Ano 1 • Número 40
R$ 2,00 São Paulo • De 4 a 10 de dezembro de 2003
Gabriel Gonzales
Fraudes e manipulação na coleta de assinaturas sinalizam uma nova tentativa de golpe contra o governo Chávez
Venezuelanos resistem a nova ofensiva da elite M
ilhares de pessoas se reuniram em frente ao palácio presidencial Miraflores, em Caracas (Venezuela), dia 1º. Elas comemoraram o fracasso de mais um firmazo (coleta de assinaturas) para que seja realizado um referendo do mandato do presidente Hugo Chávez. Os resultados oficiais do firmazo só serão conhecidos dentro de trinta dias. Mas, pela quantidade de fraudes e de manipulações de assinaturas comprovadas por observadores
internacionais, ficou clara a tentativa de nova ofensiva da direita contra o projeto popular mantido pela revolução bolivariana. Nas ruas, os venezuelanos defendem as medidas políticas e econômicas do governo. “Eu nunca tinha ouvido falar que aqui tinha petróleo. Agora, o povo recebe os benefícios desse dinheiro”, disse uma técnica de enfermagem que se orgulha de ter dois filhos cursando uma universidade pública. Pág. 11
Aumentam as violações aos direitos humanos trabalham como escravos e o desemprego atingiu índices alarmantes. O documento aponta a política econômica do governo como a maior responsável por esse quadro. Leia, na seção Debate, as opiniões do ministro Nilmário Miranda, e do deputado estadual Renato Simões. Págs. 7 e 14
Em outubro, o mercado de trabalho ficou paralisado. Em São Paulo, segundo o Dieese, a taxa de desemprego foi de 20,4%. Nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE, a taxa média foi de 12,9%. Nos 12 meses encerrados em outubro, eram 2,8
PAÍSES ÁRABES – Em sua primeira viagem a países árabes, até dia 10, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta fortalecer a posição brasileira no cenário internacional, principalmente em relação a questões comerciais e culturais. Pág. 10 PERSEGUIÇÃO – Depois do 11 de setembro, agentes dos Estados Unidos abusam de ações de intimidação e espionagem contra movimentos sociais, valendo-se de meios legais e do aparato policial. Pág. 10 CULTURA – Inspirada na realidade maranhense, a Banda Mandorová apresenta músicas que festejam a vida e a realidade, sem esquecer o desmazelo social do país. Pág. 16
Lodo do Tietê contamina rio de Guarulhos O lodo retirado do Rio Tietê, na capital paulista, está sendo despejado no Rio Baquirivu-Guaçu, o mais importante de Guarulhos, e que atende 1,2 milhão de pessoas. O processo de despejo de poluentes foi autorizado pelo Departamento de Água e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (DAEE), sem levar em conta análise química feita pelo Instituto Ambiental 21. A organização não-governamental prova que o material, retirado pela obra estadual de aprofundamento da calha do Tietê, está contaminado com metais pesados e pode prejudicar a população local e cerca de 100 mil pessoas que diariamente passam pelo Aeroporto Internacional de Cumbica. Pág. 13
Natalia Forcat
Até outubro, foram resgatados 7.623 trabalhadores escravos em vários estados brasileiros
E mais:
Há oito meses consecutivos, a renda do brasileiro vem despencando. Em outubro, os brasileiros com algum tipo de ocupação receberam, em média, R$ 831, um tombo de 15,2% em relação ao mesmo mês de 2002, segundo o IBGE. Esse resultado significa que não há a menor base sólida para sustentar os argumentos dos que previam a recuperação da economia em 2003. Na região metropolitana de São Paulo, mostra o Seade-Dieese, em setembro, a combinação de desemprego e renda em baixa levou a uma perda de 9,2% no total de rendimentos recebidos pelas pessoas ocupadas. Menos renda significa consumo menor, produção estagnada e, novamente, mais desemprego. Pior: a renda dos 10% mais pobres caiu 8,4%, e a dos 10% mais ricos, 5%. Pág. 4
A luta por desemprego zero
João Roberto Ripper
O Relatório de Direitos Humanos no Brasil 2003, lançado pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, comprova a grave situação dos direitos humanos no país, cujas principais vítimas são os mais pobres e excluídos: líderes de movimentos sociais foram assassinados em número recorde, milhares de pessoas
População vai às ruas para defender o projeto do presidente Hugo Chávez
A renda cai e a economia brasileira pára
milhões os brasileiros desempregados. E quem ganha um salário mínimo também é, virtualmente, um desempregado. Assim, a taxa real de desemprego é de 26%, afirma o economista José Carlos de Assis, coordenador do Movimento Desemprego Zero (MDZ).
Integrado pelos movimentos sociais, o MDZ considera que medidas tópicas não resolvem o problema. A saída é subordinar a política econômica ao pleno emprego. Mudar depende da mobilização social. Págs. 4 e 6
Sem soberania alimentar, não existe saúde
Muitas críticas à posição do Brasil na Alca
A falta de soberania alimentar está prejudicando a saúde dos brasileiros. Ao importar hábitos estadunidenses que alteram não só o cardápio como também a produção agrícola do país, o Brasil ganha um problema de saúde pública: a obesidade. Nos Estados Unidos, estima-se que 70% das pessoas estejam acima do peso ideal. Aqui, esse número já chega a 40%. Quase tudo o que se come, no Brasil, é derivado de apenas quatro grãos, perfeitos para a indústria – soja, trigo, milho e arroz. Pág. 3
A Venezuela está descontente com as negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). “Não há transparência nem democracia nas discussões da Alca”, disse Victor Alvarez, chefe dos negociadores andinos, durante a 8ª Reunião Ministerial, em Miami. A crítica foi endereçada às delegações dos Estados Unidos e do Brasil que, em encontro fechado com 16 dos 34 países que negociam o acordo, definiram as propostas a ser assinadas em Miami. A Venezuela foi excluída do encontro. Pág. 9
Cadê o 13º que deveria estar aqui? A dívida comeu!
São Tomé adia a exploração de petróleo Pág. 12
Fiori questiona globalização, FMI e muito mais Pág. 5
Ensino público causa polêmica entre ministérios Pág. 8
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De 4 a 10 de dezembro de 2003
NOSSA OPINIÃO
CONSELHO POLÍTICO Achille Lollo • Ari Alberti • Ariovaldo Umbelino de Oliveira • Assunção Ernandes• Aton Fon Filho • Augusto Boal • Cácia Cortez • Carlos Marés • Carlos Nelson Coutinho • Celso Membrides Sávio • César Benjamim • Claus Germer • Dom DemétrioValentini • Dom Mauro Morelli • Dom Tomás Balduíno • Edmilson Costa • Elena Vettorazzo • Emir Sader • Egon Krakhecke • Erick Schunig Fernandes • Fábio de Barros Pereira • Fernando Altemeyer • Fernando Morais • Francisco de Oliveira • Frederico Santana Rick • Frei Sérgio Gorgen • Horácio Martins • Ivan Valente • Jasper Lopes Bastos • João Alfredo • João Capibaribe • João José Reis • João José Sady • João Pedro Stedile • Laurindo Lalo Leal Filho • Leandro Konder • Luís Alberto • Luís Arnaldo • Luís Carlos Guedes Pinto • Luís Fernandes • Luis Gonzaga (Gegê) • Luiz Eduardo Greenhalgh • Marcelo Goulart • Marcos Arruda • Maria Dirlene Marques • Mário Augusto Jakobskind • Mário Maestri • Nilo Batista • Oscar Niemeyer • Pastor Werner Fuchs • Pedro Ivo • Raul Pont • Reinaldo Gonçalves • Renato Tapajós • Ricardo Antunes Ricardo Rezende Figueira • Roberto Romano • Rodolfo Salm • Rosângela Ribeiro Gil • Sebastião Salgado • Sérgio Barbosa de Almeida • Sérgio Carvalho • Sérgio Haddad • Tatau Godinho • Tiago Rodrigo Dória • Uriel Villas Boas • Valério Arcary • Valter Uzzo • Vito Gianotti • Vladimir Araújo • Vladimir Sacheta • Zilda Cosme Ferreira •Também participam do Conselho Político os membros do Conselho Editorial e jornalistas colaboradores
CONSELHO EDITORIAL Alípio Freire • Celso Horta • César Sanson • José Arbex Jr. • Hamilton Octávio de Souza • Kenarik Boujikian Felippe • Luiz Antonio Magalhães • Luiz Bassegio • Maria Luísa Mendonça • Milton Viário • Nalu Faria • Neuri Rosseto • Plínio de Arruda Sampaio Jr. • Ricardo Gebrim
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Com Chávez, contra a grande fraude
A
burguesia venezuelana, estrondosamente derrotada em abril de 2002, quando tentou um golpe para depor Hugo Chávez, acaba de sofrer nova e monumental derrota. Apostou todas as suas fichas no firmazo, realizado entre os dias 28 de novembro e 1º de dezembro, e fracassou. A Venezuela entra em nova etapa do processo de consolidação da revolução bolivariana. Mas nem a burguesia, nem a CIA (serviço secreto estadunidense) pretendem presenciar passivamente o seu próprio velório. A situação é tensa no país, e demanda a mais ampla e urgente vigilância internacional. O firmazo, medida prevista pela Constituição Bolivariana, é um processo de coleta de assinaturas que permite exigir a convocação de um plebiscito para revogar o mandato dos políticos eleitos (incluindo o presidente da República). Para isso, basta que o número de assinaturas coletadas seja superior a 20% do número total dos eleitores que participaram da disputa que elegeu os ocupantes dos cargos. No caso concreto do presidente Chávez, seriam necessárias pelo menos 2,4 milhões de assinaturas (firmas). Apesar de uma fraude gigantesca, que contou com a conivência da mídia local e com a cumplicidade de observadores enviados pelo Centro
Carter de Direitos Humanos e pela Organização dos Estados Americanos (OEA), os burgueses ficaram muito aquém desse objetivo mínimo. Mas, antes mesmo de encerrar o processo, já proclamavam terem obtido algo em torno de 4 milhões de assinaturas. Visivelmente, têm o objetivo de gerar uma situação de pânico, ingovernabilidade e desobediência civil. Não é difícil entender as causas da impressionante derrota da burguesia. Pela primeira vez na história do país, por exemplo, os milhões de favelados têm agora acesso a tratamento médico gratuito, não raro domiciliar (5 mil doutores cubanos prestam solidariedade à revolução bolivariana). Também é a primeira vez que o governo tem um projeto nacional real, que não se limita a sugar de forma parasitária as riquezas propiciadas pelo petróleo. Hoje, é o único país que faz uma oposição real à instalação da Área de Livre Comércio das Américas, em suas versões integral e light. A Venezuela passa, enfim, por uma mudança de fato progressista, radical e profunda. A reação do imperialismo e da burguesia parasitária local será proporcional às dimensões de sua nova derrota. Os relatos de nossa enviada a Caracas e de outras testemunhas
diretas do processo político descrevem reações e atitudes de ódio visceral ao governo Chávez por parte da oposição. Faltam argumentos, sobram rancores – feitos de uma mescla de ódio racial (a marcante presença de indígenas e afrodescendentes no governo é inaceitável para uma elite branca de origem européia), perplexidade e falta de alternativas (sem o controle das abundantes verbas do petróleo e da máquina estatal, os parasitas não têm projeto algum). Mais do que nunca, a comunidade internacional, integrada pelos cidadãos honestos e de boa vontade, pelos movimentos sociais, sindicalistas, jovens e trabalhadores, deve estar atenta a tudo o que acontece em Caracas. O imperialismo, já golpeado pela rebelião na Bolívia e pela resistência popular em toda a América Latina, tentará reeditar o que já tentou em abril de 2002, e o que conseguiu em outros países latino-americanos, ao longo dos últimos 50 anos. As forças populares e progressistas do Brasil e de toda a América Latina, têm o dever político e democrático de manter uma ativa solidariedade com o processo venezuelano, para que as mudanças antineoliberais se consolidem no continente.
FALA ZÉ
OHI
CARTAS DOS LEITORES SAUDAÇÕES Peço a Deus que o jornal possa progredir mais e mais. Deus proteja a todos que se empenharem para termos uma imprensa livre, crítica e formadora de consciências esclarecidas. Paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro Bragança Paulista (SP)
Parabéns pela iniciativa de um jornal editorialmente independente e politicamente assumido. Contudo, creio que vocês poderiam, sem esfor-
ço, ampliar o espaço de informação, disponibilizando as matérias no site. De forma bastante simples isto é possível por meio arquivo em PDF. João Mouzaco por correio eletrônico Votos de congratulações ao Brasil de Fato, um jornal que surgiu da vontade do povo em busca de notícia real, sendo plural e diversificado, reunindo jornalistas, articulistas e intelectuais do Brasil e do mundo. Câmara Municipal Marília (SP)
Brasil de Fato estimula o debate Brasil de Fato completa onze meses de existência. O caminho até agora percorrido foi muito longo, árduo e gratificante. Multiplicamos a criação de comitês de apoio por todo o país, estampamos em nossas páginas as notícias do Brasil e do mundo ignorados pela grande mídia, oferecemos perspectivas distintas de interpretação dos fatos políticos, culturais e econômicos, e criamos feição e estilos próprios. Não é pouco, mas ainda não é suficiente. Faz parte do nosso desafio incorporar ao processo de produção, divulgação e distribuição do jornal um número cada vez maior de pessoas, movimentos sociais e mídias independentes. Queremos multiplicar os comitês de apoio, ampliar a rede nacional de todos
os envolvidos na sustentação do jornal. Com esse objetivo, resolvemos intensificar a organização, em todo o território nacional, de debates, palestras e mesas redondas envolvendo os integrantes de nosso Comitê Editorial. Consideramos isso tão importante que resolvemos liberar o jornalista José Arbex Jr. de suas funções como editorchefe do Brasil de Fato para dedicar a essas atividades um tempo ainda maior do que o já dispensado. Estamos certos de que a aposta na crescente interação entre o Comitê Editorial e os comitês de apoio já formados, as universidades, os sindicatos e os movimentos sociais é o caminho mais seguro para a consolidação do Brasil de Fato como um jornal independente de expressão nacional.
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CRÔNICA
Esplendor e miséria Renato Pompeu À minha volta, me defronto com a ruidosa euforia de cruzeirenses e palmeirenses, enquanto destôo melancolicamente de todos esses festejos de palestrinos: vejo na tabela de classificação que a minha Ponte Preta está em último lugar, como a principal candidata ao rebaixamento. E me pergunto: por quê, apesar de tudo, continuo torcendo para a Ponte Preta, que há 103 anos luta por um título significativo, sem jamais tê-lo conseguido? Afinal, nunca morei em Campinas; apenas nasci lá e vim bebê para a capital de São Paulo. Mas meu coração tem razões que minha razão conhece muito bem. Na infância, eu ia a Campinas durante todas as férias, que passava na casa da minha avó, que abria para um quintalão com jabuticabeira, mangueira, laranjeiras, limoeiros, pé de fruta do conde, coelhos, galinhas, um macaco – isso na rua Boaventura do Amaral, em pleno centro da cidade. Os meus tios eram torcedores do Guarani e, além disso, torciam para times da capital. Mas o que me chamava a atenção era a família do meu tio-avô Zeferi-
no, o tio Firo, irmão de minha avó, como ela, filho de italianos – os outros meus ancestrais eram todos brasileiros desde a Colônia. Ele era motorista de caminhão, morava na Ponte Preta, o bairro, e, todos os sábados, com mulher e filhos, descia com seu caminhão a ladeira da rua Proença, rumo aonde estava sendo construído o Estádio Moysés Lucarelli, da Ponte Preta, o clube. Levava o caminhão carregado de tijolos comprados por torcedores como ele e que, uma vez chegados à construção, eram assentados pelos próprios torcedores. Cumpre notar que o tio Firo era casado com a filha de uma mãe-de-santo e que esta incluía a Ponte Preta entre seus santos. Tanto amor ao clube exerceu em mim um fascínio pela Ponte Preta desde a infância, em que nossos sentimentos são mais tenros. Mas junto aos tios, filhos da minha avó, com os quais eu convivia bem mais do que o tio Firo, eu não encontrava eco desse fascínio. Pelo contrário, eles estavam confiantes na sua ascensão social no Brasil desenvolvimentista de então e queriam distância das massas populares representadas pela Ponte Preta.
Eu, no entanto, de alguma maneira confusa, me identificava com aquelas massas populares, predominantemente negras como a minha tia-bisavó, sogra do tio Firo. No meu coração, o interesse pela Ponte Preta foi se intensificando cada vez mais, embora, como ela estivesse na Segunda Divisão do Campeonato Paulista, eu torcesse, na Primeira Divisão, para o Palmeiras. Quando a Ponte, no entanto, subiu para a Primeira Divisão, eu fui cada vez me identificando mais com a Ponte Preta, a ponto de ter desistido totalmente do Palmeiras no auge da Academia. Para mim, a Ponte Preta é como que uma divindade, uma santa, padroeira dos desvalidos e dos desassistidos. Em certo sentido ela representa Deus. E, embora eu ainda tenha esperanças de que a Ponte não caia, sei que um dos predicados de Deus é que Ele está em toda parte – inclusive na Segunda Divisão. Renato Pompeu é jornalista e escritor, autor, entre outros livros, de Canhoteiro – O Homem Que Driblou a Glória e Memórias de Uma Bola de Futebol. Escreve uma vez por mês neste espaço
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De 4 a 20 de dezembro de 2003
NACIONAL SEGURANÇA ALIMENTAR
Soberania alimentar representa saúde Luís Brasilino da Redação
Moisés Araújo
A importação de hábitos alimentares prejudica o cardápio do brasileiro e agrava problemas como a obesidade infantil
A
população brasileira está engordando. Exatamente como acontece há 30 anos nos Estados Unidos, a obesidade está se tornando um problema de saúde pública no Brasil. A Organização Pan-Americana de Saúde revela que, nas últimas duas décadas, a obesidade infantil cresceu 240% no país. E dados da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade indicam que quase a metade de toda a população (40%) sofre de excesso de peso. Tais informações costumam circular em reportagens que apontam como vilões, além do consumo exagerado de Soberania alimencarboidratos, a tar - Direito de cada irregularidade país de definir sua política agroalimennas refeições, tar de modo a garano desequilíbrio tir alimentos sadios dos cardápios, e nutritivos para o povo entre outras mudanças no estilo de vida das pessoas. Que essas distorções alimentares são responsáveis pelo crescimento dos casos de obesidade, não há dúvida. Porém, o importante é saber o que, de fato, está por trás desse fenômeno.
