Circulação Nacional
Uma visão popular do Brasil e do mundo
Ano 8 • Número 395
São Paulo, de 23 a 29 de setembro de 2010
R$ 2,80 www.brasildefato.com.br Moacyr Lopes Júnior/Folhapress
Massacre de palestinos em Sabra e Chatila faz 28 anos Entre os dias 16 e 18 de setembro de 1982, forças da extrema-direita cristã, no Líbano – os falangistas –, entravam nos campos de refugiados de Sabra e Chatila, em Beirute, causando o massacre de pelo menos 2 mil palestinos, a maioria crianças e mulheres. A ação, que até hoje continua impune, contou com a participação direta e ativa do Exército israelense, que ocupava a capital libanesa. Pág. 12
Na Bolívia, lei quer combater o racismo na grande mídia Após um longo processo de debate promovido pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados, o Projeto de Lei contra o Racismo e toda forma de Discriminação já está em trâmite no Senado boliviano e recebe duros ataques dos meios de comunicação comerciais. Pág. 10
Consensos e polêmicas da esquerda nas eleições Debate entre candidatos à presidência da República realizado pela Rede TV
Às vésperas das eleições gerais, fica clara a percepção de que os escândalos midiáticos se sobrepuseram ao debate político. Nesse cenário, intelectuais e movimentos sociais divergem sobre o aspecto desse processo. Para alguns, a campanha foi marcada por projetos antagônicos, representados pelas candidaturas de Dilma Rousseff e José Serra. A primeira configuraria
a manutenção das conquistas do atual governo, enquanto a última implicaria em um retrocesso. Outra leitura aponta que há uma “convergência programática” em curso no país desde o primeiro governo Lula. Desse modo, PT e PSDB apenas disputam para ver quem é o mais capaz de gerir o modelo atual, baseado nos interesses do mercado financeiro. Págs. 4 e 5 Reprodução
A favela filmada na perspectiva da favela
A vida de um inocente perseguido na Colômbia
Sete jovens cineastas moradores de comunidades pobres do Rio de Janeiro chegaram ao Festival de Cannes com um filme que mostra suas vidas como elas realmente são. Dividido em cinco episódios, o longametragem 5x favela, agora por nós mesmos, lançado em agosto, narra histórias do dia a dia no morro sob o ponto de vista de seus “diretores-moradores”. Pág. 8
O eletricista colombiano Carlos Alirio Peña García é um dos muitos que vivem sob a ameaça da perseguição política em seu país. No dia 15 de maio de 2009, ele sofreu uma prisão arbitrária, acusado de colaboração com a guerrilha. Depois de um ano na cadeia, hoje, o trabalhador se encontra preso em sua casa. De acordo com o advogado Edgar Montilla González, o que determina as capturas na região são os avisos dos informantes, geralmente pessoas que se retiram da guerrilha e passam a atuar a serviço do Exército colombiano. Pág. 11
País começa a discutir o uso de agrotóxicos e suas consequências para a saúde do trabalhador rural e do consumidor urbano
Seminário joga luz sobre a expansão dos agrotóxicos De forma silenciosa, a população brasileira está sendo envenenada pela expansão do uso de defensivos agrícolas. Estudos da Agência Na-
cional de Vigilância Sanitária (Ansiva) e da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) já apontam para um aumento dos casos de intoxicação,
enquanto pesquisadores alertam para a insuficiência dos estudos já feitos sobre os riscos desses produtos. O assunto foi tema do “Semi-
nário Nacional contra o uso dos Agrotóxicos”, realizado pela Via Campesina, entre
ISSN 1978-5134
PCO
Fra Avo/CC
Em Cuba, uma nova economia para fortalecer o socialismo O anúncio de mudanças no modelo econômico cubano, feito no dia 13 pela Central de Trabalhadores de Cuba, gerou especulações na mídia internacional, incluindo a brasileira, sobre o possível “fim do socialismo” no país. No entanto, para analistas ouvidos pelo Brasil de Fato, a demissão de 500 mil trabalhadores estatais e a abertura à pequena iniciativa privada não representam uma volta ao capitalismo. Pelo contrário: segundo eles, as mudanças são uma maneira de consolidar o sistema vigente na ilha. Pág. 9 Engraxate trabalha em rua de Havana
de um partido operário. Pág. 3
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editorial A VELHA imprensa, como se refere o jornalista Rodrigo Vianna à mídia burguesa, já é a grande derrotada no processo eleitoral de 2010. Era inimaginável que a participação da chamada grande mídia, neste pleito, fosse tão grotesca. Desta vez, escancarou seu partidarismo, jogou na lata do lixo qualquer compromisso com a verdade, flerta abertamente com seu passado golpista e mostrase ávida pelos tempos de tranquilidade que o regime ditatorial lhe assegurava. Fracassou até mesmo a tentativa de ser um eficiente partido de oposição ao governo Lula, frente à fragilidade dos partidos políticos que não compõem a base de apoio governamental, como ressaltou a presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e também diretora-superintendente da empresa Folha da Manhã, que publica o jornal Folha de S. Paulo, Judith Brito. Estão promovendo a mais odiosa campanha política desde a abertura democrática de 1985. Não hesitam em disseminar difamações e injúrias, promover assassinatos de reputações e fazer acusações sem qualquer elemento que ateste a veracidade das mesmas. Recorrem a um receptador de carga de mercadorias e carro roubado, já condenado pela justiça, para estampar na capa dos seus diários e em telejornais acusações infundadas.
debate
Democratizar a mídia Um vínculo, mídia burguesa e meliante, que será lembrado por anos, como foi o boicote que a rede Globo promoveu contra a Campanha das Diretas Já, em 1984, e o uso dos caminhões de distribuição do jornal Folha de S. Paulo para emboscar militantes da esquerda durante a ditadura militar. Mas o desespero da velha mídia não se deve apenas à possível vitória da candidata petista Dilma Rousseff, já no primeiro turno, dia 3 de outubro. A crise se deve porque suas expressões partidárias, Democratas e PSDB, parecem ter chegado também ao fim da linha. Os DEMos, ex-Arena e ex-PFL, nasceram e se fortaleceram sob a sombra de governos ditatoriais. Foram socorridos em 1994 pelo tucano FHC. Mas, na época, já demonstravam dificuldades para sobreviver em processos eleitorais democráticos. Mudaram de nome – de PFL para Democratas – na vã tentativa de fugir do momento em que seriam expelidos do cenário político do país. Filhotes da ditadura militar, há oito anos alijados da maquina estatal federal e incapazes de apresentar propostas de desenvolvimento social e econômico que pudessem beneficiar
o povo brasileiro – seria contradizer sua natureza –, só lhes restou a alternativa de fazer campanhas eleitorais com mentiras e acusações infundadas. Já o PSDB virou refém e vítima de suas próprias construções. Primeiro, achou que o férreo controle que impôs à velha mídia, em troca de milionários repasses financeiros ao oligopólio da comunicação, seria suficiente para mascarar a realidade e concretizar obras políticas que nunca realizou enquanto foi governo. Segundo, os tucanos apresentaram a cidade de São Paulo como a maior vitrine do que chamam de êxito em administração pública. No programa eleitoral, aparecia o metrô de primeiro mundo, dois professores em sala de aula, uma eficiente política de segurança pública, políticas sociais e preocupação com a população mais carente... Apenas esqueceram que o paulistano que via seus programas na TV é o mesmo que pega o metrô superlotado todos os dias, que testemunha um dos piores sistemas de ensino do país, que viu o governo se notabilizar, mesmo que a mídia não mostrasse em seus noticiários, por
reprimir violentamente as mobilizações dos professores. Terceiro, os tucanos paulistas continuam se comportando como se fosse o Partido Republicano Paulista (PRP), da República Oligárquica, não admitindo qualquer outra liderança fora de suas fronteiras estaduais. Especialista em elaborar dossiês para implodir possíveis concorrentes dentro das próprias fileiras tucanas, Serra se tornou, nas palavras do jornalista Luís Nassif, uma “liderança destrambelhada e egocêntrica, atuando à sombra das conspirações subterrâneas”. Perfil político complementado pelo deputado Brizola Neto, quando afirma que o candidato tucano é um homem a quem a sede de poder e o mando encolheu, minguou, deformou até transformá-lo numa mórbida caricatura do seu passado. Ainda mais: “é um cadáver insepulto, que exala os miasmas do golpismo”. Mas este processo eleitoral traz também resultados positivos para novas conquistas democráticas em nossa sociedade. Estas eleições estão marcadas pela entrada em cena da eficiente e dinâmica rede de blogueiros, novas formas de comunicação pela internet e jornais inde-
análise
Wladimir Pomar
O futuro da esquerda
pendentes que minaram o poderio da velha imprensa. No entanto, é preciso não subestimar o poder do oligopólio da mídia – tão atrasado e antidemocratico quanto o da terra. É necessário avançar na adoção de políticas que realmente assegurem a democratização da comunicação em nosso país. Infelizmente, os que ocupam cargos políticos, em sua maioria, mostram-se receosos e se acovardam frente ao poderio dos que monopolizam as comunicações. Já é hora de promover uma profunda mudança na Lei Geral das Comunicações, assegurando seu controle social, promovendo o arejamento e a modernização deste setor atrasado e oligárquico, de atuação antidemocrática. Soma-se a essas mudanças a bandeira pela universalização da banda larga de acesso à internet. Mudanças que permitam ao povo deixar de ser um passivo receptor para tornar-se um agente ativo de comunicação. E é exatamente em respeito ao direito do povo brasileiro à informação que, na noite do dia 21, o Brasil de Fato promoveu seu primeiro debate com os candidatos presidenciais que, coerentes com suas trajetórias históricas e defensores dos interesses da classe trabalhadora, foram completamente alijados dos debates eleitorais pela velha imprensa.
Roberto Malvezzi (Gogó)
A cobrança pela água no São Francisco COMO ESTAVA previsto na lei nacional de Recursos Hídricos 9433/1997, a cobrança pelo uso da água começa a se difundir pelo Brasil. Ela se torna possível quando é criado um comitê de bacia e esse comitê cria sua agência de Águas, isto é, um corpo técnico que se torna responsável pela implementação da cobrança. Entretanto, a cobrança é uma decisão do comitê. O São Francisco começa, neste mês, a cobrar pela água, o que tem deixado muita gente preocupada. De fato, a cobrança pela água é muito mais complexa do que se pode imaginar à primeira vista. Os chamados usuários – qualquer ente físico ou jurídico que utilize águas de um determinado corpo d’água, como irrigantes, indústria, serviços de saneamento, etc. – terão que pagar por ela, desde que esteja acima do chamado “uso insignificante”, que no São Francisco foi determinado em quatro litros por segundo. Acima disso, qualquer usuário terá que receber uma outorga e terá que pagar por cada metro cúbico utilizado. Mas não paga apenas pelo que capta, pagará também pelo que devolve ao corpo d´água em forma de efluentes. Quanto mais limpa for a água captada, mais caro se paga. Quanto mais suja for a água devolvida, mais caro se paga. Quando o uso é “consuntivo”, isto é, a água retirada não volta mais àquele corpo d’água, como é o caso da Transposição, ainda mais caro se deve pagar.
