Circulação Nacional
Uma visão popular do Brasil e do mundo
Ano 8 • Número 379
São Paulo, de 3 a 9 de junho de 2010
R$ 2,80 www.brasildefato.com.br Reprodução
As lutas são imprescindíveis para o processo revolucionário As lutas acumulam as forças necessárias que são imprescindíveis para um processo revolucionário. Essa é a avaliação de Ricardo Gebrim, do movimento Consulta Popular. Para ele, o grande desafio hoje consiste em unificar a esquerda e o conjunto das forças populares em torno de um programa e um calendário de lutas. Em entrevista ao Brasil de Fato, Gebrim diz que a Consulta Popular vai aproveitar o período eleitoral para promover a agitação e propaganda dos pontos programáticos do projeto popular. Pág. 5 Em Londres, manifestantes condenam o ataque do exército israelense a barcos que levavam ajuda humanitária à faixa de Gaza
2ª Assembleia Popular faz balanço e aponta desafios A segunda edição da Assembleia Popular Nacional reuniu em Goiás, entre os dias 25 e 28 de maio, centenas de representantes de organizações das cinco regiões de país. Eles realizaram um balanço das forças sociais na esquerda e apontaram para unidade na construção do projeto e do poder popular. Pág. 4
Aracruz no ES: 40 anos de violência e devastação
Isolado, Israel planejou ataque para forçar posição de Obama O ataque israelense ao comboio humanitário que se dirigia à Faixa de Gaza foi a forma que o país encontrou para frear a perda de apoio internacional que vem enfrentando desde a ofensiva à região no fim de 2008, que causou a morte de cerca de 1.500 civis palestinos. De acordo com o jornalista palestinoestadunidense Ramzy Baroud, a política externa dos EUA, sob o governo Obama, diversificou seu eixo de atuação, retirando de Israel, embora de maneira tímida, a condição de foco central que desfrutava na era Bush. O assassinato dos dez ativistas seria uma forma
Organizações de defesa dos direitos humanos apresentaram na Assembleia Legislativa do Espírito Santo um relatório sobre os impactos do monocultivo de eucaliptos da Aracruz. O estudo focou um período de 40 anos e os efeitos em mais de 30 comunidades quilombolas. Foram apurados casos de violação dos direitos à terra, alimentação e trabalho, de devastação ambiental e de criminalização. Pág. 6
de forçar a diplomacia estadunidense a voltar a sua atenção para os israelenses, defendendo-os das reações internacionais. A desproporcionalidade da ação gerou críticas até mesmo da direita israelense, conforme relata a enviada à Palestina, Dafne Melo. As manifestações de repúdio se alastram por Israel e também na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, que realizou greve geral no dia 1º. A repórter também acompanhou, no dia 31 de maio, ato de pessoas da extrema direita israelense que, aos gritos de “Morte aos árabes”, esperavam pela chegada da frota na cidade portuária de Asdud. Págs. 2, 9, 10 e 11 Mário Angelo/Folhapress
Sindicatos e movimentos constroem pauta unificada Entre os dias 31 de maio e 1º de junho, os movimento social e sindical realizaram assembleias nacionais em São Paulo e construíram uma plataforma para influenciar as eleições de outubro. No Pacaembu, as maiores centrais sindicais do país aclamaram um projeto com mais de 290 reivindicações. Em ambos os eventos, o repúdio à candidatura Serra foi posto como prioridade. Pág. 3
Reprodução
Na Colômbia, vitória de candidato de Uribe surpreende Até o candidato vitorioso ficou surpreso com o resultado das eleições colombianas. A falta de presença do presidenciável “verde” no interior, um programa pouco claro e o desejo de continuidade do uribismo determinaram o triunfo de Juan Manuel Santos. Pág. 12
A pátria de Dunga: ame-a ou deixe-a
Eduardo Knapp-Folhapress
ISSN 1978-5134
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de 3 a 9 de junho de 2010
editorial ESTE ANO PODE se caracterizar como um momento especial para os setores populares. Em 2010, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegará ao fim do seu 2º mandato. E, no período de seus dois governos, o ponto de unidade das organizações populares foi a derrota da direita nas duas eleições presidenciais. O que já é um fato muito relevante em nossa história. Porém, nessa trajetória, os setores populares ingressaram em um período de fragmentação e divergências táticas, que ganharam relevo com a cristalização de diferentes posições em relação ao atual governo Lula. Essas diferenças criaram campos políticos que atuaram com unidade apenas em momentos específicos. A natureza e as contradições do atual governo, aliadas à fragmentação do movimento sindical, estudantil e das organizações populares, são elementos que caracterizaram esse período Lula. E o reflexo disso foi o enfraquecimento da esquerda brasileira no enfrentamento dos principais inimigos da classe trabalhadora, especialmente o imperialismo, as grandes empresas transnacionais e o capital financeiro. Esse quadro se agravou ainda mais com a ofensiva da direita e do imperialismo que, pressionados pela atual crise econômica, lançaram so-
debate
Boas perspectivas de luta bre a América Latina novos esforços para satisfazer as necessidades do seu complexo industrial-militar por mais lucro e desrespeito à soberania dos povos. Sinais positivos Porém, apesar deste cenário adverso, a esquerda brasileira dá sinais positivos. Nesse sentido, na última semana de maio, aconteceram atividades importantes, que apontam para o fortalecimento dos setores populares e para a reconstrução da unidade na luta em torno de plataformas políticas, com a perspectiva de ampliação de direitos para o povo brasileiro, o fortalecimento da classe trabalhadora e mudanças estruturais na sociedade brasileira. As atividades da Assembleia Popular, da Coordenação dos Movimentos Sociais e a conferência das centrais sindicais, além do congresso da Conlutas e Intersindical marcado a primeira semana de junho, representam avanços para a esquerda brasileira e apontam para melhores momentos. Além desses espaços, as plenárias dos pequenos camponeses e da Co-
missão Pastoral da Terra, além do encontro nacional pela erradicação do trabalho escravo, reuniram diversos setores e demonstraram avanços das lutas em torno de bandeiras progressistas. Pontos convergentes É importante ressaltar que o mais importante desse conjunto de atividades é a construção de plataformas políticas com pontos convergentes. São propostas de caráter estruturante, em torno de forças sociais importantes, como as centrais sindicais, pastorais sociais, movimentos populares, entidades estudantis e organizações não-governamentais. Nesse sentido, as plataformas políticas defendem um novo modelo de desenvolvimento, com uma nova política econômica, voltada à geração de empregos, fortalecimento do mercado interno, distribuição de renda, tirando a nossa economia das mãos do capital financeiro e das empresas transnacionais. A defesa da soberania nacional e o fortalecimento de blocos continentais, como o Mercosul, a Unasul e
crônica
Iara Lee
Por que vou a Gaza Reprodução
O navio turco Mavi Marmara deixa o porto de Sarayburnu, em Istambul, rumo à Gaza
ações de alguns. Uma reportagem publicada por Amnesty International, Oxfam, Save the Children e CARE relatou, “A crise humanitária [em Gaza] é resultado direto da contínua punição de homens, mulheres e crianças inocentes e é ilegal sob a lei internacional.” Como resultado do cerco, civis em Gaza, inclusive crianças e outros inocentes que se encontram no meio do conflito, não têm água limpa para beber, já que as autoridades não podem consertar usinas de tratamento destruídas pelos israelenses. Ataques aéreos que danaram infraestruturas civis básicas, junto com a redução da importação, deixaram a população em Gaza sem comida e remédio que precisam para uma sobrevivência saudável. Nós que enfrentamos esta viagem estamos, é claro, preocupados com nossa segurança também. Anteriormente, alguns barcos que tentaram levar abastecimentos a Gaza foram violentamente assediados pelas forças israelenses. Dia 30 de dezembro de 2008 o navio ‘Dignity’ carregava cirurgiões voluntários e três toneladas de suprimentos médicos quando foi atacado sem aviso prévio por um navio israelense que o atacou três vezes a aproximadamente 90 milhas da costa de Gaza. Passageiros e tripulantes ficaram aterrorizados, enquanto seu navio enchia de água e tropas israelenses ameaçavam com novos disparos. Todavia eu me envolvo porque creio que ações resolutamente não violentas, que chamam atenção ao bloqueio, são indispensáveis para esclarecer o público sobre o que está de fato ocorrendo. Simplesmente não há justificativa para impedir que cargas
Retomar as lutas Esperamos que as articulações da classe trabalhadora avancem no sentido da unidade, especialmente depois do período eleitoral, para construirmos um sólido programa que seja capaz de orientar as principais lutas e selar uma unidade mais consistente dos setores populares. Temos de transformar a unidade da classe trabalhadora em lutas sociais, com povo na rua, para conseguirmos enfrentar os interesses do capital financeiro, das empresas transnacionais e vencer a classe dominante brasileira e o imperialismo estadunidense.
Elaine Tavares
O terror de Israel extrapola suas fronteiras
Artigo escrito por brasileira que integrava comboio humanitário atacado por Israel no dia 31 de maio
EM ALGUNS DIAS eu serei a única brasileira a embarcar num navio que integra a Gaza Freedom Flotilla. A recente decisão do governo israelense de impedir a entrada do acadêmico internacionalmente reconhecido Noam Chomsky nos Territórios Ocupados da Palestina sugere que também seremos barrados. Não obstante, partiremos com a intenção de entregar comida, água, suprimentos médicos e materiais de construção às comunidades de Gaza. Normalmente eu consideraria uma missão de boa vontade como esta completamente inócua. Mas agora estamos diante de uma crise que afeta os cidadãos palestinos criada pela política internacional. É resultado da atitude de Israel de cercar Gaza em pleno desafio à lei internacional. Embora o presidente Lula tenha tomado algumas medidas para promover a paz no Oriente Médio, mais ação civil é necessária para sensibilizar as pessoas sobre o grave abuso de direitos humanos em Gaza. O cerco à Faixa de Gaza pelo governo israelense tem origem em 2005, e vem sendo rigorosamente mantido desde a ofensiva militar israelense de 2008-09, que deixou mais de 1.400 mortos e 14.000 lares destruídos. Israel argumenta que suas ações militares intensificadas ocorreram em resposta ao disparo de foguetes ordenado pelo governo Hamas, cuja legitimidade não reconhece. Porém, segundo organizações internacionais de direitos humanos como Human Rights Watch, a reação militar israelense tem sido extremamente desproporcional. O cerco não visa militantes palestinos, mas infringe as normas internacionais ao condenar todos pelas
especialmente a Alba, são fundamentais para enfrentar o imperialismo dos Estados Unidos, associado às burguesias locais, e viabilizar transformações estruturais nos países da América Latina. Além disso, há uma visão comum de que só conseguiremos melhorar as condições de vida do povo do campo, orientar os rumos da nossa agricultura e garantir a produção de alimentos saudáveis para o mercado interno com a realização da reforma agrária e o fortalecimento da pequena agricultura, deixando para trás o modelo do agronegócio. E os nossos recursos naturais, como a água, as terras, o petróleo e os minérios, devem ficar sob controle do Estado, sendo utilizados na perspectiva de um projeto popular para o Brasil, que atenda em primeiro lugar as necessidades do povo brasileiro. Também há um consenso sobre a necessidade de um modelo de desenvolvimento que respeite o meio ambiente, a diversidade dos biomas e, principalmente, a Amazônia. Enquanto o capital explora as nossas riquezas naturais até a exaustão em
busca do lucro, as propostas dos diversos fóruns da classe trabalhadora apontam para um modelo que tenha como princípio a sustentabilidade ambiental. Por fim, a democratização dos meios de comunicação de massa, que estão sob controle da classe dominante, se coloca como uma necessidade para impedir que a burguesia utilize esses instrumentos contra as lutas e as bandeiras da classe trabalhadora. Qualquer medida progressista, democrática e popular será combatida pela mídia burguesa, que esconde as contradições da sociedade e silencia os anseios do povo.
de ajuda humanitária alcancem um povo em crise. Com a partida dos nossos navios, o senador Eduardo Matarazzo Suplicy mandou uma carta de apoio aos palestinos para o governo de Israel. “Eu me considero um amigo de Israel e simpatizante do povo judeu” escreveu, acrescentando: “mas por este meio, e também no Senado, expresso minha simpatia a este movimento completamente pacífico…Os oito navios do Free Gaza Movement (Movimento Gaza Livre) levarão comida, roupas, materiais de construção e a solidariedade de povos de várias nações, para que os palestinos possam reconstruir suas casas e criar um futuro novo, justo e unido.” Seguindo este exemplo, funcionários públicos e outros civis devem exigir que sejam abertos canais humanitários a Gaza, que as pessoas recebam comida e suprimentos médicos, e que Israel faça um maior esforço para proteger inocentes. Enquanto eu esteja motivada a ponto de me integrar à viagem humanitária, reconheço que muitos não têm condições de fazer o mesmo. Felizmente, é possível colaborar sem ter que embarcar em um navio. Nós todos simplesmente temos que aumentar nossas vozes em protesto contra esta vergonhosa violação dos direitos humanos. (Opera Mundi) Iara Lee é brasileira, cineasta e ativista social. Era uma das integrantes da “Flotilha da Liberdade”, um grupo de seis navios que transportava mais de 750 pessoas com ajuda humanitária para a Faixa de Gaza e que foi atacado por Israel na madrugada do dia 31 de maio. Ainda não há informações sobre seu paradeiro.