Cerca de 85% dos alimentos consumidos no país derivam de apenas quatro tipos de grãos: soja, milho, trigo e arroz
Para Márcia Camargos, historiadora e escritora, a obesidade no Brasil é mais uma faceta do imperialismo. “Importaram-se os hábitos estadunidenses e também suas conseqüências nefastas”, afirma. Frei Sérgio Görgen, deputado estadual (PT-RS), explica que a dieta alimentar dos brasileiros
Bruno Fiuza da Redação Especialistas informam: a obesidade não é conseqüência apenas do excesso de comida, mas principalmente do mau hábito alimentar. Flávio Valente, coordenador técnico da Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos, afirma que, nos últimos 20 anos, a alimentação do brasileiro mudou. Por conta dos altos preços dos alimentos, as refeições estão sendo compostas por ingredientes de menor qualidade e maior taxa de gordura. Outro fator de transformação, a falta do tempo leva as pessoas a comer na rua, aumentando o consumo “pratos feitos”, nem sempre devidamente balanceados em termos de nutrientes. Foi justamente esse processo que, há trinta anos, fez com que florescesse a chamada indústria de fast-food (comida rápida) nos Estados Unidos. Em seu livro Fast Food Nation, o jornalista estadunidense Eric Schlosser conta que a entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho, no começo dos anos 70, afetou as atividades antes desempenhadas pelas donas de casa. Para trabalhar fora, as mulheres deixaram de trabalhar na cozinha de suas casas. Assim, aumentou a necessidade de comer em restaurantes – de preferência onde fosse possível fazer uma refeição rápida. A partir daí, as cadeias de fast food, da qual o McDonald´s é o símbolo maior, se tornaram a grande fonte de alimentação da população do país. No Brasil, no entanto, o impacto dessas cadeias de refeições rápidas é significativo em certas parcelas da sociedade, que tem condições de pagar pelos altos preços dos produtos. Mas a maior parte da população não dispõe desses recursos. Segundo Valente, o fast food influencia principalmente a alimentação dos jovens de classe média. A comida do trabalhador ainda é o “prato feito”, que ganhou impulso há cerca de 20 anos, quando as empresas começaram a substituir seus refeitórios pelo fornecimento de valerefeição para os funcionários. Valente chama atenção também para o fato de a obesidade ter aumentado sobretudo entre as crianças, em virtude do consumo de salgadinhos
Moisés Araújo
Refeições rápidas estimulam maus hábitos
Comer na rua: falta de tempo
vendidos nas escolas – prova de que o problema está relacionado com a qualidade e não tanto com a quantidade da alimentação. O processo descrito em Fast Food Nation ilustra o risco da homogeneização da alimentação como a que, segundo Schlosser, aconteceu nos Estados Unidos. o jornalista diz que “a centralização da compra de alimentos nas mãos de grandes cadeias de restaurantes e a necessidade dessas cadeias por produtos padronizados deram a um pequeno número de corporações um grau de poder sem precedentes sobre o abastecimento de comida do país”, levando até mesmo ao desenvolvimento de uma nova geração de frangos que facilitassem a produção de empanados servidos pela cadeia McDonald´s.
está padronizada para atender aos interesses da indústria e não os da população. Um exemplo concreto é a baixa diversidade: cerca de 85% dos alimentos consumidos no país são derivados de apenas quatro tipos de grãos – soja, milho, trigo e arroz. Isso acontece porque esses insumos são de fácil conservação e
versáteis (matéria-prima para muitos produtos), ou seja, se encaixam perfeitamente dentro das necessidades do mercado. A hegemonia dos grãos afeta a soberania alimentar brasileira na medida em que o Brasil não tem estoque, nem abastecimento local. Assim, a agricultura brasileira fica
dependente do capital externo, uma vez que a produção é planejada de acordo com interesses internacionais. Frei Sérgio ilustra bem essa situação: “No ano passado, o Brasil importou cerca de 2 bilhões de litros de leite, principalmente da Europa e da Austrália. Porém, a soja que alimenta as vacas gringas é brasileira. Ou seja, é muito mais interessante reduzir o plantio do grão e investir na produção de leite e economizar não só no transporte, como também nas tarifas alfandegárias”. Marcia sugere que o problema da obesidade comece a ser revertido com investimentos na diversificação do cardápio dos brasileiros, como o estímulo ao consumo da mandioca e da banana verde, por exemplo. Junto com a cozinheira Heloísa de Freitas Valle, ela escreveu o livro Yes, Nós Temos Bananas, obra que aborda a riqueza da biomassa da banana verde e mostra como ela pode ser usada no cardápio convencional para reforçar o valor nutritivo dos alimentos, combater o desperdício, a desnutrição e a fome. Mais informações sobre o livro podem ser encontradas na internet – www.brasilhost.com.br/ bananaverde.
Ambientalistas pedem precaução Dioclécio Luz e Luís Brasilino de Brasília e da Redação Falta uma dose maior de precaução ao governo Luiz Inácio Lula da Silva no que se refere às questões de ambiente, na opinião de Rubens Born, coordenador da organização não-governamental Vitae Civilis. A liberação do plantio de soja transgênica para a safra 2003/2004, anunciada em setembro, deixou em alerta os ambientalistas. “Estamos preocupados, mas com expectativa”, declarou Born, que é também representante do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS) no Conselho de Política de Desenvolvimento Sustentável (CPDS). Com o intuito de melhorar o diálogo com o governo, o FBOMS organizou em Brasília (DF), entre 28 e 30 de novembro, a 1ª Conferência Nacional do Meio Ambiente. O evento reuniu cerca de mil delegados eleitos por mais de 70 mil pessoas. O resultado foi um documento com 21 sugestões de alterações na política ambiental brasileira, que será entregue em audiência com o presidente Lula. Para Edson Duarte, deputado federal (PV-BA), “a Conferência não pode acabar num documento, num projeto ou em propostas. O governo
Protesto contra a liberação dos transgênicos deixou o presidente Lula irritado
tem que agir”. Entre os pontos abordados pelos ambientalistas, está o pedido para que a política agrícola seja conduzida com base nos conceitos de seguridade alimentar e ambiental. Eles defendem a multifuncionalidade do espaço rural, a agricultura familiar, os sistemas de produção orgânica e agroecológica e o direito do homem a ficar no campo. Para isso, é essen-
cial a limitação do uso de agrotóxicos e a preocupação com a biossegurança, levando em conta o princípio da precaução, principalmente no que diz respeito aos transgênicos. “A população quer segurança alimentar, qualidade nos alimentos, e a certeza de que os setores produtivos não vão colocar em risco a nossa biodiversidade”, afirma Duarte .
PARAGUAI
Transgênicos a caminho da legalidade Alejandro Sciscioli de Assunção O Ministério da Agricultura do Paraguai admitiu, no início de novembro, que está prestes a habilitar a produção e a venda de produtos transgênicos, ao mesmo tempo em que uma companhia privada informou que estão em etapas finais testes com soja transgênica.”Estou inclinado a liberar a produção transgênica”, afirmou o ministro da Agricultura e Pecuária, Antonio Ibáñez, embora, depois, acrescentasse que ainda realiza consultas a respeito. Ibáñez admitiu que em seu país já utiliza a tecnologia para modificar geneticamente produtos agrícolas e que não acredita que sua aplicação cause problemas.
Embora “falar de transgênicos no Paraguai signifique se referir exclusivamente à soja de qualquer variedade, modificada pelo RR (Roundup Ready)”, disse María Ojeda, chefe do Departamento de Registros de Cultivos da Direção de Sementes da carteira agrícola. Ojeda, que também coordena a Comissão de Biosegurança, reconheceu que desde 1996, quando a Argentina permitiu a produção de transgênicos, a plantação ilegal de soja desse tipo foi sendo incrementada no Paraguai. “A partir de 1997, percebemos que se começou a introduzir clandestinamente materiais transgênicos, acreditamos que da Argentina, porque esse país já o havia liberado”, explicou. Porém, as críticas a essa iniciati-
va não são poucas. “Nos retiramos da Comissão de Biosegurança há dois anos porque com nossa presença avalizávamos certas decisões que não podíamos mudar, já que éramos minoria”, disse Victor Benítez, coordenador da Rede de Organizações Ambientalistas. Entretanto, Benítez disse estimar que a sociedade civil poderá influir no parlamento com mais força para que se respeite o que indica o Protocolo de Cartagena sobre Diversidade Biológica e, assim, evitar que na nova lei sobre sementes se permita a produção e comercialização de transgênicos. “Continua vigorando um decreto que proíbe o cultivo comercial da soja transgênica. Se a liberação se concretizar, não será outra coisa
que não “lavagem” de uma situação que acontece de fato e o ministério tem de explicar o que fez para frear a soja ilegal”, acrescentou. O ativista alertou que por trás da possível abertura está “a pressão dos agroexportadores e a Monsanto”. Cálculos oficiais indicam que atualmente 80% do 1,5 milhão de hectares plantados com oleaginosas correspondam a produtos geneticamente modificados, apesar de seu manejo ainda estar proibido no país. Para o setor privado, essa estimativa cai para 60%. “O cálculo surge pela relação de sementes convencionais vendidas versus a superfície semeada”, explicou Carlos Passarieu, engenheiro agrônomo e editor da revista Dados Agropecuários. (IPS/Envolverde)
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De 4 a 10 de dezembro de 2003
NACIONAL CONJUNTURA
Sem combustível, a economia parou Desapontados, governo e economistas vêem suas previsões desabar. Recuperação, quem sabe, em um incerto 2004 Lauro Jardim de São Paulo
Desemprego nas alturas
As previsões e a realidade
Taxa mensal de desemprego, em %
O
Palácio do Planalto declarouse “desapontado”. Economistas e consultores regiamente pagos pelos clientes tiveram que se explicar. Tudo porque os fatos, mais uma vez, atropelaram as previsões do governo, consultorias e bancos de investimento, adiando as previsões de crescimento para um incerto 2004. Na verdade, não há, no horizonte visível, bases concretas para qualquer previsão de retomada firme dos negócios para além de algum “soluço” de final de ano, quando a demanda tende a crescer temporariamente, estimulada pelo clima de Natal e do réveillon. Em outubro, o desemprego se manteve nas alturas, a renda dos brasileiros continuou murchando, a inadimplência avançou (o total de cheques sem fundos cresceu 19,5% frente ao mesmo mês de 2002) e o consumidor seguiu dando mostras de disposição para não comprar o que não pode com o dinheiro que não tem.
Out/02 Nov
Dez
Jan/03
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
Jul
Ago
Set
Ou
Renda: oito meses de queda Variação do rendimento real médio habitualmente recebido pelo trabalhador, em comparação com igual período do ano passado
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O emprego, cada vez mais precário Empregados sem carteira assinada e por conta própria em relação ao total de pessoas ocupadas, em %
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Set/03
Out/02
40,7
42,7
42,1
PÍFIO PIB Mais: ao contrário do esperado e largamente trombeteado pelos arautos dentro e fora do governo, o Produto Interno Bruto (PIB), que soma todas as riquezas produzidas pelo país em um determinado período de tempo, teve desempenho pífio no terceiro trimestre do ano. Note-se que, a se dar crédito às previsões e à farra promovida pelos telejornais em torno delas, aqueles três meses deveriam ser o trimestre da virada, com o início, enfim, do prometido espetáculo de crescimento. Para complicar, há empresário acreditando que as vendas não devem atingir a expansão desejada neste fim de ano. Como disse em entrevistas o presidente da Associação Comercial de São Paulo, Afif Domingos, “nem o Natal vai salvar o comércio neste ano”. Com o desemprego estacionado em 12,9%,
Em um ano, até outubro, 556 mil pessoas conseguiram algum tipo de ocupação Mas, 493
mil (88,7%) delas não tinham registro em carteira, ou trabalhavam por conta própria
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
em outubro, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e uma queda de 15,2% na renda média real habitualmente recebida pelos empregados, a economia ficou sem combustível para queimar e continua estacionada no acostamento.
A renda do brasileiro desaba ladeira abaixo Há oito meses consecutivos, confirma agora o IBGE, a renda do brasileiro cumpre uma mesma rotina e continua despencando ladeira abaixo. Desde maio, na comparação com idêntico período do ano passado, o rendimento médio real habitualmente recebido pelas pessoas ocupadas sofre um longo e penoso processo de encolhimento. Em outubro, os brasileiros com algum tipo de ocupação receberam, em média, nada mais, nada menos, do que R$ 831, o que representou um tombo de 15,2% em relação ao mesmo mês de 2002, e 0,7% abaixo do que havia recebido em setembro. A série estatística do IBGE mostra um agravamento na tendência de queda nos últimos dois meses, já que a renda havia caído 14,6% em setembro, depois de recuar 13,8% em agosto, e passou a indicar um tombo superior a 15% em outubro. O que esses números demonstram é que não há a menor base sólida a sustentar os argumentos utilizados até aqui pelos que previram a recuperação da economia ainda neste ano. Sem renda, o consumidor tende a cortar gastos, enxugar despesas, fugir das lojas e dos supermercados.
NATAL MAGRO Uma pesquisa realizada pela consultoria Toledo & Associados, por encomenda da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), ouviu, em novembro, 600 paulistanos, e descobriu que 56% dos entrevistados não pretendem comprar presen-
tes no Natal. Por absoluta falta de renda. Mais da metade deles (54%) acham que 2003 foi ainda pior ou muito pior do que 2002. Entre os 44% que pretendem comprar alguma coisa, 59% indicaram que farão suas compras em lojas de rua, onde os preços são mais baixos, e só 19% pretendem comprar nos shopping centers. “Façam promoção agora”, recomenda o presidente da ACSP, Guilherme Afif Domingos. Na região metropolitana de São Paulo, a pesquisa de emprego e desemprego realizada em conjunto pela Fundação Seade e Dieese indica que, em setembro, a combinação de desemprego elevado e renda em baixa levou a uma perda de 9,2% no total de rendimentos recebidos pelas pessoas ocupadas. Menos salários e menor renda para irrigar os orçamentos domésticos significam consumo menor, produção estagnada e, novamente, mais desemprego. O mesmo levantamento mostra que a renda dos 10% mais pobres sofreu baixa de 8,4% em relação a setembro de 2002, diante de uma queda de 5% para os 10% mais ricos. Considerado apenas o mês de setembro, a massa de salários (ou seja, o total de salários pagos pelas empresas a seus empregados) atingiu o nível mais baixo nos dez anos analisados pela pesquisa. O valor total dos salários, de acordo com o Seade-Dieese, estava, em setembro, nada menos do que 12,9% abaixo do total recebido pelos assalariados em setembro de 1993 – ano de hiperinflação e crise na economia. (LJ)
Segundo o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, os dissídios realizados no segundo semestre e a queda da inflação tendem a recompor as perdas e empurrar os salários para cima ainda neste final de ano, ajudando a recuperar a economia. A queda da inflação pode, mesmo, minorar as perdas salariais, mas os dissídios não parecem refletir todo o ânimo ministerial. Mesmo nas negociações salariais de categorias importantes como os metalúrgicos, petroleiros e bancários, o Dieese informa, com base num levantamento parcial, que 47% dos 15 acordos salariais analisados no segundo semestre do ano não conseguiram sequer repor a inflação. Mais claramente, os reajustes pactuados não foram suficientes para cobrir as perdas do passado recente, consolidando o achatamento dos salários para quase metade das categorias em dissídio. O índice supera o percentual observado em 2002, quando 45,3% dos acordos ficaram abaixo da inflação. Sintomaticamente, aquele havia sido o percentual de insucesso mais elevado até então. Os 47% do segundo semestre só perdem para o resultado observado pelo Dieese na primeira metade deste ano, quando 54% dos acordos perderam para a inflação passada.
Mercado de trabalho não reage As pesquisas de emprego e desemprego divulgadas na última semana pelo IBGE, que acompanha o mercado de trabalho em seis regiões metropolitanas, e pela Fundação Seade e Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), relativa à região da Grande São Paulo, mostram tendências semelhantes. O mercado de trabalho ficou simplesmente paralisado em outubro, desmentindo as projeções de crescimento do emprego, e revertendo a usual tendência de recuperação observada para aquele mês, todos os anos. Em São Paulo, aponta o Dieese, a taxa de desemprego ficou em 20,4% em outubro, ligeiramente abaixo dos 20,6% anotados em setembro, e acima dos 19% verificados em outubro de 2002. Na contabilidade do IBGE, em conjunto, as seis regiões pesquisadas apontaram uma taxa média de desemprego de 12,9% também em outubro. O indicador repete o resultado de setembro e tem se mantido mais ou menos nes-
te mesmo nível desde maio, o que sugere uma tendência à estagnação que contraria as previsões de melhoria do cenário econômico. São seis meses de taxas próximas a 13%, portanto. Em outubro de 2002, o desemprego atingia 11,2% da população economicamente ativa. Nos 12 meses encerrados em outubro deste ano, o total de desempregados cresceu 21,7%, de acordo com o IBGE, pulando de 2,272 milhões para 2,766 milhões (494 mil a mais).
NÃO HÁ VAGAS O total de pessoas ocupadas de alguma forma sofreu ligeiro recuo na comparação com setembro (-0,38%), mas acumula um aumento de 3,1% na comparação com outubro de 2002. Cerca de 556 mil pessoas conseguiram algum tipo de ocupação nesses 12 meses, mas o número não conseguiu acompanhar o aumento do número de pessoas que chegaram ao mercado de trabalho no mesmo período.
A estatística do IBGE registrou 1,050 milhão de pessoas a mais à procura de um emprego, das quais apenas 53% conseguiram uma vaga. O mais grave é que, daqueles 556 mil que obtiveram uma colocação, quase 90% (493 mil) foram contratados sem registro em carteira, ou tiveram que trabalhar por conta própria, fazendo bicos para sobreviver. Perto de 17% das pessoas ocupadas recebiam menos de um salário mínimo por hora ou desempenhavam funções consideradas como subocupação, com uma carga de trabalho inferior às horas regularmente previstas na Constituição. Aquele percentual havia alcançado menos de 13% em outubro do ano passado. O levantamento do Seade/ Dieese mostra, por exemplo, que a economia da região metropolitana de São Paulo criou meras 10 mil vagas nos 12 meses terminados em outubro, enquanto o número de desempregados aumentava em 174 mil, totalizando 2,019 milhões de pessoas sem emprego. (LJ)
2003, mais um ano perdido Os números do IBGE não poderiam ser mais claros. No terceiro trimestre, o PIB ficou 1,5% menor do que em igual período do ano passado. Na comparação com o segundo trimestre deste ano, a economia ensaiou uma reação, com o PIB indicando uma variação positiva de 0,4% e jogando água no chope do mercado, que apontava para taxas mais robustas, entre 1% e até 3%. Obrigado a guardar os rojões encomendados para celebrar a retomada do crescimento, o mercado e o governo agora aguardam os números do último trimestre do ano. Prevêem crescimento, claro, para que o ano não feche com taxa negativa. Na verdade, não fará muita diferença se a economia crescer 0,4%, como previu a equipe do mi-
nistro Palocci, ou 0,8%, como prefere o ministro Guido Mantega, do Planejamento. O ano já foi perdido desde que o governo insistiu em repetir a política de arrocho adotado nos últimos anos.
ENCALHE? O que os dados do IBGE mostram é até um agravamento na crise, obviamente não comentada de público para evitar novos embaraços ao governo. No quarto trimestre de 2002, sempre na comparação com o mesmo período do ano anterior, a economia cresceu 3,9%, mas a taxa recuou para 1,9% no primeiro trimestre de 2003 e para 1,1% no segundo trimestre. Entre julho e setembro, a queda atingiu 1,5%, ampliando a velocidade do tombo.
