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Circulação Nacional

Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 7 • Número 340

São Paulo, de 3 a 9 de setembro de 2009 Leandro Uchoas

Alternativas para humanizar as carceragens femininas A dura realidade das prisões femininas tem encontrado esperança no Rio de Janeiro. O programa Carceragem Cidadã visa esti-

mular presas ao trabalho, a fim de reduzir a pena e, consequentemente, melhorar as condições das lotadas dependências. Pág. 7

R$ 2,50 www.brasildefato.com.br

Proposta para o pré-sal é avanço, mas insuficiente O governo anunciou, no dia 31 de agosto, o marco regulatório do petróleo extraído da camada pré-sal. O modelo não foge do padrão de busca da conciliação de classes do presidente Lula. João Antônio de Moraes, da Federação Única dos Petroleiros, avalia que a proposta fica no meio do caminho: é um avanço em relação ao que

se tem, mas está distante do que propõem os movimentos. Emanuel Cancella, da Federação Nacional dos Petroleiros, acrescenta que, apesar da proposta estar longe do esperado pela esquerda, a direita tentará rebaixá-la ainda mais.“A luta está começando. Sem mobilização não fica nem a proposta do Lula”, prevê. Págs. 2, 4 e 5

Yamil Gonzales

Fábio Pozzebon/ABr

Para o presidente Lula, o marco regulatório do petróleo extraído da camada pré-sal representa “um novo Dia da Independência para o Brasil”

Indícios ligam agentes dos EUA ao golpe em Honduras Passados dois meses, a participação dos EUA na deposição do presidente hondurenho Manuel Zelaya torna-se mais clara. Militares estadunidenses

estiveram no país nas vésperas do golpe e os principais líderes hondurenhos do ataque formaram-se na Escola das Américas. Pág. 9

Coreia do Sul, ex-tigre asiático, em colapso A Coreia do Sul era considerada exemplo para os chamados emergentes. Nos anos 90, o país cresceu atraindo investimentos externos e baseando-se em mão-de-obra barata e isenção de imposto para as empresas. Mas o neoliberalismo levou-a ao desemprego e à desaceleração econômica. Pág. 12

ISSN 1978-5134

Ruralistas pressionam governo contra reforma agrária Após a jornada de lutas dos movimentos sociais, que culminou no dia 14 de agosto, o governo se reuniu com representantes do MST e aceitou a reivindicação de atualizar os índices de produtividade da terra. Com isso, o número de áreas improdutivas aumentaria, permitindo mais desapropriações e assentamentos. No entanto, os ruralistas são contra a medida e tentam dissuadir o governo. Atualmente, o Brasil conta com um índice baseado na realidade de 1975. Nesses 34 anos, a tecnologia no campo aumentou, impulsionando a produtividade. Pág. 3

Ricardo Stuckert/ABr

Yeda, o pior parece ainda estar por vir Se a governadora gaúcha Yeda Crusius (PSDB) já estava fragilizada com as denúncias de corrupção que envolvem seu governo, agora,

com a instauração da CPI da Corrupção, sua situação deve piorar. O Ministério Público Federal pediu a cassação da governadora e de mais oito

assessores por improbidade administrativa. Essa ação, somada à CPI, dá fôlego ao pedido de impeachment contra a tucana. Pág. 6 Marco Eifler/Ag AL

A CPI para apurar as denúncias envolvendo Yeda Crusius (PSDB-RS) começou seus trabalhos em setembro

Elaine Tavares

Jorge Risquet e a luta pela liberdade

AFOGANDO EM NÚMEROS

A riqueza gerada pelos 50 bilhões de barris estimados do pré-sal brasileiro equivale a 25 projetos como o PAC, 10 mil orçamentos da Habitação, 500 do Trabalho, 200 da Saúde e de 3 a 4 PIBs como o de 2008

O cubano Jorge Risquet (à esquerda), durante seminário do IELA

A história de vida do cubano Jorge Risquet, de 79 anos, se confunde com a das lutas populares. Em 51, ele se opõe à ditadura de Fulgencio Batista e viaja pela América e Europa organizando a juventude. Na guerrilha cubana, dá formação aos lutadores e, nos anos de 1960, luta na África. Em agosto, ele esteve no Brasil e contou a sua história. Pág. 10


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editorial O GOVERNO anunciou no dia 31 de agosto o marco regulatório do petróleo extraído da camada présal. E, segundo o presidente Lula, este representa “um novo Dia da Independência para o Brasil”. É verdade que, com o pré-sal, o Brasil entrou para o time dos maiores portadores de reservas, o que altera sua posição na geopolítica do petróleo, na economia mundial e a relação com o imperialismo. Portanto, o presente e o futuro da nação passam pela discussão sobre o controle do petróleo, ainda mais nesse momento de crise estrutural do capitalismo. O novo marco regulatório do pré-sal guarda expectativas, angústias e sonhos desde o anúncio das descobertas das reservas. Os setores privatistas tinham a expectativa de manter o mercado aberto e uma boa previsão de margem de lucro, no que foram acolhidos. O povo sonhava com o prenúncio de um futuro de esperança. E foi contemplado em parte, com a iniciativa de um fundo soberano para dívidas sociais e a partilha como forma de apropriar-se da renda. Ou seja, uma proposta que quer conciliar interesses antagônicos. É verdade que a proposta do governo Lula supera o modelo privatista e entreguista adotado por FHC, que representava o controle privado sobre as jazidas do petróleo, com a quebra do monopólio da União, previsto na Constituição.

debate

Desafios da luta em defesa do petróleo E a iniciativa de criação de uma empresa sob controle total da União, a Petrosal, e o contrato de partilha de produção representam a ampliação do papel do Estado no setor. No entanto, as portas continuam abertas para as petroleiras privadas internacionais, que não estão insatisfeitas com as mudanças, mas preferem a manutenção do modelo de FHC. O modelo não foge do padrão de busca da conciliação de classes do governo Lula. Por isso, está longe de garantir o controle sobre o petróleo e a destinação social da renda obtida com sua exploração e comercialização. A partir de agora, a proposta apresentada pelo governo será discutida em um Congresso desmoralizado, sem legitimidade e controlado pelos interesses da classe dominante. A tendência é que o projeto saia do parlamento com um peso maior da sua face privada, diminuindo os avanços em relação ao modelo anterior. O PSDB, o DEM e o PPS anunciaram que vão tentar derrotar os projetos, defendendo que o pré-sal seja explorado no modelo de FHC.

Não admitem os avanços do novo marco e temem o uso eleitoral pelo governo. De forma oportunista, antinacional e antipopular, que caracteriza a burguesia brasileira, defendem o pior modelo para explorar a maior riqueza do país. As empresas petrolíferas admitem uma maior participação do Estado no setor, desde que as regras sejam estáveis e claras, garantindo o investimento privado. Portanto, não devem se colocar contra o projeto do governo, mas devem apresentar emendas para ampliar ainda mais suas participações. Não podemos abrir concessões nem partilhar com interesses privados uma riqueza como o petróleo, que pode mudar a história do nosso país. Precisamos de um modelo para o setor que seja público, por monopólio do Estado, que preserve os recursos exclusivamente para resolver os problemas sociais de todos os brasileiros. Este deve ser o norte da campanha “O Petróleo tem que ser nosso”, que representa um esforço de construção de uma campanha nacional que tenha condições de sustentar um modelo popular e

crônica

Direção nacional do MST

A ofensiva da imprensa burguesa contra o MST FIZEMOS UMA mobilização em todo o país e um acampamento em Brasília em defesa da reforma agrária e obtivemos vitórias importantes, relacionadas à solução dos problemas dos trabalhadores do campo. A jornada de lutas conquistou do governo federal medidas muito importantes, embora estejamos longe da realização da reforma agrária e da consolidação de um novo modelo agrícola. Além disso, demonstrou à sociedade e à população em geral que apenas a organização do povo e a luta social podem garantir conquistas para os trabalhadores e trabalhadoras. A principal medida do governo, anunciada durante a jornada, é a atualização dos índices de produtividade, que são utilizados como parâmetros legais para a desapropriação de terras para a Reforma Agrária. Os ruralistas, o agronegócio e a classe dominante brasileira fecharam posição contra a revisão dos índices e passaram a utilizar os meios de comunicação para pressionar o governo a voltar atrás.

CRIMINALIZAÇÃO O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra responde aos recentes ataques veiculados em diferentes meios de comunicação

Os ataques contra o Movimento são antigos e nunca passaram da mais pura manifestação de ódio dos setores mais reacionários da classe dominante contra trabalhadores rurais que se organizaram e lutam por seus direitos Essas conquistas deixaram revoltados os ruralistas, o agronegócio e a classe dominante, que defendem apenas seus interesses, patrimônio e lucro, buscando aumentar a exploração dos trabalhadores, da natureza e dos recursos públicos. Nesse contexto, diversos órgãos da imprensa burguesa – os verdadeiros porta-vozes dos interesses dos capitalistas no campo –, como revista Veja, Estadão, Correio Brazilienze, Zero Hora e a TV Bandeirantes, passaram a atacar o movimento para inviabilizar medidas progressistas conquistadas com a luta. Não há nenhuma novidade na postura política e ideológica desses veículos, que fazem parte da classe dominante e defendem os interesses do capital financeiro, dos bancos, do agronegócio e do latifúndio, virando de costas para os problemas estruturais da sociedade e para as dificuldades do povo brasileiro. Desesperados, tentam requentar velhas teses de que o movimento vive às custas de dinheiro público. Aliás, esses ataques vêm

justamente de empresas que vivem de propaganda e recursos públicos ou que são suspeitas de benefícios em licitações do governo de São Paulo, como a Editora Abril. Diante disso, gostaríamos de esclarecer a nossos amigos e amigas, que sempre nos apoiam e ajudam, que nunca recebemos nem utilizamos dinheiro público para fazer qualquer ocupação de terra, protesto ou marcha. Todas as nossas manifestações são realizadas com a contribuição das famílias acampadas e assentadas e com a solidariedade de cidadãos e entidades da sociedade civil. Temos também muito orgulho do apoio de entidades internacionais, que nos ajudam em projetos específicos e para as quais prestamos conta dos resultados em detalhes. Aliás, todos os recursos de origem do exterior passam pelo Banco Central. Não temos nada a esconder. Em relação às entidades que atuam nos assentamentos de reforma agrária, que são centenas trabalhando em todo o país, defendemos a legitimidade dos convênios com

nacional para o petróleo e abrir as portas para a construção de um projeto popular para o país. Portanto, as cartas estão na mesa e a campanha entra em um novo estágio. O projeto de lei alternativo apresentado na semana passada ao Congresso representa o acúmulo dos movimentos sociais, centrais sindicais e entidades de petroleiros. A campanha “O petróleo tem que ser nosso” enfrentou diversos obstáculos, como acompanhar o ritmo e as propostas do governo, a fragmentação da esquerda, além das diferenças entre os petroleiros. Apesar disso, conseguiu chegar ao consenso em relação ao nome, à linha e ao instrumento de trabalho popular. Mas, mais do que defender o projeto de lei da campanha, é preciso fazer um amplo debate com a sociedade sobre o destino da renda do petróleo, o percentual da partilha dos contratos e a retomada das áreas já leiloadas. O modelo de contrato mais adequado seria o de prestação de serviços, utilizado em países de grande produção, que não contam

os governos federal e estaduais e acreditamos na lisura do trabalho realizado. Essas entidades estão devidamente habilitadas nos órgãos públicos, são fiscalizadas e, inclusive, sofrem com perseguições políticas do TCU (Tribunal de Contas da União), controlado atualmente por filiados do PSDB e DEM. Desenvolvem projetos de assistência técnica, alfabetização de adultos, capacitação, educação e saúde em assentamentos rurais, que são um direito dos assentados e um dever do Estado, de acordo com a Constituição. Não esperávamos outro procedimento desses meios de comunicação. Os ataques contra o Movimento são antigos e nunca passaram da mais pura manifestação de ódio dos setores mais reacionários da classe dominante contra trabalhadores rurais que se organizaram e lutam por seus direitos. Vamos continuar com as nossas mobilizações porque apenas a pressão popular pode garantir o avanço da reforma agrária e dos direitos dos trabalhadores, independente da vontade da classe dominante e dos seus meios de comunicação. Carta da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) aos amigos e amigas, em resposta à ofensiva da imprensa burguesa ao movimento.

com uma empresa totalmente estatal para a exploração e contratam empresas, que recebem uma remuneração pelo serviço prestado. E ponto. Toda produção é do Estado. A opção pelo modelo de partilha, mais avançada que as concessões, é um atraso em relação a medidas que poderiam assegurar o interesse do povo. Mesmo assim, uma bandeira popular passa a ser a destinação do piso de 90% do petróleo produzido na partilha para o Estado, com a operação realizada pela Petrobras. Precisamos também abrir a discussão sobre a manutenção dos contratos em blocos do petróleo já leiloados, que não se sustentam diante do interesse popular e da soberania nacional. Manter o controle privado sobre os blocos leiloados sobre o pré-sal, que representam 28% do total, é um crime de lesa-pátria. Portanto, a luta em defesa do petróleo enfrentará uma batalha decisiva no Congresso Nacional e, independentemente do resultado, não pode terminar com a aprovação ou rejeição do novo marco regulatório. A construção de um projeto popular, que atenda as necessidades do povo e garanta o desenvolvimento com justiça social, está casada com a defesa dos recursos naturais e não vai deixar de ser uma bandeira das organizações da classe trabalhadora por seu caráter estratégico.

