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Rage Against The Machine Entrevista exclusiva com o guitarrista Pág. 8 Tom Morello
Uma visão popular do Brasil e do mundo
Circulação Nacional Ano 8 • Número 402
São Paulo, de 11 a 17 de novembro de 2010
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Unidade deve ser o norte da esquerda europeia Os trabalhadores europeus atingidos por medidas neoliberais dificilmente conseguirão reverter os ataques feitos por seus governos diante da crise. Assim opina o sociólogo brasileiro Michael Löwy, para quem a saída dos movimentos europeus é investir em um movimento unificado em toda Europa. Pág. 9
Empreiteiras jogam pesado nas campanhas
A Igreja enclausurada O comportamento de parte da Igreja Católica nas últimas eleições presidenciais desvelou para a sociedade brasileira como as diretrizes doutrinárias do atual papa Bento 16 – por exemplo, a de voltar a instituição para si própria – afetam a luta por justiça social no país. Pág. 5
Nas eleições deste ano, as empresas da construção civil financiaram 54% das candidaturas ao Congresso Nacional e cerca de 25% dos governadores eleitos. Um exemplo é o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), cuja metade da campanha foi paga pelas construtoras. Pág. 4
Debate sobre o futuro da renda do pré-sal Uma das maiores preocupações dos movimentos sociais em relação ao petróleo descoberto na camada de pré-sal é para onde vão os recursos de sua extração. Este foi um dos temas do seminário promovido pela Petrobras no Paraná, que discutiu a necessidade de criação do Fundo Social. Pág. 7
ISSN 1978-5134
Vito Giannotti
Anita Leocadia Prestes
Miguel Urbano
Cara escravagista
Os 75 anos dos levantes
“Dissidência” financiada
O Brasil viveu sete anos de crescimento devido a fatores nacionais, internacionais e decisões políticas. O capital ganhou muito dinheiro. E os dois projetos apresentados nesta eleição não assustavam o capital. Pág. 3
Num período de intensa polarização política, a ANL, criada em 1935, desempenhou um papel relevante na mobilização de amplos segmentos da sociedade e da opinião pública brasileira em defesa das liberdades públicas. Pág. 7
A “fabricação da dissidência”, concebida pelas elites econômicas, é exercida através da presença em movimentos progressistas de intelectuais e sindicalistas que condenam o neoliberalismo, mas não o capitalismo. Pág. 11 Reprodução
e cultura Torcida, futebol e cidadanialatino-americana Pág. 6
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de 11 a 17 de novembro de 2010
editorial
A agenda política de 2011 TERMINADO O PROCESSO eleitoral, a maioria dos movimentos sociais e organizações populares estão fazendo seus balanços. Nosso jornal também, de certa forma, já expressou seu balanço nas últimas edições. Agora, é olhar para 2011. Certamente, será um ano diferenciado em termos de luta política, de luta de classes. Há no horizonte um novo governo. Seu formato deve representar a correlação de forças saída das urnas. E, na nossa opinião, deveria ser mais de centro-esquerda, mais desenvolvimentista e menos neoliberal. Mais produtivo, menos financeiro. Mais social e menos economicista. E sua composição, saberemos até dezembro. Há, no horizonte, uma forte crise capitalista internacional, que continua bufando nos mares do norte. E se expressa pelos problemas de orçamento dos governos, pela crise financeira, e, agora, na crise cambial, com o governo dos Estados Unidos usando sua principal arma econômica – a moeda – para extorquir e explorar o trabalho e a riqueza produzida por todos os povos em todos os países, via manipulação do dólar e do câmbio. Assim, precisam, querem e vão financiar 600 bilhões de dólares de seu deficit orçamentário interno (enquanto, para nós, exigem superavit primário) e mais 700 bilhões de deficit da balança comercial – com-
debate
pram mais mercadorias do exterior do que vendem. Também vão financiar seus gastos militares com guerras estúpidas, no Oriente Médio, e as despesas de 800 bases militares esparramadas pelo planeta, para sustentar a taxa de lucro de suas empresas do complexoindustrial-militar. Em algum momento, tudo isso vai estourar. E todos sabemos que a economia brasileira está cada vez mais dependente do mercado mundial e dos capitalistas estrangeiros. Portanto, sofrerá, certamente, fortes impactos do aprofundamento da crise internacional, se ela se aprofundar. Por outro lado, o estudioso André Singer, em entrevistas ao longo deste ano, nos advertiu que as políticas de compensações sociais praticadas pelo governo Lula somente poderão continuar no governo Dilma, sem conflitos, na base da conciliação de classe, se a economia crescer mais de 5% ao ano. Pois esse crescimento permite que o Estado possa dividir um pouco da renda, sem afetar os interesses das classes dominantes. Mas se a economia não crescer tanto, os recursos diminuem; e a imensa massa do subproletariado que votou em Dilma, mas que não tem consciência de classe, pode ter um comportamento errático, somando-se às articulações golpistasdireitistas, que é tudo o que a nova UDN (PSDB + Demo) sonham.
Acreditamos que 2011 será um ano muito rico de debates, de efervescência social e de luta ideológica na sociedade brasileira
Para a sociedade brasileira como um todo, há uma agenda política colocada pelas eleições, que é urgente ser tratada em 2011: a reforma política e a concentração do poder dos meios de comunicação de massa. Esses dois temas afetam diretamente os interesses da classe dominante e seus tentáculos na sociedade. A reforma política está caindo de madura. Amplos setores organizados da sociedade estão exigindo um sério debate. Em anos passados, os movimentos sociais, a Abong, a OAB e a CNBB apresentaram uma proposta que foi depois redigida pelo
crônica
Carlos Tautz
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Ga
Depois de verde, direita MARINA SILVA FOI ovacionada por milhares de pessoas no Fórum Social Mundial de Porto Alegre em janeiro de 2003. Nem Lula fora tão aplaudido naquele encontro da esquerda mundial. Ela era a expressão viva da mudança que muita gente esperava do Brasil. Intelectuais como o austríaco Fritjof Capra e a indiana Vandana Shiva até se dispuseram a ajudá-la a buscar, a partir do Brasil, um novo paradigma de desenvolvimento baseado na justiça social e ambiental. A vida real, entretanto, foi bem diferente. Marina perdeu todas as principais batalhas que travou dentro do seu próprio governo, deixou o PT e passou a concordar com muitos temas contra os quais se opusera anteriormente: sementes transgênicas (ainda no Senado, pediu moratória para os organismos geneticamente modificados), transposição do rio São Francisco, usinas no rio Madeira e Xingu. Ao escolher o PV para concorrer à Presidência e abraçar um programa macroeconômico tipicamente tucano, ficou evidente que a Neomarina nada mais tinha a ver com a Marina de janeiro de 2003. E que o PV havia sido escolhido justamente devido ao fato de nessa legenda caber qualquer pessoa e qualquer ideia. Cabe, inclusive, o esquema que a ex-ministra vem montando com agentes econômicos, nacionais e internacionais, para viabilizar um novo bloco de poder no Brasil. O bloco de poder que Marina começa a representar envolve setores do mercado financeiro que apoiou o PSDB e empresas agroextrativistas e de base que se aproximaram do PT. A estratégia de Marina e do PV é pinçar velhos agentes econômicos, já atuantes em governos passados, que agora querem aproveitar as oportunidades econômicas abertas pela alteração do clima no planeta.
eminente jurista Fábio Konder Comparato. Mas a proposta foi abafada pelos interesses das elites e dorme em berço esplêndido em alguma gaveta do Parlamento, embora esteja inscrita como projeto de lei. É urgente a necessidade de mudar os critérios de financiamento de campanha. Todos vimos como até a pretensa “imaculada candidatura” de Marina Silva, pregada como diferente, foi financiada pelo poder econômico mais poluente de nossa economia. É urgente estabelecer mudanças para que o povo possa convocar, ele mesmo, plebiscitos, referendos e consultas populares sobre temas de seu interesse e, inclusive, pedir a revogação de mandatos de eleitos nos três níveis, sem necessidade de aprovação dos parlamentares, que protegem seus interesses e corporativismo. É urgente estabelecer novos critérios políticos de eleição e de fidelidade partidária. A agenda da concentração dos meios de comunicação é ainda mais espinhosa. De um lado, os sete grupos reagem a qualquer proposta democratizante, alegando ditadura, cerceamento da liberdade e outras mentiras, para manter seu poder. De outro, os veículos públicos ficam o tempo inteiro querendo imitar a burguesia, e o Estado continua alimentando os meios da burguesia com polpudas verbas publicitárias. É
Ao escolher o PV para concorrer à Presidência e abraçar um programa macroeconômico tipicamente tucano, ficou evidente que a Neomarina nada mais tinha a ver com a Marina de janeiro de 2003 Compõem este novo bloco, entre outros, os setores canavieiro, de mineração, de papel e celulose e o agronegócio. Arcaicos em sua essência, porque mantêm as práticas de séculos atrás, vestiram roupa nova para entrar na festa da economia da crise climática e passaram a defender conceitos vazios de conteúdo e cheios de segundas intenções, como mercado de baixo carbono. É por esta razão que não falta dinheiro para pesquisas universitárias e seminários sobre REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação), um suposto mecanismo antiemissões que tem feito mais sucesso na avenida Paulista do que no meio rural, onde o modelo de desenvolvimento baseado na extração intensa de recursos naturais para exportação ainda vigora e se aprofunda. Todo negócio agrícola do Brasil se eriça só de pensar na montanha de dinheiro envolvida
nessas tenebrosas transações. Vislumbram inclusive aproveitar o ufanismo criado em torno do etanol como combustível verde para imaginar a substituição da petroquímica pela alcoolquímica, em um cenário futuro de esgotamento comercial das reservas de petróleo. Só por conta dessa possibilidade já é possível imaginar os interesses que se articulam a uma candidatura presidencial que se propõe justamente a desenvolver uma economia “ambiental”. Os apoiadores da ex-candidata, boa parte deles oriundos do PSDB, falam em desenvolver uma economia fundamentada no mercado de carbono, ainda que pouquíssima gente saiba o que de fato isto significa. O Banco Mundial e consultorias internacionais, pais e mães da nova terminologia, sabem muito bem. Na prática, toda a “economia de baixo carbono” significa diferentes esquemas para privatizar territórios, ar, água, diversidade biológica e minerais. São propostas que se escoram no argumento de que o mercado é a única saída possível para tratar a crise climática e que encontram enorme eco na equipe de Marina. Esta opção conservadora é do mesmo tipo daquelas feitas pelos partidos verdes europeus, matrizes ideológicas do PV brasileiro. Depois de se proclamarem além da esquerda e da direita, eles terminaram gostosamente nos braços da direita, a começar pela Alemanha, onde surgiram. Por aqui, o PV vai pelo mesmo caminho e procura uma maneira de apoiar o candidato tucano no segundo turno. A se confirmar essa tática, Marina, que saiu da esquerda formal representada pelo PT, iria de roldão. E, depois dos verdes, terminaria na direita. Carlos Tautz é jornalista
necessário que os veículos públicos tenham algum tipo de participação e controle da sociedade através de suas formas de organização social. Além disso, é necessário criar condições reais para que as organizações dos trabalhadores, da sociedade, possam ter seus próprios meios de comunicação de massa, subsidiados, para fazer frente ao monopólio do capital. Certamente será um tema muitíssimo importante e que exigirá mobilização de massa. E, finalmente, há uma pauta dos movimentos sociais que está relacionada à solução dos graves problemas que afligem os trabalhadores, como a questão do desemprego, da renda, da jornada de 40 horas, da falta de moradia digna, da falta de terra, e da ampliação do acesso dos jovens pobres à universidade. Esperamos que os movimentos sociais, populares e sindicais consigam construir unidade política e programática para transformar esses temas em amplas mobilizações de massa, que consigam arrancar essas conquistas da burguesia. Nesse sentido, acreditamos que 2011 será um ano muito rico de debates, de efervescência social e de luta ideológica na sociedade brasileira. Preparem-se. Conforme foi dito explicitamente pelo discurso do Serra, a direita brasileira está se preparando e vai querer vir para a ofensiva política. E do lado de cá?
Luiz Ricardo Leitão
A modernidade oligárquica de Bruzundanga AS ELEIÇÕES JÁ se acabaram, e tudo continua como dantes na República de Bruzundanga. É claro que os ânimos ainda estão acirrados após mais uma derrota tucana, com manifestos virulentos a circular pelas chamadas “redes sociais” (?!), mas isso não é novidade a leste de Tordesilhas. Desde 1930, se bem me lembro, a burguesia paulista (cujos lucros com a lavoura cafeeira impulsionaram a industrialização do país) se julga a fração mais avançada e cosmopolita destas plagas, avocando para si o direito de gerir esta alucinada experiência periférica de capitalismo. Por isso, não estranho que jovens acadêmicos (?!) de Direito (?!) da terra da garoa escrevam em seu tuíter (arre, égua!) que “nordestino não é gente” e que o melhor favor que se faria a São Paulo seria matar afogado ao menos um desses “porcos imundos” que, segundo escreveu o advogado (?!) André Colli, “devastam as reservas florestais de sua cidade”. Isso sem falar de um grupo de universi(o)tários que logrou redigir um documento com o pomposo título de “São Paulo para os paulistas”, cujo mote seria “defender a cultura paulista contra quem inunda nosso Estado”. Sob o véu do “regionalismo” misturam-se sem nenhum pudor diversos traços bastante singulares da formação socioespacial do país, cujo capital industrial e financeiro possui raízes no secular negócio da agroexportação (vulgo agro business, na língua da matriz). Embora se creia superior aos velhos coronéis do Nordeste, a burguesia cafeeira bandeirante nada mais é do que uma fração ‘moderninha’ do desigual e diferenciado processo de evolução capitalista da colônia. O mote não é exclusivo destas plagas: na Itália do século 20, a burguesia toscana, ao Norte do país, também se atribuiu uma posição de vanguarda, tratando de estigmatizar ao máximo os “rudes camponeses” do Sul, em especial os napolitanos, odiados pelas elites de Milão & Cia.