No período julho-setembro, a indústria cresceu 2,7% em relação ao segundo trimestre e 0,4% diante do terceiro trimestre do ano passado, superando o ritmo geral da economia. Agora, surgem temores de que o setor possa enfrentar um encalhe em sua produção, por falta de consumidores. Motivo: o consumo das famílias recuou 0,2% perante o segundo trimestre de 2003 e ficou 3,7% mais magro do que no terceiro trimestre do ano passado, acumulando uma perda no ano de 4,2%. Sem renda, os consumidores gastam menos, o que alimenta a sensação de que a indústria poderá encerrar o ano com estoques elevados. Nesta hipótese, 2004 já começaria com presságios nada animadores. (LJ) (Ver mais na pág.6)
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De 4 a 10 de dezembro de 2003
NACIONAL ANÁLISE
O Sol e a Peneira Zulmair Rocha/Folha Imagem
É equívoco pensar que investimentos estrangeiros só vêm com o aval do FMI. Esta é uma tutela que custa caro ao país José Luis Fiori xistem fotos que falam por si mesmas, não precisam de texto. Algumas, inclusive, se transformaram na marca registrada de momentos cruciais da história contemporânea. Quem esquecerá as fotos dos estudantes, nas ruas de Paris, em 1968; da resistência de Salvador Allende, no Palácio de La Moneda, em 1973; ou do discurso vitorioso de Lula, na Av. Paulista, em novembro de 2002? Pois bem, a recente foto do anúncio, em Brasília, do novo acordo do Brasil com o Fundo Monetário Internacional, tem tudo para se transformar numa foto emblemática. Sentados atrás de uma mesa, no centro da foto, o ministro da Fazenda; à sua esquerda, os dois militantes do PSDB, que mandam nas finanças públicas brasileiras; e à sua direita, os dois dirigentes do FMI, que mandam, de fato, nos dois militantes do PSDB, pelo menos, durante a vigência dos acordos com o FMI. Com um destaque particular para a figura feminina da mesa e do FMI, seu escárnio e a ostentação do seu poder, e sobretudo seu ar de deboche com relação às autoridades nacionais, incluindo o presidente da República. O consultor internacional de Tony Blair, Robert Cooper, poderia utilizar esta foto como ilustração gráfica de sua proposta a favor de um “imperialismo voluntário da economia global, gerido por um consórcio internacional de instituições financeiras como o FMI, e apoiado na aceitação por parte dos Estados que se abrem e aceitam pacificamente a interferência das organizações internacionais”.
E
O Brasil aceitou ser humilhado publicamente O que leva um país independente a aceitar este tipo de humilhação? Por que uma autoridade de um governo soberano, com um mínimo de dignidade, aceita participar desta encenação, expondo sua submissão ao vivo e a cores, em transmissão direta parta todo o país? Não se trata de uma pergunta simples, nem existe uma resposta fácil, mas se for por causa dos motivos econômicos alegados a favor do acordo com o FMI, eles não exigem nem explicam este espetáculo vergonhoso. De qualquer maneira, a defesa do acordo e a promessa que será o último a ser assinado pelo país, não são novas nem originais, repetem-se pelo mundo afora, e, no Brasil, desde 1998, quando o FMI formulou a estratégia econômica do segundo governo Cardoso/Malan. São dois os argumentos fundamentais utilizados pelos seus defensores. O primeiro, parte da vulnerabilidade externa da economia brasileira, e sustenta que o governo seria incapaz de enfrentar uma crise ou mudança do cenário econômico internacional, sem contar com a nova ajuda do Fundo Monetário. E o segundo, parte da premissa correta de que não haverá desenvolvimento econômico no Brasil sem a entrada massiva de investimento estrangeiro, e conclui, equivocadamente, que este investimento só virá para o Brasil, com o aval e a garantia dada pelo acordo com o FMI. São idéias repetidas por todo lado, como se fossem verdades indiscutíveis, mesmo quando a entrada de novos capitais, no Brasil, tenha declinado de forma quase contínua, durante os últimos cinco
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anos em que o país esteve sob a proteção do FMI. Para não falar do desempenho da economia brasileira, durante este período de tutela, quando a taxa média anual de crescimento caiu para 1,7%, o desemprego subiu para 13%, e a renda da população entrou numa queda livre de 17%. Tudo isto, enquanto a dívida pública disparava, e as reservas do país caíam de 31,5 bilhões de dólares, para 14,2 bilhões de dólares. No início de 2003, a previsão de crescimento das autoridades econômicas brasileiras foi de 2,8% mas, hoje, todos aceitam que não passará de 0,8%, e alguns acreditam que seja ainda menor, ficando em apenas 0,4%. Agora, de novo, para 2004, a previsão de crescimento é de 3,8%, mas não há nenhuma garantia de que este valor não venha a ser ajustado, uma vez mais. O que não se diz, é que mesmo que se cumpram as previsões, se tratará de um crescimento que tem poucas possibilidades de ser sustentado e, assim mesmo, será irrisório, do ponto de vista das necessidades de emprego e salário da população brasileira.
Talvez, em 2004, um crescimento sem sustentação Mas, o mais importante – do ponto de vista da discussão sobre o acordo com o FMI – é que esta previsão de crescimento para 2004 vale para todas as “economias emergentes” do mundo, tenham elas assinado, ou não, acordos com o FMI. E, o que é pior, como mostra pesquisa recente da revista The Economist, o crescimento do Brasil estará em 19º lugar, entre as 25 principais
economias emergentes do mundo, atrás inclusive da Argentina, do Peru, da Venezuela e do Chile, para ficar apenas na América do Sul, e dentro de um grupo de países onde nem todos seguem a mesma cartilha da política macroeconômica brasileira.
Credibilidade, mas, afinal, que credibilidade? Como explicar a defesa e a manutenção desta estratégia, se seus resultados têm sido tão modestos e insuficientes? Por causa de duas crenças ou convicções, profundamente enraizadas no senso comum. A primeira tem a ver com a chamada “credibilidade internacional do país”. Uma expressão ambígua, e que não pertence estritamente ao campo da economia, cabendo melhor na área da psicologia ou da ética. Mas existem algumas perguntas que nunca são formuladas ou nunca são respondidas: quem é que crê, e crê no quê? E, do outro lado, quem quer ser acreditado, em quê, e por quem? Quando a imprensa fala de “credibilidade”, ela passa a idéia de que todos estão de acordo, e todos querem e acreditam nas mesmas coisas, mas isto não corresponde aos fatos. Se todos precisassem acreditar nas mesmas coisas, e fosse esta mesma “credibilidade” que estivesse por trás da preferência dos investidores, como explicar que eles invistam de forma idêntica, em países que têm regras e praticam políticas tão diferentes? E como explicar que eles invistam muito mais em países que não seguem os cânones do FMI? Só se deixarmos de lado as ideologias e olharmos as coisas
como elas são, e neste caso, o que nos ensina a história é que o capital nunca andou atrás de “bons comportamentos”, nem teve medo de políticas heterodoxas ou da presença do Estado na economia. Se fosse assim, eles não estariam na China, que rejeita a cartilha do FMI mas, mesmo assim, é o país que mais recebe investimento estrangeiro, depois dos EUA, e isto há muitos anos. O que os capitais buscam, de fato, é a maximização dos seus lucros e de suas oportunidades de acumulação, independentemente de quais sejam as políticas econômicas, desde que elas garantam o crescimento econômico, o seu lucro e a estabilidade das decisões e das regras definidas por cada governo nacional. Respeitado este princípio, os caminhos do capital e do capitalismo têm sido extremamente ecléticos, cabendo, portanto, aos governos, em primeiro lugar, definir suas prioridades, objetivos e políticas, e, em segundo lugar, mantê-las através do tempo para então conquistar a famosa “credibilidade”. Deste ponto de vista, se pode compreender melhor a confusão explícita e intencional que alguns fazem entre a idéia correta de que o capital e os investidores desejam que exista objetivos, regras e políticas estáveis, com o desejo dos ideólogos liberais, de certos órgãos da imprensa e de alguns lobbies, de que estas regras sejam as regras preconizadas pelo FMI. A segunda crença generalizada, que está por trás da defesa dos acordos com o FMI, tem a ver com a natureza do processo da globalização financeira, e da generalização das políticas econômicas liberais, durante a década de 90. Os que acreditam na possibilidade de sucesso de políticas liberais para o desenvolvimento econômico sustentado de países periféricos, quase sempre também acreditam que a desregulação e a globalização financeira da década de 90 foram uma obra espontânea do desenvolvimento orgânico dos mercados e do progresso tecnológico.
A livre-escolha da globalização e da desregulação Não conseguem entender que a desregulação e a globalização financeira foram também o resultado estrutural de escolhas políticas, feitas por sucessivos governos americanos, e pelos governos das demais grandes potencias econômicas. Como essas pessoas eliminam o poder e a política internacional do campo da economia global, fica difícil para elas ver e compreender a forma como as políticas econômicas liberais operam globalmente, transferindo o poder de mando e a soberania econômica dos Esta-
Estudou Economia e Sociologia no Chile, é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, e professor titular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Publicou, entre outros, O Vôo da Coruja e Em Busca do Dissenso Perdido. dos mais fracos, para os Estados mais fortes, do ponto de vista monetário e financeiro. É interessante, neste sentido, acompanhar a mudança que ocorreu recentemente no Brasil. Existe um número cada vez maior de pessoas que estão abandonando as visões ideológicas do comércio internacional e compreendendo que se trata de um campo de disputas e negociações entre os interesses opostos das nações e dos vários capitais nacionais. É o que está se vendo na discussão da Alca, onde o governo brasileiro trocou a defesa quase religiosa do princípio do livre-comércio, por uma posição mais realista, baseada na defesa de interesses nacionais que, em muitos campos, entram em conflito direto com a defesa norte-americana dos seus próprios interesses.
Não há políticas econômicas que sirvam para todos O que as pessoas não percebem é que o mesmo problema do comércio existe também no campo da política macroeconômica internacional. Também aí existem enormes assimetrias de poder e de interesse entre as nações, e entre os vários grupos econômicos, dentro de cada uma das nações. Por isso, não existem políticas econômicas com validade universal, que possam atender, simultaneamente, às necessidades das grandes potências e às das grandes economias em desenvolvimento. Países como Brasil, Argentina, Índia, Rússia ou Indonésia, não podem aplicar as mesmas políticas dos países desenvolvidos, se quiserem seguir sua trajetória vitoriosa. Numa economia mundial integrada e desregulada, a política macroeconômica liberal e ortodoxa funciona, nos países menos desenvolvidos, como um instrumento de poder a favor dos capitais das economias mais poderosas, exatamente como no caso dos tratados amplos de livrecomércio, só que de forma mais sutil e destrutiva. Neste contexto, não há como tapar o sol com a peneira: os países mais fracos só conseguirão defender os interesses do seu capitalismo e de sua população se forem capazes de construir suas próprias estratégias comerciais, junto com políticas macroeconômicas adequadas ao seu nível de desenvolvimento, e aos seus objetivos nacionais.
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NACIONAL MOBILIZAÇÃO
O Brasil vai lutar por desemprego zero Nestor Cozetti do Rio de Janeiro (RJ)
“O
s desempregados das cidades precisam organizar-se como os sem-teto e os sem-terra”, concluíram os expositores no lançamento oficial do Movimento Desemprego Zero (MDZ), no Rio de Janeiro, dia 25 de novembro. O jornalista, economista e professor José Carlos de Assis, coordenador do MDZ, considera a dimensão quantitativa do desemprego hoje, a mais grave da história do país. José Luiz Patrola, representante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, disse estar pessimista olhando para trás, mas otimista olhando para frente. “O que nos falta é sair à rua para mobilizar e saber o caminho a seguir. Ficamos anestesiados, querendo que Lula e Palocci façam tudo. Nosso papel não é entrar em campo, mas organizar a torcida”, argumenta. O Movimento Desemprego Zero – Por uma Política Econômica de Promoção do Pleno Emprego – surge do reconhecimento de que o desemprego, nos níveis atuais, constitui o foco da crise social brasileira. (Leia pág.4) Para a coordenação do Desemprego Zero é chocante “a indiferença das classes dominantes brasileiras diante da tragédia do desemprego”.
Anderson Barbosa
Perder o emprego é a maior preocupação do brasileiro. Mas só a mobilização social pode mudar o quadro
Uma alternativa de prosperidade O Movimento Desemprego Zero assume como proposta as sugestões feitas pelo manifesto dos economistas divulgado em junho, que incluem um conjunto simultâneo de medidas, entre as quais:
•Controle do fluxo de capitais externos e administração do câmbio em nível favorável às exportações; •Enquanto perdurar o alto desemprego, redução do superávit primário pelo aumento responsável do dispêndio público, a fim de ampliar a demanda efetiva agregada, induzindo a retomada do desenvolvimento e do emprego; •Ampliação dos gastos públicos; •Redução significativa da taxa básica de juros, como complemento indispensável da política
pilares da democracia e da estabilidade política. O povo brasileiro quer trabalhar, precisa trabalhar e reclama uma remuneração justa para o trabalho, revertendo a queda de renda do trabalho nos últimos anos, resultado direto do aumento do desemprego.
FORA DA AGENDA
PROJETO DE LEI
Televisões e jornais não demonstram uma real preocupação com a questão. O tema, que chegou a ser destaque na última campanha presidencial, praticamente desapareceu da agenda. Não se fala mais na criação de 10 milhões de empregos em quatro anos. Ao contrário, manteve-se uma política macroeconômica baseada no tripé liberalização financeira, superávit primário e taxa de juros reais elevadíssimas, todos fatores geradores de desemprego. Para a coordenação do movimento, se não houver uma inflexão
Movimento denuncia indiferença das classes dominantes
radical no rumo da política econômica, a tragédia social será irreversível. Os preceitos neoliberais estão esgotados. Há que se buscar uma alternativa e ela está à mão: uma política econômica de pleno emprego, ou de uma política desenvolvimentista com foco no bem-estar social, já testada com sucesso na história do capitalismo. Os integrantes do movimento consideram que de nada adianta lançar um programa de erradicação
da fome que não inclua oportunidades de trabalho para todos. “Serve apenas de paliativo, mas permanece longe da resolução do problema. Somente com sua inclusão no mercado de trabalho remunerado é que as pessoas terão comida para pôr na mesa, com dignidade. É um direito de cidadania”, argumentam. E acrescentam que o direito ao trabalho dignamente remunerado está em pé de igualdade com o direito de propriedade, e é um dos
O MDZ também propõe um Projeto de Lei do Pleno Emprego, que seria, segundo seu coordenador: “Uma revolução pacífica brasileira no rumo do solidarismo e do socialismo democrático”. É um Projeto de Lei de Iniciativa Popular que: “Dispõe sobre medidas de incentivo ao pleno emprego, princípio previsto no Artigo 170, VIII, da Constituição Federal, e dá outras providências”. Este anteprojeto, iniciativa de um grupo de economistas, foi discutido e aprovado pela Comissão Constitucional da Ordem dos
fiscal de estímulo à retomada dos investimentos privados; •Promoção de investimentos públicos e privados em saneamento e infra-estrutura; •Manutenção e ampliação da política de incentivo às exportações; e substituição de importações; •Política de rendas pactuada para controle da inflação. “Sustentamos que o Brasil tem diante de si uma alternativa de política econômica de prosperidade. O atual governo, que foi eleito em função de expectativas de mudança, tem diante de si a responsabilidade de evitar que a crise social herdada se transforme numa crise política de proporções imprevisíveis”. Afirmavam os signatários do manifesto.
Advogados do Brasil. Durante a campanha Desemprego Zero, serão recolhidas assinaturas para encaminhá-lo ao Congresso na forma de projeto de lei de iniciativa popular. Integram o Movimento Desemprego Zero o Clube de Engenharia, Consulta Popular, Coordenação dos Movimentos Sociais, Marcha Mundial das Mulheres, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Central Única dos Trabalhadores, UEE, Associação dos Empregados da Petrobras, Associação dos Funcionários do BNDES, Federação Brasileira de Associações de Engenheiros, Ibase, UNE. Participam da coordenação nacional: CMP, CNTE, CUT, CONTEE, Federação Nacional dos Advogados, JOC, Grito dos Excluídos, Marcha Mundial das Mulheres, MST, MTD/MTST, Pastoral Operária, UBM, UNE.
Anamárcia Vainsencher da Redação Hoje, a preocupação número um dos brasileiros é o desemprego. Quem está empregado tem medo de perder o emprego, quem está desempregado teme não conseguir se recolocar no mercado. Mas o desemprego e a crise social que ele gera têm sido mascarados. A sociedade precisa, urgentemente, acordar para o problema e se mobilizar para resolvê-lo, defende o economista José Carlos de Assis, coordenador do Desemprego Zero, que participou, dia 1º, na sede nacional da CUT, em São Paulo, de fórum que reuniu as treze entidades que integram a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) para discutir a forma da próxima Campanha Nacional pelo Direito ao Trabalho. Antonio Carlos Spis, secretário nacional de Comunicação da CUT, reitera que o desemprego é o mais grave problema social do povo brasileiro. Propor saídas para resolvê-lo, diz, é também a principal forma de discutir um projeto de desenvolvimento para o Brasil, com soberania, distribuição de renda e inclusão social. O quadro, de fato, é grave porque, além da taxa de desemprego de 13% medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quem ganha um pífio salário mínimo de R$ 240 também é, virtualmente, um desempregado. “Isso quer dizer que a taxa real de
Douglas Mansur
Em vez de pagar juros da dívida, pleno emprego inconstitucional, ilegal, produzido por decreto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para controlar a inflação”, segundo o economista. Ele acrescenta que o Bacen já é independente e que o seu modelo de metas não passa de uma equação.
VIRAR O JOGO
Assis: neoliberalismo despreza a política de renda
desemprego, no país, é de 26%”, argumenta José Carlos de Assis. Por mais medidas tópicas que possam ser tomadas para mudar o quadro de desemprego, na verdade apenas uma seria uma solução efetiva: subordinar a política econômica à criação de empregos, argumenta o coordenador do MDZ.
POLÍTICAS MORTAIS Ele se pergunta por que o Brasil “importou” políticas fiscal e monetária conservadoras, que são os pilares do neoliberalismo nos países centrais. “Superávit fiscal e juros altos são uma injeção na veia para produzir desemprego. A política econômica brasileira, ao invés disso, deveria estar subordinada à geração do pleno emprego”, afirma. No Brasil, a aplicação sistemática de políticas neoliberais resultou
na redução do Estado (que é essencial para garantir as liberdades humanas) e no primado da estabilidade da moeda. Ignora-se, deliberadamente, que, no capitalismo, o risco de uma política de pleno emprego produzir inflação de demanda é resolvida por contratos coletivos, pactos sociais para preços e salários. “Isso se chama política de renda, que o neoliberalismo joga fora”, diz Assis. Da mesma forma, uma política monetária que privilegia o instrumento da taxa de juros gera desemprego. Diferentemente do que faz o banco central dos Estados Unidos que, além de controlar a inflação, não perde de vista o nível necessário de liquidez da economia para sustentar o emprego, o do Brasil, com seu modelo de metas de inflação, não se importa com o desemprego. “É um modelo
A política fiscal vigente também tem a finalidade de controlar a inflação, seja qual for o nível de ociosidade da indústria e o do desemprego. “É uma injeção na veia pior do que a política monetária”, afirma Assis, lembrando que o resultado é a retirada de R$ 60 bilhões da economia, que não voltam para ela por outros caminhos. E tudo isso é mascarado no discurso econômico convencional. O economista também derruba um dos mitos mais caros à visão oficial sobre a economia brasileira: a dívida pública não é problema, simplesmente porque é o Banco Central que arbitra a taxa de juros, controla a emissão de moeda e de títulos da dívida. De mais a mais, não existe uma relação ideal dívida/ PIB. Para virar o jogo, propõe Assis, o país precisa de um orçamento primário equilibrado, reduzir e acabar com a geração de superávit primário, diminuir drasticamente a taxa de juros básica (Selic) para 2% a 3%, no máximo. E, condição essencial para mudar o rumo do Brasil, exercer o controle de capitais externos. “Para mostrar que queremos
pagar a dívida com crescimento, não com recessão e desemprego, o governo deve administrar o câmbio para que se situe em patamar favorável às exportações.
