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Circulação Nacional

Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 7 • Número 326

São Paulo, de 28 de maio a 3 de junho de 2009

R$ 2,50 www.brasildefato.com.br Rafael Andrade/Folha Imagem

Privatizado, transporte no RJ está em colapso Ao final dos anos de 1990, sob gestão do PSBD, o Rio de Janeiro privatizou os chamados três modais da área de transportes: aquaviário, ferroviário e metroviário. A promessa era de que, saindo do controle público a gestão melhoraria. Onze anos depois, porém, o que se vê é caos. O quadro de funcionários foi reduzido e a incidência de acidentes cresceu. A quantidade de passageiros passou de 500 mil a 1,1 milhão por dia. A Supervia, que administra os 225 quilômetros de ferrovias, não comprou sequer um novo trem nesse período. Pág. 4

Criminalizados na luta pela terra, Xukuru são condenados Longe do senso comum entre os brasileiros, que repetem que “no Brasil índio não pode ser preso”, o povo Xukuru de Pernambuco tem enfrentado um duro processo de criminalização. A reversão dos papéis, que coloca inocentes no lugar de criminosos e criminosos no lugar de inocentes, é uma das tônicas no processo de reconquista e controle do território tradicional desse povo. Pág. 8

AI-5 Digital: PL focado na internet lembra a ditadura A ponto de ser aprovado no Congresso, um projeto de lei do senador Eduardo Azeredo (PSDBMG), também conhecido como AI-5 Digital, objetiva oficialmente tipificar condutas praticadas na internet. Mas, na realidade, a proposta é vigiar os hábitos da população brasileira e impedir o livre acesso de informações. O PL atende aos interesses de bancos e da indústria cultural. Pág. 7

Sindicalistas e militantes de movimentos sociais realizam protesto contra a instauração da CPI da Petrobras diante da sede da empresa, no Rio de Janeiro

Com CPI da Petrobras, direita quer definir rumos do pré-sal A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras é uma investida da direita para questionar o caráter estatal da empresa e desviar o foco sobre as grandes descobertas na camada pré-sal. Essa é a visão dos movimentos sociais que defendem a estatal e repudiam essa ofensiva das elites contra o patrimônio público. Agora, o foco da

discussão muda, e a questão do marco regulatório pode perder força, dando continuidade aos leilões. E isso não é necessariamente uma coincidência, de acordo com Antônio Carlos Spis, petroleiro da executiva da CUT: “As descobertas do pré-sal assanharam as transnacionais que têm bilhões de dólares para aplicar em políticos”. Págs. 2 e 3 Maria Aparecida/MST

Funcionamento do Banco do Sul ainda é incerto

Essência do capital está mais exposta, diz economista Para o professor de economia da UFMG João Antonio de Paula, a crise econômica tem revelado a face bárbara do sistema capitalista. De acordo com ele, os impactos da crise devem ser mais explicitados no Brasil num futuro próximo, já que os contratos das exportações devem vencer e ser diminuídos. O saldo da crise será a construção de uma nova ordem mundial baseada na multipolaridade econômica. Pág. 5

ISSN 1978-5134

5° Encontro Nacional de Violeiros reuniu mais de 40 duplas em Ribeirão Preto, interior de São Paulo

Violeiros mantêm a cultura sertaneja Organizado pelo coletivo de cultura do MST, o 5º Encontro Nacional de Violeiros realizado entre os dias

23 e 24 de maio reuniu, em Ribeirão Preto (SP), mais de 40 duplas de todo o país. “O que era apenas para ser uma

brincadeira virou uma coisa séria”, diz Pereira da Viola, presidente da Associação Nacional de Violeiros. Pág. 12

Leandro Uchoas

Violência – O pescador Paulo César Santos, de 45 anos, foi assassinado na cidade de Magé (RJ) no dia 24 de maio. O crime ainda não foi esclarecido, mas sabe-se que ele ocorreu 6 horas após a interdição das obras da empresa GDK na região, motivada pelas denúncias da Associação dos Homens do Mar, da qual Paulo César era tesoureiro. Os trabalhadores da região apontaram irregularidades ambientais e trabalhistas promovidas pela empresa – que prestava serviço à Petrobras – e chegaram a realizar bloqueios no mar para dificultar as obras.

Após um ano e meio de negociações, o Banco do Sul está mais próximo de se tornar realidade. Na prática, falta apenas a aprovação do projeto pelos parlamentos dos países participantes. A novidade, porém, não está sendo festejada pelos movimentos sociais. Pouco se sabe sobre o conteúdo do projeto, já que nenhum documento oficial sobre como funcionará o banco foi divulgado. Organizações da sociedade civil apontam que não há transparência no processo e que a instituição deverá financiar grandes obras de infraestrutura, como a IIRSA. “Sabemos que existe um grande lobby do agronegócio e das empreiteiras brasileiras para isso”, afirma Ricardo Verdum, do Inesc. Pág. 9 Leandro Uchoas

AFOGANDO EM NÚMEROS

A redução do IPI de automóveis, promovida pelo governo, deve acarretar uma perda de até R$

4,7 bilhões anuais para a União. Com esse valor, poderiam ser construídos 105

km de metrô, com 80 novos

trens. As novas linhas iriam beneficiar

6,4 milhões de pessoas.


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editorial ESTAMOS ACOMPANHANDO com muita preocupação essa nova investida das elites brasileiras. Aliadas aos interesses do imperialismo e sua gana pelo petróleo, voltam a atacar a Petrobras, numa clara tentativa de travar a empresa, patrimônio do povo brasileiro. Aliás, um patrimônio conquistado com muita luta pelo movimento “O Petróleo é Nosso”, antes mesmo da criação da Petrobras. Hoje, a estatal é a maior empresa da América Latina e uma das mais admiradas em todo o mundo. Mas sempre foi alvo da sanha privatista das elites, principalmente em tempos de neoliberalismo. A recente instauração da CPI da Petrobras despertou em amplos setores da sociedade no mínimo estranheza. Líder na produção no Brasil e atuante em outros 25 países, a Petrobras hoje tem uma presença do capital privado (nacional e internacional) de 62% do seu total de ações, contando com grandes capitalistas, como Gerdau e outros, no seu conselho administrativo. Seria uma contradição ou uma fissura nas frações da burguesia? Não é o que aparenta. O fato é que, por trás dos discursos eloquentes em defesa de uma CPI na empresa, estão interesses mais profundos. O primeiro visa a associar a ideia de participação do Estado com

debate

As elites não querem, mas o petróleo tem que ser nosso corrupção, desvio de verbas, aparelhamento político, cabide de empregos, ineficiência, entre outros. Aliás, são sempre os mesmos argumentos utilizados pelas elites e seus asseclas para espoliar o patrimônio público. Esses mesmos argumentos foram usados como bandeira ideológica para a privatização de várias empresas públicas em nosso país. Agora, com a crise econômica mundial e consequentemente o fracasso do neoliberalismo, muda-se o discurso. Na retórica atual, buscam sustentar a tese de que o mercado (competitivo e eficiente) afasta esses males – corrupção, desvios, sustentação de políticas públicas, entre outros. Ora, os escândalos antes da crise demonstram que o mercado se sustenta nessas relações de rapina, roubos, corrupções etc. São partes da lógica do sistema capitalista. Mas o que realmente está em jogo nessa CPI – sob o manto da legitimidade de uma comissão fiscalizadora – é a manutenção das atuais regras

para o mercado petrolífero brasileiro. Ou seja, uma economia aberta, atraindo o capital privado – nacional e internacional – e estímulo por meio da competição aos investimentos em tecnologia e na redução dos custos de produção. Em síntese, está em jogo impedir mudanças progressistas na lei do petróleo e manter o mercado do petróleo brasileiro no patamar atual, com as mais de 70 empresas legalizadas para atuar disputando cada quinhão do ouro negro dos tempos modernos. Só para se ter ideia, levantamentos realizados por consultorias internacionais estimam entre 3 e 9 trilhões de dólares a riqueza a ser gerada com a exploração do pré-sal. Daí percebe-se o tamanho da sanha das elites! Por isso, eles não querem nada de mudança do marco regulatório nem tampouco rever o destino dos royalties. Querem seguir com os leilões, batendo forte o martelo do arremate. Além disso, com a CPI, as elites visam a inibir ou cortar parte da fonte

Resposta popular Diversas organizações populares estão construindo atos para denunciar os interesses do mercado e das elites que articularam a CPI, mas, sobretudo, debater com a sociedade as bandeiras unitárias da campanha “O petróleo tem que ser nosso”. No dia 21 de maio, no Rio de Janeiro, foi realizado um ato que reuniu cerca de 5 mil pessoas. E foi apenas o primeiro dessa campanha que pretende mobilizar o povo brasileiro. Porém, os atos que serão realizados nas principais capitais do Brasil, mais do que rechaçar essa manobra da direita com a CPI, deve reforçar que a luta pelo petróleo será construída nas ruas, com autonomia das

crônica

Sergio Schlesinger

Responsible soy é o cacete! EM POUCO mais de 30 anos, o cultivo da soja chegou ao Brasil e se espalhou por todo nosso território. Hoje, o chamado complexo soja é o principal item da pauta de exportações do país. Seu cultivo ocupa uma área de 22 milhões de hectares, equivalente a cinco Holandas e meia. Cerca de três quartos desta produção são exportados, e os principais destinos são a China e a União Europeia. A expansão da produção mundial vem ocorrendo principalmente em uma área quase contínua da América do Sul, abrangendo os países do Mercosul – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – e a Bolívia. Neles cresce igualmente a presença de empresas transnacionais, que se estende também às áreas de produção de sementes e financiamento da produção. No caso brasileiro, quatro grandes transnacionais movimentam a maior parte da produção: Bunge, Cargill, ADM e Dreyfus. Até há pouco tempo, os impactos da expansão da soja no Brasil eram praticamente desconhecidos pela sociedade brasileira. As dimensões assumidas pelo plantio de soja no país, bem como sua expansão sobre biomas de grande importância, como o Cerrado e a Amazônia, despertaram a atenção de diversas organizações da sociedade civil no Brasil e na Europa. Há alguns anos, instituições holandesas, juntamente com a WWF e empresas comercializadoras e processadoras da soja, no âmbito nacional e multinacional, organizaram a chamada Mesa Redonda sobre Soja Responsável (Round Table on Responsible Soy – RTRS, no original). A Mesa reúne produtores, indústrias, exportadores e Ongs de diversos países. A iniciativa pode ser entendida como uma resposta às pressões dos mercados, dos consumidores, das exigências dos governos e da sociedade civil, que, cada vez mais, exigem padrões sustentáveis de produção. E aí começam os problemas, e as intenções tornam-se vãs. Ainda que bem intencionadas, e de modo involuntário, organizações da sociedade civil terminam por atender, neste processo, ao desejo de governos e grandes empresas de obter certificação para abençoar e comercializar sem problemas um bem cuja produção impõe elevado custo social e ambiental. Os métodos de produção de uma monocultura como a da soja, agressivos no emprego massivo de agrotóxicos e exigentes em água, impossibilitam a produção camponesa e a sobrevivência das famílias e dos núcleos rurais ilhados, sem água ou com água contaminada, com seus pomares, suas roças e suas criações de pequenos animais e de abelhas envenenadas. Mesmo onde agricultores familiares que-

de recursos para políticas públicas e projetos sociais, que são tachados pela direita brasileira meramente como medidas populistas e que fortalecem o atual governo. Por isso reafirmam a postura antipopular e antidemocrática de combatê-las.

rem produzir soja não-transgênica, o emprego de sementes transgênicas ao seu lado impede na prática que se plantem variedades nãotransgênicas, pela contaminação no uso das mesmas máquinas, no armazenamento e no transporte. Esse modelo produz também impactos ambientais negativos que hipotecam o futuro: empobrecimento e contaminação dos solos; perda da biodiversidade, natural e cultivada; diminuição das águas e contaminação; mudanças microclimáticas; riscos de desertificação; perda das paisagens; erosão biológica e genética. Esse modelo promoveu o desgaste de práticas culturais antigas relacionadas ao manejo dos sistemas de produção e levou ao seu abandono. Os saberes tradicionais acumulados das vivências das comunidades indígenas, extrativistas, quilombolas foram desvalorizados, desqualificados e colocados à margem do sistema de conhecimentos do mundo globalizado. Os movimentos sociais do campo, como Via Campesina, MST e GRR-Argentina, indígenas, urbanos e Ongs da região – Argentina, Brasil, Bolívia, Paraguai e Uruguai – posicionam-se contrariamente à RTRS. Em março de 2005, em paralelo ao encontro oficial, promoveram o Contra-Encontro de Foz do Iguaçu. Nós seguimos ao lado desses movimentos. Sem julgar outras organizações, reconhecendo seu direito de escolher outros caminhos, consideramos que investir na promoção da responsabilidade social empresarial representaria: - legitimar indevidamente setores que historicamente contribuíram para a sobreexploração do trabalho e mesmo para a perpetuação do trabalho escravo; - desonerar o poder público da sua responsabilidade de garantir o cumprimento da lei, pois o respeito à legislação ambiental, social e trabalhista não deveria ser premiado, enquanto a maioria que não a respeita deveria ser punida; - renunciar a qualquer transformação da profunda injustiça fundiária no Brasil, ao apontar como

forças populares. A campanha precisa ser massiva para que de fato seja uma luta de toda a população contra os anseios dos inimigos históricos do povo brasileiro. Então, o desafio é que essas mobilizações não sejam centradas na CPI da Petrobras, que impõe um desafio muito pequeno diante de uma luta muito maior, que é garantir que o petróleo seja usado em benefício do povo e ajude a superar os graves problemas sociais de nosso país. Embora a CPI seja um fato político que impulsiona os atos, o objetivo central deve ser denunciar as investidas desses setores que entregaram quase todas as empresas estatais para o capital privado e debater com o povo a campanha “O petróleo tem que ser nosso”, ampliando a luta pela soberania nacional. As forças populares, movimentos, centrais sindicais, pastorais, movimentos de juventude e estudantil, entre outros, seguem também na construção das bases de uma ampla jornada de mobilizações contra a crise, indicada para agosto, em todos os estados. Essas lutas significam um passo importante na construção de uma unidade sólida e consistente, à altura dos desafios colocados para o povo brasileiro na atual crise do capitalismo.

Luiz Ricardo Leitão

Dona Flor e seus dois brasis Gama

(Este artigo é dedicado ao rápido e pleno restabelecimento de JeanPierre Leroy, a quem devo minha indignação frente ao modelo agrícola brasileiro e vastas partes deste texto, extraídas do documento de posicionamento da FASE a respeito das monoculturas, por ele elaborado).