Nunca hesitei em identificar nesse “herói sem nenhum caráter” um signo óbvio das elites Muita gente se ocupou desse mote nas letras tupiniquins, desvelando em obras memoráveis de nossa prosa de ficção aspectos indivisos desse processo. A maior contribuição desses narradores foi, sem dúvida, evidenciar ao público que os vícios e defeitos imputados ao nosso povo são, o mais das vezes, mera refração de vezos históricos das classes dominantes de Bruzundanga, tão bem descritas no limiar do século 20 pela pena irreverente e implacável de Lima Barreto. A bem da verdade, a desfaçatez e cinismo de nossas elites já viera à luz nas páginas lapidares de Memórias póstumas de Brás Cubas, do genial Machado de Assis, um sinhozinho crescido no ocaso do regime escravocrata. E ela reaparece de forma despojada e sincrética na figura de Macunaíma, em quem muitos pretendem ver um símbolo do povo brasileiro, ainda que não fosse esta a intenção de Mário de Andrade, que, com rara lucidez, reconhecia ser impossível estabelecer uma síntese de brasilidade nas primeiras décadas do século 20. De minha parte, nunca hesitei em identificar nesse “herói sem nenhum caráter” um signo óbvio das elites brasileiras, convertido por um hábil ideologema em ícone das classes populares. Para tanto, basta ler com maior atenção a obra que Mário escrevera um ano antes, Amar, verbo intransitivo, um pequeno romance de formação da burguesia bandeirante. Já em São Bernardo, de Graciliano Ramos, o narrador atribui dinamismo e força a um caboclo arrivista, o fazendeiro Paulo Honório, cujo empreendimento terminará por sucumbir à sua própria voracidade, ao passo que o latifúndio moroso e inabalável do velho coronel jamais perde seu valor. Quem quiser entender um pouco mais a política brasileira, carecerá de reler com outros olhos essa parábola do selfmade man tropical, incapaz de adivinhar, ao seu redor, a velha fábula da modernidade oligárquica, em que o novo, o mais das vezes, é apenas a roupagem de que o velho se serve para que tudo permaneça como dantes ao sul do Equador. Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de O Campo e a Cidade na Literatura Brasileira e Noel Rosa: Poeta da Vila, Cronista do Brasil.
Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Igor Ojeda, Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Daniel Cassol, Eduardo Sales de Lima, Leandro Uchoas, Mayrá Lima, Patricia Benvenuti, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, Vinicius Mansur • Assistente de Redação: Michelle Amaral • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Edilson Dias Moura• Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Aurelio Fernandes, Delci Maria Franzen, Dora Martins, Frederico Santana Rick, José Antônio Moroni, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Sávio Bones, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800
de 11 a 17 de novembro de 2010
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frases soltas Mateus Bruxel/Folhapress
Por que não te calas? Grito dado por membro da Fundação Zapata, do México, durante fala de José Serra, em seminário em Biarritz, França. A frase que se tornou conhecida depois de o rei da Espanha dirigi-la a Hugo Chávez, na Cúpula do Chile, em 2008, foi repetida quando o tucano acusou o Brasil de se “unir a ditaduras como o Irã”, agência EFE, 5 de novembro
Nunca fui chegado a política e nunca ensinei nada disso para as minha filhas. Tenho um enorme respeito pelos nordestinos e é graças a eles que consigo dar uma vida digna para minha família e pagar a faculdade da Mayara Emerson Fittipaldi, bicampeão mundial de 1972 e 1974, pilota a Lotus 72, carro com que ganhou seu primeiro título, na Ponte Estaiada, na zona sul da capital paulista
Vito Giannotti
Cara escravagista O BRASIL VIVEU sete anos de crescimento devido a fatores nacionais, internacionais e decisões políticas. O capital ganhou muito dinheiro. E os dois projetos apresentados nesta eleição não assustavam o capital. Não é a toa que Abílio Diniz, Setubal e a indústria automobilística apoiaram a candidata que o Leblon (Rio) e o Itaim Bibi (São Paulo) detestam. Não houve a clássica divisão: de um lado, a burguesia; do outro, os trabalhadores. Não foi a alta burguesia produtiva, moderna, que se comportou como uma cria de pitbull com rotweiler contra a candidata da continuidade. Não foi a Fiesp sua principal inimiga. Qual foi, então, a classe que combateu com todas as armas o sonho de quem queria continuar a garantir seu emprego e um mínimo de direitos? Quem se horrorizou com a perspectiva de perder a empregada doméstica que dorme no emprego? Quem quis acabar com a possibilidade de qualquer Zé ninguém entrar numa faculdade ou estudar numa escola técnica? É a classe que não admite que qualquer pé de chinelo possa comprar seu carrinho em 72 prestações. É a classe que pensa: estes miseráveis estão querendo demais: liquidificador, geladeira, TV, celular, tudo! Agora querem ir a lanchonetes e até empesteiam os
aeroportos! Antigamente era tão bom! Cada um no seu lugar. A classe enfurecida com o bando de miseráveis, ex-miseráveis, meio-miseráveis que iriam votar na candidata guerrilheira, mora no Leblon, Ipanema, Barra da Tijuca, Itaim Bibi, Morumbi e Alphaville. Em Sampa, há dois bairros com o mesmo nome: Itaim. Um é Itaim Bibi, da classe alta, chique e ilustrada. O outro é Itaim Paulista, bairro da periferia, dormitório dos que trabalham nas fábricas, lojas, mansões dos do Bibi. No Bibi, a votação foi 75% no candidato que levantava a Santa. No outro, o Paulista, a votação na ex-guerrilheira foi exatamente de 75%. Estranha simetria, não é? Vamos para a Cidade Maravilhosa. O Rio da Rede Globo. A votação entre o levantador de Santas e a ex-guerrilheira repetiu o que aconteceu na capital paulista. Em Olaria, zona norte, a votação da Dilma foi de 80,95%. Em Ipanema (irmãzinha do Itaim Bibi), Serra teve 72,84%. Qual a explicação? Os de Ipanema e Itaim Bibi têm a resposta pronta na ponta da língua: “Esse povinho, esses miseráveis não sabem votar. São comprados, cooptados pelo Bolsa Família, Prouni, Próisso e Pró-aquilo.”
Roberto Malvezzi (Gogó)
Patada ecológica A “PEGADA ECOLÓGICA” dos 187 milhões de brasileiros está estimada em 2,4 hectares por pessoa ano. Já ultrapassou a demanda, considerada equilibrada, de 2,1 hectares. Como o Brasil é o décimo país mais desigual do planeta, é evidente que alguns poucos estão consumindo mais hectares do que a esmagadora maioria que mal consegue sobreviver. Porém, o estrago feito pela média brasileira tem embutida à “patada ecológica” do rebanho bovino. A pecuária brasileira ocupa 172 milhões de hectares para 177 milhões de cabeça de gado. Cada boi, portanto, ocupa quase um hectare de terra, ou seja, quase 20% da superfície do país. Toda área ocupada pela agricultura não passa de 72 milhões de hectares. Portanto, a “patada ecológica” das boiadas representa quase 50% da “pegada ecológica” da média brasileira. Hoje a pecuária, parte essencial do agronegócio, representa quase um terço do PIB agrícola. Portanto, tem importância econômica. Ninguém que assuma o comando político do país vai abdicar desse negócio. Seria deposto no dia seguinte. Mas seu
estrago é infinitamente maior do que o da cana, da soja e outras atividades do agronegócio. Sem falar que para produzir um kg de carne são necessários de dez a 40 mil litros de água, a depender do que é contabilizado em todo o processo. Há um agravante. Os bovinos, em seu metabolismo, expelem gás metano pelos arrotos e outros mecanismos, um dos gases do efeito estufa, dezessete vezes mais perniciosos que o próprio dióxido de carbono. As fazendas de gado, nascidas junto com o país, ainda têm o dom de abrigar trabalho escravo em muitas de suas atividades. Portanto, primitivas no jeito de produzir, primitivas no jeito de lidar com as pessoas. Quem conhece a lógica da biodiversidade sabe que nenhuma espécie sozinha é danosa ao equilíbrio da vida. Porém, quando se torna monocultivo, passa a ser um problema, não uma solução. Um Brasil que se queira justo e sustentável terá necessariamente que rever a patada ecológica de seus bois.
comentários do leitor Presidenta eleita
É com imenso alívio e com grande alegria que comemoramos a vitória eleitoral de Vossa Excelência. Foi eleita a primeira Presidenta do Brasil. Os métodos fascistas do adversário com a cumplicidade da ultradireita da nossa Igreja Católica, graças a Deus, não vingaram. Como padres católicos, sentimos profunda indignação e vergonha pela perseguição à Vossa Excelência por parte de membros da hierarquia católica. A campanha deles estava exclusivamente baseada em questões moralistas, fazendo da separação da Igreja e Estado uma letra morta; em calúnias e difamações sem discutir programas de governo de ambos os candidatos e sem fazer uma avaliação justa e equilibrada do governo Lula. Somos solidários a Vossa Excelência e queremos prestar o nosso apoio ao seu futuro governo.
Cremos que o seu passado de oposição à ditadura militar e a sua via crucis nas mãos dos carrascos fardados são a garantia de combatividade para lutar por um Brasil justo, solidário e igual. Esperamos de modo especial que Vossa Excelência realize a tão sonhada reforma agrária e estimule a agricultura familiar; que controle o poder do latifúndio e impeça o avanço do agronegócio. Com saudações democráticas. Os Missionários do Sagrado Coração de Jesus no Pará Pe. Messias Vítor de Oliveira msc Pe. Márcio José de Assis Macedo msc Pe. Joaquim van Leeuwen msc Redenção, Pará
Reforma
Acabei de ler o mais recente número do nosso glorioso Brasil de Fato. Parabéns! A capa da edição 401 es-
tá divina. É uma nova linha gráfica? Se for, pelo menos por mim, está aprovadíssima. Está mais leve, bonito e o conteúdo muito interessante. Sabem que quando vejo algo que não me agrada, sempre escrevo ao jornal, e não poderia deixar de fazer o mesmo quando vejo avanços como esse. Joaquín Piñeiro, São Paulo (SP)
errata
Na entrevista com Victor Wallis (edição 401, de 4 a 10 de novembro, página 9), ocorreu um erro de tradução. Na realidade, o entrevistado não afirma que o Tea Party faz uso “do fato de que Obama não nasceu nos Estados Unidos”, mas sim que a oposição espalha o boato de que Barack Obama não nasceu nos Estados Unidos. A verdade é que Obama nasceu no Havaí (EUA).
Antonino Petruso, pai da estudante de direito Mayara Petruso, que pode vir a ser processada por discriminação, por ter atacado os nordestinos via Twitter. Em tempo, Antonino é dono de uma rede de supermercados e diz que tem vários clientes e empregados de origem nordestina. Em entrevista ao iG, 5 de novembro
‘No Brasil, fazer cumprir a lei é revolucionário!’ Não lembro quem disse, mas lhe dou razão sempre que leio a Constituição. @depChicoAlencar, deputado federal reeleito pelo Rio de Janeiro (Psol), 8 de novembro
Janime Moraes/SEFOT/SECOM
– Pense bem, você vai receber dois meses de assinatura [de graça]. – Você gosta de jiló? Se eu falasse para você que o jiló mudou de sabor, você iria querer experimentar o jiló ou já iria fazer logo uma assinatura para receber dois quilos de jiló por mês durante um ano? – Então, eu iria pensar assim ó: ‘pô, se o jiló tá a metade do preço...’ – [Tu] vai comer o jiló amargo mesmo? (risos) Diálogo entre @dibarros70 e uma operadora de telemarketing da revista Veja, que tenta convencer o ex-assinante que a revista não fala mais mal do Lula, após a derrota do Serra, já que até mandaram embora o colunista Diogo Mainardi, via Youtube, 5 de novembro
Era sabida a doença desse homem. Lamentavelmente, a morte lhe permitiu se esquivar da Justiça. Mas creio que apesar de sua morte, deve ser dito todo o dano que ele fez ao povo argentino através da repressão. Quando a Justiça agir, a maioria já vai ter morrido. Quando a Justiça demora tanto, já deixa de ser Justiça Adolfo Pérez Esquivel, Nobel da Paz, sobre a morte do ditador argentino Emilio Massera, no jornal Página 12, 9 de novembro
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brasil
Quanto vale um mandato? ELEIÇÕES Construtoras corresponderam a quase metade do financiamento da campanha do governador reeleito do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB). Todas são ou já foram responsáveis por obras ligadas ao governo Ignácio Ferreira/Governo RJ
Leandro Uchoas do Rio de Janeiro (RJ) “NÃO EXISTE cafezinho grátis”, diz o conhecido corolário do meio político. Constatação evidente de que pessoa alguma, em condições razoáveis de sanidade, coloca dinheiro onde não quer. O financiamento privado de campanha é considerado, pelos setores progressistas da sociedade, uma chaga no sistema político do país. Através dele, empresas financiam campanhas eleitorais e, depois de eleger candidatos, encontram mil e uma maneiras veladas de cobrar a fatura. Há os que se negam a entrar nesse jogo, os que entram nele com reservas, e os que aderem de forma descarada. Um bom exemplo do último caso é o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), recentemente reeleito com 66% dos votos no estado. Com uma aliança de 16 partidos, e o apoio de 91 dos 92 prefeitos, ele talvez não precisasse de uma campanha milionária. Mas teve. A campanha de Sérgio Cabral gastou R$ 20,7 milhões. O valor é quase seis vezes maior do que a despesa do segundo colocado, Fernando Gabeira (PV), de R$ 3,6 milhões. Nove empresas, dentre os 20 principais doadores de campanha a Cabral (45%), são construtoras. Todas elas prestam ou já prestaram algum tipo de serviço ao governo do estado. Obras
A OAS e a Camargo Corrêa, que, juntas, doaram R$ 2 milhões à campanha (10% do total), formam um dos consórcios responsáveis pelo principal trecho do Arco Rodoviário, anel viário que pretende contornar a capital. Enquanto a primeira foi uma das empresas que construíram o estádio João Havelange (Engenhão), a segunda realiza as reformas no metrô. A OAS ainda faz parte do consórcio que atua na reurbanização do Complexo do Alemão, com a construção de um teleférico – obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A Queiroz Galvão, que doou R$ 800 mil, trabalha na reurbanização da favela da Rocinha, atua nos projetos do PAC na favela de Manguinhos e, também, integra o consórcio que atua no Arco Rodoviário. As obras da Rocinha e do Arco também têm a contribuição da Carioca Engenharia, que doou R$ 500 mil à campanha de Cabral. Juntas, as nove construtoras doaram R$ 4,8 milhões.
R$ 2 milhões foi a soma do valor doado pelas construtoras OAS e Camargo Corrêa à campanha de Sérgio Cabral para o governo do Rio
Ainda há a empresa Tecnosonda, responsável por outros R$ 500 mil, que está atuando na reforma do Maracanã para a Copa de 2014. A EIT, também com meio milhão, atua na revitalização da área portuária, um megaprojeto em andamento na capital, especialmente vinculado à realização das Olimpíadas de 2016. Três bancos doaram dinheiro à campanha de Cabral – o Itaú Unibanco cedeu R$ 700 mil; o BMG, R$ 600 mil; e o Cruzeiro do Sul, R$ 200 mil.