Luiz Ricardo Leitão

Uma ilha de paz e tranquilidade... QUANDO EU ERA garoto, em plena ditadura militar, costumava ouvir uma frase, muito comum entre as tais autoridades oficiais e os ditadores de plantão, segundo os quais o país era “uma ilha de paz e tranquilidade”. O bordão aparecia com mais frequência naqueles momentos de crise aguda ou quando alguma ação mais incisiva dos movimentos que se opunham ao regime se propagava pelas ruas do país, como foi o caso da histórica marcha pela anistia – ampla, geral e irrestrita –, promovida há exatamente 30 anos, que arrastou mais de 20 mil pessoas no centro do Rio de Janeiro. Devo dizer que, ao ler o noticiário dos últimos dias, senti falta dessa expressão nos jornais da terrinha, já que, em meio à série de tormentas que abalam Brasília, segue tudo como dantes no quartel de Abrantes (perdão, caro leitor, por esse refrão ainda mais velho que a ditadura). E olha que, na efervescente capital, há bulhas e escândalos para todos os gostos. Confiram só... No Supremo Tribunal Federal, a magna corte de Bruzundanga, em votação deveras apertada, recusou a abertura de processo contra Antonio Palocci, o capo mestre da chamada “república de Ribeirão Preto”, que se reunia em uma casa reservada de Brasília para múltiplas atividades, desde as tradicionais esbórnias que tanto preza a burguesia, até reuniões ultrassigilosas de uma tchurma envolvida em vários inquéritos de licitações fraudulentas, superfaturamento e desvios de verbas públicas, já denunciados em duas ocasiões, quando Palocci era prefeito da cidade paulista. A parte da “gandaia”, diga-se de passagem, não é privilégio nacional. Que o diga o supermafioso Silvio Berlusconi, em cujo palacete altas personalidades italianas e estrangeiras se deliciam com ninfetas, bebidas e otras cositas más... Uma tradição da velha bota que Pasolini já denunciara de forma antológica no filme Saló – Os 120 dias de Sodoma (1975), em que 16 jovens são sequestrados e confinados em um castelo, onde sofrem sucessivos ciclos de perversidades escatológicas e sexuais nas mãos de quatro figurões do regime fascista: um duque, um bispo, um alto magistrado e o próprio presidente do país. Além do completo sequestro da verdade, o episódio Palocci contempla ainda um detalhe muito mais “abjeto”, como bem qualificou um articulista de São Paulo: a difamação contra Francenildo Costa, o caseiro que, por não hesitar em testemunhar que vira o ministro na bat-caverna, sofreu a quebra de seu sigilo bancário e foi malignamente acusado de suborno pelos acólitos do companheiro Antonio. Contra os violadores e divulgadores da conta bancária do azarado empregado (que recebera uma vultosa quantia do pai biológico para não solicitar o reconhecimento de paternidade), nada de mais efetivo se fez, apesar da clara participação de Palocci, de Jorge Mattoso (então presidente da CEF) e do assessor de imprensa do ministro, Marcelo Netto, com quem Palocci trocou 42 telefonemas antes que a falsa notícia de suborno fosse plantada na revista Época (a Globo, sempre a Globo...). Mas Brasília é assim, uma ilha tropical sereníssima. O último ti-ti-ti da nossa Disneylândia, afora o disse-me-disse entre Lina Vieira e a ministra Dilma Rousseff, é a indignação do pároco da catedral da cidade, que julgou uma “falta de pudor” o cartaz com que a Escola de Samba Beija-Flor anuncia o seu enredo para o carnaval 2010, em que, por trás da imagem da igreja desenhada por Niemeyer, aparece a figura de uma indígena desnuda, inscrita em um brasão que homenageia os 50 anos da capital federal. O padre lançou-se em verdadeira cruzada contra essa suposta “afronta ao símbolo religioso”, que, em minha modesta apreciação estética, não ofende o pudor, mas sim o bom-gosto: o emblema é uma típica ilustração da arte kitsch, ou seja, um samba do crioulo doido visual, como aqueles objetos produzidos em larga escala para consumo barato das multidões. Este moralismo barato de Bruzundanga não é de hoje. Alguém ainda se lembra da “revolta” de certos leitores da grande imprensa contra a bailarina que, em 1992, pôs os seios de fora em protesto contra Fernando Collor? Alguns a julgaram uma “obscenidade” maior do que as maracutaias que Collor, PC e sua tchurma aprontavam então. Por isso, não estranhem que o reverendíssimo jamais tenha sido capaz de pronunciar-se sobre as gandaias na bat-caverna de Palocci ou sobre as autênticas imoralidades do STF. Não devem ser de sua alçada, por certo. Afinal de contas, não fosse a Beija-Flor, tudo estaria muito calmo em Brasília, todos temos certeza disso. Amém! Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Extranjeros: reflexões, crônicas e ficções de um brasileiro em Cuba no “Período Especial”.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Igor Ojeda, Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Eduardo Sales de Lima, Leandro Uchoas, Mayrá Lima, Patricia Benvenuti, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo • Assistente de Redação: Michelle Amaral • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte - Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Delci Maria Franzen, Dora Martins, Frederico Santana Rick, José Antônio Moroni, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, Ricardo Gebrim, Sávio Bones, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800


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brasil Marcello Casal Jr/ABr

A hora da verdade para a reforma agrária AGRICULTURA Presidente Lula defende atualização dos índices de produtividade, mas encontra resistência dentro do próprio governo Renato Godoy de Toledo da Redação APÓS A JORNADA de lutas promovida por movimentos sociais em agosto, o governo federal sinalizou que adotará uma importante medida exigida há anos pelo MST e defensores de um outro modelo para o campo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu que vai assinar a atualização dos índices de produtividade da terra, revendo uma defasagem de 35 anos. Essa medida, se realmente ratificada, ainda não será condizente com o atual estágio tecnológico da agricultura. Isso porque o índice que Lula prometeu assinar foi elaborado em 1995, pelo então ministro do Desenvolvimento Agrário Raul Jungmann (PPS). Mesmo assim, ruralistas e setores da mídia promovem uma contraofensiva para barrar a revisão. Alguns senadores mais radicais defendem inclusive o fim dos índices, como é o caso de Kátia Abreu (DEM-TO), ruralista e crítica das ações do governo contra o trabalho escravo e das restrições aos danos ambientais. “[O índice de produti-

vidade não é necessário], pois o mercado expropria quem não é eficiente”, criticou a parlamentar, que também preside a Confederação Nacional de Agricultura (CNA), principal entidade do agronegócio. A pressão ruralista obteve respaldo dentro do governo. A mando de seu partido, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes (PMDB), tenta persuadir Lula para que não assine o novo índice. Inicialmente, a data para a sanção presidencial era o dia 3 de setembro. Mas o ministro solicitou uma reunião com Lula para uma semana depois, a fim de explicar a posição do PMDB, em defesa do agronegócio. Até o fechamento desta edição o imbróglio não havia terminado.

“[Em 2003] Quando descobrimos esse índice, levei imediatamente ao Rossetto, que quase teve um infarto, mas disse que assinaria.”, conta Plínio À espera da canetada “Chegou a hora da verdade. Agora vamos ver quem manda mais, Lula ou a direita e o agronegócio”, ratifica Plínio Arruda Sampaio, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra). Ele foi um dos elaboradores do 2º Plano Nacional de Reforma Agrária, encomendado pelo então recém-

empossado governo Lula, em 2003. Ao tomar conhecimento do índice construído pelo governo anterior, Plínio levou os dados para o então ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto. “Quando descobrimos esse índice, levei imediatamente ao Rossetto, que quase teve um infarto, mas disse que assinaria. Aí, o Roberto Rodrigues [então ministro da Agricultura] disse: ‘nem a pau’. E o projeto ficou na gaveta do Lula, onde está até hoje. Agora vem o [Guilherme] Cassel [ministro do Desenvolvimento Agrário] e anuncia que o governo vai assinar. Não tem que anunciar, tem que assinar”, exige. Para Sampaio, o presidente está respondendo às pressões que a direita faz no Congresso, tal como a votação do fim do índice. “Quando a direita viu que o Lula não iria atualizar os índices, eles tentaram tirá-lo definitivamente. Então, o Lula, com esse aceno, avisa: ou param com isso ou atualizo os índices”, analisa. Desde 2005 A reivindicação da atualização dos índices de produtividade não é uma bandeira nova do MST. Em 2005, o movimento realizou uma marcha com cerca de 12 mil pessoas de Goiânia (GO) a Brasília (DF) com essa pauta específica. Na ocasião, Lula prometeu assinar o documento, assim como agora, após as mobilizações do movimento. “A atualização é uma reivindicação de 2005. O governo tinha se comprometido a fazer e não fez. Agora, esperamos que ele cumpra o que manifestou publicamente”, afirma Vanderlei Martini, coordenador nacional do MST

Militantes do MST durante desocupação do prédio do Ministério da Fazenda, no dia 11 de agosto

e um dos participantes da reunião com o governo que definiu a ratificação do novo índice. Martini aponta que aqueles que se opõem ao projeto são os mesmos que não cumprem a função social da terra. “Quem não vê o projeto com bons olhos são aqueles que têm a terra como reserva de valor e a usam para a exploração, não para a produção. Com o atual nível de tecnologia, é preciso produzir muito mais. A CNA, por meio da senadora Kátia Abreu, parece ser contra a sociedade produzir os alimentos que vão para a mesa do povo. A posição política desse setor é retrógrada, atrasada e não condiz com a realidade. E os grandes meios de comunicação também têm cumprido o seu papel para disseminar essa posição”, diz. Desapropriar Plínio afirma que, com os índices de 1975, tem sido muito difícil para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) considerar um imóvel como improdutivo. “São Paulo, por exemplo, não tem condição de declarar improdutiva nenhuma propriedade. Às vezes o proprietário tem uma vaquinha e produz um litro de leite por dia e a terra é considerada produtiva”, exemplifica.

Não-atualização de índice descumpre a lei Legislação de 1993 determina revisão constante da produtividade da Redação Os ruralistas dizem que a renovação dos índices de produtividade prejudicariam a produção agrícola brasileira e atenderiam exclusivamente aos interesses do MST. No entanto, uma nova edição do índice nada mais é do que o cumprimento da lei agrária de 1993. Essa medida determina que os índices devem sofrer reajustes constantes, de acordo com o progresso científico e tecnológico. Em nota assinada por dom Ladis-

lau Biernaski, presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a entidade defende a posição do presidente Lula e, com dados, desmonta as argumentações contrárias a um novo índice. Um indicador chamado Produtividade Total dos Fatores aponta como a produção do campo brasileiro tem aumentado acima da média mundial. Entre 2000 e 2008, o PTF do país cresceu 4,98%, a maior alta aferida. A nota da CPT explicita em números como a produção no campo aumentou desde o último índice de produtividade. “Em 1975, produziam-se 10,8 quilos de carne bovina por hectare; hoje são 38,6 quilos; a produção de leite por hectare multiplicou-se por 3,6, e a de carne e aves saltou de 372,7 mil toneladas em 1975 para 10,18 milhões em 2008, segundo o mesmo estudo”, informa a nota. (RGT)

MOBILIZAÇÃO

Um grito contra a crise e a exclusão Em sua 15ª edição, Grito dos Excluídos mostrará desaprovação do atual modelo econômico pelos trabalhadores Patrícia Benvenuti da Redação A ordem é reivindicar, e não comemorar. Com esse mote, organizações populares, movimentos sociais e entidades ligadas à Igreja promovem a 15ª edição do Grito dos Excluídos, como contraponto às festividades oficiais da Semana da Pátria. Neste ano, as atividades acontecerão em quase todos os estados, além do Distrito Federal, e a expectativa é de que mais de 1 milhão de pessoas participem. Em São Paulo, as ações ficarão concentradas no dia 7, a partir das 8 horas, com uma missa na Catedral da Sé. Na sequência haverá uma mística e falas iniciais e, em seguida, os manifestantes caminharão até o Monumento da Independência, no Parque Ipiranga, onde será realizado um ato público. Sob o lema “Vida em primeiro lugar, a força da transformação está na organização popular”, o Grito se somará às mobilizações que têm denunciado o atual modelo

econômico, responsável pela crise financeira, como explica Ari Alberti, integrante da Secretaria Nacional do Grito dos Excluídos: “O Grito questiona esse modelo econômico que está aí, que se sobrepõe à vida, e diz que, se quisermos mudanças, teremos que construir”.

“O Grito mantém a população pelo menos informada de uma situação que pode diminuir a vida do planeta”, diz Rocha, da CPT, sobre a questão ambiental A manifestação é caracterizada por suas pautas descentralizadas, de forma que cada região aborde suas próprias questões e particularidades. Alberti garante, porém, que alguns temas estarão no centro de todas as manifestações, como as denúncias recentes em torno do Senado. “Fica complicado ver a casa que faz as leis fazendo tantas falcatruas. Por isso, também o nosso lema, a força da transformação, está na organização popular”, ressalta.

Já Juvenal Rocha, integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), uma das organizações que participa da coordenação do evento, destaca a preservação do meio ambiente como uma das questões mais imediatas a serem trabalhadas. Para ele, a situação se agrava com a falta de políticas públicas que possam frear o avanço do desmatamento e do agronegócio. “O Grito mantém a população pelo menos informada de uma situação que pode diminuir a vida do planeta”, diz Rocha, lembrando que o combate ao trabalho escravo e o limite da propriedade rural também fazem parte das reivindicações. O Grito ainda será um protesto contra a repressão aos movimentos sociais e a impunidade. Para Alberti, casos como a chacina que deixou sete moradores de rua mortos no centro de São Paulo em 2004 e a morte do sem-terra Elton Brum, no dia 21 de agosto, no Rio Grande do Sul, mostram a urgência de cobrar justiça e punição aos responsáveis pelos crimes. “Essa questão com certeza vai estar presente, assim como a falta de reforma agrária”, completa. Saldo positivo Desdobramento da Segunda Semana Social Brasileira, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e por pastorais e movimentos, o Grito dos Excluídos surgiu em 1995, reivindicando soberania e uma verdadeira independência para o país.

Hoje a Semana da Pátria está mudada, deixou de ser a semana dos desfiles oficiais para ser a do povo na rua”, afirma Alberti, da Secretaria do Grito Ao longo de seus 15 anos, o protesto ganhou importância e participação crescente por parte de diversas organizações. Além do Brasil, o Grito hoje está presente em cerca de 15 países latino-americanos, que promovem o Grito dos Excluídos Continental em outubro. O alcance do Grito, para Alberti, demonstra o êxito da iniciativa, cuja principal con-

tribuição tem sido consolidar um espaço de manifestação popular durante a Semana da Pátria. “Antes, a gente só tinha a oficialidade. Agora se vê que tem gente se manifestando com outros gritos nessa data. Hoje a Semana da Pátria está mudada, deixou de ser a semana dos desfiles oficiais para ser a do povo na rua”, completa. Outra contribuição, para Rocha, é manter a articula-

ção entre diferentes redes dispostas a promover um trabalho de cidadania. “O Grito responde a uma necessidade da sociedade brasileira; não basta apenas celebrar a Independência, porque o país ainda carece de políticas para uma parte que passa fome, que não tem acesso à saúde e a uma educação que responda à realidade”, assegura. Apesar de comemorar os avanços do Grito, Alberti ressalta que ainda há muito o que conquistar. Nesse sentido, ele assegura que o maior desafio é incorporar cada vez mais pessoas que estão à margem do sistema. “Estamos no rumo de os excluídos serem, de fato, sujeitos do Grito”.


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brasil

Proposta do governo Lula para o pré-sal fica no meio do caminho PETRÓLEO Ainda que traga alguns avanços, novo marco regulatório ignora pontos centrais da proposta dos movimentos sociais Divulgação Petrobras

Dafne Melo da Redação O TOM DO discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva – em ocasião da divulgação, no dia 31 de agosto, das novas regras para a exploração do pré-sal – foi nacionalista, estatizante, evocou os tempos getulistas do “petróleo é nosso” e ainda criticou a gestão tucana de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), acusada por ele de entreguista. Entretanto, basta uma breve olhada nas novas regras para saber que a fala de Lula não se justifica completamente. Emanuel Cancella, da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), avalia que “a proposta não contempla as reivindicações do movimento social”, ainda que pondere que “a proposta não é neoliberal”. Já João Antônio de Moraes, da Federação Única dos Petroleiros (FUP), tem opinião semelhante: “a proposta fica no meio do caminho, é um avanço em relação ao que se tem, mas está longe do que propõem os movimentos sociais”. “O que se tem”, nesse caso, é a Lei de Petróleo 9.478, de 1997, editada por Fernando Henrique Cardoso, que quebrou o monopólio estatal do petróleo nas atividades relacionadas à exploração, desenvolvimento e produção, estabelecendo regras bastante convidativas para as transnacionais do ramo.