QUANDO NA SEGUNDA Guerra Mundial apareceram os rumores do que acontecia na Alemanha, o mundo calou. Levou tempo demais até que os governos de outros cantos se levantassem contra o que se passava de horror sob o domínio nazista. E, mesmo assim, a intervenção só aconteceu quando o que estava em jogo era o domínio de outros países da Europa. Não foi, verdadeiramente, o massacre dos judeus e dos ciganos que levou ao repúdio do governo de Hitler. Foi sua audácia de dominação sobre os demais países da Europa. Penso eu, cá com meus botões, que se Hitler tivesse se mantido nas fronteiras da Alemanha, não haveria tanto repúdio às suas práticas de terror. Hoje, assistimos ao Estado de Israel repetir o circo dos horrores contra o povo palestino. Já se vão mais de 60 anos de violência, opressão, ataques assassinos. Desde 1948 o processo de dizimação do povo palestino acontece sob os olhos das câmeras, aparece sistematicamente na hora do jantar, nos jornais noturnos. E, no mais das vezes, a maioria das gentes olha, boceja, e o máximo que tem de reação é dizer: “essa guerra não termina!” E ponto final. Lá, naquele cantão esquecido do mundo, a porta de entrada do rico médio-oriente, seguem os palestinos resistindo com pedras e gritos de dor. Hoje, segregados em campos de concentração, tal e qual ocorria com os judeus e ciganos nos campos nazistas, eles são humilhados, subjugados, tratados como não-seres. Chamados de terroristas quando se levantam em rebelião. E tudo o que querem é o direito de viverem em paz no seu próprio território. O mundo sabe muito bem que quando os EUA criaram o Estado de Israel, aquela não era uma terra sem povo. Milhares de famílias foram desalojadas, expulsas de suas casas, para dar lugar às colônias israelenses. E, depois, ao longo dos anos, sob o fogo dos canhões, Israel foi comendo o território até confinar as gentes palestinas em campos fechados por muros gigantes, que deveriam ser repudiados como uma vergonha mundial, tal qual foi o muro de Berlim durante tanto tempo. A pergunta que fica é: por que o chamado “mundo livre” não brada contra o muro da vergonha de Israel? Pois, não satisfeitos em dizimar o povo palestino, Israel chegou, dia 31 de maio, ao auge da violência e da perfídia. Foi capaz de atacar militarmente navios que seguiam para Gaza, levando ajuda humanitária. Soldados armados atacaram civis que poucos minutos antes haviam levantado uma bandeira branca. Mesmo nas guerras mais cruéis, todos os generais sabem o que isso significa. Mas, ao que parece, não Israel. Morreram pessoas comuns, tombadas pelas balas assassinas dos soldados israelenses. Gente que se importava com o que se passa por detrás dos muros de Israel, que apenas se preocupava em levar comida, remédio e conforto a um povo acossado pela violência e pelo terror. Pois foram atacados de forma absurda, em águas internacionais, violando toda a sorte de tratados e acordos internacionais. E aí? Cadê as sanções a Israel? O seu parceiro de atrocidades, os Estados Unidos, lamentou o ocorrido, mas não condenou. Vários países estão declarando condenação, mas o que isso de fato significa? Palavras ao vento! Quais as medidas reais a serem tomadas contra esse Estado assassino que extrapola suas fronteiras, atacando civis? Os argumentos que as redes de televisão oferecem são os mais absurdos possíveis. Um general israelense dizendo que só revidaram um ataque dos que estavam no navio. Mas, como isso? As pessoas, em alto mar, cercadas de água, fizeram o quê? Tinham mísseis? Arcabuzes? Facas voadoras? Que ataque poderiam fazer essas pessoas dentro de um navio a aviões de guerra? Vejam que é o mesmo argumento que usam para matar palestinos. Meninos de 12 anos, com pedras na mão, são “violentos terroristas” e ameaçam a vida dos soldados israelenses dentro dos tanques de ferro. É o paroxismo do terror. Por todo o planeta gritam as gentes, como gritaram contra a invasão do Iraque, contra a invasão do Panamá, do Afeganistão. Gritam os que não têm poder. E lançam declarações os que têm poder. Cuba vive sob um bloqueio criminoso por parte dos Estados Unidos, porque decidiu ser livre e auto-determinada. Isso é crime? O que aconteceu no dia 31 de maio não pode ficar só no plano da condenação pela palavra. É preciso parar Israel. Este é um dos países mais fortemente armados do globo terrestre. Seu poder militar é fabuloso. Tem ainda o serviço secreto mais sanguinário do mundo. É um cântaro de destruição. A fonte de sua violência segue vertendo, como já dizia o grande Mahmud Darwish. Há 60 anos Israel mata palestinos como se fossem moscas. Agora, há que parar Israel. Elaine Tavares é jornalista
Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Igor Ojeda, Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Daniel Cassol, Eduardo Sales de Lima, Leandro Uchoas, Mayrá Lima, Patricia Benvenuti, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, Vinicius Mansur • Assistente de Redação: Michelle Amaral • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Mello • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Aurelio Fernandes, Delci Maria Franzen, Dora Martins, Frederico Santana Rick, José Antônio Moroni, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Sávio Bones, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800
de 3 a 9 de junho de 2010
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brasil
Movimentos sociais e sindicais celebram plataforma única Mário Angelo/Folhapress
LUTA SOCIAL Entidades rechaçam volta do PSDB ao governo e reivindicam ampliação de direitos
Renato Godoy de Toledo da Reportagem NOS DIAS 31 de maio e 1º de junho, representantes de diversos movimentos sociais celebraram a construção de uma plataforma unitária para o próximo período. Mais de 290 reivindicações foram apresentadas e aprovadas na Assembleia dos Movimentos Sociais e na Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat). No primeiro evento, realizado na quadra do Sindicato dos Bancários, em São Paulo, cerca de 3 mil pessoas aclamaram o projeto Brasil 2010, que deve ser entregue aos candidatos à presidência da República. Apesar de ter tom multipartidário, ambos os encontros manifestaram a tendência geral de apoio à candidatura Dilma Rousseff (PT). Na Assembleia dos Movimentos Sociais, mesmo os que não manifestaram apoio à petista apontaram a importância de derrotar o retrocesso que significaria um governo do PSDB. Já no evento das centrais sindicais, realizado no estádio do Pacaembu, cerca de 20 mil trabalhadores aprovaram uma plataforma com demandas trabalhistas e sociais. De novo, o apoio a Dilma apareceu em diversas falas. Unidade inédita
Convocado pela CGTB, CUT, CTB, Força Sindical e Nova Central, o evento representou um marco no sindicalismo brasileiro. Desde a redemocratização do país, nunca houve um momento em que as principais forças do sindicalismo se reuniram em torno de uma pauta nacional conjunta. Nem mesmo em um evento similar, a Conclat de 1981, as forças saíram unidas. Após aquele encontro, que reuniu
No encontro das centrais sindicais, cerca de 20 mil trabalhadores aprovaram uma plataforma com demandas trabalhistas e sociais
No evento das centrais sindicais, realizado no estádio do Pacaembu, cerca de 20 mil trabalhadores aprovaram uma plataforma com demandas trabalhistas e sociais. De novo, o apoio a Dilma apareceu em diversas falas cerca de 5 mil delegados sindicais na Praia Grande (SP), petistas fundaram a CUT, membros do PCdoB e do PCB permaneceram na CGT e, posteriormente, alguns setores mais à direita fundaram a Força Sindical – que participou do governo Fernando Collor (1990-1992). Agora, todas essas vertentes estão unidas em torno de um único projeto e candidato. No universo sindical, apenas a UGT, a Conlutas e a Intersindical não compactuaram com a plataforma apresentada no Pacaembu.
João Felício, ex-presidente da CUT e atual secretário de Relações Internacionais da central, afirma “não lembrar de uma semana tão rica” para o movimento sindical, desde que iniciou sua militância, nos anos 1970. O sindicalista aponta que, apesar da unidade costurada nos últimos anos, as centrais continuam tendo divergências de fundo, que podem separá-las em um eventual acirramento da disputa política na sociedade. “Nenhuma central abre mão de seu projeto. A CUT sempre de-
Movimento sai da defensiva, diz sindicalista Para cutista, Conferência explicita momento de pautas propositivas do movimento sindical da Reportagem Para o secretário de Relações Internacionais da CUT, João Felício, a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora e a Assembleia Nacional dos Movimentos Sociais são reflexo de um novo momento, em que o movimento social e sindical sai da defensiva e passa para pautas positivas. “Antes, nem éramos recebidos pelo poder público. Hoje, eles nos chamam para negociar. A mudança não se
deve apenas ao fato de termos conseguido eleger um operário sindicalista à presidência, mas porque, no Brasil, temos um movimento social muito forte. No passado, a CUT era chamada para participar de debates no movimento sindical internacional para explicar o que estava acontecendo de ruim no Brasil: ditadura militar e implementação do neoliberalismo. Hoje, somos chamados para explicar porque o Brasil está saindo primeiro da crise, porque conseguimos eleger um operário, como é a relação dos movimentos sociais com o poder público. Não vejo um outro período tão bom quanto esse que nós vivemos. Claro que há problemas, às vezes tem autoritarismo do poder público na relação conosco, mas, comparando com o passado, vivemos um período invejável”, opina. Democracia participativa
De acordo com o sindicalista, a participação das or-
ganizações de trabalhadores no cotidiano político do país – como propôs a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora – é um instrumento de fortalecimento da democracia e que rompe com o seu caráter meramente representativo.“Nos anos de 1980 e 1990, atuávamos para nos defender. Não era luta para ganhar, era para não perder. Cavamos uma trincheira para nos defender do projeto neoliberal. Agora, a luta é para avançar, conquistar espaço de negociação. O Brasil só será mais democrático com espaço de negociação política e diálogo social. Quando os movimentos forem mais interlocutores do que têm sido. Há um avanço nos últimos anos. A elite brasileira acha que democracia é apenas votar para presidente. Para nós, é quando há atuação, ocupação de espaço e luta política, dialogando com o poder público e a sociedade. Os dois eventos vão ficar marcados na história”, explica. (RGT)
fendeu profundas transformações sociais no país, a luta pelo socialismo e por democracia. Nós jamais vamos abandonar a nossa história. Há centrais que defendem coisas parecidas, mas outras impõem um limite à atuação sindical. Agora, o futuro é que vai determinar se é possível a radicalização da luta e se todas as centrais vão estar juntas nesse processo. Se me perguntar se essa unidade seria possível, diria que não. A CUT tem um projeto de grandes mudanças e outros não. Por isso, nós fortalecemos muito a CMS [Coordenação dos Movimentos Sociais] e os movimentos sociais, porque ali estão centrais e movimentos sociais que querem fazer grandes transformações”, explica. Fatores externos e internos
Para o presidente do PCdoB, Renato Rabelo, a aproximação entre as centrais se deu por uma combinação de fatores externos e internos. “As centrais de-
monstram uma unidade em torno de bandeiras, de um programa. Isso é raro no movimento sindical brasileiro. São cinco centrais que congregam a grande maioria dos trabalhadores. Isso mostra uma maturidade, mas também decorre de um momento de crise econômica mundial. Há uma tendência de convergência em defesa dos trabalhadores, porque, na crise, o ônus é empurrado para cima deles. Na Europa, está acontecendo isso, e aqui também começa a acontecer. A crise deve ter ajudado nesse sentido”, analisa. Para ele, o quadro atual do governo Lula também ajuda essa unidade ao fazer algo “raro”: dialogar com as centrais. “O último a ter feito isso foi João Goulart. Se houver uma continuidade do ciclo aberto por Lula, pode haver um fortalecimento dessa unidade”, prevê. “Protagonismo”
O vice-presidente da CTB, Nivaldo Santana, afirma que
CMS reúne representantes de 22 estados da Reportagem Um dia antes da Conferência Nacional da Classe Trabalhadora, a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) realizou sua assembleia nacional com o objetivo similar ao evento das centrais: criar uma plataforma conjunta para a atuação no próximo período para pressionar o poder público. Tal como no Pacaembu, as cerca de 3 mil pessoas que se reuniram na quadra do Sindicato dos Bancários, em São Paulo, apontaram a necessidade de impedir qualquer retrocesso no próximo pleito. Retrocesso também conhecido como vitória de José Serra (PSDB). Apesar disso, o apoio à candidatura de Dilma Rousseff já no primeiro turno pareceu menos consensual do que no evento das centrais. Para o petroleiro Antonio Carlos Spis, que coordenou a mesa da CMS, o prin-
cipal ponto positivo do evento foi o fato de as propostas se darem em torno de projetos, não de nomes. “O evento de hoje superou as expectativas. Não esperávamos que 22 estados estivessem presentes. A partir de hoje, a sociedade tem um patamar social para exigir do governo. Hoje, a eleição se concentra em nomes, infelizmente. E nós apresentamos projetos. A CMS trabalha desde 2006 num projeto profundo que traduz os anseios dos movimentos sociais”, analisa. Entre os pontos aprovados por consenso na Assembleia, estão o controle acionário da Petrobras, tornando-a novamente 100% estatal, reforma agrária e democratização dos meios de comunicação. “É difícil desbancar a mídia de direita. É preciso muita militância para isso, e sentimos [na Assembleia] essa disposição para reverter essa situação desfavorável imposta pela mídia”, afirma Spis. (RGT)
a atuação unitária faz parte do estatuto de fundação de sua entidade. “Defendemos isso desde a nossa fundação, em 2007. Para que os trabalhadores tenham protagonismo nesse processo de mudanças que o país passa, essa unidade é estratégica para fazer avançar o projeto de desenvolvimento com democracia, soberania e valorização do trabalho. Hoje [1º de junho] vai entrar para história do Brasil como uma grande data dos trabalhadores”, acredita. Para o sindicalista, o quadro político geral também é uma causa para a aproximação entre as entidades. “Há um quadro político no Brasil mais aberto e democrático. Essa unidade tem sido construída há tempos. Existe um fórum das centrais sindicais realizado anualmente há seis anos. Ele defende a valorização do salário mínimo e a redução da jornada de trabalho. E foi essa convivência unitária que possibilitou um ato como este”, aponta.
