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Circulação Nacional

Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 7 • Número 359

São Paulo, de 14 a 20 de janeiro de 2010

Contra a mídia manipuladora, revolucionar a comunicação Em entrevista ao Brasil de Fato, o jornalista espanhol Pascual Serrano, um dos fundadores do meio alternativo Rebelión e autor do livro Desinformación. Cómo los medios ocultan el mundo, explica os mecanismos utilizados pela grande mídia na manipulação dos fatos. Segundo ele, diante dessa realidade, a saída para a esquerda é criar veículos de comunicação próprios, em vez de esperar espaços na imprensa comercial. Pág. 11

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De olho nas eleições, direita ataca direitos humanos e pressiona Lula O lançamento do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3) causou alvoroço entre militares e a oposição de direita ao governo. O ministro Nelson Jobim (Defesa) ficou ao lado dos militares, chamou o plano de “revanchista” e ameaçou deixar o cargo. Já o ministro Paulo Vanucchi (Direitos Humanos) também expôs a possibilidade de sair caso as organizações de esquerda

da época da ditadura viessem a ser investigadas. Com a reação de setores conservadores, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi pressionado e deve alterar alguns pontos do projeto. Para o jurista Fábio Konder Comparato, a principal motivação dos críticos ao programa é eleitoral, já que o governo FHC também lançou medidas parecidas. Págs. 2, 4 e 5

Rafael Andrade/Folha Imagem

Escavadeira trabalha na remoção de terra e escombros no Morro da Carioca

Fórum Social Mundial enfrenta os seus limites

Desastre em Angra revela oportunismo e descaso Mortes como as ocorridas na virada Do ano no litoral do Rio de Janeiro são resultado de décadas de omissão por parte de governos. Por impulsos eleitoreiros, todo o planejamento urbano é deixado de lado e não se determinam quais regras servirão para ordenar as expansões urbanas. Deslizamentos na Serra do Mar são parte integrante de sua dinâmica geológica, mas se intensificam com o “fator humano”. Pág. 3

Espaço criado no auge do neoliberalismo para discutir a “verdade única” propagada em Davos, o Fórum Social Mundial chega à sua 10ª edição diante do desafio de buscar diferentes articulações entre seus membros numa nova ordem mundial. A análise é de Bernard Cassen, presidente de honra da Attac França. Pág. 7 Nelson Antoine/Folhapress

Reprodução

Na Colômbia, o terrorismo de Estado de Uribe

Transporte precário e caro em SP Na cidade de São Paulo, o preço da tarifa passou de R$ 2,30 para R$ 2,70 no dia 4. É o segundo reajuste realizado pelo prefeito Gilberto Kassab (DEM). Nas duas ocasiões, o índice superou a inflação do período. Pág. 6

A situação dos direitos humanos na Colômbia é a mais grave do hemisfério ocidental. A contundente afirmação é de quem viveu o drama na pele: Iván Cepeda, porta-voz do Movimento de Vítimas dos Crimes de Estado (Movice). Em entrevista, ele denuncia as constantes violações cometidas pelo governo do presidente Álvaro Uribe e o paramilitarismo, cujas vinculações vêm saindo cada vez mais à luz. Pág. 9

Estádio Greenpoint, construído para a Copa do Mundo de 2010 na Cidade do Cabo, África do Sul

Presidencia de la Nación Argentina

Mídia argentina tenta manter seu monopólio

Cristina Kirchner em reunião da Comissão de Radiodifusão Democrática

A nova lei de comunicação na Argentina, que destina 33% das licenças de rádio e TV para emissoras comunitárias, faz a direita atacar o governo Kirchner. Já a esquerda se articula para fazer valer a legislação, pois a lei concede a licença, mas não recursos para montar as emissoras. Pág. 10

O apartheid na distribuição de terras Mesmo após duas décadas do fim do apartheid na África do Sul, a extrema desigualdade entre brancos e negros permanece. No campo, tal situação é evidencia-

da pela grande concentração de terras que ainda persiste, como relata a repórter Ana Maria Amorim. A exclusão a que os negros foram submetidos por meio de leis que

os expulsaram de seus territórios vem sendo revertida muito lentamente pelos últimos governos. Atualmente, apenas 5% das terras foram redistribuídas. Pág. 12 Reprodução

ISSN 1978-5134

O espaço e o instante das Revoluções

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de 14 a 20 de janeiro de 2010

editorial APROVEITANDO-SE das férias do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do recesso do Legislativo em todas as esferas, bem como do Judiciário – então à mercê apenas do seu presidente, doutor Gilmar Mendes – que dispensa apresentações; aproveitando-se, sobretudo da desmobilização das organizações e movimentos da sociedade civil, no dia 30 de dezembro, o doutor Nelson Jobim desferiu seu golpe: fez vazar ou plantou (isto ainda não ficou muito claro) através do jornal O Estado de S. Paulo, a notícia de que no dia 22 de dezembro, foi encontrar o presidente da República na Base Aérea de Brasília para lhe entregar uma carta de demissão do cargo. Os três comandantes das Forças Armadas, em solidariedade ao ministro, decidiram que também deixariam os cargos, caso se concretizasse sua saída. Lamentavelmente – para nós e todos os trabalhadores e o povo brasileiro – não houve um intermediário que recebesse as quatro cartas e encarnasse o papel do deputado Pedroso Horta em 1961, quando da renúncia do presidente Jânio Quadros, e consumasse a intenção do doutor Jobim. O motivo que teria levado o ministro ao gesto seria o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (3º PNDH), elaborado pelo ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), Paulo Vanucchi, feito público na véspera, em soleni-

debate

O golpe do ministro Jobim contra o presidente da República dade oficial da qual participaram o presidente da República e diversos ministros. “Quem brincava de princesa acostumou com a fantasia” De acordo com o ministro Jobim, o PNDH3 é “revanchista”, por prever constituição da Comissão de Verdade e Justiça, que poderá encaminhar (dependendo de sua aceitação pela presidência; da manifestação do STF sobre o alcance da Lei de Anistia; e da aprovação do Programa pelo Congresso) a apuração e punição dos crimes cometidos contra os opositores do regime pós-1964 por agentes do Estado – a maioria dos quais, militares de diversas patentes, mas também voluntários civis organizados em grupos clandestinos paramilitares. Ou seja, atropelando as atribuições dos três poderes da República, o doutor Jobim tenta golpear, de uma só vez, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, e se impor como a luz suprema. Para tanto, acostumado aos carros alegóricos, pensa que pode tratar a República como qualquer cocote da Belle Époque – uma Bela Otero ou uma Lianne de Pougy

– trataria um amante que não mais lhe conviesse, ou ao qual pretendesse chantagear. E foi assim que o ministro Jobim tratou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em primeiro lugar, o doutor Jobim já conhecia o PNDH3 de há muito, pois esse plano foi discutido e aprovado em 2008, na 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos (CNDH), como é praxe desde a construção do PNDH1, ainda no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, cujo ministro da Justiça era o próprio doutor Jobim (Não, não ria, leitor – é verdade.). As CNDHs são compostas de representantes da sociedade civil e de instâncias governamentais. Na 11ª CNDH, o PNDH3 foi aprovado por 29 votos contra 2. E esses dois votos contrários foram exatamente dos dois representantes do Ministério da Defesa. Ou seja, caso se tratasse de uma pessoa séria e leal, o ministro Nelson Jobim teria buscado negociar com o presidente antes do lançamento público do Programa, no dia 21 de dezembro, e/ou investiria no jogo democrático do julgamento pelo STF sobre o alcance da Lei de Anistia,

Vidas soterradas Fernão Lopes

Casas destruídas pelas chuvas e enchentes na Favela do Sapo, em São Paulo

e disponibilizadas, tanto no âmbito da abordagem preventiva como da corretiva. Cartografia Geotécnica (indicando as áreas que não podem ser ocupadas em hipótese alguma e as áreas passíveis de ocupação, uma vez obedecido um elenco de restrições e providências), tipologia de obras de contenção mais adequadas, projetos de ocupação urbana apropriados a áreas topograficamente mais acidentadas, Cartas de Risco, metodologia e tecnologia de Planos de Defesa Civil e tudo o mais que se refere à questão são parte do ferramental que o meio técnico brasileiro abundantemente já produziu e disponibilizou à sociedade para o enfrentamento do problema. No que concerne às componentes sociais, políticas e econômicas do problema, é essencial ter-se em conta que a população mais pobre, compelida a buscar soluções de moradia compatíveis com seus reduzidos orçamentos, tem sido compulsoriamente obrigada a decidir-se jogando com seis variáveis, isoladas ou concomitantes: grandes distâncias do centro urbano, áreas de periculosidade, áreas de insalubridade, irregularidade imobiliária, desconforto ambiental, precariedade construtiva. Somem-se a isso loteadores inescrupulosos, total ausência da administração pública, inexistência de infraestrutura urbana, falta de sistemas de drenagem e contenção e outros tipos de cuidados técnicos etc. Ficam assim diabolicamente atendidas as condições necessárias e suficientes para a inexorável recorrência de nossas terríveis tragédias geotécnicas. Ou seja, em que pese a necessidade dos serviços públicos melhora-

“Bananeira não dá laranja Coqueiro não dá caju” Ora, mas o que esperar de um senhor que chega ao Ministério depois

crônica

Álvaro Rodrigues dos Santos

COMO UM “CARMA” já desgraçadamente internalizado pela sociedade brasileira, especialmente por suas autoridades públicas e privadas e por sua mídia, repetem-se anualmente à época das chuvas mais intensas as tragédias familiares com terríveis mortes por soterramentos. A dor e o sofrimento causados por essas tragédias expressam uma crueldade ainda maior ao entendermos que poderiam ser plenamente evitadas. Há casos de edificações associadas à classe média e à classe rica cometendo erros elementares na ocupação de relevos acidentados, e colhendo por isso consequências trágicas. Mas predominantemente os desastres mais comuns e fatais estão vinculados a escorregamentos em encostas de média a alta declividades ocupadas habitacionalmente pela população pobre de nossas grandes e médias cidades, Rio, Belo Horizonte, São Paulo, Salvador, Recife, Petrópolis, Nova Friburgo, Campos do Jordão, Ouro Preto, Cubatão, Guarujá, Angra dos Reis, Caraguatatuba, enfim, todas as cidades brasileiras que de alguma forma avançam sobre regiões serranas tropicais. A exemplo das enchentes, das quedas de barreiras em nossas estradas, dos rompimentos de barragens, dos diversos e cada vez mais comuns acidentes em obras de engenharia, tudo continua se passando como se definitivamente e estupidamente decidíssemos não considerar que nossas ações sobre os terrenos naturais interferem numa natureza geológica viva, que tem história, leis, comportamentos e processos dinâmicos próprios; natureza geológica que uma vez desconsiderada e desrespeitada responde procurando, à sua maneira, recompor-se dos desequilíbrios que lhe foram impostos. Os escorregamentos representam exatamente isso: a natureza geológica procurando novas posições de equilíbrio. Para uma mais precisa compreensão do problema e para o correto equacionamento de sua solução, é indispensável considerar separadamente dois aspectos fundamentais, mas bem diversos, dessa questão; o fator técnico e o fator político-socialeconômico. Frente ao ponto de vista estritamente técnico, e aí se ressalta o descompromisso das administrações públicas e privadas envolvidas, vale afirmar categoricamente que não há uma questão técnica sequer relacionada ao problema que já não tenha sido estudada e perfeitamente equacionada pela Engenharia Geotécnica e pela Geologia de Engenharia brasileiras, com suas soluções resolvidas

e/ou na votação no Congresso do PNDH3. Ou, pelo menos, esperaria o presidente voltar de suas curtas férias de festas de final de ano para retomar a discussão. Mas estas são atitudes de Homens com H maiúsculo, o que certamente não é o caso dos que defendem torturadores, assassinos e todo tipo de celerados do período ditatorial, cuja impunidade reverbera hoje nas diversas chacinas no campo contra os trabalhadores rurais, ou nas periferias das grandes cidades, como a de maio de 2006 (os chamados Crimes de Maio), quando agentes da repressão do Estado de São Paulo invadiram bairros das periferias e assassinaram ao esmo cerca de 500 pessoas. E esses crimes, nas cidades ou no campo, continuam impunes. Assim como não defendem criminosos, Homens com H maiúsculo (bem como Mulheres com M maiúsculo) não traem os governos a que servem.

rem em muito sua eficiência técnica e logística no tratamento do problema “áreas de risco”, não há como se pretender resolver essa questão somente através da abordagem técnica. A questão também remete pesadamente para a necessidade de programas habitacionais mais ousados e resolutivos, que consigam oferecer à população de baixa renda moradias próprias na mesma faixa de custos em que ela as encontra nas situações de risco geológico. Esses programas habitacionais poderiam reunir virtuosamente dois casos técnico-sociais de comprovado sucesso: o lote urbanizado e a autoconstrução tecnicamente assistida. A autoconstrução foi o método construtivo espontaneamente adotado pela própria população de baixa renda e que maior sucesso alcançou no atendimento de suas carências habitacionais, mesmo sem assistência técnica alguma ou qualquer outro tipo de apoio. Hoje, as periferias de nossas grandes cidades são verdadeiros oceanos de autoconstruções. Com certeza, um programa desse tipo, diferentemente dos programas mais clássicos, seria capaz de atender com habitações dignas e fora de áreas de risco, com razoável rapidez, centenas de milhares de famílias de baixa renda em todo o país. Álvaro Rodrigues dos Santos é geólogo, ex-diretor de planejamento e gestão do IPT e ex-diretor da divisão de geologia. Autor dos livros Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática, A Grande Barreira da Serra do Mar, Cubatão e Diálogos Geológicos. É consultor em geologia de engenharia, geotecnia e meio ambiente.

de seus pares provocarem uma crise nos aeroportos que culminou com um dos maiores desastres aéreos do país, com um saldo de mais de 200 mortos No dia 11, o presidente Lula voltou à ativa. Sua primeira declaração (ou, pelo menos, que lhe atribuiu a grande mídia comercial) a respeito da crise gerada pelo ministro Jobim, foi um tanto chocha – quiçá, decepcionante. Teria criticado igualmente o ministro Jobim e o ministro Paulo Vanucchi por suas manifestações e teria sugerido substituir o termo “repressão” por “conflitos”. Ora, qualquer termo que nivele os agentes do terror de Estado da ditadura aos que a combatiam; que nivele o arrivista e sem escrúpulos Nelson Jobim ao ministro Paulo Vannuchi – cuja biografia e militância se têm pautado desde sempre pelo alinhamento às causas do povo, dos trabalhadores e da democracia – certamente serão intoleráveis para a sociedade civil, que prepara para o dia 14 um dia nacional de luta em defesa do PNDH3 e da criação da Comissão de Verdade e Justiça – e, portanto, também do ministro Vanucchi. Esperamos que o presidente tenha voltado de suas férias inspirado e que, a partir da nossa próxima edição, possamos nos referir a um “exministro da Defesa de nome Nelson Jobim, hoje presidente de uma empresa multinacional de aviação ou de exploração do pré-sal”.

