Circulação Nacional
Uma visão popular do Brasil e do mundo
Ano 8 • Número 385
São Paulo, de 15 a 21 de julho de 2010
R$ 2,80 www.brasildefato.com.br Marcello Casal JR/ABr
Trabalhadores são superexplorados na construção de usina no rio Madeira Os funcionários do Consórcio Santo Antônio Civil (CSAC), comandado pela empreiteira Odebrecht, denunciaram ao Brasil de Fato um cotidiano repleto de acidentes, abuso e intimidação na construção da usina de Santo Antônio. Tal situação provocou violentos protestos e uma greve,
desencadeada no dia 17 de junho. A hidrelétrica, orçada em R$ 13,5 bilhões, compõe, ao lado da usina de Jirau (que custará R$ 10 bilhões), o Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira. Trata-se da obra mais cara do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Págs. 4 e 5
Pela primeira vez desde a redemocratização do país, a esquerda irá enfrentar uma eleição em que Lula não será candidato. Desde 1989, a eleição desse petista tem sido um fator de unidade da esquerda, sobretudo antes de 2002. Em entrevista, Ivan Valente (foto) avalia que a unidade das forças populares é uma questão vital no processo de luta de classes. Mas acredita que a saída de Lula do cenário político, com todo seu carisma e simbologia, deixa mais nítidas as propostas em jogo. Pág. 7
Caso Bruno retrata a violência cotidiana contra a mulher
ISSN 1978-5134
O assassinato da jovem Eliza Samúdio ganhou a mídia e o status de crime mais chocante do ano por conta dos requintes de crueldade e pelo fato de o principal suspeito de tê-lo arquitetado ser o goleiro Bruno, do Flamengo. Para especialistas, a Lei Maria da Penha, se tivesse sido usada, poderia ter evitado a morte da vítima, já que esta
havia pedido proteção anteriormente, após receber ameaças do goleiro. Pelo apelo midiático em torno do caso, crimes como este parecem ser únicos. Mas não é o que ocorre. Entre 1997 e 2007, mais de 40 mil mulheres foram assassinadas, ou seja, mais de 10 mortes por dia. Os dados são do Sistema Único de Saúde (SUS). Págs. 2 e 6
Mauricio Acevedo
Murais bolivianos
Págs. 10 e 11
Brasil duplica consumo de agrotóxicos entre os anos de 2008 e 2009
Reprodução
“A saída de Lula do cenário político deixa mais nítidas as propostas em jogo”
Pesquisadores e movimentos sociais alertam para a duplicação dos índices de uso de agrotóxicos no Brasil entre 2008 e 2009, quando 713 milhões de toneladas desses produtos foram comercializadas. O país é o campeão mundial do uso de defensivos agrícolas, sendo que, em média, o brasileiro ingeriu 3,7 kg de veneno durante o ano passado. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), 15% dos alimentos pesquisados pelo órgão apresentam taxa de resíduos de agrotóxicos em um nível prejudicial à saúde. Arroz, milho, tomate, batata e hortaliças são produtos do dia a dia que passaram a ter alto índice de toxicidade. Pág. 3
Refugiados palestinos lutam pelo direito de retornar a suas terras Uma das exigências inegociáveis dos movimentos palestinos é a efetivação do direito de retorno dos refugiados, bem como a reparação material de suas perdas. A maior parte dos refugiados é oriunda da Nakba, palavra árabe que significa “catástrofe” e é usada pelos palestinos para descrever a ocupação de 1948. Hoje, calcula-se que
67% de todos os palestinos do mundo sejam refugiados. Um dos símbolos da luta é o personagem Handala (ao lado), criado pelo cartunista refugiado Naji al-Ali: o menino de dez anos – a idade que al-Ali tinha quando expulso – está sempre de costas, olhando para a Palestina, e se recusa a crescer enquanto não voltar a sua terra. Pág. 9
Reprodução
Brizza Cavalcante/Agência Câmara
Concretagem da primeira casa de força das obras da usina hidrelétrica Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia
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de 15 a 21 de julho de 2010
editorial A SOCIEDADE brasileira está perplexa diante de dois assassinatos brutais, bárbaros. As vítimas são duas jovens, com menos de 30 anos: a modelo Eliza Samudio e a advogada Mércia Nakashima. Os casos estão tendo ampla repercussão na grande imprensa e na sociedade, pela perversidade dos planos macabros, pela condição social das vítimas e pelos atores envolvidos na tragédia. E por terem também ocorrido nos maiores centros do país: Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo. Milhares de outros casos não recebem tamanha atenção da imprensa, pois não venderiam tanta audiência... e seguem no anonimato. Mas esperamos que pelo menos os lamentáveis episódios sirvam para reflexão de toda sociedade sobre a violência que as mulheres vêm sofrendo sistematicamente. Dados de entidades de direitos humanos revelam que, nos últimos dez anos, foram assassinadas nada menos do que 41 mil mulheres brasileiras. Na maioria dos casos, as vítimas conheciam ou conviviam com o agressor. Uma média de 4.100 mulheres por ano, uma verdadeira tragédia, um genocídio! Pior, um genocídio desconhecido e aceito passivamente pelos familiares, pela comunidade e omitido pela imprensa burguesa.
debate
A violência contra as mulheres é consequência da sociedade machista e capitalista A ministra da Secretaria Especial de Política para as Mulheres, Nilcéa Freire, participou neste mês de uma conferência internacional sobre a violência da mulher e demonstrou revolta diante da insegurança na qual se encontram as mulheres. Segundo a ministra, elas recebem agressões cotidianas, dos mais diferentes níveis, sem direito a proteção e sofrendo também com a impunidade, pois seus agressores não são devidamente penalizados. A instalação das delegacias de polícia para cuidar dos casos de violações dos direitos das mulheres e a criação de um Ministério de políticas públicas para as mulheres são insuficientes diante da gravidade do problema. A sociedade brasileira padece de desvios históricos, não só de machismo e prepotência contra as mulheres, mas enfrenta os problemas cotidianos de uma sociedade extre-
mamente desigual, injusta e exploradora dos mais pobres e humildes. Todos os dias temos estatísticas divulgadas das diferenças salariais entre homens e mulheres. Diariamente temos exemplos de em quantas áreas profissionais as mulheres ainda são discriminadas ou impedidas de participar, ou ainda são minoria. A maior categoria de brasileiros são os 16 milhões de trabalhadores rurais. Nessa categoria, a imensa maioria das mulheres camponesas sequer possui alguma renda. Daí o sucesso que fez o programa Bolsa Família, quando destinou a responsabilidade pelo recebimento para as mulheres. A segunda maior categoria de trabalhadores é a de empregados domésticos, da qual 90% são mulheres. Procurem observar e refletir sobre o tratamento que os
trabalhadores domésticos recebem nas residências ou escritórios de seus patrões. Imaginem porque apenas 26% dos empregados domésticos possuem carteira assinada e, portanto, direito a INSS, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, férias e 13º salário, ainda que haja uma lei determinando que todo trabalhador de serviços domésticos tem direito a carteira assinada, garantindo os direitos sociais. Mas a maioria da classe média e rica não a cumpre. A ministra tem toda razão. A violência contra as mulheres é cotidiana, e não se resume a casos bárbaros de assassinatos, mas vitimiza milhões de trabalhadoras todos os dias. A sociedade brasileira, que há duas décadas vem sendo hegemonizada pelas ideias burguesas neoliberais, que exaltam apenas o individualismo, o sucesso pessoal,
crônica
Plácido Junior e Renata Albuquerque
A Mãe Terra é quem nos culpa
As regiões atingidas pelas enchentes são marcadas pela concentração da terra, pelo monocultivo exportador da cana-deaçúcar, pelo trabalho precarizado e análogo ao trabalho escravo e pela degradação ambiental Não podemos negar que existem fatores climáticos por trás da tragédia. Durante quatro dias choveu mais de 400 mm³ nas regiões afetadas. Precipitação esta provocada, segundo os especialistas, pelo aquecimento do Atlântico. No entanto, é preciso ter um olhar mais profundo do ocorrido. As regiões atingidas pelas enchentes são marcadas pela concentração da terra, pelo monocultivo exportador da cana-deaçúcar, pelo trabalho precarizado e análogo ao trabalho escravo e pela degradação ambiental. Municípios da Zona da Mata pernambucana, por exemplo, possuem índices Gini de concentração de terras que chegam a 0,9 (pelo índice de Gini, quanto mais próximo do número 1, maior é a concentração de terras). O modelo de desenvolvimento, historicamente e geograficamente implementado no Brasil e, em especial no Nordeste, tem sacrificado o meio ambiente e empurrado populações empobrecidas para lugares menos propícios para a ocupação humana. Na Zona da Mata de Pernambuco, nos últimos 30 anos, mais de 150 mil trabalhadores perderam seus trabalhos no setor canavieiro, e estima-se que mais de 40 mil sítios foram destruídos durante os primei-
Casas destruídas pela enchente do Rio Mundaú no município de Branquinha, Alagoas
ros anos do Pró-álcool (1975) - um dos maiores períodos de expansão da cana no estado e no Brasil. As matas foram “dando” espaço à cana, e as populações, sem trabalho, privadas das terras e sem alternativa econômica foram sendo empurradas para as periferias das cidades, para as chamadas áreas de risco e “pontas de ruas”, nome dado por eles. As cidades da região canavieira, como é chamada por muitos, se transformaram em um verdadeiro confinamento de populações empobrecidas e privadas dos seus direitos. Pernambuco aparece com o quinto pior Índice de desenvolvimento Humano (IDH) do país, e é justamente na região da Zona da Mata que se concentra um dos piores IDH do Estado e um dos piores índices de saneamento e água em rede domiciliar. As populações das cidades dessa região vivem com saneamento básico precário, sem abastecimento de água potável regular, sem assistência médica que atenda as necessidades das pessoas; ou seja, sem uma mínima infraestrutura social eficaz. Foi justamente nessa região que os usineiros cometeram um dos piores crimes ambientais da humanidade. Da mata atlântica original, resta apenas menos de 3%. Em 2008, depois de muitas denúncias de movimentos sociais no estado, o Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) autuou as 24 usinas pernambucanas por crime ambiental: por elas
Frei Betto
Feiras do livro Antônio Cruz/Abr
NAS VÉSPERAS da festa de São João, festa da colheita do milho no Nordeste brasileiro, assistimos com muita tristeza as enchentes na Zona da Mata Sul de Pernambuco e Zona da Mata Norte de Alagoas. Foram vidas ceifadas, casas destruídas, escolas e hospitais sem condições de funcionamento, pontes levadas pela força das águas, um verdadeiro cenário de guerra. As estimativas falam em 57 mortes, sendo 39 em Alagoas e 20 em Pernambuco. No estado alagoano, passa de 26 mil o número de desabrigados e de 47 mil o de pessoas desalojadas. Já em Pernambuco, são mais 26 mil desabrigados e mais de 55 mil desalojados. Mas, como todo cenário de guerra tem sempre inimigo e culpados, escolheram desta vez a natureza como responsável.