O ANTROPÓLOGO Roberto DaMatta, célebre autor de Carnavais, malandros e heróis (1979), escreveu, em um ensaio dedicado a Jorge Amado, que a estreita identificação do público com o fecundo escritor baiano se insinua no dilema vivido pela protagonista de Dona Flor. Cindida entre duas paixões, a bela Flor se pergunta: “Por que cada criatura se divide em duas, por que é necessário sempre dilacerar-se entre dois amores, por que o coração contém ao mesmo tempo os dois sentimentos polêmicos e opostos”. A inquietude que fustiga a personagem é, sem dúvida, a mesma que lateja em tantos brasileiros: “Por que optar se quero as duas coisas?”. E a resposta de Dona Flor ensina às pessoas que essas duas dimensões da vida são imprescindíveis e que, além disso, é possível desfrutar as duas coisas de forma integrada e não-excludente. O ensaísta transpõe a questão para o plano social: “por que temos que ler o Brasil como um Estado-nacional que tem dado errado e como uma sociedade mágica e sedutora que amamos”. Isto é: um país terrível para morar e maravilhoso para viver... Pois a reflexão carnavalizadora de Amado, segundo DaMatta, “vai ao centro do dilema brasileiro e dos problemas que temos que enfrentar para poder modernizar o nosso país, sem, entretanto, deixarmos de ser a sociedade do carnaval”. Acreditando piamente, enfim, que algum dia conjugaremos os ideais de igualdade e liberdade com nosso criativo hibridismo institucional, fazendo de Bruzundanga o autêntico “país do carnaval”. As reflexões do antropólogo me vêm à lembrança, enquanto leio as declarações de Ronaldo, o dito “Fenômeno”, acerca de sua opção por deixar o filho viver na Espanha, por conta da segurança e da educação que a criança desfrutaria no Velho Mundo: “Eu vejo crianças aqui, da idade dele, com um palavreado adolescente, palavrões até. O Ronald é uma criança doce, educada, praticamente um europeu. Diante das reações adversas do público, aludindo à identidade verdeamarela do menino e ao eventual racismo do jogador, este retrucou: “Ele é brasileiro, mas prefiro que tenha amiguinhos europeus, sem a malandragem dos amiguinhos brasileiros. A gente quer sempre o melhor pros filhos; e eu, podendo escolher, prefiro que ele tenha educação europeia.” Clóvis Rossi, um dos jornalistas que entrevistou Ronaldo em Sampa lamentou, no dia seguinte, em sua coluna, que um personagem que simboliza tanto o próprio brasileiro – aquele “que não desiste nunca”, segundo o ideologema da vez – tenha desistido de criar os filhos “nestes tristes trópicos”. Que potência emergente é esta, indaga o colunista, onde sequer emergiu um país em que um brasileiro típico deseje criar sua prole? Alguns intelectuais trataram de lembrar que a primeira onda de globalização europeia nada teve de “doce” ou “educada” com os ameríndios, africanos e asiáticos “colonizados” pelo Velho Mundo, palco, aliás, de inúmeras guerras, perseguições étnicas e religiosas, com torturas e fogueiras mil. Contudo, também consignaram que o Estado de Bruzundanga tem uma “tradição de truculência e malandragem” na relação com seus súditos – e, por isso, a declaração de Ronaldo, apesar de razoavelmente ingênua, possui um quê de verdade que incomodou bastante os ufanistas de plantão. Enquanto isso, Silvio Santos continua a faturar com o show da “menina-prodígio” (ou “menina-monstro”, como cunharam os humoristas do CQC) Maisa, acumulando mais e mais valor para a empresa midiática, que sobrevive da exploração do próprio público, cuja subjetividade e imaginário se tornam a cada dia mais vulneráveis às “atrações” da sociedade espetacular. E lá, na doce Europa, a milhares de quilômetros da sua província natal, outra “celebridade” foragida da Justiça – o cirurgião plástico Hosmany Ramos, já condenado por homicídio, roubo de joias e carros, além de tráfico e contrabando – se dá ao luxo de lançar mais um livro, inspirado na Copa de 98 (aquela do apagão do Fenômeno), cujo título é precisamente O Goleador – morte e corrupção no futebol, insinuando que a vitória da França no Mundial foi uma enorme maracutaia para estimular o crescimento da indústria esportiva na terra de Asterix... Vejam, senhores, como as duas pontas do novelo se enlaçam nesta irônica vida tupiniquim, à feição de um romance machadiano: os malandros e os heróis da pátria-mãe, cada qual por seu motivo, refugiam-se no velho continente, em busca de paz e segurança. Do lado de cá, porém, resta uma imensa legião que ainda não desistiu de sua pátria-mãe e segue em combate nos sertões, matas e urbes de Bruzundanga, sonhando em fazer desta terra exuberante um país justo e fraterno. Somos os filhos de Dona Flor, caro Ronaldo, reunindo uma parte noutra parte, uma questão de vida e morte – será arte?

Sergio Schlesinger é consultor da FASE e de Food and Water Watch.

Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Extranjeros: reflexões, crônicas e ficções de um brasileiro em Cuba no “Período Especial”.

modelos empresas que, através dos seus órgãos de representação, nunca manifestaram seu apoio à supressão do latifúndio e à redução da desigualdade; - renunciar a algo que transcenda uma mera moralização de fachada do modelo de produção, de consumo e de mercado dominante, caso adotemos o discurso de que os consumidores devem comprar de empresas “social e ambientalmente sustentáveis”; - renunciar a uma aliança entre nós, do Sul com o Norte, do campo com a cidade, para que continuemos buscando uma mudança de sociedade sem a qual nos resta o cinismo, a caridade ou o pragmatismo; - voltar as costas ao campesinato, aos povos indígenas e às múltiplas identidades dos agroextrativistas. Todos eles continuam dizendo: queremos continuar a viver sendo camponeses, índios, extrativistas, pescadores.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Luís Brasilino • Subeditor: Igor Ojeda • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Mayrá Lima, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte - Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Delci Maria Franzen, Dora Martins, Frederico Santana Rick, José Antônio Moroni, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800


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brasil

CPI da Petrobras, investida privatista Rafael Andrade/Folha Imagem

POLÍTICA Sem provas concretas, oposição quer utilizar comissão para desestabilizar estatal e governo

sa tão importante como a Petrobras para fazer luta eleitoral”, afirma. Se instaurada, a comissão deve tornar-se um empecilho para que a empresa avance na extração de petróleo e na descoberta de novas jazidas, de acordo com o sindicalista. “Eles tentam, com a CPI, paralisar as atividades da empresa, já que ela vai ficar com os olhos voltados para essa questão, prestando contas ao TCU, que estará investigando todas as suas movimentações financeiras. Por ser pública e não ter dono, a empresa já é fiscalizada”, explica Spis.

Pedro Carrano de Curitiba (PR) NO ESPAÇO DE 180 dias, os partidos de oposição ao governo federal, capitaneados por PSDB e DEM, querem investigar operações da maior empresa estatal capitalizada do Brasil. A Comissão Parlamentar de Inquérito da Petrobras foi o principal fato político do final de maio, capaz de movimentar diferentes setores e atores políticos. É a segunda CPI na história da empresa. Entre as razões apresentadas pelos requerentes da comissão está a apuração de denúncias de sonegação fiscal e supostas irregularidades no repasse de royalties a prefeituras. Outro ponto é a modificação na forma que a gigante passou a recolher tributos. Comunicados da Petrobras desmentem a acusação de favorecimento fiscal. O repasse de verbas e patrocínios a entidades civis será investigado, ainda que não esteja previsto como objeto de investigação, no requerimento da CPI, encabeçado pelo senador Álvaro Dias (PSDBPR). Porém, é certo que casos repercutidos pela mídia corporativa e pela oposição já estão sendo investigados, desde antes, pela Polícia Federal e pelo Ministério Público – é o caso das festas em 44 cidades baianas patrocinadas pela Petrobras. Ainda não há elementos comprovados, apenas indicações, dos interesses políticos de cada partido no Congresso. A mídia corporativa tem sugerido o PMDB como o fiel da balança, que estaria interessado em um cargo na empresa: a diretoria de exploração e produção da Petrobras, hoje ocupada por Guilherme Estrella, funcionário de carreira indicado por Lula no início do governo. Hoje, os peemedebistas controlam uma das seis diretorias da estatal, a da Área Internacional. Com a CPI, podem ficar com três direto-

“Desrespeito”

Manifestação diante da sede da Petrobras, no centro do Rio de Janeiro, contra a instauração da CPI e a realização de novos leilões

“O tucanato e o demo investem mais uma vez contra a Petrobras. Não bastaram os oito anos de governo FHC, quando tentaram, em vão, privatizar a empresa”, afirmou Emanuel Cancella, diretor do Sindipetro-RJ rias. De acordo com articulistas, os empecilhos seriam os desentendimentos entre o líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante, e Renan Calheiros, líder do PMDB na mesma casa. O peemedebista votou a favor da CPI. O governo Lula afirmou, no dia 25 de maio, que não aceitaria a moeda de troca. Privatista, eu?

Apesar das entrevistas dos oposicionistas na mídia seguirem no mesmo tom de ataques, houve um recuo do PSDB/DEM, temerosos de que se repita o acontecido no segundo turno das eleições de 2006 e sejam acusados de buscar a privatização da Petrobras. O ato realizado no dia 21 de maio, no Rio de Janeiro, pelos movi-

mentos sociais, sob o nome de “O Petróleo tem que ser nosso”, exerceu pressão neste sentido. “O tucanato e o demo investem mais uma vez contra a Petrobras. Não bastaram os oito anos de governo FHC, quando tentaram, em vão, privatizar a empresa. Agora que a Petrobras descobriu o pré-sal, despontando, talvez, como a mais importante petroleira do mundo, a mesma turma que tentou implodir a Petrobras está convocando uma CPI”, afirmou Emanuel Cancella, diretor do Sindipetro-RJ, à Agência Petroleira. Membros da base governista já disseram publicamente que a intenção do PSDB é privatizar a estatal. Em nota divulgada pelos tuca-

Comissão atende interesses de petrolíferas Desvio de foco emperra debate sobre marco regulatório de Curitiba (PR) A CPI é pautada no momento em que a Petrobras busca recursos no exterior para investir na exploração da camada pré-sal. Ao mesmo tempo, a comissão interministerial do governo está na iminência de apresentar a proposta de um novo marco regulatório para o setor, o que envolve a proposta de uma nova estatal. Tal possibilidade não está dentro da perspectiva dos tucanos, uma vez que interessa às transnacionais, reunidas no Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), a manutenção do atual marco regulatório e os contratos de concessão para as companhias. Tampouco está dentro do debate dos movimentos sociais. Isto porque, desde a primeira plenária da campanha “O Petróleo tem que ser nosso”, foi reiterada a centralidade da Petrobras 100% estatal na exploração dos recursos descobertos pela própria empresa. A proposta do governo pode apontar para um modelo de contrato de partilha de pro-

dução, a exemplo da Noruega, modelo no qual o Estado se apropria de toda a produção, partilhada com a empresa em uma divisão equitativa. Nesse caso, a Petrobras seria parceira em alguns investimentos. Chegou a ser cogitado que a estatal fosse parceira preferencial e alguns contratos não passassem por licitação – uma hipótese mais difícil. A capitalização da empresa para a exploração da camada pré-sal também parece descartada. De acordo com o professor da USP Ildo Sauer, a camada pré-sal estendida de Santa Catarina até o Espírito Santo não está mensurada por completo. Não se sabe se estamos falando de um único e gigantesco poço ou então de vários poços fragmentados – o que altera a dinâmica de exploração e pode aumentar o livre acesso de uma transnacional a aumentar sua riqueza, já que não há a certeza sobre a extensão dos poços. Por essa razão, uma das bandeiras da campanha “O petróleo tem que ser nosso” é a pesquisa realizada pela Petro-

bras antes de qualquer operação na camada contratada pelo governo. Novo marco

Para Antonio Carlos Spis, da executiva nacional da CUT, o debate premente passa pela superação da Lei do Petróleo de 1997, que quebrou o monopólio estatal sobre o óleo e autorizou os leilões. “Não tem que discutir nova empresa enquanto não altera o marco regulatório, que é um crime de lesa-pátria. O governo demorou muito para começar a discutir isso, deveria ter mudado o marco já em 2003, quando assumiu”, defende. O sindicalista diz que não descarta a possibilidade de a CPI estar sendo criada mediante a pressão de transnacionais petrolíferas, que prezam pela manutenção da legislação atual. “As descobertas do pré-sal assanharam as multinacionais que têm bilhões de dólares para aplicar em políticos. Há muitos políticos comprados. Para evitar isso, o governo deveria ter se antecipado e mudado a lei há tempos”, explica. (PC)

nos, o deputado federal José Anibal (PSDB-SP) disse que “quem privatiza é o petismo”, referindo-se a um suposto loteamento de cargos na empresa. A oposição, neste momento, tenta obter ao menos a presidência da CPI, posto para o qual apresentou o nome do senador Antônio Carlos Magalhães Júnior (DEMBA). Na verdade, vão enfrentar correlação desfavorável: conseguirão no máximo qua-

tro das onze vagas disponíveis da CPI. Olho em 2010

Para o petroleiro Antonio Carlos Spis, da executiva nacional da CUT, o pano de fundo dessa ação da oposição é a eleição de 2010. “A direita não conseguiu o impeachment do Lula em 2005, perdeu em 2006 e agora segue essa estratégia para desgastar o governo com vistas em 2010. É um absurdo usar uma empre-

Diante da iminente instalação da CPI, a Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet) afirmou, em comunicado, que “uma empresa, de investimentos bilionários para a nação, considerada pela Reputation Institute (RI) a quarta mais prestigiosa do mundo, não pode ser tratada com desrespeito, como vem sendo feito nos últimos meses, culminando na criação da chamada CPI da Petrobras. Foi também considerada pelo Goldman Sachs entre as 10 empresas mais viáveis do planeta”. A Petrobras, nos dois primeiros meses deste ano, teria investido três vezes mais que o volume do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) durante janeiro a maio. Ela alcançou R$ 8,1 bilhões, ao passo que o PAC levantou R$ 2,9 bilhões, o que dá uma dimensão da empresa e dos interesses que suscita entre as elites brasileiras e mundiais.

Defesa da empresa é consenso entre organizações Movimentos realizaram ato unitário contra as investidas da direita de Curitiba (PR) O movimento social organizou-se, já sob a insígnia da campanha “O Petróleo tem que ser nosso”, no dia 21 de maio, em um ato unitário que levou cinco mil pessoas às ruas do Rio de Janeiro (RJ). Estavam presentes os vários campos da esquerda que integram a campanha, como MST, CUT, FUP, PCB, UNE, entre outros. Também compareceram partidos como PT e PCdoB. À oposição coube indignação contra o ato. “Nem começaram as investigações

e já fazem movimentos políticos. Nós não vamos embalar nisso. A atitude do bloco da minoria será de investigar sem politizar”, comentou o líder do DEM, José Agripino Maia (RN). A CPI suscitou o debate sobre a atual gestão da empresa e a gestão anterior, com diferentes interpretações no campo progressista. Vozes favoráveis à atual gestão defendem que foi durante o governo Lula que a Petrobras tornou o Brasil autossuficiente em petróleo e descobriu as novas reservas. Críticos comentam que o marco regulatório, a gestão da empresa com capital aberto, os acidentes e a precarização do trabalho permanecem na gestão Lula. “A batalha dos representantes das multinacionais passa pela desestabilização da Petrobras, como fizeram entre 1995 e 2002, para

posterior entrega das áreas do pré-sal para as multinacionais, como a Shell, a Esso, a Devon. Mas o movimento sindical, junto com os demais setores organizados da sociedade civil, vão resistir a mais essa tentativa de entrega”, promete João Antônio de Moraes, da Federação Única dos Petroleiros (FUP). “A oposição de esquerda ao governo não pode se iludir com essa CPI da direita, muito menos se aproveitar dela, por oportunismo político. Seus objetivos, para além do aspecto eleitoral, são claros. Trata-se de fragilizar a Petrobras para tentar barrar a luta pela reestatização do petróleo, abrindo espaço para mais privatização e internacionalização do setor”, descreveu documento do Partido Comunista Brasileiro (PCB) sobre o caso. (PC)

Raio-X da Petrobras 62%: cota de ações preferenciais negociadas na Bolsa de Nova York (Nyse); antes era empresa mista, com apenas 20%; 200 mil: número de acionistas privados da empresa; Responsável por 15% do PIB brasileiro; 21: número de subsidiárias da empresa em atividade no Brasil. Sobre as reservas da camada pré-sal

112 mil quilômetros quadrados: extensão da camada pré-sal, dos quais 41 mil quilômetros foram leiloados (38%). Custos de produção / Brasil Atual: 15 dólares o barril; Da camada do pré sal: 35 dólares o barril. Estimativas de barris do pré-sal Otimista: 300 bilhões; Mais consenso: 60 bilhões de barris. Marco regulatório da exploração – uma cronologia 1953 – Lei nº 2.004/53 – Monopólio da União e criação da Petrobras; 1995 – Emenda à Constituição nº 09 – Retira da Petrobras o direito de exercer o monopólio; 1997 – Lei do Petróleo (9.478/97) – Cria o CNPE e a ANP. Entrada de empresas privadas nacionais e internacionais.


