúcha é tendo acesso a esses documentos. Individualmente, não tenho acesso, mas posso ter mediante uma CPI. Ela dialoga com diversos setores, como o Ministério Público e a Polícia Federal, a fim de esclarecer o que todo o gaúcho quer: a apuração”, diz.

Até o momento, o PT possui 12 das 19 assinaturas necessárias para instalar a comissão. Entre os signatários estão dois deputados do PSB, além da bancada petista. No entanto, parlamentares do PDT e até mesmo do DEM – partido do vice-governador Paulo Feijó – devem engrossar a lista.

Vice no ataque

Passada uma semana da publicação da primeira matéria, a Veja trouxe mais denúncias sobre o caixa 2. Dessa vez, o material foi fornecido pelo vicegovernador Paulo Feijó. Foram apresentados e-mails em que Feijó negocia uma doação da concessionária de automóveis Simpala para a campanha de Yeda. O contato na empresa era o gerente de relações institucionais da General Motors, Marco Kraemer. A concessionária teria doado R$ 25 mil à campanha. No entanto, esse valor não consta na prestação de contas apresenta-

Segundo denúncias do Psol, que também teve acesso aos e-mails, outras empresas também estariam envolvidas nesse esquema, entre elas a Braskem, a Odebrecht, a Renner e a Tumelero. As três últimas não constam como doadoras na prestação de contas da campanha de Yeda, o que, para o partido, representa fortes indícios de crime eleitoral. Nesses casos, quem recebia o dinheiro era o marido da governadora, Carlos Crusius. O advogado contratado por Yeda, José Eduardo Alckmin, se limitou a dizer que os e-mails poderiam ter sido forjados. Manifestação bastante simplória de quem a população gaúcha esperava mais e melhores explicações. Alckmin é advogado de dois governadores cassados – Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) e Jackson Lago (PDT-MA) – e de outro na berlinda, Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC). O advogado ainda defende o ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE) de São Paulo, conselheiro Eduardo Bittencourt Carvalho, que é investigado por suposto envio ilegal de milhões de dólares para o exterior.


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Rio, uma cidade oficialmente partida URBANO Onze quilômetros de muros estão sendo construídos na cidade, isolando comunidades pobres de áreas ricas Leandro Uchoas do Rio de Janeiro (RJ) NO INÍCIO ERAM apenas os índices gritantes de violência que aproximavam o cotidiano carioca de analogias com cenários de guerra (no Rio de Janeiro, morrem 2,5 vezes mais jovens que em Israel). Em seguida, vieram os treinamentos militares oferecidos aos oficiais do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais). E, logo depois, os blindados adquiridos pela polícia junto a empresas israelenses, os Caveirões. Agora, como fizeram os EUA com o México e Israel com a Palestina, o governo estadual está construindo muros para isolar favelas de áreas ricas. Em parceria com a prefeitura, o governador Sérgio Cabral (PMDB) anunciou a construção de onze quilômetros de muros na cidade, em treze comunidades. Destas, onze ficam na Zona Sul, região mais rica do Rio. As outras duas também estão em áreas de poder aquisitivo elevado. Defesa do meio ambiente?

Segundo o discurso oficial, os muros servirão para evitar a expansão das favelas sobre a Mata Atlântica. O governo alega que apenas bairros ricos estão sendo contemplados porque seria apenas o início da experiência, a ser expandida futuramente. Foram disponibilizados R$ 40 milhões para investimento no projeto, oficialmente chamado de “ecolimite”. Os muros terão três metros de altura. Com um comprimento inicial de 3,4 quilômetros, as obras na Rocinha, Pedra Branca e Chácara do Céu já estão licitadas. Serão construídos pela Midas Engenharia. Na Rocinha, o projeto prevê a construção de um parque ecológico e a demo-

Angelo Cuissi

lição de 400 casas que já teriam ultrapassado os limites. A empresa se comprometeu a esperar o encontro da Associação de Moradores da comunidade com o governador para iniciar as obras. Em plebiscito organizado pela Associação, a Rocinha condenou a construção do muro por 95% dos votos. No Santa Marta, 634 metros já foram construídos pela mesma companhia. O morro provavelmente foi escolhido para iniciar o processo por conta da facilidade de acesso, uma vez que, há poucos meses, o varejo de drogas foi eliminado da comunidade pela polícia, que ocupa a região

“A classe média exige que quem vai trabalhar em sua casa more perto, para não pagar passagem, mas não quer que more no morro. É paradoxal”, observa João Tancredo, presidente do Instituto de Defesa dos Direitos Humanos

Imoral e inconstitucional

com uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Entretanto, o argumento de contenção da expansão torna-se ainda mais frágil neste caso. A favela cresceu apenas 0,78% nos últimos dez anos. “A população do Santa Marta sempre foi educada a não invadir a mata”, protesta o rapper Fiell, morador da favela. Além disso, a construção foi realizada sem debate prévio. “Os moradores ficaram sabendo do muro pela televisão”, denuncia MC Leonardo, liderança do movimento musical APAFunk.

No morro Santa Marta, 634 metros de muro já foram construídos

Lenta expansão

Segundo o Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP), o conjunto de favelas onde se pretende construir os muros possui percentuais de expansão horizontal inferior ao relativo às comunidades de todo o Estado. Os índices entre 1999 e 2008 foram de apenas 6,8%, desconsiderada a expansão vertical (prédios substituin-

Muros causam repercussão internacional Iniciativa do governo estadual é duramente criticada pela ONU

O inglês classificou as denúncias contra os governos estadual e municipal como uma “ação de extermínio e discriminação”, ressaltando especialmente a construção do muro. “Dois exemplos nítidos da evolução dessa políti-

dades não fazem parte da sociedade, e a criação das milícias”, disse Cahil após o evento. O governador Sérgio Cabral classificou como desrespeitosas as críticas do inglês. Nações Unidas

do Rio de Janeiro (RJ)

O colombiano Álvaro Tirado Mejia chamou de “discriminação geográfica” a construção dos muros ca de extermínio são a criação dos muros, que representam o conceito de que essas comuniLeandro Uchoas

A primeira reação internacional de protesto contra os muros que estão sendo construídos no Rio de Janeiro veio do escritor português José Saramago. Em seu blog, o prêmio Nobel de Literatura de 1998 lamentou a decisão do governo carioca antes mesmo que o assunto entrasse em debate nas ruas da cidade. “Tivemos o muro de Berlim, temos os muros da Palestina, agora os do Rio”, escreveu. Nos últimos dias, as reações chegaram à Anistia Internacional e às Nações Unidas. No dia 14, o coordenador para assuntos brasileiros da Anistia Internacional, Tim Cahill, esteve no Rio participando de audiência na OAB/ RJ (Ordem dos Advogados do Brasil) sobre violações de direitos humanos na cidade. Ele recebeu de movimentos sociais o relatório Os muros nas favelas e o processo de criminalização.

O inglês Tim Cahill

para apurar as violações de direitos coletivos fundamentais, com eventual proposição de ação civil pública. Também solicitou no órgão a realização de audiência pública sobre o tema. A Justiça Global enviou as denúncias às Nações Unidas, e a Federação das Associações de Favelas do Rio (Faferj) oficializou seu posicionamento contra qualquer limitação física. O presidente da Associação de Moradores da Rocinha, Antonio Ferreira de Melo, o Xaolin, considera que a iniciativa está construindo uma mobilização rara na sociedade. “Eles querem construir muros, nós estamos construindo pontes”, compara. Ele lamenta o significado simbólico dos muros, afirmando que “eles fortalecem o preconceito”. Xaolin levará ao governador uma proposta alternativa, de construção de ecotrilhas com espaços de convivência.

Um dia antes, em Genebra (Suíça), o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência, Paulo Vannuchi, e outros 14 representantes do governo, estavam sendo sabatinados por 18 peritos do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos. Em debate, o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, tratado de direitos humanos ratificado pelo Brasil em 1992. As Nações Unidas foram duras com os representantes do governo federal. Na ocasião, o historiador colombiano Álvaro Tirado Mejia chamou de “discriminação geográfica” a construção dos muros. Reconhecendo que a medida não transmite uma imagem positiva, Vannuchi prometeu estudar o caso e consultar o governo carioca. “Muro nunca é coisa boa”, disse o ministro, chefe da delegação. Na ocasião, o perito russo Yuri Kolovsov se irritou com a falta de explicações dos brasileiros. “Não estamos aqui para ouvir palestras nem aulas de História”, criticou. (LU)

do casas). Parque da Cidade e Benjamim Constant, contempladas no projeto, por exemplo, tiveram taxa de crescimento zero na década. De acordo com outro estudo do mesmo instituto, 69,7% das áreas construídas acima de 100 metros de altitude, no Rio, são habitadas pelas classes média e alta. Apenas 30,3% são favelas (os dados referem-se a terre-

no ocupado, não à população). Entretanto, o governo não incluiu essas regiões entre as eleitas para iniciar a limitação física.

Segundo João Tancredo, presidente do Instituto de Defesa dos Direitos Humanos (IDDH), o projeto é inconstitucional e “absolutamente imoral”. O advogado levanta a possibilidade de pressão da especulação imobiliária dessas regiões, todas de terrenos valiosos, e lamenta as contradições da elite carioca. “A classe média exige que quem vai trabalhar em sua casa more perto, para não pagar passagem, mas não quer que more no morro. É paradoxal. Você cria um hotel com 200 empregados na [avenida] Vieira Souto, mas não dá moradia a essas pessoas”, diz. Há unanimidade na necessidade de proteção da Mata Atlântida e as propostas alternativas são muitas. “A contenção da expansão das favelas passa pela sua urbanização, regularização fundiária e titularidade. Também tem que haver uma política de habitação”, resume o vereador Eliomar Coelho (Psol).