o consumismo e o egoísmo, cria um clima propenso permanente de exclusão, discriminação e humilhação dos diferentes, dos mais pobres e das mulheres. Por isso, de certa forma, esses casos de bárbaros assassinatos por pessoas “bem formadas” são consequência desse ambiente perverso criado pela ideologia burguesa, que transforma as pessoas em mercadorias e transforma os detentores de dinheiro em “todo-poderosos”, como se pudessem ser proprietários de tudo. Inclusive da vida das pessoas. E mais: como têm dinheiro e podem contratar bons advogados, consideram-se impunes. Perguntem-se quantos dias de prisão teve o editor do Estadão, que há alguns anos assassinou estupidamente sua colega de trabalho e ex-namorada apenas por ciúmes? Nenhum. Está solto, gozando das brechas que a lei permite aos endinheirados. Imaginem quando a violência é cometida contra mulheres ainda mais pobres. É mais do que urgente debater esses problemas em todos os espaços, a fim de gerando uma nova mentalidade sobre a necessidade de urgentes mudanças sociais, não apenas na garantia de direitos, mas sobretudo no contexto socioeconômico que está gerando todas essas injustiças.
não terem os 20% de reserva legal e as matas ciliares estarem quase que dizimadas em todas as usinas fiscalizadas pelo instituto. Não há matas nos topos de morros e nas encostas para facilitar a infiltração das águas no solo e diminuir o escoamento superficial das águas de chuvas. Não existem mais matas ciliares, que servem, entre outras coisas, para proteger os rios e servir de “barreiras” para a contenção dos grandes volumes de águas. A Mãe Terra não merece e não deve ser culpada pelas consequências dessa catástrofe, que é muito mais de responsabilidade do modelo de desenvolvimento do que de uma ação incontrolável da natureza. Vale apena lembrar Josué de Castro, no livro Geografia da Fome, que denuncia a Zona da Mata de Pernambuco como a região de maior pobreza e fome no Estado. O “cidadão do mundo” denunciava também a concentração de terra e o sistema do monocultivo da cana como um dos principais elementos da fome e da pobreza na região. A combinação de fatores climáticos com as ilhas de pobreza no “mar” de cana, que é a Zona da Mata de Pernambuco, tornou vulnerável as cidades da região às catástrofes ditas “naturais”. A Mãe Terra é quem nos culpa. Plácido Junior é geógrafo e agente da CPT NE2. Renata Albuquerque é jornalista e do setor de comunicação da CPT NE2.
PARTICIPEI, NOS últimos meses, de várias ferias do livro e outros eventos literários, como o Programa TIM Grandes Escritores. Entre outubro e novembro passados, estive nas feiras de Gravataí (RS), Caxias do Sul (RS), Belém (PA) e no Fórum das Letras, em Ouro Preto (MG). Em todos esses eventos constatei o empenho dos promotores em promover o livro, despertar o interesse pela literatura e facilitar o contato entre leitores e escritores. Ler é percorrer todos os períodos da história, penetrar conhecimentos científicos e técnicos, dar asas à imaginação, sem sair do lugar. Basta abrir o livro. É conhecer qualquer tema, da fabricação de vinhos à vida dos papas, bastando decifrar o código alfabético em folhas de papel ou no monitor de um equipamento eletrônico. Ler é sonhar, poetar, divagar, expandir a fantasia e cultivar a sensibilidade. A diferença entre ler e ver TV é que, no primeiro caso, o leitor escolhe o que lhe interessa. Com a vantagem de não se submeter à avalanche publicitária e adequar a programação – no caso, a leitura – ao ritmo de sua conveniência. E, considerando a baixa qualidade de conteúdo na TV brasileira, ler é absorver cultura. No Brasil, o consumo de livros ainda é ínfimo: 2,7 por habitante/ano. Na Argentina, 6. Há em nosso país cerca de 3 mil livrarias, 50% no estado de São Paulo. Aqui, o livro sofre o efeito Tostines: é caro porque vende pouco e vende pouco porque é caro. O governo, excetuando a compra de livros didáticos, não incentiva a produção e circulação de livros. Raros são os municípios com bibliotecas públicas, e as poucas existentes nem sempre primam pela conservação das instalações e atualização do acervo. A informatização ainda engatinha, e o leitor enfrenta, por vezes, barreiras “burrocráticas” para ter acesso ao livro.
O Brasil estará a salvo no dia em que as novas gerações forem viciadas em livros
Assim, não é de se estranhar que alunos da 8ª série não consigam redigir uma simples carta sem cometer graves erros de concordância e sintaxe. A situação piora quando se trata de interpretar um texto. Lê-se o período sem conseguir entendê-lo... O amor aos livros nasce na infância. Criança que jamais viu os pais lerem ou vive numa casa desprovida de livros terá, com certeza, dificuldade de adquirir gosto pela literatura. Hoje em dia recomenda-se ler histórias para os bebês, de modo a favorecer as sinapses cerebrais e a elaboração de sínteses cognitivas. Ao ler ou contar uma história para crianças é normal ouvi-las recriarem em cima do que escutam. A imaginação entra em diálogo com o texto. A fantasia aflora. Já a TV não propicia essa interação, apenas impõe à criança o conteúdo de sua programação. E, de certo modo, anula a fantasia infantil, como se a TV fosse capaz de substituir o saudável exercício de dar asas à imaginação. Outrora, as feiras do livro tinham a característica de baratear o produto. Hoje, isso se torna cada vez mais raro. Apesar de o governo Lula ter desonerado tributos de editoras, tudo indica que o benefício não se estendeu aos leitores. Felizmente há, pelo Brasil afora, bibliotecas montadas por iniciativas voluntárias, cujos acervos dependem de doações. Na capital paulista, é possível tomar emprestado um livro nas estações de metrô. E o índice de não devolução é mínimo – o que consola nossa autoestima ética nessa nação de tantos políticos corruptos. Em Brasília, um açougue dispõe livros em pontos de ônibus. Na Baixada Fluminense, uma dona de casa transformou seu quintal em biblioteca pública. Tomara que o propósito de o poder público instalar uma biblioteca em cada município brasileiro torne-se realidade. O Brasil estará a salvo no dia em que as novas gerações forem viciadas em livros. Frei Betto é escritor, autor de A arte de semear estrelas (Rocco), entre outros livros.
Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Igor Ojeda, Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Daniel Cassol, Eduardo Sales de Lima, Leandro Uchoas, Mayrá Lima, Patricia Benvenuti, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, Vinicius Mansur • Assistente de Redação: Michelle Amaral • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Aurelio Fernandes, Delci Maria Franzen, Dora Martins, Frederico Santana Rick, José Antônio Moroni, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Sávio Bones, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800
de 15 a 21 de julho de 2010
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brasil
A alimentação dos brasileiros está cada vez mais envenenada Pedro Carrano de Curitiba (PR) O BRASILEIRO ingeriu, em média, 3,7 quilos de agrotóxicos em 2009. Trata-se de uma massa de cerca de 713 milhões de toneladas de produtos comercializadas no país por cerca de seis corporações transnacionais. Essas empresas controlam toda a cadeia produtiva, da semente ao agroquímico ligado a ela. Uma condição que pressiona o agricultor familiar, refém da compra do “pacote tecnológico” gerador da dependência na produção. O capital dessas companhias do ramo é maior que o produto interno bruto (PIB) da maioria dos países da Organização das Nações Unidas (ONU). Só no Brasil lucraram 6,8 bilhões de dólares em 2009. Para tanto, o país ergueu a taça de campeão mundial em uso de agrotóxicos e bateu outro recorde: duplicou o consumo em relação a 2008. Relatórios recentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que vem sendo criticada pelo lobby do agronegócio, apontam que 15% dos alimentos pesquisados pelo órgão apresentaram taxa de resíduos de veneno em um nível prejudicial à saúde. Canade-açúcar, soja, arroz, milho, tabaco, tomate, batata, hortaliças (veja tabela) são produtos do dia a dia que passaram a ter alto índice de toxicidade. Agroquímico, semente, terra e mercado fazem parte da mesma cadeia produtiva sob controle dos monopólios. Larissa Parker, advogada da Terra de Direitos, aponta uma relação direta entre a concentra-
ção do mercado de sementes e de agrotóxicos. A transnacional Monsanto controla de 85 a 87% do mercado de sementes. No caso do transgênico Milho BT (da empresa estadunidense), de acordo com a advogada, o próprio cereal é desenvolvido com uma toxina contra determinado tipo de praga. Ainda assim, agricultores no Rio Grande do Sul precisaram realizar mais de duas aplicações de agrotóxicos na lavoura. Os insetos mostraram-se resistentes à substância tóxica. Na Argentina, as corporações cobram patentes apenas dos agrotóxicos e não das sementes, já que o seu uso está atrelado a elas.
