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Circulação Nacional

Uma visão popular do Brasil e do mundo

Ano 8 • Número 399

São Paulo, de 21 a 27 de outubro de 2010

R$ 2,80 www.brasildefato.com.br Audrey AK/CC

Franceses “acordam” trabalhadores europeus O governo francês buscou a despolitização da contrarreforma previdenciária. Mas, segundo análise de Jean-Paul Piérot, do l’Humanité, a propaganda que defendia o fim da aposentadoria aos 60 anos como uma consequência inevitável do aumento da expectativa de vida já foi desmascarada. O apoio popular às greves ocorre desde o início de setembro e não para de crescer. Pág. 11

Obama não corresponde às expectativas do eleitor latino Em 2008, o eleitorado hispânico apoiou em peso a eleição de Barack Obama à presidência dos EUA. Mas, às vésperas das eleições legislativas em novembro, este setor da sociedade não parece inclinado a votar nos democratas, como no pleito anterior. Os latinos não devem votar nos republicanos, mas a abstenção entre esta fatia da sociedade estadunidense deve ser grande. O principal motivo da descrença dos latinos em Obama é o fato de o presidente não ter realizado uma reforma migratória, como prometera. Pág. 10

Tucanos tentam impedir investigação de caixa dois O ex-diretor do Dersa, Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, foi acusado pela própria cúpula do PSDB de sumir com R$ 4 milhões arrecadados irregularmente para a campanha tucana. A questão principal, entretanto, é saber de onde veio este dinheiro. Os recursos sumiram nas mãos de Paulo Preto, considerado

o maior arrecadador de campanhas para os tucanos e que vinha mantendo estreitas relações com diversas empreiteiras. Já há uma representação na Procuradoria Geral da República, em Brasília, com um pedido de quebra de sigilo telefônico de Serra, do senador eleito Aloysio Nunes e do ex-diretor do Dersa. Pág. 3 Raquel Torres

“Ímpeto colonizador” de Israel impede negociações

A pedido de Serra, mídia alternativa é censurada A Revista do Brasil e o Jornal da CUT foram retirados de circulação por ordem do TSE, que acatou pedido feito pela campanha de José Serra. O editor da revista considera abusiva a medida, já que a publicação é mantida por uma empresa privada e não tem vínculo direto com os sindicatos. A campanha de Serra tem utilizado panfletos difamatórios e telemarketing contra Dilma. O Brasil de Fato traz um encarte sobre o segundo turno das eleições. Págs. 4, 5 e edição especial

As negociações entre a Autoridade Nacional Palestina (ANP) e o Estado de Israel não têm rendido frutos. Em entrevista ao Brasil de Fato, o jornalista Sergio Yahni defende que a trava no processo está na falta de interesse do governo israelense em colocar limites ao seu ímpeto colonizador na Cisjordânia. Yahni também comenta a lei aprovada pelo parlamento de Israel que obriga os cidadãos de seu país – dentre os quais 20% são árabes – a jurar lealdade ao Estado judeu. Pág. 9

Sem escola nos assentamentos, crianças têm que percorrer longas distâncias

Problemas estruturais atingem a educação no campo

ISSN 1978-5134

O Brasil de Fato fecha, nesta edição, a publicação das matérias produzidas pela Revista Poli sobre as

escolas rurais. A reportagem visitou estabelecimentos de três regiões do estado do Rio de Janeiro e discute projetos

e demandas do setor com movimentos sociais, trabalhadores, estudantes, pesquisadores e com o poder

público. A falta de estrutura em transporte é um dos problemas retratados pela reportagem. Págs. 6 e 7 Bruna Prado

Arte na rua resiste à mercantilização da cultura

Pág. 8


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editorial FOI EXATAMENTE isto o que ocorreu no final de semana, dias 16 e 17. O primeiro dos aparelhos clandestinos estourados foi uma gráfica no bairro do Cambuci (São Paulo-SP), onde já estavam rodados dois milhões de panfletos contra a candidata à Presidência, Dilma Rousseff, encomendados por integralistas e monarquistas, além de membros do comitê de campanha do candidato da aliança DEM-Tucanos-TFP-CCC-Integralistas-Monarquistas, José Serra. O segundo, foi o jantar e a reunião (secretos) em dois hotéis de Foz de Iguaçu (PR), financiados pela Globo e organizados pelo senhor Raphael Eckmann, atualmente Investor Relations at Tarpon Investment Group São Paulo e região – Brasil, e que, durante quatro anos (2003 e 2007), foi Commercial Manager da Globosat (setor serviços financeiros). O encontro reuniu 130 investidores de todo o mundo. A cereja deste bolo foi Fernando Henrique Cardoso. O príncipe dos sociólogos, ali, presidia o leilão do Brasil, provavelmente para a venda de novas estatais, como fez em sua gestão: dinheiro podre e financiamento do BNDES. Certamente por isto, naquele mesmo momento, no de-

debate

Militância estoura dois aparelhos clandestinos da campanha Serra bate entre os presidenciáveis na Rede TV, quando perguntado, pela candidata Dilma, se iria privatizar as empresas de energia, o candidato tucano não tenha conseguido responder: a reunião em Foz, que acontecia naquele mesmo momento, ainda estava em curso. Ele, portanto, não sabia dos acertos a que havia chegado o senhor Cardoso. Questionados sobre estes fatos, os dois tucanos encontraram as piores justificativas, regadas de uma overdose de cinismo. De acordo com Serra, ele não sabia de nada sobre os panfletos. Acontece que, como é público, o candidato tucano, há uns dez dias, esteve reunido com representantes e militantes do grupo paramilitar e fascista Comando de Caça aos Comunistas (CCC) e da organização ultradireitista Tradição Família e Propriedade (TFP). Estas organizações participaram da conspiração e do golpe de 1964 e foram dos mais ferozes defensores da ditadura, opondo-se até o final a

qualquer abertura. No caso, o CCC, aliado aos esquadrões da morte e aos mais violentos aparelhos de repressão (Oban, Doi-Codi, Cenimar, Deops, etc.), participou diretamente dos sequestros, prisões em cárcere clandestino, torturas, assassinatos e ocultação de cadáveres de militantes da resistência contra a ditadura. Além de ter sido responsável por vários atentados a bomba, invasão de teatros, livrarias etc. No caso de FHC, impossibilitado de negar sua presença nos hotéis Cataratas e Internacional de Foz de Iguaçu, admitiu que lá esteve, mas “fazendo uma palestra”. Em seguida, tentou desmentir e desqualificar o que os jornalistas independentes e blogueiros divulgaram sobre seu encontro com os tais investidores internacionais. Ou seja, que FHC funcionava como um corretor de venda do nosso país e de nossas empresas públicas. Mas o que o ilustre palestrante não conseguirá jamais explicar é o fato de

que, na véspera de sua chegada ao local da conferência, desembarcou em Foz um grupo de seus assessores, que se reuniram com os investidores para preparar a reunião do dia seguinte. Ou seja, as informações dos jornalistas independentes e blogueiros são absolutamente corretas. Disso tudo, ressaltamos duas evidências. Primeiro: caso o senhor José Serra seja eleito (do que duvidamos), formará um governo em que estarão necessariamente representados a TFP, o CCC, os integralistas e monarquistas – além, é claro, do DEM – do senhor Bornhausen (ex-PFL e ex-Arena); do PPS – do senhor Roberto Freire, e outros assemelhados. Descontados o Estado Novo e a ditadura pós1964, será o primeiro caso de um gabinete fascista puro-sangue que conheceremos. Um gabinete formado pelas mais arraigadas forças golpistas do nosso país, com comprovada prática de montar e fazer

crônica

Tânia Bacelar de Araujo

O voto do Nordeste: para além do preconceito A AMPLA VANTAGEM da candidata Dilma Rousseff no primeiro turno, no Nordeste, reacende o preconceito de parte de nossas elites e da grande mídia face às camadas mais pobres da sociedade brasileira, em especial face ao voto dos nordestinos. Como se a população mais pobre não fosse capaz de compreender a vida política, nela atuar em favor de seus interesses e em defesa de seus direitos. Como se não “soubesse” votar. Desta vez, a correlação com os programas de proteção social, em especial o “Bolsa Família”, serviu de lastro para estas análises parciais e eivadas de preconceito. E como a maior parte da população pobre do país está no Nordeste, no Norte e nas periferias das grandes cidades (vale lembrar que o Sudeste abriga 25% das famílias atendidas pelo “Bolsa Família”), os “grotões”- como nos tratam tais analistas – teriam avermelhado. Mas os beneficiários destes Programas, no Nordeste, não são suficientemente numerosos para responder pelos percentuais elevados obtidos por Dilma no primeiro turno : mais de 2/3 dos votos no MA, PI e CE, mais de 50% nos demais estados, e cerca de 60% no total (contra 20% dados a Serra). A visão simplista e preconceituosa não consegue dar conta do que se passou nesta região nos anos recentes e que explica a tendência do voto para governadores, parlamentares e candidatos a presidente no Nordeste. A marca importante do governo Lula foi a retomada gradual de políticas nacionais, valendo destacar que elas foram um dos principais focos do desmonte do Estado nos anos 90. Muitas tiveram como norte o combate às desigualdades sociais e regionais do Brasil. E isso é bom para o Nordeste.

Daí a ampla aprovação do governo Lula, em todos os Estados e nas diversas camadas da sociedade nordestina, se refletir na acolhida a Dilma. Não é o voto da submissão – como antes – da desinformação ou da ignorância Por outro lado, ao invés da opção estratégica pela “inserção competitiva” do Brasil na globalização – que concentra investimentos nas regiões já mais estruturadas e dinâmicas e que marcou os dois governos do PSDB –, os governos de Lula optaram pela integração nacional ao fundar a estratégia de crescimento na produção e consumo de massa, o

Gama

que favoreceu enormemente o Nordeste. Na inserção competitiva, o Nordeste era visto apenas por alguns “clusters” (turismo, fruticultura irrigada, agronegócio graneleiro...), enquanto nos anos recentes a maioria dos seus segmentos produtivos se dinamizaram, fazendo a região ser revisitada pelos empreendedores nacionais e internacionais. Por seu turno, a estratégia de atacar pelo lado da demanda, com políticas sociais, política de reajuste real elevado do salário mínimo e a de ampliação significativa do crédito, teve impacto muito positivo no Nordeste. A região liderou – junto com o Norte – as vendas no comércio varejista do país entre 2003 e 2009. E o dinamismo do consumo atraiu investimentos para a região. Redes de supermercados, grandes magazines, indústrias alimentares e de bebidas, entre outros, expandiram sua presença no Nordeste ao mesmo tempo em que as pequenas e medias empresas locais ampliavam sua produção. Além disso, mudanças nas políticas da Petrobras influíram muito na dinâmica econômica regional, como a decisão de investir em novas refinarias (uma em construção e mais duas previstas) e em patrocinar – via suas compras – a retomada da indústria naval brasileira,

o que levou o Nordeste a captar vários estaleiros. Igualmente importante foi a política de ampliação dos investimentos em infraestrutura – foco principal do PAC – que beneficiou o Nordeste com recursos que, somados, têm peso, no total dos investimentos previstos, superior à participação do Nordeste na economia nacional. No seu rastro, a construção civil “bombou” na região. A política de ampliação das Universidades Federais e de expansão da rede de ensino profissional também atingiu favoravelmente o Nordeste, em especial cidades médias de seu interior. Merece destaque ainda a ampliação dos investimentos em C&T que trouxe para Universidades do Nordeste a liderança de Institutos Nacionais – antes fortemente concentrados no Sudeste – dentre os quais se destaca o Instituto de Fármacos (na UFPE) e o Instituto de Neurociências instalado na região metropolitana de Natal sob a liderança do cientista brasileiro Miguel Nicolelis, que organizará uma verdadeira “cidade da ciência” num dos municípios mais pobres do RN (Macaíba). Igualmente importante foi quebrar o mito de que a agricultura familiar era inviável. O Pronaf mais que sextuplicou seus investimentos entre 2002 e 2010, e outros programas e instrumentos de política foram criados (seguro – safra, Programa de Compra de Alimentos, estimulo a compras locais pela Merenda Escolar, entre outros); e o recente Censo Agropecuário mostrou que a agropecuária de base familiar gera três em cada quatro empregos rurais do país e responde por quase 40% do valor da produção agrícola nacional. E o Nordeste se beneficiou muito desta política, pois abriga 43% da população economicamente ativa do setor agrícola brasileiro. Resultado: o Nordeste liderou o crescimento do emprego formal no país, com 5,9% de crescimento ao ano entre 2003 e 2009, taxa superior à de 5,4% registrada para o Brasil como um todo, e aos 5,2% do Sudeste, segundo dados da RAIS. Daí a ampla aprovação do governo Lula em todos os Estados e nas diversas camadas da sociedade nordestina se refletir na acolhida a Dilma. Não é o voto da submissão – como antes – da desinformação, ou da ignorância. É o voto da autoconfiança recuperada, do reconhecimento do correto direcionamento de políticas estratégicas e da esperança na consolidação de avanços alcançados – alguns ainda insipientes e outros insuficientes. É o voto na aposta de que o Nordeste não é só miséria (e, portanto, “Bolsa Família”), mas uma região plena de potencialidades. Tânia Bacelar de Araujo é especialista em desenvolvimento regional, economista, socióloga e professora do Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

funcionar eficientemente o terror de Estado. Segundo: fica evidente o importante papel que tem a militância, no corpo a corpo da campanha, sobretudo nesta reta final. Tanto a gráfica, quanto a reunião em Foz, foram descobertas por militantes. No caso da gráfica, foi possível a articulação imediata com a coordenação da campanha do PT, em São Paulo, que, juntamente com a militância, organizou o estouro do aparelho. No caso de Foz, embora a coordenação nacional da campanha houvesse sido imediatamente comunicada, a urgência da ação e as distâncias a serem percorridas – somadas ao fato da reunião ter ocorrido no mesmo momento do debate dos candidatos na Rede TV, acabaram por impedir uma ação mais articulada. Observação – O Brasil de Fato imprimiu dois milhões de exemplares de um caderno especial (que se segue encartado nesta edição) sobre as eleições, para serem distribuídos em todo o Brasil. Quem estiver interessado em participar deste mutirão, entre em contato com jornal pelo telefone (11) 2131 0800 ou mande correio eletrônico para: distribuicao@brasildefato.com.br

Roberto Malvezzi (Gogó)

Serra e o saneamento É PRATICAMENTE impossível fazer uma reflexão mais a fundo, neste momento da campanha eleitoral, em que o jogo do poder prevalece sobre a ética e a verdade. Porém, é impossível também não comentar as declarações de Serra sobre o saneamento. Ele tem afirmado que desenvolverá o saneamento no Brasil, alegando que o governo atual pouco fez nesse sentido. Então, é preciso restabelecer um mínimo de verdade nesta questão. Em 2004, eu estava na equipe da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que elaborou o texto base da Campanha da Fraternidade, “Água, fonte de vida”. Evidentemente tínhamos que nos deparar com a questão do saneamento no Brasil. Então, pesquisando o governo FHC, ficamos sabendo que o Brasil, por força de um acordo com o Banco Mundial e FMI, tinha sido proibido de investir em saneamento por quase uma década. O argumento dos organismos multilaterais era que “não são investimentos, mas despesas”. Para equilibrar as contas, então, não se podia investir no saneamento.