Resposta social

Aos poucos, a resposta dos setores organizados da sociedade vai surgindo. O Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Rio de Janeiro publicou uma instrução

Quanto

6,8% foi a expansão

das favelas nos últimos dez anos, sem os muros

Rocinha rejeita construções Plebiscito realizado pela associação de moradores aponta que 95% dos habitantes são contra os muros do Rio de Janeiro (RJ) No início de abril, o jornal O Globo divulgou pesquisa do Datafolha segundo a qual 47% dos moradores de comunidades seriam a favor da construção dos muros nas favelas cariocas; 46% teriam se manifestado contra. Entre os cariocas que vivem fora das favelas, a aprovação seria menor, de 44%. Por estranhar o resultado do instituto, a Associação dos Moradores da Rocinha realizou um plebiscito no final do mesmo mês, para medir o apoio dos moradores. O resultado foi surpreendente. 1.056 (95%) pessoas votaram contra a construção do muro e 50 (4,5%), a favor. Cinco moradores (0,5%) anularam. A Federação das Favelas do Rio de Janeiro (Faferj) também se posicionou contra a construção.

considerou o resultado “suspeitíssimo”, justificando que “quem fez o plebiscito é uma turma da política”. Os jornalistas presentes não lembraram ao prefeito que ele também pertence a essa turma. Pedindo para não ser identificada, uma das lideranças de comunidade argumenta que os moradores temem posicionarse publicamente contra o

projeto e receber, em seguida, a visita do Caveirão. Este seria usado, por vezes, como instrumento de pressão política. As comunidades a serem muradas são Pavão-Pavãozinho, Ladeira dos Tabajaras, Chapéu Mangueira, Rocinha, Babilônia, Cantagalo, Morro dos Cabritos, Vidigal, Parque da Cidade, Benjamim Constant e Santa Marta. (LU) Angelo Cuissi

Turma da política

De seu lado, o prefeito Eduardo Paes (PMDB), um dos maiores defensores do projeto ao lado do vice-governador Luiz Fernando Pesão (PMDB),

Vista da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro


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Hidrelétrica de Tucuruí, 25 anos de descaso e omissão

fatos em foco

Hamilton Octavio de Souza

MAB

ENERGIA Perseguições e prisões políticas marcam a luta dos atingidos por barragens no Pará Alexania Rossato de São Paulo (SP) A REGIÃO DA Hidrelétrica de Tucuruí, no sudeste do Pará, apresenta, desde que a usina foi construída, um longo histórico de repressão aos afetados por sua represa. O caso mais recente foi a prisão, em 26 de abril, de 18 pessoas de um acampamento composto por 400 membros do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e de uma organização de pescadores local. Dois dias antes, eles ocuparam as obras das eclusas do rio Tocantins (onde a hidrelétrica está localizada) para protestar contra a violência no campo e reivindicar o avanço das negociações com a Eletronorte, a empresa responsável, sobre indenizações à população deslocada. Depois de 19 dias detidos, 14 deles foram libertados no dia 15 de maio. No entanto, quatro pessoas permanecem presas, sob a alegação de que eram as lideranças do grupo. Tal argumento reforça a denúncia de movimentos sociais de que as prisões foram de ordem política.

Padre esbanjador A Arquidiocese do Rio de Janeiro está sem dinheiro para pagar seus 200 funcionários, já que o ex-ecônomo da entidade, padre Edvino Steckel, torrou mais de R$ 5 milhões recebidos pela igreja em uma ação judicial contra a prefeitura municipal. O esbanjador gastou tudo em reformas, na compra de móveis de luxo e num apartamento de R$ 2,2 milhões para o ex-arcebispo. A ostentação é pecado!

Tucuruí: comissão ligada ao Ministério da Justiça constatou violações de direitos humanos

Os conflitos sociais ocasionados pela construção de represas e pela questão agrária fazem com que o Pará seja um dos estados com o maior índice de ameaças de morte e de assassinatos do país A usina de Tucuruí é a maior hidrelétrica genuinamente nacional. A obra começou a ser projetada no ano de 1973, em plena ditadura militar, e só foi concluída em 1984, durante o governo João Baptista Figueiredo (1979-1985). A área alagada pode ser comparada a 304 campos de futebol, o equivalente a 3.007 km². Fuga Como a hidrelétrica foi construída antes da lei que exige a realiza-

ção de Estudos e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) como pré-requisito para o início de uma obra, o mesmo foi elaborado simultaneamente à sua construção. Assim, o alcance que o lago teria não pôde ser determinado, e, na época, milhares de moradores tiveram que sair às pressas de suas casa com a aproximação da água. A barragem deslocou cerca de 32 mil pessoas, que há 25 anos lutam para garantir seus direitos. Em 1978, sem quaisquer informações acerca do projeto, as famílias atingidas começaram a ser cadastradas para fins de indenização pela Eletronorte. Em 1981, a empresa deu por concluídas as compensações e ofereceu uma pequena ajuda para aqueles que optassem por abandonar a área por conta própria. Os poucos reassentados enfrentaram uma realidade bem distinta do que havia sido prometido. De lá para cá, com a constituição do Movimento dos Expropriados pela Barragem de Tucuruí e, depois, com a organização do MAB, a usina já foi palco de muitos em-

bates. O maior acampamento dos atingidos aconteceu entre agosto de 2003 e novembro de 2004. Em março de 2005, durante uma manifestação de protesto, o comando do 23º Esquadrão de Cavalaria de Selva do Exército Brasileiro iniciou uma operação para “prevenir manifestações no local e evitar uma possível interrupção da produção de energia”. Destruição de comunidades Segundo lideranças do MAB, a política que se vem adotando, nos últimos anos, no tratamento das populações atingidas pelas barragens é desagregadora e ocasiona a destruição de comunidades, provocando uma mudança na história de vida das famílias, cultivada durante várias gerações. Os conflitos sociais ocasionados pela construção de represas e pela questão agrária fazem com que o Pará seja um dos estados com o maior índice de ameaças de morte e de assassinatos do país. De acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), nos últimos três anos foram assassinadas 14 li-

deranças rurais nessa região, em decorrência da luta pela terra. A última vítima foi Raimundo Nonato, de Tucuruí, assassinado na porta de sua casa em 16 de abril. “O setor elétrico brasileiro tem se tornado uma verdadeira fábrica de sem-terra, expulsando as famílias de seus lares de forma fria e bastante violenta”, afirma Rogério Höhn, da coordenação do MAB no Estado. As ameaças às lideranças são constantes, advindas dos madeireiros, grandes pescadores e latifundiários da região. Em julho de 2007, a Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), ligada ao Ministério da Justiça, visitou Tucuruí e constatou que na implementação da barragem foram violados onze direitos humanos, entre eles o direito à dignidade, “na medida em que, no seu conjunto, as violações de direitos humanos ocorridas impossibilitaram a reestruturação da vida individual e coletiva, com graves impactos sobre a identidade, a estima e as perspectivas de futuro”, afirma o relatório da CDDPH.

O passivo social e ambiental de Tucuruí MAB

Para membro do MAB, usinas na região amazônica se inserem em um projeto baseado na expropriação de recursos naturais de São Paulo (SP) Na avaliação de Rogério Höhn, da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Pará, “a construção de hidrelétricas na Amazônia faz parte de um projeto maior baseado na expropriação intensiva dos recursos naturais da região. No caso específico de Tucuruí, entre outras coisas, o passivo social inclui o não-reassentamento de centenas de famílias atingidas e o não-reconhecimento de categorias, como a dos pescadores, enquanto atingidos”, afirma. De acordo com ele, o atual modelo de desenvolvimento amazônico tem seus pilares na construção de barragens, na concentração da terra, da renda e do poder político e econômico, e tal processo agrava os conflitos entre a população e as grandes empresas. Segundo estudo do Instituto de Pesquisa da Amazônia (INPA), “a cortina de sigilo que a Eletronorte manteve sobre muitos aspectos do

Solução burguesa O movimento pelo terceiro mandato de Lula conta com o estímulo de setores da burguesia e seus representantes no Congresso Nacional, pois sabem que nenhum outro presidente eleito em 2010 conseguirá conter o povão diante de eventual acirramento da crise econômica. Só Lula “segura” as bases do PT e da CUT em total alienação e passividade, enquanto o capital deita e rola com o dinheiro público e a exploração dos trabalhadores.

Modelo agrava conflitos entre população e empresas

Tucuruí foi criada para abastecer com energia subsidiada as indústrias de alumínio projeto de Tucuruí impediu o entendimento de seus impactos”, e as consequências sociais e ambientais da hidrelétrica foram, e continuam a ser, negativas e prejudiciais. Contaminação Os atingidos denunciam que no período do enchimento do lago foi usado o desfolhante Agente Laranja. Hoje, os tambores com resíduos

do produto estão submersos, poluindo a água e ocasionando muitas doenças aos que moram na jusante da barragem e usam diariamente a água do rio Tocantins para o consumo. Entre as consequências da barragem, estão a perda de floresta; o deslocamento de povos indígenas e demais comunidades da área de inundação; o desaparecimento da pesca; a proliferação de mosquitos; e os efeitos sobre a saúde humana devido à malária e a contaminação por mercúrio. Além disso, segundo o INPA, hidrelétricas em áreas de florestas tropicais produzem emissões significativas de gases de efeito estufa. “Embora exista uma incerteza

sobre a quantia exata de gases emitidos, a magnitude das emissões é suficiente para que afete os níveis globais. Em 1990, Tucuruí teve um impacto sobre o efeito estufa maior que o combustível fóssil queimado pela cidade de São Paulo”, diz o estudo da entidade. Energia subsidiada O projeto da Usina Hidrelétrica de Tucuruí foi criado junto ao Programa Grande Carajás, para abastecer com energia subsidiada as indústrias de alumínio no Maranhão (Alumar e Alcoa) e no Pará (Albras, Alunorte e Vale). Segundo o INPA, quase dois terços da energia gerada por Tucuruí servem para abastecer essa indústria. O contrato de fornecimento de energia assinado entre a Eletronorte e as indústrias eletrointensivas entrou em vigência em julho de 1985 e, recentemente, foi renovado por cerca de 5 centavos o kilowatt/hora. Enquanto isso, o Pará possui uma das tarifas mais caras do país. Ao mesmo tempo em que as barragens fornecem energia subsidiada, o problema social e ambiental causado à região é negado. Esse fato é evidenciado nas comunidades próximas ao lago, como por exemplo a Vila Cametá, que fica somente a 15 km da obra. Em quase 25 anos de funcionamento da usina, seus moradores ainda não tiveram acesso à energia elétrica, assim como ocorre com centenas de pessoas que vivem nas ilhas formadas pelo lago da barragem. (AR)