O FIM da civilidade, decretado pela direita tucano-pefelista, neste último mês de campanha, está trazendo à luz pelo menos três aspectos da realidade brasileira. Primeiro, a natureza reacionária e antidemocrática dos novos representantes políticos da burguesia financeira e da burguesia agrária. Segundo, a oposição de grandes parcelas das camadas populares e das classes médias a tal reacionarismo. E, terceiro, as clivagens da esquerda diante dessa polarização. A nova direita política é, em grande parte, formada por parcelas oriundas da intelectualidade política democrática e de esquerda que se defrontaram com a ditadura militar. No curso da emergência das lutas operárias e populares e da formação do Partido dos Trabalhadores (PT), assim como da ofensiva ideológica e política do neoliberalismo, muitos de seus membros se transformaram no oposto do que representaram no passado. Com isso, repetem uma experiência histórica peculiar da esquerda brasileira, que teve em Carlos Lacerda seu expoente mais significativo. Quem conheceu esse personagem da história brasileira certamente se lembrou dele ao assistir ao candidato Serra deblaterando sobre a suposta tolerância de Lula com “quem rouba”, e qualificando a candidata Dilma de “envelope fechado”. A grande desvantagem de Serra é que ele não tem a oratória de Lacerda, nem um ambiente de conspiração militar generalizada. Mas a natureza golpista e reacionária é a mesma. Essa truculência tucano-pefelista também está colocando em evidência algo que uma parte da esquerda se nega a ver. Isto é, que
grandes massas do povo brasileiro consideram as atuais eleições como um acerto de contas com a herança de FHC (Fernando Henrique Cardoso) e depositam uma firme confiança em Lula e no PT. Ou seja, além de encararem as atuais eleições como polarizadas e plebiscitárias, grandes parcelas do povo estão convictas de que as mudanças implantadas pelo governo Lula, mesmo contendo erros e problemas, relacionados ou não com suas alianças políticas, apontam para um caminho seguro de transformação social e política. Uma parte da chamada esquerda democrática se encontra perdida na enseada tucano-pefelista, sem se dar conta de que está dormindo com o inimigo. É doloroso ver candidatos dessa esquerda, com discursos de mudanças democráticas e populares, sendo apresentados por FHC, Serra, César Maia e outros personagens que quase quebraram o Brasil e levaram o povão ao desemprego e à miséria. A parte da esquerda que se considera revolucionária está na oposição. Embora procure se distanciar da direita que também é oposição, seu inimigo principal e alvo de seus ataques têm sido o governo Lula e a esquerda que apoia Dilma. Na prática, o povão acaba confundindo-a com seus inimigos de direita. A maior parte da esquerda, que apoia Dilma, também se debate diante da realidade complexa do país. Isto parece ser mais evidente dentro do PT, em que havia uma corrente que pregava abertamente a impossibilidade de uma eleição polarizada e trabalhava para construir pontes com o tucanato. A evolução da campanha eleitoral, apesar da
ausência de ataques petistas ao tucanato, está demonstrando que aquela corrente estava totalmente enganada, pelo desconhecimento da natureza antidemocrática e reacionária do tucano-pefelismo. Também é dentro do PT que continuam se apresentando brechas relacionadas com a tibieza em adotar procedimentos ideológicos, políticos e organizativos condizentes com um partido de esquerda que quer transformar o Estado e a sociedade. Um partido desse tipo não pode ter aloprados, filiados facilmente cooptáveis por dinheiro fácil, nem agentes infiltrados que possam navegar tranquilamente por suas fileiras. Se o PT não adotar procedimentos que o blindem contra os arrivistas e oportunistas que procuram fazer carreira em qualquer partido que seja governo, aquelas brechas podem se tornar voçorocas, deixando-o indefeso diante das armações que tendem a crescer nas disputas institucionais. Nestas condições, a vitória do PT e de Dilma não representarão apenas um acerto de contas com a ideologia e as políticas neoliberais, condensadas na candidatura Serra. Nem apenas um impacto muito sério na esquerda que se aliou à direita, formal ou informalmente, nos ataques ao governo Lula e à candidatura Dilma. Ela deverá representar também uma reestruturação ideológica, política e organizativa do PT, se esse partido quiser enfrentar com sucesso os desafios para aprofundar as mudanças democráticas, econômicas e sociais que as camadas populares reclamam. (www.correiocidadania.com.br) Wladimir Pomar é escritor e analista político.
O São Francisco começa, neste mês, a cobrar pela água, o que tem deixado muita gente preocupada O critério é o enquadramento dos corpos d’água, que de forma sintética classifica a qualidade da água. Aí entra outro fator complexo, já que a classificação é pelo DBO – demanda biológica por oxigênio – que indica a demanda de oxigênio que aquele efluente vai demandar do corpo d’água para processar seu material orgânico. Portanto, não são avaliadas questões chaves, como a contaminação por metais pesados. A água do São Francisco a ser captada pela transposição está classificada no nível 2, portanto, nem a melhor das águas, nem a pior. Além do mais, é um uso cem por cento consuntivo, já que nenhuma gota voltará ao São Francisco. O problema é que sua adução até os demais Estados demanda muita energia e manutenção dos canais e maquinários. Então, o governo, que sempre garantiu que essa água seria barata, agora quer impor redução no preço da água transposta. Resultado: os beradeiros do São Francisco poderão pagar mais caro pela água do rio que os receptores nos estados do setentrional. Discute-se também se para pôr um barco na água, para pescar, etc., esses pequenos usuários deveriam pagar. Pelo menos no comitê do São Francisco, ainda não. Porém, os pequenos agricultores mineiros estão apavorados porque agora têm que registrar suas minações, olhos d’água e outras formas de captação, mesmo que o uso seja insignificante e não tenham que pagar pelo seu uso. Enfim, agora água é mercadoria, tem valor econômico e será vendida como qualquer produto. Há quem defenda a cobrança pela água como uma medida pedagógica e disciplinar. Nós achamos que o mecanismo da cobrança não estabelece o uso equitativo da água – quem tiver outorga e dinheiro para comprar leva –, e que outros mecanismos seriam mais eficientes para disciplinar e fazer justiça pelo uso da água. Mas prevaleceram os interesses e a lógica do capital, embutidos em nossa lei de recursos hídricos. No futuro, quando toda água estiver mercantilizada, novas formas de fazer da água um negócio deverão aparecer. Prevíamos esses desdobramentos desde a Campanha da Fraternidade da Água em 2004. Agora estamos colhendo os frutos da implementação dessa lei e da política que ela nos trouxe. Roberto Malvezzi (Gogó) é assessor da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Igor Ojeda, Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Daniel Cassol, Eduardo Sales de Lima, Leandro Uchoas, Mayrá Lima, Patricia Benvenuti, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, Vinicius Mansur • Assistente de Redação: Michelle Amaral • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Edilson Dias de Moura • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Aurelio Fernandes, Delci Maria Franzen, Dora Martins, Frederico Santana Rick, José Antônio Moroni, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Sávio Bones, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800
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“Esta é uma das eleições mais antidemocráticas de toda a história” ENTREVISTA Para Rui Costa Pimenta, as restrições são inúmeras, e as perseguições políticas aos candidatos da esquerda, enormes Marcello Casal Jr/ABr
Nilton Viana da Redação PARA O CANDIDATO à presidência da República Rui Costa Pimenta, do Partido da Causa Operária (PCO), mesmo antes do início da campanha eleitoral, já era patente que seria uma eleição ganha pelo PT, tanto no caso de Dilma Rousseff como qualquer outro apadrinhado de Lula. Para ele, é importante ressaltar que esta é uma das eleições mais antidemocráticas de toda a história. Segundo Pimenta, a esquerda brasileira está constituída, no fundamental, de um ponto de vista geral, pelo PT, o qual, por uma série de circunstâncias políticas, vem ocupando o espaço de um partido operário. Porém, o candidato acredita que estamos em uma etapa de esgotamento das ilusões destes setores com o PT e que isso, depois, se estenderá às amplas massas. Em entrevista, o candidato afirma que o grande desafio da esquerda é a construção de um partido operário que seja a expressão teórica e prática das lutas e anseios da classe operária brasileira. “O restante da esquerda deve mostrar agora se é capaz de construir um verdadeiro partido de trabalhadores a partir deste esgotamento político”. E afirma: “É um momento crucial para toda a esquerda”. Brasil de Fato –Em 2008, uma grave crise atingiu o coração do imperialismo estadunidense. No entanto, aqui no Brasil, os efeitos foram, de certa forma, controlados pelo governo Lula, que a classificou “marolinha”. E, hoje, há na sociedade uma relativa sensação de que a economia brasileira está bem estabilizada. Você concorda com esse sentimento? Rui Costa Pimenta – De forma alguma. O modesto crescimento da economia, de pouco mais de 5%, tem um caráter artificial e já se vê ameaçado pela inflação. O Brasil carece de investimento efetivo há décadas. E a contradição expressa nos resultados da política econômica do governo comprova o quão absurda é a ideia de que, sob a ditadura dos banqueiros internacionais, o Brasil poderia seguir um rumo de crescimento “natural” dentro do regime capitalista. O Brasil não pode crescer, pois esbarra quase que instantaneamente no crescimento da inflação gerado pelo descompasso entre o crescimento da demanda e sua capacidade de produção industrial. O que está detrás disso é a falta de capacidade de investimento nacional capitalista, de poupança nacional, um fenômeno histórico. Esta sensação de estabilidade criada pelo governo Lula é totalmente artificial. O “crescimento” é, na realidade, um crescimento do PIB, que não é transferido para um verdadeiro desenvolvimento do país, para o desenvolvimento industrial, para a geração de empregos, para os serviços públicos e para aumento da qualidade de vida dos trabalhadores. Este “crescimento” está baseado na especulação financeira e beneficia exclusivamente o mercado financeiro, os bancos, os especuladores internacionais etc. Atualmente, a crise atinge principalmente os países da União Europeia. Você acredita que essa crise terá efeitos em nosso país? A crise, na verdade, já atingiu o país, mas não com a intensidade dos países europeus. É apenas uma questão de tempo. Como o governo ainda tem um fundo de caixa
A esquerda brasileira, na sua avaliação, vive um momento de crise? Se estamos falando do PT, estamos no início de uma etapa de grande crise. Para o restante, tudo vai depender de como vão se posicionar diante da crise do PT e da evolução das massas. Até o momento, predomina uma crise geral do movimento operário e popular e da esquerda ligada ao PT. O Programa Democrático Popular construído pelo PT em 1986 ainda está atual? O Programa Democrático Popular do PT nunca foi mais que uma política de defesa do atual regime político burguês. Era apenas um pretexto para a adaptação completa do partido ao regime político burguês, à conciliação de classes.
Militantes do MST fazem manifestação em frente à sede nacional do Incra, em Brasília
para gastar com os capitalistas, a crise tende a ficar mais controlada no Brasil. Mas, devido à instabilidade econômica dos países europeus, Estados Unidos e Japão, as vendas de produtos para o exterior, principalmente as commodities, já diminuíram e estão afetando a economia brasileira. O dado importante é que, sob o governo Lula, a dependência nacional (especulação, importação de matériasprimas) aumentou.
“Esta sensação de estabilidade criada pelo governo Lula é totalmente artificial” Como você avalia as consequências para o povo brasileiro? Serão as piores possíveis. Primeiro, porque a situação social é cada vez mais precária devido aos ataques sistemáticos aos direitos e condições de vida do povo. O governo vai ampliar os ataques aos trabalhadores aplicando medidas de cortes, assim como os países europeus, com redução de benefícios trabalhistas, aumento da aposentadoria, demissões etc., que já foram, inclusive, anunciados pelo governo Lula no início da campanha eleitoral. Como você avalia o atual modelo de desenvolvimento adotado no Brasil? A economia brasileira vem se mantendo desde os anos 1970, ao final do chamado “milagre” brasileiro, em uma situação de estagnação, fato que se expressa não apenas nos índices do PIB, mas sobretudo pelo desemprego, por volta de 10% da força de trabalho e na deterioração geral da infraestrutura. A economia nacional tem vivido uma lenta agonia, pois tanto a estagnação total quanto a retração econômicas são evitadas a todo custo pela burguesia, por ser uma fonte certa de crise social. A especulação com as matérias-primas e a consequente desindustrialização em função dos efeitos da valorização da moeda nacional sobre a indústria são a base da política atual do governo Lula. Não há investimento, pois todo o dinheiro ganho pelos capitalistas é aplicado no mercado financeiro, ou investido em aplicações muito lucrativas em fundos de especulação, mas não é revertido para a indústria. Mais importante ainda, o governo, que arrecada quase 40% do PIB, geran-
do uma gigantesca poupança nacional ou fundo de investimento, transfere, desde os anos 1970, toda esta poupança para os bancos, bloqueando completamente qualquer possibilidade de desenvolvimento nacional. Este é o resultado do “modelo”, se podemos chamar assim, de suposta associação entre o capital nacional e o imperialismo. E a América Latina? Como você avalia o atual cenário para a região? A América Latina será a região mais afetada pela crise devido à diminuição de investimentos, de importações etc. Países como o México, que possui uma relação mais estreita com os EUA, exportando mais de 80% de sua produção para o país vizinho, devem ser ainda mais prejudicados pela crise econômica estadunidense. Além disto, a América Latina, assim como as demais regiões de países “emergentes” ou “em desenvolvimento”, já estão sendo chamados para arcar com o ônus da crise. Para evitar que a crise se aprofunde em seu próprio país, os EUA tenta transferir a crise para os países mais pobres.