ESTRATÉGIA Para viabilizar o conjunto de propostas que objetivam a geração do pleno emprego, o coordenador do MDZ ressalta que não há mudança “por conselho ao príncipe”. Só a mobilização social é capaz de alterar o quadro de desemprego. Em torno de uma estratégia bem definida para a criação de empregos é preciso, ainda, articulação parlamentar e com os ministros mais afinados com o objetivo. “O presidente Lula pode estar certo de que, se mudar, contará com o apoio maciço do povo brasileiro”, garante Assis. Ele lembra, porém, que não existe mudança sem risco, ou com risco nulo. Em 2004, por exemplo, o Brasil deve pagar 40,6 bilhões de dólares em serviços da dívida, o que pode ameaçar seriamente o nível de reservas do país. Diante disso, é preciso assumir a possibilidade de decretar uma moratória que permita voltar a acumular reservas e, conseqüentemente, recomeçar a quitar a dívida. Isso, mais uma vez, traz à tona a importância da taxa de câmbio e da costura de acordos comerciais bilaterais com novos parceiros. Não está descartada, também, uma “guerra interna” provocada por interesses contrariados e alimentada pela mídia.
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NACIONAL DIREITOS HUMANOS Relatório constata crescimento nas agressões aos direitos fundamentais e critica políticas que contribuem para esse quadro
Os pobres e excluídos são as principais vítimas Tatiana Merlino da Redação
dança real nos rumos da economia, “que é o que os eleitores do Lula esperavam”, a situação dos direitos humanos não vai mudar. “Somente políticas compensatórias não serão suficientes para resolver os enormes desafios existentes em relação aos direitos humanos”, diz. Segundo a economista Sandra Quintela, entre janeiro e agosto de 2003, os gastos com juros da dívida atingiram R$ 102,4 bilhões — 68% a mais do que no mesmo período de 2002. Esses gastos equivalem a três vezes o orçamento do governo federal para saúde, a 334 vezes o orçamento para habitação e a 10,2% do PIB, ou cerca de 30% da receita fiscal dos três níveis de governo. Veja, abaixo, as principais conclusões do relatório. Situação indígena - dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em 2003 o número de assassinatos de lideranças indígenas bateu o recorde dos últimos dez anos. Foram 22 casos, de janeiro a outubro. O relatório critica a falta de vontade política do governo em homologar as terras indígenas e de completar o processo de demarcação – 66,73% das comunidades ainda aguardam a demarcação de suas terras. Além disso, os representantes dos povos indígenas esperam que o presidente revogue
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m panorama preocupante foi traçado a partir de um levantamento que mapeou as principais violações aos direitos humanos no Brasil durante os primeiros nove meses de atuação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Lançado pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, o Relatório de Direitos Humanos no Brasil 2003 concluiu que as pessoas pobres e excluídas são as principais vítimas da diretriz econômica do governo, que continua na direção das políticas implementadas nas duas últimas décadas, priorizando o capital especulativo em detrimento de investimentos produtivos e acatando as demandas do Fundo Monetário Internacional (FMI). O documento, um dos únicos instrumentos que desde 2000 acompanha a situação dos direitos humanos no Brasil, é fruto do trabalho de 25 entidades como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Marcha das Mulheres e a Campanha Jubileu Sul. Maria Luisa Mendonça, uma das diretoras da Rede Social, afirma que enquanto não houver uma mu-
Relatório acompanha as violações a direitos humanos desde 2000
o decreto do governo Fernando Henrique Cardoso que permite instalação de unidades militares nas terras indígenas. Crimes do latifúndio - os números também são recordes. Até novembro, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) registrou o assassinato de 61 trabalhadores rurais. Desses crimes, 35 ocorreram no Estado do Pará. Em 2001, foram 29, e, em 2002, 43. A impunidade é uma das principais causas dessa violência. Entre 1985 e 2002, foram registrados 1.280 assassinatos de trabalhadores rurais. Desse total, somente 121 foram levados a julgamento. A criminalização dos
No Brasil, ele já recebeu o Prêmio Nacional de Direitos Humanos. Em agosto, o Conselho da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho lhe conferiu o título de comendador. Na França, foi condecorado em 1995 com o título da Legião de Honra, a mais alta distinção daquele país. Em 2000 e 2001, concorreu ao Anti-Slavery, considerado o Nobel da Paz alternativo. Contudo, o reconhecimento público na área de direitos humanos não impede que o frade dominicano Henry des Roziers continue a ser ameaçado de morte no sul do Pará. Membro da coordenação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Pará, o advogado Henry des Roziers mora em Xinguara, onde enfrenta forte oposição de lideranças políticas e latifundiários. Há pelo menos 10 anos ele integra as principais listas de marcados para morrer, onde constavam também os nomes dos sindicalistas João Canuto e Expedito Ribeiro, presidentes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, assassinados em 1985 e 1991, respectivamente.
VITÓRIA INÉDITA Em 2001, o advogado conseguiu uma vitória inédita na Justiça brasileira: a condenação de um fazendeiro que mandou assassinar um líder sindical. Jerônimo Alves do Amorim foi condenado a 19 anos e seis meses de prisão pela morte de Expedito Ribeiro. Amorim fugiu da cadeia e frei Henry continua a sofrer campanhas de difamação e ameaças. Atualmente, além de defender sindicalistas, frei Henry atua na
Frei Henry: solidariedade mundial
denúncia de trabalho escravo no sul do Pará. Aos 73 anos, acompanha as operações de fiscalização do Grupo Móvel, do Ministério do Trabalho. O Ministério calcula que mais de 70% dos casos de trabalho escravo no Brasil ocorram no Pará. Dos 1.695 trabalhadores encontrados nos primeiros seis meses deste ano, 1.193 foram libertados em fazendas do Estado. No início do ano, frei Henry encaminhou ao Ministério Público Federal no Pará uma lista com os nomes de 48 projetos agropecuários onde existe trabalho escravo.
A maior parte das fazendas recebe verbas do Fundo de Investimentos da Amazônia (Finam). A lista é formada por grandes pecuaristas como Roque Quagliato, que possui usinas de açúcar e álcool em Ourinhos, interior de São Paulo, e possui seis fazendas no sul do Pará. O mais notável da família Quagliato, Roque chegou a recepcionar a rainha Silvia, da Suécia, na fazenda Rio Vermelho, latifúndio localizado no município de Bannach. Quagliato é um velho freguês da Sudam, de onde recebeu milhões de reais nas últimas décadas para implantar projetos agropecuários em áreas de floresta tropical. As denúncias aos fazendeiros levou ao acirramento da campanha de difamação contra frei Henry, semelhante àquela da qual foi vítima em 2000. Ele foi acusado de incitamento à violência, por causa de um protesto de professores em greve em Rio Maria. Um ano antes, recebeu dezenas de ameaças de morte e foi alvo de uma campanha mundial de solidariedade, movida pela Anistia Internacional e traduzida em cinco mil cartões de Natal enviados de todo o mundo.
Marcello Casal Jr./ABR
Bernardete Toneto da Redação
Douglas Mansur
Premiado, frade ainda é perseguido
Parte das fazendas onde existe trabalho escravo recebe verbas do Finam
movimentos sociais, além de outras formas de repressão, como o decreto de prisões arbitrárias contra os trabalhadores rurais, notadamente na região do Pontal do Paranapanema, também são apontadas pelo documento. Trabalho escravo - até meados de outubro, foram resgatados 7.623 trabalhadores escravos, principalmente nos Estados do Pará, Mato Grosso, Tocantins e Maranhão, de acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra. Segundo a Organização Mundial do Trabalho (OIT), existem cerca de 40 mil trabalhadores escravos no Brasil. Uma das principais medidas do governo
Lula foi a elaboração de um projeto de erradicação do trabalho escravo, que inclui a expropriação de propriedades, o aumento do valor das multas e o corte de financiamento para os infratores. Porém, muitas dessas medidas ainda não foram implementadas. Desemprego - em agosto de 2003, de acordo com dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese), a taxa de desemprego em São Paulo era de 23,6% para mulheres, e 16,5% para homens. Desde o início do ano, segundo dados da organização não-governamental Sempre Viva Organização Feminina, cerca de 300 mil mulheres saíram do mercado de trabalho. Habitação - o déficit habitacional no Brasil é de mais de 6 milhões de domicílios. Na cidade de São Paulo, o número de pessoas que vivem em favelas aumentou de 1 milhão e 200 mil, em 1990, para quase 2 milhões, em 2000. Dados do Centro de Estudos da Metrópole revelam que, a cada oito dias, a cidade ganha uma nova favela. De 1991 a 2000, foram erguidas 464 favelas e em média 74 pessoas se tornam faveladas por dia. Educação - o relatório denuncia que 42 milhões de brasileiros acima de dez anos – 31,4% da população – não fazem o uso da leitura e da escrita. Segundo Sérgio Haddad, secretário executivo da Ação Educativa, cerca de 50 milhões de pessoas acima de 14 anos — quase 34% da população nessa faixa etária — não terminaram as primeiras quatro séries do ensino fundamental. Violência urbana - nos centros urbanos, as comunidades de baixa renda sofrem com a violência policial e a ação de grupos de extermínio. De janeiro a maio de 2003, a Polícia Militar de São Paulo matou 435 pessoas – uma média de quase três homicídios por dia. Esses dados revelam um aumento de 51% em relação ao mesmo período no ano passado.
ATINGIDOS POR BARRAGENS
Ativistas do MAB ocupam sede da Eletropaulo, em São Paulo
Agricultores acampam em frente a usina Maíra Kubrik da Redação Desde o dia 14 de novembro, cerca de 500 agricultores estão acampados em frente ao canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Barra Grande, na divisa entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Eles pretendiam aguardar até o dia 27 de novembro, prazo final dado à Baesa, empresa responsável pela barragem, para reassentar os trabalhadores. Como a empresa não se pronunciou, os acampados bloquearam a estrada que dá acesso às obras, impedindo o deslocamento dos funcionários e dos materiais de construção. Segundo Delmar Antonio Jaguszewske, da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), o objetivo da manifestação é exigir uma reunião com a Baesa para resolver imediatamente
o caso. “Nós vamos continuar o acampamento até negociarmos as indenizações e solucionarmos a questão da compra das terras”, diz Jaguszewske. Há quatorze meses a empresa não adquire novas áreas para o reassentamento dos trabalhadores, mesmo com a intervenção dos governos estaduais. No ano passado ocorreram inclusive alguns confrontos entre os agricultores que se manifestavam no local e o pelotão de choque da Brigada Militar, deixando vários feridos. Hoje a barragem está com 80% das obras concluídos, o que preocupa os trabalhadores: “A empresa não está resolvendo o problema”, afirma Jaguszewske. Para ele, o objetivo da Baesa é negociar individualmente com as famílias, em uma tentativa de inviabilizar a construção de um único assentamento.
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De 4 a 10 de dezembro de 2003
NACIONAL CIDADANIA
Favela se transforma em Quilombo mineiro Moradores do Aglomerado Santa Lúcia, em BH, inspiram-se em Palmares e julgam Orçamento Participativo do município
“O
Quilombo permanece vivo e a luta continua”. Em Belo Horizonte (MG), a situação descrita pela banda Berimbrown é vivida pelos quase 30 mil habitantes do Aglomerado Santa Lúcia/Morro do Papagaio. Durante três semanas, a favela se transforma no Quilombo do Papagaio. A temporada foi aberta em 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, e vai ser encerrada em 10 de dezembro, Dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O objetivo, de acordo com os organizadores, é fazer com que a comunidade se torne um espaço de organização e construção da cidadania. Essa é a terceira edição do quilombo. Padre Mauro Luiz da Silva conta que a idéia surgiu há três anos, quando a comunidade foi ocupada pela Polícia Militar. Não demorou muito para os moradores encontrarem o corpo de um suspeito de ter matado um policial. “Pensamos: Não dá mais para ficar calado! É urgente fazer ressurgir o espírito de Palmares em nossa comunidade, onde o povo negro ainda é escravo!”, lembra Silva. Inspirados no Quilombo de Palmares, os moradores promovem debates, oficinas e atrações culturais. Os organizadores do evento calculam que, desde 2000, o índice
de luxo em frente ao Aglomerado Santa Lúcia, divisa com um bairro nobre de Belo Horizonte. A obra, reprovada no Orçamento Participativo, foi executada em seis meses. Ao mesmo tempo, também em 2000, obras aprovadas no Aglomerado não foram realizadas. O prefeito Fernando Pimentel visitou o aglomerado e prometeu asfaltar uma rua da favela e reestruturar uma escola de educação infantil a ser mantida pela prefeitura, conforme conta Beatriz Imaculada da Paz
Elias Henrique
Edilene Lopes de Belo Horizonte (MG)
HISTÓRIA DE LUTA
O objetivo é fazer com que a comunidade do Morro do Papagaio se torne um espaço de construção da cidadania
de assassinatos na comunidade caiu pela metade e o de número de universitários no aglomerado passou de seis para 35. Padre Silva chama a atenção para dimensão do encontro: “Já sabemos que negro é lindo, canta, dança e joga futebol bem. Queremos agora nossos direitos e não vamos ficar de braços cruzados”, desabafa. No Quilombo, os moradores rea-
lizam o julgamento do Orçamento Participativo. O Tribunal Popular, composto por membros da comunidade, condenou a administração municipal por crime de descaso contra os moradores de favelas e vilas e estipulou como pena a execução imediata, antes das eleições municipais, das obras do orçamento. O papel de promotor de acusação foi feito pelo próprio padre
Silva. O promotor de Direitos Humanos do Ministério Público, Antônio Aurélio, representou o juiz, e o gerente geral do Orçamento Participativo na Regional CentroSul, Welton Petrilho, fez a defesa da prefeitura. Durante o júri simulado, acusaram a prefeitura de ter realizado um projeto de R$ 2.145 mil, em um trevo de acesso a um condomínio
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da Barragem Santa Lúcia foi considerado o pior de Belo Horizonte, em pesquisa realizada pela prefeitura da cidade em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) e Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG). Além do quilombo, a comunidade do Aglomerado Santa Lúcia é responsável também pela elaboração de um manual de sobrevivência em tempo de exclusão. A cartilha, lançada em 2001, foi tão eficaz que os idealizadores do projeto já pensam em uma segunda edição, atualizada. Durante o 3º Quilombo do Papagaio, os moradores fazem a premiação de ações e pessoas que mais contribuíram para a construção da cidadania dos moradores de favelas.
EDUCAÇÃO
Maíra Kubík Mano da Redação O futuro da universidade pública no Brasil é incerto. De um lado, o Ministério da Fazenda afirma que os investimentos de cunho social nas instituições de ensino superior são malfeitos e desnecessários. Do outro, o Ministério da Educação considera um equívoco do governo a tentativa de mudar o financiamento. Uma possível cobrança de mensalidade integra a proposta de reformulação das instituições públicas de ensino de terceiro grau no país, incluindo a privatização total das universidades. No seminário internacional “Universidade XXI”, realizado em Brasília, semana passada, o ministro da Educação Cristovam Buarque defendeu a necessidade de uma universidade pública gratuita. Ele contestou o documento “Gastos sociais do governo central - 2001 e 2002”, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. “Os governos têm de entender que universidade é, por si só, um serviço social, para não acharem que colocar dinheiro na universidade é tirar das classes mais pobres”, disse. A justificativa de que a universidade atende apenas aos ricos, utilizada pela Fazenda para cortar gastos, foi contestada a partir de dados concretos da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (Pnad), de 2001. Segundo o relatório, em cada 100 estudantes de universidades públicas, 12 possuem renda mensal de até R$ 482. Na universidade privada, a média cai para cinco estudantes em cada 100.
CUSTOS O orçamento da União de 2004 reduziu em 17% o montante destinado aos cursos de graduação das universidades públicas. Wrana Panizzi, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições de Ensino Superior (Andifes), avalia que metade das instituições estão em situação financeira “dramática”. Segundo ela, não
há dinheiro para despesas simples como luz, telefone e gasolina.
REFORMA Buarque declarou também ser necessária uma mudança na função social da universidade. Ele convocou os movimentos sociais para colaborarem com o plano de reforma universitária, a ser apresentado ao governo em 2004. A proposta está sendo elaborada por uma comissão interministerial e não apresentou qualquer conclusão até o momento. O ministro acredita que não existe mais compromisso social dos estudantes, que se formam “para ficar ricos”. Ele chegou a afirmar que, se houvesse um golpe militar hoje no país, nenhum estudante ou professor seria preso. Para Gustavo Petta, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), essa é uma constatação infeliz porque entende como nulo o papel da universidade. “Hoje, com todos os seus problemas, a universidade ainda é um pólo de resistência à onda neoliberal”, afirma.
Marcello Casal Jr./ABR
Ministérios divergem sobre privatização do ensino
Movimentos sociais foram convocados a colaborar com o plano da reforma universitária para 2004
Cristovam Buarque encaminhou, semana passada, uma solicitação ao presidente para anistiar os estudantes ainda vinculados ao extinto Programa de Crédito Educativo (Creduc). Pelo projeto de medida
provisória, o governo perdoaria cerca de 80% das dívidas de estudantes universitários já graduados. A maior parte dos contratos foi firmada entre 1975 e 1988, e está em situação de inadimplência. Se-
gundo o MEC, o total de débitos é de R$ 2,1 bilhões. Este ano, o governo liberou cerca de R$ 634 milhões para o financiamento de estudantes na rede privada através do Fies (Financiamento Estudantil).
Violência e corrupção em Alagoas Mariangela Graciano de São Paulo Transferências compulsórias, cerceamento à organização sindical e aos direitos funcionais. Essas são algumas das violências sofridas por profissionais da educação de Alagoas e denunciadas a Sérgio Haddad, relator nacional para o Direito à Educação. Ele visitou o Estado, entre os dias 18 e 21 de novembro, acompanhado por representantes de sindicatos e movimentos sociais. O objetivo era averiguar irregularidades no Fundo de Manutenção e de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Em junho, o professor Paulo Henrique Bandeira, de Satuba, foi assassinado por ter denunciado desvios de recursos federais para o Programa Dinheiro
Direto na Escola (PDDE). O prefeito Adalberon de Moraes (PTB) está preso, acusado de mandante do crime. Desde 2001 as escolas-fantasmas – criadas para receber recursos – vinham sendo investigadas por uma Comissão Administrativa de Inquérito da Secretaria de Educação. O trabalho da Comissão, paralisado há quase dois anos, foi concluído em dois meses, e o relatório, encaminhado ao Ministério Público Estadual.