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brasil Daniel Ramalho/Folha Imagem

Por mar, por terra ou por trilhos, o caos RIO DE JANEIRO Privatizado há 11 anos, transporte público carioca ainda suga dinheiro público e segue sucateado, ineficiente e elitista Leandro Uchoas do Rio de Janeiro (RJ) EM 1998, ÚLTIMO ano da administração Marcello Alencar (PSDB) no governo carioca e do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o país estava imerso em grave crise econômica. Ainda assim, o pensamento neoliberal, causador das turbulências, conservava seu vigor. Para o setor de transportes do Rio de Janeiro, em situação muito problemática, o diagnóstico dado pelo Estado foi o mesmo de todo esse período: a privatização. Os chamados três modais – aquaviário, ferroviário e metroviário – foram vendidos à iniciativa privada. Saindo do controle público, dizia-se, a gestão fatalmente melhoraria. Onze anos depois, o que era problemático tornou-se caótico. A quantidade de passageiros mais que dobrou – de 500 mil passou a 1,1 milhão por dia. Os compromissos assu-

O jornal O Globo publicou extensas reportagens denunciando os prejuízos da privatização que há 11 anos ele defendia midos pelas empresas que administram os modais são desrespeitados em uma infinidade de aspectos. A Supervia, que administra os 225 quilômetros de ferrovias, não ganhou sequer um novo trem. O metrô também opera com os mesmos 33 carros. Regiões como as avenidas Brasil e Presidente Vargas têm congestionamento crescente. O quadro de funcionários foi extremamente reduzido nos primeiros anos da privatização, e a incidência de acidentes cresceu. “Não há qualquer projeto para o sistema de transportes do Rio”, denuncia Valmir Lemos, o Índio, presidente do Sindicato dos Ferroviários. Os gastos do Estado permanecem. Se antes da privatização eram de R$ 400 mi-

lhões, hoje são de R$ 126 milhões. O valor seria suficiente para construir uma nova estação de metrô a cada dois anos ou comprar 60 veículos novos para a Supervia, que opera os trens. Evidentemente, o governo não conta mais com o lucro das bilheterias para arcar com essas despesas. Esse dinheiro agora cabe às concessionárias, além de novas fontes de receita – a publicidade ostensiva nos sucateados veículos e o arrendamento dos pontos de embarque para lojas. “A Central do Brasil [de onde partem os trens] virou um shopping. A nossa impressão é que eles nem querem que os passageiros embarquem”, diz Índio. As empresas concessionárias ambicionavam, no início do processo, controlar todos os três modais. Apenas um grupo participou da licitação de 1998, pagando o preço mínimo. Entre outras empresas, o grupo era composto pela companhia 1001, do setor rodoviário, e pela construtora Andrade Gutierrez. A 1001 é, hoje, a maior acionista das Barcas S/A. O metrô é controlado por fundos de pensão e pela OAS – construtora que forneceu dinheiro para campanha de todos os candidatos à prefeitura em 2008, exceto os contrários ao financiamento privado. De acordo com Índio, não se sabe hoje que empresas controlam a Supervia. Segundo estudo do movimento social Direito pra Quem (DPQ), o aumento do preço das passagens cresce, a cada ano, acima da inflação. No transporte ferroviário, o mais popular (os passageiros ganham entre 1,5 e 2 salários mínimos), as tarifas aumentaram acima da média nos três modais. “A política de transportes na cidade deixa bem claro quem são os desejáveis e quem são os indesejáveis. Para o carioca, os que são de uma classe social inferior só servem para trabalhar”, resume Guilherme Pimenttel, do DPQ. Os dados também revelaram que o metrô do Rio é o mais caro do país. Guilherme e Índio denunciam que trabalhadores estão frequentemente dormindo nas ruas e nas praças, durante os dias úteis, e voltando para suas casas apenas nos finais de semana, para diminuir os custos. “E ainda são reprimidos pelo choque de ordem”,

Supervia: trens lotados e sucateados, além de altas tarifas

ironiza Índio. O sindicalista denuncia que a sociabilidade dos trabalhadores termina completamente alterada, com perda de referências familiares e religiosas. Transporte terrestre Cada vez mais sucateados, os ônibus passaram a contar já há alguns anos com uma novidade. Algumas empresas abdicaram de trocador em seus veículos. Os motoristas cobram a passagem com o ônibus em movimento e as tarifas se manêm. Parar fora do ponto, e andar a toda velocidade, são características dos ônibus que já fazem parte do cotidiano carioca há mais tempo. Os problemas seguem. Há um mês, o Sindicato das Empresas de Ônibus do Rio (Rio Ônibus) chegou a enviar uma correspondência aos idosos da cidade afirmando que existia uso abusivo do RioCard, cartão que possibilita a gratuidade no transporte a maiores de 65 anos. Após denúncias na mídia, terminaram intimados pelo Ministério Público a enviar nova carta, desconsiderando a anterior. Quanto aos táxis, existem cerca de 30 mil, submetidos ao controle das cooperativas e das máfias da Polícia – em alguns trechos, paga-se R$ 15 diários aos policiais. Um comentário frequente entre os taxistas é o de que os dois últimos prefeitos da cidade, César Maia (DEM) e Eduardo Paes (PMDB), teriam parentes ou sócios no controle de táxis em determinadas regiões. O transporte de vans, legais ou não, surgiu para desafogar parcialmente o trânsito carioca, o segundo mais congestionado do país. Entretanto, muitos veículos estão subordinados a máfias ligadas a estruturas da política institucional e outros são controlados Leandro Uchoas

O segundo trânsito mais congestionado do país: máfia e sucateamento

por milícias. Segundo o relatório da CPI das Milícias, de dezembro de 2008, as organizações paramilitares já controlavam 250 rotas de vans na cidade. As taxas, por motorista, seriam de cerca de R$ 45 diários. O sistema gera um lucro estimado em R$ 60 milhões por ano. Metrô e Supervia No metrô, previa-se no contrato de privatização que os passageiros teriam, na linha 1, um trem a cada três minutos, índice muito distante da realidade neste ano. Mesmo assim, a concessão renovada, em 2008, por mais 20 anos. As concessionárias inventam regras curiosas para alavancar seus lucros. Os cartões-bilhete passaram a ter prazo de validade. Após dois dias, deixam de valer. As bilheterias podem recomprá-los por um preço menor – de R$ 2,80 por R$ 1,50. Um projeto do deputado estadual Alessando Molon (PT) tenta derrubar essa incrível regra. “A lógica do metrô parece feita para obrigar o passageiro a comprar o cartão que dá direito a várias viagens. Diminui o número de vezes que se compra, diminuindo naturalmente o número de bilheteiros”, conclui o passageiro Anderson Salles Júnior. O fato mais comentado na mídia, entretanto, ocorreu em abril. Um dia após o Jornal do Brasil denunciar que os trens estavam andando de portas abertas, a TV Globo filmou um flagrante. Funcionários da Supervia obrigavam os passageiros a entrar nos veículos utilizando chicotes. As chicotadas chocaram a cidade. O jornal O Globo publicou extensas reportagens denunciando os prejuízos da privatização que há onze anos ele defendia. Índio denuncia que, após a privatização, passaram a haver acidentes na Supervia dos quais ninguém fica sabendo. O Sindicato dos Ferroviários fez uma greve no período, cuja reivindicação eram as melhorias das relações de trabalho. “Teve uma funcionária demitida, por exemplo, porque deixou muita gente passar com gratuidade. No dia do ocorrido, tinha havido no Centro uma manifestação de aposentados. A culpa foi dela?”, questiona. O sindicalista comenta que a lógica que rege os transportes do Rio é a da criminalização da pobreza. O transporte mais sucateado é sempre o destinado às populações mais pobres, mas as tarifas não são menores. “A única linha que tem um trem diferente, melhor e com ar-condicionado, é a que vai para Deodoro. Não por acaso é a única região rica”, comenta Índio.

Revolta das Barcas completa meio século sem mudanças significativas Protesto de passageiros realizado em 1959 resultou na estatização do transporte do Rio de Janeiro (RJ) Em maio de 1959, a moeda nacional era o Cruzeiro e o presidente da República, Juscelino Kubitschek. A Bossa Nova e o Cinema Novo começavam a encantar a elite brasileira. O craque da seleção campeã mundial era Didi, mas já despontava no time o garoto de nome Edson. No dia 22, em Niterói, capital do Estado do Rio de Janeiro, oito mil pessoas tentavam embarcar para a cidade do Rio de Janeiro, capital do país. Um militar tentou conter o agito desferindo alguns golpes e a população se enfureceu. O saldo foi de seis mortos, 118 feridos e muito vandalismo. A Revolta das Barcas completou 50 anos no dia 22 e os problemas hoje relatados – e cuidadosamente investigados por uma CPI na Assembleia Legislativa (Alerj) – são exatamente os mesmos daquela época. Nos dois atos organizados para lembrar a data, uma iniciativa se repetiu. Manifestantes compararam notícias dos jornais da época com as dos periódicos contemporâneos. As semelhanças impressionam. O deputado estadual Gilberto Palmares (PT) decidiu abrir a CPI quando, em audiência pública da agência reguladora, deparou-se com demandas estranhas da empresa Barcas S/A, administradora do transporte aquaviário. Queriam extinguir o funcionamento em alguns horários, aumentar as tarifas em certos trechos, pedir isenção de ICMS e mexer no roteiro das embarcações. A iniciativa era justificada por estudos da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a partir de dados fornecidos pela própria empresa. Outro estudo, da Coppe/UFRJ, resultou em propostas semelhantes, mas com o indicativo de que os dados não eram confiáveis.

Com as investigações, provou-se que inúmeros itens do contrato de concessão não são respeitados. A empresa alega que teve prejuízo, pois não atingiu o volume de passageiros previsto no texto (argumento usado também pelas outras concessionárias dos três modais). Palmares desconfia que o número de passageiros já teria sido superestimado, no início, por malandragem. A empresa 1001, que no setor de transportes rodoviários concorre com as Barcas S/A em alguns trechos, hoje controla 53% das ações. Seu presidente, Amauri de Barros, possui outros 7% como pessoa física. “Eles alegam que acumularam prejuízo ao longo dos anos. Como um grande grupo empresarial como a 1001 acumula prejuízos e compra ações de outros para se tornar acionista majoritário?”, questiona Palmares. A Capitania dos Portos já multou a empresa por superlotação, por tripulação inferior ao mínimo estabelecido e por documentação de embarcação vencida. Existe atualmente um deficit de 10 mil lugares na hora do rush. Nos 11 anos que sucederam a privatização, o aumento de tarifas, de 324%, é maior que o dobro da inflação no período. A viagem é feita em tempo maior do que o estabelecido – em três trechos onde se previa uma hora e dez minutos, viaja-se pelo menos duas horas. Houve também precarização do trabalho. A empresa está contratando marinheiros auxiliares para substituir funcionários mais experientes. Tem usado muito trabalhador cooperativado, trabalhando em jornadas escorchantes. Há indícios claros de má gestão na manutenção e na construção da grade de horários. “Estamos pedindo para ser feita uma auditoria nos 11 anos de concessão”, diz Palmares sobre o relatório da CPI, que termina em junho. Após a Revolta das Barcas de 1959, o poder público assumiu as operações do transporte de passageiros, só o abandonando no processo de privatização de 1998. Repetir a solução neste ano talvez não seja má ideia. (LU)


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“As contradições do capitalismo nunca estiveram tão evidentes” Marcos Michelin/Folha Imagem

CRISE Para o economista João Antônio de Paula, sistema vai mostrar a que veio: “barbárie em todos os sentidos” Vivian Neves Fernandes e Marco Túlio Vieira de Belo Horizonte (MG) ENQUANTO A CRISE mundial continua a aparecer com distintos graus de força nas distintas regiões do mundo, análises e especulações vão sendo formuladas por intelectuais e dirigentes políticos de diversos países. Segundo o professor de economia da Universidade Federal de Minas Gerais, João Antônio de Paula, o cenário da crise não está dado, “ninguém sabe o tamanho do estrago que ela vai fazer em termos de salário, de emprego, renda”. No Brasil, a previsão é que esse impacto se acentue em um período próximo, quando os contratos de exportação começarem a vencer e diminuir. O momento é de apostas, e o professor aponta uma trajetória de maior intervenção do Estado na economia e de um mundo multipolar como perspectivas futuras. Às forças de esquerda cabe a construção de uma unidade em torno de um projeto comum, “sem pretensões de hegemonismos”, com “quem de fato está comprometido com a revolução social”, a fim de criar uma força “capaz de oferecer uma alternativa consistente ao capitalismo”. Brasil de Fato – Quais são os principais impactos da crise mundial no Brasil? João Antônio de Paula – A primeira coisa a dizer é que essa é uma crise geral, profunda, sistêmica do capitalismo. Na crise uma coisa é certa, todo mundo pode imaginar quando ela começou, acho que foi em 2006; mas ninguém sabe onde ela vai dar. A crise de 29, por exemplo, iniciou-se em 1929 e o auge só foi em 1933; teve uma pequena elevação, mas em 1937 voltou a cair. Então, ninguém sabe quanto tempo dura, o tamanho do estrago que ela vai fazer em termos de salário, emprego, renda. Não temos como dimensionar isso porque o buraco está aparecendo ainda, não es-

O que vai se ter daqui por diante é um sistema mais multipolar, em vez de unipolar. Isso em termos econômicos e políticos; militares, acho que não tá claro. Sabemos que os países vivem a crise de forma diferenciada. O Brasil está sofrendo menos impacto, ainda. [Mas] Ao contrário do que o governo falou – “o Brasil entrou depois na crise e vai sair antes” –, acho que o país ainda não viveu mesmo a crise, ela não se manifestou inteiramente. Por uma razão, se você fala de exportações, ocorre assim: se faz um contrato para cinco, dez anos; então, durante um

certo tempo, está exportando, continua vendendo, faturando, mas aquilo que foi contratado lá atrás. Em 2008, alguém contratou alguma coisa? Não. Este ano, alguém vai contratar? Não. Então, o impacto disso é defasado. Ele vai chegar aqui, por exemplo, no final deste ano, em 2010. É só daqui a um tempo, não sei quanto, que as empresas brasileiras que exportam vão receber de fato o impacto maior da crise, quando elas não tiverem mais encomendas, parar a compra. Quem falar que já chegou, que a crise já está passando no Brasil, isso é palpite, talvez um desejo, não corresponde à realidade. Porque não é sincronizado, depende de uma série de circunstâncias. Como o governo brasileiro vem se posicionando? A primeira reação do governo foi muito negativa, aquela história de dizer que a crise não chegaria ao Brasil, a história da “marolinha” etc. Ao dizer isso, não foi feito nada para evitar que o impacto da crise fosse tão negativo, porque, mesmo não nascendo aqui, ela chegaria de qualquer modo. Poderia, por exemplo, ter começado a reduzir mais rapidamente a taxa de juros. Quando todo o mundo estava reduzindo os juros, o Brasil os manteve, e nesse sentido, quando a inflação está caindo e se está aumentando os juros, está aumentando a defasagem, atraindo de certa maneira mais capital especulativo para o país. Quando o governo percebeu que não era uma “marolinha” e começou a reagir, era tarde. Este ano, se o crescimento do Brasil ocorrer, vai ser mínimo, provavelmente zero ou próximo disso. Como o país está crescendo, continua crescendo sua população, então na verdade o país está empobrecendo relativamente. Isso poderia ter sido evitado? Inteiramente não, mas poderia ter sido minimizado se o governo tivesse feito alguma coisa. Seria importante um corte na taxa de juros e junto com isso o controle de capitais. Porque, se você baixa muito rapidamente a taxa de juros, a tendência é que os capitais comecem a sair do país; e é preciso impedir a saída deles colocando barreiras à entrada e saída, senão o país fica muito vulnerável. Qualquer oscilação internacional desarranja a taxa de câmbio, o balanço de pagamentos. Outra coisa importante é fortalecer o mercado interno. Como vai ter problemas sérios de exportação, o fortalecimento do mercado interno é decisivo. A economia brasileira é muito dependente do saldo das exportações, e quando há uma crise, esse saldo diminui ou deixa de existir. Como que se pode ampliar uma base efetiva de mercado interno? Fazendo uma reforma agrária, por exemplo. O Celso Furtado usava uma expressão para isso, que era “distribuição primária de renda”, que passa pela reforma agrária, sistema de ensino, saúde, reforma urbana; fortalecendo a economia que está voltada para o bem-estar dessa massa de pessoas que está vivendo precariamente. Quais são os caminhos que a crise aponta? Acho que o que vai acontecer na prática é uma regulação maior. Aquela coisa exaltada, liberal, vai ruir e vai se cobrar mais a intervenção do Estado em alguns setores, até estatização. Até o sistema bancário norte-americano está sendo estatizado. Mas depois volta, é o capitalismo. Ele vai fazendo o que for preciso para se manter no poder. Se ele sai mais forte ou menos forte da crise? Eu acho

quem de fato está comprometido com a revolução social, e como esses partidos, grupos, movimentos, centrais sindicais, enfim, tudo o que existe hoje de organizado e de politicamente atuante, em torno desse programa. A crise aprofunda a necessidade de se caminhar nessa direção. Se não fizermos nada, vamos viver essa crise como vivemos as passadas, sobretudo com os trabalhadores pagando os ônus dela. Ela vai passar, em algum momento ela passa, isso é uma coisa que precisa ser dita: não existe a crise final, ela só pode ser a final se você aproveitar aquele momento para mudar o mundo. Se o capitalismo continuar existindo, vão existir outras crises, daqui a pouco virá outra com uma intensidade diferente. De todo modo, a questão que está colocada para nós é que, olhando para frente, como nos preparamos, nos reorganizamos em torno de um programa e de uma força capaz de oferecer uma alternativa consistente ao capitalismo, qual é a nossa visão de mundo, a nossa proposta.