Frei Gilvander Moreira

Chuva não castiga ninguém NOS PRIMEIROS dias de janeiro, a população brasileira viu-se aterrorizada por notícias nos grandes meios de comunicação, tais como: chuvas castigam o Estado do Rio de Janeiro, onde deslizamentos de encostas na Ilha Grande e na cidade de Angra dos Reis fizeram centenas de vítimas, sendo mais de 50 mortos; chuvas em demasia castigam o Rio Grande do Sul, onde uma ponte sobre o rio Jacuí, na RS-287, desabou. Muitas pessoas que estavam sobre a ponte desapareceram. Várias pessoas foram resgatadas e outras continuam desaparecidas; chuva torrencial arrasou o conjunto urbanístico histórico de São Luis do Paraitinga, em São Paulo, onde inclusive uma igreja centenária desabou. Estes são estragos provocados pelas mudanças climáticas, eufemisticamente consideradas pela mídia como “chuvas intensas” e comprovadamente acima das médias regionais, em várias regiões do país. As notícias, acima referidas, deixam claro que não há como se sentir totalmente seguro em vista das mudanças climáticas em curso. Construções de concreto se derretem em vista da força das águas. Tudo o que era de concreto desmanchou como papel diante dos olhos perplexos da população. A conclusão a que chegamos é que não existe mais tecnologia 100% eficiente e eficaz diante de tantas mudanças desmedidas nos fenômenos naturais. “Tudo o que era sólido se desmancha no ar”, já alertava Marx no Manifesto Comunista. Se pensarmos bem, veremos que as notícias veiculadas da forma como referidas acima são grandes mentiras. Primeiro, porque a chuva é benfazeja, cai sobre justos e injustos (Mt 5,45), é reflexo da bondade de Deus, que é infinito amor. Deus rega com a chuva a terra que deu como herança ao seu povo (I Rs 8,36). “Mandarei chuva no tempo certo e será uma chuva abençoada” (Ez 34,26), assim o profeta Ezequiel consola o povo em tempos de exílio e de escassez de chuva. A sabedoria do povo da Bíblia reconhece que Deus, solidário e libertador, “através a chuva alimenta os povos, dando-lhes comida abundante.” (Jó 36,31). Na Bíblia se fala de chuva mais de cem vezes. Até no dilúvio, a chuva é vista como purificadora (cf. Gênesis 6 a 9). Sob o império dos faraós no Egito, a chuva de granizo é vista como uma praga em cima dos opressores e como uma dádiva de Deus que liberta da opressão (cf. Gênesis 9 e 10). A chuva não castiga e nem desabriga ninguém, apenas revela uma injustiça socioeconômica e política existente anteriormente. Logo, quem castiga e desabriga, em última instância, é o sistema capitalista, que descarta as pessoas e as condena a sobreviverem em encostas e áreas de risco. Quem é atingido quando a chuva chega exageradamente, salvo exceções, são as famílias que tiveram seus direitos humanos – direito à moradia, ao trabalho, à educação, a um salário justo, ao meio ambiente equilibrado e à dignidade – desrespeitados pelo capitalismo neoliberal e por pessoas que adoram o deus capital, o maior ídolo da atualidade. O falso evangelho capitalismo inicia-se assim: “No princípio está o capital. No meio está a concorrência, a competição. No fim está a acumulação, a concentração de renda, de riqueza e de poder.” Capital é dinheiro investido para gerar mais dinheiro. A Campanha da Fraternidade de 2010, com o tema Economia e Vida e com o lema “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24) propõe um evangelho para todo o povo e para toda a biodiversidade: No princípio está a vida. No meio, os meios necessários para efetivar a vida. No fim, o bem-estar de todos e tudo. Não apenas a vida do ser humano e nem só de alguns, mas de todas as pessoas e de todos os seres vivos. Logo, urge construir uma sociedade sustentável, na qual a preservação dos bens naturais seja o carro-chefe, e não o crescimento econômico só para alguns. Um desafio inadiável é percebermos as relações entre as tempestades e o aquecimento global, entre o aquecimento global e o efeito estufa, entre o efeito estufa e a emissão de fases CO2 e outros, entre a emissão de gases CO2 e outros e o modelo industrial vigente (capitalismo neoliberal), entre o capitalismo neoliberal e a mentalidade ocidental conquistadora, e a relação desta com o ser humano, seu Criador e todas as outras criaturas. Logo, dizer que “a chuva castiga” é reducionismo que esconde o maior responsável por tanta dor e tanto pranto: o sistema capitalista. Frei Gilvander Moreira é mestre em Exegese Bíblica, professor de Teologia Bíblia, assessor da CPT, CEBs, SAB e Via Campesina.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Igor Ojeda, Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Daniel Cassol, Eduardo Sales de Lima, Leandro Uchoas, Mayrá Lima, Patricia Benvenuti, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, Vinicius Mansur • Assistente de Redação: Michelle Amaral • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Aurelio Fernandes, Delci Maria Franzen, Dora Martins, Frederico Santana Rick, José Antônio Moroni, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Sávio Bones, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800


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brasil Rafael Andrade/Folha Imagem

Moda Praia 2010: caos habitacional

Área afetada por deslizamento de terra no Morro da Carioca, em Angra dos Reis (RJ), na véspera do ano novo

DESMORONAMENTOS Mortes em Angra dos Reis lançam luz sobre a omissão do Poder Público, a falta de planejamento urbano e o favorecimento à especulação imobiliária Eduardo Sales de Lima da Redação NO CENTRO DE Angra dos Reis (RJ), uma encosta cedeu e deslizou por cima de casas no morro da Carioca. Na Ilha Grande, o desmoronamento ocorrido por conta das chuvas encobriu a pousada Sankay, lotada de turistas, e mais sete casas, na enseada do Bananal. Ao todo, 52 pessoas morreram na madrugada do dia 1º de janeiro de 2010. Num primeiro instante, muitos culpariam (como culparam, de fato) as chuvas torrenciais do réveillon. Mas, antes de analisar tais desastres, é preciso ter algumas informações básicas. Por exemplo: na Serra do Mar, o solo é naturalmente instável, as chuvas são recorrentes, e os deslizamentos de terra são comuns e aumentam com a ação humana. Portanto, segundo especialistas, mortes como as ocorridas em Angra resultam de décadas de omissão por parte de governos municipais e estaduais, que minimizaram os impactos ambientais e humanos ao permitirem ocupações irregulares, sejam de famílias pobres, de classe média e ricas, sejam de empreendimentos turísticos. A situação é tão grave que, somente na praia Vermelha, em Ilha Grande, que pertence a Angra, foram mapeados cerca de 250 pontos com construções em áreas de risco pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea). Ou seja, em regiões como esta, em que os deslizamentos são parte integrante da dinâmica geológica natural, o solo ainda sofre com o “fator humano” de “instabilização” de uma encosta, que “é o corte que é feito no terreno para produzir um patamar plano a receber a edificação”, como explica Álvaro Rodrigues dos Santos, geólogo, ex-diretor do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e autor do livro A Grande Barreira da Serra do Mar. De acordo com ele, há uma série de outras ações associa-

das à ocupação urbana que contribui para a ocorrência de escorregamentos, como desmatamentos, cortes, concentrações de drenagem superficial, fossas de infiltração, depósitos de lixo e outros resíduos urbanos. “São verdadeiras tragédias anunciadas”, conclui. Fato é que poucos municípios têm o mapeamento de áreas de risco, que são essenciais à cidade que pretenda realmente ordenar sua expansão urbana. Segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo, das 10 mil casas já legalizadas pelas prefeituras locais da Baixada Santista e do litoral norte paulista, pelo menos metade desrespeita algum tipo de legislação e está em situação irregular.

“A vinda do pobre se torna oportunidade para pedir contrapartidas que nada têm a ver com a situação do pobre” Governos “gigolô”

Angra (RJ) e Paraty (RJ), entre outras cidades, experimentaram, a partir dos anos de 1970, um grande crescimento imobiliário por causa da conclusão da rodovia RioSantos. A partir de então, intensificou-se o processo de ocupações irregulares nessas cidades. E tem de tudo. Desde famílias pobres até os grandes empreendimentos turísticos. Por razões eleitoreiras e financeiras e pela omissão das administrações públicas, municipais e estaduais, deixam de lado o planejamento e não determinam regras claras para ordenar suas expansões urbanas. Mesmo assim, o governo do Rio de Janeiro culpou a migração e a

ocupação desordenada da cidade do litoral sul do Estado e não citou que a ocupação irregular também é fruto de uma intensa especulação imobiliária. A prefeitura quer sempre aumentar sua receita, sem que para isso invista em infraestrutura. “No Brasil, temos proliferação de ‘gigolô de pobre’, e isso às vezes se torna até cultura institucional”, afirma Roberto Smeraldi, diretor da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) Amigos da Terra. Como exemplo, ele cita o fato de que, em 2009, a prefeitura de Angra cobrou da Usina Eletronuclear somente a pavimentação de estradas como modo de mitigar os fluxos migratórios que a empresa gera. “A vinda do pobre se torna oportunidade para pedir contrapartidas que nada têm a ver com a situação do pobre. Por acaso a prefeitura pediu algum investimento da Eletronuclear em segurança, habitação, emprego etc.? Não, é royalties e asfalto”, dispara. De acordo com Smeraldi, além da vista grossa por partes das diferentes instâncias governamentais em relação ao crescimento populacional nas áreas de risco, o incentivo das gestões públicas à permanência nessas áreas é fomentado por interesses eleitoreiros. “O incentivo era baseado em estimular o pessoal a ocupar em troca de garantia política de perdão [da ocupação irregular], com o qual se pleiteia o voto. Ou seja, trata-se de uma fábrica de votos que tem sua origem no fato de colocar as pessoas em situação de ilegalidade de maneira a obter vantagens políticas”, aponta. “Gigolô” elite

Enquanto os pobres são “prostituídos” pelo “gigolôgoverno”, as pessoas mais abastadas, por sua vez, obtêm um afago menos danoso, mais identificado com a classe social de seus representantes. O decreto n° 41.921 da Área de Proteção Ambiental de Tamoios, que flexibiliza construções em áreas de encostas, foi assinado em junho do ano passado pelo governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. “O decreto libera concessões nas áreas mais valorizadas da Ilha Grande e da sua baía, atendendo aos interesses da especulação imobiliária e co-

locando em risco todo o ecossistema da região. E só ficou conhecido pela população como um decreto ruim infelizmente devido a essa tragédia que tirou tantas vidas humanas”, afirma o deputado estadual do Rio de Janeiro Alessandro Molon (PT). “O decreto atendia a grandes interesses imobiliários e não se referia à ocupação de áreas por pessoas pobres”, conclui. A ex-vereadora de Angra dos Reis Conceição Rhaba acrescenta um agravante ao bojo da política local para além do pagamento de propinas aos responsáveis pela fiscalização das áreas de proteção ambiental na cidade e do decreto do governador Sérgio Cabral. “Os próprios vereadores são financiados por empresas de material de construção”, revela. Especular sempre

Mesmo em um dos momentos mais tristes pelo qual Angra dos Reis já passou, há espaço para a omissão dos governos. “Já está ocorrendo a demolição das casas do centro da cidade. Mas não temos definição do governo se essas famílias vão ser reassentadas para as áreas planas”, conta Conceição. No centro da cidade, 120 casas devem ser demolidas. Outras 500 devem ser revistadas. Mais de 2 mil pessoas tiveram que abandonar suas residências. Umas foram para as casas de amigos ou parentes ou estão nos abrigos do município. Segundo Conceição, o governo dá um aluguel social de R$ 510, deixando que as famílias procurem sozinhas as novas casas, sem dar mais nenhum tipo de apoio. Apesar do desejo de deixarem os abrigos o mais rápido possível, elas reclamam da dificuldade de encontrar um apartamento de até R$ 510. Por isso, Conceição acredita que falta, além da busca por recursos, capacidade de planejamento por parte do governo municipal. “Deve-se reassentar as famílias com infraestrutura”, defende. De acordo com Roberto Smeraldi, da ONG Amigos da Terra, o que ocorreu em Angra dos Reis (RJ) poderia ter acontecido em milhares de outras regiões do Brasil, não somente no litoral. Cerca de 40 milhões de moradores pelo Brasil afora residem em áreas irregulares, como encostas e várzeas.