“A correlação só muda se o povo chamar para si a responsabilidade e o protagonismo. Se não tivermos mobilização social podemos perder os poucos avanços”, avalia Moraes, da FUP Novas regras Ao todo, serão mandados ao Congresso, em regime de urgência (devem ser votados em no máximo 90 dias), quatro projetos de lei. Dentre as mudanças mais importantes, os poços de petróleo do pré-sal não serão explorados em regime de concessão, como na Lei 9.478, mas em regime de partilha. A União terá sempre ao menos 30% do petróleo extraído em parceria com uma outra empresa, a ser selecionada

por licitação. Se o governo desejar, a Petrobras também poderá explorar 100% de um poço, abrindo a licitação apenas quando julgar necessário. A proposta dos movimentos sociais é de que a Petrobras seja reestatizada e tenha controle de toda produção de petróleo do país, não apenas a do pré-sal, mas de todos os poços cedidos desdes 1997. Para administrar os recursos, um segundo projeto de lei irá criar a Petrosal, que representará a União, mas não desenvolverá tecnologia para extrair e produzir petróleo e derivados, o que ainda ficará a cargo da Petrobras. Esta ainda receberá (terceiro PL) uma injeção de recursos no valor de R$ 100 bilhões, o equivalente a 5 mil barris de petróleo. Fundo social Por fim, um projeto de lei trata da criação de um fundo que deverá ser formado a partir dos recursos obtidos com a produção de petróleo e cujos rendimentos deverão ser utilizados na área social. Esses recursos não poderão ser contingenciados (para fazer superavit). Esta era uma das reivindicações dos movimentos sociais organizados em torno da campanha “O petróleo tem que ser nosso”. Para Emanuel Cancella, trata-se de um ponto positivo da lei, embora tímido. “É pouco, queremos mais. Não podemos perder a oportunidade de pagar a dívida social que temos com o povo”, resume. Porém, Moraes reconhece que não houve correlação de forças favorável para fazer valer a proposta da campanha. “A correlação só muda se o povo chamar para si a responsabilidade e o protagonismo. Se não tivermos mobilização social podemos perder os poucos avanços”, avalia. No que depender da oposição ao governo, os quatro projetos de Lula não passarão facilmente pelo Congresso. Parlamentares do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), do Partido Popular Socialista (PPS) e do Democratas (DEM) já ameaçam barrar as votações dos PLs, não atendendo ao regime de urgência pedido por Lula. Alguns foram até mais incisivos e rechaçaram o modelo de contrato de partilha, defendendo as concessões, como o presidente do PSDB, o senador Sérgio Guerra (PE). Para Emanuel Cancella, ainda que os novos marcos regulatórios estejam longe do almejado pela esquerda, a oposição certamente irá tentar rebaixar ainda mais a proposta. “A luta está começando. Sem mobilização não fica nem a proposta do Lula”, avalia.

A Petrobras Nascida como uma empresa mista em 1953, o capital social da Petrobras foi mantido numa proporção de 80% do Estado e o restante privado. O quadro se alterou significativamente nos dias de hoje (veja tabela com o quadro acionário da empresa). O afã privatizante da Petrobras na década de 1990 foi narrado pelo jornalista Aloyzio Biondi como uma articulação com pouco mais de 20 sócios, investindo R$ 140 milhões e contando com R$ 60 milhões do BNDES, que formou uma sociedade (Sociedade de Propósito Especial) para captar no mercado internacional R$ 1,3 bilhão. Essa jogada resultou num aporte de R$ 1,5 bilhão para um negócio com a previsão de faturamento de R$ 5 bilhões em médio prazo. A atuação da Petrobras no

Quadro acionário da Petrobras em junho mercado se concentrou em exploração, produção e em toda cadeia da indústria, sendo que, da década de 1950 até o final dos anos 1980, foram estritamente nacionais, passando a ter uma atuação internacional modesta no começo dos anos 1990 (distribuição) e em meados da década, mais ampla (gás e energia). Hoje, a empresa tem uma atuação como estatal no território nacional. Mas, nos demais 27 países em que atua, sua postura é semelhante a das grandes transnacionais: busca de lucro e maximização de seus resultados, ampliando sua atuação num acelerado processo de concentração de capital. O valor de mercado da estatal tem surpreendido pela variação ascendente. Em dez anos decuplicou, alcançando em junho

a posição de 8ª maior empresa do mundo, considerando todos os setores, e a 3ª entre as petroleiras. Seus números surpreendem. Apenas com a confirmação de óleo na camada do pré-sal no campo de Tupi, em novembro de 2007 o valor das ações foi às alturas, acumulando R$ 57,6 bilhões em apenas dois dias. Seu quadro de trabalhadores inclui contratados indiretos e empregados da companhia, alcançando aproximadamente uma relação de dois terços de terceirizados. Porém, o índice de acidentes fatais não segue essa proporção e, entre 2004 e 2008, num total de 73 vítimas, 66 eram terceirizadas (90,4%). O quadro de trabalhadores no exterior é de 6,7 mil funcionários próprios (aproximadamente 10% do quadro de funcionários no Brasil).

União Federal

2.826.516.456

32,21%

668.539.662

7,62%

ADR (Ações ordinárias, com direito a voto) – capital privado

1.377.325.752

15,70%

ADR (Ações preferenciais, sem direito a voto) – capital privado

1.310.407.996

14,90%

FMP – FGTS Petrobras

178.358.440

2,00%

Estrangeiros (Resolução nº 2689 C.M.N) – capital privado

718.312.503

8,20%

Demais pessoas físicas e jurídicas – capital privado

1.694.615.931

19,30%

Capital social total

8.774.076.740

100,00%

BNDESPar


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Governo fez uma opção política PETRÓLEO Proposta oficial para exploração do pré-sal é contraditória, com diversos pontos positivos e negativos Dafne Melo da Redação QUANDO O ASSUNTO é petróleo, os interesses em jogo são muitos e ganham importância geopolítica e estratégica. Não poderia ser diferente que, ao redor do présal, surgissem propostas e projetos de disputa. Aglutinadas em torno da campanha “O petróleo tem que ser nosso”, organizações de esquerda têm procurado pautar uma forma de explorar as reservas do óleo de maneira a beneficiar os verdadeiros dono da riqueza: o povo. A conjuntura, porém, é adversa, principalmente devido à legislação que hoje rege o setor. “A [nova] lei traz avanços, mas devemos comparálos com aquilo que poderia ser, e não em relação ao pior modelo de exploração, que é o que temos”, explica Ronaldo Pagotto, militante da Consulta Popular e integrante da campanha O Petróleo Tem Que Ser Nosso. Brasil de Fato – Quais são as propostas dos

movimentos sociais aglutinados em torno da campanha “O petróleo tem que ser nosso”? Ronaldo Pagotto – A questão central é como o povo brasileiro pode se beneficiar das riquezas do pré-sal. As propostas incluem desde o fim da realização de leilões para todas as áreas, não só a do pré-sal; toda operação realizada por uma empresa 100% estatal e pública, de onde vem a bandeira da reestatização da Petrobras. Outras propostas levam em conta a preservação do meio ambiente, investimento em ciência e tecnologia para desenvolver energia limpa e renovável; o respeito à soberania de outros povos, tendo em vista a atuação da Petrobras no mundo, já que hoje atua em 27 países; e a não-exportação do petróleo cru, visando a um desenvolvimento da indústria nacional petroquímica. São propostas que têm como objetivo permitir que o povo se aproprie dessa riqueza, pois o petróleo brasileiro é do povo e deve ser usado para enfrentar as dívidas sociais históricas do nosso país. Outro elemento importante é que a apropriação da renda não deveria apenas ser resumida na apropriação pelo Estado, mas estar vinculada a um destino específico que, no nosso entendimento, seria a criação de um fundo social, com controle social, para sanar as demandas do povo brasileiro, como a reforma agrária e urbana, investimentos em saúde, educação pú-

blica e de qualidade em todos níveis, fomentar trabalho e renda. Então, não é apenas a apropriação pelo Estado, mas também garantir sua destinação social.

As justificativas dadas pela Dilma para optar pelo contrato de partilha não se sustentam tecnicamente. O governo está fazendo uma opção política Dentro do que propunham os movimentos, como avalia a proposta apresentada pelo governo federal? A proposta foi feita nos últimos 12 meses em um sigilo quase absoluto. O que sabíamos eram informações advindas do mercado ou extraoficiais. Ela tem aspectos positivos e negativos. Positivamente, prevê o destino da renda do petróleo – no caso, limitando-se ao que será extraído do pré-sal – para esse fundo social. Um segundo elemento é o contrato de partilha, que, em relação ao contrato de concessão, é um

avanço, pois permite maior apropriação da renda, obtida no de concessão pelo recolhimento de impostos e bônus. Agora, as empresas repassarão parte do óleo produzido, sendo que a quantidade que cada empresa repassará ficará definida a partir dos resultados dos leilões – aqui já começamos a entrar na parte negativa. Mas, ainda na parte positiva, há o fato de que toda a operação será realizada pela Petrobras, que, embora tenha na sua composição acionária 62% de capital privado, é uma empresa com a gestão controlada pelo Estado. Essa operação é encarregada de contratar pessoal, tecnologia, compra de maquinário, serviços, e isso sendo realizado por uma empresa com orientação do Estado pode fomentar a indústria nacional e a cadeia nacional de produção e exploração do petróleo. Então, em relação ao que temos hoje – a Lei nº 9.478 –, é um avanço. E quais são os pontos mais criticáveis das novas propostas de lei? Primeiro, a proposta não altera o quadro atual do destino dos royalties, que ficam concentrados nos municípios e estados produtores, e só uma pequena parcela vai para a União. Essa distribuição dos royalties é absolutamente injusta. No começo, o governo anunciou que isso iria mudar, mas nas últimas semanas, com pressão dos estados produtores – Rio de

Janeiro, São Paulo e Espírito Santo, sobretudo –, recuou.

ao pior modelo de exploração, que é o que temos.

Por que o contrato de partilha é melhor? Esse ponto mostra o quanto a proposta é contraditória. Ele certamente avança em relação ao de concessão – que é a maior aberração da indústria do petróleo –, porém é insuficiente. Mas bem, avaliamos que, já que a operação não será feita por uma empresa 100% estatal e pública, o debate então se desloca para que tipo de contrato haverá, pois aí está prevista a forma de apropriação da riqueza produzida. Há, por exemplo, o contrato de serviços, que é o que permite a maior apropriação da renda do petróleo por parte de um Estado. Seria a melhor prática, digamos assim, se estamos falando de uma empresa que não é estatal por completo. Portanto, as justificativas dadas pela [ministra-chefe da Casa Civil] Dilma [Rousseff] para optar pelo contrato de partilha não se sustentam tecnicamente, porque não é o mais vantajoso para o Estado. O governo está fazendo uma opção política. Este é um aspecto frágil. Um terceiro aspecto negativo é manter o contrato de concessão para as demais áreas que não estejam no pré-sal. Um quarto elemento é a manutenção dos contratos dos leilões de áreas do pré-sal que já foram realizados, ou seja, essas novas regras não valem para 28% da área do pré-sal. A lei traz avanços, mas devemos compará-los com aquilo que poderia ser, e não em relação

Se há outros contratos mais vantajosos, por que fazer em partilha? A vantagem não existe, esse é o ponto nefasto. O governo afirma que precisa do investimento das transnacionais, pois a Petrobras não conseguiria produzir todo petróleo do pré-sal. Para começar a perfurar e produzir, precisa de um investimento inicial, e o valor é muito alto – isso porque demora um pouco para começar a dar lucro. A diferença entre concessão e partilha é que, na primeira, o Estado obtém renda só com impostos; na segunda, também há impostos, mas 30% é renda líquida para o Estado. A nova estatal é apenas um mecanismo jurídico para que o Estado receba o petróleo e o distribua . Se a operação fosse realizada por uma empresa 100% estatal, o modelo de contrato não interessaria, porque a renda iria toda para o Estado. Aí importaria apenas qual o destino que essa renda teria. Como não temos correlação de forças para reestatizar a Petrobras, deslocamos o eixo para qual tipo de contrato e destinação da renda seria mais vantajoso. Defendemos que, se é para ser partilha, a taxa com a qual o Estado deveria ficar é de 90% – não de 30% –, o que se assemelharia a um contrato de prestação de serviços e, na prática, quase teríamos um monopólio estatal.


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brasil

CPI é a nova frente de denúncias contra Yeda

fatos em foco

Hamilton Octavio de Souza

Ataque requentado

PSDB Enfraquecida, governadora do Rio Grande do Sul enfrenta outra CPI e a ação do MPF Miguel Enrique Stédile de Porto Alegre (RS) DIAS PIORES virão para a governadora gaúcha Yeda Crusius (PSDB), se é que isso é possível. Nos últimos 30 dias, a tucana e mais oito colaboradores, incluindo secretários de governos, foram denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) por improbidade administrava. A ação injetou fôlego no pedido de impeachment que já tramitava na Assembleia Legislativa e convenceu deputados estaduais a assinarem o pedido de uma nova Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as denúncias de corrupção. Em meio à crise política, a criminalização dos movimentos sociais foi acentuada. Um trabalhador sem-terra foi assassinado pela Brigada Militar durante uma desocupação em São Gabriel e dois sindicalistas foram indiciados por coordenarem uma campanha contra a corrupção no Estado (veja matéria abaixo). A CPI começou seus trabalhos na prática na primeira semana deste mês. A Comissão é presidida pela deputada Stela Farias (PT), mas a relatoria ficou com o deputado Coffy Rodrigues (PSDB), mesmo partido da governadora. A indicação do tucano foi uma das ações da base governista para obstruir os trabalhos da CPI. O deputado Daniel Bordignon (PT) lembra que Rose Bernardes, uma das

indiciadas na Operação Solidária, foi secretária adjunta quando Rodrigues era secretário de Obras do governo Yeda. Outro ex-assessor do relator, Alexandre Moreira, é acusado de ter buscado pessoalmente R$ 400 mil doados à campanha de Yeda, de 2006, por empresas fumageiras e que teriam sido usados na compra da casa do casal Crusius. Como relator, Coffy apresentou uma série de proposições que esvaziam os poderes da presidente da Comissão, transferindo-os para si. “Se houver tentativas de obstrução da base governista, os parlamentares o farão conscientes de que serão julgados pela opinião pública gaúcha”, declarou a deputada Stela Farias. A parlamentar também reage aos que acusam a CPI de “palanque eleitoral”. “Aqueles que reclamam da véspera das eleições de 2010 poderiam ter assinado o requerimento lá em maio, quando propusemos a instalação”, dispara. Na CPI, a oposição pretende ouvir colaboradores diretos da governadora – como sua assessora especial Walna Menezes, e o chefe de gabinete de Yeda, Ricardo Lied –, dois ex-secretários de governo e quatro ex-presidentes do Detran, autarquia que está no centro das denúncias. Os deputados também investigarão se as empresas fumageiras que doaram recursos para a campanha da governadora foram beneficiadas pela Secretaria da Fazenda.

