Edição 407 - de 16 a 22 de dezembro de 2010

Page 1

Reprodução

Economia

Aceno ao mercado Mantega, Belchior e Tombini prometem medidas de aperto fiscal na economia; especialistas questionam ortodoxia Pág. 8

Uma visão popular do Brasil e do mundo

Circulação Nacional Ano 8 • Número 407

R$ 2,80

São Paulo, de 16 a 22 de dezembro de 2010

www.brasildefato.com.br

Preocupados com o verde Conferência do Clima

Os acordos celebrados durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, realizada em Cancún, no México, deixam evidente que o objetivo da maioria de seus participantes não é combater o aquecimento global, mas sim propiciar às grandes empresas os lucros que virão com as soluções de mercado para o problema. Por sua vez, movimentos sociais de todo o mundo que realizaram uma conferência paralela à oficial preparam uma consulta à população mundial sobre o tema. Págs. 2 e 9 Polícia no Alemão

Roubos, assassinatos e medo Págs. 4 e 5

Comunicação

O mundo regula a mídia

Págs. 10 e 11 Relatório

Barragens e violações Pág. 6

ISSN 1978-5134

Leandro Konder

João Brant

Igor Fuser

Noel Rosa: 100 anos

Podres poderes

Boicote, arma contra Israel

Almirante – a mais alta patente do rádio – pagou o preço de um pioneirismo: se dispunha a publicar um livro só sobre os “sambistas”. Contudo, o livro não teve a ampla difusão que pretendia alcançar. Pág. 7

Embora o Wikileaks já atuasse com vazamento de correspondências há alguns anos, a mudança na divulgação, somada ao aumento da quantidade de informações, fez os efeitos de agora serem avassaladores. Pág. 3

O presidente estadunidense Barack Obama deixou claro que abandonará qualquer esforço para bloquear as iniciativas de Israel de expandir os assentamentos judeus em territórios palestinos ocupados. Pág. 3


2

de 16 a 22 de dezembro de 2010

editorial

Cancún, a montanha pariu um rato! DURANTE QUINZE dias, representantes de governos de 140 países se reuniram nos hotéis mais luxuosos do nosso continente, no balneário de Cancún (México), para debater os problemas da crise climática do planeta. Terminada a reunião, à parte o conforto nababesco e o isolamento que a polícia mexicana impôs para que nenhuma manifestação popular chegasse a menos de 12 km, o fracasso foi evidente. Nenhuma resolução importante foi tomada pelos governos. A própria imprensa burguesa, ao longo do evento, relativizou sua importância, e não deu a cobertura que havia dado na conferência similar realizada no ano passado em Copenhague. E a imensa maioria dos governos enviou representações ministeriais, com presença insignificante de presidentes. Ainda tiveram a petulância de anunciar que, como nada de importante se decidiu, as conversações continuarão em dezembro de 2011, na próxima conferência, a realizar-se na África do Sul. Mas, afinal, por que essas conferências governamentais não conseguem ter nenhum resultado prático? Certamente, há muitas razões. Mas a principal é que existe uma contradição política posta hoje no mundo, que gerou uma dicotomia entre o poder econômico e o poder político internacional.

debate

O poder econômico é exercido em todo planeta pelas 500 maiores empresas transnacionais, que controlam 53% de toda riqueza produzida, apesar de darem emprego para apenas 8% da mão de obra empregada no mundo. Essas empresas são as responsáveis pela crise climática, ao se apoderarem da natureza, ao utilizarem fontes energéticas poluidoras e ao buscarem apenas o lucro máximo – e da forma mais irresponsável possível. Por exemplo, enquanto todos os especialistas de saúde pública advertem que a poluição do uso do transporte individual nas grandes cidades é o principal causador de doenças, mortes e péssimas condições do meio ambiente para bilhões de seres humanos que se aglomeram nessas megalópoles, a indústria automobilística mundial, controlada por não mais de 15 empresas, anuncia novas fábricas, novos créditos, novos veículos! Temos o poder político exercido por governos nacionais, neoliberais, totalmente servis a esse poder econômico, e que, raramente, representam os verdadeiros interesses de suas populações. Não querem legislar sobre o poder econômico. Por outro lado, não existe um poder político internacional que consiga ser representativo da humanidade e que possa colocar regras e freios ao crescimento insano das

Nenhuma resolução importante foi tomada pelos governos

agressões do poder econômico sobre o meio ambiente. Mesmo quando temos governos nacionais mais sensíveis, como o caso da Bolívia, dos governos da Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas) ou de pequenos países do Pacífico, esses governos são insuficientes, pois as regras para o meio ambiente devem ser para todo mundo, o planeta é um só e funciona em equilíbrio global. Assim, uma agressão ao meio ambiente, no Brasil, na Austrália ou na China, de certa forma acaba trazendo consequências para todos os seres vivos que habitam esse planeta, em toda parte. Portanto, em primeiro lugar, será necessário resolver essa contradi-

análise

Frei Betto

consulta mundial sobre a crise climática, que terá como objetivo principal conscientizar a população em todo mundo sobre a gravidade dessa crise. Esse processo de consulta mundial se baseará em cinco temas, já acordados numa conferência realizada em abril deste ano em Cochabamba, na Bolívia, e está relacionado com o modelo capitalista de superprodução; o uso abusivo de recursos humanos e econômicos para gastos militares, que também afetam o meio ambiente; a responsabilidade das empresas que agridem o meio ambiente; e a necessidade de constituir-se um tribunal internacional para julgar e punir todos os crimes ambientais praticados por empresas e governos que hoje estão impunes, pois as legislações nacionais não os controlam. Teremos ainda um longo caminho pela frente para podermos enfrentar os graves problemas de desequilíbrios ambientais. Certamente não podemos contar com muitos governos, mais preocupados com as empresas que financiaram suas campanhas e/ou com taxas de crescimento econômico. Mas é urgente estimularmos que todos os movimentos sociais e as forças populares debatam esses temas, para gerar uma consciência mundial das mudanças necessárias.

Rosane Bertotti

Vaccarezza e a infâmia

Obrigado, Lula NUNCA ANTES NA história deste país um metalúrgico havia ocupado a presidência da República. Quantos temores e terrores a cada vez que você se apresentava como candidato! Diziam que o PT, a ferro e fogo, implantaria o socialismo no Brasil. Quanta esperança refletida na euforia que contaminou a Esplanada dos Ministérios no dia de sua posse! Decorridos oito anos, eis que a aprovação de seu governo alcança o admirável índice de 84% que o consideram ótimo e bom. Apenas 3% o reprovam. O Brasil mudou para melhor. Cerca de 20 milhões de pessoas, graças ao Bolsa Família e outros programas sociais, saíram da miséria, e 30 milhões ingressaram na classe média. Ainda temos outros 30 milhões sobrevivendo sob o espectro da fome e quem sabe o Fome Zero, com seu caráter emancipatório, a tivesse erradicado se o seu governo não o trocasse pelo Bolsa Família, de caráter compensatório, e que até hoje não encontrou a porta de saída para as famílias beneficiárias. Você resgatou o papel do Estado como indutor do desenvolvimento e, através dos programas sociais e da Previdência, promoveu a distribuição de renda que aqueceu o mercado interno de consumo. O BNDES tornou as grandes empresas brasileiras competitivas no mercado internacional. Tomara que no governo Dilma seja possível destinar recursos também a empreedimentos de pequeno e médio porte e favorecer nossas pesquisas em ciência e tecnologia. Enquanto os países metropolitanos, afetados pela crise financeira, enxugam a liquidez do mercado e travam o aumento de salários, você ampliou o acesso ao crédito (R$ 1 trilhão disponíveis), aumentou o salário mínimo acima da inflação, manteve sob controle os preços da cesta básica e desonerou eletrodomésticos e carros. Hoje, 72% dos domicílios brasileiros possuem geladeira, televisor, fogão, máquina de lavar, embora 52% ainda careçam de saneamento básico. Seu governo multiplicou o emprego formal, sobretudo no Nordeste, cujo perfil social sofre substancial mudança para melhor. Hoje, numa população de 190 milhões, 105 milhões são trabalhadores, dos quais 59,6% possuem carteira assinada. É verdade que, a

ção: enquanto não tivermos um poder político que tenha força suficiente para, em nome da população, impor condicionantes ao poder econômico, essas conferências serão apenas teatro para enganar alguns incautos. Em segundo lugar, os analistas e cientistas sérios denunciam que os desequilíbrios ambientais e a crise climática que estamos vivendo têm como causa fundamental o modo de vida imposto pelo consumismo irresponsável da produção capitalista, que produz incansavelmente mercadorias para serem vendidas, não importa suas consequências. Portanto temos que refletir sobre o modo de vida que nos é imposto. Em terceiro lugar, é urgente que hajam campanhas de conscientização de toda população sobre a gravidade dessa crise climática, sobre a vida humana e a vida de todo planeta. Em geral, as pessoas sofrem, muitos pagam com a vida, mas há uma alienação geral, provocada pelo monopólio dos meios de comunicação da burguesia, que ilude as pessoas com o consumismo e com práticas agressoras ao meio ambiente. Daí que movimentos sociais de todo mundo, ambientalistas, Via Campesina, Marcha Mundial das Mulheres estejam empenhados, junto com alguns governos progressistas, a desenvolver durante 2011 uma grande

