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Circulação Nacional

Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 7 • Número 327

São Paulo, de 4 a 10 de junho de 2009

Leandro Konder: Memórias de um intelectual comunista Leandro Konder, que lançou sua autobiografia Memórias de um intelectual comunista, continua acreditando no socialismo como caminho para uma sociedade igualitária e democrática. Em entrevista, ele fala sobre o papel dos movimentos sociais e dos partidos e aponta a ética como motor para a continuidade da luta. Pág. 5

R$ 2,50 www.brasildefato.com.br

Transnacionais são denunciadas por desmatamento da Amazônia No dia 1º, o Ministério Público Federal iniciou 21 processos judiciais contra fazendas e frigoríficos, pedindo o pagamento de R$ 2,1 bilhões em indenizações por danos ambientais. 69 empresas receberam notificações pela compra de insumos obtidos com desmatamento ilegal na Amazônia. Dentre elas estão o Carrefour, Wal-Mart, Bompreço e Pão de

Açúcar. Nove das fazendas processadas pertencem à agropecuária Santa Bárbara, do banqueiro Daniel Dantas. Além disso, um relatório do Greenpeace sobre a indústria da pecuária brasileira revela que marcas famosas, como Nike, Adidas, BMW, Gucci, Timberland, Honda, Wal-Mart e Carrefour, impulsionam o desmatamento da Amazônia. Págs. 2 e 6 Randall A. Clinton/US Army

Leandro Uchoas

Governo dos Estados Unidos compra 60% da GM Uma das maiores montadoras de automóveis do mundo – e símbolo do capitalismo estadunidense – pediu concordata no dia 1º. A transnacional, que acumulou mais de 170 bilhões de dólares em dívidas, passará por um plano de reestruturação, no qual receberá mais de 70 bilhões do governo de Barack Obama e demitirá 21 mil funcionários. “Essa falência é um exemplo da lógica que faz os trabalhadores pagarem pela crise”, define o metalúrgico gaúcho Milton Viário. No Brasil, sindicalistas apostam em aumento da pressão por produtividade. Pág. 3

Mobilização contra obra da Petrobras deixa um morto Pescadores da praia de Mauá, em Magé (RJ), protestam contra o projeto GLP Submarino, da Petrobras, desde março. No dia

Soldado da Otan durante revista de moradores da Província de Helmand, no Afeganistão

Paquistão e Afeganistão, novos “Iraques” Os EUA e a Otan estão reforçando seus efetivos no Afeganistão. O pretexto é combater o crescimento

22 de maio, autoridades municipais embargaram a obra. Seis horas depois, Paulo César Santos foi espancado e morto. Pág. 7

dos Talibãs no país invadido desde 2001 e no Paquistão. No entanto, analistas internacionais acreditam que a Eric Lafforgue

CPI da Dívida está há 6 meses esperando por sua instalação

Tiago Santana

Paraguai pede interpretação justa de Tratado de Itaipu

O Cariri encantado se revela Um “oásis” repleto de “pedras e pessoas encantadas” está em exposição no Sesc Ipiranga, em São Paulo, na “Mostra Cariri, ser tão cultura”, em cartaz até 7 de junho. Na sua formação antropológica, a

região fincada no meio do semi-árido seduziu grupos humanos, produzindo o sincretismo cultural e religioso. A mistura impulsionou a criação de mitos como Padre Cícero e Patativa do Assaré. Pág. 8

intenção é o controle geopolítico da região, próxima a potências bélicas, como o Irã, Rússia e China. Pág. 11

No início de julho, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, deverá viajar ao Paraguai para discutir a questão da hidrelétrica de Itaipu com o presidente Fernando Lugo. Em entrevista ao Brasil de Fato, o ministro paraguaio das Relações Exteriores, Héctor Lacognata, mostra-se confiante em relação aos temas mais polêmicos das negociações, que ele acredita que podem avançar. Mas dá o recado: “o Paraguai não defende a renegociação do tratado, se não a sua interpretação cabal”. Pág. 9

Coreia do Norte – Armas nucleares para se defender dos EUA Pág. 12

Reprodução

AFOGANDO EM NÚMEROS

A GM vai demitir 21 mil funcionários, apesar dos 70 bilhões de dólares que receberá do governo dos EUA. O valor é 760 vezes maior do que o preço que o Real Madrid deve pagar ao Milan pelo jogador brasileiro Kaká (92 milhões de dólares). Ou seja, poderiam ser formadas 69 equipes de futebol escaladas apenas com “Kakás”.

ISSN 1978-5134

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar a dívida pública e o pagamento de seus juros, que comprometem cerca de 47% do orçamento da União, completa seis meses de criação no dia 8. Mas, para que passe a funcionar, os maiores partidos da Câmara Federal precisam preencher as suas vagas. Ivan Valente (Psol/SP), autor do requerimento da CPI, critica a lentidão, reconhecendo a hegemonia do capital financeiro no país e no Congresso. Ele entende que a comissão só terá sucesso se encampada pela sociedade civil, que, por meio da pressão, fará com que o inquérito questione a centralidade da dívida na política econômica nacional. Pág. 4


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editorial A QUESTÃO ambiental tem hoje a dimensão da humanidade. Os problemas provocados pela elevação da temperatura da Terra estão apenas começando, e os dramas humanos e sociais que se seguem às mudanças climáticas bruscas, cujas causas estão no referido aquecimento global, são cada dia mais comuns. O Brasil já está sendo atingido em cheio pelas consequências da mudança climática. Basta elencar alguns fatos ocorridos nos últimos anos: seca na Amazônia e no Sul do país, enchentes no Nordeste, destruições por chuvas torrenciais em Santa Catarina e Minas Gerais, avanço da desertificação, riachos desaparecendo. A alteração do regime de chuvas é a primeira consequência que atinge todo o território nacional. Em uma situação como essa, era de se esperar uma grande mobilização da sociedade para diminuir e controlar as emissões dos gases de efeito estufa e ao mesmo tempo aumentar a cobertura florestal, de modo a contribuir com a descarbonização do planeta. Não é o que se vê da parte do agronegócio brasileiro e das transnacionais que o sustentam. Até hoje, apenas devastaram. Só para se ter ideia, o setor pecuário na Amazônia é responsável por quase 14% do desmatamento anual global – 1,72 milhão de hectares são

debate

Agronegócio e transnacionais são inimigos do meio ambiente desmatados na floresta todos os anos e 12,57 milhões de hectares por ano são desmatados globalmente. Destruíram nossos principais biomas (Mata Atlântica, Pinheirais, Cerrado) e agora avançam celeremente para acabar com o que resta dos biomas Amazônia, Pantanal e Pampa. A pecuária brasileira é hoje o maior vetor de desmatamento no mundo e a principal fonte de emissões de gases do efeito estufa do Brasil, segundo um estudo do Greenpeace. Em seu relatório A farra do boi na Amazônia, sobre a indústria da pecuária brasileira, a ONG revela que transnacionais de marcas de fama mundial, como Nike, Adidas, BMW, Gucci, Timberland, Honda, Wal-Mart e Carrefour, têm contribuído para o desmatamento da Amazônia. Um outro levantamento, feito pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), mostra que empresas da cadeia da pecuária contribuem para a devastação na Amazônia, comer-

cializando bois criados em áreas desmatadas ilegalmente. O MPF iniciou 21 processos judiciais contra fazendas e frigoríficos, pedindo o pagamento de R$ 2,1 bilhões em indenizações pelos danos ambientais à sociedade brasileira. Carrefour, Wal-Mart, Bompreço e Pão de Açúcar estão entre as empresas notificadas. Um dos frigoríficos processados é a Bertin S.A., que comprou gado de fazendas multadas pelo Ibama e de uma que fica dentro de uma reserva indígena. Dentre as fazendas irregulares, nove pertencem à agropecuária Santa Bárbara, da empresária Verônica Dantas Rodenburg. (ver matéria na pág. 6) Ora, o Estado brasileiro, que tem entre suas atribuições zelar pela conservação da Floresta Amazônica, tem sido aliado das transnacionais e dos pecuaristas, subsidiando-os e incentivando-os nessa criminosa destruição. Como a sociedade lhes cobra esses crimes, querem agora destruir a legislação ambiental, de modo especial o Código Florestal, que nunca foi

crônica

Comissão Pastoral da Terra

Justiça sem privilégios

famílias, detendo e torturando em seguida sete trabalhadores. Sobre eles foi jogada gasolina e foram ameaçados de serem incendiados vivos. O carro de um membro do movimento foi queimado. As sessões de tortura só pararam ao raiar do dia, quando os encapuzados se retiraram e chegaram policiais, que também intimidaram e ameaçaram os trabalhadores, que foram levados para o posto da Polícia Rodoviária Federal e, em seguida, transferidos para o 2º Batalhão de Polícia em Campina Grande (PB). As acusações contra eles: incêndio, porte ilegal de arma de fogo e disparo de arma. Foram acusados pelas agressões que sofreram. A ouvidora agrária do Estado constatou que os dois trabalhadores presos apresentavam sinais visíveis de espancamento e que o sr. Nilton apresentava sinais de queimaduras. Não é de se admirar os trabalhadores receberem esse tratamento. Secularmente assim foram tratados. O que nos causa indignação é que se proclame igualdade de direitos e de tratamento quando, em menos de 48 horas, se concedem dois habeas corpus a um banqueiro acusado de crimes contra o patrimônio público e de tentativa de suborno enquanto se deixam dias sem fim trabalhadores presos sem qualquer julgamento; quando nenhum dos “seguranças” da Agropecuária Santa Bárbara e Maria Bonita, no sul do Pará, de propriedade de Daniel Dantas, responsáveis pelo ferimento de oito sem-terra, no dia 18 de abril, e por outros três no dia 9 de maio, esteja preso; quando uma grande empresária condenada a 94,5 anos de prisão pelos crimes de formação de quadrilha, contrabando e falsifi-

Frei Betto

Professores de ética Gama

“Ai dos que absolvem o injusto a troco de suborno e negam fazer justiça ao justo” (Isaías 5, 23) NO DIA 25 de maio, completou-se um mês em que quatro trabalhadores – Roquevam Alves Silva, Odércio Monteiro Silva, Maria Edina Almeida Moreira e Esmael Rodrigues Siqueira – ligados ao Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) estão presos, em Belém (PA). Completaram-se, também, 25 dias de prisão de Osvaldo Soares Meira e Nilton Tavares de Araújo, militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Campina Grande (PB). Diante do tratamento dispensado pelo Judiciário aos pequenos deste país, sobretudo aos camponeses e camponesas, é que a Comissão Pastoral da Terra (CPT) vem hoje se manifestar. Que crimes cometeram esses trabalhadores? No dia 24 de abril, 400 pessoas participaram de uma ocupação do canteiro de obras das eclusas da Hidrelétrica de Tucuruí (PA). Era um protesto contra a execução do sindicalista Raimundo Nonato do Carmo, de 53 anos, ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Tucuruí, assassinado no dia 16 de abril, e uma reivindicação de direitos negados. Após 25 anos da construção da barragem de Tucuruí, muitas famílias ainda não receberam qualquer indenização e moram em favelas próximas às obras, sem condições básicas de infraestrutura, como energia elétrica. A 26 de abril, às 6 horas da manhã, 18 trabalhadores foram detidos pela Polícia Militar e levados à delegacia. Antes de serem conduzidos a Belém, foram obrigados a um “desfile” por toda a cidade de Tucuruí, exibidos como uma espécie de “troféu” da Polícia Militar. Contra eles se levantaram dez acusações, entre as quais as de sequestro; incitação ao crime; atentado contra segurança de serviço de utilidade pública; formação de quadrilha. Os presos, pescadores e camponeses que nunca se envolveram em qualquer tipo de ação criminosa, acabaram apresentando sintomas de depressão em virtude das humilhações sofridas e das péssimas condições da cadeia. No dia 15 de maio, 14 foram postos em liberdade. Permanecem ainda presos os quatro acima citados. Na Paraíba, no dia 1º de maio, Dia do Trabalhador, 60 famílias montaram acampamento às margens da BR-230, próximo à Fazenda Cabeça de Boi, município de Pocinhos, já desapropriada pelo Presidente da República em 4 de dezembro de 2008. Naquela mesma noite um grupo de homens encapuzados, liderados pela “proprietária” Maria do Rosário Rocha, disparou contra as

cumprido nem exigido, como uma licença para continuar devastando. Articulam-se no Congresso Nacional e nos Estados, com o argumento torto e falso de que cuidar do meio ambiente impede a produção e trava o desenvolvimento econômico do país, para criar uma legislação ambiental permissiva que lhes dê carta branca para devastar o que resta e se apropriar dos recursos naturais do país. Quem perderá com isso, novamente, é o povo brasileiro. Um outro exemplo é a tentativa de aprovar a medida provisória 458, que legaliza terras griladas de até 2.500 hectares na Amazônia. Por isso, organizações e ambientalistas estão no Senado Federal acompanhando, entre os dias 2 e 3, a votação da MP. Como parte de uma Jornada de Luta pelo Meio Ambiente, que teve início no dia 1º e vai até o dia 6, os ativistas protestam em Brasília contra a desconstituição da legislação e da política nacional ambiental. Em maio, essa MP 458 foi aprovada com alterações pela Câmara dos Deputados. E, caso

seja aprovada pelo Senado como está, a União poderá transferir, sem licitação, terras de até 2.500 hectares na Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão) para quem detinha sua posse antes de 1º de dezembro de 2004. Ou seja, o que hoje é feito de forma ilegal na Amazônia vai ser legalizado. Isso significa mais desmatamento, mais concentração das terras e aumento da violência no campo. O fato é que, até hoje na história do Brasil, quem mais preservou foram os camponeses e os índios. A agricultura familiar produz e preserva. O Código Florestal precisa ser adequado, e não alterado. Seus princípios básicos são sensatos e corretos. Práticas de manejo florestal e agroflorestal devem ser implementadas. Um amplo programa de educação ambiental deve ser feito, e o Estado brasileiro precisa construir políticas de apoio aos sistemas de produção que preservem o meio ambiente e cuidem do patrimônio natural do povo. Portanto, a sociedade brasileira precisa agarrar em suas mãos a luta coletiva para defender um ambiente saudável para esta e para as futuras gerações. E, para isso, precisa enfrentar e derrotar os destruidores de sempre, que só agem em função do lucro fácil.

cação de documentos tenha sido colocada em liberdade no dia seguinte à sua prisão por habeas corpus, enquanto que aos trabalhadores acusados pelas agressões das quais são vítimas se protela indefinidamente a concessão dos benefícios da lei. A prisão de políticos e empresários, em 2008, levantou um clamor geral por terem sido algemados. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) rapidamente aprovaram medida que restringia o uso de algemas, por violar o princípio da presunção de inocência. Os presos de Tucuruí tiveram que “desfilar” pelas ruas da cidade como um troféu. Por acaso alguma voz se ergueu neste país para condenar tal ato? O jurista Jacques Alfonsin analisa com clareza o tratamento dispensado aos trabalhadores pela Justiça brasileira. “Há uma espécie de código ideológico que tem poder superior a qualquer código de leis... Trata-se de uma cultura jurídica interpretativa dos fatos e das leis que pré-julga, por uma síndrome medrosa e preconceituosa, todo o povo pobre ativo – como são as/os semterra que defendem seus direitos – fechado numa clausura de suspeita antecipada de que ele é, por sua própria condição social, perigoso e tendente a praticar crimes.” Com Isaías, a CPT busca “ser fiel ao Deus dos pobres, à terra de Deus e aos pobres da terra” denunciando o tratamento desumano dispensado aos pobres do campo e exige que se faça justiça sem privilégios. Goiânia, 27 de maio de 2009. Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