Rio-Santos, feita para desmoronar Segundo geólogo, projeto de construção da rodovia foi “desastroso” por “encaixar” o asfalto através de cortes nas encostas da Redação A ligação rodoviária entre Rio de Janeiro e Santos, concluída em 1971, criou um consenso entre engenheiros e geólogos. Ao se construir platôs de concreto para a estrada (extensões de terrenos planos) que atravessavam áreas de taludes (inclinações) com vegetação muito densa, houve o enfraquecimento do terreno, devido à retirada da mata virgem e à sobrecarga do solo abaixo dos platôs. Isso causa deslizamentos e facilita rompimentos do asfalto nas épocas de chuvas.

“A migração é o principal impacto de qualquer grande canteiro de obra, seja uma barragem, uma estrada, um porto (...)” O geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), explica que, no caso das estradas que atravessam terrenos da Serra do Mar, região onde os escorregamentos são parte integrante de seu comportamento geológico natural, até antes da rodovia dos Imigrantes (que liga a cidade de São Paulo à Baixada Santis-

ta) “adotou-se generalizadamente a temerária concepção de estrada encaixada por cortes nas encostas”. “Essa concepção se mostrou desastrosa, e ainda por muito tempo nossas estradas assim foram construídas, como via Anchieta, Rio-Santos, via Dutra, Tamoios, Mogi-Bertioga etc., e vão pagar, pela constância de escorregamentos, um alto preço pela imprudência tecnológica (em parte justificada pelos parcos conhecimentos geológicos e geotécnicos da época) cometida”, analisa. De acordo com ele, o expediente técnico utilizado para não se tocar nas encostas instáveis foi o “privilégio dado a túneis e viadutos”. O geólogo defende que não se pode aceitar que as construções de novas estradas na Serra do Mar, como as anunciadas duplicações da via Dutra na Serra das Araras, da RioSantos, da Tamoios, cometam os “absurdos erros antigos”. Segundo ele, tais vias devem “também se desenvolver basicamente por meio de túneis e viadutos”. Impactos Em relação à rodovia RioSantos, Roberto Smeraldi, diretor da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) Amigos da Terra, critica outra consequência dessa grande obra. Segundo ele, o impacto ambiental causado pela migração humana após as conclusões da obra não foi levado em conta quando se fez o licenciamento ambiental para a construção da rodovia. “A migração é o principal impacto de qualquer grande canteiro de obra, seja uma barragem, uma estrada, um porto, uma usina térmica ou nuclear. Mas simplesmente não faz parte do licenciamento. Vejam os termos de referência das usinas do rio Madeira: nada. E tem mais de 100 mil pessoas se mudando para lá”, destaca Smeraldi. A obra, segundo ele, deveria compensar as consequências sociais e ambientais que gera. (ESL)




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brasil

Ônibus em São Paulo fica ainda mais caro

fatos em foco

Hamilton Octavio de Souza

Direita raivosa

TRANSPORTE Serviço, que já é o terceiro maior no orçamento familiar, sobe acima da inflação Nelson Antoine/Folhapress

Michelle Amaral da Redação NO PRIMEIRO DIA útil deste ano, passou a vigorar na cidade de São Paulo o novo valor da passagem de ônibus municipal. O aumento aplicado pela prefeitura fez com que a tarifa passasse de R$ 2,30 para R$ 2,70, um reajuste de 17,4%. O anúncio do aumento das passagens foi feito pelo prefeito Gilberto Kassab (DEM) em outubro de 2009, a princípio sem revelar o quanto aumentaria. O reajuste só foi confirmado pelo democrata no dia 20 de dezembro. Segundo nota da prefeitura, o aumento “corresponde apenas à defasagem provocada pela inflação desde novembro de 2006, quando foi feito o último reajuste”. Durante a gestão de Kassab, esta é a segunda vez que a tarifa dos ônibus municipais é reajustada. O primeiro aumento foi no final de 2006, quando de R$ 2,00 passou a R$ 2,30 – reajuste de 15%. Nas duas ocasiões, o índice superou a inflação do período: no primeiro reajuste, de 15%, a inflação segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de aproximadamente 7%, em relação a março de 2005 e novembro de 2006; no aumento deste ano, de 17,4%, o IPCA foi de 15,36%, entre novembro de 2006 e dezembro de 2009. Impacto Rafael Pacchiega, militante do Movimento Passe Livre (MPL-SP) e da Rede contra o Aumento da Tarifa, chama a atenção para o impacto que esse aumento trará à população que depende do transporte público. “As pessoas têm dificuldade de pagar a passagem do ônibus, muitas não utilizam o transporte de forma ampla, como para lazer e cultura, e outras não conseguem pagar as tarifas e acabam se locomovendo a pé. O impacto [do aumento] é claro”. Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 20022003 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o transporte ocupa o terceiro lugar na relação de gastos das famílias brasileiras. “Para famílias mais pobres, o transporte chega a ser o segundo maior gasto, depois de despesas com moradia, como pagamento de aluguel”, completa Pacchiega. Com o reajuste das passagens dos ônibus municipais, o valor da integração feita com o metrô também aumentou, de R$ 3,65 para R$ 4,00. Para os trabalhadores que não dispõem de valetransporte, caso dos autônomos e das pessoas sem registro em carteira de trabalho, e que dependem de ônibus e metrô para se locomoverem, se utilizarem, em média, duas integrações por dia, terão gasto mensal de R$ 240, o que representa quase a metade do salário mínimo, que é de R$ 510 desde o dia 1º. A despesa com transporte público dos paulistanos ainda deverá aumentar nos próximos meses, já que a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô), a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e empresas de ônibus intermunicipais anunciaram que também reajustarão o valor de suas tarifas. Contradições Em entrevista a uma rádio paulista, Kassab disse que “o ideal é que o transporte público fosse gratuito”, mas completou defendendo que na capital paulista o valor da tarifa “é comparativamente barato”. Mas, em relação às outras capitais brasileiras, São Paulo passa a figurar entre os valores mais altos de tarifas de ônibus, atrás somente de Florianópolis (SC), cuja tarifa é de R$ 2,80. Rafael Pacchiega critica a forma como a administração de Kassab trata o transporte público, a partir de uma concepção financeira. “Lidar com o transporte como questão econômica não é lidar com o transporte como um direito”, conta. O engenheiro Lúcio Gregori, que foi secretário de transportes

O recente ataque da direita contra o 3º Plano Nacional de Direitos Humanos nasceu dentro do próprio governo federal e recebeu imediato respaldo dos setores mais conservadores da sociedade, do empresariado e da mídia neoliberal. Essa poderosa articulação já investiu contra direitos trabalhistas e sociais, movimentos populares, reforma agrária, distribuição da renda e tudo que reduza a injustiça e a desigualdade. O que dá tanta força para essa direita?

Questão central Embora as críticas da direita ao 3º Plano de Direitos Humanos sejam bem variadas (desde a descriminalização do aborto e a união civil entre pessoas do mesmo sexo até a reintegração da posse da terra e o imposto sobre grandes fortunas, passando pelo controle da mídia), o que pega mesmo é o esclarecimento da tortura na ditadura civilmilitar (1964-1985), que teve o envolvimento direto das Forças Armadas e das polícias, com o apoio de muitos políticos e empresários.

Crise militar O jornalista e escritor Carlos Heitor Cony, que foi preso político durante a ditadura, foi direto ao ponto em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo (12/01/2010): “A melhor forma de os militares pedirem perdão à sociedade é admitir os erros do passado e garantir que a distorção profissional não mais se repetirá”. O Brasil é o único país do Cone Sul que ainda não apurou, não esclareceu e não julgou os crimes de lesa-humanidade. Até quando? Polícia reprime manifestação contra o aumento da tarifa dos ônibus em São Paulo

Em entrevista a uma rádio paulista, Kassab disse que “o ideal é que o transporte público fosse gratuito”, mas completou defendendo que na capital paulista o valor da tarifa “é comparativamente barato” entre 1990 e 1992, durante a gestão da prefeita Luiza Erundina (então no PT), afirma que o cálculo da prefeitura para se chegar ao reajuste deveria ser discutido e levado para a aprovação de um conselho integrado por entidades econômicas, como a Fundação Instituto de Pesquisas Eco-

nômicas (Fipe) e a Fundação Getúlio Vargas (FGV), os sindicatos da categoria e representantes da sociedade civil. “Caso contrário, a tarifa, que é um preço público, na verdade resulta de um cálculo ao qual a sociedade não tem acesso e nem pode interferir”, resume.

MPL articula manifestações contra o aumento Movimento acredita que, com pressão popular, seja possível motivar uma ação pelo Ministério Público para barrar o reajuste da Redação O Movimento Passe Livre e a Rede contra o Aumento da Tarifa têm organizado ações para enfrentar o reajuste da tarifa de ônibus em São Paulo desde outubro de 2009, quando o aumento foi anunciado pelo prefeito Gilberto Kassab (DEM). No dia 26 de outubro, integrantes do MPL se acorrentaram em frente à Secretaria Municipal de Transportes para manifestar seu descontentamento com o aumento das tarifas de ônibus. Além disso, o movimento tem realizado panfletagens e atos nos terminais do Campo Limpo e Parque Dom Pedro. Com a efetivação do reajuste, no dia 4 de janeiro, quando a tarifa passou de R$ 2,30 para R$ 2,70, o movimento passou a intensificar a luta contra a medida da administração municipal. Até o mês de fevereiro, o MPL realizará manifestações todas as quintas-feiras à tarde no centro de São Paulo, partindo do Teatro Municipal em direção ao Terminal Parque Dom Pedro. Repressão Na primeira dessas manifestações, realizada no dia 7, os manifestantes sofreram forte re-

pressão da Polícia Militar (PM), que impediu o acesso dos manifestantes ao terminal de ônibus. Quatro manifestantes foram detidos e outros foram feridos e tiveram de ser hospitalizados. Segundo Lucas Monteiro, militante do MPL e integrante da Rede contra o Aumento da Tarifa, o confronto com a PM começou quando os manifestantes tentaram entrar no terminal. “Conseguimos ir até a entrada [do terminal], uma parte [dos manifestantes] entrou. Aí a PM veio com cassetete, spray de pimenta, bala de borracha e bomba de efeito moral”, relata. Durante a ação, um policial chegou a sacar sua arma de fogo. Pressão popular De acordo com Rafael Pacchiega, integrante do MPL e da Rede, o objetivo das ações é mobilizar a população contra o reajuste da tarifa e, dessa forma, fazer com que a pressão popular chegue até o Ministério Público e os vereadores. “A intenção é conseguir que o Ministério Público e os vereadores se posicionem perante a população sobre o aumento”, detalha. Assim, Pacchiega acredita que possa haver uma “ação através do Ministério Público contra o aumento”.

Para Pacchiega, na administração de um serviço que deveria ser público, “a prefeitura acaba assumindo a posição das empresas privadas”, por isso a população não participa das resoluções do transporte, como o aumento da tarifa. Além do reajuste, o orçamento de Kassab para 2010 inclui R$ 360 milhões a serem repassados às empresas de transporte na forma de subsídios. Lucas Monteiro, militante do MPL, pondera que “enquanto a lógica do transporte público for de transporte pago mediante tarifa, os aumentos vão continuar acontecendo sempre”. Ele explica que o transporte coletivo é um direito básico da população e deveria ser tratado como um serviço público e gratuito.

O militante conta que a Rede baseia sua conduta no que foi alcançado em outras duas capitais brasileiras contra o reajuste da tarifa de ônibus através da pressão popular. Em Florianópolis (SC), em 2004 e 2005, através de mobilizações realizadas pelo MPL e a população, o aumento foi barrado por meio de ação do Ministério Público. Em Vitória (ES), após um mês de mobilizações, conseguiram derrubar o reajuste.

“Conseguimos ir até a entrada [do terminal], uma parte [dos manifestantes] entrou. Aí a PM veio com cassetete, spray de pimenta, bala de borracha e bomba de efeito moral” Monteiro, no entanto, pondera que o resultado das ações na capital paulista “depende de qual vai ser a capacidade da Rede de fazer pressão política contra o governo para barrar o aumento”. Segundo ele, “agora a perspectiva é bem melhor que em 2006” – em que as manifestações realizadas não conseguiram impedir o reajuste –, porque há o mês de janeiro para ampliar o debate e o início das aulas em fevereiro, quando espera-se que, através dos estudantes, ocorra um fortalecimento das mobilizações.

Paralelo argentino Não apenas no Brasil os setores de direita atacam com ferocidade quando governos e sociedade tentam mexer nos pilares de sustentação do sistema e dos privilégios das elites: na Argentina, a presidente Cristina Kirchner está sendo bombardeada porque aprovou uma lei que democratiza a comunicação social e também porque substituiu o presidente do Banco Central. Lá, o julgamento de torturadores avança aos trancos – graças à vontade política do Executivo e do Judiciário.

Direita tucana Para não deixar nenhuma dúvida sobre a matriz ideológica do PSDB, o deputado federal Paulo Renato, exministro da Educação e porta-voz do ex-presidente FHC, escreveu no seu boletim eletrônico: “Em certo sentido, o Terceiro Programa dos Direitos Humanos reproduz no Brasil o que vem acontecendo em países vizinhos, onde a democracia tem sido golpeada através de ‘constituintes’ bolivarianas autoritárias”. Esta é a social-democracia brasileira?