Manifestação pelo Dia do Trabalhador em Mariana (MG), uma das cidades mais afetadas pela crise

que o sistema vai sair mais equilibrado, porque o peso dos Estados Unidos vai diminuir e isso abre caminho para outras forças. O que vai se ter daqui por diante é um sistema mais multipolar, em vez de unipolar. Isso em termos econômicos e políticos; militares, acho que não. A Europa, que também está sofrendo com a crise, se fortalece com isso; os países asiáticos também. O que é positivo, um momento importante. O caminho para o Brasil é primeiro fazer uma aliança interna com a América do Sul e depois com a África do Sul, Índia, China e Rússia. São países que não têm muita semelhança, mas complementaridade, têm o que ganhar se estiverem articulados. Mas como é que se faz isso de fato? A partir de uma política diferente da que vem sendo traçada, ou seja, uma política autônoma, que respeite as regras da reciprocidade, da solidariedade. Outro tipo de relação que não a de comércio pura e simplesmente. Acho que nenhum país do mundo hoje tem futuro nesse contexto se não buscar alianças estratégicas sólidas. Não pode ser uma aliança onde entra para ganhar, mas uma aliança que efetivamente seja para troca, trocar experiência, compartilhar certos valores, que é definida do ponto de vista político, em uma relação mais profunda. Como você vê as propostas da esquerda neste período? Um programa que dê conta de todos os novos desafios que o Brasil e que o mundo vivem hoje nós não temos ainda. A esquerda brasileira está à procura de um programa que possa unificar. Nós já tivemos um programa, nos anos de 1960 ou 1970. O que aconteceu de lá para cá que obriga a gente a repensar isso é a enorme urbanização. Esse programa que a esquerda brasileira tinha é um programa com uma visão de um Brasil muito rural. O país tem hoje 85% da população morando em cidades. O que fazer com

essas cidades? Com o problema de transporte urbano, saneamento, educação, construção de moradia, lazer? Como construir um programa que dê conta dos problemas da reforma agrária brasileira? Como é que o Brasil se insere hoje nessa ordem internacional?

Como é que o Brasil e a América do Sul podem se articular em torno de uma proposta internacional, democrática e transformadora, que aponte em uma direção mais popular? Tentando construir uma alternativa aos grandes blocos da Europa e dos Estados Unidos? Como é que o Brasil e a América do Sul podem se articular em torno de uma proposta internacional, democrática e transformadora, que aponte em uma direção mais popular? Como é que se constrói na América do Sul alianças mais sólidas do que as comerciais? Quer dizer, alianças no campo cultural, político, simbólico. São temas que temos que aprofundar mais para construir esse programa, que existe embrionariamente. E a superação do capitalismo? Acho que estamos em um paradoxo. O capitalismo nunca na sua história esteve com suas contradições tão a nu. Como exemplo a questão do emprego. Eu me lembro que, há mais de dez anos, li uma entrevista do secretário do trabalho dos Estados Unidos. Perguntaram para ele qual era o futuro do mun-

do do trabalho no século 21. Ele respondeu: 50% dos trabalhadores serão desnecessários, irão perder os seus empregos; 20% terão boas condições de trabalho, um bom salário; 30% vão ter sua condição de trabalho precarizada (trabalho em tempo parcial, salários menores, falta de proteção previdenciária). Então, esse é o futuro de acordo com a perspectiva que eles, no capitalismo central, têm do trabalho no mundo. Isso é um genocídio, é dizer assim: 50% da população do mundo pode morrer que não vamos sentir falta, porque com os que sobrarem vamos aumentar a produtividade, usar computadores e continuar tocando a vida do capital. Aumenta a exploração dos que continuarem trabalhando. Isso é o que o capitalismo oferece. O capitalismo nunca foi tão exuberante em mostrar a que veio: um sistema desumano, de barbárie em todos os sentidos. E, ao mesmo tempo, nós, a esquerda, nunca estivemos tão perplexos diante disso, em dois sentidos: no de construir um programa capaz de unificar todas as lutas em torno de um eixo programático coerente e consistente, do ponto de vista do socialismo; e nunca foi tão difícil mobilizar, organizar os trabalhadores, as centrais sindicais, em torno de lutas que se contraponham ao sistema capitalista. E o que cabe ao campo da esquerda diante desse quadro? Buscar a unidade em torno de um projeto. O que compete à esquerda fazer – e não estou falando de um partido, estou falando de todos os partidos que se reclamam de esquerda, que têm uma perspectiva de mudança – é, primeiro, construir um programa que seja radicalmente, rigorosamente coerente com a ideia de superação do capitalismo hoje e saber como confrontá-lo. E o segundo ponto é como que a gente unifica, sem pretensões de hegemonismo,

O capitalismo nunca foi tão exuberante em mostrar a que veio: um sistema desumano, de barbárie em todos os sentidos Acho que não estamos no zero, nós avançamos muito, há um acúmulo, uma experiência de luta que é importante. Mas ainda temos muitos desafios, muitos problemas do ponto de vista de um projeto de desenvolvimento para o país, que seja desenvolvimento mesmo. Celso Furtado falava isso: crescimento pode ser de qualquer jeito, qualquer coisinha é crescimento; agora desenvolvimento só se faz mudando estruturas, fazendo reformas estruturais, mudando a estrutura de renda, de poder e de informação no país. Como é que faz isso? Através de mobilização social, transformação das relações de poder, das relações econômicas. E nós temos compromisso com isso, a esquerda tem esse compromisso. Cedecom UFMG

Quem é João Antônio de Paula graduou-se em Ciências Econômicas, em 1973, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em 1977, concluiu o mestrado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e, 11 anos depois, o doutorado na Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, ele é professor titular da UFMG e membro do diretório estadual do Psol mineiro. Dentre outros livros, Paula é o autor de Raízes da modernidade em Minas Gerais (Belo Horizonte, Editora Autêntica, 2000) e organizador de Adeus ao desenvolvimento: A opção do governo Lula (Belo Horizonte, Autêntica, 2005).


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Omissão do Estado agrava violência nos presídios do ES JUSTIÇA Para coordenador da Pastoral Carcerária, inspeções evidenciam o descaso das autoridades Wilson Dias/Abr

Patrícia Benvenuti de São Paulo (SP) A JUSTIÇA DO Espírito Santo determinou, no dia 25 de maio, a interdição da Casa de Custódia de Viana (Cascuvi), localizada na região metropolitana de Vitória (ES). Com a decisão, nenhum detento poderá mais ser aceito no presídio, e os cerca de 1,2 mil presos atuais terão de ser transferidos para outras unidades. A interdição do local, que tem capacidade para 390 pessoas, foi resultado das inspeções realizadas nas últimas semanas por integrantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no sistema carcerário capixaba. Na visita à Cascuvi, os juízes constataram que as instalações estão depredadas e sem condições de segurança, além de outras violações aos direitos humanos. De acordo com denúncias recebidas pelo Conselho Nacional de Política Criminal de Penitenciária (CNPCP), os detentos do presídio são constantemente submetidos a torturas e também ocorrem esquartejamentos de presos. As inspeções do CNJ mostraram que a situação caótica de Cascuvi não é exclusiva da unidade. No Departamento de Polícia Judiciária (DPJ) de Vila Velha, por exemplo, 281 pessoas dividiam uma cela com capacidade para 36 detentos, enquanto que no Presídio de Novo Horizonte, no município de Serra, também na Grande Vitória, presos provisórios são mantidos em contêineres adaptados como celas. Em função da situação dos presídios, o CNPCP solicitou intervenção federal ao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, que ainda analisa o pedido. As denúncias, no entanto, não surpreenderam o coordenador nacional da Pastoral Carcerária, padre Gunther Alois Zgubic. Para ele, a violência imposta aos detentos é agravada pela conivência das autoridades que, ao tomarem conhecimento das agressões, não adotam nenhum tipo de providência. “É o maior absurdo, é um campo de concentração. Você vê fotos com corpos em situação pior do que em um açougue, coisas terríveis, e o governo olha, as instituições do Estado olham e fazem simplesmente nada”, denuncia. Na entrevista a seguir, Gunther fala sobre o desrespeito aos presos no Espírito Santo, o descaso do Estado em relação à violência e as dificuldades para denunciar as más condições das unidades carcerárias. Brasil de Fato – Qual é a situação do sistema penitenciário do Espírito Santo?

Padre Gunther Alois Zgubic – A situação carcerária no Espírito Santo já era denunciada por organizações de direitos humanos, mas só agora o caso veio a público. O que realmente acontece no Estado? O Espírito Santo é o Estado tradicionalmente mais violento e corrupto do país, onde as instituições públicas, na segurança públi-

fatos em foco

Hamilton Octavio de Souza

Racha partidário Salvo raras exceções éticas, o PMDB está dividido em dois grandes grupos: o das oligarquias regionais que se sustentam nas tetas do Estado e o dos esquemas fisiológicos do empresariado com o Estado brasileiro. O primeiro grupo tende a fechar com o governo Lula e com a candidatura petista em 2010; o segundo tende a caminhar para apoiar a candidatura tucana. Depende apenas do toma-lá-dá-cá. Cenário recessivo Estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) revela que o investimento industrial caiu bastante no primeiro trimestre deste ano. Até setembro de 2008 representou 20,4% do PIB nacional; a expectativa para 2009 é ficar em 17,5% do PIB. As exportações devem cair 35% em relação ao ano passado. Ou os dados mostram a gravidade da crise ou os dirigentes empresariais estão blefando.

Vista do Complexo Penitenciário de Viana, onde está a Casa de Custódia interditada

ca, inclusive por pressão da sociedade e talvez por intervenção federal, só agora estão no início de um avanço no sentido de um Estado democrático e de respeito aos direitos básicos do cidadão. Quais as condições das unidades carcerárias e dos presos?

Na unidade de Cascuvi, que é a Casa de Custódia de Viana, com mais de mil presos, com total superlotação, o governo se negou a reformar a penitenciária após uma rebelião que destruiu muito e até arrancou as portas. O governo disse: “já que vocês destroem um presídio, nós não vamos mais investir em vocês”, com a consequência de que o governo nem sabe quantos presos vivem lá dentro e quantos já foram mortos. Pela lei, deve ter uma contagem diariamente, principalmente para pessoas que vêm de ambientes violentos, para eles [presos] não se matarem. Nesse último ano, por exemplo, a cada dois meses, na média, encontrou-se partes de corpos. Há poucos dias ocorreu isso, já é a décima primeira pessoa comprovadamente morta. Mas ninguém realmente sabe quantas outras pessoas foram mortas lá dentro entre os próprios presos porque o Estado se nega a entrar nesses pavilhões. Os presos estão sozinhos, o governo entrega comida no portão, ninguém entra. Quem rege lá dentro, na verdade, nem são os agentes de segurança penitenciários, mas a Polícia Militar. Aí quando os presos são chamados para o Foro, são acorrentados, devem ir quase ajoelhados, e os policiais, com fuzis, apontam contra eles. É o maior absurdo, é um campo de concentração. Você vê fotos com corpos em situação pior do que em um açougue, coisas terríveis, e o governo olha, as instituições do Estado olham e não fazem simples-

COOPERATIVA CENTRAL DE REFORMA AGRÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO – CCA/SP Alameda Olga, 399 – Barra Funda – São Paulo – 01155-040 Fone/fax: (11) 3663-5287 Inscrição Estadual: 149.438.279.118 CNPJ: 00.163.867/0001-68 NIRE - 35400024925

Edital de Convocação A Cooperativa Central de Reforma Agrária do Estado de São Paulo CCA/ SP, CNPJ 00.163.867/0001-68, I.E: 149.438.279.118, sito na Alameda Olga, 399 – Barra Funda – São Paulo, convoca seus cooperados e associados para participar da Assembleia Geral Extraordinária que se realizará em sua sede no dia 07/06/2009, em primeira convocação às 19h, e em segunda às 19h 30min, para deliberar sobre a seguinte pauta: 1 – Aprovação das contas e relatórios de atividades referentes ao exercicio de 2008; 2 – Parecer do Conselho Fiscal; 3 – Eleição e posse da nova diretoria - triênio 2009-2012; 4 –Alienação de bens móveis e imóveis;

mente nada. O que eles fazem é dizer “nós estamos construindo novos presídios”, mas com uma lentidão enorme, e falam ainda que o governador não diminuiu a verba, ao contrário de outras políticas. É caso de calamidade, temos uma dívida social de décadas. Então o governo deve investir, tirar as pessoas e colocar guardas lá dentro para que os poucos que estão no crime organizado, aterrorizando os mais de mil presos lá dentro, não tenham mais poder. Na avaliação da Pastoral, é um caso de omissão do Estado?

É uma omissão total não somente nesse presídio. Temos os famosos presídios de contêineres, em dois andares, o térreo e o primeiro andar, onde há espancamento, não tem água, imposições terríveis. E o Estado mostra somente que está construindo, mas há anos não resolve os problemas. E temos outros casos. Até poucos meses atrás, porque nós denunciamos isso no ano anterior, tinha um policial militar que era torturador, bêbado, dependente de drogas, que organizava o narcotráfico e tinha ilegalmente adolescentes dentro da penitenciária velha de Colatina, espancando as crianças. E ninguém fazia nada. Os próprios funcionários da Secretaria da Justiça me falam: “padre, nós não temos possibilidade de trabalhar porque a Polícia Militar se impõe aqui ilegalmente”. Um Estado que não é capaz de arrumar minimamente todo um sistema, no caso o sistema penitenciário, precisa de uma intervenção e de um monitoramento nacional, federal ou até internacional. Por isso estamos felizes que o CNPCP tenha acatado as denúncias e a documentação, que inclui também as fotos, e esteja se debruçando sobre esse desafio e até levado a questão para a ProcuradoriaGeral da República. Nós, da Pas-

toral Carcerária, vamos fazer também uma mobilização nacional das nossas bases para que a Procuradoria assuma o caso. Por que demorou tanto para as autoridades tomarem uma decisão a respeito do sistema penitenciário do Espírito Santo? O senhor acredita que a situação não vinha recebendo a atenção devida?

Por parte da mídia, sim. Tem uma série de estados, como o Espírito Santo, onde a mídia é simplesmente escrava dos poderes da elite. E para se denunciar algo no Espírito Santo é quase impossível. É preciso da mídia de São Paulo, do Rio de Janeiro ou de Brasília para que esse caso, esse escândalo, se torne conhecido no próprio Espírito Santo e nacionalmente. Então você vê que é uma pseudodemocracia, é um engano. É claro que não é moralista, para acabar com certos políticos, mas em todo caso, esse caso precisa de uma intervenção e de uma ajuda para fortalecer a seriedade e qualidade de vida que minimamente um Estado Democrático de Direito precisa. Nós temos o caso onde um juiz mandou matar seu colega há poucos anos porque ele [juiz que morreu] não queria fazer parte dessa podridão do narcotráfico e da corrupção organizada em relação ao sistema de segurança pública. Aí, o que ocorreu: o juiz [que mandou matar] recebeu uma pena alternativa. Um juiz que deixa matar, pelo crime organizado, seu colega, que era alguém que teria nos ajudado, nós que queremos ética no sistema penal. Isso mostra que o próprio Tribunal do Espírito Santo e as outras instituições nunca mostraram força. Se lá rege o crime organizado, é porque os direitos humanos, no mínimo, não são respeitados.

“O pouco de cada um ajudará a muitos” Campanha da Ação Solidária Madre Cristina Nos meses de maio, a Ação Solidária Madre Cristina realiza uma Campanha Solidária. O objetivo da campanha é convidar a todos os companheiros e as companheiras a juntar-se a nós e ajudar na construção da entidade. Nossa missão é “contribuir no combate à pobreza e à desigualdade social, promovendo a justiça e a organização do povo, através da formação da consciência solidária entre pessoas, entidades, pastorais e movimentos sociais.” Você pode contribuir através de três ações concretas: 1. Ajudar a divulgar a entidade Ação Solidária Madre Cristina. 2. Ser membro da Rede de Sócios Solidários, contribuindo com o valor de R$ 10,00 através do depósito bancário ou diretamente nas sedes da Ação Solidária Madre Cristina em Porto Alegre e São Paulo.

5 – Outros assuntos de interesse da sociedade cooperativa e de seus cooperados e associados.

3. Convidar outras pessoas a participar desta rede.

Sem mais, contamos com a presença de todos.

Contamos com a sua solidariedade!