“O governo vai ampliar os ataques aos trabalhadores” Na América Latina, tem se falado muito no “socialismo do século 21”. Como você vê esse novo socialismo? Os governos que, como o de Hugo Chávez, falam em um novo socialismo, o “socialismo do século 21”, baseado no controle da burguesia nacional sobre determinados ramos da vida econômica do país, abusam da demagogia e se mantêm no poder graças ao fato de levarem à frente reformas sociais e acordos, de maneira muito restrita e incompleta, sob pressão, promovendo a nacionalização de determinadas indústrias e a estatização de parte dos serviços públicos, bem como uma magra distribuição de recursos à população na forma de auxílios e complementos da renda familiar. Estão pressionados pelos dois lados, seja pelo imperialismo, que procura arrancar o poder das mãos destes governos nacionalistas, seja pela classe operária, que exige cada vez mais concessões na luta contra a dominação imperialista da economia de seus países. Por exemplo, o governo Evo Morales, neste sentido, é o produto da derrota de uma ala da burguesia nacional
no conflito entre o imperialismo e a classe operária boliviana. É o “mal menor”, consequência da desorganização e da ausência de um verdadeiro partido operário revolucionário que pudesse guiar as massas até o poder. Como você avalia a esquerda brasileira nesse atual cenário? A esquerda brasileira está constituída, no fundamental, de um ponto de vista geral, pelo PT, o qual, por uma série de circunstâncias políticas, vem ocupando o espaço de um partido operário, de representação política da classe operária, e está entrando em uma nova etapa, onde se destaca a perda de lastro diante do setor mais avançado das massas. Estamos em uma etapa de esgotamento das ilusões destes setores com o PT e que, depois, se estenderá às amplas massas. O restante da esquerda deve mostrar agora se é capaz de construir um verdadeiro partido de trabalhadores a partir deste esgotamento político. É um momento crucial para toda a esquerda. A esquerda brasileira tem o conhecimento verdadeiro da realidade social do país? A compreensão real do país depende de uma compreensão científica do país. A única ciência social verdadeira é o marxismo. A compreensão deve ser medida pelos avanços que a classe operária fizer no sentido da construção do seu partido de classe. O registro negativo desta situação é o PT, em que toda uma ala da esquerda aderiu ao oportunismo, totalmente sem princípios, ao pragmatismo político mais rasteiro e enveredou pela corrupção material e ideológica. Este completo fracasso revela o esgotamento de toda uma corrente de esquerda, seja stalinista, seja filo-stalinista, seja antistalinista, cuja ideologia chegou a um esgotamento total. O PT anulou-se e tornou-se uma fachada para a dominação do que há de mais corrupto e antioperário na política nacional, que é o PMDB. Na sua opinião, quais são os elementos fundamentais, hoje, para um processo revolucionário conducente à superação do capitalismo? Isso é possível no atual cenário? O elemento fundamental é a crise histórica do capitalismo. E, como bem sabemos, está em marcha a maior etapa de crise capitalista de todos os tempos. Já há claros sinais de que os trabalhadores estão se mobilizando para um enfrentamento direto com a burguesia em diversos países. Um segundo fator seria a ruptu-
ra das massas trabalhadoras com as atuais direções conciliadoras e reacionárias do movimento de massas e o desenvolvimento das suas lutas. São elementos de que há um desenvolvimento de um processo revolucionário. No Brasil, este processo ainda está bastante incipiente, mas, nitidamente, há uma movimentação inicial de alguns setores do funcionalismo e mesmo da classe operária. O incipiente, no entanto, refere-se apenas ao movimento presente, pois as últimas três décadas foram de uma evolução sem paralelo no sentido da revolução. Quais são, na sua avaliação, os principais problemas do povo brasileiro e quais desafios colocados hoje para a esquerda brasileira? Do ponto de vista social, o desemprego e falta de uma reforma agrária são problemas de grande importância para o povo. Do ponto de vista político, um dos principais problemas do povo brasileiro é a sua organização política, pois é somente por meio desta organização que os trabalhadores e a população pobre poderão, de fato, se emancipar e terem seus interesses de fato atendidos. O grande desafio da esquerda é a construção de um partido operário que seja a expressão teórica e prática das lutas e anseios da classe operária brasileira.
“Sob o governo Lula, a dependência nacional (especulação, importação de matérias-primas) aumentou” Os instrumentos políticos da esquerda, principalmente partidos políticos, ao seu ver, têm sido capazes de fazer frente à atual realidade brasileira? Tudo vai depender da sua orientação política. Ou seja, da sua capacidade de expressar as tendências reais das massas. Isso para o momento seguinte, de intensificação das lutas. Para este período que se encerra, tanto sindicatos como partidos de esquerda estiveram, em grande medida, neutralizados para organizar uma luta em grande escala das massas. O predomínio do PT e a sua atuação em defesa do capital e do imperialismo predominou.
Como você avalia o cenário eleitoral deste ano? Mesmo antes do início da campanha, já era patente que seria uma eleição ganha pelo PT, no caso Dilma Rousseff, ou qualquer outro apadrinhado de Lula. Com isto, também se demonstra a completa falência da direita brasileira, no caso o PSDB, que não possui apoio popular nenhum, nem mesmo do hipercontrolado terreno das eleições. Este resultado também revela que a população está dando uma guinada à esquerda e que o próximo governo poderá ser fortemente pressionado pelos trabalhadores. Deste ponto de vista, é bastante positivo. Mas é importante ressaltar que esta é uma das eleições mais antidemocráticas de toda a história. Por meio do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e dos TRE’s (tribunais regionais eleitorais), e do monopólio da imprensa capitalista, estas eleições colocaram uma verdadeira mordaça sobre os partidos pequenos de esquerda. As restrições são inúmeras e as perseguições políticas aos candidatos da esquerda enormes. E como vê a atuação dos movimentos sociais no Brasil? É preciso diferenciar os movimentos que estão ligados diretamente ao governo Lula, por meio de suas direções, e os movimentos que estão atuando de forma independente das direções pelegas. Mas, no geral, há uma movimentação da base destes movimentos com as direções pelegas e a tendência de formação de oposições sindicais, estudantis e também dos movimentos de luta pela terra. PCO
Quem é Rui Costa Pimenta é candidato à presidência da República pelo Partido da Causa Operária (PCO). Iniciou a sua atividade política em 1976. Militou no movimento estudantil. Em 1980, participou do Congresso de Fundação da Organização IV Internacional, que daria origem à Tendência Causa Operária do Partido dos Trabalhadores. No final de 1979, participa do processo de fundação do Partido dos Trabalhadores. Em 1985, foi diretor da CUT. Já foi candidato a vereador, deputado federal e prefeito de São Paulo pelo PCO.
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brasil Valter Campanato/ABr
fatos em foco
Hamilton Octavio de Souza
Lucro fácil
Os especuladores financeiros que compraram títulos públicos brasileiros conseguiram ganho de 7,6% de janeiro até início de setembro, graças principalmente à taxa básica de juros – de 10,75% – definida pelo Banco Central. Como o capital estrangeiro tem mais de 16 bilhões de dólares nesses títulos, já dá para imaginar o tamanho da transferência da renda em 2010. É lucro não produtivo que deixará o Brasil.
Guerra besta
Segundo matéria do jornal The Washington Post, a ocupação do Iraque já custou aos EUA 3 trilhões de dólares, provocou aumento no preço do barril de petróleo com custo total acima de 250 bilhões de dólares e deixou uma dívida de pelo menos 500 bilhões de dólares para pagamento de assistência médica e invalidez aos veteranos da guerra. Sem contar os milhares de mortos – a grande maioria, cidadãos iraquianos.
Crise aberta
Dra. Cureau, investigue as contas da revista Veja MÍDIA Procuradora eleitoral exigiu da Carta Capital uma relação da publicidade do governo federal veiculada pela revista com base em “pedido de um cidadão” preocupado com o fato de a empresa receber dinheiro público para defender a candidatura Dilma Altamiro Borges NO DIA 16, a vice-procuradora-geral eleitoral, a controvertida Sandra Cureau, enviou ofício ao jornalista Mino Carta exigindo informações sobre a revista Carta Capital. Entre outros dados, ela cobra “a relação da publicidade do governo federal dos anos 2009/2010, os respectivos contratos, bem como os valores recebidos a esse título”. Cureau dá um prazo de cinco dias para que as informações sejam remetidas, “sob pena de responsabilização nos termos do artigo 8º, parágrafo 3º, da Lei Complementar nº 75/1993, cumulada com o artigo 330 do Código Penal”. A iniciativa causou estranheza e revolta. Conhecendo a figura, que ganhou notoriedade por sua perseguição implacável ao presidente Lula, ficou a sensação de que ela quer intimidar a única revista de circulação nacional que adota uma linha independente e crítica na imprensa brasileira. Ela alegou que apenas atendeu ao “pedido de um cidadão”, que denunciou que a revista “apoia o governo Lula e a candidatura Dilma e que, para tanto, receberia verbas do governo federal”.
“Se ela se dedicasse, porém, à mesma investigação junto às demais editoras, verificaria que todas elas têm publicidade de instituições do governo em quantidade muito maior” Outras apurações Mino Carta, um dos jornalistas mais respeitados do país, reagiu com ironia ao pedido de Cureau. “Se ela se dedicasse, porém, à
mesma investigação junto às demais editoras de jornais, revistas e outros órgãos da mídia, verificaria, talvez com alguma surpresa, que todas elas têm publicidade de instituições do governo em quantidade muito maior e com valor maior do que a Carta Capital”. Ele lembrou ainda do boicote promovido pelo governo FHC. “Fomos literalmente perseguidos pela absoluta ausência de publicidade”. Alguém, inclusive na mídia, se incomodou com isso? A atitude da dra Cureau é realmente muito estranha. Já que está tão interessada em averiguar a situação da mídia brasileira, bem que ela poderia pedir para abrir as contas da Editora Abril, do Grupo Folha, do Estadão ou das organizações Globo. Já que basta o “pedido de um cidadão”, os participantes do “ato contra o golpismo midiático e em defesa da democracia”, organizado pelo Centro de Estudos Barão de Itararé, deverão ingressar com pedidos para que a vice-procuradora eleitoral investigue a publicidade e outras fontes financeiras dos grupos monopolistas da mídia. Uma mãozinha Para agilizar seu trabalho, apresento alguns dados sobre a Editora Abril, que também edita uma revista, a Veja, que “apoia o candidato José Serra e que, para tanto, recebe verbas do governo estadual”. O levantamento foi feito pelo blog NaMariaNews, uma excelente fonte de informação sobre os negócios do atual governo paulista na área de educação. Numa minuciosa pesquisa aos editais publicados no Diário Oficial, o blog descobriu o que parece ser um autêntico “mensalão” pago pelo tucanato ao Grupo Abril e a outras editoras. Veja algumas das mamatas: – DO [Diário Oficial] de 23 de outubro de 2007. Fundação Victor Civita. Assinatura da revista Nova Escola, destinada às escolas da rede estadual. Prazo: 300 dias. Valor: R$ 408.600,00. Data da assinatura: 27/09/2007. No seu despacho, a diretora de projetos especiais da secretaria declara “inexigível licitação, pois se trata de renovação de 18.160 assinatu-
ras da revista Nova Escola”. – DO de 29 de março de 2008. Editora Abril. Aquisição de 6 mil assinaturas da revista Recreio. Prazo: 365 dias. Valor: R$ 2.142.000,00. Data da assinatura: 14/03/2008. - DO de 23 de abril de 2008. Editora Abril. Aquisição de 415 mil exemplares do Guia do Estudante. Prazo: 30 dias. Valor: R$ 2.437.918,00. Data da assinatura: 15/04/2008. – DO de 12 de agosto de 2008. Editora Abril. Aquisição de 5.155 assinaturas da revista Recreio. Prazo: 365 dias. Valor: R$ 1.840.335,00. Data da assinatura: 23/07/2008. – DO de 22 de outubro de 2008. Editora Abril. Impressão, manuseio e acabamento de duas edições do Guia do Estudante. Prazo: 45 dias. Valor: R$ 4.363.425,00. Data da assinatura: 08/09/2008. – DO de 25 de outubro de 2008. Fundação Victor Civita. Aquisição de 220 mil assinaturas da revista Nova Escola. Prazo: 300 dias. Valor: R$ 3.740.000,00. Data da assinatura: 01/10/2008.
