Circulação Nacional
Uma visão popular do Brasil e do mundo
Ano 8 • Número 374
São Paulo, de 29 de abril a 5 de maio de 2010
R$ 2,80 www.brasildefato.com.br André Vicente/Folha Imagem
André Singer: base do lulismo quer mudanças sem rupturas Em entrevista ao Brasil de Fato, o cientista político André Singer, da Universidade de São Paulo (USP), analisa o fenômeno que ele denomina como “lulismo”. Para Singer, Lula conta com forte apoio de um eleitorado que, até 2006, era estranho ao PT: o subproletariado, setor de baixíssima renda. O segmento apoia mudanças que sejam realizadas de cima para baixo e que não interfiram na manutenção da ordem. Pág. 8
Estadunidenses continuarão sem sistema de saúde eficaz Para a médica Steffie Woolhandler, a reforma no sistema de saúde feita pelo Partido Democrata, de Barack Obama, não resolve os problemas de milhões de pessoas. “O grande problema da lei é que ela concede muito poder e dinheiro ao setor dos seguros médicos privados”, diz. Pág. 11
Barracas de ambulantes na rua 25 de Março, na capital paulistana, um dos principais centros de comércio informal na cidade
Camelôs sofrem com aumento da repressão policial em SP A reportagem do Brasil de Fato coletou uma série de relatos de camelôs e vendedores ambulantes sobre o aumento da violência por parte de agentes do Estado na região da rua 25 de Março, no centro de São Paulo (SP). Segundo os trabalhadores, a repressão vem subindo desde janeiro, quando um
acordo entre o prefeito Gilberto Kassab (DEM) e o então governador José Serra (PSDB) transferiu, da Guarda Civil Metropolitana para a Polícia Militar do Estado, a responsabilidade de fiscalizar os comerciantes informais. As denúncias são de agressões e prisões, além de intimidação e extorsão. Págs. 4 e 5
Reprodução
ABI
Na Tailândia, manifestantes reivindicam democracia
Os camisas vermelhas protestam em rua de Bangkok, capital e maior cidade da Tailândia
Confrontos violentos entre os “camisas vermelhas” e o exército tailandês causaram 20 vítimas fatais e centenas de feridos no dia 10 de abril. Para compreender melhor as reivindicações dos “camisas vermelhas” e a situação política do país, o cientista político tailandês Giles Ji Ungpakorn explica que, apesar de apoiarem o ex-primeiro-ministro deposto por um golpe de Estado, Thaksin Shinawatra, os manifestantes acreditam que ele respeita mais os pobres do que a elite conservadora, que está no poder. Pág. 12
Reconstrução do Haiti: um grande negócio
Os funcionários públicos da educação de Minas Gerais estão em greve desde o dia 8 de abril. Eles protestam contra proposta apresentada pelo governo, de apenas 10% de reajuste após anos sem revisões. Pág. 6
O plano de reconstrução do país caribenho, atingido por fortes terremotos em janeiro deste ano, foi entregue nas mãos do expresidente estadunidense Bill Clinton. Ele foi confirmado como chefe de uma comissão provisória que coordenará a reconstrução. A julgar pelos discursos, o setor privado deverá ser o grande beneficiado no processo. Pág. 10
ISSN 1978-5134
Tim Hamilton/CC
MG: servidores do ensino param por vinte dias
Na Bolívia,
povos esquentam a luta contra as mudanças climáticas Pág. 9
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de 29 de abril a 5 de maio de 2010
editorial NO FINAL DO século 19, houve um poderoso movimento operário-industrial em todo o Hemisfério Norte. Todo ele tinha inspiração socialista, anarquista ou comunista. Era a reação da classe trabalhadora aos 200 anos de capitalismo industrial, que haviam representado uma revolução em relação ao feudalismo, às oligarquias rurais e à monarquia, mas que tinham aprisionado uma multidão de pobres trabalhadores, com a exploração permanente e a extração da mais-valia, transformados em operários industriais. Multiplicaram-se as greves e mobilizações. Em alguns países houve até tentativas de revoluções operárias, como a Comuna de Paris, em 1871, quando os trabalhadores industriais da capital francesa tomaram o poder por 72 dias. Nos Estados Unidos também havia uma classe trabalhadora combativa e revoltada. Naquela época, centrava sua luta na conquista da jornada de trabalho de apenas oito horas por dia, pois a maioria dos trabalhadores chegava a trabalhar de 12 a 14 horas, sem nenhum direito a hora extra, nem nada.
debate
Reconstruir um 1º de Maio verdadeiro Nesse processo de luta, vários líderes operários foram presos e condenados à morte. Assim, foram reconhecidos depois como os “mártires de Chicago”. Alguns anos mais tarde, em homenagem aos mártires de Chicago e a todos os operários que lutaram pela jornada de oito horas, foi instituído pelo movimento operário internacional, o 1ºde maio, como dia de luta dos trabalhadores. Passaram-se os anos e na maioria dos países o 1ºde maio foi transformado em feriado! Foi uma forma dos governos progressistas ou não, institucionalizarem o que a classe trabalhadora já vinha adotando. Nesse dia, paravam-se as máquinas, faziam-se manifestações, protestos. Mesmo assim, apesar de ser uma data quase universal, até hoje nos Estados Unidos é proibido realizar qualquer manifestação e trabalhase normalmente no dia 1ºde maio.
Em alguns países, o 1ºde maio, além de feriado, virou Dia do Trabalho, como se fosse uma homenagem ao ato de trabalhar. Foi o que o presidente Getúlio Vargas tentou fazer no Brasil, capitalizando para si, essa efeméride. Mais recentemente esse simbólico dia recebeu mais um ataque. A partir da década de 1980, com a hegemonia do neoliberalismo e a derrota das ideias socialistas dentro do movimento operário na maioria dos países, o dia 1ºde maio foi transformado em dia de descanso. Ou seja, transformaram a data em apenas um feriado a mais. Aqui no Brasil, vergonhosamente, alguns sindicatos aproveitaram a data para fazer shows culturais de baixa qualidade e sorteios grotescos para uma massa despolitizada, lúmpen, ávida por uma casa, um automóvel..etc.
Mas a história não para. E seguimos a luta! Com o fracasso do neoliberalismo, as coisas começam a mudar. Muitos governos progressistas foram eleitos em nossa América, em muitos lugares o 1º de maio, volta a ser de homenagem à luta dos trabalhadores. Nos Estados Unidos, por incrível que pareça, há dois anos surgiu um poderoso movimento de trabalhadores migrantes, em especial de origem latina, que adotaram o 1ºde maio, como dia de protesto. E desde então, nesse dia realizam-se grandes passeatas e manifestações, provocando o império do capital, desde suas entranhas, e recuperando o espírito de Sacco e Vanzetti, mártires de Chicago. Aqui no Brasil também há sinais de mudanças. A conclamação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da Central dos Trabalha-
crônica
Kostis Damianakis
A tragédia grega já tem deus exmáquina, mas sem catarse em vista HÁ PREOCUPAÇÃO dentro e fora da Europa de que a Grécia pode se tornar a primeira peça de um dominó que levará à queda de outros países extremamente endividados – e não só no sul da Europa –, nocauteando de novo o sistema financeiro mundial. Isso comprovaria o que muitos economistas avaliam, que a saída das economias centrais da recessão não pode ser considerada como prova de que a crise acabou. Alguns até alegam que ela nunca acabará, já que a crise é um elemento sistêmico do modelo neoliberal que prevalece no mundo de hoje. Nesse contexto, a angústia dos países do euro de segurar a peça os levou a montar às presas um mecanismo de empréstimos com juros baixos, bancado pelos países da zona de euro (dois terços) e pelo Fundo Monetário Internacional (um terço), que vai desembolsar 40 bilhões de euros para 2010 e 150 bilhões até 2012. Justamente nesses dias, em Washington e em Bruxelas, são definidos os detalhes e as condicionalidades desse mecanismo que visa proteger a economia das garras dos especuladores financeiros que hoje emprestam dinheiro necessário para o país pagar até salários e aposentadorias, com juros 7% a mais do que emprestam à Alemanha, alimentando o ciclo vicioso do endividamento e recessão. A novidade para a zona do euro é que o FMI foi convidado por uma teimosa Alemanha, para fazer o papel do deus ex-máquina na reestruturação do sistema financeiro de um país membro, mesmo que isso signifique a concessão da soberania política europeia para uma instituição que, nos últimos tempos, vinha perdendo sua imagem e papel de oráculo indisputável sobre as dívidas fiscais do mundo. A utilização desse mecanismo de “salvação”, segundo pesquisa publicada no dia 26 na Grécia, não é bem vista pela grande maioria (77%) da população e é criticada até por grande parte do sistema político europeu. Eles denunciam principalmente os lucros que serão gerados para os credores (1ºbilhão só para Alemanha), anulando qualquer pretexto de solidariedade. Além do fato de que os gregos foram sistematicamente menosprezados e ridicularizados nos últimos meses pelos oficiais e pelas mídias dos países que bancarão esse mecanismo, a nação entrará numa situação de tríplice vigilância (União Europeia-UE, FMI e Banco Central Europeu) por um tempo indeterminado, algo que ofende profundamente a idiossincrasia independente do povo. A questão, no entanto, não é meramente de orgulho ferido nem de repúdio instintivo das instituições de Bretton Woods e dos mandamentos do colegiado das Bruxelas. O povo grego já está revoltado porque seu governo, dito socialista, e os oficiais da UE e
Luiz Ricardo Leitão
Saudades de Noel
nacional e estrangeiro, e não dos trabalhadores. O país é culpado também por ter seguido os mandamentos de Bruxelas e desarticulado os setores produtivos que migraram para as maquiladoras baratas dos vizinhos balcânicos e por ter privatizado e concedido setores estratégicos da economia no capital estrangeiro. Por fim, a nação é culpada por ter aceitado com o rabo entre as pernas o castigo chamado de austeridade fiscal, orquestrado pelo FMI e pela Alemanha, que hoje, através de suas corporações estatais e privadas, controla os setores estratégicos gregos (estaleiros – TysenKrupp, telecomunicações – Deutsche Telekom, aeroportos – Hochtief, serviços e equipamentos de alta tecnologia – Siemens etc.), privatizados por migalhas e com processos comprovadamente fraudados. Parece ironia, mas quando os jovens gregos queimaram as ruas em dezembro de 2008 para protestar pela morte de um jovem por policiais e exigir um futuro melhor, seus pais ficaram em casa com medo ou por indiferença. Agora é garantido que os mandamentos da UE e do FMI vão levá-los juntos à rua para exigir pelo menos um futuro. Se o mecanismo de salvação foi pensado como um cavalo de troia para derrubar os direitos do povo trabalhador, seus inspiradores vão perceber logo que isso só servirá como verdadeiro presente de grego.