Apesar de surgir como a “salvação da lavoura”, prometendo aumento de produtividade, a introdução do químico ligado à semente transgênica incentivou o aumento do uso de tóxicos Apesar de surgir como a “salvação da lavoura”, prometendo aumento de produtividade, a introdução do químico ligado à semente trans-
gênica incentivou o aumento do uso de tóxicos. O cultivo da soja teve uma variação negativa em sua área plantada (-2,55%) e, contraditoriamente, uma variação positiva de 31,27% no consumo de agrotóxicos entre os anos de 2004 a 2008, como explicam os professores Fernando Ferreira Carneiro e Vicente Soares e Almeida, do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB). Além disso, produtos que foram barrados no exterior são usados em diferentes cultivos brasileiros. Entre dezenas de substâncias perigosas, o endosulfan, por exemplo, é um inseticida cancerígeno, proibido há 20 anos na União Europeia, Índia, Burkina Fasso, Cabo Verde, Nigéria, Senegal e Paraguai. Mas não é proibido no Brasil, onde é muito usado na soja e no milho. Outro exemplo de um cenário absurdo: grandes produtores de cítricos não têm usado determinada substância tóxica, não por consciência ecológica, mas porque países importadores não a aceitam. De acordo com informações da página da Anvisa, “todos os citricultores que exportam suco de laranja já não utilizam mais a cihexatina, pois nenhum país importador, como Canadá, Estados Unidos, Japão e União Europeia, aceita resíduos dessa substância nos alimentos”. Cultura internalizada
O Censo Agropecuário de 2006, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia
Opção pela água e pela superação do monocultivo
Reprodução
AGRICULTURA Pesquisadores e movimentos sociais alertam sobre a duplicação, em um ano, dos índices de uso de agrotóxicos no Brasil
O Censo Agropecuário de 2006 informou que 56% das propriedades brasileiras usam venenos sem assistência técnica e Estatística (IBGE), informou que 56% das propriedades brasileiras usam venenos sem assistência técnica. De acordo com a mesma pesquisa, práticas alternativas, como controle biológico, queima de resíduos agrícolas e de restos de cultura, que poderiam gerar redução no uso de agrotóxicos, também são pouco utilizadas.
ca do uso de venenos é desnecessária, mas acaba sendo apontada como a única saída para o produtor. E vira uma cultura. “Muitas boas práticas agrícolas, como o manejo do solo, têm sido deixadas de lado. O uso do agrotóxico é mais fácil, diante da falta de uma saída do serviço de assistência técnica pública do Estado. O que vemos são profissionais levando pacotes [tecnológicos], e não soluções, um modelo que leva o agricultor a usar o agrotóxico e não questionar muito isso. Usar um inimigo natural não significa menos tecnologia, ao contrário”, analisa.
Adriano Resemberg, engenheiro agrônomo do departamento de fiscalização da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Paraná (Seab), analisa a questão dos agrotóxicos a partir dos seguintes eixos: o primeiro é que o uso dos agrotóxicos produz um impacto e uma alteração do bioma local. O outro é que a práti-
Relação de alimentos contaminados Número de amostras analisadas por cultura e os resultados insatisfatórios do PARA 2009, subdivididos em resultados que apresentaram ingredientes ativos não autorizados (NA), autorizados (>LMR) e com as duas situações anteriores na mesma amostra.
Pedro Carrano
Mesmo com dificuldades, agricultores familiares demonstram que a agroecologia é viável
Produto
de Mandirituba (PR) Na Grande Curitiba, os agricultores familiares Eder Laureano Martins e o pai, Mario Antonio, há quase dez anos usaram pela última vez agrotóxicos na propriedade de sete hectares. Hoje, produzem, no município de Mandirituba (PR), mais de 20 variedades de hortaliças e começam a avançar na plantação de morango orgânico – cultivo que, de acordo com dados da Anvisa, entre amostras de supermercado, apresenta 43,6% com agrotóxico acima do recomendável. “Muitos produtores deixam uma parte selecionada para a família e vendem o resto. Não querem aquele veneno que estão plantando”, critica Eder. Sua produção passou por análise da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e nenhum defensivo foi encontrado. É uma exceção na vizinhança onde produzem. Ao redor estão as culturas de soja, milho e feijão tradicionais. A região de Mandirituba é marcada também por grandes plantações de camomila para a produção de chás, mas que não dispensam o uso de defensivos. Pinus e eucalipto
O agricultor Eder Laureano Martins e sua plantação orgânica
também fazem parte da paisagem do entorno. Eder define por agroecologia a superação do monocultivo para não desgastar o solo, o policultivo em rotação para evitar a produção de doenças e a preservação das nascentes, por meio do uso racionalizado de água e da técnica do “gotejo”. Nesta técnica, até metade é economizada em comparação com a técnica convencional de irrigação. Embora o solo tenha a aparência de estar seco à primeira vista, na realidade o local do cultivo permanece úmido na quantidade suficiente. Uma faixa de vegetação é deixada ao redor dos cultivos – o que protege a mata ciliar. Isso não os impede de participar de feiras da capital e encontrar mercados. Eder lamenta a falta de cooperativa orgânica, apesar de na região terem contato com ao menos outros 20 produtores, mas poucos se associam a partir da técnica alternativa. Livres de transgênicos
Larissa Parker, da Terra de Direitos, analisa que decisão
recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) coloca a possibilidade de aplicação de lei municipal para proibição do cultivo de transgênicos para não prejudicar o plantio local. Isso pode ser uma ferramenta de pressão por “áreas livres de transgênicos”, como explica. Há a possibilidade, de acordo com ela, de pressão sobre os municípios para avaliação dos impactos dos transgênicos e dos agrotóxicos utilizados em cada local. O Brasil apresenta cerca de quatro precedentes jurídicos nesse sentido. “Cercamento tecnológico” é a expressão usada pela advogada da Terra de Direitos para falar da situação em que pequenos agricultores são donos do território, mas o “pacote tecnológico” os submete ao risco de contaminação da lavoura pelas sementes transgênicas, como no caso do milho, e do uso do agrotóxico, por necessidade do mercado. Esse cenário torna difícil a coexistência entre os dois modelos. “A coexistência para o grande é acabar com o pequeno”, define Larissa. (PC)
NA (1)
Nº de amostras analisadas
> LMR (2)
>LMR e NA (3)
Total de insatisfatórios (1+2+3)
Nº
%
Nº
%
Nº
%
Nº
%
Abacaxi
145
41
28,3%
15
10,3%
8
5,5%
64
44,1%
Alface
138
52
37,7%
0
0%
1
0,7%
53
38,4%
Arroz
162
43
26,5%
0
0%
1
0,6%
44
27,2%
Banana
170
3
1,8%
3
1,8%
0
0%
6
3,5%
Batata
165
2
1,2%
0
0%
0
0%
2
1,2%
Beterraba
172
55
32%
0
0%
0
0%
55
32%
Cebola
160
26
16,3%
0
0%
0
0%
26
16,3%
Cenoura
165
41
24,8%
0
0%
0
0%
41
24,8%
Couve
129
42
32,6%
8
6,2%
7
5,4%
57
44,2%
Feijão
164
3
1,8%
2
1,2%
0
0%
5
3%
Laranja
146
14
9,6%
1
0,7%
0
0%
15
10,3%
Maçã
170
6
3,5%
3
1,8%
0
0%
9
5,3%
Mamão
170
36
21,2%
22
12,9%
8
4,7%
66
38,8%
Manga
160
12
7,5%
1
0,6%
0
0%
13
8,1%
Morango
128
49
38,3%
11
8,6%
5
3,9%
65
50,8%
Pepino
146
75
51,4%
3
2,1%
2
1,4%
80
54,8%
Pimentão
165
107
64,8%
5
3%
20
12,1%
132
80%
Repolho
166
34
20,5%
0
0%
0
0%
34
20,5%
Tomate
144
45
31,3%
0
0%
2
1,4%
47
32,6%
Uva
165
58
35,2%
14
8,5%
21
12,7%
93
56,4%
Total
3130
744
23,8%
88
2,8%
75
2,4%
908
29%
(1) NA = Não autorizado para a cultura; (2) > LMR = Acima do limite máximo de resíduo; (3) >LMR e NA = Acima do LMR e Não autorizado para a cultura; (1+2+3) = Somatório de todos os resultados insatisfatórios Fonte: Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, da Anvisa.
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de 15 a 21 de julho de 2010
brasil
No Brasil, “caso Bruno” faz parte do cotidiano Alexandre Durão/Folhapress
VIOLÊNCIA Entre 1997 e 2007, mais de 10 mulheres por dia foram assassinadas no país, como a ex-amante do goleiro do Flamengo Renato Godoy de Toledo da Redação O SEQUESTRO seguido de tortura e assassinato da jovem Eliza Samúdio já ganhou o status de crime mais chocante de 2010. Até mesmo o assassinato da advogada Mércia Nakashima, assunto mais falado anteriormente, perdeu espaço para o crime supostamente cometido pelo goleiro do Flamengo, Bruno, e mais seis comparsas.
Em um espaço de 10 anos, de 1997 a 2007, 41.523 mulheres, como Mércia e Eliza, foram assassinadas O crime com requintes de crueldade e alta previsibilidade – dada as constantes ameaças e agressões à vítima –, no entanto, não se configura como um caso extraordinário. Ao contrário, em um espaço de 10 anos, de 1997 a 2007, 41.523 mulheres, como Mércia e Eliza, foram assassinadas. Ou seja, mais de 10 vítimas por dia. Os dados são do Instituto Sangari, que se baseou em estatísticas do Sistema Único de Saúde (SUS). Para especialistas, esses crimes são cometidos majoritariamente por maridos, ex-maridos, namorados e ex-namorados. Muitas das vezes, agem movidos pela inconformidade com o fim de uma relação que acreditavam controlar. Os números colocam o Brasil em um patamar próximo ao dos recordistas nesse tipo de crime, África do Sul e Colômbia. Para tentar fechar o cerco à violência contra a mulher, o governo brasileiro sancionou, em 2006, a Lei Maria da Penha, que aumenta o rigor da pena para os agressores. A legislação agradou as entidades da sociedade civil que defendem os direitos da mulher. Porém, a principal crítica que estas têm feito é a falta de seu cumprimento. Negligência Em novembro de 2009, quando ainda estava grávida, a
Bruno e Luiz Henrique Romão são transferidos para complexo penitenciário em Bangu Fabio Braga/Folhapress
estudante Eliza Samúdio pediu proteção à Justiça após ser sequestrada por Bruno e seu amigo Luiz Henrique Romão. A vítima relatou que foi espancada, ameaçada de morte e obrigada a ingerir abortivos. Ela realizou exames de corpo de delito e sangue para saber se havia traços de substâncias abortivas. A Justiça do Rio de Janeiro negou o pedido de proteção a Eliza e os testes só foram concluídos após o caso ganhar notoriedade na mídia – comprovando a presença de abortivos. A juíza Ana Paula Delduque Migueis Laviola de Freitas, do 3º Juizado de Violência Doméstica, afirmou que a vítima “apenas ficou com o agressor e não mantinha qualquer tipo de relação afetiva, familiar ou doméstica”. E completou que, se atendesse ao pedido de proteção, estaria “sob a pena de banalizar a finalidade da Lei Maria da Penha” . A procuradora Luiza Eluf, que participou das reuniões de criação da lei, discorda do parecer da Justiça fluminense. “Dar proteção à mulher ameaçada é uma obrigação da Justiça. Não posso entender a razão para negar a proteção [a Eliza]. O fato de a mulher não ter uma relação afetiva [como alegou a Justiça do RJ] não é motivo para a proteção ser negada. A Lei Maria da Penha não determina isso”, explica. Falta de seriedade Para Bernadete Monteiro, da Coordenação da Marcha Mundial de Mulheres, a questão da mulher, muitas vezes, não é levada a sério pela Justiça e pela polícia. “As mulheres sofrem violência e ameaça e nem sempre isso é relevante. A sociedade toda tem a marca do patriarcado. No Judiciário, não é diferente”, aponta.