É TAUTOLÓGICO falar em falta de ética no Congresso Nacional. Os escândalos se sucedem, do deputado que está “se lixando” para a opinião pública aos funcionários do Senado que, a exemplo de notórios senadores, ostentam um padrão de vida muito superior a seus vencimentos e à renda declarada. Felizmente há exceções. Lástima que a indignação e o protesto de parlamentares íntegros tenham pouca ressonância nas ruas. Em geral, noticiam-se farra de passagens aéreas, castelos mirabolantes, mansões paradisíacas. Poucos tomam conhecimento da coerência de parlamentares incorruptíveis, incapazes, inclusive, de aceitar caixa dois em suas campanhas eleitorais. A corrupção decorre da falta de caráter. Esta se manifesta, de modo especial, quando a pessoa se vê investida de uma função de poder, do policial que extorque o comerciante ou do delegado que embolsa pagamento de fianças ao empresário que suborna o funcionário público para obter licitações fajutas; do prefeito que se apropria dos recursos da merenda escolar a parlamentares que se julgam no direito de pagar, com dinheiro público, o salário de sua empregada doméstica. Como dar um basta em tanta maracutaia? Difícil. O ser humano padece de duas limitações insuperáveis: defeito de fabricação e prazo de validade. É o que a Bíblia chama de “pecado original”. Sempre haverá homens e mulheres desprovidos de caráter, de princípios éticos, dispostos a não perder a primeira oportunidade de enriquecimento ilícito. A solução não reside no cultivo das virtudes, que tem sua importância. Fosse assim, os colégios religiosos, onde estudaram Collor e Maluf, seriam fábricas de anjos. A solução é criar, via profunda reforma política, instituições que inibam os corruptos e mecanismos de controle popular. Em suma, tornar a nossa democracia, meramente delegativa, mais representativa e, sobretudo, participativa. Enquanto a solução não aparece, sugiro que convidem, para ministrar um curso de ética no Congresso Nacional, Suas Excelências José Gomes da Costa, Rodrigo Botelho, Francisco Basílio Cavalcanti, Clélia Machado, Sebastião Breta e Fagner Tamborim. O que essas pessoas fizeram não deveria ser considerado extraordinário. No entanto, frente aos casuísmos, ao nepotismo, à malversação, ao cinismo de parlamentares tentando justificar o injustificável, convém propalar o exemplo desses professores de ética. José Gomes da Costa é gari da prefeitura de São Paulo. Ganha R$ 600 por mês. Vinte e seis vezes menos que um deputado federal. Com este salário, sustenta a si e três filhos. Dia 18 de maio último, ao varrer a rua, encontrou um cheque do Banco do Brasil no valor de R$ 2.514,95. José precisaria trabalhar quatro meses, sem nenhuma despesa, para acumular essa quantia. Procurou uma agencia do banco e devolveu o cheque. Motivo: vergonha na cara. Gari, Rodrigo Botelho encontrou, em 26 de maio de 2008, durante Campeonato Mundial de Tênis de Mesa, no Rio, mochila com R$ 3 mil em dinheiro. Viu o nome do dono nos documentos, chamou-o pelo microfone e devolveu. Rodrigo é normal, tem caráter. Francisco Basílio Cavalcante, faxineiro do aeroporto de Brasília, pai de cinco filhos, ganha um salário mínimo. No dia 10 de março de 2004, encontrou uma bolsa de couro no banheiro do aeroporto. Dentro, 10 mil dólares e um passaporte. Se fosse juntar o salário que ganha, sem gastar um só centavo, levaria 3 anos e 4 meses para obter igual soma. Francisco declarou: “Tem que ser assim. O que não é nosso precisa ser devolvido. Um dinheiro que não é da gente não pode ser do bem. Não pode trazer felicidade”. Clélia Machado, 29, é auxiliar de serviços gerais e faz bico como manicure. Sozinha, cria duas filhas, uma de 7 anos, outra de 9. Sua renda mensal não chega a R$ 550. Todos os dias ela faz a faxina do banheiro do posto da Polícia Rodoviária Federal em Seberi (RS), onde trabalha há três anos. A 11 de março de 2008, encontrou, junto à privada, um pé de meia enrolado em papel higiênico. Dentro, 6.715 dólares. Clélia entregou os dólares aos policiais. Entrevistada, declarou: “Bem que podia ser meu de verdade. Mas já que não me pertencia, devolvi na hora. Era o certo a fazer.” O gari Sebastião Breta, 43, da prefeitura de Cariacica (ES), devolveu os R$ 12.366 mil que achou num malote no lixo. O nome do homem que fora roubado estava gravado numa etiqueta. Sebastião ganha salário mínimo. Indagado se pensou em ficar com o dinheiro, disse: “Nunca. Desde a primeira vez que vi sabia que devia devolver. Quando não consigo pagar as minhas contas fico doido, pensava o tempo todo como estaria o dono do dinheiro, imaginava que ele também não podia pagar suas contas porque tinha perdido tudo. Eu e minha mulher não conseguiríamos dormir à noite. Acho esquisito pegar o que não é da gente”. Fagner Tamborim, 17 anos, entregador de jornais na cidade de Pirajuí, a 398 km de São Paulo, ganha R$ 90 por mês. Enquanto pedalava sua bicicleta, encontrou na rua um malote com R$ 6 mil. Devolveu-o ao dono. “Vi que tinha muito dinheiro e cheques. Levei pra minha mãe, que ligou para o banco.” O melhor do Brasil é o brasileiro, não necessariamente nossos parlamentares. Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Verissimo, Cristovam Buarque e outros, de O desafio ético (Garamond), entre outros livros.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Luís Brasilino • Subeditor: Igor Ojeda • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Mayrá Lima, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte - Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Delci Maria Franzen, Dora Martins, Frederico Santana Rick, José Antônio Moroni, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800


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brasil

Trabalhadores da General Motors no Brasil temem reestruturação CRISE Após concordata da matriz, Estados Unidos anunciam que irão controlar filial brasileira “por um tempo” Reprodução

Dafne Melo da Redação DEPOIS DE ser a líder mundial de vendas no setor automobilístico por 77 anos (de 1931 a 2007), a General Motors pediu concordata de sua matriz estadunidense, no dia 1º. “A quebra da GM mostra a fragilidade e artificialidade do sistema capitalista”, opina Milton Viário, presidente da Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul. Nos últimos anos, a empresa, nos EUA, vinha acumulando dívidas; só de 2004 a 2008, foram 88 bilhões de dólares. Com a diminuição das vendas após a crise, o impacto foi fulminante. No total, declarou passivo de 172,81 bilhões de dólares, com ativos que somam 82,29 bilhões de dólares. Todo o processo de recuperação judicial da empresa irá durar de 60 a 90 dias. No final, o governo estadunidense terá 60% das ações da companhia; o canadense, outros 12,5%; e o sindicato nacional dos trabalhadores do ramo automobilístico, 17,5%. Os 10% restantes ficarão com acionistas, mas a empresa não terá mais suas ações negociadas na bolsa de valores de Nova York. A negociação ainda inclui a injeção de recursos para sanar as dívidas da GM. A administração Barack Obama dará 70 bilhões de dólares à companhia, dos quais 20 bi já foram liberados. O Canadá irá liberar 9,5 bilhões. O governo estadunidense afirma que sua perspectiva não é manter a empresa, mas repassá-la à iniciativa privada assim que ela se restabelecer.

“O Brasil vai se inserir nesse processo de reestruturação, aumentando as remessas para a matriz”, avalia presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos Apesar de toda a ajuda com verba pública, parte da reestruturação da montadora engloba o fechamento de 13 fábricas, de 2.400 concessionárias e demissão de 21 mil funcionários. “Essa falência é um exemplo da lógica que faz os trabalhadores pagarem pela crise”, define Milton Viário Mais remessas

A notícia da concordata não foi recebida com surpresa pelos sindicatos de metalúrgicos de regiões onde há montadoras da GM, mas sim com certa preocupação. O presidente da companhia no Brasil, Jaime Ardila, declarou em coletiva de imprensa que “o governo dos EUA será dono da ‘Nova GM’ e da GM do Brasil por um tempo”. A filial brasileira é uma das mais lucrativas do mundo e, apesar da crise, manteve sua rentabilidade. Além disso, soube aproveitar o momento para obter empréstimos junto ao governo brasileiro, demitir trabalhadores temporários no início do ano e conseguir benefícios como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na compra de automóveis. Os resultados dessa política aparecem no balanço positivo da empresa no primeiro trimes-

77 anos de liderança no setor não salvaram a General Motors da falência

Quanto

172,81 bilhões de

dólares é a dívida declarada da GM nos Estados Unidos

tre deste ano: fechou com lucro líquido de 42 milhões de dólares. Luiz Carlos Prates, o Mancha, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, conta que a remessa de lucro do Brasil para fora tem aumentado bastante nos últimos três anos, muito em função do aumento da produtividade das empresas no país. “O Brasil vai se inserir nesse processo de reestruturação, aumentando ainda mais as remessas para a matriz; isso significa que aumentará a sangria e a exploração dos trabalhadores”, avalia. O sindicalista conta que a direção da entidade se reunirá até o dia 5 com a presidência da GM do Brasil para obter informações a respeito da nova administração da empresa e exigir a manutenção dos empregos. “Queremos garantia de estabilidade diante desse futuro incerto”, explica. Cortes

O presidente da filial brasileira – que possui fábricas em São José dos Campos (SP), São Caetano do Sul (SP) e Gravataí (RS) –, Jaime Ardila, adiantou-se em informar que nada irá mudar para os consumidores brasileiros, mas não mostrou que a empresa tem a mesma preocupação em relação aos trabalhadores. Em coletiva, afirmou que os 21 mil empregos serão mantidos até o final de junho, quando acaba a redução do IPI. Depois disso, caso o governo não prorrogue a medida, demissões poderiam ocorrer. Milton Viário explica que, como a montadora não obterá mais lucros na bolsa de valores, vai buscar sustentar uma alta produtividade de suas fábricas a fim de manter seus ganhos. Aqui e na China, por exemplo, encontra terreno fértil. As fábricas são modernas e a mão-de-obra, barata. “No Brasil, um trabalhador da GM ganha oito vezes menos que um estadunidense; na China, 20 vezes menos. E o complexo de Gravataí é o mais moderno do mundo”, aponta.

ARTIGO

A “Nova GM” de Barack Obama: demissões e fábricas fechadas Proposta de Obama repete receita de seus antecessores e ajuda a transnacional com dinheiro público, além de permitir milhares de demissões John Nichols O problema com toda a teoria de “Nixon vai à China” – baseada no cálculo de que grandes progressos ocorrem quando um político contraria interesses para enfrentar um desafio aparentemente imbatível (como fez Richard Nixon ao visitar a China em 1972) – é que, às vezes, o gesto “ousado” é, na verdade, apenas mais do mesmo. Essa é uma importante realidade para se reconhecer no momento em que a grande mídia nos Estados Unidos começa a enaltecer a reestruturação da General Motors pela administração Obama e sua força-tarefa automobilística como uma corajosa e inovadora “nova” iniciativa para “salvar” a indústria manufatureira doméstica.

A falência e a ação de socorro à GM são a continuação das políticas pósindustriais dos anos Clinton e Bush Não é. A falência e a ação de socorro à GM são a continuação das políticas pós-industriais dos anos Clinton e Bush. Essas políticas, que incentivaram as empresas a fechar fábricas nos EUA e transferir a produção para países estrangeiros com

salários mais baixos e normas mais débeis, foram definidas por Wall Street e não pela economia real. O modelo de uma empresa estadunidense “saudável” foi definido por especuladores, que premiavam ações de curto prazo e brutais reduções de custos, mesmo que essas estratégias tenham resultado na perda de milhões de empregos, no fechamento de centenas de fábricas e na desindustrialização de comunidades, regiões e estados inteiros, que já estiveram entre os mais produtivos do mundo. Nada nessa velha maneira de fazer negócios faz sentido e foi ela que levou ao naufrágio da GM. Após décadas fechando fábricas, demitindo trabalhadores e deslocando a produção para o exterior, a empresa tem agora 172,81 bilhões de dólares de dívidas. Faria sentido uma mudança de rumo, e radical. Mas a administração Obama não está fazendo nada radical. Pelo contrário, ela pretende criar uma “Nova GM” que mantenha a linha da antiga GM. Se tudo correr de acordo com o plano, a “Nova GM” vai fechar pelo menos 20 fábricas nos estados de Michigan, Indiana, Ohio e Delaware. Outras unidades, no Tennessee e Michigan, serão colocadas em standby, para provável fechamento. Pelo menos 21 mil empregos de pais de família serão perdidos, com a empresa transferindo produção para novas instalações na China e outros países. Esses cortes seguem as pegadas dos fechamen-

tos de fábricas da GM no ano passado, que custaram dezenas de milhares de empregos e quebraram comunidades ao longo de toda a região dos Grandes Lagos (ao leste dos Estados Unidos, na divisa com o Canadá), justamente na hora em que a desaceleração evoluía para uma profunda recessão. Esse plano maciço de desindustrialização – com a rápida transferência para fora do trabalho que outrora era feito nos Estados Unidos – será pago pelo governo federal. Vai custar muito caro aos contribuintes estadunidenses a eliminação desses muitos empregos – Washington já entregou 20 bilhões de dólares à GM e ainda deve repassar mais 30 bilhões para os cofres da empresa. “Se o investimento vai ser recuperado ainda é uma questão em aberto”, diz o New York Times. Então, o que os contribuintes devem achar de um esquema que arrisca 50 bilhões de dólares num projeto que demite trabalhadores, fecha fábricas estadunidenses e transfere trabalho para o exterior, a fim de satisfazer especuladores que só valorizam estratégias perdedoras? O New York Times sugere que temos de ficar impressionados com a coragem tipo “Nixon-vai-à-China”, que estaria sendo exibida pelo presidente e sua força-tarefa automobilística. “A empresa também terá que abandonar 21 mil trabalhadores e entre 12 e 20 fábricas, passos que a maioria dos analistas jamais pensou que poderiam ser dados por um presidente democrata apoiado pelos sindicatos”, diz o jornal em sua primeira página. Poupem-nos. É preciso muito pouca coragem para um presidente democrata ficar do

lado das empresas transnacionais, tal e qual os seus antecessores democratas e republicanos fizeram. Coragem significa quebrar padrões e fazer algo ousado, como reconhecer que os Estados Unidos precisam de um setor manufatureiro e assumir o compromisso de modernizar indústrias básicas e manter o emprego dos trabalhadores qualificados. Isso não é rejeitar a globalização. É, sim, apostar num futuro em que os EUA resolvam competir ao invés de desistir.

É preciso muito pouca coragem para um presidente democrata ficar do lado das empresas transnacionais Um investimento de 50 bilhões de dólares do governo federal para fechar 20 grandes fábricas e liquidar 21 mil postos de trabalho não é um plano para “salvar”, nem muito menos para revitalizar a manufatura desse país. É um abandono dos trabalhadores e comunidades que acelera a desindustrialização dos Estados Unidos. Ele estimula os executivos da GM – sejam eles “velhos” ou “novos” – a se preocuparem mais com o valor das ações e menos com estratégias de longo prazo inteligentes (The Nation – Tradução do Portal Vermelho). John Nichols é analista político, social, econômico e cultural da revista The Nation.