NESTA SEMANA, a Vila Isabel e os amantes do samba evocarão mais de sete décadas sem a presença do seu poeta maior, Noel de Medeiros Rosa, que em 4 de maio de 1937, com pouco mais de 26 anos de vida, antecipou sua “passagem para o espaço sideral”, como nos descreve o samba-enredo que embalou o último carnaval na Sapucaí. Sua ausência será sentida por músicos e intelectuais, seja nas rodas de samba, seja no mundo das letras, já que Noel, em última instância, não foi apenas o ‘Poeta da Vila’, mas também um agudo e contundente “Cronista do Brasil’. Aliás, não seria demasiado imaginar o que o espirituoso compositor teria a dizer desta Bruzundanga de 2010, às vésperas de mais uma eleição ‘espetacular’ na República e em todas as suas províncias, em que Arrudas e outras espécies nada aromáticas medram em terras tupiniquins. Nascido em plena Belle Époque e morto no ano em que Getúlio Vargas decretaria o Estado Novo, ele testemunhou a decadência da política do “café-com-leite” e o ingresso do país numa etapa mais complexa de sua evolução capitalista, por meio da qual o Estado cria as condições básicas para a dita modernização técnica e industrial do secular espaço agromercantil. Noel sabia, como poucos, que por trás da aparente “revolução” se impunha, mais uma vez, a sábia máxima do escritor italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa, autor de O Leopardo, segundo o qual, “é preciso mudar para não mudar”... Não estávamos, de fato, tão distantes assim da aristocrática Sicília da segunda metade do século 19, em que o jovem Tancredi, sobrinho do príncipe de Salina, adverte seus pares sobre a fórmula mais adequada para superar o ostracismo da nobreza local. O Brasil também carecia de mudar, para que tudo ficasse como estava... A verdadeira Revolução, vista como um processo contínuo de profundas transformações políticas e socioeconômicas, que, em curto período de tempo, resulta em mudanças radicais da sociedade, ainda era, infelizmente, uma realidade intangível para esta terra. Consciente desse fato, o compositor torna-se um perfeito cronista das mazelas e virtudes da pátria-mãe, aquelas “coisas nossas” que ele enumera em uma pitoresca canção de 1932 (“São Coisas Nossas”). Na galeria dos tipos noelinos, desfila desde o “malandro que não come” e mata a fome com o samba até “a menina que namora na esquina e no portão” ou “o rapaz casado com dez filhos e sem tostão”, sem esquecer a “morena bem bonita lá da roça” ou as típicas figuras do Rio urbano: baleiros e jornaleiros, agiotas e vigaristas, motorneiros e passageiros, além do próprio bonde “que parece uma carroça” (“coisa nossa, muito nossa”). Mimetizando no plano estético a confusa conjuntura com que se abre a nova década, com uma profusão sem igual de “revoluções” (1930, 1932...), o samba de Noel brinca com uma miscelânea de signos (morena, roça, carroça...) que, não por mera coincidência, seriam atualizados pela Tropicália de Caetano, Gil e Tom Zé ao final dos anos 1960 (mulata, bossa, palhoça...). Enquanto os grandes nomes da nossa intelligentsia (Mário de Andrade, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e outros) tentam decifrar o enigma da “identidade nacional” com obras fundamentais de nossas letras (Macunaíma, Casa-grande & senzala, Raízes do Brasil, etc.), os bambas da música popular elaboram com sua arte um autêntico tratado de sociologia tupiniquim. Noel Rosa é o protótipo mor dessa espécie de poeta-cronista que, em duas ou três estrofes, desvela ao público as contradições e dilemas que afligem o Brasil num torvelinho de golpes e insurreições cujos verdadeiros motivos muitos sequer logram compreender. Ele se torna mestre no ofício de zombar dessas mudanças que não dizem ao que vieram, escarnecendo como pode das “reformas” cosméticas e superficiais que não implicam qualquer serventia prática às pessoas. Assim, Noel recriou, com o condão do samba, o mesmo Brasil e a mesma Bahia de Gregório de Matos, que um dia fora rico e abundante, mas agora se via pobre e empenhado nas mãos dos mascates de além-mar: sem vintém, mas sempre pronto a pedir emprestado. Não se esqueceu de registrar, porém, a desfaçatez e a corrupção dos grandes leiloeiros do país, cujo dinheiro “nasce de repente”, rendendo-lhes palacetes reluzentes, joias e criados à vontade. Ele talvez não soubesse, mas, ao cantar o Brasil de tanga – e com capote de algodão – que explode nos versos de “Com Que Roupa?” (1930), terminou por aquecer eternamente o coração de todos que sonham em despertar do seu sono esplêndido a nossa pátria-mãe sempre tão distraída e subtraída em sinistras transações. Ave, Noel! Sentimos saudades de ti.
Kostis Damianakis é grego, mora no Brasil e é militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa: Poeta da Vila, Cronista do Brasil (lançado em 2009 pela Expressão Popular).
Ninguém alega que a Grécia é isenta de responsabilidade por ter chegado nesses índices explosivos (desemprego oficial de 13%, dívida pública de 130% do PIB e déficit de 13,7%), que ameaçam levar o povo a uma situação econômica igual à de três décadas atrás, de acordo com as projeções do próprio governo. A Grécia é culpada por ter sustentado um sistema político com bipolaridades múltiplas, além da clássica direita-socialdemocrata e uma administração pública corrupta e sempre à disposição dos interesses do grande capital
do FMI estão exigindo sacrifícios dolorosos que os trabalhadores vão ter que sustentar até que o país saia do buraco. Para convencê-los a obedecer, eles conseguiram, em sintonia com os grandes grupos midiáticos, criar um sentimento de culpa neles ao falar de cumplicidade dos trabalhadores com uma administração pública cronicamente ineficiente e hidrocefálica, fundada sobre o clientelismo e a corrupção institucionalizada, que hoje custa cerca de 20 bilhões de euros por ano aos cofres públicos. Falam também de falta de realismo e indiferença para o futuro da nação por parte dos sindicatos que se recusam a negociar a “adaptação” das leis trabalhistas (corte de dois salários nos setores público e privado) e do sistema previdenciário (aumento da idade mínima para aposentadoria aos 67 anos). Isso tudo num país que, segundo a Eurostat, agência de estatística da UE, o salário mínimo e a aposentadoria média chegam a 52% da média da zona do euro, enquanto os trabalhadores gregos são os primeiros em horas de trabalho semanal. Falam também que são necessários cortes no sistema de saúde público e abertura no sistema de educação na iniciativa privada e, ao mesmo tempo, omitem que o trabalhador não teve nenhum benefício pelos investimentos em projetos faraônicos como as Olimpíadas e em infraestrutura militar, que têm levado a Grécia, segundo a ONU, ao quinto lugar do mundo em importação de armas convencionais e à 83ª posição em gastos na educação e à 56ª na saúde.
dores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) para que se realize uma paralisação nacional no dia 18 de maio, como parte da luta pela redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, tem tudo a ver com a luta histórica da classe trabalhadora. Oxalá, possamos transformar os atos do 1ºde maio desse ano em verdadeiras mobilizações de classe, e sobretudo aproveitemos as concentrações para preparar a paralisação nacional do dia 18. Assim, vamos todos pressionar o Congresso Nacional para aprovar, enfim, a lei que reduz a jornada de trabalho para 40 horas semanais. Por isso, como militante social da classe trabalhadora e como veículo de comunicação vinculado umbilicalmente aos movimentos sociais, o Brasil de Fato se soma a esse esforço, e espera que todos os militantes sociais de todo o país ajudem a organizar um 1ºde maio combativo, de luta, em todas as cidades brasileiras. E que aproveitem a data para ajudar a organizar a paralisação nacional do dia 18 de maio. Vamos conquistar as 40 horas semanais, com luta e mobilização!
Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Igor Ojeda, Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Daniel Cassol, Eduardo Sales de Lima, Leandro Uchoas, Mayrá Lima, Patricia Benvenuti, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, Vinicius Mansur • Assistente de Redação: Michelle Amaral • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Felipe Dias Carrilho • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Aurelio Fernandes, Delci Maria Franzen, Dora Martins, Frederico Santana Rick, José Antônio Moroni, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Sávio Bones, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800
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brasil
Jornada de 40 horas pode gerar 2,5 milhões de novos empregos Arlindo Cruz / Abr
REDUÇÃO DA JORNADA PEC, que diminui o trabalho semanal e aumenta valor da hora extra, será votada este ano Raquel Torres do Rio de Janeiro (RJ)
Centrais sindicais fazem manifestação em frente ao Congresso Nacional reivindicando jornada de 40 horas semanais
Alerta
Um dos maiores argumentos apontados pelos trabalhadores para a necessidade da redução é que ela levaria a um aumento no número de empregos. A lógica é simples: se os empregados de uma empresa passam a trabalhar menos horas por dia, são necessárias novas contratações para que se consiga manter a produção. Assim, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a aprovação da PEC poderia levar à criação de cerca de 2,5 milhões de novos postos de trabalho.
Mas as coisas nem sempre se passam conforme o esperado. Quando, em 1988, a Constituição Federal reduziu a jornada máxima de 48 para 44 horas semanais, havia também a perspectiva de um grande aumento do número de empregos. No entanto, a realidade foi diferente. O professor de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB) Sadi dal Rosso que, na época fez um estudo examinando as curvas de emprego nos meses subsequentes à promulgação do texto, diz que houve uma melhora, mas menor do que a prevista. “Falava-se num possível aumento de até 8%, mas o que verifiquei foi algo entre 0,7 e 1%”, diz. Embora seja favorável à aprovação da PEC, o professor afirma que é preciso es-
O custo para as empresas do Rio de Janeiro (RJ) O argumento de que a redução legal da jornada poderia ser danosa por elevar demasiadamente os custos das empresas apareceu durante as discussões na Câmara. Para Vicentinho, há avanços no debate, porque parte do empresariado já é favorável à medida. “Pela primeira vez, conseguimos unir todos os trabalhadores e dividir os empresários. Muitos inclusive já praticam as 40 horas. A posição negativa em relação à proposta, de parte do empresariado brasileiro, já não é unânime”, afirma. Segundo o Dieese, o impacto nas despesas dos empregadores não seria tão grande: apenas 1,99%. Para Sadi dal Rosso, a diminuição da jornada pode até mesmo beneficiar as empresas, em vez de prejudicá-las. “Em primeiro lugar, quem tem mais tempo de descanso trabalha melhor e aumenta a produtividade. Em segundo, com quatro horas livres a mais por semana, muitos trabalhadores certamente procurariam cursos de formação e aperfeiçoamento, o que, em última instância, beneficia também as empresas”, opina. Para ele, esse deve ser um argumento de convencimento da parcela do empresariado que ainda está reticente quanto à aprovação da proposta. Tendência mundial A evolução da jornada de
trabalho no mundo passou por três movimentos nítidos: alongamento intenso, alcance de um ponto máximo e, finalmente, uma tendência de declínio – momento em que nos encontramos há cerca de 100 anos. A avaliação é de Sadi dal Rosso, para quem o aumento da jornada foi característico de uma nova mentalidade estabelecida com o início da industrialização. “Durante o fim do século 19 e início do século 20, os industriais assumiram o papel não só de fornecedores de empregos, mas também de criadores e disseminadores de uma nova mentalidade – a disciplina pesada e o horário fixo de trabalho vêm daí. A população assalariada trabalhava irregularmente e a industrialização trouxe os empregos fixos, com atividades que começam e terminam em horários estabelecidos. Essa jornada pautada pelo empregador foi se alargando até atingir uma duração máxima, a partir da qual não era mais possível forçar”, explica o professor. A partir de então, teve início um clamor popular pelo controle dessa evolução, o que acabou resultando em medidas legais para estabelecer as jornadas (ver box ao lado). Hoje, a média de horas trabalhadas em diversos países vem caindo. Segundo o Dieese, em 2002 a jornada média semanal na Alemanha era de 41,5 horas; na Espanha, de 35,7
horas; e no Reino Unido, de 39,6 horas, por exemplo. No entanto, nem sempre esse número corresponde à jornada máxima estipulada por lei nesses lugares: na Alemanha e no Reino Unido, a jornada legal ainda é de 48 horas por semana e, na Espanha, ela é de 40 horas. Mesmo no Brasil, as horas trabalhadas já são diferentes do máximo legal: em 2007, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), os brasileiros trabalharam em média cerca de 41 horas por semana. De acordo com Rosane da Silva, somente na França houve uma redução recente da jornada semanal legal de trabalho, para 35 horas. “Em outros países, isso se resolve por negociações coletivas”, afirma. Então por que é preciso que o Brasil estabeleça a diminuição em emenda constitucional? Segundo a secretária, porque nem todas as categorias têm conseguido avanços por meio de negociações. “No Brasil, as categorias mais organizadas alcançam melhorias, mas as menos organizadas não conseguem. Hoje, temos muitas categorias desestruturadas, o que dificulta a organização e a mobilização. Químicos e metalúrgicos, por exemplo, são grupos fortes, que conseguiram, por convenção coletiva, a redução de sua jornada semanal. Mas a maior parte dos trabalhadores não está nessas condições”, justifica.
tar alerta para o fato de que as empresas acabam encontrando outros meios de manter a produção, sem precisar de tantas novas contratações. Uma dessas formas é a racionalização do trabalho – dal Rosso conta que, na década de 1990, fez uma pesquisa com empresas do ABC paulista para entender como elas haviam lidado com a redução da jornada. “Houve reorganização dos espaços de trabalho, investimentos em tecnologias e redistribuição de tarefas, de modo que os empregados tinham uma carga maior de afazeres por hora. É a intensificação do trabalho – a mesma quantidade de tarefas realizada em uma jornada menor. As novas contratações só eram feitas quando não era mais pos-
sível reorganizar os processos”, diz o professor. Outra solução amplamente utilizada foi o uso extensivo das horas extras: “Em 1988, cerca de 24% da população brasileira trabalhavam além da jornada normal. No mês seguinte à aprovação da Constituição, esse número passou para aproximadamente 44%. E isso não foi efeito de uma fase de transição, pois os índices permaneceram assim. Hoje, continuamos oscilando na casa dos 40%. O emprego a ser criado acabou se convertendo em horas extras”, diz dal Rosso. Para garantir as melhorias
A frustração em relação a 1988 fez com que desde essa época o movimento sindical continuasse a luta por no-
Redução da jornada na enfermagem
Outras propostas Além de projetos de lei para categorias específicas, outras duas PECs tramitaram junto com a 231: a PEC 271/1995, que propunha uma jornada de 30 horas semanais, e a 393/ 2001, que estabelecia uma redução inicial para 40 horas e, posteriormente, 35 horas semanais. Ambas foram rejeitadas no parecer do relator Vicentinho. De acordo com dal Rosso, não há jornada máxima ideal: “O que prevalece é uma jornada social, definida de acordo com a correlação de forças de trabalhadores, empregadores e governos”, diz. Segundo Vicentinho, a defesa da PEC 231 foi adotada justamente levando em conta a real possibilidade de aprovação neste momento. “Se eu emitisse parecer pela aprovação das 30 ou 35 horas, seria muito difícil conseguir aprovar a redução em plenário ou mesmo na Comissão”, explica o deputado.