Reprodução do desenho a nanquim de Cândido Portinari

Obrigado, Lula, por jamais criminalizar movimentos sociais

muitos, falta melhor qualificação profissional. Contudo, avançou-se: 43,1% completaram o ensino médio e 11,1% o ensino superior. Na política externa o Brasil afirmou-se como soberano e independente, livrando-se da órbita usamericana, rechaçando a Alca proposta pela Casa Branca, apoiando a Unasul e empenhando-se na unidade latino-americana e caribenha. Graças à sua vontade política, nosso país mira com simpatia a ascensão de novos governantes democráticos-populares na América Latina; condena o bloqueio dos EUA a Cuba e defende a autodeterminação deste país; investe em países da África; estreita relações com o mundo árabe; e denuncia a hipocrisia de se querer impedir o acesso do Irã ao urânio enriquecido, enquanto países vizinhos a ele, como Israel, dispõem de artefatos nucleares. Seu governo, Lula, incutiu autoestima no povo brasileiro e, hoje, é admirado em todo o mundo. Poderia ter sido melhor se houvesse realizado reformas estruturais, como a agrária, a política e a tributária; determinado a abertura dos arquivos da ditadura em poder das Forças Armadas; duplicado o investimento em educação, saúde e cultura. Nunca antes na história deste país um governo respaldou sua Polícia Federal para levar à cadeia dois governadores; prender políticos e empresários corruptos; com-

bater com rigor o narcotráfico. Pena que o Plano Nacional dos Direitos Humanos 3 – quase um plágio dos 1 e 2 do governo FHC –tenha sido escanteado por preconceitos e covardia de ministros que o aprovaram previamente e não tiveram a honradez de defendê-lo quando escutaram protestos de vozes conservadoras. Espero que o governo Dilma complemente o que faltou ao seu: a federalização dos crimes contra os direitos humanos; uma agenda mais agressiva em defesa da preservação ambiental, em especial da Amazônia; a melhoria do nosso sistema de saúde, tão deficiente que obriga 40 milhões de brasileiros a dependerem de planos de empresas privadas; a reforma das redes de ensino público municipais e estaduais. Seu governo ousou criar, no ensino superior, o sistema de cotas; o ProUni e o ENEM; a ampliação do número de escolas técnicas; maior atenção às universidades federais. Mas é preciso que o governo Dilma cumpra o preceito constitucional de investir 8% do PIB em educação. Obrigado, Lula, por jamais criminalizar movimentos sociais; preservar áreas indígenas como Raposa Serra do Sol; trazer Luz para Todos. Sim, sei que você não fez mais do que a obrigação. Para isso foi eleito. Mas considerando os demais governantes de nossa história republicana, tão reféns da elite e com nojo do “cheiro de povo”, como um deles confessou, há que reconhecer os avanços e méritos de sua administração. Deus permita que, o quanto antes, você consiga desencarnar-se da presidência e voltar a ser um cidadão militante em prol do Brasil e de um mundo melhor. Frei Betto é escritor, autor de Calendário do Poder (Rocco), entre outros livros.

A REVISTA VEJA está reduzida a ser um panfleto político-ideológicomercadológico, porta-voz dos interesses mais retrógrados de uma ínfima minoria, elitista e preconceituosa, contra tudo o que seja nacional e popular. Para a Veja, direitos são privilégios; o patrimônio público existe para ser privatizado; soberania para ser alienada; a integração latino-americana é um mal a ser combatido; reformas só devem ser feitas para retroceder, nunca para avançar no caráter público do Estado e no atendimento à população, na melhoria das suas condições de vida e trabalho. Quem se alinha, de alguma forma, com tais sandices merece total afago, espaço e... páginas amarelas. É a lógica, já explicitada no samba, do “pra subir você desceu, você desceu...” Então, diante da manutenção dos direitos expressos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que os neoliberais tanto se empenharam em rasgar e mandar para a lata do lixo, em sua entrevista nas amarelas, o deputado Cândido Vaccarezza, reduz a CLT a uma “selva burocrática e jurídica, formada por 183.000 normas legais”, a ser “desbastada”. E mais, defende uma “reforma trabalhista” bem ao gosto da publicação. Segundo Vaccarezza – transformado em “Toureza” pela Veja -, o problema do país não é o juro alto, que atrai capitais especulativos e compromete o setor produtivo nacional com a enxurrada de importados, mas a “folha de pagamento”. “Hoje, a folha de pagamento é onerada por obrigações que vão da multa de rescisão de contrato de trabalho às contribuições para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). São custos tão altos que as empresas pequenas preferem manter os empregados na informalidade”.

Cândido Vaccarezza reduz a CLT a uma “selva burocrática e jurídica, formada por 183.000 normas legais”, a ser “desbastada”

Nenhuma palavra sobre as grandes empresas que usam e abusam de mão de obra escrava, que precarizam direitos com toda sorte de terceirizações, quarteirizações e por aí vai. Inconformado com a postura altiva do movimento sindical – que não vai parar nas páginas amarelas –, o parlamentar protesta: “o tema é um tabu para a CUT, a Força Sindical e as outras centrais que apoiaram Dilma”. Para Vaccarezza, “a pauta sindical tem de mudar”. E “o começo pode estar em questões que não apresentem impacto nos direitos trabalhistas”. E cita como exemplo “vários dispositivos da CLT”. Como deixou claro – sem disfarces – é que este é apenas o “começo”. O entrevistado da Veja defende a reforma da Previdência, propõe empenho do governo e orienta para fatiá-la, a fim de diminuir a resistência popular ao saco de maldades. Segundo ele, se “Fernando Henrique Cardoso tivesse enviado ao Congresso um projeto de reforma previdenciária que valesse apenas para quem ainda fosse entrar no mercado de trabalho, talvez ele tivesse sido aprovado”. Na avaliação do parlamentar, que agride bandeiras históricas dos movimentos sindical e social – e do seu próprio partido, o PT –, a manutenção da política de valorização do salário mínimo para 2011 deveria ser adiada, pois propõe zero de aumento real. A “valorização”, para Vaccarezza, “significaria um mínimo de 540 reais”. No horizonte do parlamentar, a política de valorização não diz respeito a um projeto de país que tem como central o papel do Estado, não dialoga com o fortalecimento do mercado interno, não representa a afirmação do ciclo virtuoso do crescimento, de combate às imensas desigualdades sociais e regionais. Entre outros despropósitos, um tema abordado de forma vexatória pelo deputado é o da liberdade de imprensa. Ela “é intrínseca à nossa concepção política, mesmo com todas as manifestações exageradas de contrariedade da parte de alguns de nossos companheiros”. Ou seja, não são os barões da mídia – que mentem, manipulam e desinformam – o grande obstáculo à liberdade de expressão, mas seus próprios companheiros de partido e de jornada. O “Toureza” da Veja virou Vagareza. Rosane Bertotti é secretária nacional de comunicação da CUT e da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS).

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Igor Ojeda, Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Daniel Cassol, Eduardo Sales de Lima, Leandro Uchoas, Mayrá Lima, Patricia Benvenuti, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, Vinicius Mansur • Assistente de Redação: Michelle Amaral • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Edilson Dias Moura• Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos – CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: FolhaGráfica • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Aurelio Fernandes, Delci Maria Franzen, Dora Martins, Frederico Santana Rick, José Antônio Moroni, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria, Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Sávio Bones, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800


de 16 a 22 de dezembro de 2010

3

frases soltas

instantâneo Vítor Silva/Folhapress

Temos que dizer planeta ou morte, porque ou morre o capitalismo ou morre a Mãe Terra. Senão, teremos um ecocídio ou um genocídio. Frente ao capitalismo, ao colonialismo, ao imperialismo, queremos propor o neossocialismo. Uma nova doutrina pela vida, para viver bem, não viver melhor. Para compartilhar, não para competir Evo Morales, presidente da Bolívia, em discurso de encerramento do Fórum Global pela Vida, Justiça Ambiental e Social, realizado paralelamente à COP 16 em Cancún, México, na noite do dia 9, de acordo com a Agência Brasil de Fato

Direito à moradia – Criança descansa a cabeça em sacada de prédio abandonado do INSS, no centro do Rio de Janeiro, ocupado por sem-teto

Igor Fuser

Boicote, a arma contra Israel A POUCOS DIAS DE completar a primeira metade do seu mandato de quatro anos, o presidente estadunidense Barack Obama deixou claro que abandonará qualquer esforço para bloquear as iniciativas de Israel de expandir os assentamentos judeus em territórios palestinos ocupados – prática ilegal que visa tornar a ocupação um fato consumado e inviabilizar a criação do Estado Palestino. Para desencanto de quem esperava mudanças na política dos EUA para o Oriente Médio, Obama se rendeu às pressões sionista, emitindo um sinal verde para a truculência israelense. Os sinais positivos no caminho de uma paz justa vieram da América do Sul, com a decisão dos governos do Brasil e da Argentina de reconhecer o Estado Palestino nas fronteiras de 1967. Ou seja, revertendo a ocupação de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental na Guerra dos Seis Dias. A medida deverá se completar com a abertura de embaixadas dos dois países em Ramallah (enquanto a parte árabe de Jerusalém continuar nas mãos dos sionistas) e, possivelmente, com a assinatura de um acordo comercial entre o Mercosul e a Autoridade Palestina. Evidentemente, o simples reconhecimento diplomático é insuficiente para viabilizar uma pátria palestina soberana. Mas a iniciativa brasileira e argentina re-

presenta mais um passo em direção a uma paz justa no Oriente Médio. Acentua o isolamento israelense (mais de 100 países já reconhecem a Palestina, entre eles a China, a Rússia e a Índia). E aumenta a pressão para o ingresso oficial do Estado Palestino na ONU, o que permitiria, entre outras coisas, que o organismo internacional adotasse medidas de força contra as agressões israelenses ao novo país. No caso do Brasil (e também da Argentina), é importante, para o bem da coerência, que o reconhecimento da Palestina seja sucedido por atitudes concretas que tornem efetiva a solidariedade com a luta heroica dos palestinos contra a ocupação. É preciso que o acordo comercial Israel-Mercosul (que o governo Lula nunca deveria ter assinado) seja desfeito e, mais, que o Brasil suspenda imediatamente a importação de armamentos e equipamentos de segurança de Israel. O modo mais efetivo e permanente de ajudar a causa palestina é levar adiante a campanha internacional Boicote, Desinvestimento e Sanções, que está mobilizando a opinião pública em todas as partes do mundo para cortar as importações de produtos israelenses e suspender qualquer cooperação com o Estado sionista. Além da resistência dos próprios palestinos, é claro.