O tucano Serra também apresentou proposta curricular que obriga a inclusão no ensino médio de aulas baseadas nas edições encalhadas do Guia do Estudante – DO de 11 de fevereiro de 2009. Editora Abril. Aquisição de 430 mil exemplares do Guia do Estudante. Prazo: 45 dias. Valor: R$ 2.498.838,00. Data da assinatura: 05/02/2009. – DO de 17 de abril de 2009. Editora Abril. Aquisição de 25.702 assinaturas da revista Recreio. Prazo: 608 dias. Valor: R$ 12.963.060,72. Data da assinatura: 09/04/2009. – DO de 20 de maio de 2009. Editora Abril. Aquisição de 5.449 assinaturas da revista Veja. Prazo: 364 dias. Valor: R$ 1.167.175,80. Data da assinatura: 18/05/2009. – DO de 16 de junho de 2009. Editora Abril. Aquisição de 540 mil exemplares do Guia do Estudante e de 25 mil exemplares da publicação Atualidades – Revista
do Professor. Prazo: 45 dias. Valor: R$ 3.143.120,00. Data da assinatura: 10/06/2009. Negócios de R$ 34,7 milhões Somente com as aquisições de quatro publicações “pedagógicas” e mais as assinaturas da Veja, o governo tucano de José Serra transferiu, dos cofres públicos para as contas do Grupo Civita, R$ 34.704.472,52 (34 milhões, 704 mil, 472 reais e 52 centavos). A maracutaia é tão descarada que o Ministério Público Estadual já acolheu representação do deputado federal Ivan Valente (PsolSP) e abriu o inquérito civil número 249 para apurar irregularidades no contrato firmado entre o governo paulista e a Editora Abril na compra de 220 mil assinaturas da revista Nova Escola. Esta “comprinha” representa quase 25% da tiragem total da revista Nova Escola e injetou R$ 3,7 milhões aos cofres do “barão da mídia” Victor Civita. Mas este não é o único caso de privilégio ao Grupo Abril. O tucano Serra também apresentou proposta curricular que obriga a inclusão no ensino médio de aulas baseadas nas edições encalhadas do Guia do Estudante, outra publicação do grupo. Como observou o deputado Ivan Valente, “cada vez mais, a editora ocupa espaço nas escolas de São Paulo. Isso totaliza, hoje, cerca de R$ 10 milhões de recursos públicos destinados a essa instituição privada, considerando apenas o segundo semestre de 2008”. Outros grupos Para que a dra. Cureau não ache que é mania de perseguição contra a asquerosa Veja, também cito alguns dados do blog NaMariaNews sobre a compra de outras publicações. O DO de 12 de maio de 2009, por exemplo, informa que o governo Serra comprou 5.449 assinaturas do jornal Folha de S.Paulo, que desde a “ditabranda” viu desabar a sua credibilidade e perdeu assinantes. Valor da generosidade tucana: R$ 2.704.883,60. Já o DO de 15 de maio publica a compra de 5.449 assinaturas do jornalão oligárquico O Estado de S.Paulo por R$ 2.691.806,00. E o de 21 de maio informa a aquisição de 5.449 assinaturas da revista Época, da Globo, por R$ 1.190.061,60. Ao invés de perseguir e tentar calar a Carta Capital, a dra. Sandra Cureau poderia aproveitar seu tempo investigando os poderosos grupos midiáticos do Brasil. Nem daria tanto trabalho assim! Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
De 2000 até 2009, a população que vive abaixo da linha da pobreza, nos EUA, aumentou de 31,5 milhões (11,3% do total de habitantes) para 43,5 milhões (14,3%). Entre hispânicos e negros, a pobreza atinge 25,3% e 25,8%, respectivamente. Ao mesmo tempo, a renda média das famílias caiu 0,7% em 2009 em relação ao ganho de 2008. Está claro quem paga pela crise no centro do capitalismo!
Império ataca
Dia 16 de setembro, o governo Obama definiu oito prioridades para estimular as vendas externas dos Estados Unidos, o que inclui novos subsídios aos produtores e exportadores e nova investida comercial para cima dos países “emergentes”, entre eles o Brasil. Será que o governo brasileiro pretende e tem força para impedir a derrubada de barreiras aos produtos estadunidenses? Vai permitir a nova onda de espoliação?
Inadimplência
Registros da Serasa-Experian indicam o aumento significativo da inadimplência no valor médio das dívidas no período de janeiro a agosto de 2010 em relação ao mesmo período de 2009. Os cheques sem fundo subiram 32,7%; os títulos protestados tiveram aumento de 6,3%; e as dívidas não pagas com cartões de créditos subiram 2%. Segundo a empresa, foi o pior agosto desde 2005. Certamente tudo vai melhorar nos próximos meses!
Poder midiático
O escritor paquistanês Tariq Ali virá ao Brasil especialmente para participar do 16º Curso do Núcleo Piratininga de Comunicação, de 24 a 28 de novembro, no Rio de Janeiro, que debaterá o tema “O poder da mídia no século 21”. Participam do curso inúmeros jornalistas, professores universitários e comunicadores dos movimentos sociais e sindicais. Inscrições pelo correio eletrônico: npiratininga@uol.com.br ou fone (21) 2220-5618.
São Francisco
A Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo continua em campanha para denunciar o impacto das obras de transposição do rio São Francisco em 33 comunidades indígenas. No sítio www.apoinme.org.br estão disponíveis o relatório da denúncia e a petição dirigida ao Supremo Tribunal Federal para que os moradores sejam ouvidos. Quem será responsável pela morte do rio?
Formação errada
Nota distribuída pelo sindicato das universidades privadas, dia 16, afirma o seguinte: “Responsável pela educação superior de 1,2 milhão de alunos, o setor privado é um segmento consolidado com 75% das matrículas e maior agente da formação da mão de obra do país”. Esses dados confirmam que o ensino superior público continua perdendo terreno para o ensino privado, que visa o mercado e não a sociedade. Cadê o MEC?
Petróleo nosso
Em ato público no auditório do Clube de Engenharia, no Rio de Janeiro, dia 17, candidatos de vários partidos – PT, PDT, PSB, PSTU, Psol, PCB, PCdoB, PPS – assinaram carta-compromisso da campanha O Petróleo tem que ser nosso, em defesa do Projeto de Lei do Senado 531/09, que prevê o restabelecimento do monopólio do petróleo. Falta manifestação clara do governo sobre o que vai fazer com o pré-sal.
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brasil
Ações contra o envenenamento diário Pedro Carrano
CAMPO Seminário Nacional denuncia que o aumento crescente do uso de agrotóxicos no Brasil atinge todas as esferas da sociedade “Vocês não reconhecerão mais as frutas pelo sabor”, B. Brecht Pedro Carrano de Guararema (SP) “A SENSAÇÃO é a de a gente sentar na cama e não conseguir dormir por três ou quatro dias, devido ao teor de nicotina que tem no fumo. Muito veneno, muita nicotina, o saldo psicológico sobre as famílias, vemos muita gente com depressão”. O relato é de uma militante e trabalhadora da região de Venâncio Aires (RS), onde o índice de suicídio entre os trabalhadores da cultura fumageira é de 19%. Este fato não é específico e tampouco restrito a uma região do país. O efeito dos agrotóxicos começa a manifestar, em todo o país, suas consequências na saúde do trabalhador rural, no consumo do morador da cidade e na vida das comunidades pressionadas pelo modelo do agronegócio de exportação. Em maio de 2009, já havia causado espanto a divulgação do relatório do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), apontando o aumento de resíduos acima do limite máximo nos alimentos que chegam à mesa do consumidor de diferentes classes sociais. O estudo baseou-se em 17 culturas alimentares. Diante dessa percepção, o “Seminário Nacional contra o uso dos Agrotóxicos” foi realizado pela Via Campesina entre os dias 14 a 16 de setembro, na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema (SP). Participaram diferentes setores do campo e da cidade, representados por 33 entidades e veículos de mídia alternativa. Afora as organizações sociais, pesquisadores da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) e da Anvisa contribuíram com uma base ampla de dados. A unidade de diferentes forças sociais garantiu interdisciplinaridade ao encontro, que uniu amostras coletadas em campo, relatadas com rigor acadêmico. Hoje, no país, são usados 470 ingredientes ativos, encontrados em 1.400 produtos formulados. Cerca de 75% dos venenos estão acumulados na soja (51%), no milho, cana e algodão. A professora Raquel Rigotto, da Universidade Federal do Ceará (UFC), define que a discussão do tema exige capacidade de atuação integrada e intersetorial do Estado e aponta “a crítica ao conhecimento hegemônico e suas práticas”, alertando para a necessidade da práxis para mudar este cenário assustador para os próximos anos. No seminário, as entidades propuseram linhas de ação concreta no que se refere às transnacionais e limitações jurídicas, saúde do trabalhador, educação, além do debate amplo com a sociedade e com os pequenos produtores. O setor de produção e consumo dos agrotóxicos está umbilicalmente ligado ao modelo do agronegócio, que vendeu 7,125 bilhões de produtos químicos na última safra, sendo que, em 1987, o volume de consumo de agrotóxicos não ultrapassava 100 mil toneladas. Agora, já é mais do que uma tragédia anunciada, apesar de os movimento sociais organizados na Via Campesina alertarem que as plantas permanecem sadias apenas a
O seminário reuniu diferentes setores do campo e da cidade, representados por 33 entidades e veículos de mídia alternativa
“A indústria diz que os pesquisadores são alarmistas. Ela não se responsabiliza e utiliza o discurso de geração de empregos” partir do solo e seus nutrientes. No entanto, as pesquisas aplicadas no Brasil são desenvolvidas e testadas para climas temperados e frios, não se sabe sobre a reação no solo tropical e a reação com a energia solar dos produtos de alta toxidade. No atual modelo de produção, os alimentos locais e saudáveis ficam invisíveis e não encontram mercado. A partir do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), as entidades da campanha querem levar o debate da campanha às escolas, além, é claro, do alimento produzido sem “agrovenenos” aos estudantes. Entre outras ações elaboradas pelas entidades, está o combate às empresas que recebem incentivos fiscais. O governo do Ceará, de Tasso Jereissati (1995-2002), decretou desconto de 100% de ICMS para a produção e cir-
culação de agrotóxicos. A luta deve ser articulada internacionalmente para cobrir todo o circuito de produção e consumo dos alimentos contaminados. No âmbito local, territórios livres de agrotóxicos e a proibição da propaganda de venenos são consideradas pelas entidades como avanços necessários. “Não dá para falar dos efeitos do agrotóxico só para quem produz. Ele afeta também a comida que chega na mesa da população, de todos os que comem no país. Diz respeito a produtor, consumidor, a todos os setores da sociedade”, convoca Roseli Maria de Souza, coordenação nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Ponta do iceberg
Imagem comum entre pesquisadores é a de que vemos apenas a ponta do iceberg e os efeitos mais evidentes da intoxicação. De acordo com
a exposição de Rosany Bochner, da Fiocruz, o impacto dos agrotóxicos pode ser definido a partir de efeitos agudos, mas também dos efeitos crônicos, que são comuns e não evidentes. Responsável direto por casos de suicídio, os agrotóxicos estão entre os principais agentes tóxicos, com índices abaixo apenas dos medicamentos, animais peçonhentos e produtos sanitários, informa a pesquisadora, baseada em dados de 1999 a 2008. Mais que isso, ela informa que 28% dos 8.024 casos de intoxicação estão relacionados a circunstâncias ocupacionais. “A indústria diz que os pesquisadores são alarmistas. Ela não se responsabiliza e utiliza o discurso de geração de empregos. Nossos dados são frágeis”, reconhece a pesquisadora. André Rocha, do setor de saúde do MST, afirma que “a gente se preocupa com o trabalhador rural usando o agrotóxico, mas, às vezes, não consegue pensar o que o trabalhador da indústria está usando – [há] relatos de trabalho sem proteção nenhuma na fábrica. Na hora de produzir o veneno, o trabalhador também está em risco”. Em 2007, fo-
ram registrados 19.235 casos de intoxicação por agrotóxico pelo Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox/Fiocruz). São Paulo e Rio Grande do Sul dominam as tentativas de suicídio, índices que também são elevados na Bahia e em Santa Catarina. A juventude é afetada por esta condição. O produto adicarbe, conhecido como “chumbinho”, é desviado para os centros urbanos para ser usado como raticida. Notificações da Anvisa apontam que, de 805 casos,
420 envolveram o “chumbinho”. Entre os casos de intoxicação por uso agrícola, 44% dos suicídios têm como sujeito o homem adulto. “Os adolescentes estão se matando com este produto. Não tínhamos a notificação, parecia que os casos tinham diminuído, o Rio Grande do Sul foi o último estado onde aconteceu isso, não tinha ainda entrado no estado”, afirma Rosany, para quem a dificuldade está no controle e notificação dos casos de envenenamento.