Trajetória Em 1º de maio de 1886, teve início uma greve nacional nos Estados Unidos, com milhares de trabalhadores nas ruas reivindicando a diminuição da jornada de trabalho de 13 para 8 horas diárias. Nos primeiros dias das manifestações, a cidade de Chicago presenciou uma das mais duras repressões policiais, com a prisão e condenação de líderes à morte. A greve não conseguiu emplacar as 8 horas, mas serviu como Edição especial do jornal exemplo e o 1º de maio foi esVoz do Povo, de 1o de maio colhido, três anos mais tarde, de 1921, homenageia os como o dia do trabalho. manifestantes presos e mortos O episódio talvez seja o mais famoso da luta pela redução da jornada, mas não foi o primeiro nem o único. Em 1866, quando a primeira conferência da Associação Internacional dos Trabalhadores propôs as 8 horas diárias como limite máximo da jornada, houve greves em todo o território dos EUA por essa reivindicação. A Inglaterra foi o primeiro país a estipular legalmente a duração do trabalho: em 1847, a jornada foi estabelecida em dez horas diárias. No Brasil, o fim do século 19 e início do 20 foram marcados por uma série de greves que, entre outras reivindicações, pediam a jornada de 8 horas. A primeira decisão legal só veio em 1933, com um decreto de Getúlio Vargas que fixava as 8 horas para trabalhadores urbanos – embora não citasse os rurais. Na história de nossas Constituições Federais, a medida só apareceu um ano mais tarde, na Carta de 1934, que estabelecia 8 horas diárias e 48 semanais. Com a Constituição de 1988, houve nova redução para 44 horas.
nios da Imagem / UEL
lidade de convocação de uma greve geral este ano para mobilizar o Congresso e pressioná-lo pela aprovação.
Laboratório de Estudos dos Domí
AS REDUÇÕES na jornada legal de trabalho nunca foram processos rápidos. Com as reivindicações para diminuir as 44 horas semanais atualmente previstas pela Constituição Federal não está sendo diferente: faz 15 anos que tramita na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 231/1995, dos ex-deputados e atuais senadores Inácio Arruda e Paulo Paim (PCdoB/CE e PT/RS), que estabelece uma jornada máxima de 40 horas por semana e aumenta o valor da hora extra de 50% para 75% do valor da hora normal. Hoje, após três arquivamentos e reaberturas e depois de ser aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e por uma Comissão Especial, finalmente a proposta está pronta para ser votada em dois turnos no plenário da Câmara, o que ainda não tem data definida para ocorrer. Embora seja um grande avanço, isso não quer dizer que o processo terá chegado ao fim – a PEC ainda será examinada e votada pelo Senado. A expectativa das centrais sindicais é que o projeto consiga ser aprovado pelo Congresso ainda em 2010 e, de acordo com Rosane da Silva, Secretária Nacional sobre a Mulher Trabalhadora da Central Única dos Trabalhadores (CUT), existe a possibi-
vas mudanças, de acordo com Rosane da Silva. “Isso se intensificou a partir dos anos 2000. Houve grande debate por conta do nível de desemprego, que cresceu muito na década de 1990, e então começamos a discutir novas medidas. A partir do debate coletivo, percebemos que a redução da jornada era uma medida necessária e possível”, comenta. Para ela, o encarecimento da hora extra é um mecanismo que deverá ajudar a garantir a criação de novos postos de trabalho e evitar que a história da última redução se repita. “Infelizmente, o setor só conversa quando há influência no fator econômico. O aumento do custo da hora extra gera mais despesas para os empregadores, que precisarão pensar duas vezes antes de expandirem a carga horária dos trabalhadores – talvez valha mais a pena contratar novos do que arcar com esses custos”, prevê. Rosane ainda lembra que muitas vezes os empregados trabalham além da jornada por conta de pressão das empresas. “Ninguém faz hora extra porque gosta, mas só por necessidade”, diz. Por isso, ela acredita que é preciso haver um controle maior das horas trabalhadas: “É necessário um controle mínimo, uma regulação pública disso. Uma possibilidade seria haver comissões internas, dentro das próprias empresas, para que elas de fato cumpram a lei e os acordos”, sugere. O relator da proposta na Comissão Especial da Câmara, deputado Vicentinho (PT/ SP), concorda com os benefícios do encarecimento da hora extra. E o emprego, de acordo com ele, não é o único ponto positivo da proposta. “Ela traz dignidade ao trabalhador, pois afeta o bemestar, proporciona mais tempo com a família e mais descanso e incide diretamente sobre a saúde, especialmente se houver de fato uma diminuição das horas extras: é comprovado que a maior parte dos acidentes de trabalho ocorre nos períodos de serviço extraordinário”, observa. (Revista Poli – saúde, educação e trabalho, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fiocruz www.epsjv.fiocruz.br)
Também está em tramitação no Congresso um projeto de lei que reduz a duração do trabalho de enfermeiros, técnicos, auxiliares e atendentes de enfermagem e parteiras. Atualmente aguardando para ser votado pelo plenário da Câmara, o PL 2.295/ 2000 (originado e já aprovado pelo Senado, com o número 161/99) estipula que, nessas áreas, a jornada normal não pode exceder seis horas por dia e 30 por semana. De acordo com Antônio Marcos Freire, do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), essa é uma demanda que surgiu ainda em 1955, quando foi publicada a primeira lei regulamentando o exercício da enfermagem no Brasil – a lei não estipulava a duração do trabalho. De acordo com ele, a enfermagem é uma área peculiar, que precisa de uma jornada menor. “A jornada é intensa e extensa. A demanda é enorme, o estresse profissional é uma constante e há problemas de ordem laboral, como acidentes e doenças de trabalho em virtude das condições praticadas. Há muitos profissionais com problemas como depressão, varizes e estresse profissional”, alega. Ele afirma que as seis horas já são adotadas em grande medida no setor público, mas no privado isso ainda não é uma realidade. “A ideia é que os profissionais tenham uma jornada mais tranquila, o que fará com que eles atendam melhor e tenham melhor qualidade de vida. Além disso, há uma previsão de que, com a medida, sejam contratados 300 mil novos trabalhadores”, diz o conselheiro.
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brasil
Em MG, servidores do ensino completam 20 dias de greve Sandro Abreu
EDUCAÇÃO Trabalhadores pararam em protesto contra reajuste oferecido pelo então governador Aécio Neves
Sem saída
Assembleia geral do Sind-UTE/MG, realizada em 15/04, no pátio da ALMG
lhor para todos”, relembrou deputado petista. A despeito dos esforços do bloco de oposição, os parlamentares da base do governo derrotaram todas as propostas nas votações realizadas no plenário da Casa Legislativa mineira. O que quer a Educação “O aumento de 10% sobre os vencimentos não modificará os salários recebidos pelos profissionais da educação. Ao contrário do que foi divulgado pelo governador, atualmente temos um teto, e não piso salarial. O valor de R$ 935, que o governador nos propõe, corresponde ao total da remuneração, ou seja, a um teto salarial. Minas Gerais tem o 8º pior salário do país. Esta situação é vergonhosa”, enfatiza a coordenadora geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação do Estado de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), Beatriz Cerqueira. A principal reivindicação dos profissionais da educação é que o piso nacional para a categoria, de R$ 1.312, seja implementado em Minas Gerais. Afinal, atualmente, os professores aposentados mineiros ganham apenas R$ 356; os com nível superior recebem R$ 481 e os auxiliares de educação têm o vencimento de R$ 315. “A greve é necessária, pois há muito estamos insatisfeitos e nada é feito para mudar essa situação. São trabalhadores com saúde precária nas sa-
las de aula devido, principalmente, às condições impraticáveis e à desvalorização profissional que se tornou um drama na educação em Minas”, denuncia Mônica Maria de Souza, diretora estadual do SindUTE/MG. Nas mãos de Anastasia Para a Secretária de Estado de Planejamento e Gestão, Renata Vilhena, o impacto financeiro decorrente do projeto de lei que reajusta os valores das tabelas de vencimento básico das carreiras do Poder Executivo, no valor de R$ 1,167 bilhão no exercício de 2010, é o que o orçamento do Estado permite para o período. Porém, na visão dos deputados da oposição ao atual governador mineiro, Antônio Anastasia, essa alegação demonstra apenas a falta de interesse para com os servidores públicos. “Um governo que gasta R$ 1,5 bilhão com uma obra faraônica, como a da Cidade Administrativa, mostra suas prioridades reais”, destaca Padre João, relembrando a inauguração da nova sede governamental, no início deste ano. O assessor do bloco PT-PMDBPCdoB na Assembleia Legislativa mineira, Carlos Eduardo Morato, informa que, ao contrário do que o governo alega, a resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nº 21.054, de 2002, declara que não há empecilhos para que a carreira de servidores seja reestru-
turada em ano eleitoral. “O texto afirma que ‘a aprovação pela via legislativa de proposta de reestruturação de carreira de servidores não se confunde com revisão geral de remuneração e, portanto, não encontra obstáculo na proibição contida no art. 73, inciso VIII, da lei nº 9.504 de 1997’. É possível, portanto, atender as demandas de carreiras isoladas, como as da educação, que não representem reajuste geral. Aliás, em 2006, neste mesmo período do ano, o governo Aécio Neves concedeu reajustes e benefícios a servidores de diferentes carreiras”. Romaria No dia 1º de maio, os servidores da educação em Minas Gerais participarão, ao lado das demais categorias do estado, da 20ª Romaria dos Trabalhadores e Trabalhadoras. O tradicional evento, organizado pela Dimensão Sociopolítica da Arquidiocese de Mariana e pelos movimentos sociais que nela atuam, terá, neste ano, o tema “Concentração e Exploração – Nossa organização é um passo para a liberdade”. A cada ano, um município pertencente ao território da Arquidiocese é escolhido para sediar o encontro. “A romaria é importante por reunir trabalhadores de todo o Estado e das mais diversas categorias. Eles se unem para protestar e reivindicar por melhorias nas carreiras”, ressalta o deputado Padre João.
Assassinato bárbaro de liderança no São Francisco
Patrícia Benvenuti da Redação A VIOLÊNCIA no campo fez mais uma vítima no Vale do Jaguaribe, área que será irrigada pelo eixo norte do projeto de transposição do rio São Francisco, no Ceará. No dia 21 de abril, foi assassinado em Limoeiro do Norte o líder comunitário José Maria Filho, de 44 anos. O agricultor e comerciante foi executado com 19 tiros de pistola na estrada que liga Limoeiro do Norte à sua comunidade, Sítio do Tomé, localizada entre o município e Quixeré. Zé Maria era presidente da Associação Comunitária São João do Tomé e da Associação dos Desapropriados Trabalhadores Rurais Sem Terra – Chapada do Apodi. A morte do líder comunitário causou comoção entre movimentos sociais e organizações populares no Vale do Jaguaribe. De acordo com o padre Junior, da Dioce-
A explosão do déficit externo do Brasil, no primeiro trimestre deste ano (12 bilhões de dólares), tem a ver basicamente com a remessa de lucros (4,5 bilhões de dólares), pagamentos de royalties e serviços (3,5 bilhões de dólares) e aumento das importações (saldo negativo de 5,1 bilhões de dólares). A evasão dos recursos nacionais é brutal. O “investimento” estrangeiro só aumenta a saída da riqueza que o povo brasileiro produz. Político oriundo da Arena, partido da ditadura militar (1964-1985), e aliado das elites econômicas do Ceará, o deputado Ciro Gomes ensaiou lançar candidatura para a presidência da República, pelo PSB, mas foi devidamente tratorado pelo lulismo. Vítima da própria ambição pessoal, terá de se contentar com algum espaço na campanha petista ou buscar abrigo em outros ninhos. Já entrou para o folclore das eleições de 2010.