Sufoco financeiro Dados da Federação do Comércio do Estado de São Paulo constatam que 53% das famílias que ganham até três salários mínimos por mês fecharam o ano de 2009 com dívidas em atraso. Em dezembro de 2008, o índice de inadimplência para essa faixa de renda atingia 41% das famílias; em dezembro de 2007, apenas 34% das famílias. Ou seja: a melhoria do salário mínimo não tirou as famílias de baixa renda do sufoco financeiro.

Fantasia midiática Conhecida como porta-voz dos setores mais reacionários das elites brasileiras, a revista Veja, da Editora Abril, continua inventando histórias para criminalizar os movimentos sociais do campo. Agora, numa matéria denominada “Predadores da floresta”, a revista inventou uma ocupação inexistente do MST no município de Tailândia, no Pará. Na verdade, a destruição naquela região, constatada pela Polícia Federal, é de madeireiros e latifundiários.

Deficit trabalhista Em artigo publicado na revista Carta Capital, o professor e pesquisador Waldir Quadros, da Unicamp, analisa a situação do mercado de trabalho no Brasil e constata que, de 2004 a 2008, o PIB cresceu 25,9%, enquanto “a expansão das oportunidades individuais para se obter uma ocupação foi de apenas 13,5%”. E assim mesmo a geração maior de empregos ocorreu na base da pirâmide, na faixa de um a dois salários mínimos.

Justiça parcial Incluída na lista suja da fiscalização do Ministério do Trabalho, a Cosan – principal grupo usineiro de álcool e açúcar – conseguiu se livrar da acusação de prática do trabalho escravo por decisão judicial. Mais uma vez o Judiciário livra a cara de uma empresa sem resolver o problema em questão. Tudo para que a Cosan possa sacar o gordo financiamento obtido junto ao BNDES. Este é o jeitinho brasileiro!


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brasil

O FSM no rumo de uma virada ANÁLISE Ascensão de governos oriundos de movimentos populares impõe a busca de novas formas de articulação entre membros do Fórum Bernard Cassen NESTE PEQUENO escritório do Le Monde Diplomatique em Paris, onde, no dia 16 de fevereiro de 2000, foram lançadas as bases do que viria a ser o Fórum Social Mondial (FSM), nenhum dos presentes (além do autor destas linhas, na época diretor geral do jornal e presidente da ATTAC França, Chico Whitaker e Oded Grajew, respectivamente secretário da Comissão Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB e dirigente da Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania - CIVES, assim como suas senhoras) poderia imaginar que um novo ator da vida política internacional iria assim entrar em cena. Tudo foi muito rápido, pois o primeiro FSM aconteceu um ano depois, em Porto Alegre. Essa rapidez na passagem da ideia à ação foi uma notável proeza do comitê de organização brasileiro que tinha se constituído para a circunstância. Em um artigo publicado em agosto de 2000 (“Davos? Não, Porto Alegre”, Le Monde Diplomatique, agosto de 2000) e que contribuiu de maneira decisiva para credibilizar e lançar internacionalmente o futuro Fórum, Ignacio Ramonet escrevia: “Em 2001, Davos terá um concorrente muito mais representativo do planeta tal como ele é: o Forum Social Mundial, que se reunirá na mesma data [de 25 a 30 de janeiro] no hemisfério sul, em Porto Alegre”. Ele acrescentava, a partir dos elementos de que dispunha naquele momento, que era esperado “entre 2 e 3 mil participantes, portadores das aspirações de suas respectivas sociedades”. Mas, para surpresa geral, mais de 20 mil delegados se encontraram seis meses depois na capital gaúcha. Antineoliberalismo

A reação anti-Davos tinha contado plenamente nessa mobilização. A proximidade voluntária do título dos dois fóruns – Fórum Econômico Mundial ou World Economic Forum (WEF) para Davos e Fórum Social Mundial para Porto Alegre – e a deliberada simultaneidade das datas dos dois agrupamentos tinham constituído grandes trunfos midiáticos. O fundador e presidente do Fórum de Davos, Klaus Schwab, constatou isto amargamente, se queixando do “desvio negativo” do renome do WEF.

É contra tudo o que representava Davos que se definiram os primeiros FSM, numa postura de denúncia do neoliberalismo e de resistência aos seus malefícios Simbolizando a potência e a arrogância da finança, o desprezo pela democracia e pela sociedade, Davos constituia um alvo perfeito para os movimentos sociais e cidadãos. Já em janeiro de 1999, em plena sessão do WEF, várias entidades, entre elas o

As coisas se complicaram com a chegada ao poder, na América Latina (Bolívia, Equador, Paraguai e Venezuela), de governos procedentes de movimentos populares, colocando concretamente em ação, evidentemente com altos e baixos, políticas de ruptura com o neoliberalismo – tanto em nível nacional como internacional – tais como as apresentadas nos fóruns. Qual atitude adotar em relação a eles? É preciso ser solidários a eles, que isso fosse feito caso a caso? Ou então ficar de braços cruzados e olhar para outro lugar, com o pretexto de que se tratam de governos, logo, por essência, suspeitos, e por essas razões é preciso manter distância. Esse comportamento remete a uma ideologia libertária difusa, mas muito presente em numerosas organizações. Ela foi teorizada particularmente por John Holloway, em um obra de título explícito: Mudar o mundo sem tomar o poder (Boitempo, São Paulo, 2003). A palavra poder é, aliás, ausente do vocabulário de numerosos atores, salvo para ser estigmatizada, muito frequentemente em reação às derivas totalitárias dos Estados-partidos. Em revanche, supõem-se que o contrapoder e a desobediência civil são as alavancas privilegiadas da transformação. Uma tal postura tornase dificilmente sustentável quando, por exemplo, na ocasião da Conferência de Copenhague, a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba), que agrupa nove Estados latino-americanos e do Caribe, toma posições que convergem com as das coalizões de ONGs, exigindo a justiça climática, e coloca diretamente em questão o capitalismo.

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mil pessoas foram a Porto Alegre do primeiro FSM Fórum Mundial das Al nativas (FMA) e a ATTAC nham organizado um se nário de dois dias em Z ch, seguido de uma confer cia de imprensa sobre o te de “Outro Davos”, numa tação de ski suíça. Qualq manifestação era com ef praticamente impossível suas ruas estreitas e com ve em razão do controle p cial e militar.

As coisas se complicaram com a chegada ao poder de governos procedentes de movimentos populares, colocando em ação políticas de ruptura com o neoliberalismo É contra tudo o que rep sentava Davos que se defi ram os primeiros FSM, ma postura de denúncia neoliberalismo e de resist cia aos seus malefícios. E se situavam igualmente co um prolongamento dos co bates zapatistas (em part lar do Encontro Intergalá de Chiapas de 1996); da l vitoriosa, em 1998, contr Acordo Multilateral sobre vestimentos (AMI), prepa do em segredo pela Organ ção de Cooperação e Des volvimento Econômico (O DE), cujo texto o Le Mo Diplomatique tornou púb na França; e, evidentem te, da grande mobilização Seattle contra a Organiza Mundial do Comérico (OM em dezembro de 1999.

Pós-altermundialismo

Propostas

Em uma segunda eta os fóruns tornaram-se m propositivos, o que se tra lexicalmente pelo aband do termo “antimundialism em proveito de “alterm dialismo”. Ou seja, a passagem da refutação à proposição, o que correspondia melhor à palavra de ordem dos fóruns: “Um outro mundo é possivel”. Essa evolução se efetua sem nenhuma modificação das regras de funcionamento do FSM, codificadas na Carta de Princípios elaborada em junho de 2001. Nesse documento de referência, o Fórum é definido como um espaço e como um processo, e absolutamente como não sendo uma entidade. Trata-se de preparar um lugar de trocas, de diálogo, de elaboração de proposições, de implementação de estratégias de ação e de constituição de coalizões de todos os atores sociais que recusem a globalização liberal. Mas cada uma dessas iniciativas engaja somente as organizações que querem se implicar nelas, e não o conjunto das organizações presentes no Fórum. O FSM não assume posições enquanto tal, não há “comunicado final” de suas reuniões. Existem somente textos adotados fora do FSM, mas não textos do FSM nem de suas declinações continentais (como os

nas de proposições foram assim adiantadas (mais de 350 somente no Fórum de Porto Alegre, em 2005), mas sem nenhuma hierarquia nem articulação entre elas. Tudo o que infringia o principio de “horizontalidade” (todas as proposições têm um estatuto equivalente) e tudo o que aparecia como “vertical” (por exemplo, uma plataforma estabelecendo coerência entre diferentes proposições complementares, mas espalhadas) foi combatido por uma fração influente dos organizadores brasileiros dos fóruns e dirigentes de ONGs que viam aí o início de um programa político, ou a criação mesmo de uma nova Internacional! É assim que o Manifesto de Porto Alegre, base de 12 proposições – resultado de debates, fazendo ao mesmo tempo sentido e projeto – apresentadas em Porto Alegre em 29 de janeiro de 2005 por 19 intelectuais dos quatro continentes (entre os quais dois Prêmio Nobel), foi criticado em seu princípio por numerosos guardiões autoproclamados da ortodoxia do “Fórum”. Uma sorte idêntica foi ulteriormente reservada, pelos mesmos,

Em uma segunda etapa, os fóruns tornaram-se mais propositivos, o que se traduz lexicalmente pelo abandono do termo “antimundialismo” em proveito de “altermundialismo” ao Chamado de Bamako, documento programático com vocação planetária, redigido após um encontro organizado pelo Fórum Mundial das Alternativas, que havia reunido 200 intelectuais e representantes de movimentos sociais, a maioria da África e da Ásia, nas vésperas do FSM descentralizado realizado na capital do Mali em janeiro de 2006. Em aplicação da leitura rigorosa que fazem alguns da Carta de Princípios de 2001, os fóruns seriam assim condenados a apresentar, em uma ordem dispersa, uma quantidade imensa de proposições de importância desiguais às estruturas da ordem dominante, que, dos governos às instituições multilaterais (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, OMC, OCDE), sem falar

da Comissão Europeia, fazem, elas sim, prova de uma coesão sem falha na imposição dos dogmas liberais. Um passo à frente

Essa recusa voluntária de pensar coletivamente, a partir de uma plataforma internacional comum, sobre os atores do campo político, ficando fora da esfera eleitoral, explica o desgaste da fórmula dos FSM. E isso apesar de continuarem a reunir dezenas de milhares de participantes locais, vindos frequentemente por curiosidade, como foi o caso de Bélem, em janeiro de 2009. Muitos militantes se interrogam sobre os resultados políticos concretos desses encontros e sobre a maneira pela qual eles podem contribuir para a ascensão de um “outro mundo possível”.

O novo contexto internacional vai impor, e isso também para a concepção dos fóruns sociais, a procura de novas formas de articulação entre movimentos sociais, forças políticas e governos progressistas. Uma palavra foi proposta para caracterizar essa evolução: o pós-altermundialismo, que não substitui o altermundialismo, mas constitui um outro agrupamento possível. No Fórum de Bélem, pudemos ver um primeiro esboço dessa iniciativa pós-altermundialista no diálogo entre quatro presidentes latino-americanos – Hugo Chávez (Venezuela), Rafael Correa (Equador), Fernando Lugo (Paraguai) e Evo Morales (Bolívia) – e representantes de movimentos sociais do subcontinente. Este diálogo vai se aprofundar com a participação crescente de chefes de Estado (como, sem dúvida, a do presidente Lula) por ocasião do fórum social temático da Bahia, previsto para Salvador entre os dias 29 e 31 de janeiro (o Brasil também sedia, entre os dias 25 e 29 de janeiro, na Grande Porto Alegre, o Fórum Social Mundial 10 anos). Ela deverá se prolongar no próximo FSM de Dakar (Senegal) em 2011. Em uma reunião preparatória organizada na capital senegalesa em novembro de 2009, os movimentos sociais do continente exprimiram a vontade de fazer evoluir o FSM. Vieram ao debate formulações como a da necessidade de fazer dele “um espaço de alianças com crédito”, e não “um mercado da sociedade civil”, para “definir uma nova relação com os atores políticos” com vistas à “construir uma alternativa”. É na África que certamente se consolidará a necessária virada “pós-altermundialista” dos fóruns sociais. Bernard Cassen é presidente de honra da ATTAC França e secretário geral da Mémoire des Luttes. Tradução: Douglas Estevam


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cultura

Revoluções em

fotografia

Fotos: Divulgação

Prisioneiros sobreviventes de Canudos

RESENHA Livro de Michel Löwi traz a sensação de que a própria história se desenvolve diante de nossos olhos José Arbex Jr. VOCÊ JÁ IMAGINOU como eram, fisicamente, os participantes da Comuna de Paris (1871)? Ou como era a capital francesa naquela época, como as pessoas se vestiam, qual a aparência dos prédios, monumentos e vias públicas que serviram de cenário aos grandes momentos do “assalto aos céus”? Tudo isso ficou registrado como fotografia, e agora está à disposição dos leitores brasileiros, no livro Revoluções, organizado por Michel Löwi e editado pela Boitempo (São Paulo). Lançada em Paris no ano 2000, a primeira edição foi rapidamente esgotada, relata Luiz Bernardo Pericás, e não sem motivo: tratase de uma fantástica pesquisa histórica e iconográfica, que abarca até a revolução cubana (1953-1967). Felizmente para o leitor brasileiro, o tratamento editorial dado pela Boitempo é primoroso. Basta percorrer o índice da obra para termos uma ideia de sua importância e extensão: além da Comuna de Paris, somos brindados com fotos de cenas e pessoas que participaram das seguintes revoluções: Russa (1905), Russa (1917), Húngara (1919), Alemã (1918-19), Mexicana (1910-20), Chinesa (1911-49), Espanhola (1936) e a já mencionada cubana.