Subnotificação no trabalho De acordo com Gilberto Salviano da Silva, assessor da Secretaria de Saúde do Trabalhador da Central Única dos Trabalhadores (CUT), “o que notamos é que todas as normas em saúde do trabalhador têm sido focadas no trabalhador da cidade, então existem normas mais presentes e avançadas no setor da metalurgia, no setor financeiro, químico, da construção civil, e nem por isso, com essas normas, se conseguiu diminuir o número de acidentes de trabalho no Brasil; temos que entender que sempre foram subnotificados. Temos o problema dos empresários que negam as doenças e não comunicam. Temos os problemas no interior do INSS, que vêm sendo superados, mas até abril de 2007 a não caracterização de muitas doenças profissionais, e aí incluo as doenças de contaminação por agrotóxico dos trabalhadores rurais. Essa subnotificação de doenças dificulta você ter visibilidade sobre o que acontece no local de trabalho”. (PC)
Idaf
Drama encoberto Comunidades e trabalhadores afetados são situações comuns onde os efeitos dos agrotóxicos são encobertos de Guararema (SP) O Ceará é ocupado por setores do agronegócio, e a base material onde se disseminam os agrotóxicos são os biomas a exemplo da Chapada do Apodi e Tabuleiro das Russas, onde fica localizado o aquífero Jandaíra. Ali, cultivos de abacaxi, melão e mamão são controlados por transnacionais, produzidos com escala de uma grande “empresa”, caso da Delmonte, atuante em 100 países e voltada para exportação da periferia aos centros de consumo. O território torna-se então um espaço de conflito entre a vida e o uso dos materiais tóxicos. Para a professora Rachel Rigotto, médica e pesquisadora da Universidade Federal do Ceará, que desenvolve pesquisas em parceria
com movimentos sociais, o paradigma do uso seguro de químicos não existe, e os índices podem mudar de nível de uma semana para a outra, dependendo da amostragem coletada. O uso de agrotóxicos provoca uma série de consequências graves ao ser humano: o desequilíbrio do sistema endócrino, infertilidade masculina, más formações e abortos, além de doenças no sistema nervoso. Há uma “literatura farta” na área, e uma quantidade imensa de produtos no mercado, explica Rigotto. “Há empresas que utilizam 18 produtos diferentes”, completa. A dificuldade está em fazer o nexo entre a doença e o produto que a causou. Isso tem a ver com as relações de trabalho, nas quais o empregador encobre as causas da doença do trabalhador. “O trabalhador chega vomitando e o técnico vai à consulta junto, culpando a comida”, critica Rigotto, agregando que, para cada caso notificado, 50 passam batido, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Cerca de 10.500 pessoas vivem sob o regime de trabalho das empresas de fruticultura no Ceará. Cultivos espalhamse ao redor dos locais de mo-
radia. Se uma área recebe oito pulverizações anuais, isso significa 4.425 mil litros de caldas tóxicas lançadas sobre as comunidades nos últimos dez anos. Até mesmo na água subterrânea há indícios de agrotóxicos encontrados. As empresas investem pesado. No caso do abacaxi, o agrotóxico chega a 45% dos gastos das empresas. Existe o relato de um trabalhador que atuou por três anos e meio no almoxarifado químico da monocultura de abacaxi e faleceu com 29 anos, vítima de uma grave doença hepática (do fígado) crônica, causada pelos tóxicos. Os colegas da vítima também apresentaram alteração na função do fígado. Do total, 53% já têm marcas da exposição diária a agrotóxicos no trabalho. Casos de hepatologia (doença do fígado) e leucemia nos trabalhadores tiveram dificuldade em obter o nexo causal. Há um contexto de vulnerabilidade de saúde pública e degradação dos microorganismos e nutrientes da terra. “Aí pronto, eles abandonam e já vão para outra terra até acabarem”, diz o texto de um trabalhador rural da região, após oficina com os pesquisadores. (PC, com informações do Jornal Sem Terra)
Algumas propostas das entidades contra os agrotóxicos •Lutar por territórios livres de agrotóxicos; •Evidenciar a contaminação da água por agrotóxicos;
•Trabalhar com a sociedade abordando a contaminação do leite materno;
•Campanha internacional para denunciar as
empresas de fruticultura que produzem com agrotóxicos para a exportação;
•Audiências públicas em todo país sobre
agrotóxicos, principalmente sobre a questão dos produtos banidos em outros países, e que se recomende banimento dos mesmos pela Anvisa.
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cultura
A favela por ela mesma Divulgação
CINEMA Jovens cineastas formados em comunidades carentes chegam ao Festival de Cannes com filme que mostra suas vidas como elas realmente são Xandra Stefanel de São Paulo (SP) NO VERÃO de 1961, cinco jovens cineastas de classe média subiram morros cariocas e fizeram o filme 5x favela. Lá estavam Cacá Diegues, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade, Marcos Farias e Miguel Borges, integrantes do Centro Popular de Cultura (CPC), da União Nacional dos Estudantes (UNE). A obra, hoje difícil de ser vista em locadoras ou cineclubes, tornou-se um marco do cinema nacional como uma das precursoras do Cinema Novo, movimento cinematográfico brasileiro influenciado pelo neorrealismo italiano e pela Nouvelle vague (nova onda) francesa. Quase 50 anos e muitos filmes depois, Cacá voltou a subir os morros cariocas. Agora como produtor e na companhia de sete jovens cineastas moradores de comunidades carentes do Rio de Janeiro. O longa-metragem 5x favela, agora por nós mesmos, lançado em agosto, tem cinco episódios, assim como o da década de 1960. A diferença é que o olhar dos atuais diretores não é “estrangeiro”: todos moram nos ambientes onde filmaram. A ideia nasceu na década de 1990, quando Cacá teve o primeiro contato com organizações culturais de várias comunidades e passou a acompanhar os curtas-metragens dos participantes de cursos e oficinas, feitos em câmeras domésticas, editados em programas acessíveis e que circulavam quase que exclusivamente de um núcleo comunitário a outro. Ele e a produtora Renata Almeida Magalhães perceberam que poderiam ajudar a lapidar diamantes e resolveram montar um projeto para proporcionar a esses jovens as mesmas condições de produção de qualquer filme de médio porte e permitir que tivessem acesso à economia formal do cinema.
“Sempre fomos colocados nas telas, sendo exibidos, nunca como exibidores” “A principal diferença entre os dois filmes é que o primeiro foi feito por cinco jovens universitários generosos e bacanas, mas de classe média, com um olhar de fora. E este, não. Foi concebido, escrito, criado e realizado por jovens moradores de favelas”, compara Cacá. “Essa é a primeira geração de audiovisual das favelas cariocas e uma contribuição importante para a evolução do cinema brasileiro. Eu sabia que estavam prontos para fazer o filme”. Mais de três anos Os episódios de 5x favela, agora por nós mesmos trazem histórias do dia-a-dia no morro. Para chegar ao formato final, foram necessários mais de três anos. Mas valeu a pena: o filme foi selecionado para um dos mais importantes festivais de cinema do mundo, o de Cannes (França), e exibido em caráter hors concours (fora da mostra com-
Cena do filme 5x favela, agora por nós mesmos”, longa-metragem que reúne cinco episódios concebidos e realizados pelos moradores das comunidades
petitiva). Levou também sete prêmios no Festival de Cinema de Paulínia, em São Paulo: melhor filme de ficção (oficial e júri popular), ator coadjuvante (Márcio Vito, do episódio “Acende a Luz”), atriz coadjuvante (Dila Guerra, idem), roteiro (Rafael Dragaud), montagem (Quito Ribeiro) e trilha sonora (Guto Graça Mello). Em 2007, a dupla de produtores organizou oficinas de roteiro para escolher as histórias que seriam filmadas. Elas foram ministradas em cinco comunidades que já desenvolviam programas de audiovisual em favelas: Nós do morro, no Vidigal; AfroReggae, na Parada de Lucas; Cinemaneiro, que atende moradores da Linha Amarela; Central Única das Favelas (Cufa), na Cidade de Deus; e o Observatório de Favelas, no Complexo da Maré. Foram mais de 600 inscritos. Na primeira triagem, o número caiu para pouco mais de 240, que participaram de oficinas técnicas de capacitação, como figurino e arte, entre outras. Só esse processo consumiu cerca de 10% do orçamento total da obra, que foi de R$ 4 milhões. Todos tiveram aulas e palestras com grandes nomes do cinema nacional, como Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, Walter Lima Jr., Walter Salles, Fernando Meirelles, João Moreira Salles e Lauro Escorel. Dos 240, 90 trabalharam efetivamente no filme e os demais, segundo Cacá, ficaram aptos a alçar voo no difícil mercado cinematográfico brasileiro. Ele explica que os sete diretores foram selecionados por meio de três critérios: “O primeiro deles, obviamente, era o currículo: quem já tinha feito um filme e demonstrado talento. O segundo foi o aproveitamento na oficina, e o terceiro, nossa intuição”. Concerto para violino O produtor conheceu Luciano Vidigal em 1993, quando filmava Veja essa canção, no qual o jovem atuou. Luciano já trabalhou, entre outras coisas, como boleiro de tênis, trocador de van e carregador de feira. “Comecei a fazer teatro e cinema aos 11 anos porque minha mãe era empregada doméstica na casa do [ator] Otávio Müller. Soube do Nós do morro e achei que era o passaporte para o mundo”, lembra, aos 32 anos, o agora diretor do episódio “Concerto para violino”. O episódio que dirigiu é o mais dramáti-
co dos cinco, sobre três crianças que juram amizade eterna, mas que tomam caminhos diferentes na vida: um vira policial; outro, traficante; e uma, violinista. “Quando eu recebi o argumento, senti o desafio. Ninguém queria filmar a violência porque isso é clichê, mas eu, como gosto de drama, adorei. O fato de eu ter um irmão que foi traficante me permitiu colocar elementos da minha vida pessoal na ficção”, comemora Luciano. Ele é morador do Vidigal e já teve seu curta Neguinho e Kika premiado em vários festivais nacionais e no de Marselha (França), além de ter trabalhado na preparação de atores de Cidade de Deus (Fernando Meirelles) e Tropa de Elite 2 (José Padilha) e atuado em 13 longas, entre os quais Orfeu (Cacá Diegues), O primeiro dia (Walter Salles) e Proibido proibir (Jorge Duran).
“Precisam entender que as pessoas da favela riem e são felizes como todo mundo” Acende a luz Luciana Bezerra, de 36 anos, também é atriz, trabalha com cinema há 17 anos e mora no Vidigal. O episódio que dirigiu, “Acende a luz”, retrata as dificuldades de vizinhos que estão sem luz às vésperas do Natal. “O Vidigal vive essa história a cada dia. Ela é alegre, tem muito a ver com a minha família e como a gente encara a vida, mesmo com as dificuldades.” Foi esse o episódio que rendeu a Dila Guerra, da Cia. de Emergência Teatral, que trabalha para o Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, o prêmio de melhor atriz coadjuvante. Arroz com feijão Em Arroz com feijão, Rodrigo Felha, 30 anos, e Cacau Amaral, de 38, dirigiram juntos a história do menino Wesley, que ouve o pai confessando que estava cansado de comer o mesmo prato e tenta, com a ajuda do hilário amigo Orelha, arrumar um frango para deixar o aniversário do pai mais saboroso. Felha, que mora na Cidade de Deus, conhece de perto essa realidade, e por isso se sente orgulhoso do trabalho em grupo. “Sem-
e poder estudar Direito. “Esse é um filme muito humano. Tem quem critique porque tem muita gente feliz, rindo. O que precisam entender é que as pessoas da favela riem e são felizes como todo mundo”, critica Wavá, como é conhecido. “Há oito anos, quando comecei as oficinas de cinema, chorei quando vi meu primeiro curta no campinho de terra batida da Cidade de Deus. Soube que queria aquilo para a minha vida. Hoje posso dizer que fui para Cannes. Eu nunca esperava”, emociona-se.
pre fomos colocados nas telas, sendo exibidos, nunca como exibidores. Esse é o nosso ponto de vista, que contém, naturalmente, uma crítica social”, diz o diretor, exestoquista de loja de calçados que virou estagiário na Globo e, depois, coordenador do Núcleo de Audiovisual na Cufa, quando fez a direção de fotografia de Falcão – meninos do tráfico (MV Bill). “Já fazemos isso há muito tempo. O que o Cacá fez foi nos dar visibilidade. Cannes foi bacana. Tem muito glamour, mas aquilo não me encantou. Entrava no melhor hotel de lá e pensava: ‘Cara, eu sou da Cidade de Deus!’. Eu tinha de ficar com os pés no chão.” Manaíra Carneiro, de 23 anos, também estranhou as pompas do festival de cinema francês. “Foi um choque. Saí de uma realidade muito pobre para uma muito rica, com gente ostentando, quase que queimando dinheiro. Foi emocionante exibir nosso filme lá, mas era tudo muito estranho. Eu, por exemplo, quase não vi criança lá [risos]! Quando vi, fotografei e fiquei mostrando para todo mundo. Tô acostumada com a favela, cheia de criança e onde as famílias têm sete filhos”, brinca a jovem, que sonha em continuar a trabalhar com audiovisual aliado a novas tecnologias para poder ajudar sua família.
Wavá teve algumas experiências semelhantes às de Maicon quando entrou no curso de Cinema na Estácio de Sá. “Passei por dificuldades para me locomover e não podia ficar além do período da aula porque não tinha dinheiro para me alimentar. No episódio ‘Fonte de renda’, falo na galhofa sobre o conflito de classes que vi na minha faculdade.”