João Brant

Wikileaks e os podres poderes A ENXURRADA DE informações trazidas pelo Wikileaks desde o final de novembro é um fato incontestavelmente relevante. Embora o grupo já atuasse com vazamento de correspondências sigilosas há alguns anos, a mudança de estratégia de divulgação somada ao aumento da quantidade de informações fez os efeitos de agora serem avassaladores. A maior parte do que foi relevado não surpreende nenhum militante bem informado, mas ajuda a desconstruir o argumento de “teorias da conspiração”. O império age como império; e ponto final. Mais que isso: tem aliados confiáveis em altas posições do governo brasileiro. Tudo aquilo que você sempre leu na ótima cobertura internacional deste Brasil de Fato soa mais verdadeiro do que nunca. É claro que junto com qualquer ação que afete o império vem a reação conservadora. Aí vale a interrogação proposta por Boaventura de Sousa Santos em texto recente: “irá o mundo mudar depois destas revelações?”. Ele mesmo responde: “a questão é saber qual das globalizações em confronto – a globalização hegemônica do capitalismo ou a globalização contra-hege-

mônica dos movimentos sociais em luta por um outro mundo possível – irá beneficiar mais com as fugas de informação”. Os EUA tentam empurrar para o mundo todo uma agenda de combate aos crimes na internet, que na verdade serve duplamente a seus próprios interesses: no âmbito político, permite a vigilância e a defesa dos interesses de seu governo; no econômico, protege os interesses das grandes empresas, especialmente aquelas que ganham rios de dinheiro como intermediárias de direitos autorais. No Brasil, o embate entre aqueles que dizem combater os crimes na internet e aqueles que defendem a liberdade e a privacidade na rede tem seu ápice no debate do Projeto de lei 84/99, conhecido como “AI-5 Digital”, que alguns deputados ainda tentam aprovar no lusco-fusco de seus mandatos. É preciso ficar atento e se organizar para que as forças reacionárias não utilizem esse momento para fazer avançar sua agenda conservadora. O Wikileaks abre uma janela, mas depende de nós garantir que por ela não entrem larápios e fantasmas que andam muito vivos.

comentários do leitor Violência no Rio

Com certeza, novas fronteiras devem ser assumidas pela comunidade brasileira. Do jeito que está, com assassinatos a sangue frio de ambos os lados, esfarrapadas legais ainda persistirão nas periferias brasileiras, onde vender drogas é um crime previsto com pena capital, ao contrário dos territórios mais ricos e abastados, sedentos de ganância e poder. Fábio Batista, por correio eletrônico

Ação contra coronel Ustra

Só um homem com um cérebro doente é capaz de torturar, voltar para casa e olhar a mulher e os filhos, escutar ainda os gritos de dor de sua vítima e ver o sangue correr (“Um torturador na mira da Justiça”, edição 406). Tudo aconteceu por culpa de canalhas existentes nos poderes da República, cruéis e indiferentes como os torturadores. Ho-

je, que a esquerda desapareceu, pouco resta de esperança de justiça. O dinheiro comprou fracos e oportunistas. É só olhar ao redor. Sinto uma revolta surda em relação à hipocrisia existente e às mentiras ao redor. Norma Miglietti, por correio eletrônico

Ação contra coronel Ustra - II

O reconhecimento dos assassinatos e das torturas durante a ditadura militar é o mínimo que se pode esperar. Os responsáveis pelas violações deveriam responder pelos seus crimes, como qualquer cidadão. Não pode haver anistia para essa barbaridade. Jamais!

Cristiane Arnold, por correio eletrônico

Entrevista com Tom Morello

Parabenizo o Brasil de Fato pela entrevista com Tom Morello, um dos músicos mais engajados em questões políticas na atualidade (“Temos orgulho de

prestar solidariedade ao MST”, edição 402). Por várias vezes, já escutei pessoas comentando sobre a relação entre grandes empresas fonográficas e ações políticas como do Rage Against The Machine (RATM), e que, na verdade, seria um erro dos movimentos políticos se aliarem ao grande capital para lutar contra ele. O argumento utilizado por Tom ao declarar que fazer parte da Sony é um importante instrumento para ter maior alcance na mobilização através de músicas que ataquem o sistema. Sou um grande admirador dos projetos, das músicas, do engajamento e do que o RATM representa para a geração conturbada, pós-moderna, fragmentada e individualista dos nossos tempos.

Se pensarmos racionalmente, quando um sujeito é preso ele deveria perder o direito de ir e vir, o direito à liberdade, segundo a Constituição. No entanto, junto com isso, ele vai perdendo outros direitos que não estão previstos na pena, mas começam a ser retirados, como o direito à saúde, direito à família Adriana Eiko, integrante do Tribunal Popular, na Radioagência NP

Vamos consolidar esses dez anos de iniciativa que colocaram o Brasil, internacionalmente, como o país que mais fez pela conservação da biodiversidade. O Brasil é um país campeão de conservação da biodiversidade Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente, no dia 14, durante evento em comemoração aos dez anos do Sistema Nacional de Unidade de Conservação da Natureza, segundo a Agência Brasil

É uma escolha da presidente. Evidente que a partir de agora ele vai tomar as cautelas verbais que o cargo dele exigirá em face, especialmente, da presidência e da vice-presidência Michel Temer, vice-presidente eleito, ao se referir à entrada no governo Dilma de Ciro Gomes (PSB-CE), de acordo com a Folha.com

Vamos enviar o projeto amanhã [dia 14] à Assembleia Nacional. São leis extraordinárias para enfrentar a emergência [causada pelas chuvas na Venezuela] e as causas das emergências, que não são outras do que o sistema econômico capitalista Hugo Chávez, presidente da Venezuela, referindose ao projeto que pede aos congressistas poderes extraordinários ao mandatário para que ele legisle por decreto em temas relacionados às chuvas no país Prensa Miraflores

Jurandir Amaro Junior, por correio eletrônico

Cartas devem ser enviadas para o endereço da redação ou através do correio eletrônico comentariosdoleitor@brasildefato.com.br

Chávez sobrevoa área afetada pela chuva




6

de 16 a 22 de dezembro de 2010

brasil MAB

fatos em foco

Hamilton Octavio de Souza

Condenação A Corte Interamericana da OEA divulgou o resultado do julgamento no qual o Estado brasileiro é responsabilizado pela morte de 70 militantes do PCdoB e camponeses durante a Guerrilha do Araguaia. Ao contrário do Supremo Tribunal Federal, que estendeu a lei da anistia aos torturadores e assassinos, a OEA deixou claro que a anistia não vale para quem não foi condenado. O Brasil precisa se explicar! Sem Natura A indústria de cosméticos Natura promove sua imagem como sendo a de uma empresa política e ambientalmente correta, mas, na prática, não é bem assim: segundo denúncias dos trabalhadores, ela demitiu, na última semana de novembro, em Cajamar (SP), 30 empregados com problemas de LER (Lesão por Esforço Repetitivo) e outras doenças ocupacionais. Primeiro, provoca a doença, depois, manda para a rua! Cadê o Ministério do Trabalho?

Protesto em Tucuruí: história das comunidades atingidas está registrada no relatório da Cddph

Barragens e violação dos direitos humanos ENERGIA Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana reconhece a existência de um padrão de violações de direitos humanos nas barragens Silvia Alvarez de Campo Grande (MS) AVATAR NÃO FOI a primeira produção dos Estados Unidos a tratar dos impactos da ganância do lucro em comunidades. Floresta das esmeraldas, filme de John Boorman, de 1985, conta a história de um engenheiro estadunidense que veio construir um megaempreendimento na Amazônia, mas é confrontado pela tribo “povo invisível”, tendo inclusive seu filho sido sequestrado pelos índios e se tornado, posteriormente, um deles. A obra em questão é a Usina Hidrelétrica (UHE) de Tucuruí, construída entre 1976 e 1984 em plena ditadura civil-militar, no rio Tocantins, no Pará. A história não ficcional das comunidades atingidas por Tucuruí – até então povos invisíveis aos olhos do Estado – está agora registrada no relatório final da Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Cddph), órgão ligado ao Ministério da Justiça. O documento foi aprovado no dia 22 de novembro, em Campo Grande (MS), na 202ª reunião extraordinária do Conselho. Além da hidrelétrica do Pará, outros seis projetos foram visitados e analisados pela Comissão – casos escolhidos seguindo os critérios de diversidade regional, tipos de projeto (de geração de energia e de retenção de água), tamanho e fase (em processo de licitação, implantação e já concluído). São eles: UHE Canabrava (GO), UHE Aimorés (MG), UHE Foz do Chapecó (RS e SC), Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Fumaça (MG), PCH Emboque (MG) e Barragem de Acauã (PB).