Evandro Bezerra Silva, suspeito da morte da advogada Mércia Nakashima
Ela lembra um caso ocorrido em Belo Horizonte que ilustra sua tese. “Quando da inauguração da vara [de Justiça] que avalia casos da Lei Maria da Penha, o juiz responsável citou o Corão [livro sagrado do islamismo] para explicar qual é o devido papel da mulher na sociedade”.
“As mulheres sofrem violência e ameaça e nem sempre isso é relevante. A sociedade toda tem a marca do patriarcado. No Judiciário, não é diferente” Para Bernadete, casos como o da provável morte de Eliza Samúdio revelam parte do cotidiano de milhares de cidadãs. No entanto, a maneira como o crime é abordado leva a crer que se trata de um caso extraordinário, quando, na verdade, é corriqueiro.
“É importante que se explicite um pouco mais a existência da violência contra a mulher. Mas tem-se tratado isso como se fosse uma coisa excepcional, não como algo do cotidiano feminino. Muitas vezes, a abordagem de casos como este são levados para o plano do desvio psicológico. Nossa análise é de que isso é um reflexo de como a sociedade é organizada e que a violência é um instrumento para perpetuar essa ordem”, aponta. Punição A procuradora Luiza Eluf afirma que, se punidos, casos como o do goleiro Bruno podem encorajar as mulheres a denunciarem as violações. Já Bernadete Monteiro aponta que, em casos em que a violência é tão explícita, as mulheres podem se intimidar em prestar queixas, diante de uma Justiça considerada, via de regra, ineficiente. Nos primeiros cinco meses de 2010, o telefone 180 da Central de Atendimento à Mulher recebeu 95% mais chamadas do que no ano passado. Segundo a Secretaria Especial de Políticas para a Mulher, das mais de 50 mil mulheres que realizaram denúncias, a maioria é negra, com idade entre 20 e 45 anos e escolaridade de nível médio.
fatos em foco
da Redação
Juiz pede falência da Flaskô e ameaça fábrica ocupada No dia 1º, o juiz André Gonçalves Fernandes decretou a falência da Flaskô, de Sumaré (SP). A indústria foi ocupada pelos trabalhadores em 2003, quando estava a ponto de quebrar. Os postos de trabalho foram salvos, mas a decisão ameaça fechar a fábrica e eliminar os empregos. O magistrado baseou-se numa dívida da Flaskô com a empresa Fortymil, de R$ 37 mil. Contudo, os trabalhadores garantem que procuraram liquidar o passivo. O juiz Fernandes, porém, se recusa a receber o dinheiro dos trabalhadores, os quais não reconhece, e exige que o pagamento seja feito pela antiga proprietária da Flaskô, Cristiane de Marcello, que é foragida da polícia. Abril torna-se segunda maior empresa de ensino do Brasil O Grupo Abril anunciou no dia 12 a compra do sistema Anglo, especializado em cursinhos pré-vestibular e precursores do ensino apostilado no Brasil. A empresa, que tem como carro-chefe a revista Veja, tornou-se a segunda maior do setor educacional no Brasil, atrás apenas da Positivo. O Anglo possui 211 mil alunos distribuídos em 484 escolas de 316 municípios brasileiros, além de outros 38 mil estudantes da rede pública que fazem uso de suas apostilas. Antes do negócio, o Grupo Abril já fornecia conteúdo educacional a 26 milhões de alunos em 117 mil escolas do Brasil. CPMI do MST não identifica nenhum desvio de recurso A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investigou a ligação entre entidades da reforma agrária e ministérios, conhecida como “CPMI do MST”, não encontrou “um centavo de desvio de recurso público”, nas palavras do relator Jilmar Tatto (PT-SP). Foram investigadas as contas de dezenas de cooperativas de agricultores. Em entrevista à Radioagência NP, Tatto afirma que a CPMI foi desnecessária. “São entidades sérias que desenvolvem um trabalho de aperfeiçoamento e de qualificação técnica do homem do campo. A oposição estava com uma política de criminalizar o movimento social”, avalia. Prefeitura de Jerusalém destrata repórter da Fox News “Não crie a merda de um caso por uma entrevista. O prefeito não está disponível até agosto” foi a resposta da prefeitura de Jerusalém ao pedido da rede de TV estadunidense Fox News. O canal, conhecido como um dos mais conservadores dos EUA, fez uma matéria, no dia 12, que mostra o confisco de terras de palestinos pelo Estado de Israel, além da prefeitura proibir que árabes comprem terrenos na cidade. O tom da reportagem destoa da tradicional cobertura da emissora, que entrevista um palestino que teve as terras tomadas pela prefeitura. O vídeo, em inglês, pode ser encontrado no site Mondoweiss. Governo do Uruguai quer reformar setor de comunicação No dia 22, o governo uruguaio apresentará oficialmente seu projeto de revisão e reforma da Lei de Radiofusão do país. O documento, que tem como objetivo alterar uma norma herdada da ditadura, defende que a nova legislação “estabeleça medidas efetivas para impedir a formação de monopólios e oligopólios, privados ou estatais, na propriedade dos meios de comunicação, de modo a promover a diversidade de opiniões e a abertura de concorrência”, diz o texto citado pelo jornal uruguaio El País. A ideia é que o projeto seja apresentado ao Congresso em 2011.
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Os partidos não têm dado conta da tarefa Vladimir Platonow/ABr
ENTREVISTA Para Ivan Valente, apesar da dura realidade das condições de vida da maioria do povo brasileiro, não há um processo de indignação organizada em marcha Nilton Viana da Redação É NECESSÁRIO aprofundar o conhecimento da nossa realidade e a relação da esquerda com as mais profundas reivindicações do povo brasileiro por mudança social. Esta é uma das constatações do deputado federal Ivan Valente (Psol-SP). No entanto, segundo ele, é preciso entender que estamos numa realidade mutante, com a rapidez trazida pela globalização e a velocidade das comunicações. Em entrevista, Valente defende que a falta de um forte movimento social e a desmobilização da força social de mudança, que ocorreu neste período – aliadas à fragmentação e à ainda pouca expressão de outras candidaturas de esquerda – realçam o quadro de dificuldades de uma alternativa verdadeiramente de esquerda que acumule rapidamente na direção da transformação social. Para ele, os partidos políticos não têm dado conta dessa tarefa, ou por opção ou por falta de condições objetivas e também erros de avaliação. E afirma: a unidade das forças populares é uma questão vital no processo de luta de classes. Brasil de Fato – Como parlamentar, você tem acompanhado as proposta de alteração do Código Florestal brasileiro. Quais os interesses em jogo nesse debate? Ivan Valente – Está em curso no país uma tentativa perigosa que pode reverter mais de cinco décadas de legislação ambiental no Brasil. O relatório final apresentado pelo deputado federal Aldo Rebelo [PCdoB-SP] e aprovado na Comissão Especial do Código Florestal, se passar pelo Plenário da Câmara, representará um verdadeiro retrocesso na proteção do meio ambiente em nome dos interesses dos ruralistas. O texto aprovado comprova a farsa do desmatamento zero que os ruralistas pretendem fazer crer a população. Fica explícita a autorização para novas derrubadas de árvores, nos mais diferentes biomas. O texto também possibilita a anistia completa aos desmatadores que cometeram infrações antes de 2008. Ou seja, premia aqueles que historicamente desrespeitaram o meio ambiente, além de insinuar que desenvolvimento só se faz com destruição da natureza. As mudanças propostas partem de premissas equivocadas para defender uma brutal mudança na legislação ambiental e colocar o Brasil no rumo do atraso e da devastação. Entre elas, a necessidade de ampliar a produção de alimentos para o mercado interno, o que justificaria a ocupação de todas as áreas agricultáveis do território nacional – inclusive as de reserva legal e de proteção permanente. A verdade é que precisamos de outro projeto de desenvolvimento. Nossas florestas não são balcões de negócio, são bens de interesse comum. Como você vê o projeto que regulamenta os impostos sobre as grandes fortunas? O imposto sobre as grandes fortunas está previsto na Constituição de 1988, mas nunca foi regulamentado. Pelo projeto do Psol, aprovado na Comissão de Constituição e Justiça em junho, o piso para a cobrança seria de R$ 2 milhões, definindo como patamar de fortuna. As alíquotas seriam de 0,3% para patrimônios acima de R$ 2 milhões; 0,7% para patrimônios
acima de R$ 10 milhões; e 1% para patrimônios acima de R$ 50 milhões. O objetivo é desonerar o consumo de bens pela população mais pobre, como medicamentos e itens da cesta básica, mudando o paradigma brasileiro e atendendo o princípio da capacidade contributiva, ou seja, quem tem mais deve pagar mais. Segundo o Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada], os 10% mais ricos concentram 75% da riqueza do país. Eles também são os que menos pagam impostos proporcionalmente à sua renda. Dados da Receita Federal divulgados recentemente mostram que a arrecadação do país cresceu justamente devido aos tributos que incidem sobre o consumo e a renda do trabalho. Já os tributos incidentes sobre a renda do capital caíram R$ 131 milhões. Ou seja, a carga tributária brasileira é alta e mal distribuída. É urgente tributar de forma mais forte a riqueza e a propriedade, para poder tributar menos o salário e o consumo. O problema é que, no Congresso, o capital é que manda. Historicamente, os donos das grandes fortunas impediram que esse imposto entrasse em vigor. As dificuldades começaram na Assembleia Constituinte, em 1988. Enquanto outros imposto, como o de renda, podem ser regulados por lei comum, esse precisa de uma lei complementar, que tem tramitação especial e precisa ser aprovado em plenário por 2/3 dos deputados. É uma batalha, portanto, que está apenas começando, mas estratégica para o país. E seu projeto de lei que proíbe o capital estrangeiro nas instituições educacionais? Nosso projeto de Lei nº 2.138/2003, que proíbe o capital estrangeiro nas instituições educacionais brasileiras com fins lucrativos, parte de um princípio básico, fundante da nossa nação: educação não é mercadoria. A Constituição Federal, em seu artigo 205, afirma que a educação é um direito de todos e um dever do Estado e da família. No entanto, a educação brasileira vem sendo desnacionalizada, reforçando e ampliação e a mercantilização do ensino. Hoje, as empresas que buscam entrar nas instituições de ensino querem é fazer negócios, não possuem um projeto educacional e, por isso, não primam pela qualidade do ensino, só pelo valor das mensalidades. Nossas universidades não podem se sujeitar a imposições do capital privado estrangeiro. O capitalismo tem uma ideologia bastante diferente, em desacordo com o projeto de nação que queremos construir. Daí a importância desse projeto. Por conta de manobras de grupos detentores do capital, o PL está parado na Comissão de Educação e Cultura, mas vem ganhando apoio entre setores da esquerda, e a luta é para aprová-lo o quanto antes. Passada a Copa, é hora do país encarar seus graves problemas. E teremos pela frente eleições para cargos importantíssimos, como o de presidente da República, Congresso Nacional, governos estaduais e assembleias legislativas. Como você avalia o atual quadro eleitoral? Vemos uma superpolarização pelo alto, entre as candidaturas do PT e do PSDB. São projetos que não têm diferenças essenciais no tocante à política econômica e à forma como sustentam a go-
Favela do Mandela, na zona norte do Rio de Janeiro: é necessário aprofundar o conhecimento de nossa realidade
vernabilidade, com alianças heterodoxas, pautadas pelo abandono de um projeto de transformação social mais profunda no nosso país. Embora haja diferenças entre os dois, particularmente na política internacional e em algumas políticas compensatórias. A opção Marina Silva [PV] não consegue ser alternativa porque não se propõe, não tem condições nem movimento social por trás para polarizar essa disputa. Já o Psol, apesar de ser um partido em construção, tem uma proposta alternativa de transformação social baseada num programa capaz de empolgar grandes setores da população, trabalhando com ética na política e acreditando na força dos movimentos sociais e da participação popular. Temos demonstrado isso na prática, com nosso programa, conduta e esforço organizativo.