PRECARIEDADE De acordo com Élcio Verçosa, presidente do Conselho Estadual de Educação, os maiores focos de utilização irregular dos recursos estão nas escolas que funcionam em locais absolutamente inadequados e que, no entanto, recebem não
apenas os recursos do Fundef, mas diversos outros, como o PDDE e merenda escolar. No Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Traipu, professoras denunciam que o poder público local forja o número de alunos matriculados para ampliar o valor do repasse de verbas. Há casos de turmas com mais de 80 matrículas e apenas 30 alunos freqüentando regularmente as aulas. A merenda escolar enviada mensalmente às escolas é suficiente para apenas 15 dias. Maria Áurea Pereira, presidente do núcleo do Sindicato, afirma ter sido vítima de perseguição em virtude das denúncias que fez, envolvendo o prefeito Marcos Santos. Única professora licenciada em Geografia na cidade, Áurea foi transferida de uma escola na zona urbana, onde lecionava para turmas
de 5ª a 8ª série, para uma classe de alfabetização na zona rural. Apesar de o prefeito Adalberon de Moraes (PTB) estar preso como mandante de dois assassinatos – um deles o do professor Bandeira –, o clima da cidade de Satuba ainda é de medo. Ao receber o relator Sérgio Haddad, o prefeito José Zezito da Costa afirmou que poderia estar assinando seu atestado de óbito em função de seu relato. Disse não ter responsabilidade sobre as irregularidades, embora fosse secretário de Educação: “Era melhor assinar quando Adalberon mandava”. Zezito afirmou que Adalberon, que não foi destituído, continua recebendo salário de prefeito, mesmo detido em uma penitenciária, interfere nos assuntos públicos, pressionando vereadores e outras pessoas.
Ano 1 • número 40 • De 4 a 10 de dezembro de 2003 – 9
SEGUNDO CADERNO LIVRE COMÉRCIO João Peschanski
O chefe da delegação venezuelana denuncia falta de transparência e propõe participação igualitária nas negociações
Venezuela critica postura brasileira Claudia Jardim enviada especial do Brasil de Fato a Caracas
O
s negociadores da Venezuela consideram que a 8ª Reunião Ministerial da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), em novembro, foi um encontro de cartas marcadas. Segundo Victor Alvarez, chefe da delegação venezuelana, uma reunião realizada dez dias antes em Washington, convocada por Robert Zoellick, secretário de Comércio Exterior dos Estados Unidos, decidiu o conteúdo do acordo assinado pelos outros países. Antes, Celso Amorim, ministro brasileiro das Relações Exteriores, apresentou a Zoellick proposta que reduzia o escopo da Alca, mas garantia a continuidade das negociações. Da pré-reunião, participaram apenas 16 dos 34 países que negociam a Alca. A Venezuela não foi convidada. “Denunciamos as práticas pouco democráticas que dominam as etapas fundamentais da negociação da Alca”, conta Alvarez. No encontro oficial, em Miami, os negociadores venezuelanos não só criticaram a proposta do Brasil e dos Estados Unidos como apresentaram concretamente sugestões para uma integração igualitária, batizada de Alternativa Bolivariana das Américas (Alba).
Victor Alvarez é chefe dos negociadores da Venezuela na Alca e presidente do Banco do Comércio Exterior na Venezuela (Bancoex). Há seis anos, o banco é responsável por fornecer crédito a micro e pequenas empresas para estimular o desenvolvimento da indústria e comércio nacionais. ção sobre a rodada de Miami? Victor Alvarez – A rodada foi resultado de uma reunião miniministerial que ocorreu uma semana antes. A Venezuela e outros países foram excluídos desse encontro. Essas reuniões estão determinando o curso das negociações, traçando uma Alca paralela. Os países com posições críticas têm sua participação vetada. A Venezuela denunciou as práticas pouco transparentes e pouco democráticas que dominam, agora, as etapas fundamentais do processo de negociação. Seguir forçando o final das negociações e a implantação da Alca em 2005 nos parece inviável. Isso ficou demonstrado em Miami, onde praticamente se decidiu recomeçar as negociações do zero. BF – Houve algo de positivo nesse encontro? Alvarez - Uma das conquistas
Manifestação em Miami durante a 8ª Reunião Ministerial da Área de Livre Comércio das Américas (Alca)
Paulo Maldoss
Brasil de Fato – Qual sua avalia-
Quem é
“Nossa crítica não é contra os Estados Unidos e seu povo, e sim ao modelo de integração neoliberal”, diz Victor Alvarez
Mercosul negocia acordo bilateral com EUA Laura Cassano de Miami (EUA) O Mercado Comum do Sul (Mercosul) vai iniciar negociações bilaterais de acesso a mercados com os Estados Unidos em 2004. Durante a 8ª Reunião Ministerial da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), que ocorreu em Miami entre 20 e 21 de novembro, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, confirmou o interesse no diálogo com o governo estadunidense. Amorim afirmou também que será respeitado o princípio de transparência e que as as conversas acontecerão dentro do âmbito da Alca. O embaixador Luiz Felipe de Macedo Soares, negociador-chefe do Brasil na Alca, informou que
ministros do Mercosul propuseram ao secretário do Comércio Exterior dos Estados Unidos, Robert Zoellick, que as conversações começassem em janeiro de 2004. Zoellick respondeu de imediato, mas afirmou que iria pensar sobre o prazo. O secretário de Relações Econômicas Internacionais da Argentina, Martín Redrado, também se pronunciou sobre o assunto. No entanto, limitou-se a comentar que a discussão de um programa de liberalização seria, a princípio, uma discussão “técnica”, ficando a cargo dos negociadores. O anúncio de tal iniciativa causou confusão e certo mal-estar. A assessoria do USTR (Escritório de Representação Comercial dos Estados Unidos) não quis se pronunciar.
mais importantes foi a inclusão do parágrafo 3, dizendo que a Alca deverá ser compatível com a doutrina de soberania dos Estados e com os textos constitucionais. O texto inicial afirmava que os países deveriam ajustar seu marco legal e institucional ao mandato do tratado. Isso significaria subordinar nossa constituição a um acordo supranacional. BF – E o Itamaraty, como se portou diante da posição venezuelana? Alvarez – A pressão foi aberta. Lutar contra a pobreza não se consegue exclusivamente com a abertura dos mercados. Criouse um imaginário de que esses são os remédios absolutos. Celso Amorim (ministro das Relações Exteriores) pediu à delegação venezuelana que retirasse o pedido de inclusão de proteção às políticas públicas na declaração final. Retiramos, mas o tema será tratado na próxima reunião, em Puebla, México. BF – Como o senhor avalia a posição brasileira na Alca? Alvarez – Dentro da Alca, há um enfoque teórico e conceitual que ordena as ações dos negociadores e privilegia interesses das transnacionais. A postura de uma negociação mais ambiciosa tem sido acompanhada pelo Brasil. Devemos reconhecer que houve uma flexibilização da postura brasileira, desde o encontro de Trinidad e Tobago. Oxalá o Brasil consiga seguir como aliado dos países latino-americanos na busca de um modelo de integração que não submeta países aos interesses de grandes corporações. BF – E o que a Venezuela pensa sobre a Alca? Alvarez – A Venezuela tem interesse em ampliar seus mercados, mas quer fazê-lo em respeito à nossa soberania. Nossa crítica não é contra os Estados Unidos e seu povo, e sim ao modelo de integração neoliberal que implica a liberação total. Não podemos ser ingênuos em adotar uma prática que nem a principal economia do mundo aplica. Não queremos apenas uma área de livre comércio, e sim uma área de comércio justo, que não é a mesma coisa. BF – Quais objetivos teriam essa integração? Alvarez – Queremos uma área livre de pobreza, de exclusão, de fome, de desemprego, de analfabetismo. Essa é nossa prioridade e, para isso, é importantíssimo o desenvolvimento rural. Isso não acontecerá se criarmos um tratado que leve à bancarrota nossos produtores.
BF – Essas propostas estão na Alternativa Bolivariana das Américas (Alba)? Alvarez – Sim. A Alba prioriza a integração latino-americana, com uma estratégia de proteger os países mais fracos para enfrentarem uma integração com potências de maior tamanho. É uma tese que avança na integração latinoamericana, acima de qualquer integração com outras potências. Uma das principais propostas é a criação de fundos de convergências estruturais para corrigir assimetrias entre os países. Esse fundo seria utilizado para corrigir discrepâncias brutais em infra-estrutura e serviços e para repassar tecnologia, fazendo com que economias menos avançadas transformem matérias-primas em produtos de alto valor agregado. BF – De onde viria o dinheiro do fundo? Alvarez – A Venezuela sugeriu cinco fontes para alimentar este fundo. A primeira seria o desconto da dívida externa de cerca de 30% a 40 % de nossas dívidas externas, depositados pelos países neste fundo para financiar suas necessidades de desenvolvimento em tecnologia, infra-estrutura e capital humano. Outra fonte de recurso seria cerca de 15% a 20% do pagamento dos juros das
dívidas. A terceira fonte seria um imposto nas transações internacionais especulativas. A quarta, um aporte dos investimentos estrangeiros. Um investidor financeiro, em geral, recorre aos países que lhe dão maior seguridade jurídica, macroeconômica e também que tem melhores condições de infra-estrutura e serviços. A quinta fonte é o apoio de organismos internacionais. BF – E a participação popular nesse processo de integração? Alvarez – Na Venezuela, a decisão não depende apenas do governo. Um artigo na Constituição nos obriga a realizar um referendo popular para acordos internacionais com esse nível de compromisso. No entanto, acreditamos que o processo tem de acontecer em toda a América Latina. Na reunião de Miami, as delegações que nos cercavam diziam que tínhamos de garantir o sucesso da reunião e tranqüilizar os mercados para que não ocorresse outro fracasso, como em Cancún. Acreditamos na importância de tranqüilizar os investidores, mas para nós é mais importante enviar mensagens de segurança e tranqüilidade a nosso povo, que está nas ruas, disposto a pagar com suas vidas, como aconteceu na Bolívia.
América Central defende políticas alternativas da Redação Representantes de organizações urbanas de Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e Panamá, membros da Frente Continental de Organizações Comunais (FCOC), defendem que, em vez do livre comércio, governos invistam nas áreas sociais e apóiem políticas de apoio à segurança alimentar. “A negociação da Área de Livre Comércio da América Central (Alcac) com os Estados Unidos, assim como o Plano Puebla Panamá (PPP), não enfrentam as condições que mantêm os povos da América Central em situação de pobreza, sendo explorados”, registra a declaração final do encontro, que ocorreu, entre os dias 24 e 27, em Mixco, Guatemala. Atualmente, cinco países da América Central – Nicaragúa, Panamá, Guatemala, Costa Rica e El Salvador – negociam com os Estados Unidos um acordo de li-
vre comércio regional, nos moldes da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Já o PPP é um projeto financiado e proposto pelo Banco Mundial, que propõe uma série de obras de infra-estrutura na América Central, projetadas a partir da lógica das transnacionais estadunidenses, interessadas em facilitar o escoamento de mercadorias para a América do Norte. Os movimentos da FCOC repudiam a posição dos governos, que insistem em negociar o acordo proposto pelos Estados Unidos. “Queremos um aumento substancial do investimento social para melhorar o acesso da nossa população à educação, saúde e trabalho”, reivindicam os movimentos. A FCOC pede, ainda, que os governos reduzam investimento em gasto militar, e melhorem os serviços públicos. De acordo com os movimentos sociais centro-americanos, a região vive uma crise econômica, social e política profunda.
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De 4 a 10 de dezembro de 2003
INTERNACIONAL ORIENTE MÉDIO
Lula alimenta expectativas de árabes Paulo Daniel Farah especial para o Brasil de Fato de Beirute (Líbano)
Antônio Milena
Pela primeira vez um presidente brasileiro visita países da região; objetivo é aprofundar laços culturais e políticos
N
Muçulmanos voltados para a cidade de Meca se reúnem para rezar, na hora do almoço, na Mesquita Umayyad, na Síria
ROTEIRO DA VIAGEM DO PRESIDENTE A PAÍSES ÁRABES 1
2
Mar Mediterrâneo Trípoli
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Cairo LÍBIA
SÍRIA Damasco Beirute LÍBANO
ORIENTE MÉDIO
1 - Síria - 3 e 4 de dezembro 2 - Líbano - 4 a 6 de dezembro 3 - Emirados Árabes Unidos - 6 a 8 de dezembro 4 - Egito - 8 e 9 de dezembro 5 - Líbia - 9 e 10 de dezembro
EGITO
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os países árabes que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visita nesta semana e até dia 10, é grande a expectativa sobre o posicionamento do governo brasileiro em relação a questões não apenas comerciais mas também culturais e – sobretudo – políticas. A situação no Iraque e na Palestina deve integrar a pauta de várias reuniões. As relações comerciais entre o Brasil e vários países árabes se intensificaram no primeiro semestre deste ano e, como era de se esperar, encontros com empresários ocupam boa parte da agenda. Parece consenso, porém, que os laços culturais devem ser reconhecidos e ampliados, e o apoio político de ambos os lados, fortalecido. Para o chefe da delegação palestina no Brasil, o embaixador Musa Amer Odeh, “o Brasil está ampliando seu papel na política externa, e isso ajuda a criar um equilíbrio nas relações internacionais. Queremos comércio, a viagem vai encorajar o comércio do Brasil e para o Brasil, mas também queremos relações culturais e políticas intensas”. No dia 4, depois de passar pela Síria e reunir-se com o presidente Bachar al Assad em Damasco, Lula participa de diversos encontros em Beirute, capital do Líbano: com o presidente do Parlamento, Nabih Berri, com o primeiro-ministro, Rafiq al Hariri, e com o presidente libanês, Émile Lahud, no palácio Baabda. No dia 5, Lula deposita flores no túmulo do soldado desconhecido e lança a pedra fundamental da Casa
ÁFRICA do Brasil em Beirute, além de discursar em um seminário organizado pela Câmara de Comércio. Mais tarde, encontra lideranças da comunidade brasileira – com presença expressiva no país (o português é a quarta língua mais falada, depois do árabe, francês e inglês).
EMIRADOS 3 ÁRABES UNIDOS Abu Dhabi
Embora haja cerca de 8 milhões de libaneses e descendentes no Brasil (aproximadamente o dobro da população do Líbano), nenhum presidente brasileiro jamais visitou o país. Fernando Henrique Cardoso chegou a anunciar a viagem ao menos duas vezes, mas nunca cumpriu o compromisso. Trata-se da primeira visita oficial de um chefe de Estado do Brasil ao Líbano desde que o imperador D.
Pedro 2º visitou a região no século 19. No dia 6, o presidente parte para Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, onde se encontra com autoridades locais e participa do encerramento de um seminário sobre investimentos. À tarde, parte para Dubai, outro emirado do mesmo Estado, e reúne-se com xeiques locais. No dia 7, Lula encontra membros da comunidade brasileira e jogadores da seleção brasileira sub-20. Depois, inaugura um encontro empresarial promovido pela Agência de Promoção à Exporta-
ção (APEX) e pela Câmara de Comércio Árabe-Brasileira (CCAB), além da Semana Brasileira. Na manhã do dia 8, embarca para o Cairo, capital do Egito, e reúne-se com o presidente Hosni Mubarak. Após a assinatura de acordos bilaterais, eles fazem um comunicado conjunto. A questão palestina deve ocupar um lugar central nesse discurso e em encontros no dia seguinte já que o Egito busca o papel de mediador no conflito israelo-árabe, e Lula vem fortalecendo a atuação brasileira no cenário internacional. Tanto o Egito quanto o Brasil buscam, com cautela, uma alternativa ao controle norte-americano sobre as decisões da comunidade internacional. Washington não é muito popular no Oriente Médio, e é comum ver carros com adesivos que dizem, em árabe, “Akrahu Amrika” (Odeio os EUA). No dia 9, Lula encontra-se com o primeiro-ministro egípcio, Atef Ebeid, e depois segue para a Liga dos Estados Árabes, onde participa de uma reunião com Amr Mussa, secretário-geral da entidade. No mesmo dia, deve se reunir com o premiê palestino, Ahmad Qorei. Também na terça-feira, parte para Trípoli, na Líbia, e reúne-se pela primeira vez com o líder do país, Muammar Gaddafi. No dia seguinte, almoça com empresários e reúne-se, pela segunda vez, com Gaddafi. Após cerimônia de assinatura de acordos, Lula inicia sua viagem de volta ao Brasil, com chegada a Brasília prevista para a madrugada do dia 11. Paulo Daniel Farah é professor do Departamento de Letras Orientais da Universidade de São Paulo (USP).
DIREITOS HUMANOS
Como age a polícia política nos Estados Unidos Cidadãos submetidos a interrogatório por serem leitores de publicações “dissidentes”. Pressão policial contra quem faz críticas públicas às autoridades. Vigilância permanente sobre organizações que lutam pelos direitos sociais. Encarceramento preventivo de ativistas, às vésperas de manifestações contra o governo. Agentes policiais que se infiltram em atos públicos e filmam quem deles participa. Intimidação de editores de publicações eletrônicas. Discriminação especialmente dura contra estrangeiros, como os árabes. Falta algum ingrediente para que você concorde que os Estados Unidos transformaram-se, após o 11 de setembro, num país onde tanto direitos políticos quanto liberdades individuais estão severamente restritos?
PROIBIDO OPINAR A escalada de vigilância lançada a pretexto de combate ao terrorismo está transformando a antiga “terra da liberdade” num Estado policial, sugere reportagem recente do In These Times, publicação progressista de
da Casa Branca, é moreno e usa barba. Embora não violentos, os policiais foram ameaçadores: “Não vai haver problema. Só queremos investigar o caso até o fim. Se você não colaborar, aí sim pode haver enrosco. Você não quer que isso ocorra, certo?”.
João Peschanski
Antonio Martins de São Paulo
ESPIONAGEM
A antiga “terra da liberdade” virou um Estado policial
Chicago. A matéria demonstra que as ações de intimidação e vigilância já não visam apenas grupos suspeitos de praticar ações violentas. Voltaram-se em especial contra movimentos e organizações pacifistas, partidárias das causas sociais ou da proteção ao ambiente. Pior: a rede de repressão está sendo cuidadosamente armada, por meios legais (o Patriot Act, votado sob impacto dos ataques às torres gêmeas), por decisões administrativas do procurador-geral John Ashcroft e por uma
coordenação nunca vista entre diversas forças do aparato policial. Na nova teia de repressão cai gente como Marc Schultz, empregado de uma livraria em Atlanta. Em junho, alguém o denunciou às autoridades por tê-lo visto ler, num café, um artigo intitulado “Armas de Estupidez em Massa”, publicado por um jornal alternativo. Dias depois, Schultz recebeu a visita de agentes do FBI. Ele acredita ter se tornado alvo porque, além de ler textos críticos às políticas
A intimidação também atinge cidadãos que, pela cor de pele e condição social, estariam a princípio “acima de qualquer suspeita”. Em abril, dois alunos de uma escola de nível médio em Oakland, Califórnia, participaram de uma discussão acalorada, em sala de aula, sobre política e o governo Bush. O professor considerou que suas posições deveriam ser relatadas ao FBI. No dia seguinte, agentes da polícia federal estavam na escola. Interrogaram os garotos, ambos de 16 anos, separadamente, por uma hora e meia cada um – sem pedir consentimento ou sequer informar seus pais. “Perguntaram se eu sou um bom atirador, e quais são meus pontos de vista sobre o presidente”, contou um deles ao San Francisco Bay View. Desde o 11 de setembro, o procu-
rador John Ashcroft vem modificando sucessivamente, por decreto, os regulamentos que deveriam restringir o poder das autoridades policiais, obrigando-as a respeitar os direitos políticos. As mudanças pretendem, claramente, controlar e intimidar os que divergem de Washington. Para isso, eles são propositadamente confundidos com terroristas. Acredita-se que dezenas de milhares de cidadãos estejam sendo investigados. Em Denver, por exemplo, onde grupos de defesa dos direitos humanos obtiveram na Justiça decisões contrárias à vigilância, descobriu-se que havia nada menos de 3.200 pessoas e 208 organizações fichadas na polícia. Se não houver resistência, o controle e repressão políticos tendem a recrudescer. Nos próximos meses, o Congresso votará a Lei de Ampliação da Segurança Interna (Patriot Act II). Proposta pela Casa Branca, ela poderá estender a malha de espionagem e intimidação como nunca, ao tornar nulas leis e normas municipais que impedem a vigilância sobre os cidadãos. (Portal Planeta Porto Alegre – www.planetaportoalegre.net)
Milhares protestam contra Escola das Américas Casa Branca quer mais repressão Irmã Kathy Long de Columbus, Geórgia (EUA) Mais de 10 mil pessoas se reuniram no final de novembro, do lado de fora dos portões de Fort Benning, no Estado da Geórgia, EUA, na maior manifestação até hoje contra a Escola das Américas/Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em Matéria de Segurança (de sigla em inglês SOA/WHISC). A tradicional escola de treinamento para militares latino-americanos formou agentes responsáveis
pela tortura, estupro, desaparecimento, massacre e exílio de milhares de pessoas de todo o Continente. A reunião contra a Escola das Américas culminou, dia 25 de novembro, com uma procissão “fúnebre”, com a presença de padres, freiras e veteranos de guerra. No mínimo 30 pessoas foram presas por terem entrado na base, num ato de desobediência civil não-violenta, apesar de saberem que com isso se arriscariam a pena entre três meses e seis meses de prisão. Desde que começaram os
protestos contra a SOA/WHISC, há mais de dez anos, 170 pessoas cumpriram penas por desobediência civil. “A prisão não vai nos deter”, disse Kathy Kelly, uma das presas. “Temos a intenção de fechar esta escola e mudar a política exterior que ela representa”. Durante a manifestação, os militares de Fort Benning tocaram música em altos decibéis, de dentro da base. Durante todo o fim de semana da reunião, a polícia usou detectores de metal para examinar os manifestantes.