VIOLÊNCIA
Morte do líder comunitário Zé Maria causou comoção entre organizações de atingidos por projetos de irrigação
Só espoliação
Voo curto
Mariana Starling de Belo Horizonte (MG) OS FUNCIONÁRIOS públicos da área da educação em Minas Gerais estão em greve desde o dia 8 de abril. Os servidores protestam contra o baixo reajuste de 10%, concedido pelo então governador Aécio Neves (PSDB) no final de março. Depois de décadas sem revisões salariais, o projeto de lei governamental nº 4783/2010, que reajustou o salário dos servidores estaduais vinculados a 121 carreiras, foi enviado à Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG) com apenas uma semana para apreciação dos deputados, em função dos prazos estabelecidos pela legislação eleitoral. “Isto prejudicou uma observação mais detalhada da proposta. Foi um grande desrespeito com esta Casa. Em um tempo mínimo fomos obrigados a avaliar a matéria. Foi uma tática do governador para impedir a discussão aprofundada. Mais uma vez, o governo mostrou-se inflexível, incapaz de dialogar com o Legislativo e com os servidores”, esclarece o deputado estadual Padre João (PT), líder do bloco de oposição ao governo mineiro. Apesar do curto tempo para apreciação do projeto, os deputados do bloco oposicionista apresentaram emendas ao mesmo, em uma tentativa de adequar as injustiças nele contidas. Para esses parlamentares, a proposta de reajuste salarial estava muito aquém das necessidades dos servidores e das possibilidades do próprio governo que, segundo os mesmos, tem outras prioridades. Outra observação foi quanto ao fato de o projeto prever reajustes diferenciados para as categorias do funcionalismo, sem haver, portanto, critérios de igualdade para os trabalhadores. “Algumas categorias vão receber aumentos de até 30% e outras de apenas 10%. Para quem ganha cerca de R$ 500, 10% faz pouca diferença. Gostaríamos que todos tivessem o mesmo reajuste. Queríamos o me-
fatos em foco
Hamilton Octavio de Souza
se de Limoeiro do Norte, Zé Maria era a principal liderança das populações atingidas por grandes projetos de irrigação na região, o que reforça a hipótese de motivação política para o crime. “Ninguém pode dizer quem matou ou quem mandou matar, mas não se pode olhar para isso sem pensar nos conflitos que existem na região”, afirma. Frequentemente, Zé Maria fazia denúncias ao Ministério Público e em meios de comunicação locais sobre as consequências dos projetos. Uma de suas principais denúncias estava relacionada à contaminação da água pelo uso de agrotóxicos, difundidos por meio de pulverização aérea. O uso indiscriminado de agrotóxicos causou a contaminação da água consumida por comunidades como Sítio do Tomé e foi responsável também pela morte de muitos trabalhadores nas lavouras. “Está sendo jogado veneno na cabeça do povo há dez anos”, frisa o padre. Desde 2009, segundo ele, Zé Maria comentava com amigos que vinha sofrendo ameaças de morte. Neste ano, o líder comunitário chegou a registrar um boletim de ocorrência depois de tentar fotografar um avião usado na pulverização de agrotóxicos e de discutir com o segurança de uma propriedade. Interesses O Vale do Jaguaribe conta hoje com um dos maiores projetos de fruticultura irrigada do Ceará, com
participação, inclusive, de empresas transnacionais. De acordo com padre Junior, a chegada desses projetos a partir da década de 1990 intensificou os conflitos por terra e água na região, que ainda registra muitas mortes, sobretudo nas zonas rurais. No entanto, a maioria dos casos nem chega a ser divulgada. “As pessoas têm medo até de falar”, explica o padre.
Uma de suas principais denúncias estava relacionada à contaminação da água pelo uso de agrotóxicos, difundidos por meio de pulverização aérea Com a chamada modernização da economia do Ceará, mais recursos estão destinados à região, concentrados em grandes obras. Entre eles destacam-se, além dos projetos de irrigação, as barragens do Castanhão e Figueiredo, a criação de camarão em cativeiro e a instalação de um parque eólico no litoral. Os interesses sobre a Chapada do Apodi também estão rela-
cionados às obras de transposição do rio São Francisco, na medida em que a região deverá receber suas águas. O projeto, que integra o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, promete levar água para 12 milhões de pessoas no Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. Para o engenheiro agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco João Suassuna, no entanto, as obras não trarão benefícios para a população. “Essa água da transposição não vai ser usada para fins de abastecimento, e sim para fins de agronegócio”. Investigações As investigações sobre a morte de Zé Maria estão sendo acompanhadas pela Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap) e por movimentos sociais da região. Além disso, o secretário de segurança de Limoeiro do Norte já teria designado uma equipe para acompanhar o caso. As organizações devem propor, a partir de agora, a federalização do crime, a fim de que apressar a elucidação do caso. Para o padre Junior, porém, é preciso também somar esforços para solucionar os impasses no Vale do Jaguaribe. “Vamos continuar pressionando para que avancem as investigações, mas é fundamental que se enfrentem os conflitos que levaram ao assassinato de Zé Maria”, ressalta.
Em debate realizado no Teatro Aliança Francesa, dia 22, em São Paulo, a arquiteta Raquel Rolnik, professora da FAU-USP e ex-integrante de governos do PT, deixou claro que os problemas urbanos – trânsito, transporte, poluição, moradia – não são resolvidos porque todos os partidos são financiados nas eleições por empresas construtoras e imobiliárias, que impõem seus interesses acima dos interesses coletivos da população. Bingo!
Pinóquio tucano
O deputado tucano Paulo Renato, ex-ministro da Educação de FHC e ex-secretário da Educação de José Serra, está se gabando em seu boletim eletrônico por ter denunciado a greve dos professores do Estado de São Paulo como sendo um movimento político-eleitoral. O papel de dedoduro combina bem com quem ocupou vários cargos na área da educação e nunca valorizou o professorado do ensino público. O negócio dele é assessorar escola privada.
Impunidade
Em maio, completa quatro anos o massacre dos jovens negros e pobres na periferia de São Paulo, quando grupos de policiais e de extermínio assassinaram 490 pessoas após os ataques realizados pela organização criminosa denominada PCC – Primeiro Comando da Capital. Os “crimes de maio”, praticados por agentes do Estado, até hoje não foram apurados e punidos. As mães, parentes e amigos das vítimas ainda pedem Justiça!
Barbárie total
De tempos em tempos, as autoridades municipais e estaduais de São Paulo fazem novas investidas contra os moradores de rua da capital paulista. Recentemente, policiais militares e integrantes da guarda civil jogaram bombas e jatos de água nas pessoas que se abrigavam sob as marquises. Agora, os meninos e jovens usuários de crack estão sendo internados compulsoriamente em clínicas psiquiátricas. A repressão é brutal e desumana.
Política antiga
Quatro meses depois da Conferência Nacional de Comunicação, quando representantes da sociedade aprovaram centenas de propostas para a democratização do setor, ainda não se tem notícia de que o governo federal deu encaminhamento ao que foi decidido. Cada vez mais, os participantes dessa e de outras conferências ficam com a sensação de que a definição de “políticas públicas” não será levada a sério por quem manda no Brasil.
Indignação
Em nota distribuída recentemente, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) afirma o seguinte: “O CIMI repudia a postura intransigente e autoritária do governo brasileiro, que insiste na implementação do projeto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, apesar de todas as incertezas, de todos os questionamentos científicos e judiciais e de todas as manifestações populares contrárias a essa insanidade”. Falou!
Solidariedade
A Associação dos Amigos da Escola Nacional Florestan Fernandes está organizando nova visita coletiva à escola, em Guararema (SP), no dia 8 de maio (sábado). Os interessados podem fazer inscrição diretamente no endereço eletrônico associacaoam igos@enff.org.br, com saída de São Paulo. Cada pessoa contribui com R$20,00 (vinte reais) para refeição e despesas de viagem. A visita inclui palestras e projeção de vídeos.
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“Cabe ao PT politizar subproletariado” Fotos: Ricardo Stuckert/PR
ENTREVISTA André Singer, cientista político e ex-porta-voz do governo, analisa o lulismo e a sua base social, o subproletariado Renato Godoy de Toledo da Redação O ARTIGO “Raízes sociais e ideológicas do lulismo”, do professor de ciência política da Universidade de São Paulo (USP), André Singer, é um dos primeiros trabalhos acadêmicos a avaliar a composição sóciopolítica desse fenômeno capitaneado pelo presidente mais popular desde a redemocratização do país. Ex-porta-voz e secretário de imprensa do Palácio do Planalto (2003-2007), Singer considera que o lulismo é composto por elementos de esquerda e de direita. Sua principal base eleitoral, o subproletariado – trabalhadores de baixíssima renda –, deseja uma melhoria nas condições de vida, mas preza pela manutenção da ordem e delega a tarefa de executor das mudanças a uma autoridade política. Com a crise política de 2005, Lula ganhou mais força entre esse segmento, fundamentalmente beneficiado por políticas sociais, enquanto perdia o apoio dos setores médios que acompanhavam pela mídia as denúncias de corrupção. Em entrevista ao Brasil de Fato, Singer debateu as características do lulismo e aconselhou o PT a estreitar as relações com o subproletariado para incorporá-lo à esquerda. Brasil de Fato – Para a Ciência Política, essa combinação de elementos de esquerda e de direita que compõem o lulismo é uma novidade? André Singer – Acredito que seja uma novidade na história brasileira. Tenho a impressão de que é o primeiro momento em que essa fração de classe, que eu tenho denominado “subproletariado”, tem se estruturado como um ator político em torno de um projeto nacional. Nesse sentido, seria uma novidade no Brasil. Essa combinação de elementos de esquerda e de direita tem a ver com essa diferença ideológica importante entre o proletariado e o subproletariado. Ao olharmos para a trajetória brasileira das últimas décadas, podemos perceber que o proletariado brasileiro deu sustentação ao PT, que foi uma proposta originalmente muito radical. O PT tem uma característica singular na história brasileira: ter se proposto a ser um partido explicitamente radical, numa cultura política marcada pela conciliação. A proposta [de criação] do PT se estruturou no ambiend d i
Lula visita bairro Brasília Teimosa, no Recife (PE), um dos principais focos do Bolsa Família
“Creio que pode estar havendo uma lenta convergência entre o lulismo e o petismo. Essa convergência, se estiver ocorrendo, é obrigatoriamente lenta” vista eleitoral, o PT encontra eco na camada mais organizada do proletariado, mas, ao mesmo tempo, é sistematicamente rejeitado pelo subproletariado. Em pesquisas voltadas para o comportamento político, percebem-se resultados muito semelhantes. Há certa hostilidade às greves e aos sindicatos nesse setor de baixíssima renda, com renda familiar de até dois salários mínimos. O subproletariado tem uma visão conservadora, mas não no sentido de rejeitar mudanças. Ele deseja mudanças importantes. Mas ele quer que essas sejam feitas sem prejuízo da ordem. Ou seja, essa valorização do conflito político que o PT fez é rejeitada pelo subproletariado, que espera mudanças feitas de cima para baixo, por meio de uma autoridade de Estado reforçada e sem ameaça à ordem. É essa configuração que leva a pensar na mistura de elementos de esquerda e de direita. Se esse fenômeno é algo novo na política brasileira, então a comparação entre o lulismo e o getulismo (fenômeno ligado ao ex-presidente Getúlio Vargas) é equivocada? Acredito que essa visão é, pelo menos, precipitada. Hoje em dia, há uma tendência de revisitar o getulismo e reavaliar o que ele significou. A primeira questão com relação a essa comparação é que hoje nós não sabemos muito bem o que foi exatamente o getulismo. Ele precisa ser reavaliado. Em segundo lugar, não está claro qual é a ordem de mudanças que o lulismo pode vir a trazer. Não sabemos ainda se essa comparação é elucidalio fez uma polítiportante, mas foi retudo, aos traba-
“O Bolsa Família está caminhando para se tornar um direito de todos os brasileiros que comprovarem que têm um rendimento abaixo de um certo mínimo”
lhadores urbanos. Uma característica do lulismo é que ele se dirige ao segmento de trabalhadores que ficou fora da perspectiva getulista. O subproletariado é o setor que ficou fora da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]. Assim, pode-se dizer que essa comparação talvez possa trazer mais confusão do que luz. Pois, nessa visão, misturamse fenômenos com aspectos sociais diferentes. O senhor partilha da tese apresentada pelo exministro Tarso Genro, que coloca a candidatura de Dilma Rousseff como consequência do vazio partidário que acometeu o PT após a “crise do mensalão”? Eu tendo a concordar com ele. Evidentemente, ele tem muito mais condições do que eu de fazer uma análise do PT. Estou tentando, agora, escrever uma continuação desse artigo do lulismo, mas voltado para o PT. Ainda não o concluí. Mas tendo a achar que essa análise faz sentido. Ao mesmo tempo em que o lulismo incorpora elementos de direita, a base tradicionalmente conservadora à qual ele se dirige, o subproletariado, pode incorporar elementos de esquerda? Creio que pode estar havendo uma lenta convergência entre o lulismo e o petismo. Essa convergência, se estiver ocorrendo, é obrigatoriamente lenta. Uma coisa é você identificar uma determinada liderança política – no caso, o presidente da República, que tem muita visibilidade – com um determinado projeto, que é o que conforma o lulismo. É muito mais difícil transformar isso numa identificação partidária. Uma vez criada essa identificação, ela demora a ser desfeita. É um processo lento de constituição e desconstituição. Mas tendo a achar que, lentamente, setores do subproletariado podem estar começando a identificar o PT como o partido do presidente. A partir disso, se inclinam a votar nos candidatos petistas. Mas não me refiro a candidato à presidência da República, pois aí há uma relação direta com o presidente. Refirome aos candidatos proporcionais do PT. Se essa lenta aproximação estiver em curso, é possível que, se o PT permanecer como um partido de esquerda, ele leve uma certa politização
à esquerda para esses setores. O PT, hoje, tem uma escola nacional de formação política, que foi constituída depois do 3º Congresso [2007]. Essa escola está levando informações políticas a centenas de milhares de novos membros do partido, que podem, em parte, estar vindo desses setores sociais. Se, como eu acredito, essa informação que está sendo levada for fundamentalmente de esquerda, é possível que esteja ocorrendo um lento processo de politização de esquerda desses setores. Em seu artigo, há uma frase em que Lula lamenta não ter tido o apoio das camadas de baixíssima renda. O fato de o PT ter conquistado a simpatia desse segmento apenas depois de ter acesso aos órgãos do Estado pode representar uma falha de organização do partido e dos movimentos sociais que o construíram? Acho que não. A posição de classe que o subproletariado ocupa na sociedade torna a organização dele muito difícil. Não diria que é impossível, pois há o fenômeno do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra], um movimento social importantíssimo que busca organizar esse setor. O fato de o MST existir, ter crescido e possuir uma estrutura nacional importante, mostra as possibilidades. Mas mostra também os limites. Porque sabemos que o MST organiza uma fração muito pequena desse setor que, em 2006, poderia ser até metade do eleitorado brasileiro. Esse quadro mudou com as políticas sociais, a formalização do emprego e o aumento do salário mínimo, que produziram uma transformação. Então, é possível que já estejamos diante de um quadro modificado. Mas, sem dúvida, esse é um setor muito vasto da sociedade brasileira. Essa é uma característica importantíssima do Brasil. Então, não vejo falha nem no PT nem na esquerda por terem tido relativamente poucos avanços, ou avanços limitados. É quase impossível você organizar um desempregado. Toda a formulação de esquerda está sustentada na ideia de que, com o crescimento do proletariado, este seria uma força invencível. O proletariado fabril, por exemplo, teria uma vocação para a organização, pois a própria indústria e a produção o organizam. Agora, um desempregado, como ele pode ser organizado? O termo clássico “lumpemproletariado” tem sido considerado pejorativo e caiu em desuso. Na sua opinião, o subproletariado seria o equivalente atual do “lumpemproletariado”?