“A saída de Lula do cenário político, com todo seu carisma e simbologia, deixa mais nítidas as propostas em jogo” Pela primeira vez, desde a redemocratização do país, a esquerda irá enfrentar uma eleição em que Lula não será candidato. E desde 1989, a eleição de Lula tem sido um fator de unidade da esquerda, sobretudo antes de 2002. Como você avalia esse cenário? A saída de Lula do cenário político, com todo seu carisma e simbologia, deixa mais nítidas as propostas em jogo. As relações do PT com o grande capital – assim como da oposição de direita, capitaneada pelo PSDB, que também disputa ser a representação do grande capital e da política econômica neoliberal – mostram que os projetos são semelhantes. Eles continuam comprando a confiança do mercado a um preço muito alto para a classe trabalhadora. Não é à toa que a campanha Dilma coloca Palocci como seu grande articulador, e os tucanos tentam exacerbar ainda mais a política do Estado mínimo. A consequência direta dessa opção do governo Lula foi uma parte da esquerda buscar novas saídas para a efetivação do programa que incendiou corações e mentes ao longo de duas décadas. O Psol é consequência dessa ruptura. Ao que tudo indica, no atual cenário eleitoral, não há nenhuma perspectiva transformadora, anticapitalista, capaz de enfrentar os grandes
desafios do ponto de vista da esquerda. A fragmentação da esquerda favorece esse quadro? Num país como o nosso, de grande concentração de renda, terra, riqueza e poder, políticas sociais de baixa intensidade têm um efeito considerável de conformação social, que dá ao governo o mote continuísta. A falta de um forte movimento social e a desmobilização da força social de mudança que ocorreu nesse período– aliadas à fragmentação e à ainda pouca expressão de outras candidaturas de esquerda – realçam o quadro de dificuldades de uma alternativa verdadeiramente de esquerda que acumule rapidamente na direção da transformação social. O que não invalida nem desmerece o esforço necessário que vem sendo feito por vários setores da esquerda – particularmente do Psol – de tentar resgatar um programa e uma prática transformadora capaz de mobilizar o povo e apontar rumos para o socialismo. Quais são, na sua avaliação, os principais problemas do povo brasileiro e quais desafios estão colocados hoje para a esquerda? Problemas estruturais, como a falta de um sistema nacional de educação, com um plano nacional e investimento maciço na educação pública, mostram nosso imenso atraso ainda na questão do ensino, no qual os avanços foram ínfimos. Basta ver o valor do piso nacional dos professores, estabelecido no governo Lula, e a manutenção dos vetos ao gasto público de 7% do PIB para o setor, feitos por FHC. Já na saúde, permanece o sucateamento do SUS, o avanço do setor privado, da terceirização e a falta de recursos públicos, além da não regulamentação da emenda 29. Outro problema central é a não efetivação da esperada reforma agrária. O governo Lula, pela governabilidade, cede sempre ao agronegócio e aos ruralistas. Enquanto isso, 36% do orçamento da União em 2009 foram gastos no pagamento de juros e amortizações da dívida pública, enquanto a educação recebeu menos de 3%; a saúde, menos de 5%; e a reforma agrária, menos de 0,1%. Inverter prioridades e favorecer de fato a área social, que garante direitos, e a infraestrutura do país, que gera emprego e distribui renda, é um dos maiores desafios da esquerda. O PT construiu, em 1986, o Programa Democrático Popular. Você considera esse programa atual? O Programa Democrático Popular é um patrimônio da esquerda brasileira. Uma proposta que defende reforma agrária; democratização radical dos meios de comunicação de massa; direitos sociais dos trabalhadores; distribuição de renda como ala-
vanca de outro projeto de desenvolvimento, para romper a dependência; suspensão do pagamento da dívida pública, com auditoria para inverter a lógica de predomínio do mercado sobre a vida dos cidadãos; defesa da soberania nacional e política anti-imperialista, controle de setores estratégicos pelo Estado; desenvolvimento sustentável e política ambiental, visando o futuro, e não as necessidades imediatas do sistema agrícola e agrário de exportação de commodities; promoção e garantia dos direitos humanos e da diversidade cultural do país; e combate a todas as formas de opressão. Tem uma imensa radicalidade para atacar as bases do atual sistema, organizar e mobilizar o povo e abrir portas para a superação definitiva das iniquidades capitalistas, rumo a uma sociedade com justiça e igualdade social. A América Latina, com exemplos sobretudo da Bolívia, Venezuela, Equador e Paraguai, tem demonstrado a imensa atualidade desse programa. A esquerda brasileira tem o conhecimento verdadeiro da realidade social do país? Grandes estudiosos, pensadores partidários e intelectuais orgânicos como Florestan Fernandes, Celso Furtado, Caio Prado Junior, Paulo Freire, Antonio Candido e Darcy Ribeiro nos forneceram bases e contribuições importantes para o conhecimento da realidade brasileira. Aliado às experiências e história de luta da classe trabalhadora e às lutas de resistência do povo brasileiro, esse conjunto de ideias são um excelente ponto de partida para a esquerda. É preciso entender, no entanto, que estamos numa realidade mutante, com a rapidez trazida pela globalização e a velocidade das comunicações. Isso reforça a necessidade de aprofundar o conhecimento da nossa realidade e a relação da esquerda com as mais profundas reivindicações do povo brasileiro por mudança social. A seu ver, os instrumentos políticos da esquerda brasileira hoje, principalmente partidos políticos, têm sido capazes de fazer frente à atual realidade brasileira? Apesar da dura realidade das condições de vida da maioria do povo brasileiro, não há um processo de indignação organizada em marcha. Os partidos políticos não têm dado conta dessa tarefa, ou por opção ou por falta de condições objetivas e também erros de avaliação. É preciso levar em conta o nível de organização e consciência real dos trabalhadores, se engajar nas lutas que movimentam o povo em torno de direitos e, num processo pedagógico de luta, mobilização e organização, atingirmos um patamar
de pressão social capaz de viabilizar mudanças sociais sempre prometidas e nunca realizadas em nosso país. E como você vê a atuação dos movimentos sociais no Brasil frente a esse cenário? O Brasil viveu, nos anos de 1980, um momento importantíssimo de ascenso dos movimentos populares e sociais e da sua organização, com a formação da CUT e do próprio PT. Foi um momento significativo de acumulação de consciência e força social. Posteriormente, vivemos um período de declínio, e hoje o que existe de fato, no geral, é uma baixa dos movimentos sociais – apesar de significativos momentos de resistência, seja na luta pela reforma agrária, contra a lógica do Estado mínimo, com greves e mobilizações, na luta por garantia de direitos e contra a discriminação, ainda insuficientes para uma arrancada rumo a transformações sociais mais profundas. Isso só reforça o papel dos setores de vanguarda e dos movimentos sociais na construção desse processo. Como avançar na unidade das forças populares? A unidade das forças populares é uma questão vital no processo de luta de classes. Mas a construção da unidade é um processo que deve aliar tolerância política, sabedoria, manutenção de princípios, vontade política, acreditar na democracia, na tomada de decisões e consciência de que, com o crescimento das lutas, a unidade se torna mais imperiosa e aumenta a responsabilidade de cada força política na construção dos interesses sociais e nacionais. Os verdadeiros socialistas devem perceber que o fato de vivermos um momento de descenso aumenta nossa responsabilidade com a construção de um futuro que interessa a todo o povo brasileiro. Brizza Cavalcante/Agência Câmara
Quem é Ivan Valente é deputado federal por São Paulo e líder da bancada do Psol (Partido do Socialismo e Liberdade) na Câmara dos Deputados. É titular da Comissão de Relações Exteriores e suplente da Comissão de Defesa do Consumidor. Integra a CPMI do MST, a Comissão Especial do Código Florestal. Compõe a Direção Nacional do Psol.