São Paulo/SP, 28 de maio de 2009. Neusa Paviato Botelho Lima Presidente

Visite nosso site e informe-se mais: www.madrecristina.org.br Escreva para nós: iasmc@brturbo.com.br e iasmcsp@brturbo.com.br

Soberania nacional O presidente Hugo Chávez acaba de reestatizar o Banco da Venezuela, que estava sob o controle do grupo espanhol Santander. Medida equivalente no Brasil seria a reestatização do Banespa, que os governos tucanos entregaram de mão beijada para o mesmo grupo espanhol. Por que aqui o programa nefasto do neoliberalismo continua avançando com desnacionalização, apesar de todos os danos já causados? Discurso enganador Os defensores do capitalismo neoliberal gostam muito de enfatizar que a grande virtude da liberdade total aos mercados é que isso estimula a concorrência, melhora a qualidade dos produtos e baixa os preços para os consumidores. No entanto, os casos de concentração empresarial – como a fusão SadiaPerdigão – mostram a tendência monopolista do sistema, a elevação dos preços e sérios danos para a sociedade. Crime anunciado Na edição passada, a coluna Fatos em Foco registrou a repressão aos pescadores de Magé, a 60 quilômetros da capital do Rio de Janeiro, que estão em luta contra a construção de um gasoduto da Petrobras no local onde costumam pescar. Na sexta-feira, dia 22, o tesoureiro da Associação dos Homens do Mar, Paulo César Santos, foi brutalmente assassinado na porta de sua casa. O crime precisa ser esclarecido. Mundo cão – 1 Aumenta a cada dia o número de pessoas que se abrigam sob as marquises e viadutos em São Paulo, especialmente à noite embaixo do Elevado Costa e Silva, o Minhocão. Ao mesmo tempo, em nome da “segurança pública” e da “limpeza da cidade”, aumenta a repressão da prefeitura e de grupos de comerciantes que usam jagunços armados para expulsar a população em situação de rua. Até quando? Mundo cão – 2 O deputado estadual Marcelo Freixo, do PSOL, denunciou que a situação carcerária no Rio de Janeiro representa uma grave violação dos direitos humanos. Segundo ele, há mais de cinco mil pessoas presas nas delegacias de polícia sem julgamento ou condenadas – por falta de vagas nos presídios. Em São Gonçalo, 782 homens estão em celas com capacidade máxima para 200 pessoas. Destruição legal Não é brincadeira não: a medida provisória 458, já aprovada na Câmara Federal, aceita a regularização (titulação) de posses de até 1.500 hectares ou 15 quilômetros quadrados na Amazônia. Mais grave ainda é que, para requerer tamanha quantidade de terra, o “posseiro” não precisa nem morar e nem trabalhar na posse. Está na cara que a MP estimula os crimes de grilagem e de destruição da floresta. Presos políticos A Justiça do Pará mantém presos em Belém, desde 26 de abril, quatro militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens que participaram de manifestações para reivindicar direitos dos camponeses prejudicados pela construção da barragem da Usina de Tucuruí, há 25 anos. O MAB conclama a solidariedade dos trabalhadores para que as autoridades libertem esses lutadores do povo. Democracia já!


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Informação negada, privacidade violada MÍDIA Para especialistas, vigilância e restrição do acesso à internet são as diretrizes de projeto do senador Eduardo Azeredo Eduardo Sales de Lima da Redação UM CONJUNTO DE forças do mercado querem controlar a internet. Como instrumento, o Projeto Azeredo, também conhecido como AI5 Digital. Trata-se de um projeto de lei substitutivo sobre crimes na rede, aprovado e defendido pelo senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e que está para ser votado na Câmara de Deputados. Oficialmente, seu objetivo é tipificar condutas realizadas mediante a utilização de dispositivos de comunicação, sobretudo as praticadas na internet. Mas, na realidade, propõe vigiar e impedir o acesso a informações. Em resumo, as organizações compreendem que o objetivo real do AI-5 Digital é, portanto, tornar suspeitas as redes P2P (peer-to-peer, redes descentralizadas utilizadas frequentemente por programas de troca de arquivos, como Emule, Torrent e Kazaa), impedir a existência de redes abertas e reforçar o DRM (Gerenciamento de Direitos Digitais, na sigla em inglês). Uma das intenções do projeto, segundo especialistas como Marcelo Branco, coordenador da Associação Software Livre.org (ASL), é transformar os provedores de acesso em uma espécie de polícia privada. Tal movimento político e econômico, entretanto, não se restringe somente ao Brasil. Segundo uma nova lei na França, aprovada no dia 12 de maio, o internauta que baixa

conteúdos protegidos por direitos autorais pode ter sua rede cortada ou receber uma multa. No caso brasileiro, se o substitutivo do senador Azeredo for aprovado, mais que uma simples multa, ele tornará crime inúmeras práticas virtuais corriqueiras. De acordo com o professor de Direito Penal Túlio Vianna, a punição prevista para o acesso não autorizado é de um a três anos de prisão. Para ele, a condenação é completamente desproporcional aos demais artigos do Código Penal. “Compare-a, por exemplo com a pena da violação de domicílio, que é de um a três meses. O legislador pune com muito maior rigor a violação de um computador que a violação de um domicílio”, diz Vianna. Privacidade violada

A jornalista Mariana Tamari lembra, em artigo, quais os mais polêmicos pontos do projeto, a começar pelo artigo 22. Este “traz graves consequências para a navegação na internet, ameaçando a privacidade e o anonimato dos usuários e transformando a rede em um gigantesco aparato de vigilância”. Ele exige que os provedores de acesso registrem o IP (Protocolo de Internet, na sigla em inglês) e a data e hora de uso de cada máquina por três anos. “Se fosse possível a polícia invadir todas as residências do país e fazer as pessoas confessarem seus crimes, talvez tivéssemos uma estatística maior de prender bandido, mas é inadmissível que,

Ivan Valente e Eduardo Suplicy – segundo e quinto, a partir da esquerda – no ato público realizado em 14 de maio na Alesp

Os provedores de acesso passam a ter poderes e deveres de polícia. Para Marcelo Branco, isso é “inadmissível” numa sociedade democrática, as casas sejam violadas na sua privacidade”, defende Marcelo Branco. O ponto mais polêmico do projeto de lei é exatamente o que coloca sobre o provedor de acesso a responsabilidade de “informar, de maneira sigilosa, à autoridade competente, denúncia que tenha recebido e que contenha indícios da prática de crime sujeito a acionamento penal público incondicionado, cuja perpetração haja ocorrido no âmbito da rede de computadores sob sua responsabilidade”. Os provedores de acesso, então, passam a ter poderes e deveres de polícia. O que é “inadmissível”, para Branco. Por seu lado, Túlio Vianna não vê, pela atual redação do projeto, o perigo dos provedores se transformarem em polícia privada, mas sim em arquivos privados que podem acabar se tornando máquinas de delação. Também se abrirá a possibilidade, de acordo com Marcelo Branco, de funcionários de provedores divulgarem ou venderem informações confidenciais a detetives

para fins pessoais, como, por exemplo, questões de traições conjugais. Além disso, segundo Vianna, o artigo 285-A, proposto pelo projeto, exige, para a tipificação do crime de acesso não autorizado a sistemas computacionais, que haja “violação de segurança”, protegendo apenas computadores com “expressa restrição de acesso”, o que não é o caso da maioria dos computadores dos usuários comuns. “Se o usuário não manifestar expressamente sua vedação ao acesso por parte de terceiros, o crime não existirá”, afirma. Informação negada

No mesmo artigo, há a proposta de legitimação do DRM e o mecanismo de restrição de cópias em aparelhos e sistemas informatizados. Isso significa que será muito mais difícil baixar arquivos da internet. O artigo 285-B criminaliza a transferência ou fornecimento de dados ou informações (músicas, livros e filmes), numa defesa direta da indústria fono e cinematográfica. Isso incide sobre as ferramentas P2P.

Mercado quer o fim do livre acesso Marco Couto/Ag AL

Por trás do Projeto de Azeredo, os bancos, as editoras e a indústria cultural da Redação Compartilhar bens culturais incomoda os grandes grupos econômicos relacionados à cultura. Por ser um sistema comunicacional mais democrático, a internet, então, é considerada por esses conglomerados como mais um entrave aos seus objetivos corporativos. Os grupos econômicos que ajudaram na elaboração do projeto e que agora forçam sua aprovação no Congresso poderão, caso sejam vitoriosos, controlar de modo mais efetivo os bens culturais. “Inclusive, foi uma empresa de segurança da internet e do Bradesco que ajudou o [senador Eduardo] Azeredo a fazer esse projeto”, conta Marcelo Branco, coordenador da Associação Software Livre.org (ASL). Segundo especialistas, a lei atende principalmente a interesses de bancos que têm sofrido prejuízos com fraudes pela internet, a reivindicações da indústria de direito autoral

Ato público realizado dia 25 de maio na Assembleia Legislativa gaúcha

dos Estados Unidos (que exige a criminalização da quebra de travas tecnológicas) e ao objetivo de combater a pedofilia na internet. Branco recorda, porém, que os crimes de pedofilia na internet já são tipificados com o PL 250/08, que criminaliza a distribuição e o armazenamento de pornografia infantil; “e todos os demais crimes que o projeto anuncia que vai combater são crimes possíveis de ser combatidos com a legislação atual”, argumenta. Somada à Febraban, Branco ressalta a participação das indústrias fonográfica, cinematográfica e de software-proprietário, além das grandes editoras, sejam elas de jornais

“Já houve a criminalização dos movimentos sociais, das mulheres, com a CPI do aborto e, agora, a criminalização da internet”, defende Ivan Valente ou revistas semanais. “Uma parte dessas indústrias está fadada a morrer; é como ficar protegendo uma indústria de carruagem com a chegada dos carros”, ilustra João Brant, do Intervozes. Mobilização

Recentemente, o ministro da Justiça, Tarso Genro, criticou o projeto do senador. “Somos contrários, evidente-

mente, ao estabelecimento de quaisquer obstáculos à oferta de acesso por meio de redes abertas e à inclusão digital, ao vigilantismo na internet e a dificuldades para a fruição de bens disseminados pela internet”, afirmou. No dia 25 de maio, em Ato Público Contra o AI-5 Digital, realizado na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre (RS), o

Marcelo Branco reforça essa concepção ao qualificar o texto do projeto do senador Eduardo Azeredo como confuso, abrindo, dessa forma, “brechas para criminalizar atos e práticas comuns de internautas brasileiros, centrando o seu objetivo em criminalizar a descarga de música pela internet, o partilhamento de arquivos culturais etc.”, aponta. “Draconiano”

Já o artigo 163 também traz problemas, segundo Tamari. Ele trata da inserção ou difusão de vírus e cavalos de Tróia. Ela lembra que, mesmo que o usuário espalhe um vírus sem que tenha feito conscientemente, ele poderá ser considerado um criminoso. “O projeto tem que deixar muito claro se ele está tentando pegar o cara que invade e põe o vírus”, pondera João Brant, coordenador do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. Ele conclui que “não adianta pensar que a lei resolve, sendo que a tecnologia ainda não conseguiu resolver”. Essa é uma das razões pela qual o projeto é considerado “draconiano”, pois criminaliza o usuário comum. “A lei não vai conseguir prender os criminosos e vai prejudicar os cidadãos comuns”, afirma Branco. Como argumento, o coordenador do Software Livre.org, afirma

deputado estadual Elvino Bohn Gass (PT-RS) ratificou a urgência de uma legislação que garanta a segurança do usuário contra crimes, “mas rejeitamos a ampliação da vigilância do Estado e a banalização da quebra de sigilo das comunicações”, ponderou. O deputado federal Ivan Valente (Psol-SP) foi mais além. Ele apontou, em outro ato público de mesma natureza, ocorrido na Assembleia Legislativa paulista, que a aprovação do AI-5 Digital é mais um passo que as forças conservadoras dão em direção a um ambiente de controle político e cultural sobre a população brasileira. “Já houve a criminalização dos movimentos sociais, das mulheres, com a CPI do aborto e, agora, a criminalização da internet”, defendia, em discurso, no dia 14 de maio. Valente alertou Lula, exortando uma posição coerente do mandatário brasileiro. “A presidência da república, em última instância, não pode deixar que se passe uma coisa como essa”, disse. Já votado em plenário no Senado, no dia 5 de março, o projeto já obteve um parecer favorável na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara. Agora passa por análise das Comissões de Ciência e Tecnologia e então será encaminhado para votação em plenário. Enquanto isso, mais manifestações estão sendo preparadas para o início de junho nas cidades do Rio de Janeiro (RJ) e Belo Horizonte (MG). (ESL)

que a tecnologia denominada T.O.R. (The Onion Router – Roteador Cebola, em tradução livre), de embaralhamento de endereços de IP é fácil de ser usada. “Claro que os criminosos vão usar essa tecnologia. Eles não irão ficar em suas casas ou em escritórios com endereços de IP normal fazendo os crimes”, lembra Branco. Ele defende que a identificação de um usuário só ocorra dentro dos trâmites de uma decisão judicial. Para Brant, no entanto, é possível haver algum tipo de guarda de logs. Log é um registro de entrada de um IP. “A questão é: que tipo de informação esses logs devem armazenar. O correto, na nossa avaliação, é guardar os logs de acesso à rede, mas jamais os logs de acesso ao serviço na rede”, explica. Para Tamari, o Brasil precisa definir uma lei com os direitos dos cidadãos na comunicação em redes digitais que garanta a liberdade de expressão, a privacidade e o anonimato. “A violação dos direitos essenciais definidos nessa lei é que deve ser considerada prática criminosa”, atesta. Ao seu lado, Branco reforça a ideia: “Não temos esse Código, e podemos estar aprovando um Código Penal, instituindo no Brasil um Estado Policial na internet”.

Exclusão digital O artigo 21 do Projeto Azeredo exige que o provedor de acesso armazene por três anos os dados do endereço de origem, hora e data da conexão efetuada, o que, para o professor de Direito Penal Túlio Vianna, equivale a inviabilizar completamente a existência de redes “wi-fi” abertas, como as existentes em cibercafés, hotéis e restaurantes. Elas permitem que usuários naveguem pela rede com o mesmo registro de IP (Protocolo de Internet). Com esse registro imerso em uma rede aberta, o provedor de acesso pode até dizer de onde foi cometido o “crime”, mas não é possível saber com segurança quem o cometeu. “E o responsável por um IP não vai querer responder por possíveis ilegalidades que algum usuário cometa, gerando um desestímulo ao desenvolvimento de redes abertas”, reforça João Brant, do Intervozes. A consequência mais prática disso tudo, tanto para Vianna como para Brant, é o travamento das ações de inclusão digital, sobretudo em relação às cidades menores e aos bairros mais periféricos das grandes cidades. (ESL)


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Mais de 40 indígenas do povo Xukuru são processados em Pernambuco CRIMINALIZAÇÃO Desde a retomada da luta pela terra, assassinatos e perseguições visam a acabar com a organização do povo Eden Magalhães

Marcy Picanço de Brasília (DF) DIZ O SENSO comum que no Brasil índio não vai para a cadeia. A situação do povo Xukuru, que vive na região de Pesqueira, agreste pernambucano, desmente essa tese. Os Xukuru enfrentam um dos mais violentos processos de criminalização entre os movimentos que lutam por seu território. São 43 pessoas deste povo processadas pela Justiça por suposto envolvimento em crimes que ocorreram no contexto da disputa fundiária. Desse total, 26 já foram condenadas, duas cumprem prisão preventiva e outras aguardam julgamento. Atualmente, os cerca de 10 mil Xukuru ocupam quase 95% dos 27 mil hectares homologados como terra indígena em 2001. A reconquista do território, no entanto, resultou em assassinatos e per-

O fazendeiro Theopompo Siqueira de Brito, autor dos disparos que mataram Geraldo Rolim da Mota Filho, procurador da Funai, foi absolvido por “legítima defesa” seguições. Além dos indígenas processados, nos últimos 17 anos, seis Xukuru e um importante aliado foram assassinados em função da luta pela terra. Dentre os assassinos, apenas um foi preso e em seguida encontrado morto na prisão. Por outro lado, diversos Xukuru foram investigados e presos. Para o cacique do povo, Marcos Luidson, há três razões principais para os processos. A primeira é a insatisfação das elites da região com a vitória do povo. “Os inimigos dos Xukuru não aceitaram o fato da gente ter conquistado o território”. Entre 1990 e 2003, os Xukuru fizeram 50 retomadas e reconquistaram, de fato e pela via legal, seu território tradicional. “Agora, os

Protesto realizado pelo povo Xukuru relembra o cacique Chicão, assassinado a tiros em maio de 1998

inimigos apostam que não vamos conseguir cuidar da terra”, afirma o cacique. Marcos Xukuru também aponta interesses econômicos e políticos por trás das ações contra o povo. Os antigos invasores da terra, que têm apoio de um pequeno grupo de indígenas, pretendiam explorar economicamente o turismo religioso na região. Eles construíram um santuário para Nossa Senhora das Graças e estrutura hoteleira para receber romeiros dentro da ter-

ra Xukuru. Após a demarcação da terra, a visita de fiéis ao santuário não foi proibida. O terceiro motivo seria a crescente importância da população Xukuru no resultado de eleições locais e para deputados. “Perseguindo nossas lideranças, eles querem quebrar nossa unidade política”, afirma o cacique Marcos. Assassinatos As ações contra os Xukuru podem ser relacionadas com as etapas da demarcação de

sua terra. Durante os trabalhos de identificação da terra, em 1992, Everaldo Bispo dos Santos, filho do pajé do povo, foi assassinado a tiros. O autor dos disparos, o não-índio Egivaldo de Farias, nunca foi levado a júri. No mesmo ano, foi publicada pelo Ministério da Justiça a portaria que declarou os 26.680 hectares como terra indígena. A pressão contra a demarcação física do território aumentou a tensão entre os Xukuru e seus adversários.