Não. Há uma diferença importante. Esse termo [lumpemproletariado] tem uma carga negativa e está associado a setores marginalizados e que estão na ilegalidade ou transitam muito facilmente por ela. Esse não é o caso do subproletariado. A grande massa desse setor é composta por trabalhadores. Justamente por isso, não considero correto usar o termo “lumpen”, porque ele confunde. Esse termo foi criado por uma visão europeia, para outro tipo de sociedade, e referia-se a um setor que não encontrava espaço no trabalho formalizado. Esse grupo era muito reduzido. Não é o caso do Brasil, onde temos uma massa de trabalhadores que está nessa condição. Sobre o contexto da esquerda pós-Lula, é possível afirmar que o PT, sendo um partido de esquerda, deve “disputar” o lulismo, para afastar os elementos de direita que o compõem? Na minha opinião, caberia ao PT aproveitar a oportunidade para organizar e politizar esses setores. Isso passa por um item: continuar sendo um partido de esquerda. De fato, o PT se constituiu em torno da ideia de que a luta de classes deveria ter uma centralidade na luta política. Isso, de certa maneira, orientou o seu radicalismo, que foi uma opção política que ajudou muito o Brasil. O problema hoje do PT é tentar manter-se como partido de esquerda. Hoje o partido convive com uma aproximação de um vasto setor social, que de modo algum pode ser desconsiderado, cujos interesses o proletariado deve ter a iniciativa de agregar. O interesse do subproletariado não é algo alheio ao projeto do PT. Ele quer mais igualdade, que é o projeto do petismo. O problema é a maneira de chegar lá, mas o objetivo final é comum. Em se mantendo à esquerda, o partido deveria buscar incorporar esse setor. Em seu artigo, o an de 2005 é tratado como chave para
“O subproletariado deseja mudanças feitas de cima para baixo, por meio de uma autoridade de Estado reforçada e sem ameaça à ordem”
o realinhamento eleitoral do lulismo. Há a constatação de que, enquanto parte do eleitorado se atinha aos escândalos políticos midiáticos, outra sentia os benefícios das políticas sociais, como o Bolsa Família e os reajustes do salário mínimo. É possível afirmar que há uma cisão na opinião pública causada por diferentes formas de avaliar o governo? Eu não gosto muito do termo “opinião pública”, pois ele é usado sem levar-se em consideração a sua origem, que vem de uma formação antiga, de um espaço público de debates, que, de certo modo, foi eliminado pelo progresso do capitalismo. Eu prefiro dizer que a emergência do subproletariado fez com que o debate, que ocorria por meio da imprensa e atingia os setores médios, perdesse a importância relativa. E isso é um dado da nova situação. Há um aspecto interessante nesse fato, pois ele vai forçar todos os atores políticos a incorporarem as necessidades do subproletariado como uma prioridade. A meu ver, isso explica porque o candidato do PSDB, José Serra, já afirmou que não vai abandonar o Bolsa Família e que vai procurar formas de aumentar o programa. Com isso, o Bolsa Família está caminhando para se tornar um direito de todos os brasileiros que comprovarem que têm um rendimento abaixo de um certo mínimo. Isso é um direito importantíssimo, pois cria um piso, abaixo do qual a sociedade não aceita que nenhum brasileiro esteja. Esse novo fenômeno tem essa potencialidade e me parece que está significando passos importantes na história brasileira. Quando isso for visto daqui a 50 anos, pode ser lembrado como um momento de uma inflexão importante. O Brasil tomou medidas para dar uma condição a milhões de brasileiros que estavam, de alguma forma, no terreno da desesperança. Já que você citou o exgovernador Serra, gostaria que você comentasse uma declaração recente do exdeputado Roberto Freire (PPS), que afirmou que a candidatura que representa o conservadorismo é a do PT, não a do PSDB, já que Dilma tem maior apoio nos grotões e no “Brasil mais atrasado”, onde há um conservadorismo histórico. Não vi essa declaração do deputado Freire. É verdade que existe um aspecto conservador [na base eleitoral da candidatura do PT], pois há um apreço pela ordem e a valorização de uma mudança por cima. Mas, na candidatura do Serra, historicamente, não há nenhuma valorização do conflito político; e não parece que isso vá acontecer agora. Quem tem isso no seu passivo histórico é justamente o PT. Sabemos que o partido está em transformação,
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Esquentar a luta tal qual o clima José Lirauze/ABI
CLIMA Conferência Mundial dos Povos sobre Mudanças Climáticas e Direitos da Mãe Terra acentua crítica ao capitalismo e inaugura movimento global em defesa da natureza Vinicius Mansur de Cochabamba (Bolívia) DIANTE DO fracasso dos governos, na Conferência de Copenhague (realizada em dezembro), em encontrar uma solução para frear o aquecimento global, Cochabamba, na região central da Bolívia, deu voz aos povos na busca de alternativas à crise ecológica. Entre os dias 19 e 22 de abril, mais de 35 mil pessoas, oriundas de 142 países, sendo 47 delegações de governos, compareceram à Conferência Mundial dos Povos sobre Mudanças Climáticas e Direitos da Mãe Terra (CMPCC), atendendo à convocação de Evo Morales, que, pouco a pouco, consolida-se como a grande liderança internacional em defesa do meio ambiente. O presidente boliviano destacou como grande mérito da CMPCC o nascimento de “um novo paradigma planetário para salvar a humanidade”, baseado em um alto grau de consenso – apesar da diversidade cultural e política presente ao evento. O primeiro dos consensos, disse Morales, foi o de “apontar o capitalismo como grande inimigo”. Marco político Para o vice-ministro de Meio Ambiente, Biodiversidade, Mudanças Climáticas e Gestão e Desenvolvimento Ambiental da Bolívia, Juan Pablo Ramos, a conferência foi um momento transcendente, porque projetou um novo ator na disputa política em torno da crise ecológica. “Foi um espaço que possibilitou aos povos e organizações sociais de todo mundo convergir sobre uma temática sobre a qual, antes, manifestavam-se de maneira isolada. Assim, captamos a atenção da coletividade mundial. O ator visível, até agora, era o governamental, nos marcos da Organização das Nações Unidas [ONU]. Agora, surge um ator organizado, que vai ter mecanismo e estrutura de organização, mas que é um movimento dos povos”, destacou. Por outro lado, o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Brasil e da Via Campesina, Egídio Brunetto, vê como marco político da CMPCC a entrada decidida de governos. “Antes, eles não jogavam muito peso. Quem fazia o enfrentamento era o movimento social. Agora, Evo, [Hugo] Chávez e outros viram que é um tema dramático. A Venezuela está com um ano de seca. Afetou a agricultura, a energia. Na Bolívia, tem o derretimento dos glaciais. Enfim, estão pressionados pela própria natureza”. Para Brunetto, outro mérito da CMPCC foi armar um bom consenso sobre as causas da crise ecológica, apontando estratégias que possibilitam levar uma discussão mais qualificada aos países e construir processos de mobilização. Desdobramentos Muitas transnacionais e algumas ONGs compareceram à conferência para vender suas soluções à crise ambiental: agrocombustíveis que diminuiriam a poluição dos combustíveis fósseis, transgênicos como forma de produzir plantas mais resistentes às mudanças climáticas, mer-
Mais de 35 mil pessoas estiveram em Cochabamba, Bolívia, para a Conferência Mundial dos Povos sobre Mudanças Climáticas e Direitos da Mãe Terra
As ações mais concretas em vista são a realização de um referendo mundial sobre as mudanças climáticas e a incidência sobre a próxima conferência da ONU a respeito do tema, a ser realizada em Cancún, México, no fim do ano cado de carbono como forma de pagar a dívida climática, o reflorestamento baseado em monocultivos, soluções megalomaníacas de cientistas – como a criação de uma espécie de “escudo terrestre” para desviar os raios solares e, assim, diminuir o aquecimento global –, entre outras. Porém, apesar dessas investidas e da tentativa de parte da mídia mundial em desqualificar a conferência – aproveitando-se de uma infeliz fala de Morales, que insinuou que os hormônios femininos aplicados nos frangos compro-
metiam a masculinidade –, a CMPCC apostou em contundentes posições e ações políticas, rechaçando soluções paliativas (leia trechos da declaração final nesta página). As ações mais concretas em vista são a realização de um referendo mundial sobre as mudanças climáticas e a incidência sobre a próxima conferência da ONU a respeito do tema, a ser realizada em Cancún, México, no fim do ano. De acordo com a declaração final da CMPCC, intitulada “Acordo dos Povos”, o referendo deverá abordar: o ní-
vel de reduções de emissões que os países desenvolvidos e empresas transnacionais devem adotar, o financiamento que deve ser feito pelas nações industrializadas aos países em desenvolvimento, a criação de um Tribunal Internacional de Justiça Climática, a necessidade de uma Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra e a necessidade de se mudar o sistema capitalista. Legitimidade moral A consulta deverá ser realizada de maneira oficial em países como Venezuela e Bolívia. Porém, em nações cujos governos são arredios à proposta, a mesma deve ser posta em prática em forma de plebiscito, organizado por movimentos sociais, através de variados mecanismos. “O importante é fixar um momento quase uníssono para fazê-lo. Não é tão importante sua legitimidade legal, mas sua legitimidade
moral”, declarou o vice-ministro boliviano de Meio Ambiente. Segundo Egídio Brunetto, a data da consulta será avaliada quando 50% dos países já tiverem seus comitês nacionais estabelecidos. Quanto à conferência de Cancún, a expectativa de Juan Pablo Ramos é fazer do “Acordo dos Povos” um documento de pressão ao discurso oficial. O dirigente mexicano da União Nacional de Organizações Regionais Camponesas Autônomas (Unorca) e da Via Campesina, Alberto Gómez, garantiu que haverá forte mobilização. “Vamos articular com outras forças, com muitos cidadãos que não estão organizados, mas que têm uma séria preocupação com as mudanças climáticas. Vamos abrir espaços, fóruns, festivais. Há muita criatividade para ser trabalhada. Mas não basta que seja só no México, temos que realizar ações em outros países paralelamente”, enfatizou.