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Agrocombustíveis podem abastecer frota de 15 milhões de automóveis DESENVOLVIMENTO Prioridade para o setor energético pode inviabilizar a produção de alimentos Jorge Américo
Jorge Américo enviado a Caruaru (PE) DENTRO DE TRÊS anos, a frota brasileira de automóveis movidos a etanol e biodiesel chegará a 15 milhões de unidades. Essa projeção, da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), aumentou a demanda por fontes renováveis e colocou a matriz energética brasileira no centro das discussões do governo, investidores e movimentos sociais. Com isso, o Plano Estratégico da Petrobras estabeleceu uma meta de produção anual de 640 milhões de litros de biodiesel e 3,9 bilhões de litros de etanol para o ano de 2013. Porém, José Cláudio da Silva, integrante da Via Campesina, alerta para os riscos de se investir nos agrocombustíveis sem levar em consideração um outro setor estratégico: da produção de alimentos. “A discussão dos processos de geração de energia deve estar atrelada, sobretudo, à soberania e à segurança alimentar. A produção da cana e da mamona não pode ser mais importante que a do feijão. Da mesma maneira, os projetos das grandes hidrelétricas devem pensar naquela população que está ali em volta, nos camponeses, na produção agrícola e na biodiversidade. Se não for pensado dessa maneira, continuaremos gerando mais impactos sociais”, analisa. Devido ao alto teor de óleo e à capacidade de se desenvolver em regiões secas, a mamona é uma das principais matérias-primas utilizadas na produção do biodiesel. Uma linha de financiamento criada a partir de uma parceria entre a Petrobras e o Banco do Brasil destinará recursos para a expansão dessa oleaginosa. A projeção de crescimento da área plantada, feita pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), é de 21% para este ano. Os repasses se darão por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
“O padrão de consumo nas cidades é insustentável. Isso exige uma superexploração, que esgota a capacidade produtiva do solo” Mercado mundial Os agrocombustíveis já respondem por 10% do mercado mundial de energia. Anualmente, são utilizados um volume aproximado de 60 bilhões de litros. No Brasil, cerca de 45% da energia e 18% dos combustíveis consumidos são renováveis. Os dois principais combustíveis extraídos de
Brasil de Fato e Petrobras realizam ciclo de debates
Agroenergia em debate: investimentos no setor podem prejudicar produção de alimentos
Quanto
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18
% da energia e % dos combustíveis consumidos no Brasil são renováveis
produtos agrícolas no Brasil são o etanol, da cana-de-açúcar, e o biodiesel, que é produzido a partir de óleos vegetais ou de gorduras animais e adicionado ao diesel de petróleo. A soja representa 75% da produção voltada para o setor. Sendo considerado o responsável por muitas das principais tensões no atual cenário geopolítico internacional, o petróleo é encarado como uma fonte energética que caminha para o esgotamento e que precisa ser substituída por alternativas menos prejudiciais ao meio ambiente. Em visita ao Brasil em 2007, o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, assinou um acordo com o governo brasileiro que prevê a padronização da produção de etanol, buscando atender parte da demanda mundial. José Cláudio acredita que a discussão da matriz energética é indissociável do modelo de desenvolvimento econômico. “A produção de energia a partir de hidrelétricas, por exemplo, é pensada para atender às necessidades dos grandes grupos, como é o caso do Grupo Votorantim na região Norte”, avalia. Reginaldo Pacheco de Castro, professor de Geografia da rede estadual de Goiás, acrescenta que o atual modelo de desenvolvimento econômico demanda uma capacidade de geração de energia incompatível com as reservas naturais. “O padrão de consumo nas cidades é insustentável. Isso exige uma superexploração, que esgota a capacidade produtiva do solo. Precisamos refletir, também, até que ponto a monocultura voltada para a produção de energia pode beneficiar os agricultores”, afirma. Jorge Américo
Agrocombustíveis já respondem por 10% do mercado de energia
Agricultura familiar Até 2013, a Petrobras deverá investir 2,4 bilhões de dólares na produção de biodiesel e etanol. A Zona da Mata, na região Nordeste, é um dos principais focos. Apenas em 2009, os negócios envolvendo a comercialização e processamento da mamona movimentaram R$ 27 milhões. De acordo com o MDA, 41 mil famílias de assentamentos estiveram envolvidas na produção. Uma área de 155 mil hectares foi destinada para as lavouras de oleaginosas na safra 2009/2010.
“Antes, era Zona da Mata. Hoje, é zona canavieira. A busca insana por fontes de energia provocou grandes impactos sociais e ambientais, como o êxodo rural e a ocupação dos mananciais de importantes rios” Para José Cláudio, os produtores da agricultura familiar devem assumir uma outra posição e sair da condição de fornecedores. “No Nordeste, a produção de mamona é voltada para empresas como a Brasil Ecodiesel. É incompatível você pensar em produzir mamona apenas para uma grande esmagadora, uma grande processadora. Poderíamos pensar em unidades de beneficiamento menores, que possibilitassem a utilização do combustível em máquinas do meio rural, como tratores, forrageiras e em casas de produção de farinha.” O integrante da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Francisnaldo Alves acredita que a produção agrícola com foco na energia deve ser pautada pela sustentabilidade. Para ele, existe uma relação entre a ação predatória do latifúndio com os desastres naturais, cada vez mais frequentes e intensos. “Antes, era Zona da Mata. Hoje, é zona canavieira. A busca insana por fontes de energia provocou grandes impactos sociais e ambientais, como o êxodo rural e a ocupação dos mananciais de importantes rios. O resultado está aí: desastres ambientais, como as enchentes que destruíram cidades inteiras no Nordeste brasileiro”, elucida.
O Brasil de Fato e a Petrobras realizam uma série de cinco debates envolvendo a produção e o consumo de agroenergia. Com o tema “Matriz energética brasileira: suas potencialidades e desafios”, as discussões reúnem especialistas, representantes de movimentos sociais e da Petrobras, além de agricultores ligados a cooperativas. Nesta página, confira reportagem sobre a etapa do dia 6 de julho, realizada na cidade de Caruaru (PE). Também estão na programação das cidades que sediam os debates Fortaleza (CE), Maceió (AL), Montes Claros (MG) e Brasília (DF).
Trabalho escravo cresce no mesmo ritmo do etanol Jorge Américo
Usina do Parque Eólico de Praias de Parajuru, no Ceará
Presença internacional no setor canavieiro subiu de 1% para 10% em apenas uma década do enviado a Caruaru (PE) Em 2009, mais de 1.900 trabalhadores do setor canavieiro foram libertados de condições análogas à escravidão pelo Ministério Público do Trabalho (MTE) nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, além do estado de Pernambuco. Estudos desenvolvidos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) apontam que em 2007 e 2008, dos 11.230 trabalhadores libertados de situações degradantes, 5.593 eram empregados nas lavouras de cana-deaçúcar. Muitas das empresas autuadas pela utilização de trabalho escravo recebem financiamento de bancos estatais. Elas submetem os trabalhadores a jornadas exaustivas, desrespeitam a legislação trabalhista e instalam os funcionários em alojamentos precários, sem água potável e banheiro disponíveis. Presença internacional O ano de 2008 marca o momento em que o etanol passou a ser consumido nos mesmos níveis que a gasolina no Brasil. O índice
é resultado de um programa apresentado na década de 1970, como uma medida alternativa para os altos preços do petróleo. Criado pelo governo brasileiro por meio de um decreto, o programa recebeu o nome de Pró-álcool. Junto ao biodiesel, o etanol tem grande aceitação por emitir menos compostos químicos na atmosfera do que os derivados de petróleo. No Brasil, o etanol é produzido, exclusivamente, a partir da cana-de-açúcar. A expansão do mercado tem se tornado um grande atrativo para investidores internacionais. Em apenas uma década, subiu de 1% para 10% o número de usinas controladas por estrangeiros.
“O Brasil pode ser cortado de ponta a ponta por ferrovias. Temos ainda um grande potencial para o desenvolvimento de hidrovias” Com o impressionante consumo de etanol registrado em 2008, a safra de cana-de-açúcar ocupou 8,5 milhões de hectares de terras no Brasil. Em 2009, houve um aumento de 7,1%. Existem cerca de 450 usinas no país, controladas por 160
empresas nacionais e estrangeiras. Fontes alternativas Segundo José Cláudio da Silva, da Via Campesina, “se tivéssemos um modelo de desenvolvimento econômico compatível com as melhorias sociais e com a preservação dos recursos naturais, certamente a matriz energética seria outra”. Para tanto, ele aponta a necessidade de se investir em transporte coletivo e infraestrutura para meios alternativos. “O Brasil pode ser cortado de ponta a ponta por ferrovias. Temos ainda um grande potencial para o desenvolvimento de hidrovias, mas ainda não foram feitos os investimentos e pesquisas necessários nessa área”, diz. A consolidação de uma matriz energética sustentável do ponto de vista econômico, social e ambiental não dispensa as fontes já disponíveis. A sugestão de José Cláudio é que elas sejam remodeladas. “Podemos investir em usinas menores. Temos milhares de quilômetros de costa marítima, com potencial para duas fontes de energia: a eólica, que aproveita a força dos ventos, e a hidráulica, gerada a partir das ondas do mar. Se essas alternativas forem somadas ao que temos disponível, possivelmente não precisaremos criar novas barragens nem destinar grande parte da área de produção de alimentos para a produção de combustíveis de origem agrícola”. (JA)