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CPI da Dívida está parada na Câmara ECONOMIA Comissão que pretende investigar comprometimento de quase metade do orçamento foi criada há seis meses Luís Brasilino da Redação

O investimento em infraestrutura, neste ano, vem tendo um orçamento 95 vezes inferior ao da dívida pública Para o deputado federal Ivan Valente (Psol/SP), autor do requerimento da CPI, era obrigação dos parlamentares, num momento de crise econômica, instalar imediatamente a comissão e acelerar o seu funcionamento. Porém, ele reconhece a hegemonia do capital financeiro no país e o peso de setores que “não têm interesse em desvendar esse mistério, que é o de ocupar 47% do orçamento com a dívida”. Valente acrescenta que os parlamentares, na discussão do orçamento, nem chegam a abordar a questão da dívida. Para desatar esse nó, ele aposta na pressão dos movimentos sociais. Pressão social Nesse sentido, a Rede Jubileu Sul, a Assembleia Popular, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Marcha Mundial de Mulheres, a União Nacional dos Estudantes (UNE), a Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas) e a Intersindical, dentre outras dezenas de organizações, assinam o manifesto Uma CPI para a dívida que nos governa. Na abertura do documento, elas observam que, há décadas, as políticas definidas para o país são determinadas pelo passivo do setor público: “Ela [a dívida] é o argumento para que orçamentos sejam cortados, áreas sociais sejam penalizadas e legislações sejam mudadas”. O manifesto resgata que o pagamento de juros e amortizações consumiu R$ 282 bilhões em 2008 (30,57% do orçamento, desconsiderando-se os gastos com a rolagem da dívida), “um dinheiro que não entra na esfera produtiva, não movimenta a economia, não gera riqueza ou desenvolvimento. Destina-se principalmente ao setor financeiro privado e a grandes especuladores privilegiados”. Na outra ponta, são sacrificadas áreas sociais e o in-

Fonte: SIAFI – Orçamento Geral da União – Sistema Access da Câmara dos Deputados. Não inclui o “refinanciamento” da dívida, ou seja, o pagamento de amortizações realizado por meio da emissão de novos títulos. Elaborado pelo movimento Auditoria Cidadã da Dívida

Quanto

7 dos 24 membros da CPI já foram indicados vestimento. Se a dívida recebeu 30,57% do orçamento em 2008, a saúde e a educação, somadas, ficaram com 7,38%. Além disso, em alguns setores os recursos são muito menores, como, por exemplo, cultura (0,06%), saneamento (0,05%) e habitação (0,02%). Já o investimento em infraestrutura, neste ano, vem tendo um orçamento 95 vezes inferior ao da dívida pública. O manifesto conclui afirmando que a CPI “representa instrumento democrático decisivo para que se discuta a política monetária, para que se questionem as prioridades na área econômica e para que a opinião pública possa reivindicar mudanças radicais nessa orientação, garantindo assim que os recursos do povo brasileiro retornem através dos necessários investimentos nas políticas públicas”. De acordo com Ivan Valente, a comissão tem poderes investigativos capazes de tornar isso possível. “Temos condição de requerer todas as informações necessárias sobre a formação da dívida pública e de convocar todas as autoridades que julgarmos necessárias; ou seja, a CPI tem poder de polícia para entrar em investigações que geralmente são difíceis de se fazer”, explica. O inquérito também poderia apontar os responsáveis pela contração da dívida. De modo a viabilizar todo esse processo, foi realizada no dia 2 uma audiência entre representantes do movimento Auditoria Cidadã da Dívida e o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB/SP), na qual o manifesto dos mo-

vimentos sociais lhe foi entregue. De acordo com Valente, o peemedebista se comprometeu a conversar com os líderes dos partidos e a cobrar a indicação dos membros da comissão.

Investigação não afugenta investidores

Auditoria Valente acredita que a participação da sociedade será decisiva não só na instalação da CPI. Para o parlamentar, a comissão só terá condições de mostrar eficiência se tiver pressão dos movimentos sociais pela viabilização dos requerimentos de convocação das autoridades e informações importantes. “Se o povo pressiona e isso ganha visibilidade, entendemos que vamos ter sucesso e, possivelmente, a CPI possa concluir com uma auditoria e o indiciamento de responsáveis”, completa. O deputado frisa ainda que a comissão de inquérito é diferente de uma auditoria. Esta deve ser algo assumido pelo Executivo. “É o que está acontecendo no Equador. Lá, o governo [de Rafael Correa] tomou posse e está executando toda uma revisão da dívida externa. Sobre sua legitimidade, o que é legal, o que é moral. E, então, toma a decisão soberana de pagar o que acha legítimo e não pagar o ilegítimo e imoral. É um grande exemplo. [Com a auditoria,] Ficou clara a falta total de transparência dos mecanismos, a influência estadunidense para determinar os rumos do país e a total subserviência dos setores econômicos internos frente ao capital financeiro internacional”, relata. No Brasil, Valente aposta que a CPI possa fazer esse levantamento e, depois, exigir uma auditoria da dívida e a suspensão do pagamento dos juros, “pelo menos da parte ilegítima e ilegal”.

Argentina ganhou recursos com renegociação da dívida; inversão de prioridades deixaria país melhor preparado da Redação Um velho argumento evocado por aqueles que defendem a prioridade ao pagamento de juros na política econômica é o risco de que os questionamentos afugentem investidores, reduzindo o montante de recursos disponíveis aos governos, ao invés de aumentá-lo. O deputado federal Ivan Valente,

Com a crise, tendência é que a dívida tenha um impacto muito mais forte sobre o orçamento autor do requerimento para criar a CPI da Dívida Pública, rejeita completamente essa hipótese. “Gosto sempre de dar o exemplo da Ar-

Ivan Valente e Michel Temer em audiência na Câmara dos Deputados

Quanto

R$ 1,6

trilhão é o quanto atingiu a dívida interna neste ano. Em 1995, ela era de R$ 62 bilhões gentina, que não é bem um governo revolucionário, mas renegociou sua dívida pública [em 2002] por parte do valor de face dos seus títulos. Imediatamente, o mercado espalhou o terror, disse que o país acabou, nunca mais iria captar recursos. Dez meses depois, todos os credores tinham renegociado a dívida, aceitaram as condições”, lembra. Segundo o parlamentar, isso ocorreu por uma simples razão: “o título argentino pagava 16%, enquanto um fundo de pensão italiano não acha quem pague um quarto desse valor de face, 4%; nenhum país europeu pagaria isso, só paga 1%. Então, ainda assim, é quatro vezes mais e vale a pena”. Valente acres-

centa que, nesse período, a Argentina cresceu entre 8 e 9% ao ano. “E o risco Argentina hoje é menor que o do Brasil”, compara. Lógica invertida Por outro lado, o parlamentar acredita que a redução dos gastos com a dívida pode preparar melhor o país para enfrentar a crise econômica. De acordo com ele, com o colapso financeiro mundial, aumenta a demanda por recursos do Estado e diminui a arrecadação fiscal. Com isso, a tendência é que a dívida tenha um impacto muito mais forte sobre o orçamento. Valente entende que, com a CPI da Dívida, seria possível impulsionar um giro na política econômica, priorizando o desenvolvimento sustentado, o investimento público em ciência e tecnologia, a geração de empregos, a distribuição de renda e o fortalecimento do mercado interno. (LB)

Pagar juros é um caminho sem saída Nos primeiros anos do governo Lula, país gastou R$ 851 bilhões. A dívida, porém, cresceu ainda mais Luiz Cruvinel/Agência Câmara

NO DIA 8, completam-se seis meses da criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Dívida Pública, na Câmara Federal. O seu objetivo é investigar a construção desse passivo (que, segundo o Tesouro Nacional, atingiu em abril R$ 1,384 trilhão); o pagamento de juros, amortizações e rolagem (os quais consomem 47% do orçamento geral da União); seus beneficiários; e o impacto desse modelo nas políticas sociais e no desenvolvimento do país. Entretanto, apesar da magnitude das contas, a CPI ainda não está funcionando. Para que seja instalada, as lideranças dos partidos precisam escolher os membros que irão compor a comissão. Até o momento, apenas sete, das 24 vagas, foram preenchidas. As indicações foram feitas pelas seguintes legendas: PR, PPS, PDT, PSB, PCdoB, PRB e Psol (que ocupa o lugar reservado ao PV). Os maiores partidos (DEM, PMDB, PSBD e PT) ainda não indicaram seus representantes.

da Redação A dívida pública brasileira teve um crescimento exponencial desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Em 1995, o passivo interno era de R$ 62 bilhões; o externo, de 148 bilhões de dólares. Neste ano, esses números chegaram, respectivamente, a R$ 1,6 trilhão (considerando-se os R$ 371 bilhões das chamadas “operações de mercado aberto”) e 267 bilhões de dólares. Entretanto, os dois últimos presidentes, FHC e

Luiz Inácio Lula da Silva, mantiveram como foco central de suas políticas econômicas o custeio da dívida. Somente nos primeiros cinco anos do governo petista, foram destinados ao sistema financeiro, sob a forma de pagamento de juros, R$ 851 bilhões. E, ainda assim, o passivo aumentou. Para que a dívida começasse a ser reduzida sem o questionamento da sua legalidade, o governo precisaria aumentar o superavit primário (receitas menos despesas, desconsiderando-se o pagamento de juros) até atin-

gir superavit nominal, que é o primário somado ao gasto com o custeio financeiro. Porém, Ivan Valente, deputado federal (Psol/SP), explica que para isso seria necessário exigir um maior sacrifício da população – a dívida consumiria mais de 47% do orçamento. “Isto significará menos recursos para a área social, que já está espremida. Eles acham que com isso você diminui a dívida pública, quando a solução é questionar a própria legitimidade do modelo que gera essa espiral cada vez maior”, aponta. (LB)


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“A ética ajuda quem desanima a permanecer na luta” ENTREVISTA Leandro Konder, que lançou no final do ano passado sua autobiografia Memórias de um intelectual comunista, continua acreditando no socialismo como caminho para uma sociedade igualitária e democrática Sandra Pereira do Rio de Janeiro (RJ) DEDICAÇÃO AO conhecimento, uma vasta produção literária e a luta política por um mundo justo: esses são os principais destaques da trajetória de vida que Leandro Konder nos conta na sua autobiografia, lançada no final do ano passado. O nome do livro – Memórias de um intelectual comunista – não deixa dúvidas: Konder continua acreditando no socialismo como caminho para uma sociedade igualitária e democrática. Hoje, no entanto, ele acha que um revisionismo, antes tão criticado, é imprescindível para esse projeto socialista. Atualmente professor do Departamento de Educação da PUC-Rio, Konder é doutor em Filosofia e tem mais de 20 livros publicados, inclusive romances. Para a Revista Poli, ele falou sobre o papel dos movimentos sociais, reiterando, no entanto, a importância dos partidos políticos para as mudanças estruturais. Apontou a ética como motor para a continuidade da luta, fez um balanço das vitórias e derrotas da esquerda ao longo do século 20 e falou sobre a relação entre educação e ideologia. Esta entrevista, que é uma aula de filosofia, política, educação – e de vida –, deve ser lida também como uma homenagem a um dos maiores nomes da esquerda marxista brasileira. Sua história está ligada à história da esquerda no Brasil. Olhando para o país e o mundo hoje, que sentimento prevalece: decepção, orgulho, esperança...? Leandro Konder – Acho que um pouco de todas as opções. Decepção do ponto de vista da consciência social e da disposição das pessoas em eliminar o agravamento das desigualdades, para tornar a sociedade menos injusta. Por outro lado, fomos surpreendidos pelo crescimento econômico, pela modernização, que pode ser um saco. Portanto, não consigo me caracterizar em nenhuma dessas opções. Após a década de 1990, com a queda do bloco socialista, houve uma crise no que diz respeito às utopias. O senhor ainda acredita que o caminho da transformação é o socialismo? Eu acredito sim, mas é preciso que a proposta socialista se submeta a uma revisão drástica. Nós chegamos a criticar muito os revisionistas, dizíamos que eles não estavam com nada. Hoje, vemos que o socialismo precisa passar por uma revisão enérgica. A experiência com a União Soviética, por exemplo, mostrou que existem projetos e propostas marxistas que funcionam mal, pois acumulam fatores de destruição interna muito poderosos, fatores estes que subestimávamos. Lembro que havia os trotskistas, que estavam à minha esquerda, que avisavam: “O barco vai afundar”. Certo. O barco afundou e eles foram junto. Isso é muito triste. É uma situação patética. Fico emocionado quando toco nesse assunto.

Em que termos o socialismo deve ser revisado? Nos termos da democracia e da liberdade, principalmente. Precisamos de concepções mais amplas, concretas, decididas de criação de espaços de controle do exercício do poder. A democracia e a liberdade são possíveis no capitalismo? Acho que até pode ser possível, mas muito, muito difícil, pois a liberdade e a democracia entrariam em conflito com o capitalismo. O exercício de uma política socializante, ainda que moderada, seria contrário aos interesses das grandes empresas e do Estado capitalista. O jogo é bem mais complicado do que temíamos. E o Marxismo hoje? Precisa ser revisto. Para essa compreensão, eu gosto muito do filósofo tcheco Karel Kosik, morto em 2003, quando eu estava tentando trazê-lo ao Brasil. Ele, que teve importantes posições durante a Primavera de Praga, tem opiniões muito interessantes a respeito da revisão do marxismo. Gosto também do Michel Löwy, do historiador Perry Anderson, todos marxistas que não se entregaram. A filosofia de Marx precisa ser revista para recuperar a radicalidade da sua intervenção transformadora. Antes nós tínhamos medo do revisionismo. Hoje o revisionismo de Marx passa a ser uma esperança. No seu último livro, Memórias de um intelectual comunista, o senhor diz que, em suas derrotas, a ética o consolou. Em que medida os órfãos de uma ‘esquerda’ que saiu do seu rumo se encaixam nessa frase? A ideia pode se referir ao desânimo da esquerda nas últimas décadas. E estamos todos desanimados com razão, pois sofremos derrotas importantes. Eu conheço vários nomes de pessoas que desistiram de lutar, mas o fato é: mantemos nossos valores éticos. Nós, militantes de esquerda, não nos tornamos militantes, não brigamos por um mundo melhor por acaso. Nós continuamos acreditando na perspectiva de sustentar os valores de liberdade, de igualdade para todos. São valores, comprometimentos e reivindicações que incomodam os interesses da classe dominante. A ética ajuda quem desanima a permanecer na luta. Por isso, temos que continuar, até porque somos viciados em incomodar certos setores. O importante é não se omitir. Saber que este é o nosso território por excelência: guerras que nós travamos ao longo da história. Na medida que a hisRaquel Torres

O filósofo Leandro Konder

tória é feita por eles, será contra nós. Quando for feita por nós, terá que ser feita contra eles, e eles sabem disso. Mas é importante dizer que a ética por si só não muda ninguém. Depende do indivíduo, de ele ver um semelhante sofrendo injustiças e se indignar com aquilo, querer mudar, transformar aquela situação. Qual foi, ao longo do século 20, e qual é hoje, na sua opinião, o papel dos movimentos sociais mais estruturais, como o MST, e de movimentos ligados às minorias? Essa é uma questão importante e bastante complicada, tanto que dava pra falarmos só sobre isso. Tenho trocado muitas ideias a respeito desse assunto com os companheiros e amigos mais constantes, como Milton Temer e Carlos Nelson Coutinho. Antes de falar da importância dos movimentos sociais ao longo do século 20, é importante ressaltar a diferença entre movimentos sociais e partidos políticos. Há uma discussão e valorização da organização dos movimentos e às vezes vejo que existe uma esperança de que eles possam sozinhos nos tirar do buraco. Eles são extremamente importantes, mas não bastam, porque tem coisa que só os partidos podem fazer. O limite se dá quando o partido segue a orientação de uma ação histórica que vai transformar a sociedade e vai criar condições para que ela seja menos injusta. Por isso acredito que o partido político é a forma adequada para resolver certos problemas e conflitos, os quais são tocados também pelos movimentos, mas estes são um caminho, não a solução. Os movimentos mostram inquietação, reivindicação de certos grupos, de rebeldes, mas não servem para resolver os problemas da sociedade. Eles são fortes, imprescindíveis, mas têm limites. Acho que os movimentos sociais ao longo do século 20 evitaram e continuam evitando que acabemos numa simplificação excessiva, perversa da diversidade humana. Se alguém não estiver enxergando a diversidade que os movimentos têm trazido, esse alguém tem que desconfiar de que está meio ‘cegueta’. Eles nos mostram que somos muito variados e isso é bom. Nós somos interessantes na medida em que somos variados. Quando tentamos ser parecidos, nos tornamos muito chatos. Talvez possamos repensar uma aliança entre essas duas formas de organização. A América Latina conheceu um tipo de socialismo pela revolução cubana. Hoje, vários países do continente elegem, democraticamente, governos considerados de esquerda. É possível essa transformação pelas vias democráticas? Eu sou do tempo do Salvador Allende, que seguia nessa direção. Depois, ele foi severamente castigado pelas forças reacionárias com o apoio dos Estados Unidos. Na época, existia uma guerra para derrubar o Allende. Ele simbolizava isto: a socialização dos meios de produção pelas vias democráticas. Isso não podemos esquecer. Em rela-