Sindicalistas são indiciados por campanha contra corrupção Polícia Civil acusa presidente e vice da CUT gaúcha de peculato e crime contra a honra Raquel Casiraghi de Porto Alegre (RS) A Polícia Civil anunciou no dia 31 de agosto o indiciamento do presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) gaúcha, Celso Woyciechowski, e da vice-presidente, Rejane de Oliveira, por peculato e crime contra a honra. O inquérito analisou uma campanha publicitária feita pela entidade para convencer os deputados estaduais a assinarem o requerimento da CPI contra as denúncias de corrupção do governo Yeda Crusius (PSDB). As peças publicitárias foram veiculadas em rádio, TV, jornal e internet. A decisão da Polícia Civil suscitou críticas dos sindicalistas. Celso Woyciechowski classificou a medida como uma ação política. “Achamos que é um indiciamento político. A forma da governadora, no auge do seu autoritarismo e da sua prepotência, intimidar os movimentos sociais, intimidar as lideranças, criminalizar os movimentos sociais não condiz com o processo que a gente vive no nosso país. Lamentavelmente, o Rio Gran-

de do Sul não acompanha esse processo democrático”, diz. A CUT deve ingressar até o dia 4 com ação judicial contra a governadora por denúncia caluniosa e abuso de poder. De acordo com Woyciechowski, a campanha publicitária da Central não atentou contra a honra da governadora, já que se ateve às denúncias de corrupção. “Entendemos que, na campanha que a CUT fez, não há nenhum indício de crime contra a honra da governadora. Na segunda questão, a do peculato, também não corresponde porque a CUT é uma entidade sindical privada, que não faz gestão dos recursos públicos. Eu, enquanto presidente, não sou servidor público”, diz. Este é o segundo indiciamento da vice-presidente da CUT e atual presidente do Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers–Sindicato) Rejane de Oliveira. A sindicalista e mais outras duas pessoas, entre elas a vereadora de Porto Alegre Fernanda Melchionna (Psol), foram indiciadas por terem participado do protesto em frente à casa da governadora, em julho. vejotudoenãomorro/Flickr

Manifestação contra Crusius ocorrida no dia 14 de agosto, em Porto Alegre

Fábio Pozzebon / ABr

No último ataque ao MST, a revista Veja comete gafes imperdoáveis em “reportagem” sem a menor preocupação com a verdade dos fatos: primeiro, afirma que teve acesso à movimentação bancária de entidades civis, o que é crime; segundo, declara que a CPI da Terra quebrou o sigilo bancário dessas entidades, mas que o senador Álvaro Dias, do PSDB-PR, “nunca conseguiu” ver os dados. Por que fez questão de blindar o líder da gangue ruralista?

Fato político

Por mais que a direção petista tente minimizar a saída de Marina Silva do partido, a primeira semana dela como possível candidata do PV à presidência da República, em 2010, demonstrou que ela consegue atrair setores expressivos da juventude ambientalista, bases cristãs, grupos de artistas e alguns empresários comprometidos com o desenvolvimento sustentável. Enfim, uma base social nada desprezível.

Dinheiro público

Denunciada por improbidade administrativa, Yeda Crusius fala à imprensa

Grandes empresas privadas – Andrade Gutierrez, Aracruz, Camargo Corrêa, Pão de Açúcar, Light, Natura, Odebrecht, Suzano, Vale, Votorantim e outras – pressionam o governo para definir metas de redução das emissões de carbono na atmosfera, uma preocupação ambiental e climática. Evidentemente existe por trás algum interesse econômico: créditos especiais do BNDES para empresas ecologicamente corretas!

Dados confusos

Entenda o caso Operação Rodin – Operação da Polícia Federal que investigou fraudes na contratação de empresas pelo Detran para exames da habilitação. Os valores ultrapassam R$ 40 milhões e teriam sido desviados para financiar campanhas eleitorais. Indiciou 39 réus, incluindo Lair Fest, empresário e coordenador da campanha de Yeda Crusius ao governo do Estado. Operação Solidária – Outra ação da PF iniciada em 2007 e que investiga fraudes em licitações de obras de infraestrutura. Indiciou 19 pessoas, incluindo o ex-secretário-geral de governo de Canoas Chico Fraga (PSDB). Os desvios se referem a mais de R$ 300 milhões. Pedido de impeachment – O primeiro pedido de impeachment foi protocolado pelo Psol em junho de 2008, mas foi arquivado pelo presidente da Assembleia na época. Este ano, 34 sindicalistas entraram com um novo pedido de afastamento da governadora, que prossegue em tramitação. Ação do MPF – É uma ação de improbidade administrativa baseadas nas investigações das Operações Solidária e Rodin. No processo, o MPF pede o afastamento não somente de Yeda, mas também de outros oito envolvidos, além do bloqueio de bens, o levantamento do sigilo da investigação e a suspensão dos direitos políticos de todos os denunciados. O órgão ainda requer o ressarcimento de valores desviados dos cofres públicos que somam em torno de R$ 44 milhões. Segundo o processo, “o cometimento desses atos foi possível em razão da formação de verdadeira quadrilha criminosa, que lesou os cofres públicos entre 2003, por volta do mês de junho, e novembro de 2007”. CPI da Corrupção – Proposta pelo PT para apurar as novas denúncias das operações da PF, a comissão permaneceu obstruída, sem conseguir assinaturas suficientes até o anúncio da ação do MPF. Tem 120 dias para apurar as denúncias de corrupção no governo do Estado.

Os dados sobre a superação ou não da crise econômica continuam contraditórios. Um bom indicador é o consumo de energia elétrica no mês de julho, que registrou uma queda de 2,8% em relação ao mesmo período do ano passado. No setor industrial a redução do consumo de energia foi de 10,4%, em comparação com 2008. Ou seja, se existe mesmo a retomada da produção, ainda é algo bem setorial, e não geral.

Aliado ingrato

Apesar de todo o agrado que o governo Lula tem feito para segurar uma parte do PMDB no esquema da sucessão presidencial, deputados peemedebistas da bancada ruralista estão articulando forças para impedir que o Ministério da Agricultura faça a revisão do índice de produtividade agropecuária utilizado na desapropriação de terras para fim de reforma agrária. Isso é o que dá andar de mãos dadas com a direita.

Desmonte contínuo

No início dos anos de 1990, quando o Brasil mergulhou de cabeça na onda neoliberal globalizante, a indústria automobilística instalada no território brasileiro utilizava mais de 90% das peças fabricadas aqui mesmo. Agora o índice de nacionalização dos veículos está abaixo dos 50%. A maior parte dos componentes vem de fora. O silêncio das autoridades e dos trabalhadores metalúrgicos é ensurdecedor!

Na contramão

Assassinato permanece impune Movimentos temem que polícia esteja ganhando tempo para forjar uma versão de Porto Alegre (RS) Passadas mais de duas semanas do assassinato do trabalhador sem-terra Elton Brum, no dia 21 de agosto, o crime permanece impune e as investigações, feitas pela própria Brigada Militar, têm recebido críticas e suspeitas de movimentos sociais e parlamentares. Uma semana depois do assassinato, a polícia gaúcha anunciou que já havia identificado o autor do disparo da arma calibre 12 que matou o trabalhador em um despejo em São Gabriel (RS). Uma entrevista coletiva chegou a ser convocada pelo governo do Estado, mas em seguida a corporação informou que o nome seria revelado apenas no final do inquérito, em 40 dias. “Nosso medo é que uma historinha esteja sendo fabricada”, denuncia Nina Tonin, da coordenação estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “Todos os testemunhos apontam que o Elton foi assassinado quando a Brigada já tinha

controle sobre o despejo; foi uma execução”, afirma. O protesto tem ressonância na Assembleia Legislativa. O deputado Raul Pont (PT) questiona a demora nos resultados do inquérito. “É inacreditável que uma corporação militar com a força, a presença de oficiais e apenas 12 armas de calibre 12 naquele acontecimento não tenha identificado o autor desse crime hediondo até agora”, critica. Para Pont, o assassinato pelas costas torna ainda mais urgente a apuração do crime. Parte da lentidão em apurar os fatos pode ser explicada pelas denúncias do ex-ouvidor de Justiça Adão Paiane, convertido de colaborador a oposição à governadora. Em entrevistas, ele tem reafirmado que o autor do tiro foi um oficial. A Brigada informa que o policial seria apenas um soldado. Essa versão reforça a tese de que uma versão fictícia estaria sendo construída pela polícia. “Essa é a elucidação do caso ou trata-se da apresentação de uma versão oficial devidamente ensaiada?”, questiona Pont. (MES)

Sob o lema “Preso não é mercadoria, cadeia não é negócio”, entidades e movimentos sociais de Minas Gerais realizam campanha pública contra a privatização do sistema prisional, a grande obra do governo tucano de Aécio Neves. De acordo com a Frente Antiprisional das Brigadas Populares, a política de presídios privados fracassou no mundo inteiro – especialmente no combate à reincidência.

Exemplo argentino

A presidente Cristina Kirchner, da Argentina, não deixou por menos: mandou para o Congresso o projeto de lei que democratiza o sistema de radiodifusão e estabelece inclusive que as concessões de rádio e TV com objetivo de lucro não podem ultrapassar 33% do total das concessões. A maioria deve ficar nas mãos de entidades e associações sem fins lucrativos. Por isso ela está sendo atacada pela mídia privada.

Aula mobilizadora

Empenhados na mobilização do Grito dos Excluídos, no dia 7, a União de Núcleos de Educação Popular para Negros e Classes Trabalhadoras (Uneafro) inaugurou uma nova forma de divulgação e debate sobre a luta contra a opressão e o racismo: a realização de aulas públicas em pontos com grande concentração popular na cidade de São Paulo. Militantes do Movimento Negro Unificado ministram as aulas.


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A tragédia e a esperança dentro das carceragens para mulheres SEGURANÇA Amontoadas em celas precárias, cariocas se desumanizam; programa promete repor parte da dignidade perdida Leandro Uchoas

Leandro Uchoas do Rio de Janeiro (RJ) ELAS TÊM AS mãos delicadas e o corpo frágil como as outras. E, por vezes, também a voz suave e a mesma ternura nos gestos. Contra elas, ainda não se comprovou totalmente nada. Nenhuma culpa juridicamente reconhecida. Entretanto, amontoam-se em jaulas precárias, daquele jeitinho escandaloso que a sociedade brasileira se acostumou a ignorar. Nas carceragens, prisões destinadas a pessoas em julgamento, as mulheres representam de 2% a 5% dos detentos. Embora estejam em quantidade menor em relação aos homens, são mais vulneráveis à desumanidade carcerária. Devido à menor força física, ficam mais expostas a violências de toda ordem. Em algumas unidades do país, são exploradas sexualmente pelo próprio agente penitenciário. Em outras, deixam de receber cuidados específicos das mulheres, desde absorventes até visitas masculinas. Sua trágica condição, porém, tem encontrado esperanças no Rio de Janeiro. “Já tivemos aqui 160 internas. Conseguimos reduzir para 139. O ideal era atingir, pelo menos, 90. Mas o que chega eu tenho que receber”, reconhece o inspetor Araújo, chefe da carceragem feminina de Mesquita, uma das três unidades do Rio de Janeiro. Na 53ª DP desde maio, o funcionário tem a incumbência de implantar no local o programa Carceragem Cidadã. Desenvolvido em Nova Iguaçu (RJ) pelo delegado Orlando Zaccone, o projeto visa dar humanidade às detenções (neste ano, Zaccone tornou-se responsável pelas 22 unidades cariocas). No programa, uma série de atividades de reconhecimento da cidadania do preso são implementadas. A julgar pelos desafios visíveis em Mesquita, o trabalho será árduo.

“Estão começando a tratar a gente como pessoa. Hoje se pensa que, mesmo presa, a gente pode progredir, ser diferente”, diz Patrícia, uma das poucas detentas originárias de classe média O motivo da maior parcela de prisões costuma ser banal. Em geral, as meninas são detidas por acompanhar o namorado ou marido em atividade ilícita. É raro encontrar uma interna que tenha sido condenada por crime relevante. “Dizem que a gente vive num país de impunidade. Isso depende da categoria. No crime do colarinho branco, sim. Em compensação, temos 500 mil presos no Brasil. É presa a mulher que furta uma lata de salsicha. Passa a custar R$ 2 mil por mês ao Estado. É irracional”, acusa Roberta Pedrinha, do Instituto de Defesa dos Direitos Humanos (IDDH). O perfil de Talita Ferreira, de 20 anos, é um bom exemplo de como funciona o encarceramento de mulheres. Está em Mesquita há cinco meses. Foi presa porque acompanhava o marido portando drogas. Na carceragem, ela foi “promovida” a colaboradora, função destinada a detentas de

Carceragem da delegacia de Mesquita; quarto das “colaboradoras”

maior confiança. No posto, desempenha atividades administrativas do local. Dorme no quarto mais estruturado e, a cada três dias de trabalho, diminui em um o período de prisão. Talita já foi ameaçada de morte por outra detenta. “Sempre existe esse tipo de ameaça. Mesmo que você não fale nada, você vai ganhar a fama de X9 [dedoduro]. E se você é transferida para um presídio, chegando lá é cobrada”, conta. Peculiaridades As carceragens femininas têm – ou deveriam ter – uma série de especificidades. Difere das carceragens masculinas em aspectos que vão do espaço físico ao relacionamento com a polícia. “Até o jeito de você lidar tem que ser diferente. A mulher é mais sensível”, diz Araújo. A peculiaridade mais evidente é a relativa à maternidade. Mulheres grávidas têm que ser acompanhadas por profissionais. A partir do sétimo mês são transferidas para outra unidade, melhor equipada, e têm direito à presença do filho durante o aleitamento. “A figura feminina dentro da família tem uma representação muito forte, um laço afetivo muito especial. O afastamento entre a mãe e os filhos agrava ainda mais o quadro dessas mulheres. A separação, depois do aleitamento, é difícil para ambos os lados, mãe e filho”, diz Pedrinha, do IDDH. Em geral, atos sexuais com homens durante o período de cárcere são raros. O motivo é o abandono dos companheiros, outra peculiaridade de carceragens femininas. Os homens raramente visitam suas mulheres na prisão. É o inverso do que ocorre nas unidades masculinas. “Isso gera uma depressão brutal. As mulheres acabam ficando agressivas. E têm os escapes, a procura por drogas. As mulheres criam dependências que muitas vezes não tinham antes de entrar”, lamenta Pedrinha. Por conta da ausência de visitas masculinas, a homossexualidade nas carceragens femininas ocorre com constância muito maior. Mulheres que trabalham com presos costumam dizer que são mais respeitadas em carceragens masculinas. Mais até do que nas unidades dos homens, o ato homossexual ocorre frequentemente contra a vontade de detentas recém-chega-

das. Em Mesquita, Ana Márcia de Paula foi prontamente “promovida” a colaboradora quando chegou. Jovem e bonita, deixou as detentas em alvoroço em seu primeiro dia. O inspetor Araújo logo protegeu, com o “cargo”, a menina que se agarrava a seu braço, amedrontada. “Quando chegam presas novas, você vê o medo nos olhos delas. Até porque são mulheres, e quem está lidando com a gente são homens. Como trabalhamos aqui na frente, vemos tudo”, conta Patrícia de Souza. Na unidade há 10 meses, ela é a mais respeitada das colaboradoras. Empolga-se com a implementação do Carceragem Cidadã. “Estão começando a tratar a gente como pessoa. Hoje se pensa que, mesmo presa, a gente pode progredir, ser diferente”, diz Patrícia, uma das poucas detentas originárias de classe média. Autoestima As meninas de Mesquita têm recebido, há um mês, atendimento jurídico. A iniciativa veio de uma parceria com o Centro Universitário Augusto Motta (Unisuam). Na companhia de seus alunos, o professor Marcelo Branco visita a unidade toda terça-feira para estudar os casos das detentas. “Quando vejo que uma pessoa está desassistida, eu abraço a causa. Para os alunos vale como estágio. Nós estamos ajudando um ao outro”, explica. Pedrinha considera importante as iniciativas do Carceragem Cidadã no sentido de reforçar a autoestima nos presídios. Ela cita outros casos bem-sucedidos no Brasil. “Em algumas carceragens do Nordeste, as presas estudam e trabalham. E o trabalho está muitas vezes associado ao embelezamento. Por exemplo, uma presa faz o cabelo ou a unha da outra. Com isso, passam a se sentir melhor. Na escola, têm um rendimento melhor. É um investimento humano”, considera. A partir do projeto “Mulheres Detentas e Atentas”, em implantação, a carceragem de Mesquita visa mapear o pensamento, a ação e o discurso dessas mulheres. Com os resultados, pretende-se elaborar políticas públicas específicas e de reinserção social. Ainda muito distante do ideal, a unidade da Baixada Fluminense parece estar no caminho certo.