Censura democrata Apesar de o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ter anunciado – durante a campanha eleitoral – que iria combater com firmeza as violações de direitos humanos praticadas pela CIA e pelas Forças Armadas de seu país, agora mudou de atitude e age para impedir a veiculação pública das fotos que comprovam os maus-tratos em prisioneiros no Iraque e no Afeganistão. Mais uma vitória dos senhores da guerra! Violência policial O Grupo Aéreo Marítimo do Rio de Janeiro reprimiu com muita violência, bombas, prisões e apreensão de embarcações, na semana passada, uma manifestação dos pescadores em Magé. Eles protestavam contra a construção de um gasoduto que ameaça a pesca naquela região e que é vinculado ao projeto do Polo Petroquímico da Petrobras. Os moradores da cidade estão em pé de guerra contra as arbitrariedades. Escalada direitista A Universidade de São Paulo, maior instituição pública de ensino superior do país, está vivendo um momento parecido com o período mais duro da ditadura militar, após o Ato Institucional nº 5: agora, a própria reitoria comanda a perseguição política e ideológica a professores, funcionários e estudantes. A demissão do diretor do Sintusp, Claudionor Brandão, é uma afronta à Constituição e ao direito de organização dos trabalhadores. Judiciário corroído A imprensa oligárquica-neoliberal trata apenas superficialmente da crise que atinge o poder judiciário no Brasil, em especial porque os esquemas de proteção das elites estão sendo questionados por dentro. Em lance inédito, as associações de juízes federais protestaram contra a decisão do Tribunal Regional Federal de punir todos os juízes da 3ª Região. O caso merece manchetes. Desastre fundiário Finalmente a ex-ministra do Meio Ambiente, a senadora Marina Silva, do PT, decidiu se manifestar sobre a Medida Provisória 458, já aprovada pela Câmara dos Deputados. Em artigo na Folha de S. Paulo, dia 18, ela afirma que a MP regulariza posses de até 1.500 hectares na Amazônia, e que 88,5% da área legalizada contêm médias e grandes posses. É a legalização e o incentivo ao crime de grilagem. Equilíbrio bancário Estudo do jornal Financial Times, de Londres, indica que aproximadamente 500 pequenas e médias instituições financeiras dos Estados Unidos ainda estão ameaçadas de quebrar. Está claro, hoje, que boa parte do sistema bancário brasileiro só não entrou na onda da quebradeira porque aqui o juro alto proporciona uma fantástica transferência de renda da sociedade e dos cofres públicos para os bancos. Só isso! Assalto oficializado Com a pequena queda do juro oficial verificada no último mês, os bancos que operam no Brasil iniciaram manobras de “compensação” com verdadeiros assaltos às contas dos clientes, inclusive com a cobrança de “pacotes” de serviços autorizados pelo Banco Central. Se as pessoas não reclamam e não pedem o cancelamento de tais “serviços”, o roubo é efetivado na maior cara de pau. É puro faroeste!


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Bolsa Família, um fim em si mesmo? POLÍTICA ASSISTENCIAL Especialistas apontam dificuldades para interromper o programa; governo evoca bons resultados Renato Godoy de Toledo da Redação CARRO-CHEFE DOS programas assistenciais do governo Lula, o Bolsa Família vem rendendo bons frutos eleitorais e melhoria nos índices sociais das regiões com maior número de beneficiários. No entanto, os limites de sua expansão e a eficiência estrutural dessa política são questionadas por alguns especialistas. Para além das críticas de parte da oposição, que taxa o Bolsa Família como “esmola” ainda que se beneficie dele em nível municipal, pesquisadores do assunto têm visão consensual ao destacar a atuação do programa no combate à miséria e no acesso da população mais pobre aos serviços públicos. De acordo com o governo, cerca de 20% da população saíram da condição de pobreza extrema de 2003 para cá. O Bolsa Família teria sido o principal impulsionador dessa mudança, ainda segundo a versão oficial. O fato é que o programa tem apresentado uma pequena expansão motivada pela constante revisão de critérios, corrigindo a noção de pobreza que determina o alvo da ação do governo. Apesar de tanta visibilidade na opinião pública, o total dos benefícios pagos representa apenas 0,5% do PIB brasileiro. O percentual quase irrelevante destoa do número de beneficiários do programa atualmente. São 11,2 milhões de famílias, totalizando 45,4 milhões de atendidos, ou seja, abrange 23,9% da população. Vale destacar o alcance do Bolsa Família nas unidades da federação com maior número de pobres, como o Maranhão (50,13%), Piauí (48,3%) e Ceará (44,62%). Em contrapartida, os estados com menos pobreza apresentam muito menos beneficiários, o que corresponderia aos objetivos do programa no que concerne às desigualdades regionais. A presença do Bolsa Família nos estados tem sido inversamente proporcional ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) destes. No Distrito Federal, maior IDH do Brasil, o programa só atinge

Fernando Bizerra/Banco Mundial

6,14%. Em termos de desenvolvimento humano, o território é seguido por Santa Catarina e São Paulo, estados que apresentam baixo número de beneficiários (9,61% e 10,26%, respectivamente). Esses 23,9% da população recebem um benefício entre R$ 20 e R$182 e devem cumprir algumas condicionalidades relacionadas ao bem-estar da infância e juventude, como a frequência dos filhos em escolas e a vacinação. Para ingressar no programa, a família tem que comprovar renda per capita inferior a R$ 137. Esses dados são do próprio Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), pasta que coordena a política. “Críticas infundadas”

Recentemente, o jornal O Globo divulgou um levantamento extra-oficial, apontando que em seis estados do Nordeste a cobertura do Bolsa Família ultrapassou os 50% da população. A assessoria do MDS não confirma os dados e afirmou que eles são fruto de um cruzamento de informações feito pelo próprio diário carioca, com base em estimativas do Ministério e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE. O fato é que tal estudo aprofundou a crítica ao programa, tanto entre aqueles que discordam até de sua origem como aos que o consideram uma política de caráter emergencial importante. Segundo as críticas, há um aumento da dependência financeira da população em relação ao Estado. Ao invés de conquistar autonomia e adentrar na formalidade, os beneficiários passam a viver com a renda transferida pelo governo federal. Para Letícia Bartholo, diretora do departamento de cadastro único do MDS, a ponderação é infundada e deve ser rechaçada. “Essa crítica parece desconsiderar as causas da pobreza e o grau de desigualdade. Trata-se de um programa que representa 0,5% do PIB e já reduziu em 20% a desigualdade no país. Os especialistas que estudam desigualdade e pobreza são consensuais ao afirmar que o programa cria uma rede de proteção social para a popu-

Família moradora de Vila Varjão, periferia de Brasília (DF), beneficiada pelo programa

lação. O Nordeste, por conta dessa proteção social contributiva, teve um crescimento chinês nos últimos anos”, sustenta. De acordo com a diretora do MDS, as economias dos locais mais atendidos têm apresentado crescimento. “Toda essa renda repassada é revertida em consumo, principalmente em pequenos municípios. Em algumas cidades do Nordeste, a verba do Bolsa Família supera o repasse do Fundo de Participação dos Municípios. Ele tem colocado um dinamismo nas economias locais”, considera. Ressalvas

Essa afirmação não é compartilhada por Guilherme Delgado, pesquisador aposentado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Praticamente não há impacto nas economias locais. O que gera impacto é uma política social concreta, como o aumento da formalidade, e uma política de rea-

Programa tem mais exposição do que relevância

Reprodução

Para o pesquisador aposentado do Ipea, Guilherme Delgado, a atenção que a imprensa dispensa ao Bolsa Família é exagerada, já que o debate sobre as melhorias sociais deve ser feito em torno dos gastos com saúde, educação e assistência social, não com mecanismos de complementação de renda. “O Bolsa Família precisa ser situado no conjunto da política social, no qual ele é relativamente pequeno. Ao olhar o sistema de direitos sociais da seguridade social, o que há de mais relevante são dois eixos: o da educação básica e o da seguridade social, que contempla saúde, assistência social e previdência. Ambos representam um gasto em torno de 25% do PIB, enquanto o Bolsa Família representa 0,5%. Esses dois eixos, mais uma política de salário mínimo, é que dão relevância à política social”, interpreta. Delgado acredita que o programa cumpre um papel im-

portante, ainda que de forma reduzida e sem perspectiva de emancipar de fato o seu público-alvo. “É um programa focalizado que atende a públicos identificados como muito pobres. Os seus critérios são concluídos a partir de uma leitura acerca daqueles que estariam fora da política social. Portanto, é relevante, já que o programa faz com que esse público passe a ter acesso ao SUS e à escola. É uma forma de tirar as pessoas da ultrapobreza, mas não tem tirado da pobreza”, analisa Delgado, que salienta o fato de o programa não ter uma garantia constitucional de investimento, podendo o governo “aumentar ou diminuir essa clientela”. Enfim, para o pesquisador, o impacto dessa transferência de renda está mais rela-

aos beneficiários. “A meta do programa tem sido ele próprio. Ele não tem capacidade formadora. Conta com cerca de R$ 10 bilhões [anuais] e não tem grande impacto macroeconômico”, diz. Pouca saída

Economista e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, Alan Borges da Costa aponta que há uma dificuldade do público atendido em prescindir do benefício. “As pessoas têm saído menos do programa. Acredito que ele deveria ser emergencial e os beneficiários deveriam ter incentivos para sair

dele. É provado que a população atendida pela complementação de renda responde a incentivos. Um exemplo disso é um programa similar no México. A pessoa entra no programa, mas tem um tempo para sair. Aqui, o programa ainda está numa fase inicial, o governo está tentando melhorar, mas ainda não chegou a um modelo ótimo”, acredita.