“É claro que as fotografias não podem substituir a historiografia, mas elas captam o que nenhum texto escrito pode transmitir: certos rostos, certos gestos, certas situações, certos movimentos”

O leitor mais atento notará que não estão na relação alguns movimentos extremamente importantes, como a Revolução Húngara (1956) e as lutas de libertação nacional (por exemplo, na Indochina e na Argélia). O critério para a seleção é explicado numa página de “advertência”, logo no início do li-

vro: “Por uma questão de coerência, escolhemos as revoluções ‘clássicas’, revoluções sociais de inspiração igualitária que visavam distribuir as terras e riquezas, abolir as classes e entregar o poder aos trabalhadores. [...] Portanto, fomos obrigados a deixar de lado outros movimentos revolucionários não menos importantes: as revoluções democráticas, antiburocráticas e antitotalitárias. [...] O último capítulo passa em revista uma série de eventos revolucionários – distintos, em certa medida, das revoluções no sentido pleno do termo – dos últimos 30 anos: Maio de 1968, a Revolução dos Cravos em Portugal (1974-1975), a Revolução Nicaraguense (1978-1979), a queda do Muro de Berlim (1989) e a sublevação zapatista de Chiapas (1994-1995)”. Cada revolução coberta pelo livro é comentada por um especialista, que trata de contextualizar os acontecimentos e permitir uma leitura crítica das fotos. Temos, então, a sensação de que a própria história se desenvolve diante de nossos olhos. Mas o valor documental da fotografia é discutido por Löwi, no capítulo introdutório, fazendo eco a um complicado debate entre historiadores. Até que ponto a fotografia pode e deve ser aceita como um “registro da história”? “É claro que as fotografias não podem substituir a historiografia, mas elas captam o que nenhum texto escrito pode transmitir: certos rostos, certos gestos, certas situações, certos movimentos. A fotografia possibilita que se veja, de modo concreto, o que constitui o espírito único e singular de cada revolução. Alguns críticos negam o valor cognitivo das fotografias de acontecimentos. Por exemplo, o grande teórico do cinema Siegfried Kracauer tinha convicção de que a foto não permite conhecer o passado, mas somente a ‘configuração espacial de um instante’. (...) Esse ponto de vista me parece discutível. É verdade que a fotografia não pode substituir a narrativa histórica, mas isso não a impede de ser um instrumento insubstituível de conhecimento histórico, que torna visíveis aspectos da realidade que frequentemente escapam aos historiadores.” Para além do debate teórico sobre o valor documental da fotografia, o livro oferece, no mínimo, o prazer proporcionado pelo acesso a cenas que, até então, faziam parte unicamente do universo imaginário e algo mitológico das revoluções. Se fosse apenas por isso, sua leitura já valeria muito a pena. José Arbex Jr. é jornalista, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC/ SP) e doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP).

Soldaderas acompanham as tropas na guerra civil mexicana

Milicianos e milicianas no front em 1936 Mulheres choram diante de um necrotério improvisado

Serviço

População tenta trocar dinheiro por ouro em Xangai, 1948

Título: Revoluções Título Original: Révolutions Autor: Michael Löwy (org.) Posfácio: Michael Löwy Tradutor: Yuri Martins Fontes Páginas: 552 Ano de publicação: 2009 Preço: R$ 68,00


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américa latina Reprodução

Colômbia: 50 mil desaparecidos em 20 anos

Na Colômbia, jovens pobres assassinados por militares são apresentados como guerrilheiros

DIREITOS HUMANOS Iván Cepeda, porta-voz do Movimento de Vítimas dos Crimes de Estado, denuncia as constantes violações cometidas pelo governo de Álvaro Uribe e pelos paramilitares contra a população colombiana Patricia Rivas e Juan Alberto Sánchez de Madrid (Espanha) NADAR CONTRA uma forte corrente é o que faz o Movimento de Vítimas dos Crimes de Estado (Movice) na Colômbia, onde as maiorias no Congresso e na Câmara estão alinhadas com os ditames do presidente Álvaro Uribe. Em casos tão graves como os milhares de assassinatos de jovens pobres por parte de militares, que são apresentados como guerrilheiros e depois trocados por reconhecimentos e medalhas, eufemisticamente chamados de “falsos positivos”, a Promotoria Geral da Nação avança a passos lentos e sem vontade. Instituições como o Conselho Nacional da Judicatura – um estamento burocrático com o qual Uribe, nos tempos remotos de sua primeira candidatura judicial, prometeu acabar – mantêm-se como um apêndice ainda mais funcional e submetido. A Procuradoria Geral da Nação, o “ente autônomo de controle e vigilância da função pública dos empregados do Estado”, não apenas não controla nem vigila como tampouco é autônomo. O próprio Procurador Geral, Alejandro Ordónez, é reconhecido no país como “o absolvedor”, pois, desde sua chegada à instituição, vem se distinguindo pela eficiência em eximir de culpa todo tipo de militares e funcionários uribistas vinculados com massacres e paramilitarismo. Na outra margem, uma instituição como a Corte Suprema de Justiça, que se negou a nomear o novo Promotor Geral a partir de uma lista tríplice apresentada pelo presidente, por considerar que os postulantes não reúnem as condições mínimas necessárias para o cargo, vem sendo objeto de tido tipo de vitupérios por parte do mandatário, desde ataques descarados de seus funcionários a, inclusive, interceptações telefônicas ou “grampos” por parte do DAS, o organismo de inteligência do Estado adscrito à presidência. Na corrente desenfreada e unidirecional do atual governo colombiano, que leva, sem pudor, os diques constitucionais e legais, sem falar dos morais e éticos que qualquer instituição carrega, é que o Movice atua com empenho e firmeza, às vezes como um clamor solitário, mas também com uma postura política clara.

Iván Cepeda Castro, além de escritor e jornalista, é um destacado líder dos direitos humanos na Colômbia e portavoz da organização, nascida em 2003 e que agrupa familiares de vítimas de crimes de lesa-humanidade e algumas organizações que trabalham pelos direitos humanos. Iván Cepeda viveu na própria carne a violência exercida pelo Estado colombiano, como filho do senador Manuel Cepeda Vargas, assassinado em 1984, durante o genocídio levado a cabo contra a União Patriótica, um partido político que foi vítima de uma perseguição intencional e sistemática que o conduziu ao extermínio. Conversamos com Iván em Madrid, cidade que foi cenário do lançamento de uma campanha internacional de mais de 30 organizações europeias de direitos humanos para chamar a atenção sobre a perseguição que os defensores de direitos humanos enfrentam na Colômbia por parte das instâncias estatais que deveriam brindar-lhes garantias.

Como porta-voz das vítimas dos crimes de Estado na Colômbia, que sensação lhe produz chegar à Europa e perceber que o governo colombiano se vê como democrático, cumpridor dos requisitos mínimos para ser tratado com deferência pela União Europeia? Iván Cepeda – Não me surpreende. No caso da Espanha, para dizer as coisas pelo seus nomes, há importantes investimentos do capital transnacional na Colômbia. Para citar apenas um caso: atualmente, debate-se sobre nas mãos de quem ficará o terceiro canal de televisão, e o grupo Prisa [do jornal espanhol El País] tem um importante interesse. Entre as propriedades desse grupo, figura El Tiempo, o principal diário colombiano, dirigido pela família Santos. Essa família governa o país. Pelo menos, ocupou um lugar importante em ambos governos do presidente Álvaro Uribe. O vice-presidente do país, Francisco Santos, é um dos principais acionistas dessa casa editorial, e o ex-ministro de Defesa, Juan Manuel Santos, que é candidato para as próximas eleições presidenciais, também é acionista e dono do jornal. Não são, portanto, apenas coalizões ou alianças. São verdadeiros consórcios. Assim, o

fato de que se elogie o governo do presidente Uribe, que a duras penas fica um dia sem um escândalo – o que inclui fatos criminais, como os chamados “falsos positivos” e situações ainda mais evidentes –, implica em que seus interesses devem ser protegidos. Mas a cada dia é menos possível ocultar essa situação. É um governo que se vem mostrando em todas suas facetas de corrupção e criminalidade nos últimos anos. Existe uma consciência crescente na comunidade internacional sobre o que o governo do presidente Uribe representa realmente. Para dizê-lo com clareza: um dos aparelhos criminais mais mortíferos e destrutivos que já existiu nos países da América Latina.

“[O governo do presidente Álvaro Uribe é] um dos aparelhos criminosos mais mortíferos e destrutivos que já existiu nos países da América Latina” Em algum momento, as vítimas na Colômbia tiveram espaço de interlocução com o poder para incidir no que se chama de legislação “de paz” ou numa política de construção de “reconciliação”? Não. O governo e o Poder Legislativo, em sua grande maioria, respondem aos interesses do aparelho criminoso que vem produzindo tantas vítimas. Portanto, não são interlocutores, mas sim inimigos constantes desses processos. Mas, apesar do governo se empenhar, por todas as vias possíveis, para que esses processos não avançassem, nos últimos anos se conseguiu produzir um avanço efetivo, graças à ação das organizações de vítimas e de direitos humanos, os advogados e os juízes dignos que existem no país. Esse avanço se vê materializado no fato de que mais de 100 funcionários estatais, entre eles um número significativo de congressistas, foram levados à cadeia. De que muitos membros da força públi-

ca começaram a ser chamados aos tribunais e de que o fenômeno da chamada “parapolítica” e os crimes cometidos pelo paramilitarismo estão em evidência. E quando se vem reconhecendo a realidade de que na Colômbia tem funcionado a criminalidade de Estado. Mas isso não acontece graças ao governo nem à interlocução com o governo; é resultado de uma luta firme, travada em condições muito desiguais e sempre perigosas, levada à cabo pelas vítimas em suas regiões: camponeses, indígenas, mulheres, muitas associações de pessoas que vêm conseguindo construir esse caminho rumo aos direitos humanos no país.

Quando se fala de crimes de Estado, são conhecidas as vítimas dos casos argentino ou chileno, mas a Colômbia é uma caixa preta: não há conhecimento de qual é a dimensão das vítimas e qual a realidade que vocês enfrentam quando decidem não se calar e exigir justiça, verdade e reparação. As cifras são cada vez mais completas e claras. Estamos falando de cerca de 50 mil pessoas desaparecidas na Colômbia nos últimos 20 anos, uma cifra que supera de longe a de países como Argentina e Chile, e a de algumas nações centroamericanas. Falamos de 10% de população deslocada, mais de 4 milhões de pessoas; mais de 150 mil homicídios e uma grande destruição das comunidades: 18 povos indígenas estão à beira do extermínio em processos que sem dúvidas podem ser catalogados como genocídios, que atingem também setores como os dos sindicalistas e dos defensores de direitos humanos, que vêm sendo vítimas de crimes contínuos durante essas duas décadas. Estamos diante de uma criminalidade do sistema, com múltiplas expressões, que tem a conotação de não ser apenas a violência que se apresenta em um conflito armado, mas também uma violência que o Estado promove para eliminar, anular, neutralizar organizações inteiras de ativistas sociais. E uma violência que, além disso, tem a conotação de tentar apresentar suas vítimas simplesmente como personagens encobertos que atuam em nome da guerrilha. Para entender melhor do que estou falando, menciono apenas um caso. Há um ano está na cadeia Carmelo Agámez. É o líder dos camponeses de San Onofre, um povoado de 50 mil habitantes no norte da Colômbia que se converteu em uma espécie de campo de concentração – e digo isso literalmente, não

é exagero – dos grupos paramilitares. A população local foi submetida durante anos a um regime de campo de concentração em que lhe era imposto um modo estrito de vida: hora para acordar e ir dormir... os paramilitares dispunham das mulheres, das pessoas, para escravizá-las como peões em ranchos... enfim, um regime dantesco. Lá, Carmelo Agámez conseguiu organizar o movimento camponês e levou à cadeia não apenas os paramilitares como também seus aliados políticos, seus chefes políticos. E uma vez que se conseguiu isso, Carmelo foi acusado de ser aliado dos paramilitares. Ele, que durante toda sua vida foi sua vítima, terminou sendo acusado por eles, como forma de vingança, para levá-lo à prisão. Faz um ano que Carmelo está preso. Fui visitá-lo há uns meses. Na cadeia, há 70 pessoas: 69 são paramilitares e políticos aliados dos paramilitares, e Carmelo vive em companhia dessas pessoas. Como se pode entender, é uma situação de imensa periculosidade e, apesar disso, Carmelo segue sustentando sua luta a partir da prisão.

A campanha eleitoral já começou na Colômbia, e a retórica belicista em relação à Venezuela tenta fazer render resultados em termos de apoio ao governo, ou de ocultamento de outros problemas que o país tem. Qual é a opção das vítimas nesse contexto em que parece cada vez mais difícil falar das situações de violação de direitos humanos e do que é preciso consertar dentro do país? Acredito que estamos cada vez mais perto de uma ação política direta. O movimento de vítimas tem travado uma luta jurídica, uma luta para ganhar espaços, mas isso se mostra cada vez mais insuficiente. Não basta colocar os políticos na prisão: é preciso ganhar espaços políticos. Acho que o movimento social na Colômbia começou uma discussão sobre esse tema. Existem partidos políticos, é verdade, mas as vítimas e os movimentos sociais querem ter poder, e querem exercer o poder. Agora, o que está acontecendo na Colômbia em relação à Venezuela é uma estratégia de longo alcance. Devemos lembrar que, nos últimos anos, foram se produzindo, um atrás do outro, vários golpes de Estado. Primeiro, contra o presidente Hugo Chávez. Posteriormente, tentou-se um golpe contra o presidente Evo Morales. Mais recentemente, se produziu um golpe impune pelo senhor Micheletti. O que

existe é um plano claramente articulado para acabar com esses governos e, sobretudo, para acabar com o processo de integração latino-americana. O objetivo essencial não é um ou outro governo, é a união dos países latino-americanos em torno de uma nova política, uma nova economia, um novo tipo de relações que possam configurar uma força que se oponha com clareza a relações tradicionalmente coloniais e imperiais. Neste contexto, claro, o governo do presidente Uribe é uma peça central. Alguns já falam que a Colômbia é uma espécie de porta-aviões dos EUA na América Latina, e acredito que não são palavras exageradas. Estamos assistindo a um contexto no qual foi criada uma plataforma para agredir de maneira clara esse processo de integração. Nas próximas, este vai ser um tema de discussão, claro, e as vítimas vamos tomar partido para enfrentar esse tipo de projetos que querem destruir a unidade latino-americana.