Jovens conversam ao lado de estátua de Lenin em Ulan Ude, na Rússia

O importante é não se omitir. Saber que este é o nosso território por excelência: guerras que nós travamos ao longo da história. Na medida em que a história é feita por eles, será contra nós. Quando for feita por nós, terá que ser contra eles ção aos governos da Venezuela, Paraguai, Equador e Bolívia, eu os vejo com uma simpatia natural, mas achando meio esquisitos [risos]. Vejoos como governos de esquerda, mas sem endeusamento, pois ouço muita besteira daquela esquerda. Sei disso porque também já falei muita bobagem [risos]. Sobre Cuba, estive lá em 1981, quando participei de um congresso convocado pelo escritor García Márquez, e a situação já era muito difícil. Vivia-se a iminência de uma invasão. Nesse encontro, aconteceu um episódio engraçado. Na época, não havia voos diretos para Havana. Por isso, precisamos ir para o Peru. Lá, me pediram para criar um ambiente agradável para o físico Mario Scchenberg, para evitar o mau humor dele. Contei algumas histórias divertidas. Ele gostou e me disseram que eu tive sucesso. Fiquei feliz. Depois, soube que ele disse: “O Leandro é tão engraçado, tão simpático que eu até esqueço as bobagens que ele escreve” [risos]. Mas, voltando, li no jornal de hoje (03/03) que alguns membros do governo de Fidel deixaram o poder. Essa ruptura a que assistimos em Cuba seria inevitável: é difícil manter esse isolamento. E a crise econômica atual, de fato, é uma derrota do neoliberalismo? Nessas horas, vemos que o capitalismo pifa, o capital financeiro se embola todo. Mas eu acho que existem mudanças e mudanças. Mudanças espetaculares, como essa que nós estamos vendo na imprensa a toda hora com menos peso, e mudanças mais profundas. Estávamos falando há pouco que acreditamos que deve haver mudanças no socialismo. A revisão também vale para o capitalismo. Como marxista, eu entendo que o quadro mais dramático aparece quando estudamos a classe operária. Quando Marx fala em classe operária

em O Capital, ele tinha diante de si uma realidade que era clara: um conjunto de trabalhadores da indústria. Dessa ideia, ele extraía muita coisa. Hoje, não existe mais aquela classe operária. Hoje, existe um conjunto de trabalhadores, que é uma massa muito mais diversificada do que a do passado. O computador só ajuda a aumentar essa diversidade. Você tinha uma fábrica, que tinha uma divisão interna de trabalho com representação relativamente fácil. Hoje, temos muitas especialidades e estamos atrasados em termos de compreensão desse mundo. É uma derrota para o capitalismo? O capitalismo, sem dúvida, está sofrendo uma derrota histórica, mas condicionada e limitada pelas circunstâncias de hoje. Walter Benjamim, um autor de quem gosto muito, dizia que o capitalismo não vai morrer de morte natural. Ele pode sofrer com crises, mas consegue se recuperar. O que ele precisa é ser superado. Nós precisamos pensar nisso. Qual é o papel da escola (da educação e da produção de conhecimento) para a luta ideológica? A educação é um terreno contraditório. Ao mesmo tempo em que você está fazendo uma tarefa encomendada de adaptação do indivíduo ao meio social, atuando numa tarefa dada pela classe dominante de justificar as bases da sociedade, você tem que levar em conta que, mesmo camuflando suas verdadeiras motivações, o educador é obrigado a fazer a educação verdadeira, porque a educação não se reduz a uma atividade de mentiras. Em algum momento, ele tem que dizer alguma coisa verdadeira. E o professor é portador da contradição. Ele vai lá e diz algo em que acredita e logo após diz algo que contradiz o que falou anteriormente. É quando ele não conse-

gue ser convincente. Ele precisa do conhecimento, que é sempre o caminho. O conceito de Marx que dá conta disso é a ideologia, que é a distorção do conhecimento que pressupõe o conhecimento. Sem conhecimento não há ideologia. É mentira. Gramsci, que é um ótimo marxista, também trabalha nisso. Hoje existem bons marxistas, ainda que poucos, trabalhando na educação e na área social. No Brasil, de forma geral, os intelectuais de esquerda estão perplexos, confusos, mas inquietos. Isso é importante. Uma das principais bandeiras da educação politécnica é o fim da dualidade educacional, que se apresenta como separação entre teoria e prática, formação geral e formação para o trabalho. Há avanços concretos nesse sentido? Na verdade, é difícil falar em avanços. Paulo Freire, de certa forma, trabalhou nessa direção. São anseios importantes que nós temos. Esse é um problema antigo da filosofia: a teoria e a prática. Temos que voltar a Marx. Ele tem alguns conceitos políticos superados e outros limitados, marcados pelas circunstâncias, mas como filósofo é genial. É meu interlocutor predileto. Vejo que a abordagem original dele não foi entendida. A teoria de práxis diz o seguinte: a relação entre teoria e prática só pode ser bem compreendida se você, participando do processo ao vivo, souber perceber o quanto a prática precisa dessa teoria e essa teoria se aplica àquela práxis. Então temos como ponto de partida a atividade. Só que não qualquer atividade, como atividades mecânicas que não nos desafiam, não exigem uma renovação do ponto de vista de um certo compromisso prático. Enfim, temos que explorar esse caminho, que é um caminho tênue, precário, mas é o nosso caminho sempre. Existe a prática do chope com os amigos, que é legítima, respeitabilíssima, por exemplo; mas a prática do cidadão complica, porque ele tem que fazer escolhas e fundamentar essas escolhas com a teoria. E não é, não pode ser qualquer teoria (Revista Poli – saúde, educação e trabalho, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – Fiocruz www.epsjv.fiocruz.br).


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Transnacionais envolvidas na destruição da Amazônia Leonardo Freitas/CC

DEVASTAÇÃO Investigações de três anos do Greenpeace sobre a indústria da pecuária brasileira revelam que marcas de fama mundial, como Nike, Adidas, BMW, Gucci, Timberland, Honda, Wal-Mart e Carrefour, impulsionam o desmatamento da Amazônia

Área desmatada para criação de gado em Porto de Moz, no Pará

Relatório denuncia envolvimento de marcas famosas, como Adidas/Reebok, Timberland, Carrefour, Honda, Gucci, IKEA, Kraft, Clarks, Nike, Tesco e Wal-Mart Incentivo público A investigação do Greenpeace mostra que o governo Lula quer dominar o mercado global de produtos pecuários em geral e dobrar a participação brasileira no mercado internacional de carne até 2018. Para auxiliar a expansão do setor, o governo federal está investindo em todos os elos da cadeia de abastecimento – desde a produção nas fazendas até o mercado internacional. Em troca do financiamento público, o governo se tornou acionista de três gigantes da indústria brasileira de pecuária – Bertin, JBS e Marfrig, responsáveis por alimentar a destruição de grandes áreas da Amazônia. “O governo Lula está cumprindo a profecia do General Garrastazu Médici, que dizia que a Amazônia seria ocupada pela pata do boi”, disse Paulo Adário, diretor da campanha da Amazônia do Greenpeace. “Ao financiar a destruição, o governo dá um sinal claro de que já fez sua opção pelo velho modelo desenvolvimentista de ocupação da região praticado pelos militares durante a ditadura, ao mesmo tempo em que tenta posar de bom-

moço nos fóruns internacionais”. Entre 2007 e 2009, as cinco maiores empresas da indústria pecuária brasileira, responsáveis por mais de 50% das exportações de carne do país, receberam 2,65 bilhões de dólares do BNDES. Os três frigoríficos que receberam a maior parte do investimento público foram a Bertin, uma das maiores comercializadoras de couro do mundo; a JBS, a maior comercializadora de carne, com controle de pelo menos 10% da produção global; e a Marfrig, a quarta maior comercializadora de carne do planeta. A expansão da pecuária no Brasil está concentrada na Amazônia. O maior incentivo econômico para essa expansão é a falta de governança. A frágil presença do Estado na região significa, na prática, terra e mão-de-obra baratas. O resultado é que a pecuária ocupa, atualmente, cerca de 80% de todas as áreas desmatadas na Amazônia. O país é o quarto maior emissor mundial de gases do efeito estufa, principalmente por causa da destruição da floresta. “A expansão do gado na Amazônia está transformando a região

num verdadeiro abatedouro de árvores, dificultando a habilidade do país em cumprir sua meta de reduzir em 72% o desmatamento até 2018 (4)”, disse Muggiati. A publicação do relatório do Greenpeace se dá no momento em que a bancada ruralista está encabeçando uma ofensiva no Congresso Nacional para enfraquecer a legislação florestal brasileira e legalizar o aumento do desmatamento. “Não adianta bancar o líder nas negociações internacionais se, dentro de casa, o governo apoia o pacote de maldades do setor do agronegócio, que ainda opõe desenvolvimento econômico à proteção ambiental. É preciso olhar para a frente e usar a atual crise climática como a melhor oportunidade de construir uma economia de baixo carbono para o Brasil”, completou Adario (O sumário executivo do relatório Farra do Boi na Amazônia está disponível em: http:// www.greenpeace.org.br/gado/fa rradoboinaamazonia.pdf).

Quanto O setor pecuário na Amazônia é responsável por quase % do desmatamento anual global ( , milhão de hectares são desmatados na Amazônia todos os anos, e , milhões de hectares por ano são desmatados globalmente)

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MPF e Ibama processam empresas que lucram com os bois da devastação AMAZÔNIA Frigoríficos e fazendeiros podem pagar indenizações bilionárias; supermercados e indústrias também podem ser responsabilizados pelo desmatamento ilegal de mais de 150 mil hectares de Belém (PA) Um levantamento inédito, feito pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), conseguiu rastrear as empresas da cadeia da pecuária que contribuem para a devastação na Amazônia. Pela primeira vez, através de pesquisa nos registros de compra e venda de bois, foi possível comprovar quem comercializa os rebanhos criados em áreas desmatadas ilegalmente. O trabalho mapeia desde a fazenda que engorda o gado em pastagens ilegais, passando pelo frigorífico que abate, processa e revende subprodutos bovinos, chegando até as indústrias de materiais de limpeza, de calçados, de couros, de laticínios e supermercados que utilizam e comercializam os bois da devastação. Como primeiro resultado, no dia 1º de junho o MPF iniciou 21 processos judiciais contra fazendas e frigoríficos, pedindo o pagamento

Camargo Corrêa A grande imprensa comercialburguesa fez de tudo para abafar o caso, mas não teve jeito: o Ministério Público Federal denunciou três diretores da Construtora Camargo Corrêa e quatro doleiros pelos crimes de fraude em operação financeira, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Estima-se que eles desviaram pelo menos 30 milhões de dólares. Só falta a Justiça cumprir a sua parte. Capital anistiado O governo brasileiro iniciou campanha para tentar legalizar o dinheiro que venha a ser repatriado por pessoas físicas e jurídicas depositado clandestinamente no exterior, especialmente em paraísos fiscais. Estudiosos do assunto calculam que tenham saído do Brasil, ilegalmente, nos últimos dez anos, mais de 150 bilhões de dólares. A maior parte é fruto de caixa dois de empresas e recursos não declarados à Receita Federal.

Redação do Greenpeace O incentivo de sucessivos governos brasileiros ao desmatamento da Amazônia ganhou impulso durante a ditadura militar, nas décadas de 1960 e 1970. Mas até recentemente, a substituição de floresta por pasto era financiada por dinheiro público na forma de subsídios. No governo Lula, o Estado, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), transformou-se em sócio e investidor direto de frigoríficos que, segundo a investigação do Greenpeace, compram sua matéria-prima de fazendas que desmatam ilegalmente, põem seus bois para pastar em áreas protegidas e terras públicas e utilizam mão-deobra escrava. O relatório A Farra do Boi na Amazônia rastreou, pela primeira vez, a ligação da carne, do couro e de outros produtos bovinos de fazendas envolvidas com desmatamento ilegal, invasão de áreas protegidas e trabalho escravo com marcas famosas, como Adidas/ Reebok, Timberland, Carrefour, Honda, Gucci, IKEA, Kraft, Clarks, Nike, Tesco e Wal-Mart. “Marcas famosas de tênis, supermercados, automóveis e bolsas de grife devem garantir que seus produtos não estão envolvidos com os crimes praticados pela indústria pecuária brasileira”, disse André Muggiati, coordenador da campanha de pecuária do Greenpeace. “Práticas como essa põem em risco o futuro de uma indústria importante para a economia brasileira. Combatê-las é fundamental não apenas para o meio ambiente, mas também para aumentar a competitividade da pecuária nacional aqui e no exterior”.

fatos em foco

Hamilton Octavio de Souza

de R$ 2,1 bilhões em indenizações pelos danos ambientais à sociedade brasileira. Por enquanto, 69 empresas que compraram os subprodutos dos frigoríficos receberam notificações, em que são informadas oficialmente da compra de insumos obtidos com desmatamento ilegal da Amazônia. A partir da notificação, devem parar a aquisição desse tipo de produto, ou passarão à condição de corresponsáveis pelos danos ambientais. Grandes empresas Entre as empresas notificadas estão varejistas de grande porte, como o Carrefour, Wal-Mart, Bompreço e Pão de Açúcar. Entre os frigoríficos processados está um dos maiores do Brasil, a Bertin S.A., que comprou gado de fazendas multadas pelo Ibama e de uma que fica dentro de uma reserva indígena. Entre as fazendas irregulares, nove pertencem à agropecuária Santa Bárbara, da empresária Verônica Dantas Rodenburg. Dos 21 imóveis irregulares, sete estavam embargados, o que significa que deveriam ter paralisado

completamente suas atividades no momento do embargo. As outras somavam multas por crime ambiental. Os bois continuaram pastando mesmo com a interferência das autoridades, devastando uma área total de 157 mil hectares, o equivalente a todo o município de São Paulo.

Carrefour, Wal-Mart, Bompreço e Pão de Açúcar estão entre as empresas notificadas É o caso, por exemplo, da fazenda Espírito Santo, em Xinguara, sudeste do Pará, palco de recente conflito agrário. A propriedade sofreu fiscalização porque mais de 76% de sua área forãm desmatados ilegalmente. Mesmo assim, a Espírito Santo conseguiu vender grandes quantidades de gado bovino para os frigoríficos Bertin, Bracol e Redenção.

Pagar pelos danos Por terem comprado bois criados ilegalmente, às custas de devastação florestal, os frigoríficos também são réus na ação. “Sabemos que a principal fonte impulsionadora do desmatamento na Amazônia é a criação de pastos. Por isso, queremos a aplicação da lei para que todas as empresas que participam dessa cadeia econômica de devastação paguem pelos danos ambientais”, diz o procurador Daniel César Avelino, responsável pelos processos. As indenizações podem chegar a valores altos. No caso da Espírito Santo, por exemplo, os proprietários e os frigoríficos podem ter que pagar o total de mais de R$ 142 milhões, valor calculado com base nas perdas ambientais provocadas pela derrubada da mata. O MPF pede que os rebanhos sejam confiscados para garantir o pagamento das indenizações. A maior indenização refere-se ao caso da fazenda Rio Vermelho, da família Quagliato, em Sapucaia, que pode ter que pagar mais de R$ 375 milhões (Assessoria de Comunicação da Procuradoria da República no Pará).