Quanto

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, % do PIB é o orçamento do Bolsa Família

“Povo se sente mais respeitado com dinheiro na mão” Para Dom Demétrio, apesar das deficiências, maior parte do programa é acertada da Redação

Para Guilherme Delgado, Bolsa Família é uma pequena parte da política social da Redação

juste do salário mínimo, que está num patamar ainda baixo, mas os titulares desse direito têm uma série de garantias regulamentadas. O INSS, por exemplo, é um órgão que pratica uma política social mais consistente do que a do Bolsa Família”, opina o pesquisador, que considera o programa importante para combater a ultrapobreza, mas acredita que tem sido sobrevalorizado por mídia e governo (veja matéria abaixo). Delgado acredita que essa ação do governo tem virado um fim em si mesmo, por não apresentar muitas saídas

Os impactos do Bolsa Família vão além da esfera econômica, já que dizem respeito também à auto-estima da parcela mais pauperizada da população. Esta é a opinião do bispo de Jales (SP) Dom Demétrio

Valentini, que, apesar de louvar diversos aspectos da medida do governo, acredita que a mesma é repleta de imperfeições. “O programa Bolsa Família tem um acerto fundamental, que foi o de integrar milhões de brasileiros que nunca tinham experimentado a presença direta do Estado em sua vida. Eles passaram a ser, de maneira mais real e eficaz, cidadãos. É claro que o programa é precário, está sujeito a muitas ambiguidades, é provisório, precisará passar por ampla avaliação. Mas isto não lhe tira o mérito social e político. Pode errar no varejo. Mas ele traduziu uma in-

tuição muito válida”, avalia o religioso. Valentini acredita que a ação governamental tem gerado impactos econômicos e subjetivos. “O povo pobre, que nunca tinha um dinheiro na mão, se sente mais respeitado e se estabelece um patamar diferente de relacionamento social. O programa precisa ser visto como embrião de iniciativas de distribuição da renda. Agora, ele vai passar pelos desvirtuamentos de campanha eleitoral. Mas depois vai chegar a hora de examinar melhor a proposta do senador Suplicy, por exemplo, a renda mínima a ser destinada a cada cidadão”, prevê. (RGT)

MST não é contra benefício a acampados da Redação

cionado a um incremento no consumo de calorias para uma população miserável do que para edificar uma rede de proteção social e fomento da economia de regiões economicamente vulneráveis. “É um programa residual e não é tão importante. Ele está muito associado à imagem do governo e dos ministros, é até eleitoreiro. É impressionante como a mídia não presta atenção no corpo do cachorro e olha apenas para o rabo”, critica. (RGT)

Em matéria divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo no dia 17, tornou-se pública a intenção do governo federal de incluir trabalhadores sem-terra na lista de beneficiários do programa Bolsa Família. A matéria sustenta que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) enxergaria a medida como uma ameaça à mobilização de sua base. No entanto, em nota divulgada após a veiculação da matéria, a organização expôs sua posição sobre o tema e desmentiu a versão

do periódico. O movimento deixa claro que não se opõe ao programa, nem mesmo à distribuição de cestas básicas aos acampados, que vem sendo implementada até então. “Defendemos todas as políticas públicas que contribuam para resolver os problemas emergenciais das famílias de trabalhadores pobres do campo e da cidade, como a cesta básica e o programa Bolsa Família”, esclarece. Porém, a nota do movimento também aponta as limitações das políticas compensatórias implementadas pelo governo. “Consideramos insuficientes es-

sas políticas assistencialistas, que são limitadas e não resolvem os problemas estruturais da sociedade brasileira, como terra, educação, saúde e habitação”. Por fim, o MST afirma que a saída para melhorar a vida dos trabalhadores rurais requer muito mais do que políticas assistenciais. “A solução para os trabalhadores rurais é a realização de uma Reforma Agrária Popular e um programa de agroindústrias em todas as cooperativas de assentamentos, para garantir a produção de alimentos para toda a população e a geração de renda para as famílias assentadas”, finaliza. (RGT)


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Chuvas no Nordeste: “Parece que faz parte da sina do nordestino” DESASTRE AMBIENTAL Burocracia do governo e indiferença da mídia comercial em relação aos milhares de desalojados João Zinclar

Eduardo Sales de Lima da Redação CIDADES SEM energia elétrica, famílias amontoadas em escolas. Assim é o retrato do Norte e Nordeste do Brasil após as fortes chuvas que vêm caindo na região desde o início de abril. De acordo com a Secretaria Nacional de Defesa Civil (Sedec), o número de pessoas atingidas pelas enchentes já ultrapassou 1 milhão. Ao todo, são 43 mortes. Os estados mais afetados são o Maranhão, com 63.116 desalojados, e o Ceará, com 35.606. Na região Norte, o Amazonas contabiliza 50.470 desabrigados. Enquanto isso, o cotidiano desses milhares de desalojados, na sua grande parte pobres, é aguardar que o nível das águas diminua. Nas 299 cidades nordestinas atingidas, a população fica exposta a várias doenças e se amontoa nos equipamentos públicos, como escolas e galpões. Kilza Gomes, diretora-secretária da Cáritas Diocesana da Arquidiocese de Natal (RN), conta que no município potiguar de Ipanguaçu, por exemplo, os 4.116 alunos da rede pública estão sem aula. “Poucos banheiros, muitos problemas de saúde, fossas estouradas. É urgente que venham cestas básicas, colchões, lençóis e medicamentos. Há muitas doenças de pele, febre, gripes”, relata. São cerca de 600 famílias desabrigadas na cidade. A quantidade de desalojados de todo o Rio Grande do Norte é de 10.020, também de acordo com a Sedec. Ajuda A representante da Cáritas Brasileira em Natal (RN), uma das organizações que encabeça campanhas de doação de alimentos e de outros artigos de necessidade básica à população, afirma que, até o momento, o governo federal distribuiu apenas 5 mil cestas em todo o Vale do Assu, onde fica Ipanguaçu (RN). A cidade possui 12 mil habitantes. Kilza critica, mais que a burocracia, a falta de empenho

por parte do governo federal, que, em resposta às perdas das enchentes de 2008 no Estado, prometeu repasse de R$ 98 milhões. Mas somente no início deste mês o dinheiro chegou; parcos R$ 7 milhões. O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, assumiu, em recente encontro com governadores do Nordeste, o porquê da lentidão do repasse. Ele argumentou que “é impossível dizer qual o montante” se não há o levantamento completo por parte dos estados e municípios atingidos, pois estes não teriam como fazer o levantamento antes da diminuição do nível das águas. Um fator importante em relação à liberação de verbas é que, quando o governo federal executa um repasse para recuperar áreas atingidas, os governos, estaduais ou municipais, devem prestar contas para receberem uma segunda parcela.

“A gente pensa que os nordestinos estão acostumados a se reinventar, como se eles tivessem sempre essa possibilidade”, analisa antropóloga Lançando mão desse argumento, como lembra Roberto Malvezzi, o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou Teresina (PI) no início de maio e disse que os prefeitos eram os responsáveis pela demora na liberação de verbas, já que ainda não tinham prestado contas de ajudas anteriores. “Na verdade, acontece agora com as chuvas o mesmo que acontecia nos períodos de seca. Parece que a ação em Santa Catarina foi mais efetiva”, compara. Para ele, “os

Família desabrigada na cidade de Jaguaruana, no vale do rio Jaguaribe, sertão do Ceará

nordestinos têm longa experiência de se virarem sozinhos em épocas de catástrofes”. Nesse mesmo sentido, a demora no repasse de verbas aos estados atingidos preocupa a antropóloga Bernadete Castro, da Universidade Estadual Paulista (Unesp). “Isso é preocupante em relação ao tipo de atenção que se dá. Até que ponto se pode canalizar mais ou menos para determinadas áreas? Qual o custo-benefício?”, questiona. Sina Até hoje, sem se configurar como uma catástrofe do ponto de vista midiático, à semelhança da tragédia ocorrida em Santa Catarina em novembro de 2008, que contabilizou 97 mortes, as enchentes no Norte do país vêm desvelando contradições para além dos interesses comerciais da grande mídia, como pontua Bernadete Castro.

“Há uma discriminação em relação ao Nordeste por causa do próprio sistema de vida [do nordestino], para além da abordagem da mídia. Parece que faz parte da sina do nordestino. Em relação à estiagem, é a mesma coisa. Mais uma desgraça para o nordestino, ele pode absorver e fazer cordel. A gente pensa que os nordestinos estão acostumados a se reinventar, como se eles tivessem sempre essa possibilidade”, analisa. Para a antropóloga, não é exagero criticar a indiferença tanto do Estado como da mídia comercial em relação às enchentes no Norte e Nordeste, onde, apesar de ter havido menos mortes, a população possui rendas muito inferiores em relação aos atingidos de Santa Catarina e, consequentemente, uma condição muito mais difícil de reconquistar os bens materiais.