Mãe Terra Contudo, Gómez destaca que a incidência sobre a ONU é a menor das tarefas que Cochabamba apresenta. Segundo o dirigente, o documento final da conferência e as resoluções tiradas de cada uma das 17 mesas de trabalho são um instrumento para “primeiro, informar e formar as bases das organizações nacionais. Segundo, abrir processos de articulação com outros setores. Queremos ser um movimento mundial pela Mãe Terra, queremos envolver muito mais povo”. Sair da CMPCC com diretrizes claras para a criação desse movimento era uma das maiores preocupações do governo boliviano. “Não pode haver mobilização sem estrutura, pois corremos o risco de voltar ao isolamento, por melhores que sejam as intenções nos diferentes países e organizações. O primeiro passo [pós-CMPCC] é consolidar esse movimento”, ressaltou Ramos. Entretanto, entre os movimentos sociais, havia certo receio quanto à proposta. “Nós chamamos atenção para não se criar a indústria do Fórum Social Mundial. Uma série de ONGs já queriam criar essas estruturas onde elas gostam de atuar e dominar. Nós achamos que, do ponto de vista da estratégia, temos que aproveitar as articulações que já existem, potencializá-las. Não estamos começando do zero. Acho que precisamos de uma espécie de secretaria operativa que pudesse centralizar, talvez na Bolívia, mas com uma estrutura mínima”, ponderou Gómez. Segundo Juan Pablo Ramos, “uma estrutura parecida com a do Fórum e mecanismos burocráticos tradicionais não interessam. Podemos armá-la do jeito que quisermos, por isso o documento final não diz ‘se constitui’, mas ‘se constituirá’. E, seguramente, nos próximos meses há que se construir essa estrutura”, enfatizou.
Trechos do “Acordo dos Povos” Crítica ao capitalismo
Reivindicações
As corporações e os governos dos países denominados ‘mais desenvolvidos’, em cumplicidade com um segmento da comunidade científica, nos põe a discutir as mudanças climáticas como um problema reduzido à elevação da temperatura sem questionar a causa, que é o sistema capitalista .
(…) propomos um projeto de Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra .
Sob o capitalismo, a Mãe Terra se converte apenas em fonte de matérias primas, e os seres humanos, em meios de produção e consumidores, em pessoas que valem pelo que têm e não pelo que são . Cobrança aos países ricos (...) os Estados Unidos aumentaram suas emissões de gases de efeito estufa [GEE] em 16,8%, entre 1990 e 2007 (…) o que representa mais de nove vezes, em média, as emissões correspondentes a um habitante do Terceiro Mundo, e mais de 20 vezes as emissões de um habitante da África Subsaariana . (…) sobre a base do princípio das responsabilidades históricas comuns, mas diferenciadas, exigir que os países desenvolvidos se comprometam com metas quantificadas de redução das emissões de GEE que permitam retornar as concentrações de na atmosfera a 300 ppm e, assim, limitar o incremento da temperatura média global a, no máximo, 1ºC .
(…) apoiamos a proposta do governo da Bolívia para reconhecer a água como um Direito Humano Fundamental . (…) rechaçamos os Tratados de Livre Comércio, Acordos de Associação, toda forma de aplicação de Direitos de Propriedade Intelectual sobre a vida, os pacotes de tecnologias atuais (agroquímicos e transgênicos) e aqueles que oferecem falsas soluções (agrocombustíveis, geo-engenharia, nanotecnologia, tecnologia Terminator e similares), que unicamente acentuarão a crise atual . Condenamos os mecanismos de mercado, como o REDD [Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação] (...) Seria uma total irresponsabilidade deixar em suas mãos [mercado] o cuidado e proteção da própria existência humana e de nossa Mãe Terra . (…) construir um Fundo de Adaptação para enfrentar as mudanças climáticas como parte de um mecanismo financeiro conduzido de maneira soberana, transparente e equitativa por nossos Estados .
Isso implica na descolonização da atmosfera mediante redução e absorção de suas emissões .
(…) precisamos de uma profunda transformação na agricultura para um modelo sustentável de produção camponesa e indígena/originária (...) assegurando a Soberania Alimentar (…) .
Sejam responsáveis pelas centenas de milhões [de pessoas] que terão que migrar pelas mudanças climáticas que provocaram, eliminem suas políticas restritivas à migração e ofereçam aos migrantes uma vida digna (...) Projeções para o ano 2050 estimam que de 200 milhões a 1 bilhão de pessoas serão desalojadas por mudanças climáticas (...) .
(…) é fundamental o estabelecimento de um fundo de financiamento de tecnologias apropriadas e liberadas de direito de propriedade intelectual, de patentes, que devem passar de monopólio privado a domínio público (...) O conhecimento é universal e por nenhum motivo pode ser objeto de propriedade privada .
(…) devem comprometer-se com um financiamento (…) de pelo menos 6% de seu PIB para enfrentar as mudanças climáticas nos países em desenvolvimento. Isso é viável, levando-se em conta que gastam um montante similar em defesa nacional e que gastaram cinco vezes mais para resgatar bancos e especuladores em quebra, o que questiona seriamente suas prioridades mundiais e sua vontade política .
(…) demandamos a criação de um Tribunal Internacional de Justiça Climática e Ambiental que tenha capacidade jurídica de prevenir, julgar e sancionar Estados, empresas e pessoas que, por ação ou omissão, contaminem e provoquem as mudanças climáticas .
Cobranças à ONU Rechaçamos, de maneira absoluta, o ilegítimo ‘Entendimento de Copenhague’ . Na próxima Conferência sobre Mudanças Climáticas (…) os países desenvolvidos devem se comprometer a reduções domésticas de pelo menos 50% relativos a 1990 . A definição de florestas utilizadas nas negociações da Convenção Marco da ONU é inaceitável. Monocultivos não são florestas .
(…) não podemos aceitar que um grupo de governantes de países desenvolvidos decidam por todos os países. Por isso, é necessário um Referendo Mundial, plebiscito ou consulta popular, sobre as mudanças climáticas . (…) chamamos a construir um Movimento Mundial dos Povos pela Mãe Terra . (…) realizar a 2º CMPCC em 2011(…)
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américa latina UN/Eskinder Debebe
O novo futuro do Haiti RECONSTRUÇÃO Com Bill Clinton no comando, e contando com a anuência do Estado haitiano e a subserviência da burguesia nacional, os doadores internacionais e seus lucrativos interesses podem se dar ao luxo de dispensar as tropas de ocupação estadunidenses Thalles Gomes de Ti Rivye Latibonit (Haiti) “É UMA personalidade que sempre se interessou pelo desenvolvimento do Haiti”, declarou o presidente haitiano René García Préval sobre Bill Clinton, no momento em que o ex-presidente dos Estados Unidos foi confirmado para o comando geral da Comissão Provisória para a Reconstrução do Haiti (CIRH). Instituída durante a Conferência Internacional de Doadores Rumo a um Novo Futuro para o Haiti, ocorrida em 31 de março no escritório das Nações Unidas em Nova York, a CIRH foi oficializada pelo legislativo haitiano no dia 15 de abril, após conturbadas votações na Câmara dos Deputados e no Senado. Junto com o projeto de lei para a criação da Comissão Provisória, aprovou-se, também, a prorrogação, por mais 18 meses, do Estado de Emergência instituído depois do terremoto de 12 de janeiro. Tal status faculta ao governo federal – e, a partir de agora, também à CIRH – o poder de, entre outras coisas, utilizar os recursos públicos sem a necessidade de respeitar os procedimentos legais e requisitar compulsoriamente imóveis e terrenos. O estadunidense Bill Clinton terá como assessor na Comissão Provisória – constituída por 16 membros, sendo sete haitianos e nove estrangeiros – o primeiro-ministro haitiano Jean-Max Bellerive. Culpado
Não é a primeira vez que as trajetórias de Clinton e do Haiti se entrecruzam. “Eu devo viver cada dia com as consequências do fato de que o Haiti perdeu a capacidade de produzir arroz para alimentar sua população por causa do que eu fiz, eu e mais ninguém”, revelou, arrependido, durante uma sessão do Senado estadunidense transcorrida em 10 de março. De fato, foi durante o período que esteve à frente da presidência dos EUA (1993 – 2001) que a produção de arroz no Haiti entrou em colapso. Sofrendo há décadas com a concorrência estadunidense, os produtores locais
não suportaram o aumento dos subsídios de seu governo ao chamado “Arroz de Miami” e foram à bancarrota. Se, em 1998, 47% do arroz consumido no Haiti era produzido internamente, em 2008 esse número caiu para 15%. Faltou ao amargurado Clinton revelar suas responsabilidades sobre outra tragédia haitiana: o processo de desmonte e privatização dos serviços públicos levado a cabo durante a década de 1990. O retorno ao poder do presidente Jean Bertrand Aristides em 1994, depois do golpe de Estado sofrido em 1991, só foi possível graças ao apoio do governo Clinton e de seus soldados. Mas o processo de reformas sociais e incentivo à participação popular que havia marcado o primeiro período do governo Aristides foi abandonado depois de seu exílio forçado nos Estados Unidos. Em seu lugar, sob os ditames do Fundo Monetário Internacional (FMI), foram instituídas as práticas neoliberais de redução de direitos e incentivo às privatizações tão em voga nos governos da América Latina naquela década. Os serviços públicos de comunicação, energia, água e até a empresa nacional de cimento foram privatizados. Mesmo que negligenciada na sua confissão perante o Senado, a influência de Clinton nessa guinada neoliberal do Haiti foi indiscutível. E é a partir dela que se pode compreender o porquê da sua escolha para comandar o atual processo de reconstrução do país. Bons samaritanos
Nos últimos três meses, a devastada capital do país, Porto Príncipe, tornou-se o local de peregrinação preferido para políticos e personalidades de todo mundo expressarem sua compaixão. Sobrevoando as ruínas em seus helicópteros, declaram, com voz embargada, suas condolências perante as câmeras de televisão e reafirmam compromissos de ajuda às vítimas do terremoto. Foi o que fez Michelle Obama durante sua visita relâmpago à cidade, no dia 13. “A América está em solidariedade com o Haiti. Não va-
Abertura da Conferência Internacional de Doadores Rumo a um Novo Futuro para o Haiti; no detalhe, o ex-presidente estadunidense Bill Clinton
Sofrendo há décadas com a concorrência estadunidense, os produtores locais não suportaram o aumento dos subsídios de seu governo [Clinton] ao chamado “Arroz de Miami” e foram à bancarrota. mos decepcioná-los”, afirmou a primeira-dama estadunidense, em discurso proferido na sede da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah). Michelle Obama confirmou, ainda, que os Estados Unidos vão agir em uníssono para garantir que o país caribenho seja reconstruído. As afirmações da primeira-dama encontram respaldo nas atitudes recentes do governo estadunidense. O atual mandatário, Barack Obama, designou os dois últimos presidentes do país, Bill Clinton e George W. Bush (2001-2009), para a tarefa de arrecadar fundos e comandar as ações na pequena ilha do Caribe. E eles não demoraram para entrar em ação. Na Conferência Internacional de Doadores realizada em Nova York, foi definida a quantia de Reprodução
9,9 bilhões de dólares a serem desembolsados para a reconstrução do país, sendo que 5,3 bilhões serão usados já nos próximos dois anos. Poucos dias depois, os meios de comunicação estadunidenses divulgaram a informação de que o Senado dos Estados Unidos havia votado por unanimidade o cancelamento da dívida do Haiti, além da prorrogação, até 2025, da Lei HOPE, que incentiva a importação sem encargos de produtos têxteis especializados de origem haitiana. Na mesma sintonia, o general Ken Keen confirmou o dia 1º de junho como prazo limite para a saída das tropas de ocupação estadunidenses que desembarcaram em solo haitiano após o terremoto de janeiro e que estão sob seu comando. Ações de tamanha envergadura parecem demonstrar uma mudança de comportamento por parte dos Estados Unidos, talvez tocados pela extensão da catástrofe, talvez convencidos por um novo tipo de relações internacionais. Uma análise mais aprofundada dos fatos demonstra, todavia, que, por trás de tantas boas ações, residem os mesmos interesses de outrora. Bons negócios