Os seis eixos da Conferência Nacional da Classe Trabalhadora: • Crescimento com Distribuição de Renda e Fortalecimento do Mercado Interno
• Valorização do
Trabalho Decente com Igualdade e Inclusão Social
• Estado como
Promotor do Desenvolvimento Socioeconômico e Ambiental
• Democracia com
Efetiva Participação Popular
• Soberania e
Integração Internacional
• Direitos Sindicais e
Negociação Coletiva
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de 3 a 9 de junho de 2010
brasil Fotos: Douglas Mansur/Novo Movimento
Na construção do poder popular A opção pelos excluídos faz com que a reflexão sobre um projeto popular para o país volte ao centro dos debates
MOVIMENTOS 2ª Assembleia Popular Nacional faz um balanço das forças sociais na esquerda e aponta para unidade na construção do projeto e do poder popular Alexania Rossato, Mayrá Lima e Rafael Soriano de Luziânia (GO) CENTENAS DE representantes das cinco regiões do Brasil e de diversas redes, organizações, movimentos e pastorais sociais se encontraram em Luziânia (GO), a cerca de 40 quilômetros de Brasília, na 2ª Assembleia Popular Nacional – Na construção do Brasil que queremos. Há cinco anos, na primeira edição da Assembleia Popular – Mutirão por um Novo Brasil, foi definido um programa mínimo para as lutas sociais no campo e na cidade, a partir das pautas dos próprios movimentos. Naquele momento, três principais desafios foram lançados para a classe trabalhadora: unificar as lutas numa agenda comum, desenvolver um processo orgânico nos estados e regiões para enraizar a Assembleia Popular (AP) numa retomada do trabalho de base e, por fim, manter uma referência na formação política do povo. Desde então, a realidade foi diversa entre os vários estados, desde aqueles mais avançados nas conquistas de direitos para os trabalhadores, aliados a uma regularidade na estrutura organizacional da Assembleia, até aqueles em que a AP simbolizou muito mais um espaço de es-
tudo e formação popular. A 2ª Assembleia Popular Nacional pôde, portanto, avaliar o desenvolvimento dessa estratégia coletiva de acúmulo de forças para os trabalhadores e para os movimentos e pastorais sociais. Foi capaz também de revisitar as experiências práticas das campanhas do último período, a exemplo da campanha “O Preço da Luz é um Roubo”, além dos plebiscitos populares sobre questões estratégicas, como a anulação do leilão da Vale. Assim, a opção pelos oprimidos e excluídos volta ao centro dos debates, trazendo milhares de militantes a refletir sobre um projeto popular para o Brasil. Ou seja, o processo da Assembleia Popular visa fortalecer a capacidade de ação política dos movimentos, pastorais e redes participantes a fim de convocar o conjunto da sociedade para mobilizar-se pela ampliação dos direitos do povo e por profundas transformações que passam, principalmente, por mudanças estruturais. Atual desenvolvimento Durante a 2ª Assembleia Popular Nacional, foram apresentados elementos que fortalecem a análise das contradições do atual modelo de desenvolvimento criado e incrementado na sociedade industrial, baseado em uma visão linear, progressiva, infinita e redutora de desenvolvimento, e que tem no consumo desenfreado a sua mola propulsora. Nas palavras de Joaquin Piñero, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), “existem mais do que dois projetos em jogo. Agora, além dos já conhecidos projetos imperialista dos Estados Unidos e bolivariano de nações do Sul, entra em cena uma outra via capitalista, a via do ‘neodesenvolvimentismo’ dos países emergentes, liderados pelo Bric (Brasil, Rússia, Índia e
China)”. Os impactos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – nas palavras da economista Sandra Quintela, “Planos para Acabar com as Comunidades” – e o imperialismo dos projetos da Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA) são sinais de um redimensionamento das políticas do capital, com enfoque no financiamento público do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para ampliar os lucros da iniciativa privada – empreiteiras, meios de comunicação de massa e outros.
Assim, a opção pelos oprimidos e excluídos volta ao centro dos debates, trazendo milhares de militantes a refletir sobre um projeto popular para o Brasil O surgimento da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba) representa uma alternativa por fora do capitalismo às propostas de guerras e crescimento infinito da economia. “Temos uma coisa da qual podemos nos orgulhar a vida inteira por termos conquistado”, salienta Ricardo Gebrim, da coordenação nacional da Consulta Popular. Continua: “a derrota da Alca [Área de Livre Comércio das Américas] foi uma vitória do projeto popular. A mobilização dos povos americanos conseguiu dar fim a uma proposta estratégica de nosso inimigo”. Também a inspiração da organização dos povos indígenas foi lembrada por Ivo Poletto, assessor de pastorais e
Formação de militantes e trabalho de base também são prioridades
movimentos sociais, para basear qualquer projeto alternativo de sociedade. “Estes povos trazem na sua concepção, na sua espiritualidade, um acúmulo político-econômico de 15 mil anos. Sempre se relacionaram em equilíbrio com a Mãe Terra e, após terem sobrevivido ao massacre declarado pelos povos europeus, merecem toda nossa abertura e humildade.” Unidade No debate preparado nos Estados, em eixos que contemplam direitos sociais, econômicos, ambientais, políticos, culturais e civis, as forças organizadas na Assembleia Popular apontaram para o Brasil que o povo quer. Estes direitos não estão restritos à
esfera do Estado burguês, mas anteveem a criação de formas próprias de organização e decisão da classe trabalhadora, com a insuficiência dos atuais padrões de representação, direitos que vão além desta ordem estabelecida. De acordo com a Irmã Delci Franzen, assessora das Pastorais Sociais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), projetos contra o imperialismo, o endividamento dos países mais pobres, além de campanhas contra os megaprojetos – como as usinas hidrelétricas de Belo Monte e o Complexo Madeira – e em favor da redução da jornada de trabalho são passos que estão apontados para as lutas da Assembleia Popular para o próximo período.
A formação dos militantes e o trabalho de base também são prioritários. “Estamos construindo iniciativas que apontam para o novo, fundado em novos valores da justiça, da defesa do meio ambiente. Ao escrever o Brasil que se quer, está claro o Brasil que não se quer. A gente está na ofensiva e sinto uma nova semente de unidade na esquerda do Brasil”, afirma Franzen. Outro projeto que está na agenda da Assembleia Popular é a luta pelo limite da propriedade da terra, como uma forma de diminuir a grande concentração de terra nas mãos de poucos latifundiários. Um plebiscito popular, aos moldes do plebiscito contra a Alca, de 2002, está sendo preparado para setembro.
Enraizamento da Assembleia Popular nos estados Movimentos das diversas regiões do país partilham suas experiências de luta que aprofundam as experiências da AP nas bases de Luziânia (GO) Durante as atividades da 2ª Assembleia Popular Nacional – Na construção do Brasil que queremos, diversos estados puderam contar as experiências concretas que realizam. Pelos relatos, as mulheres têm tido papel fundamental na AP, seja na organização popular, seja na formação política e nas lutas. A 3ª Ação Internacional da Marcha Mundial de Mulheres é um exemplo disso. Em 10 dias de marcha (entre 8 e 18 de março), cerca de 3 mil mulheres marcharam de Campinas a São Paulo empunhando bandeiras contra a violência e a militarização e pelo acesso aos bens comuns. “O lema ‘Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres’ sintetizou o espírito da mobilização, que, para nós, foi um marco na luta das trabalhadoras brasileiras”, conta Bernardete Esperança, coordenadora da ação. Já as mulheres de Tocantins denunciaram a pros-
tituição e o tráfico de mulheres que ocorre próximo a grandes obras de infraestrutura, principalmente na construção de rodovias e hidrelétricas. Elas se inseriram na Assembleia Popular constituindo comitês para debater estes assuntos e mobilizações nacionais e locais, como a Campanha pela Reestatização da Vale e a Campanha “Não dê carona para a exploração sexual”.
“Nosso principal objetivo é discutir, problematizar e denunciar a atuação do Judiciário, que historicamente tem negado os direitos humanos” Além da participação das mulheres, a Assembleia Popular se capilariza nos estados pela intervenção de outros diversos atores, como por exemplo, os trabalhadores e estudantes da área da saúde, que organizam os Seminários Livre da Saúde e resgatam os debates e ações que os movimentos sociais desenvolvem a partir deste eixo de discussão, privile-
giando as iniciativas a partir da medicina alternativa e das políticas sobre saúde pública. As iniciativas populares também acontecem no Judiciário. Esta foi a experiência trazida pelo Tribunal Popular do Judiciário do Maranhão, cujo lema é: Por justiça de verdade. “Nosso principal objetivo é discutir, problematizar e denunciar a atuação do Judiciário, que historicamente tem negado os direitos humanos no estado, sem assumir suas responsabilidades constitucionais”, afirmou Jonas Alves, membro da Rede de Educação Cidadã. O levante dos trabalhadores urbanos também é fruto da Assembleia Popular, seja pelo Movimento Organizado dos Trabalhadores Urbanos (MOTU), com atuação em Sergipe, seja em Minas Gerais, com os moradores de ocupações urbanas na cidade Juiz de Fora, ou pelo conjunto dos movimentos sociais na luta pela redução do preço da luz, na Paraíba. No primeiro caso, a inserção na Assembleia Popular começou com a tomada de consciência pelas análises da conjuntura que os envolvia. “Percebemos que só a luta concreta nos garantiria conquistas, neste sentido, antes de realizarmos as ocupações em busca de moradia, fazíamos grandes assembleias populares nos bairros das periferias para preparação e motivação popular”, afirmou um dos coordenadores do MOTU. (AR, ML e RS)
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“O desafio é organizativo e ideológico” José Cruz/ABr
ENTREVISTA Ricardo Gebrim, da Consulta Popular, acredita que momento não é de formular uma teoria superadora mas, principalmente, resgatar a atualidade dos elementos centrais que asseguraram as revoluções no século 20
Mas qual é a posição da Consulta Popular nestas eleições? Recentemente realizamos nossa III Plenária Nacional, onde deliberamos não apoiar nenhuma candidatura presidencial no primeiro turno. Aproveitaremos o momento eleitoral para promover a agitação e propaganda dos pontos programáticos do projeto popular. Continuaremos dando prioridade ao nosso trabalho de organizar o povo, promover a formação política e incentivar as lutas sociais. Também decidimos que vamos nos empenhar em denunciar e combater as candidaturas que expressam o projeto neoliberal e o imperialismo, como a candidatura de Serra.
Integrantes da Via Campesina promovem ato público pela aprovação da PEC do Trabalho Escravo
Nilton Viana da Redação HÁ UM PROCESSO de alteração no caráter da crise, que parcialmente vai mudando de uma crise de acumulação de capital para uma crise fiscal dos Estados nacionais. Essa é a avaliação de Ricardo Gebrim, da Consulta Popular. Para ele, isso se dá através do intenso conjunto de políticas de ajuda e salvamento direcionadas às mais diversas frações da burguesia. Por outro lado, segundo Gebrim, vivemos um longo período de descenso da luta de massas. “Lutas ocorrem e podem gerar conflitos radicais localizados, mas permanecem localizados e não se expandem”, avalia. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele afirma que a Consulta Popular vai aproveitar o momento eleitoral para promover a agitação e propaganda dos pontos programáticos do projeto popular. E acrescenta: “Continuaremos dando prioridade ao nosso trabalho de organizar o povo, promover a formação política e incentivar as lutas sociais. Nossas lutas acumulam as forças necessárias que são imprescindíveis para um processo revolucionário”. Brasil de Fato – Como você avalia a atual crise do capitalismo, que teve seu ápice nos EUA em 2008 e que agora se mostra com força na Grécia? Ricardo Gebrim – Em nossos debates na Consulta Popular seguimos prognosticando que a crise capitalista será profunda e prolongada. Afirmamos isso por entender que se trata de uma crise de superprodução. Quer dizer, a causa é o acirramento de uma tendência do capitalismo em produzir um desenfreado aumento da capacidade produtiva na busca de lucro, ultrapassando seus próprios limites e acarretando contraditoriamente o declínio da taxa de lucro, implicando na diminuição do ritmo de acumulação, no desemprego dos trabalhadores e na própria destruição e desvalorização de capital. É verdade que a crise não nos atingiu fortemente e mesmo em nosso continente os impactos maiores se deram no México e na América Central. Por isso mesmo, criou-se um falso cenário de que a crise estava superada. E muitos setores populares passaram a compartilhar esse entendimento. Tal otimismo precipitado pode induzir a um grave erro de análise política. O que presenciamos é um processo de alteração no caráter da crise, que parcialmente vai mudando de uma crise de acumulação de capital para uma crise fiscal dos Estados nacionais, através do intenso conjunto de políticas de ajuda e salvamento direcionadas às mais diversas frações da burguesia. É o que assistimos na
tam romper essa lógica são residuais, impotentes para alterar essa lógica.
Grécia e Espanha e que provavelmente seguirá ocorrendo nos próximos anos.