Em visita a canteiro de obra do arco rodoviário, o governador Sérgio Cabral acena para a imprensa
Eike Batista
O empresário Eike Batista, um dos oito homens mais ricos do mundo e amigo íntimo do governador, doou R$ 750 mil. Além de atuar em diversas obras no Estado – incluindo a construção dos polêmicos Portos do Açu e de Itaguaí –, Eike também já demonstrou especial interesse na realização das Olimpíadas de 2016. Não por acaso, Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes (PMDB) viajaram, em 2009, a Copenhague, onde foi anunciado o Rio de Janeiro como sede da competição, no jatinho particular do empresário. A lista de doadores ainda conta com a Companhia Metalic Nordeste, subsidiária da CSN, na área siderúrgica. A empresa concedeu R$ 750 mil à campanha (a maior siderúrgica da América Latina, a TKCSA, entrou em operação em 2010 no estado, mesmo sendo vítima de uma série de acusações). São responsáveis também por grandes doações a Arosuco Aromas e Sucos, com R$ 500 mil; Multiplan Empreendimentos Imobiliários, com R$ 500 mil; a Companhia de Cimento Ribeirão Gran-
Parlamento comprometido Entre as candidaturas proporcionais, 54% foram patrocinadas por construtoras. No Rio, houve fartura de dinheiro em campanhas do Rio de Janeiro (RJ) Entre os parlamentares eleitos para a Câmara dos Deputados e Senado Federal nas eleições deste ano, as construtoras patrocinaram 54% das 567 campanhas. Ao todo, R$ 99,3 milhões foram doados a 264 deputados federais (51,5%) e 42 senadores (77,8%). Aécio Neves e Itamar Franco, eleitos ao Senado por Minas Gerais, lideram a lista dos beneficiados, com R$ 9 milhões. O PT, que elegeu 100 parlamentares, recebeu R$ 25 milhões. O PSDB, com 58, teve quase o mesmo valor, R$ 19 milhões. O PMDB, com 55, recebeu R$ 12 milhões. O setor do agronegócio também se movimentou bastante. Empresas ligadas à agricultura doaram, ao todo, R$ 50 milhões aos parlamentares. No Rio de Janeiro, o volume de recursos é singular. Entre os deputados federais, a campanha mais cara é a de Eduardo Cunha (PMDB), com R$ 4,8 bilhões. O deputado federal reeleito é um dos mais influentes parlamentares junto ao governo federal, chegando a indicar cargos em estatais. Ele é considerado um dos maiores símbolos do fisiologismo peemedebista. Boa parte dos recursos de Cunha foi doada por Domingos Brazão (PMDB), deputado estadual reeleito que teve, em julho, um centro social fechado. No local, na época, foram encontrados remédios, cestas básicas, material hospitalar e escovas de dente com seu nome gravado. Brazão atualmente é cotado, com poucas chances, para presidir a Assembleia Legislativa do Estado (Alerj) em 2011.
Campeões dos gastos
Entretanto, na relação gasto por voto, a lista é liderada pelos conservadores Júlio Lopes (PP) e Rodrigo Bethlem (PMDB). Ambos gastaram em torno de R$ 43 para cada voto que conquistaram. Ex-xerife do choque de ordem do prefeito Eduardo Paes, Bethlem foi, contraditoriamente, uma das candidaturas mais vezes multada por desrespeitar a lei eleitoral. Anthony Garotinho (PR), primeiro lugar na disputa com quase 695 mil votos, gastou R$ 2,6 milhões. Deste total, R$ 679 mil foram depositados, em 24 parcelas, em nome de Fernando Peregrino (PR), candidato ao governo que contou com seu apoio. No início do ano, Garotinho era o pretendente ao posto, e as pesquisas indicavam segundo turno com Cabral. Ameaçado de ter a candidatura impugnada, lançou Peregrino e concorreu a deputado federal. Misteriosamente, não se falou mais em impugnação, e Garotinho se elegeu (tanto quanto Cabral, com 66% dos votos, sem seu principal concorrente).
Aécio Neves e Itamar Franco, eleitos ao Senado por Minas Gerais, lideram a lista dos beneficiados, com R$ 9 milhões O senador eleito pelo Rio de Janeiro, Lindberg Farias (PT), foi, nacionalmente, o parlamentar com maior gasto. Foram R$ 14 milhões, cinco vezes mais do que o outro eleito, Marcelo Crivela (PRB), com R$ 2,6 milhões. Derrotado na disputa, Jorge Picciani (PMDB) também teve gasto de peso, R$ 8,6 milhões – mais do que o dobro do gasto de Fernando Gabeira, candidato ao governo. Entre os deputados estaduais, o que mais gastou foi Paulo Melo (PMDB), com R$ 2,2 milhões. Reeleito, Melo também é cotado para substituir Picciani na presidência da Alerj em 2011. Rodrigo Neves (PT) foi o deputado que apresentou maior relação gasto por voto – cerca de R$ 36 para cada voto que recebeu. (LU)
de, com R$ 400 mil; e a Alfacom S.A., com R$ 370 mil, entre outros. A família Picciani doou, somados todos os valores, R$ 112,7 mil para a reeleição de Cabral, incluindo o pai, Jorge Picciani, candidato derrotado ao Senado e atual presidente
A campanha de Sérgio Cabral gastou R$ 20,7 milhões. O valor é quase seis vezes mais do que a despesa do segundo colocado, Fernando Gabeira (PV), de R$ 3,6 milhões da Assembleia Legislativa (Alerj); e os filhos, Leonardo e Rafael, eleitos respectivamente deputado federal e estadual. Ao todo, os três fizeram 55 depósitos. A família é dona de, pelo menos, cinco fazendas. Numa delas, em Mato Grosso, foram encontrados, em 2003, 55 trabalhadores em condições de escravidão.
Financiamento interessado como regra nacional A maioria das campanhas a governador contou com dinheiro de construtoras e empresas envolvidas nas ações do Estado do Rio de Janeiro (RJ) O financiamento interessado das campanhas eleitorais é regra no Brasil. O governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), gastou, na sua, R$ 34,2 milhões; em Minas, Antônio Anastasia (PDSB) dispendeu R$ 38 milhões; e, na Bahia, Jacques Wagner recebeu R$ 24,3 milhões em doações. Na maioria dos casos, uma análise pormenorizada dos gastos reflete o interesse direto dos doadores nas ações do Estado. Aproximadamente um quarto das doações à campanha de governadores, no Brasil, vem de empreiteiras. Nos cálculos, geralmente não consta os valores doados pelos diretórios nacionais e estaduais, que também recebem valores de empresas (os diretórios só farão a prestação de contas em 2011). Construtoras
A Camargo Corrêa e a OAS, em geral, são as responsáveis pelas maiores doações. As empresas participam de obras espalhadas por todo o território nacional. Mas a lista de doadores inclui quase todas as construtoras. O governador de Sergipe, Marcelo Déda (PT), por exemplo, recebeu R$ 300 mil da Construtora Celi, que, entre outras obras, participa da construção do novo prédio do Ministério Público Estadual. No Mato Grosso do Sul, André Puccinelli, do PMDB serrista, recebeu R$ 500
mil da Itel Informática e R$ 1,7 bilhão de João Roberto Baird, dono dela. A empresa é responsável pela área de informática em todo o estado. Antônio Anastasia recebeu R$ 1 milhão da Companhia Metalúrgica Prada; R$ 800 mil da Galvão Engenharia; R$ 600 mil da Camargo Corrêa; e R$ 500 mil da Usiminas. O governador eleito pelo Paraná, Beto Richa (PSDB), recebeu R$ 1,5 milhão da Camargo Corrêa e duas parcelas de R$ 500 mil do BMG e do Itaú. Jacques Wagner (PT-BA) recebeu da Engevix Engenharia R$ 900 mil. A empresa participa da instalação de um parque eólico na Bahia. Camargo Corrêa e OAS, responsáveis pela obra do metrô de Salvador, doaram, cada uma, R$ 1,5 milhão à campanha do governador baiano. Reforma política
Governadores eleitos, como Geraldo Alckmin, Cid Gomes (PSB-CE) e Raimundo Colombo (DEM-SC), têm, em sua declaração, a maior parte da receita computada como oriunda do “Comitê Financeiro” – incluindo valores bastante significativos no caso dos dois primeiros. Outros, dentre os que disputaram segundo turno, ainda não entregaram declaração. Entre os críticos do financiamento privado de campanhas, a proposta de solução é unânime. É preciso que se priorize a reforma política. A maioria dos partidos a considera a mais importante das reformas. Entretanto, o arsenal de interesses envolvidos impede que a pauta avance. O anúncio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que, após o fim de seu mandato, vai se dedicar à reforma é emblemático. Chefe de Estado mais popular da história brasileira recente, Lula teve seu futuro amplamente questionado em 2010. Das Nações Unidas à Unasul, muito se cogitou. A decisão do presidente de destinar os próximos anos à reforma política, priorizando o financiamento público de campanha, dá mostras do valor estratégico da medida. (LU)
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O pecado de voltar-se para si mesma RELIGIÃO Distância do povo amplia alas doutrinárias e favorece pentecostalismo dentro da Igreja Católica Reprodução
Eduardo Sales de Lima da Redação PARTE DA IGREJA se posicionou partidariamente nas eleições de outubro deste ano. Fatos, como o “apelo” dos bispos paulistas conservadores e o posicionamento de Joseph Ratzinger (papa Bento 16) três dias antes do segundo turno, conclamando, indiretamente, os católicos brasileiros a não votarem em Dilma Rousseff, desvelaram, de vez, quais são as principais forças eclesiais mais retrógadas do país e, claro, quais perspectivas doutrinárias e políticas que o atual papa tem para o Brasil. A atitude de Ratzinger, entretanto, não se configura como um fato isolado. O papa possui um amplo histórico que ancora sua teologia dentro de uma visão extremamente eurocentrista e autoritária, opondo-se, entre outras coisas, a movimentos progressistas surgidos dentro da Igreja Católica, na América Latina, como a Teologia da Libertação. Mais. Para citar apenas um exemplo mais próximo e recente, no discurso de abertura da 5ª Conferência Geral do Conselho Episcopal Latino-Americano e do Caribe (Celam), realizada em 2007, em Aparecida do Norte (SP), o papa criticou os governos latino-americanos adeptos de “ideologias superadas”.
Tais bispos, com a “supervisão” do papa, não são figuras proeminentes ou carismáticas. Simplesmente, se alinham com Roma, às vezes, à custa de não ouvir o grito da Terra e dos oprimidos, de acordo com Leonardo Boff Pois bem, como lembra Dom Tomás Balduíno, bispo emérito de Goiás, “o papa, além de nomear, tem o jeito de conduzir as coisas”. Um jeito de conduzir que não faz questão de guardar segredos. Na opinião do integrante da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Dirceu Fumagalli, é por ação direta do Vaticano que o novo episcopado brasileiro vem sendo escolhido. Trata-se, segundo ele, de um conjunto de clérigos, ou que se formaram, ou que realizaram cursos no Vaticano, “um pessoal muito mais moderado, que tem uma leitura mais canônica, de direito, que está preocupado muito mais com a ritualidade da liturgia e a disciplina da comunidade”, afirma. Daí vem sua conclusão: “O perfil desse novo episcopado não é um perfil pastoreiro, mas sim de governo, de alguém que é colocado numa diocese para ad-
O papa Bento 16, o alemão Joseph Ratzinger, que sucedeu João Paulo 2º no comando da Igreja Católica
ministrá-la, tanto as questões econômicas como os conflitos internos do clero, questões de formação. É um perfil que está preocupado com a institucionalidade”, explica Fumagalli. Fora de contexto
A influência acadêmica indireta de Bento 16 vai além. Neste ano, um clérigo de alta patente, Raniero Cantalamessa, muito próximo a Ratzinger, foi quem assessorou uma reunião da Regional 2 da CNBB, representada pelo estado do Rio Grande do Sul, segundo revela o padre comboniano João Pedro Baresi, ligado à Teologia da Libertação. Baresi conta que Cantalamessa é “o mesmo que comparou uma suposta perseguição à Igreja diante dos casos de pedofilia à perseguição aos hebreus”. Desse modo, como afirma Leonardo Boff, um conjunto de bispos, com a “supervisão” do papa, tenta se reestruturar para se fazer ouvir nas assembleias regionais e nacionais da CNBB. “Mas tais bispos não possuem [entre eles] figuras proeminentes ou carismáticas. Simples-
mente, se alinham com Roma, às vezes, à custa de não ouvir o grito da Terra e dos oprimidos”, pondera Boff. Efeito colateral
Nessa disputa política interna, um dos lados possui o peso da Cúria Romana. Por meio da ênfase dada à institucionalidade, sorrateiramente a Igreja “se volta para si mesma”, explica Dom Tomás. “Antes, [o que era] uma Igreja muito mais samaritana, direcionada ao auxílio do caído, do pobre injustiçado e do oprimido, [agora] volta-se mais sobre suas realidades religiosas, clericais, estruturais.” Enquanto alguns creditam que a Igreja “voltou-se à sacristia” por causa do descenso político da população, outros encontram na condução de Joseph Ratzinger a sua razão. Desse modo, a Igreja testemunha a escalada das alas direitas doutrinárias e a própria consolidação da força pentecostal entre a massa. “Do lado doutrinário, temos a OpusDei, os Templários, organizações que fortalecem essa visão de uma Igreja do poder central. E do outro, existe o movi-
mento pentecostal, que também é de extrema direita”, explica Fumagalli. Segundo ele, nesse processo eleitoral ocorreram as intervenções dessas duas forças.
Neste ano, um clérigo muito próximo a Ratzinger foi quem assessorou uma reunião da Regional 2 da CNBB. O mesmo que comparou uma suposta perseguição à Igreja diante dos casos de pedofilia à perseguição aos hebreus Sobre essa ala pentecostal, Fumagalli acredita que ela escapou de vez do controle das organizações pastorais, inclusive da estrutura do episcopado. “Eles avançam, sobretudo, com uma visão altamente dualista, do mal e do sagrado, e essa concepção vai imprimir o debate entre o mundo da política e o mundo da religião como mundos diferentes”, critica.
Disputa entre cordeiros?
Para Boff, “as CEBs têm muita força ainda”
Para analistas, CNBB será intensamente disputada
Apesar da força do pentecostalismo, organizações permanecem ativas
da Redação “A Igreja é uma instituição milenar e ela tem a sua capacidade de flexibilizar algumas questões para não rachar.” Essa é a opinião de Dirceu Fumagalli, da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Para ele, apesar de a atual direção da organização, capitaneada por dom Geraldo Lyrio Rocha, ter um caráter mais comprometido com o povo em comparação com a passada, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) está vivendo “dos juros que ela acumulou, do reconhecimento público nas décadas de 1970 e 1980”, ilustra. “Há divergências, como houve agora entre os bispos, mas a comunhão prevalece, não há ruptura”, pondera dom Tomás Balduíno. Pode não haver ruptura para a sociedade, mas já é possível constatar um desequilíbrio entre as forças progressistas e conservadoras que disputam os rumos da Igreja Católica no Brasil. Como lembra o teólogo e escritor Leonardo Boff, “os bispos conservadores, rompendo o acordo feito pela Assembleia Geral da CNBB, segundo o qual a Igreja como instituição não se meteria na política partidá-
ria, resolveram aproveitar a ocasião das eleições e reforçar sua posição conservadora dentro da Igreja e em termos políticos, apoiando o candidato Serra”. O problema é que, de acordo com Fumagalli, o grupo minoritário que expressava o segmento de uma Igreja comprometida com a justiça social, além de envelhecida, está com pouco poder de expressão, de pautar os debates dentro CNBB. Por outro lado, ele afirma que os bispos que representam a extrema direita também são poucos, “mas que fazem muito barulho”. “Hoje, quem se posiciona, por exemplo, nas assembleias, também é um grupo minoritário da extrema direita, são bispos da Paraíba, de São Paulo, que fazem o regaço.” 2011
Ao contrário do que muitos imaginam, dom Tomás acredita que o resultado das eleições para a direção da CNBB, em 2011, seja o de uma assembleia mais autônoma. “É pouco provável que o pessoal leve em conta o fato de uma candidatura ser apoiada por Roma, por exemplo.” Porém, de acordo com o padre comboniano João Pedro Baresi, o “barulho” feito pela Regional Sul 1, representada pelo estado de São Paulo, e por alguns bispos do Nordeste é sintomático. Do mesmo modo, Fumagalli vislumbra a tendência de uma ala conservadora querer lutar pela direção da organização, o que, segundo ele, é preocupante. (ESL)
da Redação As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) são comunidades incentivadas pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) que se espalharam por vários países principalmente a partir dos encontros episcopais latino-americanos de Medellín (Colômbia), em 1968, e de Puebla (México), em 1979. As CEBs impulsionaram a criação de associações de moradores, a inserção no movimento operário e outras iniciativas que fortaleceram o movimento social, sobretudo durante a luta contra a ditadura militar. “Nunca fomos maioria, mas éramos uma minoria que conseguia pautar o debate; da opção pelos pobres, da participação do processo da abertura democrática dos países da América Latina, do enfrentamento das estruturas militares”, conta Fumagalli, da CPT, se referindo não somente às CEBs, mas a todo o movimento religioso progressista da época. 100 mil comunidades
Fumagalli lamenta que a Igreja progressista tenha perdido espaço na periferia das grandes cidades para as forças pentecostais. “A massa popular não tem uma leitura popular e passou a se deixar ser conduzida pela liderança religiosa, um pastor, ou um padre pentecostal”, critica.