Uma questão básica, como esta, não pode estar à mercê do jogo bruto da conquista do poder. Nossa população mais pobre precisa de um verdadeiro saneamento ambiental, hoje reconhecido pela ONU também como direito fundamental do ser humano Desta forma, os serviços ficaram ainda mais precarizados; mas era a lógica de “precarizar para privatizar”. Foi feita uma tentativa monumental da era FHC para privatizar os serviços de água no Brasil. Houve resistência popular, dos sindicatos, de parlamentares vinculados à questão social. As privatizações deste setor, àquela época, pouco avançaram. Quando estávamos para concluir o texto base, dom Odilo Sherer, então secretário na CNBB, me delegou, juntamente com o Pe. Carlos Tóffoli, para um encontro com o Olívio Dutra, então ministro do Ministério das Cidades. Foi ele que nos apresentou o Marco Regulatório do Saneamento Ambiental para o Brasil. O país precisaria de cerca de 180 bilhões de reais para ser saneado, um investimento médio de oito bilhões ao ano durante 20 anos. O conceito de “saneamento ambiental” inclui cinco princípios básicos: abastecimento de água para uso doméstico, coleta e tratamento de esgoto, drenagem das águas pluviais, manejo dos resíduos sólidos e controle de vetores transmissores de doenças. Este Marco Regulatório do Saneamento foi finalmente aprovado, embora ainda persistam pontos divergentes no Congresso. Na contradição do PAC, o governo atual começou operacionalizar efetivamente o saneamento, embora de forma tantas vezes criticável, como acontece aqui no vale do São Francisco. Uma questão básica, como esta, não pode estar à mercê do jogo bruto da conquista do poder. Nossa população mais pobre precisa de um verdadeiro saneamento ambiental, hoje reconhecido pela ONU também como direito fundamental do ser humano. A conquista do saneamento deveria ser um pacto nacional, para além de todo e qualquer partido. Roberto Malvezzi (Gogó) é assessor da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Igor Ojeda, Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Daniel Cassol, Eduardo Sales de Lima, Leandro Uchoas, Mayrá Lima, Patricia Benvenuti, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, Vinicius Mansur • Assistente de Redação: Michelle Amaral • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Elaine Andreoti • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Aurelio Fernandes, Delci Maria Franzen, Dora Martins, Frederico Santana Rick, José Antônio Moroni, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Sávio Bones, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800


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brasil

De onde vieram os R$ 4 milhões? POLÍTICA Dilma Rousseff retoma denúncia de corrupção e colaca tucanos contra a parede Rodrigo Capote/Folhapress

Eduardo Sales de Lima da Redação NO VÁCUO da falta de propostas programáticas, o denuncismo e a religião têm dado o tom da campanha eleitoral. Os problemas do caso Erenice Guerra foi admitidos pela própria candidata à presidência pelo PT, Dilma Rousseff. “No caso de José Serra [PSDB], evidente, os tucanos sabem que têm um imenso esquema de corrupção atrás. E agora ele tem que engolir esse Paulo Preto”, lembra o deputado federal reeleito, Ivan Valente. No primeiro debate do segundo turno, transmitido pela TV Bandeirantes em 10 de outubro, a candidata petista trouxe à tona uma denúncia feita pela revista IstoÉ em agosto.“Fico indignada com a questão da Erenice. Agora, acho que você também deveria responder sobre o engenheiro Paulo Vieira de Souza, seu assessor, que fugiu com R$ 4 milhões de sua campanha”, desafiou. O vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, o tesoureiro-adjunto da campanha, Evandro Lossaco, e o deputado federal reeleito, José Aníbal, teriam sido as fontes da denúncia da matéria da revista. O sumiço destes R$ 4 milhões atribuídos ao maior arrecadador do partido, Paulo Vieira de Souza, conhecido entre os tucanos como Paulo Preto, vem carregado, agora, com um sério problema junto aos tucanos e que servirá como uma das principais armas petistas nessa reta final das eleições presidenciais. A questão principal deixou de ser o sumiço, mas de onde vieram estes R$ 4 milhões. No dia seguinte ao debate, 11 de outubro, José Serra declarou à imprensa que não o conhecia. Após ter se dado conta da importância do quadro, e de ter levado à sério ameaças dissimuladas que Paulo Preto teria dado à cúpula tucana em entrevista ao jornal Fo-

dar algum tipo de resposta pública, já que era chefe da Casa Civil”, afirma Ivan Valente.

“Ninguém abriu a ‘capivara’ do Aloysio (investigou). Nas campanhas eleitorais, o Aloysio sempre foi um cara que mexeu com dinheiro, com muito dinheiro” Investigar?

O ex-diretor da Dersa, Paulo Vieira de Souza, chamado de Paulo Preto pelos tucanos

“Isso mostra uma intimidade grande. Ninguém empresta R$ 300 mil se você não é uma pessoa conhecida. Ele precisa dar algum tipo de resposta pública, já que era chefe da Casa Civil”

dades no trecho sul do Rodoanel; entre elas, um superfaturamento de R$ 32 milhões em relação ao contrato inicial, despesa que teria sido repassada ao Ministério dos Transportes, parceiro no projeto. Intimidade

lha de S.Paulo, Serra passou a se lembrar e, mais que isso, a defendê-lo diante da imprensa. O presidenciável não sabia quem era Paulo num dia e, no outro, defendeu-o como velho conhecido. Evidências

Sim, trata-se de antigo quadro tucano. E mais que isso. É considerado o maior arrecadador do PSDB. Sempre manteve relações estreitas com as empreiteiras Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, OAS, Mendes Júnior, Carioca e Engevix. Acabou sendo “pego”

na Operação Castelo de Areia, da Polícia Federal, deflagrada em 2009. Foi neste episódio que executivos da construtora Camargo Corrêa foram acusados de comandar um esquema de propinas em obras públicas. No relatório da PF há várias referências ao trecho sul do Rodoanel, responsabilidade de Paulo Vieira Souza, que teria recebido quatro pagamentos mensais de R$ 416 mil da empreiteira. De acordo com a revista Carta Capital, uma auditoria da empresa Fiscobras apontou diversas irregulari-

Paulo Preto estava à frente da diretoria do Desenvolvimento Rodoviário S.A. (Dersa) desde 2005. Foi demitido em abril deste ano. Mas, antes disso, ele trabalhou no Palácio do Planalto durante os quatro anos do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso como assessor especial da Presidência, no programa Brasil Empreendedor Rural. De acordo com o deputado estadual reeleito em São Paulo, Adriano Diogo (PT), Paulo Preto chegou a morar junto com o senador eleito Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), em Brasília (DF), onde teriam montado um esquema, segun-

do o deputado, de “lavagem de dinheiro”. Aloysio foi chefe da Casa Civil no governo estadual de José Serra (2007-2010). Fato é que, de acordo com a Carta Capital, quem levou Vieira de Souza para o governo de Fernando Henrique foi seu amigo próximo, Aloysio Nunes Ferreira. De acordo com a IstoÉ, familiares de Vieira de Souza chegaram a emprestar R$ 300 mil para Ferreira, quantia assumidamente utilizada pelo novo senador para quitar o pagamento do apartamento onde vive, no rico bairro de Higienópolis, em São Paulo (SP). “Ninguém abriu a ‘capivara’ do Aloysio (investigou). Nas campanhas eleitorais, o Aloysio sempre foi um cara que mexeu com dinheiro, com muito dinheiro”, atesta Diogo. “Isso mostra uma intimidade grande. Ninguém empresta R$ 300 mil se você não é uma pessoa conhecida. Ele precisa

O deputado Paulinho da Força (PDT-SP) protocolou, no dia 19 de outubro, na Procuradoria Geral da República, em Brasília, um pedido de quebra de sigilo telefônico de Serra, de Aloysio Nunes e do ex-diretor do Dersa. Ainda no dia 14 de outubro, entretanto, a bancada do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo entrou com uma representação no Ministério Público Estadual. Os parlamentares petistas pedem investigação contra o ex-diretor do Dersa por improbidade administrativa e pelo sumiço dos R$ 4 milhões arrecadados irregularmente para a campanha tucana. Além disto, os parlamentares petistas acusam a filha de Paulo Preto, a advogada Priscila Arana de Souza, de tráfico de influência, por representar as empreiteiras que tinham negócios com a empresa pública desde 2006, quando o pai era responsável pelo acompanhamento e fiscalização das principais obras viárias do governo paulista, como o Rodoanel e a Nova Marginal. Ou seja, a filha representava as mesmas empresas que fiscalizadas pelo pai. (Com informações de agências)

José Luis da Conceição/Governo SP

A elite de “bico fechado” Deputado estadual cita “pacto” iniciado com a ditadura civil-militar José Luis da Conceição/Governo SP

da Redação

Trecho da Avenida Jacu-Pêssego

Se fosse na ditadura... O arrecadador de campanhas tucano, Paulo Preto, poria padre no “pau-de-arara”, segundo conta deputado estadual da Redação O deputado estadual Adriano Diogo (PT) relatou um episódio que mostra, além da personalidade agressiva de Paulo Vieira de Souza, o modo desastroso das administrações tucanas lidarem com a população de baixa renda. Diogo conta como se deu a audiência para debater os impactos da construção da avenida Jacu-Pêssego, em 2009, em que estavam presentes ele, o líder comunitário do bairro de São Mateus, extremo leste paulistano, padre Franco Torresi, e o ex-diretor da Dersa – Desenvolvimento Rodoviário S. A., Paulo Vieira de Souza.

“Como ele queria desapropriar rápido, montou, dentro do escritório da CR Almeida, um escritório de compra de todas as cinco mil casas. Ele mandava pagar sem critério”, critica Diogo. Ao se encontrar com Paulo Vieira de Souza, tanto o padre Torresi, representantes das comunidades atingidas pelas obras da avenida, quanto Diogo, foram surpreendidos. Segundo o deputado, o ex-diretor da Dersa lançou ameaças contra o padre. Eis o tom do “diálogo”, segundo versão de Adriano Diogo: Paulo Vieira: “Quem é esse porra aí?” Diogo: “Tenha educação, esse cara é um padre”. Paulo Vieira: “Nem de padre eu gosto, seu filho da puta! Se eu tivesse pego você no tempo do regime militar, eu te pendurava no pau (de arara)...” Diogo: “Vá com calma, cara! Que é isso?!” Paulo Vieira: “Eu não quero saber. Vá se foder! Vá se foder!” A impressão não foi boa. “O cara é histérico, meu”, deduziu. (ESL)

No Estado de São Paulo, Paulo Vieira de Souza, vulgo Paulo Preto, foi o responsável pela medição de obras e pagamentos a empreiteiras contratadas para construir o trecho sul do Rodoanel, que custou R$ 5 bilhões; a expansão da avenida Jacu-Pêssego e a reforma na Marginal do Tietê, estimada em R$ 1,5 bilhão. O trecho sul do Rodoanel é alvo de suspeitas e denúncias do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Ministério Público, que apontam a obra com indícios de superfaturamento e outras irregularidades. A obra teve seu processo de construção acelerado devido à campanha eleitoral e contou com alterações nos materiais utilizados e no seu projeto. Sobre a construção da Nova Marginal, o governador José Serra disse que o custo seria de R$ 800 milhões. Porém, o preço da obra passou para R$ 1,9 bilhão, ou seja, cresceu mais que o dobro. “Não existe coisa mais corrupta que as administrações tucanas. E não estou falando de ‘neotucanos’. E o Estado de São Paulo é governado por essa oligarquia desde 1986. É a mesma oligarquia dos governos paulistas de André Franco Montoro [19831987], Orestes Quércia [19871991], Luiz Antônio Fleury Filho [1991-1995], Mário Covas [1995-2001], Geraldo Alckmin [2001-2006] e José Serra

Trecho sul do Rodoanel, obra sob suspeita do TCU e do Ministério Público

“Até hoje há um acordo, entre as classes dominantes, assegurando que nada que fira seus interesses pode ser aberto ou investigado” [2007-2010]”, atesta Adriano Diogo (PT). Para ele, existe um pacto de silêncio entre as elites, puxada por tais oligarquias, de não investigar nada do que acontece relacionado aos tucanos. “Um pacto relacionado à ditadura civil-militar. Até hoje há um acordo, entre as classes dominantes, assegurando que nada que fira seus interesses pode ser aberto ou investigado. É uma norma; uma norma de conduta”, dispara. Segundo ele, o PSDB vem sendo protegido, nos últimos anos, por várias instân-

cias de poder, como os poderes Legislativo e Judiciário, simplesmente da mesma forma como outras organizações partidárias e outros personagens já o foram. “No caso do Paulo Maluf (PP-SP), todas as vezes que ele estava no poder, todas as denúncias eram abafadas. Depois que ele se transformou em um ‘cachorro morto’ é que as investigações foram aprofundadas”, defende. Os casos de corrupção envolvendo principalmente os tucanos paulistas têm sido uma constante nos últi-

mos anos. O escândalo do caso Alstom é um bom exemplo. Há uma série de denúncias de pagamento de propina feitos pela empresa francesa Alstom a vários políticos brasileiros do PSDB. Entre elas, está a de que a transnacional teria desembolsado 6,8 milhões de dólares em propinas para conseguir obter um contrato de 45 milhões de dólares para expansão do metrô de São Paulo. Os atos de corrupção teriam sido iniciados já nos anos 1980 e atingido seu pico entre os anos 1990 e 2000. “Em diversas áreas, não é exagero falar em aparelhamento tucano. Se a população tivesse mais acesso às informações, se o Legislativo funcionasse, o eleitorado veria com outros olhos esta dinastia tucana”, afirma Valter Pomar, do diretório nacional do PT. (ESL)


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brasil

A pedido de Serra, TSE censura imprensa popular

fatos em foco

Hamilton Octavio de Souza

Protesto global

MÍDIA Processo movido por PSDB proíbe circulação de Jornal da CUT e Revista do Brasil Valter Campanato/ABr

Renato Godoy de Toledo da Redação AQUELES QUE acusam o atual governo de promover censura e atentar contra a grande imprensa têm se notabilizado, neste processo eleitoral, por incentivar a censura de notícias “desfavoráveis”. No primeiro turno, o PSDB conseguiu proibir a veiculação de pesquisas eleitorais no Paraná, temendo que mostrassem a curva descendente de seu candidato, Beto Richa. Agora, pediram a retirada de circulação da Revista do Brasil e do Jornal da CUT ao Tribunal Superior Eleitoral. E o TSE acatou a decisão, bem como o pedido de que o processo corresse em sigilo. O tribunal, no entanto, não acatou o pedido de retirada do ar do blog do presidente da CUT Artur Henrique (arturcut.wordpress.com). O Jornal da CUT foi editado em setembro e direcionado ao público sindical. Segundo a assessoria da central, a medida do TSE foi praticamente inútil, já que o jornal não estava mais em circulação. Em ambos os casos, o TSE aceitou a alegação do PSDB de que as publicações ligadas aos sindicatos não podem se posicionar politicamente nas eleições. No entanto, por mais duvidosa que seja esta legislação, ela não vale para a Revista do Brasil, que é uma publicação realizada por uma empresa privada, a Editora Gráfica Atitude Ltda. A capa da edição 52 tem uma foto da candidata do PT e o título “A vez de Dilma”. A matéria ouve a opinião de diversas fontes sobre o segundo turno. Por mais que o posicionamento pró-Dilma esteja claro nas páginas da publicação, não se trata de um panfleto da candidatura da presidenciável, como tenta fazer crer o PSDB. O posicionamento de publicações de caráter privado tem sido mais comum nas últimas eleições. Tal como nos últimos pleitos, o jornal O Estado de S. Paulo e a revista Carta Capital anunciaram seus apoios a Serra e Dilma, respectivamente. Método estranho O editor da Revista do Brasil, Paulo Salvador, afirma que a notificação da decisão do TSE foi, no mínimo, “estranha”. Os representantes da publicação foram contatados na madrugada da segundafeira (18). De acordo com o jorna-

Assédio violento

Os movimentos Xingu Vivo para Sempre, dos Atingidos por Barragens e outros encaminharam denúncia à Defensoria Pública de Altamira, no Pará, contra o Consórcio Norte Energia, montado para construir a hidrelétrica de Belo Monte, por assediar os ribeirinhos e pequenos agricultores da região. A empresa pressiona os moradores para usar seus lotes como canteiro de obras. É uma violência contra o povo.