Fonte de renda Ela dirigiu com Wagner Novais, de 25 anos, o episódio “Fonte de renda”, em que Maicon, um jovem padeiro, passa a levar drogas aos colegas para ter dinheiro
Deixa voar Deixa voar mostra as barreiras imaginárias do Complexo da Maré, onde mora o diretor Cadu Barcellos. Conta a história de Flávio, que, para buscar a pipa do amigo, é
“Um cara da favela falando sobre a sua realidade no cinema é revolucionário”
obrigado a ir para o “território” dominado por uma facção rival. É um retrato singelo de uma cidade chamada Maré. “Aquilo é um grande continente com vários países: 16 comunidades, 170 mil habitantes, todas as facções, polícia, milícias... É um episódio sobre o desconhecido, o refugiado”, explica o diretor. Para Cadu, 5x favela, agora por nós mesmos é mais que um filme, “é um marco na história da cinematografia brasileira”. “Nunca vi nada parecido. Um cara da favela falando sobre a sua realidade no cinema é revolucionário. Além disso, tem a questão do ponto de encontro, porque jovens de várias comunidades fizeram o ‘tudo junto e misturado’ realmente acontecer e dar certo”, comemora. O mais emocionante, para ele, é saber da importância disso para as pessoas que moram na favela. “Viver de arte no Brasil é muito difícil, mas é muito legal ver sua família, os vizinhos e amigos dizendo que se sentem representados naquilo que eu fiz, no jeito de falar, vestir, nas pequenas coisas. Isso não acontece nas novelas, nem em outros filmes. Eu estava cansado de sentar em frente à televisão e receber luz. Eu queria mudar de lado e reluzir.” Cacá Diegues garante que todos conseguiram esse feito e que Leon Hirszman (19371987), idealizador do primeiro 5x favela, está comemorando. “Onde quer que ele esteja, está felicíssimo. Leon sempre foi um congraçador que trabalhou pela solidariedade e pela soma das pessoas.” (Revista do Brasil) Divulgação
Os episódios trazem histórias do dia a dia no morro e foram necessários mais de três anos para produzi-los
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O socialismo se reinventa
O pequeno – espécie de triciclo motorizado – passa diante da Praça da Revolução, em Havana coco
CUBA Analistas cubanos rechaçam a visão de que a abertura da economia nacional para a pequena iniciativa privada represente o fim do socialismo na ilha Igor Ojeda da Redação CUBA surpreendeu o mundo mais uma vez. Embora há meses já se discutisse internamente sobre possíveis mudanças radicais na economia do país, as medidas anunciadas no dia 13 pela Central de Trabalhadores de Cuba (CTC) levantaram questionamentos na imprensa internacional, incluindo a brasileira: é o início do fim do socialismo na ilha caribenha? Para os analistas cubanos ouvidos pelo Brasil de Fato, a resposta é não. “São mudanças importantes, com repercussões econômicas e sociais, mas não devem ser magnificadas. O Estado manterá a propriedade sobre os meios de produção e distribuição fundamentais”, opina José Ramón Vidal, professor de Comunicação e coordenador do Programa de Comunicação Popular do Centro Martin Luther King (CMLK) em Havana, capital do país (leia a entrevista com José Ramón Vidal, na íntegra, na Agência Brasil de Fato).
“São mudanças importantes, com repercussões econômicas e sociais, mas não devem ser magnificadas” A CTC divulgou que o governo planeja enxugar o setor estatal, com a demissão de um milhão de servidores públicos – sendo metade desse total até março de 2011. Paralelamente, o Estado passaria a estimular as pequenas iniciativas privadas, que seriam as principais responsáveis por absorver essa mão de obra excedente. “Alguns setores econômicos com deficits de trabalhadores – como a agricultura e a construção – também podem ser um alívio à situação de desemprego criada”, explica Vidal.
Para se ter uma ideia do impacto que as medidas podem acarretar, a população cubana, hoje, é de cerca de 11 milhões de habitantes. A força de trabalho é formada por aproximadamente 4,9 milhões de pessoas, 4,1 milhões delas empregadas no setor público (leia detalhes sobre as medidas econômicas na matéria abaixo). Socialismo ainda vigente O controle do Estado sobre todos os setores da economia cubana foi decretado em 1968 – nove anos depois da vitória da revolução –, na “Ofensiva Revolucionária”. A partir do chamado Período Especial (que se seguiu à queda do bloco soviético, em 1991), o governo chegou a liberar, gradualmente, pequenos negócios familiares – como restaurantes e hospedagens –, mas sem permitir a contratação de funcionários. Contudo, por sua envergadura, a mudança anunciada no dia 13 é inédita e faz com que muitos decretem a volta do capitalismo à Cuba. No entanto, na opinião de Vidal, “tudo isso
[as medidas econômicas] não apenas é compatível com um projeto socialista como também é indispensável para se alcançar sua sustentabilidade nas atuais circunstâncias”. Segundo ele, as transformações econômicas do futuro próximo permitirão a emergência de “novos e renovados atores econômicos, uma utilização muito mais protagônica do sistema tributário, da política monetária, e um maior apego ao realismo de que ninguém, nem pessoa, família ou país, pode gastar mais do que produz”. Questão de forma Vidal acredita que o ponto central da discussão radica em como tais transformações econômicas serão aplicadas. “Se as fizerem a partir de posições tecnocráticas, sem um consenso real que leve em conta, o máximo possível, os interesses legítimos dos diversos atores sociais, podem ser letais para o projeto socialista”, alerta. Por outro lado, continua, “se forem orientadas para favorecer uma maior socialização do
Medidas vinham sendo ensaiadas há meses
poder, uma maior participação real dos trabalhadores na condução de seus empreendimentos e centros trabalhistas – e, em geral, se fortalecerem os mecanismos de poder popular e não deixarem abandonados à sorte nenhuma família que, justificadamente, não puder garantir seu sustento por meio do trabalho, como se proclamou –, então, o projeto socialista se fortalecerá e se fará realmente sustentável”.
que desconhecem as bases teóricas do marxismo. “O que os clássicos expuseram é que o Estado deveria ter o controle dos meios fundamentais, não de todos os meios. Acho que pensar que o Estado deveria ser o administrador de tudo, em vez de regulador de tudo, foi uma interpretação inadequada. Pode existir um setor privado e cooperativo forte em Cuba, sem que isso signifique o fim do seu modelo econômico”.
O excesso de servidores públicos foi apontado como um freio à produtividade do trabalho no país
Benefícios Villanueva explica que o excesso de servidores públicos em Cuba foi apontado por “numerosas investigações acadêmicas” como um freio à produtividade do trabalho no país. Por isso, para ele, as mudanças anunciadas são bastante necessárias e significam o “começo da atualização do modelo econômico cubano”. Ainda de acordo com o economista, o Estado se beneficiará com a redução de seus gastos públicos, enquanto os trabalhadores poderão ver o aumento de seus ingressos e de seu bem-estar individu-
Para o economista cubano Omar Everleny Pérez Villanueva, da Universidade de Havana, a análise de que o fim do socialismo em Cuba está próximo parte daqueles
al. “Em nível geral, aumentará a eficiência da economia”, prevê. Nos últimos anos, Cuba vem sofrendo com uma crescente deterioração de seus índices econômicos. À emergência de uma crise financeira do sistema bancário nacional, soma-se a queda dos preços do níquel – um dos principais produtos de exportação cubano – no mercado internacional, a diminuição das dívidas geradas pelo turismo na ilha, os duros efeitos dos furacões de 2008 e, claro, os impactos permanentes do bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos ao país. Assim, em 2009, o PIB (Produto Interno Bruto) cubano cresceu apenas 1,4%, enquanto estima-se que, em 2010, se incrementará em 1,9%. Para se ter uma ideia, em 2007 e 2008, o crescimento da economia cubana foi de 7,3% e 4,1%, respectivamente. A conjunção disso tudo levou a uma reflexão sobre as deficiências estruturais que o país possui e sobre formas de erradicá-las a médio e longo prazo”, resume Villanueva.
População está apreensiva Alice Taylor/CC
da Redação da Redação As medidas econômicas anunciadas recentemente em Cuba não são totalmente uma surpresa para os cubanos. Já em 4 de abril deste ano, o presidente do país, Raúl Castro, havia reconhecido que existia um milhão de postos de trabalho a mais no setor público. Ou seja, 20% da força de trabalho total. Em 1º de agosto, Raúl enfatizou, em discurso, a necessidade de se enxugar o Estado, embora sem abandonar as pessoas “a sua própria sorte”. No entanto, desde maio, o Executivo cubano vinha realizando experimentos com novas formas de trabalho, como a concessão da gestão de pequenos cabeleireiros a seus funcionários ou o arrendamento de táxis a seus motoristas. Em troca, os novos proprietários passaram a pagar impostos. Iniciativa privada Entre os empreendimentos privados previstos pelas mudanças anunciadas no dia 13, estão modalidades como o trabalho autônomo, cooperativas e arrendamento de terras e de pequenos estabelecimentos, como barbearias e serviços de tá-
xis. As cooperativas poderiam atuar, por exemplo, na fabricação de materiais de construção e peças de carpintaria, na reparação de automóveis e na prestação de serviços funerários. Hoje ilegais, tais atividades seriam obrigadas, a partir de agora, a pagar impostos e a contribuir para a seguridade social dos empregados. Segundo o jornal mexicano La Jornada, um documento que circula entre dirigentes do Partido Comunista Cubano indica que a expansão da iniciativa privada possibilitará a criação de 450 mil empregos não estatais em 2011 e que o governo prevê conceder cerca de 250 mil permissões de trabalhos por conta própria. De acordo com José Ramón Vidal, professor de Comunicação e coordenador do Programa de Comunicação Popular do Centro Martin Luther King (CMLK) em Havana, as modificações do modelo econômico cubano preveem, ainda, a eliminação de certas gratuidades ou subsídios – como o pagamento de 60% do salário para os desocupados – e a ampliação do mercado interno, por meio, por exemplo, da venda de eletrodomésticos e de serviços de telefonia celular. (IO)
Embora consideradas pelos analistas ouvidos pelo Brasil de Fato como essenciais para aumentar a eficiência da economia cubana, as transformações econômicas anunciadas no dia 13 vêm causando apreensão na população do país, relata José Ramón Vidal, professor de Comunicação e coordenador do Programa de Comunicação Popular do Centro Martin Luther King (CMLK) em Havana. “Obviamente, muitas pessoas se preocupam com seu futuro imediato. Elas se perguntam: ‘Estarei entre esse meio milhão de pessoas que será demitido?’ É um processo difícil, que de imediato trará a muitas famílias tensões que não podem ser minimizadas”, analisa. De acordo com Vidal, o comunicado da Central de Trabalhadores de Cuba (CTC), que anunciou e explicou as medidas, está sendo discutido nos centros de trabalho. “Reitera-se que será um processo transparente com a plena participação do sindicato e que os critérios de idoneidade serão os que guiarão as decisões”. Desigualdade social Outra preocupação que surge com as mudanças na economia é o aumento da desigualdade social, que pode
Transformações anunciadas vêm causando apreensão na população
“Será preciso, além disso, imaginar outras formas de proteção, para que os direitos desses trabalhadores sejam respeitados” ocorrer devido à liberação de contratação de funcionários pelos novos proprietários privados do país. Vidal lembra que Cuba vem passando por essa prova desde o Período Especial. “A nós, em Cuba, isso [o crescimento da desigualdade], com toda razão, é indesejável, mas tais índices estão muito longe dos níveis do resto do continente americano”. Segundo ele, as novas medidas tendem a regularizar fatos que já ocorrem na prática,
e, nesse sentido, a própria legalização das iniciativas antes ilegais é uma medida de proteção, pois o empregador terá que pagar um imposto para a seguridade social de seu empregado. “Será preciso, além disso, imaginar outras formas de proteção, para que os direitos desses trabalhadores sejam respeitados. Pessoalmente, penso que os sindicatos poderiam desempenhar um papel nisso”, opina. (IO)
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“É preciso erradicar os donos de meios de comunicação racistas” ABI
BOLÍVIA Presidente Evo Morales apoia o projeto de lei contra discriminação em debate no país, enquanto mídia intensifica campanha para taxá-lo de censura Vinicius Mansur correspondente em La Paz (Bolívia) APÓS UM longo processo de debate promovido pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados da Bolívia, o Projeto de Lei Contra o Racismo e toda forma de Discriminação já está em trâmite no Senado e recebe dura crítica nos grandes meios de comunicação nacionais. Eles reivindicam a retirada do artigo 16 do projeto, que diz: “o meio de comunicação que autorize e publique ideias racistas e discriminatórias será passível de sanções econômicas e de suspensão de licença”. A Associação Nacional de Imprensa (ANP) lançou nota em que considerava o projeto como um ataque à liberdade de expressão. O presidente da ANP, Marco Dips, afirmou que a aprovação do texto significará que “o Estado boliviano romperá com o sistema democrático ao amordaçar a imprensa” e defendeu que a autorregulação dos meios é a saída para o problema. Defesa presidencial
O projeto de lei estabelece como delitos contra a dignidade do ser humano: o ra-
cismo, a discriminação, a difusão e incitação do racismo ou da discriminação, a participação em organizações ou associações racistas ou discriminatórias, os insultos e outras agressões verbais por esses motivos. Entre as sanções, estão previstas a privação de liberdade de um a sete anos, trabalhos voluntários, multas e o fechamento de estabelecimentos de atendimento ao público e meios de comunicação, em caso de repetidas infrações.
“Aqui não há pessoas de primeira, segunda ou terceira categoria, mas, para alguns, custa entender isso” Em diversos atos públicos realizados durante o período em que a imprensa bombardeava o projeto de lei, o presidente boliviano Evo Morales dedicou-se a defendê-lo: “Essa gente que pratica o racismo por microfones tem que que se incomodar (..)