Já para Leonardo Boff, o que essas organizações perderam foi, sobretudo, a visibilidade de outros tempos, já que sob a ditadura militar nenhum movimento podia sair à rua, e elas, protegidas pela instituição Igreja, apareciam. “As CEBs têm muita força ainda. Somam, hoje, cerca de 100 mil comunidades de base”, destaca Boff. Hoje, de acordo com ele, as CEBs estão nas pastorais sociais por terra, teto, saúde, direitos humanos, mulheres, negros e indígenas. “O Vaticano sabe do vazio institucional existente no Brasil, quer dizer, a falta enorme de padres para atender os fiéis. E aí veem as CEBs como forma de presença e de fazer frente às igrejas carismáticas populares da parte dos evangélicos que conquistam muitos católicos mal servidos religiosamente pela Igreja Católica”, explica. Boff já criticava, em 2007, a miopia do Vaticano em relação à presença das CEBs no Brasil, quando por ocasião da 5ª Conferência do Conselho Episcopal LatinoAmericano (Celam), realizada em Aparecida. À época, disparou: “Eles se orientam pelo direito canônico. Este não prevê nada para as CEBs. Talvez ‘pias associações’ [de caridade], coisa que elas efetivamente não são. Em razão disso, nenhum representante das CEBs, seja leigo, padre, religioso ou bispo, foi escolhido para estar presente na 5ª Conferência. O resto são como ‘garis’ da Igreja, simples leigos, fregueses de paróquias e consumidores de bens simbólicos que eles, os padres e hierarcas, somente produzem”. Para Boff, tal atitude falava por si mesma: quando o Vaticano estava alienado da realidade concreta da Igreja e como já dava excessivo valor à hierarquia. (ESL)
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Torcidas de futebol mais do que organizadas
fatos em foco
Hamilton Octavio de Souza
Divulgação
ESPORTE Nasce uma mobilização de amantes do futebol disposta a enfrentar os mais variados problemas do esporte. A Associação Nacional de Torcedores (ANT) quer enfrentar a elitização do futebol e a mercantilização do ato de torcer
Caixa dois A Polícia Federal prendeu, dia 5, no Rio Grande do Norte, a diretoria regional do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e vários empreiteiros das obras de duplicação da BR-101 naquele Estado, sob a acusação de formação de quadrilha e desvio de recursos públicos. Num trecho de 60 km de estrada eles teriam embolsado R$ 2 milhões. Imagine o quanto pode ser roubado em obras muito maiores!
Leandro Uchoas do Rio de Janeiro (RJ) NÃO HÁ MUITOS lugares disponíveis, por isso, o cidadão chega cedo. Compra um ingresso caro, na bilheteria, um saco de pipoca e entra. Busca um lugar que lhe permita ver por inteiro o grande cenário retangular – privilégio de poucos. Isso se no ingresso não constar cadeira numerada. A cena assim descrita poderia ser facilmente vista num cinema multiplex. Mas não é disso que aqui se fala. Trata-se da lógica cada vez mais comum nos estádios de futebol. O esporte preferido dos brasileiros tem inúmeros problemas – corrupção, mercantilização, cartelização, entre outros. Tido como “a mais séria das atividades menos sérias”, não costuma provocar grande resistência popular mesmo diante das práticas mais graves e corriqueiras. Mas, no dia 6 de outubro, reuniu-se, em um bar carioca, um grupo que pensava diferente. Estava fundada a Associação Nacional dos Torcedores (ANT), para lutar pela moralização do futebol. A inauguração oficial se deu no dia 10 do mesmo mês, em frente ao estádio do Maracanã. Um manifesto foi lançado, com sete pontos essenciais – o número é uma homenagem à camisa de Garrincha, “a alegria do povo”. O principal descontentamento é claro, nas palavras dos organizadores: a elitização do futebol. Adesão São muitos os indícios. Entre eles, ingressos caros, capacidades dos estádios diminuídas, extinção dos setores populares nas arenas, superfaturamento das obras esportivas, monopólio da transmissão pela Rede Globo e a falta de transportes populares para os jogos. A adesão ao movimento é de uma ordem suficiente para suspeitar que a associação era uma demanda antiga; faltava apenas alguém “dar o pontapé inicial”. Em 15 dias, já alcançou 1.033 associados, organizados em, pelo menos, cinco Estados. “Querem transformar o futebol em uma mercadoria e o torcedor em um consumidor”, afirma o carioca Marcos Alvito, idealizador e principal liderança. “O futebol tem quase 120 anos no Brasil, onde gerou uma cultura própria tanto em termos da forma de jogar quanto da forma de torcer, de cantar, de discutir futebol, de fazer gozações entre os torcedo-
Corrupção, mercantilização e cartelização são alguns dos problemas relacionados ao esporte preferido dos brasileiros
1.033 é o número de associados alcançado pela ANT em 15 dias
res. É esta imensa riqueza que está sendo ameaçada”, diz. Alvito critica, principalmente, a utilização promíscua de verba pública, sem nenhum controle social, em nome de uma suposta “modernização” – que, entre outros danos, estaria afastando os mais pobres dos estádios. Uma das preocupações da associação é a maneira como estão sendo planejadas a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, que serão sediadas pelo Brasil. Dos R$ 17 bilhões a serem gastos com as competições, 65% seriam revertidos em estádios “shopping centers”. Somente no Rio de Janeiro, 119 comunidades serão removidas nos próximos anos, segundo a própria prefeitura, e os avanços no sistema de transportes concentram-se na Barra da Tijuca, bairro nobre da cidade. Os estádios estariam sendo construídos ou reformados seguindo moldes europeus, que reduzem os espaços populares e a possibilidade de manifestação das torcidas. Criminalização da torcida “Não existe transparência de gestão de custos e gastos, tanto de clubes quanto de federações e confederações. Ainda mais com os investimentos públicos prometidos para a Copa de 2014, que não tratam de melhorias pontuais, mas de indicações advindas de ninguém sabe onde, que dizem que é viável construir e manter estádios de alto padrão em Estados que não têm sequer uma equipe na Série B”, protesta Jorge Suzuki, da célula paulistana da associação, que, no último Corinthians e Palmeiras, fez uma manifestação em frente ao estádio. Suzuki faz uma analogia entre os problemas do futebol e outros tradicionais do país. “A criminalização da torcida popular e a elitização dos ingressos segue a política de marginalização da pobreza. A união de políticos, emissoras de televi-
são e grupos econômicos poderosos em torno de interesses próprios também não é mal exclusivo do futebol, tanto quanto interesses privados em obras e financiamentos de grande porte não são adstritos unicamente à Copa do mundo. No final, tudo é reflexo de um sistema maior, falido e corrupto”, acusa ele, afirmando que a nova associação está, no momento, mais mobilizada em solidificar a iniciativa e espalhar núcleos pelo país. Monopólio da transmissão Os ativistas tampouco perdoam a Rede Globo – mesmo sem citá-la explicitamente. A emissora seria a responsável pela cartelização da economia de futebol. “No Brasil, a mesma rede detém o monopólio das transmissões há décadas. Os clubes, que pegaram adiantamentos dos direitos televisivos, não podem protestar. O pior de tudo é que a televisão, ao afastar o torcedor dos estádios, leva-o a consumir seus produtos de TV a cabo e pay-per-view. É o crime perfeito: dificulto a tua ida ao estádio e te obrigo a virar torcedor de poltrona”, acusa Alvito.
“A criminalização da torcida popular e a elitização dos ingressos seguem a política de marginalização da pobreza” Os horários aviltantes de alguns jogos também seriam culpa da emissora, para encaixar as partidas em sua imutável programação. Dessa forma, há jogos terminando à meia-noite, inviabilizando a ida ao estádio de muitos trabalhadores, e outros começando no início de tardes ensolaradas de verão. Suzuki considera que, no futebol paulista, há ainda certas peculiaridades que precisam de maior enfrentamento. “Somos proibidos de nos manifestar politicamente nas arquibancadas. Vá ao estádio com uma camiseta, com uma estrela vermelha estampada, ou uma frase do tipo ‘contra a CBF e pela moralização do futebol’, e corra o risco de ser barrado nas catracas. Baniram a cervejinha do torcedor, os fogos, as bandeiras de mastro. Nesse ponto, nosso Estado é onde há maior repressão aos torcedores”, diz.
Febre de torcida e de resistência Com o aumento do número de filiados, ANT ganha reconhecimento, mas complexifica seus desafios do Rio de Janeiro (RJ) Amante inveterado de futebol, o paranaense Rafael Mello acompanhava uma série de listas de discussão e comunidades de redes sociais sobre o tema. Há algumas semanas, soube através desses mecanismos de comunicação que estava sendo articulada a ANT. Imediatamente se identificou. Passou a pesquisar e buscou associar-se aos filiados. Era o embrião do que viria a ser a célula paranaense da associação. É desta forma, rápida e natural, que a ANT vem crescendo e ganhando adeptos em pontos distintos do território nacional. “Temos filiados em cidades de que eu nunca tinha ouvido falar”, comemora Marcos Alvito. A ramificação da associação pelo território na-
Controle privado Homem de confiança do oligopólio privado da mídia, Ronaldo Sardenberg foi mantido por mais um ano na presidência da Agência Nacional de Telecomunicações, por decisão do presidente Lula. Não se sabe se a presidenta eleita foi consultada, provavelmente sim. Passa pela Anatel o programa de banda larga, regulação da TV a cabo, renovação dos contratos de concessão da telefonia fixa e a implacável repressão à radiodifusão comunitária. Tudo vai ficar igual?
cional, ao passo que complexifica o debate, por ganhar especificidades regionais, também soma respeito e reconhecimento graduais à iniciativa. A ANT já tem unidades em processo de construção em doze estados, do Rio Grande do Sul a Roraima. Em alguns, como Paraná e Bahia, já começa a haver uma estruturação maior, mais próxima das mobilizações carioca e paulistana. No último dia 24, por exemplo, o núcleo de Campinas realizou sua primeira manifestação. Em comemoração ao Dia Nacional da Juventude, fizeram panfletagens de conscientização pela cidade e organizaram filiações de novos torcedores. Lutas específicas A experiência dos paranaenses, porém, é das que mais reafirmam a argumentação de que a nacionalização do movimento complexifica os desafios em jogo. O futebol no Estado tem notórias peculiaridades, que resultariam em lutas específicas. A Federação Paranaense de Futebol (FPF) é uma entidade sem representação junto à Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Os clubes do Estado nem sempre respeitam suas orientações, gerando conflito. O campeonato paranaense é caro e seu calendário é acusado de ser mal for-
mulado. Alguns clubes tradicionais do Paraná estão completamente endividados – problema comum a outras unidades da federação, por causas distintas. Há um abismo entre a realidade do futebol na capital e no interior.
A ANT já tem unidades em processo de construção em doze estados, do Rio Grande do Sul a Roraima “Em resumo, temos uma federação que não defende os interesses dos clubes; pessoas visando benefícios pessoais, políticos ou financeiros, agindo dentro de clubes e federação; administrações amadoras que pecam por atropelar a tradição dos times, tratando-os como simples produto a ser valorizado ante patrocinadores e canais de TV; e uma imprensa que, em sua esmagadora maioria, é parcial, interessada e de baixa qualidade, trabalhando em pautas agendadas”, sintetiza Rafael Mello. Como se vê, a dificuldade e a complexidade das lutas do futebol são vastas. Entretanto, nunca foi tão grande a disposição para enfrentá-las. Torçamos pelos torcedores. (LU)
Mineiros chilenos Trabalhadores da mina Collahuasi, no Chile, que é a terceira maior produtora de cobre do mundo, decidiram entrar em greve diante da intransigência da empresa – controlada por Anglo American e Xstrata – em aceitar reajustes salariais semelhantes aos conquistados pelos trabalhadores da mina Escondida, da empresa BHP Billiton, a primeira do mundo. Os mineiros chilenos reassumem o seu papel histórico na luta contra a exploração! Ato público O Dia da Consciência Negra será marcado, no Rio de Janeiro, por ato na Cinelândia, dia 22, às 17 horas, que vai fazer homenagem especial aos 100 anos da Revolta da Chibata e denúncia contra a onda de remoções de comunidades para obras de preparação da cidade para a Copa do Mundo de Futebol (2014) e as Olimpíadas (2016). Os negros e pobres são as principais vítimas da “urbanização”! Tortura impune A luta para responsabilizar os torturadores e assassinos da Ditadura Militar (1964-1985) continua: dia 3, o Ministério Público Federal de São Paulo entrou com ação pública contra quatro militares reformados, que são acusados de participação na morte e desaparecimento de seis presos políticos, além de torturar mais 19 pessoas detidas pela Operação Bandeirante, em 1969 e 1970. Vale lembrar que a Oban foi financiada por vários empresários brasileiros. Encarceramento Com o apoio da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Associação de Juízes pela Democracia, Pastoral Carcerária e Conselho Regional de Psicologia, o movimento Tribunal Popular vai realizar, de 7 a 9 de dezembro, na Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco), o Seminário Encarceramento em Massa – Símbolo do Estado Penal, com a participação de especialistas de todo o Brasil. Mais uma denúncia contra o terrorismo de Estado! Atraso histórico O Brasil melhorou no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU: passou do 77º lugar, em 2009, para o 73º, no relatório de 2010. No entanto, a 8ª potência econômica mundial continua com graves problemas de pobreza, desigualdade, falta de saneamento e baixa escolaridade. Na América Latina está pior do que Chile (45º), Argentina (46º), Uruguai (52º), Panamá (54º), México (56º), Costa Rica (62º), Peru (63º) e outros. Lucro financeiro Os três maiores bancos privados que operam no Brasil confirmaram, no terceiro trimestre, mais uma boa safra de lucros líquidos espetaculares: o Itaú lucrou R$ 3 bilhões, acumulou R$ 9,4 bilhões em nove meses, deu 37,6% a mais do que no mesmo período de 2009; o Bradesco registrou R$ 2,5 bilhões no trimestre, bateu novo recorde na história do banco; e o Santander lucrou R$ 1,9 bilhão, 31% maior do que no ano passado. O Brasil é o paraíso! Troca-troca Dados do Tribunal Superior Eleitoral demonstram que as empreiteiras de obras públicas, junto com os setores de mineração e financeiro (bancos), foram os que mais contribuíram para as campanhas eleitorais de 2010. A Camargo Corrêa fez a maior doação, de R$ 79 milhões, seguida pela Andrade Gutierrez, de R$ 58 milhões e pela OAS, de R$ 34 milhões. Por que será que essas empresas são tão boazinhas com os políticos?