Direitos humanos

TSE aceitou a alegação do PSDB, de Serra, de que as publicações ligadas aos sindicatos não podem se posicionar nas eleições

lista, minutos depois a notícia já estava no portal G1 das Organizações Globo. Em seguida, a notícia da proibição da circulação da Revista do Brasil e do Jornal da CUT foram colocadas pela imprensa como parte de uma “guerra de panfletos”, de acordo com Salvador. Pois a notícia foi associada à apreensão de panfletos anti-Dilma na gráfica de um tucano em São Paulo (veja matéria abaixo).

“Foi um pedido de censura do Serra. E eles pediram sigilo, no caso, para que o assunto não aparecesse no debate eleitoral” “Houve um exagero do TSE, que tratou a CUT e a Revista do Brasil como se fossem a mesma coisa. Somos uma empresa privada. Nossa relação com os sindicatos é

de prestação de serviços. Eles criaram um factoide. Não há uma lei que possa nos atingir enquanto empresa privada e comercial. Foi um pedido de censura do Serra. E eles pediram sigilo, no caso, para que o assunto não aparecesse no debate eleitoral”, explica Salvador. Esta é a segunda edição da revista que foi impedida de circular pela Justiça. A primeira foi em 2006, também em período eleitoral. Os jornais da grande imprensa informaram, em tom de denúncia, que a publicação recebe patrocínio de empresas estatais como a Petrobras e o Banco do Brasil. “Eles tentaram politizar a questão dos anúncios, o que foi um tiro no pé. Eles pensam que os anúncios são só para eles, que as pequenas publicações não podem receber. Com este argumento, eles geram uma desconfiança contra eles mesmos, já que vão pensar que estão favorecendo determinado órgão por este ser anunciante. A Secretaria de Comunicação Social [Secom] tem, razoavelmente, pulverizado suas verbas, mas ainda é pouco”, diz o jornalista. Em seu blog, a Petrobras rebateu o tom de denúncia que se deu na

Reprodução

A Anistia Internacional enviou carta ao governo dos Estados Unidos para pedir a revisão do processo que condenou cinco cubanos a penas que variam de 15 anos de prisão a prisão perpétua, por espionagem. A carta lembra que foram presos em Miami, em 1998, julgados e condenados sem quaisquer provas. A própria ONU concluiu que o julgamento deles foi uma farsa. Liberdade para os cubanos, já!

Mineiro histórico

Considerado o líder dos mineiros que ficaram soterrados no Chile, Luis Urzúa é filho de dirigente sindical do Partido Comunista “desaparecido”, logo após o golpe de Pinochet, em 1973. Seu padrasto também foi assassinado pela ditadura. Agora, ao deixar a mina, após o resgate de todos os seus companheiros, Luis Urzúa falou ao presidente do Chile: “Espero que isso nunca volte a ocorrer”, referindo-se às condições de trabalho dos mineiros.

Poder popular

Folha de S.Paulo, na matéria “BB e Petrobras custeiam Revista da CUT pró-Dilma”, no dia 19 de outubro. “A veiculação de anúncios na Revista do Brasil possibilita à companhia divulgar suas ações para um público formador de opinião dos principais sindicatos de todo o país, nos diversos setores da economia – como indústria, energia, bancos, saúde e educação. A tiragem mensal da revista é de 360 mil exemplares”, informou a nota.

Gráfica tucana produzia panfletos anti-Dilma José Serra/CC

Aborto e religiosidade são abordados por panfleto e telemarketing tucano

Realizada nos dias 8 e 9 de outubro, em Quito, no Equador, com a participação de 172 representantes de 52 organizações de 17 países, a 3ª Assembléia Latinoamericana da Juventude Campesina analisou os vários projetos na atual conjuntura: o imperialista, que fortalece o agronegócio e criminaliza as lutas sociais; o de conciliação de classes expresso na Unasur; e o da Alba, que fortalece o poder popular. A juventude defende o da Alba.

Proteção superior

Não é de hoje que as instâncias superiores do Judiciário brasileiro protegem ricos e poderosos em geral, derrubam decisões de instâncias inferiores ou protelam ao máximo até a prescrição dos crimes. No dia 13 de outubro, o Superior Tribunal de Justiça derrubou pedido do Ministério Público para manter sentença de quebra do sigilo bancário da Igreja Universal do Reino de Deus, nos Estados Unidos, suspeita de evasão de divisas. O STJ vetou!

Direitos violados

Em conflito com a população quilombola há quase 20 anos, o Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, que faz parte do Programa Espacial Brasileiro, conta agora com um grupo de trabalho da Advocacia Geral da União para acelerar os processos de desapropriação e de indenização dos moradores, os quais têm sido sistematicamente desrespeitados em seus direitos sobre a área. Esperase que o novo grupo acate a demanda dos quilombolas.

da Redação As eleições de 2010 já são consideradas uma das mais violentas, desde 1989. Os recursos usados contra a candidatura do PT, em muito, lembram os métodos empregados por Fernando Collor contra Lula; outras remontam ao obscurantismo de momentos pré-golpe de 1964. O tema da religiosidade e do aborto foram muito explorados pela campanha tucana. Em um primeiro momento, a campanha petista parece ter ido às cordas e aceitado a pauta retrógrada. Mas, iniciado o segundo turno, os coordenadores do PT parecem ter achado uma maneira de partir para a ofensiva com o tema das privatizações. Nos debates e no horário eleitoral, José Serra parece ter abandonado esta questão por ora. Mas no rádio, na internet, por meio de panfletos e até por telemarketing a estratégia de difamação continua forte. Uma gráfica de Arlety Kobayashi, irmã de um dos coordenadores da campanha de Serra, Serginho Kobayashi, foi flagrada produzindo uma encomenda de 2,1 milhões de panfletos contra Dilma Rousseff em São Paulo.

Milhões de trabalhadores e estudantes realizaram greves e manifestações de protestos contra a reforma da previdência, que prevê aumento de idade de aposentadoria de 60 para 62 anos. Em várias cidades, eles queimaram veículos e enfrentaram a polícia. Isto aconteceu na França, na última semana, e repete o mesmo clima de descontentamento que tomou conta de várias capitais européias. Lá, a luta está nas ruas!

Mais ameaças

Serra e Tasso rezam em Uruoca, no Ceará

A encomenda teria sido feita por um bispo de Guarulhos. Os panfletos iriam ser distribuídos em todo o país e contavam com o logo da

O candidato derrotado ao senado, Tasso Jereissati, interrompeu a missa aos berros de “padre petista”

CNBB regional sul 1. A encomenda teria custado R$ 33 mil, mas até o final desta edição não havia ficado claro quem foi o contratante. A Polícia Federal apreendeu o material, mas boa parte destes panfletos já foram distribuídos. Outro material semelhante a este foi distribuído durante uma missa, em Canindé (CE), em que José Serra (PSDB) fazia campanha. O PT pediu investigação de crime eleitoral. O padre que rezava a missa afirmou que aqueles panfletos nada tinham a ver com sua paróquia e que diziam inverdades. O can-

didato derrotado ao senado, Tasso Jereissati, interrompeu a missa aos berros de “padre petista”. Telemarketing A mais nova tática apresentada pela campanha política de Serra se dá por meio do telemarketing. Segundo o blog Escrevinhador, uma empresa de São Paulo estaria ligando para pessoas que recebiam mensagens anti-Dilma no telefone. Via Twitter, usuários denunciaram a prática. As mensagens tocariam novamente na questão do aborto. (RGT)

A Comissão Pastoral da Terra de Xinguara, no Pará, denuncia novas ameaças de latifundiários e pistoleiros contra famílias que estão no Acampamento Pé da Serra, no município de Santana do Araguaia, no sul do Estado. No início de outubro, pistoleiros atiraram contra as famílias e espancaram dois acampados. A CPT pede a agilização do processo de retomada da área pelo Incra, inclusive para se evitar novas tragédias.

Cinema vivo

Acontecerá de 8 de novembro a 19 de dezembro a 5ª Mostra Cinema e Direitos Humanos da América do Sul, com a exibição de 41 filmes – de 10 países – em 20 capitais do Brasil. Organizada pela Secretaria de Direitos Humanos, com patrocínio da Petrobras, a mostra reúne filmes que denunciam as violências praticadas pelas ditaduras latino-americanas nos anos de 1960 a 1980. Vale a pena ver e rever!


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brasil Antônio Cruz/ABr

Sobre petróleo, eleições e o que está em disputa PETRÓLEO Um eventual governo Dilma não atenderia, por completo, as principais reivindicações dos movimentos; porém, Serra seria uma catástrofe para o setor Leandro Uchoas do Rio de Janeiro (RJ) A POUCOS dias do retorno às urnas para se eleger o novo presidente da República, o debate entre os dois principais candidatos tomou rumos insanos. No embate entre Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), parecem mais importante questões como aborto e “casamento gay” do que a exploração do pré-sal e a política econômica. Com a ofensiva obscurantista demotucana, auxiliada por uma mídia posicionada como há muito não se via, a petista se viu acusada de assassina de criancinhas e terrorista. A difamação também assumiu contornos promíscuos e fascistas na internet. No meio sindical, algumas vozes se levantaram, infinitamente mais próximas da lucidez. Então, com atraso, o PT, finalmente, tirou da cartola um dos temas mais importantes da disputa, em que as diferenças entre os dois projetos de governo assumem moldes mais visíveis: o petróleo. Neste setor, como na maioria dos outros, Dilma tende a seguir a tendência do atual governo, substituindo o regime de concessão pelo de partilha. Em 1997, no auge do neoliberalismo, o governo de Fernando Henrique Cardoso aprovou a lei 9.478, possibilitando a exploração do petróleo brasileiro pelas transnacionais, com lucratividade máxima. A implantação das concessões era um primeiro passo rumo às pretensões daquela gestão, amplamente reveladas à época – privatizar a Petrobras. O movimento sindical, desde então, defende uma Petrobras 100% estatal – todo o lucro em suas mãos. O projeto do governo Lula estabelece uma posição intermediária: a partilha. Neste regime, não só o governo recebe parte dos lucros como dita a política de exploração. Como ministra-chefe da Casa Civil, Dilma foi uma das principais articuladoras da posição governista.

O governo FHC ainda é responsável por tentar mudar o nome da Petrobras para Petrobrax DNA privatista No início deste ano, antes do tema petróleo ter virado tabu para o tucanato, o PSDB já defendia posições bastante conservadoras. Atacaram, por exemplo, a lei que cria a estatal Petro-Sal, que retira o pré-sal do sistema de concessões. O deputado federal Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB/ ES), presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela, órgão de estudos de seu partido, contrapôs-se de forma ve-

emente ao projeto, afirmando que “afastaria os investidores”. Segundo o deputado, a criação da Petro-Sal seria “o maior erro de política econômica do governo” nos últimos 26 anos. O projeto de Serra, de retorno ao neoliberalismo, ganhou mais evidências recentes. Veio a público um dos principais assessores de José Serra, David Zylbersztajn. Exgenro de FHC e ex-presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP) em seu governo, ele também dá assessoria a transnacionais do setor, num claro conflito de interesses. Zylbersztajn tem defendido o regime de concessões, usando, inclusive, informações falsas. O pré-sal é a maior descoberta petrolífera dos últimos 30 anos. Sua exploração tende a gerar recursos, por ora, quase incalculáveis. Não é de se estranhar que as transnacionais tenham seus agentes infiltrados em candidaturas.