Transposição e cheias As recentes chuvas no Nordeste, principalmente por atingir a subrregião do Semi-Árido, chamaram a atenção para uma contradição: a construção das obras de transposição do rio São Francisco. “Se quisessem hoje enviar água do São Francisco para as bacias receptoras, seria impossível. Todas elas estão locupletadas de água. A transposição estaria inutilizada ao menos por um ano ou mais”, explica Roberto Malvezzi, da CPT. Portanto, segundo ele, o problema do Nordeste não é falta de água, mas capacidade de armazenamento, distribuição e gerenciamento adequado. Malvezzi dá o exemplo da Barragem do Castanhão, no Ceará, “que é o maior açude do mundo em rio intermitente e está jogando fora quase 1 milhão de metros cúbicos de água por segundo”. O hidrólogo João Abner, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), acrescenta que a transposição do São Francisco também irá estimular a ocupação dos vales úmidos com atividades ligadas ao agronegócio, “como já acontece no Rio Grande do Norte”. (ESL)

Degradação ambiental e agronegócio elevam alagamentos Algumas obras foram construídas nas planícies de inundações dos vales da Redação Ipanguaçu (RN), situada na região do Vale do Assu, ficou alagada com as sucessivas chuvas na região. E, por certo, não terá sido a última vez. Isso, mais por causa da ação do homem que da natureza. Outras cidades, como as situadas nas margens do rio Jaguaribe, no Ceará, terão, provavelmente, um futuro semelhante. Silvio Santana, diretor da Fundação Grupo Esquel Brasil, destaca que, pelo mundo afora, aumentarão a quantidade de eventos extremos, como chuvas torrenciais, enchentes, secas. Sobre o Nordeste, Roberto Malvezzi, coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), lembra que a Embrapa havia feito uma previsão que apontava a diminuição em cerca de 20% no volume de águas sobre essa região. “Empiricamente, a população de nossa região sente efeitos reais na mudança do clima, como o calor mais intenso e as chuvas torrenciais”, ilustra, citando o caso da cidade Uauá (BA), próxima a Canudos, “que tem uma pluviosi-

do, no caso, o assoreamento dos rios Assu e Pataxó como mais um importante fator que teria contribuído para a alagação de praticamente toda a cidade.

dade média de 450 milímetros ao ano; numa única chuva caiu 213 milímetros; um dilúvio”.

Causa e consequência Mas a ação direta do homem permite que se faça uma clara relação entre causa e consequência. O professor João Abner, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), explica que chuvas torrenciais como as ocorridas entre abril e maio são previsíveis e se sucedem, geralmente, entre 10 e 10 anos. “O problema, agora, talvez esteja maior porque houve uma intensificação das atividades econômicas no Vale do Assu, principalmente em relação ao agronegócio, que se instalou a partir do início da década de 1990”, pontua. Imperícia Segundo ele, a principal diferença, hoje, é que o efeito das inundações está maior também devido à ação dessas obras que ocuparam as planícies de inundações dos vales, que servem, por exemplo, para viveiros de camarões e para irrigar plantações de melão e banana. Ao longo da calha de rios do Vale do Assu, peque-

Barragem do Castanhão, parte de obra responsável por inundações

nas barragens foram construídas para potencializar a captação de água. O que ocorre também ao longo do rio Jaguaribe, no Ceará. É nesse Estado que, a partir da Barragem do Castanhão, foi construído pelo governo do Ceará o Eixo de Integração, também conhecido como “Eixão”, canal que liga as águas do Castanhão

ao Complexo Siderúrgico e Portuário do Pecém, vizinho à capital Fortaleza. Segundo Roberto Malvezzi, nos últimos alagamentos, o canal “serviu como parede de barragem, retendo a água e fazendo com que várias cidades da região ficassem inundadas por pura imperícia dos técnicos responsáveis por essas obras”.

Fora construções como essa e a transposição do rio São Francisco, levantadas a partir do lobby de empreiteiras e do agronegócio, José Hamilton da Costa, diretor-regional da Cáritas Nordeste II, destaca a necessidade do desassoreamento dos rios. Ele falou com a reportagem justamente quando retornava de Ipanguaçu a Natal, apontan-

“Lavada” E mais um ponto fundamental que se relaciona a um futuro preocupante, principalmente na região do SemiÁrido. “Com o aumento da temperatura, da aridez e da perda da vegetação, quando caem as chuvas, é uma lavada, não tem nada para reter a água no solo”, explica Silvio Santana, concluindo que “pode ficar muito mais grave com essa situação da mudança climática, com o aumento da temperatura”. Para Malvezzi, todos esses fatores gerarão, também no Brasil, os “refugiados ambientais”, que seriam melhor denominados, segundo ele, de “desplazados” (expulsos), uma “expressão muito mais realista”. “Todos esses fatores trágicos nos obrigam a buscar imediatamente outro modelo de civilização”, afirma. Segundo informações da ONU, existem hoje 25 milhões de pessoas que já podem ser consideradas refugiados ambientais, e estimase que até 2050 existirão de 250 milhões a 1 bilhão. (ESL)


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américa latina Guerretto/CC

Paraguaios denunciam “violação” do acordo de Itaipu por parte do Brasil

Turbinas abertas: Eletrobrás não poderia apresentar na bolsa de valores um patrimônio compartilhado entre Brasil e Paraguai

Daniel Cassol Correspondente em Assunção (Paraguai) UMA DIVERGÊNCIA entre Brasil e Paraguai na gestão de Itaipu evidencia a disparidade da relação entre as duas nações no controle da binacional e pode ser usada pelo país governado por Fernando Lugo para denunciar em tribunais internacionais um possível desrespeito ao tratado que rege a parceria de construção e gestão da hidrelétrica. A negociação de ações da Eletrobrás, representante brasileira na empresa binacional, na Bolsa de Nova York é um fato considerado grave por integrantes da chancelaria paraguaia, além de mostrar a relação que o Brasil mantém com o Paraguai quando o assunto é a soberania energética dos dois países. Em 2006, a Eletrobrás informou ao conselho da Itaipu Binacional que passaria a negociar suas ações junto à Bolsa de Nova York. Nesse mesmo ano, solicitou registro junto à Securities and Exchange Commission (SEC, a comissão de valores mobiliários dos Estados Unidos). A obtenção do registro, em setembro de 2008, foi comemorada com um anúncio da empresa no jornal de economia Financial Times, ilustrado com uma foto da Usina de Itaipu, “a maior do mundo em geração de energia”. Segundo a diretoria brasileira de Itaipu, no mesmo anúncio, em página interna, há uma menção ao fato da hidrelétrica ser um empreendimento binacional. A mesma referência é feita na apresentação oficial da empresa enviada à bolsa de valores. Tribunais internacionais

Como a Itaipu é binacional – tendo como representantes dos Estados a Eletrobrás e a ANDE (Administração Nacio-

nal de Energia, empresa pública paraguaia) –, os conselheiros paraguaios precisam aprovar balanços financeiros e orçamentos que são encaminhados à Bolsa de Nova York. As empresas com ações negociadas na bolsa nova-iorquina precisam se adequar à Lei Sarbanes-Oxley, que exige, entre outras coisas, a transparência na divulgação do desempenho. Desde a posse de Fernando Lugo, porém, os conselheiros do país vizinho vêm aprovando os relatórios com ressalvas, modificando a relação que existia no governo anterior. Agora, o Paraguai reserva-se o direito de tomar medidas judiciais caso decida contestar a ação da Eletrobrás. Segundo uma fonte do governo paraguaio ouvida pelo Brasil de Fato, o fato é considerado grave e pode ser usado como um trunfo na mesa de negociações caso o governo brasileiro insista na sua postura de não reconhecer a soberania paraguaia sobre a energia produzida em Itaipu. A avaliação dessa fonte é de que seria grande o desgaste para o Brasil se o assunto fosse parar em tribunais internacionais. Para ela, o fato mostra a relação contraditória e assimétrica que o país hoje governado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantém com o Paraguai no manejo de Itaipu. A Eletrobrás não poderia estar apresentando, na bolsa de valores, um patrimônio que o Brasil compartilha com o Paraguai, mesmo que informe se tratar de um empreendimento binacional. Violação do Tratado

A medida é considerada uma afronta à soberania paraguaia, que não seria aceita pelo governo brasileiro se ocorresse o inverso. Ao mesmo tempo, o Brasil exige transparência do outro lado, enquanto os negociadores do Paraguai não conseguem obter acesso aos documentos da dívida contraída pelo país quando da construção da usina. A decisão da venda das ações em Nova York é considerada uma imposição ao governo paraguaio. Admitir essa negociação, diz a fonte ouvida pela reportagem, é como afirmar que Itaipu não pertence mais ao Paraguai. O integrante do governo Lugo sustenta estar ocorrendo uma violação do Tratado de Itaipu, na medida em que o ato de negociar ações na bolsa, envolvendo o patrimônio da binacional, não é autori-

zado pelo acordo, sempre invocado pelo Brasil quando os paraguaios reivindicam a livre disponibilidade de energia. Por outro lado, o patrimônio paraguaio sobre Itaipu poderia estar em risco: o país poderia ser responsabilizado por eventuais problemas ocorridos no jogo da bolsa, já que, na avaliação da fonte, os acionistas da empresa brasileira se tornariam credores do Estado paraguaio. Sem participar dos benefícios na negociação, o Paraguai entraria só com os riscos, uma vez que sua parte em Itaipu estaria servindo para valorizar as ações da Eletrobrás. Avaliação

O presidente Fernando Lugo já foi informado da situação, porém, seu governo não tem nenhuma posição oficial a respeito. No limite, o Executivo do país poderia denunciar o Tratado de Itaipu, reivindicando sua revisão com base na Convenção de Viena, que regulamenta os tratados internacionais e que em seu artigo 62 afirma que uma das partes pode se retirar de um acordo caso ocorra uma “mudança fundamental de circunstâncias”. O engenheiro Ricardo Canese, integrante da equipe de negociação do governo paraguaio, confirma que o assunto está sendo analisado. “Estamos avaliando uma decisão que tomou o governo anterior. Se a conclusão for negativa, se implicar riscos, não vamos aceitar. Estamos numa etapa de estudo e avaliação”, afirma. Canese lembra o fato de a Eletrobrás, que representa o Estado brasileiro em Itaipu, ter sido parcialmente privatizada. De acordo com a ata da assembleia de acionistas da Eletrobrás, de agosto do ano passado, são investidores da empresa os fundos de investimento do Citibank, do HSBC, da Votorantim, além da BNDES Participações S.A. e da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (PREVI). “Não quero emitir um juízo categórico, mas o governo paraguaio está preocupado, porque Itaipu tem que se adequar às normas da bolsa. Por quê? Nós não estamos negociando na bolsa, e sim a Eletrobrás. Por que tem que implicar Itaipu? Até que ponto a Eletrobrás é dona de Itaipu? O dono é o Estado brasileiro, e não Eletrobrás, que tem sócios privados”, afirma Canese.