Projeto de delegado pretende reduzir e humanizar a detenção Carceragem Cidadã começa a apresentar avanços, mas encontra resistência em policiais antigos do Rio de Janeiro (RJ) O programa Carceragem Cidadã foi desenvolvido por Orlando Zaccone na 52ª DP de Nova Iguaçu. Assim que assumiu o comando da unidade, em 2007, o delegado colocou em prática seu objetivo de humanizar o tratamento dos encarcerados. O sucesso do projeto é visível pela erradicação dos conflitos na unidade de Polícia Civil. Recentemente, a iniciativa foi uma das oito laureadas com o Prêmio Polícia Cidadã Rio de Janeiro 2008/2009, organizado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da Universidade Cândido Mendes. Durante os dois anos que esteve à frente do projeto, Zaccone colocou em prática uma série de iniciativas inéditas. Inaugurou uma biblioteca, criou uma escola municipal, organizou um mutirão de saúde e disponibilizou apoio psicológico e jurídico. A iniciativa que

mais chamou a atenção da opinião pública, porém, foi a garantia dos presos de seu direito ao voto. Em 2008, pela primeira vez no Estado do Rio, detentos de uma carceragem puderam participar das eleições. Também pela primeira vez na história da Polícia Civil carioca, um detento conseguiu a Visita Periódica ao Lar (VPL). Nomeado chefe das 22 carceragens do Rio este ano, o delegado tem como desafio inicial reduzir a população carcerária. Os atuais 4 mil detentos estariam espremidos em unidades com capacidade para apenas 2,5 mil. Para ele, diminuir o contingente é até mais urgente que as políticas de seu programa. “Primeiro eu quero deixá-los respirar”, tem repetido. O deputado estadual Alessandro Molon (PT) costuma dizer que Zaccone assumiu a função de eliminar a necessidade do próprio cargo. O Carceragem Cidadã nem sempre é bem recebido junto a certos policiais, acostumados à truculência tradicional da corporação. Resistem em aceitar. “De repente, vem um cara dizendo que tem que tratar o preso da melhor maneira possível, dar trabalho dentro da cadeia e alfabetizar. Encontra resistência. O projeto é ousado, mas ele já provou que funciona”, comenta o inspetor Araújo. “Eu mesmo sou dos antigos. Demo-

rou para eu me convencer”, confessa. Zaccone é ex-jornalista. Certo dia, anunciou que abandonaria a profissão para ingressar na Polícia Civil. Em 1999, virou delegado em Nova Iguaçu. Na delegacia, começou a ministrar cursos de alfabetização para os presos e criou o jornal O Sol Quadrado. O respeito a seu trabalho o levou a chefe da carceragem da cidade. Desde o início, ele defende a humanização do tratamento aos detentos por dois motivos. Primeiramente, porque a lei determina e porque o detento é um cidadão. Depois, pela razão de que isso comprovadamente reduz a reincidência nos crimes, que em geral ultrapassa 80% dos libertos. Seu livro-tese, Acionistas do Nada, é considerado um estudo aprofundado do tratamento diferenciado que se dá a ricos e pobres na polícia. Com dados, prova que enquanto o tráfico nas favelas é fortemente punido, o dos condomínios passa longe de ser sequer combatido. É para combater a criminalização da pobreza que ingressou na polícia e conduz seus trabalhos. “Os cárceres estão cheios de pobres não porque eles tenham mais tendência para o crime, mas porque estão mais vulneráveis socialmente a serem criminalizados”, resume. (LU) Leandro Uchoas

Sessão evangélica na carceragem da delegacia de Mesquita


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cultura

Na batalha das ideias LIVROS Editora Expressão Popular completa dez anos e homenageia o intelectual, professor e escritor Leandro Konder Quanto

Nilton Viana da Redação HOJE O ACESSO à informação é feito de diversas formas, desde o livro eletrônico ao livro impresso, além, é claro, de outras dezenas de mídias. Mas a importância do livro como instrumento pedagógico, formador e educacional é fundamental e nem sempre essa necessidade básica para o conhecimento é acessível à imensa maioria da população, principalmente em função dos altos preços. Para mudar essa lógica, em 1999 surgiu a editora Expressão Popular. A ideia veio num momento em que o chamado pensamento único, o modelo neoliberal, imperava. Segundo Carlos Bellé, diretor e um dos fundadores da Expressão Popular, a editora é uma iniciativa de militantes sociais que acreditam ser necessário e possível transformar a realidade brasileira. Ele conta que, quando muitos abandonaram a “batalha das ideias, nós reafirmamos sua historicidade, buscando nos clássicos a base teórica da transformação social; quando muitos negaram os valores socialistas e humanistas, nós confirmamos que é possível modificar o modo de vida superando os limites burgueses da forma de viver; e, quando muitos afirmaram a primazia do mercado sobre a cultura, nós provamos que é possível negar o critério e a fórmula do lucro, possibilitando o acesso mais universalizado aos bens culturais”. Durante os seus dez anos de existência, a editora foi construindo e consolidando relações com a militância brasileira, possibilitando o acesso ao livro e facilitando o estudo. Sempre buscou cumprir importante papel político junto à sociedade e aos militantes. E a forma encontrada é a de dar a palavra ou reafirmar a mensagem do que consta, mesmo que com limites, nos livros de seu catálogo ou que partilham sua produção por outras editoras e se somam aos mesmos “sonhos”. Além das responsabilidades administrativas que possibilitam o bom desenvolvimento da produção editorial, a editora tem o compromisso de socializar o conhecimento acumulado pela classe trabalhadora. “Integramos mais de três centenas de colaboradores: indicação e análise de textos, cessão de direitos autorais, trabalhos de revisão, tradução, diagramação. Articulamos uma rede alternativa de distribuição dos livros em mais de duas centenas de locais pelo Brasil – trabalho militante e profissional – chegando assim aos movimentos sociais, às universidades, à sociedade amante dos livros, aos que acreditam que podemos viver numa sociedade diferente, com pleno desenvolvimento das potencialidades humanas”, diz Bellé. Segundo ele, essa soma de esforços recupera a tradição teórico-prática do marxismo, enobrece os trabalhos, alimenta os sonhos, modifica a práxis e dá novo sentido à luta. Leia a seguir coletânea de textos da Expressão Popular, baseada em extratos das ideias e reflexões de grandes pensadores, que a identifica politicamente, aponta seu horizonte editorial, desafios e perspectivas. O livro O livro, como expressão popularizada dos registros do desenvolvimento da escrita, é parte do processo das inovações técnicas que permitiram o acesso à informação. Como materialização de ideias, está intimamente ligado às contingências políticas e econômicas de cada época histórica. Sendo o livro criação humana, revela as formas de comunicação e manifestações do desen-

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Em anos de existência, a Expressão Popular publicou autores, títulos, e já atingiu a marca de mais de de exemplares

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tempo em que o homem deverá caminhar para alguma coisa mais valiosa e mais elevada que seu estômago, quando haverá maiores estímulos para levar os homens […]. Conservo minha crença na nobreza e na excelência da humanidade. Acredito que a doçura e o despojamento espiritual vão superar a gula grosseira dos dias de hoje. E, no fim de tudo, minha fé está na classe trabalhadora”. (Contos)

volvimento das nossas capacidades espirituais e materiais. Papel editorial Uma primeira tarefa da Expressão Popular é a de contribuir para desmascarar a ideologia de que “sempre foi assim – sempre será assim”, libertando a história da prisão do discurso que a nega. É do longo passado do homem – há 6 mil anos criou a escrita – que a ação da memória é indispensável defesa da própria humanidade. Essa maneira de registrar a passagem pelo tempo compõe a tradição do saber. Compreender nossa sociedade como parte da história é compreender o processo pelo qual ela se tornou o que é e, dessa maneira, entender o movimento que conduz à possibilidade de superação da sociedade capitalista e da construção da emancipação humana. Se sempre houve opressão, sempre houve aqueles que contra ela lutaram. Resistência Alfredo Bosi (Dialética da colonização) afirma que a “cultura de resistência” se confunde com a “desobediência civil” porque vê a sociedade dos homens plenamente humanizados como um valor a atingir; porque é respeitosa dos valores que chamam para lutar pela igualdade e pela liberdade; porque resgata a lembrança que alimenta o sentimento do tempo e o desejo de sobreviver. O resultado estético da “cultura de resistência” é uma forma peculiar, estranha, que representa o avesso da convenção estabelecida. A luta é material e cultural ao mesmo tempo: logo, é política. O que nos interessa é perseguir o movimento das ideias na conexão com os horizontes de vida de seus emissores podendo reconhecer a diferença entre um “discurso orgânico” de um “discurso eclesiástico ou tradicional”, conforme a distinção de Antonio Gramsci. Emancipação Também cabe à Expressão Popular reafirmar o horizonte da emancipação humana, para além da emancipação política: “redução do homem, por um lado, a membro da sociedade civil, a indivíduo egoísta independente; por outro, a cidadão, a pessoa moral [...] só quando o homem individual retoma em si o cidadão abstrato e, como homem individual – na sua vida empírica, no seu trabalho individual, nas suas relações individuais –, se tornou ser genérico; só quando o homem reconheceu e organizou as suas forças

próprias como forças sociais e, portanto, não separa mais de si a força social na figura da força política – é, só então, que está consumada a emancipação humana”. (Karl Marx, Para a questão judaica) Rebeldia Leandro Konder (A derrota da dialética) diz que “Inutilmente os espíritos mais conservadores procuram desqualificar os rebeldes, caracterizando-os como mesquinhos, ressentidos, imaturos ou irresponsáveis. [...] O ânimo re-

belde tem estado presente na dignidade dos que se recusam a se deixar assimilar por hordas e manadas...”. Por isso, nas atividades da editora, queremos alimentar a rebeldia e contribuir para entender que, “quanto mais contraditório se apresente o processo histórico, quanto mais complexas sejam as tarefas da transformação consciente da sociedade, tanto mais necessária se torna essa chama da rebeldia, para que o movimento não se mecanize, para que suas contradições não coagulem. O

Homenagem a Leandro Konder Na comemoração de seus dez anos, a Expressão Popular presta homenagem a Leandro Konder. O filósofo, professor e escritor concedeu à editora os direitos para a publicação de A história das ideias socialistas no Brasil; A derrota da dialética; Introdução ao fascismo; Marxismo e alienação; e O marxismo na batalha das ideias. “Ao comemorarmos dez anos, homenageando Leandro Konder, queremos prestar nossa deferência à militância que possibilitou chegarmos até aqui. Ele dispensa biografia. A melhor forma de conhecê-lo é pela leitura de seus livros. Do título do quinto livro agora reeditado pela Expressão Popular, partilhamos nossa motivação – 10 anos na ‘batalha das ideias’”, acredita o diretor Carlos Bellé. Para ele, a editora é um instrumento facilitador para que os livros difundam e criem oportunidade para a necessária “batalha das ideias”, para a construção do projeto político da emancipação humana. “Como Leandro Konder, somos e seremos soldados da informação, da formação política, da ‘batalha das ideias’”, acredita. (NV)

presente não engendra automaticamente o futuro através de uma dinâmica fatal ou espontânea: o futuro precisa lutar para nascer, para assumir uma feição determinada; precisa enfrentar criticamente o presente. E os rebeldes, que sentem na consciência o sopro vivo dessa luta, têm boas razões para rejeitar a admoestação dos conservadores e o discurso que os conclama a acolher uma versão mistificadora da ‘sensatez’; eles sabem que a acomodação a uma situação de opressão, de exploração e de miséria é certamente menos sensata do que a revolta contra os opressores, os exploradores e os aproveitadores da miséria”. Difusão Queremos, também, possibilitar a difusão da teoria política. Os textos que superaram a Economia Clássica, o Socialismo Utópico e a Filosofia Alemã frutificaram-se nas revoluções do século 20. Entretanto, durante o século 20, “o capitalismo, que controlava a produção, estendeu seu controle ao consumo, passou a investir enormemente na propaganda, passou a manipular o comportamento dos consumidores [...]. Para reagir eficazmente contra essa manipulação, os socialistas estão precisando se dedicar [...] à luta ideológica, àquilo que os italianos costumam chamar de ‘a batalha das ideias’. As questões de política cultural estão assumindo, portanto, uma importância sem precedentes na história da humanidade. [...] Se não souberem se renovar de acordo com as exigências do momento, os revolucionários podem ser levados a desviar para atritos secundários e querelas suburbanas as preciosas energias que deveriam investir e concentrar nos combates realmente decisivos”. (Leandro Konder, O marxismo na batalha das ideias) Tarefa Albert Camus, militante da causa de libertação da Argélia, ao receber o Nobel de Literatura, afirmou: “A verdade é misteriosa, fugitiva, e precisamos conquistá-la sem cessar. A liberdade é perigosa, tão difícil de viver quanto exaltante. [...] Sem dúvida, cada geração acredita ser a predestinada a mudar o mundo. A minha sabe, sem nenhuma dúvida, que não poderá fazê-lo. Porém, sua tarefa é mais complexa: consiste em impedir que o mundo se desfaça, e lutou para impedir que o mundo se desfizesse”. Anos antes, Jack London profetizava: “Vejo à frente um

Estudo Como editora, nos desafiamos em contribuir para a realização da tarefa histórica da nossa geração: descobrir os “mistérios da verdade” e conquistar a “perigosa liberdade”. O estudo confirma e nega; propõe e denuncia; apoia e combate; e fornece a possibilidade de viver dialeticamente os problemas. O estudo tem papel formador da personalidade – função humanizadora – e desenvolve em nós a cota da humanidade na medida em que nos torna mais compreensíveis e abertos para a natureza, para a sociedade e para o semelhante. O estudo também propicia desenvolver uma nova práxis (resolver os problemas básicos do povo – fim da exploração do homem pelo homem; desenvolver novas relações sociais fundamentadas em novos valores: trabalho, bemquerer, solidariedade, justiça social...). A atual conjuntura abre uma nova porta no tempo histórico e possibilita buscarmos a verdade misteriosa. Na nova práxis forjemos a liberdade perigosa. Ensinamento Em 1976, Ernesto Guevara deixou para sua família, antes de partir para a Bolívia, uma pequena carta. Nela afirma: “O pai de vocês tem sido um homem que atua e, certamente, leal a suas convicções. Cresçam como bons revolucionários. Estudem bastante para poder dominar as técnicas que permitem dominar a natureza. Sobretudo, sejam capazes de sentir profundamente qualquer injustiça praticada contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo. Esta é a qualidade mais linda de um revolucionário.” (Paco Ignácio Taibo II, Ernesto Guevara, também conhecido como CHE). Desafio É uma tarefa da Expressão Popular reafirmar que é possível conquistar todos os “bens incompreensíveis”, como afirmou Antonio Cândido (O direito à literatura). Hoje, comparando “com épocas passadas, chegamos ao máximo de racionalidade técnica e do domínio da natureza. [...] Isso permite imaginar a possibilidade de resolver grande número de problemas materiais do homem. [...] Se as possibilidades existem, a luta ganha maior cabimento e se torna mais esperançosa, apesar de tudo o que o nosso tempo apresenta de negativo. [...] São bens incompreensíveis não apenas os que asseguram a sobrevivência física em níveis decentes, mas os que garantem a integridade espiritual. São incompreensíveis certamente a alimentação, a moradia, o vestuário, a instrução, a saúde, a liberdade individual, o amparo da justiça pública, a resistência à opressão etc.; e também o direito à crença, à opinião, ao lazer e, por que não, à arte e à literatura.”