“Qualquer que seja o governo, a gente vai continuar lutando pelo projeto dos movimentos sociais” Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Zylbersztajn argumentou que o regime de concessões é melhor que o de partilha, porque o governo receberia recursos antecipadamente. Segundo ele, na partilha, o Estado haveria de aguardar a venda do petróleo para lucrar. Entretanto, a lei que estabelece a partilha é clara ao estipular que o pagamento deve ser feito no momento do contrato fixado. Zylbersztajn foi o presidente da ANP quando ocorreu o primeiro leilão das reservas de petróleo em 1999. O governo FHC ainda é responsável por tentar mudar o nome da Petrobras para Petrobrax, para deixá-la mais atrativa a investidores estrangeiros. Também fatiou a empresa para fragilizá-la, num processo de sucateamento comum nos anos 1990, quando se visava privatizar uma estatal. Entrega No projeto de concessões, às empresas resta pagar ao governo alguns impostos e os royalties – porcentagem da produção total. Isso representa cerca de 40% dos faturamento, contra 80% em países de grande volume de produção. Atualmente, no mundo, há uma tendência à estatização no setor: cerca de 70% do petróleo mundial estão nas mãos de estatais. “Serra é o homem encomendado pelo capital para retomar o projeto de Fernando Henrique. Para fugir do assunto, utiliza um sofisma: diz que vai ‘fortificar’

Estudantes fazem manifestação em frente ao Congresso Nacional

“Os tucanos fatiaram a Petrobras com a intenção de privatizá-la. Esvaziaram os investimentos, o que levou a diversos acidentes ambientais” a Petrobras. Mas fortificar para quem? Para nós, só se fortifica com a estatização da empresa”, afirma Francisco Soriano, dirigente do Sindicato dos Petroleiros (Sindipetro-RJ). “Os tucanos fatiaram a Petrobras com a intenção de privatizá-la. Esvaziaram os investimentos, o que levou a diversos acidentes ambientais, resultando em mortes de trabalhadores. O governo Lula reforçou os investimentos na Petrobras, que reduziram esses acidentes”, pontua João Antônio de Moraes, coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP). Como

exemplo, a recente capitalização da Petrobras, promovida pelo governo Lula, há pouco mais de um mês. A operação ampliou a participação estatal, na empresa, de 32% para 48%. O retorno para o Estado em volume de royalties aumentou. Foi o maior processo de capitalização da economia mundial. Cerca de R$ 120 bilhões foram adicionados ao caixa da Petrobras. A empresa poderá, a partir deste aporte, expandir a rede de refinarias, estagnada há 30 anos, e investir nas cinco plantas em construção no território nacional. Esta estrutura, uma vez consolidada, via-

bilizará a exportação de valor agregado ao invés do petróleo cru. Evitará, também, a chamada “maldição do petróleo”, que seria o processo de desindustrialização e dependência que atinge determinados países, meros exportadores de produtos primários finitos. O economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Adilson de Olivera, autor de ensaios sobre o tema, defende que esse processo “tem força para deslocar o patamar do nosso desenvolvimento”. Entretanto, caso Serra vença a eleição de 31 de outubro, esses avanços relativos tendem a ser freados. “Com certeza, uma vitória de Serra deixaria o país completamente fragilizado. Estamos numa encruzilhada energética. Um país que não controla a questão energética não tem futuro”, avalia Moraes. Embora a eventual eleição de Serra represente uma tra-

gédia para o setor, é preciso lembrar que um eventual governo Dilma também não atenderia, a princípio, as reivindicações da campanha “O Petróleo Tem Que Ser Nosso”, que defende uma Petrobras 100% estatal. Sindicalistas não deixam de lembrar que Lula também realizou leilões de reservas. “Qualquer que seja o governo, a gente vai continuar lutando pelo projeto dos movimentos sociais. Mas, nesse momento, não tenho dúvida de que todos os dirigentes sindicais, inclusive os mais críticos, vão votar em Dilma”, afirma Soriano. No Rio de Janeiro, no dia 21, ocorre o ato “Acorda Brasil!”, contra o eventual retrocesso que representa a vitória de José Serra. A concentração é às 15h, em frente à Candelária. O ato é organizado por Via Campesina, MST, UNE, Sindipetro-RJ, FUP, CUT, CTB, Modecon e Femulher.

Meio ambiente, central apenas no discurso Reprodução

Durante o governo FHC, a Petrobras foi responsável por dois megaacidentes sem precedentes na história da estatal do Rio de Janeiro (RJ) Embora oficialmente derrotada, Marina Silva, candidata do PV à Presidência, foi considerada uma das principais vitoriosas do primeiro turno. A significativa votação (20%), o dobro do que inicialmente se previa, a alavancou para uma nova condição. Dilma Rousseff e José Serra passaram a assediá-la, visando herdar seus eleitores. O tucano foi mais incisivo. Adotou um inédito discurso ambientalista, e passou a elogiar amplamente Marina. Teve relativo êxito, mas a direção tomada pelo tucano entra em contradição com a postura das duas gestões tucanas (19952002). Durante o governo FHC, a Petrobras provocou um grande vazamento de óleo na Bahia da Guanabara, no Rio de Janeiro, e outro não menos impactante, no Rio Iguaçu, no Paraná. A P-36, a maior plataforma da empresa, afundou na Bacia de Campos em 2001. Onze trabalhadores morreram. Apenas dois corpos foram encontrados – as outras nove famílias não puderam enterrar seus mortos e nem sequer foram recebidas pe-

Acidente com a P-36, que afundou na Bacia de Campos

A P-36, a maior plataforma da empresa, afundou na Bacia de Campos, em 2001 la empresa. O Sindicato dos Petroleiros (Sindipetro-RJ) já havia divulgado documentos, em 2000, manifestando preocupação com a segurança na plataforma. O sindicato ainda denunciava

a utilização de mão-de-obra estrangeira. As políticas de recordes de produção sustentadas pela precarização do trabalho foram as causas, segundo os sindicalistas, deste patamar sem precedentes de tragédias. O governo Lula manteve certas práticas negativas da gestão anterior – entre as quais, os leilões. Entretanto, investiu mais na empresa. Em oito anos, construiu 15 plataformas. Encaminhou recursos, também, para o desenvolvimento de tecnologia nacional. Embora não tenha revertido a contento a terceirização massiva de

FHC, Lula promoveu mais concursos, com relativa geração de empregos. “Não há dúvida de que Dilma tende a seguir esta linha. São dois projetos bastante distintos”, reitera João Antônio de Moraes da FUP. Serra acusa o atual presidente do PT, José Eduardo Dutra (que foi o primeiro presidente da empresa durante o governo Lula, entre 2003 e 2005), de haver elogiado a gestão de FHC para a Petrobras. Durante o último debate entre os dois presidenciáveis, na Rede TV!, em 17 de outubro, o petróleo já foi o tema mais citado. (LU)


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brasil

Em Nova Iguaçu, os projetos param em problemas estruturais EDUCAÇÃO O Brasil de Fato fecha, nesta edição, a publicação das matérias produzidas pela Revista Poli, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fiocruz, sobre as escolas rurais. A reportagem visitou estabelecimentos de três regiões do estado do Rio de Janeiro e discute projetos e demandas do setor com movimentos sociais, trabalhadores, estudantes, pesquisadores e com o poder público. Confira, nesta e na página ao lado, as histórias dos municípios de Nova Iguaçu e Piraí Raquel Torres

Leila Leal e Raquel Júnia de Nova Iguaçu (RJ) A LUTA das famílias do acampamento Campo Alegre, em Nova Iguaçu, baixada fluminense, remonta às primeiras mobilizações pelo direito à terra do estado do Rio de Janeiro na década de 1980. Os trabalhadores que ocuparam uma fazenda da região, em 1984, serviram de exemplo para famílias de todo o Estado, que iniciaram ocupações em outras regiões reivindicando o acesso à terra. No entanto, 26 anos depois da ocupação de Campo Alegre, a situação das famílias que moram e trabalham no local ainda é indefinida. Por mais que lotes de terra já tenham sido divididos, e muitas famílias estejam instaladas na região há muitos anos, a emissão oficial de posse aos moradores ainda não aconteceu. Existindo praticamente como um assentamento, Campo Alegre ainda é definido pelo Estado como um acampamento, não sendo considerado oficialmente como uma das iniciativas de distribuição de terra da reforma agrária no Brasil. Além das implicações legais, essa situação tem reflexos também para a garantia dos direitos das famílias de Campo Alegre, que não têm acesso a incentivos e políticas públicas para o desenvolvimento da agricultura destinados aos assentamentos como parte da política de distribuição de terras. Porém, os problemas de reconhecimento legal não atingem apenas os moradores de Campo Alegre, mas também o conjunto da população rural de Nova Iguaçu. O Plano Diretor da cidade, aprovado em 1997, não reconhece sequer a existência de áreas rurais no município. Como o Plano Diretor é o instrumento oficialmente responsável por definir a existência ou não de áreas rurais, a população do campo de Nova Iguaçu foi considerada inexistente. Somente em 2006 foi aprovada uma Lei Completar (n° 016) que revisou este tema do Plano Diretor e voltou a reconhecer as áreas rurais do município. Atualmente, está em debate, na Câmara de Vereadores da cidade, uma nova proposta de Plano Diretor, que confirma o reconhecimento dessas áreas.

O Plano Diretor da cidade, aprovado em 1997, não reconhece sequer a existência de áreas rurais no município Avanços e limites No que se refere à educação, a situação de Campo Alegre combina avanços importantes com uma série de limitações. Dados da Secretaria Municipal de Educação de Nova Iguaçu mostram que, das 125 escolas da rede municipal, apenas 12 estão em áreas rurais, atendendo a quase três mil alunos. Das escolas rurais, apenas quatro recebem recursos do Programa Mais Educação, do governo federal, que incentiva a oferta de atividades comple-

Escola em Campo Alegre, Nova Iguaçu: apenas 12 escolas da rede municipal para três mil crianças

26 anos

3 mil

dura o acampamento Campo Alegre, sem que a situação fundiário seja regularizada

alunos frequentam as 12 escolas em áreas rurais do município de Nova Iguaçu

mentares de esporte, lazer, arte, reforço escolar e outros. Isto porque uma das exigências do programa é que as escolas tenham, no mínimo, 100 alunos, o que não é a realidade de dois terços das escolas rurais de Nova Iguaçu. Nesse contexto geral, a situação de Campo Alegre se destaca: o acampamento conta com uma escola em seu território, a Escola Municipal Campo Alegre, que oferece o primeiro segmento do ensino fundamental e tem 66 alunos. Num cenário nacional em que muitas escolas rurais são fechadas e diversos assentamentos não contam com elas, a existência de uma escola em Campo Alegre é apontada como um avanço para a garantia do direito à educação. No entanto, os problemas enfrentados pelos alunos, pais, professores, funcionários e a comunidade do acampamento, de uma forma geral, fazem lembrar que a existência físi-

ca de uma escola não é suficiente para a garantia plena do direito à educação. Infraestrutura Segundo Cláudia Lacerda, coordenadora políticopedagógica da escola, um dos principais problemas é o transporte: “A estrada é muito precária e, quando chove, os ônibus não entram aqui. A área do acampamento é muito grande para ser percorrida a pé, e os alunos dependem de uma única linha de ônibus, que é do município de Queimados e passa em horários definidos. Neste ano, os horários do ônibus não coincidiram com os horários da escola, o que faz com que as crianças tenham que ir embora a pé”. Ela ainda alerta para outra situação que prejudica a implementação do horário integral, prevista pela prefeitura de Nova Iguaçu para todas as escolas da rede muni-

cipal, em Campo Alegre: “Tivemos que acabar com o horário integral, porque temos problemas com o recebimento da merenda escolar. Isto inviabiliza a permanência das crianças aqui”. Janete Aníbal, professora da escola, credita os problemas estruturais à falta de recursos. E pondera: “O argumento de que temos um número menor de alunos, e por isso teremos menos recursos, precisa ser repensado. A realidade é que aqui não teremos o mesmo quantitativo de alunos de uma escola urbana, porque aqui a concentração de famílias é menor. Mas esses recursos são muito necessários para garantia da qualidade da educação. Precisamos reformar o teto, porque a chuva cai dentro das salas de aula, mudar a fiação elétrica, colocar novas portas – porque muitas não fecham –, adquirir materiais e muitas outras coisas”. Outro problema apontado é a não oferta do segundo segmento do ensino fundamental e do ensino médio na escola. “Os alunos têm que ir para Queimados ou outros municípios, e muitos acabam deixando de estudar. A Secretaria de Educação exige que comprovemos a demanda de alunos para passar a Raquel Torres

Existência de escola não é suficiente para garantir pleno direito à educação

oferecer estes níveis de ensino e solicita que façamos um levantamento do número de alunos que concluíram o primeiro segmento aqui. Estamos elaborando esse levantamento, mas isso não é suficiente. Há famílias que chegam com crianças já no segundo segmento do ensino fundamental e no ensino médio, que nem passam pela nossa escola. O levantamento deveria ser feito em toda a região”, diz Cláudia.

A situação de Campo Alegre se destaca: o acampamento conta com uma escola em seu território Contextualizar Mesmo diante das dificuldades, a educação em Campo Alegre tem avançado em alguns aspectos. As duas professoras participam do projeto Escola Ativa, vinculado à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (Secad/MEC), que oferece formação aos profissionais de turmas multisseriadas da educação do campo e elabora materiais didáticos específicos para a realidade rural. Elas contam que o Escola Ativa é positivo por apontar a formulação de um projeto de educação identificado com a vivência prática das crianças, e destacam o desenvolvimento da leitura e da escrita como uma das maiores necessidades dos alunos de Campo Alegre. “A partir da identificação desta realidade, desenvolvemos, na escola, uma oficina de incentivo à palavra. Ela foi pensada principalmente para horário integral, mas hoje acontece também no horário regular com um tempo de 50 minutos para cada turma. Trabalhamos

textos clássicos e diversos gêneros, como cantigas de roda e outros. E a biblioteca fica aberta para que os alunos façam empréstimos. Eles podem levar os livros para casa e trazer uma semana depois”, conta Janete. Política de Estado? No contexto de omissão do Estado e precariedade para a garantia de direitos, iniciativas da sociedade em Campo Alegre acabam cumprindo papéis importantes. É o caso do Projeto Pequeno Lavrador, que existe na região há 12 anos por iniciativa de uma organização não governamental alemã. O projeto, que funciona na parte da tarde, quando as crianças saem da escola, oferece aulas de reforço escolar, desenvolve atividades de agricultura e reserva um tempo para atividades lúdicas. Aparecida de Oliveira Santos, uma das professoras do projeto, destaca a importância de incentivo à agricultura na região: “Com a falta de recursos, muitos moradores não conseguem sobreviver apenas da agricultura e precisam procurar trabalho fora daqui. Queremos que as crianças aprendam a lidar com a terra, e que com isso possam incentivar seus pais a plantarem também”. Isabel Brasil, doutora em educação e diretora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (Epsjv/ Fiocruz), lembra que situações como esta são comuns em todo o país e evidenciam uma questão de fundo. “O Estado deixa de fazer o seu papel, e cada território resolve da sua maneira. Isso expressa a falta de política para a educação do campo, já que esta é uma função do Estado. É justo que a população tente resolver, porque não vai ficar esperando. Mas o Estado tinha que entender que esta iniciativa é uma reivindicação por escola”, avalia. (Reportagem originalmente publicada na Revista Poli – saúde, educação e trabalho, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fiocruz)


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brasil Raquel Torres

Longe da escola

Crianças estudam em escolas distantes 30 minutos até 1 hora e meia

EDUCAÇÃO Crianças do Roseli Nunes e do Terra da Paz, em Piraí, estudam na zona urbana Leila Leal e Raquel Júnia de Piraí (RJ) EM 8 DE março de 2006, durante a Jornada Internacional de Luta das Mulheres organizada pelo MST e pela Via Campesina, trabalhadores ocuparam uma fazenda no centro-sul do estado do Rio de Janeiro, na área rural do município de Piraí. Depois de seis meses de ocupação, uma ação de despejo retirou os trabalhadores do local. A saída encontrada para continuar organizando as mobilizações pela terra foi montar um acampamento à beira da estrada. O processo de desapropriação da fazenda avançou, e, no final de 2006, a área foi reocupada pelos trabalhadores sem-terra, que permanecem até hoje lá.