“[Atualmente] Lutas ocorrem e podem gerar conflitos radicais localizados, mas permanecem localizados e não se expandem” Em recente artigo, o professor José Paulo Netto (da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro) disse que a crise da esquerda não é teórica, mas sim organizacional. Você concorda com essa avaliação? Estamos enfrentando um longo período de descenso da luta de massas. Se considerarmos que a Revolução Popular Sandinista em 1979 foi a última conquista revolucionária de um Estado, estamos quase alcançando o intervalo de 34 anos que vai da Comuna de Paris em 1871 até a Revolução Russa de 1905. E sabemos que nos períodos de descenso o pensamento revolucionário enfrenta condições extremamente adversas para se construir e sua capacidade de influência é muito limitada. Além disso, a marca central deste período de descenso é o impacto ideológico que acompanhou o fim da União Soviética e demais repúblicas populares do Leste Europeu. Por mais problemas que apresentassem, a derrota destas experiências abalaram profundamente as convicções e esperanças de todos lutadores. Esse impacto reavivou concepções teóricas que haviam sido enterradas pela luta de classes e reaparecem com novas roupagens e autores. Concordo, porém, com José Paulo Netto ao afirmar que os elementos teóricos fundamentais para uma transformação revolucionária estão garantidos. Realmente não se trata de formular uma teoria superadora mas, principalmente, resgatar a atualidade dos elementos centrais que asseguraram as revoluções no século 20. Neste sentido, nosso desafio é fundamentalmente organizativo e, acrescento, também ideológico, para não se perder neste momento tão adverso em que a cada seis meses, surge uma teoria da moda. Mas será que o descenso não virou uma desculpa para não avançar mais? Tua pergunta reflete bem uma exasperação que existe na militância quando escu-
ta a palavra descenso. Realmente, toda uma geração que despertou para a luta a partir da década de 1990 já não aguenta mais ouvir essa palavra. Porém, o descenso existe. Pode ser medido objetivamente pela perda da massa salarial e direitos trabalhistas, mas também é identificado subjetivamente pela inviabilidade das formas de luta se generalizarem e pelo desânimo em buscar soluções coletivas. Quer dizer, lutas ocorrem e podem gerar conflitos radicais localizados, mas permanecem localizados e não se expandem. São os períodos históricos em que os mecanismos de dominação são efetivos e apesar de se produzirem tensões, funcionam bem, cumprindo o papel de manter a ordem. É claro que um período histórico de descenso da luta de massas não pode servir como desculpa para deixar de construir lutas, até porque o re-ascenso também depende do papel dos indivíduos na história. Porém, por maior que seja nossa vontade, estamos limitados pelas circunstâncias históricas deste momento de refluxo. Mas isso não é muito pessimista? Pelo contrário. Os projetos de transformação e as organizações revolucionárias constroem-se exatamente nos períodos de descenso, quando podem se dedicar a formar seus quadros, construir a confiança entre seus militantes, consolidar-se ideologicamente e definir sua estratégia. Mesmo sabendo que o re-ascenso não depende apenas de nossa vontade, nossas lutas acumulam as forças necessárias que são imprescindíveis para um processo revolucionário.
“O grande desafio consiste em unificar a esquerda e o conjunto das forças populares em torno de um programa e um calendário de lutas” Neste cenário de descenso que você apresentou, quais são os desafios atuais para a classe trabalhadora? Antes de tudo, sobreviver a essa conjuntura tão adversa, preservando os quadros, especialmente os mais jovens, mantendo os valores, princípios e os ideais de uma sociedade socialista. É preciso reconstruir as bases políticas, organizativas e ideológicas para esse processo revo-
lucionário. Isso implica formar toda uma geração de lutadores, em construir um paciente trabalho de base, em construir a unidade das forças populares e ter uma política clara que sempre identifica e aponta para o inimigo. Mas tudo isso necessitará encontrar circunstâncias históricas favoráveis e não será a tarefa de uma única força política. Como você avalia a esquerda brasileira nesse atual cenário? Desde o final da década de 1980 até 2002, a centralidade tática que unificou a esquerda brasileira foi a eleição de Lula. Ao longo deste processo a questão estratégica de conquista do Estado foi gradativamente sendo reduzida para a vitória administrativa. Portanto, não é casual que a vitória de 2002 desencadeie todo um processo de rearranjo das forças políticas de esquerda. Esse cenário gerou uma intensa divergência tática. Alguns setores acharam que o central era sustentar a todo custo o governo Lula, ainda que tivessem que rebaixar seus programas, e outro setor passou a ter como objetivo central constituir-se numa oposição eleitoral ao governo Lula. Hoje já é possível fazer um balanço deste processo e achamos que ambas as táticas foram equivocadas. Elas permaneceram aprisionadas na lógica do governo e na luta eleitoral e parlamentar. Nós optamos por uma tática diferente. Deixamos claro que o governo Lula não era o nosso inimigo, mas não deixamos de enfrentá-lo na questão agrária, na política econômica, na política energética, nos leilões entreguistas do petróleo e todas as outras ações antipopulares. Tampouco tivemos vergonha de apoiá-lo como no recente episódio do acordo com o Irã e a Turquia. Nossa referência nunca foi a sustentação ou a oposição ao governo, mantendo sempre a autonomia em torno das bandeiras do projeto popular. Neste cenário, o grande desafio consiste em unificar a esquerda e o conjunto das forças populares em torno de um programa e um calendário de lutas. Retomar o projeto estratégico e construir força social que o sustente. A isso chamamos de construir um projeto popular para o Brasil. E como você vê a atuação dos movimentos sociais no Brasil? Apesar de enfrentarmos uma conjuntura adversa para as lutas sociais neste período de descenso, existem paradoxalmente possibilidades promissoras de avanços organizativos e consolidação de espaços unitários. Apostamos na construção da Assembleia Popular enquanto uma articulação de lutadores e lu-
tadoras populares, que não abandonaram o método do trabalho de base e têm a prática permanente de debater e lutar por um projeto popular para o Brasil.
“Em nossa experiência, aprendemos que a necessidade de contar com uma referência política que se coloque de forma visível para as massas não depende apenas da vontade das lideranças” Esse ano teremos eleições no Brasil. Ao que tudo indica não há nenhuma perspectiva viável eleitoralmente, capaz de enfrentar os grandes desafios do ponto de vista da esquerda. Como você vê esse cenário? Ao longo de seu processo de construção, o PT aprovou em 1986 o chamado “Programa Democrático Popular”. Segue sendo um programa extremamente atual que enfrenta os principais problemas estruturais de nosso país. Ainda que alguns setores não gostem do nome, todas as principais forças populares sustentam o mesmo programa porque nossos problemas permanecem os mesmos. Porém, esse não foi o programa adotado no governo Lula. O programa implementado pelo governo rebaixa completamente aquele programa histórico. A grande questão é que, ao contrário dos setores mais organizados e das forças de esquerda, a maioria do povo brasileiro não considerou que houve um rebaixamento programático porque não tinha expectativa nestas transformações. Enxergam o governo Lula como um avanço, uma conquista. Vivenciaram como uma experiência positiva e concretamente existiram aspectos positivos. E todo o esforço de retomar as bandeiras históricas do programa que enfrenta os problemas estruturais não é percebido pelo nosso povo enquanto uma alternativa política. Esse é um tremendo desafio para as forças populares. Exigirá unidade e a realização de muitas lutas para aparecermos enquanto alternativa. Nestas eleições haverá um plebiscito, entre a manutenção deste projeto rebaixado e o retrocesso. O projeto popular não estará em debate e as candidaturas de esquerda que ten-
Em entrevista ao Brasil de Fato, o jornalista José Arbex Jr. defendeu a criação de um novo instrumento político, impulsionado pelo movimentos sociais, que seja capaz de fazer frente ao atual estágio capitalista no país. Como você vê essa proposta? A esquerda brasileira precisa construir um novo partido revolucionário? O Arbex é um grande amigo nosso, embora não seja militante da Consulta Popular. Sua proposta expressa a angústia das pessoas sensíveis aos problemas sociais e aflitas para responder rapidamente a um processo complexo que exige uma construção paciente. Em nossa experiência, aprendemos que a necessidade de contar com uma referência política que se coloque de forma visível para as massas não depende apenas da vontade das lideranças. A recente construção do Psol por lutadores sérios e consequentes apostava nesta possibilidade e sua atual crise demonstra os limites deste caminho. Nossa aposta enquanto Consulta Popular, que estamos construindo desde 1997, aponta em outra direção. Percebemos que não bastava reunir alguns bons militantes, aprovar um programa e disputar cargos institucionais para resolver esse problema. Não estamos preocupados com nossa visibilidade e sim com a construção de uma estrutura de quadros, organizados em núcleos que funcionem de modo regular, construindo coletivamente uma estratégia unitária que tem como centro a luta pela conquista do poder do Estado. Sabemos que é uma aposta que exige a combinação de paciência e ousadia. Os desafios são enormes, mas aprendemos que a construção de um projeto revolucionário precisa ser desenvolvida exatamente nos períodos não revolucionários da história. Estamos orgulhosos com nossa trajetória. Douglas Mansur/Novo Movimento
Quem é Ricardo Gebrim é advogado, ex-presidente do Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo e integrante da coordenação do Movimento Consulta Popular. Foi presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE Livre da PUC) em 1980 e militante da Solidariedade com a Revolução Nicaraguense. De 1988 a 1991, foi assessor jurídico da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
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Violência e destruição da Aracruz no Espírito Santo
fatos em foco
Hamilton Octavio de Souza
Miséria explícita
CAMPO Relatório relaciona monocultura de eucalipto e violações aos direitos humanos de quilombolas Marina Filetti
Winnie Overbeek de Vitória (ES) DESEQUILÍBRIO ambiental; fome; miséria; doenças; muita destruição; engano; inseto; impacto psicológico; destruição das matas, da flora, das nascentes, dos rios, dos córregos e da saúde; desestruturação econômica, cultural e religiosa; desrespeito; perda de terras; depressão; desorganização e destruição das famílias quilombolas; invasão da Polícia Militar nas comunidades; expulsão dos jovens; desemprego; falta de trabalho; trabalho semi-escravo; insustentabilidade; usurpação; poluição; destruição da vida e violação de direitos. Estes elementos podem ser encontrados nas respostas de quilombolas do Espírito Santo quando questionados sobre os últimos 40 anos de atuação da Aracruz no estado. Eles foram escutados durante a pesquisa do “Relatório de Impactos em Direitos Humanos de Grandes Projetos (EIDH/RIDH): O caso do monocultivo de eucalipto em larga escala no Norte do ES – o projeto agroindustrial da Aracruz Celulose/Fibria e as comunidades quilombolas do Sapê do Norte”. O Movimento Nacional de Direitos Humanos no Espírito Santo (MNDH/ES) e o Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) da Serra apresentaram o estudo, no dia 27 de maio, na Assembléia Legislativa capixaba. O EIDH/RIDH-ES se debruçou sobre os 40 anos de violação de direitos humanos nas mais de 30 comunidades quilombolas no Sapê do Norte, nos municípios de Conceição da Barra e São Mateus. Ali vivem cerca de 6 mil quilombolas, que sofreram mudanças drásticas no seu modo de vida a partir da implantação do monocultivo de eucalipto nas suas terras, sobretudo pela empresa Aracruz Celulose, hoje Fibria. O estudo se dividiu em capítulos sobre os direitos humanos à terra, ao meio ambiente, à alimentação e ao trabalho, e o processo de perseguição e criminalização dos quilombolas implementado pela empresa Aracruz Celulose/Fibria, em aliança com agentes públicos e o Movimento Paz no Campo (MPC) – uma organização que reúne fazendeiros e alguns segmentos locais que se opõem aos direitos territoriais dos quilombolas. O direito à terra Uma investigação realizada por um ano constatou que o direito à terra dos quilombolas foi gravemente violado. Vasta documentação acessada pela equipe que produziu o EIDH/RIDH prova de que a Aracruz se apropriou, com a anuência do Estado, de terras devolutas pertencentes a estas comunidades.
O EIDH/RIDHES se debruçou sobre os 40 anos de violação de direitos humanos nas mais de 30 comunidades quilombolas no Sapê do Norte O estudo relata casos extremos de manipulação. Um deles é o de Antonio Alage que, em 1947, um ano antes de seu nascimento, adquiriu 200 hectares em Itauninas, Córrego de Santo Antonio, em Conceição da Barra. O mesmo Alage requereu, em 11/09/1975, 178 hectares de terras devolutas do estado do Espírito Santo num lugar denominado Rio Santana em São Mateus, passando esta área um dia depois para a Vera Cruz Agroflorestal S/A, subsidiária da Aracruz. Os intermediários não receberam nada por isso, prestavam apenas um “favor” à empresa. O EIDH/RIDH aponta
Estudo recente da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) revela que a população de rua na cidade de São Paulo é de 13,6 mil pessoas atualmente, 50% a mais do que as 8.700 pessoas contadas no censo do ano 2000. Esses dados comprovam que as políticas sociais “compensatórias” ao modelo econômico neoliberal não surtiram efeito no processo de empobrecimento e exclusão dos moradores de São Paulo. Bingo!
Equívoco estatal
De acordo com o coordenador-geral do Comitê Interministerial para Políticas para População em Situação de Rua, Ivair Augusto dos Santos, “não há no Brasil uma cidade que consiga integrar programas de saúde, de trabalho e de moradia voltados à população de rua”. O comitê denuncia também o tratamento inadequado da cidade de Salvador (Bahia), onde os albergues são controlados pela Polícia Militar. Igual ao século 19!
Guerra civil
Quilombolas apresentam o estudo na Assembleia Legislativa capixaba
Os desmatamentos e os plantios de eucalipto resultaram na violação do direito a um meio ambiente “ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo” que essas posses da Aracruz são, portanto, ilegais, e que “as comunidades foram vítimas de esbulho e ato simulado no processo de aquisição de terras”. As denúncias vieram à tona na CPI da Aracruz em 2002. No entanto, até hoje um pedido à Procuradoria Geral de Estado, feito em 2004, para anular essas legitimações ilegais, não teve nenhum resultado efetivo. A partir da resistência e da organização dos quilombolas, a Constituição e, posteriormente, o Decreto 4.887/2003 buscam reparar a violação do direito territorial. Desde então, o Incra elaborou cinco relatórios de identificação dos territórios quilombolas no Sapê do Norte, delimitando seus limites e incluindo diversas áreas hoje cobertas por eucaliptos da Aracruz/Fibria. Todavia, nenhum desses territórios foi demarcado até o momento.