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américa latina Departamento de Estado Norte-americano

Os tentáculos independentes da Casa Branca HONDURAS Embora sem evidências de participação direta do governo dos EUA, os chamados falcões de Washington e até advogado ligado a Hillary Clinton podem estar envolvidos na deposição de Zelaya Eduardo Sales de Lima da Redação O PRESIDENTE constitucional de Honduras, Manuel Zelaya, foi deposto nas primeiras horas de 28 de junho. Os militares o detiveram e o expulsaram do país, sob a alegação de que ele pretendia infringir a Constituição ao tentar convocar uma consulta popular sobre uma reforma à Carta Magna. Dois meses depois do ocorrido, continuam a surgir informações sobre a participação, no golpe de Estado contra Zelaya, de funcionários, ex-funcionários do governo estadunidense e pessoas ligadas à Casa Branca.

Cruzadas as informações veiculadas tanto por jornais latinoamericanos como estadunidenses, é possível apontar a participação de pessoas ligadas ao governo dos EUA Virgílio Arraes, especialista em relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB), por seu lado, acredita que, sobre a participação direta do governo dos EUA, o que surgem, até o momento, são apenas especulações. “O desgaste de um apoio direto da Casa Branca ao golpe seria grande, tendo em vista o pouco peso político de Honduras na América Latina”, explica. Arraes pondera ainda que “Obama herdou uma série de problemas significativos da gestão Bush – duas guerras de médio porte e uma crise econômica – para despender energias com um país cujo presidente estava em fim de mandato”, afirma. Entretanto, cruzadas as informações veiculadas tanto por jornais latino-americanos como estadunidenses, é possível apontar a participação de pessoas ligadas ao governo dos EUA. Por exemplo, no dia 22 de junho, o jornal hondurenho La Prensa revelou que na noite anterior havia ocorrido uma reunião entre políticos influentes do país, chefes militares e o embaixador estadunidense Hugo Llorens, com a finalidade de “procurar uma saída à crise” criada por Zelaya. Também o New York Times, dos EUA, confirmou que tanto o secretário de Estado Adjunto para assuntos do Hemisfério Ocidental, Thomas A. Shanon, como o embaixador Llorens tinham “falado” com altos oficiais das Forças Armadas e com líderes da oposição sobre “como derrubar o presidente Zelaya, como o prender e qual autoridade poderia fazer isso”. “Falcões” “O grau de dependência do terceiro país mais pobre da América Latina não permite que seus dirigentes políticos e administradores tomem decisões dessa natureza com independência”, afirma ao Brasil de Fato Gilberto Ríos, um dos coordena-

dores da Frente de Resistência ao Golpe. Ele lembra ainda que, quando se consumou o golpe de Estado, “não coube a menor dúvida de que ele tinha o aval da embaixada estadunidense”. No entanto, como lembra Ríos, somente dias depois o embaixador dos EUA reconheceu que havia participado das reuniões que trataram do golpe. Llorens é um cubano estadunidense emigrado para Miami aos 7 anos de idade, em 1961. Era diretor de Assuntos Andinos do Conselho de Segurança Nacional em Washington quando aconteceu o golpe de Estado contra o presidente venezuelano, Hugo Chávez, em abril de 2002. Tanto Llorens quanto o empresariado hondurenho possuem estreitas ligações com John Negroponte – que dirigiu a força paramilitar denominada “Contra” e os esquadrões da morte que perseguiam os movimentos esquerdistas na América Central durante os anos de 1980 – e Otto Reich. O primeiro, conta Ríos, esteve na capital Tegucigalpa semanas antes do golpe, onde se reuniu com personagens da ultradireita hondurenha, entre eles o ex-presidente Carlos Flores Facussé, que, para o líder da Frente de Resistência ao Golpe, é o cabeça da deposição de Zelaya. Otto Reich, por sua vez, possui uma “sombra” chamada Roberto Carmona, que, segundo Gilberto Ríos, “levava mais de um ano implementando uma campanha de descrédito da administração Zelaya, com o apoio dos mesmos meios de comunicação que agora apoiam o golpe de Estado”. Carmona, advogado especialista em temas militares, está diretamente vinculado ao golpe de abril de 2002 na Venezuela. Ríos lembra que tal personagem se apresentou em Tegucigalpa logo após a execução do golpe para se pôr a serviço do governo de fato.

Negroponte, conta Ríos, esteve na capital Tegucigalpa semanas antes do golpe, onde se reuniu com personagens da ultradireita hondurenha, entre eles o expresidente Carlos Flores Facussé Escola das Américas Mais importante que Carmona é seu cúmplice, Reich, conhecido internacionalmente, e sobretudo na América Central, por aglutinar os cubanos de ultradireita exilados em Miami. Após o golpe, Otto Reich tem feito um forte lobby em Washington para que o novo governo hondurenho seja reconhecido. Após a investida de Reich, dois congressistas já externaram apoio aos golpistas, e “a direita hondurenha agradece publicamente o apoio recebido por Lincoln Díaz-

Balart e Iliana Ros-Lehtinen, congressistas pela Flórida”, critica Ríos. Além disso, os dois generais com maior participação no golpe contra Zelaya são graduados da Escola das Américas – centro estadunidense famoso por formar agentes da repressão das ditaduras latino-americanas – e também mantêm laços estreitos com os militares estadunidenses em Honduras e figuras como Negroponte e Reich. O comandante da Aviação de Honduras, general Luis Javier Prince Suazo, estudou na Escola das Américas em 1996. O chefe do Estado Maior conjunto, general Romeo Vás-

Llorens (primeiro à esquerda) e Hillary se encontraram em Honduras no dia 1º de junho de 2009

quez, também é graduado no mesmo centro de formação. Hillary dúbia Para o professor de relações internacionais da UNB, Virgílio Arraes, “no fundo, a busca por uma autonomia, ainda que mínima, por parte do governo deposto terminou por desorientar os oficiais-generais acostumados a observar o seu país ser guiado de algum modo por uma grande potência, os Estados Unidos”.

Enquanto passa o tempo, os golpistas tentam ganhar fôlego no Congresso estadunidense. Segundo informações da advogada e investigadora venzuelana-estadunidense Eva Golinger, o advogado Lanny Davis foi contratado pela sede hondurenha do Conselho de Empresários da América Latina (CEAL) para fazer lobby a favor dos golpistas e convencer os poderes de Washington de que estes devem aceitar e reco-

nhecer o governo de fato de Honduras. Lanny Davis foi advogado do ex-presidente Bill Clinton quando este estava na Casa Branca, e é um conhecido amigo e assessor da atual secretária de Estado, Hillary Clinton. O Departamento de Estado, dirigido por ela, ainda não reconheceu o ocorrido no dia 28 de junho como um golpe de Estado, o que obrigaria aos EUA impor sanções ao governo golpista.

“Linhas mestras” de Bush permanecem em Obama “O que interessa aos golpistas é a possibilidade de ganhar as futuras eleições”, afirma especialista da UnB da Redação Se não há certeza sobre até que ponto as estruturas de poder dos Estados Unidos influenciaram o golpe de Estado em Honduras, uma coisa é certa: se a direita hondurenha está até hoje no poder, isso se deve em grande parte à omissão por parte do governo de Barack Obama. O presidente deposto Manuel Zelaya chegou a afirmar, em 19 de agosto, em Lima, capital do Peru, que, com o apoio do líder estadunidense, “demorariam cinco minutos” para se reverter a situação em seu país. De fato, se o Departamento de Estado qualificar o ocorrido como golpe de Estado, os EUA seriam obrigados a suspender toda classe de apoio econômico, diplomático e militar à nação centro-americana. O hondurenho Gilberto Ríos, um dos coordenadores da Frente de Resistência ao Golpe, reforça ao Brasil de Fato que a maior parte das exportações hondurenhas tem como destino o mercado estadunidense, enquanto que as remessas que os migrantes nos EUA enviam a Honduras chegam a

cerca de 2,7 bilhões de dólares anuais, mais ou menos 25% do PIB hondurenho. “Se o governo Obama barrasse as exportações de Honduras, teríamos a rendição imediata dos golpistas”, avalia Ríos. Além disso, caso os EUA continuassem comprando produtos hondurenhos, bastaria congelar os ativos da oligarquia hondurenha e suspender o auxílio humanitário ao país. Pacto No entanto, em vez de cessar o golpe, ao menos congelando os fundos da elite hondurenha, os Estados Unidos planejaram o “Pacto de San José”. O acordo, mediado pelo presidente da Costa Rica, Óscar Arias, prevê, entre outros pontos, a volta do presidente deposto à frente de um governo de união nacional, a anistia aos envolvidos na deposição e a antecipação, em um mês, das eleições presidenciais. Não agradou os movimentos sociais. Segundo Gilberto Ríos, as 45 organizações que conformam a Frente de Resistência ao Golpe determinaram, por consenso, que não reconhecerão eleições sob o regime de fato. “Honduras foi visitada por

várias instituições internacionais de direitos humanos e destacadas personalidades no campo do direito penal, entre elas Baltazar Gárzon [juiz espanhol famoso por ter condenado à prisão o ex-ditador chileno Augusto Pinochet e pôr na ilegalidade inúmeras organizações bascas]. Todos coincidem que o golpe de Estado e demais violações aos direitos humanos constituem delitos de lesa-humanidade que não prescrevem e não podem se sujeitar a nenhum tipo de anistia”, elucida. Para Ríos, o pacto de San José serve como uma manobra dos golpistas, com apoio estadunidense, para desgastar a Frente de Resistência, na crença de que a nova organização popular hondurenha não poderia sustentar as mobilizações durante muito tempo nas ruas. “Apesar da repressão, o prognóstico resultou equivocado. As mobilizações se realizam diariamente em todo o país, com participação massiva e que vem aumentando com o tempo”, ilustra Ríos. Segundo Virgílio Arraes, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB), o que interessa aos golpistas é a possibilidade de ganhar as futuras eleições e “permanecer temporariamente no poder, a fim de negociar uma transição naturalmente favorável a eles”. Ele pondera que, nas atuais condições, as Mabel Marques

Manifestações contra o golpe de Estado realizadas no dia 28 de agosto

futuras eleições seriam aplicadas, “mas sem a participação efetiva dos principais partidários de Zelaya, ou seja, ninguém se arriscaria no campo eleitoral a desafiar os golpistas”.

Para Gilberto Ríos, o pacto de San José serve como uma manobra dos golpistas, com apoio estadunidense, para desgastar a Frente de Resistência, na crença de que esta não poderia sustentar as mobilizações durante muito tempo Ambiguidade O golpe incomoda a Casa Branca, mas nem tanto. As contraditórias posições da secretária de Estado, Hillary Clinton, e do presidente Obama sobre o caso refletem, também, sérios problemas políticos internos para resolver. Para Virgílio Arraes, a atual gestão já demonstrou os seus limites quanto à possibilidade de renovação. “Guardadas as devidas proporções, ela repete a de Bill Clinton, inclusive quanto à insistência de concentrar o seu capital político na reforma do sistema de saúde. Assim, as linhasmestras do governo Bush lamentavelmente continuarão”, analisa. O hondurenho Gilberto Ríos também acredita nisso. Segundo ele, “não há dúvida de que o presidente Obama mostrou desacordo com um delito de lesa-humanidade”, mas “sua responsabilidade como administrador das políticas do império está acima de qualquer consideração moral ou legal”. (ESL)


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américa latina

A África é uma dívida histórica PERFIL O cubano Jorge Risquet, que lutou ao lado de Che Guevara pela libertação dos países africanos nos anos de 1960, recorda a sua história Elaine Tavares FAZIA UM CALOR sufocante no solar onde viviam Jorge, os seis irmãos e os pais, em Havana (Cuba). A grande casa tinha 24 quartos e cada um deles – sem banheiro – abrigava uma família. Era gente demais, todos muito pobres, a maioria trabalhadores nas “tabaqueras”, empresas de fabricação do charuto cubano. Porém, foi essa babel que possibilitou ao menino de 11 anos começar a vida de professor, ganhando, inclusive, o suficiente para pagar o quarto onde morava a família toda. “Nós estávamos sempre nos mudando porque meus pais não conseguiam pagar os aluguéis”. Então, para ajudar nas despesas, Jorge e a irmã improvisaram uma lousa no pequeno quarto onde viviam e ensinavam os demais garotos do solar que não podiam ir à escola, porque era longe e eles não tinham sequer um sapato para usar. Cobravam alguns trocados, mas, com isso, garantiam o aluguel. O menino era Jorge Risquet Valdés, que mais tarde veio a ser um dos organizadores da educação na guerrilha cubana e um dos comandantes da campanha de Cuba na África, nos anos de 1960. Ele esteve no Brasil nos dias 18 e 19 de agosto para participar do Seminário Internacional África – Um outro olhar: História e perspectivas, realizado pelo Instituto de Estudos Latino-Americanos (Iela) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e contou a sua história.