Cinismo político Principal aliado do governo Lula, o senador José Sarney escreveu na Folha de S. Paulo, dia 29 de maio, que ocorrem no Brasil 40 mil homicídios por ano, a maioria de jovens de 17 a 24 anos de idade. Cinicamente, o oligarca do Maranhão diz que “a violência, suas causas e seus meios ainda necessitam de uma tomada de decisão política forte”. É como se ele não tivesse nada a ver com isso! Paraíso Brasil As autoridades econômicas e a grande imprensa comemoram a recente onda de “investimentos” estrangeiros no Brasil. Quase sempre se esquecem de dizer que aqui se paga, em muitos papéis de especulação, a taxa de juros mais alta do mundo – com a grande vantagem de que a entrada e a saída são livres e não se recolhe nenhum imposto sobre o lucro obtido. Nem os paraísos fiscais oferecem tamanha moleza. Duas caras O governo federal relutou durante muito tempo para fazer a convocação da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, indesejada pelos grupos empresariais que monopolizam as concessões de rádio e TV e pelo Ministério das Comunicações, controlado pela Rede Globo. Agora, o governo reduziu a verba destinada ao encontro, que era de R$ 8,2 milhões e ficou em R$ 1,6 milhão. Maior sabotagem não existe! Entreguismo O ministro das Minas e Energia, Edson Lobão, eticamente conhecido como “pianista” do Congresso Nacional, declarou ao jornal Financial Times, da Inglaterra, que as principais empresas petrolíferas do mundo serão chamadas para explorar as reservas de petróleo do pré-sal brasileiro. O ministro segue firme com o programa neoliberal do PSDB-DEM e ignora as lutas dos trabalhadores em defesa da Petrobras. Crime premiado Levados a julgamento na semana passada, os policiais militares Erivelton de Souza Pereira, conhecido como Diabo Loiro, e Jeferson Torezani, que em junho de 1999 assassinaram Pedro Nacort Filho, com 22 tiros à queima-roupa, no centro de Vitória (ES), foram inocentados pelo júri popular. Familiares e amigos da vítima protestaram contra a impunidade dos policiais – dez anos depois do crime. Popularidade As últimas pesquisas de opinião indicaram que 70% da população aprovam o presidente Lula. Ele é a liderança com a maior inserção popular da história recente do Brasil. É justamente isso que preocupa boa parte do empresariado e da composição política que dá sustentação ao atual governo, já que nenhum dos nomes para sucedê-lo reúne tamanho respaldo para impedir explosões sociais dos trabalhadores. Estatização Nunca os discursos neoliberais da grande mídia e da maioria dos economistas estiveram tão contraditórios como agora. De um lado, eles criticam as estatizações de reservas naturais pelos governos da Bolívia e da Venezuela e, de outro, aprovam os governos dos Estados Unidos e do Canadá que estatizaram a General Motors, que já foi a maior indústria de automóveis do mundo. É uma crise ideológica!


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brasil

Luta interrompe obra da Petrobras, porém um trabalhador é assassinado RIO DE JANEIRO Mobilização em Magé, na Baía da Guanabara, causa embargo de projeto; seis horas depois, pescador é morto Leandro Uchoas de Magé (RJ) HÁ PELO MENOS dois meses, os pescadores artesanais da praia de Mauá, em Magé (RJ), na Baía da Guanabara, protestam contra as obras do projeto GLP Submarino, da Petrobras, administrado por um consórcio entre as empresas GDK e Oceânica. No início do movimento, a luta de 43 integrantes da Associação Homens do Mar (Ahomar) era considerada perdida – dizia-se, na região, que era a “sardinha enfrentando a baleia”. Após muitas batalhas ganhas e outras perdidas, com o saldo de uma morte e inúmeros atentados e confrontos, a obra foi oficialmente interrompida. O embargo oficial ocorreu no dia 22 de maio. Numa inspeção conjunta das secretarias de Fazenda e de Meio Ambiente com o Conselho Municipal de Meio Ambiente, motivada pelas denúncias dos pescadores, foram detectadas, pelo menos, 42 irregularidades, ainda não tornadas públicas. No documento oficial dos órgãos municipais, três pontos principais são destacados: as empresas estariam operando sem qualquer licença, promovendo construções em solo não edificante e deteriorando bens pertencentes ao patrimônio histórico – a obra é vizinha de uma das mais antigas ferrovias do país. Seis horas depois de oficializada a interrupção da obra, três homens entraram na casa do pescador Paulo César Santos, tesoureiro da Ahomar e ex-integrante do movimento. Segundo relatos da esposa, estavam em busca de documentos e informações sobre o presidente da Ahomar, Alexandre Anderson. Paulo foi espancado durante meia hora e, em seguida, assassinado com cinco tiros. Seu enterro mobilizou a cidade e representantes de movimentos sociais do Rio de Janeiro. Ainda não há provas claras da relação entre o assassinato e a interrupção das obras, mas novos indícios surgem a cada dia. De acordo com os integrantes do movimento, Paulo se afastara das atividades por motivos de doença. Conta-se que sentia muito medo. Na cidade, comenta-se também que o tesoureiro teria algum tipo de relação diferenciada com a GDK, onde sua mulher teria trabalhado. Quatro dias antes do crime, ele visitou Alexandre Anderson para pedir que interrompesse as manifestações contra a obra, dizendo de forma enfática: “vão te matar”. O presidente da Ahomar vem sendo ameaçado desde o início das manifestações e sofreu um misterioso atentado no dia 1° de maio, quando atiraram contra o barco onde pescava. Interrupção marítima

Em março, as manifestações começaram de forma pacífica. Os danos ambientais provocados pela obra teriam reduzido o volume de pesca na praia de Mauá em até 70%, segundo estudo da própria Ahomar. “Nós, pescado-

res, estamos vivendo de doações que a associação vem recebendo. Eu tenho dois filhos e não consigo dar de comer a eles”, conta a pescadora Sulamita Norberto. Em outras regiões da baía, a perda é menor, mas ainda significativa. A região de interferência da obra tem cerca de 3 mil pescadores. Há também o impedimento de se transitar livremente pelo mar. “Num trajeto em que o pescador levava cinco minutos, passou a levar três horas”, conta Alexandre. O desrespeito às leis trabalhistas também pesou. Há pescadores que trabalharam na obra sem receber parte do salário. Organizado por 43 dos componentes da Ahomar, o movimento interrompeu a continuidade dos trabalhos por 36 dias com a obstrução do trajeto marítimo. Utilizando seus barcos e redes, os pescadores impediam que a empresa resgatasse um duto que faria a ligação marítima entre a praia do Ipiranga e o terminal central. Durante o período, os manifestantes permaneciam juntos, no mar, durante boa parte do dia. À noite, revezavam-se no controle da obstrução física. Artesanal, a interrupção impediu a continuidade da obra durante esse período. O Grupo Aéreo Marítimo (GAM) reprimiu a manifestação, pelo menos, seis vezes, até acabar completamente com o protesto, em sua intervenção mais violenta. Em ação considerada ilegal pela juíza da Vara Cível de Magé, Suzana Cypriano, o GAM cortou redes dos pescadores, danificou embarcações e prendeu temporariamente integrantes do movimento. Impossibilitados de seguir seu protesto no mar, homens e mulheres da Ahomar seguiram agindo por terra, até a interrupção das obras pelos órgãos municipais, com o subsequente assassinato de Paulo. Protesto na Petrobras

No dia 27 de maio, com o auxílio de outras associações de pescadores da Baía da Guanabara, os pescadores organizaram um ato em frente à Petrobras, no centro do Rio. Mais de mil manifestantes reuniram-se no local, na tentativa de pressionar a empresa a receber os pescadores para negociação. A estatal fechou as portas e os funcionários ficaram impossibilitados de entrar ou sair. Houve momentos de tensão com a polícia e representantes da companhia. Após um dia inteiro em frente ao portão, a Petrobras resolveu receber os pescadores. Entretanto, no momento em que iriam entrar no prédio, a empresa não aceitou que viessem acompanhados de suas advogadas, do Centro de Assessoria Jurídica Popular Mariana Crioula. Os pescadores negaram-se a negociar. No dia 28, a OAB/RJ enviou ofício à empresa notificando-a por não aceitar a presença das advogadas, direito legal de qualquer cidadão. No mesmo dia, houve audiência de conciliação no Fórum de Piabetá, cidade viziLeandro Uchoas

Manifestantes são reprimidos por policiais do GAM

Leandro Uchoas

Pescadores em ato organizado diante da sede da Petrobras (RJ) no dia 27 de maio

nha, com a presença de representantes do consórcio. As advogadas apresentaram proposta de acordo, na qual as empresas deveriam admitir os danos ambientais causados. Não houve o reconhecimento e o acordo segue suspenso. Na região, a GDK também é acusada de ensaiar falsas manifestações contra a Ahomar, de tentar mobilizar os comerciantes locais contra o movimento e de demitir trabalhadores ligados aos manifestantes. O pescador Ivan Nunes conta que estava sendo contratado pela empresa e, no dia de pegar o uniforme e os documentos, foi dispensado. Sérgio Cordeiro Júnior trabalhava há mais de um ano como soldador da empresa quando foi demitido por ser filho da cozinheira da Ahomar. “Eu trabalhei para eles muito tempo, mas não comprovei vínculo. Tenho uma série de papéis comprovando. Não recebi nada”, denuncia a pescadora Marta Pereira. Os 19 contratos da GDK com a Petrobras, no país, somam R$ 584 milhões, de 2007 a 2009. Para o principal contrato, de novembro de 2007, no valor de R$ 199 milhões, a Petrobras abriu mão de licitação. Técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) detectaram uma série de irregularidades nos contratos. As relações entre as duas empresas foram fartamente documentadas durante a CPI dos Correios. Na Baía da Guanabara, há dois anos se sente o peso da parceria. “Um empreendimento de um valor tão grande como esse não poderia reservar uma quantidade mínima de recursos para evitar esses impactos?”, questiona José Barbosa, presidente do Sindicato dos Pescadores regional (Sindipescan). Os danos das empresas não são novidade na região. Em janeiro de 2000, a Petrobras foi responsável por efeitos nocivos enormes na Baía da Guanabara. Um rompimento de duto em refinaria de Duque de Caxias deixou escapar 800 mil litros de óleo, durante meia hora. O vazamento poluiu, pelo menos, 45 quilômetros quadrados (três de largura por 15 de comprimento) da baía. As vítimas de nove anos atrás são as mesmas de hoje.

Impactos ambientais nas baías fluminenses são consequência do Iirsa Governo federal pretende transformar a região em um grande polo industrial-siderúrgico-mineral-portuário de Magé (RJ) Os pescadores de Magé não são os únicos no litoral fluminense a se rebelar contra projetos danosos à sua atividade profissional. Há um mês, o Brasil de Fato publicou extensa reportagem sobre a se-

“As populações que vivem nas baías, como os pescadores e os quilombolas, são consideradas entraves ao desenvolvimento”, denuncia Sandra Quintela, economista do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul quência de denúncias de desrespeito a leis ambientais e trabalhistas da empresa ThyssenKrupp/Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) na Baía de Sepetiba. Os crimes iam da exploração de mão-de-

obra chinesa à parceria com milícias. Na região, também foram os pescadores que se mobilizaram para denunciar o consórcio. A pesca artesanal, por ser a atividade profissional mais afetada, é apenas a face mais visível de um problema amplo. Por trás da atuação dos dois consórcios nas baías – a TKCSA em Sepetiba e o GLS na Guanabara –, surge o principal projeto de desenvolvimento do governo federal, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Lançado em 2007, ele prevê construir um arco metropolitano, com pistas amplas, ligando a Baía da Guanabara à de Sepetiba. Pretende, ainda, transformar a região num amplo polo industrial-siderúrgicomineral-portuário. Polêmico desde seu lançamento, o PAC é visto por setores da esquerda como garantia de que o governo Lula não segue a cartilha neoliberal. Seria o reconhecimento de que o estímulo à economia deve partir de um Estado forte. Outros grupos, porém, denunciam o modelo de desenvolvimento exógeno, agro-minério-exportador, embutido na concepção do programa. Na região, o PAC estaria gerando poucos empregos, desenvolvimento precário e significativos daMinistério do Trabalho

Canteiro de obras da TKCSA na Baía de Sepetiba (RJ)

nos ambientais. Alguns críticos o chamam, ironicamente, de “Plano para Acabar com as Comunidades”. Desde o início, o PAC está sendo implementado no sentido de auxiliar a execução de projetos programados no âmbito da Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (Iirsa). Nascido no início dos anos 2000, o conjunto de obras tinha pretensões de redefinir o desenvolvimento dos 12 países sul-americanos. Com 514 projetos previstos e custo estimado em 86 bilhões de dólares, o programa redesenhava o papel dos países do subcontinente na economia internacional. Contudo, tinha um viés notoriamente conservador, inspirado por modelos nascidos no governo Fernando Henrique Cardoso. Mas, mesmo governos de tendências progressistas na região, como os da Venezuela e do Equador, aderiram parcialmente ao programa. Os exemplos da TKCSA e do projeto GNL inspiram críticas contra o papel do PAC/Iirsa. Ambos não têm gerado quantidade significativa de empregos na região onde estão alocados e causam grandes danos às comunidades locais e ao meio ambiente. “As populações que vivem nas baías, como os pescadores e os quilombolas, são consideradas entraves ao desenvolvimento. Isso está acontecendo em vários lugares da América do Sul. As populações tradicionais, que preservam o meio ambiente, garantem a soberania alimentar e conseguem manter-se saudáveis em seus territórios, são consideradas problema”, denuncia Sandra Quintela, economista do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs). (LU)


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cultura

O reino encantado do sertão

Tiago Santana

EXPOSIÇÃO Sinais préhistóricos e sincretismos religioso e cultural marcam a região do Cariri, que abrange quatro estados nordestinos Eduardo Sales de Lima de São Paulo (SP) COM CLIMA MAIS ameno que o semi-árido que o cerca, a região do Cariri (que abrange cidades do sul do Ceará, de Pernambuco, do Piauí e da Paraíba) seduziu diversos grupos, desde indígenas até holandeses, vaqueiros e romeiros. Daí o sincretismo cultural e religioso pulverizado pela região. Uma mistura que, mesmo séculos após o encontro dos colonizadores portugueses com os povos originários, teceu a criação de um dos principais mitos do nordeste: Padre Cícero Romão Batista. Para o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) Luiz Tadeu Feitosa, que elaborou seu doutorado sobre Patativa do Assaré, outro ícone do Cariri, “a marca, não identitária, mas de formação de um discurso sobre o Cariri, é a comparação com um oásis, o contraste de um verde perene com a seca, que na região tudo dá”. Esse oásis, repleto de “pedras e pessoas encantadas”, como lembra Alemberg Quindins, diretor da Fundação Casa Grande, está em exposição no Sesc Ipiranga, em São Paulo, na “Mostra Cariri, ser tão cultura”, que estará em cartaz até 7 de junho.