Plenário da Câmara dos Deputados durante a aprovação do projeto
Temos a obrigação de erradicar os racistas que são donos dos meios de comunicação (...) Aqui não há pessoas de primeira, segunda ou terceira categoria, mas, para alguns, custa entender isso”, discursou. Protestos
A deputada oposicionista Adriana Gil classificou a medida de combate à discriminação como “persecutória, repressora e perversa”, uma vez que “um grupo afim ao governo não pode definir o que é racismo e o que não é”. Para Sucy Mitre, representante do Capítulo Boliviano de Direitos Humanos, a oposição ao governo e a mídia estão distorcendo a proposta: “A definição de racismo é a mesma usada pelo Comitê Internacional contra a Discrimi-
nação Racial, da ONU [Organização das Nações Unidas], pelo Comitê Internacional de Eliminação da Discriminação das Mulheres, pela OIT [Organização Internacional do Trabalho]. Quem julgará as ações será uma autoridade do Judiciário. O tema tem suas suscetibilidades, mas nada além de outros julgamentos como os de delitos contra a honra, injúria, calúnia etc. Precisamos ir desenvolvendo jurisprudência, mas, para isso, temos que afetar o exercício do direito e não só contemplar o seu reconhecimento”. Ela ressalta que a lei não vem para censurar os meios, mas para cumprir com o compromisso que o Estado boliviano tem diante da comunidade internacional de punir atos discriminatórios. “Nossa opção é de prevenir e edu-
car, dando forte ênfase às responsabilidades que devem ser assumidas pelo Estado em outros âmbitos, não somente encher as prisões de racistas. O eixo central do projeto é a criação do Plano Nacional contra o Racismo e toda forma de Discriminação, sobre o qual não se diz nada. Mas há uma aliança dos meios privados para difamar o presidente, esse é seu interesse, o que não permite que nada seja visto como positivo”, relata. Discussão aberta
De acordo com a secretária técnica da rede de organizações que conformam a Comunidade de Direitos Humanos, Mónica Bayá, a posição política dos meios impede uma maior visibilidade do projeto de lei, que também obriga o Estado a ado-
tar políticas em todos os âmbitos da educação, a fomentar pesquisas e divulgação de dados sobre a discriminação, a criar um Comitê de Luta contra o Racismo e todas as formas de Discriminação – composto por representantes de órgãos públicos e de organizações da sociedade civil – e a adequação ou criação de códigos de conduta para funcionários de instituições públicas e privadas, incidindo até mesmo sobre a Polícia. “A discussão do projeto foi feita com portas abertas a todos, em inúmeras audiências públicas, em oito dos nove departamentos do país, onde participaram mais de 300 organizações. Foram convidadas as associações de imprensa, mas elas não vieram. O projeto inicial foi completamente modificado pela participação. E, agora, querem dizer que esse é um projeto do oficialismo imposto pelo governo. E você sabe que o partido de governo tem dois terços do Congresso, ou seja, poderiam ter entrado com o projeto de manhã e ter a lei aprovada à noite. Lamentamos que o processo não está sendo valorizado”, desabafa. Nos últimos dias, as organizações de imprensa apareceram para debater o projeto com os senadores. De acordo com o senador do MAS-IPSP (Movimento ao Socialismo Instrumento pela Soberania dos Povos), Eugênio Rojas, o artigo 16 não será alterado porque as sugestões da imprensa se referem à etapa de regulamentação da lei.
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Caçada à população civil COLÔMBIA Perseguido há mais de um ano, eletricista colombiano é apenas uma das vítimas do Estado colombiano Fotos: Patrícia Benvenuti
Patrícia Benvenuti enviada a Ricaurte e Barbacoas (Colômbia) O ELETRICISTA colombiano Carlos Alirio Peña García, de 37 anos, já não se sente seguro em casa, onde vive com a esposa e a filha, no município de Barbacoas, no departamento de Nariño (sul do país). A qualquer momento, ele teme a chegada da polícia que, há mais de um ano, quer fazê-lo pagar por crimes que não cometeu. O caso de García é um exemplo dos crimes do Estado colombiano contra a população civil, que tem arcado com as consequências da suposta guerra contra o terrorismo e o narcotráfico. A perseguição ao eletricista começou em 15 de maio de 2009, ao meio-dia e meia, quando um grupo de cinco policiais, em uma caminhonete, apareceu em sua casa para pedir reparos no sistema de energia de um dos departamentos de polícia. Sem mandado García, de imediato, disse que não poderia sair de casa naquele momento, mas se comprometeu a ir até o local mais tarde. Os agentes, no entanto, insistiram para que ele realizasse logo o serviço que, segundo eles, seria devidamente pago. “[Os policiais] diziam que precisavam da energia logo para enviar uns informes para Bogotá [capital da Colômbia]”, conta. Diante da insistência, García pegou sua caixa de ferramentas e seguiu os homens ao departamento policial. No caminho, os policiais anunciaram a García sua prisão, sob acusação de rebeldia e envolvimento com grupos guerrilheiros. “Perguntei: ‘vocês têm ordem de captura’? Eles disseram ‘não, mas você está capturado’ e nada mais”, relembra. O eletricista também conta que, inicialmente, os policiais informaram que seus crimes teriam acontecido em uma determinada região do país. Momentos depois, quando finalmente apresentaram um mandado de prisão, já no departamento, o eletricista já era acusado de delitos em outro ponto. Apesar das irregularidades, a prisão de García durou quase um ano. Ele foi liberado apenas em 5 de maio de
O caso de García é um exemplo dos crimes do Estado colombiano contra a população civil, que tem arcado com as consequências da suposta guerra contra o terrorismo e o narcotráfico 2010 e, desde então, se encontra em prisão domiciliar. Explosivos A saída do cárcere, porém, não foi o fim da perseguição. Na manhã do dia 19 de agosto, sua esposa, a professora Damir Burgos, de 35 anos, se dirigia para casa quando foi abordada por integrantes da Promotoria, que estavam em duas caminhonetes. “Um dos homens da Promotoria perguntou para onde eu estava indo. Disseram-me que eu não podia ir [por aquele caminho] porque iam detonar alguns explosivos”, conta. Impedida de passar por aquele trecho, a professora usou um atalho para alcançar sua residência. Ao chegar, ela se deparou com sua casa rodeada por homens que colocavam explosivos em diferentes pontos. De acordo com ela, havia cerca de 50 pessoas
Para militares, violações são casos isolados enviada a Ricaurte e Barbacoas (Colômbia) Enquanto organizações populares e de direitos humanos alertam para as violações do Exército contra a população civil colombiana, esses delitos são apenas episódios isolados para os militares. Há cerca de seis meses em Ricaurte, no departamento de Nariño (sul da Colômbia), o comandante de Polícia do município, Eduardo Giovanni Aluarez, admite que existem casos de abusos perpetrados por agentes do Estado. No entanto, ele afirma que as acusações não podem ser generalizadas.
“Estamos levando à Justiça esses [agentes] que violam os direitos humanos. Não estamos ocultando nada”
“Há, às vezes, um grupo que afeta uma comunidade, e generalizar isso é muito delicado”, diz. Opinião semelhante tem o comandante do Batalhão de Artilharia 23 da Colômbia, Mario Augusto Amaya, que também atua em Ricaurte. Segundo ele, não faltam esforços para punir os responsáveis. “Estamos levando à Justiça esses [agentes] que violam os direitos humanos. Não estamos ocultando nada”, afirma. Treinamento rigoroso Amaya assegura, ainda, que os todos os integrantes da Força Pública de Segurança da Colômbia (cerca de 250 mil pessoas hoje) recebem um treinamento rigoroso – inclusive, com lições em direitos humanos – e estão preparados para lidar com a população. Na sua avaliação, portanto, são infundadas as críticas de que o Estado colombiano desrespeita a questão dos direitos humanos. “O governo assinou todos os tratados de direitos humanos que existem, não falta nenhum”, conclui. (PB)
da Polícia, Exército e Promotoria, além de sete homens que estavam um pouco mais afastados, com o rosto coberto por capuzes. “Então, houve uma explosão e, depois, eles saíram. Subiram na caminhonete, levantaram as coisas que tinham ali, eram uns sacos negros, e se foram”, relata. A explosão aconteceu atrás da casa do casal, que fica no início de uma mata cerrada. García, que estava dentro da casa, conta que os homens não perguntaram por ninguém, apenas espalharam os explosivos. Eles também faziam fotografias e filmagens do local. Para o eletricista, a ação foi uma tentativa de forjar uma acusação de terrorismo contra ele. “Como já me acusaram de rebelião, agora querem colocar uma acusação de terrorismo [contra mim]”, alerta.
Carlos, a esposa e a filha: a casa da família (no alto) não é mais segura
Provas forjadas Além de trabalhar como eletricista, García atua há 14 anos como vigilante em um hospital, em um turno que se estende das sete da noite às sete da manhã. O trabalhador reitera que não tem qualquer envolvimento com grupos guerrilheiros e afirma que, desde que o Exército ocupou a região, há cinco anos, não há mais grupos armados na área. Sua inocência, no entanto, não é suficiente para livrá-lo de acusações, como explica o advogado da Associação Nacional de Ajuda Solidária (Andas) Edgar
Montilla González. De acordo com ele, o que determina as capturas na região são os avisos dos informantes, geralmente pessoas que se retiram da guerrilha e passam a atuar a serviço do Exército colombiano. “A inteligência militar paga a eles [os informantes] um soldo por cada pessoa que apontam como colaborador da guerrilha. Então, eles [informantes] vão apontando qualquer pessoa, mesmo que não tenha vínculos [com a guerrilha]. Para cada um, vão dando uma função (‘esse fulaninho de tal é colaborador da guerrilha’),
outros compram os computadores ou telefones celulares”, relata. A simples acusação, de acordo com o advogado, costuma ser o bastante para a ordem de captura de uma pessoa. Nesse sentido, González critica a Promotoria colombiana, que expede as ordens de captura. “A Promotoria não considera a realidade, acreditam muito na Força Pública”, reclama. O caso do eletricista, para ele, é ainda mais grave. “Contra ele, sequer havia uma ordem de captura. Tiveram que tirá-lo da casa por meio de uma mentira”, salienta. Uribismo O advogado sustenta, ainda, que esse tipo de prática foi impulsionada durante o governo do ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010). “É costume fabricar provas e fazer montagens contra camponeses inocentes que têm sido vítimas de detenções arbitrárias, ilegais e massivas. Isso faz parte da política de segurança democrática do presidente anterior, Álvaro Uribe, e continuada pelo atual governo [de Juan Manuel Santos]”, diz. A perseguição a García pode ainda estar relacionada à sua militância na organização indígena Camawari, que representa o povo Awá. Seu irmão, Eder Burgos, é líder da organização. Além disso, o histórico de violência do Estado colombiano na região causa ainda mais insegurança à família. Há quatro anos, um rapaz da comunidade apareceu morto na mata, logo atrás de sua casa. De acordo com o Exército, a vítima fazia parte de um grupo guerrilheiro. Damir aponta para uma casa em frente à sua e diz que, só ali, houve outras cinco mortes. Segundo ela, os soldados chegaram às cinco horas da manhã e assassinaram as cinco pessoas – duas mulheres e três homens – a tiros. Uma das mulheres, como Damir, era professora. “Era gente aqui do povo, como todo mundo”, garante. Damir diz que teme pelo que pode acontecer com seu marido. “Eu tenho medo porque, se o levam, não se sabe para onde. E, como aqui [os policiais] são ensinados a matar as pessoas, ninguém diz nada por medo, não se denuncia”, completa.
A militarização dos processos Atuação da Justiça Penal Militar impede punição dos crimes cometidos por soldados enviada a Ricaurte e Barbacoas (Colômbia) Disposto a combater a tão alardeada violência dos grupos armados, o Exército colombiano parece não ter a mesma dedicação quando o assunto são os seus próprios crimes. Apesar do alto número de denúncias no país de violações contra a população civil, ainda são raros os casos em que se chega a algum tipo de punição para os soldados envolvidos. O principal motivo, segundo o advogado da Associação Nacional de Ajuda Solidária (Andas) Edgar Montilla González, são as barreiras impostas pe-
la Justiça Penal Militar, que segue responsável pela apuração desses delitos. As dificuldades começam, explica, no acesso às informações e aos processos. “Os despachos funcionam em guarnições militares que põem barreiras para entrar, há desculpas para não se expedir cópias dos processos. Isso se faz com a finalidade de esconder os abusos e ocultar a verdade”, acusa. O advogado também pontua que a realização das investigações pela Justiça Militar impede, sobretudo, a coleta de depoimentos que poderiam ser fundamentais para elucidar os acontecimentos. “As testemunhas têm muito medo de ir a esses batalhões [onde funcionam a Justiça Militar]”, argumenta. “Falsos positivos” Os obstáculos são ainda maiores, garante González, para a apuração das execuções extrajudiciais, que ficaram conhecidas como o caso dos “falsos positivos”: civis assassinados por militares e apresentados como guerrilheiros mortos
em combate. “Os processos mudam de direção e são enviados a outras cidades, o que dificulta acompanhar de perto o seu desenvolvimento”, explica.