Falta de escola é um dos mais graves problemas que explicitam a precariedade material enfrentada pelos moradores do assentamento, mas não o único O local, chamado de Assentamento Roseli Nunes – uma homenagem à militante do MST morta em uma marcha pela terra no Rio Grande do Sul –, foi oficialmente desapropriado, e hoje os trabalhadores discutem a organização dos lotes que compõem o assentamento. No entanto, mesmo depois da desapropriação da área e do início do processo de assentamento, as 45 famílias que moram e trabalham, no Roseli Nunes, ainda não contam com uma escola que as atenda.

Segundo Marcelo Luiz de Souza, militante do MST e assentado do Roseli Nunes, a falta de escola é um dos mais graves problemas que explicitam a precariedade material enfrentada pelos moradores do assentamento, mas não o único. “Desde que saímos da beira da estrada e voltamos para cá, enfrentamos muitas dificuldades. A falta de estrutura é geral: as casas são precárias, não temos energia elétrica e nem saneamento básico. E as nossas crianças não têm uma escola aqui no assentamento. Precisam ir estudar fora daqui”, conta. Terra da Paz

A realidade não é muito diferente em uma área localizada a apenas seis quilômetros dali. Um outro assentamento de trabalhadores rurais semterra, o Terra da Paz, enfrenta dificuldades muito semelhantes às que foram relatadas por Marcelo. As famílias do Terra da Paz, que também não contam com uma escola na área do assentamento, iniciaram sua mobilização pela terra em 2004. A ocupação começou em uma fazenda localizada no município de Pinheiral, vizinho de Piraí. Quando uma ação de despejo retirou os trabalhadores de lá, a ocupação foi reorganizada em Piraí. Dessa vez, a luta obteve conquistas: há cerca de quatro anos, a área foi desapropriada e entregue às famílias pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). No entanto, segundo os trabalhadores, os problemas estruturais persis-

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30 min. a 1h30

moradores de áreas rurais de Piraí precisam deslocar-se até as cidades para estudar

é o tempo gastos pelos estudantes assentados para chegar na escola

tem: além da inexistência de escolas, ainda faltam os créditos agrícolas para obtenção de ferramentas, sementes para plantio e para construção das casas no Terra da Paz. Além disso, só neste ano, passados quatro da conquista da terra, foi iniciado o processo de parcelamento – a organização do espaço do assentamento.

escolas rurais na região: a rede municipal de ensino tem 20 escolas, sendo seis rurais e 14 urbanas. As escolas rurais atendem 267 alunos, e as urbanas, 5.384. No entanto, do total de alunos das escolas urbanas, 326 são moradores de áreas rurais que precisam deslocar-se até as cidades.

Distância

As crianças do Roseli Nunes e do Terra da Paz estudam, hoje, em escolas cujo tempo de deslocamento dos assentamentos a elas varia de 30 minutos a 1 hora e meia. Duas delas, a Escola Municipal Hugo Lemgruber Portugal e a Escola Estadual Coronel Camisão, ficam em Santanésia, um distrito de Piraí. A primeira oferece educação infantil e o primeiro segmento do ensino fundamental, e a segunda oferece o segundo segmento do ensino fundamental e o ensino médio. A outra escola frequentada por alunos do assentamento é a Escola Municipal Rosa Carelli, localizada no Varjão – um bairro de Piraí. Ela oferece o primeiro e segundo segmentos do ensino fundamental. Dados da Secretaria Municipal de Educação de Piraí evidenciam a necessidade de

Até 2009, o ônibus não entrava no assentamento, obrigando as crianças a andarem até a beira da estrada para esperá-lo Transporte é problema

O transporte das crianças assentadas até as escolas, assim como a volta para os assentamentos, é feito através de ônibus disponibilizados pela prefeitura de Piraí. No Roseli Nunes, as crianças são trazidas e levadas em suas casas. Mas, no assentamento Terra da Paz, o transporRaquel Torres

te busca e deixa as crianças em um ponto único. O percurso entre o ponto de ônibus e as casas, que chega a um 1,3 quilômetro, é feito a pé pelas crianças. E mesmo isso foi conquistado recentemente: até 2009, o ônibus não entrava no assentamento, obrigando as crianças a andarem até a beira da estrada para esperá-lo. Segundo Rafaela, de 13 anos, assentada do Terra da Paz e estudante da Escola Municipal Hugo Lemgruber Portugal, o problema persiste. “O ônibus só entra quando o tempo está bom. Quando chove e a estrada fica com lama, ele não entra no assentamento e temos que pegá-lo na estrada”, conta. E completa: “Normalmente, quando o ônibus entra, acordamos às cinco horas, e quando chove temos que acordar mais cedo ainda. Se atrasarmos um pouco, ficamos sem o transporte escolar. Aí precisamos pedir carona nos ônibus de linha. Seria bem melhor se tivesse uma escola aqui. É muito cansativo ir para longe e acordar tão cedo assim”. Joyce, de dez anos, também mora no Terra da Paz e estuda na mesma escola de Rafaela. Ela conta que as duas são da mesma turma, que reúne alunos dos quarto e quinto anos do ensino fundamental, e que, apesar de todas as dificuldades estruturais, gosta da escola e de estudar. “A nossa escola é pequena, e o pátio é pequeno também. Temos só três salas. As aulas de educação física acabam acontecendo, na maioria das vezes, no pátio, porque o campo, que fica fora da escola, tem muito carrapato. Acordo às cinco horas para ir à escola e fico cansada por acordar tão cedo. Mas a escola é maneira. Na minha sala, que tem 15 alunos, tem três aqui do assentamento. Mas é como se todo mundo fosse do mesmo lugar, nos damos muito bem”, explica. Problemas

Escola precisa estar integrada à realidade rural e às especificidades dos assentamentos

Uma conversa, na sede do Assentamento Roseli Nunes, com os trabalhadores do local, foi suficiente para constatar não apenas a amplitude dos problemas enfrentados pelas famílias sem-terra, mas também a das reivindicações por elas construídas. Marcelo lembra que a construção de uma escola não atenderia apenas às demandas dos assentamentos, mas também de famílias de pequenos agricultores da região que moram e trabalham muito perto dos assentamentos. Os trabalha-

dores destacam, no entanto, que a escola a ser criada nesta área precisa estar integrada não apenas à realidade rural, mas também às especificidades dos assentamentos. Simone, moradora do Roseli Nunes e integrante de um de seus núcleos de organização – que dividem por áreas o funcionamento do assentamento –, explica que muitas vezes as escolas não estão adaptadas à realidade dos moradores dos assentamentos. “Temos um grande problema em relação aos trabalhos escolares. Os professores pedem que eles façam trabalhos em computador, de um dia para o outro. Aqui não temos nem energia elétrica! Como as crianças farão esse tipo de trabalho?”, questiona.

As famílias explicam que as reivindicações não são apenas estruturais. Segundo elas, não basta construir o espaço físico da escola Por este motivo, as famílias explicam que as reivindicações não são apenas estruturais. Segundo elas, não basta construir o espaço físico da escola. É preciso que os estabelecimentos de ensino tenham projetos que se relacionem à realidade dos alunos do campo e, especificamente, dos assentados da reforma agrária. É o que explica Nelson, também assentado do Roseli Nunes e integrante de um de seus núcleos: “Quando falamos que queremos uma escola, dá a impressão de que estamos reivindicando um prédio. O problema vai muito além disso. A preocupação maior tem que ser com as pessoas que vão trabalhar nessa escola, com o que vai se ensinar, com que método... Queremos um projeto comprometido com a construção de uma nova sociedade, que esteja inserido na realidade rural e problematizando questões da cultura camponesa”. (Reportagem originalmente publicada na Revista Poli – saúde, educação e trabalho, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fiocruz)


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cultura

Choque de ordem contra a cultura popular Alessandra Perrechil

ARTE DE RUA Prefeitura do Rio de Janeiro fortalece o controle sobre as manifestações populares

ções do Plano Nacional de Cultura. Já no Rio de Janeiro, todas as ações da Prefeitura são no sentido de centralizar as decisões sobre cultura. Mais precisamente, as decisões sobre financiamentos. A administração municipal compra grandes espetáculos e patrocina grandes produções comerciais e chama a isso de política cultural. Para a cultura produzida pelo povo, só aparecem ações de controle e repressão.

Ana Lucia Vaz do Rio de Janeiro (RJ) PARA FAZER um espetáculo teatral gratuito em praça pública, no Rio de Janeiro (RJ), o artista precisa dar entrada num pedido de “nada a opor”, na Secretaria Municipal de Ordem Pública, com 30 dias de antecedência. Já os blocos de carnaval de rua tiveram, até o dia 24 de setembro deste ano, para pedir a “autorização” da Prefeitura para desfilar no feriado de 2011. É o choque de ordem na cultura popular carioca. Atores e coordenadores de blocos afirmam que as normas da Prefeitura são inconstitucionais. “Não é concebível que o prefeito [Eduardo Paes (PMDB)] diga quem pode e quem não pode fazer cultura de graça, na rua, para o povo!”, protesta Luis Otávio Almeida, coordenador do “Cordão do Boi Tolo” e membro da “Desliga de Blocos”. No dia 19 de setembro, a “Desliga” promoveu sua segunda Bloqueata, um carnaval-protesto contra o decreto municipal. Pouco antes, no dia 23 de agosto, os artistas de teatro e circo de rua fizeram manifestação artística na Cinelândia, também em nome da liberdade de expressão. No manifesto, os artistas protestavam contra “a injustiça que a prefeitura do Rio vem cometendo [...], proibindo os espetáculos de Teatro de Rua e Circo gratuitos nas praças públicas”.

“A lógica do carnaval é exatamente driblar a lógica oficial. O movimento de gato e rato com a polícia” A prática dos artistas de rua sempre foi informar à região administrativa onde o evento aconteceria. Também os blocos avisam à região administrativa e à polícia. Em 2009, a Prefeitura decretou que os blocos devem aguardar sua “autorização”. Já os artistas teatrais dependem da Secretaria de Ordem Pública. Segundo o artigo 5º da Constituição brasileira, “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença”. Como, então, uma prefeitura pode autorizar ou proibir tais manifestações? Sobre o carnaval, o prefeito decretou: “Os representantes das bandas e blocos carnavalescos deverão protocolar os pedidos de autorização”. Os documentos exigidos vão do CPF do responsável pelo bloco à comprovação de que já informaram diversas instâncias do governo. O decreto ainda ameaça: “O não cumprimento das normas [...] implicará no indeferimento do pedido para o carnaval do ano subsequente”.

Artistas denunciam a morte da liberdade de expressão no centro de São Paulo

Em algumas praças, o teatro de rua está proibido. “É a privatização do espaço público”, denuncia Herculano Dias Se resolver desfilar sem autorização, o que acontece? O “Cordão do Boi Tolo” já ignorou o decreto de 2009. Aliás, problema com a polícia, no carnaval, não é exatamente uma novidade. É quase uma brincadeira. Jorge Sapia, coordenador do bloco “Meu Bem Volto Já”, aposta que não tem como proibir os blocos que não se registrarem. “A lógica do carnaval é exatamente driblar a lógica oficial. O movimento de gato e rato com a polícia”, afirma. Difícil reprimir um bloco. Mas, segundo Luis Otávio, acontecem repressões pontuais a pequenos grupos, dependendo da decisão dos policiais de plantão. A situação do teatro de rua é semelhante. Depende da sorte. Muitas vezes, mesmo considerando inconstitucional, o grupo obedece à exigência da prefeitura porque “é muito desagradável você chegar na praça, e a polícia não te deixar trabalhar”, explica Richard Riguetti, um dos articuladores da Rede Brasileira de Teatro de Rua. Ele pretende registrar denúncia contra a prefeitura no Ministério Público, por impedir a apresentação de seu grupo, o “Off-Sina”, em Campo Grande. O espetáculo “Nego Beijo” foi reprimido por “15 homens do choque de ordem”, apesar de ter autorização da Secretaria Municipal de Cultura e o “nada a opor” da subprefeitura de Campo Grande. Limpeza das ruas O protesto do teatro de rua, no dia 23 de agosto, aconteceu em várias cidades do Brasil. A experiência com a repressão policial e a privatização do espaço público, que restringe a liberdade de expressão do teatro popular, tem se generalizado pelo país. Em São Paulo (SP) e Belo Horizonte (MG), o artista que quer levar sua arte gratuitamente ao povo tem que pagar um alvará à prefeitura. Na capital mineira, a Praça da República, onde fica o palácio do Governo e a Câmara Legislativa, foi adotada pela empresa Vale. Se quiser se apresentar lá, além de pagar alvará à administração municipal, o artista tem que pedir autorização à empresa. Em algumas praças, o teatro de rua está proibido. “É a privatização

do espaço público”, denuncia Herculano Dias, do grupo “Tá na Rua”. Richard Riguetti elogia a política de cultura do governo federal que, segundo ele, desenvolveu um verdadeiro plano de ação para estimular a produção artística e cultural do povo, através do Plano Nacional de Cultura e dos pontos de cultura. Mas há uma contradição entre a política nacional e a prática local nas cidades. Para Amir Haddad, do grupo “Tá na Rua”, a onda progressista de Brasília não chega “embaixo”. “A gente tem um governo federal progressista. No entanto, as políticas pú-

Contra a

os valores civilizatórios: “Existe uma coisa que é pior que o fascismo dos partidos políticos. É o fascismo dentro das pessoas. Uma paranóia que leva as pessoas a se defenderem de qualquer ataque, a tentar se garantir com segurança por todo lado, afirmar uma única verdade, não ter contato com a diferença”. Nas cidades onde há administrações comprometidas com algum nível de participação popular, a tendência é de democratização do debate sobre políticas culturais. Durante as administrações petistas de Luiza Erundina e Marta Suplicy, São Paulo aprovou leis regulamentando uma política cultural que especifica valores a serem investidos, assim como conselhos e critérios para distribuição. Niterói (RJ) elegeu, recentemente, seu conselho de cultura, seguindo as orienta-

blicas de educação, de segurança... todas elas têm um ar fascista de controle”, dispara. Segundo Haddad, ainda resiste uma idéia de Estado mínimo. Mas ele é “mínimo nas políticas públicas das áreas sociais e culturais” e, ao mesmo tempo, “poderoso, totalitário, nas áreas do controle da liberdade individual e das possibilidades de manifestação do cidadão”. É “a ordem da gaveta vazia”. Não tem política de cultura, nem de educação. Só tem política de controle. “Isso é muito assustador”, completa. Criador do grupo de teatro “Tá na Rua”, que desde 1980 atua nas ruas usando o teatro como espaço de expressão e transformação popular, Haddad vê, nesta tendência fascista, reflexos da crise da civilização ocidental. Para ele, o desejo de controle cresce na proporção em que definham