O estudo aponta que essas posses da Aracruz são, portanto, ilegais Meio ambiente Os desmatamentos e os plantios de eucalipto resultaram na violação do direito a um meio ambiente “ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo”, consagrado na Constituição e também em acordos internacionais. A chegada da Aracruz fez com que comunidades perdessem suas riquezas como a mata, com sua fauna e flora, os rios e córregos, reduzindo drasticamente a quantidade e qualidade de peixes na região. Hoje, a mata praticamente acabou e os rios secaram em função do plantio de eucalipto. No EIDH/RIDH-ES, lideranças
quilombolas afirmam que a aplicação constante de agrotóxicos contamina o meio ambiente onde vivem e do qual dependem. Um caso gritante é o do trabalhador Jorge Francelino, doente em função do trabalho de aplicador de veneno nos eucaliptais feitos para a Plantar, empresa terceirizada da Aracruz. Ele conseguiu, depois de muitos anos, receber uma indenização da empresa, mas isso não trouxe de volta a sua saúde: “Às vezes, não sei o que sinto na cabeça. Uma dor de cabeça passa com comprimido. Mas a minha é dor na cabeça. Ela fica anestesiada, me dói muito a testa, o nariz...Um dia, amanheço com um ouvido surdo, outro dia tem o outro que está surdo. A laringe me dói. E, hoje, estou com as duas pernas inchadas!”. Além disso, a transformação do ambiente dos quilombolas num grande deserto verde impossibilita a caça, a pesca, a extração de madeira para construção de casas, a coleta de artesanatos, a fabricação artesanal de farinha e a roça diversificada. Com isso, houve a violação do direito a alimentação adequada, incentivando a insegurança alimentar. Criminalização Hoje, em muitas comunidades, predomina o chamado facho: a coleta dos galhos e pontas do eucalipto, e a fabricação de carvão, que garantia a sobrevivência de muitas famílias. Assim as novas gerações são obrigadas a incorporar uma atividade de trabalho caracterizada por condições subhumanas. Viola-se o direito ao trabalho digno. Inicialmente, a coleta do facho era permitida pela Aracruz/Fibria por meio de um acordo com uma associação local. A partir de 2004, a empresa buscou extinguir gradualmente essa prática, alegando questões tributárias e trabalhistas.
Decreto nº 4.887/2003 ameaçado O decreto 4.887, publicado em 2003, regulamenta o processo de titulação das terras quilombolas no Brasil. Em 2004, o então partido político PFL (hoje DEM) entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin), nº 3239, contra o decreto. Atualmente, o Supremo Tribunal Federal ameaça julgar a Adin, sem antes fazer um debate público amplo. Corre-se o risco da ação ser acatada, dando cabo a um instrumento fundamental para reverter a violação de direitos territoriais de milhares de comunidades quilombolas em todo o país.
Em seguida, iniciou-se um processo de criminalização dos quilombolas, impedindo e restringindo seu acesso ao facho, apoiado pelas empresas de segurança Visel e depois Garra, também terceirizadas para o serviço de segurança – consideradas pelas comunidades como uma milícia armada. O estudo relata que o primeiro caso ocorreu em 2006, quando a própria Aracruz/Fibria propôs aos quilombolas a cata de fachos numa área no município de Linhares. Entretanto, quando os trabalhadores estavam no local, a polícia os prendeu acusados de roubo. Oitenta e duas pessoas, a maioria quilombola, foram parar atrás das grades. Sem o conhecimento destes, já havia uma decisão judicial de interdito proibitório para o local. Joelton Serafim Blandino, quilombola, conta que “estava muito difícil, porque não tinha emprego para sustentar a família, quando fomos agredidos lá em Linhares. Não sou ladrão, só estou lutando pela minha sobrevivência e da minha família”.
Oitenta e duas pessoas, a maioria quilombola, foram parar atrás das grades Outro caso ocorreu no dia 11 de novembro de 2009, na comunidade de São Domingos, quando 130 policiais militares chegaram na comunidade, com armamento pesado, cães e cavalos, e prenderam 39 pessoas, inclusive um deficiente visual e um senhor de 83 anos, que veio a falecer 3 meses depois. O estudo explica que a ação da polícia impressiona por sua própria ilegalidade: a ação ocorreu às 8 horas, enquanto o mandado judicial para a mesma só saiu depois do meio dia. Além disso, o mandado era de busca e apreensão, e não de prisão. No caminho para a delegacia, os policiais pararam para pegar comida num dos escritórios da Aracruz/Fibria, enquanto deixavam as 39 pessoas algemadas no ônibus, com alguns policiais fortemente armados.
Em defesa do EIDH Desde 2004 o MNDH vem defendendo a realização do EIDH/RIDH, para avaliar os impactos do desenvolvimento sobre os direitos humanos. O movimento avalia que o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), mecanismo criado em 1981 para averiguar os impactos ambientais dos grandes projetos econômicos, é um instrumento insuficiente e desgastado, incapaz de prever os múltiplos impactos sobre populações locais, particularmente para as populações tradicionais, gerados por estes projetos. Preocupação crescente nos últimos anos em função da aceleração na implementação de grandes projetos desenvolvimentistas no país, como as usinas hidrelétricas, as monoculturas, hidrovias, indústrias e mineração.
A Rede de Comunidades contra a Violência e o Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, alertam as autoridades sobre as constantes ameaças aos militantes dos direitos humanos naquele estado. Em carta aberta, as entidades denunciam o atentado sofrido por Josilmar Macário, irmão de Josenildo dos Santos, que foi assassinado por policiais militares, e pedem imediata proteção federal em programa específico. Antes que seja tarde!
Brasil torturador
Em entrevista ao boletim Outras Palavras, o jurista Hélio Bicudo comentou a decisão do STF sobre a anistia aos torturadores: “Uma sociedade que se diz contra a tortura, mas não pune quem a pratica, está se expondo a riscos. Se, num momento político qualquer, houver restrições à democracia, haverá mais possibilidades de a tortura contra adversários políticos também voltar, porque se criou a cultura de impunidade”.
Reforço eleitoral
O Comitê Nacional da Refundação Comunista divulgou documento de análise do quadro eleitoral, inclusive das candidaturas presidenciais no campo da esquerda, e decidiu orientar seus militantes e simpatizantes para apoiar o nome de Plínio Arruda Sampaio, do PSOL. A RC defende a união das forças populares em torno de “um projeto novo para o Brasil, de caráter democrático, anti-imperialista, antimonopolista e antilatifundiário”.
Posição direitista
Os jornalões da burguesia brasileira comemoraram a vitória, no 1º turno, do candidato governista à presidência da Colômbia, Juan Manuel Santos, apoiado pelo direitista Álvaro Uribe – que é o principal aliado dos Estados Unidos na América do Sul. Em 2º lugar ficou o candidato do Partido Verde, Antanas Mockus, um democrata com posições progressistas. A decisão ficou para o 2º turno, no dia 20 de junho.
Predador rural
A bancada ruralista, com apoio de parlamentares de quase todos os partidos, deve aprovar no Congresso Nacional inúmeras alterações no Código Florestal brasileiro, entre as quais a redução da reserva legal na Amazônia de 80% para 50%, a redução das áreas de preservação permanente nas margens de rios e lagoas e nas encostas e topos de morros, além de transferir a legislação ambiental para o âmbito estadual. É o fim da picada!
Violência urbana
Mesmo após o cadastramento da Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Bahia, a Polícia Militar Florestal destruiu barracos de famílias acampadas na ocupação Quilombo do Paraíso, na periferia de Salvador, no dia 27 de maio. Organizada pelo MSTB, a ocupação tem 110 famílias sem teto, numa cidade em que o deficit habitacional é altíssimo e boa parte da população mora em situação irregular.
Imprensa popular
Acaba de ser lançado o Boletim MST Rio, com notícias via internet sobre os movimentos e as lutas sociais do Rio de Janeiro, produzido pelo Núcleo Piratininga de Comunicação. Na edição número 01, de 15 a 30 de maio, o boletim tem matérias sobre trabalho escravo, balanço da questão agrária, protesto dos moradores da comunidade da Maré contra os muros da Linha Vermelha, ocupação do Incra do Rio de Janeiro e outras.
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esporte Ricardo Nogueira/Folhapress
Viva a seleção! ... Ou viva a pátria? COPA DO MUNDO Discurso de Dunga recorre a elementos fascistas e tacha de antipatriótico quem discordou de sua convocação Dunga comanda treinamento em Johannesburgo, na África do Sul
Luiz Felipe Albuquerque da Redação JÁ EM 1950, Nelson Rodrigues, inspirado pela derrota do Brasil para o Uruguai na final da Copa do Mundo de futebol, profetizava a célebre frase em que resumia o senso de inferioridade da população brasileira: “o complexo de vira-lata”. No entanto, bastaram apenas oito anos – com a conquista do primeiro mundial pela seleção brasileira – para que tais aflições tivessem seu papel invertido, tornando-se hegemônico “o complexo de Pit Bull”. Movido por um sentimento patriótico exacerbado pouco visto em outros momentos no Brasil, os períodos de Copa do Mundo evidenciam o forte sentimento criado sobre um imaginário que se estabelece, confundindo a seleção brasileira de futebol com a própria nação. Com as identidades nacionais construídas a partir de processos históricos, como normalmente ocorre com grande parte dos outros países, no Brasil, a cristalização da identidade patriótica concentra-se, sobretudo, num outro aspecto: o futebol.
“Como nós não temos feito nenhum, transferimos um pouco essa falta para onde somos positivos, o futebol” “O Brasil não tem um grande sentimento de nacionalismo a não ser em época de Copa do Mundo. A bandeira e o hino, que são dois símbolos maiores de um país, ficam meio esquecidos nos anos de intervalo entre as copas. Mas é nesta época que o sentimento de brasilidade aparece. Em outros países são exemplos da história do país (que formam a identidade nacional). Mas, para nós, são exemplos da história do futebol do país”, comenta o professor de história da Universidade de São Paulo Hilário Franco Júnior, apontando para a confusão criada entre o que é a seleção e o que é a nação. Numa necessidade intrínseca ao ser humano de se configurar como um indivíduo pertencente a uma comunidade de interesses, a um grupo de referência, o processo de construção e afirmação dessas identidades acaba se base-
ando em tradições capazes de reafirmarem um sentimento único de grupo social. No caso brasileiro, por exemplo, nada mais propício do que apelar para o maior esporte do mundo, praticado e adorado em todos os continentes, e que, acima de tudo, somos considerados os melhores. No caso, o futebol. Como salienta Hilário, “isso que acabamos chamando de patriotismo, me parece uma deturpação e uma deformação do que geralmente é em outras culturas, a relação do cidadão com seu país, tendo orgulho de feitos do país. Como nós não temos feitos nenhum, transferimos um pouco essa falta para onde somos positivos, o futebol”. Na mesma linha de raciocínio segue o professor de pósgraduação do curso de história sociocultural da USP, Flávio de Campos, que entende que, pelo fato da seleção ter “uma trajetória exitosa, gera uma espécie de compensação, de transferência. Nós projetamos para o campo de futebol um pouco de nossa ânsia e desejo de protagonismo internacional. Há uma série de frustrações coletivas que nós jogamos em cima da seleção brasileira”, acredita. No entanto, como essa construção de identificação do brasileiro calcada no futebol se apoia em bases muito frágeis pela sua superficialidade, alguns perigos circundam o apelo a essa promoção artificial da nacionalidade. Flávio questiona quando se fala “o brasileiro”. “De que brasileiro estamos falando? É o brasileiro do sudeste, os povos da floresta, o litorâneo, do Pantanal, o pobre, o multimilionário, o de classe média? Existe uma construção ideal do brasileiro que não resiste às diversidades sociais, regionais, culturais e étnicas.
Então, na verdade não existe brasileiro, existem brasileiros. Há uma pluralidade no lugar da identidade”. E o grande perigo dessa idealização é justamente o fato dessas diversidades serem suprimidas, o que aponta para mais um dos elementos contraditórios dessa construção. Como ele observa, mesmo nas propagandas mais apelativas, em que se coloca um monte de brasileiros juntos – brancos, negros, indígenas etc. –, não se visualiza a diversidade de orientação sexual, por exemplo. “Há uma absoluta exigência para que todos sejam heterossexuais”, conclui.
“Há uma série de frustrações coletivas que nós jogamos em cima da seleção brasileira” Caráter militar Com o processo de justaposição entre a seleção e nação identificada desde a segunda metade do século 20, seria um absurdo chamar tal confusão de ordem natural, mesmo que tenha ocorrido uma naturalização desse processo, como aponta o professor com mestrado e doutorado sobre futebol, identidade e nação, Plínio Labrioli. Contudo, este processo teve seu caráter acentuado com o passar dos anos, atingindo seu apogeu na época da ditadura civil-militar, quando o regime utilizou o tricampeonato de 1970 para associar o período político com a vitória, criando um elemento que
se relacionasse, para os ditadores, com estabilidade interna, propagandeando o próprio governo e provando que o sistema autoritário dava certo. Época em que o ufanismo estava acima de tudo: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Passadas mais de duas décadas da redemocratização, este exacerbado nacionalismo parece ter sido resgatado por alguns. “Todos que estão na seleção brasileira estão preparados e prontos para se doar para o nosso país”; “fazer o melhor para a seleção brasileira. Vai doer, nós vamos sofrer, nós vamos sangrar”, comentava o técnico Dunga na coletiva após a convocação do time que disputará a copa. Ou ainda, “é importante para todos nós! Nós precisamos entender que isso é a seleção brasileira, é o nosso país, a nossa pátria!”, exaltava-se seu auxiliar técnico, Jorginho. Plínio acredita que tal atitude por parte dos dois possa ter sido uma estratégia de defesa pela impopularidade do time de Dunga. Mas considera, acima de tudo, um recurso condenável. “Não pode caber em alguém que tenha o cargo dele, quase um cargo público. É uma postura primária. Não se pode utilizar de um sentimento desse quilate para se proteger”, acredita. O que está em questão, todavia, é a representatividade que discursos como esses contêm. Emoções como essas que se sobrepõem a razões são vistas em períodos históricos extremistas, em que tudo se justifica em torno de um nome. “O que ele pretende levantar é o triunfo da vontade. Nacionalismo, disciplina e voluntarismo tremendos. São componentes fascistas. E é enxergar o futebol realmente como uma guerra. Cria-se um tipo de atmosfera que é ruim num tipo de confraternização que Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Lula e a primeira-dama Marisa Letícia recebem a seleção brasileira de futebol no Palácio da Alvorada
é a Copa do Mundo”, comenta Flávio. Hilário ainda lembra o fato da palavra “convocação” conter certa conotação militar, em que não apenas os jogadores, mas também os torcedores são “convocados” a exercer esse tremendo patriotismo que é torcer pela seleção. “Portanto, você discordar da convocação, na leitura que eles fazem, é um ato antipatriótico. É o modo deles olharem o futebol. São simplesmente a expressão – chamando mais atenção por estarem no poder – dessa confusão entre a seleção e o país”, conclui. “Cada um que está na seleção aqui, tem que demonstrar o patriotismo pelo Brasil; tem que torcer pelo Brasil. E peço ao torcedor brasileiro que nos apoie e que, mesmo se não gostarem de mim ou de uma ou outra escolha da seleção brasileira, que gostem do país; gostem do Brasil”, conclamou Dunga.