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75 anos dos levantes antifascistas de 1935 NUM PERÍODO de intensa polarização política no cenário mundial, diante do avanço do fascismo em nível internacional e do integralismo no âmbito nacional, a Aliança Nacional Libertadora (ANL), criada em março de 1935, desempenhou um papel relevante na mobilização de amplos segmentos da sociedade e da opinião pública brasileira em defesa das liberdades públicas, gravemente ameaçadas pelos adeptos da Ação Integralista Brasileira (AIB) liderados por Plínio Salgado. Nesse processo, a influência dos comunistas mostrou-se decisiva não só na formação da ANL e em sua atividade legal, durante os meses de março a julho de 1935, como, principalmente, na preparação dos levantes armados de novembro daquele ano, realizados sob as bandeiras da ANL. O grande prestígio de Luiz Carlos Prestes – o Cavaleiro de uma Esperança que renascera com o desgaste de Vargas após a “Revolução de 30” – foi um fator fundamental para a difusão e a penetração, junto a amplos setores da sociedade brasileira, do programa anti-imperialista, antilatifundista e democrático levantado pelo Partido Comunista do Brasil (PCB) e adotado pela ANL. A justeza desse programa se evidencia pela aceitação e a repercussão que obteve junto à opinião pública democrática nacional. Como consequência, a ANL veio a transformar-se, em pouco tempo, na maior
frente única popular jamais constituída no Brasil. Seu lema: “Pão, Terra e Liberdade”, inicialmente lançado pelo PCB, empolgou centenas de milhares de brasileiros. Os comunistas, entretanto, cometeram um grave erro de avaliação ao caracterizarem a situação do país, em 1935, como “revolucionária”, considerando que o desgaste do Governo Vargas seria tal que as suas condições de governabilidade estariam esgotadas. Confundindo os desejos com a realidade, os comunistas e muitos dos seus aliados superestimaram as possibilidades reais de organização e mobilização das massas populares. Consideraram que havia chegado a hora de levantar a questão do poder, lançando a consigna de um Governo Popular Nacional Revolucionário, formado pela ANL, através de uma insurreição popular. A proposta dos comunistas, assumida pela ANL, mostrou-se fantasiosa e, portanto, inexequível, resultando na derrota do movimento. A inviabilidade de promover uma insurreição das massas trabalhadoras no Brasil, em 1935, aliada à conjuntura de intensa agitação e efervescência política então presente nas Forças Armadas, induziu os comunistas e seus aliados da ANL a sucumbirem à influência das concepções golpistas dos militares, fortemente arraigadas no imaginário nacional. Tal fenômeno sobreveio, apesar dos esforços desenvolvidos para
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Anita Leocadia Prestes
organizar e mobilizar as massas, assim como das repetidas e insistentes declarações do PCB, de Prestes e da ANL condenando o golpismo. As Forças Armadas e, principalmente, o Exército passaram a ser vistos pelos comunistas e aliancistas como o instrumento privilegiado para desencadear a almejada insurreição popular, na medida em que a mobilização dos setores civis mostrava-se mais demorada e difícil. O renascimento das concepções golpistas explica o caminho trilhado pela ANL: da amplitude inicial, quando a entidade se manteve dentro da legalidade, ao radicalismo revelado com a eclosão dos levantes armados de novembro de 1935. A persistência de tais concepções pode parecer fruto das influências tenentistas, supostamente trazidas, tanto para o PCB quanto para a ANL, por L. C. Prestes e muitos dos elementos provenientes do tenentismo. Sem negar tais influências, é necessário considerar que o próprio tenentismo foi um movimento marcado pelo vigor das tendências golpistas, resultantes das características do processo de formação da sociedade brasileira. Uma sociedade, na qual as classes dominantes sempre tiveram força para impor aos setores populares um estado de desorganização e desestruturação social, que viria a tornar-se um dos seus traços marcantes; uma sociedade excludente, na qual não haveria ca-
Os militares que iriam desencadear a insurreição não eram mais tenentistas, mas seguidores de Prestes, que deixara de ser “tenente” para aderir às teses levantadas pelos comunistas
nais para que as massas populares pudessem fazer valer seus direitos e reivindicações. A expectativa de um golpe “salvador” seria a consequência natural de tal estado de coisas. Se, em 1935, o golpismo dos comunistas e de muitos dos seus aliados se revelou no fato de haverem delegado aos militares o papel de detonadores da “insurreição das massas trabalhadoras”, deve-se considerar que o conteúdo do programa então defendido – anti-imperialista, antilatifundista e democrático – era distinto das propostas tenentistas. Sejam as propostas liberais dos “tenentes” dos anos 1920, sejam as propostas autoritárias do tenentismo do início dos anos 1930. Em 1935, os militares, que iriam desencadear a insurreição projetada, não eram mais tenentistas, mas seguidores de Prestes, que, desde seu Manifesto de Maio de 1930, deixara de ser “tenente” para aderir às teses levantadas pelos comunistas – as mesmas que seriam encampadas pela ANL. Mas o revés do movimento antifascista no Brasil, em 1935, não se explica apenas pela influência das concepções golpistas. O Governo Vargas pôde tirar partido de uma conjuntura internacional favorável ao fascismo e aos regimes autoritários para, com o apoio da direita e brandindo as bandeiras do anticomunismo, impor uma grave derrota às forças democráticas e progressistas do país.
Renda do petróleo ao destinatário certo
Silvaney Bernardi/Sindipetro
ENERGIA Seminário, no Paraná, com apoio da Petrobras, debate a destinação dos recursos do présal; tema está na agenda política dos próximos meses Pedro Carrano, enviado especial ao assentamento Contestado, Lapa (PR) DENTRO DA camada pré-sal, somente a renda petrolífera dos campos de Iara e Tupi pode atingir a soma de 350 bilhões de dólares. São cerca de oito bilhões de barris, em uma reserva total onde a aposta é de, no mínimo, 80 bilhões. Porém, o problema é onde investir e como encaminhar a distribuição de recursos. Nessa perspectiva, foi realizado o seminário “Os recursos naturais do pré-sal e o Fundo Social Brasileiro”. A atividade, proposta pela Petrobras, aconteceu entre os dias 5 e 6 na Escola Latinoamericana de Agroecologia, no assentamento Contestado, Lapa (PR), e deve se repetir em outros Estados. O projeto relacionado ao Fundo Social ainda aguarda votação na Câmara e no Senado, o que coloca a questão na agenda política dos próximos meses. Para os movimentos sociais, é a chance de debater o destino da renda petrolífera, que até hoje não beneficiou o povo.
O tema do petróleo entrou no debate eleitoral já no final de um segundo turno, marcado pela despolitização O tema do petróleo entrou no debate eleitoral já no final de um segundo turno, marcado pela despolitização. O momento é de elevar o debate, explica o membro da campanha “O Petróleo tem que ser nosso”, Igor Felipe dos Santos. “Para os movimentos sociais abre-se perspectiva para fazer lutas em defesa do petróleo e riquezas naturais, principalmente que resolva os problemas estruturais. Ir além de disputas econômicas e fazer uma discussão sobre o projeto do país”. Os cerca de 300 educandos do Paraná presentes no seminário apontaram como prioridades da renda do petróleo o investimento em educação, reforma agrária, fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), meio-ambiente, entre outros. As sugestões são no sentido de que os recursos devem ser centralizados pela União, encaminhados aos municípios, de forma igualitária, de acordo com projetos da sociedade e dos movimentos sociais. E com controle social. No caso da educação, alertam para o fato de que não basta erguer universidades, mas universidades populares, voltadas para campo e cidade, fornecendo condições aos estudantes.
Controle sobre os recursos
Enquanto as reservas do pré-sal apresentam alto potencial e qualidade em óleo, empresas estrangeiras, como a Petrogal (Portugal), esperam obter lucros extraordinários. Mais de 70 empresas estrangeiras atuam hoje no Brasil. Além disso, há uma tendência de integração entre transnacionais de setores diferentes. São grupos que almejam ao mesmo tempo as reservas petrolíferas, o território no entorno das jazidas e, inclusive, a produção de agrocombustíveis. Este foi o tom da exposição de Silvaney Bernardi, presidente do Sindicato dos Petroleiros (Sindipetro PR-SC), durante o seminário. Ele apontou que, a partir da década de 1990, o Brasil caminhou na contramão da tendência mundial, que é de maior controle do Estado sobre os recursos naturais. A consequência está no fato de que empresas como a OGX, do bilionário Eike Batista, hoje se expandem nesses setores estratégicos. Bernardi, aponta ainda o ingresso de petrolíferas no mercado especulativo de terras no Brasil, como, por exemplo, a parceria entre a petrolífera Shell e a sucroalcooleira Cosan, por meio da empresa Radar, que tem comprado terras como reserva de valor.
Fortalecimento da Petrobras
Na avaliação do petroleiro, não houve correlação de forças favorável para o governo Lula realizar mudanças na legislação do petróleo, para garantir o monopólio estatal. Porém, a estratégia do governo, para ele, foi fortalecer a Petrobras. Cita a recente capitalização da empresa e o controle acionário que passou a 48% das ações da empresa pelo governo. “A estratégia foi aumentar os investimentos da Petrobras. FHC vendeu dois terços da Petrobras no mercado, que fica com o lucro (...). Lula não mexeu na legislação, o que criticamos, mas temos a Petrobras forte neste momento, com recuperação do efetivo e empregados próprios”, afirma.
Lula não mexeu na legislação, o que criticamos, mas temos a Petrobras forte neste momento Bernardi acredita que o Fundo Social abre espaço para a destinação da renda do petróleo para os problemas do país, ao passo que os royalties (renda indireta aos estados e municípios marcados pela exploração de petróleo) não têm mecanismo de controle. “Royalties não têm controle social nenhum”. Para ele, o Fundo Social é parte das riquezas para um fundo com regras claras, que enfoque na pesquisa, na Reforma Agrária”.
Proposto pela Petrobras, o seminário discutiu o investimento e a distribuição dos recursos naturais
Os royalties e o que esse país tem direito Cidades que recebem royalties são marcadas por brutal desigualdade, aponta pesquisador, para quem a questão é de política de Estado enviado especial ao assentamento Contestado, Lapa (PR) A apropriação desigual dos recursos naturais reflete na base da população e nas pequenas cidades. Das 5.561 cidades do Brasil, 870 recebem o recurso. A defesa do professor da Universidade Federal do Sergipe (UFS), Frederico Romão, é de que os royalties não são uma fatia menor do pré-sal, apesar de até então representar 10% da sua renda. Na realidade, eles poderiam resolver diversos problemas se distribuídos com destinação específica, e não ao sabor da pequena política. “No Rio Grande do Norte, tem proprietário de terra recebendo R$ 24 mil por mês. Só você recebe e o seu vizinho não”, exemplifica. A cidade de Itaporanga (SE) tem direito a R$ 6 milhões na forma de royalties. Caso esse valor fosse distribuído para todo o povo, cada pessoa receberia R$ 220. Um valor pequeno, mas que, dado nas mãos da vereança local, significaria R$ 718 mil para cada vereador. Valor que poderia construir 129 casas ou três escolas para 400 alunos, informa o professor.
Dinheiro não investido
Ainda de acordo com Frederico Romão, a legislação, até o início da década de 1990, balizava alguma forma de aplicação dos recursos dos royalties. Hoje não mais. A distribuição entre municípios, de acordo com o pesquisador, é crescente, principalmente depois de 1997. Em dez anos, foram distribuídos R$ 19 bilhões para os municípios em royalties petrolíferos. Desde então, o crescimento do PIB, no Rio de Janeiro, é de 27% em comparação com os 16% do Brasil. No Espírito Santo, cresceu 3.950% em produção. Mas o pesquisador detecta que, no norte Fluminense, região de extração de óleo, é maior a quantidade de alunos que abandonam a escola que no restante do Rio de Janeiro. “O dinheiro está chegando, mas não investido. O royalties entram, mas a cidade não investe”, explica.
Em dez anos, foram distribuídos R$ 19 bilhões para os municípios em royalties petrolíferos Tantos exemplos apontam o mesmo cenário. Silvaney Bernardi, do Sindipetro, complementa que somente a cidade de Campos de Goytacazes recebe 25% dos royalties de todo o Brasil. “Esse recurso, infelizmente, não tem carimbo. A regra foi feita para comprar os políticos de plantão”, critica. (PC) (Colaborou Alexandre Boing)
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cultura
“Temos orgulho de prestar solidariedade ao MST”
Reprodução
ENTREVISTA Após passagem pela América do Sul, o guitarrista do Rage Against The Machine, Tom Morello, fala sobre política e música ao Brasil de Fato Ana Maria Straube, Rodrigo Salgado e Vinicius Mansur de São Paulo (SP) NASCIDA EM 1991 na Califórnia, EUA, a banda Rage Against The Machine (RATM) se consolidou no cenário mundial da música com uma rara mescla de rap, variantes do rock and roll pesado e crítica política furiosa e constante. Na trajetória da banda, pedradas ao capitalismo, ao belicismo estadunidense, ao racismo, ao etnocídio dos nativos da América e à violência machista. Homenagens aos zapatistas, à Liga Anti-Fascista da Europa, à organização Women Alive, aos presos políticos Leonard Peltier e Múmia Abu-Jamal. Para todos estes, a banda realizou shows, revertendo todo o dinheiro para a defesa das causas. O RATM também tocou em protestos contra o Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio) e a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), fez dois shows contra à guerra (2000 e 2008) às portas da Convenção Nacional do Partido Democrata, provocou o fechamento da Bolsa de Valores de Nova York por algumas horas ao tentarem gravar um clipe, dirigido por Michael Moore, em frente à instituição, e, também, foi censurado pela emissora NBC por exibirem a bandeira dos EUA de cabeça para baixo em uma apresentação. Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, a emissora Clear Channel criou a lista de “músicas com letras questionáveis”, em que o RATM foi a única banda a ter todas as suas músicas incluídas. De 2000 a 2007, a banda esteve separada, mas, em outubro deste ano, aterrissou e “aterrorizou” pela primeira vez em solo sul-americano, passando por Brasil, Argentina e Chile, homenageando o MST, as Mães da Praça de Maio, Víctor Jara e Salvador Allende. Passada a turnê, o guitarrista do RATM, Tom Morello, concedeu uma entrevista exclusiva ao Brasil de Fato. Brasil de Fato – Os fãs da América do Sul esperaram muito tempo por uma apresentação do RATM. Vocês gostaram da recepção do público? Tom Morello – Nós ficamos muito extasiados com o público brasileiro. Nós temos grandes fãs no Brasil, e é uma vergonha termos demorado 19 anos para tocar no país. Mas valeu a espera. Foi realmente uma noite para ser lembrada.