“Negociar ações não implica risco ao patrimônio”, diz diretoria de Itaipu De acordo com departamento financeiro do lado brasileiro da binacional, as ações da Eletrobrás são valorizadas pelo seu potencial de geração de dividendos, não por seu patromônio de Assunção (Paraguai) A reportagem do Brasil de Fato procurou as diretorias de Itaipu – lado brasileiro – e da Eletrobrás. Apenas a diretoria financeira da binacional respondeu às perguntas que foram encaminhadas por correio eletrô-

Em relação às contestações do governo paraguaio, a diretoria financeira de Itaipu argumenta que a adaptação às normas de transparência da bolsa de valores estadunidense não é um ato que piora a gestão, mas que proporciona mais segurança aos administradores. “Não acreditamos que nenhum governo seja contra a seriedade. Na gestão da Itaipu, a transparência é uma palavra de ordem, portanto, já vem atendendo a esse quesito, pois é plenamente normatizada e transparente, inclusive com sua contabilidade atendendo aos padrões internacionais, de forma a conciliar as singularidades de cada país”, finaliza a empresa.

gorosamente em dia”, diz a resposta encaminhada à reportagem. Sem riscos A diretoria de Itaipu sustenta, ainda, que não existem riscos para o patrimônio paraguaio, lembrando o exemplo da Petrobras, que possui negócios em outros

“Na realidade, o Paraguai vai tentar demonstrar erros de interpretação e aplicação do Tratado por parte do Brasil, de maneira a obter compensações financeiras”, analisa especialista em direito internacional nico. De acordo com esta, a Eletrobrás é acionista de 50% da hidrelétrica, sendo, portanto, uma de suas proprietárias. Além disso, estaria claro, nos documentos, o caráter compartilhado da usina. Para a diretoria de Itaipu, as ações da estatal de energia brasileira são valorizadas pelo seu potencial de geração de dividendos, não pelo patrimônio da companhia. “Para o investidor, o que interessa é a transparência, estando clara a participação acionária da Eletrobrás na Itaipu, bem como as características dessa participação, que é singular. Por outro lado, o investimento da Eletrobrás é neutro e, como a Itaipu não tem lucro ou prejuízo, isso não tem influência no resultado da Eletrobrás”, e sim “a operação de crédito (que é a dívida da Itaipu). E isso está ri-

países e também negocia suas ações na bolsa de Nova York. “Negociar ações não implica risco ao patrimônio, pelo contrário, traz a possibilidade de alavancar novos investimentos e aumentar o patrimônio líquido de qualquer empresa”, afirma a mensagem. Reprodução

DIPLOMACIA Negociação de ações da Eletrobrás na bolsa seria ilegal e expõe relações assimétricas entre os dois países na administração da hidrelétrica

Frações de capital A reportagem também consultou o professor Jean-Maríe Lambert, especialista da Universidade Católica de Goiás na área de direito internacional. Ele vem analisando a questão a partir de contatos feitos pelo governo paraguaio. Para Lambert, a Eletrobrás negocia apenas frações do seu capital, e não de Itaipu, que é apenas parte de seu portifólio. “Tal participação, evidentemente, impacta o valor das ações negociadas. Mas o que se negocia são frações do capital da Eletrobrás, e não de Itaipu”, afirma. De acordo com o professor, o direito internacional público prevê mecanismos como o de “denunciar” o Tratado de Itaipu, inclusive com a saída de uma das partes, e também sua revisão. Porém, são possibilidades improváveis. “Na realidade, o Paraguai vai tentar demonstrar erros de interpretação e aplicação do Tratado por parte do Brasil, de maneira a obter compensações financeiras. Mas, de qualquer forma, a possibilidade de revisão frente a uma mudança da base material do compromisso original é sim uma possibilidade em Direito Internacional Público”, explica. (DC)


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américa latina

Indígenas resistem na Amazônia peruana MOBILIZAÇÃO Em greve há 40 dias, comunidades indígenas exigem anulação de decretos que permitem ação das transnacionais em suas terras Dafne Melo da Redação HÁ POUCO MAIS de um mês, comunidades indígenas de quatro departamentos (Estados) peruanos decidiram mandar um sinal claro de insatisfação ao governo de Alan García. Cortes de estradas e pontes, protestos e greves de cerca de 1,2 mil comunidades tiraram da normalidade os Estados de Cusco, Loreto, Amazonas e Ucayal, regiões de floresta amazônica. A resposta do governo federal foi a de sempre: repressão. Declarou estado de exceção por 60 dias, em 9 de maio, em diversas localidades dessas províncias e prendeu pelo menos seis lideranças nos últimos dez dias. A insatisfação das entidades indígenas peruanas tem como origem uma série de medidas provisórias (chamadas de “Decretos Legislativos”), anunciada pelo presidente do

A insatisfação das entidades indígenas tem como origem uma série de medidas, anunciadas no ano passado, que tem como objetivo preparar o terreno para a implementação do Tratado de Livre Comércio (TLC) com os EUA e, de quebra, abrir caminho para as obras do IIRSA Peru no ano passado, que tem como objetivo preparar o terreno para a implementação do Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos e, de quebra, também abrir caminho para as obras do Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sulamericana (IIRSA). Os movimentos sociais argumentam que as medidas aprofundam ainda mais o modelo neoliberal, promovendo a privatização dos recursos naturais do país (como a água, a biodiversidade e as terras). “O interesse do governo é facilitar ao máximo a entrega dos

territórios e dos bens naturais às empresas transnacionais, insistindo em aplicar o modelo neoliberal que já colapsou. É nos territórios das comunidades onde estão esses recursos, e por isso o próprio presidente Alan García nos ataca”, diz Miguel Palacín, coordenador-geral da Coordenação Andina das Organizações Indígenas (Caoi). Ainda em julho do ano passado, foi feita uma greve geral no país que obteve a revogação de duas dessas leis, além de uma promessa de abertura de uma mesa de negociação. Mas, de acordo com Palacín, os grupos nunca foram chamados para o diálogo e, diante das novas ofensivas, decidiram reagir. Decretos legislativos

Os movimentos indígenas contestam pontualmente nove decretos; alegam que eles ferem a Constituição e acordos internacionais nos quais o Peru é signatário. Um desses decretos (nº 1.090) delega ao Ministério de Agricultura o poder de autorizar a devastação, em até 60%, de bosques para operações de petroleiras, mineradoras e indústrias. No dia 19 de maio, ele foi declarado inconstitucional pela Comissão de Constituição do Congresso Nacional, decisão festejada pelos movimentos sociais. Agora, a lei voltará ao Congresso para ser votada novamente. Na próxima semana, outras cinco leis serão votadas pela Comissão. Um dos argumentos usados pelos movimentos para derrubá-las, além da inconstitucionalidade, é que elas ferem a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. As outras duas leis anteriormente barradas permitiam a venda de terras indígenas para a iniciativa privada. Para Palacín, o objetivo do governo García é fazer “desaparecerem as comunidades andinas e amazônicas, pré-existentes ao atual Estado, e tentar mudar nossas formas de organização e de tomada de decisões”. Atitude que também vai ao encontro dos interesses imperialistas na região, já que o Peru, junto com a Colômbia, é um país central para a manutenção da presença militar e política dos Estados Unidos na região. “Com a desativação da base de Manta [localizada no Equador e que deverá se desativada, a pedido de Rafael Correa, até novembro deste ano], há uma investida para a construção de bases militares no Peru”, afirma o agrônomo Elder Andrade,

Cortes de estradas e pontes, protestos e greves de cerca de 1,2 mil comunidades tiraram da normalidade os Estados de Cusco, Loreto, Amazonas e Ucayal, regiões de floresta amazônica professor do Departamento de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Acre (UFAC). Repressão

Outra norma contestada pelos movimentos sociais peruanos é a Lei de Recursos Hídricos, promulgada em março deste ano, que abre a brecha para a privatização da água. As comunidades amazônicas em greve há 40 dias prometem manter a paralisação até conseguirem conquistar uma mesa de diálogo com o governo. Até agora, García tem ignorado as organizações populares. “Ele praticamente desconhece nossa existência e nos acusa de ser um empecilho para o desenvolvimento do país”, explica Palacín. Os governos provinciais tampouco têm uma postura menos repressiva. “Há muita diversidade de posturas políticas nos governos provinciais e regionais, mas a maioria, incluindo os que se dizem de oposição, se alinha com o modelo econômico neoliberal, de saque aos bens naturais e depredação da natureza. Ainda que alguns deles formem mesas de diálogo, os acordos não são cumpridos”. A esse cenário politicamente conservador, soma-se um forte clima de contenção social. Palacín explica que a violência e criminalização aos movimentos sociais vêm sendo institucionalizadas no país. Em 2007 o governo, também por meio de decretos legislativos, tornou legal a repressão e prisões em protestos populares. Palacín conta que hoje há cerca de mil líderes comunitários respondendo por processos na Justiça.