“Exploração econômica disfarçada de reforma”, avisa cartaz em protesto durante encontro
“As medidas urgentes para reconstruir o Haiti só serão sustentáveis se elas se tornarem a fundação para um expansivo e vibrante setor privado”, defendeu o empresário estadunidense Bradley J. Horwitz, durante a Conferência Internacional de Doadores em Nova York. Presidente da Trilogy International Partners, empresa multinacional que tem entre suas filiais a Voilá Comcel,
segunda maior companhia de telefonia móvel haitiana, Horwitz conclamou aos doadores internacionais: “Nós precisamos que vocês vejam o setor privado como seu parceiro, que compreendam como as verbas públicas podem ser alavancadas pelos dólares privados. É claro que o que é bom para os negócios é bom para o país”. A visão de Horwitz é compartilhada pelo governo de seu país. O Haiti é a nação mais pobre do continente americano, com 56% da população abaixo da linha da pobreza e com uma expectativa de vida de 58,1 anos. Apesar disso, é o país que mais recebe ajuda financeira internacional em todo o mundo – 60% do orçamento nacional têm origem nessas verbas estrangeiras. A solução para essa dicotomia, de acordo com empresários e políticos estadunidenses, é o incentivo ao setor privado. Seu desenvolvimento é o objetivo por trás da ajuda internacional. Nesse sentido é que se pode entender o alardeado perdão da dívida haitiana aprovado pelo Senado dos Estados Unidos. Trata-se, na verdade, de uma renovação da dívida, já que o montante que seria recolhido pelo Estado haitiano às instituições financeiras internacionais para saldar sua dívida externa será reinvestido em novos projetos e obras – que serão definidas e geridas pelas mesmas instituições financeiras internacionais em parceria com o setor privado. Altos lucros
Esse também é o destino de grande parte dos quase 10 bilhões de dólares prometidos pelas nações e doadores internacionais para a reconstrução do Haiti. Quando estes falam em beneficiar a agricultora haitiana, o que eles querem dizer, de fato, é que irão financiar o monocultivo da manga para que a Coca-Cola possa lançar no mercado um novo refrigerante feito a partir dessa fruta. Quando falam em facilitar a exportação de produtos têxteis especializados haitianos e criar mais de 100 mil empre-
gos no país, o que querem dizer, de fato, é que irão aumentar a lucratividade das indústrias “maquiladoras” estadunidenses instaladas no Haiti, que não pagam nenhum imposto e não respeitam os mais elementares direitos trabalhistas. Quando falam em melhorar a infraestrutura com a construção de novas estradas, eles buscam, de fato, garantir o lucro de empresas como a espanhola Elsamex S.A., que recebeu 32 milhões de euros para construir uma estrada de 43 km de extensão. Por fim, quando falam em melhorar os serviços públicos, esses doadores cogitam transformar o Haiti na primeira “nação totalmente wireless (internet sem fio)” do Caribe, uma empreitada que será levada a cabo pela Trilogy/ Voilá de Bradley Horwitz. Os interesses dos doadores internacionais contam com um fervoroso defensor em solo haitiano: a burguesia nacional. Como afirma Reginald Boulos, “pela primeira vez na história do Haiti, um setor privado unificado e global decidiu romper com o passado e formular uma visão compartilhada e um roteiro para o desenvolvimento sustentável do país”. Presidente da Câmara Nacional de Comércio e Indústria do Haiti, o médico e empresário Boulos representa o setor da sociedade haitiana que vê com bons olhos as oportunidades de negócios que a catástrofe de janeiro trouxe. Não à toa, Boulos era um dos poucos representantes haitianos na Conferência de Nova York que definiu os rumos da reconstrução haitiana.
A influência de Clinton nessa guinada neoliberal do Haiti foi indiscutível. E é a partir dela que se pode compreender o porquê da sua escolha para comandar o atual processo de reconstrução do país Com a presidência da Comissão Provisória para a Reconstrução do Haiti (CIRH) nas mãos de Bill Clinton, respaldado pela prorrogação do Estado de Emergência por mais 18 meses, contando com a anuência do Estado haitiano e a subserviência da burguesia nacional, os doadores internacionais e seus lucrativos interesses podem se dar ao luxo de dispensar as tropas de ocupação estadunidenses. Para eles, o novo futuro do Haiti já está selado.
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Reforma da saúde nos EUA deixa doentes sem tratamento, diz médica William Melton Jr.-SEIU/CC
ENTREVISTA Professora de medicina de Harvard critica reforma da saúde de Obama e afirma que problemas de custeio e acesso persistem de Boston (EUA) MILHÕES DE pessoas nos Estados Unidos esperavam que a nova administração de Barack Obama enfrentasse, finalmente, as desastrosas injustiças e desigualdades do sistema de saúde do país. Depois de um agonizante ano de debate, discussões e negociações, a lei que o presidente estadunidense assinou em fins de março será certamente uma grande decepção para todos aqueles que identificam a raiz do problema no complexo que engloba as empresas médicas, farmacêuticas e de seguros, opina Steffie Woolhandler, professora da escola de medicina da Universidade de Harvard (Estados Unidos) e cofundadora da organização Médicos por um Programa Nacional de Saúde (PNHP, sigla em inglês). Confira a seguir entrevista com ela sobre a nova lei de saúde. O principal argumento de quem está a favor da lei da saúde é que se trata de uma ampliação histórica da cobertura para dezenas de milhões de pessoas. Mas há um lado obscuro do qual não se fala muito, certo? O grande problema da lei é que concede muito poder e dinheiro ao setor dos seguros médicos privados. Basicamente, há duas formas para ampliar a cobertura. Uma delas é ampliar o Medicaid [sistema de saúde pública dos Estados Unidos]. Se os estadunidenses de classe média aceitassem pagar impostos para arcar com o cuidado médico dos mais pobres – o que creio que deveríamos fazer –, a ampliação teria sido feita sem toda essa legislação. A outra possibilidade de ampliação é o denominado mandato individual que nada mais é do que a compra de seguro saúde privado por indivíduos. Se atualmente uma pessoa tem um seguro por meio do contrato de trabalho, terá que mantêlo, goste ou não. Se não possui, ficará obrigado a entregar milhares de dólares a companhias de seguros médicos privadas. De acordo com os novos “intercâmbios” estabelecidos pela lei entre governo e empresas, os não assegurados terão que gastar cerca de 9,5% de sua renda em convênios que cobrem apenas 70% dos gastos com saúde. Portanto, ainda nos encontramos na situação de possuir um seguro saúde débil, que não permite que se possa ter os cuidados necessários. No Estado de Massachusetts temos um protótipo dessa reforma. Nosso sistema aqui se chama Massachusetts Connector. Para uma pessoa com 50-60 anos, o convênio mais barato para alguém com renda anual de 33 mil dólares custa mais de 5 mil anuais. Se a pessoa adoece, deve-se dar mais 2 mil antes de usar o convênio. Portanto, ao adoecer e necessitar do convênio, ainda assim não terá acesso aos cuidados médicos porque não conseguirá usá-lo, mesmo tendo um, em tese.
Manifestação em Washington pede reformas no sistema de saúde estadunidense
De acordo com os novos “intercâmbios” estabelecidos pela lei entre governo e empresas, os não assegurados terão que gastar cerca de 9,5% de sua renda em convênios que cobrem apenas 70% dos gastos com saúde Há algo na lei que controle os preços desses convênios vendidos por meio dos intercâmbios promovidos pelo governo? Há regulações que podem parecer úteis, mas que estão cheias de lacunas. Existe a possibilidade de que o governo possa regulamentar o aumento dos seguros, assim como colocar um limite de 15% do custo total, para os “gastos gerais”, que as companhias de seguros saúde cobram. Esse é um outro problema. 15% é uma porcentagem muito alta. Isso significa que se alguém adquire um convênio anual de 10 mil dólares, 1,5 mil dólares nunca sai da companhia de seguros, permanece ali para os tais gastos gerais. Para uma companhia grande, 15% é facilmente atingível. Na realidade, é uma restrição para as pequenas companhias que vendem convênios individuais. Há outras regulamentações para o setor. Creio que é preciso colocar regras, mas como a lei foi pensada e redigida por esse setor, há inúmeras formas de escapar a todas essas restrições. Por exemplo, há uma proibição da chamada política de
rescisão. Na essência, significa que uma vez adquirido o convênio, se a pessoa adoece, o convênio não pode voltar atrás e cancelar. Isso se chamaria de rescisão. Mas o que a lei afirma é que a companhia não pode fazer essa rescisão a não ser que tenha ocorrido uma fraude. Só que esse sempre é o argumento das seguradoras, o que sempre foi ilegal, de acordo com as leis de contrato. Portanto, as rescisões sempre se baseiam no fato de que as companhias de seguros alegavam que o assegurado havia cometido fraude. Soa bem dizer “nada de rescisões ao menos que haja fraude”, mas eles fazem de tudo para enquadrar o cliente em uma fraude. “Você se esqueceu de nos dizer que há 20 anos apresentou uma citologia anormal. Ah, você disse que uma vez, há dez anos, teve pressão alta, mas que estava normal desde então”. Eles rastreiam e procuram nos arquivos coisas que podem não ter sido ditas. Pode ser que tenha sido um esquecimento de fato, mas eles alegam fraude, que omitiu propositalmente esses exames e ocorrências de anos atrás. Essa é uma grande la-
cuna e, infelizmente, a regulamentação contra as rescisões não está definida. Há um grupo que se beneficiará dessa lei, é importante dizer isso. Cerca de 7% dos estadunidenses adquirem seu seguro no chamado “mercado individual”, onde figuram como uma família ou pessoa individual. Se as companhias estão sendo tão beneficiadas, por que elas se opuseram tanto à reforma? Uma maneira de refletir sobre isto é seguir o rastro do dinheiro e ver os gastos de publicidade. O debate pode ser abordado considerando-se uma esquerda, uma direita – os republicanos – e um centro, sendo este o presidente Barack Obama. Os mais à esquerda defendiam um sistema único de saúde – Medicare para todos. As companhias de seguro deram dezenas de milhões de dólares aos democratas de Obama e também deram dezenas de milhões de dólares para a oposição de extrema direita. Assim, conseguiram centralizar o debate sobre o tema somente entre o centro e a direita, que de fato foi onde o grosso do debate político teve lugar. Se olharmos as doações, grande parte do dinheiro das companhias de seguro foi para os democratas. E mais, uma vice-presidente de uma companhia de seguros, Elizabeth Fowler, foi trabalhar para o senador Max Baucus, o presidente do Comitê de Finanças do Senado, e foi a autora do marco legislativo Baucus para a legislação. Se acessarmos a página do CoCenter for American Progress Action Fund/CC
Barack Obama discute reformas em evento em Las Vegas
mitê de Finanças e clicarmos no link “propriedades”, podemos ver que o Baucus foi escrito no computador de Elizabeth Fowler. A organização Médicos por um Programa Nacional de Saúde afirmou que essa lei teria o efeito de continuar pressionando a diminuição do preço dos seguros saúde pagos pelos patrões, o que ainda cobre a maioria dos estadunidenses. Por que? A cobertura oferecida pelos patrões, se alguém já possui, é obrigatório mantê-la após a nova lei. Não pode mudar após a nova lei entrar em vigor. O presidente Obama gostava de dizer, “se você possui um seguro privado e está satisfeito, pode conservar”. Mas se esquecia de dizer, “se você tem um convênio privado por meio do seu contrato de trabalho, terá que continuar com ele, ainda que não esteja satisfeito”. Depois, se os custos continuam crescendo – e a partir da experiência de Massachusetts temos todas as razões para supor que assim será –, muita gente com seguro coberto pela empresa estará sujeita ao imposto que entra em vigor em 2018. É um imposto muito alto, 40% sobre o total dos benefícios. E haverá de ser pago, seja qual for sua renda pessoal; ainda que seja um trabalhador não qualificado com um salário baixo, mas acontece que para ter um bom seguro médico, é necessário se sujeitar ao imposto.