“As populações não são informadas dos grandes projetos que se abaterão sobre suas regiões”, critica Carlos Vainer “Ao final de seus trabalhos, a Comissão Especial considera verídica e verificável a denúncia encaminhada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana”. Essa é a conclusão do relatório. O MAB havia encaminhado, em 2006, denúncias de violações de direitos humanos ao Cddph, que deram origem à criação da Comissão Especial. O objetivo era verificar as denúncias e apresentar propostas para prevenir novas violações e minimizar os impactos sofridos pelas populações atingidas por barragens no Brasil. Entre 2007 e 2010, a Comissão realizou visitas às regiões dos sete casos escolhidos, participando de audiências públicas, colhendo depoimentos e requisitando documentos aos atingidos, órgãos públicos e empresas. O presidente do Cddph e Secretário Especial de Direitos Humanos, ministro Paulo Vanucchi, na abertura da reunião, parabenizou o trabalho da Comissão Especial considerando-o muito eficiente e

16

direitos humanos são sistematicamente violados nas barragens

competente. “Foi um trabalho histórico, que levou cerca de quatro anos. Li atentamente o relatório e sugeri que seja feito um sumário executivo para facilitar a leitura e a divulgação”, declarou o ministro. De acordo com o representante do Ministério Público Federal (MPF) na Comissão, João Aquira Omoto, a aprovação do relatório é de extrema importância, “pois é o reconhecimento do Estado de uma situação que estava se perpetuando sem que houvesse, de fato, medidas e propostas para resolvê-la”. Segundo o relatório, “os estudos de caso permitiram concluir que o padrão vigente de implantação de barragens tem propiciado, de maneira recorrente, graves violações de direitos humanos, cujas consequências acabam por acentuar as já graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual”. A Comissão identificou, nos casos analisados, um conjunto de 16 direitos humanos sistematicamente violados, dentre os quais, merecem destaque o direito à informação e participação; direito ao trabalho e a um padrão digno de vida; direito à moradia adequada; direito à melhoria contínua das condições de vida; e direito à plena reparação das perdas. Para Carlos Vainer, relator e representante do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ na Comissão, o principal direito violado é o da informação. “As populações não são informadas dos grandes projetos que se abaterão sobre suas regiões. No máximo, são confrontadas com processos de comunicação social, que na verdade constituem um marketing desses projetos, cuja mensagem é a de que eles promoverão o progresso e a felicidade geral daquela população. Essa violação se verifica em todos os casos estudados”, afirmou Vainer durante a reunião do Cddph. A falta de uma definição ampla do conceito de atingido é apontada no relatório como uma das principais causas de ocorrência de violações de direitos humanos em implantações de barragens. Um dos frutos desse estudo é o Decreto nº 7.342 da Presidência da República, de 26 de outubro de 2010, que institui o cadastro socioeconômico para identificação, qualificação e registro público da população atingida por barragens. A instituição do cadastro é uma antiga reivindicação do MAB e uma das recomendações do relatório da Comissão Especial. Para Ricardo Montagner, representante do MAB na Comissão, o relatório será mais um instrumento de luta para os atingidos por barragens e, por isso, vai ser amplamente divulgado pelo movimento. “A aprovação do relatório legitimou as denúncias e a luta histórica feita

pelo MAB. Vamos pressionar os órgãos públicos e as empresas para que apliquem as medidas de reparação recomendadas pela Comissão”, declara. Parece ficção...

Para Montagner, um dos piores casos analisados pela Comissão é o de Acauã. O relatório definiu os reassentamentos em que vivem os atingidos como verdadeiros campos de concentração. “Ali, tiraram o direito à vida. As terras do reassentamento não são próprias para o cultivo e as comunidades estão isoladas, sem possibilidades de trabalho próximo”, denuncia. Tucuruí também é considerado um caso desolador. Vinte e seis anos depois de construída a usina, centenas de atingidos ainda não foram reconhecidos e indenizados. Ocorreram graves impactos sociais e ambientais ainda não mitigados com repercussão negativa sobre a existência material e imaterial das populações e dos povos indígenas Parakanã, Asuriní e Gavião da Montanha. Ao contrário, esses impactos só tendem a aumentar com a conclusão das eclusas da barragem, inauguradas no dia 30 de novembro. Em Aimorés, o que chamou mais a atenção da Comissão foi a paisagem deixada pela hidrelétrica: onde antes corria um rio, há somente poças que constituem, segundo o relatório, verdadeiros criadouros de vetores. A multiplicação de focos de aedes não traz riscos apenas de epidemias de dengue, uma vez que o mosquito é também o vetor urbano da febre amarela.

Em Aimorés, onde antes corria um rio, há somente poças que constituem, segundo o relatório, verdadeiros criadouros de vetores Recomendações

“Sejam quais forem as opções de desenvolvimento econômico e as escolhas que vier a fazer a nação nas áreas de geração e transmissão de energia elétrica e de gestão de recursos hídricos, nada pode justificar violações de direitos humanos”, constata o relatório. A comissão recomendou a adoção de mais de 100 medidas para garantir e preservar os direitos humanos dos atingidos por barragens e evitar novas violações. O advogado Leandro Scalabrim, que também acompanhou a elaboração do relatório, destaca a recomendação de que se constitua uma Comissão Nacional de Reparação dos atingidos por barragens no âmbito da Secretaria Especial dos Direitos Humanos e com a participação de outros órgãos públicos. “O único caso histórico parecido com este é o da comissão de anistia”, diz. Além disso, o relatório apontou a necessidade de conceber, formular e implementar políticas de reparação específicas para grupos, famílias e indivíduos mais vulneráveis como idosos, crianças, doentes crônicos e portadores de deficiências físicas.

Manobra judicial Conhecido desde os anos 1970 como o político mais corrupto do Brasil, o empresário Paulo Maluf foi pego pela Lei da Ficha Limpa no início da campanha eleitoral deste ano, mas ainda pode ter seus votos validados e assumir uma cadeira na Câmara dos Deputados. O Tribunal de Justiça de São Paulo revogou decisão anterior que o condenava. Só falta agora o TSE o inocentar. Será a desmoralização total da Lei da Ficha Limpa! Bolha crescente Apesar de toda a euforia consumista da “classe média ampliada” e da venda recorde de carros e outros produtos parcelados, o Ibedec e a Serasa-Experian alertam que a inadimplência do consumidor cresceu 3,5% em novembro, em relação a outubro, a maior alta mensal registrada desde 2005, e que mais de 60% das famílias estão endividadas, sendo que 9% não conseguirão pagar suas dívidas nos próximos meses. Será mesmo? Saúde privatista Setores médicos e da saúde no estado de São Paulo prometem realizar manifestações até que o Projeto de Lei 45/2010 seja rejeitado pela Assembleia Legislativa. Não é para menos, já que o projeto do governador autoriza a venda de serviços públicos do SUS para planos de saúde particulares. É uma forma de aumentar a privatização da saúde utilizando os recursos e os equipamentos públicos. É muita cara de pau! Violência urbana Milhares de famílias que moram em áreas ocupadas de Belo Horizonte (MG), a maioria há mais de dez anos, estão em pânico com a nova investida da prefeitura e das autoridades estaduais. O risco de despejo é iminente, já que existem interesses poderosos de olho nessas áreas, tanto para especulação imobiliária quanto para a realização de obras relacionadas com a Copa do Mundo de Futebol. Os pobres que se danem! Posse imediata Dezenas de movimentos sociais e entidades de direitos humanos encaminharam ao Governo Federal o pedido para que seja expedido imediatamente o Contrato de Concessão do Direito Real de Uso das reservas de Canavieiras (BA), criada em 2006, e do Canto Verde (CE), criada em 2009, para legitimar a posse das comunidades. Sem a conclusão do processo, as duas áreas continuam degradadas pelos grupos econômicos. Reparo histórico Por unanimidade, a 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a aprovação das contas da administração da prefeita Luiza Erundina relativas a 1991, que haviam sido contestadas pelo Tribunal de Contas do Município e pela Câmara Municipal em processo com “procedimento viciado”. Na verdade, Erundina sofreu a mais terrível perseguição política durante anos, e só agora a Justiça está sendo restabelecida. Império vazado Muito do conteúdo existente nos documentos secretos veiculados pelo site Wikileaks não é novidade e nem surpreende, mas serve para confirmar suspeitas e reafirmar que é sempre prudente desconfiar da atuação do governo e das grandes corporações dos Estados Unidos. O maior exemplo disso veio a público no caso do pré-sal, quando o lobby das petroleiras tentou interferir no sistema brasileiro de exploração. Até quando?