Peru: no meio do caminho dos interesses das transnacionais País tem posição estratégica na realização da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) da Redação Não é apenas via pressão dos Estados Unidos que as transnacionais estão fazendo esforços para retirar direitos das comunidades indígenas peruanas. O Brasil também tem exercido um papel central nesse sentido, encabeçando o projeto de Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), que, como define sua página mantida na internet, “é um fórum de diálogo entre as autoridades responsáveis pela infraestrutura de transporte,

e empresas de construção civil, muitas empresas brasileiras como a Eletrobrás e a Petrobras têm muito interesse na região. Esta última investirá até 16 bilhões de dólares em seis usinas no país vizinho. Obras

Nesse contexto, o Peru ganha enorme importância, pois, nos eixos estratégicos definidos pelo plano, ele está inserido em quatro (ver mapa): o Andino, o da Amazônia, o Peru-Bolívia-Brasil e o Interoceânico. Por isso, para Elder Andrade, professor da Universidade Federal

Para Lindomar Padilha, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) na região da Amazônia ocidental, o projeto é a concretização da infraestrutura necessária para o grande capital atuar na região energia e comunicações em 12 países sul-americanos”. Lançado em 2000, o megaprojeto prevê, em 20 anos, executar 514 projetos num custo de 69 bilhões de dólares. Até agora, já foram concluídos 51 deles e outros 196 estão em fase de construção. Para Lindomar Padilha, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) na região da Amazônia ocidental, o projeto é a concretização da infraestrutura necessária para o grande capital atuar na região. “Esses conflitos que vemos hoje estão relacionados com interesses das obras do IIRSA; os indígenas peruanos estão percebendo que estão nas terras em disputa, por isso o combate a esses decretos que visam, justamente, a tornar legal a expulsão deles de suas áreas”, diz. Padilha conta que, além de mineradoras, petroleiras

do Acre (UFAC), os conflitos hoje vistos no país serão “bem pequenos” em relação aos que virão caso os projetos do IIRSA avancem mais e mais – o que deve acontecer. No último desses eixos, o maior projeto talvez seja a construção de um sistema de hidrovias entre os três países, formando um corredor de exportação fluvial para o pacífico. Parte desse projeto engloba a construção de duas hidrelétricas no Rio Madeira, em Rondônia, obra que, de acordo com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), deverá desalojar cerca de 10 mil pessoas da região. Andrade explica que as obras vão ao encontro das transnacionais da região, incluindo as do agronegócio, que poderão exportar mais facilmente para o mercado chinês. “As empresas do

agronegócio, que avançam sobre a Amazônia brasileira, também já estão avançando para as áreas bolivianas e peruanas”. Por isso, pontua Andrade, os atuais decretos do governo García devem ser vistos num âmbito mais amplo, que inclui processos semelhantes no Brasil, como a edição das Medidas Provisórias 458 e 422, que, na prática, legalizam a grilagem de terras na Amazônia legal. À venda

Mas, se na Bolívia as empresas acham uma resistência maior dos movimentos indígenas e do governo federal – que já deu declarações contrárias às obras, ainda que não de forma enfática –, no Peru essas empresas encontram terreno fértil: legislação frágil e um governo subserviente. De acordo com a página do IIRSA, o Peru deverá ser sede de 78 obras de infraestrutura até 2020, o que certamente irá atrair muitas empresas estrangeiras para a região, interessadas em explorar as riquezas da floresta amazônica. Os efeitos já são sentidos. O governo federal tem assinado uma série de concessões a empresas para a exploração de petróleo em áreas de reserva indígena. Só em abril foram dadas 13 concessões; uma transnacional canadense recebeu os direitos de exploração do Lote 133, em plena floresta amazônica, área habitada pelos indígenas cacataibo. Outra etnia, os murunahua, que habita a região de fronteira entre Brasil e Peru, na província de Ucayali, também está ameaçada pela ação da estatal colombiana Ecopetrol, que já recebeu licença para explorar petróleo na área. Para essa tarefa, irá contar com a Petrobras, com quem a empresa colombiana firmou um convênio. (DM)


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internacional

Democracia, pero no mucho ESPANHA Justiça anula candidatura ao Parlamento Europeu de partido anticapitalista integrado por apoiadores da causa basca Igor Ojeda da Redação NA ESPANHA, não é qualquer cidadão adulto que pode se postular a algum cargo eletivo. Somente aquele que cumprir com os requisitos do governo espanhol. Ou seja, não manifestar nenhuma espécie de apoio à causa do País Basco, região que busca sua independência. O Tribunal Supremo do país proibiu, no dia 16, a candidatura ao parlamento europeu dos integrantes da lista eleitoral da Iniciativa Internacionalista – a Solidariedade entre os Povos (IISP). O pleito será realizado em 7 de junho. Segundo o Ministério Público e a Promotoria-Geral do Estado, que apresentou a denúncia ao Tribunal, a relação de candidatos da IISP estaria sendo usada pelo ETA (braço armado da causa basca) para “elevar a mo-

“A IISP não inclui nenhuma pessoa que apoia a luta armada”, defende um integrante ral” de suas bases. Segundo a decisão judicial, o dramaturgo Alfonso Sastre, que encabeça a lista, seria uma espécie de “isca” eleita pela organização para enviar “uma mensagem clara a seus votantes” sobre qual partido deveriam apoiar na eleição europeia. De acordo com o Tribunal, a sentença foi emitida por exis-

ção da norma no parlamento espanhol. Desde então, mais de uma dezena de partidos e organizações da região tiveram o mesmo destino. “Desde que se aprovou a Lei de Partidos, vem-se ilegalizando sistematicamente qualquer partido ou candidatura que tivesse algum integrante procedente do independentismo basco”, denuncia ao Brasil de Fato o jornalista espanhol Pascual Serrano, um dos fundadores da publicação eletrônica alternativa Rebelión. Segundo ele, contra os membros da lista da IISP não há nenhum processo penal aberto, nem acusação de nenhum delito. O motivo da ilegalização seria apenas o fato de que “alguns deles, em algum momento, manifestaram seu apoio ao movimento independentista basco ou denunciaram a repressão contra este”.

tirem “muitas provas que evidenciam que essa candidatura é uma sucessão fraudulenta do entorno ETA-Batasuna”. Segundo o jornal El País, Sastre já teria sido candidato pelo Batasuna, braço político do ETA banido em 2002. Por sua vez, Doris Benegas, a segunda da lista, teria participado em reuniões da esquerda independentista basca ou em homenagens a algum militante. Angeles Maestro, número 5 da lista, contestou os critérios da decisão: “[A IISP] não inclui nenhuma pessoa que apoia a luta armada, nem sequer há algum basco. É uma notícia muito ruim para as instituições e para a democracia espanhola. Põe de manifesto os estreitíssimos limites do sistema institucional espanhol na hora de permitir a legítima presença de opções”. No dia 19, o Tribunal Constitucional espanhol admitiu o recurso da Iniciativa Internacionalista contra a decisão do Tribunal Supremo. No prazo de 24 horas (depois do fechamento desta edição), as partes envolvidas deveriam apresentar suas alegações. Lei de Partidos A impugnação da candidatura da IIPS se dá nos marcos da Lei de Partidos, aprovada em junho de 2002 a partir de acordo celebrado entre os dois partidos majoritários no Congresso, o PP (Partido Popular) e o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol, do presidente José Luis Zapatero). A norma estabelece, em seu artigo 9, que um partido político poderá ser “declarado ilegal quando sua atividade vulnere os princípios democráticos, particularmente quando

a mesma deseje deteriorar ou destruir o regime de liberdades ou impossibilitar ou eliminar o sistema democrático”. Em seguida, a lei lista as “condutas” através das quais alguma agremiação política vulneraria “os princípios democráticos”. Entre elas, estão “a promoção e a justificação dos atentados contra a vida ou a integridade das pessoas”; “a legitimação da violência como método para o alcance de objetivos políticos ou para fazer desaparecer as condições pre-

cisas para o exercício da democracia, do pluralismo e das liberdades políticas”; e “complementar e apoiar politicamente a ação de organizações terroristas (...)”. Para a esquerda basca, a nova lei foi criada para impedir que os militantes independentistas da região tenham representação institucional. De fato, o Batasuna, principal partido nacionalista do País Basco, foi posto na ilegalidade pelo juiz Baltasar Garzón apenas dois meses depois da aprova-

Criminalização Em seu manifesto de fundacão, a Iniciativa Internacionalista defende o direito à autodeterminação, o que pode ser interpretado como uma espécie de apoio à causa independentista do País Basco, embora não expresse a concordância com a luta armada. Além disso, o documento reitera a necessidade de se respeitar os direitos civis e políticos e denuncia a tortura. Por inúmeras vezes, o Estado espanhol foi acusado de violar tais direitos e torturar militantes bascos encarcerados. A lista de candidatura do partido às eleições europeias é encabeçada pelo dramaturgo Alfonso Sastre, histórico lutador antifranquista e Prêmio Nacional de Literatura. Nascido em Madri, mas radi-

cado em Hondarribia, no País Basco, Sastre esteve na prisão durante os últimos anos da ditadura de Francisco Franco (1936-1975). De acordo com Pascual Serrano, o governo espanhol, seja sob o PSOE, seja sob o PP, age para criminalizar e “sufocar qualquer iniciativa política radicalmente anticapitalista ou que denuncie os atropelos da lei”. Para isso, encontra o “álibi perfeito na mal chamada luta antiterrorista. Basta acusar que [a iniciativa política] forma parte do que denominam o ‘entorno’ do ETA”. Na opinião do jornalista do Rebelión, a semelhança de atuação do Estado espanhol durante as gestões dos dois maiores partidos se explica pelo consenso que existe entre ambos quando o assunto é a causa independentista de diversas regiões do país. Segundo ele, a maioria dos juízes que integram o Tribunal Supremo e o Tribunal Constitucional é escolhida pelo PP (de direita) e pelo PSOE (em teoria, de esquerda). No entanto, para Serrano, considerar este último como de esquerda é algo questionável. Ele cita o exemplo da gestão de Felipe González, entre 1982 e 1996, quando a Espanha foi incorporada à Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e quando se iniciou o processo de privatização de empresas públicas. Além disso, segundo Serrano, foi na administração de González que foram criados grupos paramilitares recrutados por membros da segurança do Estado para assassinar membros do ETA “e, inclusive, inocentes que não tinham nenhuma relação com a organização”.