Apesar do alto número de denúncias, no país, de violações contra a população civil, ainda são raros os casos em que se chega a algum tipo de punição para os soldados envolvidos O mesmo se dá com os poucos processos que passaram a tramitar na Justiça comum. Como exemplo, o advogado cita o ca-
so dos camponeses Carlos Alirio Cuesta e Luis Orlando Aguilar, executados pelo Exército em maio de 2006 no município de Cumbal, no departamento de Nariño, sul da Colômbia. “Os casos foram remetidos a uma Promotoria de Direitos Humanos da cidade de Cali [no departamento de Vale de Cauca, distante cerca de 315 quilômetros de Cumbal]”, critica. O episódio dos “falsos positivos” veio à tona em 2008, durante o governo do ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010). Para ganhar recompensas, soldados atraíam e executavam jovens civis, que eram vestidos com uniformes de grupos armados a fim de simular sua participação na guerrilha. Estima-se que, desde 2002, cerca de dois mil jovens pobres colombianos tenham morrido nessas circunstâncias. Entidades de direitos humanos e movimentos sociais do país pedem a responsabilização penal de Álvaro Uribe, considerado um dos principais culpados pela existência dos “falsos positivos”. (PB)
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internacional
As feridas abertas do Orientes Médio Fotos: Reprodução
REFUGIADOS PALESTINOS Há 28 anos, extrema-direita cristã libanesa e Israel assassinavam milhares de palestinos nos campos de Sabra e Chatila Dafne Melo da Redação NA NOITE do dia 16 de setembro de 1982, refugiados palestinos dos campos de Sabra e Chatila, localizados na capital libanesa, Beirute, se surpreenderam com a iluminação de sinalizadores de fogo disparados no céu, clareando a noite. Foi uma das primeiras movimentações israelenses para garantir a entrada das forças falangistas (extrema-direita cristã libanesa) nos campos de refugiados. Cercando o local com tanques, controlando a entrada e a saída e iluminando o caminho, Israel dava início a 62 horas de terror contra civis palestinos, causando no mínimo 2 mil mortes, a esmagadora maioria de idosos, crianças e mulheres. Conhecido como Massacre de Sabra e Chatila, o episódio é considerado um dos mais sangrentos do Oriente Médio nas últimas décadas. “Conversei com uma mulher que perdeu 15 homens da sua família, entre filhos, marido, sobrinho e irmãos. São pessoas que perderam tudo. Perderam a pátria, as terras, a cidadania, o pertencimento a algum lugar. São pessoas que convivem diariamente com a morte, mas que, apesar de tudo, ainda têm esperança de voltar à Palestina”, afirma a jornalista brasileira, de origem libanesa, Lúcia Issa, que visitou Chatila em maio deste ano e prepara um livro sobre o caso, com foco nas mulheres. Ainda que poucas, devido ao boicote israelense na época, as imagens existentes do massacre, entre vídeos e fotografias, mostram o desespero dos sobreviventes e centenas de corpos empilhados ou enfileirados em ruas estreitas de terra, cercadas por casas simples. O cenário, hoje, pouco mudou. Os cerca de 13 mil refugiados que vivem em Chatila, além do passado de violência, convivem com um presente de miséria e abandono. “O que eu descobri lá é que eles pedem o direito de existir. Os palestinos no Líbano vivem nas piores condições de vida de todo Oriente Médio, inclusive pior do que aqueles que vivem na Faixa de Gaza”. Hoje, há cerca de 425 mil refugiados palestinos no Líbano, divididos em 12 campos. Sabra deixou de ser reconhecido como um campo de refugiados, convertendo-se simplesmente em um bairro pobre a oeste de Beirute. Leia, a seguir, a entrevista com Lúcia Issa, na qual ela fala sobre o massacre, a participação de Israel, a impunidade em relação aos culpados e as possibilidades de paz na região.
“Como o massacre não foi completamente esclarecido e ninguém foi punido, ainda é uma ferida muito aberta, apesar de fazerem 28 anos. O que eu descobri lá é que eles pedem o direito de existir” Brasil de Fato – Qual foi o contexto do massacre?
Lúcia Issa – O massacre de Sabra e Chatila talvez seja um dos piores genocídios da história da humanidade. Israel tinha invadido o Líbano, em represália ao assassinato de um embaixador de Israel em
Londres. Eles tinham algumas hipóteses, nunca confirmadas, de que um dos palestinos envolvidos nessa morte estaria em Chatila. Dentro do contexto da guerra civil libanesa, havia um grupo da extrema-direita cristã, os falangistas, e Israel faz um acordo com eles para invadir os dois campos de refugiados. Na verdade, Sabra, que não é mais um campo, é hoje um dos bairros mais pobres de Beirute. O agravante é que, pouco tempo antes, um enviado dos Estados Unidos, Philip Habib, fez com que Israel e Palestina assinassem um cessar-fogo. No acordo, eles aceitaram retirar todos os membros da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) de Beirute, capital libanesa. Ou seja, a população assassinada era civil, a maioria formada por idosos, mulheres e crianças. Por isso, o que ocorreu ali foi um “massacre”; o que havia ali eram pessoas completamente indefesas. Na época, Ariel Sharon, que era ministro da defesa de Israel, não cumpriu com sua parte do acordo e permitiu que a Falange cristã entrasse no campo. Os israelenses permaneceram nos arredores, controlando entrada e saída, inclusive impedindo que mulheres grávidas e com crianças saíssem. Os responsáveis nunca foram punidos. Ariel Sharon chegou a ser condenado pelas Nações Unidas, no final dos anos de 1990, mas nunca pagou nenhuma pena.
“Há toda uma geração intermediária que você não vê no campo de refugiados. Essa geração entre 30 e 40 anos desapareceu. Eram crianças na época do massacre” Você vê perspectivas de solução desses problemas?
“A população assassinada era civil, a maioria formada por idosos, mulheres e crianças. Por isso, o que ocorreu ali foi um “massacre”; o que havia ali eram pessoas completamente indefesas” As poucas imagens do massacre mostram o desespero dos sobreviventes e centenas de corpos
Israel tentou por muito tempo jogar toda a responsabilidade nos falangistas. Hoje está claro que Israel foi, no mínimo, coautor do massacre, certo?
Com certeza, no mínimo, foi coautor. Como o Líbano estava em guerra civil, eles aproveitam para entrar no país para buscar terroristas palestinos que estariam naquela região. Com acordos feitos com o governo libanês, Israel ficou responsável pela segurança em toda Beirute e tinham controle dos campos de refugiados também. Então, é como se os seguranças privados de uma casa chamassem os assassinos, abrissem as portas, fechassem e permitissem a matança. Têm a culpa ou não? Acho que foi pior o que fizeram, pois fizeram sem sujar as mãos, porque Ariel Sharon não queria sujar as mãos. O campo na época era fechado, eles abriram e deixaram a Falange entrar. E sabiam que ali dentro não havia nenhum terrorista, apenas civis e muitas mulheres e crianças. Segundo um relato de um senhor que conheci lá, que perdeu cinco filhos, ele afirma que se fingiu de morto para não ser assassinado e que viu soldados israelenses queimando corpos, jogando cal, cimento, destruindo vestígios do que havia acontecido. A primeira vítima de toda guerra é a verdade, mas ali é muito claro.
perto da morte. Como o Massacre não foi completamente esclarecido e ninguém foi punido, ainda é uma ferida muito aberta, apesar de fazerem 28 anos. O que eu descobri lá é que eles pedem o direito de existir. Os palestinos no Líbano vivem nas piores condições de vida de todo o Oriente Médio, inclusive pior do que aqueles que vivem na Faixa de Gaza, pois infelizmente o Líbano tem seus próprios conflitos internos entre cristãos e muçulmanos e não consegue dar apoio aos palestinos.
Qual é a condição de vida dos refugiados palestinos no Líbano?
Dentro de Chatila, como de outros campos, eles recebem ajuda da UNRWA (divisão das Nações Unidas para refugiados palestinos). A luz só chega seis horas por dia, a água também acaba, pois tudo é de doação de países europeus. Itália, França, a União Europeia em geral, ajudam com cerca de 15 milhões de euros por ano. Mas, com a guerra de 2006, muito do que foi feito foi destruído. Muito pouco ou nada se fala da situação dos palestinos no Líbano. Eles não podem trabalhar lá, por exemplo. Se você é um médico palestino e está refugiado lá, não pode trabalhar como médico porque a Palestina não é reconhecida como um país; não só no Líbano, mas em todo o mundo. Então, você vê médicos, dentistas, engenheiros se virando como encanador, eletricista. Eles não podem votar, não podem comprar imóveis... Eles não existem como cidadãos. Você não pertence a lugar nenhum. Todos os campos de refugiados palestinos no Líbano são assim, não só Chatila. Você vê todos os prédios em ruínas. É pior do que muitas de nossas favelas; você vê 16 pessoas vivendo em casas de dois cômodos, sem água, sem luz. É muito difícil. Talvez agora comece a haver mudanças. Em agosto, o parlamento libanês
liberou uma medida que permite que os palestinos possam trabalhar em algumas profissões, não todas, mas já é algo para se comemorar.
“São pessoas que perderam tudo. Perderam a pátria, as terras, a cidadania, o pertencimento a algum lugar”
e ouvia. Como o Líbano não reconhece esses campos como parte do país, não há coleta de lixo, não oferecem nenhum serviço público. Havia dezenas de crianças brincando em um lixão a céu aberto, com restos de material radioativo e de bombas. Há histórias de crianças que perdem a mão, o braço, brincando ali. Do lado há um esgoto a céu aberto, pois não há saneamento básico, e em seguida um cemitério com cerca de 2 mil vítimas. Eles ainda vivem muito
Conversei com muitos sobreviventes, mas meu foco maior são as mulheres. Estive em outras zonas de conflito, em Sarajevo, Belgrado, e o que eu percebo é que o trabalho pela reconstrução da paz é das mulheres. Os homens ainda falam muito de ódio, de vingança, ouvi muitos garotos dizendo que querem ser homem-bomba, e as namoradas do lado falando em paz, em mudar essa mentalidade. Conheci uma mulher palestina, chamada Laila – que perdeu muitos familiares em diversos conflitos –, que faz um trabalho em uma escola em que leciona uma disciplina chamada “reconstrução da paz”. Conheci uma mulher judia, parte de um movimento de mulheres chamado Bat-Shalom. Ela foi lá, conversou com as palestinas, fazendo uma ponte com o comitê de mulheres palestinas, também trabalhando com essa perspectiva de construção da paz. Mas para isso Israel precisa, primeiro, respeitar as resoluções das Nações Unidas, as definições de acordos etc. Conversei com uma mulher que perdeu 15 homens da sua família, entre filhos, marido, sobrinho e irmãos. São pessoas que perderam tudo. Perderam a pátria, as terras, a cidadania, o pertencimento a algum lugar. São pessoas que convivem diariamente com a morte, mas que, apesar de tudo, ainda têm esperança de voltar à Palestina. O Robert Fisk [jornalista inglês que cobre conflitos no Oriente Médio] cita em uma reportagem que Chatila tem um cheiro que não sai mais, o que você ouve lá não sai de você, muda sua visão de mundo, ao ver o que o homem é capaz de fazer.
Guerra do Líbano O que os sobreviventes contam daqueles três dias? Como lidam com essas lembranças?
Há toda uma geração intermediária que você não vê no campo de refugiados. Essa geração entre 30 e 40 anos desapareceu. Eram crianças na época do massacre. Nas várias fotos que vi do massacre, só tinha criança. Hoje, há muita gente de 20 anos, crianças, pessoas acima de 40, mas há uma geração que morreu, e que poderia estar ajudando a fazer os trabalhos dentro do campo. O que mais me impressionou, cheguei há 3 meses de lá, é o cheiro de morte que existe até hoje. Eu sentei na calçada um dia e chorei porque não conseguia acreditar no que via
Ocorrida entre 1975 e 1990, a Guerra do Líbano foi um dos episódios mais sangrentos do Oriente Médio no século 20, envolvendo a participação de forças políticas de diversos outros países, como Síria, Israel e a Organização para Libertação da Palestina (OLP). Simplificadamente, o conflito opunha cristãos e muçulmanos, ainda que ambos os grupos possuíssem inúmeras divisões internas. Como era clandestina na região da Palestina histórica (Israel, Cisjordânia e Faixa de Gaza), boa parte dos militantes da OLP estavam sediados no Líbano na década de 1970, após sua expulsão da Jordânia – o Setembro Negro –, aliando-se a outras organizações árabes, sobretudo no sul do Líbano e na capital Beirute. Em 1978, Israel invade o Líbano para combater as forças palestinas. Tinham apoio dos cristãos falangistas, liderados por Bashir Gemayel, assassinado em 14 de setembro de 1982 pelas forças muçulmanas, pouco depois de ganhar as eleições presidenciais, nas quais Israel o havia apoiado. Seu assassinato é visto como um dos estopins para o Massacre de Sabra e Chatila.