brasil

de 16 a 22 de dezembro de 2010

Noel Rosa: 100 anos A REPERCUSSÃO DA existência de músicos boêmios dotados de indiscutível talento se limitava a um setor restrito, e em certo sentido isolado da sociedade. Almirante – a mais alta patente do rádio, como se dizia – pagou o preço de um pioneirismo: se dispunha a publicar um livro exclusivamente sobre os “sambistas”. E, de fato, publicou. Contudo o livro não teve a ampla difusão que pretendia alcançar. Depois dele vieram os dois autores da biografia “clássica” de Noel, Carlos Didier e João Máximo. Vários críticos aproveitaram o espaço aberto pelos dois biógrafos: meu amigo Sergio Cabral, Hermínio Bello de Carvalho, Jacy Pacheco, Luiz Ricardo Leitão, entre outros, provocaram saudáveis discussões. Noel chegou a se tornar algo como um nome símbolo da MPB. Suas canções foram cantadas por gente como Aracy de Almeida, Marília Batista, Aurora Miranda, Francisco Alves e outros. Ele combinava perfeitamente a disciplina exigida pela arte, a poesia e a musicalidade, como também

a boemia, a disponibilidade para o novo, e um ânimo brincalhão sempre pronto para ser reativado. Seus leitores e seus ouvintes gostavam das “molecagens” que ele fazia. Uma historinha que fazia sucesso era aquela do bonde: Noel descia do bonde lotado numa estação que era logo ultrapassada pelos viajantes. E, ao descer, gritava para os outros “viado!”. As pessoas, naturalmente, se voltavam para ver quem era aquele que gritava. Noel as decepcionava, esclarecendo: “eu chamei um só”. A unidade dos dois elementos perceptíveis na formação da consciência de Noel é um problema para nós, pesquisadores, mas não para ele. O compositor expressava tanto o espírito libertário rebelde das suas canções, como a autodisciplina necessária ao trabalho dos artistas. A credibilidade não era essencial. Num de seus primeiros sucessos, uma moça brasileira é abandonada por um português que embarca no navio “Adamastor, pra Portugal”, a fim de “se casar com uma cachopa”. A solidariedade à mo-

7

Leandro Konder

ça leva o compositor a propor que se desse uma sova no galego, reconhecendo que ele já tinha uma situação segura em Portugal. Outra ambiguidade crucial na alma do poeta estava na sua visão das mulheres. Lembremo-nos do samba em que ele diz: “Você vai se quiser, pois a mulher/ não se deve obrigar a trabalhar/ mas não vá dizer depois/ que você não tem vestido/ que o jantar não dá pra dois”. Ao longo de sua obra, em diversas ocasiões, Noel soube ser ferino em sua representação da realidade e da malandragem. A proposta de substituir a palavra “malandro” pela expressão “rapaz folgado” teve, em Wilson Batista, um efeito devastadoramente irritante, mas não ocasionou um rompimento de relações entre os dois. Para Wilson Batista, para Ismael Silva e o próprio Noel, as contradições vinham da vida: “as vezes é um sorriso/ que acompanha uma esperança;/ outras vezes é um riso/que provoca uma vingança/”. Num samba de 1931, Noel já se encaminha para a busca de uma contradição que pode se tornar

O compositor expressava tanto o espírito libertário rebelde das suas canções, como a autodisciplina necessária ao trabalho dos artistas

maior do que a razão: “da discussão sai a razão/mas ás vezes sai pancada/A questão é complicada/ Quero ver a decisão/”. A década de 1930 ficou marcada pela contribuição de Noel à MPB. E o que se viu foi não aquilo que Noel sublinhava, o espírito brincalhão, o humor, mas a espantosa produção poética. Para compor seus poemas, o compositor precisou conviver com os grandes tumultos da criação artística, sem se deixar absorver por eles. O poeta sobreviveu a um acidente, quando o médico parteiro lhe quebrou o maxilar. Mais tarde, fiel à sua paixão pelas mulheres, sentia-se feio. E compensava essa pretensa feiúra com o talento que tinha na música e nas letras. Agora, transcorridos 100 anos da sua entrada em cena, nós, os sobreviventes, observamos sua produção artística e somos levados a reconhecer a força de sua poesia: “Fazer poema lá na Vila é um brinquedo/ao som do samba dança até o arvoredo/eu já chamei você pra ver/você não viu porque não quis/quem é você que não sabe o que diz/”.

Matriz energética, desafio para o país Roni Brandão

DEBATE O modo de produção de energia que o país adotou coloca em risco o meio ambiente e as populações camponesas, além de afetar efetivamente a soberania alimentar Thays Puzzi de Brasília (DF) UM DEBATE PARA discutir os impactos que o povo camponês sofre com o atual modelo de produção e expansão energética adotado pelo Brasil. Este foi o principal objetivo do evento “Matriz Energética Brasileira: suas potencialidades e desafios”. Organizado pelo Brasil de Fato com o apoio da Petrobras, o debate reuniu, no dia 10, dezenas de trabalhadores rurais sem-terra no auditório da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em Brasília (DF). Mediada pelo professor Juarez Martins Rodrigues, da Universidade de Brasília (UnB) e do Instituto Federal Goiano, a mesa foi composta pelo professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB, João Nildo de Sousa Vianna; pelo diretor de Política Agrícola e Informação da Conab, Silvio Porto; e pelo representante da Via Campesina Brasil, por meio do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Joceli Andreoli. Motivado pela frase “energia para que e para quem”, Andreoli explicou, essencialmente, os atuais desafios enfrentados pela sociedade brasileira no que diz respeito à geração de energia por meio das usinas hidrelétricas que tiveram forte avanço no país nos últimos anos, principalmente após o início do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). “O Brasil irá investir R$ 1,5 trilhão na área da energia nos próximos anos. Desse dinheiro, R$ 1 trilhão será para a construção de hidrelétricas”, ressaltou.

“Se o Brasil tem a fonte mais eficiente de produção de energia, por que pagamos tarifas tão caras?”, questionou Andreoli Segundo dados de 2006 do Ministério de Minas e Energia, resgatados por Andreoli, 2,1% da matriz energética mundial vêm da hidreletricidade, ou seja, da água. Já no Brasil, essa mesma fonte é responsável por cerca de 17% da produção de energia. A principal matriz do mundo continua sendo o petróleo, com 35,6%, seguido do carvão e do gás natural, com 24,1% e 20,9%, respectivamente. No Brasil, o petróleo também é o principal gerador de energia, com 38,4%, seguido da biomassa, com 29,7%. “Mas quando falamos de matriz de energia elétrica, 85,4% da produção brasileira é hidráulica”, comentou. E por que as transnacionais querem a energia hídrica? Conforme Andreoli, porque além de apresentar uma alta produtividade, ela tem um baixo custo de produção e isso, consequentemente,

Debate discutiu os impactos causados pelo atual modelo de produção energética adotado pelo Brasil

permite maiores taxas de lucros. O Brasil ocupa o terceiro lugar entre as maiores potencialidades em hidreletricidade, ficando atrás da Rússia e da China. Devido às dificuldades climáticas da primeira e da alta taxa populacional da segunda, os investidores procuram o Brasil que, além de ter condições favoráveis para a construção de usinas e de impactar um menor número de populações, ainda contam com o total apoio governamental. “Se o Brasil tem a fonte mais eficiente de produção de energia, por que pagamos tarifas tão caras?”, questionou Andreoli. Segundo ele, a produção de energia do país está voltada para as grandes empresas que ainda pagam taxas bem menores pelo kilowatt (kW) se comparada com as taxas pagas pelos consumidores comuns. “Por exemplo, a Vale paga R$ 3,30 por 100 kW, já a tarifa normal para a mesma quantidade é de R$ 46,70”, comparou Andreoli. Ele ainda ressaltou que, além de pagar taxas abusivas, os povos do campo sofrem com os impactos das construções das usinas que expulsam populações inteiras de suas terras. “Hoje existem mais de um milhão de impactados por barragens no Brasil e 70% destes, sem ter outra alternativa, vão para as favelas das cidades, inchando os grandes centros que não oferecem nem uma infraestrutura digna”, lamenta. Biodiesel

De acordo com Silvio Porto, diretor de Política Agrícola e Informação da Conab, 42% do biodiesel são produzidos na região centro-oeste. Essa fonte de energia é destinada, na sua maioria, para a região sudeste, que consome 42% de toda produção nacional. “Isso já demonstra um desequilíbrio, uma rela-

2,1%

da matriz energética mundial vêm da hidreletricidade

ção pouco lógica entre produção e consumo”, destacou Porto. O diretor conta que cerca de 90% da produção do biodiesel é oriunda da soja, grão cuja área plantada está explodindo. Segundo Porto, entre 2005 e 2014, para atender a demanda de 5 bilhões de litros do óleo, a área total de produção do grão irá passar de 1,5 milhão para 8,5 milhões de hectares. Se levado em consideração que hoje a soja representa, segundo Porto, cerca de 45% da produção nacional de grãos e se a demanda for muito expressiva e se imaginar a ampliação de área para esta produção, “nós poderemos sofrer pressão sobre a Amazônia, certamente teremos mais pressão sobre o Cerrado e teremos substituição de culturas, como vem acontecendo fortemente nos últimos anos, especialmente no centro-oeste, com o abandono da produção de arroz em detrimento da soja, que tem mais rentabilidade.” Para Porto, o grande desafio é a tomada dos territórios no cultivo da soja para a produção do biodiesel, fazendo com que a agricultura familiar, responsável por 80% da produção dos alimentos, perca ainda mais espaço, colocando em risco a segurança alimentar do país. “A nossa soberania alimentar pode es-

tar efetivamente afetada em função deste tipo de relação”, salientou. Mudanças climáticas

“As mudanças climáticas são um problema global e requerem uma resposta global. As crises ambientais, financeiras e sociais decorrentes dessas mudanças climáticas não são isoladas da contínua perda da biodiversidade e degradação dos ecossistemas.” A fala é do professor da UnB, João Nildo de Sousa Vianna, que destacou as influências que o atual modo de produção tem sobre o clima.