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internacional
De todos os palestinos no mundo, dois terços são refugiados PALESTINA Ocupação israelense impossibilita a volta de mais de 7 milhões de pessoas a seu próprio território
“As colônias judias foram construídas nos lugares das vilas árabes. Você sequer sabe o nome dessas cidades, e não te culpo, pois livros de Geografia [daquela época] não existem mais. Não só os livros, mas as próprias vilas. Nahlal foi feita no lugar de Mahlul; Kibbutz Gvat, no lugar de Jibta; Kibbutz Sarid, no lugar de Huneifis; e Kefar Yehushu’a, no lugar de Tal al-Shuman. Não há um único lugar neste país que não tenha sido construído em cima de onde haviam árabes antes” Moshe Dayan, combatente sionista em 1948. Quase duas décadas depois, como ministro da Defesa, comandou a Guerra dos Seis Dias (1967). Declaração ao jornal israelense Haaretz, em abril de 1969. HATEM HMEDAT nasceu no mesmo ano em que Israel fez sua primeira ocupação na Palestina. As primeiras imagens que guarda na memória são as do frio, dos barracos e do odor do banheiro. “Eram uns buracos no chão e tinham um cheiro horrível”, relembra o morador do campo de refugiados de Jalazon, ao norte da cidade de Ramallah, na Cisjordânia, na Palestina ocupada. O que sabe da Nakba (“catástrofe” em árabe, como os palestinos se referem à ocupação de 1948) vem dos relatos de seus pais. A cidade onde morava, Abbasiyah, próxima a Jaffa, era uma das mais populosas, com pouco mais de 5 mil habitantes. Foi totalmente destruída, e o local, usado por Israel para a construção da colônia judia de Or Yehuda. “Minha mãe estava grávida de mim, e havia muitas notícias de que, quando eles chegavam às vilas, buscavam especialmente as grávidas para matar. Fomos de vila em vila, caminhando, até que chegamos aqui”, conta, evocando uma imagem contada por quase todas as testemunhas da Nakba: a de famílias inteiras caminhando pelas estradas, sem rumo, parando em diversos vilarejos antes de se fixar em algum lugar. Quando perguntado sobre a primeira imagem que tem da Nakba, Dahoud Badr descreve uma cena parecida. Hoje militante de uma associação que luta pelos direitos dos palestinos expulsos de suas terras nos territórios ocupados em 1948 por Israel, ele tinha apenas seis anos de idade quando os exércitos sionistas invadiram a vila de Ghabisyah, próxima a Acre. “Andávamos eu e minha família, sempre para lá [aponta o Norte]. Uma hora, não aguentei mais; meu tio, então, colocou-me nos ombros, até que chegamos a uma vila. Depois, paramos em mais umas três até chegarmos quase no Líbano”. Minutos depois, Badr se corrige. “Na verdade, a primeira imagem que eu lembro, logo após a invasão, é da minha mãe com as mãos na cabeça”. Tentativa de voltar De acordo com dados do relatório 2008/2009 da Badil, organização que se dedica aos direitos dos refugiados palestinos, a Organização das Nações Unidas (ONU) registrou pouco mais de 900 mil palestinos que se tornaram refugiados entre 1947 e 1950. Estima-se que a esse número se somem outros 300 mil não registrados. Muitos foram para países próximos, como Arábia Saudita, Síria, Jordânia, Egito e Líbano. “A maioria vive, até hoje, em um raio de 100 km das fronteiras de Israel ou da
Números Hoje, há cerca de 7,1 milhões de refugiados palestinos em todo o mundo, o que representa 67% de toda a população palestina (10,6 milhões). Desses, apenas 427 mil continuam no interior da “Palestina histórica”, ou seja, o que hoje é Israel, Faixa de Gaza e Cisjordânia. O maior grupo de refugiados tem origem na Nakba – cerca de 5,7 milhões, englobando os expulsos e seus descendentes. Samir Abed-Rabbo é um deles. Sua família vivia na vila de Yasour, próxima à cidade portuária de Asdud, onde hoje está a colônia judia de Hazor Ashdod. “Foram expulsos em 1948 e passaram por 11 cidades antes de chegarem a um campo de refugiados no norte de Jerusalém. No começo, viviam em barracos. Depois, a ONU construiu pequenos quartos e, aos poucos, conseguiram construir uma casa”, conta. A maior parte dos campos de refugiados palestinos, devido às seis décadas de ocupação e não solução da questão, converteu-se em cidades. Boa parte das famílias conseguiu construir casas. As condições de vida, porém, são precárias e os índices de desemprego, altíssimos. Por isso, somente 20% dos refugiados hoje vivem nos 58 campos da ONU, espalhados pela Faixa de Gaza, Cisjordânia, Jordânia, Líbano e Síria. Samir sequer teve a chance de continuar junto com os pais no campo em Jerusalém. “Em 1974, tive a oportunidade de ir aos EUA para estudar. Depois, tentei voltar e Israel não permitiu”. Como se fixou nos EUA e possui passaporte estadunidense, ele consegue ficar na Palestina por apenas três meses, com um visto de turista. Hoje, além de professor universitário, Samir milita em uma organização que luta pelo direito de retorno dos palestinos a seu território, a alAwda. “E não é só de voltar, do direito de viver em nosso próprio país que estamos falando, mas também de ter assegurado nosso direito à au-
Dafne Melo
Vista do campo de refugiados de Jalazon, ao norte da cidade de Ramallah, na Cisjordânia
Reprodução
Dafne Melo da enviada a Haifa e Ramallah (Palestina)
Faixa de Gaza e Cisjordânia, onde eram seus lugares de origem em 1948 ou 1967”, explica Ingrid Jaradat Gassner, diretora da Badil. O motivo dessa proximidade é que muitos acreditavam que seria possível voltar a suas terras em pouco tempo. Badr conta que, após pensar em se refugiar no Líbano, sua família voltou à vila de origem. “Uma hora, minha mãe afirmou que não ia cruzar a fronteira, que, se todos quisessem seguir, podiam deixá-la ali, pois estava decidida a morrer na Palestina. Boa parte da minha família decidiu ficar”. Quando voltaram a Ghabisyah, a vila não estava totalmente vazia, pois outros já haviam voltado. Dois anos depois, as Forças Armadas israelenses voltaram e pediram para que saíssem em 72 horas. Os moradores entraram com uma ação na Justiça e a própria Suprema Corte de Israel autorizou o retorno dos palestinos. Pouco tempo depois, uma nova ordem de despejo foi dada. David Ben-Gurion, então primeiro-ministro de Israel, declarou que a área era de interesse militar e, por isso, deveria ser evacuada. Até hoje, a vila se encontra abandonada. Arames farpados e placas de metal foram postos ao redor da mesquita, as oliveiras centenárias foram arrancadas, tendo pinheiros plantados no lugar. “São árvores que estragam a terra. Como era uma vila que sobrevivia da agricultura, foi uma forma de fazer com que a gente não voltasse mais”, explica Badr.
todeterminação, à soberania, de sermos compensados pelas perdas materiais e de se criar a possibilidade de termos um Estado democrático, com nossas próprias instituições políticas”, define. A volta dos refugiados palestinos, porém, é um dos temas mais evitados por Israel. Uma das maiores preocu-
pações dos sionistas, quando ainda programavam a ocupação, era a de garantir o que chamavam de “equilíbrio populacional”, ou seja, fazer com que o número de árabes fosse o menor possível e sempre mantido sob controle. A volta dos refugiados, nesse sentido, seria um pesadelo.
Problemas e soluções Ingrid Jaradat explica que, até hoje, só houve duas tentativas de se resolver a questão dos refugiados. Uma primeira rodada de negociações foi feita ainda entre 1949 e 1952, com base na resolução 194 da ONU, que afirma o direito de retorno. Ao longo dos anos, Israel sempre alegou questões de segurança para descumprir a determinação. Uma segunda rodada foi realizada entre 1991 e 2000, durante os chamados Acordos de Oslo. Ambas tentativas falharam, “em grande parte, devido ao fato de que Israel rejeita o retorno como uma medida de salvaguardar uma maioria judia dentro de seu território e para não abrir mão de toda a terra confiscada que pertence a esses refugiados”, explica Ingrid, que também considera a
falta de vontade política da comunidade internacional – em particular a União Europeia e os EUA – decisiva para que a questão não seja resolvida. Para ela, na atual situação em que se encontra o conflito Israel-Palestina, é impossível encontrar uma solução para os refugiados. “A raiz da questão é o sistema racista institucionalizado, ou seja, o apartheid imposto por Israel, que não permite esse retorno e a restituição de terras. Somente com o fim do apartheid sionista é que isso se resolverá. E isso não é um assunto de diplomacias, mas de luta contra a ocupação, colonização e apartheid israelenses”. Samir concorda: “O sionismo é uma ideologia colonial, racista e violenta que deve ser combatida assim como o apartheid na África do Sul, que foi o resultado, igualmente, de uma ideologia colonial, racista e violenta. As mudanças só puderam ocorrer na África do Sul quando ele foi eliminado, o direito dos negros restaurado e uma república para todos os cidadãos da África do Sul estabelecida. Isso é exatamente o que precisamos aqui”. O professor universitário explica ainda que essa solução não tem como premissa a expulsão dos judeus. “Não estamos dizendo que os judeus ou israelenses devem ser privados de sua nacionalidade ou cidadania, mas estamos dizendo: vamos escrever uma nova página e seguir em frente. Os israelenses podem manter suas cidadanias em uma nova república, mas os palestinos também deverão ter os mesmos direitos”, conclui.