“O que ele [Dunga] pretende levantar é o triunfo da vontade. Nacionalismo, disciplina e voluntarismo tremendos. São componentes fascistas” Meios de comunicação Em meio a toda essa festa encabeçada pela Copa do Mundo em que a seleção brasileira passa-se pelo próprio Brasil, há outro protagonista proposital e fortemente responsável por essa confusão: a mídia. “Há muita coisa criada pela mídia, especificamente para vender o produto ‘seleção brasileira’. E a pátria, como o símbolo da identidade do ser humano, tem muita validade para que as pessoas encarem a realidade de uma Copa do Mundo como a realidade delas”, acredita Sérgio Mendonça Costa, da Faculdade Metropolitana da Grande Recife, demonstrando o caráter apelativo dos meios de comunicação ao recorrer a um sentimento comum à maioria das pessoas. E, numa Copa do Mundo, por ter o embate entre as nações para ver qual seleção é a melhor, naturalmente traz consigo o discurso do patriotismo, acredita Sérgio, o que torna algo natural a ligação entre o futebol e o país. Além de constantemente salientar
“um jeito de jogar brasileiro, que é jogar bonito, superior a qualquer coisa e encantador. Por conta desse jeito, tentase embrenhar nele para vender os produtos”, diz.
“Percebemos, sobretudo nas propagandas de TV, que estamos elegendo uma alteridade e esta alteridade são os argentinos” Outro aspecto essencial na costumeira abordagem estereotipada realizada pelos meios de comunicação supervalorizando o futebol brasileiro é o tratamento designado a outras identidades nacionais. “Percebemos, sobretudo nas propagandas de TV, que estamos elegendo uma alteridade e esta alteridade são os argentinos. E de uma maneira muito desrespeitosa. Há um deboche em relação aos argentinos que está vinculado a um conjunto de estereótipos e a uma gravíssima agressão a eles. Essa agressão parte de um pressuposto que seja explicitado durante as partidas”, comenta Flávio, dizendo que, no meio do clima da disputa e da rivalidade, há uma consideração generalizante aos argentinos que se enquadra nessa alteridade. “Isso faz parte desse pacote ufanista que é projetado. É um repertório preconceituoso, desrespeitoso, com o qual temos que tomar cuidado”, explicita. Contudo, ele acredita que todo esse ufanismo poderia ser “ambicioso para a construção de outra coisa, que é mais importante que o sucesso da seleção, como a construção de uma sociedade pluralista, democrática, na qual haja uma prática de cidadania crítica, intervenção política consciente. Esse é o pressuposto para que tenhamos uma sociedade que possa enfrentar seus problemas sociais, regionais e econômicos”. Mesmo com a cumplicidade dos meios de comunicação e da postura acrítica em relação a esses fatos, responsáveis pela capacidade de amplificar e difundir para um conjunto maior da sociedade certas discussões, para Hilário uma coisa é certa: “O futebol tem essa coisa extraordinária. De um lado ele camufla uma série de questões importantes, mas de outro ele é um dos poucos canais que permite discutir esses assuntos essenciais”.
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Em Israel, judeus e palestinos protestam contra ataque à frota Fotos: Dafne Melo
MASSACRE EM ALTO MAR Ação contra barcos que carregavam ajuda humanitária gera manifestações de repúdio em toda a região e provoca críticas até mesmo da direita israelense Dafne Melo enviada a Asdud (Palestina) EM FRENTE AO mar, na cidade portuária de Asdud – Ashdod para Israel –, um grupo de ativistas se reuniu, no dia 31 de maio, para protestar contra o ataque, ocorrido na madrugada anterior, das Forças Armadas israelenses à frota humanitária que levaria ajuda e solidariedade aos palestinos da Faixa de Gaza. A maioria dos cerca de 200 manifestantes, acompanhados de perto por um grupo do Exército de Israel e por um barco pequeno com dois soldados no mar, são judeus de esquerda que se opõem à política do governo israelense e que integram movimentos e organizações pró-Palestina. Devido aos fortes bloqueios militares, ao muro construído em torno de grande parte da Cisjordânia e à proibição da livre circulação de cidadãos palestinos pelo território ocupado por Israel, a ida da maioria dos palestinos à cidade de Asdud é quase impossível. A todo instante, chegam notícias de manifestações na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Jeff Halper, do Comitê Israelense contra a Demolição de Casas, é um dos militantes cujo celular toca repetidamente. Ele explica que as manifestações deverão continuar por toda a semana, o que deve acirrar os ânimos no país. Nas ruas de Jerusalém, onde normalmente já existe um forte clima de militarização – homens e mulheres jovens com uniformes do Exército e metralhadoras em punho fazem parte da paisagem da cidade – , aumentou o número de policiais e soldados. Em Beit Sahour, uma cidade de maioria cristã próxima a Jerusalém, padres e a população local também realizaram uma manifestação contra o ataque à frota. A cidade anoiteceu com diversas bandeiras palestinas nos postes e fios. No dia 1º, em Ramallah, capital da Cisjordânia, uma manifestação foi feita na região central. Na região dos territórios ocupados em 1948 e 1967, os trabalhadores palestinos declararam greve geral no dia 1º. Todo o comércio em Jerusalém Oriental se manteve fechado e, pelas ruas, taxistas árabes colocaram bandeiras da Turquia nas janelas dos veículos. A Autoridade Nacional Palestina (ANP) ainda declarou três dias de luto na Cisjordânia. Outras manifestações ocorreram em Jerusalém Ocidental e Tel Aviv, feita por judeus pró-Palestina, já que a maioria dos palestinos não tem acesso a essas regiões. Em Jerusalém Oriental, que ainda possui maioria palestina, houve confrontos com a polícia em diversos bairros nos quais os moradores organizaram manifestações e atos. Tiro no pé “Que hora interessante que vocês escolheram para vir à Palestina”, brinca Nassar Ibrahim, do Centro de Informação Alternativa em Beit Sahour. O palestino avalia que o ataque à frota irá gerar uma resposta internacional tão forte quanto a dos ataques à Faixa de Gaza, em dezembro de 2008 e início de 2009. “O que fizeram foi uma estupidez, acredito que agora haverá uma forte pressão. Uma hora Israel vai ter que começar a pagar por todos esses crimes”.
Jeff Halper avalia que, ainda que nunca se espere uma atitude de diálogo do atual governo de Israel, o ataque chegou a surpreender. “Até mesmo jornalistas israelenses que apoiam a saída militar, que foram do Exército inclusive, como Ronny Daniel, do Canal 2, afirmaram que houve uso excessivo de violência; até ele estava surpreso”. Para Khaled Hidmi, diretor da União de Comitês de Trabalhadores Agrícolas, ligada à Via Campesina, a atitude de Israel mostrou uma enorme estupidez, intolerância, além de deixar claro para o mundo todo que Israel não tem nenhum interesse em um processo de paz com os palestinos. “O que eles mostraram é que não se importam com as leis internacionais, que eles têm o poder para fazer o que quiserem”.
Em Beit Sahour, uma cidade de maioria cristã próxima a Jerusalém, padres e a população local também realizaram manifestação O militante acredita que tais atitudes são impulsionadas por uma corrente ainda mais à direita dentro dos partidos israelenses, que querem avançar com o projeto sionista. Ele prevê, entretanto, que desta vez Israel pode ter complicações, devido ao rechaço de diversos países – e cita o Brasil como exemplo. “Além disso, é uma atitude que coloca todos os países árabes contra o Estado de Israel, além da Turquia”. Hidmi também aposta que se os países se mantiverem firmes e as manifestações populares ao redor do mundo continuarem, esse pode ser um ponto de inflexão nas relações israelenses e palestinas. “A máscara está caindo. Muitos jornais israelenses de direita têm criticado a atitude”, completa. Mais mortes Apesar de toda condenação internacional, Israel fez uma nova investida militar na Faixa de Gaza e matou cinco palestinos um dia depois do ataque à frota humanitária. Gaza é lugar mais pobre e populoso de toda a Palestina. Desde 2007, a região – governada pelo grupo islâmico Hamas – sofre um forte bloqueio. Toda a área é cercada por forças militares israelenses. Khaled Hidmi descarta a possibilidade de haver retaliações por parte do Hamas, já que há um acordo entre os movimentos e partidos sociais palestinos, desde 2006, de não lançar mão de retaliações e ataques violentos. “Não há chance disso ocorrer”, garante. O militante, porém, alerta que Israel poderá usar todo tipo de argumento para justificar suas ações, tal como fez com o ataque aos barcos. Inicialmente, afirmaram que havia terroristas e membros da Al-Qaeda na embarcação e que os ativistas iniciaram os ataques. “Agora, pelas imagens, todos sabem que eles entraram atirando. Havia integrantes da frota enviando textos pelo
Em Asdud, cerca de 200 judeus protestam contra o ataque à missão humanitária
Twitter e as últimas mensagens que obtivemos foram de que eles chegaram silenciosamente e atacaram”, conta Jeff Halper. O israelense acredita que essa é uma grande oportunidade para punir Israel severamente. “Israel cometeu mais uma vez um crime, tal como faz todos os dias. Existe uma lei internacional que proíbe que se capturem barcos em oceanos. E, mesmo que o barco estivesse em águas israelenses, a ação desmedida não se justificaria. Para mim, se eles estão trazendo as pessoas à força para cá, isso é sequestro, e eu não sei porque Israel não será julgado por isso. Israel pode fazer tudo o que quiser, quebrar todas as leis internacionais, e não se preocupar com as consequências. Agora, talvez, tenhamos a chance de começar a mudar essa situação”, conclui.
Estabelecimentos comerciais fechados em Jerusalém Oriental
“Morte aos árabes!” Manifestantes promovem ato em apoio à ação das Forças Armadas de Israel enviada a Asdud (Palestina) No alto de um morro da cidade portuária de Asdud, um grupo de quatro jovens segura nas mãos uma bandeira israelense e coloca outras amarradas nas costas e na cintura. Diante das câmeras, gritam e pulam em frente ao batalhão de jornalistas que, com as câmaras apontadas para o Mar Mediterrâneo, esperam a chegada da frota de barcos em solidariedade à Faixa de Gaza, formada por seis embarcações e atacada pela Marinha do Estado de Israel na madrugada do dia 31 de maio. “Morte aos árabes!”, “Viva a Grande Israel!”, gritam repetidamente. O grupo é observado por cerca de vinte judeus ortodoxos e outras três dezenas de apoiadores sionistas. “Nossos soldados foram atacados e pessoas que são contra Israel vêm aqui pa-
Manifestação em apoio ao ataque e à “Grande Israel”
“Nosso Exército é poderoso, poderíamos acabar com todos os países árabes, e não apenas matar algumas pessoas em um barco” ra aparecer na televisão, por isso venho apoiar os soldados”, explica um dos jovens que, minutos atrás, com outros dois, cercava uma jovem palestina, colocando a bandeira israelense em frente ao seu rosto, insistentemente. Um homem ouve de perto a entrevista e pede para falar. “Sou argentino, moro em Israel há 28 anos, já ser-
vi ao Exército e estou aqui porque me identifico com o povo de Israel. Nós, o povo judeu, já sofremos muito, está na hora de dar um basta”. E os palestinos também não sofreram e continuam sofrendo muito?, pergunta a reportagem. “É diferente, o povo palestino quer nos exterminar. Eles não procuram um diálogo”.
Questionado sobre o grito de “morte aos árabes” dos manifestantes ao lado e sobre o número de ao menos 10 mortos e 80 feridos, o homem muda de assunto e de humor. “Isso é coisa de fanático, como eu sou por futebol, por exemplo. Se me pedirem para colocar uma camisa do Brasil, não coloco, não coloco de jeito nenhum”, diz, tentando disfarçar a irritação. Antes de sair, afirma: “Nosso Exército é poderoso, poderíamos acabar com todos os países árabes, e não apenas matar algumas pessoas em um barco”. (DM)
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Terrorismo de Estado israelense reflete seu próprio “desespero” MASSACRE EM ALTO MAR Apoiado apenas pelos Estados Unidos e pelo “poodle inglês”, sionistas isolam-se no mundo Eduardo Sales de Lima da Redação “FOI UMA atitude desesperada”. A análise sobre o ataque das forças militares de Israel, na madrugada de 31 de maio, a integrantes de uma missão humanitária internacional – ação que, pelo que se sabia até o fechamento desta edição, em 1º de junho, deixou ao menos dez mortos, além de dezenas de feridos –, é do artista plástico israelense, radicado no Brasil, Gherson Knispel. A professora de história árabe da Universidade de São Paulo (USP), Arlene Clemesha, soma-se ao coro. Ela atesta que a situação política interna israelense está bastante conturbada e que o ministro da Defesa, Ehud Barak, que deu o aval à ação dos soldados em mares internacionais, vem sofrendo forte pressão por sua renúncia. A opção do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, de acordo com Arlene, é a de levar a cabo uma “política de fatos consumados”, assim como ocorreu no massacre de cerca de 1.500 civis na Faixa de Gaza entre o fim de 2008 e o começo de 2009. Netanyahu é o principal mandatário de Israel desde fevereiro de 2009. Desde então, lidera um governo que é considerado um dos mais à direita da história do país, fundado em 1948. Sua política internacional, por exemplo, é encabeçada pelo ultra-direitista Avigdor Lieberman, ministro das Relações Exteriores. “Os judeus do mundo todo têm duas possibilidades: manter a posição de defender qualquer coisa que o Ministério das Relações Exteriores decidir ou questioná-lo. Quem o dirige é um fascista”, dispara Gherson. “Todos os valores dos judeus foram esmagados neste governo”, pontua.