“Nossos objetivos políticos são muito maiores. Nós queremos que nossa música tenha um impacto mundial” O RATM é uma banda claramente anticapitalista. Porém, percebemos, no show do Brasil, que parte considerável dos seus fãs não se interessa pelo conteúdo político ou até mesmo tem aversão a posicionamentos de esquerda. Como vocês interpretam isso? O RATM é uma banda que se preocupa em agir amplamente. Tocamos nossa música para atingir uma ampla variedade de pessoas, independentemente de suas inclinações ideológicas. Estou tranquilo com isso. Nós não somos uma banda elitista que toca exclusivamente para pessoas que compartilham exatamente nossa pauta política. O que nós percebemos ao longo destes anos é que muitos jovens que antes eram apáticos ou possuíam opiniões políticas diferentes foram expostos a um novo conjunto de ideias através de nossa música e, em alguns casos, isso os ajudou a mudarem sua forma de pensar. Um jornalista chegou a publicar que vocês foram usados pelo MST no Brasil, colocando-os como “gringos bonzinhos nas mãos de pessoas más”. O que você tem a dizer sobre isso? Minha hipótese é que o jornalista que diz sermos marionetes nas mãos do MST possivelmente discorda da postura
política do movimento. Isto é uma crítica comum que encontramos aqui nos Estados Unidos. Quando a mídia de direita critica artistas por se posicionarem politicamente, é, geralmente, porque eles discordam do ponto de vista dos artistas. Eu aprendi sobre o MST com o Zack, que conhece bastante sobre os movimentos políticos de toda a América Latina, e nós temos orgulho de prestar solidariedade ao MST na sua luta por justiça no Brasil. Você faz parte de algum movimento político? Sou cofundador, junto com Serj Tankian, da banda System of a Down, da Axis of Justices, uma organização sem fins lucrativos determinada a reunir músicos, fãs de música e organizações políticas de base para lutar por paz, direitos humanos e justiça econômica. Também sou membro do IWW (Trabalhadores Industriais do Mundo, por sua sigla em inglês), uma organização de trabalhadores radical, fundada no início do século 20 e que engloba trabalhadores de todos os tipos. Trabalhadores da indústria do sexo, estudantes, músicos, metalúrgicos, camponeses etc. Qual a importância, para vocês, de que os jovens apoiem movimentos sociais, como o MST? No Brasil, atualmente, a juventude raramente se engaja em lutas sociais. Como ela se comporta nos EUA? É a juventude que muda o mundo, e eu acredito ser de crucial importância que eles ganhem perspectiva numa larga variedade de ideias e movimentos políticos que estão abertos para a participação deles em seus próprios países. Nos Estados Unidos, a juventude foi muito energizada pela campanha presidencial do Obama e muitos se desiludiram com suas ações desde que ele foi eleito. Existe muito descontentamento nos Estados Unidos com a economia e com o prosseguimento das guerras no Oriente Médio; e, infelizmente, os semideuses da direita têm manipulado esse descontentamento para os seus próprios propósitos. A vitória dos republicanos nas últimas eleições nos parece um fiel exemplo disso. Existem movimentos populares nos Estados Unidos capazes de reverter esse quadro? Durante a administração Bush, houve um fortíssimo movimento antiguerra. Muito da energia desse movimento foi canalizada para a campanha do Obama, quem eu considero uma pessoa decente. Mas acredito que a alta cúpula do governo está repleta de compromissos. A política, nos Estados Unidos, é dominada e operada pelo grande capital, e não me surpreende este giro à direita que tivemos depois de dois anos com Obama. E não é porque sua política ameaçava a elite em qualquer aspecto. Seu apoio contínuo à guerra do Afeganistão e o resgate criminoso oferecido aos bancos e à indústria financeira são uma clara indicação de sua fidelidade de classe. Mas o que sublinhou o movimento da extrema direita na política estadunidense foi o desafio às convenções culturais que o Obama representa. Existem muitos racistas nos Estados Unidos que sequer podem dormir bem sabendo que existe um presidente negro na Casa Branca. A extrema direita usou temas como raça, sentimentos antigay e anti-imigrantes para reavivar a animosidade para com o centrista Partido Democrata, deixando sua pauta econômica e de poder por detrás e, assim, convencendo a maioria da classe trabalhadora branca a votar contra os seus próprios interesses. Que visão vocês têm sobre o recente processo político latinoamericano? Parece-me que, enquanto os Estados Unidos focaram sua atenção em nossas guerras imorais e ilegais no Oriente Médio, a América Latina foi deixada para seguir seu próprio destino. Eu estou muito satisfeito que, ao longo do curso da última década, movimentos realmente populares tenham começado a influenciar a política do Estado e, eventualmente, tenham ascendido ao poder na América Latina. Governos que explicitamente estão ao lado dos pobres e da classe trabalhadora, ao mesmo tem-
po em que a população de qualquer país deve estar atenta contra a corrupção. Eu acredito que é um sinal encorajador que os oprimidos tenham, mais do que nunca, voz na política latino-americana. Entrando na música, mas sem sair tanto da política, como uma banda como o RATM lida com a indústria cultural? Bom, é bem possível que ninguém no Brasil jamais tivesse escutado o RATM ou que ninguém se interessasse em ler esta entrevista se não fosse o fato da música do RATM ser veiculada pela Sony Music. Logo no início da banda, nós tomamos uma decisão de forma extremamente consciente sobre como tentaríamos divulgar nossa mensagem revolucionária para o maior número de pessoas possíveis ao redor do mundo. E, ainda que eu respeite as decisões de outros artistas em lidar exclusivamente com gravadoras independentes, nossos objetivos políticos são muito maiores. Nós queremos que nossa música tenha um impacto mundial.
“Minha hipótese é que o jornalista que diz sermos marionetes nas mãos do MST possivelmente discorda da postura política do movimento” A influência musical de vocês é bastante vasta. Do rap ao rock, passando pela música negra e até o heavy metal. Ela sempre se pautou pela atividade política? Minhas preferências musicais são muito amplas e certamente nem sempre existe um componente político nelas. Eu adoro heavy metal, como Black Sabbath, Iron Maiden e Rush, assim como o hip-hop contemporâneo de DMX e JayZ e, obviamente, também gosto de grupos políticos, como Public Enemy e The Clash. No RATM, nós sempre sintetizamos nossas várias influências musicais para então preencher com o nosso compromisso político.
Algo na música sul-americana é referência para você? Um dos meus maiores heróis musicais é Víctor Jara, o tremendamente talentoso mártir do golpe de 1973 no Chile. Sua vida como músico e ativista é muito inspiradora, especialmente no meu projeto solo, que leva o nome de The Nightwatchman. Você apontaria novos talentos na música? Eu sou um grande fã de Gogol Bordello, The Arcade Fire, Bright Eyes e de uma banda, pouco conhecida fora da cidade de Nova York, que se chama Outernational. O RATM voltou para ficar? Há previsão para novos trabalhos? Bem, nós estamos juntos de verdade, como nosso show no Brasil demonstrou. Atualmente, não existem planos para um novo disco, mas nós continuamos amigos e fazendo shows. Mas o futuro não está escrito. Vocês têm planos para retornar à América do Sul? Eu adoraria voltar em breve para tocar mais vezes e explorar o continente. Nessa viagem, nós estivemos na América do Sul por menos de dez dias, o que não foi nem de longe suficiente. Eu fui inspirado pelo público daí, pelo encontro com o MST, pelo ensaio que nós vimos da escola de samba Vai Vai, por visitar os túmulos de Víctor Jara e Allende no Chile, por marchar com as Mães da Praça de Maio em Buenos Aires. Essas coisas serão absorvidas por minha música no futuro. Finalmente, gostaria de agradecer muito aos fãs do Brasil. Levamos 19 anos para ir pela primeira vez, mas garanto que não levaremos outros 19 anos para voltar. Nos veremos em breve.
Quem é Nascido em 1964 no Harlem, em Nova York, formado em ciências políticas na Universidade de Harvard, Tom Morello foi incluído pela revista Rolling Stone como um dos 100 maiores guitarristas de todos os tempos.
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“É estratégico para o capitalismo manter a reforma da previdência na França” ENTREVISTA Na avaliação do sociólogo Michael Löwy, as elites europeias temem que um recuo do governo francês geraria uma onda mais forte de protestos em todo o continente Revolta Global/CC
Dafne Melo da Redação PARA O SOCIÓLOGO brasileiro radicado na França, Michel Löwy, as últimas mobilizações, no país, contra o aumento da idade para a aposentadoria foram uma das maiores desde as célebres mobilizações do Maio de 1968. Entretanto, elas não devem ser suficientes para fazer o governo de Nicolas Sarkozy recuar. Isso porque uma derrota em um país tão estratégico como a França seria inaceitável do ponto de vista do capital. “O capital europeu está muito preocupado com um possível recuo, o que poderia gerar uma onda de protestos mais fortes em outros países. Então, é estratégico para o capitalismo europeu manter a reforma da previdência na França”, afirma o sociólogo. No dia 28 de outubro, um dia após a aprovação do texto pela Assembleia Nacional e pelo Senado francês, as manifestações no país sofreram uma baixa, embora se mantenham. Para Löwy, o custo político dessa decisão, para Sarkozy e seus aliados, deverá ser cobrado nas próximas eleições, nas quais devem ser derrotados, pelo menos para o cargo da Presidência da República. Hoje, o presidente francês amarga péssimos índices de popularidade, com menos de 30% de aprovação. A dificuldade em reverter a reforma da previdência na França, entretanto, não deve ser vista com pessimismo. Segundo Löwy, os últimos episódios na Europa – que viu lutas também na Grécia e Espanha, entre outros países – mostram que a saída para combater as medidas neoliberalizantes deve se dar por meio da unidade dos movimentos de toda Europa, e não de cada país isoladamente. “O que deveria ter ocorrido, por exemplo, nesses últimos meses, é uma greve geral coordenada, unificada, em toda a Europa”, aponta. Leia, a seguir, a entrevista. Brasil de Fato – Quando a crise econômica mundial se iniciou, muitos analistas apontavam que ela era profunda e prolongada. Como ela tem se manifestado na Europa nos últimos meses? Michael Löwy – É uma crise que começou com a bolha dos imóveis nos Estados Unidos, em 2008, e acabou desestabilizando todo o sistema. O que os governos fizeram? Particularmente na Europa, a primeira preocupação foi tirar os bancos da crise, já que eles tinham várias ações podres. Os governos intervieram com bilhões de dólares para salvar os bancos. Tem uma piada que resume bem essa situação. O ministro da Economia de um país europeu fala: “tenho uma boa notícia. Nós pensávamos que não tínhamos dinheiro em caixa, descobrimos que tínhamos vários bilhões. A má notícia é que agora não temos mais nada de fato”. Então, uma vez feita essa operação, os bancos, que eram os responsáveis pela especulação financeira e pelos títulos podres, foram salvos, só que os estados ficaram totalmente endividados. Só que alguém tinha que pagar essa conta. Naturalmente, quem a está pagando são os trabalhadores do serviço público, da educação, saúde, sistema de aposentadorias, ou seja, aquilo que atinge diretamente as classes subalternas. Essa é a lógica. Então, vem agora a austeridade, de corte neoliberal, tratando de fazer com que os pobres paguem a conta. Desde então, tem havido muitas manifestações como há muito não se viam na Europa. Elas estão colhendo resultados? Obviamente, essas medidas provocaram muita indignação, revoltas, protestos, greves, manifestações. A começar pela Grécia, onde está o elo mais fraco da União Europeia e onde a crise se incidiu de maneira mais dura. A Grécia conheceu uma sucessão de greves gerais e manifestações que impressionaram muito, mas não conseguiram barrar essas medidas. Além do que, o remédio foi administrado por um governo mais progressista, o que não deixa nem uma margem de alternância, de tirar um governo e pôr outro, porque a outra opção é pior. Então, no momento, o movimento, na Grécia, está em descenso, há manifestações, mas não têm a mesma força. Bom, depois foram aparecendo protestos na França e na Espanha. Evidentemente, os protestos na França foram mais importantes. Eles vieram em seguida de uma série de escândalos de corrupção envolvendo o governo, a começar pelo ministro do Trabalho, Eric Woerth, responsável pela reforma das pensões. Essa medida apareceu como uma agressão direta aos interesses dos trabalhadores, obrigando-
lho Constitucional para ver se essa medida é constitucional e pode ser que haja uma remobilização, mas, de qualquer jeito, há uma raiva muito grande da população e qualquer medida vai acirrar os ânimos de novo. Nas próximas eleições, em um ano e meio, as forças políticas em torno de Sarkozy devem, então, sofrer uma derrota eleitoral? Bom, claro que não se pode prever exatamente o que vai ocorrer em dois anos, mas o mais provável é que ele não consiga perpetuar-se no poder. Ele certamente tentará resgatar o discurso, como fez da última vez, anti-imigração, a questão da ordem, da polícia, da segurança, baseado no racismo e na xenofobia. Essas são as cartas que ele tem na manga e que ele usará até as eleições. Esse tema ainda encontra muita ressonância na população. Neste momento, teve pouco, devido à forte rejeição. Mas, de qualquer modo, acredito que esse discurso não deve ser preponderante e que o mais provável é que ele seja derrotado eleitoralmente.
“O capital quer arrancar direitos conquistados em dezenas de anos de luta e, certamente, haverá resistência”
O sociólogo Michel Löwy
os a trabalhar dois anos mais antes de se aposentarem. Isso gerou uma revolta geral na sociedade, os sindicatos começaram a organizar greves e mobilizações cada vez maiores, e o governo se viu apressado para fazer passar a lei o mais rápido possível. O governo de Nicolas Sarkozy ainda tentou uma manobra com a história dos romenos e ciganos, tentando desviar a atenção da opinião pública por meio de uma campanha racista contra os ciganos, que acabou não pegando. A opinião pública reagiu negativamente e até as igrejas protestaram. A Comissão Europeia protestou, e essa manobra falhou. Mas isto mostra bem a perversidade do personagem.