Professor da UFC lembra que o fato dessa região conter zonas imensas de marcas arqueológicas e paleontológicas “entra no processo imaginativo das pessoas, e elas dão asas a isso”. Principalmente, segundo ele, na cidade de Santana do Cariri As lendas de que o sertão vai virar mar, para os caririenses, têm ainda mais vigor. Segundo Alemberg, um dos organizadores da exposição, a Chapada do Araripe, planalto que se espalha pelos estados do Ceará, de Pernambuco e do Piauí, e que está incluída no Cariri, era uma região lacustre formada por águas oceânicas. Ele explica que, após um movimento de placas tectônicas, o lago foi baixando por conta da evaporação e, desse modo, ocorreu sua soterração. “Houve um aterramento desse lago, e os peixes ficaram na lama. Devido ao próprio nível de salinidade, não tinha como decompor microorganismos. Hoje é uma das principais reservas paleontológicas no planeta”, explica Quindins. “Pedras encantadas” Feitosa lembra que o fato dessa região conter zonas imensas de marcas arqueoló-

O poeta Patativa do Assaré diante da casa de casa típica da região: histórias do sertão recitadas em cordel

gicas e paleontológicas “entra no processo imaginativo das pessoas, e elas dão asas a isso”. Principalmente, segundo ele, na cidade de Santana do Cariri. “As pedras locais exalam mistério. Por isso, o Cariri sempre foi uma região misteriosa que guardava nas pedras as lembranças de estórias de castelos encantados; falava-se que houve um reinado que se encantou”, ilustra Alemberg Quindins. Segundo ele, um dos motivos que criam tal mística é o fato de, na região, existir “até peixe dentro das pedras”. Vieram os cordelistas e poetas populares que se apropriavam dessa mística, enveredando-se por entre os causos fantásticos e o próprio cotidiano do sertanejo. “A história de que um dia a região já foi mar mexeu e ainda mexe com os poetas do cordel”, afirma Feitosa. Amigo do poeta Patativa do Assaré, o professor da UFC lembra que ele lhe disse várias vezes que “a maior maravilha do sertão era a gente se sentar debaixo dos juazeiros para ouvir as histórias do Brasil e do mundo recitados em cordel, além dos contos fantásticos”, conclui. Nesse âmbito, ele defende a ideia de um legado de um dos povos originários da região: a oralidade na poesia, “marca que faculto à nação Kariri, que praticamente desapareceu, mas deixou marcas”. Fé de lenda Hoje em dia ainda são encontradas, em pequenas casas de oração dos descendentes do povo Kariri, imagens de santos da igreja católica, do padre Cícero, além de personagens do candomblé e das próprias entidades indígenas. Padre Cícero é bem responsável por isso. “Ele não conseguiu controlar essa religiosidade ensejada em Roma, porque a criatividade popular é muito maior que isso”, explica Feitosa. Segundo ele, os estudos dão conta de que foi a força da cultura local que fez ele se adaptar àquela religiosidade popular que já existia por conta da inserção indígena. “Uma vez catequizados, os índios também misturaram elementos ritualísticos deles com os trazidos pelos portugueses”, explica Feitosa.

selheiro, mas ele era um cearense, que veio de Quixeramobim [Ceará], do Cariri”, conta Alemberg.

nientes da Bahia e de Sergipe levaram a essa região seus rebanhos e construíram os primeiros currais. Era o ciclo do couro (final do século 17 e início do século 18). Os índios que não queriam ser vaqueiros iam para os talhados na chapada. Trata-se, ainda, de uma região onde Afonso Sertão, capataz de Garcia D’ávila (grande criador de gado), tomava as terras indígenas para seu patrão. Esse é um dos pontos de partida do coronelismo na área. Quase dois séculos após o ciclo do couro, Padre Cícero percebeu que, “num mundo de feras, tinha que ser fera”, conta Tadeu Feitosa. O misticismo e a política de enfrentamento aos coronéis rodeavam sua figura. Ao mesmo tempo de ter transformado Juazeiro do Norte (CE) na maior cidade do Ceará, seu sítio se chamava Horto, suas orações eram feitas num local chamado Santo Sepulcro e o rio que passa no pé da serra é o Jordão. “E o beato que andava com ele se chamava José. Por quê?”, compara Alemberg, fazendo referência aos elementos da vida de Jesus Cristo. Seu posicionamento religioso peculiar, em que se apropriava das crendices do povo da região, de acordo com Feitosa, fez com que ele tivesse o apoio dos fiéis e, por conseguinte, abraçasse a causa política sem nenhum problema de consciência. Mas isso não impediu que ele lançasse mão dos mesmos meios que os coronéis usavam. “Se precisasse invadir, ele invadia, se tivesse que enxotar alguém, ele enxotava. Era latifundiário como os demais. Em nome da fé, comprava e vendia gado”, conta Feitosa.

Personagem-chave O Cariri é considerado um entroncamento das migrações humanas que buscavam, sobretudo, água. O povo indígena Kariri, segundo Alemberg, é o descendente direto dos primeiros habitantes pré-históricos da região, que deixaram inúmeras marcas nas pedras locais. Por sua vez, os indígenas tiveram os primeiros contatos com o explorador branco no século 17. Atraídos pelo bom clima e pela fertilidade das terra, criadores de gado prove-

Babel Reflexo de toda miscelânea cultural, o “Cariri é considerado uma espécie de Babel”, segundo Feitosa. Isso porque, de acordo com ele, mistura o contemporâneo, tudo o que há de moderno, com a marca mais forte da ancestralidade nacional”. É possível testemunhar tal Babel que menciona Feitosa nas corriqueiras conversas na calçada, nas cantorias, nas declamações em feiras. “Isso acontece todo dia”, lembra o professor da UFC.

“Quando ele chega, começa a pegar os elementos da antropologia local e levar para o sermão. Na época em que se rezava em latim, de costas para o povo, quando se falava que o Apocalipse definia o fim dos tempos, ele se apropriava de uma lenda local e dizia que o sertão voltaria a ser mar. Tanto que essa lenda aflorou na Bahia, com Antônio Con-

“Quando Padre Cícero chega, começa a pegar os elementos da antropologia local e levar para o sermão. Na época em que se rezava em latim, de costas para o povo, quando se falava que o Apocalipse definia o fim dos tempos, ele se apropriava de uma lenda local e dizia que o sertão voltaria a ser mar”, conta organizador de mostra sobre o Cariri

Casa Grande busca a música pré-histórica de São Paulo (SP) Elementos da pré-história e do contemporâneo se misturam no acervo da Fundação Casa Grande (FCG), situada em Nova Olinda (CE) e inaugurada em 1992. Os moradores da região contribuem com o espaço ao doar peças míticas. O lugar recebe uma média de 25 mil a 30 mil visitantes por ano. Nova Olinda possui 4 mil habitantes. Mas o que chama atenção no projeto é a história da busca pela “música pré-histórica”, posta em marcha por Alemberg Quindins e sua esposa, Rosiane Limaverde, diretores e idealizadores da FCG. “Visitávamos locais que tinham ligação com a mitologia da cultura do Nordeste, no entorno da Chapada do Araripe. A gente se deparou com as

cavernas, pinturas rupestres, com as lendas de pedras encantadas, mitos locais. Nos deparamos com locais mitológicos representativos da oralidade e da geologia local”, conta Quindins. Desde os anos de 1980, visitando locais e pesquisando lendas, o casal construía instrumentos a partir de matérias-primas como sementes, madeiras, barro e pedras. “Buscávamos os timbres da música do homem pré-histórico. Durante dez anos, fizemos essa pesquisa”, relata Alemberg. Antes de inaugurar a FCG, os dois viajaram, entre 1985 e 1992, realizando espetáculos musicais nas cidades do Norte e Nordeste brasileiro, tendo como mote as questões sociais do nordeste e utilizando instrumentos elaborados por eles mesmos. (ESL)

Os Kariri Tiago Santana

O povo Kariri ainda mantém hábitos de seus antepassados

de São Paulo (SP) O povo Kariri (em tupiguarani, o termo significa “silencioso”), que deu o nome à região por ser um dos primeiros povos a habitá-la, é formado atualmente por 50 famílias que ainda mantêm hábitos parecidos com os dos seus antepassados. Eles vivem da pesca tradicional no açude Thomás Osterne, situa-

do na cidade de Crato (CE), e da agricultura de subsistência, sendo que o milho continua como base da alimentação. Produzem também objetos de cipó (cestos, balaios), utensílios de barro (potes, panelas) e remédios tradicionais utilizados em seu dia-a-dia. Muitos deles, derivados da imburana, da quinaquina, do alecrim, da malva-corama, da erva cidreira, entre outras espécies. (ESL)


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américa latina

Paraguai quer interpretação correta do Tratado de Itaipu, diz chanceler Fábio Pozzebom/ABr

ENTREVISTA Héctor Lacognata, ministro das Relações Exteriores do Paraguai, acredita que o presidente Lula está aberto a negociações favoráveis ao Paraguai Daniel Cassol Correspondente em Assunção (Paraguai) A UM MÊS do próximo encontro entre os presidentes de Brasil e Paraguai para discutir as negociações de Itaipu, o ministro das Relações Exteriores do Paraguai, Héctor Lacognata, está confiante de que os temas mais polêmicos nas negociações envolvendo a binacional usina hidrelétrica de Itaipu possam avançar. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve viajar para se encontrar com Fernando Lugo, no Paraguai, no início do mês de julho. O Paraguai defende a revisão das compensações financeiras pagas pelo Brasil pela cessão de energia, corrigindo distorções históricas. Mas o aspecto mais polêmico do acordo está na possibilidade de o país vender sua energia excedente no mercado brasileiro. Os integrantes do governo paraguaio sustentam que tal medida não constitui modificação no Tratado de Itaipu, tampouco necessitaria de aprovação pelo Congresso brasileiro. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, o chanceler paraguaio confirma que um dos motivos que levaram o Paraguai a não assinar nenhum acordo com o Brasil, no encontro de maio entre os presidentes em Brasília, foi um desacordo em relação às “prioridades” estabelecidas pela diplomacia brasileira. “É importante que o Brasil compreenda que hoje tem interlocutores diferentes”, afirmou Lacognata.

É muito importante que, mais além de todo o ruído que haja em relação às negociações, tenhamos em conta as resoluções que se tomaram no último encontro entre os presidentes Lugo e Lula em Brasília. Lá, ficou estabelecido que a definição do tema de Itaipu é fundamentalmente política Brasil de Fato – Existem diferentes versões sobre a possibilidade de acordo entre Brasil e Paraguai, principalmente no que diz respeito à venda de energia paraguaia no mercado brasileiro. O diretor da Itaipu, Jorge Samek, afirmou ao jornal paraguaio Última Hora que havia essa possibilidade, mas em recente evento na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) com o diretor do lado paraguaio, Carlos Mateo Balmelli, ficaram expostas algumas divergências.

promisso com o governo argentino, de imprimir um novo ritmo ao tema. Queremos que Yaciretá termine, para o bem dos países, porque acreditamos que, nas condições em que está, se converte em um monumento a uma relação bilateral falida, e nesse sentido há instruções precisas do presidente de acelerar as conversações para avançar nessa questão. Eu estimo que, terminado o momento eleitoral na Argentina, vai haver um relançamento do tema de Yaciretá. As relações bilaterais entre os países passam por um momento muito bom. Sou muito otimista de

Ao mesmo tempo, o assessor da presidência brasileira, Marco Aurélio Garcia, disse que a questão é muito mais política e acenou com a possibilidade de negociações. Quais são de fato as possibilidades de acordo?

Héctor Lacognata – O tema de Itaipu é muito sensível, tanto para Brasil como para Paraguai. E, logicamente, ao ser um tema tão sensível aos interesses nacionais, aparecem múltiplos setores, com múltiplas individualidades, com visões e versões diferentes sobre o tema. No entanto, é muito importante que, mais além de todo o ruído que haja em relação às negociações, tenhamos em conta as resoluções que se tomaram no último encontro entre os presidentes Lugo e Lula em Brasília. Lá, ficou estabelecido que a definição do tema de Itaipu é fundamentalmente política. Isto foi textualmente o que expressou o presidente Lula. Por outro lado, ficaram habilitados como porta-vozes oficiais de Brasil e Paraguai seus presidentes e seus chanceleres. De tal maneira, tudo que se possa suscitar ao redor tem nada mais que o valor ou a categoria de uma opinião pessoal, mas não de uma proposta oficial. Por isso, quando surgem comentários a respeito, o tomamos desde essa perspectiva e seguimos aguardando a proposta oficial que vai trazer o presidente Lula no próximo encontro. Mas quais são as expectativas do Paraguai, principalmente em relação às reivindicações por aumento da compensação paga pelo Brasil e pelo direito de vender energia no mercado brasileiro?

O Paraguai havia apresentado uma agenda de seis pontos, que foi aceita pelo Brasil e hoje é o eixo central das negociações. Avançou-se muito em quatro desses pontos, principalmente no que diz respeito à transparência, à cogestão e à terminação das obras complementares. O ponto central, mais árido e mais difícil de negociar, é sobre a livre disponibilidade de energia para o Paraguai. Porém, nós, e sobretudo eu, como chanceler, estamos muito otimistas em relação à proposta que possa trazer o presidente Lula, de aproximála em relação à reivindicação paraguaia. Quiçá, poderia dar-se na perspectiva de uma disponibilidade gradual da energia. Possivelmente, nos próximos anos poderia ser uma disponibilidade para venda ao Brasil e, mais adiante, a outros países. Eu tenho entendido que, dentro do Brasil mesmo, há visões diferentes em relação a essa negociação. E eu entendo que o presidente Lula encabeça uma corrente de opinião que está aberta à possibilidade de uma negociação favorável às expectativas do Paraguai. Por isso nós cremos que o próximo encontro entre os presidentes vai, se não for definitivo, pelo menos marcar o rumo certo que o Brasil tomará em relação à proposta paraguaia.

Mas o senhor sabe que no Brasil é forte o discurso que a venda de energia paraguaia no mercado brasileiro constituiria uma violação do Tratado

Nossa agenda com Brasil não é só Itaipu. Temos uma relação bilateral muito intensa, mas é importante que o Brasil compreenda que hoje tem interlocutores diferentes, com outra visão em relação ao que se tinha há anos atrás que poderemos avançar, apesar dos complexos problemas que existem.

Os presidentes Fernando Lugo e Lula

Nós cremos que o próximo encontro entre os presidentes vai, se não for definitivo, pelo menos marcar o rumo certo que o Brasil tomará em relação à proposta paraguaia de Itaipu. Que saída o Paraguai vê para esse impasse?

Nós discordamos dessa visão. Há que ter em conta que o Paraguai não defende, neste momento, a renegociação do Tratado, se não a interpretação cabal do Tratado, e não a interpretação abusiva do Tratado. Nós acreditamos que a reivindicação paraguaia, mais além de um conteúdo ético, de justiça e de legalidade suficiente para ser reconhecida, suscita opiniões diferentes. Haverá posições mais favoráveis às reivindicações paraguaias e outras menos favoráveis. Mas volto a reiterar que, além da justeza de nossas reivindicações, está o fato de o presidente Lula já ter manifestado que a decisão do tema de Itaipu é política, e não técnica ou econômica.

O último encontro entre os presidentes terminou sem acordo. Sabemos, por exemplo, que o Brasil tentou condicionar as negociações de Itaipu com o apoio paraguaio à entrada do Brasil no Conselho de Segurança da ONU. Também houve o fato de o governo brasileiro ter enviado uma proposta de declaração conjunta às vésperas do encontro. Houve uma espécie de rechaço do governo paraguaio a uma atitude autoritária por parte do Brasil?

Há que entender que o Pa-

raguai está vivendo uma nova etapa de sua história. Significa mudanças e reposicionamentos na política interna e na política externa. Temos a decisão de recuperar a dignidade e a credibilidade do Paraguai no mundo. Nas últimas décadas, infelizmente, nossa política exterior foi complacente, não somente com o Brasil, mas com propostas e interesses alheios ao país, muitas vezes em detrimento ao interesse nacional. Queremos recuperar a dignidade na política exterior paraguaia e, nesse sentido, isso vai marcar nossos relacionamentos bilaterais com outros países, entre eles, logicamente, nossas relações com um vizinho tão importante como o Brasil. Nós queremos seguir relacionando-nos com o Brasil, mas na perspectiva de dois países soberanos e iguais. Não desde a perspectiva de um país grande com um país pequeno, de um país doador com outro receptor, de um país generoso com um país miserável. Queremos dialogar com o Brasil em igualdade de condições, desde a perspectiva de dois países autônomos, independentes e soberanos. Isso tem que ver não somente com o tema de Itaipu, mas também com a questão da cooperação bilateral. Nós estamos dispostos a seguir fortalecendo nossos vínculos com o Brasil, mas desde uma nova perspectiva e novos objetivos na cooperação. O documen-

to que tinha que se assinar em Brasília era, para nós, um documento que não estava em condições de ser assinado pelo Paraguai. Em primeiro lugar, pela linguagem mesmo. Consideramos que a linguagem estava um pouco impregnada disto que eu dizia, um país grande com um país pequeno. Outro aspecto foi a determinação das prioridades. Muito do que se estabelecia ali em seu ordenamento tinha a ver com as prioridades da política exterior brasileira, e não com os interesses nacionais paraguaios. Em terceiro lugar estava o conteúdo mesmo. Nós queremos estabelecer algumas questões que são fundamentais em nossas relações com o Brasil, como o tema dos migrantes, da reforma agrária, da luta contra o narcotráfico, do registro tributário único. Ou seja, uma série de pontos que vão mais além de Itaipu. Nossa agenda com o Brasil não é só Itaipu. Temos uma relação bilateral muito intensa, mas é importante que o Brasil compreenda que hoje tem interlocutores diferentes, com outra visão em relação ao que se tinha há anos atrás. O Paraguai também mantém negociações com a Argentina, com quem divide a gestão da hidrelétrica de Yaciretá. A Argentina inclusive já propôs renegociar a dívida paraguaia. Como estão as negociações?