Reprodução
“Frota da Liberdade”
A frota de seis barcos da chamada Frota da Liberdade transportava 750 ativistas de cerca de 60 países – inclusive, uma cineasta do Brasil – e carregava alimentos e remédios para doar à população palestina que vive em Gaza, região que há três anos e meio sofre um bloqueio aéreo, marítimo e terrestre por parte de Israel. Segundo os integrantes da frota, não havia armas a bordo. O medo de sofrerem algum tipo de represália era um sentimento comum aos ativistas, mas estes não imaginavam uma ação com tal grau de magnitude. O argumento utilizado pelo Estado israelense é o de que havia terroristas nas embarcações. “São tão terroristas como aqueles 1.500 civis palestinos assassinados entre o final de 2008 e início de 2009”, ironiza Gherson. Com os últimos ataques, Israel acumulou mais crimes que permitiriam sanções da comunidade internacional. As forças armadas israelenses atacaram em águas internacionais navios de bandeiras da Turquia e da Grécia, o que é considerado um ataque ao próprio país de onde é originária a embarcação. Atacou, também, civis desarmados, matando pelo menos uma dezena de pessoas. “Se as condições de correlação de forças for favorável, poderá ser até possível uma condenação da atitude israelense, unilateral e desproporcional”, destaca o sociólogo brasileiro Lejeune Mirhan. O especialista pondera, entretanto, que a única vez na história da Organização das Nações Unidas (ONU) que isso ocorreu foi em junho de 1967, quando até os Estados Unidos votaram contra a ocupação do Egito, Palestina e Colinas de Golã (Síria).
Manifestação de repúdio ao ataque realizada diante da embaixada israelense em Londres
Isolamento
O “desespero” israelense, no entanto, não se justifica apenas pela conjuntura interna. Sua situação externa tampouco anda das melhores. Lejeune aponta que, principalmente após o massacre ocorrido na Faixa de Gaza entre 2008 e 2009, “o isolamento do Estado judeu, sectário e discriminador só se tem ampliado”. Segundo ele, Israel forjou-se, especialmente a partir de então, como um
Um caos humanitário criado por Israel Destino da Frota da Liberdade, Faixa de Gaza sofre bloqueio desde 2007 da Redação O comboio naval de ajuda humanitária composto por seis barcos, chamado de Frota da Liberdade, carregava dez toneladas de mantimentos, remédios e diversos itens essenciais. Os produtos eram destinados a atenuar o sofrimento da população palestina que vive na Faixa de Gaza, causado por um amplo bloqueio imposto por Israel, em vigor desde que o grupo islâmico radical Hamas assumiu o controle da região, em junho de 2007. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), nesses três anos, há itens de uso doméstico que tiveram entrada proibida várias vezes, como lâmpadas, velas, fósforos, livros, roupas, sapatos, colchões, chá, café e xampu, entre outros. Artigos que vão de carros e frigideiras a computadores, na maioria das vezes, também têm entrada recusada. Materiais de construção como cimento, concreto e madeira só foram liberados a partir do começo de 2010. Do 1,5 milhão de pessoas que vivem na Faixa de Gaza, 400 mil são residen-
tes e 1,1 milhões são refugiados expulsos para a região. “Gaza já foi descrita, em épocas bem menos piores do que agora, como o maior campo de concentração do mundo, a maior prisão”, conta Jamile Abdul Latif, advogada ligada ao Movimento Palestina para Todos (Mopat) e membro da Federação Árabe Palestina.
“As pessoas vivem presas e em situação de grande miséria. Israel trata os palestinos como animais confinados, famintos, sedentos” Segundo ela, se a vida na Cisjordânia – região onde viveu e que hoje é controlada pelo Fatah, partido laico e rival do Hamas – é o inferno, em Gaza é pior, e, agora, ficou mais caótica. “As pessoas vivem presas e em situação de grande miséria. Israel trata os palestinos como animais confinados, famintos, sedentos. Sabem que essa situação de eterna carência traz uma situação interna insuportável e, de fato, famintos, os palestinos podem se
devorar e, aí, vigorar a terra Goyn Rein (Livre de não judeus)”, afirma Jamile, referindo-se ao, para ela, real desejo do governo israelense com o bloqueio. Saúde atacada
Uma das áreas que mais sofrem com os impactos do bloqueio é a saúde. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) publicou um relatório em que revela que 61% dos moradores de Gaza vivem em situação de “insegurança alimentar”. Lavouras foram devastadas por Israel. A agricultura entrou em colapso. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), um terço das crianças com menos de 5 anos e de mulheres em idade fértil estão anêmicos. A entidade afirma que a carência de remédios é um problema: em 2009, entre 15% e 30% dos medicamentos essenciais estiveram em falta. Além disso, o bloqueio vem causando um enorme impacto na rede de esgoto e de abastecimento de água. A falta de componentes torna difícil a reforma da rede. O fornecimento de energia intermitente fez com que bombas elétricas do sistema de esgoto precisassem de geradores, que, por sua vez, não tinham peças reserva. Há informações de que a água provocou vários casos de câncer, doenças renais e problemas no sistema respiratório das crianças. (ESL, com agências)
“Estado pária, à margem do direito e das leis internacionais”, que “se dá ao luxo de não respeitar nenhuma resolução da ONU que seja contrária aos seus interesses”. Israel vive o maior impasse político de sua história. O sociólogo reforça que, atualmente, o Estado judeu tem o apoio somente dos Estados Unidos, do “cão poodle inglês que lhe segue” e da Alemanha. Além disso, tem problemas com a França, Rússia e China, outros membros com poder de veto no Conselho de Segurança da ONU. Atenuar seu próprio isolamento seria tão útil a Israel como ao povo palestino da Faixa de Gaza.“Aceitar a chegada de uma flotilha de seis navios, ainda que pacíficos, seria, na prática, aceitar o fim de seu odioso bloqueio econômico imposto desde 2007”, pondera. Lobby em Washington
Até o fechamento desta edição, o governo estadunidense não havia proferido nenhum tipo de condenação mais contundente à ação dos soldados israelenses. Dentre inúmeros fatos que explicam isso está o percurso eleitoral do atual presidente estadunidense Barack Obama, apoiado e financiado pelo lobby judaico, que atende, nos Estados Unidos, pelo nome de AIPAC (American Israel Public Affairs Committee), segundo nos elucida o sociólogo Lejeune Mirhan. “Os sionistas são extremamente fortes nos Estados Unidos. O chefe de gabinete de Obama, Rahm Emmanuel, é sionista, fala hebraico fluentemente, assim como seu vice-presidente [Joe Biden]”, destaca. Para ele, isso tudo é bastante lamentável, pois Obama, ao contrário de Lula, tem perdido muito de sua credibilidade política internacional na “defesa de causas injustas e vai perdendo, a cada dia, a sua popularidade”. “Claro, agora, ele agiu de forma diferente de George Walker Bush, que apoiou abertamente os ataques de 2008/2009: Obama pede esclarecimentos e apuração rigorosa dos episódios. Entretanto, não condenou os ataques. Assim, isola-se também da comunidade internacional”, explica. Segundo Lejeune, o que há de novo, após mais um ataque
espalhafatoso israelense, é a formação de um novo eixo, envolvendo Irã, Síria, Líbano e Turquia. Apesar de a Turquia já ter sido um grande interlocutor de Israel no Oriente Médio, atualmente sua postura tende a se inverter. “É provável que turcos possam ter morrido no ataque. Isso fará radicalizar as posições do governo de Recep Erdogan [primeiro-ministro], o que fará o país voltar-se a cada dia mais ao mundo muçulmano, aos árabes. Para a luta árabe e palestina, isso é muito positivo”, conclui.
Trata-se, como reitera, do “sonho sionista”, de o “Estado ser apenas para os judeus, assim como a Alemanha hitlerista deveria ser apenas para os arianos” Limpeza étnica
“Um Estado pirata, que não respeita o direito internacional, que não define fronteiras”. Isso é o que afirma Jamile Abdul Latif, advogada ligada ao Movimento Palestina para Todos (Mopat) e membro da Federação Árabe Palestina, ao comentar o último crime cometido pelo Estado israelense. “Como não conseguem mais expulsar os palestinos como ocorreu, principalmente, de 1947 a 1949, tornam a vida não judia insuportável, a fim de que, aterrorizados, os palestinos saiam de
lá e deixem a terra Goyn Rein (Livre dos não-judeus)”. Segundo Latif, o desrespeito de Israel à vida dos não-judeus é uma prática programada desde a concepção desse Estado. “Essa limpeza étnica, programada já antes da criação de Israel, continua até o presente, e há vários organismos internacionais e inclusive ONGs judaicas que denunciam que é algo planificado e seguido à risca com intuito de ‘limpar a Palestina de não judeus’”, afirma. Trata-se, como reitera, do “sonho sionista” de o “Estado ser apenas para os judeus, assim como a Alemanha hitlerista deveria ser apenas para os arianos”. O artista plástico israelense Gherson Knispel tem pensamento semelhante. Mas defende que existe um número considerável de israelenses, entre eles soldados, que não partilham da mesma visão que o governo de Netanyahu ou anteriores. Knispel fez parte das Forças Armadas israelenses. Em 1948, com 16 anos, atuou como soldado do exército e, em 1967, trabalhou como jornalista para a mesma instituição. Em 22 de setembro desse mesmo ano, algumas semanas após o término da chamada Guerra dos Seis Dias, ele e outros 11 intelectuais e acadêmicos israelenses publicaram um anúncio no jornal Haaretz – segundo ele, uma “profecia” – que dizia: “O nosso direito de nos defender não nos dá o direito de oprimir outros. (…) As vítimas do terror são, em geral, pessoas inocentes. A manutenção dos territórios ocupados nos torna um povo de assassinos a serem assassinados (...)”. De fato, a profecia vingou e, desde 1967, o terror se repete e Israel “cava seu abismo com os próprios pés”.
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“A aposta do governo de Israel foi forçar a Turquia a reagir” Pete Souza/White House
MASSACRE EM ALTO MAR Para o jornalista palestinoestadunidense Ramzy Baroud, ação israelense foi uma tentativa de provocar uma reação turca e, consequentemente, uma ação dos EUA em sua defesa Igor Ojeda da Redação O ATAQUE israelense ao comboio internacional humanitário que se dirigia à Faixa de Gaza foi, na opinião do jornalista palestino-estadunidense Ramzy Baroud, uma tentativa de reverter seu mau momento político. “Esse é um clássico caso em que Israel põe fogo na região e fica na esperança de que, qualquer que seja o resultado que possa emergir depois que a fumaça se dispersar, ele seja melhor que o cenário vigente”, analisa. Segundo ele, a tímida diminuição da ênfase em Israel na nova agenda nacional de segurança divulgada recentemente pelo governo Barack Obama e a tentativa dos EUA de “fazer Israel jogar de acordo com as regras” vêm deixando o governo israelense preocupado. Assim, a ação do dia 31 de maio contra embarcações e cidadãos turcos teve o objetivo principal, na visão de Baroud, de forçar uma reação da Turquia e, como consequência, dos EUA, que seriam obrigados a defender Israel. “Claro que Obama teria que fazer isso, já que irritar as forças pró-israelenses em Washington poderia prejudicar uma vitória do Partido Democrata nas eleições legislativas de novembro”. Brasil de Fato – O que significa esse ataque no atual contexto do conflito entre Israel e Palestina? Ramzy Baroud – É um novo marco para esse conflito, que vem sendo constantemente descrito como árabeisraelense, palestino-israelense ou judeu-árabe. Por mais de 60 anos, esses têm sido os parâmetros geopolíticos do conflito em qualquer discurso relacionado a ele. O ataque israelense ao barco que levava ativistas humanitários, pacifistas, parlamentares etc. de muitos países empurrou, pela primeira vez, as fronteiras dessa guerra para um conflito entre Israel e muitos atores novos, incluindo pacifistas e sociedade civil. As consequências do ataque de Israel irão se mostrar muito significativo a longo prazo.