Julgamento sem isenção e organização do povo Justiça condenou 26 indígenas a penas de até dez anos de reclusão de Brasília (DF) Em 2003, quando acontecia o processo de pagamento de indenizações para saída dos ocupantes não-indígenas da área, aumentaram as divergências entre a maioria do povo e o grupo Xukuru que apoiava antigos fazendeiros da área. O ápice da tensão aconteceu no dia 7 de fevereiro de 2003, quando centenas de Xukuru participaram de um conflito na vila de Cimbres, dentro da terra indígena. Naquele dia, dois jovens indígenas, Josenilson José dos Santos (Nilsinho) e José Adenilson Barbosa da Silva (Nilson), foram assassinados durante um atentado contra o cacique Marcos

Xukuru, que conseguiu escapar. O crime revoltou a comunidade, que se voltou, incontrolada, contra o assassino José Lourival Frazão (Louro Frazão), indígena Xukuru, e o pequeno grupo de famílias Xukuru aliado dos fazendeiros. Pelo conflito, foram processados 35 Xukuru, entre estes o cacique Marcos Xukuru. No dia 30 de janeiro, a Justiça Federal de Pernambuco condenou 26 dos réus a penas que variam de um a dez anos de prisão e pagamento de multas que chegam a R$ 50 mil. A Justiça ainda se pronunciará sobre outras cinco pessoas, entre elas o cacique. Os advogados dos indígenas recorreram da decisão ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região, em Recife. Os Xukuru aguardam a decisão em liberdade. No dia do conflito em Cimbres, quatro indígenas do grupo majoritário foram baleados. No entanto, esses casos não foram investigados pela Justiça. Em março de 2006,

Frazão foi condenado a 12 anos de prisão pelo assassinato de um dos jovens . Desde dezembro de 2006, cumpre a pena em regime semiaberto. A investigação e o processo judicial sobre esse conflito foram questionados por diversos grupos de defesa dos Direitos Humanos de Pernambuco, que apontaram um posicionamento da Justiça contra o povo Xukuru. Os advogados de defesa dos Xukuru questionam o cerceamento de direito de defesa, o tamanho das penas (consideradas exageradas) e a falta de isenção no julgamento. Embora seja pública a tentativa do grupo dissidente de acusar as lideranças tradicionais do povo Xukuru – como retaliação pela posição do povo de não aceitar a divisão do território –, as autoridades judiciárias não agiram com cautela em um ambiente marcado por disputas políticas, econômicas e especificidades culturais. Para o antropólogo Augus-

to Laranjeiras, o modo como o caso foi tratado, primeiramente pela imprensa e depois pela Justiça, não respeitou características próprias dos Xukuru, ao considerar que havia duas “facções” em conflito. Segundo Laranjeiras, não eram dois grupos similares em uma mesma condição. De um lado havia um sistema interno social estruturado e, de outro, um grupo transgressor dos princípios do povo, sem legitimidade interna. No dia 20 de maio, cerca de 4 mil Xukuru desceram a Serra do Ororubá para a cidade de Pesqueira, como fazem desde 2000, para lembrar o assassinato do líder Chicão Xukuru e encerrar a assembleia do povo. Uma vez mais, o foco dos debates foram as estratégias para enfrentar a criminalização das lideranças, que reafirmaram que a união e organização para apoiar os criminalizados são as respostas do Xukuru contra a estratégia dos adversários. (MP)

Em 1995, Geraldo Rolim da Mota Filho, procurador da Fundação Nacional do Índio (Funai) que atuava na demarcação da terra Xukuru, foi assassinado na Paraíba. Apesar de relacionado à questão fundiária indígena, o caso foi julgado na Justiça Comum. O autor dos disparos, o fazendeiro Theopompo Siqueira de Brito, foi absolvido por “legítima defesa”. Para ocupar a terra já declarada e pressionar o governo federal a homologar a área, os

Xukuru mantiveram a estratégia das retomadas, liderados pelo então cacique Francisco Araújo (Chicão Xukuru). Chicão foi fundamental para a reorganização do povo na década de 1980 e, por consequência, para a reconquista do território. Em 20 de maio de 1998, ele foi assassinado a tiros. Chicão recebia ameaças de morte e também havia sido testemunha de acusação no caso do assassinato do procurador Rolim. Após a morte de Chicão, a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) em Pernambuco trabalharam, principalmente, com as hipóteses de crime passional ou de disputa interna de poder. No entanto, a partir da atuação de um departamento da PF de fora de Pernambuco, o inquérito identificou como responsáveis o pistoleiro (encontrado morto no Maranhão) e o mandante, o fazendeiro José Cordeiro de Santana (Zé de Riva), invasor de terra indígena. Zé de Riva foi encontrado morto na carceragem da PF na véspera de seu depoimento. O assassinato de Chicão não fulminou a organização do povo nem dificultou a homologação da terra, como poderiam imaginar os mandantes do crime. Mas, a partir daí, além das agressões físicas às lideranças, foi intensificado o processo de criminalização. Atos de protesto em estradas ou na cidade de Pesqueira resultaram em processos. Em 2001, a terra foi reconhecida pelo Estado (homologada) como tradicional dos Xukuru. No mesmo ano, foi assassinado a tiros, dentro da terra indígena, a liderança Francisco Santana (Chico Quelé). Novamente a PF e o MPF em Pernambuco privilegiaram a hipótese de disputa interna de poder como motivo para o crime. No inquérito, opositores de lideranças tradicionais foram testemunhas e importantes documentos desapareceram. Como conclusão, em 2002, foram acusadas as lideranças José Barbosa dos Santos (Zé de Santa) e João Campos da Silva (Dandão), que ficou preso por quase um ano. Desde 2003, quando conseguiram um habeas corpus, os dois passaram a aguardar o julgamento em liberdade. Antes desse caso, Zé de Santa também foi acusado por Zé de Riva – mandante do assassinato de Chicão – de ter participado de um atentado contra o fazendeiro junto com outros dez indígenas.

Dois Xukuru estão presos há mais de um ano Desde o início de 2008, os indígenas Rinaldo Feitosa e Edmilson Guimarães estão presos, acusados do envolvimento no assassinato do indígena José Lindomar de Santana (Véio), morto em agosto de 2007. O Tribunal Regional Federal da 5ª região confirmou a sentença da Justiça Federal, pronunciando os dois a júri popular. Os indígenas recorreram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que também deve julgar o pedido de habeas corpus de Rinaldo e Edmilson. Os acusados negam qualquer participação no crime. O advogado dos indígenas alega que a única testemunha da acusação é o irmão de Lindomar, José Orlando Gomes de Santana, que estava com ele na hora do assassinato. Orlando só reconheceu Rinaldo e Edmilson como autores dos disparos meses após o ocorrido. Lindomar foi assassinado em uma noite de neblina, quando voltava, numa motocicleta, de uma festa na cidade de Pesqueira para a terra Xukuru. Os ocupantes de outro veículo o perseguiram, disparando contra ele e seu irmão. Entidades que atuam na defesa de direitos humanos em Pernambuco afirmam que Rinaldo e Edmilson foram presos por serem lideranças do povo. (MP)


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américa latina

Banco do Sul ainda é uma incógnita INTEGRAÇÃO Organizações criticam a falta de informações sobre como funcionará a instituição financeira sul-americana Dafne Melo da Redação UM ANO E meio após sua fundação, falta apenas que o parlamento de cada país participante aprove o projeto do Banco do Sul para que o órgão passe a funcionar. Entretanto, ainda que a proposta esteja prestes a sair do papel, pouco se sabe a seu respeito. “Até agora, o nosso maior problema é a falta de informação”, comenta Fabrina Furtado, da Rede Jubileu Sul. Nenhum documento oficial sobre o funcionamento da instituição foi divulgado, e tudo o que se sabe são informações isoladas e pouco precisas obtidas pela imprensa ou por meio de conversas de corredor com membros de alguns governos. “Há falta de trans-

Até agora, nenhum documento oficial sobre o funcionamento da instituição foi divulgado, e tudo o que se sabe são informações isoladas e pouco precisas obtidas pela imprensa ou por meio de conversas de corredor com membros de alguns governos parência em relação à forma como as coisas vão funcionar de fato”, reitera Ricardo Verdum, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). A última reunião entre representantes de Estado ocorreu no dia 8 de maio, em Buenos Aires (Argentina). Esta-

Reprodução

vam presentes os ministros da Economia do Brasil, Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela. “Fechamos todos os pontos pendentes e, portanto, esta foi a última reunião ministerial”, afirmou o ministro argentino Carlos Fernández. Financiar o quê? No início, a promessa era de que o Banco do Sul funcionaria como uma alternativa de financiamento para os países da América do Sul, diminuindo a dependência em relação às instituições financeiras multilaterais, como Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Assim definia, em linhas gerais, sua ata de criação, ainda que vagamente. As organizações e movimentos sociais defendiam que o banco fosse o agente financeiro da integração do continente, trabalhando para a redução de disparidades econômicas e de poder na região e no financiamento de programas sociais. Presença de controle social e de rigorosos estudos de impacto socioambiental também entravam na pauta. Essa perspectiva encontra maior eco nos governos mais progressistas da região – Venezuela, Equador e Bolívia –, ao passo que esbarra na resistência do lado do Brasil, principalmente. Para Ricardo Verdum, um dos grandes interesses do país na criação do Banco é estabelecer um fluxo de recursos financeiros mais ágeis para o financiamento da Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA). “Sabemos que existe um grande lobby do agronegócio e das empreiteiras brasileiras para isso”, afirma. Recursos De acordo com Fabrina, há determinados pontos-chave do projeto que acabarão por definir o caráter do banco. Uma delas representou uma derrota ao Brasil: trata-se do sistema de tomadas de decisão, que será paritário, ou seja, um voto por país. O governo Lula defendia que o peso das decisões fosse de-

veria vir das verbas públicas de cada país, o que daria mais autonomia à instituição em relação ao mercado financeiro internacional; por conseguinte, possibilitaria maior liberdade de escolha dos projetos beneficiados. Além disso, deveria financiar empresas públicas e estatais. Entretanto, tudo indica que as empresas privadas irão abocanhar boa parte desses recursos, tal como ocorre hoje com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Na minha opinião o Banco do Sul terá um perfil parecido com o do BNDES, mas com abrangência continental”, define Ricardo Verdum. Uma amostra de como o Banco do Sul deverá funcionar se deu no dia 26 de maio. Em visita ao Brasil, Hugo Chávez obteve, junto ao BNDES, um empréstimo de 732 milhões de dólares para ampliação da rede de metrô de Caracas. As obras ficarão a cargo da Odebrecht. Fabrina Furtado, do Jubileu Sul, teme ainda que os recursos a serem aportados possam ser obtidos em instituições financeiras de outros países e até mesmo do FMI, Bird e Banco Mundial. “Se isso ocorrer, a pergunta que fica é: para que criar outro banco se ele irá atuar da mesma forma que os demais?”, questiona Fabrina.

Para entender

finido de acordo com o volume de recursos disponibilizados por cada um. Na prática, o Brasil criava as condições para ter maior poder de decisão. Quando o projeto exceder 70 milhões de dólares, porém, será preciso o voto de pelo menos dois dos grandes

contribuintes, isto é, Argentina, Brasil e Venezuela. Na última reunião, ficou acertado que o banco iniciará com 7 bilhões de dólares em caixa; os três maiores contribuintes da entidade darão 2 bilhões de dólares cada um; Uruguai e Equador, com

400 milhões de dólares cada; e Bolívia e Paraguai, outros 200 milhões de dólares. Mini-FMI? Outra discussão é de onde virá e para onde vai o dinheiro. Para os que defendem um projeto mais progressista, de-

Integração da Infraestrutura Regional Sulamericana (IIRSA) – É um fórum formado em 2000 por 12 países da América do Sul: Brasil, Venezuela, Bolívia, Equador, Peru, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Colômbia, Guiana e Suriname. O objetivo é realizar uma série de megaprojetos de infraestrutura (transporte, energia e comunicações) em cada país, bem como obras de integração. O megaprojeto prevê, em 20 anos, executar 514 projetos num custo de 69 bilhões de dólares. Até agora, já foram concluídos 51 deles, e outros 196 estão em fase de construção.

MÉXICO

Cenário hostil permanece três anos após as agressões em Atenco Frecuencias Populares/CC

Em 2006, 3.500 policiais atacaram 300 manifestantes, deixando dois mortos e dezenas de feridos na cidade próxima à capital mexicana Waldo Lao e Anna Feldmann de São Paulo (SP) O México relembrou em maio os três anos dos violentos atos de repressão da polícia federal preventiva (PFP) contra a população de San Salvador Atenco, em 4 de maio de 2006. Mais de mil longos dias em que os habitantes das comunidades locais vêm sofrendo ameaças, ordens de prisão e perseguições. Atualmente, 13 de seus membros encontram-se presos, com penas que variam de 30 a 100 anos. Uma manifestação política e cultural da Frente dos Povos em Defesa da Terra (FPDT), acompanhada de outros coletivos, além de intelectuais e artistas mexicanos, fez com que o país recordasse a data e impulsionou as ações de uma campanha internacional pela libertação dos companheiros de Atenco (próximo à capital mexicana).

A FPDT nasceu em dezembro de 2001 como uma medida organizativa da população local para conservar seus territórios diante da iniciativa proposta pelo ex-presidente Vicente Fox, do Partido Ação Nacional (PAN), para a construção de um aeroporto na área, o qual seria o maior da América Latina. Despejo O projeto contemplava a expropriação de mais de 4.500 hectares de terrenos agrícolas, afetando cerca de 500 trabalhadores rurais. A construção do aeroporto era parte do Plano Puebla-Panama (PPP), que consistia na criação de um corredor industrial entre os estados do sul do México até a América Central. A obra se inseria dentro das exigências do Nafta, Tratado de Livre Comércio (TLC) firmado entre os países da América do Norte no dia 1º de janeiro de 1994. As agressões de 4 de maio começaram, na realidade, no dia anterior, quando 18 floricultores instalados em frente ao mercado local foram proibidos de vender seus produtos em via pública. A situação se agravou pelo uso excessivo da violência. Durante o embate, os comerciantes, apoiados por outros setores da população, entre eles a FPDT, feriram alguns policiais. Algumas horas depois, os grandes meios de comunicação nacional, como a rede Televisa e a TV Azteca, repetiram incansavelmente a

os policiais mexicanos, e não os mentores das operações de “segurança nacional”.