O caos criativo “Quem não consegue viver um minuto de desordem, jamais conseguirá descobrir uma nova ordem”, professa Haddad, que, durante a ditadura, foi buscar o teatro de rua como forma de sobrevivência à repressão. “Eu sou uma contradição do governo [de Emílio Garrastazu] Médici [1969-1974] que, sem querer, nos jogou nesse lugar maravilhoso de salvação, fora das áreas de poder, na periferia, nas praças, nas ruas”, diz. Nos anos 80, como Augusto Boal, como os blocos de carnaval, como os movimentos populares, o “Tá na Rua” surgiu para ocupar os espaços públicos. “Nos anos de 1980, a gente trabalhava, no presente, em busca de um outro futuro”, lembra. E, hoje, o que mantém este teatro? “A gente se apoia no conteúdo político da liberdade de expressão. Trabalha com as contradições, com as opressões. O espetáculo é a forma de organização mais perfeita das relações entre o particular e o coletivo. O espetáculo traz esse sabor de utopia. Trabalhando na rua, você atinge este lugar. E proporciona a todos a experiência de viver, por alguns instantes, a utopia. Nós acreditamos que viver isso dá ânimo para a pessoa viver mais dez anos com esperança, acreditando que é possível mudar o mundo”, explica Haddad.

mercantilização do carnaval Ana Lucia Vaz

do Rio de Janeiro (RJ) Nos anos de 1980, junto com as manifestações políticas pela democratização do país, ressurgiram os blocos de rua do Rio de Janeiro. “Os blocos são a melhor reação que essa cidade podia ter tido contra o esmagamento do carnaval!”, comemora Amir Haddad, do grupo Tá na Rua. De lá para cá, o carnaval de rua cresceu. Em 2000, surge o Sebastiana, formado por 12 dos blocos mais tradicionais do Rio. A principal preocupação era “pensar maneiras de enfrentar o crescimento dos blocos”, explica Jorge Sapia, do bloco “Cordão do Boi Tolo”. O fluxo de turistas cresceu e, segundo Jorge, tornou-se necessário buscar apoio para viabilizar o desfile dos grandes blocos. Hoje existem em torno 500 blocos registrados. Blocos tradicionais como o “Bloco de Segunda” e “Barbas” reúnem dezenas de milhares pelas ruas do Rio e o Cordão do Bola Preta chegou, no último carnaval, a juntar cerca de um milhão. Em 2009, surgiu a Desliga de Blocos, em reação ao primeiro decreto de regulamentação do carnaval. A Desliga se afirma um movimento que “não tem estrutura organizativa, porque blo-

Amir Haddad, do grupo “Tá na Rua”

Os 3 mil banheiros químicos de responsabilidade da Antártica não deram nem para a saída, mas não faltaram pingüins co não precisa de liga”, explica Luis Otávio, do “Meu Bem Volto Já”. Sapia e Luis Otávio concordam que as prefeituras anteriores ignoraram o carnaval. E que hoje é inviável realizá-lo sem que a Prefeitura assuma a responsabilidade pela infra-estrutura da cidade. A administração atual foi a primeira a participar de debate com os blocos do Sebastiana e definir estratégias conjuntas. Mas quem faz isso é a Secretaria de Turis-

mo, de olho no mercado turístico. Mas a infra-estrutura continua faltando. Nem os banheiros públicos, necessários ao cotidiano da cidade, foram feitos. Em vez disto, a Prefeitura se contenta em escolher um patrocinador que deve garantir dos banheiros públicos às UTIs móveis. Com direito a muita propaganda! Em 2010, foi a Antártica. Os 3 mil banheiros químicos não deram nem para a saída, mas não faltaram pinguins.

“A Antártica vestiu blocos, espalhou cartazes e outdoors pela cidade inteira. A cidade estava azulzinha”, reclama Sapia, que completa: “Não pode ser o carnaval da Antártica”. Enquanto a Prefeitura negocia com o mercado, a palavra de ordem do carnaval de rua é: “contra a bahianização do carnaval”, sem nenhum preconceito contra os habitantes do estado nordestino, mas sim numa crítica à mercantilização da festa popular. Luis Otávio e Sapia criticam os blocos cariocas que já colocam cordas para reservar o espaço dos que compraram camisas. Para Sapia, o carnaval é uma expressão popular que mostra que a cidade é viável, mostra a solidariedade e criatividade populares. Mas a Prefeitura só compreende seu valor econômico. “São muitos blocos aparecendo em todas as regiões, a cidade fica viva de novo... aí, em vez de estimular esse crescimento, juntando o pessoal para ver como faz, vem um regulamento dizendo o que cada um vai fazer. Organiza, mas não estimula. E mata”, lamenta Amir Haddad. Sapia garante que o Sebastiana continuará resistindo às cordas. O “Cordão do Boi Tolo”, mais radical, promete desfilar sem autorização. (ALV)


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Sem concessões, Israel paralisa negociações ORIENTE MÉDIO Autoridade Nacional Palestina rejeita a exigência do governo israelense de reconhecimento do caráter judeu de seu Estado Dafne Melo da Redação COMO MUITOS analistas previam, as negociações entre a Autoridade Nacional Palestina (ANP) e o Estado de Israel, pelo menos até agora, não renderam nenhum fruto. De um lado, o governo israelense coloca como condição, para negociar, que a ANP reconheça Israel como um Estado judeu. De outro, palestinos exigem a continuidade da moratória da construção de colônias na Cisjordânia, área da Palestina ocupada desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967, e principal alvo da colonização sionista. A moratória expirou no dia 26 de setembro, e Israel, desde então, retomou seus projetos de colônias na região, bem como em Jerusalém, cidade também ocupada em 1967 e que Israel proclama como sua capital. No dia 16 de outubro, foi anunciada a construção de 238 novas casas na parte oriental da cidade, onde vivem os palestinos. Saeb Erekat, um dos negociadores do lado palestino, declarou que a medida liquida qualquer possibilidade de seguir com as negociações e afirmou que a estratégia israelense consiste, justamente, em implodir o processo.

“O governo [Benjamin] Netanyahu está determinado a frustrar qualquer chance de retomada nas negociações”. Para Sergio Yahni, jornalista e coordenador do Centro de Informação Alternativo (AIC, na sigla em inglês), em Jerusalém, a afirmação de Erekat é certa. “A acusação palestina de que Israel põe impedimentos premeditados para que o processo de paz não possa continuar é verdadeira”, opina. Para Yahni, após as eleições parlamentares estadunidenses, em novembro, novos esforços deverão ser feitos, mas dificilmente a situação sairá do impasse, principalmente devido à intransigência israelense, que se fez presente em todas tentativas de negociação na última década. “No momento em que Israel demonstrou que não está disposto a colocar limites em seu ímpeto colonizador na Cisjordânia, o processo chegou a um impasse final”, analisa o jornalista.

“No momento em que Israel demonstrou que não está disposto a colocar limites em seu ímpeto colonizador na Cisjordânia, o processo chegou a um impasse final” Do lado palestino, o presidente da ANP, Mahmoud Abbas, além de não aceitar reconhecer Israel como um Estado judeu, exige que este re-

conheça o Estado palestino. “A Autoridade Palestina reconheceu a existência de Israel em 1993; e, agora, Israel tem que reconhecer o Estado palestino nas fronteiras de 1967”, afirmou o presidente palestino. A ANP também pediu para que Israel e EUA apresentem um mapa com as fronteiras de Israel. “Nós pedimos oficialmente à administração estadunidense e ao governo de Israel que providenciem um mapa das fronteiras do Estado de Israel, que eles querem que nós reconheçamos”, disse outro negociador da ANP, Yasser Abed Rabbo. E continuou: “Queremos saber se esse Estado [Israel] inclui nossas terras e casas na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. Se esse mapa for baseado nas fronteiras de 1967 e significar o fim da ocupação israelense em todas as terras palestinas, então nós reconhecemos Israel sob qualquer nome que ele denomine a si próprio, de acordo com a lei internacional”, disse o negociador. Do lado israelense, nenhuma resposta. Isto porque, segundo os palestinos, Israel não tem interesse em reconhecer o Estado palestino, mas seguir adiante com o projeto sionista, anterior à criação de Israel, de expulsar todos árabes da região. Se não é possível ter o reconhecimento da ANP de Israel como um Estado judeu – exigência condenada por boa parte da comunidade internacional, incluindo a União Europeia – Israel procurou avançar onde pode. Uma lei enviada ao Knesset, o parlamento israelense, em meados de outubro, torna obrigatório que todas as pessoas que tenham adquirido a cidadania israelense jurem lealdade ao Estado judeu e democrático – hoje, há cerca de 20% de Reprodução

Construção de colônia, na Cisjordânia, área da Palestina ocupada por Israel

árabes com cidadania israelense. “Esta lei, como outras leis de conteúdo racista, responde ao projeto político da ultradireita e forma parte de uma radicalização nas atitudes do Estado, mas, também, responde à crise demográfica em Israel”, explica Yahni. Leia, a seguir, a entrevista com o jornalista. Brasil de Fato – O que as negociações entre Abbas e Netanyahu nos mostra? Sergio Yahni – Na verdade, o processo de paz israelensepalestino não existe desde outubro de 2000. Mas, durante a última década, israelenses, palestinos e a comunidade internacional fizeram esforços para poder manter certo nível de negociações diretas ou indiretas. Mas, no momento em que Israel demonstrou não estar disposto a colocar limites em seu ímpeto colonizador na Cisjordânia, o processo chegou a um impasse final. Isso não significa que não serão feitos novos esforços, logo depois das eleições parlamentares nos Estados Unidos, em novembro, para relançar algum tipo de negociação. Mas esses esforços não serão relevantes em relação aos anteriores, já que Israel, por razões de política interna, não irá renovar a moratória de construção de colônias na Cisjordânia, e, muito menos, em Jerusalém. Os palestinos, e tampouco os governos árabes, não poderão aceitar negociar com Israel enquanto a moratória não for renovada.

“O objetivo expresso dos comitês populares é o retorno à rebelião e ao enfrentamento popular contra a ocupação como principal estratégia de resistência e liberação”

Colono judeu armado caminha de mãos dadas com o filho

Como você avalia as posições e reivindicações de ambos os lados? O processo de paz tem fracassado porque, para Israel, ele significa uma potencial “normalização” do Estado, já que este daria fim ao projeto de colonização, ao mesmo tempo em que requereria a desmilitarização da vida cotidiana em Israel. Mas a burguesia israelense, que se constituiu em torno da colonização e militarização da sociedade, não poderia aceitar isso. Portanto, a acusação palestina de que Israel põe impedimentos premeditados, para que o processo de paz não possa continuar, é verdadeira. Neste momento, o principal impedimento é a demanda israelense de que os palestinos reconheçam Israel como um Estado judeu, ignorando o fato de que 20% dos cidadãos de Israel não são judeus, mas sim palestinos. A situação palestina é mais

complexa e se vê claramente uma ruptura interna do Fatah [partido que está à frente da Autoridade Nacional Palestina]. De um lado, aumentam as vozes que dizem que o processo de paz está acabado e que, portanto, a ANP deveria ser desmantelada e demandar à comunidade internacional que se responsabilize pelo bem-estar de todos os palestinos nos territórios ocupados. Por outro lado, na ANP, há uma cúpula burocrática que existe como reflexo deste processo de paz, que está representada pelo governo de Ramallah [cidade na Cisjordânia que serve de sede para a ANP] e continua buscando uma maneira de poder encontrar uma fórmula para que se possa relançar, pelo menos parcialmente, o processo de paz. Muitos afirmam que Abbas não deveria ter aceitado negociar. Quais seriam as alternativas? Mahmoud Abbas e Salam Fayyad [primeiro-ministro da ANP] são representantes da cúpula burocrática da Autoridade Palestina, que não têm existência fora do processo de paz. Portanto, Mahmoud Abbas não tinha outra alternativa senão entrar no processo de negociação. O projeto de Fayyad é que, em 2011, esta cúpula burocrática pudesse se transformar, de alguma maneira, em uma burocracia estatal. Em nenhum momento, esta cúpula pensou que teria que enfrentar frontalmente e sem nenhum tipo de proteção o ímpeto colonialista israelense, mas, no momento, desse enfrentamento nascem novos atores sociais que gradualmente transformam esta cúpula em irrelevante. Os novos atores são os comitês populares, que continuam mantendo sua autonomia, por mais que Salam Fayyad tenha tentado cooptá-los. O objetivo expresso dos comitês populares é o retorno à rebelião e ao enfrentamento popular contra a ocupação como principal estratégia de resistência e liberação. O movimento popular não exclui a luta armada, mas assume que, dada a disparidade nas relações de força, este não é o momento. As relações entre a burocracia da ANP e o movimento popular são complexas. Enquanto a ANP reprime os movimentos populares nas regiões que controla, principalmente nos centros urbanos (Área A), dá apoio a eles e os financia nas regiões sob controle de Israel (Áreas B e C). No momento que o movimento popular conseguir penetrar nos centros urbanos e resolver a contradição da ANP, estaremos diante de uma nova Intifada, que, neste momento, é a única alternativa ao processo de negociação. [As áreas A, B e C foram definidas nos Acordos de Oslo em 1994]. Como você avalia o papel dos Estados Unidos nestas negociações? A política estadunidense, no Oriente Médio, se encontra diante de uma grande contradição. Depois de ter fracassado em suas aventuras no Iraque e de não ter

conseguido impor seu projeto ao Oriente Médio, seu objetivo, hoje, é estabilizar suas relações com a região. Mas as atitudes israelenses atrapalham esses objetivos. Por mais que Israel seja o principal aliado estadunidense na região e seja totalmente dependente dessa aliança, os EUA não são capazes de impor seus interesses estratégicos. É uma situação muito parecida em relação ao que ocorreu entre a França e os colonos franceses na Argélia. Ainda que fossem totalmente dependentes da metrópole, os colonos franceses na Argélia atrapalhavam o projeto metropolitano estabelecido por Charles de Gaulle, forçando a França a escolher entre a colonização da Argélia e o projeto de país. Os Estados Unidos terão que fazer uma decisão similar. Pode ser que continuem com seu apoio incondicional a Israel num curto prazo, mas isso significaria uma deterioração contínua de sua posição, no Oriente Médio, e aumentar as contradições com outros aliados na região, como o Egito, Arábia Saudita e Turquia. Em médio prazo, essa postura vai ter que mudar.