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cultura Reprodução

Bendito

Um poeta comunista, que traduziu em poemas sua utopia

poeta

HOMENAGEM Escritor uruguaio Mario Benedetti morre aos 88 anos da Redação A LITERATURA latinoamericana perdeu o escritor uruguaio Mario Benedetti, de 88 anos, por complicações no intestino. Mario morreu em Montevidéu no dia 19 de maio de 2009, cerca de três anos após a morte de Luz, sua esposa, com quem viveu por 60 anos. As pessoas mais próximas ao escritor garantem que o estado de saúde de Benedetti começou a piorar após a morte de Luz. Ao longo das seis décadas como escritor, ele recebeu prêmios importantes, como o Ibero-americano José Martí (2001) e Internacional Menéndez Pelayo (2005). Escreveu mais de 80 livros de poesia, romances, contos e ensaios, assim como roteiros para cinema. Iniciou carreira li-

LENTO MAS VEM Mario Benedetti (1920-2009)

Lento mas vem o futuro se aproxima devagar mas vem

terária em 1949, com o livro Esta Manhã. Nascido em 14 de setembro de 1920 no município de Paso de los Toros, norte de Montevidéu, Mario Benedetti foi fundador e ativo militante do Movimento 26 de Março, uma das forças que lutou contra a ditadura militar durante a década de 1970. Com o golpe de Estado dado em 27 de junho de 1973, Mario Benedetti deixa o Uruguai e parte para o exílio em Buenos Aires, Argentina. Em seguida, exilase no Peru, onde foi detido e deportado, em 1976, para Cuba. Em 1983, depois de dez anos vivendo no exterior, volta ao Uruguai. A morte do escritor motivou diversas manifestações de intelectuais e personalidades uruguaias e de todo o mundo, tal como o presidente do Uruguai, Tabaré Vazquéz, e o escritor conterrâneo Eduardo Galeano: “Benedetti significa bendito em italiano, e o único que posso dizer é isso: Benditos os homens e mulheres generosos como ele”.

hoje está mais além das nuvens que escolhe e mais além do trovão e da terra firme demorando-se vem qual flor desconfiada que vigia ao sol sem perguntar-lhe nada iluminando vem as últimas janelas lento mas vem o futuro se aproxima devagar mas vem já se vai aproximando nunca tem pressa vem com projetos e sacos de sementes com anjos maltratados e fiéis andorinhas devagar mas vem sem fazer muito ruído cuidando sobretudo os sonhos proibidos

ARTIGO

Obrigado pelo fogo, Mario querido Tatiana Merlino

Ana María Radaelli

“Em períodos de perseguição e censura, a cultura também passa à clandestinidade. Se uns caminhos se fecham, o artista busca outros, e no caso de estes não existirem, trata de abri-los. Sempre haverá muros, esquinas, pátios, cartazes, plataformas, porões, coberturas e até paróquias de onde escrever e dizer o que faz falta. Depois de tudo, quando se chega a uma situação em que a cultura não pode ser difundida por meios mecânicos, sempre fica a tração a sangue. Não acha?”.

Foi ali onde o conheci. E não teve nada de excepcional que da relação profissional viesse um companheirismo cálido e solidário. Era impossível não o amar, para além da admiração entusiástica em torno de sua obra, que tantos reconhecimentos mereceria Sentados os dois numa antessala já deserta da Casa das Américas, em Havana, Mario Benedetti repetia a mim, quase palavra por palavra, o que havia dito horas antes ao inaugurar o Prêmio Casa das Américas número 20. Isso já faz 30 anos, e eu me belisco para saber que não estou divagando. Que so-

mente restamos os sobreviventes. A morte, “asquerosamente pontual”, tem nos levado até Mario, e não apenas Montevidéu fica órfã dele. Também fica Havana, que o acolheu em duros tempos de exílio, por convite de Haydeé Santamaría. A cidade conheceu seu incansável trabalho no Centro de Investigações Literárias da Casa, do qual foi fundador. Foi ali onde o conheci. E não teve nada de excepcional que da relação profissional viesse um companheirismo cálido e solidário. Era impossível não o amar, para além da admiração entusiástica em torno de sua obra, que tantos reconhecimentos mereceria. E falamos, sempre falamos muito, e hoje resgato, num privado ritual de dor, uma página amarelada e quebradiça do Resumo Semanal do Granma, de fevereiro de 1979, na qual Mario, generoso de seu tempo, nos confiava com toda a liberdade suas certezas e esperanças: – A Revolução Cubana?

– Te direi: O marxismo em espanhol. Parece-te pouco? Antes de 1959, fomos assolados – ainda que não fôssemos totalmente conscientes disso – por um pessimismo não confessado em relação com uma possível atitude de independência frente aos Estados Unidos. A Revolução Cubana nos demonstrou que esse pessimismo não era totalmente justificado, que era possível lutar e triunfar ainda em um país menor que o Uruguai, o que já é o bastante, e localizado quase nas faces dos Estados Unidos. Por outro lado, a Revolução Cubana nos aproximou do marxismo. Era a primeira vez que o marxismo falava espanhol, desde o poder, na América Latina. Isso teve uma enorme importância para os escritores latino-americanos

e fundamentalmente para os que não militavam em nenhum partido, que não éramos marxistas. Não quer dizer que de repente viramos as costas à Europa, mas sim que a ordem das prioridades mudou em nossa terra da América, ainda que essa transformação não se refletisse imediatamente na literatura, porque o primeiro, o fundamental, foi a mudança de atitude que a Revolução Cubana gerou nos escritores. Começamos a participar de maneiras muito diversas, com matizes diversos e com diversas intensidades na luta de nossos povos. Isto é, já não nos limitamos ao mundo interior de uma personagem, começamos a localizá-los em um contexto social, a ter inquietudes sociais e políticas. Algo disso ocorreu também com a paisagem, que até então tinha sido quase o principal protagonista da narrativa latino-americana – pense na La vorágine, Doña Bárbara, Dom Segundo Sombra – e isso sofreu uma mudança. O homem começou a ter mais importância que a paisagem, recuperou seu papel de protagonista. A paisagem, até então sinônimo de domínio, de exploração, de coisa alheia, converteu-se em um tema a conquistar, em uma terra a conquistar. Ciro Alegria intitulou sua novela como O mundo é largo e alheio, mas poderia tê-la chamado A paisagem é larga e alheia.

– A Casa das Américas?

– O fim do isolamento! Olha, em toda essa transformação que se vai dando na literatura e na arte, transformação que se produz paulatinamente no próprio artista como pessoa, não só a Revolução Cubana em si tem tido muita importância, mas também a Casa das Américas, criada com o propósito explícito de fazer conhecer em Cuba as realidades culturais dos países irmãos da América Latina, e também com o de terminar com a incomunicação cultural de um país em relação aos demais. Eu sei que sempre se diz isso quando se fala da Casa, mas é bem mais transcendental do que pode parecer. A verdade é que não nos conhecíamos, e que muitos o puderam fazer pessoalmente e trocar nossas obras vindo a Cuba, convidados pela Casa, essa Casa de todos e para todos, generosa até o inaudito. – Literatura engajada?

– Mais de uma vez tenho dito que o manifesto é um gênero tão legítimo como qualquer outro. Existem grandes obras de manifesto: Marx, Engels, Lenin, Che, Fanon, Fidel têm verdadeiras obras-primas, mas a literatura panfletária é outra coisa, e não me entusiasma nem um pouco. Falta saber o que acontece com os artistas do exílio, como cada um trabalha com a nostalgia, o ódio, o desprendimento, como se afirma ou se debilita sua identidade nacional. Isso

nos traz de novo a falar do papel do escritor. Acho que não se deve exigir a priori que um artista assuma tal ou qual atitude: primeiro, deverá transformar-se como ser humano, e depois essa transformação se refletirá em sua obra a posteriori. Quando um autor escreve sobre temas políticos sem que isso esteja respaldado por uma atitude consequente, sua obra soará inócua. É como escrever poemas de amor sem estar apaixonado, sem sentir o amor, e a política é também uma forma de amor. Gostaria de acreditar que após esta conversa, aqui muito abreviada, uma vez mais vou acompanhar Mario e a sua inseparável Luz no apartamentinho que ambos ocupam no bairro de Alamar, em Havana, onde vivem, muito orgulhosos, como dois cubanos. Mas não. Já é tempo de guardar meus preciosos recortes e lhe dizer obrigado, Mario. Obrigado pelo fogo e todos os fogos que iluminaram o céu de gerações e gerações de jovens que sempre te tiveram e te terão à mão para cantar ao amor e ao desamor, aos novos exílios e desexílios, desde qualquer esquina de uma primavera rompida ou cheia de flores e esperanças tão contundentes como teu otimismo, esse que em um dia te fez escrever: Mas constame e sei/ nunca o esqueço/ que meu destino fértil voluntário/é me converter em olhos, bocas, mãos/ para outras mãos, bocas e olhares (Prensa Latina – www.prensa-latina.cu). Ana María Radaelli é jornalista e escritora argentina radicada em Cuba.

as recordações dormidas e as recém-nascidas lento mas vem o futuro se aproxima devagar mas vem já quase está chegando com sua melhor notícia com punhos com olheiras com noites e com dias com uma estrela pobre sem nome ainda lento mas vem o futuro real o mesmo que inventamos nós mesmos e o acaso cada vez mais nós mesmos e menos o acaso lento mas vem o futuro se aproxima devagar mas vem lento mas vem lento mas vem lento mas vem

Cálculo de probabilidades Mário Benedetti Tradução Alipio Freire

Cada vez que um dono da terra proclama para me tomarem este patrimônio terão de passar sobre meu cadáver deveria levar em conta que às vezes passam.


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