“As mudanças climáticas são um problema global e requerem uma resposta global”, alertou João Nildo de Sousa Vianna De acordo com ele, existem dois cenários para o Brasil e para as comunidades internacionais. O primeiro é que se não houver mudanças de hábitos como as altas emissões de poluentes na atmosfera, em 2100 a temperatura média no Brasil vai subir 6ºC. Esse aumento trará consequências que irão refletir em prejuízos para o meio ambientes, a saúde e a economia. “A previsão que temos é que, com a diminuição das chuvas, em torno de 60% no nordeste, por exemplo, e o aumento na frequência de dias secos consecutivos, toda a Caatinga irá desaparecer”, alertou. Porém, se medidas forem adotadas para a redução drástica dessas emissões, no mesmo período de 90 anos, a temperatura subirá 1,5ºC.


8

de 16 a 22 de dezembro de 2010

brasil

Mais do mesmo na política econômica? Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

POLÍTICA Mesmo com saída de Meirelles e a ausência de Palocci na equipe econômica, governo Dilma deve ceder a pressão de mercado Renato Godoy de Toledo da Redação OS DEFENSORES de uma política econômica heterodoxa, pró-desenvolvimento e menos submissa ao interesse dos banqueiros, viram com bons olhos o anúncio da saída de Henrique Meirelles do Banco Central. A manutenção de Guido Mantega no Ministério da Fazenda também foi vista de forma positiva, já que o favorito para sucedê-lo seria Antonio Palocci, responsável por um forte ajuste fiscal no início do governo Lula. O escolhido por Dilma para suceder Meirelles foi Alexandre Tombini, atual diretor de normas do banco e funcionário de carreira da instituição. Segundo Mantega, o novo presidente do BC não “deve vassalagem ao mercado”. Para alguns analistas, a indicação de um técnico sem expressão política para o cargo pode indicar que o banco responderá mais à Fazenda do que sob o comando de Meirelles, quando este gozou de uma autonomia informal. Segundo essa versão, Mantega teria ganhado força com o respaldo de Lula e Dilma e poderia ser o principal formulador da política econômica no próximo governo. De orientação keynesiana, o ministro, ao lado de José Dirceu e da própria Dilma, sempre foi apontado como membro do time “desenvolvimentista” no governo. Dirigiu o Planejamento (2003-2004) e o BNDES, antes de chegar à Fazenda, após o escândalo do caseiro Francenildo que derrubou Palocci em 2005. Porém, a atuação de Tombini junto a Meirelles, e ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, indica que a política de metas de inflação e superavit alto deve ser seguida no Banco Central. A indicação do novo presidente do BC foi elogiada por expoentes do mercado, como o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco. Tombini foi um dos negociadores do empréstimo do Fundo Monetário Internacional ao Brasil em 1998 e ajudou a instituir as metas de inflação no país, um dos pilares da política econômica atual.

“Felizmente, o Brasil vive uma conjuntura oposta [à do restante do mundo], graças à política de estímulo fiscal”, observa José Carlos de Assis

Diferentes interpretações

Para reverter o ônus financeiro criado no período pré-eleitoral de 2002, que elevou o chamado risco Brasil a um patamar recorde, a equipe econômica chefiada por Palocci e Meirelles elevou o superavit primário (economia de recursos para o pagamento da dívida) do país a 4,25%. Meta mais realista do que o rei, já que o FMI, à época credor do Brasil, recomendava uma economia de 3,75%. O esforço fiscal era tão enfático que chegou a ultrapassar a meta por diversas vezes, atingindo notáveis 4,85% em 2005. Outro aceno, esse mais dolorido aos trabalhadores, foi a reforma previdenciária que determinou a obrigatoriedade da contribuição também para os trabalhadores inativos em 2003. No aspecto monetário, o BC chefiado por Meirelles iniciou o governo ampliando os juros. A taxa básica do BC, a Selic, alcançou 26,5% em maio de 2003. Hoje, ela é de 10,75%.

“Naquela época, a deterioração era interna. Agora, a principal preocupação é o cenário externo”, diz Paulo Passarinho Na opinião de Paulo Passarinho, presidente do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro, a formação dessa nova equipe econômica não traz novidades. “Haverá rigor fiscal, com metas de inflação e superavit primário”, aponta. Para o economista, o cenário atual não se assemelha com o de 2003. “Naquela época, a deterioração era interna. Agora, a principal preocupação é o cenário externo, que pode refletir na dinâmica interna. Não são conjunturas comparáveis, embora a hegemonia política continue a mesma”. Já o economista José Carlos de Assis, presidente do Instituto Desemprego Zero, apresenta uma visão diferente sobre

mado investment grade – título criado por agências classificadoras de risco para orientar a especulação financeira. Se havia algum receio de “calote” ou instabilidades, ele foi apaziguado com oito anos de política econômica austera em demasia. O principal argumento para a manutenção da política de juros é o temor da inflação. A taxa Selic, atualmente em 10,25%, apresenta um dos menores índices desde o início do governo, mas ainda é o maior do mundo. A queda desses juros não foi acompanhada pelo setor financeiro, que não tem qualquer regulamentação sobre o spread bancário – que consiste na diferença das taxas que o banco paga para adquirir o dinheiro e do índice que ele aplica ao tomador de empréstimo final. Há diferentes índices de inflação, mas o BC sinaliza que 2010 e 2011 devem apresentar um aumento nos preços maior do que o previsto pelas metas, 5,85% e 5,21%, respectivamente. O governo adota com meta 4,5%, com tolerância de dois pontos para mais ou para menos. O mercado já prevê que a Selic deve aumentar no ano que vem para combater a pressão inflacionária. A sinalização de aperto também contradiz o discurso muito utilizado por Lula e Dilma durante as eleições. Tal linha de raciocínio aponta que o Brasil foi o país com a política mais acertada para a crise, ampliando o consumo, o gasto público e a oferta de crédito. De fato, o país foi o “último a entrar e o primeiro a sair da crise”, no jargão do presidente atual e da eleita.

Guido Mantega, Miriam Belchior e Alexandre Tombini

a saída de Meirelles e a nova composição da equipe econômica. Para ele, há uma sinalização positiva que pode alterar a política monetária, que foi a parte “mais fraca dessa gestão”. “Há uma sinalização de que se pode flexibilizar um pouco a taxa de juros. E essa talvez seja a medida mais importante para se fazer em termos de macroeconomia”, aponta Assis.

Aceno desnecessário

Mantega dá sinais de que pretende realizar um aceno ao mercado, o que deve “tranquilizar” investidores. No entanto, mesmo dentro do argumento ortodoxo, não há motivo aparente para um aperto, como promete o ministro. O risco Brasil despencou durante o governo Lula e o país foi considerado um porto-seguro para os investidores, atingindo o cha-

O mundo apresenta um cenário recessivo, ainda motivado pela crise desencadeada em 2008. O cenário externo apresenta diversas “bolas da vez”, como Grécia, Espanha e Irlanda. A política restritiva torna o Brasil mais próximo de um crescimento medíocre do que de um virtuoso, como deve ser o de 2010. porém, o Brasil tem sido um dos poucos países, entre as dez maiores economias, com boas previsões de crescimento. Segundo José Carlos de Assis, ainda não dá para saber ao certo se tal ajuste será concretizado ou se trata-se apenas de um anúncio para “jogar para as galerias”. “Talvez seja apenas um aceno para os conservadores e neoliberais. Não há qualquer motivo para um ajuste fiscal. A grande mídia faz uma campanha por um corte de gastos e ajuste fiscal que chega a ser irritante. Estamos em uma situação em que parte do mundo vive um cenário de retração e deflação. Felizmente, o Brasil vive uma conjuntura oposta, graças à política de estímulo fiscal. E a grande mídia ‘esculhamba’ a política de estímulo fiscal e de ampliação do gasto público. Então, o que eles querem? Que tomemos o mesmo caminho da Grécia, da Irlanda? Um caminho de desemprego brutal?”, questiona Assis.