Manifestação em San Salvador de Atenco organizada pela FPDT

Algumas pessoas encontram-se desaparecidas, crianças e adolescentes não foram poupados e mais de 40 mulheres sofreram agressões sexuais pelas forças policiais cena da guarda nacional vitimizada, caracterizando a atitude como vergonhosa e exigindo a intervenção do governo federal. Justiça vs. FPDT No dia seguinte, a cidade vivenciou os horrores desproporcionais da guerra gerada pelos órgãos de defesa mexicana. Somaram-se à

repressão aproximadamente 3.500 policiais contra apenas 300 manifestantes. Na época as agressões deixaram um saldo de dois mortos – uma criança e um adolescente –, dezenas de feridos, além de violações e roubos. Foram mais de 200 detenções arbitrárias. Algumas pessoas encontram-se desaparecidas, crianças e adoles-

centes não foram poupados e mais de 40 mulheres sofreram agressões sexuais pelas forças policiais. Após quase três anos de espera, a Suprema Corte da Justiça da Nação (SCJN) julgou os ataques ocorridos. O veredicto final, emitido no dia 12 de fevereiro, omitiu a participação de importantes funcionários públicos envolvidos no caso, como o governador do Estado do México, Enrique Peña Nieto, do Partido Revolucionário Institucional (PRI), e Eduardo Medina Mora, titular da Segurança Pública Federal e atual procuradorgeral da República. No julgamento, os responsáveis por tais atos violentos são apenas

Responsáveis Para Trini Ramirez, representante da FPDT, “a resolução somente reconhece que se violaram os direitos às garantias individuais em Atenco, mas ignora os verdadeiros culpados. Ou seja, o governador é apontado como se não tivesse nenhuma responsabilidade nas ações”. A FPDT realiza uma campanha mundial pela liberação de seus 13 companheiros, três em prisões de máxima segurança: Felipe Alverez e Hector Galindo, condenados a 67,5 anos; e Ignacio del Valle, com pena de 112 anos. Além dos outros dez presos condenados a, no mínimo, 32 anos de prisão: Oscar Hernandez, Alejandro Pilon, Julio Espinosa, Pedro Reyes, Juan Carlos Estrada, Jorge Ordonez, Adan Ordonez, Narciso Arellano, Ines Rodolfo Cuellar e Eduardo Morales. Hoje, ainda há mais 50 processos, assim como contínuos atos de repressão e perseguições políticas a líderes da FPDT. O exercício da impunidade por parte dos organismos jurídicos e a repressão por parte do governo, encarcerando seus participantes, apenas esclarecem os métodos que, por excelência, desarticulam os movimentos sociais no México.


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américa latina

Esquerda uruguaia vive expectativa da definição do sucessor de Tabaré ELEIÇÕES País terá presidenciais em outubro, mas a Frente Ampla escolhe seu candidato já no dia 28 de junho Reprodução

Sebastián Valdomir de Montevidéu (Uruguai) O ANO ELEITORAL Que vive o Uruguai terá sua primeira rodada no dia 28 de junho, quando acontecem as “eleições internas” para decidir as candidaturas únicas de cada partido. Depois disso, as eleições gerais ocorrem no último domingo de outubro. A conjuntura está marcada pela disputa no interior dos partidos, principalmente no do governo, a Frente Ampla, que conserva boa parte do apoio após quatro anos da presidência do socialista Tabaré Vázquez. No Uruguai, não há reeleição. A atual disputa interna na Frente Ampla expresa de maneira simples as tensões existentes na articulação, na qual se aliam, com fim eleitoral desde 1971, diversas organizações partidárias clássicas, como o Partido Socialista (PS) e o Partido Comunista del Uruguay (PCU). Depois da reabertura democrática em 1984, após 11 anos de ditadura militar, começou um período de recomposição do campo popular. Em 1989, ocorre a primeira vitória eleitoral da esquerda, no governo do departamento de Montevidéu, capital e principal cidade do país, com mais da metade

Os movimentos sociais são, em geral, unânimes em marcar certos avanços em suas demandas no percurso do governo de Tabaré, mas também apontam para a necessidade de aprofundar muito as mudanças da população total. Além disso, no final da década de 1980, acontece a incorporação formal na Frente Ampla do Movimento de Liberação Nacional – Tupamaros (MLN-T), protagonista da guerrilha urbana dos anos de 1960 e que criou uma organização partidária chamada Movimento de Participação Popular (MPP). São esses três grandes grupos (PS, PCU e MPP) que conservam a maioria da militância de base nas estruturas orgânicas da Frente Ampla. Atualmente, uma aliança entre PCU e MLN-T sustenta a candidatura à sucessão do ex-ministro da Agricultura José “Pepe” Mujica, e o PS apoia o ex-ministro da Economia Danilo Astori, visto como um seguidor natural do atual governo. Além deles, um terceiro candidato é Marcos Carámbula, governador do departamento de Canelones, que reúne apoios dos militantes independentes e grupos partidários menores. Polarização

Existe o compromisso de que o vencedor das eleições internas será apoiado por todos os grupos partidários, de acordo com um programa único de governo aprovado no último Congresso da Frente Ampla realizado em dezembro de 2008. Por enquanto, há uma conjuntura de polaridade crescente entre as candidaturas de Mujica e Astori, sendo que pesquisas apontam vantagem de 10% para o exministro da Agricultura. Porém, a candidatura de Astori foi sinalizada por Ta-

Convenção do partido Frente Ampla: disputa interna reflete tensão entre aliados

baré como a de sua preferência para assegurar a continuidade das políticas econômicas, sociais e nas relações internacionais feitas até agora pelo seu governo. E o fato de ter sido o responsável pela condução econômica do atual mandato não deixa dúvidas de quais serão os principais elementos em um segundo período, como a política de atração de investimentos estrangeiros ligados ao agronegócio, os serviços financeiros, infraestrutura portuária, celulose e mineração. Já na base de Mujica, há um apelo muito mais forte para um projeto de desenvolvimento não estreitamente ligado aos investimentos estrangeiros. Na política internacional, Mujica propõe uma inserção diferente do país em processos regionais, como a Alba e o Mercosul. Em seu governo, Tabaré mantém uma postura crítica para o Mercosul, o que o levou a estreitar relações comerciais com Estados Unidos e a firmar acordos bilaterais para a promoção de investimentos e comércio que muitos pensaram que fosse a antessala de um Tratado de Livre Comércio. Presidenciais

Já nas pesquisas para as eleições gerais de outubro, os partidos de direita ainda não ameaçam individualmente a vitória da Frente Ampla. Mas, se esta não ganhar no primeiro turno, o cenário ficará mais complexo. Os movimentos sociais são, em geral, unânimes em marcar certos avanços em suas demandas no percurso do governo de Tabaré, mas também apontam para a necessidade de aprofundar muito as mudanças para barrar qualquer possibilidade de retrocesso, com um cenário de crise que já está causando efeitos nos setores do trabalho mais conectados aos mercados internacionais. O movimento sindical é o principal preocupado com isso, e já definiu uma opção geral que prega por um segundo mandato da esquerda. Sindicatos conseguiram neste período retomar a negociação salarial coletiva depois de quatro décadas de descaso do Estado ante vencimentos unilateralmente decididos pelas patronais. Mas, mesmo no interior da central única de trabalhadores, existem apoios para os três pré-candidatos da Frente Ampla.

A luta pela autonomia sindical Em entrevista, dirigente uruguaio analisa as ferramentas do movimento de seu país para manter a independência política Achille Lollo de Montevidéu (Uruguai) A autonomia e a solidariedade de classe são os princípios básicos de nosso sindicalismo. Essa é a síntese do que pensa o uruguaio Luis Puig, dirigente do Sindicato dos Urbanitários e membro da Secretaria da Central Plenário Intersindical de Trabalhadores – Convenção Nacional de Trabalhadores (PIT-CNT), sobre a organização dos trabalhadores. Nesta entrevista, ele esmiuça os elementos que mantêm os sindicatos de seu país autônomos do Estado, da Igreja e de partidos e os reflexos dessa postura no relacionamento do movimento com o governo de Tabaré Vázquez.

Eu quero também lembrar que, no nosso movimento sindical, não é permitido o aparelhismo Brasil de Fato – Ao longo de sua existência, o sindicalismo uruguaio vem aprimorando o conceito de autonomia política. Você pode falar desse interessante fenômeno político? Luis Puig – Desde a formação da CNT [em 1964], os estatutos afirmaram a autonomia política da central do Estado, da Igreja e dos partidos políticos de modo a garantir a independência da classe. Com o passar dos anos, esse princípio virou um elemento fundamental para o movimento sindical uruguaio, mesmo se a grande maioria dos sindicalistas é militante de partidos da esquerda. Por exemplo, todos sabem que eu, há muitos anos,

sou militante do PVP (Partido pela Vitória do Povo). Porém, no âmbito sindical, defendo os interesses dos meus companheiros da empresa do gás. Na atividade sindical, o que prevalece é o pleno respeito pelas decisões da assembleia de nosso sindicato, as quais represento em todas as plenárias de delegados e nos locais de negociação. Na prática, sou apenas o portador das decisões tomadas pelos trabalhadores de meu sindicato reunidos em assembleia. O que acontece quando, em função do posicionamento de seu partido, um dirigente sindical toma decisões diferentes das que foram decididas em assembleia? Ele é logo removido de seu mandato pelos trabalhadores que o elegeram. Para nós, a assembleia dos trabalhadores tem o poder de destituir o mandato de qualquer dirigente que não cumpre com as orientações da base reunida em assembleia, seja ele responsável da comissão sindical de fábrica ou presidente ou membro da direção do sindicato. Esse poder dos trabalhadores vale também para a central, inclusive para a Secretaria Central do PIT-CNT. Se um companheiro não cumpre, pode ser demitido de seu cargo de direção logo que a assembleia o decida. Eu quero também lembrar que, no nosso movimento sindical, não é permitido o aparelhismo. De que forma vocês conseguiram tamanha disciplina? Antes de tudo é necessário lembrar que 95% dos dirigentes sindicais uruguaios não são profissionalizados. Eles vão trabalhar todos os dias, e é nos locais de trabalho que fazem o trabalho político-sindical. Essa práti-

ca nos livrou de problemas que, em muitos países, desqualificaram a luta sindical. Em segundo lugar, a prática constante da solidariedade de classe fortaleceu o papel dos sindicalistas não só nas fábricas, mas também no território onde eles estão presentes nas lutas sociais. Esses princípios nos ajudaram a resistir durante os anos de ditadura, sobretudo quando os golpistas começaram a prender quase todos os dirigentes sindicais – que passaram a atuar na clandestinidade – para implantar os sindicatos amarelos. A solidariedade de classe e a disciplina se forjou nesse duro período, quando milhares de trabalhadores foram presos e sistematicamente torturados para quebrar a moral e o espírito de militância. A ditadura manifestou um grande componente de ódio de classe porque os trabalhadores uruguaios, 24 horas após o golpe de Estado, proclamaram uma greve geral com 100 mil pessoas que, durante 15 dias, cruzaram os braços. Por isso, nos sindicatos, a repressão foi tremenda. Com a democratização, os sindicatos logo voltaram a crescer e se reorganizar. Agora é necessário lembrar que a CNT foi criada no Uruguai por imigrantes europeus anarquistas, comunistas e social-democratas, que criaram um código de convivência política que, com o tempo, se tornou tradição política pela unidade do movimento sindical e que ainda sobrevive no PIT-CNT. Com o neoliberalismo, muitos sindicatos quebraram e outros foram cooptados. O que aconteceu aqui no Uruguai? A partir do fim da década de 1980, o Uruguai registrou altas taxas de investimento industrial e o aumento da produção foi considerável. Entretanto, o modelo neoliberal começou a atacar nossa estrutura sindical para abrir as portas às privatizações Contra isso, em 1992, a central mobilizou não só todos os sindicatos, mas a so-

ciedade, de forma que conseguimos impor um plebiscito que derrotou a proposta de privatizar as empresas públicas. Essa foi uma vitória importante contra a direita e as multinacionais. A relação política do PIT-CNT com o governo da Frente Ampla é complexa, mas não é conflituosa. Pode explicar suas opções? Houve consenso em encontrar um ponto de equilíbrio para que a central mantivesse sua autonomia histórica, sem se desqualificar, transformando-se em uma entidade do governo, como aconteceu, por exemplo, na Espanha com a UGT no primeiro governo de Felipe González. Por outro lado, sabíamos que, ao fazer oposição, nos colocariam ao lado dos algozes que torturaram nossos companheiros na década de 1970. Por isso, no início foi uma relação traumática, porque o governo da Frente Ampla – mesmo sendo de esquerda, com uma uma proposta de mudanças e um programa de reformas – na hora de ir para as votações recuava porque a direita o atacava a fundo nas ruas e sobretudo na mídia. Foi uma situação difícil que não era aceita pelas bases que queriam as reformas. Diante disso, a PIT-CNT promoveu a chamada “Coluna Vertebral das Mudanças”, através da qual começamos as mobilizações para pressionar o governo setorialmente. Nessa lógica, conseguimos importantes resultados na reativação dos Conselhos de Negociação Paritária. Com eles, conseguimos dar a todos os trabalhadores salários mais dignos. Entretanto, não pudemos convencer o governo de que estava na hora de implementar projetos para a redistribuição da riqueza. Na realidade, nós não atacamos um governo formado por homens de esquerda da mesma forma como atacávamos os governos do Partido Colorado. Porém, exercitamos nele uma contínua pressão para que aprofunde as mudanças sem ter medo da direita.


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internacional

Governo espanhol tenta estender o apartheid político ao resto do país Reprodução

ESPANHA Em entrevista, integrante de partido anticapitalista analisa a tentativa de sua ilegalização a partir de manobra do Executivo, partidos majoritários e meios de comunicação Igor Ojeda da Redação CINCO DIAS depois do Tribunal Supremo da Espanha impugnar a candidatura da Iniciativa Internacionalista – a Solidariedade entre os Povos (IISP) para o Parlamento europeu, o Tribunal Constitucional do mesmo país reverteu a decisão. Assim, de acordo com a sentença de 21 de maio, o partido autoqualificado de anticapitalista poderá apresentar sua lista eleitoral no pleito do dia 7 de junho. Em 16 de maio, o Tribunal Supremo havia ilegalizado a candidatura da IISP (leia matéria na edição 325) sob o argumento de que a relação de nomes apresentados pelo partido estaria sendo usada pelo ETA (braço armado da luta pela independência do País Basco) para “elevar a moral” de suas bases. Já o Tribunal Constitucional, após aceitar o recurso de amparo impetrado pela IISP, considerou que os indícios nos quais o Supremo se baseou para decidir pela impugnação não demonstram outra coisa do que “coincidência ideológica” entre a organização e o ETA-Batasuna (este último, braço político do primeiro) , “mas que não evidenciam um compartilhamento de vontades entre este e aquela, muito menos a utilização, por parte da IISP, de métodos violentos como instrumento de atuação”. Além disso, segundo o órgão, não se demonstraram vínculos financeiros ou logísticos entre ETA-Batasuna e a Iniciativa Internacionalista. Na sentença, o Tribunal Constitucional lembra, ainda, que o Estado deve defender o regime de liberdades “sobre a base de certezas baseadas em dados que tenham credibilidades, mas nunca a partir de suspeitas que, por mais razoáveis que possam ser em termos políticos, devem ficar descartadas

Existem antecedentes na Espanha desse tipo de perseguição a um partido ou movimento político?

Desde o começo de 2000, o PP e o PSOE fizeram, de mãos dadas, uma Lei de Partidos destinada a ilegalizar as organizações bascas que lhes eram incômodas. Durante os últimos anos, os diferentes governos espanhóis ilegalizaram organizações políticas, juvenis, jornais, rádios, revistas etc. A esquerda abertzale [diferentes organizações do MLNV] está vetada e não pode se apresentar a nenhuma eleição política. Agora, o governo e o PP buscavam estender esse veto a organizações políticas de esquerdas independentistas e anticapitalistas da Catalunha, Castilla, Galícia, Andaluzia, dentre outras.

como elemento de conformação da vontade do poder público”. Para Josep Garganté, o terceiro na lista eleitoral da IISP para as eleições de 7 de junho, “o governo espanhol vem tentando estender o apartheid político que se vive no País Basco ao restante do Estado espanhol. Desgraçadamente para eles, não se deram bem”, avalia, em entrevista por correio eletrônico.

Brasil de Fato – O que é a Iniciativa Internacionalista?

Josep Garganté – É uma candidatura para as eleições europeias formada por trabalhadores da Catalunha, de Castilha, Galícia, Andaluzia, Canárias etc. que está para enviar à merda este sistema podre capitalista e aos que se beneficiam dele. Nossa candidatura defende uma sociedade baseada na ideia dos velhos barbudos “de cada um segundo, suas possibilidades; para cada um segundo, suas necessidades”.

Por que a Iniciativa Internacionalista incomoda o governo espanhol?

Porque podemos ser a voz dos sem voz. Não somente poderemos levar a mensagem de milhares e milhares de bascos e bascas que hoje não podem se candidatar (coisa que preocupa, em muito, o governo), mas também significamos a voz de milhares e milhares de trabalhadores e trabalhadores que querem dar um bofetão em todos os ricos e em todos os miseráveis políticos “profissionais”. A possibilidade de que possamos conseguir alguma representação no Parlamento europeu não os faz rir nem um pouco.

Como se explica a decisão do Tribunal Supremo da Espanha de impugnar a candidatura da Iniciativa Internacionalista?