“Os trabalhadores cubanos sempre foram muito politizados. Para se ter uma ideia, quando Lênin morreu, as tabaqueiras pararam em sua homenagem” Origem revolucionária

Naqueles dias da década de 1940, Risquet, que era um dos melhores alunos da escola fundamental, já estava apto para passar ao ensino médio. Contudo, para estudar na Cuba da época, era preciso ter dinheiro. Sem chance, ele, então com 13 anos, foi buscar os cursos oferecidos gratuitamente pela Juventude Revolucionária Cubana. Apesar da pouca idade, ele não era um analfabeto político. Os pais, trabalhadores do tabaco, tinham profunda consciência de classe. É que em Cuba, na produção de charuto, era assim: as pessoas ficavam ali, enrolando as folhas, no mais completo silêncio. Por conta disso, os trabalhadores inventaram um bom jeito de se instruir e

ficar por dentro da literatura revolucionária. Faziam uma “vaquinha” e contratavam um leitor, alguém que ficava ali, lendo, enquanto todos trabalhavam. “O leitor trazia uma lista de títulos e os trabalhadores escolhiam. Liam Gorki, Martí, Tolstoi e muitos outros”, conta Risquet. Pois foi por conta dessas leituras que a família Risquet sempre esteve em dia com os temas do mundo. Um dos irmãos de Jorge, inclusive, alistou-se para ir à Espanha lutar contra a ditadura de Franco. Mais de mil cubanos foram. Então, durante a segunda guerra e o horror nazista, Risquet já estava envolvido até os dentes na organização da juventude revolucionária. Quando, em 1944, funda-se em Cuba a Juventude Socialista, Jorge está lá e toma para si a tarefa de organizar os jovens num grande bairro de Havana. No ano seguinte, durante o Congresso Nacional Constituinte da Juventude, ele, com 15 anos, já é membro do Comitê Central. Aos 16, Jorge comanda o jornal quinzenal Mella, que levava o nome de um grande comunista cubano. “Os trabalhadores cubanos sempre foram muito politizados. Para se ter uma ideia, quando Lênin morreu, as tabaqueiras pararam em sua homenagem e, nas guerras de independência, eram os trabalhadores que iam aos Estados Unidos trabalhar e de lá mandavam dinheiro para a compra de armas”. Em 1951, quando acontece o golpe de Estado que eleva Fulgencio Batista ao poder, Risquet é um dos que se manifesta contra pelo rádio e a polícia o persegue. Por causa disso ele sai do jornal e vai para a região de Matanzas, atuar na organização da juventude, como membro da Federação Mundial da Juventude Democrática. Nessa função, ele circula até 1955 pela América Latina e Europa central e do leste, organizando festivais de juventude. No período, Risquet conhece Agostinho Neto, uma das mais importantes lideranças de libertação da África negra, além de Che Guevara e Raul Castro. A guerrilha em Cuba

Todo esse trabalho organizativo na juventude comunista desde os 13 anos acabou sendo a porta de entrada de Risquet para a atuação na luta que se forjava em Cuba. Em 1955, ele volta para a ilha clandestinamente e passa a comandar a Juventude de Havana. Por conta de sua atuação, acaba preso em dezembro de 1956 e chega a ser dado como desaparecido. Quando consegue sair, volta a atuar clandestinamente. Depois sai de Cuba, disfarçado, para organizar reuniões com os partidos comunistas no México, Caribe e Venezuela. “A ideia era dar a conhecer sobre Fidel, quem ele era, o que pretendia, e buscar apoio para a luta em Cuba”, afirma. Quando a guerrilha se instala na Sierra Maestra, Raul manda buscar Risquet para coordenar a criação de uma Elaine Tavares

Risquet se tornou um dos organizadores da educação na guerrilha

Guevara vai ao Congo em 1965 e ensina táticas de guerrilha às forças congolesas

Risquet fez-se então o primeiro formador político do exército rebelde de Cuba e, quando a revolução triunfou, ocupou o cargo de chefe do Departamento de Cultura, publicando revistas e preparando quadros para o governo revolucionário escola de formação. A proposta era tornar os rebeldes sujeitos conscientes sobre contra o que estavam lutando. “A gente trabalhava no sentido de fazer compreender que o combate era contra o imperialismo. E, naqueles dias, tínhamos mais de 11 mil quilômetros quadrados de território liberado. As escolas proliferaram”, recorda. Risquet fez-se então o primeiro formador político do exército rebelde e, quando a revolução triunfou, no dia 1º de janeiro de 1959, ocupou o cargo de chefe do Departamento de Cultura, publicando revistas e preparando quadros para o governo revolucionário. E assim foi até 1965, organizando o partido em toda Cuba. Mas, no mês de junho, ele recebe um chamado de Fidel. Diz o comandante que Che Guevara está no Congo, ajudando na luta pela libertação naquele país, e que precisa de mais uma coluna de combatentes por lá. É quando começa a se formar o batalhão Patrício Lumumba, que seria comandado por Risquet. A gesta africana

Enquanto Cuba encerrava a luta heroica contra a ditadura de Batista, lá do outro lado do mundo um povo vivia a tarefa de se libertar das colônias europeias. Em 1960, o Congo belga logrou sua independência sob o comando de um jovem negro, Patrice Lumumba. Mas, pouco depois de ser eleito primeiro-ministro e iniciar uma mudança radical no país em busca de melhorias para o povo, Lumumba foi preso, torturado e assassinado depois de um golpe de Estado promovido com a ajuda da CIA, dos Estados Unidos. Também em 1960 a França concede a independência ao outro lado do Congo, chamado de Congo francês. Mas quem fica na presidência é um vassalo, Folbert Youlou, que governa com mão de ferro até 1963, quando, após revolta popular, o governo cai e acontecem eleições. Massemba Debat é eleito presidente. No lado belga, os partidários de Lumumba seguiam lu-

tando contra a ditadura e os acontecimentos na parte francesa acendem esperanças de verdadeira libertação, até então não acontecida. Em 1964, a região era um caldeirão explosivo. Mercenários brancos chegavam ao Congo belga com o apoio dos Estados Unidos, e Moises Tshombe, um conhecido anticomunista que ajudara na captura e no assassinato de Lumumba, regressa ao poder. É quando o governo do Congo francês pede ajuda a Cuba para que mande alguém capaz de treinar o exército local, uma vez que se aproximava a possibilidade de uma guerra entre os dois Congos. Quem vai à África, em janeiro de 1965, é o próprio Che, que se encontra com Debat e com o então presidente do Movimento Popular de Libertação de Angola, Agostinho Neto, para ouvir dos dois comandantes como estava a situação. Assim, em abril, Che retorna com um pelotão de 14 soldados cubanos, chamado de Coluna Um, e entra na África pela Tanzânia. Meses depois, era a vez de embarcar para a África a Coluna Dois, esta dirigida por Risquet, com mais 250 homens. “Nós fomos ajudar militarmente na integridade territorial, na luta contra o colonialismo, contra o racismo, contra o apartheid. Era uma obrigação histórica, visto que daquele continente saíram mais de 1,3 milhão de homens e mulheres levados para Cuba como escravos. Em Cuba, estávamos começando a organizar nossa própria casa, mas não podíamos deixar de ajudar”, explica. Poucos anos depois da vitória cubana, o internacionalismo já aparecia como uma marca do novo governo. E foi muito em função dessa participação de Cuba nas lutas de libertação africana que o processo revolucionário naquele continente cresceu. Desde aqueles dias dos anos de 1960, quase 400 mil soldados cubanos passaram pela África, além de 100 mil outros colaboradores nas áreas

da saúde e educação. 2.077 cubanos caíram em combate no solo africano e são considerados heróis nacionais. “Nós, em Cuba, não damos o que nos sobra. Compartilhamos o que temos e assim foi com a África”, conta Risquet. Também nesse período, mais de 35 mil jovens africanos foram a Cuba estudar, sem qualquer custo. “Nossa contribuição também se dá na formação, e assim vamos caminhando junto com a África, que está a 10 mil quilômetros de Cuba, mas também está no nosso sangue”, afirma. A participação cubana na África se estendeu do Congo para Angola, onde também foram treinar jovens soldados e ajudar Agostinho Neto na luta contra o domínio português e os mercenários. Depois, nos anos de 1970, lá estavam outra vez os cubanos, sob o comando de Risquet, com instrutores militares, médicos e professores. “Passado meio século, a gente vê que Cuba esteve esse tempo todo na solidariedade com a África, desde o golpe contra a Argélia, em 1963, quando mandamos para lá todas as armas apreendidas dos estadunidenses durante a fracassada invasão de Playa Girón, e retornamos com 100 crianças órfãs de guerra. Estivemos peleando com o fuzil na mão, mas também com a presença civil de médicos, professores e engenheiros”.

O garoto que correu o mundo a organizar a juventude comunista, que comandou batalhões na grande África, segue tão animado quanto naqueles dias gloriosos dos anos de 1960 A Cuba de hoje

Desde a revolução de 1959, mais de 100 mil estudantes de vários países da África e da América Latina fizeram sua graduação em Cuba, todos com bolsa integral. “Quando tivemos um tempo bem ruim nós perguntamos a eles se queriam ficar e dividir a pobreza conosco. Nunca os

abandonamos”. A Namíbia, recentemente, enviou 2 milhões de dólares em ajuda a Cuba e até o Timor Leste ajudou, depois da passagem de um furacão. “A África sabe o tanto Cuba lutou pela sua libertação e reconhece isso. Na Etiópia, existe um monumento ao soldado cubano e na África do Sul, num outro monumento que recorda os mortos das lutas libertadoras, estão gravados os nomes dos 2.077 cubanos que deram sua vida pela pátria africana. Outro dia, na Namíbia, o presidente Raul Castro foi recebido pelo povo, que cantava “Guantamera”. Isso mostra o quanto África ama Cuba”, comemora. Risquet, que foi o homem de Cuba em toda a campanha militar africana, tem agora 79 anos. Desde aqueles dias em que dava aula para os meninos pobres do solar, onde vivia em um quarto apertado, já se vão 68 anos. É tempo demais. Mas o garoto que correu o mundo a organizar a juventude comunista, que comandou batalhões na grande África, que fundou escolas e jornais, que foi ministro do Trabalho e membro do Comitê Central do Partido Comunista Cubano, segue tão animado quanto naqueles dias gloriosos dos anos de 1960. Diariamente ele sai cedinho de casa e vai para o trabalho, no gabinete do presidente Raul Castro. É que há tantas coisas ainda para conquistar. Ele olha para a América Latina e vê tantas mudanças, a Venezuela, o Equador, a Bolívia, os povos em luta. E se emociona. “Cuba esteve um tempo sozinha por aqui, mas resistiu. Cuba resistiu a Bush. E vamos seguir acreditando na capacidade do povo de se organizar e conquistar sua liberdade. Veja a América Latina agora, nunca se viu um movimento como esse. Mas, sabemos que o inimigo atua, o imperialismo tem planos e pode haver retrocesso. Aí está Honduras, a 4ª Frota, Colômbia. Há que ver o perigo, mas há também que ser otimista. Cada país, com seu povo, há de encontrar o rumo seguro para uma vida soberana”. Elaine Tavares é jornalista no Instituto de Estudos LatinoAmericanos (Iela) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Para conhecer a campanha de Cuba na África, o Iela tem à disposição para a venda o livro El segundo frente del Che en el Congo: Historia del batallón Patricio Lumumba, de Jorge Risquet (R$ 15). Pedidos pelo iela@iela.ufsc.br.


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américa latina Divulgação

Na luta contra a recolonização da América Latina ENCONTRO Movimentos sociais da Via Campesina e da Alba encontram-se para resgatar a história de resistência e a luta atual em nome da soberania em uma região rica em recursos estratégicos Pedro Carrano de Eldorado (Argentina) NO SOTAQUE cantado e no relato da paraguaia Graciela, a síntese do que o capitalismo produz na América Latina. Ela passou à militância após o episódio do supermercado de Ycuá Bolaños, quando 407 pessoas morreram carbonizadas, entre elas, um parente. O ano: 2005. Cinco diretores não permitiram que as pessoas saíssem do supermercado em chamas sem pagar. Ao se acenar a absolvição dos culpados, a população revoltou-se, foi às ruas e os movimentos sociais somaram-se à luta. O Sul do Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai são territórios mais amplos que suas fronteiras políticas e comerciais. Os quatro países conformam uma região geopolítica, com recursos naturais em comum. A mesma história de genocídio e luta de classes. Hoje, possuem bandeiras como a luta por soberania energética, contra as hidrelétricas a serviço do lucro e contra a criminalização de camponeses e povos originários nos territórios de expansão do capitalismo. “O Paraguai é um produto de violência contra nossa mãe, nossa terra, por isso estamos lutando. Não temos modelo de desenvolvimento para os pequenos produtores”, exclama o jovem Santa Cruz Hidalto, do Movimento Camponês Paraguaio (MCP). Foi este o sentido do encontro “Resistências populares à recolonização do Continente”, projeto inserido no contexto das lutas da Via Campesina e da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), e com apoio da Fundação alemã Rosa Luxemburgo. A cidade escolhida foi Eldorado, na província de Misiones (Argentina), e ocorreu entre os dias 28 e 30 de agosto.

Resgate Estavam presentes organizações dos setores urbanos, como a Frente Darío Santillán, da Argentina, sindicatos, organizações camponesas da região de Alto Paraná (Paraguai) e Misiones (Argentina), além de organizações brasileiras como Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Consulta Popular e Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS). O local do encontro foi uma Escola de Formação Rural (EFA) ligada ao Estado, que valoriza a produção orgânica de alimentos – um dos temas debatidos pelas organizações presentes.

O Sul do Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai são territórios mais amplos que suas fronteiras políticas e comerciais. Os quatro países conformam uma região geopolítica, com recursos naturais em comum A jornalista argentina Claudia Korol, da organização Pañuelos en Rebeldia (Lenços em Rebeldia), analisa que o papel desse espaço é a formação conjunta e o resga-

te da história do continente, para fortalecer a compreensão de que a atual criminalização dos movimentos sociais é a continuidade de um processo histórico. “É a lógica do movimento do capital, que avança destruindo natureza e populações. O instrumento do capital é o genocídio”, diz, em entrevista ao Brasil de Fato. A repressão contra os camponeses e povos originários se dá em um momento de expansão do capitalismo sobre os territórios. “Trata-se do tipo de vida errado para o capitalista, que precisa transformar todos em empregados, dominar todo o espaço territorial”, expõe. Articulação Por fim, a jornalista aponta a necessidade de uma articulação para além da lógica dos governos, que tenha como objetivo desconstruir a ideologia dominante, que conspira contra a unidade entre os trabalhadores dos diversos países. Sobre tal necessidade, ela acredita que a região ganha papel-chave na atual geopolítica, devido aos recursos naturais que possui. “Hoje, se está discutindo a instalação na Colômbia de bases estadunidenses. Essa é uma zona especial, ameaçada nesse processo de intervenção”, comenta. A organização campesina e indígena Mocase completa: “Rechaçamos tudo o que está se passando em Honduras. Uma estratégia norte-americana, sem nenhuma dúvida, atentando contra a soberania do povo. E o que está se passando aqui na Argentina e nos outros países irmãos, dentro de nossas comunidades: estamos sofrendo uma grande perseguição política, que tem a ver com um grande avanço do movimento camponês. Temos avançado no conhecimento teórico e prático para o enfrentamento ao modelo do agronegócio. E por isso o capitalismo lança mão da morte e da tortura”. Críticas em relação a uma concepção de desenvolvimentismo alheia às necessidades populares, as organizações apontam que a ex-

Encontro na Argentina teve o papel de resgatar a história do continente

O aprofundamento das relações entre organizações camponesas com o setor urbano, superando lutas corporativas e apenas econômicas e enfocando o modelo, é um dos horizontes apontado pelas organizações pansão da soja produziu na região a expulsão de 17 comunidades campesinas paraguaias. Na Argentina, por sua vez, de acordo com a organização Mocase, as políticas neoliberais forçaram 150 mil agricultores ao abandono do campo, isto apenas na região de Misiones, responsável por 10% da produção do país; ao passo que, no geral, 850 mil camponeses perderam terras e meios de produção. Unidade A aliança entre campo e cidade e o aprofundamento das relações entre organiza-

ções camponesas com o setor urbano – superando lutas corporativas e econômicas e enfocando o modelo – são alguns dos horizontes apontados pelas organizações. O Sindicato de Trabalhadores do Estado (ATE), com 200 mil filiados na Argentina, atua em conjunto com organizações camponesas e territoriais. O dirigente da entidade, Gabriel Gómez, explica a expansão da atuação do sindicato em busca de uma organização territorial camponesa: “nosso grêmio passou a ter uma direção que excede as reivindicações salariais. No começo

Divulgação

Criminalização, uma questão histórica e bandeira comum Organizações sociais e camponesas paraguaias se unem contra a repressão do Estado, que, desde 1989, assassinou 150 dirigentes de Eldorado (Argentina) A Federação de Afetados pela Represa de Yaciretá, segunda maior usina hidrelétrica binacional (compartilhada por Argentina e Paraguai), denuncia que suas ampliações impossibilitam a pesca, a caça, a coleta e o plantio de diferentes comunidades. De acordo com vídeo feito pelas entidades envolvidas na luta contra Yaciretá, que ocupa uma exten-

são de 170 mil hectares, hoje muitos atingidos dedicamse a coletar lixo. O militante Jorge Ulusoff, 70 anos, aponta que a luta é para que as áreas atingidas pela empresa não sejam ampliadas, uma vez que isso acarreta um enorme gasto para o Estado paraguaio, ao mesmo tempo em que o Banco Mundial retirou o investimento na hidrelétrica. “60% das famílias não tivemos a nossa situação resolvida”, denuncia. Para ele, o Paraguai vive uma encruzilhada, no sentido de que o novo governo, depois de 61 anos de domínio do Partido Colorado, esbarra na sua própria base de sustentação no Congresso, com apenas dois parlamentares da esquerda. “Não tem poder real em questões jurídicas e legais”, comenta Ulusoff. Repressão segue O Movimento Campesino Paraguaio (MCP), orga-

de 2008, definimos deixar de ser delegados sindicais para ser militantes sociais. Nesse sentido, achamos que é fundamental e estratégico aportar a estrutura do sindicato para a formação territorial, com organizações com muito conteúdo político, o que pode desembocar na formação de quadros com uma linha política, buscando a libertação nacional e a aliança latino-americana”, explica. “Este espaço fortalece a luta pela reforma agrária e a soberania alimentar, no marco de oposição ao pacote do agronegócio, que vem vinculado não somente às plantações de soja e milho transgênico, mas também à plantação de eucalipto e pinus. É uma oposição permanente ao projeto neoliberal (...). Para nós, da Via Campesina, é necessária a unidade latino-americana, enquadrada em um projeto político de formação”, comentou Adolfo, militante do Mocase, Movimento Indígena e Campesino.