As ordens para repressão política nos Estados Unidos vêm dos escalões mais altos de poder. O Departamento de Justiça editou há semanas um manual intitulado “Resposta policial ao terrorismo no interior do país: integrando a Inteligência com o Policiamento Comunitário”. O documento estimula os agentes a investigar membros do Movimento Verde, definido como “ativismo ambiental voltado para reforma política e social, com ob-
jetivo explícito de desenvolver políticas, comportamento e legislação favoráveis ao ambiente”. Além de investigar e interrogar cidadãos, a rede de repressão política já age sobre a imprensa alternativa. Agentes federais têm requisitado que diversos Centros de Mídia Independente forneçam nomes, endereços eletrônicos e dados pessoais de quem publica artigos críticos ao governo nas páginas eletrônicas dessas organizações. (AM)
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AMÉRICA LATINA VENEZUELA
Fraudes e coerção na coleta de assinaturas O
Palácio Miraflores foi tomado. Dia 1º, milhares de pessoas foram celebrar junto ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, a derrota de mais um firmazo (coleta de assinaturas) para que seja realizado um referendo do mandato do presidente e de mais 38 deputados oficialistas. A oposição também convocou os escuálidos, como são chamados os opositores de Chávez, para comemorar a vitória de seu lado. No entanto, menos de cem pessoas saíram às ruas de Altamira, bairro da burguesia de Caracas. O firmazo, realizado de 28 de novembro a 1º de dezembro, foi marcado por contrariedades e polêmica. O governo afirma que a oposição recolheu menos de 2 milhões de assinaturas. A oposição garante que supera os 3,8 milhões. Caberá ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE) analisar as planilhas de assinanturas, em trinta dias. Se o CNE apurar mais de 2,5 milhões de assinaturas, no início de abril será convocado o referendo nacional para determinar se Chávez permanece no poder.
FRAUDES
Firmazo organizado pelo oposição se apresentou como terceira tentativa de golpe contra o presidente Chávez (à dir.)
Com Chávez, “manda o povo” Em frente ao Palácio Miraflores, quando o presidente Hugo Chávez sobe ao palanque aclamado por gritos de “Uh, ah, Chávez não se vá”, vê-se os semblantes de gente sofrida, que sentiu os efeitos da exploração perversa do petróleo nacional e de uma economia subserviente ao capital estrangeiro. El comandante, como muitos o chamam, canta o hino da República Bolivariana da Venezuela acompanhado pelo povo – que leva no bolso a Constituição, garantia de respeito a seus direitos. Tanto que, pela primeira vez na história da América Latina, a população tem o direito de revogar os mandatos do presidente, de deputados e de governadores. Para os latino-americanos,
escaldados pela violência militar nas ditaduras, pensar que os soldados integram o governo e garantem proteção ao Estado causa estranheza. No entanto, durante as manifestações dos últimos dias, viu-se um comandante venezuelano abraçar um líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), depois que o camponês brasileiro falou para as principais emissoras do país, de oposição, que os trabalhadores não podem se deixar manipular. “Nunca tinha sido abraçado por um militar para receber cumprimentos”, se surpreendeu Isaías Vendovato. Em Naiguatá, litoral de Caracas, a pobreza é semelhante à de qualquer favela brasileira. Porém, são perceptíveis os êxitos da participação popular. Juana Airta, 67
anos, tem diabetes e catarata nas duas vistas. Sem enxergar, conta com orgulho os êxitos dos médicos cubanos, na operação Bairro Adentro, em que cerca de 8 mil médicos circulam em motocicletas por bairros periféricos para atender pessoas que nunca viram um médico na vida. “Vou fazer uma cirurgia e voltar a enxergar. Vou até poder ler”, se entusiasma Juanita. O petróleo é a principal fonte de economia da Venezuela, que é o quarto exportador mundial do produto. “Eu nunca tinha ouvido falar que aqui tinha petróleo. Agora, pela primeira vez, o povo recebe os benefícios desse dinheiro”, diz a técnica em enfermagem Nanci Caboz, 48 anos, que não tinha profissão antes desse governo e hoje tem dois filhos na Universidade Bolivariana,
gratuita. “Com Chávez, manda o povo”, diz ela. Em um velho táxi, o motorista Aníbal Pinto, 70 anos, se irrita com as discussões sobre o firmazo: “Esse pessoal tem que trabalhar em vez de ficar falando de política”. “Não estou contra nem a favor de Chávez, mas o fato é que nunca o deixaram governar. Mesmo assim, os mais pobres têm saúde e educação”, afirma ele. Pinto conta que o controle da PDVSA (empresa extratora de petróleo venezuelano) foi fundamental para que o dinheiro voltasse em benefício do povo. “Antes a PDVSA era um outro país dentro da Venezuela. Agora não, os recursos estão sob controle”, explica o taxista, enfatizando que não é chavista. (CJ)
denúncias reveladas inclusive pelo CNE, o representante da OEA, César Gaviria, não reconhece as irregularidades: “Tudo correu dentro da normalidade. Não temos razões para acreditar que houve fraudes. Creio que ambos interesses vão acatar a decisão do conselho, mesmo que ela seja desfavorável ao presidente”. Gaviria foi criticado por Chávez por não ter se reunido com o
governo, como é hábito quando um representante das Nações Unidas visita um país. “Ele não teve tempo de falar comigo. Estava muito ocupado em reuniões em clubes e restaurantes com seus amigos do Leste de Caracas (onde se concentra a burguesia). É compreensível”, ironizou o presidente.
midade dessas planilhas”, denuncia a deputada hondurenha. As assinaturas também foram utilizadas como moeda de troca para atendimento médico. “Recebemos denúncias de que os médicos pediam aos pacientes para assinar, caso contrário não receberiam tratamento. Se for verdade, essas planilhas serão anuladas”, diz Rodriguez. Entre os observadores extra-oficiais, estavam agentes da embaixada estadunidense que, desde o primeiro dia do firmazo, percorreram
os bairros. “Pela manhã, representantes da embaixada estadunidense vieram observar o ato. Eles querem que Chávez se vá e estão felizes com o firmazo”, afirmou Ricardo Perez, um dos coordenadores das mesas. No dia em que as denúncias de fraude foram encaminhadas ao CNE, o embaixador Charles Shapiro solicitou uma audiência com os cinco integrantes do conselho a portas fechadas. De acordo com Rodríguez, o resultado da apuração vai depender da velocidade com que as planilhas forem entregues ao CNE.
NA MARRA
Wiston Bravo/Venpres
Durante os quatro dias do firmazo, a oposição preparou um grande factóide para mostrar ao mundo e a observadores internacionais – a Organização dos Estados Americanos (OEA), o Centro Carter e mais de 52 observadores internacionais de 35 países – que o oficialismo tentara impedir a coleta de assinaturas e que, ainda assim, haviam conseguido número excedente. No entanto, o que esses observadores viram foram irregularidades que denunciaram ao CNE. Como a existência de cartões com o número da planilha, o nome e as digitais dos firmantes. Esse procedimento, considerado ilegal pelo CNE, serviria para comprovar que os trabalhadores, coagidos por seus patrões, assinaram contra Chávez; caso contrário, correriam o risco de perder seus empregos. Oscar Bataglini, juiz do CNE, considerou a prática “miserável”, mas garantiu que o conselho trabalhará pela transparência nos resultados. No penúltimo dia do firmazo, Rafael Vargas, assessor político de Chávez e nome de destaque na revolução bolivariana, anunciou que haviam sido apreendidas 5 mil planilhas clonadas. Apesar das
Wiston Bravo/Venpres
Claudia Jardim Enviada especial a Caracas (Venezuela)
Gabriel Gonzales
Observadores comprovam manipulações de assinaturas, enquanto o povo sai às ruas para aclamar Chávez
Coleta de assinaturas da oposição: denúncias de irregularidades
Ao perceber que não conseguiria o número necessário de assinaturas e que os centros de coleta estavam vazios já no dia 29, a oposição, com a ajuda da mídia, utilizou duas estratégias: a primeira foi difundir a informação de que as planilhas distribuídas pelo CNE foram insuficientes. O conselho rebateu, provando ter colocado à disposição 60% além do necessário. Porém, logo se descobriu que não havia planilhas nas mesas de coleta de assinaturas porque estavam circulando em postos itinerantes, onde os funcionários da “sociedade civil organizada”, como se definem, batiam de porta em porta. Essa forma de coleta de assinaturas só seria válida em casos de problemas de saúde ou de locomoção. “Se as planilhas que coletaram essas assinaturas não estiverem dentro desse padrão, serão invalidadas”, assegurou Jorge Rodríguez, do CNE. Para a deputada Dóris Gutierrez, do Partido da Unificação Democrática de Honduras, apesar do firmazo ser um grande êxito democrático dos venezuelanos, as manobras utilizadas pela oposição alteram o princípio de legalidade. “Havia mais coletores itinerantes do que nas mesas. No entanto, não havia observadores em número suficiente, tanto da oposição como do oficialismo, para garantir a legiti-
MÉXICO
Marcha reúne 150 mil contra o neoliberalismo da Redação Cerca de 150 mil pessoas realizaram, dia 27 de novembro, uma manifestação no centro da Cidade do México, em protesto contra a reforma fiscal e a privatização parcial do setor energético, inclusive com capital estrangeiro. As propostas foram enviadas ao Parlamento pelo presidente Vicente Fox. A reforma fiscal refere-se à aplicação do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) aos alimentos, remédios e livros, bens até agora isentos desse imposto. O clima social também se deteriorou por causa da crescente desvalorização do peso mexicano diante do dólar, o que deve levar ao encarecimento da cesta básica. A marcha foi convocada pelas principais organizações sindicais e
camponesas do país. José Durán, dirigente do Congresso Agrário Permanente, afirmou: “O protesto demonstra cabalmente o grau de irritação contra um projeto que se pretende impor à revelia dos interesses populares”. O governo sustenta que as reformas vão permitir obter mais recursos para programas sociais e geração de empregos. A rejeição às reformas, em particular a que se refere à extensão do IVA sobre os alimentos, remédios e livros, provocou a divisão dentro do principal partido de oposição, o Partido Revolucionário Institucional, que governou o país durante décadas, até 2000. Os votos desse partido são indispensáveis para aprovar qualquer projeto de lei ou reforma no Parlamento. (ClajadepIndymedia)
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INTERNACIONAL ÁFRICA
São Tomé adia exploração de petróleo Marilene Felinto e Paulo Pereira Lima da Redação e enviado a São Tomé e Príncipe
Fotos: Paulo Pereira Lima
Extração do ouro negro no arquipélago só começa em março de 2004; EUA e França disputam apoio militar SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE Localização: África ocidental Principais Cidades: São Tomé (capital) Línguas: português (oficial), português crioulo e línguas regionais Nacionalidade: são-tomense Divisão política: sete distritos Regime político: república parlamentarista População: 148 mil (2000) Moeda: dobra Religiões: católica e protestante Hora local: + 3
O
intenso assédio das superpotências sobre São Tomé e Príncipe, a nova Meca do petróleo, em novembro, de nada adiantou: foi adiada para março de 2004 a exploração de petróleo que teria início agora em dezembro no golfo da Guiné, nas águas territoriais de São Tomé, pequeno arquipélago na costa Oeste da África. São Tomé e Príncipe e a Nigéria, parceiros na partilha de produção com as companhias petrolíferas que venceram a licitação de 27 de outubro, concluíram, em reunião de conselho ministerial entre os dois países na semana passada, que não é possível terminar todo o processo agora em dezembro. Os direitos participativos de preferência que as petrolíferas estadunidenses ERHC e Exxon-Mobil conquistaram sobre os blocos de petróleo são uma das equações ainda por resolver. São Tomé e Príncipe tem capacidade para produzir 11 bilhões de barris de petróleo (10% a mais que as reservas conhecidas do Brasil). Em outubro, 20 transnacionais do petróleo – a maioria estadunidense – apresentaram propostas de licitação para a exploração do petróleo em 9 blocos petrolíferos, localizados em zonas conjuntas partilhadas por São Tomé e Nigéria. Em acordo assinado pelos dois países, os são-tomenses ficam com 40% da venda e os nigerianos, com 60%. Entre as principais empresas que participaram do leilão estão a Chevron-Texaco, que fez a maior oferta (123 milhões de dólares pelo bloco 1), a Centurion Petroleum e a Petron. No entanto, devido ao direito de preferência adquirido por terem realizado os estudos sísmicos na década de 90, a ERHC e a ExxonMobil têm precedência sobre os blocos leiloados. Segundo o diário são-tomense Téla Nón (Nossa Terra), o adiamento deveu-se principalmente à atribuição dos direitos destas petrolíferas, na tentativa de se buscar uma fórmula de acordo que evite choques de interesses entre as companhias vencedoras da licitação e as duas que já têm consagrado direito de opção sobre o bloco licitado. A empresa que receber direito de exploração de um bloco deverá
Mercado de São Tomé, na ilha de mesmo nome, arquipélago de São Tomé e Príncipe, em novembro de 2003
ceder percentualmente uma parte à ERHC ou à Exxon-Mobil. Citando fontes da comissão nacional de petróleo de São Tomé e Príncipe, o diário afirma que a Exxon-Mobil tem direito de optar pela participação em três blocos, com porcentagens que variam entre 25% e 40%. Caso a Mobil opte por um dos blocos leiloados na porcentagem de 40%, terá que pagar o valor correspondente em bônus de assinatura ao governo são-tomense, e à empresa vencedora da licitação, a outra parte do bolo, ou seja os outros 60%. O mesmo processo vai acontecer na exploração propriamente dita do petróleo, em
que a Exxom-Mobil deve partilhar todas as despesas de exploração na proporção de 40%.
PETROBRAS APÓIA Só a fase de licitações, que consistiu na venda dos bônus de assinaturas, deve render a São Tomé e Príncipe cerca de 200 milhões de dólares, segundo estimativas. Em recente viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao país, o presidente de São Tomé agradeceu a ajuda que vem recebendo dos técnicos da Agência Nacional do Petróleo (ANP). No entanto, se disse frustrado pela ausência da Petrobras na primeira fase de licitações.
Um documento reservado da Presidência da República do Brasil afirma que em poucos anos São Tomé e Príncipe será um dos países com mais alto PIB per capita do mundo, resultado do impacto na economia local da exploração das reservas de petróleo em suas águas territoriais. Diz também que são amplas as perspectivas de participação das empresas brasileiras no setor petrolífero daquele país. Por isso, um dos acordos mais importantes assinados pelo presidente Lula foi o de cooperação da Agência Nacional de Petróleo (ANP) na área de formulação das leis de regulação e gestão em exploração de petróleo.
Chegada de pescadores na praia Brasil, em São Tomé, capital sãotomense, em novembro de 2003; São Tomé e Príncipe, um dos países mais pobres do mundo, está prestes a ser inundado por bilhões de dólares vindos da exploração do petróleo descoberto recentemente
Oposicionista fala em suspeita de “autogolpe” Segundo o escritor Albertino Bragança, deputado e fundador do Partido da Convergência Democrática (PCD), o principal na oposição em São Tomé e Príncipe, a tentativa de golpe militar que ocorreu em julho em seu país pode ter sido, na verdade, um “autogolpe”, de modo que o próprio presidente, Fradique de Menezes, que vinha sofrendo desgaste político, saísse fortalecido. Em entrevista ao Brasil de Fato em São Tomé, capital sãotomense, Bragança falou também da “base de apoio” que os Estados Unidos vão construir na região e dos interesses estadunidenses em seu país. Fundado em novembro de 1990, o PCD se diz de centro-esquerda e ganhou suas primeiras eleições um ano depois. O partido recusou-se a integrar o governo são-tomense depois da reformulação política ocorrida após o golpe de Estado de 16 de julho. Segundo a agência Panapress, na semana passada o PCD alegou que sua renúncia ao governo devia-se à falta de transparência do Executivo e à impossibilidade de fazer valer os seus princípios, especialmente no combate ao clientelismo e à corrupção, de que a administração de Fradique de
ao governo. Nenhuma delas foi atendida. Até agora, o golpe não foi esclarecido. O governo sabia da possibilidade de vir a acontecer algo como um golpe, mas nada fez. Por isso, há suspeitas de autogolpe, assim o próprio presidente, que vinha sofrendo desgaste político, saía fortalecido.
O deputado oposicionista Albertino Bragança acusa governo são-tomense
Menezes tem sido constantemente acusada. (PPL) Brasil de Fato – O que representou a tentativa de golpe de Estado em julho? Albertino Bragança – Foi uma resposta à frustração pelas políticas sociais não aplicadas pelo governo. O país está passando por uma grave crise econômica. Prova disso é que 54% da população estão no limiar da pobreza. Isso cria insatisfação na população e nos próprios militares. Dias antes de partirem para o golpe, eles entregaram uma série de reivindicações
BF – Como vê o ingresso de São Tomé na “era do petróleo”? Bragança – Os primeiros estudos para ver se existia petróleo foram feitos em 1991, quando nosso partido estava no poder. Seis anos depois, a empresa estadunidense ERHC retomou as pesquisas e descobriu uma grande reserva na zona norte de Príncipe, no chamado bloco 246. Acontece que a Nigéria se disse dona desse bloco. Como não queríamos guerra com um país do peso da Nigéria, entramos num acordo. De todo o petróleo extraído nessas águas, 60% vão para a Nigéria e 40%, para nós. A partir daí, foi criada uma comissão para a gestão da zona conjunta, com sede em Abuja, na Nigéria, e representação em São Tomé. Atualmente são nove blocos abertos à licitação. Além dessa zona de exploração
de petróleo em conjunto com a Nigéria, estamos pesquisando a existência de petróleo em zonas exclusivamente nossas. BF – Os Estados Unidos vão construir uma base militar na região? Bragança – Não posso me pronunciar em nome do partido, pois trata-se de um assunto muito delicado. Os americanos dizem que não se trata de uma base militar, mas sim de uma base de apoio para seus navios que estiverem indo em direção ao Oriente Médio. BF – Trata-se de área estratégica para os Estados Unidos. Bragança – Certamente, pois aqui na capital, São Tomé, foi construída a estação da Rádio Vozes da América, o maior investimento americano ao sul do Saara. Ela estava em Serra Leoa, mas devido ao conflito armado nesse país, mudaram para cá em 1992. Gastaram cerca de 60 milhões de dólares com essa obra. Por meio dessa estação é que se faz toda a comunicação para os países da África Austral. Eles estão bem atentos a tudo o que acontece em São Tomé.