Inicialmente, os meios de comunicação mais de direita (Cope, ABC etc.) começaram a campanha de intoxicação, tachando nossa candidatura de ser parte do ETA. Mais tarde, se incluíram o PP (partido dos exfranquistas) e o PSOE (partido da esquerda capitalista) e o resto dos grandes meios de comunicação. A IU (Izquierda Unida, partido da esquerda “radical” capitalista) também começou a aceitar o que dissesse a “Justiça Espanhola” e pressionou dirigentes e detentores de cargos dessa formação que haviam prestado apoio a nossa candidatura que o retirassem. Dessa maneira, e com uma caça às bruxas tremenda, nos tachando de membros do ETA sem prova alguma, o Tribunal

Existe alguma relação da Iniciativa Internacionalista com o ETA? E com a luta basca?

Superior decidiu nos ilegalizar. Como consequência de uma campanha de demonstrações de apoio de gente do mundo cultural, sindical, político etc., decidimos recorrer ao Tribunal Constitucional (TC) contra a criminalização que estávamos sofrendo. Ao sair à luz cada vez mais que as provas que o Tribunal Superior apresentava eram grotescas (por exemplo, ter assinado algo em apoio a um preso basco, ter

estado em uma manifestação do Movimento de Libertação Nacional Basco – MLNV etc.), o TC acabou nos dando razão e podemos nos apresentar nas eleições europeias.

O senhor acredita que o governo espanhol (do PSOE de José Luis Zapatero) tem alguma coisa a ver com a decisão de impugnação?

Não há nenhuma dúvida. Diferentes ministros, entre eles o mais patético, um tal de Rubalcaba [Alfredo Pérez Rubalcaba, ministro do Interior], lançou mensagens do tipo: “devese escolher entre as bombas ou os votos”. O governo espanhol vem tentando estender o apartheid político que se vive no País Basco ao restante do Estado espanhol. Desgraçadamente para eles, não se deram bem.

Nossa candidatura simpatiza abertamente com o MLNV. Estamos ao lado de todos os trabalhadores e trabalhadoras do País Basco, que em 21 de maio fizeram uma greve geral contra a crise, os patrões, o governo do PSOE-PP e os sindicalistas vendidos do CCOO e da UGT. Portanto, para nossa candidatura, é um orgulho ver como a extrema direita, a direita e a esquerda capitalista espanhola latem como cães ao verem que podemos nos candidatar e que dizemos em alto e bom som que vamos atrás deles.

VIETNÃ Ricardo Stuckert/PR

Exploração de bauxita ameaça ambiente no Vietnã SUDESTE ASIÁTICO General Vo Nguyen Giap, um herói das guerras contra França e EUA, lidera resistência contra projeto que será empreendido por transnacional chinesa Tom Fawthrop de Hanói (Vietnã) Cinquenta e cinco anos depois de comandar a vitória militar histórica dos vietnamitas contra a França colonialista na Indochina, o general Vo Nguyen Giap ainda luta. Aos 98 anos, seus novos combates – com palavras, não com armas – visam a salvar o Vietnã de outro inimigo: a mineração de bauxita. Em busca de rápido desenvolvimento econômico, o governo do Vietnã planeja extrair cerca de 5,3 bilhões de toneladas de bauxita, principal insumo para a produção de alumínio, de minas localizadas quase todas no planalto central do país, na província de Dak Nong. Giap, que comandou o exército que derrotou os franceses em Dien Bien Phu, no dia 7 de maio de 1954, conclamou o governo vietnamita a suspender esses planos, em nome da preservação do meio ambiente, do risco a que expõe minorias ét-

nicas que habitam a região e porque implicam ameaça à segurança nacional. O homem que também comandou o exército do Vietnã do Norte, que igualmente derrotou os EUA nos anos de 1960, já publicou duas cartas abertas – a segunda das quais em abril –, contra os planos governamentais de extração de bauxita; sua atitude parece que, afinal, começa a inspirar outros militantes. Em rara manifestação de oposição ao partido comunista que governa o país, 135 intelectuais e cientistas divulgaram abaixo-assinado que foi entregue ao presidente da Assembleia Nacional, em Hanói. “Não podemos continuar a extrair bauxita. A exploração terá graves consequências sobre o meio ambiente, a sociedade e a defesa nacional”, diz o texto. Os signatários também conclamam o governo a suspender outros projetos de extração de bauxita no planalto central até que se completem os estudos de impacto ambiental.

Ambiente vs. economia

Entretanto, Nguyen Tan Dung, primeiro-ministro, definiu a mineração de bauxita como “a principal política do partido e do Estado”, e disse que os projetos não serão suspensos enquanto prosseguem os estudos de impacto ambiental. Mas, para o professor Vo Quy, um dos mais conhecidos especialistas vietnamitas em meio ambiente, “os danos ao ambiente são muito maiores que qualquer benefício econômico. Apoio o esforço nacional de desenvolvimento, mas não a mineração de bauxita em grande escala”. E acrescenta: “As terras altas do centro do país são região de imensa beleza, que têm alto potencial para atrair projetos de ecoturismo, além de ser zona de produção agrícola”. A extração da bauxita gera centenas de toneladas de lixo tóxico, chamado “lama vermelha”, como informam o professor Quy e outros especialistas. Os ambientalistas vietnamitas temem que esses resíduos tóxicos contaminem rios

O general Vo Nguyen Giap

que correm por regiões densamente povoadas, inclusive pelo importantíssimo delta do rio Mekong, no sul – onde há fazendas de criação de peixes e as áreas de mais alta produção de arroz do país. Nas duas cartas, o general Giap convoca cientistas, administradores e ativistas a “sugerir ao partido e ao Estado que construam melhores políticas para a extração de bauxita no planalto central”. “Minha opinião é que não devemos explorar a bauxita. Essa exploração implicará graves danos ao meio ambiente, à sociedade e à defesa nacional”, escreveu. Ele também cita um relatório de 1980 que chama a atenção do governo para a evidência de que “a exploração da bauxita naquela região causará dano ecológico devastador, com graves consequências e danos de

longo prazo ao meio ambiente, que afetarão não apenas os habitantes locais, mas também o meio ambiente e a vida das populações que habitam as planícies do sul das províncias do centro do país”.

Contratos já assinados

Apesar da ação de Giap, já há contratos assinados com uma subsidiária da gigante chinesa Chinalco, que produz alumínio, para extração de bauxita no planalto central do Vietnã. A empresa organizou, em abril, um seminário de especialistas em Hanói para discutir meios para reduzir os danos ambientais. A companhia também informou que o projeto da extração de bauxita no Vietnã seria de pequena escala, com restrições quanto ao número de trabalhadores chineses.

Para os críticos, a presença de milhares de mineiros chineses na área estratégica do planalto central implica inaceitável ameaça à segurança, considerada a longa história de conflitos entre o Vietnã e seu vizinho do norte. O escritor Nguyen Thien diz que o projeto “é ilógico e irracional; há quem desconfie de negócios secretos entre o Vietnã e a China, com implicações estratégicas”. Para outros, a mineração de bauxita não é viável nem no plano econômico, porque exige grande quantidade de eletricidade e água – fatores de produção cuja oferta é restrita no Vietnã. Para o professor Dao Cong Tien, ex-reitor da Escola de Economia da Universidade Ho Chi Minh, a mineração naquela região implicará uso de grande quantidade de água e racionamento para os produtores agrícolas da região. Nguyen Huu Ninh, que recebeu o Prêmio Nobel por estudos sobre mudança do clima, não vê qualquer benefício para a região. “Não faz sentido investir num projeto que não beneficia a população local”, diz. Mas, apesar de todas as dúvidas e objeções, o governo tem dito que o Projeto Bauxita não será suspenso. É possível que a luta para defender o planalto central do Vietnã contra o avassalador crescimento da economia chinesa seja, para Giap, que já derrotou a França e os EUA, sua mais dura guerra (Al-Jazeera, tradução NovaE – www.novae.inf.br).


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cultura Fotos: Maria Aparecida/MST

A viola

caipira MÚSICA Encontro de Violeiros teve bom público, que vibrou ao som de mestres do cancioneiro popular

Em sua 5ª edição, o encontro reuniu músicos e amigos em celebração da cultura sertaneja

no interior de SP Eduardo Ribas de Ribeirão Preto (SP) MAIS DE 40 duplas de todo país passaram pelo palco do Sítio Pau D’Alho, em Ribeirão Preto (SP), no 5° Encontro Nacional de Violeiros. O público, presente em grande número, apreciou o evento, que foi realizado nos dias 23 e 24 de maio. Para o agricultor João Silvan de Souza, por exemplo, a festa valeu o esforço para convencer sua esposa, que ainda não conhecia o encontro. “Ela ficou um pouco acanhada, mas como eu venho há três anos, já me sinto em casa”. Nascido e criado na roça, João se identifica com o som da viola. “Gosto bastante dessa música raiz, é do jeito da gente”. Os shows foram realizados em um local simbólico, logo abaixo de uma figueira com mais de 100 anos, que dava um clima mítico aos acordes das violas e aos “causos” musicados. Nomes como o da dupla de meninos Luís Gustavo e Luis Augusto, Minerin (do coletivo cultural nacional do MST), os carismáticos Galvan e Galvãozinho e o show-man e organizador Pereira da Viola passaram pelo palco. “O que era apenas para ser uma brincadeira virou uma coisa séria”, simplifica José Rodrigues Pereira, o Pereira da Viola, que é também presidente da Associação Nacional de Violeiros (ANV). A criação dessa “entidade” foi resultado da primeira edição do Encontro de Violeiros, tendo como objetivo resgatar a cultura sertaneja, além de lutar por melhores condições de trabalho para a categoria. Pereira explica o porquê da existência de um encontro que deixa os violeiros sob os holofotes: “A viola traduz o sentimento da cultura popular que mapeia todo esse Brasil, e não há como falar de cultura popular brasileira sem que a viola esteja inserida”.

Juntos há 40 anos, Galvan e Galvãozinho, violeiros tradicionais e oriundos de Anápolis (GO), empolgaram o público. Com um visual bem particular e com vistosos chapéus e botas que dariam inveja a qualquer peão de boiadeiro, a dupla fazia questão de cumprimentar a todos que cruzavam seu caminho. “Estamos gostando demais da conta! É a primeira vez que nos apresentamos aqui e achamos muito importante, pois nós encontramos pessoas que não conhecíamos e tínhamos vontade de conhecer”, conta Galvãozinho. Se houver um convite no próximo ano, os goianos garantem que voltam. Os violeiros não são pré-selecionados, é marcado o dia e os músicos simplesmente aparecem, aproveitando também para trazer amigos. O 5° Encontro de Violeiros contou também com homenagens aos mestres da viola e da luta pela terra, como o militante e poeta centenário Luís Beltrame. A festa aconteceu em meio às celebrações do 25º aniversário do MST, um dos principais or-

ganizadores desse encontro. Para a organização, a avaliação foi positiva e as expectativas não deixaram a desejar. “Missão cumprida”, conclui Mineirin.

Samba Apesar da valorização da cultura caipira, o encontro abriu espaço, nessa edição, para o samba, representado pela união de músicos da “Unidos da Lona Preta” e da “Comuna do Samba”. Este, por sua vez, é um projeto recente, que teve início em 2008 na comuna urbana (assentamento) de Jandira, onde amantes do gênero resolveram se encontrar para tocar, cantar, compor e escutar samba. Após se apresentarem em outros espaços, apareceu o convite para “quebrar o protocolo” e tocar em meio às violas. “A receptividade foi a melhor possível, o pessoal entendeu nossa proposta de que a música popular, que se faz na cidade ou no campo, são dois galhos da mesma árvore”, explica Tiarajú D’Andrea, responsável pelo cavaquinho e por puxar os sambas desse grupo.

RESENHA

Um retrato honesto da Venezuela Livro analisa conquistas e limites do processo político venezuelano Igor Fuser Na lista dos demônios da mídia empresarial, o posto número 1 pertence, disparado, a Hugo Chávez, com sua boina vermelha e língua ferina. Raramente se passa um dia sem que alguma publicação da chamada “grande imprensa” despeje regulares doses de veneno contra o presidente venezuelano, apresentado como louco, fanfarrão, ditador ou incompetente. Essa cantilena se mantém há mais dez anos. Para ser exato, desde o início de 1999, quando o antigo coronel iniciou, após sua chegada ao governo, a transformação de um dos países de estrutura social mais iníqua no planeta – mais

de 50% dos habitantes na miséria, em contraste com os lucros nababescos das exportações de petróleo – em uma referência mundial para todos os que cultivam os valores da justiça e da igualdade. O livro de Gilberto Maringoni (A Revolução Venezuelana, Editora Unesp, 2009) merece ser saudado como um antídoto perfeito contra a manipulação informativa que, na imprensa brasileira, atingiu as raias de uma lavagem cerebral. Jornalista e historiador, Maringoni fala de um tema que conhece em primeira mão. Viajou várias vezes à Venezuela e lá entrevistou quase todos os nomes que valiam a pena no tumultuado enredo político local – dos caciques da oposição conservadora, como Teodoro Petkoff, às figuras mais graduadas do regime esquerdista, entre as quais o próprio Chávez, além das mais variadas fontes na esfera acadêmica. Com dados confiáveis em mãos, o autor desvenda o enigma oculto sob a campanha midiática antichavista: como é

possível que um caudilho supostamente tão desastrado mantenha altíssimos índices de apoio popular durante tanto tempo? É errado reduzir, como insistem os detratores da experiência venezuelana, o prestígio de Chávez à bonança petroleira da última década. A Venezuela já viveu outros períodos de alta dos preços do petróleo sem que a população tivesse tido acesso a mais do que umas magras migalhas do banquete. A marca da gestão chavista é algo que as primeiras gestões municipais petistas defendiam no Brasil e que, lamentavelmente, diluiu-se no lodaçal dos compromissos com as classes dominantes: a inversão das prioridades em favor das multidões oprimidas, ainda que ao preço do confronto aberto contra as elites privilegiadas. Na Venezuela, os gastos sociais aumentaram de 8,2% do PIB, em 1998, para 13,6% em 2006. Os índices de pobreza caíram de 55,1% para 27,5%. O salário mínimo se elevou numa escala sem precedentes em qualquer outro país do chamado Terceiro Mundo, e

Serviço A Revolução Venezuelana Gilberto Maringoni 200 páginas - R$ 20 Coleção: Revoluções do Século 20

milhões de venezuelanos passaram a ter acesso a uma infinidade de benesses antes inalcançáveis – desde serviços essenciais, como assistência médica e dentária, aos ícones do consumo descartável, como telefones celulares. Nesse cenário em que a mudança passa do plano da retórica para a

existência cotidiana, torna-se fácil entender porque Chávez foi vitorioso em todas as frequentes consultas eleitorais que promoveu, com apenas uma exceção. O grande mérito de Maringoni é que ele não se limita a salientar as conquistas do processo político venezuelano, mas também aponta, sem medo de entrar em polêmica com os defensores mais entusiastas do chavismo, os limites do festejado “socialismo do século 21”. Concretamente: após dez anos de “revolução bolivariana”, o velho modelo de desenvolvimento dependente latino-americano, erigido com base na exportação de produtos primários (no caso, o petróleo), permanece inalterado. Os ganhos desse modelo, é verdade, passaram a beneficiar, pela primeira vez, a maioria da população, sobretudo depois que Chávez retirou a estatal Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA) das mãos da camarilha que a controlava, enquadrando a empresa sob o controle público. Mas o caminho ainda está no seu início: “O Estado continua ineficiente, lerdo, corrupto e

avesso às interferências populares”, escreve o autor. Mesmo que seja prematuro falar em uma verdadeira revolução na Venezuela, é inegável que o governo de Chávez mudou a face política daquela sociedade e, em certa medida, de toda a América do Sul. A influência venezuelana se faz presente em todo um conjunto de países onde, pela primeira vez, o poder de Estado passa a ser exercido em benefício das maiorias. Como afirma Maringoni, referindo-se à época de ofensiva conservadora mundial pós-1989: “A Venezuela é, com todos os problemas, o país onde mais se avançou, nesse período, na contestação ao neoliberalismo e no questionamento do poder global dos Estados Unidos.” Aí reside a explicação para o ódio que Chávez desperta entre os donos da mídia brasileira e internacional. Ele é, de fato, um sapo difícil de engolir. Igor Fuser é jornalista, professor na Faculdade Cásper Líbero, mestre em Relações Internacionais, doutorando em Ciência Política na Universidade de São Paulo e membro do Conselho Editorial do Brasil de Fato.


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