Al-Nakba, a shoá palestina Reprodução
Ações israelenses contra a população árabe preenchem todos os requisitos que configuram, segundo a ONU, uma limpeza étnica da enviada a Haifa e Ramallah (Palestina) Na língua iídiche, falada por judeus na Alemanha, o Holocausto é chamado de shoá, palavra que significa “calamidade”. Para os árabes, a ocupação israelense de 1948 é chamada de nakba, que, em árabe, possui significado similar: catástrofe. Tal como a shoá para os judeus, a Nakba é o maior trauma para os palestinos. Mais do que o assassinato de mais de 15 mil pessoas em massacres, a destruição de 521 vilas árabes e o deslocamento de cerca de 800 mil pessoas (números oficiais da ONU relativos apenas a 1948), a Nakba foi uma limpeza étnica que, de acordo com as Nações Unidas, é definida pela transferência massiva de uma população de forma sistemática, coerciva e deliberada, com o objetivo de alterar a composição demográfica de uma região e, particularmente, quando há por trás uma ideologia que justifique a dominação de um grupo sobre o outro. Para Ingrid Jaradat, da organização Badil, a ocupa-
Ingrid Jaradat chama a atenção para o fato de que a Nakba segue ocorrendo na Palestina. A política de expulsão sistemática da população palestina continua na ordem do dia ção israelense preencheu – e continua preenchendo – todos esses requisitos. “Desde 1948, Israel usa essa política para impedir os palestinos de efetivarem seu direito de autodeterminação. Israel os expulsa de suas terras e impede seu retorno com o propósito de colonizar e estabelecer uma maioria judia no território”, defende. Expulsão permanente Ela ainda chama a atenção para o fato de que a Nakba segue ocorrendo na Palestina. A política de expulsão sistemática da população palestina continua na ordem do dia. Além do
bloqueio à Faixa de Gaza, os palestinos na Cisjordânia convivem diariamente com o confisco de terras, a demolição de casas (mais de 25 mil desde 1967), o controle sobre a água, estradas e fronteiras e o estabelecimento de checkpoints (bloqueios militares) em todo o território. Ao mesmo tempo, o Estado de Israel segue estimulando a imigração judia. No entanto, como esta tem sido cada vez menor, o governo israelense incentiva a vinda de não judeus de países do Leste europeu, Rússia e América Latina, para seguir com a política de criação de
colônias e dispensar o uso da mão-de-obra palestina. “Desde 1948, Israel aprova leis para assegurar o direito de retorno dos judeus [Lei do Retorno de 1950]. Ou seja, apenas judeus têm direito a estar nessa terra que eles chamam de ‘Grande Israel’ e ao Estado que eles definem como ‘judaico e democrático’. De acordo com as leis israelenses, entretanto, os palestinos não podem se tornar cidadãos desse país simplesmente porque não são judeus”, protesta Ingrid. De acordo com ela, os árabes que ficaram em Israel após 1952 foram transformados em “cidadãos de segunda classe”, de acordo com as Leis de Cidadania. “Essa mesma lei proibiu o retorno dos palestinos, e os refugiados se transformaram em pessoas sem Estado; mais uma vez, prova da violação das leis internacionais por parte de Israel”, finaliza. (DM)
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de 15 a 21 de julho de 2010
américa latina
“Estão nos matando pouco a pouco” MÉXICO Município autônomo indígena de Oaxaca sofre com assassinatos de suas lideranças e cerco paramilitar Giovanna Gasparello
Matteo Dean da Cidade do México
“Essa atenção pouco se concentrou na crise humanitária de grandes proporções vivida no município autônomo” O isolamento Entrevistado sob as lonas da barraca que os integrantes do município autônomo de San Juan Copala mantêm no Zócalo, na Cidade do México, Marcos Albino explica a longa campanha de difusão que empreendem desde novembro do ano passado: “São seis meses que estamos fora de nossa comunidade, tentando fazer com que nossa situação fique conhecida”. Nesse longo período, relata, “não voltei a pisar na minha comunidade”. San Juan está completamente cercado pelos grupos paramilitares da Unidade de Bem-Estar Social da Região Triqui (UBISORT), afiliados ao Partido Revolucionário Institucional (PRI) e, em particular, ao atual governador do estado de Oaxaca, Ulises Ruiz Ortíz. Albino explica que “não podemos transitar, não há comunicação com os companheiros de lá”. Para chegar ao município, descreve, é preciso passar por uma trilha na floresta para evitar os paramilitares. “Mas, ainda assim, às vezes os encontramos”, esclarece. Desde novembro, não há luz nem água potável nas comunidades do município. A isso, agregase a falta de condições para se comprar víveres em zonas comerciais da região. Além disso, Albino denuncia que as crianças “não estão tendo educação e não existem centros de saúde que nos atendam”. Acerca da campanha nos meios de comunicação que o governo do estado orquestrou contra San Juan Copala, Albino destaca que o Executivo “tenta criar confusão, acusando o município de querer criar autoatentados”. O objetivo das caravanas de direitos humanos, então, é levar víveres e romper o cerco, mas, também, “documentar a situação para que o mundo veja a realidade através da voz das pessoas da comunidade, e não apenas por meu testemunho”. A mesma preocupação é expressada por Venegas, do Vocal, que diz que o estado de Oaxaca é o que está por trás
Reprodução
VIVER EM San Juan Copala, hoje, “é estar morrendo em vida. Há um verdadeiro estado de sítio organizado pelos paramilitares, que rodeiam a comunidade e a está matando pouco a pouco”. Segundo Marcos Albino, membro da delegação do povo triqui presente na Cidade do México para promover a causa do município autônomo, a situação que vive San Juan Copala, no estado de Oaxaca, desde novembro do ano passado, “é uma crise humanitária” para a qual é urgente voltar a atenção. David Venegas, do coletivo Vozes Oaxaquenhas Construindo Autonomia e Liberdade (Vocal), concorda: “O atentado de 27 de abril [contra uma caravana de observação de direitos humanos, deixando duas pessoas mortas] chamou muito a atenção dos meios de comunicação e da opinião pública”. No entanto, “essa atenção pouco se concentrou na crise humanitária de grandes proporções vivida no município autônomo”. Tal situação, segundo o ativista oaxaquenho, não acabou em 27 de abril. Do contrário, “fortaleceu-se após o atentado”. Giovanna Gasparello
O governo do Estado busca justificar uma militarização do território para poder acabar com a experiência autônoma
Desde novembro, não há luz nem água potável nas comunidades do município. A isso, agrega-se a falta de condições para se comprar víveres em zonas comerciais da região da violência paramilitar e que este já encontrou uma explicação e uma estratégia comunicativa para se defender em nível internacional: dizer que é o próprio município que busca ser mártir e organiza a violência contra o governo. Tais argumentos, para Venegas, servem “para justificar uma possível militarização do território para poder acabar com a experiência autônoma”. Mais violência Ele alerta ainda que a violência depois do atentado de 27 de abril contra a caravana de observação de direitos humanos não diminuiu, e sim aumentou. Provas disso são os ataques que os indígenas de San Juan Copala sofreram no mês de maio. Marcos Albino detalha também o sequestro de “11 companheiras que tentavam chegar à cabeceira municipal de Juxtlahuaca para comprar víveres”. Foi em 15 de maio, quando 35 mulheres triquis de San Juan Coapala tentaram romper o cerco ao município autônomo, “pois não é mais possível viver nessas condições”. Ao chegar ao local, duas integrantes do grupo foram rodeadas por homens armados e levadas às instalações do município para que o dirigente da UBISORT, Rufino Juárez, as recebesse. Ali, depois de serem ameaçadas de morte e receberem a advertência de que não voltassem porque poderiam sofrer alguma embosca-
da, as duas conseguiram escapar e se reunir com suas companheiras. Então, conta Albino, as mulheres conseguiram entrar em contato com as autoridades do de San Juan, que, imediatamente, exigiram proteção a elas ao secretário de Governo do estado de Oaxaca, Evencio Nicolás Martínez. A proteção chegou no dia seguinte, sob a forma de uma comissão de direitos humanos do estado e alguns policiais. Segundo o testemunho de Albino, estes levaram as indígenas triquis apenas até a comunidade de Yosoyusi, afirmando: “elas já estão em seu território, agora, a responsabilidade é de vocês”. A situação se complicou muito, pois as mulheres queriam se reunir com as famílias e filhos deixados três dias antes em suas casas. No entanto, não havia meios para transportá-las.
ga marcha das 35 mulheres foi interceptada por um grupo armado da UBISORT, que reteve 12 delas pelo período de pouco mais de dez horas, ameaçando-as e as mantendo ajoelhadas e sob a mira de pistolas nas instalações de um quartel militar abandonado. Depois da liberação das mulheres triquis, a violência não parou. Em 20 de maio, Timoteo Alejandro Ramírez, dirigente do município autônomo de San Juan Copala, e sua esposa, Cleriberta Castro, foram assassinados em sua própria casa “por pistoleiros que as testemunhas oculares identificaram como sendo integrantes do Movimento de Unificação de Libertação Triqui (MULT), próximo à UBISORT”. Marcos Albino lembra que “Alejandro Timoteo era um dos maiores impulsionadores de nossa autonomia”. Sua morte “é algo muito triste para nós, pois ele era um ponto de referência para quem acreditava na justiça e no autogoverno”, diz, aproveitando para recordar que, da declaração de autonomia de San Juan Copala, em 1º de janeiro de 2007, até agora, a experiência autônoma dos triquis de Oaxaca já sofreu mais de 30 assassinatos.
Premeditação Finalmente, o grupo decidiu caminhar pela rodovia federal rumo a sua comunidade de origem, a quase uma hora de distância em automóvel. Albino não esconde sua revolta: “Eles sabiam onde as estavam deixando, sabiam perfeitamente que entre a localidade onde as deixaram e suas casas estava La Sabana, a comunidade onde ocorreu o atentado de 27 de abril”. Uma provocação, segundo o integrante do município autônomo, que surtiu efeito: a lon-
A autonomia David Venegas, participante da caravana que em 27 de abril foi brutalmente atacada por paramilitares da UBISORT, explica que, neste momento, em Oaxaca, “onde as feridas de 2006 ainda estão abertas”, a experiência de San Juan Copala é muito importante, porque é produto da insurreição de 2006; em parte, é resultado da acumulação do povo triqui, que aprendeu que a autonomia é o melhor caminho para se viver fora do capitalismo.
“O ataque a San Juan Copala”, continua, “é importante para o governo, que não quer que essa experiência se converta em um precedente exitoso, um exemplo para as demais comunidades indígenas e organizações populares que o ameacem de perder o controle político sobre o território”. Para “os autônomos”, diz Marcos Albino, “a autoridade é a base, através da assembleia geral”, que elege seus representantes, o presidente municipal autônomo, seu suplente etc. “Mas eles não são a autoridade, e sim o povo. É o povo que dá o sim ou o não para que as coisas se façam”. A assembleia se reúne a cada mês ou a cada 15 dias, de acordo com a necessidade. O cargo máximo é atribuído a uma pessoa. Albino esclarece que, “se essa pessoa não acata as decisões da assembleia, ela é substituída. Esta é, para nós, a autonomia”.
“O que um governador de Oaxaca conhece da vida dos de baixo? Eles agem pelo poder e pelo dinheiro, coisas que não nos interessam” Para ele, autonomia significa, também, distância dos partidos políticos. “Não temos períodos eleitorais, não nos importamos com isso”, insiste, agregando que, se os partidos se interessam pela eleição, “que façam o que quise-
rem, mas não em nosso município”. Para os autônomos, todos os partidos são iguais, pois “tivemos experiências muito amargas com essas coisas para cairmos nessa outra vez”. No entanto, Albino afirma que “o que nos interessa mesmo desse processo é o fato de que, por causa das eleições, eles estão nos ameaçando, pressionando as comunidades triquis e o município autônomo. Isso, sim, nos preocupa”. Por essa razão, “não impedimos que, quem quiser, que se solidarize conosco, mas não permitiremos a ninguém levar suas bandeiras ou símbolos de partido: se forem deputados ou senadores, isso não importa, mas que não levem suas bandeiras. Se não quiserem se solidarizar por nossa autonomia, que o façam pelas pessoas que sofrem hoje”. Acerca das relações entre a base (assembleia geral) e seus representantes, Marcos Albino é claro: “Esta é a diferença que temos com o MULT e com a UBISORT: seus líderes fazem e desfazem segundo seu próprio gosto, sem consultar o povo. Mas o povo não tem culpa. É como no caso do MULT: o povo não tem culpa, a responsabilidade é dos dirigentes, são eles que estão dirigindo mal a organização, não a população triqui”. Ele conclui dizendo que a única coisa que querem é viver livres e em paz. “Não estamos tirando-lhes dinheiro ou poder. Não lhes pedimos nada. Simplesmente queremos que nos respeitem e nos deixem nos autogovernar”. E pergunta: “O que um governador de Oaxaca conhece da vida dos de baixo? Eles agem pelo poder e pelo dinheiro, coisas que não nos interessam”. (Desinformémonos) Tradução: Igor Ojeda