Mesmo com crise, pacote para policiais não deve sair PEC 300 que beneficiaria policiais e membros do Judiciário só será discutida em 2011 da Redação As centrais sindicais se reuniram com o ministro Paulo Bernardo, atualmente no Planejamento e futuro chefe das Comunicações, para exigir um maior reajuste do salário mínimo. No orçamento de 2011, foi aprovado um salário mínimo de R$ 540, que, segundo os cálculos da lei do salário mínimo, é reflexo da estagnação da economia no ano de 2009. A legislação, de 2007, exige que o reajuste anual do mínimo seja igual ou maior à inflação e ao crescimento do PIB do ano anterior. Os sindicalistas querem que o salário seja de R$ 560 e pressionam o governo. Em documento conjunto, as centrais defenderam o valor de R$ 580. O índice é fruto do cálculo da inflação de 2010, estimada em 5,85%, e o crescimento do PIB entre 2006 a 2009 (3,8%). Com a pressão, o ministro do Trabalho, Carlos Lupi (PDT) – que deve ser

R$

580

é o valor do salário mínimo defendido pelas centrais sindicais para 2011

mantido na pasta –, já fala em um mínimo de R$ 550. Mas a presidente eleita parece insistir no valor de R$ 540. O governo Lula também rejeita a hipótese de aprovar uma PEC que autoriza o reajuste a servidores públicos da segurança e do Judiciário, que acarretaria, segundo os cálculos oficiais, em uma “despesa” extra de R$ 8 bilhões. A mídia corporativa tratou de considerar o tema como uma “gastança” ou “pacote de bondades”. Paulo Bernardo chegou a afirmar que não tem medo de greve, já que “surgiu na vida fazendo greve”.

Com a crise da segurança no Rio de Janeiro, os policiais pretendem utilizar o momento para convencer os governos da importância da aprovação da PEC. Mas os governos estaduais são refratários à medida. “Logo após o anúncio da equipe econômica, já afirmaram que a PEC não seria aprovada. Essa PEC poderia ajudar a recuperar a polícia, sobretudo aqui no Rio de Janeiro onde, diga-se, o centro do crime está na corrupção policial, não neste lúmpen-proletariado armado”, aponta Paulo Passarinho, do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro. Para José Carlos de Assis, do Instituto Desemprego Zero, a aprovação da PEC 300 não influi no cenário macroeconômico do próximo período. “Precisamos parar de tratar todos os problemas trabalhistas, sociais e políticos como questões macroeconômicas. Essa é uma questão específica”, defende. (RGT)


internacional

de 16 a 22 de dezembro de 2010

9

Dinheiro que dá em árvore Vinicius Mansur

COP 16 Acordos de Cancún ratificaram a insensibilidade às demandas sociais e o projeto do mercado como solução para as mudanças climáticas

foi criticada. “Para a Bolívia, isso significaria a desaparição de nossas montanhas com neve perene, tomando em conta que nos últimos 20 anos perdemos um terço delas. Segundo o próprio IPC [instituto de pesquisa da ONU], a elevação de 2°C só dá 50% de probabilidade de que não haja um impacto irreversível para a vida no planeta”, disse Solón. A Bolívia também denunciou como descaso da COP 16 o fato de não haver uma menção sobre a criação de um Tribunal de Justiça Climática sobre os impactos das guerras nas mudanças climáticas e sobre o início de um processo oficial de debate da Declaração de Direitos da Mãe Terra.

Vinicius Mansur enviado a Cancún (México) NÃO BASTAM os diversos desastres ambientais registrados mundo afora. O documento elaborado em Cochabamba, Bolívia, durante a Conferência Mundial dos Povos sobre Mudanças Climáticas, na qual estavam mais de 35 mil pessoas em abril deste ano, tampouco foi suficiente. Não bastaram os mais de 200 protestos realizados em 37 países no marco da jornada de lutas “Milhares de Cancún”. Também não bastaram as duas marchas puxadas pela Via Campesina e os três fóruns realizados – por distintas organizações sociais – paralelamente à Conferência do Clima da ONU (COP 16) em Cancún, México. Nas palavras do equatoriano Luis Andrango, dirigente da Coordenadoria Latino-Americana de Organizações do Campo (Cloc), “a COP 16 discutiu só soluções de mercado para os efeitos da crise climática que criou, e deixou nas mãos do povo, de novo, o dever de enfrentar as suas causas”.

“O REDD premia como ‘desmatamento evitado’ até aqueles que deixam 10% da área original de pé”, explica Silvia REDD

Acordos

Por um lado, a constatação de Andrango se comprova por um não acordo. Nada foi definido na COP 16 sobre a renovação do Protocolo de Quioto, que expira em 2012. Portanto, nenhuma meta juridicamente vinculante foi estabelecida sobre redução das emissões de gases de efeito estufa. O texto de Cancún prevê apenas o estabelecimento de metas voluntárias por parte dos países e, ainda, permite a elevação da temperatura global em 2°C, com previsões de revisão desse objetivo, entre 2013 e 2015, para 1,5°C. Por outro lado, os acordos mais importantes tirados em Cancún estabelecem a operação de um Fundo Verde que deverá “mobilizar” 100 bilhões de dólares por ano, até 2020, para combater o aquecimento global em países pobres. O Banco Mundial será seu tesoureiro. Também foi aprovado o programa de Redução de Emissões procedentes do Desmatamento e Degradação (REDD), para financiar a “proteção” de florestas. Diante do fracasso da COP 15, em Copenhague, Dinamarca, os acordos de Cancún foram celebrados pelo comitê organizador mexicano como uma vitória do multilateralismo e foram motivos de aplausos entusiasmados por parte de quase todas as delegações oficiais.

“A COP 16 discutiu só soluções de mercado para os efeitos da crise climática que criou, e deixou nas mãos do povo, de novo, o dever de enfrentar as suas causas”

A voz da oposição

Coube à Bolívia – e, em menor intensidade, aos países da Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas) e às nações insulares – manter a posição firme pela definição de metas obrigatórias e contrária a mecanismos de mercado como solução. Em comunicado oficial, o governo boliviano considerou os acordos como uma “vitória vazia e falsa, imposta sem consenso e seu custo será medido em vidas humanas”. Para a Bolívia, houve uma campanha deliberada, pós-COP 15, para reduzir as expectativas de um acordo realmente comprometido e, durante a COP 16, uma campanha para isolar o país. Em seu último pronunciamento na conferência, o embaixador da Bolívia na ONU (Organização das Nações Unidas), Pablo Sólon, exemplificou a manobra: “As propostas de Cochabamba foram incorporadas ao texto de negociação, entretanto o texto de Cancún excluiu sistematicamente essas vozes (...) Em termos de florestas, propomos um mecanismo para deter o desmatamento que não nos dirija a lançar um mercado de carbono (...). Mas, como se fosse mágica, só incluíram mercados, e os outros mecanismos não são mencionados. Não se menciona diretamente o mercado de carbono, mas

Protesto em Cancun: camponeses têm milhares de soluções para combater a crise climática

apontam diretamente ao mercado, porque querem pôr preço nas árvores (...). Quando a Bolívia disse que não estava de acordo com o texto nas últimas horas da conversação, a objeção foi rechaçada.” Por considerar que o acordo final violou o regulamento da ONU na aprovação de documentos, a Bolívia anunciou que recorrerá à Corte Internacional de Justiça de Haia para contestar as resoluções da COP 16. Problemas nos acordos

Solón também criticou a forma como se desenhou o Fundo Verde, pois a gerência do Banco Mundial nunca foi um

consenso e porque não se definiu a origem dos recursos. O embaixador defendeu que os países desenvolvidos arcassem integralmente com esse fundo, como forma de pagar sua dívida climática, e que se estabelecesse claramente percentuais, para evitar ou limitar, por exemplo, que os investimentos de empresas na compra de créditos de carbono representem parte considerável do Fundo Verde. Nesse sentido, a Bolívia solicitou que o verbo da expressão “mobilizar recursos” fosse substituído por “prover”, mas ela não foi atendida. A tolerância em relação ao aumento da temperatura global em 2°C também

De acordo com a pesquisadora Silvia Ribeiro, o REDD é o pior ponto desses acordos. A ideia do programa é compensar economicamente quem deixe de desmatar. “Por isso dizem ‘desmatamento evitado’: primeiro, há que se desmatar, para depois vender ou deixar de fazê-lo. O REDD premia como ‘desmatamento evitado’ até aqueles que deixam 10% da área original de pé”, explica Ribeiro. A quantidade de carbono que se deixa de emitir ao se evitar as queimadas e os cortes se transformam em créditos por compensação de emissões de carbono, que podem ser vendidos a governos ou empresas dispostas a pagar por delegar a terceiros sua responsabilidade. Ao programa original, agregaram-se as versões REDD+ e REDD++ – ainda não sacramentadas pela ONU – que incluem pagamentos por acrescentar capacidade de armazenar carbono e por conservação e manejo sustentável da floresta. De acordo com a pesquisadora, no primeiro caso, se paga por colocar, no lugar da vegetação devastada, monocultivo de árvores, como o eucalipto, por exemplo, conhecido por danificar o ecossistema em que está localizado. No segundo, agentes externos dirão às comunidades o que se pode fazer ou não com seu território, de modo a garantir a capacidade de absorção de carbono. Estas, por sua vez, “assinarão ‘voluntariamente’ a alienação do manejo autônomo em troca de alguns ‘pesos’ [dinheiro]. Empresas altamente poluentes comprarão essa capacidade para seguir contaminando e ainda poderão revender seus créditos de carbono em um mercado secundário, onde se registra o maior volume monetário dos mercados de carbono. Ou seja, venda e revenda de, literalmente, ar puro”, concluiu. Apesar das previsões de Ribeiro, a forma como se financiarão as ações de REDD ainda não foram definidas pela ONU. Estão em jogo a possibilidade de financiamento exclusivamente por meio de fundos públicos ou a permissão para participação do mercado de créditos de carbono. Entretanto, a COP 16 adiou essa decisão para o ano que vem.