“Já não existe uma maioria judia nos territórios controlados pelo Estado de Israel, e, dentro deste Estado, a diferença demográfica entre judeus e não judeus (...) vem diminuindo” Está em discussão a aprovação de uma lei que obriga os cidadãos não judeus, que vivem em Israel, a jurar fidelidade ao Estado esraelense. Qual sua opinião sobre essa lei? O que o parlamento israelense decidiu é que os novos imigrantes que cheguem a Israel, que não sejam de origem judia, tenham que jurar lealdade ao Estado como um Estado judeu e democrático. Esta lei, como outras leis de conteúdo racista, responde ao projeto político da ultradireita e forma parte de uma radicalização nas atitudes do Estado; mas, também, responde à crise demográfica em Israel. Já não existe uma maioria judia nos territórios controlados pelo Estado de Israel, e, dentro deste Estado propriamente dito, a diferença demográfica entre judeus e não judeus (palestinos, imigrantes russos que têm direito à imigração por serem parentes de judeus, mas não praticam a religião, e imigrantes que vêm trabalhar) vem diminuindo. Portanto, esse Estado sente a necessidade de definir qual é o significado de um Estado judeu, e faz isso adotando leis racistas que paulatinamente excluem prática e simbolicamente os residentes não judeus do Estado.


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Obama decepciona o voto hispânico EUA A ausência de uma reforma migratória desmotiva o eleitorado latino a apoiar os democratas nas eleições legislativas de novembro Reprodução

Isabel Piquer de Las Vegas (EUA) NAS ELEIÇÕES presidenciais de 2008, os hispânicos se mobilizaram em massa a favor de Barack Obama. Tal entusiasmo parecia confirmar que, finalmente, eles haviam-se convertido em uma força política com voz e voto. Dois anos mais tarde, decepcionado com a ausência de uma reforma migratória e os violentos ataques contra os indocumentados, este eleitorado, peça-chave nos estados de Nevada, Califórnia, Flórida ou Arizona, não mostra muito entusiasmo eleitoral. Não votarão nos republicanos, mas um alto nível de abstenção poderia prejudicar seriamente as perspectivas de alguns candidatos democratas. Um estudo recente do Pew Hispanic Center mostrava, há umas semanas, que apenas 50% dos latinos se dispunham a comparecer às urnas no próximo 2 de novembro – entre o restante do eleitorado, tal índice chega a 70% –, e que somente 30% estavam prestando atenção à campanha. Motivos principais da apatia: a crise, que deixou muito deles sem trabalho, mas, sobretudo, o fracasso do governo em aprovar uma reforma migratória que caminhe no sentido de legalizar os 11 milhões de sem-papéis que se acredita viverem nos Estados Unidos.

Tea Party

Manifestantes latinos cobram promessas de campanha de Obama

[Os latinos] não votarão nos republicanos, mas um alto nível de abstenção poderia prejudicar seriamente as perspectivas de alguns candidatos democratas

Espera

“Obama disse que aprovaria uma reforma em seu primeiro ano de mandato, e ainda estamos esperando”, diz Fernando Romero, do Hispanics in Politics, uma organização cívica de Las Vegas. “É um assunto que afeta a todos, porque todos têm um parente ou amigo sem-papéis”. A recente lei do Arizona, que tentou criminalizar os sem documentos nes-

as da plataforma eleitoral de Obama. Já é de noite, e Moreno continua em seus pequenos escritórios do bairro oeste de Las Vegas trabalhando com um punhado de voluntários. “Fala-se do poder do voto latino, mas é preciso educálos. Quando ligamos, muitos nos perguntam: ‘mas já não votamos em Obama há dois anos?’ É preciso explicar que estas são outras eleições”, explica Moreno. “Nosso objetivo é também em longo prazo. Se você consegue fazer que alguém vote três vezes seguidas, você cria um eleitor para toda a vida. Assim é que os latinos poderão se transformar em uma força política”.

te estado, provocou uma onda de ira latina em todos dos EUA. A iniciativa não chegou a ser aplicada. Em julho, um juiz federal questionou a parte da normativa que outorgava à polícia poderes migratórios e lhe permitia deter qualquer pessoa sob “suspeita razoável de que se encontrava no país ilegalmente”. O caso segue nos tribunais.

Em 2008, 67% dos latinos votaram em Obama e, embora o Pew Hispanic Center assegure que a mesma proporção votará pelos democratas nas eleições legislativas, o problema é a abstenção. “As políticas de Obama prejudicaram sua imagem, mas os hispânicos são mais racionais que o pessoal do Tea Party”, diz Romero. “A recessão lhes

afetou muito, mas eles entendem que as coisas não podem ser solucionadas em pouco tempo”. Há 46 milhões de hispânicos nos Estados Unidos. No estado do Novo México, eles representam 38% do eleitorado; no Texas, 25%; na Califórnia, 24%; no Arizona, 18%; em Nevada, 14%; e, em Nova York, 12%. A mobilização cresce

“Os latinos têm pouca vontade de votar, porque, com a crise, foram acusados de todos os males”, acrescenta Romero. “Por isso, os esforços de mobilização se multiplicaram. Na Califórnia, começaram a emitir uma propaganda na televisão que diz simples-

mente: ‘Votar, sim, Arizona, não’. E é isto que devemos fazer: protestar nas urnas”. Em Nevada, a imigração foi um dos principais temas de campanha e uma das primeiras perguntas do debate televisivo que no dia 14 pôs frente a frente o senador democrata Harry Reid e sua rival do Tea Party, Sharron Angle, favorita nas pesquisas. Durante o boom imobiliário de Nevada, muitos latinos chegaram ao estado em busca de trabalho. Eles representam, agora, 26% de uma população de 2,6 milhões de habitantes (eram 20% em 2004). “É difícil motivar as pessoas”, reconhece José Moreno, da Organizing for America, a organização que tomou as réde-

Muitos, assegura Moreno, tampouco entendem muito bem como a reforma no sistema de saúde de Obama os afetará. Um problema geral, porque a primeira coisa que as seguradoras fizeram foi subir as mensalidades para compensar as perdas que a medida lhe ocasionará quando for aplicada plenamente. Sharron Angle, a candidata do Tea Party, tem escassas possibilidades de conseguir o voto hispânico. “Suas propagandas eleitoral têm sido incrivelmente mesquinhas com os latinos; na verdade, com qualquer um que tenha a pele escura”, diz Moreno. A candidata respaldou a lei do Arizona. “Ela vem nos demonizando e nos chamando de criminosos”, destaca. Em setembro, Harry Reid tentou fazer com que o Congresso aprovasse o chamado Dream Act, uma lei que teria facilitado a naturalização dos sem-papéis que tivessem cursado estudos secundários ou que tivesse se alistado ao Exército. Os legisladores, mais preocupados em voltar a suas circunscrições, não chegaram sequer a debate o tema. (Público) Tradução: Igor Ojeda

ANÁLISE Reprodução

EUA S.A. O maior inimigo das liberdades públicas pode não ser o “grande irmão” estatal que pretende controlar nossas vidas, mas sim o “grande dinheiro” que ameaça destruir o Estado para convertê-lo em uma sociedade anônima Josep Fontana AS ELEIÇÕES estadunidenses, “de metade do mandato” que se celebrarão no dia 2 de novembro, podem representar um momento decisivo na história da democracia nos Estados Unidos. Não que esteja ocorrendo algo novo na sociedade estadunidense. Na verdade, estamos assistindo à culminação de um processo que começou há 30 anos, com Richard Nixon e Ronald Reagan, que puseram em marcha uma contrarrevolução com dois programas paralelos. O primeiro, de caráter puramente político, estava direcionado a fazer a Corte Suprema dar um giro à direita. Seus noves juízes tiveram, no passado, um papel fundamental na transformação progressiva da sociedade estadunidense, com decisões como a de 1954, que ilegalizou a segregação racial na educação pública, ou a de 1973, que definiu os direitos ao aborto. Esse processo de transformação da corte, que Nixon começou, e que George W. Bush terminou, provocou uma série de decisões reacionárias,

que culminaram, no dia 21 de janeiro de 2010, numa medida que libera as doações eleitorais de empresas e sindicatos e põe fim aos esforços que, até hoje, se haviam feito para se controlar o financiamento das eleições. O segundo programa estava inspirado por um texto escrito em agosto de 1971 por Lewis Powell, pouco depois de que Nixon lhe propusera convertê-lo em membro da Corte Suprema (algo a que Powell resistia, porque abandonar a prática privada da lei lhe faria perder muito dinheiro). Planos de ataque

O texto, intitulado “Memorando confidencial, ataque ao sistema estadunidense de livre iniciativa”, foi enviado à Câmara de Comércio dos EUA, que se encarregou de fazê-lo circular entre seus associados. Nele, os empresários eram advertidos de que as ameaças ao mundo da “livre iniciativa” tinham como autores intelectuais os “estudantes universitários, professores, meios de comunicação, intelectuais e as revistas literárias, artistas e cientistas”.

Comício do Tea Party: país vive auge de processo reacionário iniciado com Nixon

Estamos assistindo à culminação de um processo que começou, há 30 anos, com Richard Nixon e Ronald Reagan, que puseram em marcha uma contrarrevolução com dois programas paralelos Propunha planos de ataque para limpar as universidades e vigiar o conteúdos dos livros, especialmente os de economia, ciência política e sociologia. Além disto, pedia que as organizações empresariais atuassem com firmeza: “Não pode haver nenhum vacilo em atacar os Nader, os Marcuse e outros que buscam abertamente a destruição do sistema. Não pode existir dúvidas em se defender, em todos os espaços políticos, o apoio ao sistema de livre iniciativa. Nem pode haver escrúpulos

em se penalizar publicamente a quem se opõe a ele”. Os empresários responderam, nos anos seguintes, atuando por meio de fundações financiadas com dinheiro que se podia deduzir dos impostos. Através dos think tanks que mantinham, e utilizando os meios de comunicação que controlavam, patrocinaram campanhas ideológicas como a do “fim da história” de Fukuyama, ou a do “choque de civilizações” de Huntington, e colaboraram com a direita cristã nos esforços obs-

curantistas para se substituir, no ensino, a teoria da evolução pela do criacionismo ou do Design Inteligente. As coisas mudaram em 2010, depois da decisão de janeiro. O dinheiro dos empresários é direcionado, agora, a um novo tipo de entidades criadas de acordo com regras que não as obrigam a prestar contas, publicamente, de onde vem o recurso. Esta grande quantidade de dinheiro secreto, estimada em entre 200 milhões e 500 milhões de dólares, está sendo utilizada para financiar campanhas contra os “progressistas” e apoiar os aspirantes republicanos mais conservadores. Propostas conservadoras

O programa político que estas organizações defendem coincide com as propostas de corte de impostos para os mais ricos, diminuição dos serviços sociais, supressão do

salário mínimo, rechaço das atuações para se prevenir as mudanças climáticas etc. Em alguns casos, a relação entre suas reivindicações e os interesses dos doadores é direta e transparente, como acontece com o American Future Fund e seu patrocinador, que é um dos maiores produtores de etanol. Quanto à Câmara de Comércio, ela é acusada de receber dinheiro de empresas estrangeiras, como Siemens, Shell ou BP, a responsável pelo desastre ecológico do golfo do México, cuja participação desinteressada, na campanha eleitoral, é duvidosa. Se essa ofensiva conseguir a maioria no Congresso, podemos entrar em uma etapa em que os interesses empresariais controlarão completamente a política. Um jornalista “progressista”, E. J. Dionne jr., disse que “a eleição de 2010 está se convertendo em uma luta de classes, iniciada pelos ricos e poderosos”. Mais significativa é a opinião do congressista Chris van Hollen: “O que está acontecendo, diante de nossos olhos, é uma ofensiva descarada de grupos de interesse alheios à política, que usam dinheiro secreto para comprar um Congresso que se ponha a serviço de seus interesses às custas do povo estadunidense”. Talvez George Orwell tenha errado o diagnóstico. O maior inimigo das liberdades públicas pode não ser o “grande irmão” estatal que pretende controlar nossas vidas, mas sim o “grande dinheiro” que ameaça destruir o Estado para convertê-lo em uma sociedade anônima. (Público) Josep Fontana é historiador. Tradução: Igor Ojeda


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internacional

França desperta, de novo, os trabalhadores europeus Reprodução

ANÁLISE Rechaço popular à reforma previdenciária cresce cada vez mais Jean-Paul Piérot NO MOMENTO em que o conflito entre Nicolas Sarkozy e a maioria do povo francês se agudiza, já foi percorrido um longo caminho desde que o governo iniciou seu plano de atrasar por dois anos a idade da aposentadoria. Bastaram poucos meses para que os assaltos propagandísticos, que apresentavam o fim da aposentadoria aos 60 anos como uma consequência inevitável do aumento da esperança de vida, fossem desmascarados pela lucidez da opinião pública. Desde o início deste esforço manipulador, os porta-vozes da UMP [partido de Sarkozy] e seus ministros buscaram uma despolitização da contrarreforma, e que dizem querer salvar o sistema pela solidariedade. Precisavam dissimular como fosse, sob a camuflagem do “pragmatismo”, uma ofensiva conservadora. O sistema de aposentadoria, baseado na solidariedade entre as gerações, expressa uma maneira de conviver incompatível com o império do “cada um por si”, um império em que os ricos vivem sob o abrigo de seu escudo fiscal, enquanto a massa dos assalariados teria que trabalhar mais tempo para não ver diminuída sua pensão e cair na pobreza. Tudo bem pensado para fugir do verdadeiro debate: uma discussão parlamentar sobre a odiosa preseguição da qual foram vítimas alguns milhares de ciganos romanos instalados no nosso país. De nada serviu. A direita assiste

“Greve ou Morte”: mais de 70% dos franceses apoiam o movimento para a defesa da aposentadoria plena aos 60 anos