Quais são as exigências das vítimas na Colômbia para a União Europeia e seus governos quanto à política exterior que deveriam seguir em relação ao Estado colombiano? Acredito que os governos colombianos vêm sendo tratados com uma extrema indulgência, para falar de maneira mais eufemística. Tem-se tolerado durante anos, através de declarações supremamente tímidas, uma situação que de longe é a mais grave quanto a direitos humanos no hemisfério ocidental. Estamos falando de um país que vive uma guerra de 50 anos, com 10% de sua população na miséria por causa de deslocamentos forçados, um país no qual os crimes contra personalidades e pessoas que defendem os direitos humanos são fatos cotidianos. E em tudo isso tentam pôr, sempre, panos quentes, dizendo que são situações produto do terrorismo, produto da luta contra o narcotráfico. É hora dos governos europeus deixarem a hipocrisia, afrontarem os fatos que acontecem na Colômbia com a gravidade que possuem e proporem saídas adequadas. Não estou dizendo que todos os governos se comportam dessa forma, mas há setores e partidos políticos na Europa para os quais é tolerável uma situação que, vista de maneira objetiva, não é outra coisa que um imenso rio de sangue. Uma realidade totalmente antidemocrática e contra os direitos humanos. (elpueblosoberano.net) Tradução: Igor Ojeda


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américa latina

Na Argentina, a mídia em disputa COMUNICAÇÃO Nova legislação, que garante 33% das licenças de rádio e TV para emissoras comunitárias, é atacada na imprensa Presidencia de la Nación Argentina

Silvia Adoue de Buenos Aires (Argentina) A APROVAÇÃO DA Lei de Meios de Comunicação na Argentina, em outubro de 2009, abriu mais uma frente de conflito para o governo de Cristina Kirchner. Desta vez, diferente do enfrentamento que teve em 2008 com o agronegócio da soja, o governo fez uma convocatória a movimentos que atuam no campo de comunicação popular. A redação da lei levou em consideração velhas reivindicações desses movimentos, e o desafio agora é que ela saia do papel. O desgaste do governo Kirchner depois do enfrentamento com os ruralistas levou a presidenta a optar por algumas medidas de cunho popular, como a “asignación por hijo”, que universaliza o salário família, estendendo o benefício para aqueles que não têm carteira assinada e que constituem a maioria dos trabalhadores argentinos. Cristina também está pondo em marcha um plano de apoio à formação de cooperativas, em parceria com as prefeituras. Movimentos como os dos piqueteros da Frente Darío Santillán, que não são base eleitoral do governo, vêm reivindicando essa política pública há muito tempo. Os meios de comunicação atacam essas medidas como em 2008 atacaram as retenções móveis para a venda de soja no mercado mundial, cerrando fileiras com os exportadores de soja. Desta vez, a presidenta decidiu enfrentar os grandes grupos da comunicação, em particular o grupo Clarín, que possui o jornal de maior circulação nacional, uma rede de rádios que cobre todo o território e cerca de 60 emissoras televisivas de alcance nacional e regional, entre as quais o canal de notícias TN, que estabelece a agenda para o resto dos meios. Participações

A lei foi redigida recolhendo a elaboração dos fóruns de comunicação constituídos em todo o território nacional. “Nesses fóruns houve a participação de movimentos populares e sindicatos, além

A presidenta Cristina Kirchner durante o anúncio de envio da lei ao Parlamento argentino dos trabalhadores do ramo e estudantes e professores das carreiras de comunicação”, diz Miguel Croceri, radialista da Radio Província, de Buenos Aires, e professor da Universidad Nacional de La Plata. “Durante o funcionamento desses fóruns, as grandes empresas do ramo calaram. Só começaram a campanha contra o projeto quando este entrou no Congresso”. A campanha acenava com o fantasma do presidente venezuelano Hugo Chávez. Entre os mecanismos de combate ao monopólio das comunicações está a cota de meios que podem ficar na mão de um mesmo dono e a proporção de 33% das licenças de rádio e televisão para emissoras do Estado, 33% para as emissoras comunitárias e apenas 33% para as empresas privadas. É claro que, para que essa proporção se concretize, no caso dos meios comunitários, é preciso enfrentar as limitações econômicas para aquisição de equipamentos, questão que a lei não prevê. Se as empresas privadas não conseguiram impedir a apro-

vação da lei no Congresso, agora estão tentando colocar areia no seu motor. A estratégia é impetrar recursos no Poder Judiciário para impedir sua aplicação. Já há quatro ações que receberam parecer favorável em diferentes varas regionais. E também estão tentando impedir ou adiar a formação da comissão para a aplicação da lei. Ela estabelece um prazo de um ano, até o final de 2010, para a retirada das empresas, até ficar apenas com as licenças que a nova legislação autoriza. Mídia e ditadura

Segundo a pesquisadora argentina Mirta Varela, no seu trabalho Televisión Criolla, esse meio ganhou um peso hegemônico dentro da indústria cultural da Argentina a partir do golpe militar de 1976. A legislação que regula a atividade data justamente daquele período, quando a censura criou novas alianças que favoreceram especialmente o grupo Clarín, com o monopólio deste sobre a produção e comercialização de papel de jornal, e a

conseguinte acumulação que permitiu a compra de emissoras de rádio e televisão. Os vínculos estreitos entre o regime militar e o conglomerado vêm sendo motivo de denúncias de todo tipo. Inclusive em relatos ficcionais, como no romance Diario de la Argentina, de Jorge Asís, escritor polêmico que trabalhou no jornal. Em dezembro, um novo escândalo atingiu a herdeira do grupo, Ernestina Herrera de Noble. As Avós da Praça de Maio vêm denunciando há muitos anos que os dois filhos adotivos da empresária são na realidade filhos de desaparecidos apropriados ilegalmente durante a ditadura. Sabe-se que os militares entregavam para adoção as crianças dos militantes desaparecidos, algumas nascidas em cativeiro, para pessoas da sua confiança. Mesmo depois da queda da ditadura, a dona do Clarín conseguiu driblar as denúncias e evitar o teste de DNA, agora exigido por uma ação impetrada pelas Avós e que foi aprovada no Poder Judiciário. Para além da questão

familiar, essa ação, que visa a verdade sobre os anos de repressão, joga luz sobre as relações de poder que permanecem intactas, porque os grupos econômicos que se beneficiaram com o golpe continuaram sendo favorecidos depois da queda da ditadura. O poder econômico não mudou de mãos, ainda que a direção política e os gestores da administração do Estado tenham mudado. Tanto que outra das leis da ditadura que ainda está em vigor é a que regula as entidades financeiras e que reduziu o controle sobre o Banco Central, provocando mais um conflito do setor com a presidenta (veja artigo nesta página). Manipulação exposta

A emissora estatal de televisão, a TV Pública, vem sendo uma ferramenta neste enfrentamento, exibindo programas que revelam os recursos utilizados pela imprensa corporativa em suas matérias. Em horário nobre e com um formato nada acadêmico, com humor, são mostrados os clichês repetidos em vários meios, a

seleção e montagem de imagens, o tratamento das falas das personagens envolvidas na notícia. Todo um exercício de análise crítica do discurso ao alcance do espectador médio. Aquilo que um microfone não fechado deixou escapar, no final do ano, na voz de Boris Casoy ou a descrição de uma reunião de pauta do Jornal Nacional, vazada por uma testemunha e veiculada por Carta Capital, são apenas pequenos pontos de transparência que revelam os procedimentos ideológicos na indústria da comunicação. Programas como os veiculados pela TV Pública da Argentina não quebram com as formas de recepção às quais os telespectadores estão habituados; fazem a crítica dentro do mesmo formato, o que favorece uma luta num mesmo campo de batalha. “No último ano, o jornal Clarín perdeu 30 mil leitores”, diz Luis Iramain, radialista da Rádio das Madres de Plaza de Mayo. “É muito. O que acontece é que o Clarín, ao ter uma estratégia de peleja por grana, como grupo econômico, deixou de fazer jornalismo. Ficou defendendo interesses econômicos. Isto ficou muito em evidência”. Desafios

Segundo Lucía García, jornalista e docente da Universidad das Madres de Plaza de Mayo, o grande desafio para os movimentos populares e meios comunitários é a luta pela aplicação da lei. Não apenas para enfrentar as ações que correm no Poder Judiciário, mas para tornar a legislação viável. “Agora a discussão com o conjunto de organizações que brigaram pela aprovação da lei é como vamos garantir, do ponto de vista econômico, os 33% que conquistamos. A gente imaginava que podia criar uma emissora de rádio, um jornal, fazer um portal na internet. Mas uma emissora de televisão?! O desafio é nos tornarmos capazes de produzir discursos nessas linguagens”. “Tem muito trampo”, diz Lucía, “para fazer a nossa parte e também para exigir do Estado que a lei se cumpra e garantir os recursos para isso”.

ANÁLISE

Conflito de poderes e pagamento da dívida Julio Gambina O PODER ECONÔMICO recebeu com beneplácito o Fundo do Bicentenário na Argentina. A decisão de assegurar os pagamentos de vencimentos privados e de organismos internacionais para este ano contou com o apoio local e mundial daqueles que defendem a normalização da inserção capitalista da Argentina em momentos de crise da economia mundial. Os principais estados capitalistas despejaram cifras milionárias para salvar bancos e empresas em crise, com o que não deve ser motivo de surpresa que as decisões da política econômica argentina caminhem nesse sentido e assegurem a vontade de pagamento da dívida. É o desejo dos credores, um leque que expressa parte do poder econômico mundial. O pacote inclui os holdouts (credores que não aceitaram a reestruturação dos títulos da dívida pública argentina em 2005) e o Clube de Paris. Todos esperam receber a totalidade da dívida ou, ao menos, uma boa negociação segundo seus interesses. A reestruturação de 2005, o pagamento ao Fundo Monetário Internacional (FMI) em 2006 e todos os cance-

lamentos operados nos últimos anos expressam a vontade de pagamento da dívida e de reinserção no sistema financeiro internacional, como uma parte da continuidade do capitalismo na Argentina. Um problema inesperado apareceu agora: o tema da “autonomia do Banco Central da República Argentina (BCRA)”. Fica demonstrado com um absurdo como a “política” na Argentina está pagando caro para modificar a institucionalidade dos anos de 1990, que envolve, entre outras coisas, a “autonomia do BCRA”, inscrita na carta orgânica da instituição. A política monetária é um instrumento-chave de toda política econômica e não pode ser dissociada dela por meio de falsas autonomias ao serviço das demandas do poder econômico. O curioso é que agora, com a decisão de pagar a dívida a credores privados e organismos internacionais (6,5 bilhões de dólares em 2010) com recursos do Fundo Bicentenário, o “poder econômico” reivindica a subordinação do BCRA e a decisão do governo de pagar essa dívida. Este é o pronunciamento das associações de bancos (ADEBA e ABAPRA). No mesmo sentido se pronunciou a Con-

Reprodução

O presidente do Banco Central argentino, Martín Redrado

federação Geral do Trabalho (CGT), associada claramente às políticas do governo. Crise institucional

O governo quer que o titular do BCRA renuncie, mas este resiste. A decisão aparece condicionada por uma comissão parlamentar que, em função da renovação do Legislativo, ainda não está conformada. E há recesso até

março. A pressão política entre o Poder Executivo e o presidente do BCRA continuará, assim como os jogos de poder entre o oficialismo e a oposição de direita. Essa situação aprofundará os elementos da crise política aberta desde a ruptura de setores das classes dominantes, do agronegócio e da indústria com o governo. A decisão de pagar a dívida aponta para a recomposi-

ção de laços com o poder econômico mundial e é isso o que deve ser discutido. A sociedade, especialmente o movimento popular, deve manifestar sua vontade de modificar a agenda de prioridades e incidir na crise política para defender as necessidades populares insatisfeitas. A Argentina não necessita de um novo endividamento, mas sim de uma reorienta-

ção da política econômica em função da necessidade de milhões de pessoas com dificuldade de acesso a seus direitos à alimentação, educação, saúde, habitação, trabalho e qualidade de vida adequada. Os recursos na Argentina existem, o problema é sua utilização. A questão central não é o problema suscitado em torno da “autonomia”. É preciso voltar a defender que não se pague a dívida com a fome da população, que os fundos públicos sejam utilizados para a recuperação de uma economia popular que resolva demandas não cumpridas e que se articule um projeto de integração regional que discuta a ordem capitalista em crise. Julio C. Gambina é professor titular de Economia Política na Faculdade de Direito da Universidade Nacional de Rosário, presidente da Fundação de Investigações Sociais e Políticas (FISYP), integrante do Comitê Diretor do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso) e diretor do Centro de Estudos da Federação Judicial Argentina (CEFJA). Publicado originalmente na Agencia Latinoamericana de Información (Alai) e traduzido pela Agência Carta Maior.