O caso de Yaciretá tem suas especificidades próprias, diferentes de Itaipu. E bastante complexas também. Desde notas transversais que não foram aceitas pelo Congresso paraguaio até tarefas pendentes, como obras complementares. Nós tomamos um com-

O senhor recebeu informações sobre o fato de a Eletrobrás, sócia de Itaipu, estar negociando ações na Bolsa de Nova York e exigindo que o lado paraguaio aprove balanços e orçamentos da binacional? Que medidas o Paraguai pode tomar?

Temos a informação e de fato nos parece bastante preocupante. No entanto, não há uma posição oficial do Paraguai em relação a isto. E não expressamos essa posição justamente para não interferir no ambiente, nos ânimos das negociações. Mas, logicamente, é um tema que nos preocupa e que, seguramente em seu momento, o governo do Paraguai vai tomar medidas em relação a ele. Eu creio que agora essa questão colabora muito pouco para a geração de um ambiente necessário para culminar nas negociações, pois é um momento de maior sensibilidade, em ambos os lados. APC/CC

Quem é Héctor Ricardo Lacognata Zaragoza nasceu em Assunção (Paraguai) e é médico por formação. Ocupou uma cadeira no Parlamento do Mercosul, desde 2008, até assumir como ministro das Relações Exteriores do Paraguai. Ex-integrante dos partidos Encontro Nacional e Pátria Querida, Lacognata também já foi secretário-geral da Sociedade Paraguaio-Cubana José Martí. Atualmente está ligado ao Partido do Movimento ao Socialismo (P-MAS).


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américa latina Reprodução

“Coração e passes curtos” MEMÓRIA Em 29 de maio de 1969, acontecia o Cordobazo, quando a população da cidade argentina de Córdoba promoveu uma greve geral e foi duramente reprimida pelo regime militar Silvia Beatriz Adoue HÁ 40 ANOS que os 29 de maio deixaram de ser, entre as famílias argentinas, apenas uma ocasião para comer nhoque. Diz a tradição, trazida pelos imigrantes italianos, que colocar uma nota embaixo do prato de nhoque no dia 29 de cada mês atrai dinheiro ou, pelo menos, evita o péssimo costume de perdê-lo. Nas casas das famílias trabalhadoras de Argentina, em 1969, o salário chegava cada vez mais recortado. Era a época da ditadura do general Juan Carlos Onganía e os direitos trabalhistas só retrocediam. Os trabalhadores iniciaram uma sequência de greves, por categoria e por região. Fazia já mais de um ano que o movimento sindical havia rachado, mas as duas centrais combinaram uma greve geral para 30 de maio. O cenário

Na província de Córdoba, a coordenação da greve contava com regionais sindicais muito combativas, filiadas tanto à Central General de los Trabajadores Argentinos (CGTA) como à “colaboracionista” Central General de los Trabajadores (CGT), aquela que “colaborava” com o governo militar. A região contava com milhares de trabalhadores jovens reunidos na então florescente indústria automotriz. A categoria dos eletricitários, que alimentava os complexos fabris com energia, também contava com uma direção que era de luta. A coordenação da greve em Córdoba convocou a paralisação já para o dia 29, às 11 horas. Além de contar com uma grande concentração industrial, Córdoba tinha um grande contingente de estudantes universitários e secundários vindos de outras províncias. A tradição estudantil vinha de longe, afinal, a primeira universidade de Argentina foi fundada na cidade, em 1613. E também foi nessa capital provincial que começou o movimento da Reforma Universitária, em 1918, para depois se estender a toda Hispano-América. Em 1969, os estudantes de Córdoba também estavam mobilizados. Era uma efervescência nas escolas e universidades de todo o país. As ações pipocavam aqui e ali, pelo preço da refeição ou pelo sistema de avaliação. Mas o espelho de

maio do ano anterior na França e a greve dos trabalhadores revestiram esse maio de um brilho de possibilidades insuspeitadas até então.

Os cordobenses trocaram, nesse mês, os nhoques pelos “ravióli”. Assim chamavam os envelopes de papel com pó de cloreto de potássio e enxofre que amarravam ao gargalo das garrafas cheias de gasolina A preparação: “coração e passes curtos”

Os cordobenses trocaram, nesse mês, os nhoques pelos “ravióli”. Assim chamavam os envelopes de papel com pó de cloreto de potássio e enxofre que amarravam ao gargalo das garrafas cheias de gasolina. A receita das bombas incendiárias circulou durante toda a semana em pequenos panfletos que corriam de mão em mão, e até as vovozinhas cordobenses sabiam preparálas. Nos bairros operários, e mesmo nos de classe média, as famílias acumulavam comida. Os jovens providencia-

vam pedras, couro e borracha para os estilingues e tudo que pudesse ser útil para as barricadas. Os trabalhadores e os estudantes arranjavam alguma arma de fogo. As redes se ramificavam como vasos capilares. Todos quebravam a cabeça para imaginar como vencer o primeiro obstáculo: atravessar as pontes que davam acesso para o centro da cidade, nas que se sabia que iriam se concentrar todas as forças policiais da província. Essas redes não eram articuladas apenas pela coordenação da greve e nem pelos centros acadêmicos ou pelas organizações políticas. Elas resultavam das iniciativas que partiam das fábricas para os bairros onde os trabalhadores moravam, ou das escolas, ou das repúblicas dos estudantes universitários, nos quais a planta da cidade era virada do avesso para imaginar possibilidades. O bairro Clínicas, próximo do hospital e do estádio do Belgrano, foi ocupado pelos estudantes, na sua maioria vizinhos do local, desde o sábado, 24. Barricadas foram postadas nas entradas, onde os estudantes se revezavam na guarda. Pichações nos muros davam conta do espírito dos ocupantes: “Bairro Clínicas: território livre de América”. Domingo Menna, líder estudantil, deu suas últimas recomendações aos companheiros próximos: “Como dizia o técnico do Belgrano: agora é ‘coração e passes curtos’”. Os companheiros olharam para ele, pedindo tradução. “Quer dizer: nada de grandes jogadas, olhar para o companheiro de lado e jogar com ele.” Os sindicatos resolveram que haveria uma concentração nos locais de trabalho na manhã da quinta feira, dia 29, e daí se partiria para as sedes dos sindicatos em colunas suficientemente fortes e seguin-

do diferentes caminhos, para dividir a atenção das forças policiais. Enquanto isso acontecia na província, a central sindical “colaboracionista”, que só queria convocar a greve para negociar com o governo em melhores condições, pedia às suas regionais para se limitar a uma paralisação sem mobilizações. Os dirigentes regionais argumentavam que estavam ultrapassados pelas suas bases. A batalha de Córdoba: “aqui ninguém dirige coisa nenhuma”

Na quinta feira, as colunas iam se formando nos locais de trabalho desde bem cedo. No bolso do macacão, não poucos tinham uma arma de calibre pequeno. Nas sacolas, bombas incendiárias. No bairro de Clínicas, a assembleia reunia milhares de estudantes. Grupos nas portas das escolas e nas esquinas de todos os bairros. Quem dispunha de motocicleta fazia a ligação entre os grupos. As colunas iam engrossando com vizinhos no percurso e se dirigiam para o centro da cidade. A polícia postada nas pontes começou com as bombas de gás lacrimogêneo, que os manifestantes levantavam com um pano e devolviam. Os estilingues começaram a sair dos bolsos, e bandos de artilheiros, um joelho apoiado no asfalto, faziam pontaria à distância. Os primeiros veículos foram virados para fazer barricadas, na medida em que as colunas avançavam. As barricadas serviriam, em caso de necessidade de recuo, para barrar a perseguição policial. Quando um grupo de trabalhadores se encontrava com um grupo de estudantes, cantava-se: “Obreros y estudiantes: unidos adelante”. A polícia começou a retroceder. Trabalhadores e estudantes avançavam já no centro da Reprodução

Manifestantes enfrentam policiais nas ruas de Córdoba, na Argentina, no dia 29 de maio de 1969

cidade. Foi queimado o prédio da Xerox, e os próprios manifestantes foram para o quartel dos bombeiros, que temiam sair para a rua de uniforme, e voltaram montados no caminhão para apagar o fogo que ameaçava se espalhar para o prédio vizinho.

No bolso do macacão, não poucos tinham uma arma de calibre pequeno. Nas sacolas, bombas incendiárias. (…) Quem dispunha de motocicleta fazia a ligação entre os grupos. As colunas iam engrossando com vizinhos no percurso e se dirigiam para o centro da cidade O dirigente eletricitário Agustín Tosco, que percorria a cidade, ligou para o um companheiro na sede do sindicato: “Aqui o povo saiu por conta própria, ‘morreram’ dirigentes... aqui ninguém dirige coisa nenhuma”. Não era exatamente isso, havia organização, mas as iniciativas partiam de todo lado, segundo uma lógica que confluía nos objetivos gerais de ocupar a cidade. O comandante do Terceiro Corpo do Exército, localizado em Córdoba, pressionou o responsável regional da central sindical “colaboracionista”, avisando que havia uma solicitação do governador provincial para intervir com as tropas. O sindicalista convocou uma conferência de imprensa e disse que os objetivos da mobilização já tinham sido atingidos e que estava terminada. Imediatamente, um comunicado do Terceiro Corpo do Exército constituía conselhos de guerra. A polícia se recolhia aos quartéis. Dona Laura: não conseguiram cortar suas pernas

Trabalhadores e estudantes, unidos e adiante

As colunas de eletricitários começaram a derrubar postes de cimento para barrar os tanques. Nos muros, os manifestantes começaram a pichar: “Soldado, não atire contra seus irmãos”. Uma coluna se encaminhou para a sede do Círculo de Suboficiais e quebrou todos os sabres que en-

contraram dentro. Mas, ao dar de cara com um piano, o carregaram até a rua e alguém começou a tocar. Os manifestantes, no meio da batalha, dançaram ao som do piano por um bom tempo. O prédio do Ministério de Obras Públicas foi incendiado e, desta vez, os bombeiros foram barrados pelos manifestantes. Foi no final da tarde que os tanques do Exército começaram a avançar, esmagando as barricadas de madeira e pneus. Dos tetos, choviam bombas incendiárias e vasos com plantas. Os soldados avançavam colados à parede, com um misto de medo e vergonha. Às 20 horas, os eletricitários cortaram o fornecimento de energia da cidade. E os manifestantes recuaram para os bairros. Alguns entravam em qualquer casa; alguns, despencando desde o teto, se apresentavam: “sou operário” ou “sou estudante”. Imediatamente, a família ajeitava um lugar e, em caso de batida, viravam filho, irmã, tio... O Exército aguardou que clareasse. Às 10 horas do dia 30, a polícia entrou na sede do sindicato dos eletricitários e prendeu os dirigentes que estavam reunidos para avaliar a jornada de 29. Agustín Tosco permaneceu preso por anos. Oficialmente, houve 30 manifestantes mortos, centenas de presos e perdas de 12 milhões de dólares. O comandante do Terceiro Corpo do Exército admitiu que se sentia comandando um Exército de ocupação. Num bairro, uma vizinha, Dona Laura, saiu atrás de um carro do Exército, com sua filha e sua neta, gritando: “Assassinos! Assassinos!”. Uma rajada de metralhadora feriu as três nas pernas. A tática utilizada pelo exército foi calcada na da divisão de paraquedistas franceses em Argel, capital da Argélia: quadricularam a cidade. Cada unidade se ocupava de um setor. Na tarde da sexta feira, dia 30, já controlavam militarmente Córdoba. Mas aquele 29 foi o começo do fim da ditadura militar. Houve levantamentos semelhantes em muitas outras cidades e um ascenso popular. A luta permitiu revelar a própria força e as fraquezas do oponente. E também permitiu construir a confiança entre os diferentes setores que até então vinham lutando isolados. Silvia Beatriz Adoue, argentina radicada no Brasil, é mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo, doutora em Literatura Latinoamericana pela FFLCH-USP e professora da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF).


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Afeganistão e Paquistão, os novos focos dos EUA CONFLITO Hegemonia estadunidense está em jogo na Ásia Central e no Oriente Médio Renato Godoy de Toledo da Redação ENQUANTO O mundo observa com preocupação o desenvolvimento nuclear da Coreia do Norte, os Estados Unidos, com o maior arsenal bélico do planeta, promovem uma mudança de estratégia para manter sua hegemonia político-militar. Com a impossibilidade de lograr uma vitória no Iraque e a pressão da opinião pública, o processo de retirada de tropas deve ser cumprido pelo novo presidente Barack Obama, que, aliás, tem a medida como promessa de campanha. No entanto, para manter a sua “máquina militar” em funcionamento, fomentando a indústria bélica e mantendo seu status geopolítico, os EUA adotaram um deslocamento tático neste ano. O novo foco é a Ásia Central, com intervenções militares no Paquistão e Afeganistão, sob o pretexto de combater o grupo islâmico Talibã. O motivo é o mesmo que foi alegado em 2001, meses após o 11 de setembro, para invadir o Afeganistão e depor o governo Talibã. Desde então, os EUA ocupam o país militarmente, mas o foco central de sua geopolítica tem sido o Iraque, país invadido em março de 2003.

Ainda que acreditemos na atual retórica de retirada, os EUA continuarão a se envolver militarmente no Iraque Agora, com o crescimento da influência do Talibã no vizinho Paquistão, Obama anunciou o envio de 5 mil militares estadunidenses ao Afeganistão e convenceu a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) a enviar mais 4 mil soldados. “Os EUA não podem carregar sozinhos o fardo da guerra”, justificou Obama ao convocar a Otan.

Afegão é revistado por tropas da Otan. Estados Unidos aumentaram efetivo no país invadido para ampliar seu peso geopolítico na região

Esse efetivo militar, que compõe a Força Internacional de Assistência à Segurança (Isaf), tem a determinação de treinar as tropas do exército afegão para que estas combatam os Talibãs em seu território. Somente essa nova investida dos EUA deve custar cerca de 2 bilhões de dólares anuais. No Paquistão, os guerrilheiros Talibãs têm sido combatidos pelo exército do país que ocupa o Vale do Swat, controlado pelo grupo islâmico. De um lado, 15 mil soldados do exército; de outro, cerca de 5 mil militantes. Nesse contexto de recrudescimento da violência, os talibãs têm adotado o sequestro como tática. No mais recente, cerca de 80 estudantes foram feitos reféns por 24 horas, até serem libertados pelo exército nacional, em Razmak, no noroeste do país. Agências de notícias internacionais calculam que cerca de mil talibãs e 50 soldados paquistaneses morreram em um mês de conflito. Falsos pretextos Tal como a guerra do Iraque não tinha o objetivo de combater o terrorismo, o reforço militar na Ásia Central não tem o combate ao grupo islâmico como um fim em si mesmo, de acordo com analistas internacionais. Segundo o jornalista palestino Ramzy Baroud, da publicação Palestine Chronicle, o maior interesse dos EUA na região é relacionado à localização estratégica do Paquistão e do Afeganistão, que estão próximos de China, Rússia e Irã, países com potencial bélico e interesses nem sempre convergentes aos dos EUA. Em entrevista, o jornalista analisa quais são as motivações dos EUA para voltar o seu foco à Ásia Central. Confira a seguir.