NIGÉRIA CAMARÕES Golfo da Guiné
GUINÉ EQUATORIAL SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
GABÃO
CONGO
Ilha do Príncipe ANGOLA
Ilha de SãoTomé São Tomé
Antes da descoberta de petróleo nos anos 90, a economia são-tomense baseava-se na produção de cacau, responsável por mais de 90% das exportações. Os navegadores portugueses invadiram o arquipélago em 1471. No século 17, a cultura de cana-deaçúcar era intensa, mas declinou quando cresceu a produção brasileira. As ilhas tornaram-se, então, entreposto para a exportação de escravos, inclusive para o Brasil, atividade encerrada somente em 1876. As eleições presidenciais de julho de 2001 foram vencidas por Fradique de Menezes (da Ação Democrática Independente), após dez anos de governo de Miguel Trovoada (sem partido). A eleição de Menezes gerou instabilidade política, por causa da força parlamentar do MLSTP-PSD, que tem a maior bancada. O país sofreu golpe de Estado em julho de 2003. Depois de acordo entre lideranças, Menezes foi reconduzido ao poder. Em pouco mais de um ano, ele formou quatro governos. Em 2002 foi eleita primeira-ministra Maria das Neves (MLSTP-PSD).
BASE MILITAR Os Estados Unidos estão determinados em construir uma base militar no arquipélago a qualquer custo. As conversações do governo Bush com o governo são-tomense neste sentido estão avançadas. Segundo a agência Panapress, a França não abre mão de ter também participação militar em São Tomé. Em sua edição de 29 de novembro último, o diário Téla Nón, fazia o seguinte comentário sobre o assunto: “É uma verdadeira corrida das potências econômicas e militares do mundo rumo ao arquipélago que ocupa posição estratégica na rota do ouro negro (...). A França já fez saber que pretende participar na reestruturação das forças de defesa e segurança, o Brasil tem mesma intenção, e a super potência mundial (EUA) não perdeu tempo para ocupar todos os assentos do Palácio do Povo com um grupo de militares de alta patente, para uma conversa político-militar com o Presidente Fradique de Menezes.”
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NACIONAL CRIME AMBIENTAL
Limpeza do Tietê contamina Guarulhos Fotos: Douglas Mansur
Matéria tóxica da obra de rebaixamento da calha do rio é despejada no Baquirivu-Guaçu e atinge 1,2 milhão de pessoas Edna Alves de Guarulhos (SP)
O
governo do Estado de São Paulo está despejando na margem do Rio BaquirivuGuaçu todo o lodo retirado na obra de rebaixamento da calha do Rio Tietê. O material, que atinge o mais importante rio de Guarulhos, município da Grande São Paulo, foi analisado pelo Instituto Ambiental 21, que vê grave perigo de contaminação das águas e sérios riscos à população, de 1,2 milhão de pessoas. A análise do instituto constatou na água a presença de grande quantidade de alumínio, arsênio, chumbo, cádmo, cloretos, cromo total, fenol e mercúrio. Segundo o laudo, os componentes químicos “isoladamente já apontam muitos riscos à saúde humana, animal e vegetal, e, agrupados em massas compostas com excessivo material orgânico, os tornam violentamente contaminantes”. “O perigo de contaminação do lençol freático da região é eminente”, afirma o engenheiro ambiental Eduardo Engles, da ONG Movimento Grito das Águas. Segundo ele, se as águas subterrâneas forem contaminadas, Guarulhos vai ter de buscar abastecimento em outro lugar, porque o consumo da água poluída pode provocar câncer no fígado, nos ossos, no sangue e nas vias biliais.
BARRO COR DE CHUMBO O Rio Baquirivu-Guaçu é o mais importante de Guarulhos. Tem cerca de 21 quilômetros de extensão e abastece aproximadamente 500 poços artesianos, presentes na sua bacia. A água abastece casas de cerca de 50 mil pessoas da comunidade local. Abastece também a população fixa e flutuante do Aeroporto Internacional Governador Franco Montoro, em Cumbica, estimada em cerca de 100 mil pessoas por dia, entre funcionários, usuários e passageiros, conforme dados da Empresa de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero).
ção pobre remexe o lodo à procura de ferro velho. São homens, mulheres, adolescentes e crianças que, ignorando o perigo de contaminação, transformam o bota-fora em meio de sustento. “Eu vou todos os dias ajudar o meu pai”, relata um garoto de aproximadamente seis anos. O Daee confirma que autoriza a deposição do lodo no local, e garante que para isso tem licença da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb).
o engenheiro ambientalista, Leonardo Morelli, da ONG Grito das Águas, denunciou que o Daee passou a despejar em Guarulhos os resíduos antes jogados na Lagoa de Carapicuíba, na cidade com o mesmo nome, também em São Paulo. A deposição foi suspensa por determinação judicial, em setembro, por conta do alto grau de contaminação do lodo. A Justiça acolheu os argumentos da ação civil pública, movida pelo Ministério Público Federal de São Paulo (MPF) contra o Daee e Cetesb, e determinou que o barro seja depositado em aterro controlado e licenciado ambientalmente para receber dejetos contaminados e com acesso público impedido, até decisão final da ação. O laudo técnico que fundamentou a ação também foi emitido pelo Instituto Ambiental 21.
SEM GARANTIAS
PROGRAMA
Em audiência pública realizada pelas comissões de Saúde e Meio Ambiente da Câmara Municipal de Guarulhos, em outubro, o diretor da Cetesb, Luiz Carlos Rodrigues, afirmou que a área foi licenciada para deposição de material inerte, existente no lote quatro do Rio Tietê. Na mesma audiência pública,
A destinação do lodo para as cidades de Guarulhos e Carapicuíba está no projeto da obra estadual de aprofundamento da calha do Rio Tietê. No programa de execução, o rio é dividido em quatro lotes e o material retirado de três deles era encaminhado para Carapicuíba. Guarulhos deveria receber apenas os resíduos retirados do lote quatro
Material retirado do Tietê coloca em risco a saúde da população de Guarulhos
O laudo, assinado por Alexandre Bossle, diretor de Pesquisas do Instituto Ambiental 21, foi emitido dia 23 de novembro e, embora sugira a suspensão da deposição, nenhuma providência foi tomada pelos governos estadual ou municipal. O material continua sendo depositado em uma cava localizada a aproximadamente 30 metros da margem do Baquirivu-Guaçu. Os caminhões da empresa Claro Terraplenagem circulam dia e noite transportando e despejando o barro cor de chumbo na margem do rio, com autorização do Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee), da Secretaria de Energia, Recursos Hídricos e Saneamento do Estado. Parte desse lodo é despejada na superfície antes de ser empurrada para a cava, e viabiliza o trabalho de catadores – moradores da favela da Rua 100, localizada na margem oposta do Baquirivu. Essa popula-
– do trecho compreendido da barragem da Penha (bairro da zona leste da capital paulista) até a ponte da rodovia federal Presidente Dutra. A Cetesb sustenta que esses dejetos são inertes, por isso a área foi licenciada para recebê-los. A tese é rebatida por Carlos Bocuhy, conselheiro do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema). Em estudo realizado anteriormente, o Consema constatou que o lodo apresenta alto índice de metais pesados e comprova a presença de benzeno – substância química usada como solvente e matéria-prima de vários outros compostos. Bocuhy afirma que as entidades ambientais representadas no Consema provocaram o Ministério Público Federal da capital paulista, que solicitou a análise do material depositado também em Guarulhos. A Secretária de Energia, Recursos Hídricos e Saneamento do Estado não comentou o resultado do laudo. A Secretaria de Meio Ambiente de Guarulhos afirma que contratou o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) do Estado de São Paulo, que nos próximos dias coletará amostra dos dejetos para análise. As providências da Prefeitura, segundo o secretário Walter Medeiros Dantas, serão tomadas após a emissão do laudo técnico.
AMÉRICA LATINA
Humberto Márquez do Panamá Que área de floresta possuem? Quanta água ganham ou perdem? Os países latino-americanos e caribenhos decidiram, dia 27, na capital do Panamá, usar indicadores comuns para medir seus recursos naturais e avaliar seu manejo. O acordo final da 14ª Reunião do Fórum de Ministros de Meio Ambiente da região também inclui gerar eletricidade para áreas rurais e urbanas a partir de fontes alternativas e renováveis. O Plano de Ação aprovado cobre oito temas e foi adotado por consenso. Traduz em termos regionais as diretrizes de proteção ambiental fixadas em 1992 pela Cúpula da Terra, realizada no Rio de Janeiro, e atualizadas no ano passado na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, em Johannesburgo, África do Sul. América Latina e Caribe formam a primeira região do Sul em desenvolvimento que decide adotar um sistema comum para medir quantia e manejo do patrimônio ambiental, como há décadas faz a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, que tem entre seus membros todos os países industrializados.
COOPERAÇÃO O diretor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Klaus Toepfel, se disse fe-
Wilson Cruz/ABR
Adotado plano de acompanhamento ambiental americanos quiseram “a modificação das atuais matrizes energéticas, com sistemas de geração e distribuição de energia sem riscos, que sejam mais limpos e não permitam a emissão de gases causadores do efeito estufa”, disse Mitzi da Costa, responsável de Meio Ambiente da chancelaria brasileira.
ALCA EM DISCUSSÃO
Governos latino-americanos adotam estratégias comuns para defender patrimônio ambiental
liz com a iniciativa, “que demonstra a maturidade atingida pela América Latina e pelo Caribe” na busca de êxitos ambientais. Contar com indicadores comuns “dará aos países latino-americanos mais capacidade para administrar seus inventários ambientais e atrair investidores que considerem a variável ambiental”, disse o especialista Edgar Gutiérrez, diretor do Observatório do Desenvolvimento da Universidade da Costa Rica.
Gutiérrez admitiu que “um lado pessimista” da questão se relaciona a eventuais prejuízos para países que, além de serem pobres, apresentem atraso no inventário e manejo do patrimônio ambiental. Uma das metodologias servirá, por exemplo, para medir a superfície de floresta. Assim, será considerada toda parcela de mais de meio hectare, com 10% ou mais de seu espaço ocupado por árvores que, adultas, alcancem pelo menos cinco metros
de altura. Foram previstas no Plano de Ação pelo menos 25 categorias de registro, entre elas território de áreas protegidas, diversidade marinha, fornecimento de água, manejo da costa, disponibilidade de água por habitante, extração de peixes, riscos ambientais para a saúde e porcentagem de municípios com planos de ordenamento. Em matéria de energias renováveis, estão em andamento na região cerca de 40 projetos. Os latino-
A cooperação entre governos e instituições públicas, empresariais e da sociedade civil é a principal previsão do plano para manejo de recursos hídricos, assentamentos urbanos, monitoramento da alteração climática e relações da questão ambiental com as políticas fiscais e os temas comerciais. Em relação ao comércio, até agora o fórum ministerial de meio ambiente sugeriu capacitar as equipes nacionais de negociação comercial sobre a questão ambiental, mas se abstém de propor que o tema se integre, por exemplo, às discussões da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Entre as divergências, reais ou previsíveis, em relação à Alca estão as vinculadas ao Protocolo de Kyoto (de 1997, para reduzir a emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa, como o dióxido de carbono), que os Estados Unidos se recusam a ratificar, ou sobre acesso e distribuição de benefícios pelo uso de recursos genéticos. (IPS/ Envolverde)
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DEBATE DIREITOS HUMANOS
Os novos desafios Nilmário Miranda luta pelos direitos humanos não se confunde com a luta política tradicional. Um componente importante da força moral inerente à busca pela garantia dos direitos da pessoa humana sustenta-se em princípios e valores legitimados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e em dois pactos internacionais: o de direitos civis e políticos e o de direitos econômicos, sociais e culturais, estes ratificados pelo Brasil em 1992. Especialmente em nosso continente, fatores históricos determinaram, nas últimas décadas, a prevalência da mobilização em torno de direitos civis e políticos como reação ao arbítrio e brutalidade patrocinados por governos ditatoriais, que por longos e sombrios anos aqui se instituíram. Mas nós, que nos dedicamos a essa luta, estamos abraçando a defesa dos direitos econômicos, sociais e culturais com o mesmo empenho com que já atuamos pelos direitos civis e políticos. Não se trata de trocar um objeto de luta por outro. A indivisibilidade dos direitos humanos mostra-se clara e eloqüente. Fica evidente que se não houver respeito aos direitos civis e políticos não haverá direitos econômicos, sociais e culturais. E a ordem não altera o resultado: sem direitos sociais não há direitos humanos. Está imposto, portanto, o desafio de revitalizar o movimento dos direitos humanos atuando em favor dos direitos de segunda geração. Trata-se, então, de incluir na agenda dos direitos humanos
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a sua dimensão social, econômica e cultural. Vivemos um momento especial na história deste País, em que mais de 50 milhões de brasileiros optaram por uma mudança de rumos e depositaram sua esperança na construção de um Brasil mais justo, solidário e soberano. É o momento, portanto, de avançarmos na concretização de um novo pacote ético, no respeito aos direitos sociais, tanto por meio de políticas econômicas estruturais, para atingir as causas da desigualdade e da miséria, quanto para assegurar assistência imediata aos cidadãos atingidos pelos efeitos das políticas de exclusão que marcaram os últimos anos. Certamente, este caminho já está sendo trilhado e é possível apontar esforços do governo federal neste sentido. Programa Primeiro Emprego, Fome Zero, Bolsa Escola, Programa Nacional
de Erradicação do Trabalho Infantil são algumas das iniciativas do governo Lula que podem e devem ser compreendidas como políticas públicas de promoção dos Direitos Humanos. Afinal, acesso às condições dignas de trabalho, segurança alimentar, ensino de qualidade e proteção especial à infância compõem o vasto rol de direitos anunciados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948 pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Dessa maneira, fica claro que o compromisso fundamental do movimento pelos direitos humanos continua, no fundo, o mesmo: a defesa da vida e da liberdade para alcançarmos a realidade de paz social que todos nós buscamos. Nilmário Miranda é ministrochefe da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República
SOS Direitos Humanos! Renato Simões eraldo Alckmin promoveu uma grave inflexão na política de direitos humanos do governo de São Paulo. O carro chefe desse retrocesso é a política de segurança pública. Mas a extensão do estrago é grande, se reproduz em todas as Secretarias e, principalmente, na tônica geral do discurso do governo. Quem viu Alckmin no programa do Ratinho falando sobre os atentados do PCC ou em rede nacional detratando o ECA com certeza se pergunta o que resta de social-democracia no governo do PSDB... As conquistas do primeiro governo Covas foram esmaecendo ao longo da segunda gestão tucana. O Programa Estadual de Direitos Humanos, construído com participação da sociedade civil e do Parlamento em 1997, hoje é pálida referência para as políticas do governo. Na segurança pública, José Afonso da Silva, que instituiu a Ouvidoria das Polícias e preconizou a unificação das polícias e a compatibilização destas com a defesa dos direitos humanos, tem como sucessor o mais malufista dos secretários de Segurança desde Maluf. Saulo de Abreu asfixiou administrativamente a Ouvidoria, fragilizou as Corregedorias, incorporou o discurso da truculência policial, maquiou estatísticas de eficiência policial, conviveu com a ação de grupos de extermínio oficiais (como o GRADI) e extraoficiais (como os de Ribeirão Preto e Guarulhos, negados com veemência antes da apuração por comissões independentes) e
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assistiu ao aumento dos casos de assassinatos de civis por policiais, principalmente quando em atividades privadas, e no distanciamento das propostas de polícia cidadã de anos atrás. No entanto, o crime organizado continua correndo solto pela fragilidade da Polícia Civil e pela precariedade da Polícia Técnica; o PCC, dado como morto e enterrado, promove atentados que colocam a polícia e a sociedade em pânico; os grandes centros urbanos e as periferias das regiões metropolitanas coexistem com o medo da criminalidade e com o medo das forças policiais desrespeitosas dos direitos da população. Políticas sociais nota zero mais segurança pública truculenta e ineficiente fazem explodir o sistema penitenciário de adultos e a Febem. Mais de 120 mil presos adultos recebem, mensalmente, milhares de novos condenados pelo varejo do crime, sem uma política de ressocialização e de
progressão de regime que permita algum sucesso ao sistema. Réplica piorada deste é a Febem, que se arrasta moribunda de crise em crise, de Secretaria em Secretaria, agora destinada à terceirização e conseqüente desresponsabilização do governo. Não é à toa que Alckmin se mete no debate sobre o rebaixamento da idade penal de forma conservadora, propondo o modelo “Franco da Rocha” em substituição ao Estatuto da Criança e do Adolescente, diploma legal cuja vigência o governo do Estado ainda não reconhece em suas políticas públicas. Enquanto isso, lá na Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania, cuja dotação caiu de R$ 140 milhões em 2003 para R$ 94 milhões na proposta de Orçamento de
2004, as indenizações aos presos políticos torturados na ditadura não são pagas, o ritmo da arrecadação de terras para reforma agrária cai a níveis de indigência, e pouco se lembra do Programa Estadual de Direitos Humanos. Em 2004, esperamos que a IV Conferência Estadual de Direitos Humanos possa acontecer para passar a limpo essa realidade. Como sempre, será na luta dos movimentos sociais, na pressão da sociedade civil organizada, na solidariedade que, para além de toda governabilidade insti-
tucional, se espera do governo Lula, e na defesa dos avanços institucionais já obtidos no âmbito governamental que impediremos a consolidação do retrocesso e o comprometimento definitivo dos direitos humanos fundamentais em São Paulo. SOS, São Paulo pede: SOS pelos Direitos Humanos. Renato Simões é deputado estadual pelo PT-SP e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo
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AGENDA
agenda@brasildefato.com.br Flávio Cannalonga