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internacional Reprodução

“Devemos buscar uma revolução midiática” COMUNICAÇÃO Para o jornalista espanhol Pascual Serrano, fundador da página Rebelión, a esquerda mundial deve criar seus próprios meios para trazer à tona os fatos “silenciados” pela imprensa comercial

Cristiano Navarro, Igor Ojeda, Nilton Viana e Tatiana Merlino* de Guararema (São Paulo) O SILÊNCIO É, paradoxalmente, um dos principais mecanismos adotados pelos meios de comunicação para manipular os fatos. Se uma notícia não interessa aos donos da imprensa – e, consequentemente, aos donos do mundo –, ela simplesmente não é veiculada. Tal denúncia é feita pelo jornalista espanhol Pascual Serrano, um dos fundadores da página alternativa Rebelión e autor do livro Desinformación. Cómo los medios ocultan el mundo, lançado em meados do ano passado. “Se contarem muitas mentiras, perderão sua credibilidade, perderiam sua eficácia como mecanismo de formação de opinião”, diz, em conversa na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (SP). Portanto, segundo ele, os meios, além de ignorarem seletivamente determinados fatos, lançam mão de outros expedientes, como a descontextualização e a linguagem enviesada. Para Serrano, só há um modo da esquerda se defender de tamanha manipulação: criar seus próprios meios, em vez de ficar esperando por pequenos espaços na grande mídia.

“Se contarem muitas mentiras, perderão sua credibilidade, perderiam sua eficácia como mecanismo de formação de opinião. Ou seja, o plano é mais refinado: utilizam-se de silenciamentos de notícias que eles não gostam” Brasil de Fato – Você tem um livro chamado Desinformação. Como os meios ocultam o mundo. Quais são os principais mecanismos que os meios utilizam para ocultar o mundo? Pascual Serrano – Eu dividiria em dois mecanismos. Por um lado, os estruturais: ou seja, os mecanismos cotidianos de funcionamento da imprensa, que, por seu modelo de trabalho, são incompatíveis com a explicação do mundo. Fundamentalmente, seria a falta de antecedentes sobre um contexto para se compreender uma situação complexa, a dinâmica da televisão – que, com seu ritmo trepidante, impede a compreensão, sobretudo, de assuntos complicados – e o culto ao sensacionalismo da imagem – que ocorre muito na televisão. Isso impede aprofundar as questões e enviar uma mensagem complexa. Por exemplo, quando vo-

“Temos que esclarecer que, quando as empresas falam de liberdade de expressão, estão reivindicando o seu direito de censura. Ou seja, querem continuar com seu direito de manter o oligopólio e o controle da informação” cê quer dar um sentido simples – que o Irã tem bomba atômica ou que o Chávez é um ditador –, isso pode ser dito em poucas palavras. Mas se você quer explicar que a política dos EUA está provocando um genocídio no Afeganistão, isso exige uma explicação mais complexa. Uma outra situação é quando há um consenso e um plano premeditado por parte dos grandes meios para enviar uma mensagem concreta. Isso contempla estigmatizar ou criminalizar líderes políticos que não são do gosto do establishment mundial, até criminalizar movimentos sociais, ou determinados coletivos ou causas. Atentem para o fato de que o mecanismo não é somente a mentira, que esta existe, mas não é a mais habitual. Porque eles sabem que sua principal carta é a credibilidade. Se contarem muitas mentiras, perderão sua credibilidade, perderiam sua eficácia como mecanismo de formação de opinião. Ou seja, o plano é mais refinado: utilizam-se de silenciamentos de notícias que eles não gostam. Por exemplo: a missão Milagre, realizada em uma parceria entre Venezuela e Cuba, que fez com que 1 milhão de pessoas de origem humilde na América Latina e Caribe conseguissem recuperar a visão, é notícia, parece evidentemente relevante, mas isso está silenciado. Além disso, eles também jogam com o enquadro, o enfoque da notícia, buscando elementos dentro de um contexto que levem para uma tese e não para outra. E o que fica claro no livro é que o modelo muda de uma região para outra, de um tema para outro. Por exemplo: no conflito Palestina-Israel, o problema é a falta de contexto. Ninguém, neste momento, parece saber dizer a origem desse conflito, apesar de ele estar presente todos os dias no noticiário. Utilizam a linguagem como método de manipulação, de maneira que sistematicamente chamam de terroristas os palestinos. Chamam de sequestrados os soldados israelenses capturados. Chamam de detidos os civis palestinos que são sequestrados pelo exército israelense. Na África, por exemplo, aplica-se o silenciamento, ou apresentam-se os conflitos como questões tribais, em vez de mostrarem os interesses de empresas e poderes coloniais como França e EUA. E, na América Latina, utilizam a estigmatização e criminalização constante dos líderes, como Hugo Chávez, Evo Morales ou Fidel Castro. No caso da Venezuela, é curioso, porque apresentam como escândalos notícias que se apresentam como normais em outros países. Reivindicam como escândalos a não-renovação de uma concessão de TV cujo prazo acabou e a mudança de um fuso horário. Há outra pauta habitual em relação à Amé-

rica Latina, através da qual o presidente ou o líder político são apresentados sempre em meio a uma imagem de crise, desestabilizações e caos. Isso faz com que, na Europa, todo mundo conheça os nomes dos presidentes da Bolívia e da Venezuela, mas não conheçam o nome do presidente do Peru ou do México. Inclusive, se você pergunta quem teria sido outro presidente da Bolívia ou da Venezuela, não sabem dizer. E, dos últimos anos, Evo Morales e Hugo Chávez, todo mundo sabe quem são. Quais foram os métodos utilizados para fazer o livro, como foi a pesquisa? O livro nasceu um pouco da minha experiência como diretor da Telesur, onde observei que tudo que chega das agências de notícia e, inclusive, os hábitos dos jovens jornalistas, impedem explicar em profundidade o que está acontecendo no mundo. Então, refleti sobre como explicar o mundo com suficiente complexidade na televisão. Tudo que eu quis fazer na Telesur muitas vezes não é possível fazer em uma televisão por imperativos técnicos, econômicos, logísticos ou de imagem. Assim, comecei a entrevistar especialistas e jornalistas que considero autores de confiança e que conhecem em profundidade diferentes regiões – por exemplo, Afeganistão, Congo, Cuba, China. Enfim, perguntei a esses especialistas sobre a zona que conheciam. Perguntei se o que passa na imprensa se ajusta ao que acontece. Eles, evidentemente, opinaram e mostraram como determinadas situações não estão ajustadas ao que está sendo contado nos meios de comunicação. Falei com as organizações de direitos humanos que estão nos locais. Busquei analistas que trabalham com meios de comunicação, observatórios de meios de comunicação, especialistas nos segmentos de notícia em âmbito acadêmico. Conversei com meios alternativos que não estão tão influenciados por interesses publicitários ou de grupos econômicos empresariais. Você acredita que existe uma espécie de plano estabelecido entre os diversos meios para desinformar ou as coisas acontecem de forma mais natural e automática, como sendo uma espécie de ação de imprensa que vai se estabelecendo? Não é um plano desenhado, mas parte da evolução espontânea do mecanismo de funcionamento dos meios de comunicação. Seguindo a ideia: meios de comunicação são propriedades de grandes grupos empresariais. Interesses econômicos de gran-

des empresas multinacionais pedem grandes investimentos em publicidade. Políticos liberais que não gostam de políticas progressistas reagem em conjunto com esses atores. Ou seja, assim se forma um consenso para satanizar o Hugo Chávez ou para criminalizar a Revolução Cubana. A grande imprensa não se reúne para dizer: “como vamos atacar Cuba ou Chávez?”. Os interesses desses grupos econômicos é que vão atuar em consenso, sem necessidade de se coordenarem. Um exemplo claro são os países latino-americanos que passam por reformas nas leis de comunicação. A reação dos grandes meios de comunicação na Venezuela, na Argentina e no Equador foi igual. Governos que iniciam processos de democratização dos meios de comunicação, cedendo espaço aos movimentos sociais, meios independentes e imprensa livre, encontram sistemática oposição de grupos midiáticos espanhóis, bolivianos, argentinos e equatorianos. E, se amanhã houver uma iniciativa como essa no Brasil, será igual.

“A grande imprensa não se reúne para dizer: ‘como vamos atacar Cuba ou Chávez?’. Os interesses desses grupos econômicos é que vão atuar em consenso, sem necessidade de se coordenarem” Mas, se por um lado não há um plano, por outro existe uma articulação dos meios, como, por exemplo, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) ou a ONG Repórteres sem fronteira. Como é essa articulação? Sim, eles têm mecanismos de combate comum. E é bom decifrar como operam e como não têm nenhuma legitimidade ou representatividade. Por exemplo, quando se fala da Sociedade Interamericana de Imprensa, não devemos nos cansar de explicar que se trata de uma associação patronal. Que defende as empresas e não representa nenhuma liberdade de expressão. É como se empresas que constroem estradas falassem da falta de liberdade de movimento porque estão impedidas de construir uma estrada na Amazônia. Não, liberdade de movimento é diferente de construir estradas. Além disso, temos que esclarecer que, quando as empresas falam de liberdade de expressão, estão reivindicando o seu direito de censura. Ou seja, querem continuar com seu direito de manter o oligopólio e o controle da informação. Dizer o que pode ir ou não para a tela e chegar ao público.

A Repórteres sem fronteiras é algo similar. Tem denunciado os jornalistas mortos no Iraque, mas muda de reação quando fala da Colômbia. Recentemente, fiz uma entrevista com um jornalista colombiano que disse que uma vez perguntou a um representante da Repórteres sem fronteiras como ele considerava a liberdade de expressão na Colômbia. Ele respondeu: “Sim, é verdade que nos matam, mas na Colômbia a liberdade de expressão existe”! Quais são os países onde a desinformação é maior? Em qual nação os meios estão mais concentrados? Eu acredito que o país mais desinformado é os EUA, considerando a quantidade de recursos que o governo estadunidense tem para infiltrar analistas, comprar jornalistas, pressionar as linhas informativas aos seus interesses. Ademais, os lobbies das empresas, como as de armas, sobre conteúdos jornalísticos ficaram claros na guerra do Iraque. Em alguns países, as denúncias de que não havia armas de destruição massiva ou de que era uma invasão ilegal ao país do Oriente Médio tiveram uma certa aceitação. Nos EUA, dados de analistas e informações mostraram que a desinformação publicada a respeito da invasão era totalmente a favor da intervenção, ao ponto que 51% dos estadunidenses acreditavam que Saddam Hussein havia participado pessoalmente nos atentados de 11 de setembro. O que demonstra claramente que foram enganados. Mas acredito que o país onde a desinformação levou ao enlouquecimento manipulador de maneira mais violenta e radical é a Venezuela. O livro narra exemplos impressionantes. Não só como os meios de comunicação venezuelanos tratavam o Chávez, mas como as informações chegavam a outros países. Lembro-me de uma manifestação a favor de Chávez que as televisões, ao vivo, para mostrarem que havia poucas pessoas, filmaram a 2 quilômetros de onde estava acontecendo o ato. Ou mostravam e repassavam para outros países imagens de manifestação em oposição a Chávez com imagens gravadas há anos! Como é possível se contrapor a esse poder? Neste momento, o principal mecanismo de combate que o capital e a burguesia possuem contra os governos progressistas não é sequer a ameaça de um golpe militar; são os meios de comunicação. Já conseguiram coisas que nenhuma empresa e nenhum governo conseguiram. Maior impunidade, menos controle por parte das legislações. Creio que os governos progressistas reagiram demasiadamente atrasados. Evo Morales ou Lula passaram anos reclamando que os meios de comunicação não paravam de atacálos e agredi-los. Apenas reclamar me parece uma política ineficaz. Se um governo progressista é atacado, o que ele tem a fazer é desenvolver políticas públicas para evitar isso. É como em educação: se não há colégio para todas as

crianças, os governos não devem vir se queixar, devem construir escolas. E esses governos devem criar políticas públicas de democratização da comunicação. Mas os meios públicos e comunitários não podem se converter em meios de governo, presidentes e partidos. Devem ser participativos, democráticos e estar sob controle do cidadão. Estes são pontos imprescindíveis e que estão se desenvolvendo lentamente, mas com passos firmes. A Venezuela está na primeira linha de desenvolvimento de meios comunitários e públicos, à frente da Europa. Você acredita que a esquerda, de maneira geral, já se deu conta da importância dos meios de comunicação como mecanismo de resistência à dominação das elites? A esquerda se deu conta, ela é consciente de que tem grandes inimigos nos meios de comunicação, mas não sabe o que fazer. Durante muitos anos, a esquerda achou que deveria pactuar com os grandes meios. Organizando entrevistas coletivas, passando as informações, dando subvenções fiscais. Assim, acreditaram em um acordo com o capital pensando que ele os deixaria governar. A esquerda tradicional, seja em governos progressistas ou em partidos políticos, precisa compreender que não há pacto possível. Os grandes meios somente hipotecam espaços, mas não deixarão que nada se mova. O que devemos buscar é uma revolução midiática. Pois o dilema da mídia é o mesmo dilema que há em outros setores. Então, não há pacto com latifundiário, pois ele nunca vai querer perder o latifúndio, nem de terra, nem de mídia. Porque são empresas de comunicação e, por trás, grupos de empresários e um modelo econômico. Como é o panorama da imprensa de esquerda na Espanha? É deprimente. O México tem um excelente jornal, que é o La Jornada. No Brasil, vocês têm o Brasil de Fato, que é uma experiência muito bonita de coordenação dos movimentos sociais para ter uma publicação, o que é algo muito difícil. Na Itália, ainda há o Il Manifesto e outros ligados à esquerda. Mas, na Espanha, não. * Da revista Caros Amigos.