“A Grécia conheceu uma sucessão de greves gerais e manifestações que impressionaram muito, mas não conseguiram barrar essas medidas” Como se deu a entrada da juventude nesses protestos? A entrada dela reforçou muito os protestos. Num primeiro momento, o governo tentou passar a mensagem de que o assunto só interessava aos aposentados, aos velhinhos, mas os jovens perceberam que eles também seriam afetados, de forma imediata, já que, se os mais velhos
vão ficar mais tempo trabalhando, eles ficarão mais tempo na fila para obter trabalho. Então, a juventude, o movimento estudantil, entrou na rua. A juventude da periferia também protestou, colocando fogo em automóveis de novo. Houve uma onde de protestos, talvez uma das maiores desde o Maio de 1968 na França. Não acho que vamos conseguir ganhar, acho pouco provável, porque o governo e toda a imagem que ele constrói é de uma espécie de Bonaparte capaz de impor a sua doutrina. O capital europeu está muito preocupado com um possível recuo, o que poderia gerar uma onda de protestos mais fortes em outros países. Então, é estratégico para o capitalismo europeu manter a reforma da previdência na França. Como o governo tem a maioria do Senado e da Câmara, dificilmente vamos conseguir ganhar. Mas acho que conseguir gerar o movimento que se gerou já é uma vitória. O governo de Sarkozy vai pagar um preço político muito alto. Isso porque 71% da população era contra essa reforma. A popularidade do Sarkozy está em menos de 30%, é a mais baixa da história da Quinta República. Há possibilidades desse movimento se radicalizar agora? A reforma já foi aprovada, e o resultado foi uma ducha fria. Os últimos protestos já foram reduzidos. As mobilizações devem continuar por algum tempo, mas não vai conseguir ter a mesma força. Haverá uma discussão no ConseRevolta Global/CC
A Europa sempre foi considerada o lugar onde os direitos trabalhistas eram mais respeitados, devido a uma herança da social-democracia. Com a perda desses direitos, quais são as perspectivas para o trabalhador europeu nos próximos anos? Isso pode gerar uma maior organização da classe? É difícil prever, mas, certamente, haverá uma acirramento da luta de classes. O capital quer arrancar direitos conquistados em dezenas de anos de luta e, certamente, haverá resistência. Acredito que isso seja o mais provável. O problema é que, para ganhar essa batalha, precisaríamos de um movimento unificado em toda a Europa, o que até hoje não se conseguiu. Há algumas iniciativas, mas não são suficientes. O que deveria ter ocorrido, por exemplo, nesses últimos meses, é uma greve geral coordenada, unificada, em toda Europa. Mas, com a atual direção sindical europeia, eu duvido que isso aconteça. Por que a resistência na França é maior? Por que há maior nível de organização? A França não é onde o movimento é mais bem organizado, pelo contrário. A taxa de sindicalização, na França, é muito baixa se comparado com a Alemanha ou Inglaterra. O que há na França é uma maior combatividade, principalmente na base dos sindicatos e na juventude. A vantagem nossa, na França, é conseguir eleger um governo um pouquinho mais favorável, o que na Grécia não é possível. A direção sindical francesa, entretanto, não quis comprar uma briga séria. Ia ser uma greve geral em dias alternados, ao invés de uma greve contínua, que talvez pudesse gerar um recuo, como em 1995, quando houve três semanas de greves ininterruptas e o governo acabou recuando. A direção sindical não quis correr esses risco e freou um pouco o movimento. O principal partido da esquerda, de oposição, teve também uma posição muito mole; no começo, chegou a fazer média com o governo. Mas não travou essa batalha. O que é necessário são forças de esquerda fortes e anticapitalistas que tenham o interesse de ir além nessas lutas. Essas forças existem. Basicamente, há três forças de esquerda: uma social liberal, com nuances mais direitistas, uma esquerda antineoliberal, e há uma esquerda declaradamente anticapitalista, como o Bloco de Esquerda, em Portugal; o Partido Anticapitalista, na França; e o Partido Socialista dos Trabalhadores, na Inglaterra, que configuram a Corrente Europeia da Esquerda Anticapitalista.
Quem é
Manifestação em Paris: derrota na França seria inaceitável do ponto de vista do capital
Michel Löwy é sociólogo brasileiro radicado na França, onde é pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês). É autor de mais de dez livros, entre eles, O pensamento de Che Guevara; Marxismo, modernidade e utopia; e Walter Benjamin: aviso de incêndio. É, ainda, organizador da coleção O marxismo na América Latina: uma antologia de 1909 aos dias atuais.
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internacional
A caçada aérea aos imigrantes MILITARIZAÇÃO Agência europeia de combate à imigração irregular se converteu no interlocutor entre a União Europeia e a indústria armamentista emergente no continente Defense Image Database
Apostolis Fotiadis de Atenas (Grécia) A NOTÍCIA APARECEU discretamente no site da Frontex (Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados-Membros da União Europeia), a agência europeia de combate à imigração irregular. A página explica o interesse despertado nos testes sobre o uso de pequenos UAV (os chamados drones, veículos aéreos sem piloto) e sistemas de fixação e monitoramento das costas. “No mundo da vigilância costeira, você pode usar um espectro muito amplo de possibilidades técnicas para fornecer uma vigilância eficaz, incluindo câmeras infravermelho e, de dia, radares de terra, sensores fixos de terra, sistemas móveis, jatos sem piloto e satélites”, pode-se ler na notícia. “De todo modo, é evidente que os UAV também poderiam desempenhar um papel importante nas missões futuras de vigilância, uma vez que eles superam muitos desafios técnicos, entre outras coisas”, continua o texto. A Frontex se negou a fazer declarações à Directa em relação à utilização dos drones. Mas o desenvolvimento de um sistema integrado de vigilância europeu (Eurosur), dentro do qual a agência tem uma grande influência, já começou a chamar a atenção dos fabricantes de equipamentos de segurança como os drones, entre outros. Mercado em crescimento
A Frontex também tem um papel-chave dentro do Fórum Europeu de Investigação em Segurança e Inovação (Esrif, na sigla em inglês), que funciona desde 2007 e que, em 2009, uniu especialistas e grupos de pesquisa de toda a Europa, o setor privado de negócio e as instituições europeias. A agência foi fundada em 2004 e se tornou operativa no ano seguinte, colocando-se à frente da luta da União Europeia (UE) contra a imigração não desejada. Ela coordena patrulhas marítimas, voos de reconhecimento e operações por terra e mar e se serve do apoio de especialistas para identificar os países de origem dos imigrantes sem-papéis presos. Frank Slijper, da campanha antimilita-
Primeiro voo do UAV no Reino Unido, realizado no País de Gales em abril deste ano
rista Tegen Wapenhandel, explica que o Esrif é mais que uma reunião para se intercambiar opiniões e pontos de vista. “Ele vem do espaço europeu onde os fornecedores e compradores têm se reunido em uma estrutura formal”, diz. “É uma situação de ganhar ou ganhar para todos os participantes do Fórum. Iniciativas como essa são os passos que permitem à UE uma integração militar posterior”, acrescenta o ativista antimilitarista, que conclui: “Note o número de empresas de armamento que participam no Fórum; algumas delas, depois do 11 de Setembro, criaram divisões especiais de segurança, pois este é um mercado em crescimento”.
e agências estatais) e 60 do lado dos fornecedores (indústrias). Durante os últimos dois anos, a agência vem sendo uma participante regular dos fóruns e tem promovido a militarização dos controles das fronteiras europeias, atenden-
Militarização das fronteiras
do a lobbies favoráveis a corporações como a Aerospace and Defence Association (ASD) – que promove a indústria aeronáutica como uma prioridade estratégica da Europa – e a Security Defence Agenda (SDA), baseada em um think tank – gru-
A Frontex encabeça o terceiro grupo de trabalho do Fórum. Ben Hages, investigador do Instituto Transnacional, diz que tal grupo é integrado por 80 membros, 20 do lado da demanda (governos
O desenvolvimento de um sistema integrado de vigilância europeu (...) já começou a chamar a atenção dos fabricantes de equipamentos de segurança como os drones
po de pensamento – que organiza uma plataforma de encontros de instituições da UE e da ONU com representantes governamentais e executivos da indústria armamentista, meios de comunicação especializados, outros think tanks, universidades e ONGs. Um novo posicionamento da UE permitirá que a Frontex possa adquirir equipamento militar diretamente (até agora, a agência era uma união de corpos de segurança estatais), fato que a converterá em cliente das empresas do Fórum e, ela própria, um corpo militar. Nesse sentido, o novo regulamento 2010/0039 da UE (ao qual a Directa pôde ter acesso) confirma a militarização das fronteiras e dos controles de imigração. Além disso, capacita a Frontex a recolher e processar dados de pessoas suspeitas de realizar atividades ilegais nas fronteiras e a adquirir equipamento militar. (Directa) Tradução: Igor Ojeda
G20
EUA exercem sua hegemonia antes da reunião do G20 ANÁLISE Com a gigantesca emissão de dólares levada a cabo recentemente, os estadunidenses colocaram em tensão o conjunto do sistema mundial, que, agora, deve decidir como atuar diante dos dólares que inundarão os mercados de capitais Julio Gambina ENQUANTO A ARGENTINA continua impactada pela morte do ex-presidente Néstor Kirchner, gerando discussões sobre o presente e o futuro da economia, a realidade da crise mundial se impõe e condiciona qualquer especificidade nacional. Por que estou dizendo isso? Porque a uma semana da reunião entre os presidentes do G20 [iniciada no dia 11], em Seul, na Coreia do Sul, os Estados Unidos decidiram, unilateralmente, fazer uma gigantesca emissão de notas no valor de 600 bilhões de dólares. Com essa medida, colocaram em tensão o conjunto do sistema mundial, que, agora, deve decidir como atuar diante dos dólares que inundarão os mercados de capitais, reavivando, talvez, uma onda especulativa, ou pelo menos, como já se vê, estimulando a alta dos preços das commodities, caso do ouro e da soja, dois produtos de exportação da Argentina. Os EUA agem de acordo com sua vontade e sabem que, se forem abertas as possibilidades para se discutirem essas medidas coletivamente, situações que superem a capacidade de ação do governo do debilitado Obama – derrotado nas últimas eleições – podem surgir. Diante da dúvida, preferiram a atitude unilateral, antecipando-se ao conclave de Seul, demostrando que se a crise econômica é mundial, as políticas econômicas são nacionais e, nesse sentido, os EUA exercem a hegemonia que lhe outorga seu caráter imperialista. Lições
Quais são as lições que podem ser aprendidas sobre essa situação? Não
é a primeira vez que isso ocorre, pois os EUA já deram mostras de sobra de ações unilaterais, como quando decidiu acabar com a paridade cambial estabelecida nos acordos de Bretton Woods de 1944. Remito à declaração da inconvertibilidade do dólar em 1971, que desatou a crise e a desordem do sistema mundial e que gerou ajustes e liberalização da economia. A instalação da especulação generalizada teve origem na atitude unilateral estadunidense, motivando iniciativas como a Taxa Tobin para tentar frear o inusitado movimento de divisas com fins especulativos que gerou a ruptura do acordo monetário. Agora, voltase a falar de guerra monetária, com razão, já que a primeira batalha começou com a emissão estadunidense. Não em vão, volta-se a falar de mecanismos de controles de capitais ao estilo das sugeridas por Tobin no começo da década de 1970.
Os EUA já deram mostras de sobra de ações unilaterais, como quando decidiu acabar com a paridade cambial estabelecida nos acordos de Bretton Woods de 1944 Mas os EUA também atuaram deliberadamente, em fins dos anos 1970, com a iniciativa Volcker, o mesmo personagem que é, agora, um elemento chave na política econômica de Obama. Naqueles anos, ela foi funcional ao neoliberalismo que Ronald Reagan implementou nos EUA. A medida significou uma impressionante alta das taxas de juros, que desembocou na crise da dívida externa de nossos países, com o “calote” do México
e uma complexa situação de endividamento e negociações condicionadas por meio de pressões do Fundo Monetário Internacional (FMI) e organismos internacionais. São situações que explicarão as décadas perdidas dos anos 1980 e 1990 para América Latina e Caribe. São várias as lições que se podem aprender com o exercício da hegemonia estadunidense e a unilateralidade no estabelecimento de políticas econômicas, ainda que na conjuntura isso possa favorecer a macroeconomia local. É que a alta do preço do ouro e da soja, desde já estimula os negócios em nosso país, sem que isso represente uma melhoria na qualidade de vida do conjunto da população. Se melhora a performance dos investidores na megamineradora a céu aberto, ou a dos que administram o ciclo produtivo da soja – e, claro, ao manter o modelo produtivo –, algo se derrama sobre as contas fiscais, outorgando sensação de normalização e crescimento da economia, favorecendo a sensação de bemestar e de que a crise está longe. Emancipação
Questionar é o que os países do sul do mundo podem fazer na reunião do G20, mais do que legitimar a hegemonia dos EUA ao restabelecer o regime do capital com o olhar estadunidense. É fato que se pode protestar e é provável que existam discursos críticos à unilateralidade estadunidense, mas a emissão de dólares de Washington já incide na evolução da economia mundial, realimentando os negócios especulativos que antecipam novas rodadas da crise. Talvez seja o momento de, além dos discursos críticos, colocar em prática, também unilateralmente, como região latino-americana e caribenha, uma de-
morada nova arquitetura financeira, onde o Banco do Sul e o Banco da Alba tenham um papel, assim como a experiência de intercâmbios que iniciaram Brasil e Argentina ou os que estão sendo ensaiados desde o começo desse anos pelos países da Alba com o Sistema Único de Compensação Regional (Sucre), tentativa de avançar no sentido de estabelecer uma moeda regional.
Questionar é o que os países do sul do mundo podem fazer na reunião do G20, mais do que legitimar a hegemonia dos EUA ao restabelecer o regime do capital com o olhar estadunidense Se a crise é mundial e a política econômica é nacional, então nossa região poderia agir como uma economia de escala e propor-se objetivos desconectados do epicentro da crise. Seria una forma emancipada de pensar, em um mundo que hoje lembra a revolução socialista de outubro na Rússia, como a primeira tentativa de construir uma sociedade para a satisfação das necessidades sociais estendidas. (Alai) Julio Gambina é presidente da entidade argentina Fundação de Pesquisas Sociais e Políticas (FISYP, na sigla em espanhol). Tradução: Dafne Melo
internacional
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O capitalismo fabrica e financia a “dissidência” NA EXPOSIÇÃO apresentada no III Encontro Civilização ou Barbárie, em Serpa, Portugal, Michel Chossudovsky reflete sobre aquilo que define como “a fabricação do consenso” e “a fabricação da dissidência”. Os dirigentes do sistema imperial compreenderam, após Seattle, que precisavam reformular a estratégia de resposta à vaga de protestos populares contra instituições como a OMC, a OCDE, o Banco Mundial e o FMI, instrumentos do imperialismo. A “fabricação do consenso” – expressão divulgada por Chomsky – promovida pelas transnacionais que controlam a comunicação social, tem por objetivo desinformar e manipular as massas, levando-as a formar a opinião através do discurso da mentira. A “fabricação da dissidência”, concebida pelas elites econômicas, é mais complexa. Para dificultar modalidades de protesto radicais, visa a promover e controlar formas de oposição que não ameacem o funcionamento do sistema. É exercido através da presença em movimentos progressistas de intelectuais e sindi-
calistas que condenam o neoliberalismo, mas não o capitalismo. Uma oposição que acredita numa reforma do capitalismo que “o humanize” não é apenas tolerável, mas útil. Alguns desses intelectuais não têm consciência plena do papel que desempenham. Outros esforçam-se para impedir tomadas de posição anti-imperialistas e consensos orientados para ações internacionalistas. Nesse contexto, a evolução do Fórum Social Mundial é esclarecedora. Presentemente, muitos dos seus dirigentes tipificam o “reformador do capitalismo” inofensivo para o sistema. É o caso dos franceses Ignacio Ramonet e Bernard Cassen. Vale a pena recordar que, num dos fóruns, em Porto Alegre, Mario Soares – o coveiro da Revolução Portuguesa – foi o diretor do diário do evento. Uma chuva de parlamentares europeus e latinos contribuiu para estabelecer a confusão no FSM. Uma percentagem elevada das ONGs que participam activamente da contestação ao neoliberalismo está recheada de “informantes” a serviço de instituições capitalistas, incluindo a CIA.