CEARÁ BAHIA IV FEIRA DA SOLIDARIEDADE Dias 6 e 7, das 16h às 22h Promovida pelo Centro de Defesa dos Direitos Humanos Raízes e Asas e pela Pastoral Social da Paróquia de Otávio Bonfim, a feira terá como tema: “Deixa a esperança crescer”. A feira visa estimular a economia solidária e valorizar produtos regionais e locais como artesanato, bijuterias, confecções, bordados e agricultura familiar. O intuito é apoiar as iniciativas de economia solidária e as trocas de experiências, além de fortalecer a organização dos pequenos produtores. As inscrições para os feirantes estão abertas, serão aceitos trinta artesãos. Durante a feira, serão distribuídos materiais de educação popular, com o intuito de divulgar a importância de experiências semelhantes em outras comunidades carentes, já que esse tipo de atividade tem feito circular mais recursos nos locais onde acontece, fortalecendo a economia solidária. Local: Igreja Nossa Senhora das Dores, Pça. Farias Brito, s/n, Otávio Bonfim Mais informações: (85) 243-6280 PRÊMIO À COMISSÃO BRASILEIRA DE JUSTIÇA E PAZ DO CEARÁ Dia 10, às 9h30 No Dia da Declaração Universal de Direitos Humanos, a Câmara Municipal de Fortaleza irá conceder a Medalha de Defesa dos Direitos Humanos Dom Helder Câmara. O agraciamento acontecerá em reconhecimento à atividade de cidadania da CBJP-CE, pela atuação na área de corrupção eleitoral e na luta pela transparência do poder Judiciário. Local: Seminário da Prainha, R. Tenente Benévolo, s/n, Centro, Fortaleza Mais informações: (85) 9981-7476
MATO GROSSO DO SUL GRANDES OBRAS DA PINTURA BRASILEIRA Até dia 30 O Museu de Arte Contemporânea expõe obras de Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, Anita Malfat, Guignard, Volpi, Rebolo, Antônio Maia e Pancetti. O objetivo da exposição é proporcionar um rico panorama da boa arte produzida no Brasil mostrando pinturas, desenhos, esculturas e gravuras dos mais renomados artistas de vários períodos e tendências da arte brasileira do século 20. Terão espaço na coleção a abstração geométrica, que conta com nomes de grande expressão como Aluísio Carvão, Athos Bulcão, Tomie Ohtake, José Maria Dias da Cruz, Emanoel Araújo, Márcia Barroso do Amaral, Anna Bella, Geiger, Jadir Freitas, Carmela Gross e Siron Franco, entre outros. Entrada franca Local: R. Antônio Maria Coelho, Pque. dos Poderes, Campo Grande Mais informações: (67) 326-7449
PARANÁ
III ENCONTRO ESTADUAL DE DIREITOS HUMANOS: A EFETIVIDADE DOS DIREITOS HUMANOS De 9 a 11 O evento é uma homenagem à Declaração Universal dos Direitos Humanos, comemorada dia 10 de dezembro. Entre os temas que serão abordados durante o encontro estão: “A liberdade como princípio básico dos direitos fundamentais”, “os fundamentos dos direitos humanos e o processo de sua afirmação histórica - os 55 anos da declaração universal”, “O conceito de igualdade e sua afirmação histórica”, “O direito à educação como um direito humano fundamental”. Realização: Fundação Instituto de Direitos Humanos
TECNOLÓGICA Dia 6 A oficina pretende discutir a cultura tecnológica por meio da concepção de educação desenvolvida por Paulo Freire. Realização: Associação Difusora de Treinamentos e Projetos Pedagógicos (Aditepp) Local: Sede da Aditepp, R. Desembagador Westphalen, 1373, Curitiba Mais informações: (41) 223-3260 SEMINÁRIO DE RÁDIOS COMUNITÁRIAS Dias 6 e 7 O evento é promovido pelo Centro de Formação Urbano Rural Irmã Araújo (Cefuria) e pelo Núcleo de Comunicação e Educação Popular da Universidade Federal do Paraná Local: Pça. Generoso Marques, 90 Mais informações: (41) 322-8487
Local: R. Lucaia, 281, Rio Vermelho, Salvador Mais informações: suzanav@atarde.com.br
Horizonte. Realização: Fórum das Escolas da Restinga, Restinga FM 88.1 e Ação Periférica. Local: Escola Larry Alves, R. Nilo Wulff, s/n, Porto Alegre Mais informações: (51) 3224-2484
SANTA CATARINA CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2004 Dia 10, das 13h30 às 17h30 O evento se insere nas atividades preparatórias da Campanha da Fraternidade 2004 da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, que tem como tema: “Fraternidade e as águas”. Destina-se a educadores e a todos os interessados na temática, tendo em vista a crescente im-
portância das águas para o futuro da humanidade. Local: Colégio Coração de Jesus, R. Emir Rosa n°120, Florianópolis Mais informações: mauriantonio@bol.com.br
SÃO PAULO DEBATE - DA OMC ÀS ALTERNATIVAS Dia 9, às 19h30 Promovido pelo Portal Planeta Porto Alegre, o debate terá a participação do economista Luiz Gonzaga Belluzzo; do advogado especializado em comércio internacional Durval de Noronha Goyos; do representante da Secretaria de Relações Internacionais da CUT, Rafael Freire; e da representante da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip), Mabel de Faria Melo. Na ocasião será lançado o CD-Rom Comércio mundial: OMC, Cancún e alternativas, com seleção de textos essenciais para
1º SEMINÁRIO DE COMUNICAÇÃO DA RESTINGA Haverá painéis, debates, relatos de experiências e a exibição do filme Uma Onda no Ar, de Helvécio Ratton, sobre a Rádio Favela de Belo
Clara Zetkin
Contemporânea de Rosa Luxemburgo, teve grande participação na luta pelos direitos da mulher
LANÇAMENTO DO LIVRO REVOLUSEM-TETO Dia 12, às 20h De autoria de Romeu São Marcos, a obra aborda a questão habitacional do país, principalmente da cidade de São Paulo, além de descrever as ocupações de prédio realizadas pelo Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC), que aconteceram este ano. O valor do livro é de R$ 15. Local: Bloco A da Universidade Sant’Anna, Av. Voluntários da Pátria, 240, São Paulo Mais informações: romeusm@ig.com.br
NACIONAL DOCUMENTÁRIO VALE A PENA SONHAR Dia 6, às 21h Estréia na TV Cultura o documentário de Stela Grisotti e Rudi Böhm, que retrata a trajetória de Apolônio de Carvalho, figura do cenário político brasileiro. Apolônio militou no Partido Comunista Brasileiro e na Aliança Nacional Libertadora. Participou da Guerra Civil Espanhola e da Resistência Francesa contra o nazismo. DOCUMENTÁRIO EH PAGU, EH! O vídeo documentário de Ivo Branco traça a trajetória da vida e da obra de Patrícia Galvão, a Pagu – politicamente comunista, literariamente antropofágica, posteriormente trotskista, jornalisticamente proletária. O documentário recupera, por meio de fotos, filmes, jornais e revistas, a vida de Pagu, interpretada por Edith Siqueira. O fime recebeu dois prêmios no XV Festival de Cinema de Brasília, como Melhor Documentário e Melhor Roteiro. Compras pelo endereço eletrônico: etceterafilmes@uol.com.br
RIO GRANDE DO SUL
A Editora Expressão Popular tem por objetivo a edição de textos que contribuam para a formação política e ideológica dos militantes sociais. Em consonância com essa linha de trabalho, apresenta, nesta obra, uma mulher que dedicou sua vida à causa da revolução socialista, que lutou contra a opressão do capital, contra o nazismo, contra a barbárie. Clara Zetkin foi uma militante social que, mesmo sofrendo discriminação por ser mulher e por ser lutadora do povo, acreditou firmemente no método marxista e defendeu com ardor seus pontos de vista, inevitavelmente conflitantes com os pontos de vista dos sempre presentes traidores, reformistas e revisionistas.
compreender o comércio internacional. A edição contém 32 textos, escritos por intelectuais e ativistas internacionais como Susan George, Naomi Klein, Bernard Cassen, Mark Ritchie, Aileen Kwa, Lori Wallach, Vandana Shiva, Martin Khor e Anuradha Mittal. Local: Auditório da Ação Educativa, R. General Jardim, 660, São Paulo Mais informações: www.portoalegre2003.org
no trabalho. Lutadora da revolução, agitadora por natureza, falou para diferentes platéias, escreveu artigos, batalhou pela formação de melhores quadros, assim como empenhou-se na defesa do diálogo e da liberdade de discussão.
CONFIRA
OFICINA: CULTURA
Clara Zetkin – Vida e Obra Gilbert Badia 328 páginas – R$ 10,00 Editora Expressão Popular Rua Abolição, 266, Bela Vista Tel. (11) 3105-9500
MULHERES E SOFTWARE LIVRE As mulheres que simpatizam com o movimento do software livre e com o sistema operacional Linux conquistaram seu espaço na Internet. No Brasil, elas estão organizando vários grupos de discussão para ter um papel ativo na comunidade nacional de desenvolvedores de sistemas. Para compartilhar experiências sobre o que acontece no cotidiano de uma mulher na comunidade Linux, as interessadas podem acessar o www.mulheres.softwarelivre.org ou o GNUrias (www.gnurias.org.br), de Lajeado (RS), que também realiza trabalho voluntário com idosos e jovens carentes. Internacionalmente, há o LinuxChix (www.br.linuxchix.org), com artigos sobre inclusão digital feminina.
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CULTURA
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MÚSICA INDEPENDENTE
O sotaque maranhense da Mandorová Danilo Janúncio de São Paulo (SP)
e Zé Siqueira na guitarra – pelos são-luisenses João Neto, na flauta, e Franklin Nazarus, na bateria, pelo paraibano Ramúsyo Brasil, natural de Patos e baixista, e pelo paulistano Rodrigo Sencial, no violão. Além de canções inéditas, como “A Nova”, “ Trecheiros”, “E Alagô”, “Circo e... Cadê o Pão (A Tia)”, “Menino Marrom”, o disco ainda traz a música “À Queima Roupa”, premiada com o segundo lugar no 1º Festival da Canção Popular - Expomusic Fest. O festival, realizado nos dias 27 e 28 de setembro de 2003, no Expo Center Norte, em São Paulo (SP), é a versão brasileira da Expomusic, que acontece em diversas capitais do mundo.
O
nome pode parecer um pouco diferente, inusitado. Surgiu de uma lenda contada por um ex-baterista e agradou. A história seria a do mandorová, um mosquito carnívoro, vindo da África, e que vive apenas por um dia. Preservando a palavra, a banda maranhense Mandorová (taturana, segundo o dicionário Aurélio) está lançando seu primeiro disco “independente do independente” para divulgar seu trabalho. O CD “No Trecho” traz seis músicas e é um apanhado do que a banda andou fazendo entre São Paulo, Campinas e São Luís (MA). “O disco é uma seleta que representa os estilos que nós fazemos, como o reggae, baião, samba, bumba-meuboi maranhense, lelê, tambor de crioula, música caipira, e tantos outros”, afirma Zé Siqueira, violonista e compositor da Mandorová. Tal qual o estilo do grupo, que mistura influências para construir as melodias, a banda é uma miscigenação regional. É composta por três campineiros – Silo Sotil no vocal, Bruno Sotil na percussão
NA ESTRADA Há dois anos na estrada, a banda vende o CD “No Trecho” durante seus shows. Entre outros lugares onde já se apresentou está “O Maior São João do Mundo”. A festa acontece em Campina Grande (PB), conta com a participação de grandes nomes da música nordestina e é distribuída por três grandes palcos. De acordo com o vocalista Silo, a experiência valeu a pena para conhecer outros músicos e
Marina Franco
Banda lança o primeiro CD, no qual mescla estilos como bumba-meu-boi, reggae, tambor de crioula e música caipira
A mistura de ritmos da banda Mandorová resgata a cultura popular brasileira e a reinventa com sons novos, originais
novas bandas, como o Cabruêra, de Campina Grande. Em seus shows, a Mandorová toca as próprias músicas. Segundo o violeiro Rodrigo, a exceção são alguns sons que fazem questão de interpretar “para contextualizar as influências do grupo”. Inspiradas na realidade maranhense e brasileira, as composições da banda festejam a vida e a realidade, e não esquecem o desmazelo social do país. Elas também celebram o rico folclore da terra, com pitadas fortes da música popular brasileira. Para compor a faixa “Trecheiros”, o músico Zé Siqueira se inspirou no documentário do mesmo nome, do qual ele havia feito a trilha sonora. O vídeo conta as histórias de vida de alguns brasileiros que vivem sem morada fixa, de cidade em
cidade, à procura de emprego. Com os versos “foi querendo encontrar/ sou errante sonhador/ madame ao me ver passar/ me enxerga com horror”, o músico toca no tema com sensibilidade e acerta em cheio a cadência com um rock-baião.
REALIDADE O velho tema “pão e circo”, que sossega o descontentamento do povo, é lançado na música “Circo e... Cadê o Pão (A Tia)”. Segundo Zé Siqueira, a distribuição de cachaça de graça em uma festa em São Luís deu origem à música. Quando ele chegou à cidade, em 2002, o povo festejava a candidatura de Roseana Sarney para uma vaga no Senado. Para a festa foram chamados diversos grupos folclóricos do interior do Maranhão para apresentações na Praia Grande,
em São Luís, onde se reuniram milhares de pessoas. “Lá foi distribuída cachaça de graça aos participantes que, se não beberem, travam e não tocam o bumba-meu-boi”, conta Zé.
BUSCA DE APOIO Enquanto se apresenta e vende seu CD, a banda Mandorová busca o apoio de uma gravadora para, no futuro, gravar um disco inteiro, com mais de dez músicas. O projeto não sai barato para um grupo independente. “Nesse tempo, vamos aprimorando nosso trabalho, nos apresentando e compondo novas canções”, afirma o flautista João Neto. O que eles querem? “Viver fazendo música e não precisar trabalhar”, conta Zé Siqueira, aos risos. (Revista Brasil – www.revistabrasil.com.br)
CAPOEIRA ANGOLA
Lídia Porto de Brasília O compromisso estava marcado para as sete horas. Chovia muito. Aos poucos, o pátio vazio da Vivendo e Aprendendo, uma escola para crianças em Brasília, foi se completando. Protegidos por enormes casacos começaram a chegar os jovens brancos e negros que protagonizariam o espetáculo daquela noite. Finalmente estava completa a roda do Grupo Nzinga de Capoeira Angola de Brasília. O preto e o amarelo nas vestes e adornos era quase unânime entre os integrantes. Isso, para homenagear o mestre Pastinha, o baiano criador da Capoeira Angola, que além de bom gingador, era um fanático pelo time de futebol Ipiranga, simbolizado pelas cores adotadas por aqueles jovens.
VALOR RACIAL Antes de a roda começar, cada angoleiro assumiu seu posto: oito tocando instrumentos num banco e os outros no chão, em meia-lua. Três berimbaus, dois pandeiros, um reco-reco, um atabaque e um agogô compõem a parte instrumental da roda. O berimbau grave, chamado de gunga, é o maior e fica no centro. Ele coordena a roda. Ao primeiro toque a concentração é máxima. Os outros instrumentos vão, aos poucos, se inserindo. Os participantes lutam, dançam, tocam e treinam o gingado. Mas a Capoeira Angola passa longe de ser só isso: é, acima de tudo, uma filosofia de vida. Aqueles que a praticam levam os ensinamentos para fora da roda. Procuram ter tranqüilidade, paz de espírito, determinação, respeito pelos mais velhos e reflexão em tudo aquilo que fazem. Para entrar no grupo, tem também que ter engajamento político e assumir a luta pela valorização da cultura afro-brasileira e pela defesa da igualdade racial. A Capoeira Angola defende as origens africanas da prática. Além das músicas serem preservadas,
Renato Stockler
Na roda, gingado e engajamento político valorização da cultura afro-descendente. Os integrantes se reuniram não só para mostrar a ginga, mas também para debater e refletir sobre a situação do negro no país.
ESFORÇO
Movimento de valorização da cultura africana, a capoeira levanta questões como a situação do negro no Brasil
algumas em língua original, os movimentos são feitos próximos ao chão e existe um forte laço com o candomblé. Antes de entrarem na roda, os participantes fazem sinais no chão, pedindo proteção à terra. O bom jogo não é aquele que utiliza golpes mortais e movimentos acrobáticos. É aquele onde há diálogo har-
mônico entre os participantes. Diferentemente da capoeira moderna, mais praticada hoje em dia, é um forte movimento de resgate e valorização da cultura africana no Brasil. Enquanto praticantes da capoeira regional, comum nas escolas e academias de ginástica hoje, organizam eventos como “24 ho-
ras de capoeira” os angoleiros são mais engajados. O Grupo Nzinga, formado por núcleos de Brasília, São Paulo e Salvador, já lançou um CD e a primeira edição da revista Toques D’Angola. Como parte das comemorações do Dia da Consciência Negra, organizou um evento de celebração e
Entre os temas de destaque, a lei sancionada em janeiro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que prevê a inclusão do tema “História e Cultura Afro-Brasileira” no currículo oficial da rede de ensino fundamental e médio. Embora oficialmente em vigor, militantes do movimento negro e integrantes do Grupo Nzinga acreditam que vai ser preciso muito esforço para a lei sair do papel. Edson Lopes Cardoso, assessor de assuntos raciais do senador Paulo Paim (PT-RS), defende que estudantes brasileiros passem a aprender a história por um ponto de vista africano. Segundo ele, não adianta esperar que as coisas aconteçam porque, se depender dos brancos no poder, nada vai mudar. “Ensinar ao negro sobre sua história implica numa alteração de dominação. A identidade de um povo se constrói através da história”, avalia. (Agência Brasil)
Luta é símbolo de resistência negra A capoeira é uma herança deixada pelos escravos trazidos da região de Banto, na Angola. Escravos desenvolveram um conjunto de técnicas de defesa e ataque como resposta ao regime de opressão em que viviam. Misturaram música, instrumentos, cantoria e gingado para não levantar suspeitas. Logo após a abolição, uma lei chegou a considerar a prática da capoeira um crime. Em 1932, o Mestre Bimba criou a Luta Regional Baiana, mais tarde conhecida como capoeira regional. Mudou os princípios da luta, introduzindo
um sistema de graduação, incorporando elementos das artes marciais orientais e substituindo a reflexão pela agilidade. A essência africana foi perdida. Mestre Pastinha foi um dos poucos que resistiram ao novo movimento, se mantendo fiel às tradições. Fundou, em 1941, o Centro Esportivo de Capoeira Angola (CECA). Hoje, adeptos lutam para preservar os ensinamentos do mestre.
HOMENAGEM O Grupo Nzinga nasceu em 1995, em São Paulo. O nome do grupo é uma homenagem a Nzinga Mbandi Ngola, rainha de Matamba
e Angola, que falava bem o português, e representa a resistência à ocupação dos europeus. Os contramestres Rosângela Araújo (Janja), Paula Barreto (Paulinha), e Paulo Barreto (Poloca) eram do Grupo de Capoeira Angola Pelourinho, de Salvador. Quando Janja mudou-se para São Paulo, fundou o novo grupo. O casal Paulinha e Poloca abriu um núcleo em Salvador e Haroldo, que foi aluno de Janja em São Paulo, formou o grupo de Brasília em 2001. Atualmente existem cerca de 200 integrantes. “Hoje nós somos uma ONG. O nosso trabalho é em cima da preser-
vação dos ensinamentos do Mestre Pastinha e da presença da cultura dos povos banto no Brasil”, declarou a contramestre Janja. O número de praticantes não se compara aos dos jogadores da luta regional. Segundo a contramestre Paulinha, entrar para a Capoeira Angola é fácil. Difícil é continuar. Hoje um símbolo da mescla cultural entre o Brasil e a África, a capoeira é praticada mundo afora. Onde quer que você vá: Alemanha, Estados Unidos, Dinamarca, Japão, Ucrânia ou África do Sul, os mestres brasileiros ensinam o gingado e o canto à liberdade. (AB)