O apoio popular às greves, a ampla participação nelas e nas manifestações que vêm ocorrendo desde o começo de setembro vão em um crescente à sua derrota ideológica por conta do assunto das aposentadorias. Uma ampla maioria de franceses considera o projeto injusto e ineficaz. O apoio popular às greves, a ampla participação nelas e nas manifestações que vêm ocorrendo desde o começo de setembro, vão em um crescente, como refletem as pesquisas de opinião encomendadas pelo l’Humanité: mais de 70%

dos franceses apoiam o movimento para a defesa da aposentadoria plena aos 60 anos, diz a primeira pesquisa (CSA, 10 de outubro de 2010); e a segunda, realizada por IFOP, informa que 56% dos cidadãos exigem do presidente da República que abra imediatamente um diálogo com os sindicatos. “Sarkozy está ferrado, a juventude está na rua” (Sarko-

zy, t’est foutu, la jeunesse est dans la rue, em francês): essa consigna, repetida mil vezes nas manifestações, desperta péssimas lembranças nas esferas dirigentes da direita. A solidariedade entre gerações foi posta em marcha e, como há quatro anos, durante as lutas que colocaram por terra o projeto de primeiro emprego, aquele contrato de baixa qualidade que pretendia precarizar ainda mais a vida dos jovens à procura de um emprego. Esses jovens que se manifestam, agora junto com seus pais, têm sido insultados pelas pessoas que rodeiam o chefe de Estado e expostos ao risco de uma explosão de violência com intervenções poli-

ciais às portas de vários estabelecimentos escolares. Onde está a vontade de evitar as desordens? Onde se escondem as tentações de provocação? Seria gravíssimo se o governo procurasse atingir seus objetivos impondo seu programa de contrarreforma – rechaçada por todos os sindicatos e por uma grande maioria dos franceses – colocando em prática uma estratégia de tensão. Onde estaria, então, o sentido de Estado? O recurso da força contra os adolescentes e contra os trabalhadores das refinarias não é um bom agouro. Em um enfrentamento de tal magnitude, que põe às claras o caráter conservador e antiumanista do capi-

talismo e das políticas neoliberais, um governo tão vinculado aos círculos empresariais como o senhor Eric Woerth [ministro de Trabalho de Sarkozy] e a senhora Bettencourt [proprietária da empresa de cosméticos L’Oreal e uma das primeiras fortunas de França], não renunciará facilmente à sua investida contra as aposentadorias, senão capitulando diante da força do número e diante da pertinência das ideias. Uma e outra estão do lado do mundo do trabalho e da juventude. Jean-Paul ean-Paul Piérot é editorialista do jornal francês L’Humanité Tradução: Dafne Melo

“Os jovens se mobilizam contra os destruidores do futuro” Abrahim Saravaki de Paris (França) Para Pierric Annoot, secretário geral do Movimento Jovens Comunistas da França (MJCF), a prioridade é atrair todos os jovens para a batalha e, portanto, não ceder às tentativas de divisão da direita, trazendo todos os estudantes para a ação e fazendo um debate político de fundo. Veja a seguir entrevista com ele. O governo fala que o projeto de lei da reforma previdenciária foi feito para os jovens. Qual é sua resposta? Pierric Annoot – De fato, desde abril, Eric Woerth [ministro do Trabalho francês] não para de repetir que a reforma está sendo feita para os jovens que têm 20 anos hoje. Mais uma vez, o que é feito em nosso nome é feito sem nós e contra nós. Elevando a idade para a aposentadoria, menos empregos serão liberados e, portanto, o desemprego dos jovens, que já está em 25%, será agravado. É, assim, uma aberração que esconde uma mentira. A direita diz que quer salvar a seguridade social, mas sua reforma visa, pelo contrário, empurrar os assalariados de hoje e de amanhã para a aposentadoria privada. Como as condições de trabalho se degradam, muitos assalariados se encontram desempregados antes dos 60 anos, e, ainda, o acesso ao primeiro emprego estável para os jovens chega em média

Reprodução

aos 27 anos, a situação se trata de baixar o nível da pensão de cada um, porque as pessoas não irão contribuir o suficiente. Com este ataque, a solução será apresentada para se ter uma aposentadoria digna é a previdência privada, para alimentar os fundos de pensão e a especulação que nos colocaram na crise e arruinaram centenas de milhares de aposentados nos Estados Unidos. O que a direita não ousa dizer é que esta reforma não é feita para os jovens, mas para atender aos apetites financeiros dos empresários.

“O que a direita não ousa dizer é que esta reforma não é feita para os jovens” Qual tipo de ação vocês estão adotando nos colégios? São variadas. A prioridade é fazer discussões, intervenções nas classes e nas assembleias gerais. Depois passamos aos bloqueios, assim que isto é decidido pelos estudantes, ou ainda para as manifestações ou aos encontros em locais simbólicos. A prioridade é atrair todos os jovens para a batalha e, portanto, não ceder às tentativas de divisão da direita, trazendo todos os estudantes para a ação e fazendo um debate político de fundo.

Com a reforma, desemprego dos jovens será agravado

Como manter a coesão do movimento face ao governo e aos elementos exteriores? O MJCF é a organização da juventude mais presente nos colégios. Em todos os departamentos, os camaradas estão mobilizados para impedir que as forças da ordem multipliquem as provocações e a repressão, e que infiltrados entrem na mobilização. Esta direita realmente humilhou os jovens, ao ponto de estarem quase fazendo da nossa uma geração sacrificada no altar do rei dinheiro, assim, a vontade de lutar é profunda. Além da questão das aposentadorias e do trabalho, está a questão do futu-

ro de toda a sociedade, a qual a juventude enfrenta com força nesta mobilização. O racismo de Estado, as expulsões dos estudantes sem-papel, a repressão, a explosão das desigualdades escolares com as reformas da direita e a precariedade que afeta nossa vida alimentam uma cólera profunda. No fundo, sentimos que o que está em jogo é a questão da escolha de sociedade que vem junto com essa reforma e com o conjunto de políticas capitalistas, à saber: concorrência contra solidariedade, precarização contra seguridade, respostas às necessidades do mercado contra respostas às necessidades sociais.

São todas as questões que se cristalizam no movimento e que atravessam nossa geração. É isso também que assusta a direita e é, portanto, por essa razão que ela endurece o tom e a repressão. Logo, para manter a coesão é preciso não ceder às provocações e responder pela determinação e pela demonstração de força nas mobilizações pacíficas. Já durante o CPE [protestos contra o Contrato do Primeiro Emprego em 2006), a direita organizava a desordem e procurava o enfrentamento para desacreditar o movimento. A força da política finalmente triunfou sobre a política da força.

Vemos os jovens comunistas bastante ativos dentro do movimento. Como o senhor vê a perspectiva do movimento de jovens, estudantes secundaristas e universitários nos dias que virão? As assembleias gerais de universitários se massificam, e os secundaristas permanecem muito mobilizados. Nós saberemos derrotar esta armadilha da violência construída pela direita e massificar ainda mais as mobilizações de jovens. É nisto que trabalham cotidianamente os jovens comunistas de maneira unitária e conjunta.

“A força da política finalmente triunfou sobre a política da força” A cólera é tão profunda que ela continuará a se manifestar. A entrada de jovens na luta, nestes últimos dez anos, foi benéfica e portadora de progresso, seja contra Le Pen em 2002, contra a guerra do Iraque, contra as reformas no ensino, na constituição europeia ou ainda no CPE. Hoje, os jovens são profundamente responsáveis e se mobilizam contra os destruidores do futuro, e eles serão ainda mais numerosos no amanhã. O desprezo da direita contra nós não a engrandece, mas faz crescer a mobilização. (l’Humanité) Tradução: Luís Brasilino


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américa latina

Congresso da Cloc/Via Campesina reforça a união latinoamericana EQUADOR Encontro realizado em Quito reuniu cerca de mil delegados entre os dias 8 e 16 de outubro Bianka de Jesus de Quito (Equador) A DECLARAÇÃO de Quito, do V Congresso da Coordenadora Latino-americana de Organizações do Campo (Cloc-Via campesina), reiterou sua permanente solidariedade com a Revolução Cubana e condenou o bloqueio de 50 anos imposto por Estados Unidos. O documento, que resumiu os debates de cerca de mil delegados, de 18 países, reunidos em Quito (Equador) entre os dias 8 a 16 de outubro, exige do governo dos Estados Unidos a libertação dos cinco revolucionários cubanos, mantidos prisioneiros há 11 anos neste país, por defenderem seu povo do terrorismo. Fernando González, René González, Gerardo Hernández, Ramón Labañino e Antonio Guerrero foram condenados a longas penas, sem provas sobre os delitos, mais graves que se lhes imputaram. “Saudamos”, acrescenta o documento, “as organizações do Equador que se mobilizaram decididamente e derrotaram uma tentativa de golpe neste país”.

CMI Equador

O Congresso também se solidarizou com a resistência popular em Honduras, que, apesar da continuidade do golpismo, tem conseguido apoio majoritário a uma Assembléia Constituinte. “Estamos vivendo uma etapa de ascensão das lutas sociais na América Latina”, ressalta a Declaração, que afirma que isto tem provocado simultaneamente o surgimento de governos progressistas e o recrudescimento das agressões do império.

“Solidarizamo-nos também com o povo colombiano, que sofre e resiste sem se render às agressões sistemáticas e criminosas do Estado e do paramilitarismo”

“Saudamos as organizações do Equador, que se mobilizaram decididamente, e derrotaram uma tentativa de golpe neste país” “Às direitas do continente”, segue a declaração, “o governo dos Estados Unidos e os grandes capitais promovem uma contraofensiva com novas formas de colonialismo, despojo e repressão, combinando estratégias políticas com formas mais cruas de militarização e agressão armada”. A declaração ainda celebra o triunfo das lutas sociais na Bolívia e Equador, que têm iniciado profundos processos de transformação nacional e permitido a adoção de

Cerca de mil delegados, de 18 países, se reuniram em Quito entre os dias 8 e 16 de outubro

constituições nacionais revolucionárias”. A Cloc expressou sua solidariedade à luta do povo Mapuche, no Chile, e aos setores sociais decididos a lutar até conseguir a revogação da lei antiterrorista no país; bem como ao valoroso povo do Haiti, mobilizado contra

A ofensiva do capital sobre a agricultura na América Latina de Quito (Equador) João Pedro Stedile, do MST no Brasil, discutiu, em painel no V Congresso da Cloc, a ofensiva do capital sobre a agricultura e os projetos em disputa. Ele sustenta que, em cada local, o capital se comporta de forma distinta, porque o seu projeto se constrói sobre bases naturais que se diferem de região para região. Mas o capital tem um plano geral de exploração e acumulação do lucros e riquezas que permeia todo este projeto. Um primeiro ponto a se destacar é que a maioria dos movimentos se formou em um momento em que o capital industrial dominava. “Da década de 1990 para cá, o capitalismo industrial está ingressando em uma nova etapa. Agora, ele já não é dominado pelas fábricas, mas por um capitalismo financeiro, controlado pelos bancos e que está articulado com os grandes grupos econômicos e comerciais. Temos percebido mudanças na forma como o capital chega ao campo. Não é mais o capital industrial que quer vender insumos ao produtor. Há um movimento mais amplo, que levou a tendências gerais que estão ocorrendo em todo o mundo, como a compra de ações de empresas que se transformaram em grandes conglomerados”, frisa. Com a derrota dos países socialistas e com a economia capitalista fragilizada, organismos internacionais se transformaram em instrumentos de liberação de entrada de capital transnacional nos países latinoamericanos, de forma que o capital possa controlar as agriculturas, como no caso do FMI e do Banco Mundial. Capitalismo e Estado Como resultado da crise iniciada em 2008, o capitalismo, que até então não se importava com o Estado, pois consi-

derava que o mercado resolvia tudo, passa a perceber que a saída que tinham para seus problemas era o próprio Estado, uma máquina de impostos. Os capitalistas, portanto, revalorizaram o Estado. Por isto voltaram a disputar os governos com os movimentos sociais e as alianças de esquerda. Isso fica claro nas tentativas de derrubar os governos progressistas no continente, como o de Rafael Correa (Equador), Evo Morales (Bolívia) e Lula.

“Temos, agora, que fazer luta de classes para disputar um modelo de produção agrícola” Hoje, segundo Stedile, existe uma situação muito grave, pois a classe dominante mudou no campo, e o principal controle das produções agrícolas, no mundo, está nas mãos de transnacionais e bancos. Trinta empresas controlam toda a produção agrícola do mundo – quando não controlam fisicamente, controlam os preços. “O fundamental para eles é controlar os preços. Tudo se está privatizando. No Brasil, a Nestlé tem uma ‘taxa de lucro’ maior vendendo água do que vendendo leite. Isso também está levando a uma padronização dos alimentos, que é um risco para a humanidade. Querem que todos os povos comam a mesma comida. Uma comida que não é saudável e que tem aumentado os casos de doenças e cânceres no mundo, principalmente por causa dos agrotóxicos”, destaca. O agronegócio veio com o monocultivo, para aumentar

De acordo com a declaração, o resultado deste processo é a expulsão em massa, e pela força, de povos originários e camponeses, a internacionalização da terra, a perda de soberania nacional e popular, bem como a destruição da natureza.

suas taxas de lucro. Necessitam, com isso, de máquinas agrícolas e não de mão-deobra humana. Outra ponto a se destacar é que precisam sempre de grandes quantidades de venenos, que destroem a água e todos os recursos naturais à sua volta. “A agricultura campesina é a única que pode salvar o planeta, porque é ela que protege a biodiversidade, que protege a pachamama”, diz Stedile. Dentro da sua lógica expansionista, o capitalismo olhou para os indígenas, afrodescendentes e comunidades tradicionais como parcelas atrasadas. E, com isto, as investidas sobre os territórios destes povos tem aumentado muito. Isso causa expulsão e prejudica, ainda mais, o modo de vida tradicional destas comunidades. No Brasil, cidades onde se tem grande produção de soja, triplicou o número de abortos por causa da água da chuva que as mulheres beberam, e que já vinha com agrotóxico. “Temos, agora, que fazer luta de classes para disputar um modelo de produção agrícola. É impossível conviver o modelo capitalista de agronegócio com o modelo camponês, enquanto modelo de produção. Temos também que disputar territórios, para transformar grandes regiões em territórios camponeses”, enfatiza. Usando uma premissa de José Martí, um grande revolucionário cubano, de que “só o conhecimento liberta verdadeiramente as pessoas”, Stedile conclui sua exposição dizendo: “temos que tomar a educação como uma bandeira dos camponeses, para que o conhecimento seja patrimônio de todos que vivem no meio rural. Só é possível manter a juventude, no campo, se desenvolvermos formas de emprego de que goste a juventude, aplicando, com isso, seu conhecimento e aprendizado”.

a ocupação militar depois do terremoto. “Solidarizamo-nos também”, acrescenta a declaração, “com o povo colombiano, que sofre e resiste sem se render às agressões sistemáticas e criminosas do Estado e do paramilitarismo, exigimos a solução política e negociada do

conflito social e armado”. Segundo a Cloc, “a agricultura, a água, a alimentação e nossos bens naturais são hoje objetivo central do grande capital financeiro, que, mediante grandes investimentos, aceleram a concentração da produção, processamento e comercialização agrícolas”.

O Congresso alerta que a crise climática produzida pelos modelos de produção e consumo impostos pelo capitalismo têm suas piores consequências sobre os povos do mundo, especialmente, sobre quem vive e produz no campo. Contra isto, os movimentos signatários reafirmam a decisão de defender o planeta, a agricultura camponesa, a dignidade e bem viver dos povos, e destacam que esta é a via mais segura e efetiva para resfriar o planeta e reconstituir os equilíbrios naturais. (Prensa Latina)


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