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Miguel Urbano Rodrigues
Tudo fazem para fragmentar o movimento popular. Chossudovsky aborda uma realidade pouco conhecida: fundações privadas, com prestígio na chamada “sociedade civil”, atuam hoje nos bastidores como grupos de pressão, através de ativistas influentes, com renome internacional. São muitas, mas citarei apenas três gigantes: a Ford, a Rockefeller e a Stewart Mott. Todas financiam generosamente movimentos de contestação. Os dirigentes de ONGS selecionadas não desconhecem a origem do dinheiro recebido, mas alegam que essas fundações são órgãos filantrópicos sem vínculos com o poder. As viagens aéreas e os hotéis de intelectuais progressistas respeitados são pagos por essas fundações. Em outras palavras, o ativismo antiglobalização capitalista é, com frequência, segundo Chossudovsky, controlado por fundações a serviço da estratégia imperialista. Para demonstrar abertura democrática, líderes de organizações como a Green Peace, a Anistia Internacional e a Oxam são convidados a partici-
O ativismo antiglobalização capitalista é, com frequência, segundo Chossudovsky, controlado por fundações a serviço da estratégia imperialista
par do Fórum Econômico Mundial de Davos, a tribuna do grande capital. Até o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, ali compareceu e foi abraçado por Soros. A resposta das forças progressistas à manipulação das consciências através da “fabricação do consenso” e da “fabricação da dissidência” está longe de ser satisfatória. A escassa presença de que dispõem na rede é mal aproveitada. Revistas web de informação alternativa abrem as suas colunas a aventureiros da política, mascarados de revolucionários. Um charlatão como Heinz Dieterich, que chegou a sugerir a capitulação das Farc, foi, durante anos, recebido em Havana como amigo para, ultimamente. tomar distância e destilar veneno contra a Revolução Cubana. Não faltam também intelectuais de “esquerda” que se contemplam como umbigo do mundo; alguns chegam ao extremo de promover homenagens a si próprios. A ampla divulgação pela mídia progressista do trabalho de Chossudovsky seria, creio, uma contribuição à luta contra o imperialismo.
Mídia rica, democracia pobre Reprodução
ANÁLISE As eleições legislativas foram as mais caras da história dos EUA: custaram quase 4 bilhões de dólares, dos quais 3 bilhões foram gastos em publicidade nos meios de comunicação. Amy Goodman COM O TÉRMINO das eleições de metade de mandato nos Estados Unidos, o maior vencedor ainda não foi declarado, porque a vitória foi dos grandes meios de comunicação. O maior perdedor, por enquanto, tem sido a democracia. As eleições legislativas de metade de mandato foram as mais caras da história dos Estados Unidos: custaram quase 4 bilhões de dólares, dos quais 3 bilhões foram gastos em publicidade. Pergunto o que aconteceria se o tempo publicitário para as campanhas fosse gratuito. Não se ouvem debates a esse respeito, e não se ouvem porque as corporações (conglomerados empresariais, em geral, transnacionais) que manejam (manipulam e controlam) os meios de comunicação de massa obtêm imensos ganhos com os anúncios publicitários das campanhas políticas. No entanto, as ondas hertzianas (que trafegam pelo espectro radioelétrico) utilizadas pelas empresas de mídia para emitir seus sinais são públicas. Isso me recorda o livro escrito em 1999 pelo especialista em meios de comunicação Robert McChesney: Rich media, poor democracy (Meios ricos, democracia pobre). Em seu livro, McChesney escreve: “Os radiodifusores têm pouco incentivo para brindar cobertura aos candidatos, já que resulta de seu interesse forçálos a publicitar suas campanhas”.
Nos dias de hoje, veicular anúncios políticos é como alugar um imóvel. Bem-vindos ao “mundo feliz” das campanhas feitas com bilhões de dólares Somas ilimitadas
O grupo de investigação Wesleyan Media Project, da Universidade Wesleyan, faz um acompanhamento da publicidade política. Depois da recente sentença da Suprema Corte no caso “Citizens United contra a Comissão Federal Eleitoral” pelo qual se autoriza às grandes corporações (conglomerados empresariais) a destinar somas ilimitadas de dinheiro à campanha publicitária dos candidatos, o projeto de pesquisa sobre o comportamento da mídia destaca que “o tempo de transmissão destinado a publicidade tem-se saturado de anúncios relacionados com a Câmara de Representantes (deputados federais) e o Senado, que ocupam até 20% e 79%, respectivamente, do total de tempo em que as tevês estão no ar”.
Anúncio Republicano sugere que Obama gastou mais tempo jogando golfe que cuidando do país
Evan Tracey, fundador e presidente do grupo de análise de campanhas publicitárias Campaign Media Analysis Group (Grupo de Análise das Campanhas na Mídia), predisse, em julho, em declarações ao jornal USA Today: “haverá mais dinheiro para ser investido do que espaço de transmissão para ser comprado”. Por sua vez, John Nichols, do semanário The Nation, comentou que nos amáveis primeiros tempos da publicidade política televisiva, os canais de TV nunca teriam permitido a transmissão de um anúncio a favor de um candidato, seguido de outro anúncio apoiando o candidato concorrente. Essa constatação não levava em conta o patrimônio acumulado dos grandes meios. Mas, nos dias de hoje, veicular anúncios políticos é como alugar um imóvel. Bemvindos ao “mundo feliz” das campanhas feitas com bilhões de dólares. Retrocesso
No passado, já houve intentos de regular o uso das ondas hertzianas trafegando pelo espectro radioelétrico para que estejam a serviço da população durante as eleições. Nos últimos anos, a tentativa mais ambiciosa ficou conhecida como “Reforma do financiamento das campanhas eleitorais de McCainFeingold”. Durante o debate sobre essa histórica legislação, tanto democratas como republicanos fizeram referência ao problema das exorbitantes taxas de publicidade televisiva. O senador pelo estado de Nevada John Ensign, republicano, lamentava: “As emissoras não queriam nem pensar nas campanhas eleitorais porque era a época do ano em que ganhavam menos dinheiro devido ao baixo valor atribuído às cotas publicitárias durante esse período. Agora, as eleições são seus momentos preferidos já que, de fato, é uma das épocas do ano com mais ampla margem de lucros”. No fim, para que esse projeto de lei fosse aprova-
do, omitiram-se as cláusulas referentes ao “tempo de veiculação de propaganda pública”. A sentença dada no caso do grupo de pressão conservador Citizens United neutraliza eficazmente a reforma do financiamento das campanhas proposta por McCain-Feingold. Não há como imaginar ou mensurar o que será gasto nas eleições presidenciais de 2012. O senador por Wisconsin, Russ Feingold (coautor do projeto), perdeu a oportunidade de ser reeleito em sua disputa contra o praticamente autofinanciado multimilionário Rum Johnson. O editorial do jornal Wall Street Journal celebrou a esperada derrota de Feingold. O jornal é propriedade da corporação transnacional News Corp, de Rupert Murdoch, que possui diversos veículos – incluindo a cadeia de televisão Fox – e que doou quase 2 milhões de dólares para a campanha dos republicanos.
Não há como imaginar ou mensurar o que será gasto nas eleições presidenciais de 2012 Commodity
“As eleições se transformaram em uma commodity, um produto fundamental para a alta lucratividade dessas rádios e canais de televisão”, me disse no dia das eleições Ralph Nader, defensor dos consumidores e ex-candidato a presidente. Ele também falou: “As ondas de rádio e TV são públicas e, como sabemos, pertencem ao povo. O povo é o proprietário, e as redes de rádio e televisão são as titulares das licenças para usar essas on-
das; digamos que são como inquilinos. No entanto, para obter sua habilitação anual, não pagam nada para o FCC [Federal Communications Commission, a Comissão Federal de Comunicações, órgão regulador dos canais nos EUA]. Assim, seria de grande eficácia persuasiva se tivéssemos políticas públicas que impusessem módicas condições de preço (que os radiodifusores paguem pela permanência de suas outorgas!) para obter a licença que permite a estas redes de rádio e televisão aceder ao imensamente lucrativo controle das ondas públicas de radiofrequência 24 horas por dia. Poderíamos lhes dizer que, como parte do intercâmbio (do contrato social) por controlar estes bens comuns, deveriam destinar certa quantidade de tempo, tempo gratuito no rádio e na televisão, para os candidatos a cargos públicos através de eleições”. Esse tema deveria ser posto em debate nos grandes meios de comunicação, dado que é neles que a maioria dos estadunidenses obtém informação. Mas as emissoras de rádio e televisão têm um profundo conflito de interesses. Em sua ordem de prioridades, seus lucros estão acima de nosso processo democrático. Seguramente não ouviremos falar desse tema nos programas de entrevistas políticas dos domingos pela manhã (Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna). (Democracy Now!) Amy Goodman é a âncora do noticiário internacional Democracy Now! e coautora do livro Os que lutam contra o sistema: heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos. * Texto traduzido da versão em castelhano e revisado do original em inglês por Bruno Lima Rocha; originalmente publicado em português em Estratégia & Análise.
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américa latina
Falsas cidades, interesses escusos MÉXICO Governo cria Cidades Rurais para controlar os povos indígenas de Chiapas e explorar suas terras Alfredo Guerrero/Gobierno Federal
Orsetta Bellani de San Cristóbal de Las Casas (México) NOS ÚLTIMOS MESES, há um grande movimento em Santiago El Pinar. Escavadoras que arranham o solo, caminhões que vão e vêm e longas fileiras de operários que empilham tijolos nas margens de uma rua em obras, com a boca coberta por lenços para se proteger da poeira que levantam dos carros e dos veículos do exército, que entram e saem continuamente no acampamento militar deste povoado. Parece estranho tanto movimento ao redor de uma pequena comunidade indígena dos Altos de Chiapas, a uma hora de San Cristóbal de Las Casas. Um grupo de casas estreitas ao redor da igreja e uma esplêndida vista sobre as verdes montanhas chiapanecas, a uns três mil metros sobre o nível do mar. Ali, constrói-se uma das chamadas Cidades Rurais Sustentáveis. Já existe uma Cidade Rural em Chiapas. Está no norte do estado e se chama Novo Juan de Grijalva. A “velha” Juan de Grijalva se viu afetada, em 2007, por fortes chuvas que obrigaram os habitantes da Zona a serem “transferidos” para estes novos núcleos urbanos. Mas Juan Sabines, governador do estado de Chiapas, anunciou a criação desses novos núcleos muito antes que as águas arrastassem as casas de muitos indígenas chiapanecos. As Cidades Rurais formam parte de um plano que o governo anunciou para acabar com a pobreza e que o presidente do México, Felipe Calderón, apoia porque, disse ele, essas cidades permitirão aos habitantes desta região viver melhor. “No México, há uma enorme dispersão da população. Se o governo tem que levar um cabo de luz ou um cano de água, é mais fácil levá-los para mil pessoas do que para dez famílias”, argumentou Calderón em uma visita à região. BID e Banco Mundial
No entanto, esta não é uma iniciativa do governo de Chiapas. A primeira Cidade Rural do estado mexicano obede-
A construção das Cidades Rurais Sustentáveis se converteram em um negócio: muitas empresas mexicanas e estrangeiras participam do projeto com fins lucrativos, por meio de suas fundações. Contrainsurgência
O presidente mexicano Felipe Calderón visita a Cidade Rural Novo Juan de Grijalva em Chiapas
ce a um plano político e econômico desenhado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e, em especial, pelo Banco Mundial: um plano que se inclui em um projeto coletado em um informe publicado há dois anos, denominado “Nova Geografia Econômica”.
As Cidades Rurais representam um passo a mais para levar adiante o projeto de exploração pensado pelas transnacionais, muitas delas já instaladas em Chiapas Em 2008, os presidentes do México, Colômbia e outros países da América Central firmaram o acordo comercial Plano Mesoamérica, uma nova versão do Plano Puebla-Panamá cujo fim é
criar corredores comerciais e infraestruturas que conectem o sul do México com a Colômbia. Dessa forma, as transnacionais terão via livre para chegar aos recursos naturais da região e transferi-los para os Estados Unidos. As Cidades Rurais representam um passo a mais para levar adiante o projeto de exploração pensado pelas transnacionais, muitas delas já instaladas em Chiapas. As comunidades que se encontram nessa região representam um obstáculo para as grandes empresas mineradoras. Agora, as terras abandonadas das comunidades que viverão em novos centros estarão, por fim, disponíveis para as multinacionais mineradoras. Chiapas é rica em recursos naturais e sua natureza virgem proporciona, também, grandes potenciais turísticos. Para preparar o terreno, durante os últimos anos estão sendo abertas muitas estradas de acesso às comunidades indígenas que vivem na selva.
Mas o programa Cidades Rurais vai além: ele faz parte do Plano de Desenvolvimento Chiapas Solidária, que, por trás da fachada assistencialista, esconde a estratégia contrainsurgente do governo contra o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN). A guerra de baixa intensidade em Chiapas não se combate só treinando paramilitares, mas também através de programas de ajuda às famílias. Assim, provoca-se a divisão das comunidades, criando tensões entre quem aceita as ajudas do governo e quem, como os zapatistas, não a aceitam. O Programa Cidades Rurais Sustentáveis permite controlar as comunidades, a espoliação de suas terras e, sobretudo, mudar seus costumes. Destrói-se o modo de vida camponesa-indígena e desintegra-se a vida comunitária. As inundações de 2007 foram o pretexto que permitiu ao governo chiapaneco transferir a população para dentro da primeira Cidade Rural de Nuevo Juan Grijalva. Não foi fácil convencer as centenas de pessoas a deixar suas casas para serem recolocadas em um lugar asséptico e impessoal, onde a única possibilidade será a de se converter em mão de obra barata para as minas, centros turísticos, maquiladoras (fábricas de roupa onde os trabalhadores são superexplorados) ou grandes cultivos que surgirão nas terras por eles abandonadas. Não está claro qual será agora o argumento que o governo de Sabines inventará para convencer os habitantes das quatro comunidades próximas a Santiago El Pinar para que deixem suas casas. Nem sequer se sabe o motivo pelo qual se escolheu justamente essa região para a construção da segunda Cidade Rural de Chiapas. (Diagonal) Tradução: Cristiano Navarro