Lutas comuns dos povos na tríplice fronteira • Soberania energética e alimentar;

• Contra a criminalização

dos movimentos sociais, trabalhadores e povos originários;

• Contra a produção de

milho e soja transgênica; por um outro modelo agroecológico e de produção camponesa;

Desde 1989, 150 lideranças camponesas foram mortas no Paraguai

O Movimento Campesino Paraguaio (MCP) aponta que a vitória de Fernando Lugo em 2008 não significou para as organizações do campo imobilismo e freio nas lutas nização sem-terra coordenada com grupos de juventude, mulheres e vítimas de desaparecidos da ditadura, aponta que a vitória de Fernando Lugo em 2008 não significou para as organiza-

ções do campo imobilismo e freio nas lutas. Por conta disso, movimentos sociais denunciam que segue a repressão no campo. E, de 1989 até os dias de hoje, 150 dirigentes campone-

ses paraguaios foram assassinados. “Logramos chegar à unidade, que chamamos Meta de Unidade Popular, que está unindo organizações sociais e campesinas. Creio que vamos avançar um passo mais. O poder dominante tem mais força de fazer o que quer para que os povos desapareçam e os territórios fiquem em suas mãos”, coloca, apontando a questão da exploração do aquífero Guarani, petróleo e urânio no território do Chaco paraguaio, ao lado da Bolívia. (PC)

• Rechaço à política do

imperialismo, presente no golpe militar em Honduras e na instalação de bases estadunidenses na Colômbia;

• Contra a produção de

agrocombustíveis, pinus e eucaliptos de grandes papeleiras, de acordo com o modelo do agronegócio;

• Contra políticas

subimperialistas do Brasil, como o papel da Petrobras no exterior, a imposição dos agrocombustíveis e a ocupação militar do Haiti.


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internacional Dax Memer

O tigre acuado pela crise COREIA DO SUL Um dos chamados Tigres Asiáticos sofre com o colapso econômico global, que se reflete no aumento das taxas de desemprego Patrícia Benvenuti da Redação O RÁPIDO crescimento da Coreia do Sul, especialmente na década de 1990, em princípio parece um bom exemplo a ser seguido por países pobres que pretendem um fortalecimento de suas economias. A atração de capital externo por meio de “benefícios” como mão-de-obra barata, isenção de impostos e baixos custos para instalação de empresas foi uma marca do crescimento sul-coreano, patrocinado, por mais de três décadas, pelos diferentes governos militares que se sucederam no país. O mesmo modelo foi adotado por Taiwan, Hong Kong e Cingapura, que, junto com a Coreia do Sul, ficaram conhecidos como Tigres Asiáticos, pela agressividade de suas manobras para alavancar a economia. Os riscos da dependência em relação ao capital estrangeiro e ao neoliberalismo, porém, aparecem em momentos de instabilidade, como a atual crise econômica mundial. Segundo a ativista sul-coreana Aehwa Kim, integrante da Aliança Coreana de Movimentos Progressistas, o país está perto de alcançar a marca de 1 milhão de desempregados, e a expectativa é de que o número de demissões no país possa aumentar. Ao lado de Seung-Hun Lee, integrante do Partido Democrático Trabalhista da Coreia do Sul, Aehwa veio ao Brasil para conhecer organizações de camponeses. Em entrevista ao Brasil de Fato, a ativista fala sobre as consequências do colapso econômico sobre os trabalhadores sul-coreanos, agravadas pelo conservadorismo do atual governo, e revela, ainda, alguns dos interesses que impedem a reunificação das duas Coreias.

“Estamos esperando que a população de desempregados na Coreia, como um todo, chegue a 1 milhão de pessoas, e nossa população total está por volta de 48 milhões de pessoas”

dice de desemprego no país. Estamos esperando que a população de desempregados na Coreia, como um todo, chegue a 1 milhão de pessoas, e nossa população total está por volta de 48 milhões de pessoas. Mas esses são os números que o governo está lançando. Dois anos atrás, o governo coreano aprovou uma lei sobre trabalhadores irregulares [temporários, que têm um contrato curto de trabalho]. Como nós temos muitos trabalhadores irregulares, o governo decidiu protegê-los. Então, fez uma nova lei limi-

“É um governo extremamente desumano; o salário mínimo já é para os mais pobres, e ele ainda quer diminuir a renda daqueles que já são muito pobres” tando o período pelo qual estes seriam contratados. Como consequência, uma empresa só pode contratar um trabalhador por dois anos. Se você contratar um trabalhador irregular por mais de dois anos, a empresa tem que mudar sua condição para regular. O governo acredita que essa é uma ideia excelente porque os trabalhadores irregulares continuariam trabalhando depois de dois anos, e com isso reduziria seu número. Mas a realidade é muito diferente. Existe um vazio na lei, que os empregadores usam. Antes de dois anos, despedem os trabalhadores. Hoje, eles só estabelecem contratos irregulares por um ano ou, no máximo, menos de dois anos. Ou seja, ele nunca vai trabalhar esses dois anos para se tornar regular. Se as empresas não fizessem isso e não procedessem irregularmente, essa lei seria boa. Julho deste ano seria o limite para que os trabalhadores irregulares se tornassem efetivos, mas o atual governo reinterpretou essa lei, alegando que, como a economia da Coreia não está boa, para ativá-la e para facilitar os negócios para as empresas, seria necessário expandir esse

Moradores de rua em Seul, capital da Coreia do Sul: dependência do capital estrangeiro e do neoliberalismo aprofunda o desemprego no país

período que a lei prevê. Com isso, esse processo foi empurrado para frente, sem definir a próxima data [para entrar em vigor]. Há dois anos estávamos lutando contra essa lei porque sabíamos que as empresas usariam essa brecha. Em vez de melhorá-la, já que não era boa, o governo a piorou. Outra questão é a lei de mídia. Nós temos televisão pública, temos jornais e uma lei que diz que empresas de jornal não podem ser donas de televisão. O atual governo quer mudar isso, sob a alegação de competitividade. Os movimentos sociais e o Partido Liberal criaram uma coalizão juntamente com o Partido dos Trabalhadores e os partidos menores, mas, mesmo assim, não temos o número suficiente [no Parlamento] para deter essa lei através do processo regular. Como consequência, ocupamos a Assembleia Nacional porque não tínhamos outra opção. O governo está, então, usando a situação econômica para mudar as leis trabalhistas e as leis de mídia. Como a crise tem atingido o país?

Temos o índice do desemprego, que é muito sério. Além disso, a maior parte dos trabalhadores hoje é irregular, e nem trabalho temporário está fácil de conseguir. A indústria de automóveis, principalmente, tem reduzido o número de trabalhadores, como a Hyundai e a Kia. Uma empresa de carros chamada Ssangyong reduziu o número de trabalhadores e, agora, por dois meses, estes entraram em greve, ocuparam a fábrica. Eles não causaram nenhum problema na produção, ninguém tinha causado qualquer problema para a empresa e, de repente, perderam o emprego, foram demitidos. Por que nós vamos ter que perder nosso trabalho e eles não vão perder nada? Eles despediram mais de mil trabalhadores, metade do total. Este é um exemplo da crise e das consequências e ações dos trabalhadores.

Em termos de propostas,

“Desde que o novo governo entrou no poder, está se tornando cada vez mais difícil ir para a Coreia do Norte. O atual governo está se tornando uma obstrução para a construção de relações entre os dois países” o que surge por parte da classe trabalhadora?

Os sindicatos querem que o governo disponibilize recursos públicos para que as empresas garantam os empregos dos trabalhadores. Esta é a proposta. O governo também queria mudar a lei do salário mínimo. Nela, existe um item específico que fala que todos têm que receber o salário mínimo, com exceção das pessoas com deficiência física e as pessoas acima de 60 anos. Então, para essas pessoas, a empresa pode pagar menos do que o salário mínimo. O que quer o governo coreano é expandir essa cláusula, mas o que nós queremos é aumentar o salário mínimo e criar barreiras para qualquer tipo de exceção. É um governo extremamente desumano; o salário mínimo já é para os mais pobres, e ele ainda quer diminuir a renda daqueles que já são muito pobres. Este é um exemplo em que a desculpa é sempre a situação econômica.

Como tem sido então a relação das organizações progressistas com o novo governo?

Até dezembro de 2007, quando o novo presidente [Lee Myung-bak] entrou no poder, a gente teve um período relativamente bom. O governo anterior considerava todas as pessoas como povo e tentava mostrar que tinha a intenção de trabalhar para as pessoas comuns. Mas, agora, o atual governo praticamente retrocedeu, em mais de dez anos, para o período militar da Coreia. É uma situação semelhante à que nós tínhamos então, e temos que lutar conDouglas Mansur

Brasil de Fato – A senhora poderia comentar um pouco sobre a atual conjuntura político-econômica da Coreia do Sul?

Aehwa Kim – Acho que a Coreia não é um caso atípico em termos dessas questões. Nós tivemos os mesmos problemas que outros países. O governo sul-coreano, tanto o anterior como o atual, tem promovido tratados de livre comércio e políticas neoliberais. As questões políticas estão se tornando cada vez mais não-democráticas e, no momento, temos uma situação econômica muito difícil, como por exemplo o ín-

tra o atual governo para voltar a esses dez anos democráticos em questões trabalhistas, de direitos humanos, da mídia, em todas as áreas da sociedade. Se fazemos hoje um pequeno protesto, a reação do governo é nos prender, colocar na cadeia, o que não acontecia no período democrático. A repressão aumentou muito. Como está a relação entre as duas Coreias?

É muito importante enfatizar a relação da Coreia do Norte com a Coreia do Sul. Nos últimos dez anos, estava progredindo. Tivemos duas cúpulas entre as duas Coreias e também desenvolvemos uma relação de cooperação econômica, criando uma zona econômica especial perto da fronteira, um complexo industrial em Kaesong, localizado na Coreia do Norte. As empresas da Coreia do Sul estão investindo e iniciando operações lá. Nos últimos dez anos, nós podíamos ir para Kaesong, podíamos ir também para a capital da Coreia do Norte, que é Pyongyang, mas a população da Coreia do Norte não podia descer [para a Coreia do Sul]. No entanto, desde que o novo governo entrou no poder, está se tornando cada vez mais difícil ir para a Coreia do Norte. O atual governo está se tornando uma obstrução para a construção de relações entre os dois países. Há também a questão nuclear. A Coreia do Norte lançou alguns satélites e fez testes nucleares. Como consequência, algumas leis agora estão apertando o cerco contra ela. Os Estados Unidos fortaleceram as sanções econômicas ao país, que está se tornando mais isolado na comunidade internacional também em consequência das ações do nosso atual governo. A fronteira da Coreia do Sul com a Coreia do Norte, na realidade, é um resíduo da Guerra Fria. É o único lugar no mundo onde ainda existe esse resíduo.

Como as organizações progressistas agem em relação à Coreia do Norte? Que ações estão sendo feitas?

A ativista sul-coreana Aehwa Kim ao lado de Seung-Hun Lee, do Partido Democrático Trabalhista da Coreia do Sul

Sob nossa rede de organizações, a Aliança Coreana de Movimentos Progressistas, temos muitas organizações trabalhando nos movimentos de paz e nas questões de reunificação. Por exemplo, temos uma organização chamada Coalizão Pan-coreana, que promoveu a declaração

de 15 de junho [em 2000], quando os líderes da Coreia do Norte e da Coreia do Sul se encontraram em uma cúpula. Nessa declaração, eles determinavam uma reunificação pacífica, com respeito mútuo, e também o desenvolvimento cooperativo de relações econômicas. Isso foi um momento muito importante para dissolver um período de tensão e conflito e passar para uma relação de amizade e cooperação.

“A população da Coreia do Sul começa a ver novamente a Coreia do Norte como um país hostil, com quem ela não pode ter nenhuma relação de amizade. Isso é construído pelo governo dos Estados Unidos e também pela mídia local” Depois dessa declaração, nós pudemos desenvolver o complexo industrial de Kaesong. Os sul-coreanos costumavam pensar na Coreia do Norte como um país extremamente hostil antes dessa cúpula, mas depois disso passaram a adotar uma posição diferente. Agora, estamos entrando em uma nova fase, porque, com o novo governo, isso está sendo revertido, e a população da Coreia do Sul começa a ver novamente a Coreia do Norte como um país hostil, com quem ela não pode ter nenhuma relação de amizade. Isso é construído pelo governo dos Estados Unidos e também pela mídia local. A declaração de 15 de junho foi assinada pelos dois líderes das duas Coreias e, por isso, nós temos que lutar para manter e respeitar essa declaração. Mas o que o atual governo está fazendo é ignorála. E a Coreia do Norte pensa: “se você ignora a declaração assinada pelo antigo governo, então também não vamos poder respeitar a sua posição”. Isso significa que a Coreia do Norte começa a ver a Coreia do Sul como uma ameaça. O objetivo principal das pessoas agora é o movimento de reunificação, mas os Estados Unidos e o governo sulcoreano ignoram esse desejo. Por isso, temos que lutar contra os governos estadunidense e sul-coreano, porque eles são o principal obstáculo para a reunificação.


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