“Mas o que a lei afirma é que a companhia não pode fazer essa rescisão a não ser que tenha ocorrido uma fraude. Só que esse sempre é o argumento das seguradoras” Isso significa que as pessoas nos Estados, como Massachusetts ou Nova York, provavelmente se verão obrigadas a pagar o imposto. Isso
é considerado, em geral, um ataque aos sindicatos, em especial os do setor público, muitos dos quais têm negociado incrementos de salários para poder ter níveis elevados de serviços médicos. Os trabalhadores sindicalizados dos Estados ricos são os que têm maiores probabilidades de acabar pagando este imposto.
“Em breve ficará claro que o que foi aprovado não é uma solução, que continuaremos tendo todos os problemas de custo e acesso” Seu grupo também apontou que essa lei deixaria as companhias de seguro ainda mais ricas e poderosas, tornando impossível desafiá-las? Os contribuintes subsidiarão os seguros da classe média não assegurada. O valor desses subsídios alcançará os 447 bilhões de dólares em 2019. Ou seja, será necessário tudo isso para reforçar o poder político e financeiro das companhias de seguros e fazê-las mais capazes de obstruir futuras reformas. Do meu ponto de vista, esse é o aspecto mais negativo dessa lei. Creio que a causa de nossos problemas é o setor privado dos seguros médicos – é a razão pela qual estamos nesse imbróglio. Acredito que décadas de experiência demonstram que as companhias de seguros não podem controlar os custos nem podem oferecer aos estadunidenses a cobertura que necessitam. A necessidade de um seguro médico individual público a nível nacional está tão clara como sempre. Em breve ficará claro que o que foi aprovado não é uma solução, que continuaremos tendo todos os problemas de custo e acesso. Acredito que haverá um movimento contínuo para isso. Certamente, nosso grupo tem a intenção de continuar trabalhando por um seguro médico nacional assim como conscientizar o povo estadunidense sobre sua necessidade (do Socialist Worker – socialistworker.org).
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Os Camisas Vermelhas da Tailândia querem democracia e igualdade Reprodução
ENTREVISTA Segundo cientista político tailandês, movimento que pede o fim do governo, vigente desde o golpe de Estado de 2006, foi formado espontaneamente nas comunidades do país Carlos Sardiña de Londres (Inglaterra) O NOVO EPISÓDIO da crise política em que a Tailândia está submergida desde 2006 já desembocou em enfrentamentos violentos entre os “camisas vermelhas” e o exército que, no dia 10 de abril, causaram 20 vítimas fatais e centenas de feridos (em sua imensa maioria, manifestantes), uma violência que a capital Bangkok não havia presenciado desde 1992. Além disso, os “camisas amarelas” da Aliança Popular para a Democracia (APD) anunciaram, recentemente, que estão dispostos a tomar a capital para barrar os “camisas vermelhas” se o governo for incapaz de fazê-lo. O final do enfrentamento que dividiu profundamente a sociedade tailandesa desde o golpe de Estado que depôs o primeiro ministro Thaksin Shinawatra parece cada vez mais distante. Para compreender melhor as reivindicações dos “camisas vermelhas” e a situação política do país, o Periodismo Humano entrevistou o cientista político tailandês Giles Ji Ungpakorn. Ungpakorn, que se define como um marxista partidário dos “camisas vermelhas”, era professor de Ciências Políticas na Universidade de Chulalongkorn, em Bangkok, até que, no ano passado, viu-se obrigado a sair do país por ser acusado de injuriar o rei. As acusações se baseavam no conteúdo de seu livro A Coup for the Rich, em que critica duramente as elites que deram o golpe de Estado de 2006 e questiona a versão oficial sobre o papel da monarquia no mesmo e na vida política tailandesa. Atualmente, ele reside na GrãBretanha. Quais são as demandas dos “camisas vermelhas”, além da dissolução do Parlamento e a convocatória de novas eleições?
Mais além de suas demandas imediatas, o que eles querem é uma autêntica democracia, em que não haja intervenções políticas nem do exército nem do Palácio. Querem ser respeitados como cidadãos em pé de igualdade, querem que terminem os privilégios das elites. Querem que o governo proporcione serviços ao povo, como saúde, educação etc.
“O movimento de massas dos ‘camisas vermelhas’ é cada vez mais antimonárquico e está adquirindo uma consciência de classe cada vez maior”
“Existem boas razões para que gostem de Thaksin: saúde universal, a criação de fundos nos povoados para estimular os negócios locais etc. Querem uma democracia autêntica” Por que os “camisas vermelhas” dizem que o governo de Abhisit Vejjajiva é ilegítimo?
O Partido Democrata, de Abhisit, nunca obteve maioria alguma nas eleições gerais. Seus membros boicotaram as eleições de 2006 e temem os processos eleitorais porque são conscientes de que vão perder. São contra empregar o dinheiro do Estado em serviços como a saúde. Chegaram ao governo depois do golpe de Estado militar de 2006, dois golpes de Estado judiciais e dos atos de violência da organização semi-fascista Aliança Popular para a Democracia (APD). Os membros da APD são extremistas monárquicos que em 2008 tomaram os aeroportos internacionais e destroçaram a sede do governo, com o apoio do exército. O exército também descartou a Constituição democrática de 1997 e escreveu sua própria versão, reduzindo o espaço democrático.
Os detratores dos “camisas vermelhas” afirmam que eles são pagos por Thaksin Shinawatra (primeiroministro deposto em 2006), mas há pessoas que sustentam, o senhor entre eles, que é um movimento que transcende o próprio Thaksin. Até que ponto é um movimento espontâneo e do povo?
Ninguém participa uma e outra vez de manifestações desde finais de 2008 e permanece nas ruas de Bangkok
em março e abril deste ano só porque lhe pagam. A verdade é que os “camisas vermelhas” pertencem a comunidades organizadas espontaneamente em todo o país, e também em Bangkok. Existem boas razões para que gostem de Thaksin: saúde universal, a criação de fundos nos povoados para estimular os negócios locais etc. Querem uma democracia autêntica. O lado oposto simplesmente detesta e despreza os pobres, que formam a maioria da população. Os membros da classe média creem que são os únicos que possuem inteligência. Também se disse que se trata de um conflito entre duas elites diferentes. Quais são essas elites? Qual é a diferença entre elas?
Este conflito começou como uma luta entre os monárquicos conservadores e Thaksin, porque este havia conseguido formar uma poderosa coalizão com a maioria da população. As antigas elites queriam continuar governando sem levar em conta os pobres. Na realidade, tanto Thaksin como as elites conservadoras são monárquicos e partidários do capitalismo de livre mercado e a globalização. A diferença radica em sua atitude com respeito aos pobres e a democracia. As elites não pensaram que um conflito entre elas desembocaria em uma crise como essa. Essa crise tem politizado milhões de trabalhadores e agricultores, e tem mudado as regras do jogo. Essa Reprodução
Camisas Vermelhas querem ser respeitados como cidadãos em pé de igualdade
é uma dimensão muito importante para compreender a crise. O movimento de massas dos “camisas vermelhas” é cada vez mais antimonárquico e está adquirindo uma consciência de classe cada vez maior. Com a falta de um movimento de esquerdas forte, o partido de Thaksin ganhou os pobres graças a seu programa de saúde universal e a outras políticas favoráveis a eles. Thaksin tem assumido o compromisso de utilizar o sistema eleitoral. Portanto, é mais “democrata” que os partidos que ocupam o governo. No entanto, deve-se dizer que ele não teria nenhum problema em violar os direitos humanos no sul do país e na guerra contra as drogas; e não é precisamente um socialista. O movimento dos “camisas vermelhas” surgiu das pessoas que haviam votado em Thaksin e que ficaram enfurecidas com o golpe de Estado. É a luta que vem radicalizando-as, sobretudo desde 2008, mas a maioria dos “camisas vermelhas” apoia Thaksin. Diz-se que o exército está profundamente dividido nessa crise. Qual é seu papel? Há alguma divisão em seu seio?
O exército é o setor mais poderoso das elites. Sua legitimidade deriva do rei, que é débil e carece de escrúpulos. Mas existem rivalidades internas no exército, que está disposto a desfazer-se de Abhisit se assim lhe convém.
Você teve que se exilar em Londres devido às suas críticas à monarquia. Qual tem sido o papel da monarquia na crise?
Na realidade, o que aconteceu é que escrevi um livro acadêmico que criticava o golpe de 2006. Mas, posto que os golpistas atribuíam sua legitimidade à monarquia, automaticamente se interpretou que meu livro era uma crítica ao rei. Eu perguntava porque o rei não havia criticado o fato de que tinham destruído a democracia. Eu enfrentaria uma condenação de 15 anos de prisão se me aplicassem a lei de lesa-majestade. O julgamento seria realizado em segredo e a maioria dos professores universitários e organizações não governamentais da Tailândia apoiava os monárquicos da APD. Eu não teria uma única oportunidade de ser submetido a um julgamento justo.
A monarquia é débil e carece de escrúpulos. Beneficiase da ingerência do exército na política e o rei é o homem mais rico da Tailândia. Ele se permite dizer aos pobres que sejam “auto-suficientes” em sua pobreza e permite a seus partidários que se arrastem diante ele e lhe tratem como um deus. No entanto, o rei está muito velho e doente. As pessoas odeiam e temem seu filho. Um programa de televisão transmitido recentemente na Austrália mostrava imagens do príncipe herdeiro obrigando sua mulher a posar nua na festa de aniversário de seu cachorro. Como você interpreta o silêncio do rei sobre o último enfrentamento?
O rei nunca interviu em uma crise até que estivesse seguro de quem tinha sido o vencedor. Ele prefere o exército e as ditaduras a um governo que conte com o apoio dos pobres. A rainha tem mostrado seu apoio ao exército e à APD em mais de uma ocasião.
Há muitas conjecturas sobre o futuro da monarquia quando o rei Bhumibol Adulyadej morrer. Há quem diga que sua morte pode desestabilizar o país. Qual o senhor acredita que será o futuro da monarquia? Acredita que existe a possibilidade de que se instaure um sistema republicano na Tailândia?
O rei nunca contribuiu para estabilizar a sociedade tailandesa. Só contribuiu para fortalecer o poder das elites. Tenho a esperança de que podamos instaurar uma república depois de sua morte. Existe um sentimento republicano muito forte na atualidade, mais forte que nos anos 1930 e no final dos anos 1970, quando os movimentos republicanos eram influentes. O senhor criticou o papel das ONGs na Tailândia. Por que?
As ONGs tailandesas se puseram do lado do exército e dos monarquistas antidemocráticos desde o golpe de 2006. Antes, costumavam dizer que “a resposta deveria ser encontrada pelos povos”. Agora, dizem que os camponeses pobres são estúpidos e não merecem o direito a votar, razão pela qual a resposta, agora, encontra-se no exército e nas elites. Não são mais um elemento da sociedade civil que luta pela de-
mocracia. No que diz respeito às ONGs internacionais, a Anistia Internacional continua a se negar a empreender uma campanha para libertar os prisioneiros por lesa-majestade. A delegação de Bangkok da Anistia Internacional está dirigida por monárquicos. Focus on Global South apoia o governo de Abhisit. Qual é a postura da chamada comunidade internacional, mais concretamente, da União Europeia, em relação à crise política tailandesa?
As potências ocidentais não têm nenhum problema em colaborar com qualquer governo que haja na Tailândia. Não lhes importa se é democrático ou não. Mas, muitos cidadãos e alguns políticos europeus estão bastante preocupados com o que está ocorrendo lá.
O histórico de violações dos direitos humanos da época de Thaksin é péssimo. Qual é a situação agora?
Tão terrível como antes, mas a censura da internet e dos meios de comunicação é ainda pior.
O conflito entre o governo central e a insurgência separatista do sul recrudesceu em 2004 e piorou, em grande medida, por culpa de algumas políticas implantadas pelo governo de Thaksin. Qual é a situação no sul depois de sua expulsão do poder?
A razão pela qual a violência recrudesceu com o governo de Thaksin foi o fracasso do acerto que ele havia feito com o general Prem [Tinsulanonda, atual chefe do Conselho Privado do rei e primeiro-ministro da Tailândia entre 1980 e 1988], mediante o qual o exército conseguiu se aproximar dos políticos locais. O governo de Thaksin não fez mais do que continuar as antigas políticas de repressão à população local. É algo que vem ocorrendo durante 140 anos. Mas a guerra civil se intensificou em 2004 quando o regime de Thaksin e o exército assassinaram 80 manifestantes desarmados no povoado de Tak Bai. A paz só poderá ser alcançada por meios políticos. O exército deve se retirar e deve-se conceder à região algum tipo de autonomia. (Periodismo Humano) Tradução: Eduardo Sales de Lima e Renato Godoy de Toledo