Brasil de Fato – Na sua opinião, quais são as razões para essa mudança do foco militar dos EUA, do Oriente Médio, com a invasão do Iraque, para a Ásia Central, no Paquistão e Afeganistão? São motivações pontuais ou estratégicas, de longo prazo? Ramzy Baroud – Inicialmente, o único significado da mudança de foco dos Estados Unidos – do Iraque para o Paquistão e Afeganistão – são retóricos: com uma ênfase exagerada na necessidade em “ganhar” a batalha contra o Talibã e uma menor perspectiva de militarização no Iraque. O fato é que

Sob Obama, estão sendo assassinados mais civis no Afeganistão do que na era Bush os EUA já estão se retirando do Iraque. Ainda que acreditemos na atual retórica de retirada, os EUA continuarão a se envolver militarmente no Iraque, mas com uma capacidade diferente. Deverá haver uma estratégia de reposição e de re-emprego das forças de combate, mas o Iraque vai continuar sendo a principal prioridade dos próximos anos. A realocação do foco para o Paquistão ou Afeganistão pode ser explicada por fatores internos e externos relacionados à política externa estadunidense sob o go-

verno Barack Obama. Por um lado, no caso de nenhuma redução de forças no Iraque, essas tropas teriam que ser levadas a algum outro lugar, para manter a máquina militar dos EUA funcionando. Mas Obama poderia querer preservar a chamada liderança e sua reputação: se as forças estadunidenses saírem do Iraque e voltarem aos EUA, esse movimento poderia ser visto como uma derrota de um império decadente. Ao transferir as tropas para outro lugar, o movimento poderia ser explicado como um tático reenvio de forças justificado com base nas necessidades estratégicas, e isso dá a impressão de que a nova presidência dos EUA é prudente. Em termos materiais, de recursos naturais, o que está em jogo na região? Além disso, qual é a sua importância geopolítica? Em outras palavras, por que os EUA se veem motivados a controlála? Tudo isso é motivado pela estratégica localização da região. O Afeganistão é estrategicamente importante por conta de sua exclusiva viabilidade de acesso (ao lado do Irã e China) a uma região com muitos recursos naturais. Os dois países não têm grandes reservas de riquezas naturais, mas a significância do Afeganistão vem do fato de este ser o único acesso dos EUA para a região mais rica, em termos de recursos naturais, do mundo. Azerbaijão, Uzbequistão, Quirguistão, entre outras ex-repúblicas soviéticas que estão situadas em regiões altamente conflituosas. Eles fazem fronteira com a Rússia, alguns com

a China, dois dos mais poderosos países do mundo. Considerando a imensa riqueza nessa região, principalmente em petróleo e gás, ter acesso a esses países poderia significar a definição de uma nova era de grandes conflitos ali.

O significado disso não é simbólico, mas real. Significa que os EUA continuam comprometidos com suas aventuras militares O crescimento da relevância do Paquistão é resultado do fato de o aumento de poder do Talibã afegão estar relacionado ao ascenso do chamado Talibã paquistanês. A hegemonia estadunidense dessa maneira está sendo desafiada em duas grandes arenas (no Oriente Médio e Ásia Central), onde supõe-se que os EUA assumam o controle. O fracasso nesse aspecto poderia significar uma derrota estratégica ou até acarretar numa humilhação para os Estados Unidos. Com quase um semestre da nova gestão, pode ser observada alguma diferença substancial entre a política de Bush e Obama para a região? Mais uma vez, a principal diferença entre as duas po-

líticas está na linguagem. Bush fala a língua do império, de um país que tem direito de posse sobre os negócios do mundo e sobre os rumos da história. Obama pronuncia uma linguagem mais sensível, acerca da responsabilidade global, mas continua a responsabilidade exercida por um país que mantém a mesma noção de direito de posse de antes. O que explica tudo isso é a linguagem. A impressão que dá é que terá mais violência no Paquistão e no Afeganistão levada a cabo pelos EUA do que antes. Sob Obama, estão sendo assassinados mais civis no Afeganistão do que na era Bush. Com ele, haverá mais militarização daqui em diante. O envio de mais tropas da Otan ao Afeganistão, incentivado por Obama, tem um sentido simbólico? Seria a comprovação da continuidade da política militar dos EUA? O significado disso não é simbólico, mas real. Significa que os EUA continuam comprometidos com suas aventuras militares, e que não haverá maiores mudanças em táticas ou na realidade dos fundamentos em termos das relações dos EUA com esses outros países, altamente empobrecidos, oprimidos e coletivamente vitimizados.

Quem é Ramzy Baroud é um jornalista palestino-estadunidense. Foi produtor da rede de TV árabe Al-Jazeera e atualmente é editor-chefe da publicação Palestine Chronicle.

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Talibã se reorganizou como guerrilha O grupo islâmico Talibã, com origem no Afeganistão, chegou a governar grande parte do país entre 1996 e 2001, após tomar o poder pelas armas. O Talibã tem servido de pretexto para ações bélicas dos EUA desde 2001. Após o 11 de setembro, os EUA passaram a bombardear o país com o intuito de depor o governo Talibã. De acordo com os EUA, o governo de Cabul era cúmplice e aliado da Al-Qaeda, grupo sunita que assumiu os atentados no World Trade Center. No início dos ataques, informações davam conta de que Osama Bin Laden estaria refugiado nas montanhas do Afeganistão, resguardado pela Al-Qaeda e pelos Talibãs. A missão dos EUA foi cumprida rapidamente: o governo Talibã foi deposto e um presidente indicado por Washington assumiu. Hamid Karzan foi o presidente imposto e desde então permanece no poder. Em 2004, foi realizado um pleito nacional que renovou o mandato de Karzan; no entanto, cerca de 17 organizações de oposição contestaram o resultado, alegando fraudes no processo. Depois da deposição e da perda de diversas lideranças, o Talibã reagrupouse em 2005, atuando como uma guerrilha com base nas montanhas do país. Liderado por Mullah Mohammed Omar, o grupo luta pela derrubada do governo de Karzan. (RGT) Grupo de Talibãs exibe suas armas no Afeganistão


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A Coreia do Norte é a real ameaça? Reprodução

TENSÃO NA ÁSIA Quando representantes norte-coreanos afirmam que suas tentativas de desenvolver armas nucleares buscam desencorajar um ataque dos EUA, eles estão certos Alan Maass O GOVERNO estadunidense possui armas nucleares apontadas para a Coreia do Norte, uma esquadra da marinha permanentemente posicionada em sua costa e perto de 100 mil soldados posicionados na Coreia do Sul e no Japão. Sucessivos governos estadunidenses têm descumprido promessas feitas há duas décadas para fornecer ajuda humanitária à população empobrecida daquele país, mas você não saberia nada disso ao ouvir a opinião pública internacional sobre o teste nuclear realizado pelo regime da Coreia do Norte no dia 25 de maio. Ao invés disso, lideranças políticas estadunidenses e internacionais, aplaudidas pela mídia, se uniram para acusar o país pelo aumento unilateral da ameaça de guerra. Esse foi o segundo teste nuclear da Coreia do Norte. Detonada no subterrâneo, era uma bomba poderosa, estimada entre 10 e 20 kilotons – aproximadamente o mesmo poder destrutivo das bombas atômicas lançadas pelos EUA sobre Hiroshima e Nagasaki durante a Segunda Guerra Mundial. Os militares norte-coreanos anunciaram, no mesmo dia, que haviam realizado testes de lançamento de três mísseis de curto alcance, e o governo teria recolocado em funcionamento um reator nuclear que havia prometido desmontar como parte de um acordo de “ajuda-por-desarmamento” selado dois anos atrás, chamado de “negociações de seis lados”, pois envolvia China, Rússia, Japão, EUA e as duas Coreias. Os EUA e a aliada Coreia do Sul, por seu lado, colocaram suas forças militares em alerta vermelho, e representantes estadunidenses pressionaram o Conselho de Segurança da ONU para que este impusesse novas sanções. A secretária de Estado estadunidense, Hillary Rodham Clinton, prometeu que a Coreia do Norte sofreria “consequências” pelo que ela chamou de “ações provocativas e truculentas”. Carnificina A ideia de que a Coreia do Norte representa uma ameaça militar aos EUA é absurda. O país é desesperadamente pobre, com uma renda per capita de menos de dois dólares por dia. Seus militares estão anos distantes do desenvolvimento de um míssil de longo alcance que possa atingir os EUA, muito menos um dispositivo nuclear que possa ser carregado por tal míssil.

Barack Obama e o presidente da Coreia do Sul, Lee Myung-bak: manutenção da velha política imperialista

Mas, na península da Coreia, a ameaça de uma terrível carnificina é muito mais real. A Coreia do Norte possui aproximadamente 750 mísseis e 13 mil canhões apontados na direção da Coreia do Sul. Cerca de 21 milhões de pessoas vivem em Seul, que fica a apenas 63 quilômetros da fronteira com o Norte. E, é claro, as forças dos EUA e da Coreia do Sul possuem um arsenal muito mais destrutivo a seus comandos. Uma guerra poderia resultar na morte de um milhão de civis em questão de dias.

Em meados dos anos de 1990, o governo Bill Clinton alimentou tensões ao recomeçar jogos de guerra na península e redirecionar armas nucleares, antes apontadas à URSS, na direção da Coreia do Norte A retórica do governo militar da Coreia do Norte – e, talvez ainda mais, seus métodos de Estado policialesco para reprimir dissidentes – facilitam para que a mídia reduza seus líderes a loucos fanáticos. Mas, quando representantes daquele país afirmam que suas tentativas de desenvolver armas nucleares buscam desencorajar um ataque dos EUA, eles estão certos. Quando o governo George W. Bush lançou sua “guerra ao terror” e invadiu o Afeganistão, a Coreia do Norte foi incluída no

“eixo do mal”, dentro da lista de possíveis alvos. “A guerra do Iraque ensinou a lição de que... a segurança de uma nação pode apenas ser alcançada quando o país possui uma força física com capacidade de retaliação”, disse um representante nortecoreano algumas semanas após os EUA invadirem o Iraque, em março de 2003. Ocupação e dominação Por trás do conflito entre os EUA e a Coreia do Norte existe mais de um século de ocupação e dominação imperialista. Antes do século 20, governantes de China e Japão disputaram o controle da península da Coreia. Após derrotar a Rússia na guerra de 1905, o Japão transformou a Coreia em uma colônia brutalmente explorada, com a ajuda de investidores estadunidenses. Depois da derrota japonesa na Segunda Guerra Mundial, os EUA e a antiga União Soviética (URSS) – aliados durante a guerra – deram início à rivalidade da Guerra Fria, com a Coreia servindo como campo de batalha experimental. A península foi “temporariamente” dividida. Forças comunistas no Norte, apoiadas pela URSS, lançaram uma ofensiva com o objetivo de reunir a Coreia em 1950. Os EUA responderam com uma matança indiscriminada. Com a autoridade da ONU como disfarce, bombardearam com napalm cada cidade do Norte, reduzindo-as a ruínas. Quatro anos de guerra terminaram em um impasse, com o custo de 3 milhões de mortos. A antiga linha divisória foi reconfirmada em um tratado de armistício em 1953. Após a guerra, a Coreia do Sul foi governada por militares apoiados pelos EUA. Mais de três décadas de ditadura depois, esse sistema ruiu diante de um movimento democrático maciço alimentado por conflitos trabalhistas. Reprodução

Kim Jong-il posa ao lado se soldados norte-coreanos

A Coreia do Norte adotou o sistema repressivo stalinista de seus patrocinadores na Rússia e na China. Embora seus líderes ainda reivindiquem ser um governo “comunista”, a Coreia do Norte é o oposto de uma sociedade socialista de poder trabalhista e democrático. O aparato estatal dirige a economia e a sociedade com punho de ferro, e o regime promove o culto à personalidade, primeiramente com Kim Il-sung, e, agora, com seu filho, Kim Jong-il. Mas, se a Coreia do Norte tem sido sempre altamente militarizada, ela também enfrentou meio século de ameaça dos EUA e seus dependentes no Sul. Os EUA introduziram armas nucleares na península no final dos anos de 1950, violando o armistício que dera fim à guerra. Também mantêm, ainda hoje, uma imensa força militar posicionada na Coreia do Sul e no Japão, como uma constante ameaça contra o Norte. Plano de Clinton A Coreia do Norte estava economicamente à frente da do Sul até meados dos anos de 1970. Mas seu empobrecimento se intensificou depois do colapso da URSS, em 1991. Em meados dos anos de 1990, o

governo Bill Clinton alimentou tensões ao recomeçar jogos de guerra na península e redirecionar armas nucleares, antes apontadas à URSS, na direção da Coreia do Norte. De acordo com um representante da Coreia do Sul, os EUA tinham traçado planos para derrubar o governo do Norte e promover sua incorporação pelo Sul. Em 1994, a Casa Branca de Clinton concordou com um acordo em que o governo norte-coreano prometia interromper seu programa de armas nucleares e os EUA suspenderiam seu embargo de negócios e crédito, além de ajudar com a criação de um programa de força nuclear civil, com o envio de combustível como uma medida paliativa para a produção de eletricidade. Clintou quebrou todas essas promessas, com exceção do envio de combustível e algum alimento. A crise econômica aumentou. Grandes inundações durante os anos de 1990 levaram à fome, que matou uma em cada dez pessoas no país. Em outras palavras, a despeito do acordo, o governo Clinton continuou a aumentar a pressão contra o regime na esperança de que ele não resistisse.

Quando George W. Bush chegou ao poder, piorou ainda mais as coisas ao rejeitar novas negociações. As relações entre os dois países foi simbolizada pelas declarações racistas de Bush, qualificando Kim Jongil como um “pigmeu”. Agora, a administração Obama está no controle e seus principais representantes de política externa não demonstram nenhum sinal de querer seguir um caminho diferente. Além disso, a embaixadora de Obama na ONU, Susan Rice, disse querer assegurar-se de que a Coreia do Norte “pague um preço” por seus testes nucleares. Nenhuma pessoa sã quer ver a disseminação de armas nucleares. Mas, quando se trata de corrida armamentista e ameaças de guerra no leste asiático, a força motriz é o governo dos EUA. Desarmamento real começaria pelos soldados e armas estadunidenses, que têm estado apontadas para a Coreia do Norte por mais de meio século. (socialistworker.org) Alan Maass é editor do jornal Socialist Worker e autor de Why You Should Be a Socialist (Porque você deveria ser um socialista). Tradução: Aldo Gama

RECURSOS NATURAIS

O perigo de um conflito militar no Ártico Região que pode abrigar um terço das reservas de gás do mundo ainda não descobertas deverá ser palco de fortes disputas entre os países que a bordeiam Global Research Um novo estudo realizado pela entidade US Geological Survey (Pesquisa Geológica nos EUA) afirma que quase um terço das reservas de gás do mundo ainda não descobertas está localizado no Ártico – a maior parte desse recurso não aproveitado estaria em território russo. O Ártico pode estar esquentando devido às mudanças climáticas, mas os interesses na área também, devido aos tesouros ocultos debaixo da camada de gelo. Esta já é uma região amplamente disputada. As nações cujas fronteiras estão dentro do Círculo Ártico – Canadá, Dinamarca (por meio da Groenlândia), Noruega, Rússia e Estados Unidos – irão, provavelmente,

endurecer a competição por seus recursos. A Rússia, que é uma das maiores fornecedoras de gás do mundo, é também umas das mais ativas reivindicadoras de uma parte do Ártico. Em 2001, o país apresentou uma demanda formal nesse sentido à Organização das Nações Unidas (ONU), que a rejeitou por falta de evidências suficientes. Possibilidade de conflito Em 2007, a Rússia enviou à região uma expedição que coletou amostras geológicas e de água e “plantou” uma bandeira no fundo do mar, abaixo do Pólo Norte. Os especialistas do país esforçam-se para provar que a Lomonosov, uma enorme cadeia de montanhas submersas no Ártico, é uma extensão do recife continental siberiano.

Em março de 2009, o Conselho de Segurança da Rússia delineou o plano estratégico do país em relação ao Ártico e redigiu um documento intitulado As bases da política nacional da Federação Russa na região do Ártico até 2020. A estratégia envolve uma presença maior de tropas militares e vigias de fronteira na área para proteger os interesses nacionais da Rússia. A Rússia diz que a questão central não é a militarização, mas a possibilidade de um conflito militar na região do Ártico, que pode ser alta nos próximos dez anos. Enquanto isso, o Canadá também começou a aumentar sua presença militar na área (www.globalresearch.ca). Tradução: Igor Ojeda


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