Quem é Nascido em Valencia (Espanha) em 1964, Pascual Serrano fundou em 1996, juntamente com um grupo de jornalistas, a página Rebelión (www.rebelion.org). De 2006 a 2007, Serrano foi assessor editorial da Telesur. Hoje, colabora com publicações espanholas e latino-americanas e, mensalmente, com o Le Monde Diplomatique. Entre seus livros sobre política e comunicação, destacam-se: Desinformación. Cómo los medios ocultan el mundo, de 2009; Perlas 2. Patrañas, disparates y trapacerías en los medios de comunicación, de 2007, e Medios violentos. Palabras e imágenes para el odio y la guerra.


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de 14 a 20 de janeiro de 2010

áfrica Damien du Toit/CC

A voz rural contra o apartheid DESIGUALDADE Vinte anos após o fim do regime racista que vigorava na África do Sul desde 1948, as terras do país ainda estão, em sua maioria, nas mãos dos brancos Ana Maria Amorim da Cidade do Cabo (África do Sul) PELOS CANTOS DA África do Sul, a forte história de intolerância racial ainda agoniza. Andando pela cosmopolita Cidade do Cabo, capital legislativa do país, percebe-se que as contradições se afloram a cada curva. Entre os bairros milionários, encravados nas praias de mar azul, a arquitetura remete às fotos das mansões europeias. A construção civil se ostenta com apartamentos luxuosos, cada qual com uma piscina particular na varanda e com um preço que ultrapassa a casa de 1 milhão de dólares. A famosa geografia desenhada pelas inúmeras montanhas que cercam e atravessam a cidade funciona como uma grande parede que não permite que os turistas se surpreendam com os precários subúrbios e suas casas amontoadas em territórios planos, feitas de restos de madeira e metal. Tão agressivo quanto o panorama de Cidade do Cabo é o retrato rural do país. Desde a colonização, holandesa e inglesa, as pessoas “coloridas” foram excluídas do acesso à terra. Em 1913, a Inglaterra promulgou a Native Land Act (Lei da Terra Nativa), que formalizou nacionalmente que o acesso à terra se relacionava diretamente com a procedência racial da pessoa. Assim, foram reservados 8% das terras do país para os negros (na África do Sul, a união dos excluídos fez com que se entendesse por negro todos que não eram brancos, incluindo, portanto, as outras “raças”). Os outros 92% eram exclusivamente dos brancos.

Em 1913, a Inglaterra promulgou a Native Land Act (Lei da Terra Nativa), que formalizou nacionalmente que o acesso à terra se relacionava diretamente com a procedência racial da pessoa

A Land Act só foi revista em 1936, quando outra lei, a Native Trust and Land Act estabeleceu, entre outras medidas, um tímido avanço – agora, os negros poderiam ocupar até 13% das terras. A resistência negra, então, se agudiza e, na década de 1940, os ganhos da parcela branca na África do Sul ficam ameaçados por uma crise econômica que coincide com o aumento da urbanização, da industrialização e da organização dos trabalhadores. A solução do regime que comandava o país foi, entre outros passos, a instauração da segregação atra-

vés do regime denominado apartheid, em 1948. A partir de então, as bandeiras por liberdade e igualdade do sul da África passaram a se pautar, direta ou indiretamente, pela questão agrária. “A terra deve ser repartida para quem trabalha nela”, dizia a frase do The Freedom Charter, documento adotado em junho de 1955 por mais de 3 mil pessoas de todas as cores. O fim do sistema do apartheid – marcado pelas primeiras eleições democráticas em 1994, que levaram Nelson Mandela ao poder da nação – e as promessas firmadas de reforma agrária não foram suficientes para consolidar ousados passos na democratização da terra. Os primeiros passos

Principalmente nos anos de 1990, organizações não-governamentais (ONGs), comunidade rurais e organizações políticas atuaram pela garantia de acesso à terra, com bandeiras que abrangiam o fim das remoções forçadas, a valorização da mulher que trabalha no campo e a eliminação da pobreza nas comunidades rurais. Em compensação, mesmo com discussões e documentos políticos referentes à reforma agrária, ou, ainda, com a existência do Departamento de Questão Agrária, a atuação governamental não foi suficientemente ativa para o rompimento com as injustiças do passado. Repletos de indefinições, os planos de reforma agrária na África do Sul encontraram entraves como, por exemplo, as aquisições de terra pelo governo. Baseando a compra das terras no preço de mercado, a moeda de troca dos fazendeiros era a especulação. Assim, decisões que deveriam ter como meta a redistribuição de terras acabaram por desconsiderar os apontamentos defendidos pelas organizações que lutavam pela reforma. Ainda que traçando metas, seja através do Settlement and Land Acquisition Grant (SLAG, Assentamento e Aquisição de Terras), nos primeiros seis anos da redemocratização, ou do Land Redistribution for Agricultural Development (LRAD, Departamento de Redistribuição de Terras para Desenvolvimento Agrícola), a partir de 2000, os resultados nunca foram satisfatórios. Com a mudança institucional dos órgãos responsáveis pela reforma agrária, a meta anterior de redistribuir 30% das terras em cinco anos se alongou, podendo agora ser feita em até 15 anos. Assim, a África do Sul fechou o século passado com menos de 1% de suas terras redistribuídas. Atualmente, não mais que 5% destas foram efetivamente destinadas para a reforma agrária. Em um país onde quase 80% dos 48 milhões de habitantes são negros, 80% das terras são controladas por fazendeiros brancos e pelo Estado. Nesse contexto de exclusão e exploração, os trabalhos das organizações que lutam pelos direitos humanos e de acesso à terra no país continuam sendo uma peça importante para se encorajar uma real emancipação. Como exemplo dessa luta, encontra-se a ONG Trust for Community Outreach and Education (TCOE),

Rua do centro da Cidade do Cabo, capital legislativa da África do Sul

que, em seus documentos, frisa que uma das maiores lições aprendidas no processo de reforma agrária no país é a necessidade de se formar um movimento rural. Um novo futuro

Para a TCOE, o maior desafio é a consolidação da organização dos trabalhadores rurais do país contra a lógica imposta para o campo. No estado do Cabo Oeste (Western Cape), o final de 2009 serviu para que as diversas comunidades com as quais a ONG trabalha trocassem suas experiências. Um festival reunin-

do essas comunidades aconteceu na segunda quinzena de dezembro, na reserva natural Vrolijkheid, nas proximidades da pequena cidade de Robertson. Monica Johnson mora em Buffeljags River, uma região que ela descreve como “muito pobre e sem oportunidades de trabalho”. As terras da região estão próximas a duas grandes fábricas de queijos e vinhos, como a Sharon Fruit, mas os empregos gerados ali não são destinados para a população local. A história se repete com Velewzima Wakwa, que mo-

ra na região de Robertson e atua pelo direito à terra há 15 anos. Wakwa relembra as promessas feitas de reforma agrária no país, cuja taxa prometida em 1994 – de 30% em cinco anos – foi adiada novamente para 2014. Lizzie Neethling, da região de Swellendam, acredita que os direitos dos povos são negados. Há três anos na região, cujos títulos de propriedade não são daqueles que nas terras cultivam, Lizzie diz em voz calma e limpa que tais territórios deveriam retornar às pessoas que trabalham neles.

“Give back our land” (Devolvam nossas terras) é a frase ao fundo das camisas de muitos ali presentes. Estampada em letras grossas nas camisas pretas, lê-se Mawubuye, nome dado ao fórum de direitos à terra na África do Sul. É esta a ligação entre as pessoas afetadas por todo o legado de exclusão e que buscam de alguma forma ter o mínimo da justiça garantido. São as sementes lançadas em uma terra já demasiadamente regada de suor e sangue, onde novas vozes são estratégias necessárias para a construção de um projeto para o país.

Pode a Copa do Mundo tirar sua anfitriã de uma recessão? No primeiro dia do ano do campeonato mundial de futebol, os jornais sintetizavam o clima de euforia: “2010 é o ano da África do Sul”; no entanto, melhorias à maioria da população ainda são apenas promessas da Cidade do Cabo (África do Sul) A recessão econômica em que vive a África do Sul pode ser amenizada pela Copa do Mundo de 2010, dizem as capas dos jornais do país. No primeiro dia do ano do campeonato mundial de futebol, os jornais sintetizavam o clima de euforia: “2010 é o ano da África do Sul”. Com otimismo, as declarações dos responsáveis pelo comércio e turismo ponderam que o impacto da crise econômica mundial existe no país, mas ressaltam uma melhora desde outubro e apostam que a Copa do Mundo pode ser um fator que mude as condições atuais. A indústria do turismo é uma das peças centrais nas apostas de melhorias. Uma queda entre 10% e 15% na entrada de grupos turísticos nas cidades não desanima o setor: o aumento dos visitantes individuais seria capaz de compensar tal perda. Também não desanima a queda brusca dos turistas do Reino Unido ou da Alemanha: agora, o papel central do turismo é desenvolvido pela parte leste do mundo, como a China e a Índia. Em declaração à imprensa, o representante da Federação de Recepção do Cabo Sudeste da África, Phillip Couvaras, disse que o fato de ser uma das cidades que abrigarão os jogos da Copa transformou a Cidade do Cabo em um ponto atrativo aos turistas. “Os recursos advindos com o turismo são consideráveis este ano, e estamos inundados de ligações de visitantes estrangeiros e locais buscando informações sobre acomodações na cidade”, completa.

Bonança para poucos Mas as mãos que ergueram as ousadas arquiteturas dos estádios da África do Sul não parecem enxergar tal bonança. Desde o início das construções, em 2007, as greves dos trabalhadores da construção civil no país foram motivo de preocupação para os organizadores do evento. Nas coberturas feitas pelos jornais nacionais e internacionais, o foco foi a viabilidade ou não das obras serem concluídas a tempo dos jogos. A real causa dos trabalhadores – um aumento de 13% nos salários – parecia um detalhe nas notícias. As frequentes negociações entre as empreiteiras e os sindicatos encontraram o meio-termo: 12% de aumento.

Desde o início das construções, em 2007, as greves dos trabalhadores da construção civil no país foram motivo de preocupação para os organizadores do evento No início de dezembro, foi entregue o estádio de Greenpoint, na zona nobre da Cidade do Cabo, que receberá uma das semifinais da Copa do Mundo. O estádio foi construído em 32 meses repletos de greves e brigas ambientalistas. De dentro do estádio, que teve um cus-

to total superior a 600 milhões de dólares, os 68 mil espectadores da partida poderão avistar a Table Mountain, a famosa montanha da cidade. A onda de otimismo encontra barreiras em alguns sobreavisos. O South Africa National Consumer Union alertou que a saída de uma crise não é algo instantâneo e que o país enfrenta o aumento do preço dos alimentos, que deve ser acompanhado pelo aumento das taxas de energia e telefonia. O Consumer Profile Bureau também não aposta todas as moedas na Copa do Mundo. A preocupação estaria no fim dos jogos, quando cerca de 500 mil empregos das indústrias de construção e entretenimento devem desaparecer. O país dos outros A professora Wendy Doust admira o estádio de Greenpoint diariamente, ao sair da parte leste da Cidade do Cabo em direção a Sea Point pela avenida litorânea principal. Wendy, que já morou e trabalhou na antiga colonizadora do país, a Inglaterra, diz que ainda sente o dedo da monarquia pesando sobre a África do Sul. “A Cidade do Cabo é possivelmente uma das mais belas cidades do mundo, com a bela mistura entre o mar azul e as montanhas. Mas o que eu sinto é que toda essa beleza que comporta a cidade não está disponível para mim. Eu sinto que o que eu posso ter daqui são apenas as paisagens, pois o desenvolvimento em si não parece estar à minha disposição”, diz. Ao ser perguntada sobre qual desenvolvimento ela não enxerga em sua vida,

Wendy lista: educação, saúde e trabalho. A falta de trabalho é, de fato, uma das queixas mais comuns na África do Sul. No início do segundo semestre de 2009, a taxa de desemprego no país cresceu 24,5% – isso significa que mais de 4 milhões de trabalhadores da África do Sul estão sem emprego. O otimismo com a destinação dos lucros da Copa do Mundo para uma melhor infraestrutura do país também não seduz Eduard Kalos, que mora no bairro Greenpoint. “Eu me pergunto quando é que o governo nacional e local e a mídia vão chamar a atenção para o caos do transporte público na Cidade do Cabo”, desabafa. O meio de transporte mais comum na cidade são as vans, chamadas de táxi ranks, normalmente velhas e sem conforto. Elas não têm local certo para embarque ou desembarque – os sinais são os assovios do cobrador ou as insistentes buzinas do motorista. Qualquer lugar das vias por onde circulam pode se transformar em um ponto de embarque. Os ônibus que circulam no centro da cidade também estão em situações precárias – eles têm a capacidade máxima de 91 pessoas, e o motorista se desdobra também no papel de cobrador. “As copas do mundo sempre vieram com essas promessas. Mas quando elas foram realmente cumpridas?”, questiona, sem muita esperança, o comerciante do bairro de Mowbray, Brian Broomberg. Ele mesmo responde à pergunta com um decidido “nunca”. Na inconsistência dos retornos com o evento esportivo flutua a esperança da população da África do Sul em ter melhorias em direitos básicos. Cabe a espera no momento, mas, considerandose as pistas de Broomberg, o brilho dado à Copa do Mundo até agora não passa de um falso diamante. (AMA)


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