Construir o consenso desde os povos Após intensa ação política em Cancún, Via Campesina quer popularizar debate sobre mudanças climáticas e priorizar consulta mundial do enviado a Cancún (México) Foram seis caravanas saídas de distintos pontos do México. Um fórum de seis dias com discursos ilustres, como o de Leonardo Boff e Evo Morales. Duas marchas que reuniram mais de dez mil manifestantes – e, também, milhares de policiais antimotim – pelas ruas de Cancún. Empunhando o slogan “camponeses e camponesas esfriamos o planeta”, a Via Campesina buscou disputar, com a COP 16, territórios no México e consciências mundo a fora. “Estava claro que a COP seria uma fraude, nossa meta era denunciar isso e marcar o debate. Defender as propostas que tiramos em Cochabamba, mostrar que os camponeses têm milhares de soluções para combater a crise climática. Conseguimos ser a voz paralela, junto a países aliados, sobretudo, a Bolívia”, avaliou o assessor técnico da Via Campesina, Peter Rosset. O próximo passo tirado pela Via Campesina é difundir o debate, centrando forças na realização de uma consul-

ta mundial sobre mudanças climáticas. “Vamos levar a discussão a cada um de nossos países, refletir, formar as pessoas. Precisamos também fortalecer nossos meios e nossa política de comunicação. Mas queremos, sobretudo, levar a cabo uma consulta internacional, popular. Queremos um processo de educação popular, de fortalecimento de alianças e do nível de formação e informação. Isso tiraria a discussão desses poucos man-

“Queremos levar a cabo uma consulta internacional, popular. Queremos um processo de educação popular, de fortalecimento de alianças e do nível de formação e informação”

datários e representantes dos governos, levando a uma discussão de caráter mundial, porque isso é um desafio de toda a humanidade”, relatou o dirigente da Coordenadoria Latino-Americana de Organizações do Campo (Cloc), Luis Andrengo. Consulta sobre o clima

A consulta internacional sobre o tema é um proposta originada na Conferência Mundial dos Povos sobre Mudanças Climáticas, realizada no último mês de abril, em Cochabamba, Bolívia. Ainda não há uma data definida para sua realização, porém, a Via Campesina especula que a entrega dos resultados seja realizada nas vésperas da Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida como Rio+20, em maio de 2012. Segundo Andrango, também devem entrar na agenda de lutas contra a crise climática um encontro entre governos da Alba, partidos de esquerda e movimentos sociais em março de 2011, além da COP 17, em Durban, África do Sul, também no ano que vem. (VM)




12

de 16 a 22 de dezembro de 2010

internacional

Hortas florescem em telhados de Gaza Reprodução

PALESTINA Sem terras e com suas plantações destruídas pelo Exército de Israel, palestinos cultivam alimentos em cima das casas Eva Bartlett de Beit Hanoun (Palestina) “CULTIVAMOS EM nosso telhado porque somos agricultores sem-terra”, diz Moatassan Hamad, de 21 anos, morador de Beit Hanoun, localidade do norte da Faixa de Gaza, na Palestina. “Nossa família é grande e, por sorte, podemos nos alimentar com o que plantamos”. Eles cultivam uma variedade de verduras. “Repolho e berinjela no inverno, e endochriyya [uma planta usada para fazer sopa], alho e cebola no verão. E, também, outras coisas que podemos vender, como flores”, explica. Os Hamad vivem em uma típica casa construída com blocos de cimento, em meio a um acampamento de refugiados palestinos. “Nos acampamentos, não há espaço, nem árvores, nem parques públicos”, afirma Moatassan. As exuberantes vegetações e o colorido de seu jardim contrasta com o cinza que domina sua casa e as vizinhas. Em grandes contêineres de plástico azul crescem tâmara, laranja e palmeiras, salsinha, cactos e pimentas. “Nossos amigos gostam de vir se sentar aqui, porque a maioria deles não têm nada parecido”, conta. O diretor do Centro Palestino para o Desenvolvimento da Juventude, Hussein Shabat, orienta as famílias que trabalham em projetos de hortas no telhado, às vezes com ajuda de doadores estrangeiros. “Beit Hanoun é um lugar importante para essas hortas. Está perto da fronteira com Israel, e boa parte da terra agrícola foi destruída reiteradamente pelo Exército israelense”, afirma.

“Beit Hanoun é um lugar importante para essas hortas. Está perto da fronteira com Israel, e boa parte da terra agrícola foi destruída reiteradamente pelo Exército israelense”

Destruição

Segundo o Comitê Palestino de Alívio Agrícola, até 7.500 hectares de terra agrícola de qualidade foram destruídos pelos tratores e bombardeios israelenses. “Também há muitos agricultores que não podem ter acesso às suas terras por causa dos israelenses”, diz Hussein. A imposição israelense de uma “zona de exclusão” ao longo das fronteiras de Gaza engole pelo menos um terço das terras agrícolas da faixa, tornando letal qualquer área fronteiriça em qual os produtores queiram chegar. Antes, essas terras produziam trigo, cevada e uma variedade de frutas. Era o celeiro de Gaza.

Alimentos cultivados em telhados por agricultores sem-terra

7.500

hectares de terra agrícola de qualidade foram destruídos pelos tratores e bombardeios israelenses em Beit Hanoun, em Gaza

“Muitas pessoas abandonaram suas casas e terras perto das áreas de fronteira por medo dos constantes disparos e ataques com explosivos praticados pelos israelenses”, conta Hussein. Agora, na paisagem de Beit Hanoun, não há água nem árvores. No telhado achatado e quadrado de cimento de outra casa do lugar, Ahed Shabat, de 42 anos, cuida das plantas e verduras que crescem em cubas e recipientes de cimento, em meio à roupa no varal e recipientes com água. “Cultivamos produtos que possamos usar o ano todo, como alho e cebola”, diz. “Mas cultivamos também todas as plantas da estação, como espinafre, salsinha, rabanete, berinjela e milho. Também plantamos flores e ervas para fazer chá, como menta, merremea e zaatar”, acrescenta. As últimas duas ervas, que em geral crescem silvestres nas colinas da ocupada Cisjordânia, são ingredientes básicos para a maior parte do chá dos palestinos, e possuem propriedades medicinais. O telhado ajuda a manter sua família de seis membros, e é uma ilha de calma. “Esta horta se destina mais ao consumo de nossa família, e serve para economizarmos dinheiro”, afirma Ahed. “Minha família desfruta de se sentar aqui entre

as plantas, porque a maior parte da vida vegetal de Beit Hanoun foi destruída”. Combate à pobreza

Projetos de cultivo doméstico de alimentos, como os desenvolvidos em hortas de telhado, bem como a criação de coelhos e frangos nos tetos, ajudam a combater a grave pobreza de 80% da população de Gaza que dependem da assistência alimentar. Os que vivem em lotados acampamentos de refugiados ou superpovoadas localidades, mas têm acesso a um telhado, podem manter longe a desnutrição e, ao mesmo tempo, gerar uma pequena renda. “Gosto de criar aves”, diz Abu Jehad, de 17 anos, no telhado de sua cooperativa de apartamentos do centro de Gaza, onde cria cerca de 100 frangos e 20 pombas. “Aprendi sobre os frangos olhando como meu amigo trabalhava em sua cooperativa. O único lugar que tinha para criar frango era nosso telhado”. Seu empreendimento agrícola consiste em uma área de 1,5 por 3 metros de pedaços de madeira, metal e rede que abre diariamente para deixar os animais correrem e ciscarem por todo o local. “Comecei com nove frangos que meu amigo me deu, e comprei outros dez com dinheiro que tinha guardado. Minha família me deu um pouco mais para ajudar, e, assim, comprei outros 30”, explica. O negócio não é fácil. “Nessa primavera [outono, no Brasil], teve vento frio pela manhã. Eu só tinha material básico para uma jaula simples, que estava muito exposta. Alguns frangos morreram por causa do vento e da exposição ao sol intenso”, diz. Outros ficaram doentes. “Os remédios são muito caros devido ao cer-

co [que Israel impõe à Faixa de Gaza], e para mim já era um esforço lhes trazer comida. Mas, agora, comprei os remédios, porque, do contrário, todos morreriam. Agora, tenho 50 casais e diferentes tipos de frango”, acrescenta Abu. Os ovos e a carne são de melhor qualidade do que a dos animais criados em granjas, graças aos alimentos naturais que lhes dá, assegura. “Não uso alimento com esteroides nem produtos químicos, apenas cascas de verduras, pão seco e sementes e deixo que circulem pelo telhado todos os dias”.

“Aprendi sobre os frangos olhando como meu amigo trabalhava em sua cooperativa. O único lugar que tinha para criar frango era nosso telhado” Algumas organizações não governamentais em Gaza dão ajuda a projetos como esse, mas Abu começou por conta própria. “Gastei muito dinheiro para começar, sem nada ganhar por muito tempo. Quando tive mais frangos, comecei a ganhar um pouco de dinheiro. Se minha família não precisava do dinheiro da venda dos ovos, usava para comprar alimento para os frangos”, diz. O que começou como um projeto nascido da fascinação se converteu em meio relativamente lucrativo de ajudar a satisfazer as necessidades familiares. (Envolverde/IPS)


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.