“Israel se encontra, talvez, no mais alto nível de suas capacidades militares, mas também no menor nível de sua sabedoria política” O que explica o fato de que Israel tenha chegado ao ponto de realizar um ataque dessa natureza? Essa é a natureza do poder: quanto mais Israel se torna poderoso militarmente e
Barack Obama recebe Benjamin Netanyahu, primeiro ministro de Israel, na Casa Branca, sede do governo estadunidense
“Quanto mais Israel se torna poderoso militarmente e quanto mais confiante cresce politicamente (contando com o apoio dos Estados Unidos e de outros países do Ocidente), mais beligerantemente ele age” quanto mais confiante cresce politicamente (contando com o apoio dos Estados Unidos e de outros países do Ocidente), mais beligerantemente ele age. No entanto, dentro dessa beligerância, há uma inerente falta de confiança e fraqueza. Ter força militar não significa necessariamente exercitá-la excessivamente e irrestritamente contra civis desarmados, especialmente ativistas pela paz. Israel se encontra, talvez, no mais alto nível de suas capacidades militares, mas também no menor nível de sua sabedoria política. Nenhum país, incluindo Israel, pode manter tão insensato paradigma por muito tempo. Imagino que um ataque desse tipo tenha sido premeditado e uma ordem direta do governo israelense. Sim, claro que foi premeditado. Israel vem se preparando para isso por muitos dias, como indicam as notícias na mídia israelense. Os oficiais militares israelenses prepararam a opinião pública no sentido de que algo terrível estava para acontecer. Para tal, enfatizaram alegações estranhas sobre conexões “terroristas” etc. Além disso, a insistência dos propagandistas israelenses de que esse era um assunto de “segurança nacional”, uma expressão muito perigosa para se usar nesse contexto, teve seus efeitos. Mais importante: o emprego de centenas de navios e tropas do exército em uma operação muito sofisticada como essa não acontece impulsivamente. Mas o que o senhor acha que motivou uma decisão como essa? Israel não realiza suas operações militares baseado em uma única razão. Seus objetivos são, frequentemente, complicados e de longo alcance. Por trás desse ataque, há razões óbvias, como o objetivo de enviar uma dura mensagem de que Israel não pode ser intimidado ou constrangido a levantar o bloqueio
imposto injustamente à Gaza, e de que nem a Turquia, com sua influência política, nem a sociedade civil, com suas conexões de base em todo o mundo, minarão os interesses de Israel. Mas existem, também, as razões menos óbvias. Há alguns dias, os EUA estabeleceram uma nova agenda nacional de segurança. A doutrina anterior determinou um consenso Israel-neoconservadores-Washington que governou as ações estadunidenses por quase dez anos. De acordo com essa agenda, Israel era o componente central da política externa dos EUA. Já a nova agenda de Obama parece muito mais variada e apresenta muitos focos. Embora algumas de suas disposições parecem introduzir mudanças cosméticas, ela reduziu claramente a badalada ênfase em Israel do governo anterior. Agora, o que estamos vendo é um tímido foco na tentativa de fazer Israel jogar de acordo com as regras. Os EUA ainda não têm a força para impor sua agenda, mas, pelo menos, está se tornando claro que Israel é, agora, o “vilão”, enquanto o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, é o novo queridinho dos EUA. Esse é um clássico caso em que Israel põe fogo na região e fica na esperança de que, qualquer que seja o resultado que possa emergir depois que a fumaça se dispersar, ele seja melhor que o cenário vigente. Também espera minar a tentativa dos EUA de se retirarem de uma região que lhe custa a perda de muito prestígio político e derrotas militares. Ao atacar um navio turco em particular, e matar muitos turcos, a aposta de Israel foi a de forçar a Turquia a reagir, assim como os EUA, que teriam que vir em defesa de Israel. Claro que Obama teria que fazer isso, já que irritar as forças pró-israelenses em Washington poderia prejudicar uma vitória do Partido Democrata nas eleições legislativas de novembro deste ano.
O ataque contra a frota humanitária aconteceu no mesmo período em que o jornal britânico The Sunday Times revelou a suposta intenção de Israel de estacionar um submarino nuclear no golfo Pérsico. Como podemos ligar esse dois fatos? Essa é uma possível terceira dimensão. Não apenas o envio de submarinos nucleares ao golfo Pérsico é relevante, mas também todo o debate nuclear. Israel vem desesperadamente tentando fazer com que o Ocidente aja contra o Irã, e vem promovendo uma “opção militar” contra Teerã. Ao invés disso, o que vemos é que a posição política do Irã está ficando cada vez mais forte com o apoio de Brasil, Turquia e outros, e que na verdade é Israel quem está sob pressão por não revelar seu programa nuclear para a agência atômica da ONU. Essa não é, de maneira alguma, a forma como Israel encara isso. Israel precisou agir para criar o tipo de caos que poderia levar a região a uma confrontação e, posteriormente, ao envolvimento dos EUA, desencorajando atores de fora, como o Brasil, da tentativa de mediação. Como o senhor vê a reação internacional até o momento? O senhor acredita que agora a comunidade internacional (EUA, União Europeia, ONU) agirá da maneira que se espera? A reação internacional é calculada e muito previsível, e acabará por esgotar-se sem muita ação. Isso não importa no momento. O que importa é: uma vez que a tempestade se resolver, a Turquia terá que se reposicionar, e esse reposicionamento determinará a natureza da guerra fria e do conflito na região nos anos que estão para vir. A Turquia tem seus próprios cálculos, claro, e não podemos esperar que ela tome uma ou outra posição sem uma cuidadosa avaliação política, econômica e militar. Mas é razoável concluirmos que a Turquia não fará concessões e não se intimidará. Do contrário: provavelmente se aproximará mais de Irã e Síria, o que fortalecerá o posicionamento político que está sob pressão de Israel-EUAOcidente. É muito cedo para determinar o resultado com-
pleto desse fato, mas provavelmente irá atingir o próprio Estado de Israel. O senhor acha que esse acontecimento poderá afetar a relação entre Israel e o governo Obama? Não, pelo menos não agora. Obama não pode renegar Israel, embora seu governo deva estar espumando por causa da ação calculada de Israel. O ano eleitoral e o poderoso lobby pró-Israel tornam impossível aos EUA alterarem, na essência, sua posição em relação à questão. Essa é a triste realidade. A política externa dos EUA foi sequestrada, e terá que acontecer mais do que um ataque a um comboio naval humanitário para mudar isso.
“Os oficiais militares israelenses prepararam a opinião pública no sentido de que algo terrível estava para acontecer. Para tal, enfatizaram alegações estranhas sobre conexões ‘terroristas’” Você acha que o ataque ao comboio naval pode afetar as recém iniciadas negociações indiretas entre Israel e Palestina? Pode atrasá-las, e isso é o que o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu quer de qualquer maneira. Mas, apesar da liderança colaboracionista de Mahmoud Abbas na Cisjordânia, ele possui pouco controle ou interesse em interromper ou retomar as conversações. Ele colhe sua força relativa no apoio dos EUA, que é essencialmente pró-Israel. Além disso, essas “conversações de aproximação” são uma farsa. Israel impõe, há vários meses, um bloqueio total à Faixa de Gaza, o
que, inclusive, levou à organização do comboio militar que foi atacado. Como o senhor analisa o bloqueio no atual contexto e como ele permanece depois de tanto tempo? Embora tenha resultado numa catástrofe humanitária sem precedentes, o bloqueio é, predominantemente, político. Israel quer manter o bloqueio até enquanto a decisão por trás dessa imposição existir. Levantar agora o bloqueio significaria a vitória do Hamas e uma derrota do Fatah, e forçaria Israel a reconsiderar todas suas políticas em relação à Palestina. Tal ação também criaria um problema para o principal aliado árabe de Israel, o Egito, que nunca conseguiu vencer a oposição islâmica, nem por vias democráticas. Há um consenso de que Gaza deve continuar aprisionada até o Hamas ceder. Dito isso, o movimento de solidariedade internacional está tornando muito mais duro o trabalho de Israel. Israel gostaria que todo esse assunto fosse esquecido ou sepultado, como muitas outras atrocidades cometidas contra os palestinos no passado. Entretanto, o que a Frota da Liberdade fez foi trazer o foco da atenção internacional novamente para a tragédia de Gaza. Se a pressão para o levantamento do cerco continuar crescendo, Israel e seu parceiro menor, o governo egípcio, não conseguirão manter os sufocantes isolamento e cerco a 1,5 milhão de pessoas. Reprodução
Quem é O jornalista palestino-estadunidense Ramzy Baroud é escritor e ex-produtor do canal de televisão Al-Jazeera. Foi professor de comunicação na Curtin University of Technology, na Austrália e, atualmente, é editor-chefe da publicação The Palestine Chronicle.
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de 3 a 9 de junho de 2010
américa latina
A onda verde que não quebrou a tempo Claudia Rubio/CEET/CC
ELEIÇÕES NA COLÔMBIA A falta de presença do candidato verde no interior, um programa de governo pouco claro e o desejo de continuidade das políticas de Álvaro Uribe determinaram, segundo especialistas, o triunfo de Santos Katalina Vásquez Guzmán de Bogotá (Colômbia) NO DIA SEGUINTE das eleições presidenciais, realizadas em 30 de maio, Bogotá acordou desconcertada. Essa é a palavra que usam os empresários que fizeram pesquisas e erraram suas projeções. Até mesmo o candidato vitorioso, Juan Manuel Santos, declarou-se surpreso. Em entrevista à rádio nacional colombiana, ele disse que não esperava estar em tanta vantagem em relação ao ex-prefeito de Bogotá, Antanas Mockus, do Partido Verde. Santos, candidato do atual presidente, Álvaro Uribe, obteve 46% dos votos, enquanto Mockus alcançou 21%, ao contrário do que indicavam as pesquisas, que os posicionavam tecnicamente empatados. Ficou claro que a máquina uribista arrasou com os independentes. Os próprios candidatos, meios de comunicação e analistas tentam explicar como o fenômeno político Mockus, a onda verde, não se viu refletido na hora de se somar votos. A falta de presença de Mockus no interior, um programa de governo pouco claro e o desejo de continuidade das políticas de Álvaro Uribe determinaram, segundo os analistas, os resultados das eleições do dia 30. Medo, frau-
Guerrilha
de, pressões contra os eleitores, são as razões levantadas por um setor. De toda maneira, como Santos não superou 50% dos votos, virá o segundo turno, e o Partido Verde terá a oportunidade de mostrar sua força, que é tremenda nas redes sociais e pesquisas, mas pobre nas jornadas de votação.
Máquina uribista arrasou Antanas Mockus, que obteve apenas 21% dos votos
Parques e passarinhos
Em entrevista ao Página/ 12, o político e físico Paul Bromberg explicou que havia sim quem acreditasse em uma vantagem do candidato oficialista sobre Mockus, mas não tão ampla. “Eu havia vaticinado que Santos ganharia ambas eleições [primeiro e segundo turno], mas não de lavada, o que para todos foi surpreendente”, diz Bromberg, que ironiza: “as pessoas não estavam tão preocupadas com os parques e passarinhos como diziam [os verdes]”. Segundo ele, as projeções favoráveis a Mockus o prejudicaram. “O eleitorado de Mockus era novo e se juntou um pouco no desejo de algo novo. Mas, nas últimas semanas, esse eleitorado se decepcionou”, diz. Até o dia das eleições, o ambiente entre os verdes era de total otimismo. Agora, ficou mais difícil coroar presidente esse excêntrico matemático e filósofo, pois os uribistas os superam em mais de três
lidade, como no dia 30, ao explicar o voto rural”, afirma Bromberg, quem já foi o braço direito do candidato verde, mas que se distanciou de sua equipe política há seis anos.
Agora, ficou mais difícil coroar presidente esse excêntrico matemático e filósofo, pois os uribistas os superam em mais de três milhões de votos, e as alianças com os partidos perdedores tendem a beneficiar mais a Santos milhões de votos, e as alianças com os partidos perdedores tendem a beneficiar mais a Santos. O partido de Mockus é novo. Na visão de Blomberg, “é um fenômeno de espuma e funciona quando há bolhas. Quando a bolha se desinfla, tudo acaba”, afirma, referindo-se ao que pode acontecer no segundo turno, previsto para 20 de junho. Indefinição política
O Partido Verde, que tem três ex-prefeitos de Bogo-
tá, não deixou claro, durante a campanha, a que tendência política representava: nem direita, nem de esquerda, nem de centro. Tampouco de oposição, ainda que um amplo setor que rechaça as políticas de Uribe esteja com Mockus. A oposição, na opinião do filósofo Julián Cubillos, ainda não está madura. “A emoção é saudável, o entusiasmo é melhor, mas quando provêm, em sua maioria, de jovens sem título de eleitor e eleitores inseguros de primeira via-
gem, os votos nunca aparecerão no resultado final. Não pode aparecer algo que nunca existiu”, diz o jovem analista, que desqualifica os argumentos de alguns que alegam fraude para explicar que Antanas não empatou com Santos como se esperava. “É por isso que, agora que penso com a cabeça mais fria, não vejo tão justificados o grande desconcerto e a suspeita de fraude eleitoral que pode-se apreciar dando uma rápida olhada nas redes sociais da internet”, agrega. O próprio Mockus disse aos meios que uma possível razão para a diferença entre as pesquisas e os resultados são os votos rurais. Segundo ele, as pesquisas foram feitas nas cidades, enquanto Santos tinha grande apoio entre o campesinato. Mas a verdade é que o exministro da Defesa ganhou de sobra também nas principais cidades. “Por muitas vezes, Mockus se perde na rea-
Ele assegura que as eleições giraram em torno das Farc. “Os resultados são uma conquista ao contrário desse movimento guerrilheiro, que consegue unificar os colombianos [contra ele]”. Em sua análise sobre o que aconteceu no dia 30 de maio, Cubillos concorda com Bromberg: “Grande parte do grande triunfo do continuísmo hoje devemos agradecer, de novo, a um ator constante e determinante em nosso teatro democrático: as Farc”. Agora, é a vez das alianças. Santos repete que seu governo, caso confirme sua vitória, será de unidade nacional. “Santos vai chamá-los, não terá problema em convidá-los a ocupar cargos de alto nível. Como o partido se comportará? Não sei”, diz Bromberg sobre os verdes. Vários conservadores, liderados pelo ex-ministro de Uribe, Andrés Felipe Arias, já se aliaram com Santos. No Partido Liberal, está se dando algo similar. Ainda que o candidato Rafael Pardo diga deixar os eleitores em liberdade, os caciques políticos e congressistas apoiam o provável vencedor. De Germán Vargas, que é uribista e ficou em terceiro lugar com um milhão de votos, se espera que também vá com Santos. No segundo turno, se saberá quanto mais soma o uribismo e o que mais pode perder Antanas Mockus. (Página/12) Tradução: Igor Ojeda